Deriva | uma caminhada pelo centro

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uma c aminhada pelo centro



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uma caminhada pelo centro


TC | 2017 Escola da Cidade SĂŁo Paulo Juliana Mattos Deeke Orientador | Sebastian Beck


deriva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 sobre tempo, memรณria e cidade . . . . . . . . . . . . . . . . 139 processo . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .141 bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .145 agradecimentos . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149



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uma c aminhada pelo centro

“O caminhar, mesmo não sendo a construção física de um espaço, implica uma transformação do lugar e dos seus significados.” Francesco Careri


Sabe aquela situação estranha, quando alguém te pregunta se você conhece tal lugar? E quando você responde que não acontece aquele momento de constrangimento quando a pessoa fica surpresa e exclama “nossa mas você mora há tanto tempo aqui”. Eu nasci em São Paulo. E sempre achei que conhecia a cidade, mas a gente se engana quando pensa essas coisas. Eu conheço a minha São Paulo e muito bem, sei quais lugares são legais, quais não são, sei onde estão os melhores lugares para determinadas coisas. Mas só isso. Não conheço as entranhas da zona sul ou qual padaria tem o melhor pão na chapa na Vila Guilherme. Nunca fui nesses lugares. Então posso dizer que conheço minha cidade? Acho que sim. A minha São Paulo pode ser diferente da São Paulo da moça que pega o ônibus comigo mas é a mesma, afinal a nossa cidade é formada por várias cidades. Eu me lembro quando conversei com um amigo de outro estado, ele imaginava São Paulo como o oposto do Rio de Janeiro, afinal a cidade é famosa não por suas belas paisagens. Ele não se conformava com a existência de algum verde ele esperava que a cidade fizesse jus à sua fama de cinza. Lembro de quando fui ao Pico do Jaraguá. Fiquei espantado com a imensidão, os edifícios se espalhavam até o horizonte e lá no fundo conseguia ver o limite, o verde e várias manchas entrando na cidade. Uma característica que passa despercebida pra quem é daqui mas a quantidade de edifícios é imensa. Um conhecido uma vez me contou que nos Estados Unidos você pode claramente identificar Downtown porque geralmente é o único lugar verticalizado da cidade. São Paulo é toda verticalizada, edifícios espalhados pelo horizonte, a serra marcando a paisagem.

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Lembro também que tentei ver se enxergava onde moro lá de cima, alguma janelinha minúscula do bloco B.

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O Copan é um lugar interessante. Gosto de imaginar que é uma das várias cidades como falei antes. É um edifício tão grande onde tantas pessoas diferentes moram, um marco na paisagem do centro e um ícone da arquitetura paulista. Um único edifício concentrar uma variedade tão grande de tipos de apartamentos, usos no térreo, moradores e usuários é algo que toda vez me supreende. Ele tem uma vida própria e dá vida ao seu entorno.

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Às vezes imagino como seria ser um pássaro voando ao lado do edifício e através dos brises poder observar todos os apartamentos lá dentro. Sei que meu gato passa 90% do dia dele – quando não está comendo ou usando a caixa de areia – olhando para fora, provavelmente imaginando a mesma coisa ou como seria comer esse pássaro. Meu vizinho de baixo me parece um cara bacana, algumas vezes pegamos o elevador juntos, mas todos os dias escuto, quando já estou na cama, a novela que ele assiste, às vezes acho que ele deve passar o dia sentado no sofá.

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Quando fui até o Pico do Jaraguá tentei identificar o Copan lá de cima porque todos os dias quando olho pela janela procuro pelo Pico. É meu método para determinar o quanto vou sofrer com minha renite naquele dia. Se consigo ver tudo fico otimista. Quando a vista fica esbranquiçada já sei que o dia possivelmente vai ter um fim desagradável. Quando ele está coberto por uma névoa cinza...já sei que vou ter que passar em alguma farmácia, seria ótimo se o térreo tivesse uma!

