TFG 2019 - Fragmentos do direito à cidade: os cenários dos espaços negados

Page 1

fragmentos do direito à cidade os cenários dos espaços negados júlia marchesin caetano | 2019


UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FCT – Unesp Câmpus de Presidente Prudente

JÚLIA MARCHESIN CAETANO

FRAGMENTOS DO DIREITO À CIDADE O CENÁRIO DOS ESPAÇOS NEGADOS

Trabalho Final de Graduação apresentado ao Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente para a obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Márcio José Veríssimo Catelan

Presidente Prudente/SP 2019



Àquela que me acompanhou em todos os momentos da minha vida e me ensinou o amor incondicional. À Mel.



agradecimentos Aos meus pais, Margareth e Roberto por me ensinarem a não desistir e me darem o máximo apoio em todas as minhas decisões e por me trazerem luz quando tudo parece escuro. À Clara por sempre acreditar em mim e me fazer acreditar em mim mesma. Ao meu orientador e amigo Márcio Catelan, que me acompanhou com muita paciência e carinho ao longo dos meus anos de graduação, e me ajudou a enxergar meu papel enquanto futura Arquiteta e Urbanista. Sua sensibilidade e compreensão permitiram que este trabalho fosse feito com muita dedicação e confiança. Ao Caio pela amizade e companheirismo, ao Vinícius pela amizade que não se abala, e à Gabriela por sempre saber o que eu estou pensando e entender o que estou sentindo. À Izabela por ser minha irmã, amiga e por não sair do meu lado. À Thainá que sempre acreditou em mim e nunca me deixa desistir. À Larissa pela profunda amizade e pela paz que me traz quando está por perto. À Mariana por construirmos uma amizade tão real e sincera, que me conforta só por existir. Às quatro que representam a maioria dos momentos de felicidade que tive durante a graduação. Aos amigos que quero levar comigo, Gabriel Martins, João Raimo, Ian Camargo, Igor Leite, Tatiana Monteiro, Laís Galhardo, Geovanna Ramos, Crislayne Marques, Aline Pacheco e Giovanna Rosseto. Ao Felipe e à Camila, meus pais de Prudente, junto com Paula Nascimento, Marlon Verdelho e Márcio Catelan que são minha família e apoio longe de casa. Por fim, agradeço aos membros da banca, Débora Zambini e Clayton Dal Pozzo por se disponibilizarem a ler e discutir este trabalho, à Ana Miranda que me acompanhou nos campos, à Fabiana Severi pela entrevista, e ao Anderson por todo o amparo ao longo da graduação. Aos demais professores que fizeram parte da minha graduação, e às pessoas que contribuíram à minha formação ao longo dos anos.



resumo O presente trabalho final de graduação pretende analisar os efeitos da diferenciação socioespacial e suas resultantes no Complexo Aeroporto, localizado na zona leste de Ribeirão Preto, às margens da pista de pouso e decolagem do Aeroporto Estadual Dr. Leite Lopes. A partir da compreensão dos processos de diferenciação socioespacial, assim como através da hipótese da perspectiva da fragmentação socioespacial que estruturaram a malha urbana de Ribeirão Preto, pretende-se analisar a presença das ocupações irregulares junto ao processo complexo de aprovação das obras de expansão do Aeroporto e de que forma isso influi no cotidiano e na presença das famílias residentes do entorno. A fim de estabelecer seus processos constituintes e classificar os problemas urbanos existentes, bem como a relação entre a área e o resto da cidade. Sendo assim, procura-se realizar um debate que perpassa a produção do espaço urbano frente a diferenciação, no qual as ocupações vêm como uma de suas resultantes, dentro do recorte específico de uma cidade média. Neste recorte buscaremos ainda pensar os fragmentos pondo luz nos diferentes cenários, de onde decorrem intensas disputas políticas e econômicas. Os cenários serão para nós uma forma de apreendermos o cotidiano daqueles que vivem nestes espaços, bem como aqueles que buscam o reconhecimento do direito à cidade. Construímos esta proposta de modo a debater os caminhos dos fragmentos em cena. Palavras-chave: Aeroporto Estadual Dr. Leite Lopes; Cenas Urbanas; diferenciação socioespacial; Ocupações irregulares em Ribeirão Preto/SP.



sumário introdução

parte I - da diferenciação socioespacial às cenas dos espaços negados fragmentos de uma cidade média

parte II - Ribeirão Preto/SP e o Complexo Aeroporto

1

5 7

ribeirão preto em fragmentos

23

caracterização do complexo aeroporto

37

parte III - fragmentos: do aeroporto à favela o aeroporto estadual dr. leite lopes

49

nazaré paulista e joão pessoa como centro do conflito: o direito à cidade e os interesses particulares da política local

57

parte IV - cenários propostas e diretrizes para um novo aeroporto

75

complexo aeroporto: um parque linear para a comunidade - referências projetuais

79

assentamentos do complexo aeroporto: a arte e a transformação dos espaços

91

parte V - o projeto

programa de necessidades

101 105 107

considerações finais

115

dimensões projeto

referências bibliográficas anexo

117 125

21 47 71 99



introdução Dado o contexto regional de inserção dos efeitos na produção do espaço das cidades médias, iniciaremos o trabalho buscando compreender os processos de diferenciação socioespacial na cidade de Ribeirão Preto a fim de entender o processo de favelização crescente na cidade a partir, sobretudo, da década de 1990. Para tanto, teremos como recorte espacial as ocupações do chamado Complexo Aeroporto, localizado no entorno do Aeroporto Estadual Dr. Leite Lopes. O tema surge tanto de um interesse particular que envolve o direito à cidade, quanto a uma observação próxima enquanto moradora da cidade e, ao mesmo tempo, distante, considerando nosso olhar a partir do conhecimento que tem sido adquirido no curso de Arquitetura e Urbanismo. Ao longo de alguns anos habitando esta cidade não foram suficientes para viver e apreender seus fragmentos, talvez porque nunca é possível, e isto nos instiga a pensar a condição do Complexo Aeroporto. A proximidade com o aeroporto, e a presença de pessoas vivendo em uma área de risco, já são, por si só, uma condição que merece ampliarmos o conhecimento. Entretanto, a questão do direito à moradia e o conflito por terra somam de maneira singular à relevância da discussão sobre este tema. Da mesma forma que, a partir desta pesquisa e elaboração do trabalho, foi possível recriar uma aproximação com a cidade e suas realidades, não somente aquelas nas quais me inseria enquanto moradora. Sendo assim, trabalharemos com conceitos que dão conta de compreendermos o processo de urbanização e a produção da cidade advindos de campos do conhecimento como da Arquitetura e Urbanismo, Geografia Urbana e do Direito Urbanístico, de forma que possamos apreendermos destas áreas o conhecimento para uma reflexão das contradições da produção do espaço urbano entre os limites e limiares da legalidade e ilegalidade, limites que se fazem presentes em diversos momentos ao longo do trabalho.

1


Ao discutir a função social da propriedade nos deparamos com a questão do direito à cidade, e dela, podemos aferir as bases das discussões que provocaram a elaboração desta proposta. O direito à cidade, de acordo com Lefébvre (1969), é muito mais que um acesso ao que existe, é também o direito de mudar a cidade, sendo assim um direito à vida urbana. Portanto, temos como objetivo principal, em um primeiro momento, avaliar o contexto das ocupações irregulares do Complexo Aeroporto, bem como da implantação do Aeroporto em si, a fim de elaborar diferentes cenários de atuação frente aos resultados encontrados. Sendo assim, passaremos por diferentes escalas que compõem o recorte estudado, desde a escala da cidade, estabelecendo alternativas para a problemática do Aeroporto, passando por uma segunda escala, na qual será trabalhado e questionado o Aeroporto em si, até a escala das ocupações do Complexo Aeroporto, focando a discussão nas duas Comunidades que são as mais expressivas em relação às disputas por terra. Por fim, como produto final deste trabalho, teremos a elaboração de um plano de massas no qual nos aprofundaremos em uma das propostas, sendo aquela que consideramos que possui maior potencial de articular as três propostas. Para tanto, teremos procedimentos metodológicos apoiados no par quantidadequalidade, por meio de levantamento bibliográfico referente ao tema da pesquisa, de forma que possamos apontar a análise do recorte a partir da perspectiva da diferenciação socioespacial, assim como de outros conceitos aliados a mesma, como a relação centroperiferia e o direito à cidade, bem como faremos uma análise de referências projetuais que tenham relação com o produto final, trabalhos de campo e entrevistas. Dessa forma, construiremos um diagrama que relacione as dimensões empíricas escolhidas com o produto final deste trabalho, de forma que seja possível justificar coerentemente os usos escolhidos. Por fim, também, teremos como produtos, a elaboração de mapas e desenhos que auxiliem na compreensão espacial da temática, bem como análises a partir dos dados coletados em campo e nas entrevistas, a fim de compreender a realidade na qual essa

2


população se encontra no momento. E que nortearão as propostas elaboradas frente a materialização dos conceitos trabalhados.

3


4


parte I

da diferenciação socioespacial às cenas dos espaços negados

5


6


fragmentos de uma cidade média Para compreendermos os processos que culminaram na resultante espacial do recorte estudado no escopo deste trabalho é necessário, como parte fundamental da metodologia, que se compreenda o conceito de fragmentação socioespacial dentro do contexto de uma cidade média paulista. Portanto, iniciamos a discussão a partir da síntese do conceito de cidade média, que Sposito (2004, p.331) define como importantes centros regionais que conectam as grandes cidades às pequenas. Em outras palavras, são cidades que não são apenas definidas pelo critério quantitativo, ou seja, tamanho demográfico, mas também por suas relações desempenhadas na rede urbana, adquirindo “o papel dos fluxos de mediação (bens, informação, inovação, administração, etc.) entre os territórios rurais e urbanos da sua área de influência e dos outros centros e áreas menores” (SILVA, 2013, p.64). Ribeirão Preto se insere neste contexto dado que é uma cidade que se encaixa no parâmetro demográfico, e sobretudo em relação a sua posição estratégica como elo entre as cidades menores e as maiores, se configurando como o centro de uma região econômica de grande importância para a rede urbana paulista. Sendo assim, podemos começar a trabalhar com os conceitos de fragmentação socioespacial dentro do recorte de uma cidade média, já conceituada anteriormente, e que será descrita quanto a sua formação particular na próxima parte deste trabalho. Ao nos propormos a trabalhar com os efeitos da diferenciação socioespacial, nos deparamos com distintos conceitos, que juntos, contribuem para a compreensão deste processo, e, portanto, devemos entender, além da fragmentação, o conceito de segregação socioespacial, que estabelece relações diretas com o modo de produção das cidades frente aos níveis de insegurança de parte da população.

7


Devemos considerar que o debate sobre o tema da fragmentação socioespacial aponta para “a análise das formas urbanas representativas de uma exacerbação da segregação socioespacial e que se articulam à expressões territoriais dos sujeitos e grupos que se distinguem (...)” (DAL POZZO, 2015, p. 36), e que, de forma geral, a segmentação de certos grupos sociais na construção do espaço urbano, se estabelece como consequência do aumento do nível de insegurança, e da procura por status, bem como pode ser resultante da reprodução de estigmatizações socioespaciais (DAL POZZO, 2015), como mencionado anteriormente. A respeito da insegurança, devemos entender o que Sposito e Góes inserem como a “substituição da condição de cidadão pela condição do inseguro” (2013, p.278), se tornando aquele que passa a pautar suas práticas espaciais no medo de se tornar uma vítima. As autoras, então, constatam a complexificação dos processos de segregação socioespacial rumo à fragmentação: Como isso ocorreu simultaneamente à proposta de implantar bairros periféricos tão distantes do tecido urbano consolidado quanto possível, configura-se uma crescente complexidade que resulta das articulações entre diferentes dimensões da vida urbana e a identificação de processos de reestruturação espacial (SPOSITO; GÓES, 2013, p.278).

Ao discutir o conceito de fragmentação socioespacial, Sposito e Góes (2013) o descrevem com um processo “em curso em cidades médias”, mesmo que ainda não possa ser comparado à complexidade deste processo no contexto de uma metrópole (SPOSITO; GÓES, 2013, p.291). Portanto, a partir das lógicas encontradas nas cidades, podemos perceber duas práticas verificadas por Sposito e Góes (2013): a segregação imposta – uma parcela dos habitantes mais pobres vivendo em espaços circunscritos ao núcleo urbano da cidade – e a autossegregação – segmentos de alto poder aquisitivo vivendo em condomínios fechados periféricos à malha urbana (SPOSITO; GÓES, 2013). Os dois conceitos são definidos a partir do ponto em que se distinguem:

8


(...) é a maioria (no sentido político, econômico, cultural e religioso) que decide pela separação total ou relativa da minoria, submetida a essa condição por razões de diferentes ordens e, no caso das cidades latinoamericanas, sobretudo pela situação socioeconômica. No que se refere à autossegregação, é o grupo com melhores condições (brancas na África do Sul, mais ricos na América Latina, etc.) que opta pelo isolamento em relação ao conjunto da cidade, que, para eles, é o espaço dos outros e, portanto, não mais de todos (SPOSITO e GÓES, 2013, p.285).

Assim, podemos caracterizar a cidade de Ribeirão Preto a partir de quatro elementos elencados por Salgueiro (2001) para caracterizar a “cidade fragmentada em construção”: a) perde-se a hegemonia do centro, e existe a multiplicação de novas centralidades – percebido através da centralidades que determinadas avenidas apresentam dentro da cidade, como por exemplo a Avenida Presidente Vargas (Figura 1), local que apresenta elevado fluxo de circulação devido à presença de inúmeros estabelecimentos comerciais e de serviços, bem como empreendimentos voltados à negócios, bancos e compras, e que se estenda ao setor sul da malha urbana. Podemos também destacar o próprio recorte de estudo, que se configura também em uma centralidade, dada a presença do Aeroporto e a proximidade com o acesso à cidade, determinando fluxos de entrada e saída, seja pela rodovia ou pelo Aeroporto; b) surgem megacomplexos imobiliários, que possuem habitação, comércio, lazer, etc., reunidos em um mesmo espaço, e que acaba por negar o zoneamento funcional – fenômeno também observado na Avenida Presidente Vargas; c) aparecimento de enclaves sociais no tecido urbano – surgimento de alguns loteamentos fechados inseridos em áreas urbanas consolidadas; d) aumento do distanciamento e uso do entorno próximo, dado que a partir das novas formas de comunicação e transporte temos um fluxo intenso para áreas mais afastadas (SALGUEIRO, 2001, p.116).

9


.

Figura 1 - Av. Presidente Vargas. Fonte: LEITE, 2013. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/otavioluizleite/9199044359>

Diante dos conceitos apresentados, podemos depreender que frente aos processos de autossegregação nas cidades paulistas, a escolha de onde e como habitar os espaço urbano se tornou impositiva aos segmentos sociais de menor poder aquisitivo, sendo assim, não sobram muitas alternativas além do movimento de ocupação do anel

10


periférico das cidades, se destinando, geralmente, a lugares carentes em infraestrutura e equipamentos de uso coletivo (SPOSITO; GÓES, 2013), movimento que é facilmente percebido através da observação das práticas difundidas em Ribeirão Preto: empreendimentos de interesse social localizados em espaços ao norte da malha, afastados do centro, e de difícil acesso, bem como, os processos de favelização de certas áreas, enquanto que, no setor sul, crescem os empreendimentos voltados à classe média e de alta renda (Figura 2). Frente a essa lógica de imposição econômica, junto ao controle socioespacial, praticado também pelas lógicas da incorporação imobiliária determinadas pelos agentes imobiliários, percebe-se que os territórios urbanos convivem com conflitos e tensões: (...) trata-se de uma dimensão política a partir da qual a territorialização (...) de determinados grupos expressa-se sobre um determinado espaço, considerando os mais diversos interesses e justificativas, como: rendas e lucros; status e segurança: (...) (DAL POZZO, 2015, p. 53) (grifos nossos).

Estes conflitos são muito bem demonstrados por Harvey (1980), quando o autor coloca a nítida diferença entre o significado de transferência de renda para um homem rico e para um homem pobre, e salienta as consequências discrepantes à vida destas pessoas quando falamos da perda de um bem. E assim, nos indaga a pensar sobre os resultados destes processos, dado que estes grupos também se veem diante de diferentes escolhas e alternativas, e complementa: Neste caso, cada grupo tem seu próprio espaço de ação, e o conflito pode surgir porque nenhum dos dois grupos pode ver ou entender o espaço de ação tal qual como é percebido pelo outro. (...) O que isso significa é que a heterogeneidade de valores culturais e sociais pode tornar impossível aos grupos chegarem a uma posição de negociação “válida” (...). Disso se segue que um sistema urbano estará impossibilitado de funcionar sem atritos (no sentido de que os conflitos entre indivíduos e grupos não serão facilmente resolvidos) se houver profunda heterogeneidade nos valores culturais da população. Parece que o caminho “natural”, para que esta espécie de dificuldade seja minimizada, é procurar encontrar um padrão de organização territorial

11


que minimize, ao mesmo tempo o contato social entre indivíduos portadores de diferentes valores culturais e sociais, e também a probabilidade de discórdias e respeito de exteriorizações. A organização territorial e a “de vizinhança”, em modalidades étnicas, de classe, de status social, religião e outras, têm assim, papel importante a desempenhar para minimizar o conflito do sistema urbano (HARVEY, 1980, p.66-67).

Portanto, a partir dessa concepção, podemos nos aproximar do entendimento da lógica imobiliária e sua intervenção do espaço, como consequência da organização territorial baseada no conflito – ou na repressão do mesmo. Sobretudo, cabe inserir o que Maricato (1997) elabora a partir da análise da valorização imobiliária: A valorização imobiliária, ou seja, a propriedade que têm os imóveis de se valorizarem, está na base da segregação espacial e da carência habitacional. Em torno dela, ou seja, em torno da apropriação da renda imobiliária, é travada uma surda luta no contexto urbano. (...) de um lado estão os usuários da cidade, os trabalhadores, aqueles que querem da cidade condições para tocar a vida: moradia, transporte, lazer, vida comunitária, etc. Esses veem a cidade como valor de uso. Do outro lado estão aqueles para quem a cidade é fonte de lucro, mercadoria, objeto de extração de ganhos. Esses encaram a cidade como valor de troca. A luta que se trava na cidade pela apropriação da renda imobiliária é a própria expressão da luta de classes em torno do espaço construído (MARICATO, 1997, p.44).

Porém, não podemos entender o capital imobiliário como algo fechado e homogêneo. Como saliente Maricato (1997), ele é muito mais complexo do que podemos entender do que foi exposto anteriormente. A contribuição de Harvey (1980) nos mostra que, através da análise do mercado de moradias, um mercado livre não resulta em equilíbrio de preços para toda uma população urbana, e, portanto, que o “mercado de moradias, em razão de sua própria logica espacial interna, deve conter a ação coletiva se quiser funcionar coerentemente” (HARVEY, 1980, p.55). E continua: Isso explica, em contrapartida, por que o mercado de moradias é tão peculiarmente sensível a pressões econômicas e políticas, uma vez que

12


é somente organizando e fazendo essas pressões que os indivíduos podem defender ou elevar o valor de seus direitos de propriedade, em relação aos dos outros indivíduos. Nisto, como na maioria das coisas, é o econômico e politicamente fraco que provavelmente sofre mais, a menos que existam controles institucionais de correção de uma situação que emerge naturalmente, mas que é eticamente inaceitável (HARVEY, 1980, p.55).

Podemos enxergar a grande influência de pequenos e poderosos grupos na tomada de decisões a respeito do planejamento físico do sistema urbano, que por sua vez influem em outros subgrupos da cultura urbana, evidenciando que “há forças poderosas trabalhando em direção à heterogeneidade cultural e à diferenciação territorial no espaço urbano (HARVEY, 1980, p.69). E que, portanto, “a aventura da modernidade enveredou por (des) caminhos marcados pelo descarte da maioria” (RIBEIRO, 2005, p.413). Sendo assim, é de igual importância introduzir as discussões acerca da relação centro-periferia no contexto de uma cidade média. Milton Santos (2007), coloca que “essa repartição espacial das classes sociais é um fato que se verifica no espaço total do país e em casa região, mas é sobretudo um fenômeno urbano” (SANTOS, M., 2007 p.110), e insere: Morar na periferia é condenar-se duas vezes à pobreza. À pobreza gerada pelo poder econômico, segmentador do mercado de trabalho e das classes sociais, superpõe-se a pobreza gerada pelo modo territorial. Este, afinal, determina quem deve ser mais ou menos pobre somente por morar neste ou naquele lugar (SANTOS, M., 2007, p.143).

