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CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO – UNISOCIESC JOINVILLE DIRETRIZES PROJETUAIS: CENTRO DE ATENÇÃO À SAÚDE, SEGURANÇA E BEM-ESTAR DA MULHER EM JOINVILLE/SC. SILVEIRA, Júlia Maria Conrratt
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NOEBAUER, Marlise Paim Braga
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RESUMO O mundo vive a virada da segunda para a terceira década do século XXI e, mesmo tendo-se conquistado tanto no século XX, por meio da luta pelos direitos das mulheres, a desigualdade de gênero é uma realidade brutal. O aumento de casos de violência contra a mulher são algumas das maiores preocupações atuais da sociedade brasileira. Mulheres e homens têm necessidades e tratamentos diferentes em relação ao seu bem-estar e à sua saúde. Possuem reflexões distintas sobre os mais variados assuntos e, em especial, sobre questões que envolvem a autonomia de seus próprios corpos e saúde. Este artigo, desenvolvido no contexto de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na área da arquitetura e urbanismo, explora essa problemática, identificando algumas possibilidades de contribuição, pela face do suporte espacial. O propósito último desta pesquisa exploratória e qualiquantitativa é, por meio de um sólido levantamento multimétodos, lastrear a proposta arquitetônica de um Centro de Bem-estar da Mulher em Joinville/SC. Investigou-se os diversos aspectos que envolvem a violência contra a mulher, levantando possibilidades de contribuições que a área da arquitetura pode oferecer na mitigação dos efeitos dessa realidade. Desse modo, esta pesquisa pode não somente direcionar o futuro anteprojeto a ser desenvolvido neste TCC, mas apoiar decisões projetuais de propostas de natureza semelhante. Palavras-chave: arquitetura e urbanismo, centro de apoio à mulher, violência contra a mulher, sororidade.
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Júlia Maria Conrratt Silveira: Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário
UNISOCIESC, juliaconrratt@gmail.com. 2
Marlise Paim Braga Noebauer: Mestre, Docente no Curso de Arquitetura e Urbanismo no Centro
Universitário UNISOCIESC em Joinville e Florianópolis, SC, e doutoranda em Arquitetura e Urbanismo PósARQ, UFSC, marlise.noebauer@unisociesc.com.br. Joinville – SC, 21 de Agosto de 2019.
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1. INTRODUÇÃO
O século XX foi palco de inúmeras lutas pelos direitos da mulher e, por seus resultados, o papel da mulher na sociedade é cada vez maior, conquistando o mercado de trabalho e quebrando dezenas de paradigmas. Ainda assim, em plena virada para a terceira década do século XXI, ainda há muita desigualdade de gênero (ADICHIE, 2014; FEDERICI, 2004). Um das consequências diretas desse fato é a violência contra a mulher (HOOKS, 2000; SAFFIOTI, 2004). No Brasil, mesmo após a criação de Delegacias das Mulheres e da Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher continua afetando, crescentemente, a sociedade (MONTENEGRO, 2015). Esta realidade motiva este artigo, requisito parcial do trabalho de conclusão de curso em Arquitetura e Urbanismo, que busca embasar a proposta arquitetônica de um Centro de Bem-estar da Mulher para a cidade de Joinville. O anteprojeto arquitetônico a ser proposto pretende abranger aspectos que possibilitem dar suporte à atenção à saúde da mulher e à prevenção da violência de gênero. Pretende, ainda, apoiar a realização de atividades associadas ao bem-estar da mulher, que se abre em diversos aspectos desenvolvidos na fundamentação teórica deste trabalho. São apresentados nessa introdução os aspectos estruturantes deste trabalho, como a temática central, a justificativa do estudo e os objetivos propostos.
1.1 TEMÁTICA DA PESQUISA
As mulheres são a maior parcela da população brasileira. Tal afirmação se apoia nos dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), que aponta um percentual de 48,3% da população como masculina, e 51,7%, como o percentual de mulheres na mesma população (IBGE, 2019). Como todos os cidadãos, as mulheres brasileiras têm direito à atenção de sua saúde. Por essa razão, toda mulher no Brasil tem direito ao planejamento familiar e à realização do pré-natal. No entanto, a saúde da mulher não se limita ao período de gestação materna e ao processo reprodutivo (COELHO, 2003). Além da atenção à saúde geral, como as áreas que abrangem mulheres e homens indistintamente, a violência contra a mulher tem exigido da saúde pública cuidados e tratamentos especiais. De acordo com Kiss (2006), existe uma grande dificuldade em diagnosticar a violência contra a mulher e acolher a vítima, lhe dando o tratamento adequado de forma a não
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aumentar seu trauma. Além disso, Villela (2011) cita que discriminações e julgamentos vindos dos profissionais tanto da saúde quanto da segurança pública, desencorajam as denúncias, acuando as vítimas. Mesmo que fatos dessa natureza provoquem uma notada diminuição das denúncias, ainda assim, o sistema de segurança se mostra com uma capacidade aquém do necessário. No campo jurídico, por exemplo, o Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (DPJ/CNJ, 2020) divulgou que os processos de violência por gênero até março de 2020 tiveram uma taxa de congestionamento de 63%, ou seja, apenas 37% dos casos são solucionados. Além disso, de acordo com o mesmo estudo, apenas 225 medidas protetivas são concedidas a cada 100.000 mulheres, entre mais de um milhão de processos. Esse contexto aponta a necessidade de espaços de atenção à mulher, com atendimento básico de saúde física e mental, assistência social, jurídica e outros serviços de apoio ao bem-estar feminino. Os espaços a serem propostos visam evitar o sofrimento de tantas mulheres e suas famílias, apoiando o aprimoramento do sistema de prevenção da violência contra a mulher. Diante deste cenário, foi formulada a seguinte pergunta para nortear esta pesquisa: “Como a arquitetura pode apoiar o melhoramento do acesso de mulheres a serviços de saúde, segurança e bem-estar?”.
