Apostila de História

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Apostila

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tista poderá refutar a tese, apresentando outros argumentos muito mais convincentes. Assim, temos dois tipos de versões: mitológicas ou lendárias e a científica.

A Verdade não existe: Introdução ao estudo da História Todos tentam explicar a origem de tudo e de todos – cada um tem a sua explicação. A isso damos o nome de Versão. Na História não existem verdades, pois cada um tem a sua verdade. O que temos em História são versões. Um mesmo fato histórico pode ser descrito de várias maneiras e formas, variando de autor para autor, dependendo de vários fatores. Entretanto, a História, por ser uma ciência – a ciência que estuda a ação dos homens no tempo – usa toda uma metodologia nas análises dos mais variados tipos e formas de documentos e vestígios deixados pelos homens no decorrer do tempo. Não só documentos escritos, mas construções físicas, pinturas, partituras de músicas e os silêncios constatados nos documentos e monumentos. As versões construídas devem ser seguidas de minuciosos argumentos que possam refutar quaisquer questionamentos, baseados nas análises de inúmeros fatores: documentos produzidos pelos homens, cartas, depoimentos orais, músicas, construções, costumes, técnicas, desenhos, imagens, pinturas, fotos, livros etc., ou seja, tudo o que o homem produziu no seu tempo é objeto de estudo da História e a partir das análises (perguntas que se faz e as respostas que se obtêm) é que se constróem as versões. Um exemplo de versão é a origem do homem na terra. Existem várias explicações para este acontecimento. Uma delas é a explicação dada pela cultura judaico-cristã. De acordo com a Bíblia Sagrada, o Homem surgiu da vontade de Deus que, após esculpir no barro um ser à sua imagem e semelhança, soprou em suas narinas e deu vida e alma a este ser e o chamou de Homem (Gênesis 2:7). Para outros grupos, o homem surgiu das brigas entre os deuses. Dessas brigas, os derrotados perderam o dom da imortalidade, tornando-se meros mortais e deixando, logicamente, de serem deuses - mitologia grega. Outros, explicam ainda que o homem é resultado de uma pesquisa feita por seres extraterrestres e existem milhares de outras explicações. Temos ainda as versões científicas. Para uns, os homens são resultados de milhões e milhões de anos de evolução de uma espécie primitiva próxima ao macaco; para outros os homens são evoluções de seres aquáticos que evoluíram para viverem na terra. Quem está com a verdade? Não sei. Irá depender dos argumentos. Quem conseguir convencer o maior número de pessoas possíveis, estará construindo uma verdade que não imutável. No futuro, um outro cien-

As explicações mitológicas ou lendárias são baseadas nos mitos e lendas. Os mitos e lendas são narrativas muito antigas – que dão uma explicação simbólica para os elementos da natureza, dos homens e das coisas que os rodeiam. As narrativas mitológicas ou lendárias não possuem provas científicas que possam justificar tal posição. Acreditar ou não é uma questão pessoal, de fé. Assim, tais explicações são chamadas de irracionais (pois não utilizam a razão e a ciência) para justificar as suas narrações. Os mitos e as lendas são transmitidos por via oral, de geração para geração, de pai para filho. As explicações científicas são baseadas em experiências utilizando o método científico da “prova e da contraprova”, descrita pelo filósofo francês Renê Decartes, no século XVIII. Por este método, toda a invenção e/ou descoberta deve ser feita de trás para frente para se confirmar a tese defendida. Mas, se o cientista partir de outros princípios chegará a outras conclusões. Contudo, não deixará de ser uma explicação racional para o fato, pois foi utilizado o método científico. Portanto, na ciência também não existe uma verdade absoluta inquestionável. Nada neste mundo é para sempre. Tudo é (e deve ser) questionável. Cada explicação atende aos interesses de seus grupos em determinados tempos históricos. Quem está com a verdade? Quem está com a razão? A resposta vai depender da cultura que cada um possui e herdou, dos valores individuais, da classe a que pertence, da religião que professa, da ideologia que defende, ou seja, para se construir uma versão de um fato histórico deve-se levar em conta variáveis múltiplas. Variáveis estas que constituem o que chamamos de Humanidade! Assim, qual a conclusão a se chegar? - A verdade não existe. O que existe são versões!

BEM, MAS O QUE É A HISTÓRIA E PARA QUE ELA SERVE? É apenas uma disciplina a mais nos currículos escolares onde o aluno deve decorar um monte de datas e eventos? Não. Definitivamente não. A História não é isso. A História é a ciência que estuda a ação do homem no tempo. Para compreendermos melhor isso, vamos tentar explicar o que significa essa ação do homem no tempo. Certa vez um garoto perguntou à Marc Bloch, um dos maiores historiadores de toda a humanidade: “Papai, para que serve a História?” Ao responder esta pergunta, Bloch afirmou que, ainda que a História fosse incapaz de outros serviços, seria possível dizer que ela distrai um grande número de homens, pois oferece prazeres estéticos que não se assemelham aos de nenhuma outra disciplina, satisfazendo a sensibilidade e a inteligência. Os conflitos no Oriente Médio, as invasões de um país ao outro em favor daquilo que acha que o modo correto de 2


vida ou de democracia, a fome no inteiro, a violência no Brasil e no mundo, as gangs de ruas e bairros, a mudança climática, a existência de pessoas muito ricas e outras muito pobres, o avanço da medicina e da tecnologia, a luta entre Israel e a Palestina, as grandes religiões monoteístas (Cristianismo, Islaminismo e Judaísmo) e também as politeístas (budismo, induísmo, ocultismo, espiritismo entre outras), a própria noção de democracia, política, terrorismo, cidadania, liberdade podem - e devem - ser explicados pela História, já que a História é a ciência que estuda a ação do Homem no tempo. Contudo, como já vimos, não existe uma única explicação para o que está acontecendo no mundo. A História possui várias interpretações, por isso, não é uma ciência exata. É uma ciência humana, pois feita por humanos e cada um tem a sua perspectiva e ponto de vista que pode variar segundo a sua raça, gênero, classe social, religião e ideologia. Para muitas pessoas a História se preocupa apenas com o passado. Ledo engano. Enquanto Historiadores - profissional que estuda e pesquisa a História - não nos interessa estudar o passado por si só. Para isso bastaríamos ir aos Museus, pois é lá que estão algumas das lembranças do nosso passado, mesmo assim, o que está guardado nos Museus responde às questões colocadas no tempo presente. O tempo passado por si só não tem importância. A História se preocupa com o presente e com o futuro. Mas para podermos compreender melhor o nosso presente e planejar o nosso futuro temos que estudar o nosso passado. Conhecer as raízes dos nossos problemas é uma das tarefas fundamentais para que possamos viver melhor o nosso presente e planejar o nosso futuro com os pés no chão. Por isso, afirmo que toda História é História do Presente. Reconstruir tempos passados não é uma tarefa fácil, uma vez que, como vimos, não existem verdades absolutas na História, tudo é relativo, tudo são versões daquilo que já não existem. Em outras palavras, são perspectivas diferentes. Isso quer dizer que algumas versões são mentirosas? Não, pelo contrário. São apenas versões, e como tais devem ser respeitadas. Conhecer os argumentos dos que defendem tais versões são peças fundamentais para que possamos compreender melhor as formas pelas quais as mesmas foram construídas. E é este o papel da disciplina História nos anos escolares. Ao professor de História, conhecedor de algumas das versões da História, compete proporcionar aos alunos os meios para que possam desenvolver um estudo crítico sobre os textos apresentados, insistindo sempre na afirmação de que o documento ali apresentado não é a verdade, e sim uma versão. A críticidade, ou seja, a capacidade de realizar uma crítica com argumentos, é o nosso principal objetivo ao estudarmos História. Não estaremos preocupados com datas, eventos, nomes de heróis ou personagens históricos. Não que isso não seja importante. Muito pelo contrário. Mas daremos ênfase, em nosso estudo ao processo de construção coletiva da sociedade em que vivemos. O ensino de História não deve se limitar a descrever simplesmente o passado. Por ser uma ciência – a ciência que estuda a ação do homem no tempo – a História se pre-

ocupa com o presente. Recorreremos ao passado para responder as perguntas que a sociedade contemporânea (atual) tem sobre a sua existência. Ela deve-se preocupar com o conhecimento das sociedades do passado (como elas se organizavam, como elas produziam e como elas pensavam) para que possamos compreender e transformar a sociedade do presente. A História não é apenas o estudo do passado pelo culto ao passado, mas a elaboração de uma pesquisa e de um ensino engajados com o estabelecimento de um diálogo entre as gerações e com a busca de soluções e novos caminhos comprometidos com a transformação da sociedade presente. Esta transformação está ligada ao desejo de vivermos em uma sociedade justa, na qual as pessoas possam exercer os seus direitos de cidadãos. Uma sociedade humana, sem fome, sem violência, sem guerras, sem injustiças sociais e com felicidade, ou seja, uma sociedade inclusiva, onde todos possam viver uma decente e digna. O Historiador tem os seus métodos para a construção de suas versões. Para tanto, ele se utiliza da análise dos vários documentos e vestígios deixados pelo homem ao longo do tempo. Alguns destes documentos têm como objetivo relatar a versão de alguma pessoa sobre determinado assunto para que fique registrado na memória e sirva, no futuro, para o estudo dos costumes, dos hábitos e das tradições de alguma família, comunidade, povo, sociedade e, até mesmo, civilizações. Exemplos disso são os diários pessoais, as atas de reuniões, os livros etc. Outros, por sua vez, não têm a preocupação de deixar registrado para um estudo futuro aquelas características daquela sociedade, estão somente preocupados em relatar – de acordo com os seus interesses de grupo ou de classe – o que está acontecendo naquele exato momento – que para aquele povo daquela época é o seu presente. Assim temos os jornais, as revistas, as cartas, as pinturas, as pichações (sim, as pichações possuem um fator histórico muito importante. O que são as pinturas rupestres, senão pichações nos interiores das cavernas?). É isso que me permite afirmar que toda a história é História do Presente. A História é, talvez, a ciência mais perigosa que existe, uma vez que ela mexe com aquilo que é surpreendente e imprevisível: o ser humano. Todas as outras ciências são previsíveis: a água e o óleo não se misturam, se você partir um átomo terá uma explosão atômica, se você acrescentar duas unidades a outras duas unidades você sempre terá quatro unidades. Mas, e o ser humano? Ele é capaz de fazer coisas imprevisíveis. E a História, ao realizar a crítica do presente, tendo como exemplo as sociedades passadas, pode provocar explosões de fúrias coletivas nunca antes imaginadas. Mas, pode também, criar um sentimento de passividade jamais pensado. A História é o produto mais perigosos que a química do cérebro já elaborou, por isso, compreender a História se torna tão importante quanto conhecer a si mesmo. Repito, a História é a ciência que estuda a ação do homem no tempo. E o nosso tempo de estudo é sempre o pre3


sente, na medida em que herdamos das sociedades e civilizações que, fisicamente, não existem mais, traços e valores fundamentais para a nossa vivência cotidiana. Dizer que a civilização egípcia é antiga, é passado é mentira. Deles herdamos várias características: a cobrança de impostos, por exemplo; dos romanos antigos herdamos o Latim (de onde saiu a língua portuguesa) a idéia de República e de cidadania; dos gregos herdamos a idéia de política, de filosofia, dos jogos olímpicos, dos fenícios a técnica de navegação, dos sumérios o fogo e a roda, dos povos da Idade Média, o casamento nas Igrejas, o cristianismo, a idéia de demônio e de bruxaria, e a doutrina do purgatório (para os católicos romanos), entre outros. Dos povos que viveram entre os séculos XVI e XVIII, herdamos a terra em que vivemos (a América), a busca do lucro fácil, a exploração do homem pelo homem para alcançar o lucro (capitalimo). Ou seja, o homem contemporâneo é filho da humanidade e de tudo o que ela produziu no tempo e no espaço. Compreender esta ação do homem no tempo é a tarefa primordial da História. O objeto de estudo da História é, por natureza o Homem. Melhor: os homens. Mais do que o singular, favorável à abstração, convém a uma ciência da diversidade o plural, que é o modo gramatical da relatividade. Por detrás dos traços sensíveis da paisagem, dos utensílios ou das máquinas, por detrás dos documentos escritos aparentemente mais glaciais e das instituições aparentemente mais distanciadas dos que as elaboraram, são exatamente os homens que a História pretende apreender. Quem não o conseguir, quando muito e na melhor das hipóteses, será um servente da erudição. O bom historiador, esse, assemelha-se ao monstro de uma lenda européia: onde farejar carne humana é que está a sua caça.

Compreender o Tempo Histórico, que é diferente do tempo do relógio, do tempo da natureza (primavera, outono, verão e inverno), do tempo geológico ou geográfico é uma das principais tarefas que teremos. Não é uma das tarefas mais fáceis, mas temos que fazê-la.