Portanto, é necessário dar especial atenção à especificidade das histórias das pessoas que se encontram nessas situações de exclusão, sendo a periferia, segundo Houlston (2013), um “espaço emaranhado na amargura de uma expulsão, de segregação, de ilegalidade e do heroísmo de dominação e redefinição” (p.209).

13


Sendo assim, apontamos para uma análise da periferia que "não se refere mais apenas a um território geográfico segregado fisicamente, mas se trata de um referencial simbólica e socialmente construído” (MEINERZ, 2005, p. 48-49). Os espaços de moradia das populações mais pobres, em termos de localização geográfica, nem sempre estão em lugares afastados dos bairros nobres ou centrais. A periferia toma outra conotação, se pensarmos numa diferenciação na escala global e local. O aspecto global do espaço urbano relaciona-se com o fato de constituir-se como locus da produção e consumo do capital, enquanto o aspeto local vincula-se com os significados que as pessoas dão ao espaço ocupado, a forma como praticam os mesmos, produzindo, consumindo, construindo identificações. O espaço, assim, torna-se, ao mesmo tempo, articulado pelo aspecto global e fragmentado pelo aspecto local, embora ambos sejam indissociáveis de uma mesma realidade (MEINERZ, 2005, p.94).

O que Meinerz (2005) insere, se relaciona com o contexto das ocupações do Complexo Aeroporto, de forma que, nas décadas mais recentes, observamos que existem periferias muito mais distantes naquelas nas quais o Complexo se insere, mas, de forma alguma, essas dinâmicas diminuem a expressividade que as ocupações do entorno do Aeroporto apresentam enquanto periferia. À cidade promissora de integração e de solidariedade, tanto quanto de segurança, substituiu-se uma cidade “de muitas velocidades” (...), que separa os grupos e as comunidades, mantendo-os à distância uns dos outros. É esta a condição política prévia do urbano contemporâneo: se o espaço comum não é mais a regra, entidades políticas e espaços unificadores devem ser criados ou recriados. Como dizem alguns, "a luta de classes foi substituída pela luta dos lugares”. Uma nova cultura urbana não pode ser somente patrimonial, artística, arquitetural, ela exige que um espaço tome forma política e que encontre uma coerência a fim de se precaver contra a fragmentação do urbano (MONGIN, 2009, p.23).

Mongin (2009), aponta as mudanças que podemos observar na urbanização recente das cidades brasileiras, de forma que, cada vez menos, é possível apontar espaços de convívio entre diferentes grupos sociais. Dessa forma, é necessário, além da observação

14


dessas práticas, que sejamos capazes de criar meios de amenizar tais disparidades. Segundo o autor coloca: uma nova cultura urbana. Nesse sentido, concordamos com o que Cunha e Morado inserem: (...) a lógica de dominação do capital deve ser rompida a partir do crescimento de um senso de responsabilidade pessoal, mesmo que os resultados pareçam contraditórios (...). Nesse sentido, as pequenas (porém permanentes) revoltas são tão importantes quanto as grandes manifestações e o momento é sempre o agora (CUNHA; MORADO, 2019, p.13).

É igualmente importante então, que se preste atenção nessas pequenas manifestações diárias, que muitas vezes podem passar despercebidas, mas que tem grandes resultados quando falamos em direito à cidade. Veremos alguns exemplos dessas insurgências a partir da contextualização do recorte de estudo. Como Ribeiro (2005) insere, é de extrema importância criar iniciativas de incentivo aos vínculos sociais, “sobretudo quando sofrem os preconceitos dos mais ricos e de segmentos de classes médias urbanas, seduzidos pelas promessas da globalização da economia” (p.420). A falta de compartilhamento interclassista nos serviços públicos e a agudização de disputas territoriais armadas trazem, como consequência, uma vivência da cidade limitada a redes sociais consolidadas, o que, por sua vez, fragiliza o exercício da sociabilidade (RIBEIRO, 2005, p.418).

Portanto, podemos entender que surgem elementos de diversos campos da pesquisa para a compreensão do processo de produção da cidade. E que os mesmos nos ajudam a reconhecer a fragmentação em curso no âmbito urbano. Sendo assim, “os processos de urbanização, dentro de sua própria dinâmica, criam incongruências entre a estrutura de classes e a estrutura de ocupação do espaço”

15


(OSZLAK, 2017, p.37-38)1 (tradução nossa). Logo, podemos entender que os processos que enxergamos nas cidades atuais são reflexo da complexificação da urbanização, e que, isso se materializa nas cidades, em muitos casos, do ponto de vista da fragmentação socioespacial, que por sua vez cria dinâmicas que vão de encontro aos direitos básicos de quem habita a cidade nesse contexto. Como por exemplo a presença de policentralidades e de territórios descontínuos. “O resultado dessas transformações é a geração de uma geometria espacial de fluxos mais complexas e menos apoiada no espaço de inserção imediata de diferentes sujeitos sociais nas cidades” (SPOSITO; GÓES, 2013, p.295). Em vista disso, cabe inserir a discussão acerca do direito à cidade, que será retomada adiante ao discutirmos as lutas cotidianas dos habitantes das comunidades que vivem no recorte. Lefebvre (1969) infere que as transformações nas cidades são as principais fontes de crises, continuidades e descontinuidades, e, junto à análise da forma e estrutura da cidade, elabora um importante questionamento referente à resultante da urbanização mundial: quem tem direito à cidade? É nesse contexto que podemos ver claramente os processos que moldam o cotidiano da exclusão socioespacial no sistema urbano. O direito ao espaço envolve diversas externalidades estreitamente ligadas à localização da moradia ou à infraestrutura econômica, como educação, recreação, fonte de trabalho, assistência médica, transporte e serviços públicos. Na medida que esses bens e serviços tenham uma distribuição geográfica desigual, as possibilidades de acesso a eles variam correspondentemente ao local de residência. Portanto, o direito ao espaço deve ser entendido, lato sensu, como um direito de aproveitar as oportunidades sociais e econômicas associadas à localização da residência ou atividade (OSZLAK, 2017, p.34) (tradução nossa)2.

Los procesos de urbanización, íntimamente relacionados con la estructura productiva, crearon por su propia dinámica ciertos desfasajes e incongruencias entre la estructura de clases y la estructura de ocupación del espacio (OSZLAK, 2017, p.37-38). 2 (…) el derecho al espacio conlleva diversas externalidades estrechamente ligadas a la localización de la vivienda o la infraestructura económica, tales como la educación, la recreación, la fuente de trabajo, la atención de la salud, el transporte e los servicios públicos. En la medida en que estos 1

16


Aqui, podemos estabelecer uma relação direta com o conceito de justiça social proposto por Harvey (1980), ao indicar os princípios deste conceito e sua aplicação às situações geográficas: 1. A organização espacial e o padrão de investimento regional deveriam ser tais que satisfizessem as necessidades da população. Isto requer que primeiro estabeleçamos métodos socialmente justos para determinar e medir necessidades. A diferença entre necessidades e alocações atuais provê-nos de uma avaliação inicial do grau de injustiça territorial num sistema existente. 2. Uma organização espacial e um padrão de alocação de recurso territorial que provê benefícios extras na forma de satisfação de necessidades (primariamente) e resultado agregado (secundariamente) em outros territórios, através de efeitos de sobreoferta, efeitos multiplicadores e similares, é uma forma “melhor” de organização espacial e alocação. 3. Desvios no padrão de investimento territorial podem ser tolerados se estão destinados a superar dificuldades específicas do meio, que poderiam de outro modo prejudicar a evolução de um sistema que encontraria necessidade de contribuir para o bem comum (HARVEY, 1980, p.91).

Podemos entender, que é a partir destes princípios que poderíamos chegar em uma realidade socialmente justa dentro do sistema urbano, e que para tanto, exige-se um esforço da sociedade como um todo para resolver as questões que contrariam a evolução do sistema. E concordamos com Ribeiro (2005) ao colocar que “conquista-se espaço através de atos que confrontam a reprodução sistêmica da vida urbana” (p.421). A justiça social e o direito à cidade são conceitos que, juntos, nos auxiliam a compreender os processos que estão em curso nas cidades brasileiras, e de que forma

bienes y servicios tengan una distribución geográfica desigual, las posibilidades de acceso a ellos según lugar de residencia o actividad variarán correspondientemente. Por lo tanto, el derecho al espacio debe entenderse, lato sensu, como un derecho al goce de las oportunidades sociales y económicas asociadas a la localización de la vivienda o actividad (OSZLAK, 2017,p. 34).

17


estes processos atuam na vida dos habitantes, sejam eles os que habitam os espaços de exclusão, ou aqueles que contribuem para a difusão dos mesmos. Em Ribeirão Preto, podemos perceber os fragmentos através da observação da predominância das práticas espaciais das parcelas da população de maior poder aquisitivo concentrada no setor sul da cidade. Enquanto à norte, e distante do quadrilátero central, se concentram as áreas predominantemente habitadas pelos segmentos de mais baixo rendimento, e onde existe grande carência de infraestrutura, mobilidade e espaços de lazer e consumo (Figura 2). Ademais, nota-se que estes espaços da cidade são apresentados ao restante da população de modo depreciativo, observando-se que a discussão do Poder Público gira em torno da extinção dos mesmos, sob qualquer justificativa.

18


Figura 2 Localização dos loteamentos e conjuntos habitacionais da COHABRP e dos loteamentos e condomínios de alto padrão constituídos a partir da década de 1990.

19


No caso do recorte estudado, como veremos mais profundamente a seguir, a expansão do Aeroporto no Sítio Leite Lopes ainda é considerada exequível pelo governo municipal, e, recentemente, teve licitação aprovada3, mesmo com a exposição de diversos fatores que apontam a inaptidão da área para a implantação. Logo, evidencia-se a negligência por parte da administração pública em resolver as questões jurídicas – instauradas por demandas de interesse particular, tanto da Prefeitura Municipal como dos possíveis investidores – de forma que atenda aos direitos da população que reside naquele espaço. Portanto, a partir dos levantamentos colocados até aqui, podemos sentetizá-los como fundamentação para entendermos o recorte quanto ao seu processo de produção e suas complexidades, e, a partir daqui, darmos foco às características de Ribeirão Preto e do local da problemática. Portanto, na parte II faremos um esboço acerca das características específicas de Ribeirão Preto enquanto cidade média em fragmentos, e também do Complexo Aeroporto, resultado direto da produção do espaço pautada nas lógicas capitalistas. Este esboço será fundamental para espacializarmos as propostas expostas na parte IV, assim como nos aprofundarmos na proposta escolhida como resultado final deste trabalho.

Concluída 1ª etapa de obras na pista do Aeroporto Leite Lopes em Ribeirão Preto. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2019/01/27/concluida-1a-etapa-de-obrasna-pista-do-aeroporto-leite-lopes-em-ribeirao-preto.ghtml> Acesso em: 25 de abril de 2019. 3

20


parte II

RibeirĂŁo Preto/SP e o Complexo Aeroporto

21


22


ribeirão preto em fragmentos Ribeirão Preto é uma cidade média localizada a Nordeste do Estado de São Paulo (Figura 3), e exerce um papel estratégico frente à região em que se insere, sendo referida como a “Califórnia Brasileira”, devido, além dos altos níveis de temperatura, aos seus demasiados padrões de consumo. Com uma população de 694.534 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE, 2018), em 2010 foi considerada como “polo tecnológico”, por seu desenvolvimento nas áreas da saúde, biotecnologia, bioenergia e tecnologia da informação. Figura 3 - Localização do Município de Ribeirão Preto/SP. Fonte: IBGE; Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto. Elaborado pela autora, 2019.

O histórico da cidade é marcado principalmente pelo complexo de atividades oriundas da economia cafeeira, que substitui a agricultura de subsistência e o pastoreio, e permite que a região se torne a principal produtora de café no Brasil, consolidando-se a

23


partir da chegada da Mogiana em 1883 (ABREU, 2014). Ao mesmo tempo, temos a expansão da malha urbana e crescimento populacional, ampliando serviços urbanos e modificando a infraestrutura urbana. O café trouxe mudanças socioeconômicas profundas, bem como mudanças urbanísticas, físicas e demográficas para Ribeirão Preto logo no início da sua fundação. Estes processos exigiram uma nova configuração urbana capaz de ser base para essas mudanças. Assim, temos uma gradativa ampliação da rede de serviços urbanos, implementada num contexto de modernização das cidades, definindo o processo de urbanização observado até hoje (SOUSA, 2006, p.11). Portanto, através de um conjunto de leis específicas, iniciaram-se os processos de higienização, principalmente para atender a uma burguesia cafeeira em processo de transferência para a área citadina. Tais processos abrangiam desde estruturação de saneamento básico, a organização das habitações de forma esteticamente agradável à mesma burguesia: “era expressamente proibida a construção de estalagens e cortiços (...)” (SOUSA, 2006, p.31). Durante o processo de modernização em Ribeirão Preto, os serviços e melhoramentos públicos relatados restringiram-se a área central da cidade - pelo menos até 1905, quando o município fora assolado por epidemias de febre amarela e varíola. Mas, mesmo cientes da necessidade de atender as demandas sociais e expandir as melhorias aos bairros limítrofes ao centro e áreas periféricas, as autoridades quase sempre agiam de acordo com as regras do poder ao qual estavam inseridas (PAZIANI, 2014, p.66).

Sendo assim, nos deparamos com os ideais por trás destes processos de “embelezamento” da cidade, pautados, sobretudo, na ideia de progresso e grandeza. Ao passo que, construía-se essa imagem apenas em um determinado local: o centro (SOUSA, 2006). Ficando as melhorias e o tal “progresso” acessível apenas à burguesia cafeeira que ali habitava. “Para que essas imagens se cristalizassem na memória oficial tornava-se

24


urgente ocultar ou eliminar (se possível) as marcas da ‘barbárie’ e do ‘indesejo’” (PAZIANI, 2014, p.82). Para as autoridades municipais e os moradores da cidade, a percepção era de que a cidade transformava-se em palco de variadas e contrastantes cenas a perturbar valores, hábitos, costumes e vivências enraizadas no imaginário social. Mas, ao mesmo tempo, tais cenas – fruto de uma experiência particular de modernização urbana – começavam a ser incorporadas (ainda que de modo crítico) por um número não desprezível de pessoas (PAZIANI, 2014, p.91) (grifos nossos).

Aqui, cabe comentar, que estas cenas indesejáveis pela elite começam a fazer parte de um complexo processo no qual temos a incessante propensão desta camada da população em esconder ou afastar uma outra parte dos habitantes que contrastam com o estilo de vida de uma elite que construiu um imaginário social baseado nas experiências europeias, e que, portanto, até hoje, este cenário se materializa nos espaços públicos. E também, partindo para uma outra escala, se materializa na cidade. A implantação do Núcleo Colonial Antônio Prado4, dados 30 anos da existência da cidade, contribuiu para o início das desigualdades em seu espaço urbano, colocando as classes trabalhadores em contraposição à área central - onde residiam os políticos e produtores de café -, nas zonas Norte e Oeste da cidade. Sendo assim, parte do centro uma expansão no sentido sul, consolidada com a abertura das avenidas Nove de Julho e Independência (ZOMBINE, 2017, p.16). (...) Ribeirão Preto começou a se desenvolver significativamente após a década de 1880, com a chegada do café (...). Consequentemente, teve início em 1887 a expansão de sua malha urbana, que ocorreu na direção norte, com o Núcleo Colonial Antônio Prado. Assim como os demais núcleos coloniais criados no país, tinha o objetivo de abastecer a cidade com gêneros de subsistência, podendo até mesmo fornecer eventual mão-de-obra à monocultura do café, mas neste caso serviu para esconder tudo o que a elite emergente desejava afasta de seu convívio (...)

4

Seções do Núcleo Antônio Prado podem ser vistas no Anexo 1.

25


(...) seus moradores criaram para os bairros (...) uma identidade própria – com suas representações em sociedades, clubes e associações, ou seja, criaram suas próprias estratégias de sobrevivência diante de uma sociedade que os desejava para o trabalho, mas hostilizava para o convívio social (SILVA, 2008, p.74-76) (grifos nossos).

Então, em 1945, o engenheiro-urbanista José de Oliveira Reis elabora o Primeiro Plano Diretor para Ribeirão Preto, apresentando propostas de zoneamento e sistema viário, inseridos em um plano para 400 mil habitantes. Entretanto, este plano nunca foi aplicado, e assim, temos a continuidade de um desordenado crescimento que contribuiu para a diferenciação socioespacial já em curso em Ribeirão Preto (SILVA, 2008, p.129). Então temos um acelerado processo de ocupação da zona Central e Sul pela elite, em razão da valorização intensa de seus terrenos, além do apoio dado pelo Governo Federal para a implantação de habitação popular à Norte da malha urbana, sobretudo na década de 1950, marcada pela acentuada instauração de loteamentos na área do Núcleo Antônio Prado em direção à Nordeste ao passar dos anos. Ao mesmo tempo, o preço do café começa a despencar no mercado internacional, o que forçou a economia da região a encontrar novos caminhos abrindo espaço para a diversificação agrícola, passando por um processo intenso de modernização entre as décadas de 60 e 80, se tornando um centro avançado em agropecuária de São Paulo. (REVIDE, 2011, p. 11-12). Então, junto ao café, a cana-de-açúcar passou a fazer parte do que era produzido na região, sendo a primeira usina criada em 1898. Mas é só a partir da década de 1930 que a produção de cana se torna atividade econômica expressiva, com o fim do Império do Café (REVIDE, 2019, p.1819). Portanto, Ribeirão Preto gradualmente passa a pautar sua economia no agronegócio, atividade que passa a crescer exponencialmente a partir do cultivo de canade-açúcar. Essa nova modalidade econômica foi responsável por intensificar os processos iniciados anteriormente a partir de um avanço rápido na acumulação de capital, assim como em uma migração em direção à cidade por parte dos donos das terras cultiváveis.

26


Já em 1980, segundo Abreu (2014), temos um cenário de dispersão de atividades comerciais, que se deslocam em direção às avenidas principais e nas proximidades do anel viário ao sul, onde também teremos a construção do Ribeirão Shopping, o primeiro empreendimento desse tipo na cidade. Destacam-se, portanto, essas novas centralidades concentradas em avenidas, caracterizando um processo de expansão territorial que transforma Ribeirão Preto. Portanto, no contexto de aumento da importância do setor agroindustrial e do setor terciário ao longo das décadas de 1980 e 1990, na cidade de Ribeirão Preto, esse período passou a oferecer alguns indícios de uma transformação estrutural nas lógicas de localização e produção espacial, associados a um processo de verticalização e de localização residencial das camadas sociais de maiores rendimentos (ABREU, 2014), facilmente observadas a partir da implantação da Avenida João Fiusa (Figura 4) no setor Sul da cidade. De um lado, no eixo norte, difundiram-se maiores níveis de descontinuidade territorial e de segregação socioespacial, ligados a construção de conjuntos habitacionais e ao processo de favelização de certas áreas. E, por outro lado, no eixo sul, ampliou-se a produção vertical destinada aos segmentos de alto poder aquisitivo (DAL POZZO, 2015).

27


Figura 4 - Av. Professor João Fiusa. Fonte: Pinterest. Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/528750812484782983/?lp=true> Acesso em: 14 abr. 2019. Alterado pela autora, 2019.

Este conjunto de dinâmicas caracteriza dois dos três traços essenciais estabelecidos por Sposito (2004) para se discutir a relação centro e periferia: uma complexificação gradual da estrutura urbana, e a tendência à fragmentação socioespacial, a partir da atenuação da possiblidade de convivência entre diferentes, frente ao processo de segregação.

28


A partir da década de 1990, mesmo diante da crise do Banco Nacional de Habitação, a COHAB-RP dá continuidade à produção de conjuntos habitacionais de menor porte como o objetivo de reurbanizar e erradicar as favelas, que começaram a se proliferar no início desta mesma década. O aumento dos aluguéis, as crises em programas habitacionais e um maior poder de organização das ocupações resultaram nesse expressivo aumento das ocupações irregulares na cidade (Figura 5). (DAL POZZO, 2015). Quadro 1 - Déficit habitacional e domicílios vagos em Ribeirão Preto e região em 2010. Fonte: FIP (2010); Extraído de: STECCHINI (2016).

