ZIGUEZAGUE Um percurso pela cidade de Guarapari
Judy Evelyn Bonfim Velasquez Orientação: Prof.ª Dra. Maria Luiza Fatorelli Trabalho Final de Graduação apresentado como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Artes Visuais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Dedico este trabalho ao meu tio Roney
(In memoriam)
AGRADECIMENTOS À professora Malu Fatorelli, pela orientação nesta pesquisa, pelas leituras essenciais sugeridas no percurso, pelas trocas, conversas que enriqueceram o trabalho e principalmente, pelo encorajamento nos momentos difíceis. À professora Maria Moreira, pelo acompanhamento do trabalho, o encorajamento e as conversas que abriram possibilidades tão fecundas. À minha vó Conceição, que partilhou comigo modos de ver a vida, através de seu espírito viajante, apego a um lugar, sua fé e obstinação. À minha mãe Maria, pelas conversas que me mantiveram viva e caminhante no processo, pelo amor, paciência em todo o tempo e pela companhia nas caminhadas em si. Por ter me ensinado a caminhar, obrigada. À Nailto, pela hospitalidade nos últimos meses. Ao meu pai Modesto, pelo encorajamento e pela herança de criatividade, curiosidade e vontade de explorar muitos lugares. À Ana Paula e Lucas, pelo carinho e paciência. A todos os familiares que me ofereceram suporte e carinho nos últimos meses. A tia Shirley e tio Jorge, por me receberem com tanto amor. À Monik, pela generosidade, pelos almoços e filmes que trouxeram leveza ao cotidiano. À Karine, pela partilha de sentimentos, também por ter registrado prontamente o primeiro vídeo desta caminhada. Às amigas Estefania, Amandha, Tatiane e Leda, que nos contatos intermitentes durante esta pandemia prestamos apoio, encorajamento, fé uma na outra. A tantos outros amigos que são tão amorosos comigo nestes tempos. A Leo, por ter acompanhado tão de perto todo o processo, pelas inúmeras revisões, pela parceria, paciência e amor em todo tempo. Também à Márcia e Dirceu, pelo sempre pronto encorajamento e apoio. Márcia, especialmente, por sempre me impelir à "conclusão" dos processos. Aos amigos da T4 de 2016, que sempre proporcionaram pertencimento, conforto e alegria. Também pela partilha de processos artísticos, dúvidas, medos e encorajamento ao longo da graduação. Aos amigos da COEXPA (DECULT- UERJ), pela vivência conjunta e aprendizado sobre a importância basilar do educativo em uma instituição de arte. Aos colegas de turma de TFG 1 e 2, pela generosidade, compartilhamento de processos e olhares que foram tão enriquecedores. À Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Não vejo outro lugar onde eu poderia ter concluído a graduação em Artes Visuais senão nesta universidade tão plural, diversa e socialmente relevante. Aos docentes, servidores técnicos, terceirizados e discentes que juntos constroem a UERJ todos os dias. A Deus, que acredito, me manteve firme neste percurso.
Como acabei de dizer, tudo que é pequeno desaparece. Mas, se perdemos tudo o que é pequeno, perdemos também nossa orientação, nos tornamos vítimas do que é grande, impenetrável, superpotente. Deve-se lutar por tudo o que é pequeno e que ainda existe. Wim Wenders
RESUMO O trabalho consiste em um percurso de investigação artística na cidade de Guarapari (ES), um caminho de coleta de memórias, imagens e percepções. Embasado por reflexões sobre a paisagem vernacular de John Brinckerhoff Jackson e sobre a passagem da noção de percurso entremeado no mundo para a de rua como superfície, experimento no ziguezague uma forma lúdica de habitar a cidade. Busco compreender a dinâmica do vazio/cheio que se estabelece na cidade e que tem relação direta com a conjuntura turística que se impôs ao longo da história de Guarapari. O ziguezague, que se coloca como linha ansiosa, guia o relato e o percurso. Palavras-chave: Caminhar, ziguezague, cidade turística, rua, vazio, rastro.
ABSTRACT This work consists on a journey of artistic investigation through the city of Guarapari (ES), a path to collect memories, images and perceptions. Based on John Brinckerhoff Jackson's reflections on the the vernacular landscape and the transition from the idea of a walking path that is interspersed in the world, to the one of the street as surface. I experiment with the zigzag as a ludic way of living in the city. I (also) seek to understand the empty/full dynamics that establishes itself in the city, and has a direct connection with the tourist situation that was imposed throughout the history of Guarapari. The zigzag, placed as an anxious line, guides our story and route. Keywords: Walking, zigzag, tourist city, street, empty, trace.
A percepção artística, como já vimos, é o instante em que o artista vai tateando o mundo com olhar sensível e singular. Sondar o mundo é uma forma de apreensão de informações, que são processadas e que ganham novas formas de organização (SALLES, 2011, p. 127)
A partir de reflexões impulsionadas pelos docentes do Instituto de Artes da UERJ, procurei sempre trazer para meus interesses os temas, conteúdos e conversas tratados em aula. Ao longo da graduação em Artes Visuais, escrevi trabalhos sobre temas diversos: pesquisei sobre a Internacional Situacionista, sobre a flânerie tipicamente masculina contrapondo a ocupação da mulher no espaço público, sobre a cidade moderna e as ferrovias, sobre a relação entre o cinema e a paisagem em movimento, o travelling propriamente dito, estudei sobre a estética relacional e o trabalho da artista Gillian Wearing, também sobre as primeiras fotógrafas mulheres. O interesse pela cidade, o urbano, e pelo movimento, feitos a pé ou por veículos, constituíram um interesse flutuante, porém persistente durante toda minha trajetória acadêmica até este ponto. Sendo assim, esta pesquisa de conclusão não fugiria a esta temática. Uma cidade específica e um movimento específico somados me permitiram atravessar um percurso rico com muitos imprevistos e descobertas: o próprio processo criativo. Definir é sinônimo de delimitar, pois há sempre algo que escapa a uma definição. Para fins de pesquisa, no entanto, precisei buscar uma definição com que eu pudesse trabalhar. Para definir cidade, Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista, analisa a cidade que a maioria de nós conhece: as grandes metrópoles contemporâneas, com intenso fluxo de pessoas e mercadorias e grandes construções 1. Mas ela se preocupa em não se ater a uma experiência típica do século XXI. Então, começa a pensar em cidades de outros tempos e lugares. Analisando os primeiros agrupamentos humanos, percebe-se que as cidades eram cercadas por muralhas e protegidas por portões. Qual é então o elemento definidor presente
1
ROLNIK, 1995, p. 11
tanto nas primeiras cidades muradas como nas metrópoles globalizadas? A cidade murada e a contemporânea guardam algo em comum. Rolnik compreende a cidade como um imã. A imagem poética do magnetismo da cidade, atraindo os humanos para um convívio compartilhado num terreno que vai se adensando é muito fecunda. O que poderia definir o caminhar? Caminhar, em sentido amplo, é ir em direção a algum ponto, é estar em processo de chegar em algum lugar determinado antes da caminhada começar: um meio de deslocamento. Mas a caminhada, além de meio de deslocamento, é um meio de perceber o mundo, pois é através dos sentidos que recebemos os estímulos que nos revelam o entorno – necessário para continuar caminhando. Não só nos revela o entorno imediato e físico, nos revela quem somos como sociedade, pois “(...) caminhar é uma experimentação do mundo e dos seus valores”2. O caminhar, além de ser o meio pelo qual o ser humano percebe o mundo, é também a forma como ele o transforma. Para compreender o solo no qual a caminhada deste percurso se dá, me apoiei na leitura que o filósofo Jean-Marc Besse faz dos escritos de John Brinckerhoff Jackson sobre a paisagem vernacular. Para compreender como os pés lidam com o terreno, recorri ao antropólogo Tim Ingold, que costuma costurar entre sua abordagem interdisciplinar, arte e arquitetura. Para situar historicamente o caminhar como ação humana primordial, e sua prática no campo da Arte, considerei a pesquisa do arquiteto urbanista Francesco Careri, presente no livro “Walkscapes: o caminhar como prática estética”. Cada um destes autores contribuiu para este trabalho.
2
BESSE, 2014, p. 55
A matéria que constitui esta pesquisa é a caminhada, e o processo criativo é um percurso que acontece na cidade de Guarapari (ES) ao longo dos meses em que produzi este trabalho final de graduação. A partir da compreensão de que este trabalho artístico é a caminhada por um percurso, fica difícil definir um ponto de partida e um ponto de chegada, pois se misturam com a própria vida e se perdem. Como definir em que ponto exato, iniciou-se um processo em nós que culmina na materialização de um trabalho artístico? A pesquisa não teria sido possível se não houvesse uma memória familiar da própria cidade na minha trajetória pessoal dando um lastro frente às questões levantadas pelo processo criativo, que são mais amplas do que me foi possível abraçar. Encarado como um interesse que sugere uma pesquisa de longo prazo, o trabalho final de graduação (TFG) foi pensado como um platô - um lugar a que se chega e de onde podemos observar o caminho percorrido, mas que sugere uma continuidade. Ao observar o caminho traçado até o platô marcado pela escrita deste trabalho, percebi que era como um percurso oscilante e repleto de idas e vindas - em vários momentos, me senti capturada pelo sentimento de fascínio de quando estamos descobrindo uma nova paisagem, um novo lugar. Ao mesmo tempo, esta trajetória guarda a relação com o próprio tempo no qual o trabalho acontece: a pandemia de COVID19 que tem durado, no momento que escrevo, pouco mais de um ano no Brasil. A circunstância da longa quarentena, o risco constante de contágio, o número de mortes crescente, o adoecimento de pessoas próximas, a necropolítica adotada pelo governo federal compuseram o ambiente externo em meio ao qual esta pesquisa se desenvolveu. Compondo meu ambiente interno, podemos nomear a ansiedade e a frustração como elementos da paisagem. A ansiedade pode ser definida como uma força paralisadora que surge pela falta de equilíbrio em conciliar o tempo presente e o futuro. Como elemento que se torna quase permanente tendo em vista o ambiente externo colocado, decidi incorporar a própria ansiedade como matéria para o trabalho. Esta ansiedade se manifesta no ritmo de um ziguezague: uma linha inquieta.
