ÍNDICE
Capítulo 01 Introdução
Capítulo 02 Objetivos gerais e específicos
Capítulo 03 Gênero e espaço público
3.1 Gênero
3.2 Gênero e espaço público
Capítulo 04 Referências projetuais
4.1 Cozinha de Frankfurt - Margarete Schutte-Lihotzky (1926)
4.2 Frauen Werk Stadt I - Franziska Ullmann (1993)
4.3 Parque Einsiedler - Tilia estúdio (1999)
4.4 OUCAB Subsetor A1 - Estúdio 41 (2015)
Capítulo 05 Leituras urbanas sob um olhar de gênero
5.1 Ilha do Governador
5.2 Praça do Cocotá
5.3 Corredor Esportivo
5.4 Praça da Ribeira
5.5 Praia da Bica
Capítulo 06 Propostas e intervenções: Praça do Cocotá
6.1 Coletivização do trabalho do cuidado
6.2 Aprimorar a estrutura de mobilidade ativa
6.3 Melhorar as condições de uso da praça pelas mulheres
6.4 Aperfeiçoar as condições de segurança na praça 6.5 Restabelecer o contato com a Baía de Guanabara
Capítulo 07 Considerações finais
Capítulo 08 Referências bibliográficas
Apesar da antiga crença da figura do arquiteto e urbanista como cientista, cujo ponto de vista seria neutro, isso nunca existiu. Exemplo disso é a naturalização da relação da arquitetura e urbanismo com a figura masculina, cujas origens remontam à Grécia antiga, onde o corpo masculino era tido como “ideal”. Do homem vitruviano ao Modulor de Le Corbusier, se perpetuou a prática de adotar as medidas e proporções do corpo masculino, europeu e branco como se fossem “universais”. Entendendo que a produção social do espaço urbano também é fruto daqueles que as planejam, ao não se pensar na cidade considerando a diversidade de gênero, podem ser reforçadas as formas de opressão pelas quais as a mulheres passam, principalmente quando esse planejar ocorre em uma sociedade estruturalmente patriarcal, machista e misógina como a nossa. A cidade como conhecemos hoje foi criada se baseando em papéis tradicionais do gênero masculino e na divisão sexual do trabalho, que desconsidera o trabalho reprodutivo. Os ambientes urbanos passam então a ser a materialização e consolidação de determinadas regras implícitas, que pressupõem a família nuclear heterossexual e assumem as experiências masculinas como “padrão”.
“É preciso lembrar que, de forma geral, o ensino de AU no Brasil é profundamente marcado pelo modernismo (MOASSAB e NAME, 2020; LIMA, 2020; PINA et al, 2020) e seus valores de universalidade, neutralidade e racionalidade, que evocam a padronização e projetos funcionalistas pensados em função de uma ideia de “homem universal”, que na realidade se constitui de uma pessoa do gênero masculino, cisheterossexual, branco e europeu.” (Diana Hele Ramos e Rossana Brandão Tavares - Indisciplina Epistemológica: viradas metodológicas para o campo da Arquitetura e Urbanismo p 234)
O trabalho pretende inverter a lógica do planejamento urbano que parte de uma perspectiva universalista, que estabelece o masculino como padrão e invisibiliza e desconsidera as necessidades das mulheres. Para isso, são analisadas de que forma o desenho urbano pode afetar diretamente a vida das diferentes mulheres, que encontram ainda uma série de barreiras físicas, sociais, econômicas e simbólicas na forma como as cidades são planejadas. A separação da mulher dos espaços públicos, a construção do medo da mulher, a escassez de equipamentos relacionados ao trabalho do cuidado e leis de zoneamento que afastam os serviços das residências e, consequentemente aumentam o deslocamento da mulher, são exemplos de como o planejamento urbano é estruturante e estruturado por uma sociedade patriarcal, aprofundando as desigualdades de gênero. A partir de uma breve distinção entre gênero e sexo, o objetivo é entender como esta distinção contribui para que as opressões de gênero não sejam normalizadas. Em seguida, é exposto de que forma as construções sociais de gênero influenciam o cotidiano das mulheres e justificam as formas de opressão vividas por elas. Reflexos dessa opressão podem ser observados principalmente nos ambientes públicos, dominados por homens. Também é apresentado um breve histórico da separação da figura da mulher dos espaços públicos e como podem ser observadas as consequências de tal separação até os dias atuais, através da separação socioespacial de gênero, por exemplo. São também apresentadas as referências projetuais, nas quais as demandas femininas foram incorporadas, ou até mesmo o foco principal do projeto. Se aproximando da área a ser trabalhada, a partir de uma análise urbana em uma escala macro da Ilha do Governador é destacado como o planejamento da paisagem suburbana incentiva um foco privado e interno, com a delimitação de áreas residenciais distantes dos serviços e de grandes centros urbanos, aumentando ou até mesmo inviabilizando o deslocamento da mulher. Através da identificação das principais áreas livres de esporte e lazer (Praça do Cocotá, Corredor Esportivo, Praça da Ribeira e Praia da Bica) pretende-se criar uma metodologia de como se pensar na cidade considerando as experiências das diferentes mulheres usuárias, já que não existe uma definição específica de “mulher”, por ser um grupo diverso e com demandas que são afetadas de acordo com idade, classe, raça e cultura. É a partir da identificação e análise dos diferentes perfis de usuárias que são definidas as diretrizes projetuais a serem apresentadas.