Domicílios vagos

Adensamento excessivo de domicílios alugados

Ônus excessivo com aluguel

Coabitação familiar

Domicílios precários

Déficit habitacional total

Unidade Territorial

Déficit Habitacional

Barrinha

819

0

367

215

238

610

Brodowski

456

20

204

168

63

576

Cravinhos

845

8

388

287

163

988

Dumont

328

5

128

136

59

203

Guatapará

187

10

103

50

23

14

Jardinópolis

1027

12

594

275

146

893

Luís Antônio

412

0

140

183

89

236

Pontal

1962

30

730

529

673

799

Pradópolis

600

17

251

171

161

425

21815

1620

8826

9363

2005

15919

Santa Rosa do Viterbo

626

0

347

249

31

549

São Simão

443

55

190

162

35

499

Serra Azul

215

5

92

93

25

180

Serrana

1484

55

775

405

249

401

Sertãozinho

3764

224

1575

1404

561

2574

Ribeirão Preto

29


Como podemos observar no Quadro 1, temos uma contradição no que diz respeito ao déficit habitacional e a quantidade de imóveis vagos em Ribeirão Preto, os quais, em grande parte, se apresentam já em condições de uso. Evidenciando a ineficácia da administração local em alocar as famílias nos programas habitacionais, bem como priorizando interesses diversos, como veremos mais adiante. Esses processos contribuem de maneira significativa para a intensificação da segregação socioespacial. Retomando os mecanismos de produção da cidade estudada, Fernandes (2004), compreende o processo de urbanização de Ribeirão Preto a partir da correlação existente entre a difusão de tecnologias do setor sucroalcooleiro, as migrações ocorridas intensamente no estado de São Paulo, e a especulação imobiliária como agravante da diferenciação socioespacial, todos estes acontecimentos dados entre as décadas de 1980 e 1990. Todavia, ao longo da década de 1990, assistiu-se na região e, em particular, no entorno mais próximo da cidade de Ribeirão Preto, o recrudescimento da exclusão social com consequências na sua estrutura urbana; o que resultou num processo intenso de precarização das condições de vida nos bairros pobres de parcelamento do solo que, entre outros aspectos, se fez acompanhar por litígios fundiários entre moradores sem-teto, o Executivo e Judiciário da cidade que empresta o nome à região (FERNANDES, 2004, p.52).

Destaca-se, então, a proliferação dos núcleos de favela observada a partir deste período, e sintetizadas na Tabela 1 e na Figura 5. É possível notar o crescimento exponencial das ocupações irregulares, tanto em população quanto em número de diferentes núcleos instalados. Esse aumento se torna palpável quando comparamos a porcentagem de crescimento da população de Ribeirão Preto, que de 1993 a 2016 cresceu 49,63%, enquanto a população dos núcleos de favela cresceu 464,57%. Essa diferença na proporcionalidade demonstra claramente a problemática que temos acerca das ocupações irregulares e a dificuldade, e em parte, negligência, do poder público em administrá-la.

30


Tabela 1 - Crescimento da população residente em assentamentos precários em Ribeirão Preto. Fonte: IBGE (1993)(2001)(2010)(2016); FERNANDES (2004); Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto (2016).

Ano

Núcleos de favelas

População dos núcleos

População de Ribeirão Preto

1993

21

7830

450690

2001

31

26205

504923

2010

43

26590

604682

2016

72

44206

674405

Assim, a realidade do município, frente ao seu posto de destaque econômico e empreendedor, é marcada por graves disparidades e conflitos sociais (SANTOS, A. 2015), evidenciando que mesmo com a alta lucratividade gerada do agronegócio, como principal fonte de renda do município, temos uma cidade produzida por meio de marcantes desigualdades.

31


Figura 5 - Dados de Ribeirão Preto e localização dos assentamentos precários. Fonte: Extraído de STECCHINI (2016).

(...) o resultado das formas capitalistas monopolistas na economia e no território da região de Ribeirão Preto, nos últimos anos, foi a geração da riqueza, cada vez mais concentrada, assim como da pobreza, cada vez mais difundida, concomitantemente ao surgimento de uma classe média agrícola e urbana, gerando um espaço corporativo e fragmentado (ELIAS, 1996, p.23).

32


Portanto, fica evidente que estas mudanças profundas que podemos observar no espaço urbano de Ribeirão Preto, tem como causa direta um notável crescimento econômico, tanto a partir de suas origens na economia cafeeira, quanto após a difusão do setor sucroalcooleiro como principal atividade econômica da cidade, que trouxe consequências sociais e espaciais devastadoras, contribuindo para o empobrecimento de grande parte da população, e consequente déficit habitacional (FERNANDES, 2004, p.59) Retomando os conceitos de segregação imposta e autossegregação, definidos anteriormente por Sposito e Góes (2013), podemos aplicá-los à realidade Ribeirão-pretana a partir do que Fernandes (2004) descreve: (...) aqueles que produzem as crescentes paisagens urbanas da periferia não-privilegiada não o fazem voluntariamente. Para elas foram lançados como resultado de um modelo instituído que gerou exclusão social e econômica, no interior de uma cidade que se organizou(a) de forma corporativa (...). Ao mesmo tempo que essas últimas transformações ocorreram, não foram oferecidas contrapartidas sociais para uma readaptação da força de trabalho desempregada por parte dos poderes públicos, administrações locais e do empresariado das cidades, que sofreram consequências dessa atitude. Desse modo, a única e derradeira opção dos pobres da cidade foi nutrir um espaço de lutas para fazer frente à segregação involuntária na qual, enquanto indivíduos e famílias, se veem obrigados a conviver em função da ausência de um desenvolvimento socialmente sustentável (FERNANDES, 2004, p.68).

Sendo assim, entende-se que os processos recentes de ocupação irregular do solo e crescimento dos núcleos de favela devem ser compreendidos como uma resposta às constantes exclusões a que esta população está imposta, que partem de uma elite/administração que não reconhece os direitos sociais dessa maioria, e nega o acesso aos seus benefícios básicos.

33


A partir de 2009, a gestão municipal da ex-prefeita Dárcy Vera5 (PSD) deu início à política de “desfavelização”, fortemente apoiada no preconceito aliado à condição das favelas (SANTOS, A. 2015), estabelecendo um discurso de extinção e ignorando as necessidades das pessoas que habitam estes espaços, além de não priorizarem a realocação das famílias atingidas para conjuntos habitacionais. Sendo assim, tem-se como resultado a desapropriação de diversos núcleos que já se encontravam em situação de risco, e que agora partem para outras favelas, na tentativa de reconstruírem suas casas. No Complexo Aeroporto temos o exemplo mais emblemático das tentativas de erradicação de diversos núcleos de favelas: foram previstas obras de expansão do Aeroporto Estadual Dr. Leite Lopes, contrariando o Plano Diretor do Município de Ribeirão Preto (Lei Complementar 501/95) que prevê a necessidade de uma nova localização para o aeroporto, iniciando uma sucessão de remoções das famílias residentes do entorno, com a justificativa – infundada, e veremos isso mais adiante – da necessidade de expansão e internacionalização do Aeroporto Leite Lopes. Sobre a desapropriação das casas do Jd. Aeroporto, Ana Mauer Santos (2015) destaca: Percebemos que essas medidas são claramente direcionadas, com maior esforço e atenção da Prefeitura, às favelas localizadas no entorno do Aeroporto Leite Lopes, já que sua ampliação e internacionalização é uma das principais promessas da atual gestão para o desenvolvimento econômico do Município. Essa ideia é compartilhada pela ampla maioria dos Vereadores, que formam a base de apoio ao governo e participam em peso de reuniões com os governos estadual e federal para a negociação de recursos para o empreendimento. Além disso, também atuaram os vereadores no sentido de buscar adequar legalmente a área do entorno do Aeroporto aos fins de maior interesse dos investidores que seriam atraídos. Exemplo disso foi a

Na manhã do dia 2 de dezembro de 2016 Dárcy Vera foi presa preventivamente por ordem do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e afastada do cargo de prefeita, durante a Operação "Mamãe Noel", deflagrada pela Polícia Federal e pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO). Disponível em: <http://g1.globo.com/jornalnacional/noticia/2016/12/prefeita-de-ribeirao-preto-e-presa-suspeita-de-desviar-milhoes.html> Acesso em: 23 de abril de 2019. 5

34


aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo que transformava toda a região em zona industrial, a despeito não apenas dos assentamentos ali existentes, como também de bairros residenciais consolidados, habitados há décadas e com a presença de serviços e equipamentos públicos (como escolas, postos de saúde, linhas de ônibus, etc.) (SANTOS, A. 2015, p.85-86).

Podemos observar então, que existe uma significativa influência de certos grupos na tomada de decisão a respeito do uso do solo no local, e é a partir destes interesses particulares que os processos de reintegração de posse tiveram sua origem. Em outras palavras, estes grupos, são aqueles que, dentro de uma democracia constitucional, foram capazes de se organizar e acumular “os recursos necessários para influenciar os tomadores de decisão” (HARVEY, 1980, p.93). Figura 6 - Vazios urbanos na Zona Norte de Ribeirão Preto. Fonte: Levantamento a partir do Google Earth (2019). Elaborado pela autora, 2019.

35


Outra questão que podemos levantar se refere ao uso do espaço à extremo norte da malha urbana de Ribeirão Preto, sendo possível observar a partir da Figura 6 que existe uma extensa área de vazios urbanos inseridos no perímetro. Podemos acrescentar então, mais um elemento contraditório no discurso da Prefeitura Municipal, dado que pela centralidade exercida pelo Aeroporto, é possível prever que estes núcleos vazios serão ocupados ao longo do tempo, tornando a presença do Aeroporto, mais uma vez, problemática do ponto de vista dos impactos que ele causa. Todos estes processos, inerentes à produção do espaço em Ribeirão Preto, contribuíram, de maneira geral, para o aprofundamento da diferenciação socioespacial em curso. Todavia, são eles que possuem importante papel na construção dos conflitos que envolvem especificamente o entorno do Aeroporto Leite Lopes. Portanto, é importante que iniciemos a descrição e caracterização do recorte a ser estudado, a fim de compreender suas práticas espaciais, conflitos e demandas, perpassando conceitos de direito urbanístico, diferenciação socioespacial e o direito à cidade.

36


caracterização do complexo aeroporto No setor nordeste da malha de Ribeirão Preto/SP insere-se então o Aeroporto Estadual Dr. Leite Lopes, e em suas imediações temos em torno de treze núcleos de favelas, que formam o Complexo Aeroporto (Figura 7). Destes, cinco se situam em áreas particulares, enquanto que o restante se insere em áreas públicas municipais.

Figura 7 - Localização do Aeroporto Leite Lopes e dos assentamentos precários do entorno. Fonte: MIRANDA (2018). Elaborado pela autora, 2019.

37


O Complexo Aeroporto configura-se na área de maior conflito por terra na cidade de Ribeirão Preto. Devido ao número elevado de pessoas, sua inserção na malha urbana, e o caráter das áreas ocupadas, que são extremamente visadas pelas incorporadoras imobiliárias, tendo em vista a futura expansão do Aeroporto, o que tornaria a área um alvo ainda maior da especulação imobiliária. O Quadro 2 descreve os assentamentos irregulares do Complexo Aeroporto e as intervenções em curso nestes locais. É possível observar que as áreas adjacentes ao Aeroporto são aquelas nas quais são indicadas as propostas de reassentamento e reintegração de posse, convenientes aos interesses imobiliários para a área e para a expansão do Aeroporto. E que, portanto, agregam esforços tanto da iniciativa privada quanto da municipal para a remoção da população nas áreas de interesse industrial e de influência direta da ampliação da pista de pouso e decolagem. As Favelas da Mata, Nazaré Paulista e Adamantina são as que estão localizadas exatamente ao lado da pista do Aeroporto, e que, portanto, sofrem as consequências diretas da expansão do mesmo. As outras ocupações, mesmo que não compartilhando divisa com o Aeroporto sofrem a influência indireta da iniciativa de ampliação, sendo alvo das incorporadoras que visam implantar indústrias e barracões que atendam às funções do Aeroporto. Quadro 2 - Descrição dos assentamentos irregulares do Complexo Aeroporto. Fonte: GT ATHIS SASP RP (2016); PLHIS (2010). Núcleo

Uni.

Pop

Situação atual

Propriedade

Cidade Locomotiva

350

100 0

Reintegração de posse

União/Mun.

Flórida Paulista

150

750

Área particular dentro da expansão do aeroporto

Part./mun.

38

Intervenção PAC/Paulo Gomes Romeo (reassentamento 50%)


Leão Leão

239

119 5

Jóquei Clube

68

340

Proposta de reassentamento/reurbanização

Municipal

Nazaré Paulista

150

450

Reintegração de posse

Particular

-

9

45

Melhoria habitacional

Particular

-

Da Mata

190

900

Proposta de reassentamento/reurbanização

Particular

Itápolis

255

127 5

Proposta de reassentamento

Municipal

Adamantina

86

344

Proposta de reassentamento

Municipal

-

Vila Brasil

25

125

Proposta de reassentamento

Municipal

-

192

960

Sem estudo de intervenção/risco de expansão

Municipal

Regularização fundiária

João Pessoa

68

278

Sem estudo de intervenção

Part./mun.

Barbante Rosa

45

150

Regularização fundiária

Municipal

CDHU (reassentamento 100%) Regularização fundiária

BAC

Avelino Palma

-

Part./mun.

PAC/Paulo Gomes Romeo (reassentamento 50%) Regularização fundiária

PAC/Paulo Gomes Romeo (reassentamento 100%) -

A Figura 8 favorece a compreensão dos acontecimentos que culminaram na situação que encontramos o Aeroporto e seu entorno atualmente. Aqui, cabe descrevê-los, dando ênfase aos processos decisórios, bem como aos marcos de resistência da população atingida.

39


Figura 8 - Linha do tempo. Elaborado pela autora, 2019.

40


Em 1995 temos o primeiro Plano Diretor colocado em prática na cidade de Ribeirão Preto, e nele, além das leis de zoneamento e uso e ocupação, fica previsto, diante de análise prévia, a necessidade de transferir o Aeroporto para outra localidade, afastada dos núcleos urbanos, que, naquela época, estavam em processo de crescimento próximos ao empreendimento. No ano seguinte, observa-se que, diante de interesses particulares dos proprietários do Aeroclube, acontece a segunda expansão da pista, alcançando 2,1km, ignorando a demanda prévia de procura por outra localidade para a instalação deste tipo de empreendimento.

Figura 9 – Ocupação do Complexo Aeroporto. Fonte: PLHIS (2010).

41


Dez anos depois, tendo uma área já bastante consolidada, elabora-se um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que visa estabelecer os impactos positivos e negativos do Aeroporto, bem como de outras localidades pré-elencadas para a implantação de um Aeroporto Internacional, estudo este que vamos discutir a seguir. Diante destes planos, e da futura valorização da área, prevista pelas imobiliárias, inicia-se uma abertura de processos de reintegrações de posse, justificadas pela expansão futura do Aeroporto em terrenos próximos, bem como da instalação de novos empreendimentos na área. Sobre isso, a Profa. Dr. Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, membro do Núcleo de Assessoria Jurídica da Faculdade de Direito (NAJURP) em depoimento dado em entrevista concedida à nós no dia 18 de abril de 2019, insere: Ali é uma área mista... e boa parte das áreas privadas são resultado de espólios sucessivos... as famílias abandonaram, e de repente a própria prefeitura e as imobiliárias começaram a perceber que era um negócio retomar e pedir a reintegração de posse. As áreas que nós atuamos não são afetadas diretamente pela ampliação do aeroporto, são algumas áreas que são afetadas indiretamente, elas passam a ser economicamente vantajosas para que seja possível fazer loteamento comercial ou industrial que sirva à serviços vinculados ao aeroporto ampliado e internacionalizado. As famílias com as quais atuamos, são as que não estavam no projeto do governo pra realocação, e pra efeitos de indenização ou incorporação em outros conjuntos habitacionais, mas que iriam sofrer processos judiciais de reintegração de posse porque esses eventuais proprietários iriam achar interessante, depois de mais de 30 anos, de repente, entrar com um processo de reintegração. Isso aconteceu. O que nos surpreendeu, foi que quem entrou com o processo não foram os proprietários, e sim imobiliárias daqui (Ribeirão Preto) que fazem uma espécie de grilagem contemporânea, eles entraram com a ação sem ter uma procuração dos proprietários, com um termo de compra e venda... no fim das contas estavam querendo tirar essas famílias dali mesmo porque é essa lógica dos empreendimentos grandes, uma higienização do entorno... então aparentemente seria um caso fácil de ganhar, mas não foi. A prefeitura pressionou indiretamente, sem falar para os moradores seu interesse na reintegração de posse, que seria bem mais barato para ela (Prefeitura), do que incorporar essas famílias no plano tendo que indenizar essas famílias todas, e dessa forma era só enxotá-las de lá. A Prefeitura fazia uma fala dupla (Profa. Dra. Fabiana Severi, Ribeirão Preto) (grifos nossos).

42


Entende-se então, as intencionalidades criadas no âmbito do que a Professora Fabiana sintetizou muito bem, uma grilagem contemporânea, caracterizada pelo processo de urbanização, cujos agentes não são somente os donos da terra, mas também o capital corporativo imobiliário. Bem como a partir dos resultados publicados no EIA favoráveis a implantação do Aeroporto Internacional, e como isso influenciou diretamente nos processos de desapropriação ocorridos a partir de 2011, sobretudo, o mais marcante deles, em julho de 2011 na Favela da Família. Após a decisão liminar de reintegração de posse que estabelecia a remoção de aproximadamente 600 pessoas que viviam em parte de uma área particular, as forças policiais, junto à cavalos, cachorros e tratores, se encaminharam ao local e por meios violentos com uso de gás lacrimogênio, agressão e intimidação, expulsaram a população do local6 (Figura 9). O acontecimento, sensibilizou a sociedade ribeirão-pretana, que promoveu algumas manifestações e movimentos sociais (SANTOS, A. 2015).

Vídeo que registra a remoção: <https://www.youtube.com/watch?v=jgTN7mpPZeA> Acesso em 12 mar 2019. 6

43


Figura 10 - Remoção violenta da Favela da Família em 2011. Fonte: Carta em defesa dos moradores da favela no entorno do Leite Lopes. Disponível em: <http://novoaeroportoribeiraopreto.blogspot.com/2012/02/> Acesso em: 23 jun 2019. Alterado pela autora, 2019.

O Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (NAJURP-FDRP/USP)7 da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP) elencou em um de seus painéis diversos motivos pelos quais não faz sentido que o aeroporto seja ampliado,

O NAJURP (Núcleo de Assessoria Jurídica Popular) da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto atuou de forma intensiva para a melhoria das condições da população que vive no Jardim Aeroporto, principalmente na Comunidade João Pessoa e Nazaré Paulista, até o encerramento das suas atividades em 2018. O trabalho continua até hoje, nas mãos de advogados, agora formados, que participaram do grupo durante sua existência. 7

44


e dentre eles está o fator social: não se pode pensar em desabrigar a população residente sem o prévio planejamento de moradia que contemple essas pessoas. Portanto, o que podemos compreender até então é que estamos diante de um panorama no qual convivem diversas contradições, tanto de um discurso do poder público, como a partir dos interesses particulares a respeito da propriedade dos terrenos – que serão melhor exemplificados a seguir – e, dessa forma, essa contradição é transformada em disputa, de certa forma injusta, dado que mais uma vez as forças hegemônicas que regem a produção do espaço urbano mostram suas forças de ação.

Figura 11 - Via adjacente ao perímetro do Aeroporto na Comunidade Nazaré Paulista. Fonte: acervo pessoal da autora, 2019.

45


Dessa forma, a situação apontava para a recorrência destes acontecimentos em outras áreas alvo da reintegração de posse, as Comunidades João Pessoa e Nazaré Paulista. Sendo assim, com o auxílio do NAJURP, a população foi capaz de recorrer à decisão, além de garantir a propriedade de algumas áreas através de usucapião coletivo. Outras áreas ainda estão em processo na justiça, e algumas, afetadas diretamente pela expansão, terão seus moradores vinculados ao sistema de contemplação de moradias. Sem dúvida, estes acontecimentos indicam a crescente e marcante participação desta população através da politização e educação jurídica proposta pelos alunos e professores do NAJURP, e seus efeitos na conquista de seus direitos enquanto cidadãos. Mesmo diante de interesses particulares com grande aceitação da sociedade ribeirãopretana (até então). Os acontecimentos que envolvem as Comunidades Nazaré Paulista e João Pessoa serão retomados na próxima parte.

