RETRATOS DO MEDO
JULIA BAZZI
Elaborada pelo sistema de geração automática de ficha catalográfica do Centro Universitário Senac São Paulo com dados fornecidos pelo autor(a).
Bazzi, Julia
Retratos do Medo / Julia Bazzi - São Paulo (SP), 2016. 48 f.: il. color.
Orientador(a): Anderson Silva, Eleni Paparounis, Fernando Citroni
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Bacharel em Design com linha de formação específica em Design Gráfico) - Centro Universitário Senac, São Paulo, 2016.
1.Livro 2.Medo 3.Retrato 4.Simbiose 5.Iconografia I. Silva, Anderson (Orient.) II. Paparounis, Eleni (Orient.) III. Citroni, Fernando (Orient.) IV. Título
Este projeto propõe representar visualmente o sentimento e a experiência do medo, tendo como base e objeto para desenvolvimento pessoas, que foram entrevistadas e fotografadas. A partir de seus medos, suas histórias e suas imagens, foram construídas simbioses 1 iconográficas 2 individuais que representam seu maior medo.
1 - Simbiose: Vida em comum; intimidade entre duas pessoas.
2 - Iconográfica: relativo à iconografia; Ciência das imagens produzidas pela pintura, pela escultura e pelas outras artes plásticas; Conjunto de imagens relativas a um assunto determinado.
A compreensão nasce da capacidade de manejo. O que não somos capazes de administrar nos é “descohecido”, o “desconhecido” é assustador.
Medo é outro nome que damos à nossa indefensabilidade.
Zygmunt Bauman, Medo Líquido.
Sumário Borboletas Palhaço Estupro Doença Pássaros Borboleta bruxa Morte Tempo Solidão Tripofobia 8 12 16 20 24 28 32 36 40 44
BORBOLETAS
9
Luciana Pio 32, designer Mandaqui, São Paulo - SP
Pergunta: Qual o seu maior medo?
Luciana Pio: Meu maior medo é de borboleta. O inseto.
P: Como você se sente em relação a esse medo? Qual seu o sentimento quando o enfrenta?
L. P.: Eu tenho medo dela [borboleta] encostar em mim. Não sei, eu tenho medo dela me comer, eu não sei eu... Eu corro, eu fico me debatendo. Falo “sai de perto de mim”. Eu faço esse tipo de coisa.
P: Você sente aflição?
L. P.: Também. Muita, muita aflição, muita, muita, muita. É... Horrível.
P: Você lembra quando ou como esse medo surgiu?
L. P.: Eu tenho uma visão na minha cabeça que eu não sei se realmente aconteceu ou se eu sonhei. Quando eu era pequena, eu estava correndo em um campo e havia borboletas, eram brancas. w Eu gritei e uma delas entrou na minha boca. Eu acho que foi real, porque eu lembro até hoje o gosto dela.
10
Rcorte, colagem, giz pastel, aquarela, papel de seda.
PALHAÇO
13
Priscila Kanda
25, jornalista
Alto da Boa Vista, São Paulo - SP
Pergunta: Qual o seu maior medo?
Priscilla Kanda: De palhaço.
P: Como você se sente em relação a ele? Quando está enfretando esse medo?
P. K.: Se eu vou em uma festa e tem um palhaço eu saio de perto, eu tento não ficar no mesmo ambiente que ele.
P: Você sente ansiedade?
P. K.: Não sei se é ansiedade a palavra. Fico agoniada, angustiada.
P: Você lembra quando ou como esse medo surgiu?
P. K.: Eu acho que eu nunca gostei muito de palhaço, na verdade. Minha mãe sempre falou que eu não era muito fã de ver, assistir coisas com palhaço. Até porque eu acho feio, já começa por aí. Mas medo mesmo eu fiquei uma vez
quando meus pais me levaram a um show no Mc [McDonalds].
Tinha um palco grande onde estava o Ronald McDonald fazendo mágica e eu estava assistindo no ombro do meu pai. Então, o palhaço disse: “Preciso de um ajudante”. Acho que como ele me viu no alto, me chamou e eu fui. Quando eu cheguei no palco era aquela mágica que fica uma mulher deitada em uma caixa e a separa em duas. Ele falou que ia me por naquilo, mostrou como é que era a mulher e falou que eu ia ficar dentro da caixa. Eu fiquei apavorada e falei: “Ele vai me cortar no meio! Esse palhaço é louco!”. Eu comecei a chorar muito, meus pai tiveram que ir me buscar no palco e eu não participei da mágica. Depois disso, eu fiquei com trauma de palhaços.