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O térreo é o que mais me fascina porque eu, como um bom preguiçoso que não gosta de percorrer longas distâncias, tenho quase tudo que preciso ali. Desde uma lojinha cheia de bugigangas até o mais importante: várias opções de comida. Saio todo dia de manhã e passo pela lojinha imaginando o que tem ali dentro, outro clássico caso de “conheço, mas nunca fui” bem na minha cara todos os dias. Ouvi as notícias hoje de manhã. Sempre gostei de ler e assistir filmes, principalmente que envolvessem algum tipo de ficção cientifica. Recentemente essas ficções não estão tão distantes da nossa realidade, todos os dias em notícias e estudos são constatados dados alarmantes, poucos meses atrás mais um desastre natural deixou milhares de pessoas desabrigadas no Texas e na Flórida e outro dia um terremoto em parte do Irã e do Iraque matou e destruiu cidades. Algo não está certo e no fundo acredito que só estamos esperando algo acontecer todos os dias.

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Em São Paulo imagino que seriam as águas que trariam o fim da cidade como conhecemos hoje. Porque os rios estão enterrados mas isso não quer dizer que eles precisam continuar assim. Imagino como seria se todo o térreo da cidade fosse inundado. Tudo seria diferente. A cidade não ia acabar, São Paulo é grande demais para isso, mas ia ser diferente. Será que barcos fariam o transporte? Temos um projeto de hidroanel que de tempos em tempos ressurge...seria uma maneira de forçar sua implementação.

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Esse caminho por baixo das galerias dos prédios seria impossível de percorrer se fosse alagado, teríamos que ter canoas para fazer os caminhos sinuosos e desviar de postes e pilares. Me sinto abrigado nesse lugar, quando passo aqui gosto de imaginar que é a minha passagem secreta, um atalho escondido dos olhos de quem anda e não vê.

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Quando passo pela passagem imagino tudo aquilo embaixo d’água. Esse lugar escuro e enclausurado com certeza se tornaria abrigo para os peixes e algas, imaginando que nesse futuro ideal a água de nossos rios seria limpa. Cachoeiras se formariam nos lugares mais improváveis no meio da cidade, barcos iriam circular entre os prédios.

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Acho sempre uma surpresa agradável quando passo entre esses edifícios, saio de um lugar escuro e tudo se abre novamente e de onde estou consigo ver a Praça Dom José Gaspar com sua vegetação exuberante em frente à galeria Metrópole. Toda vez que passo por ali reparo no jardim dentro da galeria, como a luz entra pelo vazio, é realmente uma área muito agradável essa em volta da galeria. Toda vez que passo por ali fico com vontade de tomar um mate batido com limão. Ah, e o pão de queijo junto, é a combinação perfeita. Quando eu era criança lembro de tomar chá mate na casa da minha avó, quando ela colocava limão então, era uma festa! Eu poderia tomar uma jarra inteira daquele chá de uma única vez. Quase não acreditei quando me mudei que tinha um Rei do Mate do lado de casa, mas agora sempre passo por aqui com outras coisas pra fazer e não me lembro qual foi a última vez que parei aqui.

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Continuo andando, gosto de fazer meu caminho por dentro da maior quantidade de edifícios que eu conseguir, o que no fim das contas é uma ótima maneira de cortar caminho. Acho engraçado que mesmo no centro da cidade, onde a maioria dos edifícios é muito alta, às vezes a gente chega em alguns pontos que parecem vazios. Essa esquina faz eu me sentir assim, saio de um caminho cheio de vegetação e de repente o vazio, uma grande esquina. Continuo meu pensamento de antes, se as ruas estivessem alagadas, como faríamos para ir de um lugar ao outro? Calçadas não existiriam, nem todo edifício encosta em outra para fazer passagens internas. Outras soluções de “passeio público” teriam que ser adotadas, talvez grandes estruturas metálicas pudessem atravessar grandes eixos permitindo a circulação, plataformas poderiam fazer o papel de praças, espaços de edifícios existentes poderiam ser ressignificados. Seria uma nova paisagem interessante.

