Piracicaba Como ninguém viu no interior
Exclusivo O outro lado da situação, por militares
UNIMEP O esconderijo de Boaventura
A Era O ato é passado, mas a memória é presente. 50 anos depois.
Edição 01 – Maio/2014
dos desesperados
Universidade Metodista de Piracicaba 2014 Curso Jornalismo Semestre 3° Disciplina Jornalismo na Internet Docente Prof° Wanderley Florêncio Garcia Redatores Caroline Neves Júlia Godinho Letícia Castro Reinaldo Diniz Capa Bruna Del Monte Ilustrações Marina Coletti Imagens Caroline Neves Reinaldo Diniz/Acervo CCMW
Carta ao leitor Caro leitor, Nas páginas seguintes, você mergulha nos bastidores do cinquentenário do Golpe Militar. Foram 21 anos de repreensão de, principalmente, estudantes e jornalistas. A edição desta revista aborda o acontecimento na cidade de Piracicaba (interior de São Paulo). Reportagens mostrando o “lado” a favor e o “lado” contra a Ditadura. Relatos de torturas e relatos de intervenção. Como diria Chico Buarque de Holanda, “Apesar de você, amanhã será outro dia”. Cada dia era uma expectativa do que viria acontecer. A história da primeira Universidade Metodista da América Latina, fundada em 1964, sendo o primeiro vestibular, aplicado no dia do Golpe Militar, primeiro de abril. Como ela auxiliava os estudantes perseguidos? Quem dava assistência? Confira na reportagem da repórter Júlia Godinho. Na reportagem de capa, relatos de um profissional da imprensa, diretor de um jornal piracicabano circulado durante 57 anos, que conta momentos de tortura e censura. Muito mais na reportagem de Reinaldo Diniz. Caroline Neves, Júlia Godinho, Letícia Castro e Reinaldo Diniz. Quatro repórteres, atrás da informação, resgatando a história. Foram dois meses de pesquisas, entrevistas, relatos, para entregar a você, leitor, a situação vivida nos “anos de chumbos”. Desejamos, a todos, Boa leitura!
Edição de Vídeo Samuel Pancher Diagramação Reinaldo Diniz
Equipe Revista Enfoque
“A cidade, em geral, aprovou o golpe” Letícia Castro lmcastro@unimep.br
Beatriz
Vicentini, que também assinou livros e artigos como Beatriz Elias, relata o que Piracicaba viveu a partir de março de 1964, por conta do golpe militar.
Estudantes e repúblicas foram vistoriadas. Há casos de estudantes que ficaram presos por alguns dias, porque faziam panfletagens e trabalhavam com uma literatura mais visada.
A jornalista pesquisa sobre a ditadura militar no Brasil há mais de 20 anos. Desde o final dos anos 1990, quando os arquivos do DOPS-SP foram abertos à consulta pública.
“A cidade, em geral, aprovou o golpe”.
Em 1960, Piracicaba tinha em torno de 115 mil habitantes. Destes, pouco mais de 10% era constituído por operários, em sua maioria, metalúrgicos. Era uma cidade acostumada com o alto índice de greves, manifestações e consequente intervenção policial. Ou seja, já havia certo nível de repreensão na cidade. Os jornais da época relatavam que em questão de dois ou três dias, a cadeia estava lotada. A pesquisadora questiona: “Onde que a cidade foi encontrar tantos comunistas e tantos subversivos?” Piracicaba não era um foco do Partido Comunista, ou seja, não havia movimentação que justificasse tantas prisões. Sem acusações formais, foram presos os principais líderes sindicais.