Aquarela, nanquim, lápis de olho e batom.
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ESTUPRO
17
Gabriela Rodriguez
21, jornalista
Vila Mariana, São Paulo - SP
Pergunta: Qual o seu maior medo?
Gabriela Rodriguez: Meu maior medo é ser estuprada.
P: Como você se sente em relação a esse medo?
G. R.: Não sei, eu acho que é um medo de uma coisa que é muito provável de acontecer, o que é que torna tudo isso realmente aterrorizante. O sentimento de verdade é como se eu passasse todos os dias da minha vida em uma roleta russa. Uma em cada cinco mulheres vão ser estuprada na vida, se você abranger mais o sentido de estupro vai pra uma em cada três. Então toda vez que estou em uma situação de vulnerabilidade, por exemplo no ônibus e todo mundo desce e está só eu, o cobrador e o motorista.
P: Você lembra quando ou como esse medo surgiu?
A partir do momento em que eu vivo em uma vida só minha, tenho minha casa e as minhas responsabilidades, eu me torno muito responsável sobre a minha vida. Eu me sinto mais vulnerável a maior parte do tempo. Além disso,eu me afundei muito nos círculos feministas, principalmente de São Paulo e, basicamente, o feminismo é formado de relatos pessoais e diariamente eu leio histórias de estupro de mulheres e começo a perceber como é comum.
P: O que você sente quando está enfrentando esse medo?
G. R.: Eu fico muito alerta. Quando eu vou pra casa dos meus vizinhos e eu volto de noite é como se de repente todos os meus sentidos funcionassem cinco vezes mais rápido, mais atentos e meu cérebro funciona a mil para pensar em alternativas e formas mais seguras de andar na rua, por exemplo onde eu poderia me esconder e o que eu poderia fazer.
G. R.: Eu acho que nunca foi uma coisa que eu pensei de verdade. Porque antes, quando eu morava na casa dos meus pais, eu tinha uma sensação de segurança. Recote, colagem e tinta acrílica.
18
DOENÇA
21
Luiza Beraldo
19, estudante de Artes Visuais
Vila Mariana, São Paulo - SP
Pergunta: Qual o seu maior medo?
Luiza Beraldo: Meu maior medo é, quando eu ficar velha, desenvolver a doença da minha avó, que é degenerativa, e afeta várias funções do corpo, incluindo memória, consciência e fala. Ou seja, a pessoa fica incapaz de realizar quase todas as funções normais, vira praticamente um vegetal.
P: Como você se sente em relação a esse medo?
L. B.: Eu me sinto muito angustiada, porque eu sinto que não tem nada que eu possa fazer pra evitar, já que provavelmente [a doença] é genética.
P: Você lembra quando ou como esse medo surgiu?
L. B.: Surgiu há anos, quando minha avó começou a ficar doente, meu tio também ficou com a mesma coisa, eu era criança.
P: O que você sente quando está ou estava enfrentando esse medo?
L. B.: Eu continuo enfrentando, mas eu me sinto angustiada, com muito receio e... Como fala quando a pessoa não tem capacidade de mudar alguma coisa? Impotente, é... eu me sinto impotente.
Recorte, colagem e linha de costura.
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23
PÁSSAROS
25
Ananda Cerdan 23, atendimento corporativo
Vila Matilde, São Paulo - SP
Pergunta: Qual o seu maior medo?
Ananda Cerdan: Pássaros.
P: Como você se sente em relação a ele? Quando está enfretando esse medo?
A. C.: Em pânico. Na verdade, meu coração começa a sabe... uma sensação de pânico? Eu não sei explicar, mas sensação de pânico, é isso.
P: Você lembra quando ou como esse medo surgiu?
A. C.: É sério, de verdade. Eu vi “Pássaros”, do [Alfred] Hitchcock, e eu falei: “Pássaros são as coisas mais assustadoras do planeta; eles podem te matar”. E agora eu vejo um pássaro e penso: “Ainda bem que eu uso óculos”.
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Recorte, colagem, aquarela, giz pastel e tinta acrílica.
BORBOLETA BRUXA
Felipe Guerreiro
31, publicitário
Pinheiros, São Paulo - SP
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Pergunta: Qual o seu maior medo?
Felipe Guerreiro: Eu tenho muito medo daquelas borboletas grandes, aquelas borboletas bruxas*. Me assustam muito.
