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15. A PRIMEIRA VIAGEM

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Bibliografia

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Carlos Calado

15. A PRIMEIRA VIAGEM

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Parecia trote, mas era mesmo verdade. Os Mutantes custaram a acreditar no telefonema de Antonio Carlos Tavares, assistente de Marcos Lázaro, o poderoso empresário de estrelas da MPB. O conjunto estava sendo convidado — ou melhor, quase intimado — a fazer uma temporada de shows no Olympia, em Paris. Elis Regina, que já tinha se apresentado com sucesso dois anos antes no famoso teatro francês, ficou doente na última hora e cancelou sua ida. Só havia dois pequenos problemas: além de cancelar o show que apresentariam na final do Festival Internacional da Canção (do qual Rita fez parte do júri, durante a fase nacional), os Mutantes teriam que embarcar no dia seguinte para a França, pois faltavam simplesmente 48 horas para a estreia do espetáculo. Naquela época, uma apresentação no Olympia rendia quase a mesma porção de prestígio que um concerto no Carnegie Hall de Nova York, o que tornava o convite irrecusável. Não foi à toa que, em uma fase de vacas magras, a cantora e atriz Liza Minnelli chegou a se apresentar de graça no Olympia, só pela repercussão internacional que conseguiria. Além do mais, os Mutantes seriam a segunda atração do show, encabeçado por Gilbert Bécaud, um cantor popular ao ponto de garantir que a casa estaria lotada durante as três semanas da temporada. Ao saber do cancelamento de Elis Regina, o diretor do Olympia, Bruno Coquatrix, recorreu a Marcos Lázaro para que arranjasse imediatamente outra atração brasileira. O próprio empresário francês sugeriu o nome dos Mutantes, lembrando da boa repercussão das apresentações do conjunto no país, um ano antes. Com o aval da Philips, Lázaro conseguiu resolver tudo rapidamente. Tratava-se de uma verdadeira operação de emergência e por essa razão ele e seu assistente também viajaram com a banda. Embarcaram na noite de 27 de outubro, com chegada prevista para as 16:30 do dia seguinte, em Paris. Cinco horas mais tarde, as cortinas do teatro deviam se abrir para a estreia. Já no avião, Marcos Lázaro fez uma espécie de preleção ao quinteto. O empresário conhecia bem o Olympia e sabia que o esquema de seus espetáculos era quase sempre o mesmo. Entremeados por números circenses e de variedades, como dançarmos ou mágicos, primeiro apresentava-se a atração coadjuvante; por último entrava o astro principal, no caso, Gilbert Bécaud. Outro detalhe muito importante: rock decididamente não estava entre os gêneros musicais preferidos pelos quarentões e cinquentões que frequentavam os shows da casa. “Vocês têm que fazer música brasileira. Rock, nem pensar!”, avisou o empresário, com seu carregado portunhol. Excitados com a viagem repentina, os garotos não deram muita bola à conversa do empresário. Despreocupados com o que iriam tocar no show, pensavam escolher o repertório somente antes de entrar no palco. Porém, no dia seguinte, perceberam que Lázaro sabia exatamente do que estava falando. Depois de serem apresentados a monsieur Coquatrix, fizeram uma espécie de ensaio audição, no próprio Olympia. O francês deixou claro que não gostou dos rocks mais barulhentos, como Jardim Elétrico ou O Meu Refrigerador Não Funciona. Por pouco o tempo não fechou no Olympia. Já no hotel, o conjunto estava discutindo como enfrentaria aquela verdadeira gelada musical, quando recebeu uma visita salvadora. Era Lennie Dale, o bailarino e coreógrafo norte-americano que se radicara no Brasil com grande sucesso, na época da Bossa Nova. Depois de oferecer uma sessão de baforadas de haxixe, todos já estavam bem relaxados quando Dale sugeriu como poderiam salvar a situação.