EXPERIMENTAÇÃO PROJETUAL URBANA SOB A ÓTICA DE GÊNERO NA ILHA DO GOVERNADOR
O presente trabalho parte de uma escuta e observação ativa das formas como as diferentes mulheres usam, circulam e demandam a cidade. O objetivo é uma reestruturação dos principais espaços públicos na Ilha do Governador (Praça do Cocotá, Praia da Bica, Corredor Esportivo e Praça da Ribeira) na borda d’água, buscando aparar as arestas das desigualdades de gênero no urbano. Partindo da Praça do Cocotá, pretende-se criar uma metodologia de análise e intervenção, a ser aplicada nas demais áreas. Para isso, foram definidos cinco objetivos específicos:
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Como pensar a cidade considerando as vivências das mulheres?
3.1 Gênero
A distinção entre os conceitos de sexo e gênero surge na teoria feminista a partir de questionamentos sobre explicações naturalistas da sexualidade, que pressupunham que o sexo biológico seria determinante nas experiências vividas pelas mulheres. A divisão sexual do trabalho, que coloca as mulheres em uma situação de subordinação ao homem, se apoia em uma heterossexualidade inquestionável e em um determinismo biológico, naturalizando a opressão. “Homem” e “mulher” são categorias hierárquicas criadas pelo patriarcado para justificar a opressão da “mulher”, com significados que variam de acordo com a cultura, raça e classe.
“Gênero é um conceito desenvolvido para contestar a naturalização da diferença sexual em múltiplas arenas de luta. A teoria e a prática feminista em torno de gênero buscam explicar e transformar sistemas históricos de diferença sexual nos quais “homens” e “mulheres” são socialmente constituídos e posicionados em relações de hierarquia e antagonismo.” (Donna Haraway - Gênero para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra p 211)
Asssim como a todas as teorias do movimento feminista pós-guerra que partem do conceito de gênero explicado por Simone de Beauvoir em O Segundo Sexo de que “não se nasce mulher”, a autora Judith Butler define o gênero como um ato, ao mesmo tempo intencional e perfomativo, que tem como propósito a sobrevivência social. Segundo Butler, um corpo é uma materialização contínua e incessante de possibilidades, que se transforma em gênero por uma série de atos renovados, revisados e consolidados no tempo e cultura:
“Como não existe uma “essência” que o gênero expresse ou externalize nem um objetivo ideal ao qual aspire; como o gênero não é um fato, os vários atos de gênero criam a ideia de gênero; sem esses atos, não haveria gênero. O gênero, portanto, é uma construção oculta que regulamenta a sua própria gênese.” (Judith Butler - Os atos performativos e a constituição do gênero: um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista p 78)
É possível realizar um paralelo entre gênero e raça, visto que a raça não está relacionada à biologia, podendo ter suas definições alteradas de acordo com o contexto cultural. A opressão de raça, assim como a opressão de sexo/gênero, é uma construção social que se apoia em explicações naturalistas para justificar relações hierárquicas. A diferenciação entre sexo (fator biológico) e gênero (construção social) é imprescindível para a separação da figura das mulheres da natureza, que passam a ser entendidas como sujeitos sociais, “construídas e auto-construtoras” (HARAWAY, 2006), compreendendo e questionando a sua opressão.
3.2 Gênero e espaço público
A separação da figura da mulher dos espaços públicos tem relação com a divisão sexual do trabalho no capitalismo nas sociedades ocidentais, na qual as mulheres passaram a ser responsáveis pelo trabalho reprodutivo (o trabalho do cuidado, da reprodução da vida, não remunerado) e os homens pelo trabalho produtivo (trabalho remunerado no chão fabril) (ENGELS, 1985). Ocorreu uma generificação espacial, parte significativa das mulheres ficaram mais confinadas ao ambiente doméstico, e os espaços do trabalho remu-
nerado e a circulação nos espaços públicos mais ocupados pelos homens. Até hoje, com as mulheres mais inseridas nos espaços do trabalho remunerado (não em condições de igualdade aos homens), é ainda sobre elas que recai a maior carga dos chamados domésticos, os trabalhos do cuidado com as pessoas e com a casa.
