TFG, Luta e Arte pelo direito à Cidade | Júlia Bento, FAU USP

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luta e arte pelo direito Ă cidade



trabalho final de graduação faculdade de arquitetura e urbanismo universidade de são paulo júlia caprini cezar bento orientador: joão sette whitaker junho, 2017



“A cultura é uma invenção humana. Ela é forma ou produção de formas. Ela sobrevive arquitetando possibilidades. Ela engana quem determina e anuncia a fatalidade dos destinos ou quem se embriaga com as escatologias. A cultura é sempre uma abertura, nunca um ponto final. Ela se refaz de qualquer profecia que anuncie seu fim. Sua existência está relacionada com a história. Confundem-se, num diálogo constante da permanência com a mudança. Quando narramos uma história estamos mergulhando no imenso oceano da cultura, nunca transparente, como uma metáfora, seu espelho é o símbolo. Por isso a cultura inventa formas, para aprofundar suas diversidades, para assegurar a sua sobrevivência. Cada forma protege ou esconde alguma coisa. A casa tem formas, as visíveis e as invisíveis. Suas geometrias talvez não sejam tão misteriosas. Conseguimos nomeá-las. O que fazer, porém, com o que esconde, com a cartografia dos sentimentos que habitam no seu interior ou no interior de quem a habita? A palavra é a ponte para mantê-la nas narrativas que a transforma em morada. A casa tem nome, uma casa tem muitos nomes, não importando as arbitrariedades ou fantasia que contenham.” a casa nossa de cada dia: metáforas e histórias da pós-modernidade antonio paulo rezende


sumรกrio


06 08

agradecimentos introdução

13 14 20 32

conceituação são paulo: a formação da cidade e o problema habitacional centro como embate: as ações governamentais, os movimentos sociais e as ocupações lutas urbanas e a cultura

45 50 66 80

as ocupações ocupação cambridge ocupação são joão ocupação ouvidor

93 98

considerações finais bibliografia


agradecimentos


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Agradeço imensamente a todos os moradores da Ocupação Cambridge, da Ocupação São João e da Ocupação Ouvidor. Em particular à Carmem, Mildo e Vitor, por disponibilizarem seu tempo e confiarem em mim as suas histórias. Ao Professor João Sette Whitaker que me orientou nesse trabalho, pela paciência, dedicação e pela amizade durante todo esse longo percurso. Aos grandes e eternos amigos de FAU, que me acompanharam nesses anos de graduação, nas angústias e alegrias: Pedro, Irianna, Henrique, Francesca, Louise, Patrícia, João e Agnes. À minha irmã e colega de profissão, Marina, pela grande amizade, pela ajuda incessante e por compartilhar, nesse ano de TFG, as alegrias e dificuldades do “morar junto”. À minha mãe, Claudia, por viver o sonho da graduação comigo e pelo apoio em todos os momentos. À minha avó Conceição e à minha madrinha Aparecida, por todas as orações. E ao Tomás, pelo companheirismo, pelas revisões, pelos imprescindíveis pitacos e por acompanhar cada novo passo desse trabalho sempre com muito entusiasmo. Em memória do meu avô Nelson, por todos os conselhos e inesquecíveis conversas.


introdução


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Durante a graduação as questões que envolvem o direito à cidade, o urbanismo democrático, o problema habitacional e o direito à moradia foram se transformando em assuntos de interesse crescente dentro de mim. Na última disciplina obrigatória de Planejamento Urbano1 esse interesse se potencializou na medida em que discutimos em aula o documentário “Dia de Festa”2, que conta a trajetória de quatro mulheres líderes de movimentos de moradia no dia da ocupação de edifícios que não cumprem a sua função social na cidade de São Paulo. Ao mesmo tempo em que seguiam as aulas na FAUUSP, as experiências de estágio me fizeram dar conta daquilo que já ouvia desde o primeiro dia como aluna de Arquitetura e Urbanismo: o mercado em nossa profissão era demasiadamente competitivo e restritivo. Deparei-me com um cenário deprimente para os futuros anos como arquiteta formada que principalmente me encaminhariam para dois ramos de atuação: o da arquitetura destinada à clientela de alta renda ou o da arquitetura de mercado com o interesse do capital imobiliário e feita de maneira a garantir maior rentabilidade para o investidor. Assim, quando comecei a pensar na escolha temática do TFG tinha uma certeza em relação ao caminho que eu queria seguir: esse último trabalho deveria aglutinar os conhecimentos que a graduação me trouxe como ser político e ser objeto de reflexão sobre o real papel da arquitetura. Estava em busca de um tema que fosse à contramão com a realidade da profissão e instigasse o “fazer arquitetura” com viés critico e social. A união dessas questões me colocou a frente da Ocupação Cambridge3 pela primeira vez. A minha primeira vivência no Cambridge, em um evento cultural e educativo, trouxe uma profunda inquietação temática que me encaminhou para a escolha das ocupações da área central de São Paulo como objeto de estudo do meu trabalho final. Em um primeiro momento,

1 AUP 274. Desenho Urbano e

Projeto dos Espaços da Cidade. 2 A expressão “Dia de Festa” é

uma metáfora utilizada pelos movimentos de moradia para designar o dia em que se ocupa um imóvel ou uma área. O filme “Dia de Festa” é um documentário do ano de 2006, de direção de Pablo Georgiff e Toni Venturi. Grenade Productions/ Neurotika/ Olhar Imaginário/ Passaro films/ Cityzen/ Telévision/ Coloco. 3 A Ocupação Cambridge é uma

ocupação de moradia coordenada pelo MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), desde novembro de 2012, no antigo Hotel Cambridge situado na Avenida Nove de Julho.


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além de me dedicar a bibliografia específica sobre o assunto, produzi um mapeamento indicativo das ocupações atuais existentes na área central, para me dar assistência no processo de visitas. Vale apontar que não existem mapeamentos sistemáticos envolvendo as ocupações de moradia no centro e que há uma dificuldade em coletar informações precisas sobre esse assunto.

4 A Ocupação São João é uma

Com o decorrer das visitas, cada experiência em uma ocupação diferente me colocou em contato com a vida que circula nos espaços recém-significados por movimentos que contestam a produção da cidade desigual. No entanto, durante o seguimento das visitas, ainda sem norte focal para o trabalho, vislumbrei que o conjunto das ocupações existêntes no Centro de São Paulo representava um maciço extremamente heterogêneo e conflituoso, muito discrepante da visão majoritariamente marginalizada dada pela mídia, tal como a visão idealizadora e muitas vezes homogeneizada dada pelo campo democrático e progressista. Me faltava um fio condutor para a análise desse aglomerado tão complexo.

5 A Ocupação Ouvidor é uma

Eis que analisando a trajetória da pesquisa me dei conta de que o meu primeiro contato com uma ocupação de moradia se deu em virtude de um evento cultural e educativo aberto para a população e isso não deveria ser visto de forma isolada. A pauta cultural aliada às questões políticas se mostrou uma tendência recorrente em muitas ocupações visitadas. As ações culturais apresentaram-se como elemento provedor de diálogo e interação com a sociedade “de fora” e fortalecedor da luta e união aos “de dentro”, têm, portanto, resignificado os entendimentos sobre espaço, moradia, política e cidadania. Elas têm, principalmente, rompido barreiras sócias e promovido o contato e o diálogo de diferentes esferas da população. Aqui estava o fio condutor de análise que eu procurava. Para analisar as questões que delineiam esse tema tão atual de união entre política e cultura, elenquei três ocupações em que a cultura, a arte e a educação se mostraram extremamente fortes e ao mesmo tempo discrepantes entre si: a Ocupação Cambridge, a Ocupação São João4 e a Ocupação Ouvidor5. Não pretendi defender alguma verdade absoluta sobre a ligação entre luta e

ocupação de moradia coordenada pelo MSTRU (Movimento Sem Teto pela Reforma Urbana), desde 2012, no antigo Hotel Columbia Palace, situado na Avenida São João, 588.

ocupação artística e de moradia situada em um edifício público na Rua do Ouvidor, 63, desde 2014.


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cultura, mas sim retratar a maneira como os coletivos e os movimentos de moradia vêm unindo a pauta política e as rotinas da ocupação às dimensões culturais e os efeitos que essas tem na luta urbana atual. Quando falo sobre cultura, me refiro principalmente as ações culturais de forma mais ampla, ou seja, ao conjunto de práticas simbólicas de natureza humana. O trabalho se definiu, por fim, como uma etnografia, dada através de um modelo ensaístico e narrativo da experiência vivida por mim nessas três ocupações. Este livro, que contém o material produzido durante o período em que se decorreu esse trabalho, pode ser estruturado em duas etapas: uma teórica e uma pautada na minha experiência prática, nas vivências, nas entrevistas e conversas. A primeira etapa denominada “Conceituação” exprime as dimensões teóricas que validaram a minha experiência nas ocupações. Ela se divide em três capítulos que trazem a noção da formação da cidade de São Paulo concomitantemente com o problema habitacional, o histórico do centro como espaço de embate, a formação dos movimentos sociais, o nascimento das ocupações e as ações governamentais. Finalizo com um capítulo que traz à luz a discussão entre a luta urbana e as ações culturais, tema proeminente nesse trabalho. A segunda etapa, “As Ocupações” divide-se em três capítulos, em cada um deles conto a minha experiência dentro da Ocupação Cambridge, da Ocupação São João e da Ocupação Ouvidor. Neste trabalho, pretendo mostrar como a experiência da coletividade se mostra construtiva a medida em que as ações culturais entram na pauta dos movimentos. Claro que no amplo contexto das ocupações, existem dimensões negativas e condições de extrema precariedade. No entanto, existem ocupações que transformam os espaços ocupados em locus representativo de uma nova sociabilidade, através da criação e reflexão de uma nova forma de se viver nas cidades. A pauta cultural nesse contexto, apresenta-se portanto como uma nova forma de se refletir sobre os espaços, os convívios entre os cidadãos e o próprio direito à cidade e à moradia.



conceituação


são paulo a formação da cidade e o problema habitacional


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A cidade de São Paulo, até meados do século XIX, podia ser caracterizada como uma pequena vila, muito diferente de outros centros urbanos brasileiros da época. Foi no inicio do século XX, com o crescimento do cultivo do café e devido a sua localização estratégica, entre regiões produtoras e o porto de Santos, que São Paulo passa por um intenso processo de urbanização. A população da cidade nessa época era formada principalmente por grandes fazendeiros, por imigrantes, que serviam de mão de obra nas fazendas, “trazidos” pela ideologia de europeização e branqueamento do país, e por exescravos. Vale destacar que o lugar do negro na cidade de São Paulo sempre esteve intimamente ligado com o processo de abolição que criou uma grande população contraditoriamente livre, mas marginalizada e abandonada, sem nenhuma instrução para adentrar no regime de produção. Assim, tal população tornou-se residente das áreas mais precárias da cidade. Até o inicio do século XX, as classes sociais se misturavam no espaço urbano e concentravam-se exclusivamente na área central da cidade. Esse momento era caracterizado pela coexistência de habitações coletivas das classes baixas e médias com as habitações isoladas de pequenos proprietários urbanos abastados. Com a intensificação do processo de industrialização, formam-se bairros operários no entorno das indústrias ao longo das vias férreas, concomitantemente com o inicio do processo de deslocamento das classes ricas para novas localidades. Inicia-se, portanto, o processo de segmentação física da cidade baseada principalmente pela origem social e econômica da população, catalisada pelo processo de industrialização. “A partir da década de 1880, surgiram os primeiros indícios de segregação com a “diversificação das funções e o aparecimento, ao lado do velho centro, de bairros operários e de bairros residenciais finos” (MATOS 1958:89).


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Ainda que tímido, o processo fazia parte de um projeto sempre presente no corpo de ideias urbanísticas da elite dirigente que, ao longo te todo o período em estudo (e, de certa forma, até o presente) foi lentamente se implantando.”1 A partir de 1930, São Paulo recebe uma grande leva migratória, dada principalmente por nordestinos, que se instalam majoritariamente nas periferias. Através de novas condições de oferta de transporte e lotes acessíveis, a periferia passa a ser uma opção para a população carente, que se instala a partir da autoconstrução da moradia em áreas com escassa provisão de infraestrutura. Anteriormente, os precários cortiços, localizados entre o centro e a periferia, representavam praticamente a única alternativa de moradia para as populações de renda baixa. O problema das habitações precárias já era pauta desde meados de 1890, devido ao agravamento da situação de saneamento da cidade. A falta de esgotos, sistemas de drenagem e coleta de lixo, aliados a uma série de problemas de contaminação e proliferação de doenças, levou o Estado a inserir políticas públicas de origem sanitarista. Juntamente a esse processo viria um urbanismo com viés higienista, que tinha com um de seus principais objetivos o embelezamento da cidade, a demolição de cortiços e expulsão de populações marginais das áreas centrais. O desenvolvimento urbanístico da cidade intrinsicamente segregador, principalmente a partir da gestão Prestes Maia (1938-1945), se deu sob a ótica de construção de uma cidade modernista e monumental, inspirada nos projetos urbanísticos do Barão Hausmann para a cidade de Paris. O Plano de Avenidas de Prestes Maia rasgou grande parte do tecido viário da cidade, em detrimento da modernização do sistema viário, sob a ideia de reforçar o acesso ao centro da cidade. Inúmeras áreas desapropriadas e demolidas para a consolidação do projeto de Prestes Maia eram locais de concentração de cortiços, mendigos, marginais e prostitutas, de maneira a afastar qualquer tipo de situação de vulnerabilidade da região central. Não obstante, o rápido acesso e o controle do tipo de morador da área valorizou a centro. “As intervenções urbanísticas na área central de São Paulo nos anos 10

1 Bonduki. Origens da Habitação

Social no Brasil (1999). p 21.


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foram uma outra forma do poder público enfrentar a questão das habitações insalubres, à moda de Hausmann e Perreira Passos: expulsando seus morados e demolindo os cortiços, para afastá-los do centro.”2 No entanto, o adensamento do centro aliado à expansão do uso do automóvel, não se deu de forma a promover uma consolidação da população de alta renda nessa área. No decorrer da década de 1960, a abertura de novos loteamentos próximos à região da Avenida Paulista, permitiu às elites a construção de moradias isoladas em grandes terrenos, enquanto o centro se tornou local da prática da especulação imobiliária. Com a saída da elite da área central, e consequente abandono de investimentos para a manutenção dos espaços públicos desta área, o Centro consolida-se como ambiente predominantemente popular, palco de atividades efêmeras, informais e ilegais. Sob o olhar da elite, o centro torna-se então ambiente degradado, marginal e perigoso. O processo de esvaziamento residencial do centro está aliado ao constante e recorrente processo de mudança da centralidade da cidade para o quadrante sudoeste, fruto de deslocamentos das classes de maior renda e consequente acompanhamento dos investimentos do Estado e do mercado para esse vetor. A cidade de São Paulo apresenta, portanto, uma rede de infraestruturas distribuídas de forma desigual pelo espaço urbano, concentradas principalmente no eixo sudoeste da cidade. Não obstante, a partir da década de 1990, um novo processo de alteração da cidade ocorre: as elites econômicas mudam para uma nova centralidade, a região da Avenida Faria Lima. “Conforme os estratos sociais mais altos ocupam uma determinada região fora do centro, os estabelecimentos de serviços os seguem e as classespopulares ocupam o centro de maneira pouco organizada aos olhos das elites.”3 Essas alterações socioespaciais causaram impactos na região central, com consequente processo de esvaziamento residencial e degradação espacial. No entanto, esse processo não significou um retrocesso em termos de emprego no Centro, mas sim uma reorganização de suas atividades, ou seja,

2 Bonduki. Origens da Habitação

Social no Brasil (1999). p 37. 3 Paterniani (2016). p 31.