1.2 JUSTIFICATIVA
Os fatos expostos anteriormente são mais bem retratados com dados numéricos, mostrando a realidade da violência. O Quadro 01 disposto a seguir apresenta informações referentes à este tipo de violência no Brasil entre os anos de 2016 e 2019. São expostos dados como casos pendentes, denúncias e a quantidade de feminicídios no Brasil e em Santa Catarina. Quadro 01 – Dados sobre a violência contra a mulher TIPOLOGIA
2016
2017
2018
2019
Casos pendentes
892.273
946.541
978.611
1.036.746
Denúncias
1.133.345
1.170.580
1.185.690
N/A
Feminicídios - BR
763
1.047
1.225
1.314
Feminicídios - SC
52
50
42
58
Fontes: DPJ/CNJ (2020); MMFDH (2019); NEVUSP (2020). Sintetização e tabulação: Autoras, (2020).
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Estes dados evidenciam o aumento dos casos de violência contra a mulher, fato que amplia a demanda dos sistemas públicos. Estes problemas nas instituições impedem que as mesmas representem seu papel fundamental de mediadoras entre a vítima e a ajuda necessária, passo importante para quebrar o ciclo da violência (DEBERT; GREGORI, 2008). Este estudo é, portanto, justificado pelos fatos e dados apresentados acima. Eles fazem parte de um contexto que aponta a clara importância social e econômica que o atendimento humanizado e equitativo a uma grande parcela da população joinvilense pode ter na mitigação dos problemas apresentados.
1.3 OBJETIVOS
Com base nas considerações realizadas até aqui, e no questionamento apresentado, foram definidas metas para este estudo, cujo objetivo geral é: Desenvolver diretrizes projetuais para um Centro De Atenção à Saúde, Segurança e Bem-Estar da Mulher em Joinville/SC. Com o intuito de alcançar este objetivo, foram estabelecidos objetivos específicos, apresentados no Quadro 02 a seguir. Quadro 02 – Objetivos específicos da pesquisa OBJETIVO ESPECÍFICO 01
Examinar a produção bibliográfica sobre os temas relacionados à prevenção da violência contra a mulher, assim como à sua segurança, saúde e bem-estar.
OBJETIVO ESPECÍFICO 02
Analisar projetos correlatos ao que será proposto, identificando potenciais soluções projetuais, noções de dimensionamento e de programa de necessidades.
OBJETIVO ESPECÍFICO 03
Estudar as necessidades e os anseios mais frequentes de mulheres que se sentiram em risco, assim como de mulheres que sofreram violência. Elaborar instrumentos projetuais para relacionar atividades e ambientes a serem propostos, para realizar o pré-dimensionamento espacial e à pré-organização dos fluxos e distribuições espaciais. Selecionar a área de intervenção, na cidade de Joinville, de acordo com o dimensionamento previsto no programa de necessidades proposto e com as condições favoráveis à inserção de um Centro de Bem-estar da Mulher. Analisar o entorno urbano do terreno e suas condicionantes, direcionando soluções técnico-formais.
OBJETIVO ESPECÍFICO 04 OBJETIVO ESPECÍFICO 05 OBJETIVO ESPECÍFICO 06
Fonte: Autoras, 2020.
2. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Este artigo é embasado por uma pesquisa qualiquantitativa e exploratória. A pesquisa qualitativa se caracteriza por um conjunto de técnicas interpretativas que procuram compreender ou traduzir como os fenômenos acontecem. Os dados são avaliados de forma
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metódica, reduzindo a informação em várias categorias (MAANEN, 1979). As investigações não têm a pretensão de realizar um juízo de valor, baseados em um universo subjetivo, relacionado a significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (MINAYO. 2015). O enquadramento a seguir foi feito com base nos estudos de Gil (2008), que afirma que estudos realizados devem obter seus objetivos por meio de levantamento bibliográfico, análise de exemplos em condições similares, entrevistas e questionários. Quadro 03 – Matriz metodológica: objetivos específicos x procedimentos metodológicos OBJETIVOS ESPECÍFICOS Examinar a produção bibliográfica sobre os temas relacionados à prevenção da violência contra a mulher, 1 assim como à sua segurança, saúde e bem-estar. Analisar projetos correlatos ao que será proposto, 2 identificando potenciais soluções projetuais, noções de 2 dimensionamento e de programa de necessidades. Estudar as necessidades e os anseios mais frequentes de 3 mulheres que se sentiram em risco, assim como de mulheres que 3 sofreram violência. Elaborar instrumentos projetuais para relacionar 4 atividades e ambientes a serem propostos, para realizar o 4 pré-dimensionamento espacial e à pré-organização dos fluxos e distribuições espaciais. Selecionar a área de intervenção, na cidade de 5 Joinville, de acordo com o dimensionamento previsto no 5 programa de necessidades proposto e com as condições favoráveis à inserção de um Centro de Bem-estar da Mulher. 6 Analisar o entorno urbano do terreno e suas 6 condicionantes, direcionando soluções técnico-formais. Fonte: Autoras, 2020. 1
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Revisão bibliográfica.
Análise projetual. Questionário qualitativo vítimas de violência.
Programa de Fluxograma.
com
Necessidades
e
Análise urbana, pautada na síntese do conhecimento construído por meio do alcance dos objetivos específicos anteriores. Análise urbana, físico-espacial e legal.
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Enquanto a ideia do artigo é criar diretrizes para um espaço que possa ser utilizado por todas as mulheres, seu foco principal é no acolhimento de mulheres vítimas de violência. Estas mulheres possuem um perfil e necessidades diferenciadas (SAFFIOTI, 2004). Para analisar a violência, primeiro é necessário definir o que ela é. A Organização Mundial Da Saúde define violência como o uso de força física ou poder contra si próprio, outra pessoa ou um grupo ou comunidade, resultando em sofrimento, morte, dano psicológico ou outros tipos de danos físicos e morais (OMS, 2019). No caso da violência contra a mulher, deve-se levar em consideração que existem diversas categorias de violência, afetando a vítima de formas diferentes (INSTITUTO MARIA DA PENHA (IMP), 2018). O Infográfico a seguir esclarece estas tipificações:
6 Quadro 04 – Tipos de violência conta a mulher
Fontes: Lei Maria da Penha (2006); IMP (2018); FBSP (2019), Datafolha (2019), IPEA (2014, 2016, 2019a, 2019b, 2019c), SINAN/DATASUS (2018), OMV/DATASENADO (2017, 2018), Câmara dos Deputados (2018). Tratamento dos dados: Autoras, (2020).
