HÁ que UMA nuncaLÂMPIDA se apaga
JULIANA DANTAS BOTELHO FALCÃO 1
HÁ UMA LÂMPIDA QUE NUNCA SE APAGA Adoniran Barbosa, The Smiths e Autoconhecimento. Projeto Experimental apresentado como requisito parcial para a obtenção do título Bacharel em Moda. Área: Estilismo; Segmento: Moda Feminina Contemporânea Orientadoras: Professora Simone Mina & Professora Sílvia Regina Brandão.
2
À minha mãe Dalva e avós Margarida e Binota. And if a ten ton truck Kills the both of us To die by your side Well, the pleasure and the privilege is mine. Obrigada por tudo, amo vocês.
3
agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus, pela encontrar em meio a gizes pastel e lápis sanidade mental, emocional e espiritual. de cor. Descobrir que eu conseguia desenhar e, além disso, que tinha meu Agradeço a meus pais, familiares, amigas- próprio traço foi essencial para meu quase-irmãs (Vilma, Thaís, Cíntia...) e a desenvolvimento acadêmico. minhas queridas amigas desde a época de colégio, Julia Maçol, Julia Brasileiro Agradeço também Isadora Martinez, e Jéssica... Obrigada pelos conselhos e Alexia Panella e Marina Duarte, verdadeiras amigas e companheiras de apoio. trabalhos. Choramos, rimos, comemos Todos foram essenciais para que (muito) juntas, discutimos (muitas) ideias, continuasse a trilhar e a encerrar com teorias, Arte, Fotografia, Cinema, Moda, coragem essa etapa, e sou abençoada Música (inclusive Smiths e Moz, demais! Obrigada, Lex!)... O estímulo e influência por tê-los em minha vida. que vocês me proporcionaram também Agradeço às queridas Professoras Astrid me ajudaram a chegar até aqui. (pelo seu estímulo), Walquíria (pela sua exigência), Sílvia (pela sua compreensão), Conhecer a todos vocês fez valer minha Simone (pela sua sensibilidade) e Renata experiência nesses últimos quatro anos. (pelo seu profissionalismo) que, desde o primeiro ano, me deram ‘puxões de orelha’ necessários, me incentivaram Mais uma vez, obrigada. quando preciso e, acima de tudo, me ajudaram a abrir meus olhos, a amadurecer minha percepção de Moda e de mundo. Sou também grata ao Professor Feres Khoury por suas aulas de Desenho. Sua franqueza e extroversão em sala me ajudaram a libertar meu traço, me
4
A música é a única entrada incorpórea para o mundo mais elevado do conhecimento que compreende a raça humana, mas que a raça humana não consegue compreender
Ludwig van Beethoven
5
resumo
abstract
O Projeto Experimental e Coleção exploraram como algumas relações entre a obra e vida dos contemporâneos Adoniran Barbosa, cantor paulistano, e a banda inglesa The Smiths, mais especificamente de seus fundadores Johnny Marr e Steven Morrissey, podem ser traduzidos em imagem e produto de Moda.
The Experimental Project and Collection explore some links between the work and life of the contemporary Adoniran Barbosa, brazilian singer from São Paulo, and the English band The Smiths, more specifically of its founders Johnny Marr and Steven Morrissey and how they can be translated into Fashion image and product.
Palavras-chave: Contemporaneidade, Música, Adoniran Barbosa, The Smiths, Moda.
Keywords: Contemporaneity, Music, Adoniran Barbosa, The Smiths, Fashion.
6
sumário
Introdução 1 apresentação da coleção 1.1 Olhar para o Eu e o Autoconhecimento - 8 1.2 Música - 9 2 contemporaneidade - 10 2.1 A coleção - 11 2.2 Há uma lâmpida que nunca se apaga... - 12
6 moulage e esboços - 56 7 flores - 66 8 cores - 68 9 styling e público-alvo- 72 10 matérias 10.1 - Têxteis - 75 10.2 - Aviamentos - 79 11 coleção - 80
3 vida e obra - um breve resumo 3.1 Dodô e Moz – o início- 14 3.2. Música e carreira - 19 3.3 A vida nas cidades - 25 3.4 Amanhã (não) vou trabalhar... - 32 3.5 A tristeza é um bichinho que paroeta sozinho - 34 3.6 Dodô, Moz (e Marr) – retratos contemporâneos. - 36
12 identidade visual - 84 13 considerações finais - 86 bibliografia - 88 webgrafia- 89 lista de imagens - 90 e 91
4 metodologia 4.1 Estilo e Moda - 42 4.2 - Subjetividade toma forma - 49
filmografia - 92
5 construção da coleção - primeiras experiências - 54
ANEXOS - banca - 94
lista de canções - 93
7
introdução 1 apresentação da coleção
1.1 Olhar para o Eu e o Autoconhecimento A construção desse Projeto Experimental e Coleção inicia-se no início da trajetória acadêmica e pessoal da autora, sendo o nascimento a primeira peça de tal quebracabeça. Migrante carioca, sempre viveu entre Estados: São Paulo, a terra que a acolheu, assim como a seus pais, e Rio de Janeiro, sua terra natal, e a de todos os outros parentes. O migrante é um ser híbrido, vivendo das lembranças de um lugar que já não é enquanto se adapta a um novo. Vivendo e criando para si uma realidade que é só sua, um não pertencimento ao seu tempo e espaço. Outro fato decisivo na sua vida da autora é o de que veio de uma família de idosos, com toda a sua sabedoria, lembranças e “causos”, crescendo no seio de suas fascinantes, generosas e fortes tias-avós - hoje com 99 e 92 anos. A nostalgia, portanto, é uma característica forte da autora. Seu fascínio pelo passado, por outros tempos, com a angústia de querer ter vivido em outras décadas. Tal traço pode ser notado praticamente em todos os trabalhos apresentados em seu portfólio, exercício acadêmico proposto no ano de 2014. De Armênia a Elis Regina, de René Lacoste a Adoniran Barbosa, a nostalgia está lá, o passado sempre se mostra. A segunda e terceira (quarta, quinta...) peças foram encaixadas mais recentemente. Graças à ajuda profissional, foi diagnosticada com TDM – Transtorno Depressivo Maior. Pondo a vida em perspectiva, notou que sempre fora triste. Não por luto, nem sempre por traumas. A melancolia sempre esteve presente, como uma espectadora que se recusa a levantar e a deixar seu assento na sala de espetáculos. A peça muda – comédia, drama, musical – mas ela continua lá. Sensibilidade, nostalgia e melancolia, então, sempre fizeram parte de sua vida. No entanto, a melodia que a embala não é inteiramente triste. É intensa, mas graciosa. É bela, apesar de sóbria.
8
1.2 Música Melodia, termo usado metaforicamente, também é um fator crucial para a elaboração desse Projeto e Coleção em sentido literal. A música sempre esteve presente em sua trajetória acadêmica e sempre foi uma de suas maiores fontes de inspiração. Por que não usá-la então mais uma vez como fonte de inspiração? Por que não usar o que mais lhe cativava, a música, abstrata, para motivar-lhe a criar em Moda, concreta? Deixou-se então se inspirar pelas suas maiores paixões musicais, Adoniran Barbosa e The Smith, principais acordes desse trabalho. Assim como a autora, tais artistas têm uma característica essencial, a capacidade de ver a beleza na tristeza, a graça na melancolia, a luz na escuridão... O contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo para perceber não as luzes, mas o escuro. [...] é, justamente, aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente [...]. (AGAMBEN, 2010, p. 2012, p. 62-63).
Graças ao ensaio de Agamben, encontram-se respostas. Dá-se, finalmente, um nome para esse conjunto de sentimentos expressos – proporcionalmente - pela autora e pelos seus artistas favoritos em suas trajetórias: contemporaneidade.
9
2 contemporaneidade
De acordo com Agamben, o contemporâneo é uma mistura entre o arcaico e o avant-garde, não coincidindo aparentemente com seu tempo, mas estando em total sintonia com este. Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este (...) exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo (AGAMBEN, 2010, p. 58-59).
Percebe o escuro do seu tempo com algo que lhe concerne e não cessa de incorporá-lo, algo que, mais do que toda a luz, dirige-se direta e singularmente a ele. (AGAMBEN, 2012, p.64). Torna-se assim, alheio ao seu próprio tempo, como uma peça que não se encaixa perfeitamente no conjunto de quebra-cabeça da sociedade. O contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu tempo com algo que lhe concerne e não cessa de incorporá-lo, algo que, mais do que toda a luz, dirige-se direta e singularmente a ele. (AGAMBEN, 2012, p.64).
Encontra-se assim mais que um nome, uma base em comum entre uma estudante de Moda carioca de 23 anos, um cantor paulista já falecido e uma banda inglesa desfeita a quase duas décadas: a capacidade de se identificar, conectar e conversar com o escuro, de tê-lo como seu. Sua busca por responder ao chamado dessa luz no meio da escuridão que se aproxima, mas se afasta (AGAMBEN, 2010, p. 65), assim como a disparidade de não estar em total conexão com a sociedade, mas a compreendendo e apreendendo como poucos. Mas, principalmente, a sensibilidade à escuridão; melancolia e tristeza, junto com a percepção de dentro dela, enxergar uma luz; beleza e graça...
10
2.1 A coleção
A Coleção de Graduação, portanto, nasce de um lugar particular, nasce a partir do olhar sensível para o interior da autora, mas, além disso, um olhar para seu universo, repleto de música. Traçar paralelos entre o estilo, a época, as cidades-natal e características dos artistas em destaque, Adoniran Barbosa; o Dodô, Steven Morrissey; o Moz, e John Maher; o Marr, são então pretextos para tal fim, o eu. Como seus retratos de suas cidades podem ser traduzidos em imagens reais? Como a interpretação subjetiva de suas obras pode ser transformada em matéria tridimensional? Acima de tudo, como a identificação da autora com suas letras e canções que carregam dentro de si luz e escuridão, melancolia e graciosidade - podem ser transformadas em produto de Moda? Por que a leitura de personalidades tão peculiares por uma estilista hoje se torna algo válido e interessante para a moda atual? Por que o olhar de hoje perante essas gerações passadas é relevante em pleno ano 2014? Tais inquietações são, portanto, as linhas-guias que serão tratadas ao longo do Projeto Experimental e da Coleção. Serão apresentadas aqui também, além das óbvias diferenças, algumas interessantes semelhanças de tais retratos contemporâneos, que viveram com décadas e um Oceano de distância.
11
2.2 Há uma lâmpida [sic] que nunca se apaga...
Criadores não só de canções, mas de hinos, duas de suas músicas mais icônicas e populares, cada uma em sua década e geração, dão título e tema a esse trabalho. As Mariposas, de Adoniran, e There is a Light That Never Goes Out (“existe uma luz que nunca se apaga”), de Morrissey e Marr. Cada uma ao estilo de seu autor, tais canções exprimem a ideia de luz na escuridão, que não poderia ser mais apropriado. Uma luz que nunca se apaga... Bem, ao não ser que desliguem a lâmpida!