Eu aterrissei na cidade e a cidade aterrissa em mim
há um magnetismo, um ponto de convergência
Portanto, é por meio da caminhada, que é feita em ziguezague (por vezes, como onda ou como voo e mergulho) não só na cidade de Guarapari, mas dentro de mim mesma, que desenvolvo esta pesquisa. Um dos primeiros movimentos da pesquisa foi a mudança geográfica ocasionada pela pandemia de COVID19 que chegou ao Brasil em março de 2020, e que colocou os movimentos urbanos em suspensão por tempo indeterminado. A partir deste evento de alcance global, o cotidiano teve de ser revisto, a população foi convocada a ficar em casa e evitar aglomerações. Por estas circunstâncias, mudei meu local de residência do Rio de Janeiro (RJ) para Guarapari (ES), cidade onde passei parte da infância e tenho família atualmente. Portanto, esta pesquisa é uma investigação que parte do campo afetivo, de experiências particulares que são resgatadas das memórias de infância, e se expande através de experiências urbanas compartilhadas no contexto desta mesma cidade. Tendo sido a cidade o terreno sobre o qual caminhei, farei logo a frente um breve passeio através da história de Guarapari, me guiando pelos elementos presentes no repositório da minha própria memória. Tanto a cidade como o indivíduo descrevem trajetórias no tempo e no espaço. No meu caso, entre Guarapari e eu, pontos de contato se estabeleceram e escolhi nomear estes pontos a fim de percorrer esta trajetória cruzada. São eles: cidadesaúde, cidade turística, cidade-morada, cidade-passeio e cidade-signo. Nomear os pontos é localizá-los para compreendermos a experiência subjetiva da cidade, não ignorando que estas são categorizações fluidas e temporárias. Essas não são categorizações absolutas, pois na pluralidade de experiências pessoais e coletivas do espaço urbano, a possibilidade de nomeações é infinita.
A vibração é um movimento ziguezague
Mapa de palavras – Fotografia de percurso
Cidade-saúde Guarapari nasceu como Aldeia de Santa Maria de Guaraparim em 1585. Uma aldeia jesuíta fundada durante a expedição do padre José de Anchieta no litoral da Capitania do Espírito Santo. José de Anchieta percorreu o Espírito Santo com a missão de abrir novas aldeias de catequização à beira das águas, diz-se que Guarapari foi a última cidade fundada por ele. Anchieta fundou um convento para os missionários e uma igreja no alto de uma colina, a capela de Sant’Ana, cuja inauguração marca simbolicamente a fundação da Aldeia de Santa Maria de Guaraparim. Na junção do nome cristão com o nome tupi, por fim, prevaleceu o último. Segundo a etimologia da palavra, guará é o pássaro de plumagem vermelha típico do litoral brasileiro e parim, é manco, portanto, Guarapari é uma redução do termo Guaraparim que significa garça manca3. Existem divergências sobre o significado da palavra, pois alguns escolhem traduzir “Guarapari” ao invés de “Guaraparim” 4. Ao donatário da Capitania, Francisco Gil coube o poder de elevar a aldeia à categoria de vila, assim em 1679, foi elevada à Vila de Guaraparim. Em 1878, passou de vila à município, porém ainda sob o controle de Reritiba, atual Anchieta, município vizinho. A partir de 1891, Guarapari passa a ser cidade5.
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FERMINO; RODRIGUES, 2014, p. 807 “[...] Esse segundo termo é que temos de dar toda nossa atenção, pois se [J. W. Emery de] Carvalho traduziu Guarapari como curral das garças e [Luis Caldas] Tibiriçá como mangue, poder-se-ia entender o mangue de Guarapari como este topos ou como a motivação para este topônimo. Entretanto, foi necessário observar as meticulosidades fonéticas do tupi, e não considerar apenas o que restou desta língua no português, mas todo o seu percurso. Dado isso, questiona-se: é possível que o nome original fosse guaraparim e não pari como é hoje? Se essa afirmativa fosse dada como verdadeira, teríamos um novo sentido para esse topônimo, podendo estar correta a tradução de [Teodoro] Sampaio, como pássaros mancos, ou melhor garça manca.” (FERMINO; RODRIGUES, 2014, p. 807, grifo do autor) 5 BUENO, 2011, p. 16-17. O livro de Beatriz Bueno, “Guarapari: Muito mais que um sonho lindo” apresenta um compilado de material histórico sobre a cidade, registros da história oral e dados biográficos locais e são fruto de uma pesquisa de 27 anos da professora Bueno. Ele é considerado localmente um dos principais títulos sobre a história de Guarapari, junto com o livro do Dr. Silva Mello, “Guarapari: Maravilha da Natureza”. 4
Em 1896, a população de Guarapari era estimada em 3.500 habitantes e dessa época constam registros dos povoados de Perocão e Una, que se localizam no Litoral Norte da cidade6 e que situam esta pesquisa. O primeiro a constatar a presença do mineral Monazita nas areias brasileiras foi o professor Claude-Henri Gorceix, fundador da Escola de Minas de Ouro Preto (MG), em 18847. As amostras estudadas por ele eram principalmente da praia de Caravelas, na Bahia. Da Monazita se extrai o Tório que era amplamente usado na Europa nas lâmpadas a gás. O engenheiro americano John Gordon foi o principal vendedor de areias monazíticas brasileiras para o exterior durante o fim do século XIX, a princípio ele as extraiu das praias do sul da Bahia, depois voltou-se para Guarapari. Embora tivesse algumas concessões do governo brasileiro, sua operação de exportação não acontecia totalmente dentro da legalidade, frequentemente as areias monazíticas eram colocadas nos navios para servir de lastro, como se fossem areia comum. Dessa forma, ele extraiu milhares de toneladas de areia ao longo dos anos sem qualquer fiscalização. Em 1898, foram descobertas as areias monazíticas de Guarapari e oito anos depois, é instalada na cidade a Société Minière et Industrielle Franco-Brésilienne, por influência de John Gordon, para extrair daqui as areias e tratá-las na França. Na época, o russo Boris Davidovitch chegou ao Brasil como procurador da Société Minière e a transformou em MIBRA (Monazita Ilmenita do Brasil), empresa que foi acusada de trabalho escravo e exploração ilegal das areias. Davidovitch era dono de várias empresas que abarcavam todo processo de extração e beneficiamento das areias monazíticas. Estima-se que sua operação tenha destruído restingas em mais de 70 quilômetros de praia8.
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Monazita vem do grego Monazeim, que significa “estar sozinho” e pode descrever tanto a característica de seus cristais isolados quanto a própria raridade do mineral.
Beatriz Bueno reproduz os verbetes do “Dicionário Geográfico do Brasil – Alfredo Moreira Pinto – Imprensa Nacional – 1896”, mas não inclui esta referência na bibliografia do livro. Ver BUENO, 2011, p. 51. 7 A descoberta de grande reserva de Monazita no litoral da Bahia está registrada nos Anais da Escola de Minas de Ouro Preto, e está disponível online. Ver Referências. 8 LOPES; BOURGUIGNON, 2015.
Em 1936, o médico e membro da Academia Brasileira de Letras, doutor Antônio da Silva Mello inicia excursões pessoais frequentes a Guarapari, encantado pela natureza do local. Na mesma época, a Monazita já não era explorada para seu uso nas lâmpadas a gás (com a popularização da energia elétrica), mas sim na indústria nuclear. O dr. Silva Mello trabalhou como assistente no Instituto Radium de Berlim 9, onde se inteirou sobre os efeitos da radioatividade no corpo humano. Anos depois, ao conhecer Guarapari, iniciou suas pesquisas com a areia monazita encontrada no Espírito Santo. No livro “Guarapari: Maravilha da Natureza”, ele apresenta um relato pessoal sobre as incursões e descobertas. Silva Mello é considerado uma espécie de patrono da cidade, pois seus artigos (publicados na revista “O Cruzeiro”, entre outras publicações em revistas científicas de medicina) conduziram Guarapari por um curso que foi determinante no desenvolvimento da cidade. Ao escrever um artigo para “O Jornal” em 1939, ele conclui [...] julgando, pelo que vimos e observamos, que Guarapari está talhada para uma estação balneária de primeira ordem, [...]. Pelas condições climáticas que oferece e pelas suas praias de areias radioativas, talvez as únicas existentes no mundo, pode Guarapari ganhar fama universal e tornar-se centro de tratamento para doentes do mundo inteiro. É uma profecia, mas que tem fundamento muito científico (MELLO, 1971, p. 24).