É importante ressaltar, porém, que a mulher negra historicamente sempre esteve presente no ambiente público, com a necessidade dessa uma dupla jornada de trabalho. No histórico, nacional, por exemplo, as negras forras foram às ruas, desempenhando importante papel no comércio local, com a necessidade de ajudar na manutenção de suas famílias Portanto, para analisar a vivência da mulher no urbano, é preciso se atentar também ao recorte racial e de classe, uma vez que tais fatores também delimitam e segregam o território.
“As mulheres respondem com bravura à situação: uma vez forras, e entre estes são maioria, procuram trabalho ligado à cozinha ou à venda nas ruas de pratos e doces de srcem africana” (Roberto Moura - Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro p 33)
Uma forma de olhar para as desigualdades de gênero na produção das cidades, é observar como são relegados os equipamentos públicos que lidam diretamente com as esferas do cuidado com a vida, como observa-se no déficit de creches públicas e restaurantes populares subsidiados pelo Estado, pautas históricas reivindicadas pelos movimentos feministas (SANTORO, 2008). É naturalizado que uma mulher irá se responsabilizar por esse trabalho, portanto ele não precisa ser socializado por meio de serviços públicos. A escassez de equipamentos dedicados ao combate do feminicídio é outro indicador. Apesar de terem aumentado as Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM), as políticas públicas em combate à violência de gênero permanecem concentradas em ações de acolhimento às vítimas. Ainda que tais medidas proporcionem um atendimento diferenciado quando comparadas com outras unidades da Polícia Civil, elas falham em assistir todas as vítimas, tanto pela escassez dos equipamentos quanto por casos de mau atendimento nas unidades. A movimentação das diferentes mulheres na cidade também é fundamental para a compreensão da opressão feminina. A sobrecarga em função das tarefas que são necessárias para o funcionamento do trabalho reprodutivo, tem como consequência um deslocamento mais disperso e com mais pausas em relação aos homens (HARKOT E SANTORO, 2018). O sistema de transportes da cidade do Rio de Janeiro busca resolver quase exclusivamente o deslocamento pendular casa-trabalho, não atendendo ao deslocamento disperso feminino, uma vez que possui poucas possibilidades de integração entre os diversos meios de transporte (VASCONCELLOS, 2001). São as mulheres também que demandam mais políticas de mobilidade ativa, são elas que dependem mais de deslocamentos a pé para suas atividades diárias, arcando com seu próprio corpo as consequências de uma cidade orientada pelo rodoviarismo. Dados que abordam a questão do gênero na cidade auxiliam a compreensão de como as experiências das mulheres se diferenciam das dos homens. Para isso, foram utilizados dados do Dossiê Mulher referente ao ano de 2019, pré-pandemia, na região da Ilha do Governador, a ser trabalhada. Outro dado importante de ser analisado é o medo nos espaços públicos, representado aqui pela pesquisa do IPEA no ano de 2012, que abrange todo o território nacional.