As mariposa quando chega o frio Fica dando vorta em vorta da lâmpida pra si isquentá Elas roda, roda, roda e dispois se senta Em cima do prato da lâmpida pra descansá Eu sou a lâmpida E as muié é as mariposa Que fica dando vorta em vorta de mim Todas noite só pra me beijá As mariposa quando chega o frio Fica dando vorta em vorta da lâmpida pra si isquentá Elas roda, roda, roda e dispois se senta Em cima do prato da lâmpida pra descansá “Tá muitu bom... Mas num vai si acostumá, viu Dona mariposinha?”. (As Mariposas, BARBOSA; 1955).
12
Take me out tonight Where there’s music and there’s people Who are young and alive Driving in your car I never never want to go home Because I haven’t got one Anymore Take me out tonight Because I want to see people And I want to see lights Driving in your car Oh please don’t drop me home Because it’s not my home It’s their home And I’m welcome no more And if a double-decker bus Crashes into us To die by your side Such a heavenly way to die And if a ten-ton truck Kills the both of us To die by your side Well, the pleasure and the privilege is mine Take me out tonight Oh take me anywhere I don’t care, I don’t care, I don’t care And in the darkened underpass I thought “Oh God, my chance has come at last” But then a strange fear gripped me And I just couldn’t ask Take me out tonight Take me anywhere I don’t care, I don’t care, I don’t care Just driving in your car I never never want to go home Because I haven’t got one Oh, I haven’t got one There is a light that never goes out...
Me leve para sair essa noite Onde há música e pessoas Que sejam jovens e vivas Andando em seu carro Eu nunca nunca quero ir para casa Porque eu não tenho mais Uma casa Me leve para sair essa noite Porque eu quero ver pessoas E eu quero ver luzes Dirigindo em seu carro Oh por favor não me deixe em casa Porque não é meu lar É a casa deles E eu não sou mais bem-vindo E se um ônibus de dois andares Bater em nós Morrer ao seu lado Que maneira celestial de morrer E se um caminhão de dez toneladas Matar a nós dois Morrer ao seu lado Bem, o prazer e o privilégio são meus Saia comigo esta noite Oh me leve para qualquer lugar Eu não me importo, eu não me importo, eu não me importo... E numa passagem subterrânea escurecida Eu pensei “Oh Deus, minha chance finalmente chegou” Mas então um estranho medo me tomou E eu simplesmente não pude pedir Me leve para sair essa noite Leve-me em qualquer lugar Eu não me importo, eu não me importo, eu não me importo Apenas andando no seu carro Eu nunca nunca quero ir para casa Porque eu não tenho uma Ah, eu não tenho uma Há uma luz que nunca se apaga... (There is a Light That Never Goes Out, MORRISSEY; MARR, 1985).
13
3 vida e obra - um breve resumo 3.1 Dodô e Moz – o início Adoniran Barbosa, o Dodô, nascido João Rubinato, filho dos imigrantes de Treviso, cidadezinha do norte italiano, Fernando e Emma Rubinato, nasce em Valinhos, ainda uma também cidadezinha (bairro da cidade de Campinas) no dia de 6 de agosto de 1912. Porém, para colaborar no sustento da família, precisou “envelhecer” dois anos para atingir mais cedo os 16, idade da época para se trabalhar legalmente (MUGNAINI JUNIOR, 2002, p.13). Alguns fatos sobre a vida de Adoniran são muito discutíveis, o que soa paradoxal. Assim Reinventar novos fatos, datas e nomes talvez fosse a forma de amenizar a amargura do passado, “apagando” as dificuldades que circularam sua vida. Assim, sua arma para driblar as dificuldades era simples: o bom-humor. Na sua certidão então consta: 6 de Agosto de 1910. “Isso foi muito bom, porque sou corintiano, e o Corinthians foi criado em 1910!”. (BARBOSA apud MUGNAINI JUNIOR, 2002, p.13). Morrissey, o Moz, nascido Steven Patrick Morrissey, filho dos imigrantes irlandeses Peter e Betty Morrissey, nasce em Davyhulme, uma pequenina área do condado da Grande Manchester, Inglaterra, no dia 22 de maio de 1959 em um lar recém-estabelecido numa nova terra. Morrissey e sua irmã mais velha, Jacqueline vieram de uma família de trabalhadores das fábricas de Manchester, que está para os imigrantes irlandeses o que o Estado de São Paulo está para os imigrantes italianos. Da mesma forma, o algodão representou para os britânicos o que o café representava para a vida socioeconômica do Sudoeste brasileiro. Na virada do século XIX para o XX, Valinhos contava com cerca de 90% de italianos e 10% de brasileiros e portugueses. Similarmente, Manchester era uma das máquinas da Revolução Industrial e, por volta de 1830, um quinto da população do condado era formado por irlandeses, que imigraram por causa da pobreza em sua pátria e pela promessa de empregos nos novos e enormes moinhos de algodão, bem como às outras indústrias criadas para servir essa primeira – fundições de ferro, fábricas de vidro e de máquinas. (FLETCHER, 2012, p.27). 14
Assim como os recém-chegados imigrantes italianos – contadini, camponeses no termo italiano - sofreram discriminação, abusos e preconceitos, vindos para uma terra que até pouco tempo empregava a mão-de-obra escrava nas lavouras, ocupando sua lacuna, os irlandeses viram-se marginalizados pelos ingleses, que os viam com o olhar preconceituoso de uma nação protestante, como uma ameaça aos seus empregos, como uma raça inferior de língua (gaélico) e modos distintos (FLETCHER, 2012, p.27). Ao chegar, então, os irlandeses foram segregando-se em guetos, formando verdadeiras “malocas”. Estávamos bastante satisfeitos por nos esconder em guetos como a comunidade irlandesa em Manchester; os irlandeses ficavam juntos e sempre havia um parente vivendo a duas portas de você, nos fundos ou no corredor. Sempre considerei esquisito que pessoas que tenha vivido durante vinte ou trinta anos em Manchester ainda falassem com o mais amplo e afiado sotaque da Pearse Street. (MORRISSEY apud Hot Press, maio de 1984).
Eu tinha consciência de ser irlandês e nos diziam que éramos muito distintos dos garotos imundos à nossa volta – éramos diferentes deles. De muitas formas, no entanto, acho que recebi o melhor dos dois lugares e o melhor dos dois países. Sou ‘um de nós’ nos dois lados. (MORRISSEY apud Irish Times, novembro de 1999).
Tal fato pode-se também notar na história de Adoniran, que tinha, porém, poucas lembranças de Valinhos, sua cidade natal. Isso porque sua família se mudara para Jundiaí, onde passou a maior parte de sua infância e juventude. Lá, a 46 km de distância de São Paulo, foi aonde começou a notar os primeiros sinais de conflito entre a cidade e o campo na virada do século XIX para o XX. O “pogrésio” que conheceu em Jundiaí estava nos cortiços, habitação dos Rubinato e dos tantos outros trabalhadores braçais da região, força motora das indústrias e das ferrovias em construção (São Paulo Railway, futuramente Santos-Jundiaí). Segundo o próprio, “Como eu não tinha queda pra intelectual, meus pais resolveram me pôr no batente” (BARBOSA apud MUGNAINI JUNIOR, 2002). Não necessariamente vocação, vontade. Adoniran por meio de suas letras, simples e fortes, fazia descrições simples e poéticas da vida em São Paulo no século XX, porém, quando criança...
15
Adoniran fugia das aulas, jogava fora os cadernos, lápis e borrachas como pretexto para não estudar. O filho gazeteiro de Dona Emma que, após uma surra memorável, abandonou aos 13 anos a escola Siqueira de Moraes de vez. Mas naquele ano, 1923, o que doeu mais foi o castigo do pai – trabalhar. Ui. (CAMPOS JUNIOR, 2004, p.55). “Como é bom à gente ter mãe, mesmo apanhando... Hoje em dia eu apanho do mundo. E como apanho!”. (BARBOSA, apud CAMPOS JUNIOR, 2004). Morrissey, porém, frequentou a rígida escola católica de St. Mary’s Roman Catholic Secondary Modern. Segundo o cantor, “minha educação na St. Mary’s [...] não foi uma educação. Foi apenas violência e brutalidade.” (MORRISSEY apud Irish Times, 1999). Um exemplo dessa disciplina – inclusive física - sistemática bárbara e bruta, que preparava os alunos para preencheram vagas burocráticas ou braçais nas fábricas, estava nos castigos corporais aplicados semanalmente, senão diariamente, aos alunos. Aqueles que não cumpriam os padrões exigentes [...] eram levados até o gabinete do diretor para esperar o castigo de ‘cinto’ (a que os alunos de referiam como ‘chicote’) em suas mãos esticadas. E então começava o dia letivo. (FLETCHER, 2012, p. 72). O professor da oficina de trabalho em metal tinha um pedaço de madeira gasto de 60 centímetros que ele chamava de Charlie e com o qual batia livremente nas costas dos garotos. (FLETCHER, 2012, p. 73). Tal tratamento não era comum apenas à escola de Steven Morrissey, mas tal tratamento ficou imortalizado nas letras de The Headmaster Ritual (“O Ritual do Diretor”): Belligerent ghouls Run Manchester schools Spineless swines Cemented minds Sir leads the troops Jealous of youth Same old suit since 1962 He does the military two-step Down the nape of my neck Sir thwacks you on the knees Knees you in the groin Elbow in the face Bruises bigger than dinner plates […]
Mortos-vivos beligerantes Dirigem as escolas de Manchester Porcos imorais Mentes cimentadas O professor lidera as tropas Invejoso da juventude O mesmo terno velho desde 1962 Ele faz dois passos militares Sobre a minha nuca O professor golpeia você nos joelhos Dá uma joelhada na sua virilha Acotovelada no seu rosto Hematomas maiores que pratos de jantar [...] (Trecho de The Headmaster Ritual, MORRISSEY; MARR, 1985).
16
Num cenário menos trágico, mas não menos difícil, “apanhando da vida”, Adoniran começa a trabalhar, passando a ajudar o pai a carregar os vagões da São Paulo Railway. Depois disso, passou a trabalhar entregando marmitas para o Hotel Central da cidade, o emprego durou até a descoberta de que surrupiava alguns pastéis para comer. “[...] Malandragem, não, é fome.” (BARBOSA apud MUGNAINI JUNIOR, 2002). Seu pai ficara novamente desempregado e Jundiaí se tornou pequena demais para os Rubinato, que migram para Santo André, agora a apenas 17 km de São Paulo. Joanin, que vivia de bicos, entrando na adolescência, logo se adaptou. Lá, “a vocação de cantor e compositor revelou-se juntamente com sua profissão mais duradoura: vendedor ambulante”, mascate. (MUGNAINI JUNIOR, 2002, p.22). Segundo Adoniran, Eu cantava minhas coisas, só minhas coisas, pelas ruas. Não eram bem ruas, eram vielas, vilas. Não tinha nem ninguém por perto. Não tem cara que anda falando sozinho, não tem? Pois eu, invés de falar, cantava. (BARBOSA apud MUGNAINI JUNIOR, 2002, p. 23). Andava bastante, é verdade, mas podia ficar observando a cidade e sua gente. Essas descobertas até que compensavam o cansaço das pernas e motivaram, pela primeira vez, o rapazola a cantar e a compor sambas. Sambas na base do ‘deixa-pra-lá’ – de acordo com ele, bem ruinzinhos -, mas que serviam como treinamento para o curioso modo de criação que João Rubinato, já como Adoniran Barbosa, desenvolveria mais tarde: compor andando na rua. (CAMPOS JUNIOR, 2004, p. 61).