O livro dele registra as sinuosidades, as contradições e os desejos que se projetaram sobre a cidade. Seu relato se alterna entre as previsões de um futuro promissor para a cidade a partir da descoberta das areias monazíticas e as queixas quanto à chegada do “progresso” na urbanização de Guarapari, como por exemplo, a construção da ponte que liga o centro à Muquiçaba, travessia que antes da década de 1950 era feita de balsa.
9
MELLO, 1971, p. 175
Apesar de uma lei promulgada em 1951 que proibia a exploração das areias monazíticas por empresas privadas, a exploração da MIBRA perdurou ilegalmente até 1960 quando Davidovitch morreu e a MIBRA fechou. A extração das areias ganhou maior controle do Estado através da empresa Nuclemon, que era subsidiaria da estatal Nucleobrás. Na década de 80, o prefeito Graciano Espíndula começa a reivindicar cessação completa da exploração das areias de Guarapari, com fins de estruturar a cidade para um turismo “terapêutico” 10. Na época, já era muito popular, e colecionavam-se testemunhos de cura das areias sobre reumatismo e outras doenças. A partir de 1986, Guarapari consolida seu status de Cidade Saúde. Segundo o inventário turístico11 de Guarapari, a primeira casa de veraneio foi construída apenas na década de 1940. Entre as décadas de 70 até meados da década de 90, a cidade viveu seu auge como destino turístico. Hoje, caminhando pela cidade em baixa temporada, percebe-se uma quantidade enorme de imóveis sem manutenção e com aparência de abandonadas, o que denota que são casas de veraneio, além de inúmeros anúncios de locação para temporada.
10 11
LOPES; BOURGUIGNON, 2015. Produzido pelo Observatório do Turismo do Estado do Espírito Santo. Para a cidade de Guarapari, só constam registros para o ano de 2005.
Jornal “Última Hora”, de dezembro de 195612.
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Fonte: https://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/
Fotografias de percurso
Cidade-turística O livro de Ítalo Calvino “As cidades invisíveis” fornece um amplo imaginário sobre as particularidades das cidades. Ao longo do diálogo entre Marco Polo e Kublai Khan, encontrei na cidade de Fílide (narrada em A cidades e os olhos 4) o reconhecimento de um sentimento, ainda latente naquele início de percurso, de que eu não estava a percorrer uma única cidade, mas duas cidades distintas. Fílide é narrada primeiro como uma cidade viva e abundante de coisas para se ver. Os diferentes tipos de pontes, diferentes tipos de janelas, todas elas enumeradas na descrição. Ela é atravessada por olhares que celebram sua diversidade de belezas e desejam poder olhar para ela todos os dias e não apenas de relance. No instante, porém, que um destes se detêm na cidade, logo ela desaparece, torna-se vazia como uma folha em branco. Tudo o que se percebe são coisas ordinárias. A preferência dos que moram em Fílide é pegar o “caminho mais curto”. A cidade vista de relance e a cidade que é uma folha em branco: duas experiências de um mesmo lugar. De certa forma, percebe-se que o olhar daquele que habita assume o tédio, o entorno vira hábito, e a cidade lhe vira os olhos, enquanto o olhar do passante é vívido a ponto de pegar a cidade de surpresa. Não temos certeza sobre as motivações do passante de Fílide, se está em viagem e fez uma parada, ou se está visitando a cidade, ou se caiu nela por acaso. Ainda assim, há uma aproximação entre o olhar do turista e o do passante no texto de Calvino. Ambos estão distanciados do viver cotidiano, eles não moram ali. No entanto, na cidade-destino do turista-padrão a novidade ganha contornos de produto e deve ser apreciado ao máximo, pois o turista escolheu, pagou um preço, dispendeu de tempo, se deslocou para consumir aquele destino. Me pergunto se a cidade de Fílide se deixaria olhar por este turista.
“Como todos os habitantes de Fílide, anda-se por linhas em ziguezague de uma rua para a outra, distingue-se entre
zonas
de
sol
e
zonas
de
sombra, uma porta aqui, uma escada ali, um banco para apoiar o cesto, uma valeta onde tropeça quem não toma cuidado. Todo o resto da cidade é invisível.”
Perocão – Fotografia de percurso
Cidade-morada A cidade-morada é aquela que ficou registrada nos pés e nos caminhos. Em meados da década de 90, o caminhar marcante do trajeto que ia da praia de Santa Mônica até a casa do meu tio Roney. Partindo da enorme castanheira na saída da praia, passando pelo camping formado por iglus de concreto. Atravessando a Rodovia do Sol, onde passava o ônibus Alvorada que levava à capital, Vitória. Lembrome da loja de panela de barro logo na esquina e do clube abandonado mais a frente, à direita. Seguindo uma subida suave que merecia uma parada para colher no chão as sementes vermelho-brilhantes da árvore Olho de Pavão. E virando à direita novamente, a descida e subida do Tobogã, que deveria obrigatoriamente ser enfrentado para chegar à casa. E lembro-me novamente do Tobogã e do desânimo em enfrentá-lo. O ziguezague surgiu inserido na memória de uma experiência de morada. A minha avó, Conceição, comigo ao lado, usava o ziguezague como resposta à sensação de fraqueza imediata causada por uma das ruas mais inclinadas de Santa Mônica, Rua Vulcano, conhecido como Tobogã. A ideia de descer e subir uma ladeira em ziguezague não é um saber exclusivo dela, mas compartilhado por muitas pessoas. Assim, se atenua a subida (e mesmo a descida), diminuindo o cansaço e a força nas pernas empregada, gerando o único resíduo que é percorrer uma distância maior do que aquela que teria sido percorrida se o percurso fosse linear, seguindo a linearidade da própria rua. A paisagem do trajeto relatado se manteve somente em alguns aspectos, os iglus foram destruídos, o clube transformado em escola, e o Tobogã foi asfaltado.
Fotografia de percurso
Logo no início da investigação artística, produzi os fragmentos que compõem o vídeo “Vão”. Nele o que se vê são folhas, em maioria de castanheira, que é uma árvore muito abundante na cidade e dá nome a uma praia, Praia das Castanheiras. As árvores frondosas e próximas ao mar, espalham sobre a areia seus vestígios, que são tocados pelo vento e pelo mar. Embora muitos calçadões de praia tenham em seu projeto urbanístico, árvores entre bancos para sentar-se e espaço para caminhada, as folhas que aparecem em “Vão” falam de uma praia mais escondida e de uma cidade que é ocupada pelo morador mais do que pelo turista, durante a baixa temporada. É a cidade vazia que possibilita deter o olhar para ver as folhas serem carregadas pela onda. Assim que comecei a sair para a rua com a intenção de gravar (eu ainda não sabia o quê) decidi que usaria um único equipamento para todos os vídeos feitos durante o processo. Usei minha câmera digital portátil, pois ela é discreta, assim eu poderia gravar sem me preocupar com segurança. Mesmo com pouca qualidade, ela me rendeu o resultado desejado, e participou tanto do processo que não escapou às imprevisibilidades. Um dia, gravando as folhas que eram levadas pela onda, uma onda muito forte veio e molhou a câmera. Daquele dia em diante (o que só fui perceber quase na conclusão do TFG), a câmera incluiu algum tipo de glitch em algumas das minhas filmagens. No momento que vi, eu soube exatamente o que tinha causado aquele defeito: não se brinca com o mar e sai ileso.
A onda é o ziguezague atenuado ?
Frames do Vídeo “Vão” (2020) (Para ver o vídeo, clique na legenda ou na imagem)
Cidade-passeio Durante as férias do primeiro ano de graduação em 2016, materializei em um trabalho o hábito antigo de fotografar através da janela do ônibus de viagem. Sendo uma prática de arquivo recorrente, fotografar as paisagens em movimento, a série fotográfica “Marataízes Guarapari” (2016) concluiu-se como trabalho por ser de um tipo de estrada diferente, pois cruzava a cidade por dentro. Em viagens interestaduais, a paisagem é majoritariamente verde e montanhosa, mas naquela janela a vista era dinâmica e urbana. O impulso foi colocar a câmera na janela e clicar indiscriminadamente e depois ver o que a câmera coletara. O resultado desse método foi uma série com 211 fotografias digitais. O comportamento de coleta pode ser indiciado neste primeiro momento e vai se expandindo por outros trabalhos. Enquanto as imagens acumuladas de outras viagens permanecem como arquivo crescente, “Marataízes-Guarapari” se concluiu neste conjunto de situações urbanas apanhadas durante um trajeto específico. Ver a cidade e passear por suas praias era o resíduo do verdadeiro propósito dos retornos periódicos: visitar minha mãe. As saídas eram raras e o maior tempo era gasto em família. As praias que íamos eram as mais próximas, de Santa Mônica e Setiba. Muitas vezes, feitas na metade do ano ou épocas de baixa temporada, a cidade que se apresentava para mim vazia. Os retornos periódicos desenham um ziguezague, Guarapari vezes como cidademorada, vezes como cidade-passeio, alternando entre as formas.