46


parte III

fragmentos: do aeroporto Ă favela

47


48


o aeroporto estadual dr. leite lopes Os aeroportos possuem, de maneira geral, importantes papéis no funcionamento das cidades. O transporte aéreo se qualifica como um dos maiores estimuladores das relações econômicas e do movimento de produtos e pessoas (COSTA, 2016). Portanto, podemos dizer que se configuram em equipamentos que podem trazer diversos benefícios para o contexto de uma cidade, que no caso de Ribeirão Preto, já se configura como um importante entreposto comercial. Mas para tanto é essencialmente necessário que exista um adequado e minucioso planejamento, para evitar situações como a do Aeroporto Leite Lopes. Sobre o Aeroporto em questão, nos vemos diante de questões que tangem não somente as necessidades de uma cidade como Ribeirão Preto, mas também interesses particulares consolidados através de forte exposição midiática, aliados a Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) que desconsideram a situação atual do Aeroporto e seu entorno, o classificando, equivocadamente, como o sítio mais apto a receber as obras de expansão. Responsáveis por relevantes impactos ambientais nos centros urbanos, os aeroportos geralmente estão envolvidos em conflitos referentes ao uso e ocupação do solo, representando um dos maiores agentes de degradação ambiental e social, necessitando, portanto, de um eficiente estudo locacional que contemple parâmetros sociais, ambientais, além dos técnicos e econômicos (FURLANETTO, 2012, n.p.).

Dentre os principais impactos gerados por um aeroporto, podemos dar foco aos que afetam diretamente a vida das pessoas que habitam seu entorno: os ruídos gerados pelas aeronaves; a emissão de gases poluente e de efeito estufa; os resíduos sólidos e líquidos gerados; os riscos de acidentes; conflitos em relação ao ordenamento e à ocupação do solo (FURLANETTO, 2012, p.19). Por isso, as agências ligadas ao setor da aviação trabalham medidas capazes de minimizar estes efeitos, estabelecendo normas que devem ser cumpridas antes da implantação de um aeroporto, com objetivo principal de reduzir o impacto dessas

49


atividades no meio ambiente e na vida das pessoas (FURLANETTO, 2012). Mas podemos observar, que mesmo os aeroportos que se empenham em cumprir essas medidas ainda enfrentam importantes conflitos devido à magnitude destes impactos, evidenciando também a superficialidade das mesmas medidas, “que ao não estabelecerem limites suficientes, revelam a disjunção entre a teoria da sustentabilidade e a prática real” (FURNALETTO, 2012, p.26). Portanto, fica clara a complexidade que a implantação de um aeroporto pode trazer para o contexto urbano. A ação de um planejamento coercitivo no que tange o conteúdo social, valorizando alguns fragmentos da cidade em detrimento de outros, e sobretudo a não priorização dos fatores ambientais e sociais frente às lógicas de mercado, contribuem ativamente para situações como a do Aeroporto Leite Lopes, que, de maneira geral, é capaz de gerar todos os impactos elencados anteriormente.

Figura 12 - Vista aérea do Aeroporto Leite Lopes. Fonte: Foto: Titolivio de Oliveira Neto, 2011; Revista Aerolatina, 2011.

50


Em 1995, No Plano Diretor Municipal, foi previsto que seria necessária a transferência do aeroporto para outra localidade mais apropriada, devido ao aumento progressivo do porte das aeronaves bem como para garantir a segurança e saúde pública da população que reside no entorno. (...) os EIAs elaborados pelos consultores do DAESP indicam o sítio Leite Lopes como local mais apto à implementação do aeroporto internacional, ignorando a situação atual do aeroporto de Ribeirão Preto (...). Assim, desconsidera-se o fato de estar completamente inserido na malha urbana do município, em uma região densamente povoada, o que poderá resultar em transtornos aos moradores do entorno ao mesmo tempo em que restringe os planos de ampliação de seus administradores. Contudo, os fatos expostos demonstram a baixa qualidade da discussão presente nos estudos sobre as alternativas locacionais dos EIAs, o que de fato, reflete de forma negativa, prejudicando toda a avaliação de viabilidade ambiental da atividade em questão, com um aumento do nível de incertezas e diminuição da confiabilidade sobre o processo decisório da escolha da alternativa locacional (FURLANETTO, 2012, p.45).

Furlanetto (2012) elabora uma matriz de análise comparativa dos critérios estabelecidos no EIA elaborado em 2007, e os revisa, comparando os sítios alternativos de acordo com os parâmetros econômicos, ambientais e técnicos, para determinar qual seria a melhor alternativa para a implantação do aeroporto, e conclui que o sítio Leite Lopes não é o mais apto, pelo contrário, na conclusão dos levantamentos, ele ficou em oitavo e último lugar na colocação (Quadro 3). Quadro 3 - Colocação e pontuação final de todos os oito sítios alternativos conforme estabelecidos no EIA e revisão. Extraído de FURLANETTO (2012, p.42). Colocação

EIA

Leite Lopes

Galo Bravo I

Galo Bravo II

Sertãozinho I

Presídio I

Jardinópolis

Sertãozinho II

Presídio II

Pontuação

156

150

141,5

126,5

125

120,5

119

105,5

REVISÃO

Galo Bravo II

Galo Bravo I

Sertãozinho I

Sertãozinho II

Jardinópolis

Presídio I

Presídio II

Leite Lopes

Pontuação

149

148

142,5

135

129

128

122,5

90

51


Dentre os principais parâmetros utilizados por Furlanetto (2012) para avaliar as condições do Sítio Leite Lopes, devemos destacar aqueles nos quais o sítio em questão se enquadra de maneira negativa, reforçando a inaptidão da área quanto ao seu uso, e levantando os aspectos nos quais o EIA elaborado contém informações erradas, as conclusões podem ser observadas no Quadro 4:

Quadro 4 - Parâmetros considerados na revisão o EIA e sua aplicação ao Sítio Leite Lopes. Fonte: FURLANETTO (2012).

Acessibilidade Distância do centro urbano regional Interferência com sistema viário existente

O acesso passa, necessariamente pela malha urbana, o que gera muitos transtornos; a expansão da pista significaria a obstrução da principal via de acesso para alguns bairros, causando a segregação dos mesmos, e interferindo na mobilidade urbana

Cursos de água

O EIA não identificou a presença do Córrego das Palmeiras

Obstáculos naturais

O EIA não considerou os remanescentes de vegetação nativa

Condicionantes meteorológicas

O EIA não registrou a potencial formação de nevoeiros devido à proximidade com um curso de água

Construção do aeroporto e acessos

Seriam necessárias muitas obras e custos elevados

Compatibilidade com a legislação de uso do solo municipal Conflito com o uso do solo urbano

Pela legislação municipal e Plano Diretor, o sítio Leite Lopes estaria descartado

Alteração da paisagens e indução de usos Supressão da vegetação Perda ou alteração dos habitats

52

No EIA não foi considerada a expansão do Leite Lopes, que aumentaria a impermeabilização do solo, além de não


Alteração da permeabilidade do solo Risco para atividade do entorno Ruído aeronáutico

considerarem a presença do Aquífero Guarani neste sítio É o sítio que apresenta maior potencial de causar perturbações

Sendo assim, as observações feitas por Furlanetto (2012) apontam para a viabilidade de outras alternativas locacionais para a implantação de um empreendimento deste tipo, e o autor indica os Sítios Usina Galo Bravo I e II e os sítios Sertãozinho I e II como as melhores opções do ponto de vista técnico, ambiental e econômico. Figura 13 - Alternativas locacionais pré-selecionadas nos EIAs de 2005 e 2007. Fonte: Dados: DFREIRE (2007); Base cartográfica: IBGE (2010). Elaborado pela autora, 2019.

53


Podemos compreender, sobretudo, a inviabilidade do EIA apresentado, elaborado de forma tendenciosa. Sobre isso, Furlanetto (2012) compara a situação à revisão do EIA dos aeroportos do estado de São Paulo: (...) tende-se a favorecer alternativas já empregadas no passado, raramente uma opção inovadora é considerada; há insuficiência de informações confiáveis e atualizadas; a participação pública pouco influencia a decisão, pois ocorre de forma precária e após a definição dos rumos essenciais já terem sido considerados; existe o levantamento arbitrário de alternativas, ou seja, não baseado em critérios de decisão previamente definidos, culminando na inclusão de alternativas sabidamente inviáveis com intuito de “enriquecer” o estudo; ocorre a exclusão de importantes alternativas antes da análise mais detalhada e sem justificativa plausível; e a não consideração da alternativa de nãoação é corrente (FURLANETTO, 2012, p.65-66).

O autor destaca que em 2005, quando o primeiro EIA foi apresentado a população teve importante papel para barrar a aprovação do estudo, ao pressionar as autoridades durante a audiência pública, demonstrando que a participação da sociedade é essencial para evitar situações como a que encontramos hoje no Aeroporto Leite Lopes (FURLANETTO, 2012). Portanto, concordando com Furlanetto (2012) é relevante que se defenda a transferência do aeroporto para outra localidade, que como vimos anteriormente, se adequaria em uma gama abrangente de opções viáveis (Figura 13). É igualmente relevante que para a implantação de empreendimentos dessa magnitude sejam realizados os estudos previamente a escolha da área – não apenas o EIA, mas outros que analisem os mais diversos fatores problemáticos -, levantando mais de uma opção, para evitar as falhas que podemos observar a partir do caso de Ribeirão Preto. Em Janeiro de 2019 conclui-se a primeira etapa da ampliação da pista do Aeroporto Leite Lopes, custando R$ 3,9 milhões para a implantação das áreas de giro nas

54


cabeceiras e áreas de taxiamento. O próximo passo seria a licitação para a construção de um viaduto entre as avenidas Brasil e Thomaz Alberto Whately8. Infelizmente, estes acontecimentos nos mostram que, mesmo sem a resolução dos conflitos a respeito dos terrenos do entorno do Aeroporto, ainda está em pauta – e sendo executada – dar continuidade aos planos de expansão do Aeroporto. O que também evidencia a baixa prioridade que a administração municipal dá para a questão da moradia, que frente ao desenvolvimento se torna uma pauta sem qualquer relevância. Portanto, daremos continuidade à discussão a partir dos conflitos que envolvem duas comunidades específicas: Nazaré Paulista e João Pessoa, que aparecem como as mais expressivas em relação a busca pelo direito à cidade, e serão tomadas como perspectivas para que a proposta inserida neste trabalho possa contribuir de maneira positiva às suas reinvindicações.

Concluída 1ª etapa de obras na pista do Aeroporto Leite Lopes em Ribeirão Preto. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2019/01/27/concluida-1a-etapa-de-obrasna-pista-do-aeroporto-leite-lopes-em-ribeirao-preto.ghtml> Acesso em: 25 de abril de 2019. 8

55


56


nazaré paulista e joão pessoa como centro do conflito: direito à cidade e os interesses particulares da política local A favela é o abrigo coletivo dos vencidos, e no esforço competitivo pelos bens urbanos as áreas faveladas são também as vencidas em termos de escolas, negócios, lojas de quinquilharias, ruas iluminadas, livrarias, serviços sociais além de tudo o que é comumente útil, com pouca oferta. A favela, então, é uma área onde a população carece de recursos para competir com o sucesso, e onde coletivamente há necessidade de controle sobre os canais através dos quais tais recursos são distribuídos ou mantidos. Isto pode sugerir algumas novas abordagens ao planejamento metropolitano – reconhecendo-se a necessidade de redistribuição de poder, de acesso mais amplo a recursos e de expansão da escolha individual àqueles que têm sido consistentemente deixados à margem (SHERRARD, 1968, p.10) (grifos nossos).

Iniciamos este subcapítulo com esta colocação, para introduzir a análise dos processos ocorridos nas comunidades Nazaré Paulista e João Pessoa, passando então para outra cena, em outra escala, um outro fragmento: a comunidade. Aqui, analisaremos os processos judiciais que envolvem as comunidades citadas e suas consequências na vida da população, e por fim, pretende-se compreender o papel do interesse político e privado que estimulou este complexo desenrolar de acontecimentos e como ele influencia na realidade encontrada hoje no local. Dos treze assentamentos encontrados no entorno do Aeroporto, seis se caracterizam como sendo os mais carentes em infraestrutura. E é em duas dessas comunidades que encontramos os conflitos mais marcantes pela questão da terra frente aos processos civis, bem como da politização da população para uma verdadeira

57


compreensão de seu papel na cidade para a justa reinvindicação de seus direitos: as Comunidades Nazaré Paulista e João Pessoa.

Figura 14 - Comunidades Nazaré Paulista e João Pessoa sobrepostas ao projeto de expansão do Aeroporto. Fonte: G1; Base Cartográfica: Google Earth (2019). Elaborado pela autora, 2019.

Juntas, as favelas somam um total de 728, pessoas, e ocupam uma área que está localizada às margens da pista do Aeroporto, e que têm, também, importante papel nos projetos de expansão do mesmo, sendo a Nazaré Paulista diretamente afetada pela ampliação - por ter uma parte de sua extensão dentro da implantação do Aeroporto

58


ampliado - e a João Pessoa indiretamente - dado que se localiza em uma área que futuramente servirá para indústrias e empreendimentos voltados às necessidades do Aeroporto (Figura 14). Dada a complexidade e extensão dos processos relativos as comunidades daremos enfoque aos principais acontecimentos, relacionando-os com os conteúdos abordados anteriormente. Como este trabalho não se dá no âmbito do Direito em si – não cabendo usar termos específicos e análise minuciosa dos autos dos processos -, faremos uma discussão pautada nas questões de direitos humanos e urbanísticos, de forma a evitar o desvio do assunto principal: os conflitos e seus resultados na população e no espaço. Para tanto, utilizaremos as análises feitas por Ana Mauer Santos (2015), que examina as peças principais do fluxo processual destacando as questões centrais que contribuem para o entendimento da questão, bem como a entrevista concedida pela Profa. Dra. Fabiana Severi no dia 18 de abril de 2019, em parte já trabalhada na parte anterior, na qual obtivemos dados sobre a origem e desenvolvimento dos processos. Segundo Ana Mauer Santos (2015), a abertura do processo de reintegração de posse se deu no dia 24 de fevereiro de 2014 pelas empresas San Marino Empreendimentos Imobiliários e a construtora Stéfani Nogueira Engenharia, que diziam ser representantes dos proprietários dos terrenos. Este processo visava, inicialmente, a área da extinta Comunidade Nelson Mandela, com a premissa de que a área havia sido invadida recentemente e teria sido alvo de esbulho9 por parte dos invasores, alegando que não havia infraestrutura prevista pela Prefeitura, e que, portanto, a mesma não havia autorizado a presença de moradias no local, e também, que de acordo com o zoneamento, o local teria sido definido quanto ao uso do solo, não sendo propenso à moradia (SANTOS, A. 2015, p.129).

9

Termo jurídico: ato de usurpação pelo qual uma pessoa é privada, ou espoliada, de coisa de que tenha propriedade ou posse.

59


No dia 5 de março de 2014 sai a primeira decisão da Juíza responsável pelo processo, Marta Rodrigues Maffeis Moreira, na qual ela decide pela não remoção das famílias em urgência, dando oportunidade para que as mesmas possam organizar sua defesa. Porém, no mesmo dia, a Juíza expede o mandado de reintegração de posse. Após audiência de conciliação, ficou decidido que os ocupantes não poderiam permitir o aumento do número de famílias no local (sendo no máximo 150) e que desocupariam a área voluntariamente num prazo de 60 dias. “Decorrido o prazo de 60 dias, houve a retirada da imensa maioria das 150 famílias da Comunidade Nelson Mandela (...)” (SANTOS, A. 2015, p.133). Após este período, ficaram no local apenas 3 das 150 famílias residentes, e mesmo assim foi protocolado um novo pedido de reintegração de posse para a área. Assim, a pedido da Polícia Militar, é feito um estudo no qual constata-se que haviam aproximadamente 200 barracões nas áreas delimitadas para reintegração de posse, e que para tanto, deveria existir uma análise minuciosa antes do cumprimento da ação, para que não houvesse prejuízo à nenhuma das partes envolvidas. Entretanto, as fotos que constam nos autos, que seriam referentes a estes barracões, na verdade se referem às Comunidades Nazaré Paulista e João Pessoa que à princípio não faziam parte da área determinada no processo (SANTOS, A. 2015). A essa altura do Processo já é possível perceber o aumento e complexificação das tensões e disputas entre os vários agentes públicos envolvidos no processo: Ministério Público, Magistratura, Defensoria Pública e Polícia Militar e Oficiais de Justiça. Cada um vai explicitando suas percepções sobre os conflitos sociopolíticos inscritos no processo judicial e posicionando-se de forma diferenciada diante dos pedidos dos autores. Até esse momento, os interesses e direitos dos réus são trazidos ao processo por aqueles agentes que, tecnicamente, são responsáveis apenas pelo cumprimento de decisões: os Oficiais de Justiça e a Polícia. São eles também os únicos que compareceram ao local, conheceram a área, as pessoas ali instaladas e as benfeitorias ali realizadas (SANTOS, A. 2015, p.139).

60


A defesa então se apoia no Direito à Moradia, garantido pelo Art. 6º da Constituição Federal de 1988, e reforça a garantia de acesso dos habitantes à políticas públicas de inclusão social, principalmente as ligadas à moradia. E assim, pede pela suspensão do cumprimento da reintegração, pedindo também um devido levantamento da área pela Prefeitura, para que a população seja adequadamente inclusa nos programas habitacionais. Foi então, com essa manifestação da Defensoria, que o tema direito à moradia é mencionado no processo pela primeira vez e o conflito em questão, de simples problema de posse e propriedade entre particulares é tratado por tal agente como um conflito de natureza coletiva envolvendo direitos humanos (SANTOS, A. 2015, p.140).

Entre 16 e 18 de junho de 2015, fica decidido pelo cumprimento do mandato de reintegração de posse, de forma que se priorize a notificação aos réus, além do fornecimento de apoio material para mudança. É a partir do cumprimento desse mandato que o NAJURP toma conhecimento do processo judicial corrente no local (SANTOS, A. 2015, p.141-142). Aproximadamente 7 meses após a saída das famílias da Comunidade Nelson Mandela, inicia-se a notificação dos moradores das Comunidades Nazaré Paulista e João Pessoa para que deixassem a área. Pela primeira vez este processo se deu de forma coerente, “dando ciência aos moradores de todas as quadras envolvidas o processo”. Porém, é dessa forma, através da visita dos Oficiais de Justiça, que os moradores tomam conhecimento do processo de reintegração de posse, tendo corrido todo esse tempo sem que os atingidos pudessem realizar qualquer defesa a seus direitos. É aqui que o NAJURP se insere na problemática: Após diversas reuniões com as comunidades envolvidas, foi consenso que era necessário fortalecer a organização das comunidades para que pudessem lutar jurídica e politicamente em favor de seus direitos. Seria necessário buscar realizar a defesa judicial das comunidades ali envolvidas, e estabelecer estratégias de defesa em conjunto com outros atores, tanto com os órgãos públicos como com outros movimentos

61


populares e sociais e coletivos políticos de Ribeirão Preto e mesmo outros grupos parceiros de outras localidades. Para isso, os representantes das comunidades João Pessoa e Nazaré Paulista iriam procurar a Defensoria Pública de São Paulo para que ela pudesse intensificar a defesa no processo. Além disso, o NAJURP, de modo coordenado com a Defensoria, iria procurar realizar a defesa judicial dessas comunidades no processo (SANTOS, A. 2015, p.143).

O NAJURP fica responsável então pela defesa dos interesses das famílias das Comunidades Nazaré Paulista e João Pessoa, e assim, pedem novamente pelo devido levantamento e cadastramento dos ocupantes. Aqui, a Profa. Dra. Fabiana Severi, que participou ativamente dos processos resume: Foi o seguinte, a imobiliária falou: eu tenho esse terreno aqui, esse pedacinho aqui que fazia parte da Nazaré Paulista, que tinha um processo lá atrás que pedia reintegração de posse... as famílias não saíram (o que é mentira, porque as famílias saíram) e agora a gente (imobiliária) quer que todas saiam. Só que o mapa apresentado no processo demarcava uma área muito maior, e nessa área muito maior pegava a João Pessoa. E como ficamos sabendo desse processo? Porque alguém da João Pessoa foi intimado pelo oficial de justiça, aí a gente foi atrás do processo e vimos que esse processo estava inclusive pedindo pra sair pessoas que nem estavam nessa área do processo inicial. Já que provocaram a gente a gente acabou reagindo na proteção de todo mundo (Profa. Dra. Fabiana Severi, Ribeirão Preto).