MEDO NO ESPAÇO PÚBLICO
Medo de agressão física na rua - Brasil (2012)
Fonte: Gráfico de elaboração própria com dados retirados do Sistema de Indicadores de Percepção Social sobre segurança pública do IPEA (2012)
ÍNDICES DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER
Ilha do Governador (2019)
Ao comparar os índices de medo no espaço público e o local dos principais delitos contra as mulheres, existe uma aparente contradição. Apesar dos delitos em sua maioria acontecerem no ambiente doméstico e por agressores conhecidos das vítimas, as mulheres quando comparadas aos homens temem mais agressão física na rua, por exemplo. A autora Gill Valentine justifica que, ao contrário dos homens, as mulheres frequentemente têm os seus espaços pessoais invadidos por homens desconhecidos. O medo sentido pela mulher no espaço público é também uma construção social, acúmulo de conselhos, histórias e reportagens absorvida pelas mulheres desde cedo, aprendendo que existem locais e horários para se estar no ambiente público, especialmente se estiverem desacompanhadas
“The association of male violence with certain environmental contexts has a profound effect on many women’s use of space. Every day most women in western societies negotiate public space alone. Many of their apparently ‘taken for granted’ choices of routes and destinations are in fact the product of ‘coping strategies’ women adopt to stay safe (Riger and Gordon 1981; Riger et al. 1982; Stanko 1987). The predominant strategy adopted by the women I interviewed is the avoidance of perceived ‘dangerous places’ at ‘dangerous times’. By adopting such defensive tactics women are pressured into a restricted use and occupation of public space. Therefore an understanding of women’s use of space necessitates an awareness of their geography of fear. A woman’s ability to choose a coping strategy and therefore her consequent use and experience of public space is largely determined by her age, income and lifestyle.” (Gill Valentine - The geography of women’s fear p 385)
Segundo Valentine, as mulheres exercitam diariamente uma espécie de negociação do uso do espaço público, criando mapas mentais de locais e horários considerados adequados ou potencialmente perigosos, como uma estratégia de enfrentamento. Como consequência do medo, as mulheres continuam
EXPERIMENTAÇÃO PROJETUAL URBANA SOB A ÓTICA DE GÊNERO NA ILHA DO GOVERNADOR
tendo suas vidas delimitadas pelo sistema patriarcal, quando evitam atalhos ou deixam de utilizar espaços públicos por questões de segurança. Leis urbanísticas e zoneamentos também podem contribuir para a manutenção do sistema de opressão de gênero. Bairros afastados do centro e/ou com uma política de zoneamento em que os serviços estão distantes das residências aumentam consideravelmente o tempo de deslocamento das mulheres, já que é sobre as mulheres que recai mais as funções de realizar as compras de abastecimento da casa, de buscar e levar os idosos ou filhos na escola, posto de saúde, etc.
4.1 Cozinha de Frankfurt - Margarete Schutte-Lihotzky (1926)
Após a Primeira Guerra Mundial, o déficit habitacional na Europa influenciou a revisão dos padrões de moradia, através de uma significativa redução da metragem quadrada das habitações. (COSTA, 2018 apud GALLONI, 2021, p.28). A Cozinha de Frankfurt, projetada por Margarette Schutte-Lihotzky em 1926, trata-se de uma cozinha funcional e racionalizada, projetada para o cotidiano das mulheres, com o objetivo de combater as limitações de espaço, além de facilitar as tarefas domésticas, reduzindo o tempo demandado por elas. A economia de tempo visada poderia contribuir para a emancipação da mulher, visto que a redução das horas gastas no trabalho reprodutivo poderia ser convertido em horas de trabalho remunerado.
Para o projeto, Margarete realizou estudos detalhados de tempo e movimentos executados, reduzindo o espaço da cozinha para uma medida pré-definida de 1,9x3,4 metros. Através de armários embutidos,otimizou a movimentação com percursos menores, onde os utensílios mais utilizados encontravam-se acessíveis. A Câmara Municipal de Frankfurt optou por instalar cerca de 10000 cozinhas, inspiradas no modelo concebido pela arquiteta, nas novas construções dos apartamentos das classes trabalhadoras. O mobiliário pré-fabricado também possibilitou uma redução drástica nos custos de produção de cozinhas eficientes e bem equipadas. Apesar das intenções da arquiteta, críticas podem ser feitas em relação a qualidade do tempo gasto na cozinha. As cozinhas tradicionais promoviam o encontro e espaço de convívio por conta de suas dimensões, enquanto o tempo gasto no novo modelo de cozinha tendia a ser mais solitário e menos pessoal, visto que o projeto foi concebido pensando em apenas uma pessoa realizando tais atividades.
4.2 Frauen Werk Stadt I - Franziska Ullmann (1993)
Em 1992 foi fundada em Viena, capital da Áustria, a “Oficina das Mulheres” (Women’ Office) que lançou em 1993 um concurso de projetos de habitação de interesse social chamado Frauen Werk Stadt (Mulheres-Trabalho-Cidade), organizado pela engenheira e urbanista Eva Kail. A ideia para o concurso surgiu do questionamento “Como seria um distrito planejado a partir da perspectiva das mulheres?” e o edital restringia a participação de homens na competição. Após a inauguração do primeiro conjunto habitacional, chamado Frauen Werk Stadt I, a Oficina das Mulheres é transformada em um Departamento de Gênero da cidade de Viena em 1998, dando continuidade ao projeto e lançando concursos posteriores para o Frauen Werk Stadt II e III.
A proposta vencedora do Frauen Werk Stad I, enviado pela arquiteta Franziska Ullmann, foi escolhida graças à resolução dos espaços livres e a variedade das unidades propostas, com 360 apartamentos e aproximadamente 1000 moradores. A proposta apresentada reflete a preocupação de manter a conexão dos blocos habitacionais com o transporte público, bem como conectar todas as entradas, gerando um eixo de atividades que favorecesse o encontro entre moradores e garantindo a multiplicação de olhos no conjunto.