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A Galeria 7 de Abril por exemplo é conhecida pela quantidade de lojas de fotografia. É interessante como dentro da cidade as coisas acontecem muitas vezes sem serem planejadas. Uma galeria ou rua se torna especializada em um tipo de mercadoria ou serviço. Isso é bastante comum aqui no centro.

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Fico muito feliz quando ando por esses lugares e vejo a quantidade de coisas diferentes que temos disponíveis. Quando passei pela primeira vez pela galeria lembro de pensar “Uau que incrível, quando eu precisar sei que aqui posso achar tudo que eu precisar sobre câmeras”, eu nem tenho uma câmera, mas acho legal ver que esse comércio pequeno e especializado existe e que em algum momento posso ser parte disso. Passar pela galeria como se fosse uma continuação da rua, a continuidade do piso, são esses detalhes que tornam esses lugares do centro únicos.

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Depois vou em direção ao meu terceiro atalho. A Nova Barão é uma situação bem diferente na cidade, uma galeria com um piso superior aberto e habitação, ela forma um corredor no meio da quadra que chega a ser convidativo pra quem passa. Acho que é um dos pouquíssimos lugares que eu já vi uma escada rolante assim, fora de um edifício. Seria muito interessante se além das passarelas, os edifícios nesse futuro pudessem se conectar com plataformas e escadas rolantes, afinal a cidade iria crescer para cima, como o chão estaria inabitável, novas construções surgiriam em cima das existentes. Escadas rolantes poderiam facilitar o acesso aos novos níveis.

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A vista do piso superior sempre me impressiona. Gosto como os dois edifícios habitacionais longos e estreitos direcionam a vista e enquadram o edifício em frente, que remete à outros tempos, de uma São Paulo que se espelhava na Europa. Os vazios permitem que eu veja o que acontece no piso de baixo. Não consigo tirar da minha cabeça a imagem de uma cachoeira se formando ali, como algo monumental.

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Ando mais para frente, ali no fim da galeria condigo ver o Teatro e o Viaduto do Chá, esse é mais daqueles momentos que aparece um vazio na cidade, que consigo ver mais longe, onde vejo os vários tempos da cidade. O Sampaio Moreira que uma vez já foi o edifício mais alto da cidade.

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Pego a escada rolante e desço em direção ao teatro para cruzar o Viaduto do Chá. Sempre que passo em frente não consigo resistir e paro por alguns segundos para olhar aquele edifício que lembra alguma época mais glamorosa, me mesmo escondido por edifícios muito mais altos não perde a imponência. Acho muito interessante como ele se tornou um lugar de reunião no centro, um pouco como o vão do Masp é o da Paulista, aqui na frente do Teatro não tem um dia que não esteja acontecendo algo. Olha só, hoje é uma manifestação, direitos trabalhistas me parece, outro dia era um Michael Jackson e no outro uma senhora pregando com sua bíblia, não importa o que seja, sempre tem alguém ouvindo e observando o que acontece.

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Enquanto sigo no viaduto do Chá torço para não chover. O lugar mais próximo para eu me abrigar é a cobertura da Praça do Patriarca e ela parece tão longe. Olho para o céu procurando as nuvens. Vejo o Sampaio Moreira escondido ali entre dois gigantes. O jardim no topo do edifício Matarazzo é algo que me faz lembrar daquela minha divagação sobre o futuro. Onde estaria o verde dessa cidade? Acho que situações como essa seriam muito comuns e também seria uma ótima maneira de utilizar coberturas de edifícios existentes, as passarelas poderiam fazer as conexões e as coberturas poderiam formar uma espécie de parque linear fragmentado com um grande rio passando permanentemente embaixo. O Vale do Anhangabaú daria um belo canal para praticar esportes ou para transporte.

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Gosto desse enquadramento que esse cruzamento me dá. A cobertura emoldura o que é mais baixo e o edifício ao fundo sobe para o alto, imagino novos edifícios no topo dos antigos, alcançando o edifício Barão de Iguape que hoje parece tão imponente.