Em 1932, em plena Revolução Constitucionalista, a família veio tentar a sorte em São Paulo. Trabalhou por um tempo como entregador de tecidos de uma loja na 25 de Março, mas o que queria mesmo era cantar. Em 1934, a rádio Cruzeiro do Sul estreava um programa dedicado a revelar novos talentos, Os Calouros do Rádio. Não demorou muito, então, para João “trocar seus mil empregos anteriores pela vocação de artista” (MUGNAINI JUNIOR, 2002, p.27). Daí é que nasce, de fato, Adoniran Barbosa, o sensível observador e cronista da cidade ao seu redor. Enquanto, porém, Adoniran em sua juventude se abria para a vida e a cidade, Morrissey se fechava em seu interior. Não largou a escola, afinal, “não estava disposto a se rebelar e arriscar ser espancado diariamente,” (FLETCHER, 2012, p. 75). Adoniran não se encaixava nos padrões da escola, nos padrões de Jundiaí, muito menos Santo André. Da mesma forma, Morrissey se diferenciava se seus colegas, desde a maneira de agir até a forma de pensar. 17
Segundo um antigo colega de classe de Moz, Paul Whiting, Ele era muito inteligente para nós. Éramos todos retardados dos conjuntos habitacionais brigando uns com os outros e roubando uns dos outros, e Steve Morrissey estava acima daquilo. Ele não devia estar naquela escola. (FLETCHER, 2009, p.76)
Nota-se, então, a desconexão, indício de contemporaneidade, que aflora desde cedo. Sua mãe, Betty, foi extremamente influente na formação, inclusive literária do filho, introduzindo-o às obras de Thomas Hardy e Oscar Wilde, extremamente importantes na identidade do Morrissey adulto e, posteriormente, na identidade das músicas e imagem dos Smiths. Assim, Wilde se tornou uma das suas obcessões, seu primeiro herói. De sua escrita, Morrissey apreendeu o poder da simplicidade. “Ele usava a linguagem mais básica e dizia as coisas mais poderosas” (MORRISSEY apud FLETCHER, 2012, p. 81). Tal simplicidade, pura e poderosa, também pôde ser vista nas obras de Adoniran. Paulo Vanzolini, falecido em 2013, zoólogo - com formação em Harvard - compositor e autor de famosas canções como “Ronda”, “Volta por Cima” e “Na Boca da Noite”, sempre se admirou coma capacidade do amigo de escolher poucas e boas palavras. Segundo Vanzolini, “o Adoniran tinha um poder de síntese que estava acima do nível educacional dele. Ele escrevia como quem tivesse lido muito, e ele nunca leu nada”. (VANZOLINI apud CAMPOS JUNIOR, 2011, p. 104). Se a “munição criativa” de Adoniran iniciou-se em suas andanças pela cidade como mascate, observando a vida dos universos mais pobres de São Paulo, a jornada de Morrissey foi mais introspectiva, interiorizada. Na adolescência passou a se isolar, emocional e fisicamente. Eu me lembro de ter passado por períodos, quando tinha 18 ou 19 anos, nos quais eu literalmente ficava dentro do quarto de três a quatro semanas [...]. Eu ficava ali dentro, quase na escuridão, sozinho com a máquina de escrever e cercado por montes de jornal. [...] Parece dramático, mas em um momento, pensei que nunca conseguiria sair daquele quarto. Parecia que tudo que sou havia sido concebido ali [...]. (MORRISSEY apud GODDARD, 2009, p. 287).
Tal solidão o deixou com sequelas ao longo dos anos: paranoia irreversível, falta de confiança, melancolia e “misantropia injustificada” (GODDARD, 2009, p. 288). Porém, foi chave para sua posterior criatividade artística. 18
Da mesma maneira, Adoniran “contraiu” graças ao seu estilo de vida, abastecido por fartos de maços “estoura-peito” de cigarros Yolanda e noites de carnaval passadas no sereno, o seu notório tom rouco de voz. Além disso, segundo seu biógrafo, Celso de Campo Júnior, boêmio, botequeiro, bico-doce, chupa-rolha, mata-borrão, patusco, borracho, flauteador eram algum dos muitos sinônimos para de descrever o rapaz de Valinhos fora do âmbito da rádio. (2004, p.90).
3.2. Música e carreira A mudança de nome foi a menor das dificuldades enfrentadas dos João Rubinato. Ele teve de travar diversas lutas para conseguir entrar em um meio competitivo, inclusive contra si mesmo. Seu jeito descontraído “sua proverbial irreverência e seu temperamento afável, porém um tanto fechado, interpretado por muitos como arredio. Adoniran parecia não gostar de seguir o caminho mais fácil, e o papel de anti-herói sempre lhe caiu muito bem” (MUGNAINI JUNIOR, 2002, p.30). Em 1934, se tornara um participante assíduo do programa de calouros, mas sempre era “gongado”. Finalmente, interpretando “Filosofia”, de Noel Rosa, foi aprovado. O mundo me condena, e ninguém tem pena Falando sempre mal do meu nome Deixando de saber se eu vou morrer de sede Ou se vou morrer de fome Mas a filosofia hoje me auxilia A viver indiferente assim Nesta prontidão sem fim Vou fingindo que sou rico Pra ninguém zombar de mim Não me incomodo que você me diga Que a sociedade é minha inimiga Pois cantando neste mundo Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo Quanto a você da aristocracia Que tem dinheiro, mas não compra alegria Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente Que cultiva hipocrisia. (ROSA; FILHO, 1933, Filosofia).
“O homem do gongo estava dormindo!” (BARBOSA apud MUGNAINI JUNIOR, 2002, p.31). 19
Nos anos 40, porém, revelou-se o Adoniran ator. Nessa década, sua carreira musical contabilizava zero disco e pouco sucesso nas suas composições cantadas por outros intérpretes, Era, então, duas pessoas em uma: o ator e o cantor-compositor. Primeiro surgiu o cantor-compositor, que fez pouco sucesso; “depois se revelou o ator, fazendo um sucesso tão grande que, nos anos 1960, muita gente se surpreenderia ao descobrir que Adoniran (ou Barbosinha) era também cantor-compositor” (MUGNAINI JUNIOR, 2002, p. 43). No teatro e no rádio viveu Charutinho, Mr. Richard Norris, Dr. Sinésio Trombone, o “gostosão da Vila Matilde”, o comerciante Judeu Moisés Rabinovitch, Pernafina, Barbosinha Mal-Educado da Silva... Adoniran formava uma dupla de sucesso com Oswaldo Molles, um milionário criador de tipos. Criativo escritor, observador dos costumes e usos do povo, Molles “transformava migalhas em banquetes, usando o folclore urbano como matéria-prima para arte” (MUGNAINI JUNIOR, 2002, p. 48) e exerceu enorme influência em Adoniran. Segundo Mugnaini (2002), Molles criou como que sob-medida os famosos personagens interpretados por Adoniran na rádio e foi ele quem despertou em Adoniran sua vocação de cronista e satirista musical. Antes dele, Adoniran era apenas um cantor versátil, mas falava aquele “algo a mais” para que ele encontrasse estilo próprio e se destacasse. Tal papel coube a Oswaldo Molles (MUGNAINI JUNIOR, 2002, P. 48). A dupla também teve êxito no campo musical. Ao final dos anos 50 “Tiro ao Alvaro”, “Mulher, Patrão e Cachaça” e o hino “Saudosa Maloca” foram alguns dos, agora clássicos, compostos em parceria com Molles. Com a ajuda de Molles, Adoniran encontra seu estilo características “adonirânicas”, (p. 71) no final dos anos 40 e se destaca com o samba “Malvina”. Tal canção foi incluída no repertório do grupo vocal-instrumental, e também paulistano, Demônios da Garoa em 1950 e, segundo o autor, foi “uma das melhores coisas que aconteceram a Adoniran [...] e vice-versa” (p. 72). Em 1967, a parceria de sucesso com Molles se encerra. Ele tira a sua própria vida. Embora a parceria de cinco anos com os Smiths, e, principalmente, com sua dupla criativa, Johnny Marr, tivesse acabado de forma menos trágica, Morrissey também jamais obteria sozinho o sucesso e reconhecimento galgados na década de 80 (que perduram até hoje) sem pertencer primeiro a uma banda. 20
Tony Fletcher, biógrafo da banda, escreve: Nesse caminho, Morrissey saiu de seu casulo para se tornar um dos símbolos sexuais mais improváveis do fim do século XX, e um de seus melhores letristas/poetas. A seu lado, Johnny Marr passou a ser reverenciado com provavelmente o guitarrista mais talentoso de sua geração e, certamente, um de seus melhores arranjadores [...] (2012, p.10). Um estimulava o melhor do outro, ambos tinham dedicação, determinação, habilidade e intelecto. A camaradagem, porém, não suportou o peso causado por provocações, exaustão mútua e diferenças musicais implacáveis. (FLETCHER, 2012, págs. 9 e 10).
É impossível falar de Smiths e Morrissey sem falar de Marr. John Martin Maher nasceu em 31 de Outurbo de 1963 e é o real fundador da banda (1982). Por pouco não cresceu ao lado de Steven Morrissey. Assim como Morrissey, os Maher – nome real de Marr- imigraram da Irlanda no começo dos anos 1960. Marr passou o começo da infância em Ardwick, ao sul do centro da cidade de Manchester. Seu pai e mãe ainda eram muito jovens quando nasceu - 20 e 17 anos respectivamente- e eram fãs devotos da música Pop da época. Assim, desde muito cedo, Marr foi exposto às melodias tristes de Johnny Cash e da Mowtown. A cidade em que cresceu reforçava ainda mais esse sentimento: Eu era triste na infância porque a área onde cresci era muito barra pesada. Ardwick estava sempre chuvoso e havia muito trânsito. [...] Era uma comunidade irlandesa muito jovem, com muita música e bebida. Sempre havia festas e casamentos, e muita melancolia na música que me cercava naquela época. [...] Isso me deixou fascinado e parecia combinar com o ambiente que me cercava. (MARR apud GODDARD, 2009, p. 343).
I would rather not go Back to the old house I would rather not go Back to the old house There’s too many Bad memories Too many memories There [...]
Eu preferiria não voltar à casa velha Eu preferiria não voltar à casa velha Há muitas Lembranças ruins Tantas lembranças Lá [...]
(MORRISSEY; MARR, 1984, trecho de Back to the Old House).
21
Os dois cresceram na mesma cidade, frequentaram o mesmo tipo de escola, tinham o mesmo tipo de estrutura familiar, ambos tinham uma irmã mais velha, com dois anos de diferença, uma relação achegada com mães jovens e a participação forçada no movimento de eliminação de cortiços no centro da cidade, onde moravam. (FLETCHER, 2012, p. 188).