3.1 QUESTÕES LEGAIS QUE ENVOLVEM O TEMA
Muitos aspectos legais envolvem o combate à violência contra a mulher no Brasil. O principal instrumento é a Lei Maria da Penha. A Lei criou mecanismos para coibir a violência contra a mulher, configurando as definições de todas as formas de violência e sancionando medidas de prevenção, atendimento policial, jurídico e assistência social às vítimas (BRASIL, 2006a). Em relação à violência sexual, a Lei Nº 13.718, tipificou o crime de importunação sexual e vingança pornográfica e aumentou a pena para crimes sexuais, e é o principal instrumento de combate deste tipo de violência (BRASIL, 2018). Além das leis apresentadas, a Rede de Enfrentamento à Violência contra as mulheres apresenta políticas públicas contra a violência de gênero, incluindo ações de prevenção e garantia de direitos. No que se refere a espaços de assistência, são compreendidos estabelecimentos além das Casas-Abrigo e as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), como centros de referência da mulher, defensorias especializadas, promotorias, juizados, entre outros. (BRASIL, 2011). Estes espaços serão elucidados adiante no artigo.
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3.1.1. Espaços de atenção à saúde da mulher vítima de violência
Sobre a saúde da mulher, o principal estabelecimento especializado neste tipo de atendimento é o Centro de Referência em Saúde da Mulher (CRSM) que consiste em um estabelecimento assistencial de saúde (BRASIL, 2004). Esse nome se refere a qualquer espaço destinado a dar assistência de saúde, demandando o acesso de pacientes, qualquer que seja o seu nível de complexidade (ANVISA, 2002). Além disso, esses centros são considerados estabelecimentos ambulatoriais. Este tipo de atendimento é limitado a serviços realizados em consultórios ou ambulatórios. Apesar de receber internações, estas não podem ocorrer por um período superior a 12 horas. Este tipo de estabelecimento atende ações de prevenção, atendimento imediato e procedimentos de pequeno porte, como curativos (ANVISA, 2002; BRASIL, 2006b). No caso do CRSM, estas demandas são direcionadas à saúde da mulher, com atendimentos médicos especializados, atendimentos básicos, atendimento para situações de violência doméstica e violência sexual e contracepção de emergência, além de serviços de prevenção (BRASIL, 2004).
3.1.2. Espaços de atenção à segurança da mulher vítima de violência
Os espaços fundamentais relacionados à segurança da mulher são as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs). São unidades especializadas da Polícia Civil para atendimento às mulheres em situação de violência. As ações realizadas nestes estabelecimentos são de prevenção, proteção e investigação dos crimes de violência contra as mulheres, como registo de boletim de ocorrência (BO) e emissão de medidas protetivas de urgência. Além das DEAMs, algumas delegacias comuns possuem espaços de atendimento à mulher em situação de violência, contando com equipe própria. (BRASIL, 2011) Em relação ao atendimento jurídico, As Defensorias da Mulher têm a finalidade de dar assistência jurídica e orientação a mulheres. É órgão responsável pela defesa das mulheres que não possuem condições econômicas de ter advogado contratado por seus próprios meios. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher são os responsáveis pelo processo, julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2011).
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Em 2013, foi iniciado o projeto Casa da Mulher Brasileira, que une em um único estabelecimento os serviços de segurança e atendimento jurídico e psicossocial. Estes centros de atendimento que juntam as DEAMs, a defensoria e os juizados especializados no direito e proteção da mulher. (BRASIL, 2015).
3.1.3. Espaços de atendimento psicossocial da mulher vítima de violência
O atendimento psicossocial é realizado em três espaços principais, que possuem funções relativamente diferentes. Os Centros de Referência são espaços de atendimento psicológico e social e orientação e à mulher em situação de violência, que proporcionam o acolhimento necessário à superação do ciclo de violência, contribuindo para o fortalecimento da mulher e o resgate de sua cidadania (BRASIL, 2011). As Casas Abrigo e Casas de Acolhimento Provisório são serviços que oferecem abrigo às mulheres. As Casas Abrigo oferecem moradia protegida e atendimento a mulheres em risco de vida iminente, por tempo determinado, de forma sigilosa. Por outro lado, as Casas de Acolhimento Provisório propiciam serviços de alojamento temporário de curta duração, por até 15 dias, sem sigilo, para vítimas de diversos tipos de violência (BRASIL, 2011). Além desses, serviços não especializados de atendimento à mulher, como CRAS, CREAS, entre outros, funcionam como porta de entrada para a mulher na rede de atendimento. Estes espaços encaminham as vítimas aos serviços especializados, e na falta destes, podem acabar realizando estes atendimentos (BRASIL, 2011).
3.2 RELAÇÃO PESSOA-AMBIENTE QUANTO À SAÚDE E SEGURANÇA DA MULHER
A relação pessoa-ambiente no que tange à saúde e segurança da mulher, envolve aspectos associados aos espaços públicos, semipúblicos e privados; quanto à iluminação pública; assim como outros aspectos que abrangeremos na sequência. Tais temas foram estudados e são apresentados a seguir.