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A Praça do Patriarca é um lugar interessante, representa bem os vários tempos da cidade, edifícios centenários, arranha-céus e uma obra de Paulo Mendes da Rocha. São vários momentos da cidade que contam uma história, desde o Hotel Othon à minha direita que já hospedou a Rainha Elizabeth e hoje é uma ocupação até a cobertura da Galeria Prestes Maia onde antes funcionava um terminal de ônibus.

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Quando viro na Rua São Bento é sempre outra surpresa, de repente tudo se afunila e aquela amplitude da Praça do Patriarca dá lugar a uma rua estreita, fechada por prédios altos dos dois lados, sempre cheia de gente, pessoas indo e vindo do trabalho, vendedores te chamando para entrar nas lojas. E ao fundo vejo, ainda longe, o mosteiro.

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O Largo do Café é um respiro nessa densidade, ao fundo consigo ver o edifício Banespa só porque ele é muito mais alto que o restante. Às vezes me irrito com a quantidade de pessoas que se aglomeram nessa rua, em dias que estou com pressa tenho que fazer zigue-zague entre as pessoas. Mas também gosto muito de passar por aqui, passar por lugares que fazem parte da história da cidade, edifícios ícones, o Martinelli por exemplo aparece escondido lá no fundo até parece pequeno assim desse lado, só um pedacinho aparecendo.

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Dei sorte porque ainda não choveu. Essa cidade tem o tempo mais imprevisível que eu já vi, e a previsão não vai te salvar se você resolver sair sem guarda-chuva só porque diz que vai fazer sol. O Martinelli é o único lugar que eu poderia me abrigar na minha caminhada. Vou torcer já que esqueci meu guarda-chuva.

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Dou uma olhada para trás, só pra comparar como da esquina o Martinelli parece outro, agora consigo ver quase toda sua frente, e a direita vejo até o Vale. Essa parte ia ficar bastante vulnerável se o alagamento acontecesse. O Martinelli me parece um pouco do que imaginei, uma casa construída em cima de um edifício. Isso poderia se multiplicar, acontecer também nos edifícios vizinhos. Poderia surgir uma nova cidade em cima da anterior, como uma continuação da cidade de São Paulo para cima.

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De repente tudo se abre e chego perto do mosteiro, ele que parecia tão pequeno de longe. De perto é outra sensação, mais um edifício que me faz querer viajar no tempo, dessa vez para o passado para ver o que acontecia nesse mesmo largo antes do buraco do metrô, quando cavalos passavam por aqui. O centro é cheio de momentos que nos fazem pensar em tempos passados. Isso me faz querer pensar em tempos que estão por vir.

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Sigo pelo viaduto Santa Ifigênia pensando no rio que passa por baixo, o Anhangabaú agora passa por baixo de uma praça, forço a vista e não vejo Viaduto do Chá, mas sei que ele está lá. Lá na frente atrás das árvores também enxergo o vulto de uma igreja. É curioso como tudo foi planejado em algum momento, no centro você pode encontrar uma rua que vai apontar para qualquer uma das igrejas, isso diz muito sobre como essas cidades foram pensadas, mas além da parte religiosa, é bonito pensar que esses grandes eixos e enquadramentos guiam caminhos pela cidade.

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Gosto também que por mais denso que seja o centro da cidade não é difícil achar um lugar com árvores e alguma vegetação, inclusive existem grandes praças com árvores que parecem ser muito antigas. Acho divertido quando ando por aqui e o número de lojas de eletrônicos vai aumentando conforme ando, também a quantidade de vendedores gritando de dentro de suas lojas “o que você prucura?”. Como na Galeria 7 de Abril, aqui também é um nicho de lojas especializadas, parte delas vende instrumentos musicais e na Rua Santa Ifigênia em si a maioria é de eletrônicos. Lembro de vir aqui quando adolescente com meu avô para comprar meu primeiro vídeo game, fiquei tão feliz, e lembro de escolher a versão “desbloqueada”, que me permitia comprar joguinhos por 5 reais, totalmente dentro da lei.