Quando o oficial de justiça chegou Lá na favela E contra seu desejo Entregou pra seu Narciso Um aviso uma ordem de despejo Assinada, seu doutor Assim dizia a petição Dentro de dez dias quero a favela vazia E os barracos todos no chão É uma ordem superior Ô ô ô ô ô meu senhor É uma ordem superior Ô ô ô ô ô meu senhor Não tem nada não, seu doutor Não tem nada não Amanhã mesmo vou deixar meu barracão Não tem nada não, seu doutor Vou sair daqui Pra não ouvir o ronco do trator Pra mim não tem problema Em qualquer canto me arrumo De qualquer jeito me ajeito Depois, o que eu tenho é tão pouco Minha mudança é tão pequena que cabe no bolso de trás Mas essa gente ai, hein Como é que faz? (Despejo na Favela, BARBOSA, 1969).
22
Marr, sempre muito dedicado, guitarrista e arranjador de mão cheia, acreditava ser Jerry Lieber, e estava à procura de seu Mike Stoller¹. Porém, a chance encontrar alguém tão coprometido, talentoso e desesperado seria de uma em um bilhão (GODDARD, 2009, 346). Foi num encontro a lá Leiber e Stoller¹, mediado por um amigo em comum, que Marr foi atrás de Morrissey, o intelectual tímido que conhecera antes de vista em um show de rock. [...] Morrissey podia contar seus amigos nos dedos de uma das mãos. Ele vivia na Kings Road com sua mãe divorciada. Estava desempregado – por opção, é certo, mas mesmo assim, desempregado. Completaria 23 anos naquele mês. Qualquer um pensaria que o tempo o estava deixando para trás. (FLETCHER, 2012, p. 8). “Ainda é uma lembrança muito viva. O dia estava ensolarado. Era cerca de uma da tarde. Não liguei antes de ir nem nada. Simplesmente bati, e ele abriu a porta.” (MARR apud GODDARD, 2009, p. 347). Foi um acontecimento que eu sempre tinha esperado e, inconscientemente, estava aguardando desde minha infância. O tempo estava passando – eu tinha 22 anos – e Johnny era muito mais jovem, mas parecia que eu tinha rodado muito durante muito tempo esperando por um momento mágico e místico, que definitivamente ocorreu. (MORRISSEY apud Melody Maker, setembro de 1987).
E assim nasceu a maior dupla musical do fim do século XX e uma história de amizade e admiração que beirava o amor platônico. O surgimento dos nomes é mais uma história. Cansado de ser “gongado” nos inúmeros concursos de calouros que participava, Adoniran - até então João- via em seu nome o bode expiatório para tanto insucesso. “Se eu soubesse que ia ser radioator, teleator e artista de cinema, não mudava meu nome, ficava João Rubinato mesmo. Mas cantas samba com nome italiano... Não dá!” (BARBOSA apud MUGNAINI JUNIOR, 2002, p.29).
Valendo-se então do nome de seu amigo de copo Adoniran Alves, e do sobrenome do cantor carioca Luiz Barbosa, surge um nome verdadeiramente brasileiro, identificável e, além disso, próximo do povo. A mudança acompanhou a guinada profissional de Dodô. Coincidência? Jamais saberemos. (CAMPOS JUNIOR, 2011, p. 18). E The Smiths? Bem, Tony Fletcher disserta brilhantemente a respeito desse nome... 1 Jerome “Jerry” Leiber (1933 - 2011) e Mike Stoller (1933) formaram a famosíssima dupla de compositores “Leiber e Stoller”, uma das principais da história do rock. Compuseram vários clássicos de Elvis Presley, entre eles, Hound Dog (GODDARD, 2009, p.304). Lieber, guitarrista, batera na casa de Stoller, ambos ainda adolescentes, com a intenção de formar uma dupla criativa 23 de sucesso. (FLETCHER, 2012, p.9).
Desde o começo do processo, Morrissey sugeriu o nome da banda e Marr concordou. The Smiths. Tanto fãs quanto críticos procuraram por toda a parte, ao longo dos anos, explicações que são facilmente encontradas, considerando-se que Smith é o sobrenome mais comum na Inglaterra. Mas essa, na verdade, é a única explicação necessária. Ao chamarem a si mesmos The Smiths, M, orrissey e Marr se afirmaram como pessoas comuns, pessoas trabalhadoras do dia a dia. Ao fazerem isso, eles também se desassociam dos nomes estranhos que eram tão disseminados na época (Echo & The Bunnymen [...], Duran Duran etc.). E, no processo de escolher um nome de uma sílaba com artigo definido, eles estavam se oferecendo a uma linhagem de lendas do rock britânico: The Who, The Jam, The Stones [The Rolling Stones] (segundo a abreviação comum), The Kinks, The Clash, The Jam, e por aí vai; e à possibilidade de que eles um dia fossem considerados parte daquela rica tapeçaria. Foi, em resumo, um declarado retorno à simplicidade quando a pompa era dominante. (FLETCHER, 2012, p.200)
à direita, “instituições paulistas: Adoniran Barbosa e a Catedral da Sé, na praça remodelada e inauguraa no inínio de 1978” (CELSO JUNIOR, 2004, p. 513). 24
3.3 A vida nas cidades
Praça da Sé Praça da Sé Hoje você é Madame estação Sé Quem te conheceu A alguns anos atrás Como eu te conheci Não te conhece mais Nem vai conseguir Te reconhecer Se hoje passa por aqui Alguém que já faz Algum tempo que não te vê Pouca coisa tem que contar Pouca coisa tem que dizer Vai pensar que está sonhando É natural Nunca viu coisa igual Da nossa Praça da Sé de outrora Quase que não tem mais nada Nem o relógio que marcava as horas Pros namorados Encontrar com as namoradas Nem o velho bonde [...] É o progresso É o progresso Mudou tudo Mudou até o clima Você está bonita por baixo Só indolá pra ver Mas não vá sozinho, meu senhor Que o senhor vai se perder Praça da Sé Praça da Sé Hoje você é Madame estação Sé
FIGURA1
(BARBOSA, 1978, Praça da Sé.)
25
No largo São Bento, na década de 1970. Destaque para a forma macarrônica, à Adoniran Barbosa, de se anunciar os calçados de Franca
FIGURA 2
26
27
Morrissey, mais recluso, e Adoniran, boêmio, viam suas cidades como inspiração e pano de fundo para suas criações, mas, sem dúvidas, a influência das cidades é um traço marcante nas obras dos artistas em destaque, seu olhar afiado perante sua gente e costumes também se revela. Cantar a Paulicéia, por exemplo, foi uma das maiores causas de sucesso para Adoniran... O Rio é uma cidade muito bonita, que inspira bastante, e tem vários lugares cujo próprio nome já são [sic] meio samba, de tão sonoros, têm muita poesia. Quer ver? Jacarépaguá, Leblon, Grajaú, Copacabana... Em São Paulo, nada disso. Alguém consegue encaixar Vila Alpina, Vila Nhocuné, Morumbi e Santo André em samba? Não dá, reconheço. Mas gosto tamto da cidade que acabo dando um jeito. Foi por isso que fiquei conhecido. (BARBOSA apud MUGNAINI JUNIOR, 2002, p. 121).
“Se eu fizer um samba homenageando casa coisa de São Paulo, onde vou parar?” (BARBOSA apud MUGNAINI JUNIOR, 2002, p. 153). Se Adoniran o fez, foi espontaneamente. Alguns bairros homenageados em suas obras: Bixiga, Jaçanã, Vila Esperança, Casa Verde, Ermelino Matarazzo, Moóca, Brás, Vila Ré, Vergueiro... Somam também as homenagens a ruas, avenidas e praças, como a Rua dos Gusmões, Rua Aurora, Avenida São João, Avenida 23 de Maio, Viaduto Santa Ifigênia, Praça da Bandeira, Praça Júlio Mesquita...
FIGURA 3
Busto de Adoniran Barbosa na Praça Dom Orione, no Bixiga. Obra de Luiz Morrone. São Paulo retribuindo o carinho de Adoniran.
28
Em contrapartida, a influência de Manchester nas letras de Morrissey entrou de maneira mais relutante no início de sua carreira. Não costumava falar muito bem de sua terra natal, dizendo ser um lugar aprisionante. “Não sinto nenhuma afinidade com o local. É só o local onde por acaso vivo. Não significa muito para mim e tenho certeza de que sairei daqui logo. Quando ficar rico.” (MORRISSEY, 1983, apud GODDARD, 2009).
Em seu auge em 1985, como prometido, o grupo chegou a morar em Londres por um curto período de tempo, mas a sede do grupo pelo resto da carreira deles seria a casa de Johnny Marr e sua esposa Angie, na área em torno de Cheshire, condado ao Noroeste da Inglaterra. Anos mais tarde, então, a cidade passou a obter um novo significado para Moz: É a sensação que tenho. Nasci e fui criado aqui, e, de um jeito ou de outro, foi o local que me tornou que sou. Você pode se revoltar com as coisas ruins de que não gosta em si mesmo e pode culpar Manchester por isso. A única coisa da qual culpo Manchester é a educação horrível que recebi, mais nada. Considero a cidade um lugar fantástico agora. Não te nada a ver com a cidade na qual cresci. Está bem mais limpa e mais cosmopolita. As lojas são incríveis e as pessoas são lindas [...]. Está bem diferente da Manchester que eu conhecia. (MORRISSEY apud GODDARD, 2009, p. 341).
FIGURA 4
O videoclipe de There is a Light That Never Goes Out, música icônica da banda, foi filmado na cidade de Manchester. Acima, podem-se ver nas placas alguns pontos já citados em algumas de suas canções. Strangeways, Here We Come é, por exemplo, o nome no quarto e último álbum dos Smiths (1987). Salford, cidade vizinha de Manchester é o lar do mais famoso marco na história dos Smiths, O Salford Lads Club (ou Clube de Salford para Rapazes), que curiosamente se tornou uma “Meca” para os fãs da banda graças à sessão de fotos realizada lá por Stephen Wright em 1985. 29
Antes disso, nunca teve nenhuma outra ligação com os integrantes dos Smiths. Entre os nativos de Salford está a ídolo de Morrissey, Shelagh Delaney, dramaturga e estrela da capa dos Smiths, mais conhecida por sua peça – mais tarde adaptada para o cinema – Um Gosto de Mel (1961), e a quem Morrissey reconheceu como “uma grande influência” (MORRISSEY apud GODDARD, 2009, p.136, 526,527).
FIGURA 5, 6&7 30
Brás, Hulme, Bexiga, São Paulo, Manchester...Tão diferentes, tão similares. à esquerda, foto da casa em que Morrissey cresceu,1969. À direita, crianças brincando, Brás,1947.
31
3.4 Amanhã (não) vou trabalhar...
Poucas são as pessoas que podem dizer que não precisam porque simplesmente não gostam de trabalhar. Como um remédio amargo que Dodô teve de tomar começando a trabalhar desde cedo, por exemplo, Morrissey também sempre foi resistente ao lavoro, basta notar as letras de Still Ill e You’ve Got Everyhting Now... Morrissey considerou os breves empregos que teve como “a pior doença” que já tivera. Sua filosofia antitrabalho, expressada nas canções acima, vem do pensamento que “os empregos reduzem as pessoas à estupidez”.