O TEMPO: MATÉRIA-PRIMA DA HISTÓRIA Você já deve ter percebido que, quando uma aula está muito interessante ela passa rápido e, ao contrário, quando uma aula está chata e monótona ela demora a passar? Ora, o tempo das aulas é o mesmo: uma hora. Mas por que esta variação? Você já percebeu que quando você sai de férias e vai, por exemplo, para a praia, as suas férias parecem que duraram pouco, aí você se indaga: pôxa vida, parece que eu entrei de férias ontem... E quando você fica em casa as férias demoram a passar? O tempo das férias escolares são os mesmos para todos: um mês. Mas por que esta variação? Um outro exemplo: quando você está passando mal, morrendo de vontade de ir ao banheiro, mas o professor de História não deixa, não parece que a aula dura mais que o tempo previsto? Por que esta variação? A resposta é simples: o tempo dos homens é diferente do tempo do relógio. O tempo do relógio marca as horas, os minutos, os segundos; o tempo do calendário marca os dias, os meses, os anos. O tempo dos homens marcam sensações, e essas sensações são chamadas de durações. Às vezes essas sensações são longas – o que chamamos de longa duração – e às vezes essas sensações são breves e curtas – o que chamamos de curta duração. Nesses tempos, encontraremos permanências e mudanças, semelhanças e diferenças. E é isto que eu quero dizer quando afirmo que “A História é a ciência que estuda a ação dos homens no tempo”, seja no tempo longo, seja no tempo curto.

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dos governos despóticos. Já os romanos, além de criarem um dos maiores impérios que o mundo conheceu, com uma sofisticada administração, também fundaram um aprimorado conjunto de leis que é a base da estrutura jurídica de muitos países do mundo atual.

DA ANTIGÜIDADE À QUEDA DE ROMA Embora os dois primeiros grandes Estados organizados que surgiram na Antigüidade tenham sido o Egito e a Mesopotâmia, para a História do mundo ocidental, as civilizações mais importantes do período foram a grega e a romana. A herança desses povos contribuiu para o desenvolvimento da humanidade: influenciou padrões de beleza e permanece na base do conhecimento científico e cultural contemporâneo, estando presente em muitas línguas faladas atualmente. Esses Estados organizaram-se com base na escravidão: os vencidos de guerra eram escravizados, formando a grande massa de trabalhadores nos campos e nas cidades. Comercializados em praças públicas ou trocados nos mercados, os escravos eram responsáveis pelo acúmulo de riquezas e pelo progresso da Grécia e, posteriormente, de Roma. Foram os gregos que abandonaram as explicações mágico-religiosas sobre o mundo, permitindo o desenvolvimento da filosofia, assim como criaram a democracia em lugar

No Império Romano, que chegou a dominar toda a região do Mar Mediterrâneo, o sistema escravista entrou em crise no século III, quando se encerraram as conquistas territoriais e ocorreu o enfraquecimento político do Império. Como conseqüência, houve queda na produção agrícola e artesanal, que dependia da obtenção de escravos, outro fator que levou o Império à decadência. Enfraquecida, Roma foi invadida por povos vizinhos – que eram chamados de Bárbaros, porque não faziam parte do Império Romano –, os quais foram se apossando de regiões de seu território, fragmentando-o. Em 476, a cidade de Roma foi dominada por uma tribo “bárbara”, a dos hérulos. Era o fim do grande Império Romano e da Antigüidade. As populações urbanas, que já passavam dificuldades pois sofriam desabastecimento generalizado, além de enfrentarem insegurança, entraram em processo de desagregação total. Suas populações “fugiram” para o campo, para as propriedades rurais, onde buscavam a proteção do proprietário das terras. A este processo damos o nome de ruralização. Nestas terras, os colonos tiveram de se submeter a uma série de obrigações, passando a servir os grandes senhores de terras. A sociedade que se formou a partir daí, na Europa, adquiriu características peculiares, tanto na economia, quanto na política e na cultura. Era a transição das relações sociais escravistas para as de servidão.

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entre a Europa e o Oriente, tendo como entrepostos europeus as cidades italianas de Gênova e Veneza, e, no Oriente, Constantinopla e Antioquia. Mercadorias orientais – como sedas, perfumes, porcelanas, açúcar e especiarias – dirigiam-se com exclusividade para as cidades italianas, responsáveis por seu transporte e pela comercialização com o restante da Europa.

A IDADE MÉDIA. Nos séculos VII e VIII, além dos “bárbaros”, outro povo em expansão dirigiu-se para a Europa. Trata-se do povo árabe que adotou a religião Islâmica criada por Maomé. Como os cristãos, os islâmicos (também chamados de muçulmanos) que, naquela época, receberam o nome de Mouros, também acreditam que só existe um Deus – Alá – e Maomé é o seu único profeta. São, portanto, um povo monoteísta. Os muçulmanos acreditavam que todos deveriam difundir a nova crença pelo mundo, por meio da Guerra Santa (Jhihad) travada contra os infiéis (os não-crentes). A forte religiosidade tornava os árabes guerreiros quase indestrutíveis. Na sua expansão, conquistaram todo o norte da África e o Mediterrâneo; depois, invadiram a península ibérica, chegado às margens do que hoje é a França. A ocupação do Mediterrâneo pelos árabes dificultou as já precárias atividades comerciais, obrigando boa parte dos europeus a se voltarem definitivamente para a produção agrícola em grandes propriedades rurais, chamados de feudos. Como a Igreja Cristã chegou a deter muitos feudos e inigualável poder, tornou-se a mais forte instituição da Idade Média, transformando o cristianismo na religião predominante em toda a Europa feudal. Era uma época teocêntrica, ou seja, um período de cultura, de valores individuais e sociais voltados para a religião. (teo = Deus; centrismo = centralidade). No início da Baixa Idade Média, perto do ano 1000, o feudalismo atingiu seu apogeu em toda a Europa Ocidental. As condições de vida melhoraram, a população voltou a crescer, reativando-se o comércio e a vida urbana, o que motivou a conquista por novos territórios. Para essa expansão européia, contribuíram as Cruzadas, expedições militares-religiosas que se dirigiram para o Oriente com o objetivo de retomar Jerusalém, na região da Palestina, que estava nas mãos dos muçulmanos seldjúcidas (Jerusalém é considerada a Cidade de Deus, pois ela é considerada a pedra angular das três maiores religiões do mundo: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, pois os três reconhecem em Abraão a autoridade da Santa Aliança com Deus) Além disso, a ambição por novas terras e riquezas também impulsionou milhares de cristãos para o Oriente. Embora não tenham conseguido libertar a Palestina, as Cruzadas permitiram a conquista de diversas regiões, além da retomada do mar Mediterrâneo, que ainda estava sob o domínio muçulmano. Restabeleceram-se rotas comerciais

A intensa atividade comercial no sul do continente irradiou-se lentamente para o interior, estimulando o comércio local que se organizava nos burgos. Os comerciantes, habitantes desses povoados eram chamados de burgueses. Os burgos, cercados por muralhas que garantiam a sua segurança, dariam, mais tarde, origem a muitas cidades européias.

O FEUDALISMO O feudalismo resultou da síntese entre a sociedade romana em decadência e a sociedade bárbara germânica em transformação. Para facilitar a compreensão do processo de formação do feudalismo, procuraremos mostrar o legado da sociedade romana e dos costumes bárbaros para esse novo sistema. Lembremos que a sociedade romana era eminentemente agrária, mas com vida urbana intensa. Com as crises do século III e IV, a escassez de mão-de-obra escrava levou os grandes proprietários a abandonarem as cidades e rumar para suas villae (latifúndios), onde exploravam o trabalho dos coloni (antigos escravos ou camponeses que se tornaram vinculados à terra e dependentes de seus senhores). Os coloni eram juridicamente livres, mas não podiam abandonar a terra. Esses trabalhadores são os precursores dos servos medievais. A condição social passava, assim, a ser determinada pela relação com a terra. A sociedade romana passava por um processo de ruralização, acentuado pelo desaparecimento dos grupos médios ligados ao comércio e às atividades urbanas em geral. Esse processo foi importante para a formação do feudalismo, pois reforçou o poder político dos senhores locais, enfraquecendo o poder central do império. A descentralização política mencionada acima se acentuou com os bárbaros: o comitatus era uma velha instituição bárbara que estabelecia uma relação de fidelidade mútua entre chefes e guerreiros, o que reforçava os laços de dependência pessoal e diminuía um eventual poder central. Os chefes bárbaros remuneravam os seus colaboradores com terras, o chamado beneficium, que dava alguma autonomia aos guerreiros que o recebiam, ou seja, independência para administrar seu território. A sociedade germânica era também eminentemente agrária e pastoril, o que acentuou o processo de ruralização da economia e da sociedade depois da invasão. Uma das maiores contribuições da sociedade bárbara para a concretização do feudalismo foi seu sistema de leis, que se baseava no direito consuetudinário, isto é, nos antigos costumes herdados dos antepassados, para os quais 6


as práticas fundavam a lei oral, que regulava as relações pessoais. A contribuição dos árabes, eslavos e normandos para a formação da Europa feudal. No século IX, as sociedades européias encontravam-se em avançado estado de ruralização. As invasões que ocorreram nesse século fizeram com que os senhores rurais tentassem organizar uma defesa individualizada, erigindo castelos e fortificações. Após conquistar o norte da África, invadir a Europa e dominar a península ibérica, os muçulmanos, nos séculos IX e X, transformaram o Mediterrâneo em seu domínio quase exclusivo. Os postos comerciais desse mar ficaram em suas mãos, o que dificultava a atividade comercial e provocava o isolamento da Europa. As tribos de eslavos que haviam se submetidas pelos francos se libertaram e passaram a saquear as vilas e os domínios rurais, aumentando a insegurança. Ao mesmo tempo, os nômades magiares (húngaros) fixaram-se no médio Danúbio e daí organizaram ataques para saquear terras e vilas. Também os normandos ou vikings (povos que viviam na atual Dinamarca) transformaram seu padrão de relação com o continente europeu: começaram a incursionar por variados pontos da costa norte da Europa também para saquear. Vinham para vender peixe seco e peles, mas também se dedicavam ao saque e à pilhagem das aldeias e dos domínios rurais. A Europa estava sendo “sitiada” pelas invasões do século IX. Esse fato não foi determinante, mas ajudou a Europa a se feudalizar.

A S C ARACTERÍSTICAS FEUDALISMO .

SOCIOECONÔMICAS DO

O conceito feudalismo deriva da palavra feudo, que significa “bem que é dado em troca”. Assim feudalismo é o nome que damos ao sistema no qual o feudo – um bem, que poderia ser um ou mais senhorios (territorial), uma quantia anual (bolsa), a armadura de um cavaleiro (loriga), um conjunto de direitos de cobrança de obrigações (ban) – é o fundamento das relações socioeconômicas e políticas. O feudalismo foi um sistema tipicamente europeu. Desenvolveu-se entre os séculos X e XI, mas atingiu seu auge no século XII e início do século XIII, quando começou a entrar em decadência. A agricultura era a atividade econômica que preponderava durante a época feudal e envolvia toda a população, direta ou indiretamente. O senhorio, a unidade básica de produção do sistema feudal era praticamente auto-suficiente. Produzia tudo ou quase tudo de que se tivesse necessidade: leite, madeira, ferro etc. O que não era produzido pelo senhorio era adquirido nos pequenos mercados das aldeias. Os feudos territoriais ou senhorios (“do senhor”) eram divididos em três partes: a reserva senhorial ou manso senhorial, que eram terras de uso exclusivo do senhor, embora trabalhadas pelos servos; as reservas dos camponeses ou manso servil, que eram as terras exploradas pelos campo-

neses e suas famílias; as terras comunais, construídas por pastos, florestas e baldios, que forneciam frutas, madeiras, mel, castanhas etc. A caça era direito exclusivo do senhor.

A SOCIEDADE FEUDAL A sociedade feudal era rigidamente estratificada, isto é, dificilmente havia mobilidade, pois a posição dos grupos era determinada pela relação com a terra. Segundo a mentalidade da época, a sociedade estava dividida porque Deus determinara diferentes funções para cada camada. Havia três camadas (ordens) fixas. O clero (sacerdotes) era a camada mais importante, considerada a intermediária entre Deus e os homens. Sua função era orar pela salvação de todos. Os guerreiros (nobreza e aristocracia) lutavam para proteger o resto da sociedade dos males do mundo. O se poder vinha do fato de serem os donos da terra e terem o monopólio militar. Os trabalhadores deveriam produzir o necessário para o sustento de toda a sociedade. Na verdade, cada uma dessas ordens se subdividia em vários estratos internos. Havia diferentes tipos de trabalhadores: os pequenos proprietários, que cultivavam seus lotes (alódios); os antigos proprietários, que se ligaram a um senhor (vilões, porque habitavam as vilas); e o trabalhador escravo, que não desaparecera totalmente na Europa medieval. Mas o principal trabalhador durante o período feudal era o servo, originário do antigo colonus. O servo não era um trabalhador livre, mas também não era um escravo. Estava ligado à terra, não podendo ser retirado dela para ser vendido. Outra diferença entre um servo e um escravo é que o servo era dono dos instrumentos de produção.