Série fotográfica Marataízes – Guarapari (2016), 211 fotografias digitais
Cidade-signo Entre os signos que encontrei no caminho, figura a placa azul e amarela que assinala o trajeto percorrido pelo padre José de Anchieta pelo território capixaba. A placa, dispostas dezenas de vezes ao longo do litoral do Espírito Santo, é um signo reconhecido pela maioria dos capixabas. Pertencem ao conjunto também a estampa da pegada em postes e no chão, além das setas que vão indicando um roteiro para o evento de peregrinação “Os Passos de Anchieta”: um traçado que vai de Vitória até Anchieta. A peregrinação inicia-se no dia de Corpus Christi e se estende por 100 quilômetros e 4 dias. A imagem do padre José de Anchieta é a de um peregrino na prática, e a ele atribuem-se prodígios durante a caminhada, como a conversa com onças e com as gaivotas que se ajuntavam em seu voo para lhe cobrir do sol13. Neste instante do processo, percebo que a caminhada está enraizada em Guarapari, por tantos signos que vagueiam por este solo. O pássaro manco, o peregrino, as ladeiras, o ziguezague da minha vó Conceição.
Fotografias de percurso 13
Informações retiradas de notícia do site da Secretaria de Estado de Turismo, que referencia a Associação Brasileira dos Amigos dos Passos de Anchieta.
Os riscos foram constantes durante toda a pesquisa. Como traço e como perigo.
O vídeo Passeios pessoas meses (2020) é um trabalho feito durante os primeiros quatro meses da pandemia no Brasil. Ele parte do mesmo ponto inicial: o interesse de longa data pela imagem em movimento vista pela janela de um veículo – uma curiosidade que envolvia certa afetividade e nostalgia. Em “Passeios pessoas meses”, este olhar ganha um sentido contextual forte. A mão que pretende limpar a paisagem da movimentação das pessoas na orla de Copacabana faz um movimento em ziguezague, de ida e vinda que sugere uma perseverança na ação. Uma ação de resultado nulo naquela circunstância específica: as pessoas insistiam em manter suas rotinas fora de casa num momento de quarentena. O gesto da limpeza das superfícies que vivenciamos naquele primeiro momento da pandemia de COVID19 é repetitivo, é ziguezagueante. Seria um prelúdio do que viria a seguir. Ações frustradas por tantos motivos que não cabe aqui nomear.
Frames do Vídeo Pessoas passeios meses (2020) (Para ver o vídeo, clique na legenda)
SENTIDOS DA PAISAGEM A sociologia dos sentidos e a antropologia cultural contemporâneas acrescentaram três características suplementares a esta instituição capitalista que seria a cultura paisagística: é uma cultura que coloca o olho e a visão no centro do processo de percepção da paisagem, em detrimento de outros sentidos; é uma cultura principalmente europeia, ocidental, branca, em detrimento de outros modelos culturais de relação com a paisagem; enfim, é uma cultura essencialmente masculina. (BESSE, 2014, p.107)
No livro O gosto do Mundo, Jean-Marc Besse reúne ensaios para compreender qual o lugar da paisagem no contexto contemporâneo. A paisagem considerada como um panorama natural14, observado a partir de um ponto elevado que permitisse ao espectador ter um domínio visual sobre o território já não dá conta de todos os aspectos sociais, políticos e geográficos implicados na relação entre o ser humano e o espaço ao seu redor. A partir do desenvolvimento industrial das cidades no século XIX em diante, a expansão tecnológica nas últimas décadas, o avanço do capitalismo e as muitas formas em que ele se impõe, as novas formas de sociabilidade impostas pela pandemia, quantos novos sentidos a paisagem ganhou e para quantos mais pode se expandir? Diante da problemática de que há “uma polissemia e uma mobilidade essenciais do conceito de paisagem, e essa situação teórica deve-se, em parte, à atomização profissional e acadêmica das diferentes ‘disciplinas’ que fazem dela seu campo de estudos e intervenções”15, a forma possível para dar conta de seus sentidos se desenvolve através de cinco abordagens que Besse chama de cinco 14
portas da paisagem pois cada uma abre uma perspectiva sobre o conceito. Segundo ele, essas perspectivas não se superpõem, mas articulam-se entre si e coexistem no pensamento contemporâneo. São elas: a paisagem como uma representação cultural e social (tipicamente pictórica), como um território fabricado e habitado, como um meio ambiente material e vivo das sociedades humanas, como uma experiência fenomenológica e, por fim, a paisagem como projeto16. Para cada uma dessas perspectivas conceituais, há uma classe profissional e acadêmica que legitima e se aproxima de tal concepção. Todas elas compõem uma “cultura paisagística” complexa e rica na qual estes discursos e perspectivas se articulam desordenadamente, segundo Besse. A primeira abordagem apresentada por ele aponta justamente o gênero de representação visual, que tem sua origem no nascimento do quadro, da “janela”. A vista enquadrada que cria a dialética do interior e do exterior e instaura o distanciamento como condição indispensável da paisagem17. Besse ressalta a dimensão da paisagem que está para aquém de sua representação pictórica, pois antes de ser pintada, a paisagem existe como encarnação de um conjunto de códigos, discursos, sistemas filosóficos, estéticos e morais. A paisagem não é estudada no campo da Arte apenas como gênero pictórico na História da Arte. Na arte contemporânea, a paisagem é investigada por vezes como forma, como experiência, ou para se pensar questões de territorialidade. São muitas as possibilidades que ela dispara em um trabalho de arte. Nesta pesquisa, sirvo-me da ideia de paisagem como território fabricado, que é a segunda abordagem proposta por Besse, a partir da leitura do historiador e teórico John Brinckerhoff Jackson.
BESSE, 2014, p. 8 Ibidem., p. 11 16 Para citar as abordagens, utilizei os subtítulos que são colocados ao longo do capítulo, de maneira a ficar mais compreensível já que nesta pesquisa abordarei apenas uma das abordagens. 17 Ibidem., p. 15 15
A PAISAGEM É UM ESPAÇO SOCIAL A partir da ideia da paisagem como uma representação (seja uma imagem, um olhar ou um discurso), Jean-Marc Besse se pergunta como essa perspectiva é capaz de abarcar a dimensão material e espacial objetiva da paisagem. Propõe então uma abordagem teórica suplementar que enriqueça a noção de paisagem anteriormente vista. Embora o valor paisagístico de um lugar também seja estético, ele é mais considerado em função das “experimentações, dos costumes, das práticas desenvolvidos por um grupo humano nesse lugar18”. Para apoiar essa concepção de paisagem que vai além do representacional, Besse adota as reflexões de John Brinckerhoff Jackson, que partem de dois enunciados principais: a paisagem é um espaço organizado e a paisagem é uma obra coletiva das sociedades19. Mesmo considerando que a paisagem como representação seja a construção de um olhar, ele ocupa-se da construção social do espaço em si: de que forma o espaço é organizado pela comunidade que o habita? Convém interessar-se, de forma mais geral, pelas formas espaciais e sua diversidade, pelos elementos estruturantes e pelas dinâmicas, morfologias e fluxos que as atravessam e as transforma, pelas descontinuidades do espaço e pelas circulações, pois todos esses traços permitem caracterizar uma paisagem: o ponto de vista metodológico de Jackson, que ele procura pôr a serviço da arquitetura da paisagem, é o de um geógrafo (BESSE, 2014, p.31).
A partir da leitura das formas de organização no espaço, podemos compreender a sociedade que as produziu, sejam elas produzidas inconsciente ou intencionalmente, pois no fim o espaço é moldado 18
BESSE, 2014, p. 27 Ibidem, p. 29 20 Ibidem, p. 35 19
segundo as necessidades e valores daquela sociedade. Besse destaca que a paisagem não é natureza, mas a escrita (no sentido de uma marca, um rastro) sobre a natureza. Ressaltamos aqui o uso da palavra “solo” por ele para designar o meio natural com qual o ser humano se relaciona - a palavra “solo” retorna muitas vezes ao longo da pesquisa. O autor descreve um mundo híbrido: nem totalmente natural nem totalmente humano, ao mesmo tempo natural e humano. Gravadores, escultores ou modeladores trabalham com a matéria da superfície da Terra tanto segundo as próprias possibilidades do solo, quanto segundo seus próprios ideais. Segundo Jackson, a paisagem é um espaço sintético, que representa o homem assumindo o papel do tempo – a ação transformadora sobre o elemento natural do meio ambiente insere este no tempo histórico20. Besse conclui que, segundo o pensamento de Jackson, a paisagem é a expressão de um esforço humano para habitar o mundo.
A PAISAGEM VERNACULAR E A PAISAGEM POLÍTICA Jackson possui uma extensa bibliografia sobre paisagem e apresentou o termo paisagem vernacular em seus livros. Por ser um autor ainda não publicado no Brasil, vamos partir da leitura de Jean-Marc Besse sobre a obra de Jackson, pois Besse dedica um capítulo apenas para discutir a paisagem vernacular. A paisagem vernacular é aquela que habitamos, que é construída pela ação dos indivíduos no cotidiano, ao invés de ser estabelecido por um projeto central. São os caminhos abertos pelo próprio caminhar. Falaremos mais dela à frente. Jackson opõe a paisagem vernacular à uma outra, a paisagem política. A paisagem política é, segundo ele, fruto da organização de um poder central sobre um território cujas particularidades físicas e humanas ele desconsidera. Jackson usa como exemplo da paisagem
política, a grade territorial americana instituída pela “Northwest Ordinance” 21 de 1785, modificada em 1787 e que foi proposta por Thomas Jefferson. O produto dessa organização é uma malha geométrica, que se orienta astronomicamente e guia-se pelas linhas meridianas e paralelas.
extrema de paisagem política, geometrização completa do território em função de uma visão de poder. Mas a dimensão política da paisagem se evidencia sob muitas formas: A paisagem política é marcada pelas grandes obras que permitem organizar o território, estruturá-lo e delimitá-lo por meio de fronteiras visíveis e teoricamente invioláveis. Os grandes dispositivos técnicos, as obras artísticas, as pontes, os viadutos, as represas, os aeroportos, as estações rodoviárias, as linhas de alta tensão etc. manifestam também as escolhas e as decisões de um governo central. (Besse, 2014, p. 118).