Beatriz conta que, como a maioria do país, Piracicaba aplaude a chegada dos militares. Há uma adesão maciça ao golpe: o comércio fecha, as indústrias liberam todos os funcionários, as escolas param. As elites dirigentes da cidade estão do lado dos militares. A maioria dos problemas de repressão acontecia na delegacia. Não havia essa figura ostensiva do militar na cidade. Na verdade, Piracicaba não sentia a presença do militar fardado, ao contrário das grandes capitais. Mudanças Quando João Hermann é eleito, a cidade começa a mudar. Ele se alia a Elias Boaventura (reitor da UNIMEP) e juntos, vão fazendo de Piracicaba um centro nacional de debate que nunca fora visto no país. Entre 1978 e 1984 quem não tinha onde debater ou fazer congresso vinha para Piracicaba.
A prefeitura e a UNIMEP abriam esse espaço. Então veio para a cidade: anistia, sem terra, favelado, metalúrgico, petroleiro, etc. Luís Carlos Prestes, palestinos que não eram reconhecidos, a UNE (União Nacional dos Estudantes), movimento das prostitutas, movimento das Diretas Já, passaram pela cidade. Isso acontecia sem nenhum tipo de problema, afinal Hermann e Boaventura tinham uma estratégia proposital de “fazer muito barulho”, até para se protegerem. A cidade começa a ter outro clima. Qualquer coisa que acontecia as pessoas iam protestar na praça. foram anos muito especiais para Piracicaba”. “Em cidades menores, como Piracicaba, a polícia te observa como alguém que ela já conhece, e escreve os relatórios (DOPS) de uma maneira quase que pessoal.” Ainda surpresa com a atitude do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), em desistir da publicação do livro, Beatriz se mostra bastante otimista em relação ao lançamento do livro que será publicado a partir da iniciativa independente de seus autores. O livro “Piracicaba, 1964 – o golpe militar no interior” terá cerca de 400 páginas, ilustrado com imagens da época. A capa é de Domênico Massareto. Divulgação
A UNIMEP
A UNIMEP Júlia Godinho jigsantos@unimep.br
A UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba), antiga ECA e primeira Universidade Metodista da América Latina, nasceu no dia 1° de abril de 1964, um dia após o golpe militar que ocorreu no Brasil. E por coincidência ou não o tema da redação de seu primeiro vestibular foi “a revolução dos militares no Brasil”. A ECA (Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Administração) foi criada durante uns dos períodos mais conturbados do país, já provocando seus alunos para irem mais além. Apesar do impedimento institucional criado pelo governo militar, que impedia a faculdade de tratar sobre assuntos políticos, seus professores e outros profissionais fizeram de tudo para que seus alunos fossem os mais politizados possíveis. Graças a eles, Piracicaba ganhou destaque como a cidade onde grupos de pessoas lutavam pelo fim do regime militar. Durante a ditadura, a faculdade e a prefeitura se uniram e abriram espaço para que vários grupos fizessem suas reuniões em suas dependências. Grupos como a UNE (união nacional dos estudantes), a anistia, os sem terra, favelados, metalúrgicos, petroleiros entre outros foram recebidos lá. E a instituição ainda arrumava lugares seguros na cidade, para que essas pessoas pudessem se abrigar durante o tempo que ficavam lá.