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houve esvaziamento residencial e um reordenamento das atividades econômicas. A área central de São Paulo ainda se insere na cidade como ambiente extremamente privilegiado: apresenta extensa rede de infraestrutura, lazer, emprego e serviços, podendo ser considerado uma das áreas com a maior acessibilidade da cidade devido ao grande extensão de linhas e corredores de ônibus, metrô e trem. Ainda na década de 1990 o processo de esvaziamento dos distritos centrais da cidade de São Paulo, localizados em áreas consolidadas, e o crescimento demográfico dos periféricos se intensificou. Esse fenômeno vem gerando uma concentração de empregos cerca de três vezes maior nas áreas centrais, enquanto os índices nas áreas periféricas só decaem, acentuando a disparidade na relação de distancia entre moradia e trabalho da maioria da população. Por sua vez, o centro de São Paulo apresentou segundo o Censo de 2010, cerca de 40 mil imóveis vazios nos dez distridos da área central. A seguir a tabela5 de imóveis vazios por distrito da região central de São Paulo. Distritos Bela Vista Belém Bom Retiro Brás Cambuci Liberdade Mooca República Santa Cecília Sé Total dos 10 distritos Município de São Paulo

Total de Recenseados 33.848 14.997 10.807 11.622 11.370 29.392 25.331 30.849 36.171 11.410 215.797 3.554.820

Vagos

Vagos/Total

5.479 2.500 1.821 2.789 1.910 5.283 3.675 7.007 6.343 3.055

16,2% 16,7% 16,9% 24% 16,8% 18% 14,5% 22,7% 17,5% 26,8%

39.862 420.327

18,5% 11,8%

A tabela traz um levantamento de cada distrito da região central e uma comparação percentual de cada distrito em relação ao Município de São Paulo. Vale apontar que a área central apresenta mais imóveis vagos que o restante total da cidade.

4 Bonduki. São Paulo na virada do

século XXI: a luta contra a exclusão nas áreas centrais (2007). 5 Censo 2010. IBGE.


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Mapa de Subprefeituras e Distritos do Município de São Paulo

1

Fonte: SMDU/Dipro

2

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4

5 7

9

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31 30

1 Perus 2 Pirituba 3 Freguesia/Brasilândia 4 Casa Verde/Cachoeirinha 5 Santana/Tucuruvi 6 Jaçanã/Tremembé 7 Vila Maria/ Vila Guilherme 8 Lapa 9 Sé - Bom Retiro/ Santa Cecília/ República/ Sé/ Consolação/ Bela Vista/ Liberdade/

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Essa breve retomada histórica aponta como o Centro, palco desse trabalho final de graduação, é considerado uma área muito particular da cidade, por unir o interesse das mais diferenças esferas da sociedade, através de disputas, tensões e sobreposições de uso. A seguir, continuarei com as noções de como a área central se transformou em palco de luta dos movimentos sociais que reivindicam a permanência residencial perto do local de trabalho e de infraestrutura. Paralelamente analiso as ações dos governos para essa área da cidade e a consolidação das ocupações como instrumento de reivindicação e efetivação da moradia pelos movimentos sociais.

Cambuci

10 Butantã 11 Pinheiros 12 Vila Mariana 13 Ipiranga 14 Santo Amaro 15 Jabaquara 16 Cidade Ademar 17 Campo Limpo 18 M’Boi Mirim 19 Capela do Socorro 20 Parelheiros 21 Penha 22 Ermelino Matarazzo 23 São Miguel 24 Itaim Paulista 25 Mooca - Pari/ Brás/ Belém/ Mooca/ Tatupé/ Água Rasa

26 Aricanduva/Formosa/Carrão 27 Itaquera 28 Guaianases 29 Vila Prudente/Sapopemba 30 São Matheus 31 Cidade Tiradentes


centro em embate as ações governamentais, os movimentos sociais e as ocupações


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A luta pelo direito à moradia nasceu nas periferias em meados dos anos 1970, no bojo da luta contra o regime autoritário da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Segundo Gohn1, em 1980, inúmeras ocupações são registradas, principalmente devido ao agravamento da crise econômica, desemprego, saturação das favelas e aumento do preço da terra. As ocupações nas periferias eram caracterizadas pela autoconstrução, que geravam casas precárias, construídas normalmente em áreas de risco, e praticamente sem nenhuma provisão de serviços básicos. Neste momento os movimentos não reivindicavam uma política pública habitacional efetiva, que incluísse a provisão de infraestrutura e equipamentos públicos, mas sim, a conquista da posse da terra. Na medida em que os movimentos vão consolidando sua luta através de atividades práticas, novas noções acerca do direito à cidade e à moradia vão sendo recriadas. Essa transformação de valores extremamente representativa significa o reconhecimento dos sujeitos atuantes nos movimentos como cidadãos portadores de direito. Direito este que devia ser garantido pelo Estado. Com essa autoafirmação cada vez mais viva nos movimentos, a reivindicação passa a não ser mais apenas o direito a terra, mas sim, o direito a moradia digna, devidamente inserida na cidade, e, portanto, efetivada através de serviços públicos como escolas, hospitais, transportes e bens culturais2. A falta de moradia, além de proceder de um passado histórico, é fruto em grande medida da ausência de políticas públicas habitacionais. Em 1988, o direito à moradia fica reconhecido como direito fundamental do cidadão, cravado na Constituição Federal, através da emenda número 26/00, em seu artigo 6º: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

1 Gohn (1991). 2 Paterniani (2006).


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Constituição”. Em 1898, Luiza Erundina3 é eleita prefeita em São Paulo, na primeira eleição direta pós Constituição de 1988, em um momento que várias prefeituras são conquistadas pela esquerda, marcando uma inflexão nas políticas públicas, incluindo à habitacional. Desta forma, na gestão Erundina consolida-se o primeiro instrumento de política pública para agir no problema habitacional: o sistema de mutirão autogestionário. Os mutirões são consolidados principalmente nas periferias, num esforço da gestão de urbanizar áreas de favelas. Ainda assim a área central é contemplada através da criação do Funaps Comunitário (Fundo de Atendimento à População em Habitação Subnormal), que tinha por objetivo financiar movimentos de moradia para que os próprios moradores fossem responsáveis pela construção de conjuntos habitacionais, ou seja, também através da lógica do mutirão autogerido. Dentro desse programa foram construídos aproximadamente 220 apartamentos nos primeiros conjuntos residenciais de habitação popular na área central de São Paulo, em imóveis que anteriormente eram cortiços4. Os movimentos que atuam no Centro de São Paulo nasceram da mobilização da luta dos moradores de cortiços na década de 1980. No entanto, apenas aproximadamente uma década depois, em 1991, que a União da Luta de Cortiços (ULC) foi fundada juricamente. A ULC tinha como objetivo reunir e organizar os movimentos de moradia do Centro. Com o passar do tempo, a ULC sofreu inúmeros rachas que gerou a maioria dos movimentos que atuam atualmente na luta por moradia na área central. A maioria desses rachas internos se deram na medida em que grupos foram tento divergencias nas estratégias de ocupação, articulação e organização. A principal característica que diferencia os movimentos de moradia é a posição sobre o objetivo de atuação nas ocupações – enquanto a ULC, o Fórum de Cortiços e o MMC ocupam como forma de pressão, o MSTC, o MMRC e o MSTRC ocupam de fato para morar. Existem muitos outros movimentos que lutam por moradia na região central de São Paulo, esse

3 Gestão Luiza Erundina (PT) na

Prefeitura de São Paulo - 1989 a 1992. 4 Miagusko (2008). 5 Neuhold (2009).


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diagrama representa o período temporal de 1991 a 2007, com alguns dos principais movimentos. Abaixo segue o diagrama5 de origem, fundação e filiação dos primeiros movimentos de moradia que atuam no Centro de São Paulo. MTSTRU Fórum de Cortiços

fundado em 1998 filiado à FLM

fundado em 1993 filiada à UMM e CMP

ULC fundada em 1991 filiada à UMM e CMP

MSTC fundado em 2000 filiado à FLM

MMC

MMRC

fundado em 1997 filiado à UMM e CMP

fundado em 2003 filiado à FLM

No fim dos anos 1980, segundo Paterniani6, a periferia ainda representava o locus das organizações populares. Esse quadro começa a se inverter com as primeiras atuações dos movimentos de moradia na região central, através das ocupações de prédios ociosos, no inicio da década de 1990. As razões para a ocupação de prédios na área central estavam associadas à escassez de terras nas áreas periféricas, a constatação da existência de inúmeros edifícios ociosos no centro em contrapartida com o elevado déficit habitacional, a já possibilidade em debate de conversão desses edifícios em habitação popular e também devido à área central ser contemplada com infraestrutura, emprego, serviços e lazer7. Não obstante, esses movimentos entraram em conflito com a então gestão municipal Paulo Maluf8, que rompeu de maneira contundente com a agenda de proposta para o centro dada pela gestão anterior. Vale apontar que, as trocas de gestão na cidade de São Paulo apresentam-se historicamente como

5 Neuhold (2009).

UMM: União dos Movimentos de Moradia CMP: Central dos Movimentos Populares FLM: Frente de Luta por Moradia A FLM atua para articular diversos movimentos sociais de moradia em nível municipal. Na esfera nacional, a FLM se articula com a CMP. MMC: Movimento de Moradia do Centro MTSTRU: Movimento dos TrabalhadoresSem-Teto pela Reforma Urbana MSTC: Movimento Sem-Teto do Centro MMRC: Movimento de Moradia da Região Central

6 Paterniani (2016). 7 Cavalcanti (2006). 8 Gestão Paulo Maluf (PDS) na

Prefeitura de São Paulo - 1993 a 1996.


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mecanismo de rompimento de politicas sociais importantes, travando a evolução de importantes meios de desenvolvimento para a cidade. Tal fato se tornará mais ainda mais claro com o decorrer dessa análise. A gestão Paulo Maluf foi marcada pelo programa habitacional PROVER9, conhecido popularmente como Projeto Cingapura. Tal projeto se caracterizou pela construção de apartamentos em áreas de favela, geralmente periféricas e sem qualquer forma de participação popular. O projeto é considerado duvidoso por vários motivos, entre eles está o fato de que os prédios eram inseridos próximos a grandes vias e avenidas, priorizando a autopromoção do governo em detrimento da qualidade da implantação projetual. Entre outros fatores se destaca a desarticulação entre os prédios e o comércio local, a arquitetura extremamente homogênea e o tamanho reduzido dosapartamentos, muitas vezes menores do que os barracos nos quais as famílias viviam anteriormente, além das dinâmicas clientelistas na definição dos beneficiários. O ano de 1997 é tido como um marco para os movimentos de moradia que atuam na região central, e também é o ano de posse do prefeito Celso Pitta10, que segue basicamente com a agenda politica da gestão anterior. A particularidade da data marca a realização de duas grandes ocupações no centro de São Paulo, uma na Rua do Carmo e outra na Avenida Nove de Julho, que representaram a então tomada de consciência pelos movimentos de moradia do ato de ocupar não só como forma de pressão política, mas como reivindicação real de moradia. É nesse contexto que afirmam-se os movimentos de moradia como instrumentos efetivos de luta pelo território do centro, com ações coordenadas e organizadas. Iniciam-se aí as ações sistemáticas de ocupação de prédios abandonados e vazios. Assim, a década de 1990 acaba com a representativa marca de 18 ocupações no ano de 199911. Em 2001 é aprovada a Lei 10.257, conhecida como Estatuto da Cidade, que representa o marco regulatório da política urbana da Constituição de 1988. Nele uma série de instrumentos são definidos para que as cidades busquem desenvolvimento urbano de maneira regulamentada, como por exemplo o plano diretor participativo e instrumentos urbanísticos para a regularização

9 Programa de Urbanização e

Vertizalização de Favelas. 10 Gestão Celso Pitta (PPB) na

Prefeitura de São Paulo - 1997 a 2000. 11 Neuhold (2009).


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fundiária e combate à especulação imobiliária. Além disso, a função social da propriedade imóvel urbana, prevista na Constituição Federal de 1988, é reforçada pelo Estatudo da Cidade, sempre no intuito de fazer valer a diretriz de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade”13, que tem no combate aos imóveis ociosos um dos mecanismos mais importantes de efetivação.

12 Gestão Marta Suplicy (PT) na

Prefeitura de São Paulo - 2001 a 2004. 13 http://gestaourbana.prefeitura. sp.gov.br/ 14 As Zonas Especiais de Interesse

A gestão Marta Suplicy12 se inicia retomando os programas de habitação de interesse social para a área central de São Paulo, através da promoção de moradia pelos mutirões, e por programas de locação social e bolsa aluguel. As políticas habitacionais destinadas pela gestão Marta podem ser segmentadas em três frentes: o Programa Morar no Centro, o Plano de Reabilitação da Área Central e o Plano Diretor Estratégico (PDE), juntamente com o Plano de Habitação. O Programa Morar no Centro desenvolveu três linhas de atuação e tinha por objetivo resgatar o caráter público dos espaços da área central, ampliar o uso residencial dos imóveis, atuar com um urbanismo não excludente e resgatar o contato participativo. A gestão Marta também é marcada pela aprovação do PDE, em 2002. Nele importantes conceitos foram abarcados, como a função social da propriedade e as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS)14. “Em detrimento da conceituação da função social da propriedade o Plano Diretor Estratégico dá diretrizes aos imóveis que não a cumprem, tais como a aplicação de parcelamento, edificação e utilização compulsórios, IPTU progressivo e até mesmo desapropriação.15” Em 2002 é criado o Ministério das Cidades que tem entre as suas atribuições a elaboração de políticas públicas para a promoção de desenvolvimeno urbano nas cidades, tais como transporte e habitação, além de ações de urbanização e saneamento. Ainda em 2002 acontece uma das mais emblemáticas ocupações de moradia vista até hoje: a do edifício Prestes Maia, antiga sede da Companhia Nacional de Tecidos, abandonado desde os anos 1980. A Ocupação Prestes Maia tornou-se referencia, não só por ser a maior ocupação vertical do Brasil, e uma das maiores da América Latina, mas por ter durado cinco anos,

Social são porções do território destinadas, predominantemente, à moradia digna para a população da baixa renda por intermédio de melhorias urbanísticas, recuperação ambiental e regularização fundiária de assentamentos precários e irregulares, bem como à provisão de novas Habitações de Interesse Social (HIS) e Habitações de Mercado Popular (HMP) a serem dotadas de equipamentos sociais, infraestruturas, áreas verdes e comércios e serviços locais, situadas na zona urbana. http://gestaourbana.prefeitura. sp.gov.br15 15 Helou (2012).