Portanto, a paisagem política está vinculada à uma uniformização, ordenamento e regularização de um espaço. Neste caso, justifica-se a linha reta como sendo a escolha mais apropriada dentro desta lógica.
Northwest Ordinances of 1785-178722 A grade expressa o parecer de Thomas Jefferson de que para um bom governo, mais importante do que a consolidação dos poderes é a boa distribuição do território, assim, a gestão dos interesses individuais pode ser mais bem observada, concretizando assim o princípio da igualdade que deve orientar a sociedade americana23. Para Besse, a grade jeffersoniana, que impõe um projeto político sobre um território que se busca homogeneizar com fins de controle, expressa uma forma 21
(...) O traçado retilíneo das calçadas obedece a razões técnicas, mas também a motivos estéticos, e até filosóficos: a linha reta ilustra a razão do caminho mais curto e, ao mesmo tempo, demonstra a potência da arte, diante de uma natureza “caída”, a ser ordenada, retificada. (DESPORTES, 2005, pp. 15-6 apud BESSE, 2014, p. 123)
A imposição da linha reta está diretamente relacionada com a velocidade das circulações. Como já comentado antes, o autor usa a palavra “solo” para designar a natureza sobre a qual o ser humano modela sua existência enquanto grupo, mas quando se trata de uma estrada política muda o termo para “fora de solo”, pois a imposição de um sistema técnico que organiza as vias de circulação se interpõe entre o habitante e a natureza, a fim de evitar lentidão. Na etimologia da
Besse utiliza apenas o termo “grade territorial americana”, mas a descrição geográfica do projeto, data e autor confere exatamente com a “Northwest Ordinance”. Para ver a descrição: BESSE, 2014, 116. 22 Fonte: https://www.britannica.com/event/Northwest-Ordinances#/media/1/420076/198171 23 JEFFERSON, 1833, p. 235 apud BESSE, 2014, p. 117.
palavra francesa para lentidão, lenteur, está o latim lentor que designa justamente um solo viscoso e grudento que torna lento o caminhar 24. Entre as disposições de um sistema técnico e jurídico de normatização das vias de circulação da França entre XVII e XVIII, estão: nivelamentos dos relevos e “alinhamento dos traçados: cortar no relevo e alinhar ‘o mais reto possível’”25. A rua é uma superfície plana, geralmente linear, com direção e sentido previamente estabelecidos. Para o uso da rua, o pedestre e o motorista têm espaços bem delineados. Uma rua pode ser ocupada por um caminhante em várias direções, sentidos, formas, mas quanto mais política é uma via, menos espaço para um caminhante. Uma autoestrada, por exemplo, que representa o auge da paisagem política, é extremamente perigosa para o pedestre, que se resigna a ocupar as suas margens. E mesmo nas margens, o caminhante está sujeito a ser atingido por um veículo - não há garantia de segurança ali. A sociedade que construímos e da qual fazemos parte, privilegia o carro em detrimento do caminhar. Não só aquele corpo caminhante não deveria estar ocupando aquele espaço, como há um espaço delimitado e construído para que ele possa caminhar em “segurança”. A paisagem política dá conta da dimensão do ser humano como “animal político”, isto é, atentar para a organização da comunidade em torno de valores morais e políticos os quais considere relevantes. Afinal o ordenamento da paisagem é também sobre as “relações, as circulações, as distâncias, os lugares respectivos dos homens, mas também das mercadorias”. Por isso, Besse associa a paisagem política como sendo de ordem horizontal, e estrita aos seres humanos sem considerar o “solo”. Passando para a paisagem vernacular, a relação se 24
BESSE, 2014, p. 123. Ibidem, p. 122. 26 Ibidem, p. 125. 27 Ibidem, p. 124 28 Ibidem, p. 115. 29 JACKSON, 2003, p. 117 apud BESSE, 2014, p. 129. 25
estabelece não só entre os homens e mulheres que integram a sociedade, mas com o espaço que é habitado por eles, ganhando um sentido vertical. O que Jackson propõe quando inaugura o conceito de paisagem vernacular é um ser humano que existe em outras relações que não apenas aquelas que definem sua capacidade política: linguagem, pensamento e da possibilidade de agir livremente. Enquanto a paisagem política é construída por meio de um interesse e vontade ordenadores, a paisagem vernacular é aquela da relação do habitante do mundo com seu meio, uma relação “material, sensível e prática”26, segundo Besse. Apesar de que os sistemas locais tenderiam ao desaparecimento frente à organização política central, é mais provável que eles existam concomitantemente, pois são como “dois polos simétricos entre os quais se desenvolve toda a atividade paisagística”27. Besse afirma ainda que o maior desafio perante essas duas modalidades paisagísticas seria aprender a ler e reconhecer estes dois aspectos que coexistem num mesmo território.28 A paisagem vernacular é tão fluida em seus sentidos, que gera uma dificuldade em caracterizá-la. Segundo Jackson, a identidade desta paisagem está atrelada à duração de sua existência, só podendo definila quando ela cessa de evoluir29. Apesar da dificuldade, Jean-Marc Besse lista características que delineiam este lugar: ele não apresenta marcações políticas fortes, como espaços nitidamente projetados, aeroportos, igrejas, fronteiras etc. A paisagem vernacular é uma paisagem local, que é composta de espaços não-permanentes, que tem seu uso adaptado continuamente às circunstâncias, é flutuante, similar a um terreno baldio. Jackson a compara a um arquipélago de
aglomerações que geração após geração não deixa monumentos: apenas abandono ou sinais de renovação30. Ela se estabelece nas bordas, nas margens, tem caráter residual. E é incerta quanto aos seus limites tanto na dimensão espacial como na dimensão temporal (não há uma fundação), é marcada pela continuidade. Foi principalmente através destes espaços intermediários, como nomeia Besse, que a Land Art teve seu lugar de experimentação. Podemos citar um trecho do relato de Tony Smith sobre seu trajeto de carro pela estrada inacabada New Jersey Turnpike. A experiência impactou o artista, que não soube como qualificar aquele acontecido, e ele continuou buscando espaços similares: Mais tarde, na Europa, descobri algumas pistas de aterrissagem abandonadas – trabalhos abandonados, paisagens surrealistas, algo que não tinha nada a ver com função alguma, mundos criados sem tradições. Cada vez mais, sem qualquer precedente, as paisagens artificiais começaram a entrar em mim. 31
Podemos nos perguntar como um espaço é habitado (pois é construído pelo habitante) e pode ser tão fluido e, de certa forma, vazio. Besse esclarece que o que Jackson entende por habitar, na verdade, é um conjunto de hábitos, práticas e usos do espaço, continuamente elaborados e ajustados, em uma conversa com o local. O próprio sentido de lugar pode ser ressignificado dentro desta perspectiva. A identidade de um lugar passa a ser um inventário de acontecimentos, sensações e memórias e não simplesmente um aspecto topográfico32.
30
JACKSON, 2003, p. 268 apud BESSE, 2014, p. 126. WAGSTAFF, 1966 apud CARERI, 2013, p. 115. 32 BESSE, 2014, p.132. 31
O CAMINHAR COMO SIMBÓLICA DO ESPAÇO
AÇÃO
DE
CONSTRUÇÃO
A cidade é um arquipélago e há uma deriva que se dá nesse mar que circunda as ilhas. Esta perspectiva sobre a fluidez dos percursos humanos na cidade é apresentada pelo arquiteto urbanista Francesco Careri. A seguir abordaremos a cidade que se constrói a partir da experiência nômade e sedentária. A história das origens da humanidade é uma história do caminhar, é uma história de migrações dos povos e de intercâmbios culturais e religiosos ocorridos ao longo de trajetos intercontinentais. É às incessantes caminhadas dos primeiros homens que habitaram a terra que se deve o início da lenta e complexa operação de apropriação e de mapeamento do território (CARERI, 2013, p. 44).
