RELIGARE Janeiro de 2016
A TRILHA DAS CRENÇAS NO BRASIL
MISTURA INCERTA: POLÍTICA E RELIGIÃO
DISCRIMINANDO O DIFERENTE
Milenares ou modernas, diversas religiões floresceram no país graças à chegada de africanos, europeus, asiáticos, e suas respectivas culturas.
Com legisladores movidos por suas crenças sagradas na tomada de decisões, a relação entre fé e instituições de poder é falha no Brasil. Algumas propostas de leis não respeitam a laicidade do estado.
Motivados por preconceito e ignorância, os casos de intolerância religiosa crescem no país. Os mais afetados são as religiões afro brasileiras.
p. 6
p. 8
p. 4
RELIGARE
ÍNDICE
3
INFLUÊNCIAS • Fé na Arte & Cultura POR Lucas P. • Depoimentos do público POR Equipe
4 5
8
INTOLERÂNCIA • Como ela se manifesta POR Guilherme S. • Os casos mais marcantes POR Julia G. • Filmes que retratam POR Yara L..
JUVENTUDE
9
• Fé & Poder POR Guilherme S.
CONSUMO • Mecardo da fé POR Arthur F. • Vestimentas repressoras POR Yara L.
10
MUDANÇA • Uma vida, mais de uma crença POR Patrícia K.
• Humanidade Livre POR Giovana R.
• Religião & Ensino POR Matheus F. • Eventos religiosos POR Arthur F.
6
POLÍTICA
11
ORIGEM • Chegada das religiões nas terras tupiniquims POR Matheus F. e Victor D.
SALVAÇÃO • Fé na saúde POR Bárbara P. • Depois do fim POR Bárbara P. e Victor D.
EDITORIAL Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Reitor: Julio Cezar Durigan Vice-reitora: Marilza Vieira Cunha Rudge Curso de Jornalismo Coordenador: Denis Porto Renó Vice-coordenadora: Maximiliano Vicente Disciplina de Jornalismo Impresso II Professor: Angelo Sottovia Aranha Disciplina de Planejamento Gráfico Editorial II Professor: Francisco Rolfsen Belda
U
ma das concepções de tolerância religiosa é aceitar todas as religiões existentes como igualmente verdadeiras e válidas. Essencialmente, isso configura um paradoxo, visto que todas as religiões difundem apenas uma realidade autêntica. A tolerância religiosa vem então do respeito de diferentes visões que as pessoas podem ter do mundo e das crenças. Conservar esta concepção pode levar ao respeito para muitas outras discordâncias existentes nas sociedades como visão política, orientação sexual e ideologias variadas. Essa proposta de respeitar o ponto de vista alheio é importante para o bem da própria convivência social. Uma sociedade onde os indivíduos, apesar de discordarem, respeitam a visão de mundo um do outro cons-
Boa leitura,
Redação Arthur Iassia Finati Bárbara Paro Giovani Giovana Romania Fernandes Guilherme Sette Fernandes Julia Gonçalves Simões dos Santos Matheus Ferreira Lucas Pinto Ferreira Patrícia Susye Carvalho Konda Victor Dantas Yara Lombardi Barbieri Av Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Bairro: Vargem Limpa CEP: 17.033-360 – Bauru, SP Fone: (14) 3103-6063
2
trói o cenário ideal para o diálogo e o debate, além de promover relações interpessoais mais respeitosas. No caso contrário, incidentes de intolerância são fomentados, culminando em atos de violência ideológica, verbal e física. Nós, da equipe Religare, acreditamos na importância da tolerância e do respeito a todas as religiões independentemente de sua origem ou valores para que o bom convívio social prevaleça e todos possam expressar suas religiões livremente, sem medo de sofrerem qualquer tipo de repressão. Buscamos retratar diferentes maneiras de ligar a fé com aspectos cotidianos em nosso trabalho, sem destacar determinadas religiões, independente da representatividade dela.
A equipe.
fb.com/religare @religare
Julia G.
Matheus F.
Arthur F.
Bárbara P.
Giovana R.
Lucas P.
Patrícia K.
Victor D.
Guilherme S.
Yara L.
RELIGARE REPORTAGEM
Os diversos campos sob a influência das religiões As religiões desenvolvem um papel de destaque na sociedade, definindo e influenciando tanto o indivíduo quanto a cultura, a música, as artes marciais e até algumas instituições de ensino privadas REPÓRTER Lucas Pinto Ferreira
I
ndependentemente de suas origens, dos deuses que reverenciam e das práticas que adotam, as religiões têm muito em comum. Há diferenças doutrinárias, ideológicas e culturais, mas toda religião envolve uma série de condutas e conceitos a serem seguidos por seus adeptos, além de uma forma própria de pensar a existência e de ver mundo. A dimensão religiosa orienta o homem em sua busca no sentido existencial e metafísico. As religiões procuram respostas para as questões existenciais do ser humano, tais como o motivo de se existir e a função do ser humano no mundo, sua relação com um criador, o significado da morte e, em alguns casos, da vida após a morte. Costuma representar também um instrumento de socialização: a crença em uma força superior, respaldada por uma religião, desperta princípios e valores morais que ajudam a nortear a conduta social de cada pessoa. O sentimento de companheirismo é presente em diversas religiões, incentivando a criação de núcleos sociais entre indivíduos de mesma crença.
A religião na arte e na música
valor de ensinamento e de exaltação de valores religiosos; e o Barroco, presente tanto na Europa quanto nas Américas, que representava a passionalidade e o fervor religioso nas obras de arte. A música também tem vertentes sacras, dentre as quais se destacam a música gospel, os corais católicos e o maracatu. Alberto Pereira, integrante do grupo Maracatu Abayomi e
“
O JIU-JITSU ENSINA VOCÊ JUSTAMENTE A NÃO BRIGAR, MAS A MANTER O CONTROLE E A HUMILDADE FRENTE A SEU OPONENTE
”
mestre de capoeira da Casa da Capoeira de Bauru, explica a relação entre o maracatu e o candomblé, religião africana trazida ao Brasil pelos negros escravizados: “O maracatu, em Pernambuco, é, nada mais nada menos, do que o terreiro de candomblé saindo do espaço do Ilê Axé e indo pra rua. Todos os cantos, toda a musicalidade é influenciada pelo candomblé. Então, é uma manifestação religiosa de fato”.
Dadas essas características das religiões, é importante ver outras áreas que são influenciadas por elas, além da identidade do ser humano. Diversos movimentos artísticos já tomaram a religião como fonte de inspiração, incluindo o movimento artístico da Grécia Antiga, que representava Artes Marciais e religião cenas religiosas em pinturas e esOutro campo que sofre grande influculturas; a Arte Medieval, que tinha ência das religiões é o das artes marciais.