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atravessando duas gestões de concepções políticas distintas. A Prestes Maia foi uma das primeiras ocupações com promoção à cultura, através de um incrível biblioteca. A reintegração da Prestes Maia dada de forma extremamente violenta aconteceu em 2007, já na gestão Serra/Kassab16. A gestão Serra/Kassab representou um momento de grande ruptura de propostas políticas para o centro de São Paulo, por meio da supressão da maioria dos programas da gestão Marta. A partir desta gestão até o inicio do governo Haddad, São Paulo passa por um período de progressiva anulação dos canais de dialogo e participação popular no que diz respeito aos problemas e necessidades vinculadas a habitação e as questões da área central. Dentro de uma visão higienista, a gestão promoveu o despejo de inúmeras famílias de sem teto em varias ocupações e implantou uma série de intervenções urbanas na cidade que podem ser interpretadas como “antimorador de rua”. A política para o centro neste período foi praticamente nula, com excessão de um único programa: a Operação Limpa - que, em tese, não passou de uma série de ações violentas de despejos e a promoção de uma arquitetura da exclusão. Vale a pena retomar novamente, sob a perspectiva da gestão Serra, o quão necessária se faz a consolidação de políticas sociais públicas, e o quanto essa questão se choca com a troca de gestões e o desinteresse de alguns governos em garantir os direitos e a qualidade de vida da população. A gestão Gilberto Kassab lança em 2010 o programa Renova SP Centro, que indicou 53 edifícios para serem transformados em habitação de interesse social. No entanto, o Decreto de Interesse Social (DIS) dos prédios levantados só foi assinado em 2013 pelo então prefeito Fernando Haddad. Em 2011, o MSTC, filiado a FLM, ocupou o antigo Hotel Aquarius, um edifício que estava abandonado há cerca de dez anos na Avenida São João. A Ocupação do Hotel Aquarius ficou principalmente conhecida pela sua violenta reintegração de posse em setembro de 2014, em mais um processo em que direitos básicos dos moradores da ocupação não foram cumpridos e a execução foi deixada nas mãos da Polícia Militar. A reintegração foi feita

16 Gestão José Serra (PSDB)

- 2005 a 2006. Gestão Kassab (DEM/PSD) - 2006 a 2012.


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para o abandono: quem passa hoje na frente do edifício que abrigava o Hotel Aquarius ainda vê um prédio desocupado. Vale dizer que a justiça estipulou o preço da desapropriação em R$ 40 milhões, mostrando o quanto é duvidoso o procedimento legal de desapropriação. As pesquisas acadêmicas que se propuseram a mapear e levantar as ocupações no centro de São Paulo se deram principalmente entre os anos de 1997 a 2012. As fontes bibligráficas usadas foram de levantamentos de Neuhold e Miagusko de 1997 a 2007, e um mapeamento até 2012, elaborado por Tânia Helou, em seu trabalho final de graduação pela FAU USP, exposto na tabela17 a seguir. Em todos esses trabalhos são citados as dificuldades de se coletar informações e como esse processo recorre a inúmeras fontes como bibliografia, documentos, visitas, entrevistas com moradores e lideranças, muitas vezes não tão precisas. Além desses trabalhos acadêmicos, não se encontrou outros com o mesmo viés de levantamento e tabulação de informações mais recentes. Ano

Propriedade Pública

Propriedade Privada

Sem Informação

Total

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

5 1 7 0 2 3 0 4 6 3 2 2 1 4 2

0 2 7 1 0 4 5 4 1 3 2 0 4 1 1

1 0 1 0 1 1 1 5 0 0 1 0 2 3 7

6 3 15 1 3 8 6 13 7 6 5 2 7 8 10

Total

42

35

23

100

A gestão Haddad18 marca a retomada de diálogo com os movimentos sociais que atuam na cidade e passa a trabalhar com possíveis alternativas para

17 Tabela de ocupações por ano e

propriedade do imóvel elaborada por Tânia Helou, tendo como fonte Neuhold e informações da grande mídia e da mídia independente. A delimitação da área de estudo abrangeu os seguintes distritos: Sé, República, Liberdade, Bela Vista, Consolação, Santa Cecília, Bom Retiro, Belém, Brás, Mooca, Pari e Cambuci. 18 Gestão Fernando Haddad (PT)

na Prefeitura de São Paulo - 2013 a 2016.


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tratar o problema de esvaziamento habitacional do Centro, como o efetivo processo de desapropriar edifícios para a promoção de habitação de interesse social mencionado acima. Vale destacar a aprovação do Plano Diretor Estratégico19, que repensou a lógica do espaço urbano, trabalhando o crescimento da cidade para além do eixo sudoeste. O PDE duplicou as ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), e determinou que 30% do dinheiro do Fundurb arrecadado da outorga onerosa20 na cidade, acima do coeficiente básico, sejam destinados à produção de habitação social. Sendo que nas operações urbanas se ampliou a porcentagem destinada a HIS para 25%. Outra iniciativa da gestão foi criar a Diretoria de Controle da Função Social da Propriedade Urbana, que identifica os imóveis ociosos e sem uso, e já no fim da gestão, a criação do Plano Municipal de Habitação, que foi pensado de forma a orientar uma política democrática de moradia para a cidade para os próximos 16 anos, trazendo conceitos importantes como o da Locação Social. Em 2014, o Programa Minha Casa Minha Vida do então Governo Federal Dilma Rousseff, destinou recursos para o financiamento da reforma do primeiro edifício da área central de São Paulo, com destinação para moradia popular. A reforma previa atender famílias cadastradas no movimento União das Lutas de Cortiço (ULC) através da modalidade Entidades do programa federal. A modalidade Entidades do PMCMV tem o objetivo de tornar a moradia acessível para famílias organizadas por meio de cooperativas habitacionais, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos, seja com a aquisição de terreno particular, seja com a oferta do terreno pelas prefeituras, como contingente municipal. Em 2016, a cidade de São Paulo presencia a reintegração de posse da emblemática ocupação situada no Cine Marrocos coordenada pelo MSTS (Movimento Sem Teto São Paulo), desde 2013. O edifício localizado na Rua Conselheiro Crispiniano, data da arquitetura dos anos 1940 e estava abandonado há vinte anos antes de ser ocupado. No térreo um antigo cinema desativado desde 1972, deu nome a ocupação. A Ocupação do Cine Marrocos fica conhecida no entanto pela sua

19 O Plano Diretor Estratégio do

Município de São Paulo está disponível no site da Prefeitura: http://gestaourbana.prefeitura. sp.gov.br/marco-regulatorio/planodiretor/ 20 A Outorga Onerosa do Direito

de Construir efere-se à concessão emitida pelo Município para que o proprietário de um imóvel edifique acima do limite estabelecido pelo coeficiente de aproveitamento básico, mediante contrapartida financeira a ser prestada pelo beneficiário (http://urbanidades. arq.br).


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associação com a criminalidade: em agosto de 2016, líderes do movimento foram presos em flagrante no prédio, após a apreensão de armas e drogas. Principalmente após esse caso entrou em pauta o fato de que existem algumas ocupações de moradia ligadas ao crime organizado, segundo o exSecretário de Habitação João Sette Whitaker essas ocupações “trazem um enorme desserviço aos movimentos legítimos, pois ajuda a articulação para uma criminalização indiscriminada”. Whitaker, ainda aponta para o fato de que “nesses casos, que são apenas alguns casos, não são exatamente “movimentos”, mas geralmente grupos associados ao crime organizado que se travestem em “movimento”, invadem esses prédios, para instalar ali biqueiras de venda de drogas, e coagir gente pobre e indefesa – quase sempre imigrantes recém-chegados do Haiti, da Bolívia, da Síria – oferecendo moradia com cobrança indevida e abusiva de aluguel e tratamento violento”. Tal questão releva a complexa e heterogênea gama de movimentos e como é necessário fazer a distinção dos éticos e dos não-éticos para a não criminalização indevida. Entre 2016 e 2017, período que decorre esse trabalho, pude acompanhar de perto a rotina de três ocupações no centro de São Paulo: a Ocupação São João (2011), a Ocupação Cambridge (2012) e a Ocupação Ouvidor (2014). O período em que se decorreu os estudos de caso, também representou o ínicio de uma nova gestão João Dória21 na Prefeitura Municipal de São Paulo – tida para os moradores e líderanças das ocupações estudadas como um possível governo de retrocessos e portanto, período de reforço constante da luta para os movimentos de moradia. A seguir, trago exemplos de ocupação de espaços ligada à coletivos e movimentos sociais que têm como pauta a democratização da cidade e o uso do espaço público ou espaços ociosos na cidade. Nesse próximo capítulo denominado, Luta Urbana e Cultura, sinalizo o que me fez escolher as três ocupações, citadas anteriormente, como objetos de estudo desse trabalho. Antes disso, segue uma linha do tempo com algumas das datas emblemáticas apontadas durante essa análise histórica.

21 Gestão João Dória (PSDB) na

Prefeitura de São Paulo teve ínicio em 2017.


Gestão Paulo Maluf (PDS) 2001

1997

1993

1989 Gestão Luiza Erundina (PT) Gestão Celso Pitta (PPB) Gestão Marta Suplicy (PT)

Ínicio da Ocupação Prestes Maia

Estatuto da Cidade Lei 10.257

Marco para os Movimentos de Moradia que atuam na área central de São Paulo

A ULC é fundada juridicamente

Constituição Federal

Criaçaõ do Ministério das Cidades


Gestão Gilberto Kassab (DEM) 2017

2013

2006

2005 Gestão J. Serra (PSDB) Gestão Fernando Haddad (PT) Gestão João Dória (PSDB)

Início da Ocupação Ouvidor

Início da Ocupação Cambridge (MSTC/FLM)

Início da Ocupação São João (MSTRU/FLM)

Reintegração da Ocupação Prestes Maia

Reintegração da Ocupação do Hotel Aquarius

Início da Ocupação do Hotel Aquarius


luta urbana e cultura


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Segundo Harvey1, o urbanismo tem forte relação com o mercado imobiliário na construção das cidades e este aliado à concepção mercantil acaba por transformar o ambiente urbano em espaço intrinsecamente segregador e conflituoso. Concomitante a isso, no mundo capitalista, o liberalismo econômico vem transformando a qualidade da vida urbana em um produto, tornando o acesso à cidade possível apenas para a porção da população com poder de compra. Não obstante, por meio da bandeira da modernização, o urbanismo a serviço do mercado vem sendo viabilizado por ações desumanas, higienistas e excludentes. Desta forma, a cidade tem inerente à sua existência, a capacidade de manutenção das estruturas de poder e da divisão de classes. A consequência desse desenvolvimento de cidade é a formação de ambientes urbanos cada vez mais inseguros e inacessíveis, gerados por comunidades muradas e fortificadas. No livro “O Direito à Cidade”2, Henri Lefebvre critica esse modelo de cidade contemporânea e defende o direto à cidade como o direito coletivo de criação de um espaço social efetivo. Debater o direto à cidade nada mais é do que questionar a ligação entre o urbanismo e o sistema econômico e assim, defender a democratização do espaço urbano. O direito à cidade se coloca, portanto, não só como direito a vida digna como cidadão, mas também como o direito ao acesso de espaços constituídos através do valor de uso e da demanda populacional, e não unicamente através da troca mercantilizada e privada baseado no capital e no lucro. Segundo Lefebvre, a transformação social e política da cidade se dá necessariamente pelas mãos do coletivo através das lutas sociais e populares, ou seja, a sociedade urbana é necessariamente uma sociedade de poder revolucionário. Assim, a cidade apresenta contraditoriamente não só a capacidade de manutenção das estruturas de poder e da divisão de classes, mas também a vocação para a revolução.

1 Harvey. O Direito à Cidade

(2008). 2 Lefebvre. O Direito à Cidade

(1968).


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São Paulo3 não foge a essa lógica: é uma cidade múltipla, palco de tensão, de exclusão e de luta. Os movimentos e coletivos que atuam em toda a cidade vêm desempenhando papel fundamental para a discussão e consolidação de uma espaço urbano mais democrático e igualitário. Desta forma, é impossível retratar as ações culturais desenvolvidas hoje no centro da cidade, que serão foco da análise deste trabalho em relação às ocupações no centro, sem brevemente pontuar algumas que são desenvolvidas na periferia – locus de origem das ações culturais aliadas à resistência contra a cidade desigual.

a cultura nas periferias Na lógica da exclusão sócio territorial existente na cidade de São Paulo, a região central aparece como área de consolidação de emprego, educação, lazer e serviços enquanto que as periferias se consolidaram majoritariamente como bairros dormitórios com escassa rede de infraestruturas. Movimentos sociais e culturais desempenham nas periferias, já há algum tempo e de forma pioneira, papel de rompimento com a lógica da cidade desigual por meio da pratica artística e cultura, através de novas formas de uso e compreensão do espaço urbano.

3 São Paulo é também uma cidade

subdesenvolvida, ou seja, aonde as contradições da cidade capitalista expressadas por Harvey e Levebvre são exacerbadas pelas condições do subdesenvolvimento e do patrimonialismo. 4 Racionais MC’s é um grupo

brasileiro de rap, fundado em 1988, e formado pelos mcs Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue e o dj KL Jay. Suas músicas são uma expressão da vida periférica de jovens negros e pobres, com temas como a violência, a miséria, o crime e a exclusão social. A popularização do grupo fez com que os integrantes se envolvessem em trabalhos de cultura ligados às comunidade pobres, além de popularizar a cultura e a vida periférica através das músicas que fazem sucesso em todo o Brasil. 5 A Literatura Marginal refere-se

Este trabalho apresenta um recorte territorial claro – três ocupações situadas na região central – mas pensando nas diferentes lógicas de apropriação de espaço por coletivos culturais no âmbito da democratização da cidade, se torna imprescindível adentrar, mesmo que brevemente, no papel e na articulação que os movimentos culturais desempenham nas periferias. A partir da década de 1990, a periferia começou a ser vista pelos seus moradores como local de pertencimento e orgulho, principalmente com o “boom” do movimento Hip-hop e do Rap e de outras expressões culturais. A música dos Racionais MC’s4 representou uma das primeiras vertentes de expressão da vida periférica que se expandiu para todas as regiões de São Paulo, ultrapassando os limites territoriais e culturais. Juntamente a esse processo, desencadeou-se o surgimento de uma literatura periférica, também nomeada de literatura marginal5, tendo como temática recorrente a vida, os

a um movimento de escritores periféricos que tem como tema de suas produções a vida nas periferias e os conflitos de violência e exclusão. Apresenta como alguns do escritores renomados dessa vertente literária: Sérgio Vaz, fundadora do Sarau da Cooperifa, Ferrez, Sacolinha e Alessandro Buzo.


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conflitos e a cultura da periferia. Neste sentido, as expressões culturais e artísticas envolvendo a periferia tornaram-se essencialmente ações de cunho político, na medida em que trata de temas como a inserção social, a identidade periférica e a denuncia da “falta” do Estado. Assim, desde as letras do rap até as poesias marginais, a arte periférica se deu de forma a denunciar as desigualdades sociais e apontar o modo de vida das regiões mais pobres da cidade de São Paulo. No fim da década de 1990, eventos voltados para a cultura, envolvendo ações de música, literatura, dança, entre outras práticas artísticas, se consolidaram nas periferias. Essas práticas culturais além de ter o objetivo de trazer arte e educação para os extremos da cidade carentes dessa demanda, carregam uma noção de empoderamento da cultura periférica, através da valorização dessa identidade artística própria. Representam, ainda, a raiz dos movimentos culturais ligados à resistência social e política. Entre todas as ações culturais desempenhadas por movimentos sociais, coletivos e artistas nas periferias há uma prática que se consolidou: os saraus. Os saraus periféricos podem ser definidos como reuniões mensais de diferentes bairros suburbanos, aonde moradores declamam ou leem textos e poesias de autoria própria, em eventos aberto, geralmente em bares ou em galpões abandonados, devido a escassez de espaços públicos de sociabilidade. Cada sarau apresenta sua particularidade temática que envolve as aflições, demandas e anseios daquela comunidade através da subjetividade da manifestação literária. Os Saraus se consolidaram como uma prática cultural constante na periferia aliado à Literatura Marginal Periférica e muito influenciado pelas letras de Hip-Hop e Rap. Essa ação cultural carrega o sentido de sociabilidade, uma vez que promove um encontro entre as pessoas do bairro para compartilharem ideias e produções artísticas. Carrega também o sentido de motivar a comunidade a uma organização política, pensando as demandas das pessoas, as carências de infraestruturas e os problemas do bairro – através de uma ação cultural subjetiva se criam novos vínculos comunitários e novas redes de reflexão sobre a vida nas cidades.