Oh, what a mess I’ve made of my life No, I’ve never had a job Because I’ve never wanted one I’ve seen you smile But I’ve never really heard you laugh So who is rich and who is poor? I cannot say [...]
Oh, que bagunça eu fiz da minha vida Não eu nunca tive um emprego Porque nunca quis ter um Eu já vi você sorrir Mas eu nunca vi você rir de verdade Então quem é rico e quem é pobre? Eu não sei dizer [...] (You’ve Got Everything Now, MORRISSEY; MARR, 1984)
And if you must go to work tomorrow Well, if I were you I really wouldn’t bother For there are brighter sides to life And I should know, because I’ve seen them But not very often [...]
E se você tiver que trabalhar amanhã Bem, se eu fosse você eu não me incomodaria Por que existem lados mais brilhantes da vida E eu deveria saber, pois os tenho visto Mas não com muita freqüência [...] (Still Ill, MORRISSEY; MARR, 1984)
32
Morrissey considerou os breves empregos que teve como “a pior doença” que já tivera. Sua filosofia antitrabalho, expressada nas canções acima, vem do pensamento que “os empregos reduzem as pessoas à estupidez”. Bem menos engajado, mas não menos profundo, Charutinho – personagem de Adoniran - dizia: “trabaio é boca? Trabaio num é boca. É sepultura, é tumo.” (BARBOSA apud MUGNAINI JUNIOR, 2002, p.62).
Falou e disse.
“Quando Deus fez o homem, Quis fazer um vagolino que nunca tinha fome E que tinha no destino Nunca pegar no batente e viver folgadamente. O homem era feliz enquanto Deus assim quis. Mas depois pegou Adão, tirou uma costela e fez a mulher. Desde então, o homem trabalha prela. Mas daí, o homem reza todo dia uma oração. Se quiser tirar de mim arguma coisa de bão, Que me tire o trabaio. a muié não!” Pogressio, pogressio... Eu sempre iscuitei falar, que o pogressio vem do trabaio Então amanhã cedo, nóis vai trabalhar. Quanto tempo nóis perdeu na boemia Sambando noite e dia, cortando uma rama sem parar Agora iscuitando o conselho da mulher Amanhã vou trabalhar, se Deus quiser, mas Deus não quer! (Conselho de Mulher, ARBOSA; BELARMINO; MOLLES,1952)
33
3.5 A tristeza é um bichinho que paroeta sozinho
Em 1979, o compositor Carlinhos Vergueiro leva sua recém-escrita canção, Bife à Milanesa, para a aprovação do já veterano Adoniran Barbosa, em Cidade Ademar. A letra não agradou Adoniran, que sugeriu algumas mudanças, justamente no ingrediente principal. -Carlinhos, vamos mudar bife à milanesa para torresmo à milanesa. -Por que, Adoniran? -Porque não existe. Carlinhos Vergueiro então substituiu o nome do prato e ligou o gravador para registrar a nova versão. Quando chegou ao final, veio o toque final do chef nos versos “Arroz com feijão/ E torresmo à milanesa”. -Carlinhos, vamos mudar para ‘um torresmo’. Tem que ficar ‘Arroz com feijão/ E um torresmo à milanesa’. -Por que só um, Adoniran? -Porque é mais triste. Voilá. (BARBOSA; VERGUEIRO apud CAMPOS JUNIOR, 2004, p. 517).
Voltando à outra parceria, Marr/Morrissey, Simon Goddard relata: Na verdade, eles reconheceram um no outro a mesma ambição séria e uma tristeza anterior assustadoramente parecida. “Eu achei que a música dele combinava tristeza e alegria”, disse Morrissey. “Achei que era uma música muito, muito triste. Até mesmo os acordes alegres que ele produzia, na minha opinião, tinham um toque de tristeza terrível... que realmente me atraiu para a música dele.” (MARR; MORRISSEY apud GODDARD, 2009, p.349)
Os contemporâneos, então, sofrem. Sofrem, pois encaram como suas as trevas, incorporando-o. Sofrem, pois vêm o presente com mais clareza que os demais. Sofrem, pois estão à frente de seu tempo, mas também no passado, dissociando-se do hoje. São inovadores, mas também incompreendidos. São sensíveis, e, por isso, sofrem.
34
“I was happy in the haze of a drunken hour, but heaven knows I’m miserable now…” (Eu estava feliz na bruma de uma hora embriagada, mas o céu sabe que eu estou infeliz agora. MORRISSEY; MARR, 1984, de Heaven Knows I’m Miserable Now). “Eu sou um cara triste, sabe, eu faço piada, mas é tudo por fora.” (BARBOSA apud MUGNAINI JUNIOR, 2002, p.13). A beleza e a melancolia seriam as cores primárias de suas canções, ainda que com toque de humor, absurdo, blasfêmia, profundidade e uma petulância nortista irrepreensível. Morrissey tinha talento para as letras, mas os Smiths nunca teriam alçado voo se ele não tivesse encontrado seu semelhante musical em Marr. “Nós dois reconhecíamos a beleza da melancolia”, concorda Marr. “Nós dois compreendíamos isso. Conversávamos sobre isso e, com frequência, sobre a diferença entre depressão e melancolia. Falávamos que a depressão é inútil, mas que a melancolia é um sentimento de verdade, um lugar real; um lugar criativo que lida com imagens, música e aspectos criativos da personalidade. Eu simplificava as coisas dizendo: ‘É aquela sensação que se tem quando estamos cruzando Manchester com a cabeça recostada na janela de um ônibus em uma manhã de quarta-feira, no mês de novembro, com a chuva caindo. A maioria de minhas músicas era assim porque eu passava muito tempo fazendo exatamente isso. Nesse aspecto, meu conceito e o de Morrissey a respeito da melancolia eram absolutamente o mesmo.”. (MARR; MORRISSEY apud GODDARD, 2009, p.349)
Não, Johhny, não só vocês dois. Vocês três... A tristeza é um bichinho que paroeta sozinho, E como rói a bandida... Parece rato em queijo parmesão” Bom dia, tristeza Que tarde, tristeza Você veio hoje me ver Já estava ficando Até meio triste De estar tanto tempo Longe de você [...] (Bom Dia, Tristeza, BARBOSA; MORAES, 1957) 35
3.6 Dodô, Moz (e Marr) – retratos contemporâneos.
A seguir, estão transcritos duas citações a respeito da obra desses artistas, que são uma síntese de sua genialidade, talento, impacto e contemporaneidade. A primeira, realizada por Antônio Candido, um dos fundadores do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Cidade de São Paulo, em 1952 reservaria a Adoniran Barbosa o mesmo respeito que reservava aos metres da literatura nacional (CAMPOS JUNIOR, 2004, p. 486). Em seguida, textos dos biógrafos dos Smiths e jornalistas musicais Simon Goddard e Tony Fletcher.
Adoniran Barbosa é um grande compositor e poeta popular, expressivo como poucos; mas não é Adoniran, nem Barbosa, e sim João Rubinato, que adotou o nome de um amigo funcionário do Correio e o sobrenome de um compositor admirado. A ideia foi excelente, porque um artista inventa, antes de mais nada, a sua própria personalidade; e porque, ao fazer isto, ele exprimiu a realidade tão paulista de cerne que exprime a sua terra com a força da imaginação alimentada pelas heranças necessárias de fora. Já tenho lido que ele usa uma língua misturada de italiano e português. Não concordo. Da mistura, que é o sal de nossa terra, Adoniran colheu a flor e produziu uma obra radicalmente brasileira, em que as melhores cadências do samba e da canção, alimentadas inclusive pelo terreno fértil das Escolas, se aliaram com naturalidade às deformações normais de português brasileiro, onde Ernesto vira Arnesto, em cuja casa nóis fumo e não encontremo ninguém, exatamente como por todo esse país. Em São Paulo, hoje, o italiano está na filigrana. vA fidelidade à música e à fala do povo permitiram a Adoniran exprimir a sua cidade de modo completo e perfeito. São Paulo muda muito, e ninguém é capaz de dizer aonde irá. Mas a cidade que nossa geração conheceu (Adoniran é de 1910) foi a que se sobrepôs à velha cidadezinha caipira, entre 1900 e 1950; e que desde então vem cedendo lugar a uma outra, transformada em vasta aglomeração de gente vinda de toda a parte. A nossa cidade, que substituiu a São Paulo estudantil e provinciana, foi a dos mestres-de-obras italianos e portugueses, dos arquitetos de inspiração neoclássica, floral e neocolonial, em camadas sucessivas. São Paulo dos palacetes franco-libaneses do Ipiranga, das vilas uniformes do Brás, das casas meio francesas de Higienópolis, da salada da Avenida Paulista. São Paulo da 25 de Março dos sírios, da Caetano Pinto dos espanhóis, da rapaziada do Brás – na qual se apurou um novo modo cantante de falar português, como na língua geral da convergência dos dialetos peninsulares e do baixo-contínuo vernáculo. Esta cidade que está acabando, que já acabou com a garoa, os bondes, o trem da Cantareira, o Triângulo, as cantinas do Bixiga, Adoniran não a deixará acabar, porque graças a ele ela ficará, misturada vivamente com a nova mas, como o quarto do poeta, também “intacta” boiando no ar. A sua poesia e a sua música são ao mesmo tempo brasileiras em geral e paulistanas em particular. Sobretudo quando entram (quase sempre discretamente) as indicações de lugar, para-nos, porém no alto 36
da Mooca, na Casa Verde, na Avenida São João, na 23 de Maio, no Brás genérico, no recente metrô, no antes remoto Jaçanã. Quando não há esta indicação, as lembranças de outras composições, a atmosfera lírica cheia de espaço que é a de Adoniran, nos fazem sentir por onde de perdeu Inês ou onde o desastrado Papai Noel da chaminé estreita foi comprar Bala Mistura: nalgum lugar de São Paulo. Sem falar que o único poema em italiano desse disco nos põe no seu âmago, sem necessidade de localização. Com seus firmes 65 anos de magro, Adoniran é o homem da São Paulo entre duas guerras, se prolongando na que surgiu como jiboia fuliginosa dos vales e morros para devorá-la. Lírico e sarcástico, malicioso e logo emocionado, com encanto insinuante da sua antivoz rouca, o chapeuzinho de aba quebrada sobre a permanência do laço de borboleta dos outros tempos, ele é a voz da Cidade. Talvez a borboleta seja mágica; talvez seja a mariposa que senta no prato das lâmpida e se transforma na carne noturna das mulheres perdidas. Talvez João Rubinato não exista, porque quem existe é o mágico Adoniran Barbosa, vindo dos corredores de café para inventar no plano da arte a permanência da sua cidade e depois fugir, com ela e conosco, para a terra da poesia, ao apito fantasmal do trenzinho perdido na Cantareira. (CANDIDO, Antônio apud CAMPOS JUNIOR, págs..486 488,489 - Carta de Antônio Candido que introduz o segundo LP de Adoniran, Adoniran Barbosa, 1975).