AS RELAÇÕES SOCIAIS NO FEUDALISMO O feudalismo foi constituído pela aristocracia entre dois eixos de relações: as relações feudo-vassálicas e as relações servis de produção. As relações feudo-vassálicas estabeleciam-se entre membros da aristocracia militar e territorial e baseavam-se no feudo, na fidelidade e na reciprocidade. As relações servis de produção estabeleciam-se entre o senhor da terra e o trabalhador e estavam baseadas na desigualdade de condições e na exploração do trabalho. A aristocracia feudal tirava seu sustento e garantia seu poder e sua riqueza por meio do trabalho do servo, da guerra e das alianças. Os servos, que recebiam um lote para cultivar e eram defendidos pelo senhor, deviam a este uma série de obrigações: deviam trabalhar na reserva senhorial alguns dias por semana, e todo o produto deste trabalho era do senhor feudal (corvéia); entregava uma parte do que produziam na reserva servil (talha); pagavam pelo uso do moinho ou lagar (banalidades); quando um servo morria, os filhos deveriam pagar para continuar em suas terras (mão-morta). Havia um forte componente religioso nessa exploração do senhor sobre os servos, pois estes viam os senhores como protetores e patronos, que os ajudavam em tempos difíceis. Mas, de alguma forma, os servos conseguiam ter algumas atividades independentes. Os servos se ajudavam mutuamente nas pequenas plantações, nas pastagens das terras 7


comunais ou em algumas festas. Tudo isso pode ser considerado como resistência ao poder dos senhores. As características políticas do Feudalismo Politicamente, o feudalismo caracterizou-se pela fragmentação política. As relações pessoais tornavam-se mais fortes com o enfraquecimento da atuação do Estado. Essas relações, denominadas feudo-vassálicas ou de suseraniavassalagem, originaram-se das tradições romanas e germânicas. Consistiam no ato de um senhor doar bens, sobretudo terras e direitos a outro senhor em troca de alguns favores e obrigações. O aristocrata que doava o bem era o suserano, e o que recebia era o vassalo. Essa prática de doações não terminava aí: o aristocrata que recebia a terra a redistribuía para outros aristocratas, que passavam a ter as mesmas obrigações. Teoricamente, os senhores feudais recebiam terras do rei, o soberano; mas com o parcelamento do poder político ligado ao parcelamento da terra, o rei se transformou em um tipo de suserano-mor, ou suserano dos suseranos. O vassalo, em troca da terra, deveria auxiliar o suserano com seu exército quando ele precisasse, além de participar dos conselhos senhoriais. Ao suserano cabiam obrigações semelhantes para com seu vassalo.

AS CARACTERÍSTICAS MILITARES DO FEUDALISMO. O cavaleiro foi a figura característica da organização militar do feudalismo. Ser cavaleiro, com escudos, lanças, espadas, cota de malha e armadura, era privilégio da aristocracia, pois o acesso à cavalaria dependia da origem e da riqueza. Essa característica estava ligada à separação entre guerreiros e chefe que se dera na tribo germânica e também ao custo do equipamento completo de um cavaleiro, que era muito alto para os mais pobres. Era preciso ter muitas terras e servos trabalhando para sustentar o cavaleiro. Ou seja, somente a aristocracia feudal era capaz disso. Uma das principais funções militares da cavalaria era garantir e ampliar os domínios dos senhores e reprimir rebeliões camponesas que ameaçassem o poder da aristocracia. Mas a militarização servia também para defender a cristandade contra seus inimigos, por exemplo, os muçulmanos, ao mesmo tempo que garantia a conquista de mais terras. Os constantes combates acabavam destruindo as plantações e os campos. No século X, a igreja interveio, propondo a Trégua de Deus, que determinava que não se poderia guerrear entre a quinta-feira e a segunda-feira pela manhã.

A IGREJA MEDIEVAL OCIDENTAL A igreja sobreviveu às crises e mudanças do final da Antigüidade e da Alta Idade Média. O clero monopolizava o saber em um mundo de analfabetos e foi responsável por conservar a cultura letrada da Antigüidade Clássica. Apesar de manter essa cultura atrelada aos seus interesses de grande senhora de terras, a Igreja muito contribuiu para que o conhecimento não estagnasse. A Igreja romana acumulou poderes que derivavam de sua riqueza material e da influência espiritual que exercia

sobre as pessoas. A Igreja organizava-se hierarquicamente, o que a ajudava a manter o poder. Havia o Alto e o Baixo clero. O primeiro, ligado à aristocracia, detinha os cargos de direção (cardeais, bispos, abades etc.). O segundo era composto de elementos vindos das camadas mais baixas. O chefe dessa hierarquia era o Bispo de Roma, que, em 455, recebeu o título de Papa, isto é, chefe da Igreja Cristã. Ao clero secular, que estava em contato com as coisas do mundo, coube a tarefa de converter os bárbaros que invadiram a Europa. Ao clero regular (submetido a regras), que ficava nos mosteiros, cabia a preservação da cultura e o aumento do poder econômico da igreja. As doações de terras feitas pelos reis e senhores laicos à igreja faziam com que seu poder político aumentasse, pois ia se transformando num “grande senhor feudal”. Essa posição fazia com que a Igreja tivesse que lutar pela defesa de seus interesses tanto quanto os demais senhores feudais. Mas o mais importante é que a Igreja católica exercia uma poderosa influência na sociedade. O controle que o clero detinha sobre a cultura reproduzia uma visão de mundo da Igreja; os padres, em seus sermões, passavam essa visão de um mundo dividido em classes, naturalmente desiguais.

A BAIXA IDADE MÉDIA Introdução O período conhecido por Baixa Idade Média. que se estendeu dos séculos X ao XV, foi marcado por profundas transformações na sociedade, as quais conduziram à superação das estruturas feudais e à progressiva estruturação do futuro modo de produção capitalista. No plano econômico, a economia auto-suficiente, típica do feudalismo, foi substituída por uma economia comercial. No plano social, a hierarquia estamental foi se desintegrando, surgindo paralelamente um novo grupo social ligado ao comércio: a burguesia. Politicamente, o poder pessoal e universal dos senhores feudais foi sendo gradualmente substituído pelo poder centralizador dos soberanos, originando as monarquias nacionais européias. Essas mudanças, que marcaram o início da Baixa Idade Média, emergiram das próprias contradições das estrutura feudal, que se mostrou incapaz de atender às necessidades da população européia. O feudalismo conservou muitas de suas características ainda por muito tempo, ocorrendo uma transição gradativa, que só atingiria a maturidade alguns séculos depois.

O crescimento demográfico A partir do final do século X, a Europa passou por um período de paz e segurança. Além disso, estavam ocorrendo alguns avanços na economia e na sociedade feudal. A população crescia, ao mesmo tempo em que a economia se dinamizava. A técnica empregada na agricultura também passava por profundas transformações. O antigo arado foi sendo substituído pela charrua, um arado que fazia sulcos mais profundos na terra, aumentando as possibilida8


des de produzir mais. Aos poucos generalizou-se também uma nova maneira de atrelar os animais, o que permitiu aproveitar melhor a força de bois e cavalos. Os moinhos de água e de vento pouparam tempo e trabalho dos camponês, aumentando a produção. O mesmo efeito teve o rodízio trienal, isto é, a alternância de tipos de culturas em faixas de terras diferentes.l Além disso, o desbravamento de terras incultas de florestas e pântanos, bem como o uso da adubação, também melhorava a produtividade agrícola. Essas inovações proporcionaram a produção de excedentes destinados à troca. Esse aumento da produção, uma diminuição das epidemias e uma relativa paz depois das grandes invasões resultaram em um sensível aumento populacional. Esse crescimento pode ser visto nos seguintes números: * Século X - 20 milhões de habitantes. * Século XIV - 51 milhões de habitantes.

O RENASCIMENTO COMERCIAL E URBANO O aumento da população foi acompanhado do crescimento urbano, ligado ao processo geral da sociedade feudal. Vejamos como seu deu essa relação. A população que crescia encontrou alimento suficiente graças ao aumento da produção agrícola. As cidades, antes pequenas, cresciam com o excedente populacional. Essa população, que em parte se dedicava ao artesanato, necessitava cada vez mais de matéria-prima para suas atividades. Isso exigia que o campo aumentasse sua produção para vendê-las às cidades. Essa troca entre cidade e campo aprofundou a especialização de produção. O campo produzia matéria-prima e alimentos que eram vendidos para as cidades. Por isso os camponeses tinham todo o seu tempo ocupado nas atividades agrícolas e pastoris. Dessa forma, compravam produtos manufaturados nas cidades, como calçados, tecidos e ferramentas, que antes eram confeccionados por eles mesmos. Isso aumentou a dependência do campo em relação às cidades e ao comércio. As cidades tinham de proteger seu artesanato e seu comércio da concorrência estrangeira. Para isso, foram criadas as corporações de ofício, que controlavam a qualidade dos produtos, os horários de funcionamento de cada oficina e dos respectivos trabalhadores, o preço das mercadorias e o método de fabricação. Esse controle impedia o desenvolvimento de novas técnicas, pois as corporações temiam que isso barateasse os produtos. Cada corporação era organizada segundo uma rígida hierarquia. Havia o mestre-artesão, que possuíam uma oficina, ferramentas e matéria-prima. Elke tinha de conhecer profundamente sua profissão, pois era submetido a uma série de provas pela corporação para receber esse grau. Abaixo dele estava o companheiro, que trabalhava com o seu mestre. Havia, ainda, o aprendiz, o jovem que se empregava na oficina do mestre apenas para aprender a profissão, e o jornaleiro, que trabalhava por jornadas previamente combinadas. As atividades comerciais passaram a ser praticadas

também a longa distância, estimulando o comércio internacional e a atividade bancária. Com isso, numerosas feiras surgiram nos entrocamentos das rotas comerciais.

O CRESCIMENTO URBANO, O ARTESANATO E A EXPANSÃO COMERCIAL. De início, as feiras eram realizadas dentro de castelos fortificados ou dos burgos. Isto propiciava aos senhores feudais uma fonte de renda adicional, pois os comerciantes lhes pagavam taxas para comerciar em seus territórios. Além disso, as feiras colocamvam ose senhores em contato direto com os produtos de luxo vindos do Oriente. Por essa razão, os senhores davam garantias aos comerciantes, para atraí-los aos seus territórios. As cidades medievais eram cercadas por altas muralhas protetoras que ajudavam a defendê-las durante as guerras. tinham de 5 a 10.000 habitantes, não possuíam infra-estrutura nem havia qualquer planejamento urbano. Essas cidades nasceram dentro das terras da aristocracia laica e clerical. O sistema feudal podia limitar o desenvolvimento do comércio, pois as taxas pagas aos senhores diminuíam o lucro dos comerciantes. Além disso, o poder quase absoluto do senhor dentro de seus domínios colocava o comerciante numa posição de dependência. As cidades queriam conquistar sua independência em relação aos senhores feudais. Isso se dava de duas formas: ou os cidadãos lutavam de armas nas mãos contra a nobreza, ou pagavam pelo direito de se tornarem livres, com o passar do tempo as cidades foram adquirindo, por força das armas ou do dinheiro, direitos que lhes garantiam autonomia administrativa e judiciária. O documento que lhes assegurava essa autonomia era chamado de franquia, foral ou carta de privilégios e era obtido com o pagamento de taxas ao senhor do feudo. A direção das cidades passou a ser tarefa das camadas mais altas dos mercadores e artesãos; estes se agrupavam em associações chamadas corporações de ofício ou guildas. As guildas, que dirigiam a economia das cidades, eram originárias de associações de ajuda mútua entre os artesãos e mercadores. Com o tempo, esse caráter igualitário desapareceu, dando lugar a uma oligarquia urbana de mercadores. Essa diferenciação entre os grandes mercadores que dirigiam as cidades e os pequenos artesãos gerou tensão entre os dois grupos em alguns lugares, formaram-se governos municipais só de artesãos, como em Florença, Estraburgo e Basiléia; ou então, formaram-se governos exclusivamente de mercadores, como em Veneza, Viena e Nuremberg. Na região norte da Europa - em especial na Flandres - e no norte da península itálica surgiu o maior numero de cidades com atividades manufatureiras. As manufaturas abrangem diversos setores: artigos de madeira, osso, couro e principalmente tecidos de lã. Havia uma acentuada divisão social do trabalho no setor têxtil, isto é, o produto passava por diversas etapas de fa9


bricação em diferentes pontos da cidade, onde cada artesão especialista executava sua parte na tarefa. Várias invenções contribuíram ainda mais para o desenvolvimento do ramo têxtil, como a rosca, o tear horizontal e o pisão. os lucros, nesse período, não vinham da produção artesanal, mas da circulação de mercadorias, isto é, os mer-

cadores compravam os produtos por um preço baixo e os revendiam por um preço mais alto. A região de Champagne, localizada a nordeste da atual França, era um importante centro de comércio internacional: alí realizavam-se feiras onde eram comercializados tanto os produtos europeus como os produtos orientais.

ilustração medieval mostrando as Três Ordens do Feudalismo

1ª Ordem: o Alto Clero 2ª Ordem: os Senhores Feudais (cavaleiros) 3ª Ordem: o povo comum (baixo clero, servos, artesãos, comerciantes, escravos)

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europeus a conquistar Jerusalém: essa era a oportunidade para reunir a cristandade, dividida, reafirmando o poderio da Igreja e fortalecendo a autoridade Papal.