Após diversos argumentos apresentados pela Defesa, entre eles a significativa falta de documentação necessária para corroborar o pedido de reintegração de posse, bem como a notificação indevida por parte do oficial de justiça, a Juíza decide pela suspensão do processo de reintegração de posse “para que sejam regularizadas as questões pendentes”. Todavia, passados alguns dias dessa decisão, a Juíza, munida de documentos – levantamentos e mapas - trazidos pelos autores do processo, volta atrás em sua decisão e efetiva o cumprimento da reintegração de posse, marcando-a para o dia 19 de agosto de 2015. Aqui, a Prefeitura, pela primeira vez, insere-se como terceiro interessado pelo processo, alegando interesse público na causa

62


com fundamento no artigo 182 da Constituição Federal, afirma que seu interesse consiste na “garantia do bem-estar de seus habitantes”, devendo ser considerada a entrada da Municipalidade, devido à existência de “ruas no local invadido, conforme mapa do loteamento”, e à “delicadeza da situação, dado o grande número de pessoas que residem no local”(SANTOS, A. 2015, p.155).

A administração municipal do período no qual estes acontecimentos se inserem era da ex-Prefeita Dárcy Vera (PSD), agora em seu segundo mandato. Sobre isso, a Profa. Dra. Fabiana Severi, insere, novamente: Ela era bem populista naquela área, ela colocava os secretários para fazer uma fala dupla ali, mas ela tava agindo pelas costas, junto às imobiliárias... então sempre foi uma relação complicada, de uma fala populista ali, mas uma atuação em apoio a essas imobiliárias (Profa. Dra. Fabiana Severi, Ribeirão Preto).

Portanto, podemos começar a enxergar o papel da gestão municipal no enredo por trás das reintegrações de posse. É um raciocínio simples: para a Prefeitura a expansão do Aeroporto é vantajosa do ponto de vista econômico, porque se tornando internacional, a cidade teria um papel muito mais importante em relação ao mercado externo. Mas ao mesmo tempo, deveria ser mantido o papel de defensora dos direitos dos cidadãos. Sendo assim, temos um complexo jogo de interesses que moldam todo o conflito sobre a posse dos terrenos. Retomando a descrição dos autos dos processos, no dia 17 de agosto de 2015, a Juíza indefere o pedido de suspensão do processo principal, alegando (com base apenas os fatos narrados pelos autores, sem qualquer tipo de prova material) que a área não é propensa à moradia, devido a falta de infraestrutura e ruído das aeronaves, e que a ocupação se deu de forma “desordenada”, não respeitando o arruamento previsto pelo loteamento, e finaliza dando foco aos malefícios da proximidade com o aeroporto e falta de infraestrutura para a saúde dos moradores (SANTOS, A. 2015). Devido a um erro de digitação em um dos documentos fornecidos pelos requerentes, o processo passa por um período de correção, no qual é solicitado que se

63


faça uma perícia detalhada do local, a fim de evitar outros erros. Após a regularização da documentação, o Ministério Público se envolve no processo, alegando que sua presença é indispensável, e, portanto, pede pela extinção do processo, alegando mais uma vez que os documentos anexados ao processo continham erros, não sendo capazes de comprovar a continuidade das ocupações. Assim, o representante da Promotoria Especializada em Conflitos Fundiários justifica o pedido de extinção do processo: Não se trataria de invasão, mas de ocupação por “pessoas que estão vivendo em situação limite, na miséria, à beira da completa exclusão”. Além da assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados, há o dever inafastável de proteção integral à família, à criança e adolescente, ao idoso, ao deficiente, do Estado, que não pode proceder simplesmente pelo despejo (SANTOS, A. 2015, p.163).

Os autores do processo iniciam então uma sucessão de argumentações para justificar o pedido de reintegração de posse, alegando que os “legítimos proprietários” exercem sua função para com os terrenos, pagando o IPTU, e sobretudo dizem cumprir a função social da propriedade, mesmo que, segundo eles, isso não caiba aos particulares donos da propriedade, e sim às entidades públicas, mas que, apesar disso, cumprem suas obrigações “mesmo não podendo utilizá-los pela inércia do Poder Público Municipal” (SANTOS, A. 2015, p.167). Após a inaptidão em intimar as famílias a cumprir a desocupação voluntária estabelecida na última decisão proferida pela Juíza, o Secretário da Casa Civil e presidente do Conselho Municipal de Moradia Popular (CMMP), Layr Luchesi Júnior, anexa um documento no qual pede pela suspensão da reintegração de posse, pois considera que muitos moradores estão amparados pelo direito de usucapião previsto no Art. 182 da Constituição Federal, e que portanto seja realizada uma audiência de conciliação entre as partes de forma que a questão se resolva de forma pacífica, evitando que dezenas de famílias fiquem desabrigadas.

64


Por fim, passado um mês do pedido, entra uma nova Juíza nos autos da ação, Fernanda Teixeira Magalhaes Leão, que decide pela suspensão da reintegração de posse, considerando que “a reintegração tratada nestes autos envolve comunidade carente, composta por mais de 150 (cento e cinquenta) famílias, incluindo crianças, animais e bens materiais dos envolvidos, todos situados em área de grande extensão”, e que dada a complexidade envolvida seria necessária a suspensão do processo (SANTOS, A. 2015, p.170). O processo ainda está em curso, mas, essa suspensão foi, de longe, uma imensa vitória para as Comunidades Nazaré Paulista e João Pessoa, e representam um enorme passo na busca pela defesa de seus direitos enquanto cidadãos (SANTOS, A. 2015). O que podemos observar também, a partir das perspectivas dos advogados que atuaram junto à Comunidade João Pessoa ao longo deste processo, é a “falta de transparência nas decisões, de acesso a informações, e da negligencia com relação à demanda pela efetivação do direito à moradia adequada (SANTOS, 2015, p.98). O que significa dizer, que todos os interesses particulares que motivaram o conflito – inclusive da própria administração municipal – foram na contramão da proteção e garantia dos direitos fundamentais, assim como “reiteraram uma postura de desconsideração do poder-dever do Estado Brasileiro quando se tratam de favelados” (SANTOS, A. 2015, p.98). Fomos percebendo que os enfrentamentos conjuntos do NAJURP, representantes das comunidades e de movimentos sociais frente às dificuldades de participação popular na gestão pública da cidade e aos obstáculos do acesso à justiça podem ser traduzidos, essencialmente, enquanto o próprio processo de luta pelo reconhecimento desses moradores e moradoras de favela enquanto sujeitos de direitos e pela significação de sua cidadania (SANTOS, A. 2015, p.98).

O que significa dizer, que apesar dos obstáculos enfrentados, um dos maiores ganhos que a população e as pessoas engajadas à causa podem comemorar é a crescente politização de um grupo de pessoas que não tinham dimensão de seus direitos enquanto cidadãos, e que agora, podem reconhecê-los e reivindicá-los.

65


Sobre essa insurgência do reconhecimento de seus direitos fundamentais, podemos inserir o que Holston (2013) debate: (...) a ilegalidade residencial gera uma insurgência de direitos políticos e civis entre os pobres urbanos, que aprendem a usar a lei para legitimar suas reinvindicações de terra e que por isso competem em arenas legais das quais têm sido excluídos. (...) para as classes trabalhadoras das periferias autoconstruídas, a moradia ilegal instaurava a oportunidade de legitimar a propriedade de terra não só por meio da legalização das reinvindicações, mas também por um novo tipo de participação na lei e uma nova cidadania participativa que exigem inclusão total (HOLSTON, 2013, p.266-267).

Portanto, podemos entender que surge uma sucessão de consequências quando, de alguma forma, negam-se os direitos sociais de um grupo de pessoas, não os considerando cidadãos e não esperando que exerçam sua cidadania. O que podemos enxergar é que, ao agir dessa forma os autores dos processos (imobiliárias; Prefeitura), provocaram essas pessoas a entender de fato o seu papel na construção de uma cidade mais justa, e involuntariamente os fizeram garantir seus direitos apoiados na lei. Retomando o debate sobre direito à cidade e justiça social, Rolnik (1997; 2015) contribui ao dizer que é impossível que se garanta cidadania a todos dentro de uma lógica de mercado. E que, é através do planejamento urbano e uso de instrumentos jurídicos que o poder econômico age sobre a cidade. Portanto, ao olharmos para Ribeirão Preto, sobretudo a questão do Complexo Aeroporto, podemos entender que se trata de um planejamento interessado, que é mostrado como “desenvolvimento municipal”, mas que na verdade representa um discurso de venda de um produto para uma cidade. (...) percebemos que as preocupações governamentais de planejamento urbano não eram centradas em se executar uma política habitacional que atendesse às necessidades da população do entorno do Aeroporto. Pelo contrário, qualquer grupo que se manifestasse contrário ao projeto de expansão era tido como inimigo do desenvolvimento de Ribeirão Preto (SANTOS, A. 2015, p.101).

66


Sendo assim, mais uma vez retomamos a ideia do direito à cidade, que para Lefebvre (1969) é um direito coletivo de transformação da cidade, e não representa apenas o direito de ter uma moradia, mas garante que essa moradia seja digna e os permita viver da mesma forma. Todavia, em uma cidade como Ribeirão Preto, esse direito se restringe a outras parcelas da população, que são aquelas nas quais estão os “sujeitos de direito na medida de sua capacidade econômica” (SANTOS, A. 2015, p.102). E mais uma vez é possível materializar a fragmentação e segregação urbana no contexto trabalhado, e como o processo de urbanização resultou nestes conflitos e na negação de direitos fundamentais de grande parte da população de uma cidade – não sendo, obviamente, um exemplo isolado, mas sim a repetição de um padrão de urbanização extremamente comum nas cidades brasileiras. O Plano Diretor de Ribeirão Preto (Lei Complementar nº 2.866/18) garante, dentre outros princípios básicos, em seu Art. 3º: I - a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes; II - a garantia da dignidade urbana e do bem-estar da sociedade; III - a preservação, conservação e recuperação do meio ambiente; IV - o ordenamento do desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana; V - a universalização do direito à cidade; VI - a universalização da mobilidade e acessibilidade; VII - a sustentabilidade financeira e socioambiental da política urbana; VIII - a gestão democrática e controle social; IX - o estabelecimento de critérios ecológicos e de justiça social para a orientação do pleno desenvolvimento das diversas funções sociais da cidade e da propriedade; (...) (RIBEIRÃO PRETO, 2018).

Entretanto, já é possível perceber que, na realidade, o Município não age em defesa destes princípios, pelo contrário, tem mostrado, a partir de exemplos como o do Complexo Aeroporto, que prioriza o chamado desenvolvimento a fim de elevar a condição de Ribeirão Preto frente as outras cidades paulistas. E assim, deixa de olhar para os

67


problemas estruturais que estão em curso no sistema urbano, permitindo que a questão da moradia e o direito à cidade se tornem problemas complexos e de difícil resolução. Yan Bogado Funck (2018), outro membro do NAJURP, expõe a contradição na qual os discursos se encontravam, indicando que as reintegrações eram justificadas pelos autores dos processos com base no direito à moradia e à vida, dado que é inadmissível que pessoas vivam sem dignidade. Entretanto, os mesmos afirmam que a função social da propriedade não é cumprida pela presença das ocupações, e que, segundo os autores do processo, os terrenos deveriam servir ao bem coletivo (mesmo que a área esteja em situação de abandono), e, portanto, não efetivando qualquer direito (FUNCK, 2018. p.74). Podemos entender a incoerência do discurso proferido pelos autores, uma vez que, mesmo sendo alvo de ocupações irregulares, as áreas do entorno do Aeroporto cumprem muito mais a função social da propriedade ao abrigar essas pessoas que foram negadas de seus direitos básicos do que retornando ao seu estado inicial de abandono – mesmo que futuramente se destine a uso industrial. Então de quem é a culpa? Dos donos dos terrenos, que não cumpriram a função social da propriedade ao longo de mais de 30 anos? Da administração local que priorizou um empreendimento em um local totalmente inadequado? Da população do entorno que, sem condições de habitar dignamente em outro lugar, e não apoiadas pelas políticas públicas, se viram obrigadas a morar em uma área de risco? Para entender melhor estas questões, mesmo que nos pareça quase impossível respondê-las, Ana Mauer Santos (2015) coloca em suas considerações: Preconceituosamente, fala-se de favela como algo nocivo à cidade e aos seus cidadãos. Mas, novamente, de que cidade e de quais cidadãos estamos falando? A favela é um espaço da cidade construído pelas pessoas que não têm condições de arcar com o custo que a cidademercadoria impõe. Se a favela é originada por ocupações irregulares, é porque o preço da terra urbana ou dos alugueis impostos pela especulação imobiliária são absolutamente incompatíveis com sua capacidade financeira. Se não há asfaltamento, iluminação pública, saneamento e fiação elétrica

68


adequados, é porque se deu um jeito de sobreviver onde bens e serviços básicos não têm lugar. Se nesses espaços vivem pobres, nortistas e nordestinos(as), pardos(as) e pretos(as), é porque essas pessoas foram e são marginalizadas ao longo da história do nosso país, no desenvolvimento de uma economia capitalista periférica, de ranço escravista, altamente desigual. Se lá há forte criminalidade, é resultado dessa marginalização e invisibilidade da cidade pobre, da cidade baixa, da anti-cidade; espaços historicamente privados de cidadania (SANTOS, A., 2015, p.104).

Portanto, de uma forma ou de outra, podemos perceber que os esforços da população residente do local, e dos grupos que se mobilizaram para ajudar na causa, tem surtido efeitos consideráveis na busca pelo direito à moradia. Além disso, a exposição midiática que envolve os conflitos tem, em parte, contribuído para que a questão seja discutida pela sociedade ribeirão-pretana, fazendo-nos pensar se é realmente necessário todo esse distúrbio para a efetivação de um empreendimento que, aparentemente, não é prioridade. É lógico que essa não é a posição da população como um todo, existem pessoas que concordam com a necessidade de um Aeroporto Internacional para levar Ribeirão Preto para uma posição de destaque frente às cidades médias, de porte médio e pequenas paulistas. Mas, podemos questionar a necessidade de que este Aeroporto seja no local do Sítio Leite Lopes, que já há alguns anos vem sendo palco de diversos conflitos e impactos, não só na população como também no meio ambiente. Sendo assim, na próxima parte do trabalho, serão discutidas medidas e propostas, em diferentes níveis escalares de atuação, a fim de reduzir os impactos causados pelo aeroporto, dando foco ao ponto de vista social, e tendo como decorrência a melhora nos aspectos ambientais e econômicos.

69


70


parte IV

cenรกrios

71


72


A partir dos levantamentos bibliográficos expostos, bem como da caracterização da área de estudo, em suas diferentes escalas e complexidades, serão propostos, primeiramente, três cenários de atuação possíveis no intuito de amenizar as discrepâncias que observamos ao longo deste trabalho. Ao longo do desenvolvimento das propostas ficou nítida a clara conexão entre elas, e a forma como é possível articulá-las através do aprofundamento das concepções projetuais em apenas uma delas. Portanto, diante das dinâmicas de diferenciação em curso em Ribeirão Preto, e seus efeitos nas configurações territoriais e, principalmente, no cotidiano daqueles que não tem poder de escolha sobre onde e como morar, devemos propor algo que minimize esses efeitos. Por isso, em um primeiro momento, trabalharemos com a possibilidade de transferência do Aeroporto para outra localidade. Nos apoiaremos na revisão dos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) e nos Planos Diretores de Ribeirão Preto. Daqui, partiremos então para um segundo cenário, a do Complexo Aeroporto, que sofre influência direta da presença de um empreendimento de grande porte, gerador de riscos dos mais diversos tipos, e que, sobretudo, vem afetando a vida dos moradores do entorno de forma significativa. Portanto, nesta escala, será proposta uma mudança de cenário: não mais um Aeroporto e sim um Parque Linear. Após as análises elaboradas até aqui, podemos entender que esta segunda proposta seria aquela com um maior potencial de articular as mudanças necessárias para garantir o direito à cidade, portanto, em um segundo momento – que será estruturado na parte V - nos aprofundaremos na realização deste projeto, de forma que possamos chegar a uma escala mínima de detalhamento, nos aliando a estudos de caso nos quais a mudança de usos trouxe resultados efetivos, e assim, proporcionar articulação entre as três propostas. Assim como articular a proposta com as dimensões empíricas introduzidas ao longo de todo o trabalho. No terceiro cenário nos aproximamos da escala da Comunidade, no caso das Comunidades Nazaré Paulista e João Pessoa, palcos dos principais conflitos atuais sobre a posse dos terrenos que formam as ocupações. Nesse recorte, mais próximo da escala

73


do indivíduo, e preocupados com o bem-estar e resolução dos conflitos existentes, articularemos os conceitos até então elencados e outros com conteúdos advindos da Arte e Arquitetura, buscando construir uma proposta capaz de, ao menos, promover mudanças no fragmento estudado, assim como buscaremos dar continuidade aos debates sobre a politização da população, e o reconhecimento de seus direitos enquanto cidadãos. Portanto, os cenários estão compostos por um conteúdo bastante complexo que envolve um conceito que, agora, nos parece chave para apreendermos a vida urbana no entorno do aeroporto – o conceito de periferia, como introduzido na parte I. A complexidade da área estudada, sem dúvida, se impõe frente a diferenciação socioespacial existente num mesmo fragmento – do aeroporto às comunidades temos escalas e cenas distintas. Vamos a elas.

74


propostas e diretrizes para um novo aeroporto Em um primeiro momento, é necessário que tenhamos em mente que o projeto de expansão do aeroporto já foi aprovado e está sendo implementado em várias etapas. Porém, não impede que, aqui, defendamos que o Aeroporto Internacional seja transferido para outra localidade. Portanto, neste primeiro cenário, pretendemos propor uma área específica para a implantação do aeroporto e os instrumentos urbanísticos necessários para efetivar essa ação. Para isso, nos apoiaremos na revisão do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) proposto por Furlanetto (2012), bem como em análises de legislações urbanísticas e ambientais, de forma que possamos elaborar um plano de diretrizes para uma possível remoção do aeroporto. Como abordado na parte III, existem diversos fatores sociais, ambientais e econômicos que desqualificam o Sítio Leite Lopes para a implantação de um Aeroporto Internacional, que a princípio teria sido escolhido com base na economia de custos. Porém, ao analisá-los, Furlanetto (2012) conclui que estes dados “são questionáveis e aparentemente infiéis à realidade” (p.35). O desenvolvimento de todo o aeroporto deverá ser baseado num plano diretor, cujo objetivo é o de determinar a finalidade e o tipo das instalações necessárias à comunidade e o método mais conveniente de financiar essas instalações. O plano diretor constitui um registro gráfico da concepção final do projetista para o aeroporto completo, indicando o desenvolvimento recomendável em uma sequência lógica, juntamente com uma justificativa desse desenvolvimento sob os pontos de vista técnico e econômico (HORONJEFF; MCKELVEY; SPROULE; YOUNG, 2010, p.119).