Isso não quer dizer que o público em geral compartilhe do amor e respeito mútuos pelos Smiths. Alguns motivos incluem a voz sem treinamento e o alcance vocal limitado de Morrissey, que ele compensava, no começo da carreira, cantando como tirolês, uivando e grunhindo ocasionalmente, além da posição política pessoal de suas letras, que buscavam provocar, entreter, confortar e confrontar (apesar de terem sidos muitas vezes rejeitadas por críticos mal informados como simples autoajuda) auxiliados por uma recusa coletiva tão determinada a não ceder que fez com que a banda fosse mau interpretada como inconveniente ou arrogante [...]... Por todas essas razões, os Smiths eram amados ou odiados. Não havia espaço para meio-termo. (FLETCHER, 2012, p.13). [...] Em termos mais claros, os Smiths expressavam as esperanças – de forma tão relevante quanto os medos – de uma geração de forma que nenhuma outra banda da época conseguiu. O fato de eles terem feito isso com uma combinação tão notável de ambiguidade sexual, petulância política, confiança coletiva e, especialmente, humor selvagem, não apenas garantiu à banda a imortalidade entre seus contemporâneos, mas os ajudou a ganhar gerações futuras de fãs igualmente leais, para quais os Smiths a muito extintos, existem num pedestal reservado a santos e deuses. (FLETCHER, 2012, p.11) Desde o primeiro disco deles, de Maio de 1983, ao último, de Dezembro de 1987, por quatro álbuns, 17 singles e cerca de 70 músicas da parceria Morrissey/Marr, os Smiths cobriram todos os gêneros pop imagináveis, normalmente reconfigurando-os em sua própria criação insondável. “Shakespeare’s Sister” era rockabilly, mas que tipo de rockabilly – Johnny Cash no olfato, as irmãs Brontë no paladar -, era impossível saber. Se “Panic” era glam rock, então era um novo tipo de glam, possivelmente um glam “a lá Gordon-Riots”, um glam “derrubem- a-Bastilha”, um glam que usava pólvora no rosto ao invés de glitter. “There is a Light That Never Goes Out” era uma canção de amor, mas que ousava substituir carinhos por jugulares cortadas através de um para-brisa de automóvel. Eles tentaram escrever um single de reggae, mas acabaram escrevendo “Girlfriend in a Coma”, que não era exatamente reggae, ou, se 37
era, então foi o primeiro e último single de reggae a respeito de uma máquina de respiração artificial. “Os Smiths foram nosso sucesso, meu e de Johnny, totalmente”, disse Morrissey. As nuances da história deles e da complexidade de seu songbook podem ser encontradas espalhadas ao longo deste livro, mas resumindo a singularidade de Morrissey/Marr e dos Smiths, só é preciso dizer quem nenhum outro grupo antes ou desde então consegiu mostrar cores tão chocantes para tanta gente. Ninguém teve a coragem de dar álbuns nomes tão polêmicos como “Meat is Murder” (“Carne é Assassinato”) e “The Queen is Dead” (“A Rainha Morreu”), nem de dar a um single o título “Shoplifters of the World Unite”, tampouco escrever um refrão tão incendiário “hang the DJ” (“enforquem o DJ”) e gravá-los com tamanha tranquilidade. Ninguém resumiu o trabalho com o mesmo desespero cômico como “Frankly Mister Shankly”, ou a escola com a vingança, como “The Headmaster Ritual” (“O Ritual do Diretor”). Ninguém provou que menos é mais com o mesmo brilho de “Please Please Please Let Me Get What I Want”. Ninguém mostrou tanta beleza e tanta melancolia com a mesma delicadeza assustadora de “Asleep”. Ninguém adentrou o poço da solidão na mesma profundidade “Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me” (“Na noite passada sonhei que alguém me amava”).
Ninguém mesmo. ‘ (GODDARD, 2009, págs. 350 e 351).
38
Assim, tentou-se ao longo desse projeto, transmitir a subjetiva e imaterial contemporaneidade de Adoniran, Marr e Morrissey. Eram considerados românticos em suas gerações, mas também traziam com si uma melancolia e acidez excepcionais. Sua sensibilidade perante o presente, sua percepção em reconhecer nas trevas do presente a luz (AGANBEM, p. 66), fazem dos artistas em destaque verdadeiros contemporâneos e únicos, que conseguiram, assim, ler de modo inédito a história (AGANBEM, p. 70). Tentou-se, porque melodias e acordes são imateriais. Precisam ser mais do que entendidos, sentidos. Crie um cenário mental a partir das sensações que surgem, tente imaginar a São Paulo dos anos 60 de Adoniran, repleta de mudanças, assim como a Manchester dos anos 80 dos Smiths, industrial e nublada. Imagine-se andando por essas ruas imaginárias, vendo o desenrolar das tramas. Imagine-se nos bailes de carnaval de décadas passadas, jogando serpentina pelo salão, e depois o vazio da quarta-feira de cinzas. Ou ainda passeando pelo centro antigo da cidade de São Paulo, pelos seus prédios históricos que ocuparam e desalojaram inúmeros moradores de cortiços, imortalizados por Adoniran.
[...] O carnaval passou, levou a minha rosa Levou minha esperança, levou o amor criança Levou minha Maria, levou minha alegria Levou a fantasia, só deixou uma lembrança. (Vila Esperança, BARBOSA, 1968). Se o senhor não tá lembrado Dá licença de contá Que aqui onde agora está Esse edifício “arto” Era uma casa véia Um palacete assombradado Foi aqui seu moço Que eu, Mato Grosso e o Joca Construímos nossa maloca [...] (Saudosa Maloca, BARBOSA, 1951) 39
Imagine-se voltando à sua cidade-natal, andando por suas saudosas ruas e relembrando de seus antigos amores, ou cantando apaixonadamente uma declaração de amor em um carro a alta velocidade, com o vento no rosto...
‘When you cycled by Here began all my dreams The saddest thing I’ve ever seen And you never knew How much I really liked you Because I never even told you Oh, and I meant to Are you still there? Or have you moved away? Or have you moved away? Oh... [...] Quando você pedalava Aqui começaram todos os meus sonhos A coisa mais triste que eu já vi E você nunca soube O quanto eu realmente gostava de você Porque eu nunca sequer lhe contei Oh, eu tentei Você ainda está lá? Ou você se mudou? Ou você se mudou? Oh... [...] (MORRISSEY, MARR; Back to the Old House, 1984).
40
And if a double-decker bus Crashes into us To die by your side Such a heavenly way to die And if a ten-ton truck Kills the both of us To die by your side Well, the pleasure and the privilege is mine Take me out tonight Oh take me anywhere I don’t care, I don’t care, I don’t care […] E se um ônibus de dois andares Bater em nós Para morrer ao seu lado Que maneira celestial de morrer E se um caminhão de dez toneladas Matar a nós dois Morrer ao seu lado Bem, o prazer e o privilégio são meus Leve-me em qualquer lugar Eu não me importo, eu não me importo, eu não me importo... [...] (There is a Light That Never Goes Out, MORRISSEY; MARR, 1985).
Fica o incentivo para que o leitor busque suas canções e deixe-se emocionar pelas suas letras e melodias e que um dia compartilhe com a autora o mesmo fascínio e admiração por tais retratos contemporâneos. 41
4 metodologia 4.1 Estilo e Moda me.to.do.lo.gi.a sf (método²+logo²+ia¹) 1 Estudo científico dos métodos. 2 Arte de guiar o espírito na investigação da verdade. 3 Filos Parte da Lógica que se ocupa dos métodos do raciocínio, em oposição à Lógica Formal. M. didática: teoria dos procedimentos de ensino, geral ou particular para cada disciplina; didática teórica. (Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa). Arte de guiar o espírito na investigação da verdade. Substituindo verdade por Moda ou até mesmo Coleção, chega-se ao objetivo desse Projeto. Após meses de pesquisa e investigação, o espírito chegou à qual conclusão? Onde, de fato, está a Moda? Tais questionamentos foram guias necessários para se chegar a uma Coleção material, tridimensional. Desde o início, desejou-se trabalhar as referências de estilo pessoal registradas em fotos e vídeos dos artistas em destaque. Adoniran, por exemplo, não dispensava um bom terno... Mesmo antes de vir tentar a vida em São Paulo, mesmo no cenário ainda rural do interior de São Paulo. Com 300 mil-réis, prêmio recebido por “Dona Boa”, sua marchinha vencedora do carnaval de 1950 (“Era uma porcaria de marcha, um porcaria de marcha, mas ganhou o primeiro lugar do Carnaval [...]”. ADONIRAN apud MUGNAINI JUNIOR, p. 35) seriam, na realidade, convertidos em um terno sob medida... Deram [o prêmio] em cheque, no Teatro Boa Vista [onde se realizou a finalíssima]. Eu tinha dois amigos naquela noite. Quando ganhei o prêmio, que recebi o cheque arranjei 20 amigos, rápido. Tudo atrás de mim: ‘Adoniran, você é o maior, salve ele’ e tal. E ‘troca o cheque, troca o cheque’. Eu troquei o cheque na marra e foi birra, birra, birra [cerveja]. E eu tinha mandado fazer um paletó, escuite essa áqui, pra ir buscar no outro dia. Não fui buscar o paletó, porque o dinheiro não deu, acabou na mesma noite, rapaz. [...] (ADONIRAN apud MUGNAINI JUNIOR, págs. 38 e 39). 42
... Isso se a boemia tivesse deixado. A moda também teve um importante e crescente papel na carreira dos Smiths. Johnny Marr trabalhava em uma loja de moda alternativa em Machester, X-Clothes, e se tornou amigo do dono da loja de Jeans ao lado, Joe Moss, primeiro empresário e padrinho dos Smiths. Johnny sempre cuidava para sempre apresentar a banda com uma imagem coesa. (GODDARD, 2012, p. 511). Enquanto Morrissey achava os Smiths o “grupo mais mal vestido da história das roupas” (MORRISSEY apud GODDARD, 1984), o interesse de Marr cresceu cada vez mais em relação à moda. Em 1999, lançou uma marca de roupas alternativas, a Elk. Por outro lado, Moz nunca deu, em carreira com os Smiths, tanta importância às roupas. Muito pelo contrário. Ao afirmar que a banda era uma das mais mal vestidas provavelmente estava se referindo a si mesmo, que usava camisões da Evans, uma rede inglesa de roupas femininas, especializadas em tamanhos grandes. “Elas caem muito bem e deixam claro o fato de que eu não tenho corpo”, disse ele, em 1984. A moda, aliás, foi um aspecto que uniu os até então ilustres desconhecidos Marr e Morrissey, obcecado pela imagem de James Dean, morto em 1955. Marr também acredita que, quando ele conheceu Morrissey no verão de 1982, o estilo de moda retro dos anos 1950 que eles compartilhavam (os dois “curtiam” calças americanas Levi’s antigas) foi fator decisivo pra estabelecer uma afinidade. (GODDARD, 2012, p. 511).