3.2.1. PÚBLICO, SEMIPÚBLICO E PRIVADO.
A jornalista Jacobs (1961), analisando a história das cidades, conclui que o planejamento urbano influencia muito, no comportamento das pessoas. Por esse motivo, o
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estudo de teorias sobre a relação das mulheres com a cidade e com os espaços que utilizam, é essencial para a escolha de um lugar para a implantação do projeto. Hertzberger (1991) apresenta a relação entre público-privado sob o ponto de vista do grau de acesso aos espaços. O autor define o espaço público como uma área acessível a todos a qualquer momento. As evoluções deste espaço, que o autor chama de semipúblicos e semiprivados, são resultantes de qualidades espaciais designadas pelo grupo social usuário e ao mesmo tempo, produtos da demanda e do projeto. Ainda nesse contexto, Worthington (2015) cita a esfera pública como algo aberto 24 horas por dia e gerenciada pela comunidade. Em comparação, o espaço semi-público é disponível para o público a critério do proprietário. Ao analisar a experiência moderna nos espaços públicos Migliano e Rocha (2016) observam do ponto de vista de gênero, uma separação entre público e privado. As autoras explicam que, historicamente, a mulher sempre foi designada a papéis inerentes ao espaço privado, dentro de casa. Segundo a arquiteta e urbanista Siqueira (2015) a vivência do corpo feminino na cidade é marcada pelo medo do espaço urbano. As mulheres, ao sair na rua, temem por sua integridade física e são cercadas por um sentimento de vulnerabilidade. Coutras (1998) menciona que os homens são afetados pela possibilidade de serem atacados, porém, não chegam a rever de forma drástica seu comportamento, suas rotas e estratégias para que se sintam mais seguros. A autora relata que os homens não esperam as mesmas possíveis consequências em decorrência da violência nos espaços públicos, visto que as mulheres temem, além da violência a qual todos, indistintamente estão sujeitos, a violência sexual. A percepção feminina sobre a violência de gênero na cidade de Joinville teve recentemente, uma abordagem realizada pela face da arquitetura e urbanismo. O coletivo de urbanismo joinvilense LabUrb (2020) fez um estudo, divulgado nas redes sociais, perguntando às mulheres: “O que você já deixou de fazer na cidade por ser mulher?”. Foram obtidas mais de mil respostas, as quais não ficaram presas no âmbito de Joinville, se estendendo a várias cidades do brasil. O Gráfico 01, apresentado a seguir, expõe os principais problemas apontados por estas mulheres.
10 Gráfico 01 – Pesquisa “O que você já deixou de fazer na cidade por ser mulher?”.
Fonte: Coletivo LabUrb (2020). Tratamento dos dados: Autoras (2020).
Estes dados mostram que a insegurança ao andar na rua é uma das principais preocupações da mulher na cidade. Essa sensação de vulnerabilidade e medo influencia a percepção da mulher sobre a cidade e sua relação com ela. Esses fatores estão afetam a mobilidade da mulher, assim como o seu direito de ir e vir, e seu acesso igualitário à cidade (LEFEVRE, 1968; OLIVEIRA, 2018). Levando em conta essas sensações dentro das cidades, Jacobs (1961) define que, para existir a sensação de segurança em uma rua, esta deve possuir algumas características. Ela cita que deve existir a separação clara entre o espaço público e o espaço privado, e os olhos dos proprietários devem estar voltados à rua, sem que existam fachadas cegas. As calçadas devem ter pessoas transitando constantemente, para obterem-se mais olhos atentos e para aumentar o número de moradores observando de dentro dos edifícios. Ainda considerando a segurança, Ham e Ulden (2015), ao realizar uma pesquisa nas zonas de transição nas ruas de Roterdã, Holanda, notaram que estas zonas trazem segurança ao pedestre. Segundo os autores, quando as pessoas utilizam as calçadas como extensão de suas residências ou comércios, cria-se um sentimento de pertencimento ao espaço, aumentando também a sensação de segurança. Isso ocorre por que a apropriação da zona híbrida gera um sentimento de comunidade. Nesse caso a separação entre o espaço público e o espaço privado, não se torna tão clara, mas mantém o sentido de voltar os olhos da comunidade para a rua. Tal aporte teórico aponta a necessidade de se atentar, nas propostas que serão realizadas neste trabalho, para questões espaciais relativas não apenas à prevenção efetiva da violência de gênero, mas à percepção feminina quanto à sua segurança. Como uma das
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estratégias para tal, a relação entre espaços públicos, semipúblicos e privados deve ser equilibrada, com propostas de atividades que possibilitem fachadas ativas, que gerem movimento em diferentes horários do dia. Em outras palavras, o local deve possibilitar a presença ativa da comunidade, estimulando a interação da população com os espaços propostos, promovendo a segurança e a percepção de segurança no local.
3.2.2. ILUMINAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
A iluminação é de grande importância para a percepção espacial e para a sensação de segurança dentro da cidade (CARDOSO; RENNÓ, 2019). Haans e Kort (2012) declaram que a visibilidade condicionada pela iluminação, possibilita o aumento da percepção de segurança e a melhora de resposta de uma pessoa a potenciais riscos. Um estudo nesta temática foi realizado no centro de Nairóbi, capital do Quênia. Agevi, Andersson e Petrella (2015), junto a membros da cidade, realizaram uma caminhada noturna pelo distrito comercial da cidade. O intuito era analisar a segurança das mulheres nessas ruas. Pode-se perceber que muitas ruas estavam completamente escuras e que todo o comércio estava fechado com cortinas metálicas bloqueando a iluminação. Isso levava à insegurança e ao aumento dos índices de crime e violência. Com estes estudos, é possível reconhecer a necessidade de planejar espaços considerando a iluminação. Apesar desta não ser uma forma de prevenir completamente a violência, os aportes teóricos mostram que a existência da mesma pode estimular a apropriação de uma área por pedestres e por estabelecimentos comerciais, o que aumenta o bem estar (WELSH; FARRINGTON, 2008).
3.2.3. BOAS PRÁTICAS PARA AMBIENTES DE ATENÇÃO À SAÚDE FEMININA
Antes de um ambiente de atenção à saúde da mulher ser adequado ao público-alvo, ele deve ter características pertinentes ao bem-estar de todas as pessoas. Uma das maneiras de se atingir esse resultado é através do desenho universal. Esse conceito consiste na criação de ambientes que possam ser usado por todas as pessoas, na sua máxima extensão possível (DISCHINGER; BINS ELY; PIARDI, 2012). Os espaços de saúde são descritos por Weidle (1995), como complexos, dinâmicos e caros. Isso devido à necessidade constante de adaptação destes espaços aos avanços
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médicos. Por este motivo, o autor cita a necessidade de espaços flexíveis, permitindo mudanças de forma orgânica, sem interromper o funcionamento dos serviços. Segundo Lima (2012), devem-se considerar aspectos bioclimáticos na arquitetura hospitalar, pois estes contribuem ao processo de cura, integrando práticas e garantindo as melhores condições de conforto. Para Góes (2004), os aspectos como iluminação, cores, conforto térmico e acústico, ergonomia são essenciais para a recuperação de pacientes. De acordo com o autor, como as condições nos espaços de atendimento já podem ser bastante estressantes, o espaço em si deve atenuar esse estresse. Ainda existem poucos estudos relacionados à boa arquitetura de espaços de saúde voltados para a mulher. Apesar disso, pode-se considerar que devido ao estado de fragilidade no qual está boa parte destas mulheres, o espaço deve ter em conta este cenário. (SANTI; NAKANO; LETTIERE, 2010).