Todos os espaços internos do conjunto são exclusivos para pedestres, garantindo que o principal eixo de circulação também seja um espaço comum para as crianças brincarem. Nas laterais entre os blocos, os espaços livres são um pouco mais contidos e é onde estão localizados os brinquedos infantis, para que as crianças possam brincar sob a supervisão dos pais a partir das janelas. Além dos espaços comuns propostos que se misturam com as residências em várias escalas de privacidade, o conjunto também conta com zonas comerciais, oficina de polícia e uma creche. Segundo a arquiteta, a creche foi localizada no caminho que as mães precisam percorrer até o transporte público, facilitando a organização da vida cotidiana.
Fonte: Margarete Schutte-Lihotzky: a arquitectura da funcionalidade. Revista de cultura arquitectônica O projeto também conta com uma sobreposição de tipologias, que se alternam e geram atividades nas duas fachadas. As cozinhas são dispostas ora na fachada interior, ora na exterior, voltadas à rua. Franziska Ullmann explica que, dessa maneira, evita-se que uma fachada seja exclusivamente diurna e a outra exclusivamente noturna. Dessa forma é possível exercer o controle social a partir das fachadas, gerando movimento em qualquer hora do dia. Segundo as arquitetas, em muitos casos a cozinha é um elemento central, sendo não apenas o local de preparar o alimento, mas também um ponto de encontro e supervisão. Dessa forma, a cozinha foi posicionada como um elemento saliente, de maneira a facilitar o controle. Também é interessante destacar a presença de espaços de armazenamento ao longo de todo o edifício, tanto no térreo, quanto nos apartamentos, possibilitando a armazenagem de objetos de uso frequente com grandes dimensões como bicicletas e carrinhos de bebê.
Fonte: Margarete Schutte-Lihotzky: a arquitectura da funcionalidade. Revista de cultura arquitectônica
Quanto às tipologias, desenvolvidas por Elsa Prochazka, foram apresentadas uma grande variedade de soluções arquitetônicas, que consideram não apenas a família nuclear tradicional, mas também as necessidades das diferentes formações familiares, com opções de apartamentos que variam de um a quatro ambientes, que podem ou não ser utilizados como dormitórios. Com a cozinha configurada como um volume saliente e os banheiros bem concentrados, o restante do espaço é dividido em partes iguais que podem ou não ser integradas, permitindo grande flexibilidade nas configurações espaciais.
4.3 Parque Einsiedler - Tilia estúdio (1999)
O Departamento de Gênero da cidade de Viena lança o projeto “Gender Sensitive Park Design” com o objetivo de redesenhar os parques existentes focando em atrair o público feminino, além de aumentar a sensibilidade para as questões de gênero. A partir de estudos realizados pelo projeto, que demonstraram que meninas entre 10 a 13 anos passam significantemente menos tempo em parques públicos, surge a intenção de equipar os espaços públicos já existentes considerando as diferenças de gênero e as faixas etárias. Observou-se que a maioria dos equipamentos tendem a favorecer crianças e jovens do sexo masculino. Assim, em 1999, a cidade de Viena anuncia o concurso de intervenções urbanas, buscando uma integração da perspectiva de gênero, para redesenhar dois parques: Einsiedler e St. Johanns Park.
Por conta das dimensões reduzidas das habitações no entorno do parque Einsiedler, ele já era bastante utilizado por moradores locais. O projeto escolhido para o parque foi o enviado pelo estúdio de planejamento paisagístico Tilia, e conta com diversas intervenções como jogos interativos, redes nas principais vias de pedestres e novos mobiliários. O estudo e o processo de projeto foram realizados a partir de oficinas participativas durante um ano. A participação popular foi extremamente importante para o diagnóstico de elementos que podem causar sensação de insegurança, como grades, vegetações densas, pouca iluminação e espaços com apenas uma função, como as quadras de futebol.
A intervenção também leva em consideração as possíveis cuidadoras que acompanharão as crianças e jovens no uso dos equipamentos do parque, inserindo mobiliários pensando nesse grupo. Por fim, com o objetivo de aumentar a diversidade de usos da praça, uma quadra anteriormente gradeada destinada a jogos de futebol é convertida em um espaço multifuncional, com uma plataforma central que reserva uma grande área de permanência e observação.
4.4 OUCAB Subsetor A1 - Estúdio 41 (2015)
A Operação Urbana Consorciada Água Branca (OUCAB) trata-se de um plano urbanístico que contém melhorias nos sistemas de mobilidade, projetos paisagísticos de áreas verdes e incentivo ao adensamento populacional no bairro de Água Branca, em São Paulo. O Plano de Urbanização da área tem como objetivo o processo de transformação dos rios, margens e adjacências. O projeto para o subsetor A1 foi definido através de um concurso promovido pelo IAB-SP e pela SP Urbanismo.