A primeira divisão do trabalho, que pode ser idealizada a partir do mito de Caim e Abel, é também uma divisão do espaço e do uso do tempo. Careri associa à Caim a raiz sedentária, a quem é destinado a posse de toda terra para dela retirar por meio do trabalho das mãos, o sustento, lhe cabe trabalhar o solo. Já a Abel destina-se ser guardador dos seres viventes, o pastoreio lhe garante tempo livre para a exploração do espaço. Caim é a mão, a fabricação do mundo, a ele relacionamos o Homo Faber. Abel é o pé, é o movimento e o jogo, é o Homo Ludens. A complementação dessas duas forças potenciais sofre um revés com o fratricídio. Caim é sentenciado a vagar sem nunca encontrar estabilidade, é um errante. É um sedentário forçado ao nomadismo que, no entanto, Careri destaca, gera a partir de sua descendência as
primeiras cidades. Cidades estas que guardam em si as forças potenciais do sedentarismo e do nomadismo. As errâncias de caça do paleolítico foram os primeiros eventos de caminhada, o caminhar é a prática dos caçadores e coletores: a necessidade básica de se alimentar é o que inaugura o ato de mover-se. A partir dessa necessidade satisfeita, o caminhar transforma-se numa fórmula simbólica que permite que o homem habite o mundo, a caminhada é “(...) a primeira ação estética que penetrou nos territórios do caos''33. Careri ressalta a diferença entre o percurso errático e o percurso nômade. A errância está associada às caminhadas dos caçadores-coletores no paleolítico antes da revolução do neolítico, era o percurso por um território não-mapeado, não conhecido. A agricultura e o pastoreio são as atividades provenientes da caça e da coleta praticadas por meio da errância, e daquelas duas atividades produtivas se desenvolveram, milênios depois, a cidade nômade e a cidade sedentária. Todas essas formas de ocupação e significação do espaço se sucederam como uma jornada milenar dos pés sobre o solo e do corpo no espaço. Ainda segundo o autor, embora a construção física do espaço só venha a acontecer a partir do surgimento do menir monumento primordial - a construção simbólica do espaço começa antes. Através dos primeiros percursos do paleolítico, o corpo caminhante dos hominídeos começa a ordenar o caos, por meio da abstração da trajetória do sol, e do horizonte. O pensamento abstrato localiza os errantes e torna o caótico em reconhecível - o espaço em lugar. O nomadismo e o sedentarismo, ambos têm uma raiz na errância. Segundo Careri, enquanto a cidade sedentária é mais densa e sua estrutura confere importância aos pontos de chegada e partida, na cidade nômade é no espaço intermediário, que é o próprio espaço do ir, que a vida acontece. Portanto, é no vazio que a cidade nômade existe, no vazio os percursos se desenham. Não significa que não há nela arquitetura, pois a arquitetura é a construção simbólica do espaço. O 33 34
CARERI, 2013, p. 27 CARERI, 2013, p. 158.
autor conduz um longo percurso por estes espaços vazios. Para ele, a cidade se organiza como um arquipélago, onde cada ilha é um adensamento urbano. As ilhas oferecem a imagem ideal pois possuem propriedades como a das estruturas fractais: “a distribuição irregular dos cheios, a continuidade dos vazios e a borda irregular que permite que o vazio penetre nos cheios”34. Careri chama de amnésias urbanas, que não anseiam por ser preenchidas de coisas, mas de significados, os vazios compõem uma não-cidade que possui dinâmicas e estruturas próprias que ainda precisam ser compreendidas como são: Os vazios do arquipélago constituem o último lugar em que é possível perder-se dentro da cidade, o último lugar em que se pode sentir-se fora do controle e em espaços dilatados e estranhos, um parque espontâneo que não é nem a reproposição ambientalista de uma falsa natureza rústica nem a exploração consumista do tempo livre. São o espaço público de vocação nômade, que vive e se transforma tão velozmente que, de fato, supera o ritmo de projeção das administrações (CARERI, 2013, p. 159).
A “cidade difusa” confunde os arquitetos, que não sabem como ordenar ou classificar o sistema próprio que se desenvolve nas periferias, nomeiam de caos urbano. Acostumados a olhar a cidade pela perspectiva dos cheios, não perceberam a possibilidade de ocupação dos vazios. Careri chama de os difusos, estes que dão sentido aos espaços vazios da cidade às margens.
Seus vértices desenham suas margens
Frames vídeo-registro de performance em restinga na praia de Santa Mônica (Para ver o vídeo, clique na legenda ou na imagem)
SERIAM O ZIGUEZAGUE E A ONDA
PERCURSOS DA RETA E DO CÍRCULO
RESPECTIVAMENTE?
O CHÃO, O PÉ No capítulo “A cultura no chão: o mundo percebido através dos pés”, o antropólogo Tim Ingold aborda as mudanças que nos tornaram uma espécie reconhecidamente diferente dos grandes primatas. Além do aumento do cérebro, da remodelação da mão, que possibilitou o movimento de pinça, o bipedalismo parece ter sido a condição essencial para o domínio do mundo natural pelo homem. Ingold comenta sobre perspectiva teórica de Charles Darwin, segundo o qual os pés e as mãos tiveram um papel distinto na história do desenvolvimento humano. Teria sido partir da liberação das mãos do apoio do caminhar que o ser humano pode transformar o mundo material e ter controle sobre ele. Aos pés, caberia a função de impelir este homem para dentro do mundo natural35. Darwin nomeia essa distinção como divisão fisiológica do trabalho. Porém, Ingold ressalta que esta teoria sustenta a ideia de uma hierarquia do corpo, que pode ser rastreada até antiguidade clássica: a ideia de que uma superioridade intelectual está ligada ao uso da mão livre pode ser encontrada nos escritos de Xenofonte, Vitrúvio, Aristóteles, e era comum entre os naturalistas do século XVIII 36. Para Darwin, a evolução humana representa o triunfo da cabeça sobre os calcanhares. A própria ideia de existirem dois polos: cabeça e calcanhar, compõem a noção de um corpo que está em essência dividido, uma linha na cintura marca a separação entre o corpo superior dotado de racionalidade e com potencial para dominar a natureza, e o corpo inferior que representa o instinto dominado pela razão. O antropólogo analisa também a relação entre o calçado e a capacidade háptica do pé. Segundo ele, o uso do calçado com a sola grossa fez com que os habitantes do mundo dito “civilizado” perdessem a capacidade preênsil dos pés. Esta perda de causa deliberada, segundo 35
INGOLD, 2015, p. 73. STOCZKOWSKI, 2002, p. 87-88 apud INGOLD, 2015, p. 72. 37 STOCZKOWSKI, 2002, p. 73,74 apud INGOLD, 2015, p. 81. 38 INGOLD, 2015, p. 79. 36
Ingold, aprisiona o pé e retira dele parte do seu movimento e sensibilidade, regredindo a mero aparato mecânico. O caminhar não é uma ação involuntária, envolve uma inteligência do corpo, assim como uma memória e percepção do solo. O próprio ziguezague como tática de caminhada envolve uma inteligência do pé equalizando forças para lidar com o ângulo do terreno: Ademais, ao andar, o pé – até mesmo o pé calçado da civilização ocidental – não descreve realmente uma oscilação mecânica, como a extremidade de um pêndulo. Portanto, seus movimentos, contínua e fluentemente responsivos a um monitoramento perceptual contínuo do chão à frente, nunca são exatamente os mesmos de um passo ao seguinte. Rítmicos e não metronômicos, o que eles superam não é uma métrica de intervalos constantes, mas um padrão de tempo e espaço (INGOLD, 2015, p. 89).
A mecanização do pé, que é reforçada por uma hierarquia do corpo, está diretamente relacionada a atribuição de um status moral à postura ereta. O homem em pé, pode olhar para os céus e contemplar os deuses ou deus, assim como exercer seu domínio sobre os animais da terra37. Embora embasado em ideias expressas muito anteriormente à Modernidade, é partir dela que Tim Ingold rastreia um conjunto de mudanças e práticas, que embasaram tanto a mecanização do pé quanto a postura ereta como ideal. Por exemplo, o uso predominante da cadeira na sociedade ocidental, enquanto na maioria das nãoocidentais, a posição de repouso mais comum para quando não se está em pé ou deitado é ficar agachado38. Ingold cita como exemplo a cultura japonesa que valoriza uma relação de proximidade com o chão, expressos em práticas do cotidiano que são ensinadas desde a infância.
Na sociedade sentada, os pés ficam livres e em repouso, é possível pensar e produzir sem que isto envolva um trabalho dos pés. A cadeira também nos distancia do chão, que “é sujo”, que acumula sobre si os resíduos de todos os lugares por onde andamos. É como se, para os habitantes da metrópole, o mundo de seus pensamentos, seus sonhos e suas relações com os outros flutuasse como uma miragem acima da estrada em que pisam em sua vida material real (INGOLD, 2015, p. 78).
A pavimentação das ruas opera também no sentido de oferecer uma via sem riscos para uma marcha que não titubeia, a caminhada de passos largos tipicamente militar. O corpo como uma máquina de andar39. Além do terreno plano e rígido, com a sensibilidade do pé confinada pelo calçado, a pegada que deixamos não é mais do que resíduos de outros chãos percorridos. Nesse modelo, não há rastros, nem vestígios da ação do pé que fique registrado no asfalto. Parece que as pessoas em suas vidas diárias, apenas roçam a superfície de um mundo que foi previamente mapeado e construído para elas ocuparem, em vez de contribuírem através dos seus movimentos para a sua continua formação. Habitar a cidade moderna é habitar um ambiente que já está construído. Mas enquanto o construtor é um trabalhador manual, o morador é um andarilho (INGOLD, 2015, p. 86).
Tim Ingold, por fim, chama a atenção para a universalização do andar a passos largos, como se essa fosse a “realização locomotora humana por excelência” e não apenas uma forma peculiar de andar 39
entre tantas outras. Na verdade, a seguir o antropólogo questiona o próprio bipedalismo atribuído à natureza humana como um plano corporal essencial, dado aos seres humanos antes de sua vida, seu contexto e desenvolvimento na terra. A evolução do bipedalismo continua enquanto vivemos e nos movemos sobre dois pés.