3.2.3. ESPAÇOS DE ACOLHIMENTO, APOIO E PREVENÇÃO
O acolhimento se dá de muitas maneiras dentro da arquitetura. Paese (2016) cita que a sensação de hospitalidade de um espaço ocorre através do reconhecimento que o usuário tem do mesmo. A autora menciona que o acolhimento na arquitetura não ocorre com uma tipologia específica, e sim, dos afetos que o usuário relaciona ao ambiente. Esses afetos podem ser percebidos através da forma do edifício, dos materiais utilizados, dos ornamentos, ou outros elementos que afetam como uma pessoa se sente ao usar o espaço. A arquiteta Semenova (2018), menciona a falta de hospitalidade como um dos maiores problemas dos abrigos e instituições para mulheres vítimas de violência. Ela descreve que muitos dos espaços, ao salientar a segurança e o controle, acabam aumentando o estresse das vítimas, pois relembram os ambientes de privação, dos quais elas saíram. As entradas desses locais normalmente são enclausuradas e com restrições físicas e desconexas da área externa. Além disso, as áreas comuns, excessivamente vigiadas, comprometem a liberdade de movimento das usuárias, piorando o seu estado psicológico. A autora conclui que existe a necessidade de explorar um modelo de atendimento que se baseie no em diálogo entre o edifício e a cidade, o que impactaria na reabilitação e transição da vítima de volta à sociedade. Outro ponto problemático em abrigos comuns, é a falta de espaços destinados à crianças. Segundo Sprague (1991 apud SEMENOVA, 2018), as mulheres que buscam apoio nestes estabelecimentos se encontram isoladas. Por conta disso, mulheres com filhos, não
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tendo com quem deixa-los, acabam se mantendo em situações de risco. Considerando este problema, a autora cita a necessidade de projetar espaços seguros para crianças dentro dos abrigos, com atividades interessantes, que prendam sua atenção. Isso permite que a mãe se sinta segura em buscar ajuda. Tais estudos mostram a necessidade de considerar o acolhimento na arquitetura, tanto nos materiais escolhidos, forma, ornamentos e outras decisões. Essas escolhas podem afetar o processo de reabilitação das vítimas, minimizando o estresse.
3.2.3. ASPECTOS LEGISLATIVOS RELACIONADOS À CONSTRUÇÃO
O estabelecimento a ser proposto se qualifica como um espaço de atendimento do tipo secundário, de média complexidade, com características ambulatoriais e de atendimento de urgência. No quadro 06, a seguir, foram apresentados os aspectos normativos relevantes ao tema estudado, seguindo uma sistematização em três categorias: a) prevenção de incêndios; b) dimensionamento; c) risco de transmissão de infecção. Cada uma dessas categorias foi sintetizada e as normas relacionadas a cada aspecto foram indicadas. Quadro 06 – Aspectos Legislativos Assunto
Indicação
Legislação / Norma
Prevenção de Incêndios
Refere-se às normas de prevenção contra incêndio e definições para um plano de saída de emergência, como medidas para o acesso de viaturas e veículos de apoio emergencial; tipo e quantidade de escadas; tipo de porta a ser utilizada e dimensionamento dos espaços como patamares e antecâmaras.
RDC n.50/2002, IN-009.
Dimensionamento
Refere-se ao dimensionamento mínimo para diversos ambientes necessários dentro do projeto, como sanitários; sala de espera; consultórios, sala de triagem, depósitos, posto de enfermagem, rouparia, recepção, quartos, sala de observação, entre outros.
RDC n.50/2002, NBR 9050.
Risco de transmissão de infecção
Refere-se às condições de transmissão infecção de diferentes ambientes do estabelecimento. De acordo com o risco estes ambientes são classificados como: Áreas críticas: Ambientes com alto risco de transmissão de infecção. Exemplo: sala de curativos; sala de vacinas;
RDC n.50/2002
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consultório odontológico; sala para realização de pequenos procedimentos cirúrgicos; sanitários. Áreas semicríticas: Todos os ambientes ocupados por pacientes com doenças infecciosas de baixa transmissibilidade e doenças não infecciosas. Exemplo: sala de espera, consultórios, sala de inalação sala de medicação, sala de fisioterapia. Áreas não críticas: Todos os demais ambientes que não são ocupados por pacientes, onde não se realizam procedimentos de risco. Exemplo: Administração, Almoxarifado. Fontes: RDC nº 50/2002 (2002), NBR 9050 (2004), IN 09 (2020). Tratamento dos dados: Autoras, (2020).
4. PRIMEIRO
NÍVEL
DE
RESULTADOS:
DEFINIÇÃO
DOS
SERVIÇOS
PROPOSTOS
Considerando a base teórica vista até aqui, foi possível estabelecer os serviços necessários para atender a mulher vítima de violência em um centro de apoio. Pode-se compreender que estes espaços devem propiciar apoio legal e de saúde, capacitação profissional, capacitação de defesa pessoal, apoio psicológico e psiquiátrico, assistência social, terapia ocupacional, apoio logístico, entre outros. Para o apoio da saúde será implantado o centro ambulatorial com pronto atendimento, para atendimento de casos urgentes de até média complexidade. Será necessária estrutura para apoio à internação por até 12 horas. Além disso, o espaço vai precisar de consultórios para prevenção, atendimento e diagnósticos rápidos. Também seriam necessários espaços de apoio técnico, logístico administrativo. Quanto ao apoio legal, é proposta a introdução de um núcleo da DEAM, com equipe própria, para a realização de BO e outros atendimentos. Também se faz necessária a presença de Defensorias da Mulher e dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, a fim de dar apoio em processos e consultoria jurídica. Além desses espaços de apoio, se fazem necessários, com base no que já foi apontado anteriormente, espaços de alojamento, clínicas para apoio psicológico e psiquiátrico, e espaços de aprendizado e capacitação. Ademais, espaços para apoio com os filhos são essenciais, para que a mulher possa buscar o atendimento. Tais serviços são apontados no levante teórico, como os principais para que a mulher possa se reerguer e sair do ciclo de violência.