O concurso buscava a melhor proposta que incluísse as infraestruturas necessárias para a qualificação do ambiente urbano, incluindo equipamentos públicos e habitações de interesse social. O edital ofereceu ainda uma série de parâmetros a serem seguidos, como a incorporação de fachadas ativas, espaços de convivência aos moradores, relação ativa entre os espaços públicos e privados, bem como a diversidade de tipologias habitacionais. O projeto para o Plano de Urbanização do Subsetor A1 teve seu anteprojeto concluído no final de 2015. Apesar de não possuir como objetivo um projeto que leve em consideração as desigualdades de gênero, o projeto foi desenvolvido com participação da população local, maioria composta por mulheres.
Fonte: gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br
EXPERIMENTAÇÃO PROJETUAL URBANA SOB A ÓTICA DE GÊNERO NA ILHA DO GOVERNADOR
A proposta selecionada foi o projeto enviado pelo Estúdio 41, que equilibra a densidade e a verticalização, com aproximadamente 1700 unidades habitacionais. Para isso, os blocos implantados ao longo da Av. Marquês de São Vicente concentram a verticalização, com o objetivo de aproveitar a infraestrutura urbana já existe ao longo da importante via. Os usos do térreo foram organizados com o objetivo de permitir uma diversidade de atividades em horários distintos. Para isso, espaços dedicados ao convívio, ao lazer infantil e às reuniões são intercalados com áreas comerciais e institucionais propostas, mantendo uma relação entre os espaços públicos e privados. Em relação às unidades habitacionais, os apartamentos possuem aproximadamente 50m² e variam entre tipologias de um até três quartos. Nas coberturas dos edifícios com gabarito até cinco pavimentos são propostas hortas comunitárias que servirão como espaço de convívio.
Os principais espaços livres estão posicionados próximo ao parque proposto ao longo do Rio Tietê e da Av. Nicolas Boer. A variação na escala é garantida através de uma praça seca central e da rua de pedestres na via central do projeto. O projeto apresenta ainda propostas como incentivar a mobilidade ativa, priorizando o fluxo de pedestres e ciclistas e reduzindo a presença do automóvel no interior da intervenção. São propostas ainda bacias de retenção e água pluvial ao longo do parque, com campos gramados de esporte que podem ser temporariamente inundados. Em outros pontos, são propostas escavações que exponham o lençol freático, com objetivo de transformar as lagoas em importantes elementos paisagísticos e retomar a relação da cidade com a água.
Fonte: gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br
ÓTICA DE GÊNERO NA ILHA DO GOVERNADOR
É proposta ainda uma passarela com marquise de cobertura, que atravessa o rio e a praça principal, garantindo áreas de convívio sombreadas, além de funcionar como um segundo nível da praça, permitindo a realização de eventos com potencial de atrair o público do entorno. Uma ciclovia que corta o projeto do sentido Norte e Sul é proposta acompanhando a passarela e facilitando o deslocamento até o terminal de BRT Barra Funda. Para complementar, são propostos pontos de estações de bicicleta compartilhadas, como na praça central, na passarela, próximo à avenida e no terreno ao Norte do rio. Vale evidenciar, porém, que duas favelas foram removidas no perímetro imediato da operação com a promessa de um plano urbano habitacional que as atendesse: a Favela da Aldeinha em 2008 e a Favela do Sapo em 2012. Além disso, pode-se questionar a participação popular, visto que após a seleção do projeto vencedor, foram realizados apenas três encontros, de caráter muito mais informativo do que participativo.
5.1 Ilha do Governador
A Ilha do Governador, com mais de 210 mil habitantes é uma Região Administrativa localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro, sendo a ilha mais densamente ocupada e mais extensa da Baía de Guanabara, com aproximadamente 40km². A Ilha apresenta três principais aspectos em sua morfologia: as colinas, predominantes na parte central e se estendendo a Leste, o literal e os aterros, que foram responsáveis pelo acréscimo de cerca de 25% de sua área atual. Inicialmente, a porção central da ilha não foi uma zona com interesse de ocupação por conta de suas colinas, tendo sido dada preferência para as áreas mais planas no litoral.