No Brasil, a capoeira surge como uma luta marcada pelos ritmos presentes no culto de candomblé, como mostra Alberto Pereira. “A capoeira acompanha o ritmo de Ijexá, um dos toques de candomblé que serve como saudação para uma série de orixás, entre eles Oxalá e Oxum, e é o toque característico do atabaque na capoeira angola”. Além da capoeira, arte marcial criada no Brasil pelos escravos africanos, as artes marciais asiáticas também são influenciadas pelas suas respectivas religiões, como nos casos do judô e do jiu-jitsu. O judô, arte marcial japonesa, norteia-se em conceitos filosóficos que podem ser observados em religiões populares no Japão, como os conceitos de prosperidade e de benefício mútuo na prática do judô. Surgido na Índia mas popularizado no Japão, o jiu-jitsu é uma arte marcial com um histórico ligado ao judô e foi criada por mongebudistas, que precisavam desenvolver técnicas de auto-defesa que não dependessem do uso da força ou de armas. “O jiu-jitsu ensina você a, justamente, não brigar, mas a manter o controle e a humildade frente a seu oponente. A ideia por trás da luta é realmente se acalmar e compreender mais sobre o adversário, sempre sem desistir”, relata Daniel Vareda, praticante de jiu-jitsu. A religião não só serve como componente de formação da identidade cultural dos indíviduos na sociedade, como também permeia diversos campos diferentes, uma vez que os diversos campos de ação são criados pelas mesmas pessoas com suas crenças religiosas e que, sendo assim, transpõem seus valores para seus campos de atuação.•
Victor Dantas
FILOSOFIA. A prática do judo está ligada aos
princípios filosóficos das religiões orientais
Mateus Pereira
BERIMBAU. A capoeira, que herdou ritmo
do candomblé, faz uso do instrumento
DEPOIMENTOS
Como a religião influencia (ou deixou de influenciar) sua vida? Essa foi a pergunta que fizemos a religiosos praticantes de diferentes doutrinas. Confira as respostas a seguir:
“
Passei muito tempo tentando me encontrar com a religião. Achava errado não ter crença em nenhum ser superior. Finalmente eu me aceitei como ateia e minha família passou a aceitar. Me tornei mais tolerante e mais aberta ao diferente, parei de seguir o comum. Me permiti pensar em um futuro diferente pra mim. Expandi meu universo.”
- Thais Fritoli
Atéia
“
Influencia totalmente. Cada decisão que vou tomar, eu levo em conta o que aprendi na minha religião e o que Deus acha sobre isso. Desde a roupa que eu uso, se ela é modesta e em bom juízo, como diz a Bíblia, até companhias e amizades que tenho.” - Carolina Jacabino Testemunha de Jeová
“
Desde muito cedo o evangelho de Cristo foi apresentado a mim, então tenho aprendido desde criança a agir como Jesus. O cristão deve agir, pensar e falar com amor, porque acreditamos que Jesus é o próprio amor. Mesmo que algumas doutrinas falhem em colocar o amor como o foco da religião, é isto o que o cristão deve buscar.”
- Ana Cássia dos Santos Cristã
“
Eu cresci em casa de santo e ali construí uma família. É constante no meu dia-a-dia e me formou como pessoa, já que influencia o que eu como, o que eu faço e como eu faço. Se reflete na maneira que eu lido com a natureza e com as pessoas e por isso determinou a pessoa que eu sou.” - Mariana Mesquita Candomblé
3
RELIGARE LISTA
4
REPORTAGEM
FILMES SOBRE
INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
Confira uma lista com os filmes que melhor retratam o pior da intolerância religiosa.
Tolerância religiosa:
a verdade de uns é a opressão de outros Desrespeito acontece por todo Brasil; religiões africanas são as mais afetadas
REPÓRTER Yara Lombardi
DOGMA (1999) Kevin Smith Filme que trata com humor apelativo que usa de crenças da religião cristã como forma de crítica com que as pessoas são apegadas aos símbolos da religião, se desfazendo até mesmo das próprias responsabilidades. O SÉTIMO SELO (1957) I. Bergmar O filme trata de um cavaleiro que retorna da uma Cruzada e encontra a Morte. Dividido entre questões sobre suas crenças religiosas devido a vida em que viveu. JESUS CAMP (2006) Heidi Ewing Esse documentário conta a história de crianças em um acampamento onde simplesmente aprendem a ser fanáticos religioso e de como essas crianças lidam com o contato social após esse fato. A SEPARAÇÃO (2012) Asghar Farhadi Um casa iraniano em meio a uma crise conjugal, se dividem entre ficar num país em guerra e sair com a filha na esperança de um futuro melhor. Entre essa confusão, está também uma doméstica contratada para realizar tarefas que sua religião não permite (como dar banho em um senhor doente). O filme questiona aspectos religiosos que éticos que guias seus seguidores.
REPÓRTER Guilherme Sette
A
tolerância religiosa pode ser verificada nas ações das pessoas, quando não manifestam opressão ou discriminação contra religiões diferentes. São formas de violar essa tolerância espalhar informações imprecisas e ódio relacionados as práticas e crenças de determinado grupo religioso, restringir os direitos humanos de seguidores de quaisquer credos e praticar atos violentos a grupos religiosos. Em outubro do ano passado, a Associação Espírita União da Umbanda de Botucatu foi atacada e depredada. Os prejuízos foram avaliados em torno de R$ 7 mil. Os diretores da associação registraram boletim de ocorrência por depredação e preconceito religioso, e reforçaram a segurança do terreiro
com grades de segurança, câmera e alarme. Para a diretora da associação Tamires Pereira, a chave para diminuir esses crimes é a “desmistificação e divulgação da religião, por meio da comunicação, apoio e orientação da sociedade para tal feito. Pois o preconceito não nasce com a pessoa, ele é adquirido e passado de um para outro”. A associação prepara um evento no primeiro semestre de 2016 com essa intenção. Atualmente, as religiões afro-brasileiras são as principais vítimas dessa intolerância. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Entre 2012 e 2014, quase mil denúncias referente a esse tipo de crime foram feitas no estado do Rio de Janeiro e 71% eram contra religiões afro-brasileiras. •
Latuff Cartoons
DOSSIÊ
País da pluralidade cultural e da perseguição religiosa Brasileiros convivem diariamente com credos diferentes do seu, mas o preconceito é ainda um grande problema social a ser combatido REPÓRTER Julia Gonçalves
D
e acordo com o estudo do Pew Research Center, uma organização que realiza pesquisas sobre tendências mundiais, ações socialmente hostis envolvendo religião diminuíram de 33% em 2012 para 27% em 2013 no mundo inteiro. Apesar da queda, esses números preocupam. As hostilidades religiosas vão desde vandalismo contra propriedade religiosa
“Missão de Deus” contra o Santo Daime Ano: 2010
Local: Osasco (SP)
O cartunista Glauco Villas-Boas e seu filho, Roani, foram assassinados por o Cadu, 24. Villas-Boas era fundador de uma das igrejas do Santo Daime e seu assassino chegou a frequentar o local por algum tempo. Cadu teria tomado, entre outras drogas, o chá de ayahuasca, um alucinógeno utilizado somente para os rituais do Daime, antes de cometer o crime. Cadu confessou invocar o nome de Deus e dizer que estava a serviço Dele, demonstrando que para ele, essa prática religiosa era errada e ele, como um vingador divino deveria colocar as coisas em seus devidos lugares.