Portanto, podemos notar que, na implantação do Aeroporto Leite Lopes, não houve um planejamento adequado, de forma que não foram evitados os problemas que

75


encontramos no local atualmente. Dessa forma, podemos concluir que é necessário que se insira uma nova localidade para o Aeroporto. Dentre as alternativas possíveis, a que mais se destaca é o Sítio Galo Bravo. Faremos uma breve análise desta alternativa, de forma que seja possível perpassar os fatores necessários para corroborar a mudança de localização do Aeroporto.

sítio galo bravo II Tanto no EIA como na revisão do mesmo a metodologia usada foi a mesma. Sendo 8 sítios alternativos, as pontuações foram dadas de 1 a 8, e aquele que recebeu a maior pontuação na revisão proposta por Furlanetto (2012) foi o Sítio Galo Bravo II. Portanto, iniciaremos a análise dos parâmetros utilizados para elencá-lo como a melhor opção a fim de justificar a mudança do Aeroporto para esta localidade. A partir da Tabela 2 (Anexo 3) é possível notar a discrepância entre os resultados obtidos no EIA e a revisão do mesmo, e a forma como isso influi diretamente na decisão sobre o local destinado ao Aeroporto Internacional. Os parâmetros que têm relação com acessibilidade, impacto em cursos de água e na vegetação, e também o que diz respeito aos custos de construção do aeroporto são os que mais se destacam do ponto de vista da incoerências e informações infiéis sobre o Sítio Leite Lopes. Demonstrando mais uma vez a inaptidão do mesmo para uma ampliação. Ao mesmo tempo, é possível perceber a superioridade do Sítio Galo Bravo II frente às avaliações do Sítio Leite Lopes, o que nos mostra que dentre as opções elencadas (resultados finais na tabela 4), é a mais adequada, se opondo ao Sítio Leite Lopes em grande parte dos parâmetros avaliados. Sendo assim, em síntese, elaboramos um quadro com os principais parâmetros que afirmam a necessidade de mudança do Aeroporto assim como apontam as incoerências entre os investimentos necessários para efetivação da proposta em curso atualmente e aqueles necessário para a construção de um outro aeroporto.

76


Quadro 5 – Aspectos acerca da inaptidão do Sítio Leite Lopes. Fonte: FURLANETTO (2012); Elaborado pela autora, 2019.

Aspectos - Sítio Leite Lopes

Técnicos/Ambientais

Orçamentários

Sociais

Acessibilidade: passa necessariamente pela malha urbana

Construção do Aeroporto e acessos: 84,9 milhões

Conflito com relação ao uso do solo: de acordo com as leis de Uso e Ocupação e o Plano Diretor, o Sítio Leite Lopes é inadequado para receber um Aeroporto

Desapropriações: 118,7 milhões (1821 imóveis)

Alteração na paisagem e indução de usos

Remanejamento de interferências: 12,9 milhões

Perda, ou alteração dos habitats

Interferência no sistema viário existente: a expansão da pista significaria a obstrução da principal via de acesso para alguns bairros Cursos de água: interferência no Córrego das Palmeiras Obstáculos naturais: remanescentes de vegetação nativa

Condições meteorológicas: formação de nevoeiro próximo ao curso de água

Alteração da estrutura de preço da terra: desvalorização dos imóveis próximos ao Aeroporto Desapropriações e remoção de atividades econômicas: 110 estabelecimentos, 22 565m2 de áreas especiais

Risco para atividade e moradia do entorno

Segregação do território: parte da área urbana

O aspecto que mais nos chama atenção é o financeiro. Se formos comparar os gastos para a reforma do Aeroporto Leite Lopes com a instalação de um novo aeroporto

77


no Sítio Galo Bravo veremos que um novo empreendimento custaria 84,9 milhões de reais a menos para os cofres públicos, de acordo com os cálculos propostos pro Furlanetto (2012). Portanto, nossa proposta inicial se baseia em um plano de diretrizes que seja capaz de abordar os principais focos de melhorias que a mudança de localização poderia trazer para o Aeroporto e sobretudo para a cidade de Ribeirão Preto, visando minimizar os conflitos e contribuir para a redução das disparidades socioespaciais em curso nas cidades médias paulistas. Embora não constitua a solução completa para os problemas que surgem entre o aeroporto e a comunidade, o zoneamento é o principal meio de proteger os interesses tanto do aeroporto quanto dos ocupantes dos terrenos que o circundam. (...) para que seja válido, o zoneamento deverá ser autorizado por legislação estadual, promover o bem-estar do público em geral e não ser exorbitante, arbitrário nem retroativo (HORONJEFF; MCKELVEY; SPROULE; YOUNG, 2010, p.169-170).

Sendo assim, podemos compreender que se torna ineficaz insistir nas mudanças de zoneamento propostas para a área do Aeroporto atual, de forma que essa ação não protege interesses de nenhuma das partes envolvidas. Portanto, é apenas com uma nova localização, isenta de interferências pontuais e definitivas, que é possível caminhar na garantia de uma situação adequada para um aeroporto internacional. Dessa forma, podemos dar continuidade às propostas. A seguir nos aprofundaremos na proposta que se mostra mais promissora na garantia da articulação entre todas elas.

78


complexo aeroporto: um parque linear para a comunidade – referências projetuais A fim de esboçarmos aqui nossa proposta para o segundo cenário, nos apoiamos em três referências projetuais, a primeira e mais relevante é o Aeroporto de Tempelhof, construído entre 1920 e 1930, originalmente seria o aeroporto central de Berlim, capital alemã. Mas hoje abriga um dos parques mais impressionantes e visitados pela população berlinense (NEHER, 2018).

Figura 15 - Aeroporto Tempelhof em Berlim. Fonte: <https://gruen-berlin.de/en/tempelhofer-feld> Acesso em: 3 jun. 2019.

Sua localização se dá a 15 minutos do centro da cidade, e ocupa uma área de mais de 400 hectares “em uma área em pleno desenvolvimento imobiliário da capital alemã” (COMBERG, 2018). Se estivéssemos em qualquer outra metrópole, esta "mina de ouro" urbana teria sido arrebatada rapidamente há alguns anos, mas, se tratando de Berlim, a apropriação criativa desta histórica estrutura

79


prevaleceu sobre as narrativas de desenvolvimento urbano mais convencionais (COMBERG, 2018, online).

O local, além de aeroporto já foi usado como base militar, sendo tomado pelo exército soviético e depois entregue aos americanos. Em 1949, com a separação do país, o local se tornou o principal acesso à parte Ocidental (NEHER, 2018). O Aeroporto foi projetado por Earnst Sagebiel e Albert Speer, e se configura em um exemplo típico da arquitetura monumental e absolutista difundida no período entre guerras. Teve seu apogeu nos anos 1960, com enorme fluxo de passageiros (COMBERG, 2018). Tempelhof é fechado em 2008, e em 2010 inaugura-se o parque, e passa a se chamar Tampelhofer Feld (NEHER, 2018). Em 2009, a prefeitura começou a intervir na estrutura do aeródromo para transforma-lo em um enorme parque público. Uma das áreas verdes mais amadas pelos berlinenses que procuram fugir da alta densidade dos bairros urbanos para correr, andar de patins e divertir-se com amigos e familiares (COMBERG, 2018, online).

Hoje a área possui 6 km de pista de ciclismo, skate e corrida, um campo para passear com cães e uma enorme área para piquenique. O Aeroporto de Tempelhof se insere como uma novidade dentro do campo da apropriação criativa, se tornando um projeto interessante e que trouxe outro valor a um equipamento de grande porte, que em outras circunstâncias poderia facilmente se tornar um vazio urbano. Uma característica que podemos destacar também, é a colaboração da população na elaboração de determinadas áreas do parque, deixando os espaços livres para o imaginário de quem o utiliza efetivamente. É uma proposta que pretendemos inserir ao se tratar do segundo e terceiro cenários, como veremos mais adiante.

80


Figura 16 - Diversidade de usos do Parque. Fonte: Der Tagesspiegel (2018).

Retomando a caracterização do projeto, de 2008 até hoje o local já passou por diversas transformações e usos, servindo, inclusive como abrigo para refugiados, e também teve parte de sua área destinada ao setor imobiliário (NEHER, 2018). Desde 2015,

81


cerca de 1200 refugiados sírios, iraquianos e afegãos estão vivendo em dois hangares do aeroporto, fazendo dele sua residência temporária (COMBERG, 2018). Para muitos cidadãos, no entanto, a apropriação deste espaço monumental continuou a suscitar uma possível gentrificação do bairro foram muitos os investidores que tentaram, de alguma maneira, se apropriar da área para desenvolvimentos imobiliários. Até mesmo os projetos públicos da prefeitura para a construção de moradias populares tão necessárias foram recebidos com suspeita (...) (COMBERG, 2018, online).

Desde 2018, estão previstas algumas mudanças para o interior do Parque, assim como seus arredores. Uma porção da área que circunda o parque será destinada para habitação, sendo preferencialmente para a construção de conjuntos habitacionais. Outra parte ficará a serviço da livre concorrência do mercado de imóveis (SCHONBALL, 2018). Devido a estes planos, a área passa por um certo conflito, devido a crescente valorização imobiliária. Porém, é importante destacar que o aeroporto já se localizada em uma porção adensada da cidade antes mesmo de se tornar parque, o que contribui para a intensificação da especulação imobiliária em seus arredores. Menos de 7% da área total será destinada as habitações, e tem como objetivo a construção de 170 casas (SCHONBALL, 2018).

82


Figura 17 - Projeto de habitação. Fonte: Der Tagesspiegel (2018).

A intensão é que se tenha uma mistura de usuários e usos, não se restringindo a apenas um grupo social específico. Portanto, a habitação seria criada em um quinto da área, o piso térreo seria reservado para grupos sem fins lucrativos, instituições sociais, empresas, restaurantes, etc. Teríamos habitações destinadas a estudantes, pessoas com

83


deficiência, grupos marginalizados e idosos, e o valor do aluguel estaria atrelado a renda destas pessoas. Ao mesmo tempo, estão previstas casas destinadas a pessoas com maior poder aquisitivo, na premissa de que não faz sentido segmentar o local para apenas uma parte da população berlinense, procurando não ameaçar o equilíbrio social da cidade (SCHONBALL, 2018).

Figura 18 - Tempelhofer Feld. Fonte: <https://www.visitberlin.de/de/blog/wochenendtipps-21-918> Acesso: 3 jun. 2019.

Nossa segunda referência é o Parque da Juventude em São Paulo, no qual tivemos uma mudança de usos dos prédios do antigo Complexo Penitenciário do Carandiru, assim como a adaptação do paisagismo.

84


O local é marcado por um histórico trágico, no qual ocorreu o massacre de 111 presos, o que, até poucos anos atrás, dava ao lugar uma imagem extremamente negativa. Figura 19 - Parque da juventude em São Paulo. Fonte:< https://www.archdaily.com.br/br/880975/parque-dajuventude-paisagismo-como-ressignificador-espacial?ad_source=myarchdaily&ad_medium=bookmarkshow&ad_content=current-user> Acesso em: 16 de outubro de 2019.

A área tem mais de 240 mil metros quadrados e está localizado na zona norte da capital paulista (PEREIRA, 2017, online). O projeto é da arquiteta Rosa Kliass em parceria com o escritório Aflalo & Gasperini.

85


A construção se deu em etapas, em 2003, foram inaugurados 35 mil metros quadrados, nos quais haviam as quadras poliesportivas, pistas de skate e o novo paisagismo, trazendo uma nova espacialidade ao local. Entre as ruínas construíram-se decks de passagem, de forma que as estruturas se interligassem, permitindo observação e caminhada (PEREIRA, 2017, online). Ali existe a estrutura de um presídio, cujas obras, em estágio inicial, foram abandonadas em 1993, após o massacre de 111 presos da Casa de Detenção. Preservada como referencial histórico, a estrutura está envolvida por trepadeira e um conjunto de tipuanas que surgiu naturalmente no local, criando uma zona sombreada e com aspecto de ruína. Para tirar partido dessas condições, o espaço ganhou passarela de madeira e o reforço de trepadeiras e plantio de forrações. O projeto paisagístico desenhou a alameda principal, margeada por pau-ferro, que corta toda a extensão do parque. Ela é pavimentada com solo-cimento, que, diferentemente do asfalto, tem aparência mais natural e ajuda na absorção do calor, contribuindo para a formação de uma ilha de temperaturas mais amenas. Os demais passeios receberam cobertura com pedriscos (CORBIOLI, s.d., online).

A segunda etapa, inaugurada em 2004, é definida como a área central, dispondo de bancos ao longo do percurso e na ausência de equipamentos. Com 90 mil metros quadrados, a área funciona como um oásis, vislumbrando áreas verdes tratadas e desenho paisagístico respeitando espécies existentes. Entre as alterações topográficas, um pequeno morro de terra foi criado, quebrando a estaticidade visual do terreno planificado e também por recobrir os resquícios de entulho da demolição. Trilhas foram adicionadas e paus-ferro foram plantados na extensão da alameda (PEREIRA, 2017, online).

86


Figura 20 - Três etapas da construção do Parque da Juventude. Fonte: <https://www.archdaily.com.br/br/880975/parque-da-juventude-paisagismo-comoressignificador> Acesso em: 16 de outubro de 2019.

87


A última etapa se deu na construção de um conjunto de edifícios na nova área, consistindo em uma Biblioteca e ETEC, ambos realizados em 2007. Dois edifícios préexistentes se tornaram a escola técnica. A partir do caso do Parque Juventude, se torna mais nítida a compreensão das mudanças de uso dos edifícios e o benefício trazido para uma edificação que estava ociosa. E, sobretudo, a contribuição positiva em se modificar e reutilizar espaços antes negados, reforçado, nesse caso, pelo histórico de um lugar marcado pela violência. Por fim, nossa terceira e última referência é o Museu da Cachaça de Salinas, que foi construído no terreno do antigo aeroporto da cidade. O projeto do Museu é da arquiteta mineira Jô Vasconcellos, e foi implementado em 2012. Figura 21 - Museu da cachaça de Salinas. Fonte: ArchDaily, 2014.

88


Procurou-se realizar um projeto capaz de contribuir significativamente para a transformação do espaço urbano circundante “resgatando desejável área de socialização e gerando visões inusitadas do entorno a partir do novo espaço público” (ArchDaily online). A edificação é uma continuidade de volumes que se transformam em uma grande praça convidativa, aberta à comunidade, que resgata o caráter público e confirma o compromisso social que um museu deve conter, acolhendo os cidadãos. Além do mais deverá ser uma edificação de fácil manutenção e econômica cuja imagem inusitada e surpreendente a caracterize como um “episódio urbano”, destacando a imagem do museu na paisagem em grande escala (ArchDaily – online).

O projeto é definido por um percurso linear, contínuo, tomando partido do formato retilíneo apresentado pelo terreno do antigo aeroporto. Foram usadas as linhas retas, as superfícies planas e blocos sólidos para compor elementos expressivos, criando surpresas entre os espaços de transição. “A construção se apropria do agigantamento da escala através da apropriação total do terreno longilíneo” (ArchDaily – online). Figura 22 - Planta do Museu da Cachaça de Salinas. Fonte: ArchDaily (2014).

89


Figura 23 - Museu da cachaça de Salinas. Fonte: ArchDaily (2014).

Sendo assim, a partir da exposição destas referências será possível elaborar um plano de massas para a realização da proposta escolhida, dessa forma, na parte V deste trabalho, nos aprofundaremos em sua execução, passando pelas considerações projetuais e tendo como produto final um plano de massas do Parque proposto.

90


assentamentos do complexo aeroporto: a arte e a transformação dos espaços Diante do contexto no qual as Comunidades do Complexo Aeroporto se inserem, se faz necessário pensar formas de afirmar seus discursos e ações rumo ao alcance de seus direitos fundamentais à moradia e sobretudo à cidade. Ao analisar os locais, e ao buscar referências que se assemelham a situação encontrada, foi possível notar o frequente uso da Arte como instrumento de afirmação e reivindicação de direitos. Portanto, devemos expor as bases teóricas que justificam o uso deste tipo de intervenção para depois propor a intervenção em si, assim como inserir um exemplo que obteve êxito em seus objetivos ao utilizar a arte como instrumento de aproximação do direito à cidade. Iniciamos a discussão, nos apoiando na premissa de que é possível trabalhar a arte de forma que ela permita a retomada dos espaços nas cidades. Segundo McQuire (2008), a sociabilidade pública não é natural, precisa ser aprendida e praticada, ele acredita que a arte pode assumir valores estratégicos e um papel de fomento das interações. (...) a arte pública tem por objetivo introduzir no cotidiano a questão da Arte, geralmente por trás de uma hipótese de mudança e posicionamento crítico em relação ao mundo. Já o conceito de ‘arte urbana’ parece derivar do de ‘arte pública’, partindo da vontade de estruturar a composição urbana e criticar o urbanismo funcionalista, retomando a dimensão simbólica e psíquica, reencantando o território; há também uma relação com a hipótese situacionista, da arte como realidade cotidiana permanente (REIA, 2014, p. 40).

Em outras palavras, a arte tem o poder de ressignificar os espaços e criticar os resultados da urbanização, do ponto de vista da representação. E do mesmo modo é capaz de afetar o cotidiano das pessoas que passam a conviver em meio a estas manifestações. Sobre essa alteração dos hábitos, Meira (2003) explica:

91


A finalidade de uma prática de criação em arte é primeiramente despoluir o olhar dos clichês visuais habituais, provocar para que o olhar volte a ser um ato de admiração, reconhecimento do novo e contemplação, antes de tornar-se olhar cognitivo, crítico, questionador. Interpretar já é um comportamento incorporado pela geração de visualizadores atuais (MEIRA, 2003, p.81).

Vaz (2014), trata da questão das favelas a partir do que Milton Santos (1999) classifica como espaços opacos - assentamento urbanos irregulares resultantes do afastamento de uma parcela da população, inserindo-a no habitat da pobreza, sendo esse processo, portanto, de natureza socioeconômica. (...) assim como as favelas e periferias são vistas como formas de resistência às forças de exclusão, os espaços culturais revelam outras formas de resistência cultural. (...) as ‘artes de fazer’ empreendidas pelas populações – embora menos evidentes, mais dispersas e, muitas vezes, silenciosas – revelam maneira astuciosas de reapropriação do espaço (VAZ, 2014, p. 186-187).

Apesar das múltiplas adversidades a serem superadas, os espaços destinados a essas manifestações artísticas são vistos como marcos de resistência e afirmação de seu direito à cidade, por se tratarem de espaços físicos “que revelam formas de expressão cultural popular, sentido de pertencimento e a reapropriação dos espaços da cidade” (VAZ, 2014, p.199). (...) o confronto com o espaço físico do homem moderno e o mundo inteiro com os fenômenos visuais em que o artista pode intervir como agente configurador de fenômenos humanos torna-o um empreendedor de grandes espetáculos, ou do espetáculo estético da vida (MEIRA, 2003, p.27).

Meira (2003), coloca que é preciso que se faça um exercício de transformação da realidade, não permitindo que a arte permaneça presa a generalidades, dependendo então da ação de cada indivíduo dentro de um grupo “já que a cultura é manifestação da criação coletiva da sociedade” (MEIRA, 2003, p.91).

92


Portanto, não podemos nos ater a apenas transformar a cidade em um grande palco de manifestações artísticas, aliás o termo “palco” já foi superado pela perspectiva crítica, mas de alguma forma, ser capaz de introduzir formas, volumes e materiais capazes de criar usos inesperados, para que estes espaços sejam utilizados de maneira contínua (AVENTIN, 2006, p.9). “O ato de ‘tomar’ a cidade é um claro posicionamento ideológico que se funda como declaração de direitos do cidadão sobre as normas do espaço público e de historização desse espaço” (CARREIRA, 2008, p.71). O que, em outras palavras, é dizer que através da arte é possível rever os espaços públicos nas cidades. A seguir, apresentaremos um exemplo de intervenção artística que foi capaz de transformar o espaço público de uma comunidade, através de uma ação conjunta do governo local, um grupo de artistas e os moradores do local. Pachuca de Soto é uma cidade mexicana localizada a 96 km da Cidade do México, se incluindo em sua região metropolitana. A cidade faz parte de um dos centros de mineração mais importantes do México e, embora a atividade produtiva tenha diminuído nas últimas décadas, qualquer menção à cidade está intimamente relacionada à mineração. Devido a sua proximidade com a Cidade do México, sua população e mancha urbana tem apresentado significativo crescimento nas últimas décadas10. É nesta cidade que encontramos a Comunidade Las Palmitas, local que a partir de 2014 passou a ser palco de um grande projeto de arte urbana. A ideia partiu do governo

Historia de Pachuca. Disponível em: <https://programadestinosmexico.com/descubremexico/historia/historia-de-pachuca.html> Acesso em: 02 jun. 2019. Pachuca, la Bella Airosa, Hidalgo. Disponível em: <https://www.mexicodesconocido.com.mx/pachuca-la-bella-airosa-hidalgo.html> Acesso em: 02 jun. 2019. 10

93


local que buscava ações de prevenção de violência a partir de práticas que fossem capazes de resgatar os espaços públicos (GONZÁLES, 2015)11. O projeto consistia na pintura de um grande mural que teria como base as paredes externas das casas. A execução ficou a cargo do grupo Germen Crew, um grupo de 10 artistas especialistas em grafite, pintura de murais e audiovisual. A execução se sucedeu em 3 etapas, a primeira, realizada em 2014, consistiu na pintura de cerca de 20.000 m2 de superfície. A segunda etapa, já em 2017, teve como resultado a soma de mais 12.000 m2 de superfície pintadas, e por fim, na terceira etapa, soma-se mais 8.000 m2 de superfície, totalizando aproximadamente 209 casas pintadas. O mural possui 190 cores diferentes, e foi elaborado não só pelos artistas da Germen Crew, mas também com a colaboração da população local (BROOKS, 2015)12.