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5. SELEÇÃO DO LOCAL DE IMPLANTAÇÃO
Com base nos apontes teóricos, foi possível definir diretrizes de escolha do terreno para a implantação do projeto. Os estudos mostraram a necessidade de conectar os espaços com a área externa. Além disso, a percepção das mulheres nas ruas mostra que áreas mais urbanizadas, com iluminação e próximas a comércios e residências, passam maior sensação de segurança. Deve-se levar em consideração a proximidade e facilidade de acesso a pé aos meios de transporte público; proximidade da Delegacia de Proteção a Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI) e a proximidade de hospitais e outros locais capacitados para o atendimento de casos mais graves. Tendo em vista essas necessidades, foi traçado um raio de 1 km a partir da DPCAMI. Dentro desse raio foram analisados os aspectos ambientais da região, como mancha de inundação, hidrografia e topografia, os tipos de uso e o Zoneamento. Os mapas com essas análises estão apresentados na figura a seguir. Figura 01 – Síntese das análises.
Fonte: SIMGEO (2020). Tratamento dos dados: Autoras (2020).
A partir das informações apresentadas, foi escolhido um terreno na Rua Padre Kolb, no bairro Bucarein. O terreno tem área total de 3212,78 m² e é bem assistido por pontos de ônibus, mesmo que não exista nenhum na rua em si. Além disso, ele está a dois quarteirões da DPCAMI, e próximo de outras instituições de assistência, como o Lar Abdon Batista e a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Bucarein.
16 Figura 02 – Análise de Situação
Fonte: Google Earth (2020), SIMGEO (2020). Tratamento dos dados: Autoras (2020).
Com relação à Lei de Ordenamento Territorial de Joinville – LOT (JOINVILLE, 2017), o terreno está inserido na Macrozona Urbana de Adensamento Prioritário (AUAP) e no Setor de Adensamento Prioritário 01 (SA-01) onde a implantação da proposta é permitida. Demais índices especificados no quadro 07, disposto a seguir: Quadro 07 – Informações do lote escolhido.
Rua Padre Kolb, 1212, Bairro Bucarein - Joinville Área total do lote Testada do lote
3212,78 m² 59,61m
Taxa de ocupação
60% - 1927,76 m²
Embasamento
70% - 2248,94 m²
Coeficiente de aproveitamento do lote (CAU)
4 – 12.851,12 m² máximo construído
Gabarito
45 metros
Recuos
Frontal - 5 metros / Lateral - 1,5 metros
Fonte: Prefeitura Municipal de Joinville (2020). Tratamento dos dados: Autoras (2020).
17
6. A VOZ DAS MULHERES AGREDIDAS QUANTO ÀS SUAS NECESSIDADES
Com o fim de ampliar os conhecimentos, foi realizado um questionário anônimo com mulheres vítimas de diversos tipos de violência. As amostras colhidas foram qualiquantitativas, e o questionário foi organizado em quatro seções: a) Informações gerais – idade da entrevistada, nº de filhos, formação escolar, estado civil, etc.; b) Sobre a violência: tipo de violência sofrida, idade que tinha na época do acontecido, quem foi o agressor, se se sentiu isolada, se contou para alguém, etc.; d) O que pode melhorar – se a vítima tinha capacidade de se defender, se teria interesse em aprender defesa pessoal, se precisou sair de sua moradia, etc. Todas as perguntas estão dispostas no quadro 08 a seguir: Quadro 08 – Lista de perguntas para o questionário. 1
Qual a sua idade?
11
Contou para alguém?
2
Você tem filhos?
12
Procurou atendimento policial ou de saúde?
3
Com qual cor/raça você se identifica?
13
Qual tipo de atendimento?
4
Qual é a sua formação escolar?
14
5
Qual é o seu estado civil?
15
6
Você já sofreu algum tipo de violência?
16
7
Na época em que sofreu a violência, que idade tinha?
17
8
Qual foi o tipo de violência? (Física, psicológica, moral, sexual, patrimonial ou todas).
18
9
Quem foi o agressor (a)?
10
Você se sentiu isolada de amigos, familiares, pessoas da comunidade ou trabalho?
19 20
Como foi esse atendimento? (se sentiu acolhida, respeitada, como foi a espera, se sentiu resguardada). Quando você foi denunciar, com quem deixou seus filhos? Se você não procurou atendimento, quando sofreu essa violência, o que poderia ter colaborado para que você buscasse ajuda? À época que você sofreu a violência, você tinha capacidade de se defender fisicamente? Você acha útil que a mulher tenha acesso a cursos de defesa pessoal? Você precisou sair de sua moradia para se proteger? Você é/era dependente financeiramente do autor da violência?
Fonte: Autoras, 2020.
O objetivo foi definir as necessidades da mulher para os espaços de apoio, a fim de desenvolver diretrizes projetuais que atendam essas necessidades. Conforme Minayo (1993) este tipo de entrevista focalizada serve para contextualizar as respostas, tirando estas de quadros conceituais preestabelecidos. O questionário ficou aberto a respostas entre os dias 29/05/2020 e 06/06/2020, e obteve 147 respostas, com 100 respostas de vítimas de violência, vindas de diferentes lugares. A
18
caracterização inicial, exposta na figura 03, mostrou que a maior parte das entrevistadas foi de mulheres brancas, universitárias, entre 18 e 24 anos. Isso se deu devido ao alcance da pesquisa, e não necessariamente, condiz com os dados gerais da maior parte das vítimas de violência no Brasil. Figura 03 – Caracterização das amostras.
Fonte: Autoras, 2020.