4
e profanação de textos sagrados até ataques violentos que podem resultar em lesões e até mesmo mortes. No Brasil, realizar qualquer um desses atos é crime, mas isso não impede que a população e a mídia continue a desrespeitar religiões diferentes das suas. As causas são diversas, mas as consequências, devastadoras. Conheça os casos mais emblemáticos de intolerância religiosa. •
“Chute na santa”
Da agressão ao suicídio
Ano: 1995 Local: São Paulo (SP)
Ataque diário contra muçulmanos
Ano: 2010 Local: Cafelândia (SP)
Ano: atualmente Local: Brasil
O icônico momento na TV brasileira é até hoje lembrado pelos mais religiosos – ou até mesmo aqueles que gostam de uma boa controvérsia. O bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, comprou briga com a Igreja Católica em rede nacional, depois de chutar a imagem de Nossa Senhora Aparecida - no dia em que a padroeira é comemorada. Ele proferiu insultos verbais e físicos contra uma imagem da santa, enquanto criticava o culto a imagens do catolicismo. O bispo atualmente atua em Nova York e ainda critica a Igreja Católica, sem papas na língua.
A estudante Larissa Rafaela Kondo de Lima perdeu a vida aos 15 anos após ingerir veneno de rato. O que a fez chegar a esse ponto foram diversas agressões por parte de seu pai evangélico para que obedecesse as “regras da Igreja e do respeito à família”. No dia de sua morte, ela havia apanhado da mãe e depois, como mais violência, do pai porque estava namorando um garoto na pracinha da cidade. Flagrada pela mãe e levada à força para casa, ela levou uma surra de cinto e do pai chutes no abdômen e cabeça. Até a real causa ser descoberta, o pai chegou a ser acusado de homícido.
A comunidade árabe residente no Brasil é apresentada, por parte dos grandes veículos de comunicação de massa, como vinculada ao “terrorismo”. A Revista Veja já chegou a veicular a capa “A rede de terror no Brasil” (agosto de 2011) cujo conteúdo criminaliza toda a comunidade árabe e muçulmana residente no país sem apresentar uma única prova. Com isso, os seguidores do Islã sofrem diariamente olhares diferentes, piadas de mau gosto e até agressões físicas. A causa? Simplesmente desinformação.
*Dados do Mapa de Intolerância Religiosa realizado pela Defensoria do Governo de São Paulo em 2011.
RELIGARE REPORTAGEM
Transformando a intolerância no Brasil pelo ensino religioso A educação confessional de religião dentro do ensino público se mostrou promotora de preconceitos; mudanças na forma de conceber essas aulas podem zelar mais pelo Estado laico e produzir uma convivência saudável entre indivíduos de vários credos REPÓRTER Matheus Ferreira
Matheus Ferreira
E
nsino religioso é um assunto que se depara já à primeira vista com opiniões calcificadas e tagareladas espontaneamente. Como a de um colega que, ao ler o título dessa reportagem, me perguntou “Mas você é a favor de se ensinar rezas e doutrina nas escolas?”. Ou ainda, “Professor de religião é o mesmo que catequista, não é?”. Ainda há confusões sobre o que é ensino religioso e se desconhece sua importância numa sociedade cheia de intolerância e desinformação. “A primeira questão a ser ponderada em relação à disciplina é o comprimento constitucional”, explica Luis Gustavo Patrocino, mestre em ciências sociais pela Uel. O ensino religioso (ER) é garantido na Constituição e deve ser disponibilizado nos horários normais da escola pública. É a única matéria escolar que está explicita na Carta Magna do país. Para Patrocino, essa se torna a única oportunidade que o ci-
dadão brasileiro tem de relativizar as Na avaliação do religiões que não lhe são de pertença professor de ER Jono período formativo. “A disciplina nas Serafim de Sousa, pode ser ferramenta social para a ensino religioso é distinto construção de relações mais respei- de catequese. “Catequizar é tosas” ressalta, e faltando esse conte- levar às pessoas à salvação. E isso údo, a formação dos cidadãos ficaria falha. é nas igrejas”, explica. Para ele, leCom o desleixo do governo, o ER cionar educação religiosa é ministrar em boa parte das escolas não passa aulas nas escolas regulares de forde proselitismo e preconceito. Em mação fundamental e médio, sobre o 20 anos de pesquisa, Stela Guedes fenômeno religioso no contexto anCaputo estudou os tropológico, socioconstrangimentos lógico e filosófico. de crianças do canAs maiores difiA DISCIPLINA PODE SER domblé na escola. culdades para um Ela relata em sua FERRAMENTA SOCIAL ensino religioso de pesquisa um caso qualidade é a falta de uma menina PARA CONSTRUÇÃO de um Parâmetro obrigada pela proDE RELAÇÕES MAIS Curricular Naciofessora a assistir nal. “Isso cria um RESPEITOSAS aulas de religião mosaico absurdo e repetir orações onde cada municícontra sua crenpio, estado e instiça. Segundo Stela, boa parte dessas tuições privadas podem ter sua forma crianças escondiam suas convicções de fazer ensino religioso” assevera para não sofrerem bullying. Patrocino. É esse vazio de parâmetro Dados do Prova Brasil de 2013 que permite que atos de intolerância semostram 54% das escolas públicas jam praticados dentro do ensino religioso. exigindo presença obrigatória nas aulas de ensino religioso, o que é ile- Audiência pública e o gal. De acordo com a Lei de Diretri- estado laico zes e Bases no artigo 33, o ensino O Ministro do STF Luís Roberto religioso é facultativo, e deve Barroso convocou em junho de 2015 respeitar à diversidade uma audiência pública para debater a de culto, vetando-se o inconstitucionalidade ou não do enproselitismo. sino de religião nas escolas públicas.