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Além dessa prática, as ocupações culturais também se consolidaram como prática constante na periferia. As ocupações culturais foram pensadas por movimentos sociais, coletivos de artes, artísticas e lideranças de bairro, no sentido de ocupar espaços ociosos como forma de suprir a escassez de áreas próprias destinadas a práticas artísticas e educacionais. Um exemplo é o Sacolão das Artes – ocupação cultural localizada no bairro Parque Santo Antônio em um espaço que anteriormente funcionava como um sacolão hortifrutigranjeiro. O Sacolão das Artes iniciou as suas atividades em 2007, sendo pensado por coletivos e lideranças comunitárias como espaço em potencial para abarcar uma série de atividades culturais e educacionais para a comunidade, “buscando tratar o seu público não apenas como consumidores de bens e serviços culturais ou contribuintes, mas como cidadãos, portadores de direitos e criadores de cultura”3. O espaço conta com uma programação constante e diversificada, envolvendo teatro, cinema, dança, música, artes visuais e literatura. Vale apontar que a gestão da ocupação cultural se dá de maneira cooperativa e não hierarquizada pelos diversos coletivos e lideranças comunitárias, consolidando-se, portanto, a partir de uma gestão democrática já há dez anos na periferia de São Paulo.

a retomada cultural do centro Durante os últimos cinco anos, e efetivamente potencializado na gestão de Fernando Haddad4, podemos observar um grande movimento de ocupação de praças, parques, avenidas, ruas e becos majoritariamente na região central, com uma série de iniciativas que reivindicam o uso da cidade em formas colaborativas e culturais de ocupação de espaços ociosos. Essa ocupação dos espaços está intimamente ligada à consolidação de uma cultura urbana que se instaura como instrumento político de cidadania e de luta contra a lógica da cidade desigual. Mesmo sendo caracterizada pela sua complexidade, com inúmeras sobreposições de uso, diferentes demandas, expressões e comportamentos é possível enxergar a consolidação de uma

3 http://sacolaodasartes.blogspot.

com.br/ 4 A gestão Fernando Haddad tinha

como uma de suas marcas políticas a revalorização dos espaços públicos. Fotos: Sacolão das Artes (Fonte: site oficial da Ocupação Sacolão das Artes) Sarau da Cooperifa (Fonte: página oficial do Sarau Cooperifa no Facebook).


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cultura urbana em São Paulo. No que diz respeito à ocupação cultural da região central, alguns eventos e iniciativas de maior escala se consolidaram nos últimos anos como apropriações políticas, artísticas e de lazer, com a bandeira de resistência do uso dos espaços urbanos. Entre exemplos dessas ações estão: Festival SP na Rua O “Festival SP na Rua” é um evento colaborativo que começou em 2014 no centro de São Paulo com a articulação de coletivos de música e arte em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura. Nele são promovidas uma série de intervenções artísticas, palestras e shows em um evento que assemelha com a Virada Cultural. O “Festival SP na Rua” por sua vez não está vinculado a agenda cultural oficial da cidade de São Paulo, sendo pouco influenciado pela gestão. Carnaval de Rua O Carnaval de Rua é um evento que foi oficialmente autorizado pela Prefeitura de São Paulo em 2014, através da aprovação e organização dos blocos de rua. Neste caso, vale destacar o reconhecimento da Prefeitura em afirmar o carnaval como um evento democrático e acessível a toda a população nos espaços públicos da cidade e não apenas aquele restrito ao sambódromo. As múltiplas apropriações e ocupações do Minhocão (Elevado Costa e Silva): “Elevado 3.5” de 2010, que consistiu na instalação de uma estrutura de som e telão para a exibição do documentário que leva o mesmo nome do evento; “Piscina no Minhocão” de 2014, que consistiu na instalação de uma piscina de comprimento olimpíco no Elevado como forma de discussão do uso dos espaços da cidade, promovido pela X Bienal de Arquitetura. Os exemplos citados anteriormente, tais como o Festival “Existe amor em SP”, o Festival Baixo Centro e o movimento “A Batata precisa de Você”, representam apropriações de espaço em eventos de natureza efêmera e de grande escala. Outras apropriações envolvendo cultura, através da criação de espaços de permanência e em escala mais reduzida também são vistos na

Fotos: Festival SP na Rua (Fonte: página oficial do Festival SP na Rua no Facebook), Carnaval de Rua (Fonte: site da Prefeitura Municipal de São Paulo), Minhocão (Fonte: página oficial da X Bienal de Arquitetura no Facebook).


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região central. A Ocupação Cultural Santa Cecilia é um exemplo disso: nasceu como projeto cultura aliado a um bloco carnavalesco de bairro, que carecendo da necessidade de um espaço para o desenvolvimento de atividades sociais se estabeleceu em um terreno da prefeitura, que estava abandonado e acumulava lixo, próximo ao minhocão em 2013. O espaço se consolidou como local de convivência entre os moradores, e foi usado como espaço para aulas de música, dança, capoeira, ginástica, entre outras atividades culturais. Para além das apropriações de espaços como as praças, os parques e as ruas estão as ocupações de prédios no centro de São Paulo que se encontram sob alguma forma de abandono. Nesse contexto os movimentos de moradia já citados no capítulo anterior desenrolam um papel fundamental para a construção desse sujeito coletivo transformador da cidade, expressado por Lefebvre. Mas não só movimentos de moradia ocupam prédios ocioso: dentro da demanda por espaços de convivência, criação e fruição de arte, coletivos artísticos vem também se valendo da prática da ocupação. Um exemplo disso é a Ocupação Casa Amarela, que nasceu como ocupação artística em 2014 no casarão situado na esquina da Rua da Consolação com a Rua Visconde de Ouro Preto. A casa, tida como patrimônio histórico tombado pelo Conpresp, estava vazia há 15 anos, sendo propriedade de um órgão público, o INSS, quando um grupo de aproximadamente 100 artistas fez do local um ateliê compartilhado. A Ocupação Casa Amarela tinha a princípio uma forte ligação com o teatro e reivindicava a consolidação do espaço do casarão como centro cultural aos moldes das ocupações culturais periféricas. Após a entrada e saída de diversos grupos e coletivos na gestão da Ocupação Casa Amarela, a sua coesão e a organização ficou abalada. Muitos outros conflitos estiveram presentes durante a ocupação, estes envolvendo os limites do uso de um espaço cultural como moradia, as


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divergencias entre as coordenações, a dificuldade em unificar a luta em prol de um espaço de cultura, as tentativas de reintegração de posse e o uso do espaço para consumo de drogas, esse último apontado inclusive pela gestão atual. Hoje, a Ocupação da Casa Amarela está em sua terceira gestão e abre todos os dias da semana, menos às segundas-feira, para atividades como aulas de dança, yoga, cozinha, oficinas de costura, além de festas e eventos à noite. Todas as ações culturais da Casa Amarela nessa nova gestão estão muito ligadas com a disseminação e empoderamento da cultura negra. Ainda segundo a nova gestão, a Ocupação se vale financeiramente do trabalho dos artistas que trabalham ali, além de contar com inúmeras parcerias com escolas municipais para a disseminação de cultura, através de oficinas de contação de história. A casa pertencia ao INSS quando foi ocupada em 2014 e em 2015 passou a pertencer a Prefeitura de São Paulo, que negociou com o órgão federal a aquisição desse e de outros imóveis com a troca de uma dívida do INSS com a Prefeitura, destinando-os a projetos habitacionais e também culturais. Hoje, a nova gestão possuí uma autorização da Prefeitura, feita na gestão Haddad, para uso do local por tempo indeterminado, mas que pode ser revogado a qualquer hora. A Ocupação Cultural da Casa Amarela esbarrou em vários conflitos e percalços, muitos deles condicionados por disputas de poder da gestão do espaço. Esses fatos por si só fogem à lógica da criação de um espaço cultural aberto à comunidade, com gestão participativa e democrática efetiva. A Casa Amarela fica como a construção de espaços culturais é complexa e demanda grande senso de coletividade e administração efetiva. Nesta capítulo levantei, alguns casos de apropriação de espaços envolvendo a cultura: iniciando pela periferia de São Paulo, como a pioneira de resistência política, social e cultural nos espaços da cidade e seguindo pelas recentes apropriações dadas em áreas da região central – eventos de grande porte, ocupações de terrenos por moradores de bairros e uma ocupação cultural que ainda tenta se estruturar.


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A busca por experiências de ocupação e apropriação de espaços da cidade, em diversas escalas, na periferia e no centro, veio de forma a consolidar a leitura sobre os três estudos de caso. Assim, em virtude das experiências abordadas acima de ocupação e apropriação dos espaços da cidade, em diversas escalas, na periferia e no centro, este trabalho faz uma leitura sobre três ocupações e suas ações artísticas, culturais e educacionais, considerando a importancia dessas dinâmicas como instrumento de cidadania e luta política. Percebe-se que a questão cultural vem ganhando espaço como elemento de conteúdo e de mobilização nas lutas sociais e, em especial, de moradia. Defende-se neste trabalho que a questão ganhou importância a ponto de ser um dos elementos estruturais a ser estudado para o entendimento das dinâmicas dos movimentos sociais, mais ainda no Centro, em que ela aparece em todas as ocupações estudadas. Por isso, o esforço deste estudo em entender o papel da cultura nessas dinâmicas.

Fotos: Ocupação Casa Amarela (Fonte: página oficial da Ocupação Casa Amrela no Facebook, Danilo Mekari, Giorgi di Santi).



as ocupações


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Nesse capítulo, adentro nos três estudos de caso e objetos desse trabalho: a Ocupação Cambridge e a Ocupação São João, que são geridas e organizadas por movimentos de moradia consolidados e atuantes já há muitos anos no centro de São Paulo e a Ocupação Ouvidor, uma ocupação artística que mescla a pauta cultural com a questão da moradia no centro, através do ideal da gestão compartilhada e horizontal. As três situam-se territorialmente dentro da área do centro da cidade de São Paulo, na Subprefeitura da Sé, sendo que a Ocupação São João e a Cambridge estão dentro do Distrito da República e a Ouvidor do Distrito da Sé. As Ocupações situam-se extremamente próximas tanto umas das outras, como a importantes linhas de metrô e ônibus, equipamentos públicos de educação, cultura e saúde. No entorno das Ocupações estudadas ainda encontram-se uma teia de outras ocupações de moradia, estas levantadas por mim como o que pode ser chamado de primeiro exercício quando comecei a estudar as ocupações na região central. Através desse levantamento foi desenvolvido um mapa1, exposto na página seguinte. A abordagem escolhida a partir daqui apresenta um caráter etnográfico, através de uma série de narrativas de experiências e sensações que vivi dentro das três Ocupações. Essa escolha veio no sentido de aproximar o leitor ao caminho pessoal que eu percorri durante esse ano de trabalho e também, abordar um tema sob uma pessoa que o vê da perspectiva de “fora”.

1 Mapa das ocupações de moradia

que existentes na área central de São Paulo (a data de coleta das informações se deu no primeiro semestre de 2016). O levantamento se deu principalmente através de visitas de campo e informações dadas por lideranças de movimentos de moradia.


tiradentes

luz

santa cecília

república ocupação são joão

são bento

anhangabaú ocupação cambridge

ocupação ouvidor

liberdade


Tiradentes Júlio Prestes R Av. io Bra

Luz

nco

Mal. Deodóro

2 Luz

11

3 o

República

a

ng

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4

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13

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ão

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10 14

18

este

Av. S

Av. Pr

Santa Cecília

São Bento

17

7 Anhangabaú

8

1

6

lho

e Ju

ve d

No Av.

16 Sé

9

Liberdade


1

Ocupação Cambridge - MSTC/FLM Av. Nove de Julho, 216

2

Ocupação Mauá - MSTC/ASTC/MMRC R. Mauá, 340

3

Ocupação Lord Hotel - FLM R. das Palmeiras x R.Helvetia

4

Ocupação São João - FLM Av. São João, 588

5

Ocupação Cine Marrocos - MSTS Reintegrada R. Conselheiro Crispiniano, 344

6

Ocupação Ouvidor R. Ouvidor, 63

7

Ocupação Xavier Toledo - FLM R. Coronel Xavier Toledo, 151

8

Ocupação São Francisco R. São Francisco, 85

9

Ocupação Maria Paula - MSTS R. Dona Maria Paula, 181

10

Ocupação Marconi - MMPT R. Marconi, 181

11

Ocupação Prestes Maia - FLM Av. Prestes Maia, 911

12

Ocupação Caetano Pinto R. Caetano Pinto, 43

13

Ocupação Rio Branco - FLM Av. Rio Branco, 47/53

14

Ocupação Conselheiro Crispiniano - FLM R. Conselheiro Crispiniano, 125

15

Ocupação Ipiranga Av. Ipiranga, 1225

16

Ocupação José Bonifácio - FLM R. José Bonifácio, 237

17

Ocupação São João 340 - FLM Av. São João, 340

18

Ocupação Florencio de Abreu R. Florencio de Abreu, 54

Brás

gel

Ran Av.

tana

Pes

Pedro II

12

Brás


ocupação cambridge


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O meu primeiro contato com uma ocupação de moradia aconteceu no último ano da graduação, no dia 26 de abril de 2016. Foi através de um evento no Facebook que eu soube que aconteceria na Ocupação do antigo Hotel Cambridge uma palestra aberta ao público sobre a questão da moradia em São Paulo. Segundo a descrição do evento, essa palestra era mais um dos eventos promovidos pela Ocupação em conjunto com uma Residência Artística que estava instalada ali desde janeiro daquele ano. Quando decidir ir aquele evento os meus conhecimentos sobre as ocupações eram baseados estritamente nos acadêmicos e especificamente no que diz respeito a Ocupação do Hotel Cambridge, eram praticamente nulos. Posso dizer que os caminhos que me levaram ao Cambridge e que me conduziram a essa pesquisa em nenhum momento foram inatos: o tema desse trabalho e os percursos vividos por mim durante esse processo fazem parte de uma construção pessoal e profissional subjetiva. Assim, ao sair de casa naquela noite, sabia que enfim conheceria uma ocupação de moradia com meus próprios olhos; o que ainda não sabia era como esse contato criaria em mim uma inquietação tão profunda que me encaminharia para a escolha temática do meu trabalho final de graduação.

o primeiro contato Desci na Estação do Metrô Anhangabaú e caminhei por cerca de três minutos em direção a Avenida Nove de Julho, número 216, até parar em frente a um portão de ferro vermelho: ali a porta da Ocupação Cambridge se abriu para mim pela primeira vez. Passando o portão, me identifiquei em uma portaria. Logo percebi que não só eu, como visitante, mas todos os moradores que adentravam o prédio também tinham que passar pelo procedimento de anotar suas informações em um caderno ponto. Espacialmente a portaria se encontra dentro de


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um grande salão, o antigo hall do Hotel Cambridge, mobiliado agora com poltronas feitas de pneu2. Naquele dia um grupo de mulheres e crianças, algumas já crescidas, outras no colo ou no carrinho, estavam ali conversando e brincando. Subi os dois lances de escadas assim como me instruíram na portaria e adentrei a sala que aconteceria a palestra: um salão bem amplo, com alguns sofás em um dos cantos, uma biblioteca com computadores em outro e extensas janelas que se abrem para a movimentada Avenida Nove de Julho. O público era variado: sentei em uma das cadeiras e ao meu lado sentou uma família de moradores da Ocupação. Tudo estava organizado para o inicio das falas. Com o início da palestra soube que a Residência Artística foi um projeto desencadeado paralelamente ao processo de filmagem de um longa metragem, que usou a Ocupação Cambridge como pano de fundo para a trama. A curadora artística Juliana Caffé, sobrinha de Eliane Caffé, diretora do filme, foi quem idealizou o projeto da Residência dentro da ocupação: “trata-se de um programa de residências com ênfase colaborativas, desenvolvidas em diálogo com a comunidade local e com parceiros, cuja pesquisa se relaciona com assuntos ligados ao cotidiano da ocupação, sua história e seus modos de inscrição e atuação nas dinâmicas da cidade”1. O projeto surgiu como uma parceria entre Juliana e outro colega com o intuito de articular pesquisas e atividades no contexto da ocupação, entre os seus moradores e o público de fora. O programa que teve a previsão de um ano, contou com quatro residências de três meses cada uma, com quatro artistas: Ícaro Lira, Jaime Lauriano e Rafael Escobar, Virgínia de Medeiros e Julián Fuks. Durante todo esse período de trabalho, cada artista propôs uma série de atividades abertas ao público nas áreas comuns ao edifício. Depois da apresentação da Residência, deu-se inicio a palestra do professor Luiz Kohara2. O tema abordado foi o da luta pelo direito de morar dignamente no centro, trazendo um panorama histórico da disputa pela terra, as contradições e injustiças da expansão urbana e a construção da luta popular. A fala de Kohara transcorreu como uma aula aberta ao diálogo, aonde

1 http://cargocollective.com/

rescambridge/A-ResidenciaArtistica-Cambridge/ 2 Luiz Kohara é secretário executivo

do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, educador popular, graduado em Engenharia Civil, mestre em Engenharia Urbana e doutor em Arquitetura e Urbanismo e pós-doutor em Sociologia Urbana.