As Cruzadas e a expansão européia O CONTEXTO RELIGIOSO E A POLÍTICA DA IGREJA A hierarquia, que havia marcado profundamente as relações sociais durante o feudalismo, estendia-se também para as relações religiosas. Isso significava que a relação entre Deus e os homens era visto como hierarquia: o homem havia recebido o direito de habitar a Terra como se o planeta fosse um grande feudo; em troca, tinha de jurar fidelidade a Deus, prestando-lhe serviços. Funcionava como uma relação entre um suserano e um vassalo. Foi utilizando-se desse argumento religioso-feudal que se organizou um grande exército de “vassalos” cristãos que deveriam lutar pelo seu “suserano”, que era Deus. Eis as origens da idéia de “guerra santa” levada à cabo pelas Cruzadas. Era a luta contra os “inimigos de Deus”, fossem infiéis, como os muçulmanos, heréticos, pagãos ou cistãos ortodoxos. O termo infiel era utilizado pelos muçulmanos para designar os povos não islamizados. Foi contra esses povos que os muçulmanos moveram o que chamara de guerra santa, Jihad. Para os europeus cristãos, infiéis eram os que seguiam o islamismo, os chamados muçulmanos, mouros ou sarracenos. O guerreiro era recompensado com a indulgência (perdão dos pecados), bem como sua esposa, caso lhe permanece fiel. Durante a guerra, os bens do cruzado eram administrados pela Igreja e suas dívidas eram suspensas temporariamente. A tomada da Palestina pelos turcos seljúcidas impediu as perseguições aos lugares santos de Jerusalém, costume da religiosidade medieval bastante difundido e valorizado. Organizaram-se, então, expedições militares para resgatar a Terra Santa das mãos dos infiéis. Seus integrantes usavam uma cruz como símbolo. Por isso, essas expedições são hoje chamadas de Cruzadas. Os cruzados eram os guerreiros-vassalos do Cristo-suserano Além desse fator eminentemente religioso, a Igreja também vivia graves problemas internos. Um desses problemas foi o Cisma do Oriente, que ocorreu em 1054, que abalava seu prestígio. Durente o concílio de Clermont, realizado em 1095, o Papa Urbano II pronunciou um discurso exortando os

Deixai os que outrora estavam acostumados a se baterem, impiedosamente, contra os fiéis, em guerras particulares, lutarem contra os infiéis [...] Deixai os que até aqui foram ladrões, tornarem-se soldados. Deixai aqueles, que outrora se bateram contra seus irmãos e parentes, lutarem agora contra os bárbaros, como devem. Deixai os que outrora foram mercenários, a baixos salários, receberem agora a recompensa eterna. Uma vez que a terra que vós habitais, fechadas de todos os lados pelo mar e circundada por picos de montanhas, é demasiadamente pequena à vossa grande população: sua riqueza não abunda, mal fornece alimento necessário aos seus cultivadores [...] tomai o caminho do Santo Sepulcro; arrebatai aquela terra à raça perversa e submetei-a a vós mesmos. Essa terra em que, como diz a Escritura, ‘jorra leite e mel’ foi dada por Deus aos filhos de Israel. Jerusalém é o umbigo do mundo; a terra é mais que todas frutífera, como um novo paraíso de deleites” (Discurso de Urbano II durante o Concílio de Clermont, 1095). Dessa forma, o Papado encontrou uma solução que desviava a belicosidade dos senhores feudais para a luta contra um inimigo comum: o infiel que dominava o Santo Sepulcro. Também os bizantinos (irmãos do Oriente) encontraram nas Cruzadas uma forma de deter o avanço muçulmano em seu território, chegando a propor, em algumas ocasiões, a reunificação dos cristãos do Oriente e do Ocidente.

O CONTEXTO SOCIAL DA ÉPOCA Gênova e Veneza, que detinham a hegemonia do comércio entre Oriente e Ocidente, viram nas Cruzadas uma oportunidade de ampliar sua área de influência no Mediterrâneo. A própria expedição militar era um bom negócio, já que os italianos forneciam empréstimos, mantimentos, equipamentos e navios aos cruzados. Sua influência era tão grande que, como veremos, a Quarta Cruzada teve sua rota desviada para atender aos interesses de Veneza. Outro fator que influenciou o nascimento do movimento das Cruzadas foi o crescimento demográfico verificado a partir do século XI. O parcelamento contínuo das terras expulsou muitos camponeses dos senhorios, e o comércio e as cidades não eram suficientes para absorvê-los. Surgiu uma camada de marginalizados que buscava alternativas para a sobrevivência. O banditismo foi uma delas. De outro lado, muitos filhos da aristocracia não possuíam terras, já que somente o primogênito herdava as propriedades da família. A exclusão social favoreceu a eclosão de revoltas populares. Assim, as Cruzadas resolviam o problema do excedente populacional - para os nobres sem feudos, representavam uma oportunidade de enriquecimento; para os marginalizados do processo de produção, representavam uma chance de se tornar cavaleiros. 11


As Cruzadas eram, assim, apoiadas pelos senhores feudais como uma forma de se livrar da perssão populacional em seus feudos e de diminuir os perigos de saques e os assaltos. Nobres sem terra pensavem em obtê-las no Oriente. Os mercadores também apoiavam, interessados em conseguir melhores condições de navegação e comércio no Mediterrâneo com o afastamento dos muçulmanos. Ao fervor religioso das Cruzadas aliou-se a necessidade de obter terras. As Cruzadas representavam, portanto, a promessa da fortuna na terra e da vida eterna no paraíso.

AS CRUZADAS PARA O ORIENTE Foram oito as Cruzadas oficiais, isto é, organizadas pela Igreja e pelos Estados europeus ocidentais, que se estenderiam de 1096 a 1270. Entretanto houve várias peregrinações a Jerusalém, de caráter espontâneo, desde o apelo de Urbano II. Mas existiram incontáveis cruzadas de caráter popular. A Primeira Cruzada oficial, a Cruzada dos Nobres, partiu em 1096. Godofredo de Bulhão foi o principal líder dos cavaleiros, que tomaram Jerusalém três anos depois. Eram 150 mil homens de todas as origens. Foi a única cruzada realmente vitoriosa, atingindo o seu objetivo. Com a libertação da Terra Santa, se erigiu um reino que ficou o o protetorado de Godofredo. Esse reino foi dividido, posteriormente, entre os principais cavaleiros. Foram fundadas ordens de monges-cavaleiros para proteger o Santo Sepulcro. Em 1113, surgiram os Hospitalários, que era uma ordem religiosa-militar cujo objetivo era cuidar dos enfermos que peregrinavam aos locais santos; cinco anos depois, surgiram os Templários, que também era uma ordem religiosa-militar, cujo principal objetivo era proteger os templos nos locais santos, especialmente me Jerusalém. A cidade de Damasco, um dos terminais da rota da seda, foi tomada. A criação do Reino de Jerusalém ampliou os conflitos entre os muçulmanos e os cristãos. As relações entre os cruzados e o imperador bizantino eram péssimas. Os ortodoxos reivindicavam todos os territórios turcos ocupados pelos cruzados, e estes reclamavam da falta de apoio material por parte do Ocidente. A reconquista muçulmana de Edessa e sua pressão sobre Jerusalém provocaram a Segunda Cruzada (1147-1149), que não teve o mesmo êxito da primeira, pois nem sequer chegou a seu destino. Com isso, os turcos, sob o comando do sultão Saladino, retomaram a cidade. Sua queda amea-

çava toda a presença cristã na Ásia Menor. A igreja Católica organizou a Terceira Cruzada (1189-1192), chefiada por Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, Felipe Augusto, da França e Frederico Barba Ruiva, do Sacro Império. Ficou conhecida como a Cruzada dos Reis. Após algumas vitórias no litoral da Ásia, a cruzada se desfez. Barba Ruiva morreu afogado, felipe voltou para a França e Ricardo foi feito prisioneiro pelos muçulmanos. Resgatado, conseguiu um acordo que permitia que os cristãos peregrinassem em Jerusalém. A Quarta Cruzada, a “Cruzada Comercial” (12021204), foi organizada pelo Papa Inocêncio III. Beneficiou os comerciantes de Veneza, que se utilizaram da cruzada para assaltar e pilhar. Em vez de atacar os muçulmanos no Egito, os cruzados agiram contra os cristãos ortodoxos e fundaram o Império Latino de Constantinopla. A Quinta Cruzada, comandada por André III, rei da Hungria, desembarcou no Egito em 1217, mas fracassou devido às inundações do Rio Nilo, que afetaram a capacidade de luta dos cruzados. A Sexta Cruzada (1228-1229) foi comandanda por Frederico II, do Sacro Império. Ele celebrou um acordo com os turcos, obtendo a posse de Jerusalém por dez anos. Anos depois, os muçulmanos romperam o acordo e ocuparam Jerusalém. Entre 1250 e 1270 foram organizadas a Sétima e Oitava Cruzadas, ambas comandadas por Luís XI, rie da França. Na sétima, o exército cruzado foi atingido pelo tifo no Egito e, enfraquecido, foi dizimado pelos turcos. O rei Luís XI, tornado prisioneiro foi resgatado mediante o pagamento de uma elevada soma. Na última, o rei morreu vitimado pela peste, assim que desembarcou em Túnis, no norte da África. A Cruzada acabaou sendo suspensa. Posteriormente, o rei francês foi cananonizado, como São Luís.

CONSQÜÊNCIAS DA CRUZADAS Depois do contato com o luxo e o esplendor do Islão e de Bizâncio, os aristocratas europeus passaram a consumir artigos vindos do Oriente. As influências orientais predominavam e eram sentidas, por exemplo, na decoração da Basílica de São Marcos, em Veneza, com mosaicos em estilo bizantino, e na ampliação do Palácio Ducal. A arte românica se inspirava no estilo de Bizâncio. Em decorrência disso, o comércio passou por um verdadeiro renascimento, um dos motivos do revigoramento dos centros urbanos.

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de seu negócio (assaltos, acidentes e naufrágios), os comerciantes viajavam sempre em grupos armados e usavam letras de câmbio no lugar de moedas de ouro e prata. Todas as transações eram registradas, hábito que deu origem à moderna contabilidade. Para custear o comércio mais caro, como o de longa distância, grupos de mercadores organizaram-se em Companhias Comerciais.

O Renascimento Comercial Até o século X, o comércio e o uso de moedas estavam praticamente limitados à pequena camada da aristocracia feudal, que comprava artigos de luxo (seda, veludo, jóias e armas, por exemplo) vindos do Oriente. Esses produtos valiosos eram adquiridos em Constantinopla, Antioquia e Alexandria pelos mercadores de Veneza, que os revendiam aos nobres europeus. Mas a maior parte da população européia, constituída de camponeses, nada compravam: produzia seus próprios alimentos e vestuário e, se necessário, trocava mercadorias entre si. A partir do século XI, o comércio tomou um impulso vigoroso, estimulado pelo aumento da população, da produção agrícola e das atividades artesanais urbanas. As Cruzadas também deram um forte incentivo a esse crescimento: os europeus entraram em contato com os refinados produtos orientais, a navegação pelo mar Mediterrâneo deixou de ser exclusiva dos muçulmanos e os mercadores venezianos fortaleceram suas relações comerciais com o Oriente. Surgiram outras cidades comerciais, como as italianas Gênova e Pisa e as alemãs Bremem e Lübeck. Mercadores do norte e do sul da Europa atravessaram o continente para negociar seus produtos nas feiras. Durante algumas semanas, uma enorme variedade de mercadores vindas de terras distantes atraía compradores de diferentes regiões. As mais famosas feiras aconteciam na região de Champagne, na França atual. Para se protegerem dos riscos

Com o comércio os banqueiros, negociantes que trabalhavam nas feiras trocando a muitas variedades de moedas e estabelecendo seu valor conforme seu peso em ouro ou prata. Passaram, depois, a fazerem empréstimos e financiamentos e a emitir letras de câmbio e de seguro – operações em que cobravam juros. A Igreja, baseada e preceitos bíblicos, proibia a usura, admitindo apenas a cobrança do chamado “justo preço”. Com o tempo, ela foi mudando de posição e aceitando a cobrança de juros moderados. A sociedade feudal estava se transformando profundamente. O desenvolvimento do comércio resultou na maior importância do uso do dinheiro. Os ricos nobres eram ávidos consumidores dos bens produzidos pelos artesãos de toda a Europa ou das mercadorias trazidas do Oriente. Para comprá-los, precisavam de moedas. Daí, começarem a cobrar tributos feudais em dinheiro e não mais em produtos ou arrendar (alugar) as terras. Os camponeses, com o que sobrava da produção agrícola vendia o seu excedente nos mercados e feiras e com este dinheiro arrecadado pagavam os tributos aos senhores feudais. Entretanto, não podemos afirmar que a partir do século XI a soeiedade feudal se transformou em uma sociedade capitalista. Durante muito tempo o feudalismo arina seria predominante. O que podemos dizer é que as relações capitalistas estavam nascendo e se desenvolvendo em alguns lugares. Esse embrião foi crescendo como um verdadeiro câncer dentro do feudalismo. Com o passar dos séculos, o capitalismo suplantou o feudalismo. Na maioria esmagadora dos países europeus, o capitalismo só seria vitorioso no século XIX.

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havia dobrado de tamanho. Como alimentar todas aquelas pessoas? Nós já vimos a importância das descobertas tecnológicas (rotação de culturas, moinho de vento, arado com barra de ferro etc.) para aumentar o rendimento da agricultura. Mas houve outro grande fator que levou a Europa a produzir mais alimentos: o desbravamento de novas terras. Com muito esforço, os europeus tinham obtido mais terras para cultivar depois que cortaram florestas inteiras e tiraram a água de imensos pântanos.