“
”
Matheus Ferreira
Houve uma pluralidade de entidades, como Instituto de Bioética, Conectas Direitos Humanos, Conselho Nacional do MEC, a CNBB. A maioria defendeu o ensino religioso não confessional, ou seja, em que há a exposição das mais diferentes crenças e concepções sobre o fenômeno religioso, sem tomar partido de nenhuma religião. Segundo Barroso, o que estava em jogo era o estado laico, a liberdade religiosa e a constituição. Mas não houve decisão ainda. Para Luis Patrocino, o ensino religioso não fere a laicidade do estado, uma vez que a religiosidade é constituidora da maioria dos sentidos dos indivíduos brasileiros. “O que precisa ficar claro é a intensidade da disputa hegemônica dos ideários das religiões, e se eles colaboram ou não com as sociabilizações no território” destaca Patrocino. •
REPORTAGEM
Eventos religiosos atraem nova geração de fiéis Sucessos de público, confraternizações disseminam a fé para jovens
E
ntre as pessoas com idades entre 16 e 24 anos, 11,5% não seguem nenhuma religião no Brasil. Essa proporção é quase três vezes maior em relação à de pessoas com mais de 50 anos, segundo pesquisa do Data Popular realizada em 2013. Com esse afastamento dos jovens, as religiões buscam atrair novamente a atenção de seus fiéis com a promoção
de grandes confraternizações entre jovens. Para o sociólogo Flávio Sofiati, esses eventos “colaboram no processo de evangelização das igrejas. São momentos de difusão, propagação e até mesmo de propaganda de práticas religiosas”. A Jornada Mundial da Juventude (JMJ), por exemplo, tornou-se o maior evento da Igreja Católica e reúne crisFelipe Barra
REPÓRTER Arthur Finati
PAPA É POP. Francisco participou da Jornada Mundial da Juventude no Brasil, 2013
tãos do mundo todo – na última edição, no Rio de Janeiro, participaram mais de 3,5 milhões. O músico Tiago Fortuna Santos se apresentou com a banda católica que integrava na época e sentiu que a Jornada de 2013 representou um momento de reflexão e gratidão a Deus. “Esses eventos elevam a minha fé, abastecem meu espírito. Vivi momentos em que uma simples música levou uma família inteira ao choro”, comenta. Outro evento bem-sucedido é o “Eu Escolhi Esperar Fest”, que reúne milhares de jovens cristãos. A última edição ocorreu em Manaus (AM) e reuniu cerca de 10 mil pessoas. As capitais Florianópolis (SC), Recife (PE) e Goiânia (GO) estão entre as próximas cidades-sedes do festival. •
5
RELIGARE REPORTAGEM
Romaria dos mistérios
nde gra ica ileira! n ú s a é a e bra andinament b m A U o genu iã g i l e r
Como as religiões chegaram no Brasil As diferentes religiões foram trazidas ao Brasil em certos contextos e em lugares variados. A linha do tempo abaixo mostra como foi o processo de adoção das grandes religiões no país REPÓRTERES Matheus Ferreira e Victor Dantas
Linha do Tempo
INFOGRAFIA Julia Gonçalves
Saiba os fatos mais importantes das maiores religiões brasileiras e conheça suas origens
Pré Colonial Tradições Indígenas Onde: País inteiro
Perde-se na própria história da humanidade o início das crenças tradicionais indígenas, que estão entre as mais antigas. Em uma das versões, os nativos vieram da Ásia pelo estreito de Bering, em diversas tribos com línguas e culturas diferentes. A maioria cultuava a natureza de forma transcendente, como maneira de explicar seus mitos. Hoje, há cerca de 215 tribos, com 170 línguas diversas.
1500 Católica Apostólica Onde: Bahia
A colonização do Brasil foi feita em acordo com a Igreja Católica e o governo português. Já havia missionários nas caravelas de Pedro Álvares Cabral, mas os que vieram para ficar chegaram em 1540, com o governador Tomé de Sousa. Eles eram jesuítas e se estabeleceram em Salvador, sendo os primeiros educadores da colônia.
Judaísmo Onde: Bahia
Depois do descobrimento, judeus perseguidos em Portugal buscavam refúgio no Brasil Colônia. Na própria expedição de Pedro Álvares Cabral, em 1500, havia judeus. Em 1630, durante a ocupação holandesa, judeus ibéricos refugiados nos Países Baixos fundaram a primeira sinagoga das Américas, em Recife. No fim do século XIX, mais judeus imigraram para o norte, para trabalhar na extração da borracha. Com o declínio do extrativismo, mudaram-se para o Rio de Janeiro. Após a Proclamação da República, houve imigração para São Paulo e Rio de Janeiro, onde eles prosperaram como comerciantes nas capitais.
Séc.XVI Religiões Evangélicas Onde: Rio de Janeiro As religiões evangélicas têm origem no protestantismo, iniciado por Lutero. Os primeiros cultos foram realizados pelas Igrejas Reformadas (Francesa em 1557, no Rio de Janeiro; Holandesa em 1630, em Pernambuco). A abertura dos portos, em 1808, permitiu a fundação e a disseminação de várias religiões evangélicas, principalmente ao final do século XIX.
Islamismo Onde: Litoral Nordestino
O islã chegou ao Brasil com os escravos negros muçulmanos, advindos do Sudão. Eles eram trazidos ao litoral nordestino (Bahia, Pernambuco) e ao Rio de Janeiro. A religião se difundiu com a dispersão dos negros por quilombos. Os malês (negros muçulmanos que falavam árabe) recusavam imposição religiosa e tinham o costume de ensinar suas crenças, o que ajudou o desenvolvimento do islamismo no Brasil.
RELIGARE
O
Brasil é um país que recebeu diversos povos em seus 516 anos, desde a chegada dos portugueses. A colonização, a escravidão e os movimentos migratórios e imigratórios contribuíram para que pessoas de várias nações se estabelecessem ao longo do território brasileiro. Esse fluxo populacional favoreceu, ao longo da História, trocas culturais entre os diferentes povos, que desencadearam processos tanto de supressão e dominação cultural, quanto de miscigenação. Nesse âmbito da cultura, se naturaliza a diversidade de religiões. Cada um dos credos introduzidos no Brasil tem sua própria jornada, seu local de chegada e seu contexto de dispersão. Embora algumas doutrinas religiosas tenham se enfraquecido (como certas tradições indígenas pré-colombianas) e outras não sejam tão expressivas entre a população brasileira (como o hinduísmo, uma das maiores religiões mundiais, que tem pouco mais de 5500 adeptos no Brasil), todas ainda têm seu espaço na sociedade contemporânea. •
Censo da Fé O gráfico abaixo mostra a distribuição populacional das religiões com mais fiéis no Brasil. Os dados podem ser comparados com os da linha do tempo sobre a chegada das crenças no território brasileiro:
2%
22,2%
Séc.XIX Candomblé Onde: Bahia
A religião se constituiu na Bahia, no século XIX, com a mistura das divindades e dos orixás africanos cultuados pelos escravos das mais variadas etnias trazidos para o país. Tornou-se uma forma de resistência e preservação cultural contra a sociedade branca e cristã, relembrando o sofrimento do seu povo. No candomblé, não há mistura com elementos do cristianismo.
Espiritismo Onde: Bahia
8%
3,1%
Em meados de 1850, surgiam nos jornais brasileiros relatos sobre mesas que giravam sozinhas, que eram relacionadas às histórias que envolviam Allan Kardec, o fundador do espiritismo. 15 anos depois, após essa nova doutrina entrar pouco a pouco no país, foi fundado o primeiro Centro Espírita do Brasil, na cidade de Salvador na Bahia, por Luís Olímpio Teles de Menezes. Em 2016, o Brasil reúne a maior comunidade espírita de todo o mundo.