Segundo Sylvana Zein , viúva do ex-reitor Elias Boaventura “Existiam pessoas do governo infiltradas entre estudantes e professores, mas quando eram descobertas, ao invés de serem demitidas, outros funcionários passavam contra informações para elas, assim, a Unimep sempre estava à frente.” Estar à frente era uma de suas maiores estratégias, a faculdade tinha uma política diferente de outras, ao invés de esconder o que estava acontecendo lá, eles anunciavam em jornais importantes e mostravam para o país inteiro, assim evitando que os militares impedissem essas reuniões. A faculdade foi investigada e fichada nos anos 80, pelo Deops. Um dos casos monitorados foi o do ex-reitor Elias Boaventura, que foi retirado de seu cargo pelo Conselho Diretor da universidade, devido a problemas financeiros. Divulgação/Unimep
A Universidade foi instalada no centro de Piracicaba—SP
Reprodução/Caroline Neves
Em 1985, Elias da Boaventura e luMudou o rumo faculdade, seu vice Almir Souza Maia, fostando para quedeseus alunos foramdiferentes, retirados, pelo conselho disem mobilizando Diretor da faculdade, de seus ferentes lideranças para que cargos. O motivo oficial, foram agissem, levou Mas intelectuais problemas ele financeiros. separa fizessem palestras e gundoque Sylvana, o conselho era formado por uma maioria de condessem aulas. servadores, que não o queriam
Um homem da nação Não tem como contar a história dessa faculdade sem falar sobre o ex-reitor Elias Boaventura. Fundador do movimento negro em Piracicaba, melhor educador metodista do século XX, cidadão piracicabano, doutor Honoris Causa da Unimep, presidente de honra do PT comunidade. E esses são só alguns de seus títulos e realizações. Um homem diferente que lutou por aquilo que acreditava, enquanto reitor da faculdade fez o possível e o impossível para ajudar a todos que lutavam pela democracia, muitas vezes colocando sua vida em risco, “Ele tinha medo, mas alguém precisava fazer isso.”.
Em 1985, Elias Boaventura e lá. Mas após protestos e uma luseu vice ele Almir de Souza aoMaia, ta judicial foi reconstituído foram pelo cargo e retirados, pode terminar suaconselho gestão. Diretor da faculdade, de seus cargos. O motivo oficial, Sylvana Zein, é só elogio para foram o falecido marido “Elias foiMas um seproblemas financeiros. homem Sylvana, extremamente honesto, era gundo o conselho saiu da Unimep tão pobre quanformado por uma maioria de conto entrou” e completa dizendo “ servadores, não oe pela queriam ele lutou pelaque liberdade lá. Mas após protestos e uma luta judicial ele foi reconstituído ao cargo e pode terminar sua gestão. Sylvana Zein, é só elogio para o falecido marido “Elias foi um homem extremamente honesto, saiu da Unimep tão pobre quanto entrou” e completa dizendo “ ele lutou pela liberdade e pela democracia”. Elias Boaventura faleceu no dia 07 de janeiro de 2012, aos 74 anos, devido a um acidente vascular cerebral. (Júlia Godinho)
A VIDA COMO ELA FOI Reinaldo Diniz redveira@unimep.br Reinaldo Diniz/Acervo CCMW
Ano de 1964. Piracicaba com aproximadamente 110.000 habitantes, era informada através de três matutinos diários: Folha de Piracicaba, O Diário e Jornal de Piracicaba. Sendo o primeiro citado dirigido pelo jornalista Cecílio Elias Netto, atualmente com 73 anos de idade e 58 de jornalismo, diretor do jornal online A Província, fundado em 1987, como um jornal impresso. No último dia do mês de março (31) de 1964, o Brasil presencia a queda do então Presidente da República João Goulart, o Jango. Os militares assumem o comando do governo federal, permanecendo durante longos 21 anos (1964-1985). Piracicaba, de acordo com Elias Netto, esperava “um golpe”, porém não sabiam se era do lado de Jango ou da oposição - UDN (União Democrática Nacional) e os militares. Quando se deu o golpe, operários, estudantes e a “Folha de Piracicaba” foram contra. “Piracicaba apoiaram o golpe, mas não sabiam o que era a ditadura. Todos queriam que Jango sumisse, para que houvesse as eleições de 65”, disse o jornalista, apontando também que a população brasileira esperava o retorno de Juscelino Kubitschek ao poder. “Juscelino era um ídolo”.