GONZÁLEZ, Eduardo. Macro mural de Pachuca, 2015. Disponível em: <https://www.milenio.com/opinion/eduardo-gonzalez/intelecto-opuesto/macro-mural-depachuca> Acesso em: 02 jun. 2019. 12 BROOKS, Dario Martínez. Macromural de Palmitas: com pintura también se combate la violência. 2015. Disponível em: <https://web.archive.org/web/20151016221558/http://mexico.cnn.com/nacional/2015/09/01/mac romural-de-palmitas-con-pintura-tambien-se-combate-la-violencia> Acesso em: 02 de jun. 2019. 11

94


Figura 24 - Macro Mural em Pachuca. Fonte: <https://www.reddit.com/r/pics/comments/4hz99c/giant_mural_in_pachuca_mexico/> Acesso em 02 jun. 2019.

Utilizando a arquitetura existente situada na colina predominante da localidade, o coletivo Germen criou uma intervenção artística em multiperspectiva, a qual toma como inspiração uma das formas de arte mais reconhecidas do México - o muralismo -, e adiciona um novo sentido de perspectiva e de comunidade a esta tradição histórica (SANTOS, S. 2015, online)13.

A ação também teve grande impacto na diminuição da violência na comunidade, transformando a imagem negativa do local e reforçando o sentimento de

SANTOS, Sabrina. Arte e Arquitetura: MacroMural Barrio de Palmitas, México. 2015. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/772295/arte-e-arquitetura-macromural-barrio-de-palmitasmexico> Acesso em 02 jun. 2019. 13

95


pertencimento das 450 famílias que participaram da intervenção. O diretor do projeto, Enrique Mybe Gomez, conta que houve um incremento do espírito comunitário, e que partir disso os moradores passaram a sair mais de casa e conviver mais uns com os outros, contribuindo para que o espaço público fosse mais usado e consequentemente os níveis de violência e criminalidade abaixassem consideravelmente. Um dos moradores relatou ao The Guardian o impacto da arte na comunidade: “de manhã você acorda, olha ao redor e vê as cores que o cercam. É muito gratificante” (NARDINI, 2015)14. Figura 25 - Macro Mural em Las Palmitas. Fonte: BBC (2015).

NARDINI, Rafael. Como o grafite diminuiu a violência em comunidade no México. 2015. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mundo/como-o-grafite-diminuiu-a-violencia-emcomunidade-no-mexico/> Acesso em 02 jun. 2019. 14

96


Figura 26 - Intervenção em Las Palmitas. Fonte: BBC (2015). Edição gráfica: elaborado pela autora, 2019.

Portanto, fica claro, a partir do exemplo dado, o impacto que a Arte pode ter sobre um espaço e sobre o cotidiano de uma população. Sendo assim, é partindo deste princípio que foi introduzida a terceira proposta para as comunidades do Complexo

97


Aeroporto, de forma articulada com as anteriores, pretendemos dar espaço a este tipo de intervenção, se tornando acessível a quem queira, esta forma de arte, capaz de ressignificar os espaços, ao longo do tempo. Dessa forma, esta proposta está implícita nas mudanças de usos que serão propostas para o Aeroporto, deixando em aberto a possibilidade e as diversas formas que a população poderá usar esse instrumento como forma de afirmação.

98


parte V

projeto

99


100


dimensões Portanto, dando continuidade ao trabalho de forma que possamos nos encaminhar para uma síntese dos conceitos abordados e de que forma eles serão inseridos na proposta final, é elaborado um diagrama, relacionando as dimensões empíricas encontradas e abordadas durante o desenvolvimento do trabalho. Nele, é possível observar que, através da análise do recorte a partir do ponto de vista das dimensões escolhidas, determinou-se os usos possíveis, e as consequências imaginadas ao se propor uma mudança de uso para o Aeroporto. Dessa forma, neste capítulo final, faremos uma síntese destes conceitos abordando-os na construção do projeto. As dimensões são, para nós, uma forma de compreendermos os conceitos que envolvem o recorte de estudo, e assim, nos ajudam a determinar os usos necessários e desejados para um equipamento que não cumpre sua função social. Sendo assim, na Figura 27, estão inseridas as dimensões empíricas trabalhadas ao longo do trabalho, e em suas ramificações temos as relações criadas com os possíveis usos para o projeto. Da mesma forma, é possível relacionar as três propostas inseridas, construindo caminhos para torná-las possíveis.

101


Figura 27 – Diagrama das dimensões empíricas. Fonte: elaborado pela autora, 2019.

102


A partir da discussão inicial a respeito da diferenciação socioespacial, foi possível observar que através da transferência do Aeroporto, e da construção de um parque, estaríamos criando uma centralidade na zona Norte de Ribeirão Preto. Dessa forma, se faz necessário pensar os caminhos e meios de acessibilidade, para que este equipamento se torne, de fato, um elemento central. Levaremos em conta, portanto, os meios de acesso ao parque: a pé, de ônibus, de bicicleta e de carro. Serão inseridos estacionamentos de carros, motos e bicicletas, assim como teremos um terminal de ônibus e acessos a pé considerando os principais fluxos de passagem. Os acessos serão pensados através da localização de algumas das ocupações do Complexo Aeroporto, trazendo a aproximação desejada, que permita que os moradores utilizem o espaço. Assim como, foi levado em consideração a possibilidade de o parque servir como meio de passagem de um ponto a outro do bairro – a pé e de bicicleta -, deixando de ser um enclave no tecido urbano. Percebe-se que o núcleo é circundado por diversos eixos de mobilidade, como a Via Anhanguera e a Av. Thomas Alberto Whately, ambas as vias são a principal forma de acesso ao resto da cidade, mais uma vez destacando a potencial centralidade que o parque pode gerar. Do mesmo modo, a partir das discussões sobre os conceitos de Urbanidade, Justiça Social e Direito à cidade, reconhecemos os potenciais que o parque poderia alcançar na busca por essas conquistas, de forma que o mesmo possa se tornar palco de intervenções artísticas, como apresentadas na parte IV, assim como ser um lugar de encontro e de discussão, estando aberto a diversas formas de expressão. O paisagismo, e a fomentação desta técnica de projeto, seria uma das habilidades inseridas nesse meio, através dos cursos e das experimentações, a paisagem seria construída através do tempo e pelos próprios moradores, se tornando uma paisagem livre de imposição projetual, e um meio de garantir aquele espaço a quem ele realmente pertence.

103


Este espaço, será destinado também a fomentar as atividades desenvolvidas pelos moradores, através de aulas dos mais diversos temas, sendo capaz de auxiliar no desenvolvimento profissional dos moradores, ao mesmo tempo em que a construção do parque seja seu campo experimental. Pretende-se oferecer cursos sobre autogestão e técnicas construtivas, na intenção de despertar o interesse da população em construir não só seu espaço de moradia, mas também um equipamento que traga lazer, urbanidade e pertencimento. Dado que o recorte é uma área de intensos conflitos por terra, se faz igualmente necessário pensar em formas de suprir uma potencial necessidade por moradias. Dessa forma, em nosso plano de massas, faremos a destinação de uma área específica para a construção de abrigos emergenciais. Eles seriam uma forma de reparar as perdas causadas pelas desapropriações ocorridas, além de serem capazes de manter os moradores em seu local de pertencimento. Não são soluções fixas, muito menos resolverão a questão da moradia, mas viriam como um alívio às pressões e às situações de desamparo nas quais as famílias removidas se encontram. Dessa forma, partindo da discussão feita a respeito do direito à moradia na parte III, será elaborado, junto ao plano de massas, um local próprio para essas moradias temporárias. Agora, em nossa próxima etapa, nos concentraremos em expor os caminhos metodológicos projetuais e caminhar para o resultado final deste trabalho, expondo plantas, desenhos, maquetes e por fim o plano de massas como produto final.

104


o projeto A partir do caminho metodológico exposto, iniciaremos a exposição do resultado final, perpassando os pontos principais do projeto e de que forma foi possível materializar as intenções criadas a partir das dimensões empíricas. O Aeroporto Leite Lopes se encontra atualmente conforme a Figura 28. Temos um número grande de hangares, assim como inúmeras possibilidades de reorganização dos usos. Figura 28 - Sítio Aeroportuário. Fonte: Koller (2015); DAESP. Elaborado pela autora, 2019.

105


Ao nos aproximarmos dos equipamentos existentes, podemos observar os usos atuais de cada edificação (Figura 29).

Figura 29 - Edificações do Aeroporto. Fonte: Koller (2015); DAESP. Elaborado pela autora, 2019.

106


programa de necessidades A partir do caminho metodológico exposto é possível entendermos o programa de necessidades a partir de diferentes eixos: 1. Habitação: em nosso plano de massas, teremos indicadas as áreas destinadas aos abrigos emergenciais, se dividindo em edifícios já existentes, sendo dois hangares destinados a este propósito, assim como a delimitação de uma área para futuras instalações residenciais. 2. Memória: dado o contexto de crescimento do Aeroporto temos resquícios históricos do que o equipamento foi criado para ser, portanto, nas instalações que serviam ao antigo Aeroclube pretende-se resgatar o histórico de formação do Aeroporto e da Zona Norte de Ribeirão Preto, trazendo luz ao o significado e a importância das ações em direção a transformá-lo em um parque. 3. Arte: de acordo com o que foi exposto anteriormente a respeito da arte e pertencimento, teremos diferentes locais destinados a expressões artríticas das mais variadas formas, desde um cinema para exibição de filmes a recintos de exposição e áreas de experimentação. 4. Educação: a esfera da educação se mostrou como uma grande e importante dimensão na construção deste projeto, portanto cinco hangares serão destinados a receber salas de aulas para os mais variados cursos, sendo os mesmos aplicados na construção do parque, e onde se encontra o Terminal Internacional de Cargas, teremos uma nova biblioteca, uma creche e uma ETEC.

107


5. Lazer e esporte: dada a escala do projeto, temos um volume muito grande de espaços abertos a serem aproveitados, portanto, nas áreas onde antigamente teríamos a circulação de aeronaves teremos espaços de lazer e equipamentos voltados ao esporte, com quadras poliesportivas, de tênis, vôlei de praia, handball, campo de futebol, pista de skate, pista de caminhada, pista de ciclismo e academias ao ar livre. 6. Comércio: como forma de fomento ao empreendedorismo, teremos um local destinado a instalação de uma feira livre, na qual seja possível que os moradores possam rentabilizar o que aprendem e produzem no dia-a-dia. 7. Administração: devido a alta diversidade de usos do parque proposto, se fazem necessárias áreas de administração que sejam capazes de atender a todos os equipamentos, dessa forma, serão inseridos diferentes pontos ao longo do parque nos quais teremos administrações específicas que sirvam como apoio as atividades desenvolvidas. Nessa mesma esfera, serão considerados outras edificações de apoio, como almoxarifados, depósitos e tratamento de lixo.

108


Figura 30 - Croqui de estudo para plano de massas. Elaborado pela autora, 2019.

109


campos de futebol museu aeroclube feira livre

quadras

salas de aula

cinema e recinto de exposições

abrigo emergencial

administração principal

área I - museu aeroclube, corpo de bombeiros, feira livre O local se encontra inserido na área controlada do parque. Por ser um museu terá horário de funcionamento comercial, e será um local destinado à memória da cidade de Ribeirão Preto e do Aeroclube. O corpo de bombeiros permanecerá no mesmo local, agora servindo às emergências que ocorrerem no interior do parque. O hangar destinado à feira livre também terá horário de funcionamento controlado, funcionando apenas ao finais de semana. área II - complexo esportivo No local onde antes as aeronaves ficavam estacionadas teremos uma série de equipamentos esportivos, conformando uma parte da área destinada ao lazer, complementada pelas demais áreas de caminhada que percorrem todo o parque. área III - arte e partes administrativas e de apoio O prédio do antigo terminal de passageiros receberá a nova função de abrigar as produções artísticas desenvolvidas pela comunidade, assim como será local do novo cinema, trazendo toda semana uma novidade cinematográfica para a Zona Norte de Ribeirão Preto. As áreas de apoio indicadas estão destinadas a estacionamento e à administração do parque e de suas diversas funções.

administração II

Figura 32 - Estudo volumétrico. Elaborado pela autora, 2019. Figura 33 - Área de projeto I. Elaborado pela autora, 2019. Figura 34 - Área Á de projeto II. Elaborado pela autora, 2019. Figura 35 - Área de projeto III. Elaborado pela autora, 2019.


térreo - creche andar I - biblioteca andar II - ETEC

salas de aula

Figura 36 - Estudo volumétrico. Elaborado pela autora, 2019. Figura 37 - Área de projeto VI. Elaborado pela autora, 2019. Figura 38 - Área Á de projeto V. Elaborado pela autora, 2019.

abrigo emergencial

cinema e recinto de exposições

terminal de ônibus abrigo emergencial

área VI - salas de aula Nesta área teremos o complexo educacional do parque, nos hangares 7, 8 e 10 teremos salas de aula preparadas para atender a população engajada em aprender, assim como no edifício 8, onde funcionava o restaurante do Aeroclube, teremos as salas de ensino de culinária e confeitaria. No antigo edifício do Terminal Internacional de Cargas teremos três novos usos: no térreo funcionará uma creche, no segunda pavimento será uma biblioteca, e no último funcionará a ETEC. Na área demarcada 15 funcionará a horta comunitária e o pomar, construído e gerenciado pelos moradores.

área V - abrigos emergenciais e terminal de ônibus Aqui teremos dois equipamentos construídos que servirão como abrigo emergencial para as pessoas que estiverem passando por remoções no entorno do aeroporto, assim como na área delimitada 13 teremos um terreno que será base para a construção de novos abrigos. No prédio onde antes funcionava um hangar teremos um terminal de ônibus contemplado por novas vias de acesso exclusivo. 111


Partindo do detalhamento apresentado, podemos seguir para a síntese inserida nos Anexos 4 e 5, sendo o primeiro o Plano de Massas Geral, e o segundo o Plano Específico de Usos, nos quais os resultados deste trabalho estão expostos. Neles

podemos

compreender

os

processos

que

havíamos

discutido

anteriormente, nos concentrando na materialização das dimensões empíricas, através do programa de necessidades, da progressiva transformação dos espaços, da escolha dos acessos, assim como do incentivo a participação da população na construção deste local de pertencimento. A partir destas concepções projetuais, foi possível enxergar um diagrama de fluxos que o parque pode potencializar, se tornando não só um espaço de permanência, mas também um facilitador dos deslocamentos dos moradores, alterando os percursos urbanos existentes, possibilitando uma fluidez que antes não existia. Na figura 35 é possível sintetizar estes fluxos.

112


Figura 35 – Fluxos. Elaborado pela autora, 2019.

Com a análise dos produtos finais podemos seguir para as conclusões resultantes dos procedimentos trazidos até aqui.

113


114


considerações finais De acordo com os conceitos trazidos até aqui, assim como a partir da exposição das concepções projetuais, é possível compreender que o papel do arquiteto e urbanista compreende muito mais do que apenas o desenho do habitat. Através do projeto e da minuciosa pesquisa é possível criar espaços no meio urbano capazes de reverter algumas dinâmicas que crescem exponencialmente nas cidades, como o fenômeno da diferenciação socioespacial, que, como percebemos ao longo do trabalho, é responsável por moldar as lógicas de ocupação do espaço urbano, e ditar as regras em relação ao direito à cidade. O direito à cidade é, dessa forma, levado à máxima importância dentro do contexto urbano quando tratamos os espaços negados como espaços da cidade, de forma que eles sejam dotados de infraestrutura, espaços livres, lazer, comércio, habitação digna, ou seja, que sejam vivos. As dimensões empíricas trazidas através da revisão bibliográfica foram as bases que possibilitaram a construção deste projeto, que foi capaz de sanar os objetivos elencados, e sobretudo caminhar em direção à mais conquistas para uma população em situação de vulnerabilidade e constantemente deixada às margens dos avanços e dos seus direitos básicos. Os novos usos, e a transformação das dinâmicas através da transição do Aeroporto para o parque foram capazes de efetivar as mudanças nas dinâmicas de diferenciação socioespacial que podemos encontrar na escala do recorte, passando de fragmentos a espaços integrados, que geram fluxos convenientes a um bairro residencial de alta densidade.

115


Os cenários trazidos, bem como a exposição das lutas diárias dessas pessoas contribuíram para o entendimento das dinâmicas às quais os moradores estão sujeitados, assim como permitiu que elencássemos as demandas, permitindo que o Aeroporto passasse de um equipamento limitador e de grande impacto, a um local que cumpre com sua função social e promove novas dinâmicas de interação entre os moradores, bem como incentivo a educação, ao empreendedorismo, a arte e, principalmente que venha como um caminho na direção do pertencimento à cidade e portanto ao direito de vivêla.

116


referências bibliográficas ABREU, Marlon Altavini de. Diferenciado o espaço e produzindo cidades: lógicas e agentes da produção do espaço urbano em Ribeirão Preto/SP e Londrina/PR. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2014. AVENTIN, Catherine. Les arts de la rue pour observer, comprendre et aménager l’espace public. Travaux de l’Institut de Géographie de Reims, Reims, n. 119-120, p. 1-9, 2006. BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 127-131 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. CARREIRA, André. Teatro de invasão: redefinindo a ordem da cidade. In: LIMA, Evelyn. Espaço e teatro: do edifício teatral a cidade como palco. Rio de Janeiro: 7 letras, 2008.

CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. COMBERG, Ella. Aeroporto Tempelhof de Berlim: redenção através do reuso adaptativo. 2018. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/895527/aeroporto-tempelhof-deberlim-redencao-atraves-do-reuso-adaptativo>. Acesso em: 03 jun. 2019.

COSTA, E. M. da. Cidades Médias: Contributos para sua definição. Revista Finiesterra, Lisboa, ano 37, v.47, p. 101-128, 202). CUNHA, Tarcisio Gontijo; MORADO, Denise. O espaço urbano, da aporofobia às fissuras. In: ASOCIACIÓN DE ESCUELAS Y FACULTADES PÚBLICAS DE ARQUITECTURA DE AMÉRICA DEL SUR, 2019, Belo Horizonte. Anais eletrônicos. Campinas, GALOÁ, 2019. Disponível em: <https://proceedings.science/arquisur2019/papers/o-espaco-urbano--da-aporofobia-as-fissuras?lang=pt-br>. Acesso em: 09 out. 2019. DAL POZZO, Clayton Ferreira. Fragmentação socioespacial em cidades médias paulistas. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2015.

117


DFreire. Estudo de Impacto Ambiental do Aeroporto de Ribeirão Preto. 2007. ELIAS, Denise. Meio técnico-científico-informacional e urbanização na região de Ribeirão Preto (SP). Tese (Doutorado) – São Paulo, Depto de Geografia, FFLCH-USP, 1996. FERNANDES, Maria Esther. A cidade e seus limites: as contradições do urbano na “Califórnia Brasileira”. (coord.). São Paulo: Annablume, 2004. FUNCK, Yan. Bogado. O direto à moradia adequada em disputa: o caso dos processos de reintegração de posse contra ocupantes de áreas públicas de Ribeirão Preto. 2018. 87f. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2018. FURLANETTO, Tiago. (2012). Estudo de alternativas locacionais para a viabilidade ambiental: o caso do aeroporto de Ribeirão Preto/SP. Dissertação (Mestrado) – Escola de Engenharia de São Carlos. Universidade de São Paulo, São Carlos, 2012. GARCIA, L.S. Estudo da necessidade e viabilidade do novo aeroporto regional de Ribeirão Preto. Disponível em: <http://novoaeroportoribeiraopreto.blogspot.com/p/legislativo.html> Acesso em: 21 de março de 2019 GHEL, Jan. Cidade para pessoas. São Paulo: Martins Fontes, 2010. HARVEY, David. A justiça social e a cidade. São Paulo: HUCITEC, 1980. HOLSTON. James. Cidadania insurgente: disjunções da democracia e da urbanidade no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p.197-230 HORONJEFF, Robert; MCKELVEY, Felix X.; SPROULE, William J.; YOUNG, Seth B. Planning and design of airports. McGraw, 2010. KOLLER, Mara. Novo terminal de passageiros para o Aeroporto de Ribeirão Preto Dr. Leite Lopes. 2015. 72 f. TCC (Graduação) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Centro Universitário Moura Lacerda, Ribeirão Preto, 2015. Disponível em: <https://issuu.com/marakoller/docs/tcc_-_mara_koller_-_2015>. Acesso em: 10 ago. 2019.