Legenda
64,6%
Católica Apostólica Religiões Evangélicas Espiritismo Sem Religião Outras religiosidades
Séc. XX Budismo Onde: São Paulo Durante o século XX, vários sacerdotes e instrutores budistas (de diversas correntes) vieram ao Brasil com a imigração japonesa, que se iniciou em 1908 com a chegada do navio Kasato Maru, em São Paulo e no Paraná. Grande parte dos descendentes dos japoneses converteu-se ao catolicismo, mas novos adeptos não descendentes têm se convertido nos últimos anos.
Umbanda Onde: Rio de Janeiro No começo do século XX, uma nova religião tinha berço na cidade do Rio de Janeiro. Era proveniente de uma síntese do candomblé das culturas africanas, do espiritismo kardecista da França, dos rituais e crenças indígenas e de elementos do catolicismo europeu: a Umbanda.
Hinduísmo Onde: Desconhecido O povo indiano não participou de ciclos migratórios significantesao Brasil, e a pouca imigração que houve é recente.
Testemunhas de Jeová Onde: Rio de Janeiro O movimento dos Testemunhas de Jeová chegou ao país em 1920, por meio de marinheiros recém-convertidos que voltavam dos EUA. Não se sabe se eram marinheiros mercantes ou militares. Hoje, a religião não permite o serviço militar. O primeiro representante oficial da religião para o Brasil pôs os pés nas terras do Rio de Janeiro em 1992.
RELIGARE INFOGRAFIA
Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil)
Entre as leis dos
homens e deDEUS O dilema de separar religião de política afeta a legislação e a vida dos brasileiros
POLÊMICA. Eduardo Cunha sempre é lembrado como um dos políticos envolvidos com religião
REPÓRTER Guilherme Sette
A
s religiões são protegidas pela Constituição Federal no Brasil. Conforme o artigo 150, a União, os Estados e os Municípios podem cobrar impostos sobre templos religiosos de qualquer culto, mas não é prevista a cobrança de tributos sobre “serviços” prestados pelas igrejas ou produtos comercializados. Já o artigo 19 determina que o Brasil é um Estado laico, de forma que o Estado não pode estabelecer cultos, atrapalhar o funcionamento de nenhum deles ou formar alianças com quaisquer credos. Em um Estado laico não se pode confundir atividades religiosas com as demais atividades sociais e políticas. Não se confunde, portanto, com o ateísmo, já que os ateus não acreditam em nenhuma religião.
Apesar da clareza das leis, muitos políticos aproveitam-se das religiões para pleitear cargos eletivos. Tanto que, nas eleições de 2014, 418 candidatos apresentavam em seus nomes títulos religiosos, como pastor, irmão ou irmã, desses, 25 foram eleitos de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral. Fatores religiosos também influenciam os legisladores e muitas leis baseiam-se em conceitos bíblicos. O Estatuto da Família é um exemplo. Aprovado em setembro de 2015, define como união estável apenas a união entre homem e mulher, apesar de serem múltiplas as formas de organização familiar. Outro exemplo é o polêmico projeto que se refere à “cura gay”, que propõe que psicólogos tenham o direito de “tratar clinicamente” homossexuais.
Todas as práticas políticas baseadas em preceitos religiosos, como essas, são inconstitucionais, visto que violam o artigo 19, mas a defesa da divisão rígida entre política e religião não é tão simples quanto parece. A própria formação cultural cristã impossibilita isso, observa o antropólogo Cláudio Bertolli. “A religião está implicada em ética, que está implicada em política. Quando se fala de justiça, no mundo ocidental, é uma justiça pautada por valores hebraico-cristãos. No fundo, os dez mandamentos continuam servindo de parâmetro, inclusive, para o mundo da justiça. Portanto, não há a possibilidade de separação radical entre uma e outra, pois estão implicadas”, explica. •
O QUE ESTÁ NA CONSTITUIÇÃO? Artigo 5º, inciso VI: garante-se a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolável liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Artigo 150, inciso VI: sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; e templos de qualquer culto.
Infográfico produzido no Infogram.
Vaticano: Os poderes políticos são concentrados na figura do Papa e o cargo é passado por meio da eleição de um colégio de cardeais Irã: O país possuiu apenas dois
líderes supremos durante a república teocrática, Ali Khamenei está no cargo de 1989
Paquistão: Após a tomada do
poder pelos talibãs em 1996, o país elegeu a primeira figura democrática em 2014 com Ashraf Ghan
Arábia Saudita: É o único país árabe em que eleições nacionais nunca foram feitas e partidos políticos foram proibidos
8
RELIGARE REPORTAGEM
Mercado da fé: muito além do dízimo Dinheiro e religião estão cada vez mais ligados e movimentam bilhões de reais no país REPÓRTER Arthur Finati
O
Brasil, assim como outros países, vem passando por momentos financeiros difíceis e a expectativa pra 2016 não é animadora. Economistas do mercado acreditam que o Produto Interno Bruto (PIB) caia em torno de 2,8%, segundo boletim divulgado no fim de 2015 pelo Banco Central. No entanto, essa crise parece não afetar tão agressivamente o consumo de produtos religiosos. Na música, por exemplo, artistas ligados a alguma religião ganham cada vez mais destaque. Dados da Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD) mostram que o mercado musical gospel tem registrado um aumento anual de quase 15% em suas vendas. Atualmente, esse é o segundo gênero musical mais comercializado no país, perdendo somente para o sertanejo. Um dos maiores nomes do mercado cristão é Padre Marcelo Rossi, sacerdote que ganhou relevância no país graças ao sucesso de vendas de seus livros e discos. O seu álbum de estreia, “Músicas para Louvar ao Senhor”, foi lançado em 1998 e é o mais vendido da história brasileira, com mais de três milhões de cópias comercializadas. Entre os evangélicos, a cantora Aline Barros pode ser considerada uma das maiores referências. Com
mais de 20 anos de carreira, já vendeu milhões de discos, venceu seis Grammys Latinos e é detentora de quase 15 milhões de fãs em uma única rede social. Para Ana Cássia dos Santos, 20, essas canções religiosas fortalecem sua relação com a fé. “A música gospel, através dos versos, me lembra do amor de Deus e me leva a adorá-lo. Eu me sinto acalentada, protegida, viva e esperançosa”, comenta. Em outras religiões, o consumo desse tipo de produtos também é recorrente. Para a doutrina espírita, por exemplo, a leitura de obras literárias é essencial para quem deseja segui-la. Josilene Padilha Sousa, 50, atendente de uma livraria especializada, explica que, mesmo com o baixo número de adeptos no país (cerca de 3%, segundo o IBGE), o sucesso da literatura dessa religião deve-se pela diversidade de seus temas. “Nós não temos muito essa preocupação de atingir só o público espírita. Não escrevemos somente para quem segue a doutrina, muito pelo contrário”, explica Josilene. Para ela, as obras buscam fomentar a reflexão dos leitores sobre suas vivências e servem para qualquer pessoa.