O RASTRO Em um texto que opera no limite do poético, Tim Ingold versa sobre o que seria a superfície. Ele contesta a ideia de que a vida irrompe sobre a superfície do mundo, e diz que esta é uma percepção afetada pela vivência nos espaços interiores, na vida contida em um imóvel, com um piso. Ao longo de uma discussão sobre contorno, substância e meio, ele entende o solo como a superfície das superfícies, “tecida pelo entrelaçamento de uma miscelânea de materiais, cada um com suas propriedades particulares”40. Para elucidar este solo de fora que é vivo, Ingold cita as reflexões de Paul Klee sobre o desenvolvimento da semente, que tanto cresce para baixo para firmar suas raízes, como para cima, para o céu para obter luz. A superfície do solo é intersticial, não é nem superficial, nem infraestrutural, nem inerte, ela marca a margem ativa entre o céu e a terra. Por fim, Ingold contrasta o solo com algo do gênero do asfalto, uma camada dura que é colocada para definir os limites entre substância e meio, a intenção é “(...) transformar a terra em palco, plataforma, piso ou pedestal, ou seja, em uma infraestrutura sobre a qual a supra estrutura da cidade possa se erguer41. Mas, ele conclui, essa camada dura nunca deixa de ser acometida por forças elementais do céu e da terra que abrem brechas para fazer brotar a vida novamente.
INGOLD, 2015, p. 82 INGOLD, 2018, p. 71, tradução nossa. O texto na língua original é: “Es, si usted quiere, la superficie de todas las superficies, tejida por el entrelazar de una miscelánea de materiales, cada uno con sus propiedades particulares. 41 INGOLD, 2018, p. 75, tradução nossa. O texto na língua original é: “Es convertir la tierra en un escenario, una plataforma, piso o zócalo, o en una palabra, en una infraestructura sobre la cual la supra estructura de la ciudad pueda erguirse.” 40
No capítulo “Pegadas ao longo do caminho” Tim Ingold comenta a analogia – que não é nova – entre o caminhar e o desenhar. Tanto os pés quanto o lápis desenham uma linha em uma superfície. Mas existem particularidades em cada um deles. No desenho, a superfície é uma folha em branco, então o desenhista parte de uma linha que está apenas em sua mente, o traçado vai se materializando e subtraindo o vazio da folha. No caminho, há muitas coisas para se ver, não é uma folha em branco. Mas o caminhante não consegue ter a visão geral do traçado que ele imprime no solo. Seus olhos estão muito próximos dos seus pés, em relação à escala do terreno. Neste sentido, o que o caminhante faz não é desenhar uma linha, como uma camada figurativa que se sobrepõe a todas as outras que vieram antes (a visão da terra como um palimpsesto), a sua relação com o solo é de entrelaçamento, não de sobreposição, segundo Ingold42. Outra diferença entre o desenhar e o caminhar é que a mão consegue inscrever numa superfície uma linha contínua. Já os pés deixam um rastro que vai de um ponto (pegada) a outro, mais próximo de uma impressão. O rastro da caminhada é um traçado de pontos que vão se sucedendo no tempo, a pegada indica uma direção e um sentido no espaço. Existe uma relação entre a existência temporal das pisadas em função do tipo de solo no qual se imprimem. Nas superfícies mais macias, como a areia da praia, as pegadas se imprimem e são apagadas facilmente, não dá tempo delas se desmancharem pelo vento pois a onda vem e as apaga. No asfalto, de modo geral não há rastro, as pegadas são invisíveis pois o terreno é bruto e foi pensado para que nenhum indício de passagem seja registrado e altere sua forma estabelecida. Não é como o chão que pode ser moldado apenas pelo caminhar, como observamos na escultura de Richard Long, “A line made by walking” (1967). Long não adicionou nada ao local, nem marcou uma linha com seu calçado, apenas caminhou e a luz que 42
INGOLD, 2018, p. 95. INGOLD, 2018, p. 98. 44 CARERI, 2013, p. 133. 43
incidiu sobre o terreno pisado destacou a linha. Tim Ingold ressalta que a pegada é diferente da estampa, pois a estampa é um desenho projetado para uma determinada superfície dura e comunica imobilidade, enquanto a pegada se faz enquanto nos movemos na superfície do mundo, tem textura e duração e estão integradas ao próprio solo43. O trabalho “Seven Paces”, de Hamish Fulton é uma escultura pública na parte externa do museu Arp Museum Bahnhof Rolandseck, que simboliza a caminhada que o artista fez de Bilbao, na Espanha até a foz do Reno, no Mar do Norte e que durou 63 dias e 2.838 quilômetros. Como os pés são paralelos e alternam-se, cria-se um ziguezague que conecta todas as sete pegadas. O baixo relevo que simula o solado de um sapato conecta-se por meio dessa linha que contém um texto sobre o trajeto desenvolvido. Fulton é um artista que caminha sem deixar rastros e Careri destaca que o artista representa o percurso através de imagens e textos gráficos, mas tem consciência de que estes objetos que testemunham a caminhada nunca poderão abarcar a experiência do caminhar44. Na perspectiva de Ingold, o trabalho de Fulton poderia ser classificado como uma estampa, até mesmo na descrição do trabalho que o coloca como “simbólico” de uma caminhada.
Walking a Line in Peru (1972), Richard Long45.
Seven Paces (2003), Hamish Fulton46
Aplicando ao ziguezague as particularidades do desenhar e do caminhar, percebemos que o gesto de rabiscar um ziguezague gera vértices muito bem pontuados, rígidos. Na maioria dos sítios arqueológicos onde é encontrada arte rupestre, lá está o ziguezague. Faz parte dos fundamentos do nosso arsenal gestual. Já no caminhar, é o movimento de coleta que gera o ziguezague, em diferentes intensidades, rígida ou fluida. A linha que quebra sinaliza um atrativo que nos faz retornar numa direção diferente da que estávamos seguindo antes, e assim vamos gerando os vértices progressivamente.
45 46
Fonte: http://www.richardlong.org/Sculptures/2011sculptures/lineperu.html Fonte: https://arpmuseum.org/en/exhibitions/permanent-exhibitions/riverside-sculpture-park/hamish-fulton-seven-paces.html
As pisadas são individuais, os caminhos são sociais. Tim Ingold
Praia de Santa Mônica – Fotografia de percurso
O ziguezague é uma ação ansiosa. E perseverante. Tem duração e ritmo. O ziguezague, como desenho, é o rabisco imediato da mão inquieta. O ziguezague é uma linha que não contente em ir e vir, vai de novo e volta de novo numa contínua vibração, multiplica pontos simples de partida e chegada em inúmeros pontos. Não são pontos de meio, pois o meio existe em relação ao fim e ao começo. São pontos, simplesmente, pontos de parada e redirecionamento: o vértice sugere uma continuidade. Ao caminhar em ziguezague, é necessário diminuir a velocidade ao se aproximar do vértice, para então, retomá-la em seguida em outra direção. Nessa diminuição da velocidade, há um momento ínfimo, quase insignificante, de parada - que não significa chegada. Parada é diferente de chegada. A parada é uma suspensão que pode durar muito, mas em essência prevê um retorno ao movimento. A chegada carrega o sentido da partida: o nascimento é chegada, assim como a linha de chegada marca o fim de uma corrida: não se sabe se quem chegou está no início ou no fim de algo. O trajeto linear que liga dois pontos, situam estes mesmos dois pontos em funções fixas, sendo possível entender ambos como chegada: um sistema de dois pontos convertido em um a depender do sentido em que se caminha. No trajeto em ziguezague, os pontos mudam de função a depender da vontade de quem descreve aquela trajetória. Todos os pontos são parada, não chegada. A noção própria de parada pressupõe muitos pontos numa trajetória. O ziguezague é uma forma primordial que inaugura um sistema pluripontual. O ziguezague é uma forma de desvio do circular e do linear, sistema de um e dois pontos, respectivamente. Como lógica aplicada ao movimento, é uma terceira forma de caminhar e de perceber o mundo.
Frames dos vídeos Rua Engenheiro Moreira Caldas (2020), Rua São José (2020), e na próxima página Tobogã (2020) (Para ver os vídeos, clique na legenda ou na imagem)
O ziguezague é perda ou ganho de tempo-espaço?
O ziguezague é um atravessamento que não se completa nunca? O ziguezague é uma luta perpétua entre uma diagonal e uma reta? O que o ziguezague colhe e o que ele deixa? O ziguezague
é um jogo ou uma costura? Ou os dois?
O CAMINHAR E A PRODUTIVIDADE O caminhar é um esforço físico, um trabalho do corpo. Podemos questionar no que ele resulta enquanto trabalho. Para Rebecca Solnit, o caminhar constitui um equilíbrio entre o trabalho e o ócio pois produz apenas abstrações: pensamentos, experiências, chegadas47. Também enquanto processo produtivo, o caminhar é ambíguo, pois “é tanto um meio quanto um fim, trajeto e destino” 48. Portanto, se pensarmos o movimento do corpo sob a lógica de maior aproveitamento de uma atividade com relação ao tempo isso pode subtrair do caminhar tudo aquilo que o constitui. Atentar apenas para o destino e optar pelo caminho mais curto para chegar lá acaba sendo a opção automática de um ser humano fragmentado e alienado. Em uma passagem do livro “A sociedade do cansaço”, Byung Chul Han comenta como o tédio é importante para nos lançar em experimentações que não tem compromisso algum com a produtividade e que nós, enquanto pessoas da sociedade do cansaço, desfrutamos cada vez menos: Quem se entedia no andar e não tolera estar entediado, ficará andando a esmo inquieto, irá se debater ou se afundará nesta ou naquela atividade. Mas quem é tolerante com o tédio, depois de um tempo irá reconhecer que possivelmente é o próprio andar que o entedia. Assim, ele será impulsionado a procurar um movimento totalmente novo. O correr ou o cavalgar não é um modo de andar novo. É um andar acelerado. A dança, por exemplo, ou balançar-se, representa um movimento totalmente distinto. Só o homem pode dançar. Possivelmente no andar é tomado por um profundo tédio, de tal modo que por essa crise o tédio transponha o passo do correr para o passo da dança. Comparada com o andar linear, reto, a dança, com seus movimentos revoluteantes, é um luxo
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SOLNIT, 2016, p. 22 SOLNIT, 2016, p. 24
que foge totalmente do princípio do desempenho (HAN, 2015, p. 19).