A crise do século XIV e o surgimento de uma nova ordem social A PESTE NEGRA Os navios que singravam o Mediterrâneo levavam mercadorias do Oriente para a Europa. Só que, junto com essas mercadorias, iam passageiros clandestinos grandes, peludos e desagradáveis: as ratazanas. Naquela época, os burgos tinham casas que se amontoavam umas sobre as outras. Não existia sistema de esgoto. Os excrementos humanos e o lixo eram jogados nos rios ou simplesmente nas ruas, pela janela. Podia não ser muito higiênico para os humanos, mas era ótimo para os ratos se multiplicarem. Você sabe que os ratos podem transmitir doenças graves. E foi exatamente o que aconteceu. Os ratos saíram dos navios e levaram uma terrível doença do Oriente, a peste negra - doença horrorosa que não tinha nenhuma cura conhecida. Na verdade, as pessoas sequer sabiam que ela era transmitida pelas pulgas que viviam no pêlo dos ratos. A peste negra fez um estrago terrível. No século XIV, matou mais de um terço de toda a população da Europa. Para cada mil habitantes de uma cidade, quase 400 morreram por causa da peste. Não houve família que não chorasse por um parente morto! Foi uma verdadeira catástrofe demográfica.

A CRISE DO SÉCULO XIV A peste negra apavorou a Europa e abalou a economia. Cidades ricas foram abandonadas por pessoas desesperadas à procura de um lugar com ar puro e sem pessoas infectadas. Os servos morriam e as plantações ficavam largadas. Por causa disso, os senhores feudais começaram a receber menos tributos e suas rendas decaíram. Analisando essa situação, você pode concluir que a peste negra foi uma das causas mais importantes da grande crise econômica européia do século XIV. Na verdade, do século X ao XIV a população européia

O problema era que no século XIV já não havia mais terras disponíveis. Nas condições da época, não existia mais nada para desmatar ou drenar. Para piorar, a peste negra fez aquele estrago. Os reis e os nobres, percebendo que suas rendas diminuíam, resolveram cobrar mais impostos e taxas feudais dos servos. Como sempre, foram os pobres que mais sofreram. Tinham de enfrentar a doença, a fome e a morte. E agora deveriam pagar mais tributos ainda aos nobres. Muitos pobres e famintos não suportaram o aumento da opressão feudal e se revoltaram. Em várias regiões da Europa os camponeses se uniram para invadir os castelos e tomar tudo o que podiam. Os nobres responderam com brutalidade, massacrando milhares de pessoas.

A RECUPERAÇÃO DO SÉCULO XV No século XV, as coisas melhoraram. O número de mortos pela peste foi diminuindo e a população voltou a crescer. A produção agrícola, o artesanato e o comércio revigoraram. Os feudos continuavam existindo e o grosso da população ainda vivia no campo, mas as cidades se destacavam pelo tamanho, pela riqueza, pelo número de pessoas influentes que nelas habitavam. A economia tornou-se cada vez mais complexa. Nenhum feudo e nenhuma cidade eram capazes de produzir tudo aquilo de que precisavam. Para satisfazer suas necessidades, do estômago ou da fantasia, as pessoas tinham de ir às compras. Podiam ser artigos simples, como comida e roupas, ou sofisticados, como móveis elegantes, roupas de luxo, produtos do Oriente, vinhos finos. O mundo da mercadoria estava se infiltrando em todas as sociedades européias. Aonde ia a mercadoria, ia o dinheiro. E quanto mais desenvolvido é o mundo das mercadorias, mais poderoso é o mundo do dinheiro. E quanto mais poder tem o dinheiro, mais frágeis são os homens... Comércio, dinheiro, cidades, capital, lucros, burguesia. Estava nascendo uma nova maneira de produzir, uma nova maneira de organizar a produção de riquezas da sociedade, um novo modo de trabalhar. Surgia uma nova civilização. A Europa era bem-vinda ao mundo da burguesia e do capitalismo.

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◘ com tanta coisa mudando na vida dos europeus, a mentalidade deles começou a se alterar. Eles passaram a enxergar o mundo de um jeito um pouco diferente do medieval. A maneira de raciocinar, de pensar o que era o Universo, a natureza, a importância do homem, tudo isso mudava. Esse despertar de uma nova mentalidade recebeu o :1ome de Renascimento, que também se refere ao desenvolvimento espetacular das artes, da Filosofia e da Ciências naquela época.

A Idade Moderna O feudalismo começou a se formar depois da queda de Roma, no século V e começou a entrar em decadência a partir do século XIV. Agora, uma coisa muito especial: o feudalismo não acabou com o final da Idade Média. O feudalismo continuou existindo durante toda a Idade Moderna. Na Idade Moderna, a maioria dos europeus ainda morava no campo e tinha de pagar tributos feudais. A nobreza era a classe social dominante e a riqueza que mais dava prestígio era a propriedade de terras. Portanto, muita coisa da Idade Média continuava existindo. Por que então falamos numa Idade Moderna? O motivo é que, ao mesmo tempo em que muita coisa medieval e feudal permanecia, brotavam as sementes de uma nova era. Os séculos XV e XVI apresentaram muitas novidades. Novidades tão importantes que fizeram os historiadores atuais marcarem aí uma nova etapa, a Idade Moderna. As principais novidades são: ◘ as cidades, o dinheiro e o comércio já tinham muito destaque; ◘ a nobreza ainda era a classe dominante, mas a burguesia enriquecia cada vez mais. Alguns banqueiros e grandes comerciantes podiam ser tão ricos e poderosos quanto os nobres. De certa forma, existia um equilíbrio entre as duas classes. ◘ muitas novidades tecnológicas: as armas de fogo (canhões), a invenção da imprensa e navios capazes de cruzar os oceanos (as caravelas e carracas). ◘ os reis foram acumulando poder até que conquistaram o direito de mandar sobre toda a nação. Nascia o Estado nacional. Esse rei não podia ser contestado, seu poder era quase sem limites, absoluto. Completamente acima das leis. Essa forma de governar seria chamada de monarquia absolutista. ◘ o Estado absolutista controlava a economia, impondo uma porção de regras. O conjunto dessas regras foi chamado de mercantillsmo. ◘ na mesma época, os portugueses descobriram um jeito de contornar a África e alcançar a Índia por mar. O italiano Cristóvão Colombo, navegando a serviço dos espanhóis, descobriu a América (1492). Pouco depois, Pedro Álvares Cabral chegava ao Brasil (1500). Em pouco tempo, a Europa descobria novos mundos, novas civilizações. Era o tempo das Grandes Navegações.

◘ a própria Igreja Católica foi contestada. o século XVI, apareceram igrejas cristãs que não obedeciam ao Papa, cujo surgimento caracterizou a Reforma Protestante. Não era uma porção de coisas novas? Puxa, imagine a excitação das pessoas que viviam aquela época tão cheia de novidades e de surpresas. Parecia que um novo ser humano, uma nova civilização estava nascendo! Portanto, é bastante justo que os historiadores digam que, a partir daquelas novidades todas, começava uma nova etapa da história européia: a Idade Moderna.

ATÉ QUANDO O DUROU O FEUDALISMO? Se você fizer uma análise, vai concluir uma coisa interessante: a burguesia não nasceu depois que o feudalismo acabou; ela nasceu no interior da sociedade feudal. Ou seja, o feudalismo gerou seu próprio carrasco: o capitalismo. Na Idade Moderna, vamos assistir ao declínio do feudalismo. Enquanto a burguesia acumulava capital, ou seja, enriquecia sem parar, muitos nobres não puderam se adaptar aos novos tempo e acabaram arruinados. É por isso que alguns historiadores chamam esse período de transição do feudalismo para o capitalismo. Agora, poderíamos perguntar: como é que o feudalismo foi superado pelo capitalismo? De um modo lento, bem gradual, ou de um jeito brusco, de uma hora para outra? Por incrível que pareça, o feudalismo agonizou por muito tempo até que, de repente, foi destruído por uma revolução. Os historiadores dizem que as mudanças sociais têm ritmos diferentes. Existem transformações que são lentas e graduais, sem provocar nenhum abalo imediato na sociedade. Uma espécie de mudança em conta-gotas. Mas existem episódios especiais em que a História vira de cabeça para baixo. São os momentos em que acontecem mudanças bruscas, profundas e rápidas. Esse tipo de mudança é chamado de revolução. As mudanças na História podem ser lentas ou rápidas. No caso do feudalismo podemos perceber que aconteceram os dois tipos de revoluções: tanto as mudanças lentas, quanto as rápidas. A Revolução Francesa (1789), por exemplo, destruiu rapidamente o que sobrou do feudalismo e do Antigo Regime naquele país, e instalando uma sociedade baseada nos princípios que a burguesia capitalista tinha construído com o Iluminismo, no século XVIII. Aconteceram outras revoluções burguesas na História. Na Inglaterra, por exemplo, em 1689, ou seja, quase 100 anos antes da Revolução Francesa, a burguesia inglesa 15


submetia a nobreza feudal aos seus interesses capitalistas. Entretanto, na maioria dos países europeus, o capitalismo e a burguesia triunfaram somente no século XIX. No Brasil e na América Latina, a vitória completa do capitalismo só ocorreu mesmo em fins do século XIX e início do XX. Mas é interessante destacar que no Brasil e no resto do continente americano, não existiu feudalismo. O Feudalismo foi um fenômeno exclusivamente europeu.

A FORMAÇÃO DE PORTUGAL Grande parte da Península Ibérica estava, desde o século VIII, dominada pelos muçulmanos. Restavam aos cristãos somente as terras montanhosas do norte, onde se formaram os reinos de Leão, Castela, Navarra e Aragão. Seus monarcas tentaram recuperar o território perdido, mas pouco conseguiram. Foi somente a partir do século XI que as campanhas militares contra os mouros começaram a ter sucesso. Os cristãos ibéricos chamaram essas lutas de Reconquista. A vitória foi conquistada passo a passo, durante quatro séculos (do XI ao XV). Ao longo das lutas da Reconquista foram se desenhando os territórios de Portugal e da Espanha. (o povo das aldeias sofreu duplamente com a Guerra da Reconquista, pois foi atacado e roubado tanto por cristãos quanto por muçulmanos) Afonso VI (1042-1109), rei de Leão e Castela, foi um dos maiores soberanos da Reconquista. Dispondo de grande força e prestígio na Europa, conseguiu auxílio militar de nobres franceses. Em troca pelos serviços prestados, o rei concedeu-Ihes parte das terras tomadas dos muçulmanos. Uma dessas doações foi o Condado Portucalense.

Em 1139, o nobre Afonso Henriques, senhor do Condado, desafiou os costumes feudais: revoltou-se contra seu suserano (o rei de Leão e Castela), declarando-se rei. (Por precaução, Afonso Henriques buscou a proteção do Papa, a quem prestou homenagem. Somente em 1179, Portugal foi reconhecido como monarquia independente, mediante um presente de mil moedas de ouro ofertadas por D. Afonso Henriques ao Papa) Afonso Henriques continuou a luta contra os muçulmanos, estendendo o território português para as áreas conquistadas. Ajudado pelos cavaleiros da Segunda Cruzada (1147-1149), que passavam pelo litoral português a caminho de Jerusalém, D. Afonso Henriques conseguiu expulsar os muçulmanos de Lisboa (1147). Conquistada, Lisboa tornou-se a capital de Portugal. Para consolidar seu domínio, o rei tratou de incentivar o povoamento das terras: atraiu moradores e colonos com privilégios especiais, distribuiu castelos a nobres e terras a ordens religiosas. De todos exigiu em troca a defesa de suas aldeias e cidades, lealdade e pagamento de tributos. Ameaçado por dois inimigos poderosos, os muçulmanos pelo sul e o reino de Leão e Castela pelo leste, o rei português centralizou todos os poderes em suas mãos. Controlou os nobres e aproximou-se dos burgueses, dando alguns direitos às cidades e protegendo o comércio. Em meados do século XIII, Portugal estava completamente formado: a conquista do território terminara e o país era governado por um rei forte. Nenhum outro monarca europeu, naquela época, experimentava uma situação igual. (A Espanha só surgiu como nação unificada no século XV, depois de vencer o último reduto árabe muçulmano em Granada, em 1492).