que lucram com o mercado da fé. Empresários das mais diferentes áreas já miram nesse público que garante ótimos números para o mercado. Registros do Ministério do Turismo revelam que viagens com algum cunho religioso representam 3,6% das realizadas no país e movimentam mais de 15 bilhões de reais. Com tanto dinheiro envolvido, aumentam o número de exposições e feiras relacionadas a esse segmento. A mais conhecida no Brasil é a ExpoCatólica, segunda maior feira de negócios religiosos do mundo que movimenta R$20 milhões em apenas quatro dias. Para a economista Salete Rossini Lara, 54, o bom rendimento se deve a dois principais fatores: pela histórica influência religiosa da população brasileira e pelo bom marketing exercido por representantes das igrejas. Para ela, isso faz com que esse setor seja um dos únicos beneficiados com a crise econômica. “Em momentos de dificuldade, a tendência é aumentar o gasto religioso. Você entrega para a fé aquilo que não consegue fazer normalmente na prática”, explica. Se a previsão da economista se confirmar, a relação dos fiéis com suas crenças deve Empreendimento se expandir ainda mais nos próximos Não são somente artistas religiosos anos. Os investidores dizem amém. •
SUCESSO ABENÇOADO As obras religiosas rendem ótimos resultados em vendas e com certa frequência quebram barreiras de público no Brasil. Veja alguns exemplos bem sucedidos:
MÚSICA Lançado em 1998, “Músicas para Louvar ao Senhor”, do Padre Marcelo Rossi, é o disco mais vendido do Brasil com mais de 3 milhões de cópias comercializadas. Em sua tracklist, contém o hit “Erguei as Mãos”.
CINEMA “Nosso Lar” está entre as 10 maiores bilheterias nacionais desse século. Inspirado na obra homônima de Chico Xavier, levou mais de quatro milhões de pessoas ao cinema em 2010.
TV “Os Dez Mandamentos”, de 2015, foi a primeira novela da Rede Record a superar a audiência da Globo no horário nobre. Uma segunda temporada e um longa-metragem já estão confirmados.
ARTIGO OPINATIVO
Quem vive por trás da burca? Vestimenta ditada por doutrinas tem travado manifestações individuais REPÓRTER Yara Lombardi
A
ndando pelo centro da cidade dias quaisquer, me deparei com uma loja de roupas voltadas para o público evangélico e algo me chamou a atenção: no outdoor que destacava o nome da loja, o slogan dizia “A vestimenta que agrada a Deus”. No mesmo momento, olhava para as vestimentas ao redor e me questionava quantas delas agradariam a Deus nos termos ditados por essa doutrina. Dentre esses e outros questionamentos pensei muito na mães, filhas e esposas que se veem presas a um tipo de vestimenta e muitas vezes são censuradas em suas escolhas, principalmente pela estética das roupas que vestem. Ana Carolina Rigoni, pesquisadora na área das marcas da educação evangélica do corpo feminino e também professora de Educação Física de garotas entre 8 e 14 anos, afirma que muitas de suas alunas não queriam ou não conseguiam participar dos esportes por conta das vesti-
mentas ditadas pela religião (o uso de saias longas). Nesse caso a vestimenta limita apenas a possibilidade de escolha de ação de uma jovem em um meio escolar. Imagine então, o que essa limitação pode fazer com uma mulher mais velha em um meio social que exige uma dinâmica e flexibilidade cada vez maior entre as mulheres. Atualmente, a burca - véu criado para ocultar o corpo pelas religiões muçulmanas - está associada a regimes opressores que fazem com que as mulheres sejam obrigadas a usarem esse tipo de vestimenta para não passarem por situações de violência extrema. O caso de fevereiro de 2015 no Iraque, no qual 15 mulheres tiveram o rosto desfigurado por ácido em ação da Unidade de Polícia do Estado Islâmico por não usarem o Niqab - véu usado pelas mulheres que revela apenas os olhos - reflete a violência dessas doutrinas frente as mulheres
e nos fazem contestar até que ponto elas devem respeito a uma religião que não as contempla por inteiro. Que garantia temos que mulheres muçulmanas vestem a burca por uma questão de escolha e não por medo do que podem vir a passar? Evidências como essas, nos mostram que o medo pode ser personagem principal no momento de se vestir. A possibilidade de escolha é fruto da nossa capacidade de livre arbítrio e liberdade de expressão, seja ela corporal ou intelectual. Nossa vestimenta diz muito sobre o que queremos e pensamos como seres individuais. Dessa forma, ditar a vestimenta de alguém de acordo com qualquer doutrina é apenas o primeiro passo para interromper um processo de amadurecimento e conhecimento próprio, que sabemos até agora, ser de extrema importância para um convívio social cada vez mais honesto com os outros e mais importante que isso, consigo mesmo. •
9
RELIGARE REPORTAGEM
Mudança das forças religiosas no Brasil Dados do IBGE das últimas décadas revelam tendências importantes do perfil religioso da população REPÓRTER Patrícia Konda
O
crescimento da diversidade de grupos religiosos entre a população brasileira é evidente. O Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010 comprova, e os dados mais recentes indicam redução de adeptos do catolicismo de 73,8%, em 2000, para 64,6%, em 2010. Em paralelo, consolidou-se o crescimento do protestantismo de 15,4% para 22,2%, além de ser constatado aumento, mesmo que menor, dos sem-religião, de 7,28% para 8% em 2010. O padre excomungado Roberto Francisco Daniel, conhecido como Padre Beto, acredita que a diminuição de católicos se deve ao distanciamento entre a Igreja e seus fiéis e também ao fato das Igrejas Pentecostais oferecerem um acolhimento que a Católica não oferecia. Destaca ainda que os jovens não acreditam mais na Igreja como ela se apresenta e sim na espiritualidade não atrelada à doutrinação.