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moradores da ocupação e o público de fora puderam participar juntos. A fala de encerramento ficou a cargo da líder da ocupação, militante e ativista do MSTC. Através de um discurso emocionante, Carmen3 discorreu sobre o cotidiano e organização da Ocupação, a luta pelo reconhecimento perante os governantes e pela consolidação da moradia no Centro. Ao fim da palestra, consegui me dirigir a Carmen, que foi já de inicio muito solicita, e consegui marcar uma visita à ocupação há dali duas semanas.

a visita Pela segunda vez caminhando da Estação de Metrô Anhangabaú até a Ocupação Cambridge, pude observar, além da grande movimentação das ruas do centro de dia, a grande quantidade de pequenos estabelecimentos comerciais neste percurso, como bares, lanchonetes, restaurantes e mercados de bairro. A frente da Ocupação, segui o fluxo de moradores adentrando em uma pequena fila para a identificação na portaria. A movimentação era fruto do cotidiano retorno das crianças da escola – há muitas crianças na Ocupação Cambridge, por volta de 120, todas elas obrigatoriamente matriculadas na escola. A frequência escolar para crianças e adolescente é uma das regras estipuladas pela organização do Movimento para que a família possa viver no prédio ocupado. A princípio segui o mesmo caminho do dia da Palestra: me identifiquei na portaria, comandada no dia por uma mulher e também moradora da Ocupação, e subi as escadas a caminho da sala da administração, no segundo andar, aonde encontraria a Carmen. Fui recepcionada então por Leni, assistente social, moradora e também coordenadora da Ocupação, que a pedido de Carmen me mostraria todos os espaços do prédio ocupado e me apresentaria alguns dos moradores. Segui Leni pelos espaços coletivos do Cambridge: começamos pelo grande salão multifuncional que serve como espaço para eventos, reuniões e palestras, além de ser contemplado por uma biblioteca com computadores

3 Carmem Ferreira é natural de

Salvador, mora em São Paulo há 25 anos – divorciada, mãe de oito filhos, sofria violência doméstica quando casada e veio para São Paulo para tentar uma nova vida. Foi moradora de rua e depois adentrou ao MSTC, aonde milita até hoje. Carmem participou de emblemáticas ocupações de moradia, dentre elas a de 1997, no início do luta no centro de São Paulo.


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para estudo e lazer dos moradores, aberta também para os visinhos da Ocupação. Uma série de cursos são ministrados nesse espaço, tanto para as crianças como para os moradores adultos, entre eles estão aulas de alfabetização, aulas de língua, aulas de capoeira, aulas de fotográfia, entre outros. Carmen comentou que a coordenação do Cambridge tenta manter parcerias com vários colaboradores para incentivar o estudo e atividades dentro da Ocupação.

Nesse mesmo andar uma porta se abre para a sala administrativa da Ocupação, aonde trabalham os líderes e coordenadores do movimento. Apesar de ser um espaço de função restrita, a porta sempre está aberta e qualquer morador tem acesso. Seguimos então para a Bolaria do Cambridge, um espécie de padaria, extremamente organizada e com cheirinho de “casa de avó”, comandado pela Dona Nice, uma senhora também moradora da Ocupação. Os bolos são feitos por encomenda e geram renda para os moradores que trabalharam nesse espaço. A Ocupação do Hotel Cambridge é muito particular neste sentido: espaços foram sendo apropriados não só para a função de moradia, mas também como forma de geração de trabalho e renda, constituindo uma espécie de economia solidária e participativa. Conheci então mais três ambientes da Ocupação que funcionam nessa mesma lógica: o Ateliê de Costura, o Brechó

Foto: Biblioteca da Ocupação Cambridge. Fonte: http://ocupcambridge. wixsite.com/


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e o Salão de Beleza. O Ateliê de Costura é um espaço com materiais e máquinas para confecção e manutenção de roupas e acessórios. Entre dezembro e setembro de 2016, instalou-se na sala do ateliê duas Oficinas de modelagem e construção de roupas, através de um projeto em parceria com o Paço das Artes. As oficinas foram ministradas pela consultora de moda e estilista Augustina Comas, com um calendário que ia de aulas à debates e palestras sobre o conceito da roupa como abrigo, “tal conceito abrirá o campo de pesquisa em torno das arquiteturas provisórias, das migrações, do design nômade e daqueles artistas que problematizam a intersecção entre corpo e moradia”4. O Brechó e o Salão de Beleza “Espaço Vip”, que situam-se no andar térreo do edifício, são mais uma das ações colaborativas dos moradores para geração de trabalho e renda. Entre o Salão e o Brechó ainda encontra-se um Teatro, que nada mais é que um grande salão aberto, com um pé direito bem alto, mas sem cadeiras – quando existem peças, ensaios, festas e reuniões nesse espaço procura-se usar as poltronas de pneu, que a príncipio ficam no hall, para auxiliar na acomodação das pessoas. As poltronas foram confeccionadas pelos próprios moradores da Ocupação em uma oficina de cenográfia desenvolvida em conjunto com alunos da Escola da Cidade, para o filme que foi gravado ali citado anteriormente. O projeto de cenografia do filme também foi pensado de forma a desenvolver mobiliários de permanencia para o uso posterior dos moradores. Aém disso foram usados materias próximos aos que os próprios moradores usam para confeccionar seus mobiliários, ou seja, materias de descarte encontrados na rua. Além todos esses espaços, a Ocupação do Cambridge ainda conta com uma UBS5, resultado de negociação para uma parceria com a SMS (Secretaria Municipal de Saúde), que é frequentada uma vez por semana por especialistas da área da saúde, que fazem exames e consultas nos moradores da Ocupação e da vizinhança. Já ao fim da visita, Leni me apresentou para um dos moradores que me levou para a Horta Comunitária localizada no terraço do edifício, também desenvolvida como um projeto em parceria de alunos e professores da

4 http://pacodasartes.org.br/ 5 A UBS República, Unidade Básica

de Saúde, situada na Ocupação Cambridge,

é composto por um grupo de assistente social, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional, ginecologista e psiquiatra de maneira integrada com as equipes de ESF - também foi acionado para acompanhar o trabalho na Ocupação Cambridge.


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Escola da Cidade com os moradores da Ocupação. Segundo Leni, a horta funciona para o consumo de alimento dos próprios moradores e assim como as outras áreas comunitárias, apresenta uma coordenadora e uma série de cuidadores divididos em um calendário semanal. Vale a pena apontar que o processo de subir os quinze andares do prédio foi uma experiência muito particular e penosa, naquele momento se experimenta por alguma minutos a rotina dos moradores que sobrem diariamente os andares da prédio – que possuí os elevdores desativados – depois de longas jornadas de trabalho. Ainda assim a vista do terraço para o centro de São Paulo é privilegiada. Não obstante, a separação das moradias é feita de maneira que os idosos, os moradores com dificuldades de locomoção e as famílias que contenham crianças sejam contempladas por apartamentos nos andares mais baixos. As unidades habitacionais possuem tamanhos variados em função do tamanho da família, algumas são contempladas com dois ou mais quartos. Como se trata de um hotel, cada espaço conta com pelo menos um banheiro privado, o que traz maior privacidade e conforto aos moradores. As unidades habitacionais possuem tamanhos variados em função do tamanho da família, algumas são contempladas com dois ou mais quartos. Como se trata de um hotel, cada espaço conta com pelo menos um banheiro privado, o que traz maior privacidade e conforto aos moradores.

a ocupação Abandonado havia dez anos, o edifício que abrigou o Hotel Cambridge foi ocupado no dia 22 de novembro de 2012 pelos militantes do MSTC, movimento filiado à FLM. Carmem conta que na época da ocupação do Hotel Cambridge o MSTC estava em negociação com o governo para discutir o reassentamento das famílias que saíram da antiga Ocupação Prestes Maia. O MSTC tentou comprar o prédio que abrigou o Hotel Cambridge em 2004 e o processo não aconteceu. Em 2012, o Cambridge foi de novo alvo do MSTC para a efetiva

Fotos: Ocupação Cambridge. Fonte: Acervo pessoal.


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ocupação, naquela época o edifício já era propriedade da prefeitura, mas ainda não cumpria a sua função social. Segundo Carmen e afirmado por uma série imagens feitas pelo movimento no momento da ocupação, o Edifício estava em estado completo de abandono e descaso, contendo uma enorme quantidade de entulho e foco de doenças. O processo de limpeza feito pelos ocupantes ao adentrarem no prédio retirou cerca de 15 toneladas de lixo, removidas por 60 caminhões da Prefeitura Municipal de São Paulo. Depois de realizada a limpeza, a Ocupação Cambridge passou a acolher cerca de 170 famílias que somam uma quantidade de aproximadamente 500 moradores. É comum aos movimentos de moradia que ocupam prédios no centro de São Paulo o esforço contínuo e incessante de transformação, manutenção e limpeza dos espaços ocupados. Essa dedicação tem como objetivo trazer consciência sobre os direitos e deveres de cada morador e impor cidadania, mesmo esbarrando em situações de extrema precariedade. A limpeza das áreas comuns é feita de maneira cooperativa, assim como o trabalho de controle de acesso da portaria, que é feito de maneira voluntaria e coletiva. Carmen aponta para o fato de que existe uma ajuda de custo ao “porteiro” mas não uma relação trabalhista e finaliza o assunto com a contundente frase: “não somos uma empresa, nós somos um movimento de moradia”. Assim, cada família contribui com R$150,00 mensais para as despesas comunitárias e manutenções do Edifício. As manutenções e reparos das unidade habitacionais, assim como a decoração de cada apartamento, são de responsabilidade dos moradores que vivem ali. Apenas as alterações elétricas e hidráulicas dependem necessariamente de aprovação da coordenação. Carmem ressaltou em vários momentos da nossa conversa a importância das regras da ocupação, e como cada morador pode e deve ser advertido caso deixe de cumprir alguma delas. Além de atividades inadmissíveis como o uso e venda de drogas e álcool e violência, os moradores tem autonomia em suas casas, apenas as visitas tem que ser agendadas e permanecer até às dez


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horas da noite, caso a visita precise pernoitar isso tem de ser avisado a coordenação da ocupação. As medidas são tomadas de forma a manter coesão aos moradores da Ocupação em uma situação que não deixa de ser de extrema vulnerabilidade. Todas as famílias que vivem na Ocupação possuem registro no NIS (Número de Identificação Social) – cadastro necessário para as pessoas que carecem de algum programa social do governo. Além disso todas as famílias também estão na fila do programa de habitação do governo federal Minha Casa, Minha Vida. A Ocupação ainda carrega uma particulariade – que vem se tornando corriqueira nas ocupações de moradia no centro de São Paulo – consta com um número significativo de moradores refugiados, migrantes e imigrantes do mundo todo. Em 2014, da união dessas pessoas do Cambridge em conjunto com outros refugiados e imigrantes de outras ocupações do MSTC, formou-se o GRIST (Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-Teto). O grupo tem como objetivo “promover debates, palestras e eventos que tratem de assuntos que afetam os refugiados diretamente, afim de criar meios que possibilitem a expressão da cultura dessas pessoas que vivem na cidade”6. As políticas públicas destinadas ao acolhimentos de refugiados são de certa forma recentes na cidade de São Paulo. Em 2013, na gestão Fernando Haddad foi criada a primeira Coordenação de Políticas para Migrantes na Secretaria de Direitos Humanos e apenas em 2015 foi criado o primeiro centro de atendimento para essas pessoas, através de casas de acolhida e ações de cunho cultural e social. Os refugiados e imigrantes vindos de outros países para o Brasil, no caso para São Paulo, esbarram em vários problemas: a dificuldade de comunicação, o preconceito, a falta de emprego e dinheiro e a pouca acessoria dos governos. Não obstante encontram nas ocupações de moradia um espaço para se estabelecer dignamente, a contrapartida para os movimentos de moradia é que esses imigrantes e refugiados participem das reuniões de base e adentrem a militância.

6 http://cargocollective.com/

rescambridge/A-Ocupacao-HotelCambridge/


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o edifício Fundado nos anos 1950, o Hotel Cambridge representa mais um expoente da hotelária de luxo paulistana que não fugiu ao destino de grandes hotéis centrais e parou de funcionar em 2002. Em novembro de 2012, o MSTC ocupa o edifício, que na época era de propriedade da Prefeitura de São Paulo – que já havia sido despropriado pela COHAB para a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) em 2011.

7 O termo Retrofit é o nome dado

ao processo de revitalização de um edifício. Esse processo envolve uma série de ações de modernização e readequação das intalações e dos espaços a uma nova demanda. Tem como objetivo preservar a construção e promover adequação as exigências de novos usos.