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“Se eles contrataram artistas brasileiros, é porque querem ouvir música brasileira. Eu sei que vocês não tocam exatamente isso, mas vamos fazer de conta?” Dale foi tão simpático e convincente que os garotos aceitaram seus argumentos quase sem discutir. Assim, começaram a escolher o que tinham de “mais brasileiro” no repertório. Logo se decidiram pelo baião Adeus Maria Fulô (de Humberto Teixeira e Sivuca), o samba rock A Minha Menina (de Jorge Ben) e a tropicalista Bat Macumba (de Gil e Caetano). E para agradar mais ainda a plateia local, nada melhor que duas canções francesas: José (Joseph, de Georges Moustaki), que Rita cantou em português mesmo, e Le Premier Bonheur du Jour, sucesso da cantora Françoise Hardy. O passo seguinte foi escolherem um guarda-roupa mais adequado à ocasião do que as roupas que estavam usando. Rita misturou uma blusa de bolinhas e mangas bufantes com uma saia estampada e um turbante de penas — ficou parecendo uma baiana psicodélica. Sérgio, Arnaldo e Dinho se enfeitaram com colares de dentes de animais e fitas na cabeça,como esquisitos hippies indígenas. E para arrematar tanta “brasilidade”, ainda havia Liminha, usando um exótico chapéu de couro de cangaceiro. Mais debochados, impossível. Sem dúvida pelo fato de o espetáculo ser estrelado por Bécaud, na primeira fila do Olympia estavam vários astros da música e do cinema francês, como Alain Delon e Sacha Distel, entre outros. Tanto nos bastidores, como no palco, Bécaud foi muito simpático com os brasileiros. Durante o show, o cantor assumia a função de mestre de cerimônias, apresentando pessoalmente todas as atrações da noite: as acrobacias e malabarismos dos norte-americanos The Four Reberts, as piadas da comediante Lily Pitts, o balé de Yvonne Mestre, destacando a bela bailarina Lydie Callier, além da “música brasileira” dos Mutantes. Para acentuar ainda mais o tom exótico do show, antes que a banda surgisse no palco, um filme exibia durante cinco minutos imagens da baía da Guanabara, do Pão de Açúcar, de Copacabana, Ipanema e outros pontos turísticos do Rio de Janeiro. Um recurso que, de fato, só ajudava a aumentar o impacto da entrada dos roqueiros brazucas. No entanto, apesar de um certo estranhamento, a plateia acabou aprovando. Nas noites seguintes, já mais relaxados, os garotos logo perceberam que podiam se divertir alterando os arranjos originais, incluindo levadas de samba e outros similares para agradar um pouco mais os franceses. A estratégia deu certo e rendeu elogios inclusive na imprensa. Entre várias críticas favoráveis, houve até mesmo uma do respeitável jornal Le Monde, que previa um futuro promissor para os Mutantes. A gozação passou a se repetir quase todas as noites. Quando os cinco Mutantes saíam para jantar, logo após o espetáculo no Olympia, Arnaldo e Rita atacavam: “Olha lá, Dinho! É a Geraldine!” O baterista se virava para a direção apontada, mas não encontrava quem imaginava, fazendo a turma invariavelmente cair na risada. Dinho era fanático pela atriz Geraldine Chaplin. Costumava dizer que a filha de Charles Chaplin era a mulher mais bonita que conhecia. A paixão platônica de Sir Ronaldo de Rancharia acabou virando folclore. Um dia, conversando com as bailarinas do show, Dinho conheceu um cineasta francês, marido de uma delas. Era uma coincidência incrível: o sujeito estava justamente filmando com Geraldine Chaplin, em um estúdio no subúrbio de Paris. Claro que Dinho não perdeu a ocasião. Na manhã seguinte, lá estava ele esperando a chance de conhecer pessoalmente sua musa. Quase desmaiou quando a viu de biquíni, durante a filmagem. Os dois foram apresentados, e ela, muito simpática, convidou-o para a estreia de um outro filme em que atuara, dias depois. Gaguejando, Dinho mal conseguiu convidá-la para o show dos Mutantes. Nunca mais a viu, mas naquela noite Sir Ronaldo descontou todos os dias de gozação.