O aniversário Luiz Guidotti – amigo pessoal de Netto – fazia aniversário no mesmo dia que sua esposa, Diva Guidotti, 31 de março. Em 1964, o jornalista fora convidado a comemorar junto com o casal, mais um aniversário, sendo que neste ano, a comemoração fora realizada um dia antes – em virtude o dia 31, ser uma segunda-feira – “quando cheguei à casa deles, vi um negócio esquisito, um monte de policiais a paisana, defendendo a entrada. Me perguntei: ‘O que está acontecendo?’, perguntei a Diva e Luiz, que me disseram que estava aguardando a chegada de Adhemar de Barros (Governador do Estado de São Paulo nos períodos de 1947–1951 e 1963– 1966)”, relatou. Quando o relógio marcou 23h30, o governado ligou a Guidotti, informando que não poderia comparecer a comemoração, devido “a coisa estar muito feia em São Paulo”.
Adhemar de Barros pedira que Luiz Guidotti fosse a São Paulo, para que o auxiliasse em algumas medidas. Com isso, Guidotti veio a ser o primeiro piracicabano a ter conhecimento do fim da democracia.
Reinaldo Diniz/Acervo CCMW
O apoio dos matutinos De acordo com Elias Netto, o Jornal de Piracicaba e O Diário foram os dois matutinos que apoiaram o golpe, sendo contra, a Folha de Piracicaba. “O Jornal era defensor da UDN, do Carlos Lacerda, Jânio Quadros”, disse Netto. A prisão
Gustavo Jacques Dias Alvin estivera junto com Elias Netto em O Diário
Elias não sabia, mas o Dops tinha uma ficha de todas as atividades realizadas desde a época de estudante, sendo considerado pelo então, comunista. “Embora já não fosse mais”. Em 1964, o chamaram para prestar depoimento na delegacia de Piracicaba, “continuei descendo a lenha no golpe”, logo depois fora chamado no GCam, localizado na cidade de Campinas.
primeiro processo pela Lei de Segurança Nacional. Para Elias Netto, Piracicaba não se importou tanto com a Revolução em nível Nacional. A cidade começou a se dividir politicamente. “Era como se fosse uma luta tribal. Famílias contra famílias”. Ainda de acordo com jornalista, o Golpe em Piracicaba teve efeitos paroquiais. A oposição na cidade era da ARENA (Aliança Renovadora Nacional) – partido favorável a Ditadura. Reinaldo Diniz/Acervo CCMW
Durante o mandato do então Presidente da República, Marechal Castelo Branco, o jornalista escreveu um artigo chamado “O Marechal da Banda”, “para esculhambar com o Presidente”, brinca Cecílio. “Mas um amigo falava: ‘Olha Cecílio, não coloca isso que você vai preso’, e eu teimando: ‘Vou por o título’. Então ele disse: ‘Vamos fazer o seguinte? Deixa de ser teimoso e põe ‘O Marechal da Banda de lá’”, lembrou. “O ‘De lá’ me salvou”. Porém recebeu o
O jornalista esteve presente na “Aula da Saudade”, em comemoração aos 50 anos dos cursos superiores da UNIMEP
Sai “Folha”, entra “O Diário” Em 1967 com a falta de capital, o jornalista fechou a “Folha de Piracicaba” e junto com três amigos adquiriram o “O Diário”- tendo em vista que o matutino fora fundado em 1935, pelas famílias Morganti e Dedini – realizando uma reviravolta no jornal, tornando-o contrários a Ditadura.
As torturas Cecílio Elias Netto contou a reportagem do Enfoque, que recebeu torturas, porém foram torturas pscicológicas. Quando foi preso no GCam, os soldados na prisão começaram a provocá-lo. “Diziam: Sua mulher está sendo estuprada lá na sua casa pelos nossos soldados”. Já no Dops, durante um dos interrogatórios, pediram que tirasse a roupa, “quando estava completamente nú, começaram as gozações: ‘Gostoso, vamos estuprá-lo agora’, quando virava de lado passavam a mão em mim”, lembra. Para o jornalista, o ocorrido foi torturante.