O Edifício que abriga a Ocupação Cambridge está marcado pelo Plano Diretor Estratégio como uma Zona Especial de Interesse Social 3 (ZEIS 3), ou seja, é definido que a edificação destine pelo menos 60% da área construída para famílias com renda de até três salários mínimos. Em 2 de julho de 2016, a Prefeitura o disponibilizou como contrapartida municipal para o PMCMV – Entidades, abrindo chamamento para a seleção de entidade que promovesse unidade habitacional. O MSTC venceu a licitação, obtendo a posse do imóvel para a realização do projeto habitacional com financiamento da Caixa Econômica Federal. Segundo Carmem, o Cambridge iniciará em pouco tempo o processo de retrofit7 do prédio, aonde estão previstas 121 unidades habitacionais e uso misto para o térreo. A participação é o principal critério para os moradores serem indicados para a demanda pelo MSTC, além do cumprimento das regras. A consolidação da moradia no Cambridge representa um importante passo alcançado pela luta dos movimentos de moradia na efetivação dos direiros, assim como marca a importante modalidade de política pública habitacional, infelizmente descontinuada pelo atual Governo Federal. A seguir, estão as plantas dos andares da Ocupação Cambridge. Esse exercício de refacção das plantas através de croqui foi pensado de forma a rememorar as visitas feitas na Ocupação, além de ser um exercício para se pensar a apropriação dos espaços e a consolidação dos ambientes em que as práticas culturais e educativas se colocam como proeminentes no âmbito espacial.

circulação habitações áreas restritas áreas comuns


61 Acesso pela Rua Álvaro de Carvalho

Depósitos e Áreas Técnicas

Salão Beleza

Teatro

Aquecedor Geral

Ateliê Hall e Recepção

Térreo

2 ao 7º Andar

Bolaria

Brechó

Banheiro

Depósito Salão e Biblioteca

Garagem

Acesso pela Avenida Nove de Julho

Mezanino

8 ao 13º Andar

Administração

Cobertura

1º Andar

Horta


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o filme Era o Hotel Cambridge e a consolidação dos espaços de cultura Quando conheci a Ocupação Cambridge ainda não sabia que um filme havia sido filmado ali, muito menos tinha a dimensão de como alguns dos espaços internos haviam sido benefíciados e transformados pela direção de arte e cenografia do mesmo. Também pude conviver posteriormente, com inúmeras oficinas culturais, que foram propostas durante o período de concepção e gravação, e se perpetuaram na ocupação como ações culturais constantes, mesmo após o fim das filmagens. É também sob esse aspecto que a Ocupação Cambridge alcançou uma ligação entre arte e luta política muito forte – a Ocupação virou palco e roteiro de um filme, que além de trazer a tona a real luta por moradia em São Paulo, trouxe inúmeras novas formas de se pensar luta urbana, cultura, arquitetura, cinema e educação. Para adentrar nessa história contarei primeiro brevemente sobre o processo de construção do filme, para enfim abordar a consolidação dos espaços de cultura dentro da Ocupação. Vale apontar que neste trabalho não me propus a analisar o filme propriamente dito, mas sim a rede de ações culturais que se abriu na Ocupação Cambridge em virtude do mesmo. A diretora Eliane Caffé procurava a princípio fazer um filme sobre os refugiados no Brasil. Pesquisando sobre a vida dessas pessoas e as trajetórias que elas percorrem ao chegar em São Paulo, Eliane esbarrou nos movimentos de moradia que ocupam prédios no centro de São Paulo, e decidiu por fim retratar a questão do imigrante dentro de uma ocupação através de uma história de resistência multicultural. Segundo Carmem, o ínicio do projeto foi contestado pelos moradores e visto com muita desconfiança, afinal é grande a marginalização dada aos movimentos de moradia. Desta forma o inicio do processo que desencadeou o filme apresentou extrema importancia para a criação de vínculos entre os moradores e a equipe, visto que em um primeiro momento a diretora e sua equipe apenas acompanharam a vivencia do dia-a-dia da Ocupação.O processo do filme foi intenso, durou cerca de três anos, e veio no sentido de aglutinar varias iniciativas artísticas à vivencia da ocupação, como a


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residência artística, as oficinas de cenográfia junto a alunos de arquitetura da Escola da Cidade, as oficinas de desenho e pintura com as crianças da ocupação, as palestras, os almoços coletivos, entre muitos outros. Dentre as oficinas, vale destacar que as Oficinas de Cenografia vieram no sentido de trazer melhorias espaciais para alguns dos ambientes da Ocupação. Um exemplo disso é a biblioteca, que hoje se apresenta no salão, com uma área para leitura bem iluminada e mobiliários adequados. Anteriormente a biblioteca ficava dentro de uma sala, sem muitos atrativos e com nenhuma luz natural. Nesse sentido se propôs o uso da cenografia aliada à arquitetura com o objetivo de repensar e perpetuar lugares na ocupação com maior qualidade espacial. “O exercício de uma arquitetura mais humanitária é urgente! Uma arquitetura que se ocupe das novas paisagens, dessas zonas complexas de conflito, como é o caso das ocupações, dos acampamentos de refugiados, das paisagens que surgem depois que acontecem as catástrofes. A arquitetura não pode ser apenas para os ricos” - Era o Hotel Cambridge8 Os materias usados na cenografia foram pensados assim como a apropriação dada aos moradores à materiais descartados no sentido de construir mobília para os apartamentos – o denominado, Shopping Rua9. Desta forma as

8 Com o fim do filme, a diretora de

arte e também arquiteta Carla Caffé publicou um livro sobre o processo de filmagem, as oficinas e a ligação entre arquitetura, cinema e educação. O livro também tem o mesmo nome do filme, Era o Hotel Cambridge. 9O termo Shopping Rua é usado nas ocupações de moradia para designar o uso de materias recolhidos de descarte que são reformados e resignificados para a criação de mobília pelos moradores da ocupação.

Foto: Cena do Filme Era o Hotel Cambridge. Fonte: Imagem de divulgação.


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oficinas de cenografia vieram no sentido de criar trocas entre os moradores e a equipe do filme, para a criação de ambientações a partir de materias de descarte. Sobre essa forma pontual de se pensar o mobiliário e a própria cenográfia do filme, a jornalista Eliane Brum expressou em uma de suas colunas mensais: “Esta não é uma experiência de pobreza material, como alguns poderiam pensar, mas uma experiência estética rica – e uma conduta ética num planeta que está sendo destruído pelo consumo capitalista. Neste sentido, as ocupações de sem-teto representam, em São Paulo, uma vanguarda ética e estética na forma como lidam e como olham para o material reciclável ou de reuso. E para os próprios prédios abandonados, restos arquitetônicos da cidade, que ocupam, reciclam e ressignificam10.” O filme, que é um misto entre ficção e realidade, tem quase que a maioria dos seus personagens moradores comuns da própria ocupação. Carmem, que interpreta a si mesma, é personagem emblemática do filme. Hoje, após o fim da gravação do longa-metragem, as oficinas foram perpetuadas, como herança dessa movimentação cultural e educacional que o filme gerou dentro da Ocupação. Nesse sentido, o filme não aparece como enriquecedor da Ocupação em uma via de mão única, o próprio contato com os moradores, a vivência de apropriação dos espaços, o uso de materias de descarte e a possibildiade de instalação de novos meios de economia participartiva, fazem a troca entre a equipe de filmagem, colaboradores, visitantes da ocupação e os moradores algo mútuo. É também o próprio pensar arquitetura a partir de novas demandas, através do senso da coletividade, de novas definições de espaço público e privado e de cidadania.

10 Trecho retirado da coluna

“Veja o filme, leia o livro, alcance a vida” da jornalista Eliana Brum no jornal El Pais (http://brasil. elpais.com/brasil/2017/03/20/ opinion/1490015804_432739. html/). Fotos: Oficinas e ações culturais na Ocupação Cambridge. Fonte: Acervo de imagens da Ocupação Cambridge.


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ocupação são joão


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Pela primeira vez em frente à Ocupação São João, me peguei por alguns minutos observando o grande letreiro, ainda preso na fachada degradada, indicando que no passado aquele edifício abrigou o Hotel Columbia Palace. Ao lado do antigo letreiro, uma bandeira hasteada com a sigla da FLM, explicitava o atual uso do prédio e a latente questão da luta por moradia no Centro de São Paulo. Ainda à frente, um portão de ferro todo colorido, apresentou-se como porta de entrada para a Ocupação. Ao entrar no prédio, passei pelo Senhor Severino, homem chefe da portaria e morador de uma ocupação vizinha, gestando a entrada e a saída dos visitantes e dos mais de cem moradores dali. Assim iniciou o meu contato com a Ocupação São João, fruto de uma visita guiada pelo morador Mildo, também líder do MSTRU1, movimento coligado a FLM. A minha primeira visita aconteceu no dia 13 de março de 2017, uma segunda-feira à tarde corriqueira, depois do estágio e de outras rotinas do meu dia a dia. Ali, no entanto, não era um dia comum, era uma segundafeira agitada para os moradores e lideranças, visto que o prédio estava com pedido de reintegração de posse concedido para menos de um mês, para o próximo dia 1° de abril. Apesar de toda a mobilização dos moradores, fui muito bem recepcionada, tanto pelas lideranças, quanto por aqueles que pude entrevistar ou que passaram por mim com um simples olhar ou um “boa tarde” durante o percurso nos espaços comunitários. Fui então seguindo Mildo pelo prédio ocupado, combinamos que ele me contaria a história da ocupação e juntamente me apresentaria os espaços e alguns moradores. O primeiro ambiente que tive contato foi o hall ou a recepção, localizado no pavimento térreo. Esse local de passagem se mostrou, na verdade, espaço emblemático para a Ocupação, tanto para aqueles que estão tendo um primeiro contato, como eu estava tendo, quanto para os moradores que transitam por ali várias horas do dia. Isso porque, essa área de recepção,

1 O MSTRU, Movimento Sem

Teto pela Reforma Urbana, é o movimento que coordena a Ocupação São João. O MSTRU é filado a FLM, Frente de Luta por Moradia.


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totalmente revitalizada pelos moradores consta com inúmeros quadros de fotos na parede que expõe a história da ocupação, através de uma série de imagens do antes e depois do processo de restauração e limpeza dos espaços. Essa exposição permanente funciona como um importante instrumento de rememoração constante da história e do potencial de mudança dado pelo movimento a um edifício degradado há anos no coração de São Paulo. Há sete anos, esse mesmo edifício acumulava lixo, entulho, baratas, ratos, pombas, estava abandonado, ocioso e sem função social. O que as fotos mostram é que assim que as pessoas o ocuparam, com seus pertences e famílias, transformaram aquele espaço em um lar, em uma comunidade e em um importante instrumento de resistência e luta pela questão da moradia digna no Centro de São Paulo. Nesse dia pude observar o constante movimento de conservação e manutenção do prédio. Seu João, um senhor morador da Ocupação, pintava as paredes do Hall de um tom branco bem iluminado a pedido dos moradores que queriam que o ambiente ficasse mais “claro e limpo”, devido à falta de janelas. Subindo as escadas para o primeiro andar, encontrei a maior parte dos espaços coletivos da Ocupação. Segui Mildo por um salão bem iluminado, provido de um grande espaço livre, com janelas extensas em que se pode observar toda a movimentação da Avenida São João. Algumas crianças brincavam pelo espaço e uma moradora observava o movimento da rua. Mildo me contou que no inicio essa área funcionava como cozinha coletiva. Hoje esse espaço funciona como área de convívio, lazer, espaço para as assembleias, reuniões, festas, palestras e ações culturais; visto também que após a revitalização de encanamentos de gás, água e eletricidade, cada família pode construir sua própria cozinha dentro dos apartamentos. Conversando com uma das moradoras pude entender a importância de cada família possuir o seu apartamento provido do maior conforto possível, ou seja, cozinha e banheiros indivíduais asseguram a privacidade e o conforto da famílias. As próprias lideranças da Ocupação incentivam os moradores a se apropriarem do espaço, dando pertencimento próprio ao apartamento.


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Nesse grande salão a arte se mostrou muito presente: as paredes são cobertas por graffitis, lambe-lambe e quadros feitos pelos moradores da Ocupação ou por artistas que passaram por ali. Alguns painéis expográficos ainda simbolizavam o fim de um atividade cultural recente. Atrás de uma porta que se abre para esse espaço de convívio, pude conhecer uma pequena, mas muito organizada Biblioteca, chamada pelos moradores por “Biblioteca Ocupada”. Nela funcionam não só as atividades comuns de uma biblioteca, como aluguel e devolução de livros, mas também uma série de atividades como contação de histórias, rodas de leitura, atividades de alfabetização e estudo. “Ter uma biblioteca é oferecer e dar o acesso à leitura, acesso de uma forma geral a educação. Isso é fundamental: junto ao direito à moradia, o direito fundamental ao lazer, a cultura e a educação. Acho que uma ocupação acaba englobando um monte de coisas, diferente de um prédio tradicional que você chega e nem cumprimenta o seu vizinho. Não tem uma interação e nem outros espaços comuns.” Daniel Vicente - Morador da Ocupação São João A fala do Daniel representa um das grandes particularidades existentes nas ocupações de moradia: mesmo que suas estruturas de funcionamento se assemelhem a lógica dos condomínios atuais, por se constituirem necessariamente como um espaço de resistência e de formação política, todos os espaços são resignificados e trazem dimensões de coletividade. Seguimos pelo corredor do primeiro andar e a frente das escadas encontrase mais um espaço emblemático para a São João: o Piscinão. Essa área nada mais é que o vão de ventilação e iluminação do prédio, dando vista para os apartamentos localizados no centro da planta. O nome foi dado pelos moradores nos primeiros dias da ocupação, já que a área estava alagada com focos dengue, deteriorada e cheia de entulho e lixo. Hoje o espaço não alagamais devido as reformas feitas pelos moradores, transformando-se em uma importante área de convívio ao ar livre, como um jardim de inverno coberto por grafites e um suporte de plantas feito de bambu. Ainda no primeiro pavimento encontra-se uma horta comunitária, localizada


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a princípio no piscinão. Sua substituição se deu, pois logo os moradores perceberam que aquela área não manteria o cultivo dos alimentos por não apresentar regularidade de sol. A horta possui coordenação de Dona Nalva, uma das moradoras da São João, e uma seleção de cuidadores(as). Como praticamente tudo na ocupação, a horta também apresenta manutenção feita de forma participativa – cada dia um dos moradores selecionados é responsável pelo cuidado diário, através da rega e colheita. Uma cartolina, pregada no mural próximo a horta, expõe e sinalizada os cuidadores de cada dia. O cultivo de alimentos no Centro da cidade de São Paulo, além da própria promoção de alimento, também se apresenta como mais uma forma de apropriação do espaço e de exercício de coletividade e de resistência. Subindo os demais andares encontram-se os apartamentos. Segundo Mildo, as divisões dos quartos são feitas em virtude do tamanho de cada família: aquelas que contém maior número de pessoas são contempladas com um apartamento maior ou até dois apartamentos. As reformas internas de cada apartamento, assim como as mobílias, foram e são feitas pelas famílias, principalmente atendendo os gostos e as necessidades de cada um. Novamente tendo como importante premissa que o espaço individual e particular de cada família é de extrema relevância para estabelecimento da ocupação como espaço coletivo de união. A maior parte da mobília dos apartamentos e das áreas comuns da Ocupação é feita a partir da reciclagem e reforma de móveis antigos e materiais variados encontrados na rua pelos próprios moradores. Ao adentrarmos o apartamento de Mildo, ele foi mostrando que praticamente todos os móveis ali presentes eram fruto de descarte na rua. Ele mesmo reformou-os a sua necessidade: uma cama, uma mesa de jantar, as cadeiras e uma engenhosa prateleira de correr que funciona também como porta divisória entre o quarto e a cozinha do seu apartamento. O reuso de materiais e mobília de descarte é muito significativo na Ocupação, e reitera a ressignificação dada por uma ocupação: matéria sem uso, em estado de degradação, revitalizada e trazida à vida novamente.

Fotos: Ocupação São João. Fonte: Acervo pessoal.


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a ocupação O nascimento da Ocupação São João se deu efetivamente no dia 4 de outubro de 2010 em uma ação simultânea da FLM que ocupou outros três prédios localizados no Centro de São Paulo. Segundo Mildo, o movimento havia feito um levantamento dos edifícios abandonados no Centro que não cumpriam a função social da propriedade, e o prédio do antigo Hotel Columbia Palace se mostrou como opção. A maioria do total das 91 famílias que participaram do processo de ocupação vivia em condições precárias ou não podiam mais arcar com o aluguel em São Mateus – região periférica que agregava os grupos de base da MSTRU. A princípio algumas pessoas se mostraram relutantes em ocupar no Centro, pois ficariam distantes de amigos e entes queridos, no entanto o ato de ocupar a região central se mostrou agregador de uma série de facilidades como a proximidade ao trabalho e o acesso a infraestruturas da cidade, como transporte público, escolas, hospitais e áreas de lazer. Após a ocupação foi constatado que o estado físico do edifício estava caótico: muito entulho, lixo, presença de animais mortos, como ratos e baratas, e nenhuma infraestrutura em funcionamento. O prédio, devido à falta de manutenção por anos e pela própria idade do edifício, não contava com rede de água, de eletricidade e nem de esgoto. O grau de abandono era tanto que foi impossível limpar todos os espaços no primeiro dia. A revitalização e a limpeza do edifício duraram aproximadamente seis meses, sendo os antigos quartos do Hotel priorizados para que as famílias começassem a se estruturar. Vale destacar que, os moradores refizeram toda a rede de água, eletricidade e gás, nas fotos é possível visualizar no pátio, também denominado piscinão, os encanamentos novos. Até que toda a reforma de infraestrutura ficasse pronta a Ocupação contava com um único banheiro, que era dividido entre todos os moradores, através de um cronograma. Hoje cada família contribui mensalmente com aproximadamente R$100,00.