Carlos Calado

Toninho Peticov surgiu no hotel justamente no dia em que os Mutantes tinham folga no Olympia, uma segunda-feira. Os cinco não o viam há meses, desde que ele fugira do Brasil, na condição de acusado em um processo criminal por posse de drogas. Denunciado, Peticov foi preso em flagrante junto com um ator e um estudante secundarista, no apartamento que alugava, na rua Avanhandava, em 28 de janeiro daquele ano. No local, foram encontradas 25 pastilhas de LSD (Dietilamina de Ácido Lisérgico), droga alucinógena com a qual os policiais brasileiros ainda não tinham intimidade. Era a segunda apreensão de LSD registrada até então nos anais da polícia do país — caso explorado com um certo sensacionalismo pela imprensa. Peticov ficou detido durante uma semana no “chiqueirinho” do DEIC, na rua Brigadeiro Tobias, onde teve o cabelo raspado e chegou até a ser torturado. Foi solto porque o artigo específico da lei em que tinha sido incriminado ainda não incluía a fórmula do ácido lisérgico. Duas semanas mais tarde, porém, na abertura oficial do processo, o juiz reconsiderou a questão e assinou a ordem de prisão. Do Fórum, Peticov foi levado direto ao Pavilhão 5 do Presídio do Carandiru, onde ficou preso por mais 50 dias. Solto finalmente, para responder ao julgamento em liberdade, conseguiu fugir do Brasil. Naquela época, para se tirar a carteira de motorista, era necessário um visto de saída do país. Com a maior cara de pau, ele tirou o visto, comprou uma passagem para Londres e embarcou. Um mês e meio depois, o réu soube pela cunhada, por telefone, que tinha sido condenado a um ano e oito meses de detenção, além de uma multa no valor de 28 salários mínimos. Porém, se passasse o dobro desse período fora do país, a pena rescindiria. Não pensou duas vezes. Mudou o nome para Salomon Young e ficou morando em Londres, clandestinamente, de início com a ajuda de Gilberto Gil. O ácido funcionava como uma ferramenta de pesquisa interior e artística para Peticov, que teve sua primeira experiência lisérgica nos EUA, no início de 69. Sentiu que o LSD trazia uma nova inspiração para suas pinturas e desenhos. Na volta ao Brasil, conseguiu um fornecedor e começou a consumir a droga com frequência, aproveitando as ocasiões para também introduzir os amigos no universo psicodélico — fato narrado com detalhes a um repórter da revista Veja, quando estava detido no DEIC. Nessa entrevista, Peticov calmamente contou que sua melhor viagem acontecera em Praia Grande, no litoral sul de São Paulo: “Fui com vários amigos e ficamos deitados na areia esperando o sol. O silêncio era total e estávamos deslumbrados com as cores do firmamento. Eu olhava para o mar e o achava muito sereno. Descobri cores agradáveis no bater das ondas. Permanecemos horas na areia e alguns de meus amigos recitavam versos e ajudavam a procurar cores bonitas escondidas na natureza. As demais viagens fiz no meu apartamento, sob efeito de luz negra e de uma música suave na vitrola.” Claro que Peticov também ofereceu a novidade psicodélica aos irmãos Baptista, mas naquela época só Cláudio César teve coragem suficiente para provar. Bem a seu estilo, ele acabou transformando sua iniciação lisérgica em um verdadeiro experimento científico. Nos fundos da casa da Pompeia, uma “equipe” formada por Arnaldo, Rita, Sérgio, Raphael Vilardi e o próprio Peticov acompanhou toda a viagem desde o inicio. As reações e os comentários de Cláudio chegaram a ser gravados, mas a fita teve que ser destruída tempos depois, por motivo de segurança. Até a trilha sonora foi escolhida a dedo: a longa In-A-Gadda-Da-Vida, uma espécie de suíte precursora do acid rock, gravada pelo quinteto californiano Iron Butterfly. Guardadas as devidas proporções, esse tipo de experiência já era familiar aos garotos. Junto à enorme vitrola Telefunken estereofônica, que ficava na sala de visitas da casa, havia uma confortável poltrona que os três irmãos Baptista costumavam usar para

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simular viagens mentais, imitando as sessões do Planetário. Ao som do LP Fantástica, de Russell Garcia (compositor e arranjador norte-americano que escreveu trilhas sonoras para filmes de ficção científica, como A Máquina do Tempo), alguém movia lentamente a suposta poltrona da nave espacial, enquanto o felizardo, com os olhos fechados, imaginava sua própria viagem intergaláctica. Porém, daquela vez, as sensações do viajante foram infinitamente mais fortes. Uma a uma, Cláudio descreveu-as para a equipe assistente. Primeiro, viu as paredes do quarto se abrindo, como se a realidade tivesse sido rachada ao meio. Depois, sua cabeça e a de cada um dos Mutantes pareciam conectadas por um facho de luz. Enquanto falava, Cláudio via a própria voz tomar a forma de luz e entrar pelo microfone, passando pelos circuitos eletrônicos do gravador, até se enrolar na fita magnética. As imagens fantásticas eram tantas e tão rápidas que Cláudio tinha a impressão de estar vivendo uma nova vida a cada dois segundos. Algumas horas depois de iniciada a experiência, a “equipe científica” resolveu levar a cobaia até a casa de Raphael, para que Cláudio pudesse ver a Lua com o auxílio de um telescópio.