A moda considerada retro nos anos 80, era a moda vigente do tempo de Adoniran: os ternos com transpasse frontal, camisaria mais enxuta, calças cigarretes, mocassins... Grandes influências para a construção dessa Coleção. Ao mesmo tempo, o estilo despojado da banda, com suas camisas para senhora acima do peso, calças jeans, e evocando a Moda alternativa dos anos 80 tiveram igual peso para o processo de criação. Além da busca pela nova tradução dos estilos, a busca pela reprodução da técnica artística da Alfaiataria foi uma grande influência para a construção dessa Coleção. Sobre essa arte, o livro Classic Tailoring Techniques introduz: Os alfaiates de hoje continuam a praticar sua arte quase exatamente como era praticada há um século. Não porque mais lento é necessariamente melhor, mas porque esses métodos produzem corpo e forma, detalhes e durabilidade que novos métodos mais rápidos de alfaiataria são simplesmente incapazes de iguais. (CABRERA, MEYERS, 2007, p. 1. Tradução livre.) 43
foto do Ăcone James Dean, por Roy Schatt, 1954. Ao centro, moz e marr, por peter slatery, 1984. Ă direita, adoniran cantando, acervo a.b.
FIGURA 8, 9&10 E 11
44
45
FIGURA 12 46
Em tempos de fast-fashion, buscar uma técnica nobre, porém centenária, foi um exercício do que Agamben destaca como uma característica contemporânea: olhar para o passado, para se entender o presente e antecipar o futuro, inclusive da Moda. O tempo da moda está constitutivamente adiantado a si mesmo e, exatamente por isso, também sempre atrasado, tem sempre a forma de um limiar inapreensível entre um ‘ainda não’ e um ‘não mais’. (AGANBEM, 2012, p. 67).
Assim, para ficar a par das tecnologias e técnicas empregadas na Moda a autora realizou alguns cursos como Estamparia Digital (FAAP; ‘ainda não’), Alfaiate Camiseiro e SilkScreen (Projeto Sob Medida e Galeria do Rock, respectivamente; ‘não mais’). Cristiane Mesquita disserta: A partir daí [dos anos 1950], a Moda nunca mais foi a mesma, pois singularidades surgem exatamente da mistura entre roupas, sapatos, maquiagem, cabelo e comportamento e as subjetividades individuais: da interação do que cada um de nós tem no guarda-roupa com nossa história e nossa realidade. O olhar curioso por “tipos” e estilos deve ir além das aparências. Ao ver, deve imaginar históiras:passado, presente e futuro, casa trabalho, trilha sonora e, até mesmo, amigos. (MESQUITA, 2004, p.16).
Assim, um dos maiores desejos para a Coleção é o de realizar uma mistura que seja bem-sucedida, ou seja, que além de trazer um casamento harmônico entre duas partes distintas, se misture com a personalide de quem usa, incorporando sua atitude, ou lhe transmitindo uma, algo que vai ‘além das aparências’...
47
FIGURAS 13 E 14 48
4.2 - Subjetividade toma forma
Como escrito na Introdução desse Projeto, a inspiração surge a partir do interior da autora. O pretexto de toda a pesquisa, que se relaciona com a vida e jornada acadêmica da autora, é para falar do indivíduo, eu. Quando criança, por exemplo, ouvia sua avó cantarolar “Saudosa Maloca”, composição de Adoniran Barbosa e Oswaldo Molles. As músicas dos Smiths, em contrapartida, fez parte de sua adolescência e do início da sua vida adulta, presente em momentos tristes e alegres. I Know Its Over, por exemplo, foi uma forma de consolo. O ínício da construção desse trabalho foi, então, tentar dar cara e cor a essas impressões subjetivas. As imagens de Adoniran, por exemplo, são todas praticamente do mesmo livro, crucial para a pesquisa de tal artista já no terceiro ano de faculdade, para a matéria de Planejamento de Coleção. Tal livro, repleto de fotografia de São Paulo dos anos 40 e 50 e de vários momentos da carreira do cantor, foi base imagética para as colegens, montagens e recolorações feitas com as letras de Adoniran. O livro fotográfico “The Smiths: The Early Years”, de Paul Slattery, é fonte da maior parte de imagens encontradas dos Smiths em blogs e sites de fãs, inclusive no da autora. Além disso, pesquisaram-se imagens da banda em diversos momentos marcantes de sua carreira do fotógrafo Stephen Wright.
A seguir, montagens feitas para a matéria de Estilo no segundo bimestre, as primeiras tentativas de transformar esse Projeto em imagens...
49
50
51
Montagens realizadas com misturas de imagens de referência, foto de acervo pessoal (estação do Brás) e ilustrações de um antigo livro de Botânica da autora - tal montagem - abaixo - deu origem à estampa “Nature Is a Language, Can’t You Read?”, trecho da canção Ask, dos Smiths , (a natureza é uma língua, você não consegue ler?).
52
53
5 construção da coleção - primeiras experiências
coleção apresentada no segundo bimestre - 2014, acervo pessoal.
54
55
6 moulage e esboรงos
56
57
58
com base na pesquisa de estilos e tĂŠcnicas, rascunhos iniciais e um teste na moulage...
59
60
61
62
AGOSTO - 2014 63
64
rabiscos, rabiscos, rabiscos... acervo pessoal.
65
7 ores
tulipas, gladĂolos e narcisos no bolso traseiro de morrissey no camarim, 1984, foto de peter slatery. FIGURA 15 66
‘Deixem-me contar por que adoramos o narciso...’
A frase acima é de Oscar Wilde, que sempre usava flores. Sendo uma das maiores influências dos Smiths, não seria diferente com a banda. O “período das flores” tem seu apogeu no ano de 1984, com a primeira grande turnê do grupo no Reino Unido. As flores foram um gesto muito humano. Elas integravam a harmonia com a natureza, algo de que as pessoas pareciam morrer de medo. Havia chegado a um ponto na música em que as pessoas tinham muito medo de mostrar como se sentiam. De mostras suas emoções. Eu achava aquilo um pena e muito chato. As flores deram esperança. (MORRISSEY apud GODDARD, 2009, p. 189)
Cansado de carregar flores no palco, Morrissey passou a colocá-las no bolso traseiro de seus jeans, para poder ficar com as mãos livres. No fim de 1984, a banda havia parado de levar flores aos palcos, mas seus fãs sempre garantiam que elas continuassem a ser parte do show.
Foi um fim de um estágio para nós, mas acho que era muito artístico. Pelo menos, aquilo não tinha sido feito antes. (MORRISSEY apud GODDARD, 2009, págs. 190,191)
As flores nos bolsos, então, serão introduzidas no styling final.
rapport “Narcisos” 67
cor 68
res 69
70
Cores de narcisos, cores de Salford, cores de SĂŁo Paulo, cores dO PASSADO, cores de um encontro imaginĂĄrio... 71
9 styling e público-alvo
ACIMA, backstage nYFW da oyster, fotos de rebekah campbell - outubro 2014; algumas inspirações para styling E CASTING: figuras 16, 17 e 18.
72
73
PÚBLICO-ALVO DA COLEÇÃO, FIGURAS 19-27.
O pensamento principal para o público-alvo gira em torno de mulheres pertencentes ao clusters dos sociáveis - cosmopolita, que gosta de sair para eventos culturais e sociais, memso com vida profissional agitada. Gosta de explorar a cidade, valoriza o passado. Aprecia feiras de antiguidades e museus, além de shows e concertos de Rock. É despojada, anda de bicicleta, transporte público, é prática... Efforless chiq. Preza estilos atemporais mas com viés moderno e dá valor à matéria prima, durabilidade , modelagem e caimento da peça. Podem ser jovens profissionais, profissionais já consolidadas ou jovens que querem se vestir com mais elegância. Assim, a idade varia de 20 à 50 anos. Apreciam marcas como Stella McCartney, Céline, Pringle of Scotland, Raf Simons, Bottega Veneta, Givenchy e Dior, mesmo sem ter o poder necessário para consumir tais marcas. Feita para a vida das grandes metrópoles, essa coleção pode ser chamada de PRIMAVERA/ OUTONO - visto que o tempo em uma cidade como São Paulo é instável e dita a forma como as pessoas se vestem , em camadas, sempre prontas para uma mudança climática.
moda feminina conemporânea; “primavera-outono”; mulheres de 20 a 50 anos; classe médio-baixa a alta.
74
10 matérias 10.1 - Têxteis
A escolha das matérias preza o conforto, toque e caimento. Buscou-se também a mistura entre tecidos mais nobres - Linho, Seda e Lã. - e tecidos comuns, como a tricoline e o Jeans. Para confecção da estampa digital desenvolvida recorreu-se à impressão digital diretamente sobre o tecido de fibra natural, da empresa Dtprint.
BARDOT
VALENTINE
58%Viscose 35%Seda 7%Linho
65%Liocel 35%Seda
Fornecedor: G.Vallone.
Fornecedor: G.Vallone.
TIÊ
BLUE JEANS
74%Viscose 26%Algodão
100%Algodão
Fornecedor: G.Vallone.
Fornecedor: Grupo EP.
75
PIQUET 52%Algodão 47%Poliéster 1%Elastano Fornecedor: Têxtil Fávero.
ACETINADO -ESTAMPARIA DIGITAL
ETRO: DOPIA E ENTRETELA
64%Algodão 36%Poliéster
100% Viscose Fornecedor: G.Vallone.
Fornecedor: DTPRINT
TRICOLINE ESTAMPADA 100%Algodão Fornecedor: Center Fabril.
76
[A coleção] não girava em torno de destruir a elegância, mas sim em conseguir uma que fosse diferente. Havia uma mistura de tecidos ricos e pobres, uma manipulação do tecido e do material para atribuir um significado maior.
(Miuccia Prada apud FOGG, 2014, p.82, sobre a coleção da Miu Miu em 2013 em que apresenta um conjunto em brim, misturando a alta-costura com a moda do cotidiano).
77
10.2 - Aviamentos Enquanto os conceitos da coleção giram em torno do ‘retorno à simplicidade’ (FLETCHER, p. 2012, p.200) - ou seja, formas simples, mas não simplórias - economia de formas, porém não com uma economia de design, o pensamento usado para os acessórios e aviamentos são bem diferentes. Para se passar o valor subjetivo e emocional das canções dos artistas em destaque nesse Projeto para as peças, inclusive de unicidade, escolheu-se aviamentos igualmente únicos. São botões de estilos e materiais diferentes, provenientes de compras em armarinhos e da coleção particular da autora. Alguns botões foram presentes de sua avó, Margarida da Silva Santos, a quem se dedica esse Trabalho. Foi uma das maiores referências da autora antes de iniciar essa jornada há quatro anos atrás, de quem herdou não só seu amor por Adoniran Barbosa e sua Saudosa Maloca, mas por tecidos (e diversos tecidos, “fazendas”, segundo ela), flores, técnicas manuais, Moda (a primeira e mais confiável máquina de costura da autora foi presente dela), como também seu amor por botões de todos os tipos e tamanhos. Assim, os botões tornam-se também um adorno, um enfeite, um lembrete, uma homenagem...
Curso de desenho, flores e botões DE mARGARIDA. aCIMA, DESENHO DE OBSERVAÇÃO FEITO PELA AUTORA, 2011. ACERVO PESSOAL.
78
79
cole 80
eção 81
82
83
12 identidade visual
tag e cart達o desenvolvidos pela autora, acervo pessoal - outubro 2014.