118


KOWARICK, Lúcio. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo: Editora 34, 2009. LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Documentos, 1969. MARICATO, Ermínia. Para entender a crise urbana. São Paulo: Expressão Popular, 2015. _______. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil. In: ARANTES, Otília; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos (Org.). As cidades do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000 p.121-192. _______. Habitação e cidade. São Paulo: Atual, 1997. MAIA, Hortênsia Gadelha; MUNIZ, Euler Sobreira. Novos caminhos para a cenografia diante da evolução tecnológica: o teatro e a realidade aumentada. Revista Tecnologia, Fortaleza, 2018. P.1-10. McQUIRE, Scott. The politics of public space in the media city. First Monday, Chicago, Special Issue n.4, feb. 2006. _______. The Media City: Media, architecture and urban space. Sage: Londres, 2008. MEIRA, Marly. Filosofia da criação: reflexões sobre o sentido do sensível. Porto Alegre: Editora Mediação, 2003. MEINERZ, Carla Beatriz. Adolescentes no Pátio, Outra Maneira de Viver a Escola: um estudo sobre a sociabilidade a partir da inserção escolar na periferia urbana. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Estatuto da Cidade Comentado. Brasília: Ministério das Cidades: Aliança das Cidades, 2001. MIRANDA, Ana Luísa. Aeroporto: assentamentos precários. Ribeirão Preto: Slides, 2018. 11 slides, color, 25,4 cm x 19,05 cm.

MONGIN, Oliver. A condição urbana: a cidade na era da globalização. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.

119


NEHER, Clarissa. Tempelhofer Feld, o aeroporto nazista que virou parque. 2018. Disponível em: <https://viagem.uol.com.br/noticias/deutschewelle/2018/10/01/tempelhofer-feld-o-aeroporto-nazista-que-virou-parque.htm>. Acesso em: 20 mai. 2019. OSZLAK, Oscar. Mercer la ciudad: los pobres y el derecho al espacio urbano. Buenos Aires: EDUNTREF, 2017. PAZIANI, Rodrigo Ribeiro. Uma cidade à beira da (des) ordem: representações, práticas e experiências urbanas em Ribeirão Preto (1900-1920). In: PERINELLI NETO, Humberto; PAZIANI, Rodrigo Ribeiro; MELLO, Rafael Cardoso. No tempo das cidades: História, Cultura e Modernidade em Ribeirão Preto, SP (1883-1929). Jundiaí: Paco Editorial, 2014. PEREIRA, Silvia Regina. Percursos urbanos: mobilidade espacial, acessibilidade e o direito à cidade. Anais. X Colóquio Internacional de Geocrítica, Barcelona, 2008. PRÉVÔT-SCHAPIRA, Marie-France. Fragmentación espacial y social: conceptos e realidades. Perfiles Latinoamericanos, n.19, p.33-56, dez 2001. PRÉVÔT-SCHAPIRA, Marie-France; PINEDA, Rodrigo. Buenos Aires: la fragmentación em los interstícios de uma sociedad polarizada. Eure, vol. XXXIV, n.103, p.73-92, dez. 2008. REIA, Jhessica. A cidade como palco: Artistas de rua e a retomada do espaço público nas cidades midiáticas. Revista Contemporânea UFRJ. Rio de Janeiro, Vol.12, N.2, páginas 33-48, 2014. REVIDE: 25 anos de Ribeirão passados em revista. Ribeirão Preto: Revide, v. 1, n. 1, 01 ago. 2011. REVIDE: Conheça Ribeirão Preto. Ribeirão Preto: Revide, v. 1, n. 1, 01 abr. 2019.

RIBEIRO, Ana Clara Torres. Sociabilidade hoje: leitura da experiência urbana. Caderno CRH. Salvador, Vol. 18, n.45, páginas 411-422, Set/Dez. 2005. RIBEIRÃO PRETO (Município). Lei Complementar (2018). Lei nº 2866, de 03 de maio de 2018. Plano Diretor de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, SP. ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: Studio Nobel: Fapesp, 1997.

120


________. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015. SALGUEIRO, T. B. Lisboa, periferia e centralidades. Oeiras: Celta, 2001. SANTOS, Ana Cláudia Mauer. Movimentos populares de luta por moradia e judicialização dos conflitos fundiários: o caso da favela João Pessoa de Ribeirão Preto-SP na busca por acesso à justiça. 2015. 230f. Trabalho de Conclusão de Curso, Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2015. SANTOS, Cilícia Dias dos. A formação e produção do espaço urbano: discussões preliminares acerca da importância das cidades médias para o crescimento da rede urbana brasileira. G&DR • v. 5, n. 1, p. 177-190, jan-abr/2009, Taubaté, SP, Brasil. SANTOS, Milton. O Espaço do cidadão. São Paulo: EdUSP, 2007. SHERRARD, I. D. Social Welfare and Urban Problems. Nova Iorque, 1968. SILVA, Andresa Lourenço da. Breve discussão sobre o conceito de cidade média. Geoingá: Maringá, v.5, n.1, p.58-79, 2013. SOUSA. Hugo Freitas de. A produção social da cidade. Os discursos legitimadores da segregação sócio-espacial no interior paulista: Ribeirão Preto 1889-1930. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2006. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; GÓES, Eda Maria. Espaços fechados e cidades: insegurança urbana e fragmentação socioespacial. São Paulo: Editora Unesp, 2013. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Desafios para o estudo das cidades médias. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE LA RED IBEROAMERICANA DE INVESTIGADORES SOBRE GLOBALIZACIÓN Y TERRITÓRIO, 11, 2010, Mendoza. Anais. Mendoza: UNCUYO – Universidade de Cuyo, 2010, p.01-18. ________. O chão em pedaços: urbanização, economia e cidades no Estado de São Paulo. Tese (Livre Docência) – Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2004. ________. Loteamentos fechados em cidades médias paulistas – Brasil. In: SPOSITO, E. S.; SPOSITO, M. E. B.; SORBAZO, O. (Orgs.) Cidades médias: produção do espaço urbano e regional. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

121


VAZ, Lilian Fessler. Equipamentos culturais nos espaços opacos – algumas considerações. In: PARANHOS, Kátia; LIMA, Evelyn; COLLAÇO, Vera. (orgs.) Cena, Dramaturgia e Arquitetura: instalações, encenações e espaços sociais. Rio de Janeiro, 2014.

sites consultados BROOKS, Dario Martínez. Macromural de Palmitas: com pintura también se combate la violência. 2015. Disponível em: <https://web.archive.org/web/20151016221558/http://mexico.cnn.com/nacional/2015/09/ 01/macromural-de-palmitas-con-pintura-tambien-se-combate-la-violencia> Acesso em: 02 de jun. 2019. SANTOS, Sabrina. Arte e Arquitetura: MacroMural Barrio de Palmitas, México. 2015. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/772295/arte-e-arquitetura-macromuralbarrio-de-palmitas-mexico> Acesso em 02 jun. 2019. NARDINI, Rafael. Como o grafite diminuiu a violência em comunidade no México. 2015. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mundo/como-o-grafite-diminuiu-a-violenciaem-comunidade-no-mexico/> Acesso em 02 jun. 2019. Historia de Pachuca. Disponível em: <https://programadestinosmexico.com/descubremexico/historia/historia-de-pachuca.html> Acesso em: 02 jun. 2019. Pachuca, la Bella Airosa, Hidalgo. Disponível em: <https://www.mexicodesconocido.com.mx/pachuca-la-bella-airosa-hidalgo.html> Acesso em: 02 jun. 2019. GONZÁLEZ, Eduardo. Macro mural de Pachuca, 2015. Disponível em: <https://www.milenio.com/opinion/eduardo-gonzalez/intelecto-opuesto/macro-muralde-pachuca> Acesso em: 02 jun. 2019. SCHONBALL, Ralf. Ein Ring ums Tempelhofer Feld. 2018. Disponível em: <https://www.tagesspiegel.de/berlin/wohnungsbau-in-berlin-ein-ring-ums-tempelhoferfeld/22921728.html> Acesso em: 04 jun, 2019. Com 70 favelas, Ribeirão registra uma tentativa de ocupação por mês. Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2017/03/com-70-favelas-ribeiraopreto-registra-uma-tentativa-de-ocupacao-por-mes.html> Acesso em: 24 de setembro de 2018.

122


Núcleo de assessoria jurídica popular da FDRP/USP. Disponível em: <http://www.najurp.direitorp.usp.br/> Acesso em: 23 de setembro de 2018. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades: Ribeirão Preto. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=354340&search=saopaulo|ribeirao-preto>Acesso em: 20 de outubro de 2018. Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto. Disponível em: <https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/principal.php> Acesso em: 20 de outubro de 2018. Justiça determina que área invadida seja desocupada em Ribeirão Preto. Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2017/01/justica-determina-quearea-invadida-seja-desocupada-em-ribeirao-preto.html> Acesso em: 20 de outubro de 2018. GARCIA, Lenio Severino. Estudo da necessidade e viabilidade do novo aeroporto regional de Ribeirão Preto. (2012) Disponível em: <http://novoaeroportoribeiraopreto.blogspot.com/p/legislativo.html > Acesso em: 21 de março de 2019 No início tudo era lavoura. Disponível em: <http://www.ribeiraosul.com.br/destaque/noinicio-era-tudo-lavoura/> Acesso em: 15 de março de 2019. Museu da Cachaça / Jô Vasconcellos" [Cachaça Museum / Jô Vasconcellos] 22 Set 2014. ArchDaily Brasil. (Trad. Delaqua, Victor) Acessado 16 Out 2019. <https://www.archdaily.com.br/br/627504/museu-da-cachaca-jo-vasconcelos> ISSN 0719-8906

123


124


anexo Anexo 1 – Seções do Núcleo Colonial Antônio Prado. Extraído de: SILVA (2008).

125


Anexo 2 – Roteiro de entrevista ROTEIRO DE ENTREVISTA PROF. FABIANA (USP) ORIENTANDO: JÚLIA MARCHESIN CAETANO ORIENTADOR: MÁRCIO JOSÉ CATELAN UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. CÂMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP

Objetivos da entrevista: - Levantar dados sobre a área foco - Entender o que já foi realizado no local - Compreender a presença do Aeroporto e como é visto pela professora Local: Período: dia/mês/ano Entrevista: Nome, profissão, cargo, trajetória, atuação no momento Bloco A – Atuação e NAJURP 1.

Qual a sua área de formação e atuação?

2.

Por que o interesse pelo Jardim Aeroporto?

3.

Por que o NAJURP foi criado, e por que não funciona mais?

4.

O que foi possível realizar junto ao NAJURP?

Bloco B – Jd. Aeroporto e Aeroporto 1.

Como você enxerga a situação do Jd. Aeroporto?

2.

Como você enxerga a presença do Aeroporto Leite Lopes e sua futura expansão?

3.

Você acha que o Aeroporto deveria ser em outro lugar? Se sim, o que deveria ter no lugar do atual sítio?

4.

Você reconhece engajamento da população na luta por suas moradias?

5.

De que forma os moradores se mobilizam para enfrentar o problema? Como você participou desse processo?

126


Bloco C – Cultura e arte 1.

Você acredita que podemos envolver cultura e arte como forma de resistência?

2.

Você sabe me dizer se existem artistas, ou manifestações artísticas no bairro? Se sim, quais?

3.

Como você avalia a força destas manifestações?

Bloco D – Poder público 1.

Como você avalia a posição do poder público em relação à área?

2.

Existe um engajamento da Prefeitura para tentar resolver o problema de forma amigável e justa?

3.

Das atitudes tomadas, quais você julga que foram equivocadas, por parte da Prefeitura?

4.

De que forma o setor privado se envolve nessa situação? Existem empresas com interesse na área?

5.

E quanto aos donos dos terrenos? Saberia dizer quais são seus interesses?

Anexo 3 – Tabela 2 – Análise comparativa dos critérios conforme estabelecido no EIA e revisados. Fonte: Furlanetto (2012).

127


Galo Bravo II

Leite Lopes

Parâmetros técnicos

1. Acessibilidade (rodovias)

Pontuação 2. Topografia (volume terraplanagem)

Pontuação

3. Cursos de água (proximidade)

Pontuação 4. Obstáculos naturais

Pontuação

5. Condicionamentos meteorológicos (nevoeiros e ventos)

Pontuação 6. Obstáculos construídos

Pontuação

Rodovia pista dupla (SP-330 e SP-328) e estrada municipal não pavimentada (4km)

Rodovia Anhanguera (SP330) e viário urbano de Ribeirão Preto

EIA

Revisão

EIA

Revisão

6

6

8

7

18 milhões m3

0,3 milhões m3

EIA

Revisão

EIA

Revisão

2

2

8

8

Próximo à várzea do rio Pardo, nascentes e cursos de água à leste da pista

Sem restrições *proximidade de cursos de água (córrego das Palmeiras)

EIA

Revisão

EIA

Revisão

3

4

8

4

Sem restrições

Remanescentes de vegetação nativa

EIA

revisão

EIA

Revisão

6

6

6

4

Potencial de formação de nevoeiros próximo à várzea do rio Pardo

Potencial de formação de nevoeiros, devido à proximidade com o córrego das Palmeiras

EIA

Revisão

EIA

Revisão

5

4,5

8

4,5

Sem restrições

Centro urbano

EIA

Revisão

EIA

Revisão

8

8

7

1

7. Risco aviário (atração de pássaros)

Pontuação

8. Atividade de natureza perigosa

Pontuação

Atração de pássaros devido à várzea do córrego e dos remanescentes de vegetação

EIA

Revisão

EIA

Revisão

5

5

8

5

Usina Galo Bravo e terminal de derivados de petróleo

Loteamento industrial

EIA

Revisão

EIA

Revisão

3

5

7

5

9. Distância do centro urbano regional

10 km

Pontuação 10. Possibilidade de intermodalidade viária

Pontuação

5 km

EIA

Revisão

EIA

Revisão

6

4,5

8

4,5

Próximo à SP328 e SP- 331

Próximo à SP330 (Anhanguera) e ao terminal ferroviário

EIA

Revisão

EIA

Revisão

4

4

8

3

Parâmetros econômicos 11. Desapropriações

Pontuação 12. Construção do aeroporto e acessos

Pontuação

7,3 milhões (só sítio)

118,7 milhões (1821 imóveis urbanos)

EIA

Revisão

EIA

Revisão

5,5

7

1

1

124, 3 milhões

84,9 milhões

EIA

Revisão

EIA

Revisão

5

7

8

1

13. Remanejamento de interferências

Pontuação

126

Presença de pássaros atraídos pela várzea do rio Pardo

0

12,9 milhões

EIA

Revisão

EIA

Revisão

6

6

1

1


14. Interferências com infraestrutura regional e outras entidades

Pontuação 15. Dotação de nova infraestrutura de atendimento

Pontuação

Interferência com a malha urbana

Não há

EIA

Revisão

EIA

Revisão

7

7,5

3

1

Necessidade de extensão das redes de infraestrutura

Já atendido por infraestrutura

EIA

Revisão

EIA

Revisão

3,5

3,5

8

8

Parâmetros ambientais 16. Compatibilidade com a legislação de uso do solo municipal

Pontuação 17. Supressão da vegetação

Pontuação

18. Perda ou alteração de hábitats

Pontuação 19. Alteração de permeabilidade do solo

Pontuação

Área rural fora do anel viário

EIA

Revisão

5

5

1

1

Afeta remanescente da vegetação

Afeta remanescentes de vegetação nativa

EIA

Revisão

EIA

Revisão

1,5

4,5

8

4,5

Remanescente de vegetação e proximidade da várzea do rio Pardo com presença de aves EIA Revisão 2,5

4,5

Redução da permeabilidade do solo EIA

Revisão

4

4,5

20. Interferência com afloramento

Pontuação

Existem recomendações do plano diretor em realocar o aeroporto fora do anel viário EIA Revisão

Não há

Proximidade com córrego das Palmeiras e com remanescentes da vegetação nativa EIA

Revisão

8

4,5

Redução da permeabilidade do solo EIA

21. Interferência com sistema viário existente

Pontuação 22. Conflito com uso do solo

Pontuação 23. Risco para atividade do entorno

Pontuação 24. Alteração da paisagem e indução de usos

Pontuação

26. Ruído aeronáutico

Pontuação

Revisão

8 4,5 Maior risco de contaminação do aquífero

EIA

Revisão

EIA

Revisão

6

5

2

3

Não há

EIA

Revisão

EIA

Revisão

8

5

7

1

Área urbana a 3 km, baixo potencial de conflito

27. Alteração da estrutura de preço da terra

Pontuação

Dentro da área urbana, com alto potencial de conflito

EIA

Revisão

EIA

Revisão

7,5

5

1

1

Área urbana de Ribeirão Preto na direção da cabeceira sul

Residências e universidades nas cabeceiras da pista

EIA

Revisão

EIA

Revisão

2

5

4

1

Método potencial de indução de ocupação desordenada EIA Revisão 5,5

25. Segregação do território Pontuação

Interferência com Av. Thomas Wately que terá passagem sob pista do aeroporto

4,5 Não há

EIA

Revisão

6 5 Curvas de ruídos I e II dentro do sítio, setor de decolagem sobre Ribeirão Preto

Área urbana já consolidada EIA

Revisão

8 4,5 Segregação de parte da área urbana EIA Revisão 1

1

Área densamente povoada, portanto, geração de conflitos

EIA

Revisão

EIA

Revisão

3,5

5

1

1

Valorização de terra para atividades de apoio ao aeroporto

Desvalorização dos imóveis próximos ao aeroporto

EIA

Revisão

EIA

Revisão

4,5

5

8

3

127


28. Desapropriações e remoção de população Pontuação

EIA

Revisão

EIA

Revisão

29. Desapropriações e remoção de atividades econômicas

5

5

1

1

Pontuação

3,5 milhões m2

1624 residências + 571.761 m2 terrenos vagos (4424 pessoas)

Pontuação geral

128

110 estabelecimentos - 22.565 m2 áreas especiais

Não há

EIA

Revisão

EIA

5

5

1

Revisão 1

141,5

149

156

90


1/2

Via

uera g n a Anh Av .R ec ife R. Na za ré

Pa uli st

a

lb er to

W

ha te ly

Acesso 4: pedestres

Av .T ho m az A

LEGENDA Complexo Aeroporto Habitação Memória Arte Educação Lazer e esporte Comércio Comé Administração/apoios Área de acesso controlado

Acesso 1: veículos e pedestres

Acesso 3: pedestres e ciclistas

Área verde Acesso 2: ônibus 0

Anexo 4 - Plano de massas geral

500m

Acesso principal parque pedestres, automóveis e ciclistas


2/2

1

2

5

24

18

3

26

25

4 23

21 22

20

17 19

6 16

29

27

28

31 7

8

15

30

9 10 11

32 12

13

14 Acessos às áreas controladas 1 Museu Aeroclube 2 Exposição Memória Aeroclube 3 Exposição Jardim Meteorológico 4 Restaurante Museu Aeroclube 5 Corpo de Bombeiros 6 Salão para feira livre 7 Sala de aula - Técnicas construtivas 8 Sala de aula - Culinária e confeitaria 9 Sala de aula - Corte e costura e artes visuais 10 Sala de aula - Paisagismo, fotografia e autogestão 11 Abrigo emergencial A 12 Abrigo emergencial B 13 Terreno para abrigo emergencial 14 Terminal de ônibus 15 Horta comunitária e pomar 16 Creche, biblioteca e ETEC

Anexo 5 - Plano específico de usos

17 Campo de futebol A 18 Campo de futebol B 19 Quadra poliesportiva 20 Quadra Handball 21 Quadra tênis A 22 Quadra tênis B 23 Quadras vôlei de areia 24 Academia ao ar livre 25 Pista de skate 26 Campo de experimentações artísticas 27 Exposição das produções artísticas 28 Cinema 29 Tratamento de lixo 30 Estacionamento 31 Administração A 32 Administração B


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.