Mário Bássio, pastor evangélico pen- ta. Ela deixa claro que sua religião é tecostal, tem percebido esse aumento totalmente brasileira. Nascida em berço católico, Letícia significativo de evangélicos e, para ele, esse aumento ocorre pelo vazio que o foi praticante até seus 16 anos, quanser humano tem dentro de si. “Quando do começaram seus questionamenalguém encontra um lugar, uma men- tos e a Igreja Católica não conseguia sagem em que Jesus Cristo é genuina- responder. Ela conta que encontrou na Umbanda um mente apresentado, conhecimento desperta o desejo pleno, além de de uma busca íntiEU CONSEGUI ME uma realização ma que o complete”, ENCONTRAR espiritual. “Eu destaca Mário. Pocomecei a entenrém, nem sempre der que, às vezes, a Igreja Evangélica o problema era consegue transmitir esse sentimento de completude a seus dentro de mim e não com os outros. fiéis; Marta Tasca, por exemplo, há 10 Eu culpava muito outras pessoas por meus erros e agora consegui me enanos virou umbandista. Sendo uma das religiões que mais contrar”, observa. No caso de Marta, sacerdotisa de sofre preconceito, a Umbanda é confundida com o Candomblé e com ou- um centro umbandista de São José tras de raízes africanas. Por isso, leva do Rio Preto, o encontro com uma uma fama que não é verdadeira, como religião que a completasse foi um explica Leticia Ferrari, 23, umbandis- caminho árduo. Lembra-se que não
“
”
encontrou na religião evangélica uma busca pela verdade e nem apoio, como encontrou em sua atual religião. “Foi no centro de Umbanda que eu consegui minha cura e, então, decidi estudar e aprender sobre”, conta. E foi dessa forma que ela conheceu a religião, por problemas de saúde que ninguém sabia dizer o que era. A mudança no cenário religioso do Brasil é constante, pelo fator cultural e familiar de cada indivíduo. Muitos acabam seguindo a religião da família e se encontrando, mais tarde, com outras que melhor os contemplem, em função de se ter mais informações religiosas atualmente. Marta acredita que a Umbanda alcançará a maioria no futuro, quando mais pessoas conhecerem sua fundamentação. Da mesma forma, todas as religiões podem atrair novos adeptos, desde que tenham acesso a canais de comunicação que divulguem seus princípios. •
PERFIL Arquivo Pessoal (Padre Beto)
A doutrina que se fez livre Padre excomungado, em um ato de transgressão, liberta fiéis e estraçalha padrões, permitindo o livre arbítrio que a Igreja Católica nunca suportou REPÓRTER Giovana Romania
E
m meio à polêmica e um tanto inusitada, nasceu no dia 19 de junho de 2015 a Humanidade Livre. A instituição vamos conhecer logo mais, mas primeiro é preciso saber mais sobre o seu criador. Roberto Francisco Daniel, conhecido como padre Beto, nasceu em Bauru – SP em 1965 e começou seu caminho para o sacerdócio aos 27 anos. Beto se fez padre e, a partir daí, trilhou seu caminho na Igreja Católica até sua última celebração no domingo 28 de abril de 2013. Oficialmente, foi excomungado pelo Vaticano mais de um ano depois, no dia 15 de novembro de 2014. A excomunhão veio como uma surpresa. A pressão era grande para que padre Beto pedisse perdão pelos comentários e vídeos online que fez, criticando algumas ações e dogmas da Igreja Católica. “Eu deixei claro para o meu bispo que não pediria perdão”, conta Beto. “Eu não posso
10
ACEITAÇÃO. Padre Beto realiza um dos quatro casamentos homoafetivos da carreira
pedir perdão por uma coisa da qual estou convicto, seria um perdão mentiroso”, explica. Padre Beto estava pronto para entregar uma carta de afastamento quando foi surpreendido por um tipo de Tribunal de Inquisição. Segundo ele, um tribunal totalmente injusto, pois sequer fora intimado ou preparado para se defender. Beto lembra que ainda é padre, só que agora também carrega os títulos de ‘maldito’ e ‘herege’. “Eu não tenho autorização para entrar em uma igreja. Se eu fosse excomungado na Idade Média eu iria para a fogueira”, relata. Porém, entre todos esses termos, padre Beto se encontrou no conceito e na palavra ‘liberdade’. A Humanidade Livre é isenta de doutrinas e regras morais. “É livre para acreditar, amar, refletir e ques-
tionar”, afirma padre Beto. A nova religião une uma diversidade de credos, orientações sexuais e identidades de gênero. A Humanidade Livre reúne 120 fiéis, aproximadamente, e vai além das celebrações dominicais. A proposta é desenvolver cursos de capacitação humana – culinária e estética corporal, por exempo – que acrescentem conhecimentos com os quais os fiéis possam buscar seu desenvolvimento pessoal. “Ao mesmo tempo vamos oferecer cursos de cidadania. A nossa proposta é que a sociedade se torne mais humana”, defende padre Beto. Essa nova religião se assemelha à Igreja Católica na celebração da missa e na comunhão. Só nisso. Na Humanidade Livre não existe dízimo. As despesas são pagas com a renda proveniente da venda de espaços publicitários em um painel eletrônico voltado para a principal avenida de Bauru, a Nações
Unidas. “É esse painel que vai gerar renda para a igreja. As pessoas que quiserem podem anunciar ali e nós vamos comercializar, prestar um serviço, sem explorar ninguém. E quem faz o serviço não somos nós, é uma empresa terceirizada”, explica o padre. Além do painel, o espaço multifuncional da igreja também abrigará um bar, alugado para uma empresa ou empresário. Padre Beto está prestes a celebrar a quarta união homoafetiva, uma mulher transgênero já frequentou sua igreja, e ele espera que uma mulher se torne sacerdotisa junto a ele e outros dois sacerdotes, um deles homossexual assumido, para que todos possam celebrar missas. As imposições preconceituosas criadas pelo ser humano, pelas religiões e seus dogmas não só são quebradas como estilhaçadas pela Humanidade Livre que, como seu criador, representa a transgressão. •
RELIGARE REPORTAGEM
Mente sã, corpo são: a religião pode beneficiar sua saúde A combinação de ciência e fé pode aumentar a efetividade de tratamentos de saúde REPÓRTER Bárbara Paro
R
eligião e ciência estão constantemente em conflito. Porém, ambas se encontram em um mesmo campo: o da saúde. Enquanto cientistas avançam com novas descobertas tecnológicas, parte da população se volta ao sagrado em busca de soluções para questões existenciais e, entre outras coisas, enfermidades. Religião e fé são elementos diferentes e não necessariamente estão interligadas, mas o fato é que grande maioria dos indivíduos encontram em alguma religião seu refúgio. Práticas religiosas como oração e meditação se comprovam benéficas à saúde mental e física. Um estudo compilado na PubMed revela que serviços religiosos foram associados a 37% do aumento na probabilidade de sobrevivência em pacientes com câncer. Os estudos não se tratam, obviamente, do poder de uma entidade superior no sistema imunológico das pessoas – a pesquisa abrange a maneira que a crença
reforça aspectos importantes para a saúde psíquica, social e biológica. As pesquisas sobre a influência se referem ao equilíbrio emocional que a religião pode trazer a cada indivíduo e como isso afeta a atividade do sistema imunológico e do Sistema Nervoso Central. A sensação de pertencer a um grupo social e o aprofundamento no conhecimento espiritual geram conforto, bem-estar e positividade, evitando doenças psicossomáticas e males como depressão, estresse e pânico. O acompanhamento religioso durante tratamento de doenças crôni-
cas também ajuda no amparo emocional e modificam a maneira como os fiéis encaram a enfermidade. Um dos principais exemplos dessa teoria é a recuperação de dependentes químicos. A professora do Departamento de Medicina Preventiva da UNIFESP, Zila Sanchez, explica que o envolvimento dos pacientes de reabilitação com a religião se dá em um momento de desespero. Para ela, eles encontram apoio e não se sentem julgados e cobrados em grupos religiosos, o que os diferencia de outros tratamentos. “É errado dizer que a fé curou, mas dá suporte. É um processo lento e cheio de recaídas e a fé vai sendo
desenvolvida durante o tratamento” comenta. Segundo a pesquisa de Zila, a Igreja Evangélica é mais procurada por usuários de drogas ilícitas, como o crack. “Já centros espíritas eram mais comuns para tratar a dependência de álcool e de cigarro” explica a professora. O centro de reabilitação Esquadrão da Vida, em Bauru, abre espaço para várias religiões. “Há o respeito à pessoa e sua religião. Dentro do Esquadrão valorizamos a espiritualidade que envolve respeito, disciplina e autoconhecimento” explica Cláudio Saviano, psicólogo do centro. Também é possível apontar tratamentos espirituais específicos de cada religião, como no espiritismo, que usa a cirurgia espiritual. “Quando meu marido percebeu que precisava acreditar no tratamento” conta Emilia Maeda, “ele melhorou e até saiu da lista de transplante”. Segundo ela, o segredo está na fé. “A pessoa precisa acreditar, se não o processo demora”, ressalta. •
CURIOSIDADE
Como as crenças veem o pós-morte?