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Mais uma vez chego em uma esquina que é um bom exemplo de várias épocas da cidade, a Igreja de 1910 estilo neo-românico, um pouco neogótica, inspirada nas construções medievais da Europa, representa tempos passados. Inclusive esse edifício foi construído no século XX mas em seu lugar esteve a primeira capela além do Vale do Anhangabaú, construída em 1720. Do lado de uma igreja centenária temos mais um edifício moderno, na minha opinião esses prédios são o charme do centro da cidade. E do outro lado um belo espécime do que o mercado imobiliário vem fazendo hoje em dia, 6 andares de garagem em cima do térreo, o único lado positivo seria que não haveria perda de andares residenciais caso houvesse o alagamento. Esse edifício é um bom exemplo de algo que poderia também ser ressignificado em um futuro.

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O Largo do Paissandú é maravilhoso, sabe, um dos meus lugares favoritos para comer um sanduíche é aqui, aquele queijo do bauru do Ponto Chic é de outro mundo. É outro exemplo de um lugar arborizado que atrai uma quantidade enorme de pessoas. Além dos famosos bloquinhos de carnaval que gostam de estacionar por aqui, vejo muita gente aproveitando o intervalo da hora de almoço.

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Acho legal poder fazer caminhos que não necessariamente andam pela calçada. Corto o Largo pelo meio da praça, ao lado da igreja, e vejo a Galeria do Rock ao fundo. Reparo que os galhos das árvores formam uma moldura para a galeria, se misturam com o jardim no topo dela. É famosa a vista de dentro da galeria, olhando para o largo, mas a vista ao contrário também é muito interessante. Esse prédio é um daqueles que vale a pena deixar intacto, seria interessante se novas construções ocupassem os vazios no seu entorno, mas deixassem as curvas da Galeria como são.

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Eu não poderia fazer outro caminho que não fosse por dentro dela. Quando chego na porta me lembro de Caetano cantado “alguma coisa acontece no meu coração, que só quando cruza a Ipiranga e Av. São João”. São Paulo não é para qualquer pessoa, eu mesmo às vezes a odeio. Mas é muito cego quem anda por suas ruas e não vê beleza. Olho para a esquerda e vejo lá no fundo se erguendo no meio do mar de prédios o Banespa, por onde passei mais cedo.

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Passar por dentro da Galeria do Rock é sempre uma experiência única, ela também virou um lugar que concentra um público muito específico e ao mesmo tempo tão diverso, uma tribo quase no sentido literal da palavra. E aquele barulhinho de máquina de tatuagem é tão característico. É tão grande a quantidade de informação, nas vitrines, fora que é um ótimo atalho para mim e como já mencionei, adoro cortar caminho. Viro à direita.

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Esses edifícios mais baixos que deixam livre o espaço entre dois mais altos seriam um ótimo lugar para surgirem novas estruturas ou até mesmo outros prédios. E se essas estruturas estivessem penduradas? Logo que saio já vejo o outro prédio por onde vou passar. Antes eu passava pela Galeria R. Monteiro logo a minha esquerda. Lá no fundo consigo ver mais árvores.

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Passo pelo Sesc, é um pouco mais perto fazendo uma pequena diagonal na ponta do quarteirão. Parece um lugar pequeno e escuro pouco antes de entrar, o pé direito mais baixo logo ali na entrada, uma pequena rampa. Mas não sinto o mesmo quando estou dentro.

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É diferente dos outros prédios do centro, acho que porque ainda tem essa sensação de novo, mesmo sendo uma estrutura antiga. Gosto do rosa que me lembra o Martinelli e também o mesmo tom das varandas do Germaine Burchard ao lado da Igreja Santa Ifigênia. Passo pelo térreo ainda um pouco vazio, realmente o andar que todos gostaram foi o da cafeteria, com o espelho d’água e a vista para a cidade, o térreo serve mais como passagem. Esse é um ótimo exemplo que como as pessoas buscam por lugares como esse, não só como local de esporte, lazer ou cultura, mas também apenas um banco para se sentar protegido do sol, uma tomada, um lugar para passar o tempo.