As amostras sobre a violência em si mostram que a maior parte das vítimas tinha entre 18 e 24 anos na época em que aconteceu a violência, seguida pelas ocorrências contra menores de idade. Na questão, sobre o tipo de violência, as mulheres puderam marcar mais de uma opção. O tipo de violência que predomina é a psicológica, aparecendo em 65 das respostas, seguida pela violência sexual. Em relação ao agressor, na maioria dos casos, era o parceiro, seguido por conhecidos. Destaca-se nesta lista, o número de agressões cometidas por desconhecidos, normalmente em espaços públicos. Esta relação condiz com os dados apresentados anteriormente, sobre a insegurança sentida pelas mulheres nas ruas.
19 Figura 04 – Dados sobre a violência.
Fonte: Autoras, 2020.
O terceiro grupo de dados analisados foi o das reações e sentimentos das vítimas em relação à violência. Foi averiguada que boa parte das entrevistadas, contou para alguém sobre o acontecido. No entanto, mais da metade das mulheres se sentiram isoladas de seus amigos e familiares. Na contramão destes dados, as informações mostram que a maioria das vítimas não precisou sair de sua residência, e nem era dependendo do autor no momento da agressão. Figura 05 – Respostas à violência.
Fonte: Autoras, 2020.
Posteriormente, foram analisados dois grupos de dados, expostos na figura 06, a seguir. O primeiro foi em relação à busca pelo atendimento, após a violência. Pode-se perceber que esta procura foi baixíssima, com apenas 13 respostas citando a procura por ajuda. A resposta
20
destas mulheres ao atendimento foi mista, com pouca diferença entre as avaliações boas e regulares. A segunda análise nesta mesma imagem foi o da necessidade de defesa pessoal. A maior parte das entrevistadas mencionou que não tinha capacidade de se defender. Nesta mesma linha, todas as mulheres responderam “sim” ou “talvez”, em relação à vontade de ter acesso a aulas de defesa pessoal. Figura 06 – Dados sobre atendimento e defesa.
Fonte: Autoras, 2020.
Por último, foi questionado às mulheres, de forma aberta, o que faria com que elas procurassem mais ajuda, nos casos de violência. A partir destas respostas, foi criada uma nuvem de palavras, com os desejos destas mulheres. Figura 07 – Nuvem de palavras.
Fonte: Autoras, 2020.
21
O principal desejo foi a possibilidade de mais confiança no atendimento. Os problemas citados anteriormente na fundamentação teórica deste artigo, levam a esta sensação de desconfiança dos espaços de atendimento e o silêncio de muitas vítimas. Isso mostra a necessidade de mais espaços especializados para estes atendimentos, além de maior acolhimento nestes espaços, de forma que mais mulheres se sintam seguras para buscar ajuda.
7. ANÁLISES PROJETUAIS
Os projetos de temas correlatos ao que está sendo preparado para proposição foram analisados segundo categorias de análise padronizadas, permitindo, assim, a comparação e sistematização das características dos três exemplos. As categorias de análise são: a) informações básicas – como localização, área construída, ano de construção e arquitetos; b) programa de necessidades e setorização; c) inserção urbana; estrutura; materialidade / simbólico-estética; conforto ambiental; segurança; acolhimento; socialização; tipologia; privacidade. Para levantar os dados foi construído um instrumento de análise, onde cada caso teve suas especificidades anotadas. A sistematização foi feita em duas planilhas. Uma delas é apresentada na íntegra neste artigo, onde se pode verificar as informações básicas, a setorização e o programa de necessidades. A segunda foi utilizada como meio para a construção de um único instrumento em que todas as categorias de análise de todos os exemplos são consideradas de forma comparativa e sintetizadas. O modelo do instrumento intermediário seguiu a organização do Quadro 09, disposto abaixo. Quadro 09 – Instrumento de Análise.
Categoria de Análise
Foto ou Desenho
Observações
Fonte: Autoras, 2020.
A síntese comparativa da análise geral está exposta após a apresentação dos três casos analisados, onde se pode observar uma breve exposição escrita, seguida do primeiro quadro.
22
7.1. Análise 1 - Abrigo para Vítimas de Violência Doméstica Ada and Tamar De Shalit Tel-Aviv, Israel.
O abrigo visa fornecer refúgio e apoio para mulheres e crianças em situação de abuso. Foi projetado para proporcionar um espaço protegido, que dê aos habitantes uma sensação de lar. A ficha a seguir mostra uma análise da setorização e do programa da edificação. Figura 08 – Ficha de Análise 01.
Fonte: Archdaily (2018). Tratamento dos dados: Autoras (2020).
A setorização dá um grande foco na socialização entre as mulheres, que mesmo tendo seus próprios espaços, fazem refeições juntas e possuem lounges espalhados para permitir o lazer e a interação entre as viventes. Além disso, o setor educacional também é de grande destaque, pois permite que mães tenham apoio logístico. O programa é voltado a atender principalmente o problema de moradia, com dependências independentes e outros serviços como sala de informática, lavanderia, cozinha e refeitório, acomodação de funcionários, áreas de escritório para o gerente do edifício e funcionários.
7.2. Análise 02 – Clínica Asahicho - Chiba, Japão
O projeto é de uma clínica aberta para medicina familiar, para atender a população local. A seguir está exposta uma ficha com análises da setorização e do programa da edificação.
23 Figura 09 – Ficha de Análise 02.
Fonte: Archdaily (2015). Tratamento dos dados: Autoras (2020).
Como a clínica atende principalmente pessoas idosas, todo o setor de atendimento está localizado no pavimento térreo, facilitando a acessibilidade. Os pavimentos superiores dão espaço exclusivamente aos setores de apoio técnico e administrativo, e de suporte aos funcionários. O programa foca no atendimento básico de saúde, com consultórios, sala de medicação e raio-X. Além do programa e da setorização, outros dados analisados estão expostos no quadro a seguir. 7.3. Análise 03 – Clínica Municipal de Saúde - Void-Vacon, França.
O projeto é de um centro de saúde para a cidade de Void-Vacon, na França. O objetivo é estabelecer uma clínica geral, para a população local. A ficha a seguir explana análises da setorização e do programa da edificação.
24 Figura 10 – Análise 03.
Fonte: Archdaily (2014). Tratamento dos dados: Autoras (2020).