“Grande merda essa lua. Sem telescópio eu vejo coisas muito mais interessantes”, esnobou, deixando seus acompanhantes mais curiosos ainda. Apesar de a viagem ter durado cerca de 12 horas, semanas depois ele ainda sentia efeitos da droga. Cláudio achou a experiência realmente impressionante, mas não ao ponto de querer repeti-la. Um ano e meio depois daquela noite, ao reencontrar os amigos em Paris, Peticov sentiu que os Mutantes estavam diferentes, bem mais abertos e descontraídos. Quando tirou do bolso os sunshines alaranjados que trouxera de Londres, o único dos cinco a torcer o nariz foi Serginho. Ainda com medo, em vez da sugerida viagem de LSD, o garoto preferiu dar uma volta pela cidade e jantar. Logo que o ácido começou a fazer efeito, Peticov apagou a luz do quarto e divertiu os quatro iniciantes com uma espécie de light show, brincando no escuro com incensos acesos. Minutos depois, todos já estavam vendo as paredes meio deformadas, como se fossem cenários surrealistas. “Vamos sair”, alguém sugeriu. Decidiram ir até a Torre Eiffel. Os cinco seguiram até a estação de metrô mais próxima, completamente alucinados. O fato de verem lugares que não conheciam e ouvirem outra língua só fazia aumentar a estranheza da viagem. Dentro do trem, mal conseguiam se segurar nas barras metálicas, que a cada instante pareciam mais retorcidas. Quando chegaram, já com a noite avançada, perceberam que o acesso ao alto da torre estava impedido. Sentaramse ali mesmo, nos bancos da rua, e ficaram trocando impressões, enquanto Peticov lia trechos do Livro dos Salmos, de sua inseparável Bíblia de bolso. Confuso, Liminha via tudo aquilo acontecendo, mas imaginava que ainda estava no hotel, provavelmente desmaiado na cama. Pensou que a tal viagem provocada pelo ácido era apenas mental. Mas também achou estranho como conseguia ler todas as placas de rua, ou como via tantas coisas que pareciam reais. Já estava quase convencendo Dinho de que não haviam saído do hotel, quando teve a ideia de fazer um teste. Pegou uma folha de árvore no chão e a enfiou no bolso de seu casacão militar. Só assim saberia, terminada a experiência, se tudo aquilo acontecera mesmo. Rita, por seu lado, entrou na pele de uma bruxa. Fazendo caretas, começou a perseguir os garotos pela rua, que logo aderiram à fantasia, fugindo apavorados. Ao brincar com as cordas vocais, ela tinha a nítida impressão de que sua boca tinha se transformado em um pedal de distorção wooh-wooh. Sua voz saía deformada e estranha, exatamente como na gravação de Dia 36. Para Rita, a experiência dessa primeira viagem de ácido foi chocante e inesquecível. Mais forte até do que sexo.

