GRAÇA E FÉ NOSSA SENHORA DO BRASIL
POR
JUAREZ MALAVAZZI
PARÓQUIA NOSSA SENHORA DO BRASIL A Paróquia Nossa Senhora do Brasil foi fundada em 1940, pelo segundo arcebispo de São Paulo, Dom José de Afonseca e Silva, no bairro Jardim América.
A PADROEIRA
A história da devoção à Nossa Senhora do Brasil vem
do início do século XVII, com a existência de uma imagem da Virgem Maria - considerada milagrosa entre uma missão indígena em Pernambuco. A escultura de 1,5m, talhada em madeira, era uma peça artística original e, sem dúvida alguma, feita no Brasil já que a Virgem possuía traços indígenas e o Menino era mestiço, ambos com corações feitos em ouro e cercados por raios luminosos, representando o amor. Alguns historiadores consideram ser do Padre José de Anchieta, um dos fundadores da cidade de São Paulo, a inspiração para a criação da imagem. Conta uma antiga tradição que foi ele mesmo quem encomendou a um índio artesão a confecção, durante a sua estada em Pernambuco.
A imagem teria permanecido em uma aldeia até 1630
e desaparecido no período dos ataques dos holandeses calvinistas no Nordeste. Em 1710, foi redescoberta pelos padres da Ordem dos Frades Capuchinhos e, em 1725, escolhida padroeira da prefeitura apostólica de Recife, com o nome de Nossa Senhora dos Divinos Corações, tendo seu altar na igreja de Nossa Senhora da Penha.
N a época, Frei Joaquim d’Afragola tinha muito cari-
nho pela imagem e, secretamente, enviou-a com todos os seus adornos para o seu convento de origem em Nápoles, na Itália. A imagem foi entronizada em 1929 na igreja de Santo Efrem e, desde que chegou ao porto italiano, muitos milagres foram atribuídos a ela que, por sua origem brasileira, foi saudada pelo povo como a “Madonna del Brasile” e Virgem Mãe de Deus Brasileira.
A madrugada de 22 de fevereiro de 1840 tornou a san-
ta ainda mais conhecida, ao sobreviver ilesa a um violento incêndio na igreja. Tudo ao redor da imagem foi destruído pelo fogo e ela manteve-se intacta.
O prodígio espalhou-se pela Itália, a igreja foi re-
construída e o local tornou-se ponto de peregrinação. Por causa dos inúmeros milagres que se multiplicavam a cada dia e ao milagre do incêndio, o Vaticano recomendou à diocese local que coroasse a santa com o título oficial de Nossa Senhora do Brasil. Em 1867, por conta de uma mudança no convento dos capuchinhos, a imagem foi transferida a outra igreja de Santo Efrem, na mesma cidade.
A construção da igreja matriz foi decidida em reunião
HISTÓRICO
no Banco Comercial do Estado de São Paulo. A comissão executiva era presidida pelo então deputado P. João Batista de Carvalho, tendo como secretário Emanuel Whitaker e como tesoureiro Alcides Vidigal. A comissão de honra era integrada por figuras ilustres como o Dr. Cásper Líbero, Nadir Figueiredo, Dr. Gabriel Monteiro da Silva e outros. A comissão de senhoras reunia figuras da alta sociedade como Adelina Lara Bueno, Ester Cardoso de Almeida, Luiza de Assunção Machado, Amélia Piza de Lara e outras. A autoria do projeto inicial da igreja, em estilo colonial brasileiro modernizado, era de autoria do engenheiro George Przirembel, integrante da comissão de honra. Porém, o projeto que foi efetivamente executado é do arquiteto e proWfessor Bruno Simões Magro, catedrático da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. As obras tiveram início em 1942, por iniciativa do vigário Monsenhor João Batista de Carvalho — também deputado estadual e jornalista —, em local cedido pela Prefeitura Municipal, numa área planejada para jardim pela Companhia City. Sua execução ficou a cargo da empresa Tavares Pinheiro S.A., sob direção do engenheiro Breno Tavares. Os trabalhos se prolongaram por quatorze anos, quando uma empresa especializada começou a belíssima decoração interna.