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Vou em direção a Praça da República. Quando chego mais perto consigo perceber a quantidade de detalhes nos postes antigos. O outro lado da Av. Ipiranga quase não parece cidade, as árvores são tão enormes, acho que algumas das maiores que já vi na cidade, devem ser centenárias. Viro à esquerda.

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A Av. Ipiranga também vai em direção a uma igreja. Consigo ver lá no fundo, atrás das árvores, a Igreja da Consolação, talvez não de frente, esse enquadramento é da Rêgo Freitas. Também consigo ver a pontinha do Itália.

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Mais para frente chego na esquina da Ipiranga com a São Luís. Penso por um momento em entrar no Itália - principal caso de “moro perto mas não conheço” - mas me assusto com a cobraça de trinta reais para subir até o terraço e ganhar um drink que nem estava pensando em tomar. O porteiro ri e diz “É só pra quem pode mesmo”, finjo que acho graça da sua piada e dou meia volta. Já que estou tão perto resolvo voltar para casa. Sigo em frente e vou pela lateral.

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Passo dessa vez pela passagem entre o Bradesco e o Copan. É engraçado como aquele lugar nos dá uma sensação completamente diferente. Com dois edifícios enormes à minha volta, ando pela sombra me sentindo pequeno em relação aos paredões.

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Entro no térreo do prédio e percebo que ainda está cedo. Parece que faz tanto tempo que saí do meu apartamento. Decido fazer um desvio e quando chego no bloco B entro no grupo de turistas que espera para subir até o terraço. Desde que me mudei para cá fiz isso apenas uma vez. Espero o elevador com o grupo. E não me arrependo de ter esperado na fila. Toda vez que olho para essa vista ela me surpreende. Consigo também ver o Pico do Jaraguá, sem nenhuma nebulosidade.

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sobre tempo, memรณria e cidade processo bibliografia agradecimentos



sobre tempo, memória e cidade O tempo é possivelmente a unidade de medida mais abstrata que possuímos. Enquanto o relógio marca minutos podemos ter a sensação de que se passaram horas, ou quando você se distrai e percebe que se passaram várias horas em algo que pareceram poucos minutos. O tempo é também algo que nada está imune, todas as coisas de alguma maneira sofrem seu efeito. Como isso ocorre na cidade? A cidade sofre as ações do tempo em diversos aspectos não somente na sua arquitetura, algo mais palpável, que nos permite enxergar a “idade” dos edifícios mas também em elementos pequenos. O tempo altera as relações, o viver, o estar na cidade. Se sentarmos à beira de uma calçada e observarmos o que acontece, cinco minutos depois ela já não é a mesma, outras pessoas passaram por lá, outras atividades ocorreram, e isso vai se repetir, não da mesma maneira, mas a mudança virá igual. O tempo circula pela cidade, fazendo tudo acontecer, se movimentar e modificar. A visão de tempo marcada em sua unidade de segundos, minutos, horas, dias e assim por diante está também presente na cidade: em seus edifícios, nas pessoas que por ela andam, nas pequenas coisas que acontecem em um momento e no outro já foram. É com essa noção de tempo que penso a cidade nesse trabalho. Uma cidade em constante movimento e transformação.

Uma noção que constantemente está associada ao tempo é a de envelhecimento. Mas pensar em futuro não quer dizer que o que existiu antes é melhor ou pior. Hoje vivemos em um mundo onde tudo se torna obsoleto muito rápido então existe uma urgência em sempre ter algo novo. O extremo oposto também não é o caminho, com um excesso de zelo pelo passado. Como podemos então criar novos relacionamentos entre o passado e o futuro que irão permitir fazer uma cidade melhor? (T?F, 2009)

Vemos hoje cidades na China sendo demolidas por inteiro e reconstruídas, em Dubai novas cidades inteiras são construídas no deserto. São Paulo é uma cidade que possui história, o centro é onde encontramos alguns dos edifícios icônicos da cidade, que datam desde o surgimento da cidade até edifícios modernos. Podemos perceber que são camadas que constituem a cidade. Nem