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Quando Rita e os garotos, cada vez mais alucinados, começaram a falar em voar, já apontando para o alto da torre, o experiente Peticov decidiu interferir, antes que alguém tivesse alguma ideia perigosa: “Querem voar? Tudo bem... mas só de baixo pra cima, tá?” O francês ficou curioso ao notar Liminha entrando na loja de instrumentos, com aquele estojo de formato esquisito. Pediu para ver o baixo do brasileiro e, aberta a caixa, não resistiu à tentação de fazer piada: “De que museu você roubou isso?” Cláudio César tinha construído aquele instrumento com um design de contrabaixo semi-acústico, todo em jacarandá da Bahia. Parecia até um violino, com dois entalhes no corpo, em forma de “S”. As tarraxas, feitas em latão pelo próprio Cláudio, tinham um desenho quase medieval e escureceram com o tempo. Era realmente um instrumento bizarro. “Posso experimentar um baixo?”, pediu o brasileiro, fingindo que não tinha entendido a ironia do francês. Liminha escolheu um Fender standard, novinho, ligou o amplificador e começou a dedilhar algumas escalas e frases, explorando o som do baixo elétrico considerado por alguns como o melhor do mundo. Era a hora de dar o troco. O mutante pegou seu instrumento e, mal o ligou, com um som poderoso, já provocou uma distorção — efeito que, na época, não se usava em um baixo elétrico, muito menos sem a ajuda de um pedal. “O que é isso?”, assustaram-se os fregueses. Era simplesmente outra das invenções de Cláudio César: o Captador Milagroso. O luthier da Pompeia instalou uma cápsula de vitrola embaixo do encordoamento, que permitia captar todos os sons de cada corda, incluindo as altas frequências e harmônicos. Daí o som diferente e a maior potência sonora do instrumento. Sem graça, vendo as atenções dos frequentadores da loja se voltarem todas para o baixo de Liminha, o francês engoliu a piada. A segunda temporada na França não se resumiu apenas aos shows no Olympia. Aproveitando a permanência dos Mutantes na Europa, a Polydor britânica produziu um álbum com a banda, com boa parte das faixas cantadas em inglês. Os planos iniciais incluíam lançamento desse trabalho na Inglaterra e, posteriormente, na França. Como a banda tocava seis noites por semana no teatro, a solução mais prática foi deslocar o inglês Carlos Olms, gerente do estúdio da Polydor londrina, e fazer o disco em Paris mesmo. As gravações aconteceram ao longo de uma semana, nos Studios Des Dames, contando com os técnicos Dominique Poncet e Philippe Lerichomme. Acostumados à liberdade que tiveram ao gravar seus três álbuns, pela primeira vez os Mutantes enfrentaram algumas restrições dentro de um estúdio. Apesar do relacionamento amigável com o exigente Olms, tiveram que engolir mais uma vez a sugestão de soar “mais brasileiros”. Naturalmente, as canções que faziam parte do show no Olympia (Panis et Circensis, A Minha Menina, Bat Macumba, Adeus Maria Fulô e Le Premier Bonheur du Jour) foram as primeiras escolhidas para o repertório do disco — as duas primeiras com letra em inglês. Três sucessos, gravados antes pela banda, também ganharam versões: Ando Meio Desligado (que virou I Feel a Little Spaced Out), Desculpe, Babe (Sorry Baby) e Baby (de Caetano Veloso). Além dessas, os Mutantes fizeram questão de incluir quatro inéditas: uma em portunhol (El Justiciero) e três em inglês (Technicolor, Virgínia e Saravah). Outro detalhe: todas as canções gravadas anteriormente apareciam em novos arranjos, indicando a evolução dos Mutantes como instrumentistas e vocalistas. A faixa mais debochada do álbum era a versão de A Minha Menina (de Jorge Ben), transformada em Oba Minha Menina. O refrão não poderia ser mais infame: Oba oba, she’s my shoo-shoo / And she knows that I’m her shoo-shoo. Com Rita no agogô, o quinteto imitava escrachadamente uma levada de samba à Sérgio Mendes. Uma vingança bem-humorada contra a “brasilidade” cobrada da banda. Quando foram marcadas as fotos para a capa do álbum, Dinho e Liminha tiveram uma surpresa desagradável. Não foram convocados para a sessão fotográfica, sob o

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argumento de que seria mais fácil, na mídia, fixar a imagem de um trio do que a de um quinteto. Na verdade, os dois novatos tinham entrado na banda ainda na condição de músicos acompanhantes, conscientes de que ganhariam cachês menores que os de Arnaldo, Sérgio e Rita. Era pegar ou largar e os dois acabaram aceitando. Porém, com o passar do tempo, a participação dos dois cresceu bastante, tanto nos arranjos como no envolvimento pessoal com a banda. Dinho e Liminha já se sentiam tão mutantes quanto os três fundadores e por isso, durante os ensaios, volta e meia reclamavam da injustiça econômica. A grande ironia desse disco feito em Paris é que, passados quase 25 anos, 10 faixas de Technicolor (o virtual nome do álbum, segundo a ficha técnica da gravação) ainda permaneciam inéditas, nos arquivos da Polygram britânica, em Londres. Nem os próprios Mutantes sabem explicar por que o álbum não foi lançado. Duas décadas depois, o produtor Carlos Olms diz que a mistura de títulos em inglês, português e francês não o agradou, além do fato de a Philips brasileira ter demonstrado um certo desinteresse pelo projeto. Porém, tudo indica que a ausência do esperado exotismo brasileiro deve ter influído no veto ao lançamento. Pior para o público europeu, ou mesmo para os fãs brasileiros, que deixaram de conhecer um produto de uma das fases mais criativas e descontraídas dos Mutantes.

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