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O Revigoramento cultural europeu A transição do feudalismo ao capitalismo não deve ser analisada apenas sob a perspectiva das transformações econômicas e políticas. É importante considerar que a crise do século XIV manifestou-se, também, nos planos intelectual e cultural. Assim, os movimentos renascentista e reformista representam importantes respostas a uma tentativa de compreender o homem e, em última instância, o próprio universo à época da crise geral do feudalismo europeu. O Renascimento é uma verdadeira revolução cultural que corresponde à transição da época medieval ao mundo moderno. Assim, podemos dizer que o Renascimento expressa idéias, a visão de mundo da nova sociedade emergente com a crise do feudalismo e o desenvolvimento da economia mercantil. Podemos perceber uma mudança radical na civilização européia em todos os níveis. No nível econômico, o comércio e a indústria tiveram grande expansão, e o capitalismo substituiu em grande parte as formas medievais de organização econômica. No nível político, o governo central tornou-se mais forte devido à crise do feudalismo. No nível religioso, a unidade do mundo cristão fragmentou-se com a ascensão do protestantismo. No nível social, as pessoas bem sucedidas tanto na cidade como no campo estavam se tornando mais numerosas e mais fortes, e preparando-se para a liderança política e cultural. No nível cultural, o clero perdeu o monopólio do ensino, e a orientação sobrenatural da Idade Média deu lugar a uma perspectiva secular na literatura e nas artes. A teologia, a rainha do conhecimento na Idade Média, cedeu sua coroa à ciência. A razão, que na Idade média estivera subordinada à revelação, reivindicou sua independência. Muitas destas tendências manifestaram-se acentuadamente durante o Renascimento. Esse termo que, como é obvio, significa “novo nascimento” e refere-se à tentativa de artistas e filósofos para recuperar e aplicar os antigos ensinamentos e modelos da Grécia e da Roma Antiga. O Renascimento é ao mesmo tempo um movimento e um período culturais. Como movimento, teve origem nas cidades-estados do norte da Itália e difundiu-se pelo resto da Europa. Como período, abrange desde o século XIV na Itália até o século XVI, quando alcançou a Europa Ocidental. A denominação Renascimento é decorrência da preocupação dos homens que viveram esse momento histórico em se inspirarem nos valores e ideais da Antigüidade Clássica (greco-romana), por oposição aos valores medievais que

desprezavam - Idade das Trevas. Em vários aspectos, contudo, esse movimento cultural representa mais uma continuação do que uma ruptura em relação ao mundo da Baixa Idade Média, em que teve sua origem, atingindo a máxima plenitude nos séculos XV e XVI. Certamente o Renascimento não foi um rompimento completo e súbito com a Idade Média. Muitos costumes e atitudes medievais persistiram no Renascimento. Entretanto a tese do Historiador do século XIX, Jacob Burckhardt de que o Renascimento é o berço dos tempos modernos não deixa de ter os seus fundamentos.

A ITÁLIA COMO BERÇO DO RENASCIMENTO A Itália foi o Berço do Renascimento, não por acaso, mas porque foi lá que o capitalismo encontrou as suas primeiras formas. O capitalismo enquanto forma de contestação à economia medieval deveria demonstrar toda uma originalidade que o diferenciasse da sociedade feudal - nova mentalidade. A existência de uma economia dinâmica, mercantil, geradora de excedentes que pudessem ser investidos na produção cultural, foi a condição fundamental do Renascimento. De fato, esse notável movimento cultural não poderia acontecer numa economia que mal produzia para suas próprias necessidades. Junto com o desenvolvimento mercantil, nasceu uma nova classe social: a burguesia. Originaria dos baixos estratos marginalizados da sociedade medieval, firmou-se como classe social através do prestígio adquirido com sua riqueza. No seu processo de afirmação social, procurou integrar os quadros da aristocracia de sangue. Nesses termos seria indispensável moldar uma nova imagem da sociedade na qual ela ocuparia uma posição central. Por isso tornavam-se mecenas. Investiam em palácios, catedrais e capelas, erigiam estátuas gigantescas em homenagem a seus heróis. Os novos mecenas, protetores das artes, eram burgueses, príncipes e monarcas, cuja finalidade principal era a difusão dos novos hábitos e valores. Procuravam transmitir uma visão racional, dinâmica, progressista, otimista e opulenta do mundo e da sociedade, que correspondia aos valores da burguesia, à sua ideologia. Na busca de projeção social a burguesia italiana tinha de aproximar seu estilo de vida do comportamento da nobreza (permanência - longa duração). O máximo de ascensão social seria atingir a condição de elite governante, em substituição à antiga aristocracia feudal que governava as cidades-estados italianas. Devemos recordar que o processo de unificação da Itália se dera em escala local, criando diversas cidades-estados, que eram governados pelas elites locais que controlavam o comércio. Entre as diversas elites locais e entre as diversas cidades-estados os conflitos eram uma constante que levaram a estas cidades estados a nomearem um chefe de polícia - Podesta - encarregado de contratar mercenários para as lutas, que eram conseguidos junto aos condottieri. Muitas vezes, essa extrema preocupação com a segurança levava instalação de verdadeiras ditaduras do Podesta e do condottieri. Um exemplo clássico dessa ditadura é o gover17


no dos Médicis, em Florença. Principais características do Renascimento Cultural e artístico. •Humanismo: valorização do ser humano X Espiritualismo (valorização do espírito) •Racionalismo: valorização da razão e da ciência X Verdade revelada pela Fé. •Naturalismo: preocupação com uma aproximação maior do homem à natureza X Espiritualismo (aproximação do céu) •Classicismo: aproximação dos valores artísticos da Antigüidade clássica. •Antropocentrismo: pelo fato de que o homem é a obra prima de Deus, o mesmo deveria ser considerado o centro do universo.

•Heliocentrismo: o sol é o centro do universo. •Mecenato: agentes financiadores da cultura. •Espírito Crítico: favoreceu o desenvolvimento da ciência - experimentação. •Perspectiva: o artista estava preocupado em colocar “movimento” na pintura/escultura, em contraposição com a imagem amorfa e parada do medievo. Dentro dos mais diversos cientistas e artistas que se destacam no movimento do Renascimento, temos Leonardo da Vinci como o principal expoente deste movimento. Da Vinci desenvolveu pesquisas em numerosos campos da ciência e projetou diversas invenções que só foram concretizadas no mundo contemporâneo (avião, submarino...) - medicina, mecânica, escultura, pintura, matemática, física, astrofísica, geologia, botânica, zoologia, dissecação de cadáveres etc.

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dinheiro, os empréstimos a juros, a busca do lucro eram associados ao pecado e colocados sob suspeita. A Igreja estava identificada com a ordem feudal, na qual a forma de riqueza preponderante e quase absoluta era a terra. A sociedade capitalista que nascia, promovendo o surgimento e a ascensão da burguesia, tinha na Igreja católica um obstáculo ao seu desenvolvimento. A Reforma significou, nesse aspecto, a elaboração de doutrinas religiosas que, sem deixarem de ser cristãs, estavam mais adequadas às atividades e aos interesses burgueses.

A Reforma Protestante. Podemos definir a Reforma como o movimento que rompeu a unidade religiosa na Europa Ocidental, dividindo os cristãos europeus em católicos e protestantes. Com isso a Igreja católica perdeu o monopólio que tinha sobre a religião cristã na Europa, pois os movimentos reformistas deram origem a novas organizações religiosas, novas Igrejas denominadas genericamente de protestantes. Uma das mais importantes causas da Reforma foi o humanismo evangélico, crítico da Igreja da época. A Igreja havia se afastado muito de suas doutrinas originais e de seus princípios, como a pobreza, a retidão e a simplicidade. No século XVI, o catolicismo era uma religião de pompa, luxo e ociosidade. Surgiram críticas em livros como Elogio da Loucura (1509), de Erasmo de Roterdã, que se transformaram na base para que Martinho Lutero, um monge agostiniano alemão, rompesse com a Igreja católica e fundasse uma nova organização religiosa, a Igreja luterana. Moralmente, a Igreja estava em decadência: aparentava preocupar-se mais com as questões políticas e econômicas do que com as questões religiosas. Para aumentar suas riquezas, recorria a vários expedientes, como, por exemplo, a venda de cargos eclesiásticos, de relíquias e, principalmente, das indulgências: a Igreja garantia a comutação parcial ou total das penas devidas pelos pecados, em troca de uma soma em dinheiro. A venda de indulgências na Alemanha foi a causa imediata da crítica de Lutero e de seu rompimento com a Igreja católica. Outro fator importante para o início e a expansão da Reforma foi de ordem política. O processo de afirmação das monarquias nacionais alimentou o sentimento de nacionalidade dos habitantes de uma mesma região, que falavam a mesma língua e se identificavam com seu governante. A autoridade do rei, em cada país que se constituía, passou a entrar em conflito com o poder tradicional da Igreja. Esse conflito se manifestava na arrecadação de taxas e impostos, na administração da justiça, na nomeação das autoridades religiosas, particularmente dos bispos. Tudo isso motivou o declínio da autoridade Papal, pois o rei e a nação passaram a ter mais importância que o universalismo da comunidade cristã. A ascensão da burguesia foi um fator também importante. Além do papel decisivo que essa classe representou na formação das monarquias nacionais e no pensamento humanista, foi fundamental na Reforma religiosa. Na doutrina católica tradicional, o comércio, a acumulação de

Os historiadores enfatizam a incompatibilidade da doutrina católica com a nova realidade gerada pelo comércio, a vida urbana, a ascensão da burguesia. A Reforma protestante, principalmente a calvinista, representou maior compatibilização entre a religião cristã e a sociedade capitalista que estava nascendo.

A REFORMA COMEÇOU NA ALEMANHA No século XVI, a Alemanha não era um Estado politicamente centralizado. A ausência de um poder central efetivo, apesar da existência de um imperador, fazia com que os nobres fossem muito poderosos e autônomos. Cada príncipe ou senhor local conservou os seus poderes de origem feudal, como de cunhar moedas, fazer justiça e recolher taxas e obrigações servis. Além disso, os nobres alemães conservavam uma prática típica do espírito guerreiro medieval, altamente prejudicial ao comércio: o saque. Mercadores em trânsito e camponeses eram constantemente expropriados. A burguesia da região, comparada à de outros países da Europa, era débil. Os comerciantes e banqueiros mais poderosos estavam estabelecidos no sul, às margens do Reno e do Danúbio, por onde passavam as principais rotas comerciais, onde se produzia e se exportava vidro e papel. Era uma região também importante do ponto de vista financeiro, com grandes financistas que emprestavam dinheiro a juros, dinamizando as atividades econômicas.

Quem se opunha à Igreja na Alemanha? A Igreja católica alemã era muito rica. Seus maiores domínios se localizavam às margens do Reno, chamado de “caminho do clero”. Esses territórios alemães proporcionavam grandes rendimentos à Igreja. Ela era uma verdadeira senhora feudal, se apropriando de grande parte da riqueza produzida pelos camponeses. Assim, o clero, principalmente os que ocupavam altos postos na hierarquia da Igreja, eram identificados com a nobreza espoliadora e opressora. A burguesia, como vimos, também era oprimida pela Igreja, na medida em que esta pregava uma doutrina que colocava as atividades dessa nova classe social sob suspeita constante de pecado. Os senhores feudais alemães, principalmente a nobreza decadente, em uma economia mercantil em desenvolvimento, tinham dificuldades em manter o estilo requintado de vida ao qual estavam acostumados. A disputa pela terra e pela renda dos camponeses se tornou acirrada. Os camponeses eram cada vez mais oprimidos: pela Igreja, pela 19


nobreza e até pelos burgueses que emprestavam dinheiro a juros. As imensas e rendosas terras da Igreja naturalmente despertavam a cobiça dos nobres e o sonho de uma vida melhor para os camponeses. Assim, às vésperas da Reforma, a luta de classes assumia um caráter de disputa religiosa.

LUTERO E A REFORMA Martinho Lutero era um monge agostiniano, de origem pequeno-burguesa, da região da Saxônia. Um homem pessoalmente angustiado e com tendências ao misticismo. Seu rompimento com a Igreja católica deu-se em razão da venda de indulgências. Para concluir a construção da basílica de São Pedro, o Papa Leão X determinou a venda de indulgências para toda a cristandade, encarregando o dominicano Tetzel de comerciá-las na Alemanha. Lutero protestou violentamente contra tal comércio, dando origem a uma acirrada disputa teológica em torno da questão. Essa disputa chegou a um impasse, pois Lutero mostrou suas divergências com a Igreja em vários outros pontos, sendo ameaçado de excomunhão. O momento crucial dessa divergência ocorreu em 1517, quando o monge rebelde afixou na porta da catedral de Wittenberg, onde era mestre e pregador, 95 Teses, nas quais condenava não só a prática vergonhosa da venda de indulgências, mas importantes pontos da própria doutrina da Igreja. O Papa Leão X exigiu uma retratação, sempre recusada. Lutero foi, então, excomungado. O monge reagiu imediatamente, queimando em público a bula Papal de excomunhão. Frederico, príncipe da Saxônia e protetor de Lutero, recolheu-o em seu castelo, onde o pensador religioso desenvolveu sua doutrina religiosa, em oposição à católica. O cristianismo é uma religião de salvação. Visa salvar o homem do pecado e da morte, reconduzindo-o de volta ao paraíso, para o lado do seu Criador. Afirma que a humanidade, pelo pecado original, sofreu uma queda e que a Igreja aponta o caminho de retomo à casa do Pai. Por essa razão, a doutrina da salvação é um dos fundamentos da fé cristã. Para Lutero a fé é o fundamento da salvação. Incapazes de seguir os mandamentos de Deus, os homens não conseguiriam se salvar pelas boas ações, como afirmava a doutrina católica. Se todos têm a marca do pecado, os que serão salvos são aqueles que, com remorso e fé, acreditarem na misericórdia divina, na divindade de Cristo, em Sua ressurreição e em Seu retomo. Como os homens não têm força para vencer o pecado, não conseguem fazer o bem que querem, mas fazem o mal que não querem; só lhes resta a fé e o arrependimento como caminho para a salvação. Sem a fé, pregava Lutero, de nada valem as obras de piedade, os preceitos e as regras. O homem está só diante de Deus, sem intermediários. Deus estende ao homem sua graça e salvação; o homem dirige para Deus sua fé. Dessa forma, a Igreja católica não teria capacidade de salvar ninguém. O Papa seria um impostor e os sacerdotes,

inúteis. A verdade não estaria com o Papa, mas na palavra de Deus, nas Sagradas Escrituras, as quais o fiel poderia examinar e interpretar de acordo com a sua consciência (doutrina do livre exame). Assim, Lutero estendia a todos os homens o acesso à Bíblia. Inspirado nesse princípio, traduziu a Bíblia do latim para o alemão.