A ilha, inicialmente ocupada por índios Temiminós, foi descoberta em 1501 por colonizadores portugueses. No ano de 1710 a Ilha do Governador é transformada na sede da Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda, estimulando os primeiros núcleos de ocupação onde são instaladas igrejas próximas ao litoral, principalmente nas porções Leste e Central. O maior adensamento populacional da Ilha do Governador ocorre na porção Leste, coincidindo com as zonas de povoamento mais antigas, que se localizavam quase exclusivamente nas praias. O litoral Leste era mais arenoso, facilitando a atracação de embarcações quando comparado ao litoral Oeste, marcado pela presença de manguezais de difícil acesso. Outra característica importante do meio físico que contribuiu para o adensamento populacional nessa região é a situação da Ilha do Governador em relação à entrada da Baía de Guanabara: a brisa marítima incide principalmente na porção Leste da Ilha. Em 1922 são iniciadas as obras da ponte de atracação do Jardim Guanabara, possibilitando o transporte frequente de pessoas e mercadorias através das barcas. Outro marco importante que influenciou os processos de ocupação do território foi a inauguração da linha de bondes ligando os bairros da Ribeira, onde também foi construída uma ponte de atracação de barcas até e Cocotá e, posteriormente em 1935, a extensão até o Bananal. A linha de bondes inaugurada pela Companhia de Melhoramentos facilitou o transporte dos moradores até as estações de barca, até então o único meio de transporte com destino ao continente.
LINHA DO TEMPO Ilha do Governador
Fonte: Imagem de elaboração própria com dados retirados do artigo “Ilha do Governador: Considerações acerca de seu Processo de OcupaçãoRUSSO, Paulo Roberto.
SOB A ÓTICA DE GÊNERO NA ILHA DO GOVERNADOR
Em 1949 é inaugurada a primeira ponte que liga a Ilha do Governador ao continente, desencadeando um grande crescimento populacional. Com o término da construção da Linha Vermelha na década de 1990, apesar da via ter reduzido significativamente o tempo de deslocamento para o centro da cidade, a ponte passa a apresentar frequentes retenções, já que a escassez de embarcações e a irregularidade dos horários de barca ocasionaram um grande fluxo rodoviário, problemática enfrentada pelos moradores até os dias atuais.
A rápida expansão da malha urbana desde o início da década de 1950 sem a devida ampliação da infraestrutura urbana, principalmente da rede de esgotamento sanitário despejada na Baía de Guanabara, prejudicou a qualidade das praias da Ilha, até então principal fonte de lazer da Região Administrativa, como apontado na pesquisa em 1995, por Paulo Roberto Russo e Ivan Luiz de Oliveira:
“Foi aplicado um modelo de questionário em moradores de bairros da porção Leste, sendo que, de um universo de 80 entrevistados, pôde-se constatar que 75% não freqüenta as praias insulanas e que os 25 % restantes que freqüentam efetivamente admitem que o banho de mar e o lazer nas faixas de areia não significam algo muito saudável, mas justificam a freqüência com o fato de terem grande preferência por este tipo de lazer. Também foi observado que 91,25% dos entrevistados qualificam as praias como a principal fonte de lazer da Ilha do Governador, enquanto 7,5% pensam que estas não traduzem todo o potencial de lazer que pode ser oferecido por esta e 1,25% se abstiveram.” (Paulo Roberto Russo - Ilha do Governador: Considerações acerca de seu Processo de Ocupação p 97)
É importante destacar como os problemas de mobilidade afetam diretamente a vida da mulher. O planejamento da paisagem suburbana incentiva um foco privado e interno, com áreas residenciais distantes de grandes centros comerciais., como exposto pela autora Leslie Kern:
“O estilo de vida suburbano pressupunha e exigia, para funcionar adequadamente, um núcleo de família heterossexual com um adulto trabalhando fora e outro dentro de casa. Casas grandes, isoladas do trânsito e de outros serviços, exigiam que a esposa e mãe que ficava em casa desempenhasse o papel de zeladora doméstica em tempo integral, supervisionando a casa e administrando as necessidades do ganha-pão e dos filhos.” (Leslie Kern - Cidade Feminista: A luta por espaço em um mundo desenhado por homens p 52)
TOPOGRAFIA
Ilha do Governador
MOBILIDADE
Ilha do Governador
EQUIPAMENTOS ÁREAS LAZER
Ilha do Governador
Restaurantes populares Delegaciais da mulher Cozinhas Comunitárias Asilos públicos para idosos
O mapa é um claro retrato de uma sociedade machista e patriarcal, em que existe uma grande defasagem de equipamentos relacionados ao trabalho reprodutivo, afinal é naturalizado que alguma mulher se responsabilizará por ele caso a cidade não ofereça esses serviços. Observa-se uma grande defasagem de cozinhas comunitárias, restaurantes populares, creches e asilos públicos e até mesmo unidades DEAM, sendo necessário a utilização de equipamentos em outros bairros. Por conta da posição geográfica da Ilha do Governador, o acesso a tais equipamentos torna-se praticamente inviável, pois requer uma pessoa responsável por fazer tais deslocamentos até bairros vizinhos.