O curioso é que qualquer outro tipo de movimentação, que não aquela que extraia o maior rendimento, são captadas por uma lógica também produtiva, pois o lazer não é a mesma coisa que o tédio e o ócio. Movimentações que surgem como disruptivas são logo cooptadas como “uma pausa no cotidiano” e direcionadas à lugares seguros e predeterminados: a dança reservada às academias, a caminhada a lugares planejados para isto: parques públicos, praças e calçadões litorâneos. Ao longo do desenvolvimento urbano, a praia teve diferentes status e sentidos. A socióloga Helena Cristina F. Machado aborda a construção social da praia na sociedade ocidental, desde a valorização da natureza da paisagem marítima, até a passagem da ideia de praia terapêutica a de praia lúdica. Ela nos ajuda a reconstituir as sucessivas significações sobre este território, que hoje o habitante das cidades busca de tempos em tempos, para relaxar. O imaginário da praia não é neutro, antes é moldado por diferenças de classe social e de gênero. A partir da segunda metade do século XVIII, há uma mudança no pensamento sobre a natureza marítima, antes dessa época, o mar era considerado sob uma perspectiva bíblica, o que o tornava incompreensível, caótico, abissal. A partir de uma secularização do pensamento, segundo Alain Corbin, o mar torna-se mais tangível e próximo ao homem, e o desejo de estar à beira-mar é associado a uma prática de distinção social. Alguns elementos são destacados por Machado, como por exemplo, a importância da avaliação médica da qualidade das águas. Havia também uma percepção da praia como um espaço que seria “inaugurado”, antes inacessível e temível, passava a ser validado por uma figura da elite “reconhecida como sendo capaz de
enunciar as vantagens e qualidades a reter da natureza marítima e da estadia na praia”49. A ideia de praia terapêutica é aquela que, sob o discurso médico, conduzia e orientava a alguns corpos, o espaço à beira-mar, especificamente, os banhos de mar com fins terapêuticos. Os corpos a que geralmente eram indicados os banhos de mar eram aqueles considerados mais debilitados e frágeis, de mulheres e crianças. No século XIX, os banhos de mar por receita médica enquadram-se num modelo de experiências corporal burguês, organizado e regulado por bases cientificas, que assenta na crença de que o corpo deve ser "educado", para que o indivíduo possa controlar os sentidos e assim formar uma adequada consciência moral (MACHADO, 2000, p. 208).
A cidade industrial é considerada suja, sem ventilação, e a praia favorece um processo de higienização do corpo, e quem não pode se deslocar do ambiente urbano para a praia é consequentemente rejeitado na escala de classificação social. Nesta fase, da praia terapêutica, havia um rigor e uma austeridade que ordenavam um contato exclusivo com o mar, evitava-se o contato com o sol e as areias. No começo do século XX, toma o lugar a praia lúdica. As pessoas procuram a praia nos horários mais quentes e passam mais tempo nela, dando espaço para explorações dos sentidos, o sol na pele é valorizado e passa a ser um sinal de um lazer ostentatório. O desnudamento dos corpos envolve um jogo de olhares (ver e ser visto) e traz uma dimensão de controle social para o espaço da praia. Os comportamentos na praia não constituem uma ameaça à ordem social, porque obedecem a códigos muito precisos, cuidadosamente regulamentados por micro-poderes, tanto
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MACHADO, 2000, p. 205 SOLNIT, 2016, p. 158.
mais eficazes por não serem percepcionados como tais (MACHADO, 2000, p. 216).
A praia de Guarapari ganhou seu status de Cidade Saúde, divulgando atender às necessidades terapêuticas que poderiam ser tratadas por meio de suas areias monazíticas. Mas a cidade recebe um turismo multifacetado. Primeiro como praia terapêutica, mas progressivamente como praia familiar onde se estabelecem as casas de veraneio, ou refúgio “hippie” etc. Guarapari é um nome que desperta nostalgia em alguns dos que frequentaram suas praias no auge do turismo na cidade. O turismo constrói um imaginário e rotula a cidade para explorá-la como mais eficiência, mas no meio desse processo de exploração, memórias são criadas e atribuições de sentido permanecem sobre o território. Os habitantes de Guarapari se adaptam atribuindo seus próprios sentidos na sazonalidade dos movimentos na cidade.
OS CAMINHANTES E OS VIAJANTES Tim Ingold cria uma relação entre dois fatos relativos ao deslocamento que se deram a partir do século XVIII: os caminhantes não viajavam e os viajantes não caminhavam. A diferenciação entre essas formas de deslocamento passa a estar atreladas a uma distinção de classe. A caminhada era uma atividade “mundana” e banal atrelada à experiência dos mais pobres e marginais. Já a viagem, o deslocamento por distâncias maiores, era sempre feito por intermédio, ou a cavalo, de carruagem, de diligência. Rebecca Solnit comenta que as estradas na Inglaterra no século XVIII eram perigosas e ocupadas por salteadores, conhecidos como footpads, sendo que as melhorias em segurança e estrutura das estradas só aconteceram a partir de 177050. Os viajantes só caminhavam quando isto era estritamente necessário, e isso era
geralmente apagado dos diários e registros de viagem. Ingold comenta o fato de que os ricos, que viajavam, apenas o faziam pelo interesse da chegada, e o caminhar constituía obstáculo a observação acurada e objetiva do lugar de destino. Apenas no século XIX, a caminhada que antes era restrita aos jardins paisagísticos, tornou-se uma atividade com fim em si mesma, o mundo transformou-se em uma extensão do jardim51, toda a paisagem tornava-se o destino da viagem a pé. Ingold também ressalta que a partir do momento que o acesso aos transportes públicos se popularizou entre os trabalhadores comuns, o caminhar tornou-se uma questão de escolha52 e se libertou do estigma marginal.
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SOLNIT, 2016, p. 158. URRY, 2000, p. 51 apud INGOLD, 2015 p. 78
Caminhantes na praia de Santa Mônica - Fotografias de percurso A rodovia do Sol segue paralela à linha da praia de Santa Mônica, com uma quadra de distância entre as duas linhas. A rodovia de pista simples não tem uma calçada adequada. Assim, muitos moradores que precisam ir de um extremo a outro do bairro, preferem ir caminhando pela areia da praia.
ONDE ESTÁ O CAOS SE NOS MOVEMOS EM UM MUNDO ESQUADRINHADO, ORGANIZADO, PERMITIDO, CONTROLADO?
Guarapari é uma cidade que possui um ritmo: nos feriados e nos meses de alta temporada, todos vão para fora, nos dias úteis e meses de baixa temporada, o vazio. Entre forças ansiosas paralisantes que surgem com a pandemia de COVID19 e a vontade de estar no mundo fora sem correr nem oferecer riscos a ninguém, combinei meu ritmo com o da cidade. Esta ondulação de movimento que é a insustentabilidade tanto do cheio quanto do vazio é ainda mais evidente na parte da cidade que vivo e na qual me propus trabalhar. Me detive a ser caminhante no bairro de Santa Mônica/Perocão, que fica no Litoral Norte de Guarapari. De certa forma, este bairro está à margem do centro de maior movimentação turística como a Praia do Morro, ou da Areia Preta. A região se organiza entre os bairros maiores de Santa Mônica, Perocão, Setiba e Três Praias, que apesar de terem recebido uma urbanização tardia, ainda assim possuem elementos marcantes de um planejamento turístico, como a Rodovia do Sol que atravessa a cidade como uma coluna vertebral, um pequeno calçadão no fim da praia de Santa Mônica e um condomínio de luxo próximos às praias de acesso mais restrito como as Três Praias. Vou me apropriar aqui do termo que Jackson utiliza para expandi-lo. Busquei encontrar formas de relação com a paisagem que são vernaculares em meio à paisagem política.
Santa Mônica – Imagens de Percurso
Fotografias de percurso
A caminhada neste percurso, sem dúvidas, seguiu o ritmo de um ziguezague. Percebo o quão difícil é, conviver com a não-linearidade com a qual não estamos acostumados, e que não é só ziguezagueante, mas segue múltiplas formas, contornos e ritmos. Percebo o quão difícil é relatar um caminho que é sinuoso. O caminho sinuoso da descoberta desta cidade invisível que se esconde entre moradores e turistas, uma caminhada como esta se faz com lentidão, no sentido de deixar o solo da cidade afetar-me o ritmo. Caminho se faz enquanto trilhamos por ele, por vezes, caminhos já abertos e trilhados por muitos outros, por vezes, caminhos inéditos ou abandonados. Praticamente tudo ao redor, ao longo da superfície no mundo, constitui uma possibilidade.
Frames dos vídeos Vazio Pendente (2021) e Habito o Chão (2021) (Para ver os vídeos, clique na legenda ou na imagem)
Frame do vídeo díptico Passando (2021) (Para ver o vídeo, clique na legenda ou na imagem)
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