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sempre se sobrepõem perfeitamente, às vezes se misturam, mas acreditando que o tempo também age na cidade, é preciso considerar que cada uma dessas camadas tem sua importância. A nova camada futura se acomoda e convive com as outras em harmonia. Se você gosta de algum lugar, mesmo que nunca tenha estado lá antes, se sente à vontade, há algo agradável ali, mas não se sabe exatamente o que. Seu corpo tem essa reação porque algo naquele lugar é familiar à você. O ser humano acumula ao longo de sua vida memórias e são elas que nos confortam e nos dão a sensação de que algum lugar que nunca fomos antes é agradável. A noção de memória na constituição da casa é observada nos objetos e mobiliários que acumulamos. Nossa casa é uma sobreposição de camadas de memória que acumulamos e construímos ao longo do tempo. Isso se entende para a cidade e a multiplicidade de elementos, diferentes culturas, gostos, conformam a complexidade e variedade da cidade. Heidegger afirma que a essência da noção de habitar é a de um demorar junto às coisas, portanto o habitar se estende da casa para outros lugares que frequentamos e, principalmente, à cidade.

A proposta desse trabalho é pensar a cidade de hoje como ela é e como ela poderia ser, do ponto de vista de alguém que anda por ela. Não é um cenário real, mas algo baseado na realidade de hoje. É uma oportunidade de deixar a imaginação criar uma possibilidade, dentre muitas, do que a cidade poderia se tornar.

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processo O trabalho contém duas partes que se complementam. Os desenhos e a narrativa. A intenção era contar a história de alguém andando pela cidade e quais as percepções, sensações, memórias que essa pessoa vivencia na caminhada. Desde o início a intenção era trabalhar no centro da cidade. A primeira opção era fazer desenhos de três pontos do centro: o entrono do Copan, o largo São Bento e a Capela Santa Ifigênia. São três pontos com situações muito interessantes e também distintas, desde o fluxo de pessoas até os edifícios. A intenção era trabalhar sempre com isométricas. É um desenho bastante definido pelo Atelier Bow-Wow, um escritório japonês que produz desenhos incríveis de seus projetos com isométricas pois elas ao mesmo tempo que conseguem mostrar muita informação também não possuem distorção ou hierarquia. Para ensaiar como seria o futuro da cidade comecei com o desenho do entorno do Copan e fazendo sobreposições com papel vegetal produzi desenhos que pretendiam mostrar um pouco das minhas intenções para os outros dois pontos selecionados. Trabalhando sempre em cima do mesmo desenho, tirando cópias, recortando, colando e redesenhando ficou claro que só as isométricas talvez não dessem conta de mostrar toda a complexidade da cidade.

desenhos produzidos como primeiros ensaios do futuro

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Mais tarde surgiu a ideia de conectar esses lugares melhor ao invés de fazer estudosw isolados, o que também fazia sentido com o texto, já que era alguém andando pela cidade, porque não mostrar também esse percurso nos desenhos, do ponto de vista do observador, muito inspirados pelo método de desenho de Gordon Cullen. Não foi muito difícil escolher por onde esse percurso passaria já que no caminho entre os pontos existem diversos edifícios e lugares muito interessantes. Para fazer a escolha final colocamos no papel o trajeto escolhido, destacando os pontos de interesse e de onde seriam feitos os desenhos.

mapas produzidos para definir percurso

No primeiro momento percorri o trajeto com uma pasta, fazendo croquis e rascunhos dos enquadramentos que eu achava interessantes e tirando fotos pra consultar depois. Nesse processo fiz mais de 100 desenhos e depois definimos qual seria a sequência final. Para a produção dos desenhos que entrariam no trabalho, o uso das fotografias foi fundamental, junto com o Google Maps 3D e o Street View pude ter mais atenção aos detalhes que no primeiro momento dos rascunhos passaram despercebidos.