As rebeliões religiosas na Alemanha Os nobres alemães viram nas propostas de Lutero uma oportunidade para se apoderar dos ricos domínios da Igreja católica na Alemanha. Assim, o grão-mestre da Ordem Teutônica, uma ordem religiosa de origem medieval, converteu-se ao luteranismo e secularizou (confiscou) os bens da ordem, Muitos nobres também se converteram, como os senhores do Saxe, de Brandemburgo e de Hesse. Em 1522, parte da nobreza decadente atacou vários principados eclesiásticos - Rebelião dos Cavaleiros - para se apossar das terras. Os nobres que permaneceram fiéis ao catolicismo reagiram, esmagando a denominada rebelião. Aproveitando a derrota dos cavaleiros, os camponeses da Alemanha central e meridional iniciaram outra rebelião, em 1524. Lutavam pelo fim da servidão e pela igualdade de condições entre os camponeses, o clero e a nobreza. Nessas lutas destacou-se Thomas Münzer, que, influenciado pelas doutrinas de Lutero, clamava pelo extermínio dos sacerdotes e da nobreza fundiária, que ele acusava de agir contra os ensinamentos do Evangelho e de serem exploradores dos pobres. Lutero, entretanto, repudiou esse levante, recomendando aos nobres que derrotassem os camponeses, exterminando-os como “cães raivosos”. A nobreza alemã organizou um grande exército, composto por nobres católicos e luteranos, burgueses e padres e, em maio de 1525, matou mais de 100 mil camponeses, inclusive Thomas Münzer. Como observou Engels em um texto clássico, a luta de classes assumiu a forma de disputa religiosa. Os elementos mais conservadores da sociedade alemã saíram fortalecidos dessa repressão aos camponeses, o que ajudou a manter o relativo atraso na centralização política da região, que permaneceu fragmentada em principados e ducados até o século XIX.

A DIFUSÃO DA REFORMA: AS GUERRAS RELIGIOSAS A rápida difusão dos ensinamentos de Lutero pela Alemanha acirrou a disputa entre os nobres e príncipes, por um lado, e o Império dos Habsburgos, por outro. Os primeiros lutavam para manter os seus poderes locais contra as tentativas do imperador de fortalecer o seu poder e criar de fato uma monarquia centralizada, um Estado nacional. O imperador na época, Carlos V, pertencia à família dos Habsburgos, que, apoiados pela Igreja católica, dominavam boa parte das terras alemãs, além da Espanha, dos Países Baixos e de vários territórios da Europa oriental. A nobreza que aderiu à doutrina luterana lutava para tomar os bens da Igreja e para se livrar do domínio dos Habsburgos. Ao lado do imperador, alinhavam-se os nobres mais poderosos e a Igreja católica. A prolongada guerra interna na 20


Alemanha só se encerrou em 1555, com a assinatura da Paz de Augsburgo, que estabelecia que cada príncipe deveria impor sua religião no território sob seu controle direto (Cujus regio, ejus religio). O desfecho da guerra contribuiu para que a Alemanha permanecesse dividida em vários Estados.

A REFORMA NOS ESTADOS ESCANDINAVOS Desde o século XlV, a Suécia e a Noruega atuais estavam submetidas ao reino da Dinamarca. Em 1523, o nobre sueco Gustavo Vasa proclamou a independência de seu país, transformando-se em rei da Suécia. Gustavo converteu-se ao luteranismo e, para obter recursos para administrar o novo país, confiscou os bens da Igreja católica. O rei da Dinamarca, que ainda dominava a Noruega, seguiu o exemplo de Gustavo, tomando as mesmas medidas em 1535. A influência católica praticamente desapareceu desses países. Assim, a Reforma refletia os interesses das monarquias nacionais que se formavam em se livrarem do poder supranacional da Igreja. Os Estados nacionais se constituíam à medida em que conquistavam a soberania política.

A REFORMA DE CALVINO Enquanto a Reforma luterana se difundia pela Alemanha, os franceses tentavam elaborar uma Reforma mais pacífica, orientada pelos humanistas. Mas os setores católicos conservadores, que dominavam a Universidade de Sorbone, impediram o trabalho dos humanistas, preparando terreno para uma Reforma muito mais radical e intransigente, liderada por João Calvino. Calvino, nascido em 1509 de uma família pequeno-burguesa, tinha sido aluno da Universidade de Paris e estudioso de leis. Em 1531, aderiu às idéias reformistas, bastante difundidas nos meios cultos da França. Perseguido por causa de suas idéias, foi obriga-----do a fugir para a cidade de Basiléia, onde publicou, em 1536, A Instituição da Religião Cristã, sistematizando seu pensamento. Nesse mesmo ano mudou-se para a Suíça, estabelecendo-se em Genebra. A Suíça já conhecia o movimento reformista através de Ulrich Zwinglio, sendo um lugar propício para Calvino desenvolver suas idéias. O fator principal para a difusão do calvinismo na Suíça foi a concentração, nessa região, de um número razoável de comerciantes. Como vimos, a burguesia era uma classe propícia a aceitar uma doutrina religiosa diferente da católica. Calvino transformou-se num verdadeiro ditador político, religioso e moral em Genebra. Formou um consistório (espécie de assembléia), composto por pastores e anciãos, que vigiava os costumes e administrava a cidade, inteiramente submetida à lei do Evangelho, segundo a visão calvinista. Eram proibidos o jogo a dinheiro, as danças, o teatro e o luxo. Calvino elaborou uma doutrina cristã adequada à burguesia nascente. De acordo com ela a salvação dependia exclusivamente da vontade divina. Os que serão salvos já estariam previamente escolhidos por Deus (doutrina da predestinação). Não era possível saber com certeza quais

seriam os escolhidos por Deus. Essa certeza seria construída pelo próprio fiel ao longo da sua vida. Ele deveria sentir em seu coração que era um predestinado. Todavia, a escolha divina deixava as suas marcas na vida do individuo. Uma vida honesta, de acordo com os mandamentos divinos, pura, sem luxo, bebidas e demais prazeres mundanos revelaria a predestinação divina. Assim, o calvinista mostrava a si mesmo e a sua comunidade que era um escolhido por Deus. Tanto que na Inglaterra os seguidores de Calvino eram chamados de puritanos. Mas existe uma outra característica do calvinismo que teria profundos efeitos sociais. Era a idéia de vocação. Ser fiel à vocação que Deus deu a cada um de nós seria um sinal da predestinação. Desenvolver o máximo as suas potencialidades é uma maneira de servir a Deus. A preguiça, o desleixo, a falta de empenho em desenvolver o talento e a capacidade de trabalho que Deus nos deu seria uma forma de ofensa, de pecado contra a Sua vontade. Trabalhar honestamente e com empenho é uma forma de servir a Deus. Uma prova de que fazemos parte dos Seus insondáveis planos. O trabalho na doutrina católica tradicional, de raízes medievais, era um mal necessário, quase um castigo. O trabalho identificava os estamentos inferiores da sociedade, abaixo dos que rezam, os membros do clero, e dos que guerreiam, os nobres. O calvinismo, nesse aspecto, representou uma verdadeira revolução, pois dignificou o trabalho. Legitimou também os frutos do trabalho que se acumulavam como riqueza. O indivíduo que ascende socialmente através do trabalho sistemático, dedicado e honesto mostra que foi abençoado por Deus. O sucesso profissional e econômico, desde que obtido de acordo com os mandamentos divínos, é praticamente sacralizado pelo calvinismo. Como observou o famoso pensador Max Weber, o calvinismo criou uma ética religiosa de acordo com o espírito do capitalismo nascente. Uma doutrina que se adequou às necessidades espirituais da burguesia, legitimando a sua conduta na vida cotidiana.

A difusão do calvinismo O calvinismo se difundiu na Inglaterra, na França, nos Países Baixos, na Escócia e, um pouco mais tarde, na América, mais especificamente na Nova Inglaterra. Na França, na Inglaterra e nos Países Baixos sofreu resistências, mas na Escócia foi adotado como religião oficial. Foi John Knox (1505-1572) o introdutor do calvinismo na Escócia, e suas teorias foram rapidamente aceitas por uma nobreza aburguesada, interessada nas propriedades da Igreja católica. Knox conseguiu que a religião católica fosse proibida pelo Parlamento escocês. A Igreja escocesa foi organizada segundo o modelo da Igreja de Genebra e recebeu o nome de Igreja presbiteriana, devido ao papel desempenhado pelos mais velhos (presbysteroi, em grego). Na França, os huguenotes (calvinistas) envolveram-se nas sangrentas guerras de religião que marcaram as lutas políticas do país. Também aí a luta de classes e os conflitos políticos assumiram um caráter religioso. 21


A REFORMA INGLESA: O ANGLICANISMO

A Contra-Reforma, ou Reforma católica, foi um movimento da Igreja contra a crescente onda do protestantismo. Para enfrentar as novas doutrinas, a Igreja católica lançou mão de uma arma muito antiga: a Inquisição. O Tribunal da Inquisição, ou Santo Ofício, foi muito poderoso na Europa nos séculos XIII e XIV o decorrer do século XV, porém, perdeu sua força. Em 1542 esse tribunal foi reativado para julgar e perseguir indivíduos acusados de praticar ou difundir as novas doutrinas protestantes.

Na Inglaterra, a difusão da Reforma foi facilitada pela disputa pessoal entre o soberano, Henrique VIII, e o Papa Clemente VII. Henrique VIII era católico, mas rompeu com o Papa quando este se recusou a dissolver seu casamento com Catarina de Aragão, que não lhe havia dado um filho homem. Ignorando a decisão Papal, Henrique VIII casou-se com Ana Bolena, em 1533, sendo excomungado pelo Papa.

Percebendo que os livros e impressos tinham sido muito importantes para a difusão da ideologia protestante, o Papa do instituiu, em 1564, o Index Librorum Prohibitorum, uma lista de livros elaborada pelo Santo Ofício, cuja leitura era proibida aos fiéis católicos, incluindo aí a Bília, cuja leitura e interpretação permaneciam como uma exclusividade do Clero católico.

O soberano encontrava, assim, uma justificativa para reforçar o seu poder político em detrimento da influência da Igreja católica. Em outras palavras, a Reforma foi um momento importante de afirmação do poder real, processo que conduziu ao absolutismo.

Essas duas medidas detiveram o avanço do protestantismo, principalmente na Itália, na Espanha e em Portugal, onde as Igrejas reformadas não conseguiram se estabelecer.

Na Inglaterra, o calvinismo também esteve vinculado aos setores médios, ligados às novas atividades econômicas, ao pequeno comércio, ao artesanato, à pequena propriedade que produzia para o mercado. A nobreza tradicional, a nobreza aburguesada e a alta burguesia também demonstravam as suas divergências econômicas e políticas no campo religioso.

Com a Reforma os bens da Igreja foram confiscados pelo rei e distribuídos para a nobreza, grande parte dela identificada com os interesses mercantis. As imensas propriedades da Igreja que foram confisca das passam a ser administradas dentro da lógica mercantilista de produzir para o mercado com objetivo de lucro. Dessa forma, as propriedades da nobreza aumentaram, facilitando a nova atividade econômica de produção de lã, que era procurada pelas manufaturas de tecidos. A oficialização do rompimento entre Henrique VIII e o Papado deu-se quando o Parlamento inglês aprovou o Ato de Supremacia, que, em 1534, colocou a religião sob o controle da autoridade real: nascia a Igreja anglicana. Pelo Ato dos Seis Artigos, assinado em 1539, Henrique VIII mantinha todos os dogmas católicos, exceto o da autoridade Papal. Essa dubiedade foi atacada tanto por protestantes como por católicos: os protestantes condenavam a fidelidade aos dogmas católicos, os católicos reprovavam o cisma. Eduardo VI, filho e sucessor de Henrique VIII, impôs ao país a obrigatoriedade do culto calvinista. Maria Tudor, sua sucessora, tentou sem sucesso restaurar o catolicismo. Com a morte de Maria Tudor, subiu ao trono Elizabeth I (1558-1603), que instituiu oficialmente a religião anglicana, através de dois atos famosos: o Bill da Uniformidade, que criava a liturgia anglicana, e o Bill dos 39 Artigos, que fundamentava a fé anglicana.

A RESPOSTA DA IGREJA CATÓLICA: A CONTRA-REFORMA

A situação da Igreja católica, em meados do século XVI, era bastante difícil: ela perdera metade da Alemanha, toda a Inglaterra e os países escandinavos. Estava em recuo na França, nos Países Baixos, na Áustria, na Boêmia e na Hungria.