O centro oferece diversos serviços de saúde, com um programa mais extenso que o analisado anteriormente. No espaço central ficam os setores de atendimento e de serviço. Em ambos os lados, ficam os setores de atendimento médico básico e fisioterapia. As extremidades do prédio servem como apoios aos colaboradores e como setor administrativo, ambos bem separados da área pública. Além desses, outros dados analisados estão expostos no quadro a seguir.
7.4. Síntese das análises
A partir das análises de projetos correlatos, observa-se que espaços de acolhimento têm alguns pontos em comum. Pode-se afirmar que os materiais utilizados têm grande importância na criação de espaços acolhedores, melhorando a recuperação do paciente. Além disso, soluções espaciais de forma podem influenciar muito nas sensações transmitidas ao usuário. Por último, deve-se considerar que os aspectos bioclimáticos na arquitetura contribuem no processo de cura garantindo as melhores condições de conforto.
25 Quadro 10 – Síntese dos dados analisados. Categorias de Análise
Fotos ou Desenhos
Observações Análise 1
Inserção Urbana
Todos os três projetos estudados estão implantados em áreas predominantemente residenciais. Contudo, estas áreas ficam todas ao alcance dos recursos da comunidade local como lojas, equipamentos de saúde, escolas, centros de aconselhamento e áreas de lazer.
Estrutura
Os dois primeiros projetos são em concreto armado moldado in loco. Contudo, o projeto que mais chama atenção é o terceiro, com estrutura mista. As paredes internas são feitas com blocos de calcário natural da região. O restante da estrutura é feita em vigas e pilares de madeira laminada colada (MLC), com encaixes em aço galvanizado. Essa estrutura é escondida pelo revestimento externo feito com ripas de MLC.
Materialidade / Simbólico-estética
Todos os projetos utilizam de materiais regionais, comuns às residências de suas respectivas regiões, criando relações de afeto com os usuários. O simbolismo da fachada do segundo projeto analisado, em formato clássico de casa, transmite a sensação de domesticidade e hospitalidade.
Conforto Ambiental
O terceiro caso se destaca na questão do conforto ambiental. O prédio tem uma grande abertura para o sul, para aproveitar ao máximo a luz natural e abafar os ruídos vindos da rua. Por esta relação preferiu-se aberturas zenitais nas instalações médicas, dando maior privacidade. Essas são anguladas evitando a entrada de raios solares altos no verão, permitindo a entrada de raios no inverno, aproveitando o calor e a luz natural.
26
Segurança
Apenas o primeiro projeto mostra preocupação com a segurança. Possui apenas uma pequena entrada, e muros ao redor de todo o perímetro do terreno, com pouco contato com o exterior. Isso faz com que toda a construção seja voltada para o pátio interno, tentando evitar a similaridade ao aspecto prisional.
Acolhimento
No primeiro projeto, Cada mulher possui seu próprio espaço, mesmo tendo que dividir ambientes em algumas atividades. Tal estratégia visa a autonomia e o conforto das mulheres.
Socialização
O projeto que chama mais atenção neste quesito é o primeiro. O espaço possui um setor educacional, capaz de atender tanto crianças quanto mulheres adultas. Esse espaço acolhe as crianças em um local seguro, permitindo que suas mães busquem aconselhamento e apoio.
Tipologia
Todos os projetos possuem tipologias diferentes. O primeiro é uma construção em pátio, em torno do qual são escalonados os apartamentos e outros ambientes, exceto o educacional. A conexão dos apartamentos com o pátio se dá através de corredores internos com fluxo livre. No segundo, a planta é em L, utilizando ao máximo o formado do terreno. O terceiro edifício é totalmente horizontal. A planta tem organização linear e centraliza toda a parte de atendimento ao público.
Análise 3
Análise 1
Análise 2
27
O projeto da segunda análise possui a maior privacidade no atendimento, com nichos na construção que permitem que os pacientes tenham privacidade enquanto esperam. No terceiro caso, os pacientes esperam todos em um mesmo local, mas as instalações médicas possuem um alto nível de privacidade em relação à rua, criado pela iluminação zenital. Na primeira análise, pode-se perceber que a privacidade se limita a cada moradora ter seu próprio quarto. Além disso, a sala de aconselhamento permite que seja recebida uma pessoa por vez.
Análise 2
Privacidade
Análise 3
Fonte: Amos Goldreich Architecture (2018), Archdaily (2018), Geron (2018). Tratamento dos dados: Autoras (2020).
8. DIRETRIZES PROJETUAIS
O elemento norteador do novo projeto a ser desenvolvido no TCC 2, baseado nos estudos realizados nesta pesquisa é, além do conhecimento global compreendido sobre o tema, o conjunto de diretrizes projetuais, conforme exposto no Quadro 11, disposto a seguir: Quadro 11 – Diretrizes Projetuais 1 2 3 4
Criar espaços acolhedores e que promovam reabilitação e recuperação Criar espaços para atendimento de saúde que otimizem a recuperação e a reabilitação das pacientes. Promover espaços seguros para crianças, com atividades interessantes, que prendam sua atenção. Propor espaços que sejam flexíveis e levem em conta aspectos bioclimáticos.
Proporciar espaços que estimulem a interação da população, promovendo a segurança e a percepção de segurança no local, sem o tornar opressivo. Oportunizar o crescimento e o bem-estar da mulher, assim como instrumentos de apoio 6 para que ela possa sair do ciclo de violência. Fonte: Autoras, 2020. 5
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do desenvolvimento desta pesquisa foram obtidos novos aprendizados, consolidando outros. Isso contribuiu para o entendimento aprofundado sobre as
28
características das mulheres vítimas de violência, suas necessidades e dificuldades em relação ao seu bem-estar e à sua saúde. Percebeu-se a arquitetura como uma potencial ferramenta de apoio e reabilitação, capaz de acrescentar qualidade de vida e gerar benefícios terapêuticos. A análise dos projetos correlatos, por meio do estudo das particularidades do problema, salvas as diferenças entre as vítimas, ampliou a visão das autoras, de modo que permitirá, para a nova etapa do trabalho, a formação de diretrizes adequadas ao novo projeto.
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