84
FONTE ‘CODE’, DÁ LEVEZA E LIMPEZA À LOGO; fONTE ‘SIGNERICA ‘, DE Måns Grebäck, SIMILAR À ESCRITA MANUAL DA AUTORA.
“Juliana” - fonte CODE LIGHT; “Falcão” - fonte SIGNERICA MEDIUM; Software usado para desenvolvimento: CorelDraw X7; Fundo dos cartões: Estampa ‘Narcisos’, da autora; Papel dos cartões: Offset 240g; Gráfica: Printi.
85
13 considerações finais 2014 foi um ano em que pus minha formação, habilidades e deficiências em cheque, por isso, realizar esse trabalho foi uma montanha-russa emocional e acadêmica, para dizer o mínimo. Significou para mim mais do que apenas um trabalho acadêmico, então... Foi como olhar-se para um espelho e tentar arrumar tudo o que não agrada. Significou mudanças profundas, um verdadeiro crescimento, um mergulho profundo, em pesquisas, livros, música e em mim mesma. Porém, mais do que divagar sobre os terríveis e maravilhosos sofrimentos que envolvem crescer, se formar (literalmente), eu só tenho a agradecer. Uma seção não foi o suficiente. Agradeço a todos que me apoiaram, que me ajudaram, que me deram a mão quando estava completamente desanimada e sem direção durante a construção desse Projeto. Agradeço inclusive às críticas, que deram ainda mais força e estrutura a esse trabalho. Agradeço também a esses artistas incríveis, que entraram na minha vida meio que por acaso e que já fazem parte dela. Obrigada, Banfi, Ângela e Mariana Rocha por suas críticas (construtivas!) e puxões de orelha (ocasionais); Obrigada, Marcia Aguiar, D. Sueli e Aiza, por seus preciosos ensinamentos em Estamparia; Obrigada, Blenda Mota, por seu apoio, amizade e ajuda prática; Obrigada, Edilma, Eliana, Sérgio, Thata, Rodney... Minha outra família; Obrigada, Pedro Camargo, pelas verdadeiras aulas de Moda; (Mais uma vez, obrigada, Simone... Que prazer ser sua orientanda! Mais uma vez, obrigada, Isa... Sua amizade é mais que preciosa para mim!)
E, last but not least, obrigada, mãe... Por tudo. Tudo.
Te amo! 86
But don’t forget the songs That made you cry And the songs that saved your life Yes, you’re older now ... But they were the only ones who ever stood by you
rubber ring - the smiths 87
bibliografia AGAMBEN, Giorgio. O Que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2010. CABRERA, Roberto; MEYERS, Patricia Flaherty. Classic tailoring techniques: a construction guide for men's wear. New York: Fairchild Publications, 2007. CAMPOS JUNIOR, Celso. Adoniran: uma biografia. São Paulo, SP: Globo, 2004. CAMPOS JUNIOR, Celso; KAZ, Leonel; LODDI, Nigge. Trem das Onze: A Poética de Adoniran Barbosa. Rio de Janeiro: Aprazível Edições, 2010/2011. FLETCHER, Tony. The Smiths: A light that never goes out. A Biografia. Tradução de Rodrigo Abreu. Rio de Janeiro: Best Seller, 2014. FOGG, Marnie. Quando a moda é genial: 80 obras-primas em detalhes. São Paulo, SP: Gustavo Gili, 2014. GODDARD, Simon. Mozipédia: a Enciclopédia de Morrissey e dos Smiths. Tradução de Carolina Caires Coelho. São Paulo: LeYa, 2013. MESQUITA, Cristiane. Moda contemporânea: quatro ou cinco conexões possíveis. São Paulo, SP: Anhembi Morumbi, 2004. MICHAELIS Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/>. Acesso em: 27 out. 2014. MUGNAINI JUNIOR, Ayrton. Adoniran: dá licença de contar... .São Paulo: Editora 34, 2002. SLATTERY, Paul. The Smiths – The Early Years. Londres, Omnibus Press, 2007.
88
webgrafia The Smiths’ The Queen Is Dead turns 25 – in pictures. Disponível em <http://www.theguardian.com/music/gallery/2011/jun/13/smiths-queendead-25-pictures?picture=375550316#/?picture=375550368&index=0> Acesso em: 13/09/2014; Photos of the Smiths at the Salford Lads Club and Live Shows 1984-87. Disponível em < http://www.smithsphotos.com/>. Acesso em: 13/09/2014.; Monumentos em lugares públicos. Disponível em <http://www.monumentos.art. br/monumentos?form_artista=61> Acesso em: 13/09/2014.; Formatação das Normas ABNT. Disponível em < http://formatacaoabnt.blogspot. com.br/>. Acesso em: 13/09/2014; James Dean Walking Photos. Disponível em < http://www.jamesdean.com/>. Acesso em: 29/09/2014; Roy Schatt Photos. Disponível em <http://www.photographersgallery.com/by_artist.asp?id=28> . Acesso em: 29/09/2014; The Queen Is Dead, 1986. Disponível em < http://vulgarpicture.com/s1986.html>, Acesso em 29/09/2014; Hulme, A rare photo of the now demolished Queens Square, Hulme, 1964, the first street Morrissey lived on. Disponível em < http://www.morrissey-solo.com/ threads/83793-Hulme>. Acesso em 29/09/2014.
89
lista de FIGURA 1 - Livro Adoniran - Uma Biografia, p. 513; FIGURA 2 - Livro Trem das Onze - A Poética de Adoniran Barbosa, p.102, acervo Adoniran Barbosa; FIGURA 3 - Foto de Luiz Morrone, 2008. Disponível em <https://www.flickr. com/photos/artexplorer/2310997576/in/set-72157604047392087> Acesso em: 13/09/2014; FIGURA 4 - Disponível em <http://youtu.be/DRtW1MAZ32M>. Acesso em: 03/09/2014; FIGURA 5 - Foto de Stephen Wright. Disponível em < http://vulgarpicture.com/ s1986.html>. Acesso em: 13/09/2014; FIGURA 6 - Disponível em < Disponível em < http://www.morrissey-solo.com/ threads/83793-Hulme>. Acesso em 29/09/2014; fFIGURA 7 - Foto de 1947, de Peter Scheier; Livro Trem das Onze - A Poética de Adoniran Barbosa; FIGURA 8 - Foto de Roy Schatt. Disponível em < http://www.jamesdean.com/>. Acesso em: 29/09/2014; FIGURAS 9/10 - Foto de Paul Slattery, 1983. Livro The Smiths – The Early Years, p. 15; FIGURA 11 - Adoniran, 1940, Acervo Adoniran Barbosa; FIGURA 12 - Livro Classic tailoring techniques: a construction guide for men’s wear. , p.1; FIGURA 13 - Acervo Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa. Livro Adoniran - Uma Biografia, p. 66; 90
imagens FIGURA 14 - Foto de Paul Slattery, 1983. Livro Livro The Smiths – The Early Years, p. 50; FIGURA 15 - Foto de Paul Slattery, 1984. Livro The Smiths – The Early Years, p. 60; FIGURA 16/ 17(montagem da autora) - Foto de Rebekah Campbell, 2014. Disponíveis em < http://rebekahcampbellphoto.tumblr.com/post/96974008223/faces-atthe-a-detacher-ss15>. Acesso em 13/09/2014; FIGURA 18 - Sem crédito. Disponível em < http://from-ritz-to-rubble.tumblr.com/ post/83965792393/yagazieemezi-what-color-is-love-photos-abby>. Acesso em: 01/03/2014; FIGURAS 19-27 - Fotos de Scott Schuman. Disponível em < http://thesartorialist. blogspot.com/>. Acesso : 13/09/2014; FIGURA 28 - Foto de Paul Slattery na Estação Central de Manchester, 1983. Livro The Smiths – The Early Years, p. 83; FIGURA 29 - Igreja da Sé, 2014, acervo pessoal; FIGURA 30 - Montagem da autora, 2014, acervo pessoal; FIGURA 31 - Recoloração em Ecoline pela autora, 2013. Foto Livro Trem das Onze - A Poética de Adoniran Barbosa, acervo Adoniran Barbosa; FIGURA 32 - Salford Lads Club por Stephe Wright. Disponível em <http://www. smithsphotos.com/slideshow/>. Acesso em 29/09/2014.
91
filmografia POR Toda Minha Vida - Adoniran Barbosa. Direção de Fabricio Mamberti. Intérpretes: Hugo Napoli, Marcelo Airoldi. Roteiro: George Moura, Teresa Frota. S.i.: Rede Globo, 2010. (48 min.), son., color. Disponível em: <http://youtu.be/uj6l2JYOPOs>. Acesso em: 27 mar. 2012. THERE Is A Light That Never Goes Out. Intérpretes: The Smiths. Música: There Is A Light That Never Goes Out. Salford, Manchester: Wea, 1992. (4 min.), VHS, son., color. Série The Complete Picture. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=DRtW1MAZ32M>. Acesso em: 27 out. 2014. MPB Especial com Adoniran Barbosa. Intérpretes: Adoniran Barbosa. 1972. (47 min.), son., P&B. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3cV5F14HyfQ>. Acesso em: 27 out. 2014. THE Smiths - This Charming Man (Official Music Video). Intérpretes: Then Smiths. Música: This Charming Man. 1983. (3 min.), son., color. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=cJRP3LRcUFg>. Acesso em: 27 out. 2014. A TASTE of Honey. Direção de Tony Richardson. Produção de Tony Richardson. Intérpretes: Rita Tushingham. Roteiro: Shelagh Delaney , Tony Richardson. Reino Unido: Woodfall Film Productions, 1961. (100 min.), son., P&B. THE Smiths - Heaven Knows I’m Miserable Now (Official Music Video). Intérpretes: The Smiths. Música: Heaven Knows I’m Miserable Now. Reino Unido: Rhino, 1984. (4 min.), son., color. Disponível em: <http://youtu.be/TjPhzgxe3L0>. Acesso em: 27 out. 2014.
92
canções ADONIRAN BARBOSA As Mariposas, BARBOSA; 1955;
ordem de aparição
THE SMITHS There is a Light That Never Goes Out, MORRISSEY; MARR. 1985;
Despejo na Favela, BARBOSA, 1969; Praça da Sé, BARBOSA, 1978;
The Headmaster Ritual, MORRISSEY; MARR, 1985;
Conselho de Mulher, BARBOSA; BE- Back to the Old House, MORRISSEY; MARR, 1984; LARMINO, MOLLES, 1952; Bom Dia, Tristeza, BARBOSA; MORAES, You’ve Got Everything Now, MORRISSEY; MARR, 1984; 1957; Bife à Milanesa, BARBOSA; VERGUEI- Still Ill, MORRISSEY; MARR, 1984 RO, 1979; Heaven Knows I’m Miserable Now, MORRISSEY; MARR, 1984; Saudosa Maloca, BARBOSA, 1951; Vila Esperança, BARBOSA, 1968;
93
ban 94
nca 95
96
fotos da banca - DEZ. 2014 - acervo pessoal 97
FACULDADE SANTA MARCELINA - Sテグ PAULO - 2014 98