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Esse dinheiro é usado para o pagamento do porteiro da Ocupação, além dos gastos com a manutenção, recuperação e eventos que ocorrem na São João. As regras são estipuladas pelas lideranças e discutidas nas assembleias. Existem pelo menos três comportamentos inadmissíveis para os moradores: violência doméstica, tráfico e contrabando e o uso de drogas. Também é obrigatório que todas as crianças e adolescentes frequentem a escola.

o edifício O Edifício localizado na Avenida São João, data da arquitetura do início do século XX, de autoria do famoso escritório F. P. Ramos de Azevedo & Cia. Em um estudo arquitetônico da planta, feito por um grupo da Escola da Cidade2, acredita-se que o prédio não foi construído para abrigar um hotel a princípio. No entanto, algumas divergências de data das plantas e de acesso ao relatório da construção, acabam por não fixar essa história. O antigo Hotel Columbia Palace foi um dos ícones da hotelaria de luxo em um dos pontos mais famosos de São Paulo: o cruzamento entre as Avenidas Ipiranga e a São João. Tido como patrimônio cultural, histórico e arquitetônico da cidade, o Edifício teve processo de tombamento da sua fachada feito pelo Compresp e Condephaat. Segundo o coordenador Mildo e perante o portifólio documentado pela administração da Ocupação, o prédio apresentava-se abandonado e em processo de degradação há aproximadamente 20 anos antes do processo de ocupação feito pelo MSTRU. No que se refere à condição jurídica, o prédio, que é propriedade privada, apesar de fisicamente abandonado há muitos anos apresenta todos os pagamentos tributários em dia. Fato este considerado favorável ao proprietário. A Ocupação São João já sofreu quatro processos de reintegração de posse, contando com esse último marcado para o dia primeiro de abril deste ano. A forte mobilização dos moradores e do movimento de moradia chamou um ato político e cultural para uma semana antes da data de reintegração, e mesmo esta tendo sido suspensa alguns dias antes do ato, o evento

2 http://habitacidade.

escoladacidade.org/


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aconteceu da mesma maneira, contando com uma grande mobilização. Segundo o site Observa SP3, desde agosto de 2012, o Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo acompanha a luta por moradia dos ocupantes da São João. Daquela data até hoje, nenhuma alternativa habitacional foi apresentada pelo poder público, mesmo sendo determinado pelo Poder Judiciário, agora no dia primeiro de Abril, uma nova ordem de reintegração de posse. Vale apontar que o Município foi condenado a prestar atendimento habitacional às famílias que vivem hoje na São João e esse apoio parece não estar sendo garantindo, revelando o descaso com os moradores da ocupação e uma lógica no processo de reintegração de posse que descumpre direitos fundamentais dos cidadãos.

3 https://observasp.wordpress.

com/2017/03/23/ocupacao-saojoao-588-a-historia-se-repete/

A seguir, os croquis de plantas esquemáticas do edifício que abriga a Ocupação São João. Administração

Comércio

Piscinão

Comércio Recepção

Biblioteca

Térreo

Acesso

Administração

1º Andar

Salão

Demais Andares circulação habitações áreas restritas áreas comuns


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o centro cultural são joão A pauta cultural tida como vertente forte da São João foi o que a me fez escolher como um dos objetos desse trabalho. Não obstante, ainda no dia da minha primeira visita, pude vivenciar além da rotina corriqueira da Ocupação, a movimentação de moradores que participavam de um ato na sede da Secretária de Cultura, que reivindicava, junto a artistas, contra o congelamento no setor cultural promovido pela atual gestão do prefeito Dória. A localização emblemática da Ocupação São João, situada em um prédio a frente da Galeria Olido, então Secretaria de Cultura de São Paulo, só aproxima o debate e os embates sobre o tema. Através do contato com a Nazaré, moradora e coordenadora das ações culturais da Ocupação, eu pude conhecer como se estabeleceu a relação do movimento de moradia com a pauta da cultura e os instrumentos usados pela ocupação para a efetivação dessa pauta. “Vim para essa ocupação sem sequer ser de movimento de moradia. Sou de Belém, mas vim para São Paulo, morei um tempo no Rio, construí palcos e cenários e queria retornar para São Paulo. Sem nada fixo, e nas condições que eu voltei a única forma foi me fixar por meio da ocupação. Como cenógrafa, eu estava acostumada a ter de criar a partir de cenários inóspitos. Começamos a fazer isso na ocupação, até porque, cultura traz interesse de mídia para o coletivo. Estudei publicidade social e arte-educação para tentar mudar a mentalidade das pessoas sobre uma ocupação, porque muitos ainda considera que esses moradores são vândalos, quando, na realidade, eles concentram toda uma cultura da cidade. Damos visibilidade, aqui, a artistas da periferia, mas artistas de outros países já vieram passar um tempo aqui para ensinar e aprender. A ocupação recebeu fomento cultural em 2012 – foi a primeira a conquistar isso do poder publico – e foram feitos saraus, festivais de musica, cinema, contação de historias...e os moradores entenderam que a voz deles poderia ser ouvida também por intermédio de uma arte como a poesia. Eles tem voz.” Nazaré As práticas culturais nasceram basicamente inerentes à própria ocupação: o prédio foi ocupado em outubro de 2010 e já em dezembro daquele mesmo


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ano foram promovidas as primeiras ações de cultura. Essas primeiras ações foram implantadas pela união entre os moradores e coletivos de arte, e assim durante esses sete anos de Ocupação, com as mais diversas trocas e vivências, os espaços coletivos da SJ passaram a integrar o então denominado Centro Cultural São João, com a sua forte e permanente agenda ligada a cultura.

4 http://spcultura.prefeitura.sp.gov.

br/espaco/769/ 5 http://projetoocupacaocultural.

blogspot.com.br/

“O Centro Cultural São João é um espaço formado por um grupo horizontal que se reuniu a partir do encontro de moradores das ocupações a ativistas culturais no fim de 2010, desde então vem construindo ações culturais que possam criar uma via de mão dupla entre Cultura e Luta, valorizando as próprias relações humanas e as expressões individuais que buscam fortalecer os laços de comunidade.”4 As primeiras ações culturais aconteceram através do Projeto Ocupação Cultural5, que é composto por “’uma associação de agentes culturais que constrói uma proposta de atuação política, cultural e estética junto a prédios ocupados e espaços de disputa na cidade de São Paulo”. A Ocupação Cultural atuou principalmente, mas não só na Ocupação São João. A emblemática Ocupação Prestes Maia também fez parte desse projeto.

Foto: Nazaré no Salão da Ocupação São João. Fonte: Gabo Morales.


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O Projeto Ocupação Cultural tem como proposta a “pracificação, 1. processo que resulta na criação de espaços públicos autônomos. 2. transformar em praça determinado local aberto ou fechado. 3. percepção do espaço público e privado como potencial de convívio e vivência comunitária. 4. apropriação afetiva de áreas urbanas para fins coletivos.” Ou seja, tem como objetivo promover o constante diálogo e discussão sobre a cidade e a luta urbana, através da realidade da Ocupação, pautado em ações de cunho cultural e artístico. Para tanto, foram e são desenvolvimentos uma série de eventos, cursos e oficinas. Entre eles o mais emblemátio é o “Sarau da Ocupa”, que nasceu praticamente junto com a Ocupação, em dezembro de 2010, e se mantém em atividade constante até hoje. O Sarau da Ocupa funciona aos moldes dos saraus periféricos, neste caso no grande salão da São João, aonde são disponibilizados em uma mesa central uma série de poemas e publicações para declamação. Quem se interessar também pode levar a sua própria publicação, poema, rima ou história. O evento promove um intercâmbio cultural que se dá de forma espontânea, através de declamações e falas compartilhadas. Constrói-se durante o Sarau um espaço descontraído e também festivo de reflexão subjetiva acerca das questões que permeiam os conflitos urbanos e o “viver em ocupação”. Com outra chave de atuação está o “Café Imaginário”, um evento de debate com temática e mesa de convidados pré-estabelecida, criado em 2013. O Café Imaginário visa à discussão de temas correlacionados a pauta política e cultural da ocupação como maneira de trazer conhecimento e informação aos moradores e visitantes. Cada evento tem um tema de discussão próprio e atual, e, na maioria das vezes, é embasado pela exibição de um filme ou por uma exposição artística em cartaz na São João naquele momento. Outra proposta forte na Ocupação é o “Cine Clube” que são sessões de cinema com posterior discussão e reflexão sobre o filme exibido. Além disso, o OSJ promove inúmeros cursos aos moradores, como de fotografia, pintura, alfabetização, e também ações culturais de contação de histórias, tetros, oficinais de desenho e muito mais.


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No ano de 2012, como relembrou Nazaré, o Projeto Ocupação Cultural, que também atuou em outras ocupações da área central, recebeu fomento cultural através do Programa VAI – Programa de Valorização de Iniciativas Culturais da Prefeitura Municipal de São Paulo6, para continuar realizando os eventos culturais e cursos artísticos. Nazaré apontou a necessidade de se conseguir verba para as ações culturais, e que hoje, mesmo sem os incentivos, elas são mantidas através da mobilização dos moradores e dos coletivos parceiros. Após a minha primeira visita pude retornar a São João em uma série de eventos culturais, todos eles abertos ao público da cidade. O último “Sarau da Ocupa” aconteceu dia 13 de abril, com o nome especial de “Nenhuma Ocupação a menos” em virtude da tensa situação de reintegração de posse que os moradores viveram nesses últimos meses. Apesar da suspensão da reintegração, o Sarau foi permeado pelas tensões e aflições que acometeram os moradores durante esse período. Finalizo apontando que, o Centro Cultural São João apresenta-se como ambiente resignificador dos espaços da cidade e da própria lógica de um edifício de moradia, visto que o espaço cultural e, portanto público se dá dentro de um edifício habitado, permeado por espaços estritamente privados. A São João apresenta-se como espaço singular por realmente mesclar os limites entre espaço publico e privado na cidade e se abrir para a cultura, para o diálogo, para a educação e, principalmente, para todos os cidadãos da cidade.

6 Em 2003, no âmbito municipal,

foi criada a Lei 13.540, de autoria do então vereador Nabil Bonduki, denominada Programa Vai. Tal lei “objetiva apoiar financeiramente grupos juvenis que desenvolvem ações culturais nos próprios locais de origem, relacionadas, portanto, ao cotidiano da cidade. Destacamse dois aspectos peculiares do programa, e que mantêm estreita relação entre si, a saber: o reconhecimento das ações culturais juvenis em desenvolvimento nas áreas periféricas da cidade e, consequentemente, uma concepção mais ampla da pluralidade das práticas artísticas e culturais realizadas”. Fotos: Ações culturais desenvolvidas pelo Centro Cultural São João. Fonte: Acervo de imagens da Ocupação São João.


ocupação ouvidor


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A apropriação do edifício que abriga a Ocupação Ouvidor é por si só muito particular, representa um oásis colorido na cidade cinza do prefeito João Dória. Já havia passado pela Ouvidor várias vezes, algumas delas adentrei no bazar de roupas que se abre para a rua, em outras estive presente em exposições e eventos promovidos pelos moradores que vivem ali. No entanto, o meu contato com a rotina efetiva dos moradores e com os espaços se deu através de um colega de curso, o Vitor, ex aluno de arquitetura da FAU Mackenzie. Vitor tem seus vinte e poucos anos como eu, nascido em uma família de classe média paulistana, é músico e foi morador da Ouvidor por cerca de dois anos. Nosso encontro na Ocupação se deu em uma tarde no meio da semana. A visita à Ocupação Ouvidor se deu de forma muito semelhante a das outras ocupações abordadas nesse trabalho – através do contato com um morador ou liderança. Desta forma, combinei com Vitor que ele me mostraria os espaços e me apresentaria aos moradores, e assim iniciamos nossa caminhada pelo prédio ocupado. Circular pela Ouvidor é por si só uma experiência: cada espaço é coberto por muita tinta, em uma mistura de linguagens e camadas de experimentações dos artistas que passaram por ali. A portaria da ocupação, gerida por um dos moradores, funciona como a de qualquer outra ocupação de moradia convencional: deve-se apresentar e assinar o livro de presença com suas informações para assim entrar no prédio. O diferencial da Ouvidor é que a própria portaria fica em uma área que funciona como uma galeria de arte, denominada Mix 63, aonde são vendidos quadros, gravuras e esculturas desenvolvidas pelos próprios moradores. Naquele pequeno espaço ainda encontra-se um café, também gerido pelos moradores. Neste sentido a Ocupação Ouvidor se assemelha com a Ocupação Cambridge, aonde espaços vão sendo apropriados também para a constituição de uma espécie de economia participativa como forma de


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geração de trabalho e renda para os moradores e para a ocupação. No caso da Ouvidor pela venda de arte e pelo café, no caso do Cambridge pelo comércio de bolos ou através do serviço de cabelereiro e de costura. Do térreo subimos para o primeiro andar da Ocupação: um grande salão aberto com janelas para a rua, a maioria delas quebradas, dividido por uma cozinha comunitária. Naquele momento já passadava das 13 horas e alguns moradores se juntaram para um almoço comunitário. Por se tratar de um edifício de escritórios, a planta de cada andar é livre, o que dificulta a divisão dos espaços, que é feita majoritariamente por tapumes. Não obstante, as unidades habitacionais não possuem banheiros – existe um banheiro coletivo por andar, de uso exclusivo dos moradores do andar correspondente. Vale destacar que no caso da Ouvidor, o pavimento livre também trouxe liberdade de apropriação dos espaços, como por exemplo no andar destinado a uma biblioteca ou ao andar do ateliê de arte, em que grandes áreas se abrem para esses usos. Modificações espaciais são constantes, também em decorrencia do grande fluxo e da expressiva rotatividade de moradores.