DECORAÇÃO INTERIOR Antônio Paim Vieira, pintor e ceramista, definiu a decoração dos interiores. A identidade nacional foi característica marcante da temática e da técnica que empregou. É de sua autoria a pintura no teto da capela-mor que mostra o céu estrelado como no dia da Natividade de Maria, festa da Padroeira, celebrada no dia oito de novembro. Ao centro, a Virgem e o Menino estão cercados de representantes das diversas regiões brasileiras, vestidos com roupas típicas. Essa “brasilidade” da igreja, que está em seu nome e em sua arquitetura, foi bem expressada pelo orador sacro Monsenhor Castro Nery, que, por ocasião da inauguração do templo, em 1958, disse as seguintes palavras: “Tu não és italiana, nem francesa, nem grega. És brasileira. Bem brasileira assim como teu moreno de cuia…”
ARQUITETURA A Paróquia Nossa Senhora do Brasil é um dos templos mais elegantes da capital de São Paulo, com inspiração nos templos mineiros e com um interior que recorda belas igrejas portuguesas. Possui painéis de pastilha cerâmica que lembram a Igreja de São Basílio, em Moscou, e a balaustrada de suas torres remete a minaretes muçulmanos. No seu interior encontra-se o altar-mor de madeira entalhada que pertenceu à Igreja de Sant’Ana de Mogi das Cruzes, com data estimada de 1740, de acordo com o escritor francês Germain Bazin na obra L’Architecture Religieuse Baroque au Brésil.
ESCADÓRIO Oito estátuas ornamentam o tablado abrangido pelo semicírculo formado pelos dois pórticos frontais: de São João Batista e Evangelista, Pedro e Paulo, Ana com Nossa Senhora Menina e José, Isabel e Joaquim. As estátuas foram esculpidas por professores da Faculdade de Belas Artes de São Paulo como Galvez, Orleani e Júlio Guerra. A de São Pedro é doação de José Ermírio de Moraes. Moldadas em cimento com estrutura de ferro compõem um conjunto harmonioso.
ALTARES DO SANTÍSSIMO E DAS VIRGENS
CAPELA DE MALTA O Pe. Afonso de Moraes Passos, além de construir a
estrutura de aço no teto, de colocar o piso e de edificar o altar policrômico da Virgem Latino-americanas, edificou a primeira capela do Santíssimo no altar de São José. Seu sucessor, o Cônego Leme, deslocou o altar do Santíssimo para onde se encontra hoje, edificando para tanto o altar voltado para o povo. Ao Cônego Leme coube a decoração de toda a igreja com azulejos de Paim.
ANTÔNIO PAIM VIEIRA
(São Paulo, 2 de novembro de 1895 – São Paulo, 11 janeiro de 1988) Pintor, ilustrador, ceramista, decorador, cenógrafo, gravador e professor brasileiro.[1]
BIOGRAFIA Filho e neto de uma família tradicional, ficou conheci-
do como Paim. Seus pais foram Maria Isabel Pamplona Paim Vieira e Mariano Antônio Vieira, português, nascido na ilha de São Miguel, do Arquipélago dos Açores. Muito criança ainda, veio ao Brasil e é a ele que se deve a iniciativa da fundação do bairro da Bela Vista – A Igreja do Divino Espírito Santo na Bela Vista foi erguida graças à sua esposa, Dna. Maria Isabel que doou o terreno para a edificação da mesma.[2] Capa em xilogravura para revista Ariel criada por Antônio Paim Vieira, um dos fundadores do periódico junto a Mario de Andrade e Sá Pereira. BIOGRAFIA Antônio Paim Vieira iniciou seus estudos na Escola Caetano de Campos construída pelo arquiteto Ramos de Azevedo entre 1890-1894. Pertenceu a uma das primeiras turmas junto com a poetisa Cecília Meirelles, a pianista Guiomar Novaes e o desenhista Belmonte que se tornariam seus íntimos amigos, sendo Guiomar Novaes inclusive madrinha de seu casamento em janeiro de 1941, com Maria Rita Ribeiro Franzen.[2] Tiveram três filhos: Antônio Gabriel,