Reinaldo Diniz/Acervo CCMW
Elas Netto têm 50 anos de jornalismo
NÃO VI, NÃO OUVI, NÃO FALEI Caroline Neves cbneves@unimep.br
Oito anos depois, entrou para o Tiro de Guerra de Piracicaba. O Golpe Militar durou 21 anos, de 1964 a 1985. Neste tempo, José esteve presente na Ditadura em Piracicaba, mas do lado da tortura, como é chamado hoje em dia. Ou seja, dentro da equipe dos militares. Hoje, com 60 anos, José Francisco nos contou sobre como o Regime Militar interferiu no município de Piracicaba. “Sempre foi uma cidade calma. Aqui em Piracicaba nada de estrondoso aconteceu, não. Pelo contrário, ficaram até a favor, pois o governo de Jango ia fazer a reforma agrária, mexer com terra. O pessoal não ia perder, né?” A reforma agrária teve como objetivo redistribuir as propriedades rurais, fazendo a distribuição de terras inutilizadas a fim de se obter funções sociais. Piracicaba considerou isso como um ponto positivo, o que acabou dando vantagem aos militares.
Caroline Neves/Enfoque
Em 1964, José Francisco de Aquino Saglietti estava com apenas 11 anos de idade brincando nas ruas de Piracicaba, localizada no interior de São Paulo, quando o Golpe Militar aconteceu.
Segundo José Francisco, naquele tempo as cidades eram bem mais vigiadas. Até o meio-dia era obrigação estar em casa para não levar bronca dos pais ou Policiais Militares que circulavam nas ruas. José considera a força realizada no início da ditadura como “excessos desnecessários” e recorda-se de um professor de Filosofia do colegial que foi levado para interrogatório e, posteriormente, levado a Campinas no GECam (Grupo do Exército em Campinas), por ter insultado indiretamente Emílio Garrastazu Médici (Presidente do Brasil entre 1969 e 1974).
Ainda relembrando a época do colegial, José nos contou sobre quando repetiu o 3º ano e encontrou com um colega que tivera estudado com ele no ano anterior. Porém, este amigo não havia sido reprovado. Ao se questionar sobre o porquê de o colega estar novamente ali, um terceiro colega mandou José calar a boca. “E foi aí que eu notei que ele era o ‘dedoduro’, o informante”. Em 1975 Saglietti entrou para Esalq (Escola Superior de Agrigultura “Luiz de Queiroz”). Nessa parte universitária, Francisco explica que uma das coisas mais difíceis que já fez foi estar no TG e ter amigos da faculdade que discordavam dos militares. “O jovem quer sempre mudar o mundo”. Em uma dessas mudanças acabou gerando uma pequena confusão de manifestantes da Esalq, e neste dia o Tiro de Guerra foi chamado. “Era ferro contra ferro, mas nada de mais aconteceu. Fomos chamados só para controlarmos a situação. O quê eu ia fazer? Eu tinha que estar ali! Eu estava recebendo ordens!” conta José sobre estar fardado frente aos amigos manifestantes.
Ao ser questionado sobre a Censura em Piracicaba, Francisco mencionou que trabalhou no cine Colonial aos finais de semana, e sua função era exatamente essa: censurar. Os melhores filmes internacionais estavam sempre chegan-
gundos para confirmar se realmente existiram torturas em Piracicaba, sua resposta, na verdade, já era esperada: “o pessoal acredita que sim. Mas eu nunca vi nada”, porém, se contradiz ao afirmar que as torturas, depois de um tempo, eram feitas com o intuito de a Ilustração: Marina Coletti chamar atenção do público. Como um espetáculo. Mas, o circo foi mais real do que se imaginavam. “É melhor eu ficar quieto. Conhece a história dos do neste cinema, e Francisco três macaquinhos? Então. Eu tinha o trabalho de selecionar não vi, não conheço e não as partes que poderiam ser sei”. reproduzidas. “Nos vários ro- Outro silêncio se fez no molos de filmes que tinham den- mento em que José foi questitro da caixa, havia um envelo- onado sobre a participação do pe com as ordens de tirar vá- Tiro de Guerra na Ditadura em rios diálogos específicos”. Piracicaba. “Alguns colegas Quanto aos filmes nacionais, o participaram. Mas era o Exérex-atirador do TG de Piracica- cito de Campinas que vinha ba se anima: “Nossa! Eu cor- para cá e pegava a gente para tava quase todas as falas. ‘auxiliar’, mostrar os lugares. Principalmente quando era a Pois conhecíamos o municíRegina Casé quem falava”. pio”. Quando o assunto ficou um pouco mais sério e o foco foi “tortura”, José Francisco, coincidentemente ficou um pouco pensativo antes de responder às perguntas.