5.2 Praça do Cocotá
O Parque Manuel Bandeira, também conhecido como Aterro do Cocotá ou Praça do Cocotá, está situado em um forte eixo comercial e é através dele o acesso à estação de barcas do Cocotá que liga o bairro à Praça XV, no Centro do Rio de Janeiro. A equidistância do Cocotá entre importantes bairros vizinhos, faz com que o parque seja utilizado não só por aqueles que moram em seu entorno, mas também atrai públicos de diversos bairros da Região Administrativa.O local onde hoje está localizada a praça era anteriormente conhecido como Saco de Olaria, região litorânea da porção Leste da ilha. O bairro era considerado como o centro da Ilha, por conta da sua centralidade nos eixos Norte-Sul e por ser o local onde ocorriam os desvios dos antigos bondes, em frente a Igreja de São Sebastião, sendo um importante ponto de encontro entre os moradores.
“O antigo Saco da Olaria, apesar de oferecer uma bela paisagem e possuir alguns locais com praias, era em sua maior parte uma região de sedimentos, cujo lodo, diziam ser medicinal. Na década de 1960, toda a terra, proveniente do desmonte de um morro na região de Marinha, foi utilizada para aterrar parte do Saco da Olaria, mediante a promessa feita à população de que seria uma área totalmente destinada aos esportes e ao lazer. Até meados da década de 1980, o parque foi considerado como tal. Com o passar do tempo, no entanto, foram autorizadas várias construções, o que acabou por descaracterizar totalmente o projeto inicial. Na foto de 1989, observa-se que a área livre estava preservada e que os morros das vizinhanças ainda possuíam grandes áreas verdes.(Jaime Moraes - Ilha do Governador: O passado no presente)
O aterro do Cocotá possui proximidade com quatro favelas, sendo uma delas o Morro do Dendê, a maior favela da Ilha do Governador. A região possui diversos equipamentos culturais, de saúde e de esportes, reunindo um grande público principalmente aos domingos - quando ocorre a feira. Alguns desses equipamentos, como a Lona Cultural e a pista de skate foram demandas populares e permanecem sendo fortemente utilizados pelos moradores. Outras atrações como parques de diversão e circo também fazem uso desse espaço eventualmente. Apesar de estar localizado em um importante eixo comercial e de transporte, o bairro do Cocotá apresenta grandes áreas de uso exclusivamente residencial, com poucas variações de uso.
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
Bairro do Cocotá e arredores
A partir de diversas visitas à Praça do Cocotá foi possível observar como e quando as diferentes mulheres usam o espaço. Há três padrões de usos principais: aqueles relacionados ao trabalho remunerado, como no caso das feirantes e das prostitutas, que são mulheres negras em
sua maioria, ao trabalho do cuidado, como as mães e cuidadoras que acompanham as crianças no uso das quadras e pistas de skate; e ao lazer, como as jovens mulheres que a usam como ponto de encontro ou esporte. Também foi possível perceber que há uma generificação espacial, onde os homens se apropriam do espaço de lazer esportivo (principalmente nas quadras localizadas no extremo Norte do parque) e as mulheres estão mais presentes nos outros espaços.
DIAGRAMA DE PRESENÇA E AUSÊNCIA DE MULHERES
Praça do Cocotá
LOCAIS EM QUE ME SENTI INSEGURA
Praça do Cocotá e entorno imediato
O mapa acima é um exemplo de mapas mentais criados pelas mulheres, como citado pela autora Gill Valentine. Nele, são destacados alguns aspectos principais que contribuem para a sensação de segurança, como pouco movimento, barreiras físicas e/ou visuais, como é o caso dos caminhões de frete que ficam estacionados em frente a praça e fachadas inativas, como os muros do fórum e as grades do detran. É importante também observar a relação das áreas com sensação de insegurança por conta de pouco movimento e as áreas com uso exclusivamente residencial.
5.3 Corredor Esportivo
O Parque Professor Roy Robson, conhecido pelos moradores como Corredor Esportivo,está situado na orla Norte da Baía de Guanabara, com cerca de 1,5km de expansão. A área, localizada no bairro do Moneró, de classe média alta, também possui proximidade com a favela Parque Royal. A grande área de esporte e lazer é conectada através de uma ciclovia compartilhada na borda d’água e atende a diversas atividades com quadras, academias a céu aberto, parquinho infantil e um parque destinado a cachorros.