Trindade e Maria Merita. Esse foi o início de uma carreira onde Paim desenvolveu um amplo trabalho artístico que englobou diversas formas de expressão como: pintura, cerâmica, ilustração, gravura – pioneiro com trabalhos de xilogravura em São Paulo e afinal desenvolveu um trabalho como cenógrafo. Paim participou ativamente para a fundação da Escola de Belas Artes de São Paulo,[3] onde atuou por mais de quarenta anos lecionando História da Arte e buscando sempre uma “estética brasileira” em seus trabalhos, e graças à sua essência versátil, conciliando vários estilos diferentes, deixou um patrimônio artístico de valor histórico efetivo por sua plástica nacionalista. Assumiu na FAU-USP a cadeira de Arte Decorativa em 1950 e lecionou também no curso de especialização de professores de desenho no Instituto Caetano de Campos e, até completar oitenta anos, lecionou Plástica e Composição na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Bragança Paulista. É considerado um dos precursores da FAU-USP.[4] Foi um dos destaque da Bienal Brasil Século XX.[5
OBRA SEMANA DE ARTE MODERNA DE 22 Em 1922 participa da Semana de Arte Moderna, entrando nesse movimento com espírito jocoso, pois não acha que em São Paulo haja um ambiente modernista e muito menos artistas modernistas: “Se existem, são um ou dois maus desenhistas que seguem essa corrente que na Europa é moda, mas que aqui ainda não chegou.” Por insistência do seu amigo Yan de Almeida Prado, que quer participar da exposição, fazem com espírito trocista, a quatro mãos, três trabalhos: “La Faune Rassacie”, “Une Anglaise m’a dit” e “Galpolliere”, títulos inventados para ir ao encon-
tro à nova poesia que os modernistas divulgam. Dos três trabalhos foram aceitos dois e todos assinados por Yan de Almeida Prado, pois Paim apesar de tê-los pintado, e todos sabiam disso, não concorda com esse movimento que ele julga um arremedo ao verdadeiro movimento modernista e que participa por brincadeira, sem seriedade. “Assim ironicamente, sem mesmo ter compreendido o sentido do movimento, Yan de Almeida Prado e Paim passaram à história da renovação das artes no Brasil por terem participado num gesto de “desfastio”, conforme diz Yan, da exposição que é um marco na cultura brasileira”.[6]
CERAMISTA Interior da Igreja de Nossa Senhora do Brasil, mostrando a Virgem com feições índias, tendo ao colo o Menino-Deus mestiço e ostentando cada um, ao peito, um coração. Ao redor trabalhadores em seus diversos ofícios cercados por elementos da flora e fauna brasileira. A capacidade polivalente do Paim aparece na cerâmica artística, um campo então pouco explorado no Brasil. Em 1928 apresentou a “Exposição de Cerâmica Brasileira”, a primeira em seu gênero em São Paulo, expondo 216 pratos com motivos regionais e paisagens brasileiras. A mostra foi muito bem recebida pelo público e teve apreciações elogiosas da crítica: Angelo Guido o julgou superior a Theodoro Braga e considerou essas obras “o mais interessante e brasileiro que se tem feito entre nós”. Mário de Andrade dedicou-lhe quatro artigos seguidos, onde disse que “o grande mérito do artista é o pioneirismo por não existir uma tradição nacional de cerâmica a que se pudesse apegar” ou “a importância da mostra está na solução do abrasileiramento da cerâmica que Paim pretende”. A coleção também foi exibida no Rio de Janeiro, repetindo a boa acolhida.[2] Segundo Patrícia Bueno Godoy, “a exposição individual suscitou críticas positivas, que aplaudiram as pesquisas realiza-
VIA SACRA
das por Paim pela tentativa de resolver o problema artístico brasileiro por meio da representação da paisagem e das estilizações dos elementos nacionais em cenários de matas cheios de onças, tucanos, antas e tatus entrelaçados de samambaias”.[7] Em 1950 inicia a obra da Igreja Nossa Senhora do Brasil, tradicional igreja de São Paulo, que se prolongou até a década de 70. Toda a decoração da Igreja foi feita pelo artista, desde o teto da capela-mor, este em afresco, como todos os painéis em azulejos que enfeitam no exterior, o frontispício, as laterais da nave principal, as cinco capelas, o púlpito, corredores, confessionários, entrada e os arcos laterais externos.[2] * Roberto Pontual o colocou em destaque entre os decoradores de temática nacionalista.[8] * Roberto Pontual, em Arte/Brasil/Hoje/50 anos depois (1973), ao discorrer sobre a arte decorativa destacou alguns nomes de pintores que, ligados ou não ao modernismo, demonstraram interesse em temáticas nacionais; são eles: Theodoro Braga, Vicente do Rego Mont eiro, Regina Graz Gomide e Antônio Paim Vieira.