No ponto de vista do exatirador, em algum ponto dessa história os militares queriam entregar o poder. Afinal, eles não foram treinados para diálogos, mas sim para manter Com uma pausa de até 3 se- a ordem e proteger o cidadão.
Francisco afirma que conheceu torturadores e assassinos sim, mas que pertenciam à ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), e que também chegou a presenciar alguns destes fatos trágicos da ROTA em São Paulo. Os políticos da época nada podiam fazer, conta José, pois também recebiam ordens para isso mesmo: não fazerem nada a respeito das torturas. “Você pode ser a favor ou contra, mas não deveria se manifestar se você não tiver força para discordar de algo publicamente”. No final desta entrevista, José Francisco sentiu-se sensibilizado ao lembrar-se o quão difícil foi estar sem farda e encarar um colega manifestante. E enfatiza: “Em uma guerra ninguém ganha”.
Divulgação/UNIMEP
Cecílio Elias Netto A dor de lembrar
A cada depoimento que volto a
Extraído do Jornal Eletrônico A Província www.aprovincia.com.br
como centro de distribuição, a zona do meretrício, então no Jardim Brasil. Lá, ele obrigava prostitutas e viciados não apenas a distribuir e vender drogas, mas a preparar flagrantes criminais para aqueles que, em seguida, seriam vítimas de extorsões ou de torturas.
ler – ainda que mais de 40 anos depois – a indignação revira-me o estômago, machuca-me a alma. Como foi possível tudo isso ter acontecido, com o silêncio e a coAmigos perguntam-me, agora, o vardia da maioria de um povo? porquê de eu retirar – do fundo do Quando me lembro da presença baú – essa sujeira toda, essa barconstante do psiquiatra João Carbárie que deu início, em Piracicalos Forastieri – indo a O DIÁRIO ba, ao ciclo das drogas. Não precipara acompanhar testemunhos e so explicar nada. As vítimas falam atender as vítimas – não apenas por mim, por todos nós. Os jovens me comovo, mas relembro das – que pensam em romantispoucas pessoas que arris“(...) ele obrigava caram indignar-se, protesmo durante a ditadura – preciprostitutas e viciatar, mesmo ao risco de, sam ser despertados para ludos não apenas a também, tornarem-se vítitar por uma nova democracia, distribuir e vender mais verdadeira, mais justa, mas. drogas, mas a pre- mais decente. Por mais vioO maldito Lazinho – e, até parar flagrantes lentada esteja, a democracia o fim, insistirei nesse qualicriminais (...)” – como disse Churchill – “é a ficativo – chegava a paspior forma de governo imagisar diante d´O DIÁRIO, num jeep e nável, à exceção de todas as ouacompanhado de mulheres, exibintras que foram experimentadas.” do seu fuzil, com ameaças ostensivas de quem sabia estar protegido pela impunidade dos ditadores de Cecílio Elias Netto é jornalista plantão. Investigadores, policiais, advogados tornados comparsas fortaleciam-se com a tibieza do Ministério Público, que usava de argumentos frágeis para não denunciar os criminosos. Lazinho, o maldito, criou um esquema de tráfico de drogas tendo,