Foto: Ocupação Ouvidor Fonte: Daniel Teixeira


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Segui Vitor pelos andares, a maioria deles destinados a moradia, mesmo assim apresentou uma mistura de uso intensa em alguns andares, com espaços de trabalho na forma de ateliês e habitação. O último andar do prédio é um coberta de uso aberto e comunitário, com uma vista incrível para o centro de São Paulo. Finalizamos a visita no emblemático porão, ou Porão das Artes, espaço de festas, oficinas, sessões de filme, shows e festivais. Hoje, os andares do prédio são apropriados quase que exclusivamente para moradia – consolidando-se como espaço estritamente aberto as práticas artísticas o porão, a galeria, a garagem e a cobertura.

a ocupação A Ocupação Cultural Ouvidor nasceu efetivamente no dia primeiro de maio de 2014, em uma ação que contou com a mobilização de aproximadamente 80 artistas. Atualmente a Ouvidor conta com pelo menos 50 moradores, entre eles circenses, músicos, pintores, grafiteiros, fotógrafos, cineastas, atores, e moradores não ligados a classe artística. O perfil dos moradores é mutante, este fato praticamente não ocorre em ocupações de movimentos de moradia consolidados. A Ouvidor apresentou uma transitoriedade intensa de moradores desde o ínicio da sua ocupação, que era dada no princípio majoritariamente por jovens artistas. Ainda assim, a ocupação ainda se consolida atualmente como um espaço composto por jovens, mesmo que o número de famílias e crianças tenha acrescido durante esses anos. Nesses três anos, integrantes com pouco contato com a arte foram fazendo parte da Ouvidor. Segundo Vitor, a produção cultural sempre foi mantida pelo moradores artistas, promovendo intercambio de conhecimento com os novos. Hoje a própria divisão das atividades na Ocupação revela a identidade e afinidades dos grupos que estão ali dentro: cada andar é divido por um setor cultural, existe o andar da música, o das artes plásticas, o da dança e do circo. Diferente das ocupações de moradia, existe ainda uma parcela que vem de condição social privilegia e busca na vivencia da ocupação uma experiência


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ideológica. Vale apontar que, também segundo os moradores, uma outra parcela, maior do que a primeira, está ali por necessidade. No que se refere a organização interna a Ocupação Ouvidor apresenta muitas diferenças com as ocupações anteriores. A arrecadação de verba para a Ocupação se da de forma simbólica, através dos eventos culturais – os moradores não pagam nenhum tipo de contribuição mensal obrigatória e os espaços acabam por refletir de algum modo a escassez de recurso. A limpeza dos espaços comuns, também feita de maneira cooperativa, se mostrou bem aquém se comparada com outras ocupações visitadas, e como não existe nenhuma forma de contribuição mensal fixa por morador, a manutenção do prédio também se mostrou ineficiênte. Além disso, não existem regras contra o uso de bebidas alcoólicas ou quanto ao horário de entrada e saída dos moradores. O caso da Ocupação Ouvidor é muito particular e contraditório – há quem veja com maus olhos a junção entre espaço cultural e moradia, até porque a luta pela moradia não é a pauta principal de articulação da Ouvidor. As ocupações “clássicas” de moradia apresentam gestão e regras rígidas e muito claras, que trazem coesão a luta – no caso da Ouvidor a gestão democrática e horizontal, também com regras mas bem mais “afrouxadas” fazem daquele ambiente necessariamente mais vulnerável. Apesar da horizontalidade, foi criado pelos moradores um estatuto em que se instaura que qualquer tipo de violência verbal, física ou psicológica deve ser entendida como situação inaceitável e julgado nas assembléias. Assim, as assembléias se consolidam como espaço de construção necessária para a consolidação de uma coletividade em concordância, em um ambiente a princípio “sem regras”. Segundo Vitor, toda semana existe uma reunião fechada para definir as ações culturais, os problemas de manutenção e eventuais desavenças entre os moradores. A relação com os outros movimentos de moradia é distante. No próprio filme Era o Hotel Cambridge, esse conflito é abordado: em dada cena, Carmem abriga um morador recém saído da Ocupação da Ouvidor e diz “eles são os

Fotos: Ocupação Ouvidor. Fonte: Acervo pessoal.


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novos hippies”. Tanto Vitor, quanto outros moradores, não expressaram a existência de diálogo perpetuado entre a Ouvidor e outras ocupações de moradia existentes no Centro. Vitor abordou ainda a existencia de conflitos com movimentos associados a criminalidade, em um caso especial ele citou que a desocupação do Cine Marrocos gerou grande apreensão aos moradores da Ouvidor, que temiam uma abordagem do movimento no sentido tentar se apropriar prédio. Mesmo assim os artistas e moradores contam que os próximos passos seriam no sentido de intensificar o diálogo com as ocupações de moradia na vizinhança, também oferecendo oficinas de arte gratuitas e intensificando a pauta cultural no centro.

o edifício O Edifício situado na Rua Ouvidor, número 63, apesar de possuir história semelhante a de outros prédios que acabaram negligenciados no centro de São Paulo, apresenta grande peculiaridade em sua estrutura de ocupação atual, se comparada aos demais objetos de estudo desse trabalho, fugindo do padrão percebido de ocupação dos espaços, logística e administração. Historicamente, o prédio foi concebido na década de 1940 e adquirido pela Fazenda do Estado. Apresentou desde então, inúmeras destinações: foi Secretaria de Economia e Planejamento do Estado, Secretaria de Promoção Social, Secretaria de Cultura do Estado e, por fim, em 2007, foi concedido a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano. No entanto, desde a década de 1980 o prédio foi abandonado e Estado nunca mais deu função para o edifício. Em 1997, o Edifício foi ocupado pelo Movimento de Moradia do Centro (MMC), também filiado a FLM. Em 2005, já na Gestão Serra, o prédio foi novamento desocupado, através de um processo de reintegração de posse, permanecendo ocioso até a ocupação de 2014. Em 1999, professores e estudante de arquitetura e engenharia da USP e do Politécnico de Torino (IT) se uniram aos moradores que ocupavam o prédio


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da Ouvidor para a elaboração de um laboratório de projeto integrado e participativo sobre a requalificação de cortiços1. Neste laboratório interdisciplinar foi elaborado uma proposta física para consolidação do edifício em moradia popular, através de estudos sobre viabilidade financeira e técnica. Em 2003, a Assessoria Técnica Integra passou a acompanhar a proposta de reforma do prédio e os tramites de negociação para a viabilização de tal proposta. No entanto, o projeto não conseguiu se sustentar pelos programas sociais, não havendo interesse do Governo do Estado, proprietário, em promover tal projeto.

Durante o estudo de caso das três ocupações procurei desenhar os croquis das plantas dos edifícos, tanto em um processo subjetivo de rememoração das visitas, quanto como objeto para estabelecer uma análise da apropriação dos espaços através das divisões entre “público e privado” e da busca pelos locais de perpetução das ações comunitárias e culturais. O mesmo trabalho de redesenho da planta e análise da apropriação dos espaços se tornou particularmente desafiador no caso da Ouvidor. Acredito que isso se deu por muitos motivos, entre eles por se tratar de um edifício com planta livre, que faz com que cada andar seja habitado de forma livre em decorrência das necessidades específicas do morador. O próprio modelo de ocupação, horizontal, experimental e permissiva, faz da ocupação dos andares e espaços algo pouco cartesiano e as vezes, pouco organizado. Soma-se a isso a grande rotativa de moradores que faz com que os tapumes de divisórias de cada andar estejam em um processo constante de remodelação. A própria ideologia da ocupação faz com que os usos privados e públicos sejam pouco definidos, ora os espaços são unidades habitacionais, ora funcionam como ateliê. Ainda assim, a ocupação apresenta três espaços de convívio bem definidos: o porão, a galeria e a cobertura-mirante. O edifício que abriga a Ouvidor ainda apresenta uma diferença de áreas por andar, que passa a diminuir a partir do sétimo, trazendo o seu desenho característico de degrau na fachada, até chegar na cobertura.

1 Em 2002, a experiência do

laboratório foi publicada em um livro, denominado “Requalificação de Cortiço - O Projeto da Rua Ouvidor, 63 no Centro de São Paulo.


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Vale apontar que as outras duas ocupações visitadas, por se tratarem de antigos hotéis, apresentam na própria divisão arquitetônica da planta do edifício espaços que sugerem o uso habitacional, que se dão nos antigos quartos, tanto quanto os espaços de convivência. A seguir, croquis de plantas esquemáticas do edifício que abriga a Ocupação Ouvidor. Banheiro

Banheiro

Banheiro

Administração

Espaço de Uso Coletivo

Recepção Brechó Galeria Mix 63

Porão

Térreo

1º ao 5º Andar

Acesso

Banheiro

Banheiro

Banheiro

Varanda Varanda

6º Andar

7º Andar

8º Andar


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Banheiro

Banheiro

Banheiro

Ateliê

Varanda

10º Andar

11º Andar

9º Andar

Banheiro

12º Andar circulação habitações áreas restritas áreas comuns uso misto


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o centro cultural ouvidor O calendário cultural da Ouvidor é diverso e a produção artística é constante, mas estabelecidade de forma orgânica, sem demandas de produção. Até o momento inúmeras oficinas, cursos, palestras, mostras e exposições foram abertas ao público. Além disso, os espaços internos são utilizados diariamente para treinos circenses ou como ateliês de pintura, de confecção de figurino e de instrumentos musicais. Dessa forma a Ouvidor se caracteriza tanto como espaço público aberto para a população em eventos culturais, como em espaço privado realizadas no âmbito individual do cotidiano mas necessariamente ligada as demandas de espaço da classe artística. Dastaca-se, durante toda a produção cultural da Ouvidor, alguns eventos emblemáticos como a I Bienal do Ouvidor em 2016. Contestando os moldes da Bienal de São Paulo, restrita ao público que tem acesso e conta com disponibildiade financeira, o evento se fez aberto ao público e com um calendário de diversas atividades, oficinas, mostras, exposições e palestras em todos os andares do prédio ocupado. Na Bienal praticamente todo o prédio foi absorvido pelo evento – cada andar apresentava uma temática cultural. A mostra contou com aproximadamente 40 artistas, entre eles residentes e convidados. Ao longo da Bienal o público pode participar de diversas oficinas práticas de yoga, xilogravura, desenho de modelo vivo, além das sessões de cinema, apresentações teatrais e shows. A “qualidade” da produção da arte desenvolvida na Ouvidor não me cabe analisar, o que a coloca como chave desse estudo são as novas dimensões e manifestações do uso dos espações ociosos da cidade, através da coletividade e da arte, e a própria produção artística política que denuncia as desigualdades da cidade.

Fotos: I Bienal do Ouvidor. Fontes: Acervo de imagens da Ocupação Cultural Ouvidor.


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consideraçþes finais


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O ato de “ocupar” é cada vez mais frequente na cidade de São Paulo. Periferia e Centro. Saraus, Minhocão, ruas e avenidas, festas populares, coletivos culturais, movimentos de moradia, foram e são fenômenos que apontam para um movimento de apropriação e ressignificação dos espaços da cidade nos últimos anos, tendo a população de baixa renda como protagonista. Durante a trajetória desse trabalho pude perceber que as questões que norteiam a ocupação de espaços permeados por arte, educação e cultura são demasiadamente complexas e heterogêneas. No entanto, apesar de se constituírem como insurgências distintas e em pontos difusos no mapa da cidade possuem um grande ponto em comum: a resistência à cidade desigual, na maioria das vezes autônoma, permeada pelo discurso do direito à cidade em sua forma mais ampla e pelo papel central que a cultura tem nesse processo. A experiência das ocupações de prédios abandonados no centro de São Paulo, que permeiam seus discursos e ações na pauta cultural, colocouse para mim como um fluxo especial nesse contexto do ”ocupar”, afinal, o centro é considerado um dos espaços mais ricos em infraestruturas de cultura e educação de toda a cidade. O fato é que ao longo do processo pude observar que apesar das três ocupações estudadas estarem realmente inseridas em uma porção do território da cidade privilegiada, o acesso a região por pessoas de um nível social menos favorecido está longe de ser efetivo. Os muros e barreiras sócio espaciais se colocam como preponderantes na cidade de São Paulo, muito mais do que propriamente as barreiras físicas. Muitas vezes ainda, o jogo de interesses governamentais só potencializa as relações de força e disputa pelos espaços que permeiam o urbano. A minha vivência nos três prédios ocupados, dois geridos por movimentos de moradia consolidados e um por um grupo de artistas e coletivos de arte, apesar de fazer parte de um processo pessoal e subjetivo, revelou-se fruto do mecanismo de mediação e potencialização de contatos entre pessoas que as ações culturais geram nessas ocupações. Ou seja, as próprias ocupações que têm uma produção cultural vigente acabam por criar uma dinâmica de trocas entre diferentes pessoas, de diferentes níveis sociais, funcionando como um núcleo aglutinador da população.


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As ocupações que usam os seus espaços para a promoção de cultura carregam um sentido de alcance de afetividade entre os moradores e o público de fora, aumentando, portanto a sua presença pública, também contra a criminalização dos movimentos sociais e de moradia e assim, efetivamente consolidando a conquista de direitos. Desta forma, as ações culturais e artísticas apresentaram-se dentro das ocupações estudadas como elemento provedor de diálogo e integração com a sociedade “de fora” e fortalecedor da luta e da união aos “de dentro”. As diversas ações culturais desenvolvidas pelas três ocupações são carregadas de ativismo político e social e funcionam como ponte de reflexão sobre o espaço urbano “que queremos”. É o próprio direito à cidade e à moradia pensada a partir do lúdico e do subjetivo, por meios de festas, exposições, saraus, grupos de leitura e poesia, aulas de pintura, palestras, filmes, entre muitos outros. É a própria luta pelo direito à cidade, mas não aquela feita pelo confronto, mas sim através de atividades educativas, comunitárias e democráticas nos espaços da cidade que antes estavam “cheios de vazio”. As ações culturais também ampliaram a aproximação entre os movimentos populares e uma faixa social de classe média, principalmente de perfil etário jovem, que graças ao aspecto cultural se aproximou da realidade das ocupações. A Ocupação Cambridge ganhou o mundo através do filme1 que retratou a dinâmica múltipla da ocupação e mais do que isso, revelou como o processo de filmagem, as oficinas criadas por este e o contato com coletivos de cultura podem perpetuar pautas culturais e de cidadania relevantes dentro da ocupação. Já, a Ocupação São João se estabeleceu como centro cultural principalmente em virtude do engajamento inato dos próprios moradores, revelando-se hoje como espaço de importante vínculo com a cultura periférica perpetuado no espaço do centro da cidade. Por fim, a Ocupação Ouvidor, que foge a lógica das ocupações clássicas de moradia, promove a cultura que vai de embate com o mercado de arte restrito, com a proposta de se calcar um modelo híbrido de habitação e ateliês de produção e exposição de arte. Assim, as ações culturais e as dinâmicas de apropriação dos espaços nas

1 O filme Era o Hotel Cambridge

foi exibido na França, Espanha, Coréia do Sul, Holanda, Estados Unidos, Suiça, México, Índia, entre outros países. O longa ganhou o prêmio “Cinema em construção”, no 63º Festival de San Sebastián, na Espanha; Melhor Filme pelo voto popular no 18º Festival Internacional de Cinema do Rio; Melhor Filme pelo voto popular na 40º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Melhor Filme no 8º Festival Internacional de Cinema da Fronteira em Bagé. Carmen Silve ainda ganhou prêmio de Melhora Atuação no mesmo Festival.


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três ocupações estudadas apesar de carregam a pauta cultural em comum apresentam-se em cada uma de forma muito particular. Não obstante esbarramos em conflitos, contradições e precariedades, muitas delas apontadas durante o percurso do trabalho. No fim, o que se colocou como chave central no estudo sobre essas três ocupações foi que elas não significam apenas um marco de resistência ao modo competitivo, desigual e individualista de construir cidades, elas representam seres vivos pulsantes e modelos a serem observados, aprendidos e vivênciados como paradigmas de criação de cidades mais humanas e democráticas.



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filmes A luta pelo direito à moradia e o direito à cidade. Brasil de Fato. 2016. (https://www.youtube.com/watch?v=eowwaC90x9s) Dia de Festa. Direção, Pablo Georgieff, Toni Venturi. Grenade Productions/ Neuroika/ Olhar Imaginário/ Passaro films/ Telévision/ Coloco. 2005. Era o Hotel Cambridge. Direção, Eliane Caffé. Aurora Filmes/ Tu Vas Voir/ Nephilim Producciones/ Apoio. 2017.

créditos das imagens Imagem de satélite: Google Earth. Página 47. Desenhos: Júlia Caprini Cezar Bento. Páginas 14, 20, 32, 50, 66, 80.


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