P: Como você se sente em relação a esse medo?
F. G.: Meio paralisado, eu entro em pânico, eu só saio do ambiente. Eu sei que ela [borboleta] não vai me atacar, mas eu tenho muito medo.
P: Você lembra quando ou como esse medo surgiu?
F. G.: Não... Sempre tive.
P: O que você sente quando está enfrentando esse medo?
F. G.: Na verdade, eu não enfrento, eu saio. Eu espero ela ir embora.
*nome dado às borboletas grandes de coloração escura.
Recorte, colagem e tinta acrílica.
30
MORTE
33
Fabiana Lopes
31, gerente de projeto
Mandaqui, São Paulo - SP
Pergunta: Qual o seu maior medo?
Fabiana Lopes: Meu maior medo é de acontecer alguma coisa com os meus sobrinhos e que eu não possa ajudar. Tenho medo que aconteça algo e eles morram; meus sobrinhos e meus irmãos.
P: Como você se sente em relação a esse medo?
F. L.: Eu sinto tristeza, um aperto no peito, porque são coisas que a gente não pode e não tem como interferir às vezes. Recorte,
34
colagem e tinta acrílica.
TEMPO
Bela Vista, São Paulo - SP
37
Murilo Stozek 24, publicitário
Pergunta: Qual o seu maior medo?
Murilo Stozek: Eu tenho medo de morrer antes de conseguir fazer todas as coisas que eu quero.
P: Como você se sente em relação a esse medo?
M. S.: Um pouco pressionado. [O que quero fazer] São algumas coisas que tem que ser construídas com o tempo. Então o tempo é o principal fator que vai influenciar [meu medo].
P: Você lembra quando ou como esse medo surgiu?
M. S.: Foi no ensino médio, quando eu comecei a fazer planos para minha vida e eu descobri o que eu queria e vi que ia levar tempo. Então comecei a planejar para fazer tudo e meu medo é não dar tempo de fazer tudo.
Recorte, colagem, tinta acrílicae giz pastel.
38
SOLIDÃO
41
Raphael Borges 21, estudate de design gráfico Belém, São Paulo - SP
Pergunta: Qual o seu maior medo?
Raphael Borges: Ficar sozinho. Mas é um sozinho de perda. Como perder amigo, perder familiares, perder uma namorada, perder as relações. E o mundo me esquecer assim, sabe?
P: Como você se sente em relação a esse medo?
R. B.: Eu atualmente consigo lidar com ele, mas eu já cheguei a fazer terapia por conta disso. Isso começou no final do meu primeiro relacionamento. Fazendo as sessões de terapia eu consegui lidar e aprender com esse sentimento. Mas tem vezes que, quando estou em casa sozinho, eu me sinto muito isolado do mundo e sinto a necessidade de conversar com alguém. É bem difícil lidar com isso às vezes. Às veze, só de estar trancado no quarto sozinho, já é assustador.
P: Como você se sente quando está enfrentando esse medo?
R. B.: Eu não sei se depressão define. Porque depressão é um sentimento negativo muito forte. Às vezes eu sinto incapacidade de lidar com esse problema, porque quando se trata de relação entra as pessoas, o próprio nome já diz: não depende só de você, depende dos outros. Eu consigo tomar uma iniciativa, mas eu tenho muito medo da resposta dos outros.
Recorte, colagem, tinta acrílica e aquarela.
42
TRIPOFOBIA
45
Guilherme Yoshida 21, designer Consolação, São Paulo - SP
Pergunta: Qual o seu maior medo?
Guilhereme Yoshida: Meu maior medo é a tripofobia*.
P: Como você se sente em relação a esse medo?
G. Y.: Eu me sinto muito tenso, algo que não consigo controlar. Meu rosto se comprime, como se tivesse chupado um limão.
P: Você lembra quando ou como esse medo surgiu?
G. Y.: Não consigo lembar exatamente, mas a primeira vez que consigo lembrar de ter sentido angustiado com esse medo foi quando pesquisei sobre “calcanhar de maracujá” na internet.
P: O que você sente quando está enfrentando esse medo?
G. Y.: Eu me sinto muito indefeso quando enfrento esse medo, porque eu começo a agir de modo que nunca agi. Não consigo cancelar a sensação de horror ao ver isso.
* medo irracional ou aversão a furos ou a buracos que, em conjunto, formem padrões irregulares (como os de corais, esponjas, etc.)
46
Recorte e colagem.