Conhecer a visão sobre o pós-morte de cada religião permite um entendimento mais amplo das especificidades das doutrinas REPÓRTERES Bárbara Paro e Victor Dantas
Catolicismo e Evangelismo
Tradições Indígenas
Ambas são religiões cristãs baseadas Para povos indígenas o espírito é imortal e não exclusivo de humana imortalidade da alma. A vida terOs hindus acreditam na transminos – vegetais, animais e minerais rena é uma passagem, os indivíduos gração - o processo em que a alma também o têm. Após a morte física, serão julgados por seus atos e alcanpassa para o corpo de outra pessoa çarão o Paraíso (Céu) ou o Inferno, a alma se manifesta por meio de ou animal. Enquanto o indivíduo elementos da natureza ou por um dependendo do quanto seguiram os não completa a Roda de Samsara, ensinamentos de Deus (passados por novo corpo. Entretanto, cada grupo ou seja, não atinge a libertação final seu filho, Jesus Cristo). O Céu seria o indígena tem sua própria crença. (moksha), ele passa continuamente estado transcendente e imaterial de por mortes e renascimentos. Tudo é maior proximidade com Deus, enBudismo reflexo das ações de cada indivíduo quanto o Inferno seria afastado d’Ele. em vida. Existem várias vertentes de budismo. As tradicionais creem no samsara, Judaísmo Umbanda e Candomblé um ciclo de sofrimento e reencarnação. Para se libertar do samsara, os Os umbandistas e candomblecistas Não há uniformidade no judaísmo indivíduos precisam atingir o Nirvaquanto à crença na vida após a morte também acreditam que a morte se na (o estado de iluminação espiritual dá apenas no meio físico, enquanto – existem diversas interpretações, mais elevado), por meio da meditaque variam desde reencarnação até a o espírito se mantém eterno. Não ção e do conhecimento. Acredita-se existem pecados e a reencarnação morte da alma. também no carma (que é levado para é instrumento de evolução do ser. outras reencarnações) como consePara o candomblé, pode-se encarnar quência de boas ou más ações pratisete vezes. Qualquer ser, seja humacadas pelo indivíduo. no, animal, vegetal ou mineral, tem
Hinduísmo
espiríto e é passível de reencarnação.
Espiritismo Para os espíritas, a alma é eterna e a morte é apenas a passagem de um espírito do meio físico para a vida no mundo espiritual. Acreditam que Deus criou espíritos simples que passam por várias encarnações com o propósito de evoluírem. Portanto, aqueles que erram recebem oportunidades de melhoria, mas em outro corpo.
Islamismo Os muçulmanos acreditam que a vida é um julgamento de preparação para a existência no próximo plano existencial. Haverá um dia em que ocorrerá o Juízo Final, quando Alá ressuscitará todos os mortos, para que eles sejam então julgados por suas ações em vida. A partir daí, serão selecionados para o Paraíso ou para o Inferno.
*Fontes dos dados: Dharmalog.com, The Religion of Islam (site), Fernando Ripoli, Mariana Mesquita, Reginaldo Rigoto, Artigo “Tradições Religiosas Indígenas e Afro-Brasileiras” e Artigo “Morte no Hinduísmo: Transmigração e Libertação”.
11
Guia dos Curiosos versão religião A Equipe Religare acredita que muitas das palavras envolvendo religião podem se confundir, podendo causar até mesmo desconfortos na hora de expressar sua opinião. Sendo assim, criamos esse glossário - para evitar qualquer tipo de mal entendido
Agnóstico
Religare Latim. Pode significar religião. “ligar com”, “ligar novamente”, restabelecer a ligação perdida com o mundo que nos cerca ou com o nosso interior. A religação entre o homem e um ser divino.
Aquele que considera que a razão humana não possui capacidade parafundamentar racionalmente a existência de Deus.
Espiritualidade Característica ou qualidade do que tem intensa atividade religiosa.
Fé
Religião
É a conexão com algo mais profundo, não necessariamente ligada à religião, mas sim com o exercício de ética, da moral, da caridade e solidariedade.
É uma somatória de dogmas e ritos preconizados por um determinado grupo. Ateu Que (ou o que) não crê em Deus ou nos deuses.
Religiosidade Tendência para os sentimentos religiosos, para as coisas sagradas.
Candomblé Religião de origem africana . Os seguidores prestam culto e adoram os orixás, que são divindades africanas que representam as forças da Natureza.
Laico Que ou aquele que não pertence (nem é influenciado) ao clero nem a uma ordem religiosa. Pressupõe a não interferência da igreja em assuntos políticos e culturais
Neopentecostal Oriunda do pentecostalismo clássico ou das igrejas cristãs tradicionais.
Umbanda
Pentecostal
Religião com vertentes de diversas religiões, como catolicismo e espiritismo, junto com elementos da cultura africana e indígena.
Macumba Espécie de árvore africana e também um instrumento musical utilizado em cerimônias de religiões afro-brasileiras.
Teocracia Sistema de governo em que o poder político se encontra fundamentado no poder religioso, pela encarnação da divindade no governante.
Movimento de renovação de dentro do cristianismo que coloca ênfase especial em uma experiência direta e pessoal de Deus através do batismo no Espírito Espiritismo
Doutrina Criada pelo pedagogo francês Hippolyte Léon, usando o pseudônimo Allan Kardec.
Evangelhos Apócrifos
Livros sobre a vida de Jesus. Muitas Igrejas cristãs consideram ilegítimos.