DESENHISTA E ILUSTRADOR Em seus trabalhos como ilustrador, realizou para Menotti Del Picchia a edição da sua obra “As Máscaras” publicada em 1920. Passa a colaborar com várias revistas da época: “A Cigarra”,[9] “A Garoa”, “A Vida Moderna”, “Papel e Tinta”, esta sob a tutela de Menotti del Picchia, “Fon!Fon!”, criando capas, vinhetas, ilustrações do texto, publicidade, além de remeter trabalhos para revistas portuguesas.[2] Com suas ilustrações e desenhos deu uma significativa contribuição para a disseminação de uma iconografia nacionalista.[7] Paim ilustrou também “Sombra, Silêncio e Sonho” de Martins Fontes, “Urupês” de Monteiro Lobato, “Que é que há” de Paulo de Andrade, “Meu” de Guilherme de Almeida e “Tupinambá” de Mário de Andrade que foi seu parceiro junto a Sá Pereira na criação da revista “Ariel” em 1924. De tendência avançada foram também algumas de suas ilustrações para capas de livros editados nos anos vinte, revelando suas andanças pelos domínios do Modernismo. Não se pode esquecer um gênero em que Paim se revelou exímio mestre; refere-se às encadernações lavradas artesanalmente em couro e madeira. Exemplificam-se bem as capas que realizou para a 8ª edição de “Poesias” de Olavo Bilac; para uma das edições de “Oração aos Moços”, de Rui Barbosa e entre outras, “As Cidades Eternas”, de Martins Fontes.
XILÓGRAFO Paim é um dos primeiros, senão o primeiro, a trabalhar com xilogravura.[10] Fez inúmeros trabalhos além de empregar essa técnica para as ilustrações da revista sobre musica “Ariel” e foi um acontecimento. “Tanto nos anúncios que fazia como nas ilustrações da revista, aproveitava como motivo, as coisas brasileiras, folhagens e animais estilizados” (depoimento do artista em 1974). Também se destaca na ilustração da capa de “Pathé Baby”, livro de Alcântara Machado “onde Paim executa uma das mais curiosas e originais composições gráficas da época (uma provável influência de suas experiências na xilogravura) que sintoniza muito bem com o estilo da frase “curta e seca”, segundo Sérgio Milliet.
CENÓGRAFO Criou cenografias e figurinos para várias peças de teatro, incluindo obras de Procópio Ferreira, Molière, Paulo Gonçalves,[2] onde participaram Dulcina de Moraes, Odilon Azevedo, Sadi Cabral, Leopoldo Fróes e outros atores. Conforme a pesquisadora Tânia Marcondes, “Paim tem papel inovador na cenografia da época e estava muito adiante dos interesses e das expectativas do público e do teatro do seu tempo. Ele faz coisas que só foram aparecendo muito mais tarde com Fokuda e mesmo com Fujima”.
GRAÇA E FÉ NOSSA SENHORA DO BRASIL
PROJETO EDITORIAL E FOTOGRAFIAS
JUAREZ MALAVAZZI T 11 98924 7587