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Para contextualizar o leitor do caderno e indicar de onde eram os desenhos voltamos a utilizar as isométricas, que também acabam por dividir os desenhos em grandes eixos. São isométricas que foram desenhadas separadamente mas com a intenção de que pudessem compor um grande desenho que serviria como uma ilustração geral do percurso.

etapas do desenho: rascunhos à lápis e desenhos à caneta

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Foi uma dificuldade depois vincular os desenhos da cidade existente com a proposta do futuro, gastava muito tempo pensar em cada desenho como inserir esses elementos então decidimos manter o uso do papel vegetal e utilizá-lo para mostrar intervenções pontuais ao longo do percurso, que fariam parte do imaginário do personagem que narra o texto. Depois de muita dúvida sobre como organizar o texto com os desenhos, colocar cada desenho em sua página com o trecho da narrativa que passa por ele ao lado foi a solução mais clara e simples, sem causar conflito entre os dois e permitindo que eles se complementassem.

croquis para composição do livro

outros desenhos para pensar o futuro e enquadramentos 144


bibliografia ABALOS, Iñaki. A Boa-Vida: visita guiada às casas da modernidade. São Paulo: Gustavo Gili, 2003. BANYAI, Istvan. Zoom. São Paulo, Brinque-Book, 1995. CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Cia das Letras, 1990. CALLIARI, Mauro. São Paulo. A única certeza do futuro é a incerteza. Disponível em: http://arqfuturo.com.br/frontend/home/post/2313 Acesso em: 20.08.17 CANEPA, Bruna. 5 Casas. Trabalho de conclusão de curso. Escola da Cidade, São Paulo, 2013. CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo, Editora G. Gili, 2013. CARLOVICH, Fernanda. Projeto de um edifício em explosão. Trabalho de conclusão de curso. FAUUSP, 2015. Disponível em: https://issuu.com/ fernandacarlovich/docs/tfg COOK, Peter. Archigram. New York, Princeton Architectural Press, 1999. CORREA, Marília de Azevedo. Indivisível. Trabalho de conclusão de curso. Escola da Cidade, São Paulo, 2017. CULLEN, Gordon. The Concise Townscape. New York, Routledge Architectural Press, 1971. HEIDEGGER, M. Construir, habitar, pensar. 1954. Disponível em: http:// www.prourb.fau.ufrj.br/jkos/p2/heidegger_construir,%20habitar,%20pensar. pdf Acesso em 27.09.17 KAIJIMA, M; KURODA, J; TSUKAMOTO, Y. Made in Tokyo. Kajima Institute Publishing Co. Tokyo, 2012.

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LAI, Jimenez. Citizens of no Place. Nova York: Princeton Architectural Press, 2012. SEMPÉ, J. J. Un peu de Paris. France, Folio, 2001. SOUSANIS, Nick. Desaplanar. São Paulo, Veneta, 2017. TEIXEIRA, Carlos M. O Condomínio Absoluto. Belo Horizonte, Editora C/ Arte, 2009. THE WHY FACTORY, NAI PUBLISHERS. Visionary Cities. Rotterdam, 2009. ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. Barcelona: Gustavo Gili, 2009.

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filmes e referências -The House of Small Cubes. Direção Kunio Kato, Japão, 2008. -Microtopia. Direção Jesper Wachtmeister, Suécia, 2013. -Blade Runner. Direção Ridley Scott, 1982. -Saul Steinberg -Atelier Bow-Wow -Archigram -Yona Friedman

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agradecimentos Aos meus amigos e familiares pela paciência, por saberem ouvir, pelo apoio nos momentos de crise, cada um à sua maneira colaborou para o trabalho e eu não teria chegado onde cheguei sem vocês. Obrigada por todas as conversas, referências, sugestões e ideias! Ana, Ma, Cami e Lu, a parceria de vocês nesses anos de alegria e sofrimento que do curso de Arquitetura é algo que vou levar para toda a vida. Obrigada ao meu orientador Sebastian Beck por me acompanhar no processo louco de produzir um TC em apenas um semestre. Também a todos os outros professores e amigos que estavam sempre dispostos a ouvir, conversar, dar sua opinião, emprestar livros.

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