Para definir com clareza a doutrina da Igreja católica, em resposta à Reforma protestante, e também para realizar uma renovação dos costumes e eliminação dos abusos dentro da própria Igreja, foi organizado o Concílio de Trento. Essa assembléia tomou uma série de medidas que orientaram a Igreja pelos séculos seguintes. O concílio estabeleceu que as crenças católicas tinham dupla origem: as Sagradas Escrituras (Bíblia) e a tradição transmitida pela Igreja; apenas esta estava autorizada a interpretar a Bíblia. Mantinham-se o princípio de que as boas obras valem como meio de salvação, o culto à Virgem Maria, a veneração dos santos e o uso de imagens. Reafirmou-se a infalibilidade do Papa e o dogma da transubstanciação - a presença real de Cristo no pão e no vinho consagrados e não, como afirmava Lutero, o caráter apenas simbólico da Eucaristia. Quanto à reforma interna da Igreja, as principais medidas referiram-se à disciplina do clero: os padres deveriam estudar e formar-se em seminários; não poderiam ser padres antes dos 25 anos, nem bispos antes dos 30 anos. O Concílio de Trento fortaleceu o poder do Papa e facilitou o controle centralizado da atividade da Igreja em todo o mundo. A partir da Contra-Reforma surgiram novas ordens religiosas, como a Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola em 1534. Os jesuítas se organizaram em moldes quase militares e fortaleceram a posição da Igreja dentro dos países europeus que permaneciam católicos. Criaram escolas, onde eram educados os filhos das famílias nobres. Foram confessores e educadores de várias famílias reais. Fundaram colégios e missões para difundir a doutrina católica nas Américas e na Ásia.

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Das Monarquias Nacionais ao absolutismo e ao Mercantilismo. O DESENVOLVIMENTO DO COMÉRCIO E DA VIDA URBANA A formação das monarquias nacionais esteve ligada ao desenvolvimento do comércio e da vida urbana. Isso tornou-se possível com a lenta melhoria na produtividade agrícola, que criou excedentes comercialízáveis e maior possibilidade de arrecadação de impostos. Sem os recursos crescentes dos impostos não seria possível montar a custosa administtração do Estado, com as suas várias instituições e um vasto número de funcionários especializados. tiveram de ser criadas e desenvolvidas as instituições e os sistemas que garantem o poder do Estado Moderno: tribunais, administração pública, manutenção de estradas e sistemas de correios; segurança interna, com polícia, prisões etc., e segurança externa, com exército e marinha; fiscalização, sistema tributário e muitas outras. os recursos necessários para isso eram imensos, possibilitados apenas com o desenvolvimento de uma economia mercantil calcada em maior produtividade econômica no campo e na cidade. Com o desenvolvimento de uma economia mercantil, a burguesia tornava-se uma classe social cada vez mais importante, passando a rivalizar com a nobreza tradicional de origem medieval. O Estado, cada vez mais forte até se tornar absoluto, tentava promover o desenvolvimento comercial e o da economia em geral, de onde vinham seus recursos. Ao mesmo tempo, procurava manter a sociedade hierarquizada, na qual a nobreza e o clero compunham a classe social privilegiada. O poder do rei, vale dizer, do Estado Monárquico, agia no sentido de remover os obstáculos que impediam o desenolvimento comercial: unificava a moeda, criava um sistema único de pesos e medidas, centralizava a justiça e dissolvia as forças particulares dos senhores locais, dados ao saque e à cobrança arbitrária de taxas, direitos de passagem, resgates etc. Neste sentido, o rei agia contra a nobreza, mas mantinha os seus privilégios tradicionais, como insenção de impostos e justiça especial, quando não criava novos, como pensões e prebendas às custas do Estado. Esse processo de formação do Estado centralizado

em detrimento dos poderes locais da nobreza tradicional foi longo e difícil. Para superar a justiça particular dos senhores feudais, os soberanos criaram inicialmente os “tribunais de apelação”, aos quais todo homem livre poderia recorrer após ser condenado por um tribunal feudal. Além disso, foram criados corpos dos juízes intinerantes, que exerciam a justiça real por todo o reino, além das “ordenações reais”, leis válidas para todo o reino. Com isso, lentamente, a justiça real foi suplantando o poder de justiça da nobreza feudal e da própria Igreja (os tribunais eclesiásticos), até ao ponto de colocar o poder judiciário sobre o total controle do Estado absoluto. O mesmo foi ocorrendo com o poder de administrar e de legislar. O apoio do rei às atividades econômicas era feito com uma série de medidas intervencionistas que submetiam a economia a uma rígida regulamentação, configurando uma política econômica denominada “mercantilismo”. Foram criadas, por exemplo, as companhias de comércio, que eram associações de comerciantes a quem o rei atribuía o monopólio legal de determinado ramo do comércio.

A CONSOLIDAÇÃO DO PODER DO ESTADO. Os funcionários reais necessários para o funcionamento do Estado, encarregados de impor a vontade real em todas as regiões do reino, eram recrutados tanto nas camadas urbanas e burguesas como entre o clero e a nobreza. O poder do Estado foi se consolidando porque foi capaz de conciliar interesses muito divergentes e garantir a ordem ameaçada pela revolta das camadas populares diante de uma profunda crise que se abateu sobre a Europa no final da Baixa Idade Média, principalmente no século XIV. O exército real era um importante instrumento para sufocar rebeliões. O rei procurava maior apoio da nobreza - reforçando os laços de fidelidade dos senhores feudais - atraindo para sua corte ou para a chefia dos seus exércitos os elementos mais destacados dessa classe. A nobreza, embora protegida pelo rei, vale dizer pelo Estado Absoluto, perdeu sua autonomia. Cada elemento da nobreza não mais devia fidelidade ao senhor mais próximo, mas diretamente ao rei, tornando-se todos vassalos de um mesmo soberano. Ao mesmo tempo, configuravam-se países com fronteiras definidas, onde os habitantes iam criando uma identidade nacional, que se sobrepunha à identidade local, em que o indivíduo se sente membro da comunidade da sua aldeia ou da sua região. Estava nascendo um sentimento de pertencimento a uma comunidade maior, o país. As pessoas começaram a se autodenominar franceses, ingleses, portugueses etc. Para os dias de hoje, isso é bastante comum, mas para a época era algo muito novo. 23


O ABSOLUTISMO MONÁRQUICO As monarquias nacionais que surgiram na Europa resultantes do processo de centralização política, resultariam na formação de um sistema polítco característico da Idade Moderna: o Absolutismo. Embora com características próprias em cada país, algumas características gerais identificam o Absolutismo. Uma delas é a ausência de divisão de poderes, ou seja, o rei tem o poder de administrar, legislar, julgar e punir. Ele era o supremo legislador, administrador e juiz. Podemos afirmar que a relação entre o Estado e os governados era marcada pelo princípio de fidelidade. Todos devem obediência ao rei e aos seus representantes. Assim, a nação sobre a qual se exercia o poder absoluto do Estado não era constituído por cidadãos, tal como entendemos hoje, mas por súditos. Em um Estado Absolutista o crime maior é o de infidelidade, é a inconfidência, também conhecido como crime de lesa-majestade. A vontade do soberano é um princípio que, por si, justifica as medidas tomadas pelos agentes do Estado. Foi na França que o Absolutismo Monárquico atingiu o seu máximo desenvolvimento na Idade Moderna. Luís XIV, apelidado de Rei Sol, foi o monarca que melhor encarnou a figura de um rei absoluto. Leia o texto a seguir e observe como o monarca incorporava a figura do Estado:

“O ESTADO SOU EU

(...) E somente na minha pessoa que reside o poder soberano... é somente de mim que os meus tribunais recebem a sua existência e a sua autoridade; a plenitude desta autoridade, que eles não exercem senão em meu nome, permanece sempre em mim, e o seu uso nunca pode ser contra mim voltado; é unicamente a mim que pertence o poder legislativo, sem dependência e sem partilha; é somente por minha autoridade que os funcionários dos meus tribunais procedem, não à formação, mas ao registro, à publicação, à execução da lei, e que lhes é permitido advertir-me o que é do dever de todos os úteis conselheiros; toda a ordem pública emana de mim, e os direitos e interesses da nação, de que se pretende ousar fazer um corpo separado do Monarca, estão necessariamente unidos com os meus e repousam inteiramente em minhas mãos”. (Resposta do Rei, Luis XIV ao Parlamento de Paris, em 03 de março de 1766).

Os enormes recursos que o Estado conseguia arrecadar, principalmente depois da colonização européia na América, forneciam os meios para o fortalecimento do poder real. Dessa forma, o auge do absolutismo coincide com a época do colonialismo europeu, por meio do qual enormes riquezas foram transferidas para a Europa.

Assim, no decorrer da Idade Moderna, cresceram as fontes de receita do rei. Além de receber tributos de seus domínios, como um senhor feudal, recebia impostos sobre a comercialização de produtos, que eram pagos pelos camponeses, artesãos e comerciantes. O fortalecimento do Estado personificado na figura do rei, se fez à custa do declínio dos poderes que lhe faziam concorrência, os da nobreza e os da Igreja. Grande parte dos poderes de taxar, de julgar e de estabelecer normas de comportamento vão se transferir da Igreja para as mãos do monarca, mesmo nos países onde a Reforma Religiosa não conseguiu fazer com que o catolicismo deixasse de ser a religião mais importante. Na Espanha e em Portugal, por exemplo, que continuaram sendo essencialmente católicos, a Igreja cedeu grande parte de suas atribuições ao rei. Um dos sinais desse fortalecimento do poder real foi a capacidade do Estado de pacificar seus respectivos países, colocando fim ao conflito entre católicos e protestantes. Esses conflitos, de caráter religioso, tinha um caráter de conflito de classes: os protestantes estavam mais identificados com a nova realidade social e econômica, e os católicos, com a velha ordem feudal. Assim, o fim desses conflitos significa o sucesso do rei em cotrolar politicamente tanto a burguesia como a nobreza. Todavia, o caráter do Estado era nobiliárquico, visto que mantinha a sociedade hierarquizada e os privilégios da nobreza. O absolutismo monárquico é, portanto, o regime político em que o monarca possui o poder absoluto, podendo decretar leis, criar e cobrar impostos, nomear funcionários e manter um exército permanente. Esse regime, implantado nos países europeus entre os séculos XVI e XVIII, significou o auge da centralização monárquica da Europa. O rei era a própria fonte do Direito, apoiado pela igreja e amparado pela teoria do Direito Divino dos Reis, segundo a qual os reis recebiam de Deus sua autoridade. Os monarcas europeus modernos se apresentavam como representantes do ideal nacional e diziam corporificar a própria nação. entre os instrumentos mais importantes para estabelecer e manter sua autoridade, destacavam-se: a existência de um exército permanente, sob seu comando; a criação da burocracia responsável pela administração do reino; o direito de decretar normas fundamentais para o funcionamento do Estado; a aplicação da justiça em todo o reino em seu nome; a existência uma moeda nacional; a ampliação da arrecadação de impostos; o domínio sobre as terras coloniais, consideradas patrimônio pessoal dos reis.

O ESTADO ABSOLUTISTA: UM ESTADO FEUDAL. O Estado Nacional Absolutista é a expressão máxima e última da tentativa da nobreza de manter o seu poder político e o seu prestígio. Essencialmente, o ab24


solutismo era apenas isso: um aparelho de dominação feudal recolocado e reforçado, destinado a sujeitar as massas camponesas à sua posição social tradicional. O Estado Absolutista nunca foi um árbitro entre a aristocracia e a burguesia, e menos ainda um instrumento da burguesia nascente contra a aristocracia: ela era a nova carapaça política de uma nobreza atemorizada. O monarca era absolutista não porque seu poder fosse ilimitado (na prática ele tinha a obrigação de defender o feudalismo), mas porque estava acima das leis. Não existia nenhuma constituição, nem eleições, nem partidos políticos. Nada acontecia sem autorização do rei. Foi por isso que o rei absolutista francês Luís XIV afirmou o Estado sou Eu. Aparentemente, o Estado Absolutista visava conciliar os interesses da aristocracia dominante com os do grupo mercantil (burguesia) em ascensão. Ou seja, havia uma tentativa de harmonizar os interesses dos nobres com os dos burgueses, o que dava uma idéia de neutralidade. Entretanto, como já vimos, não existe esta neutralidade. O Estado Absolutista era um estado essencialmente feudal: sua principal meta era salvar o feudalismo, esmagando as revoltas camponesas e limitando a ação da burguesia. Dois exemplos mostram isso: os burgueses pagavam impostos ao Estado e os nobres não. Quase todos os postos importantes da burocracia estatal, isto é, os cargos dos funcionários do Estado, só podiam ser ocupados por nobres. Essa era uma fonte de renda, pois o nobre que ocupava um cargo público recebia um pagamento do governo, mesmo que fosse a sua ocupação fosse apenas nominal, ou seja, não se fazia nada. Ora, o Estado cobrava impostos dos artesãos, dos camponeses e da burguesia e repassava aos nobres dos pagamentos das rendas. Uma renda feudal centralizada.

DEFENSORES DO ABSOLUTISMO A natureza do regime político e a origem do poder real foram embasadas teoricamente por pensadores como Maquiavel, Jean Bodin, Thomas Hobbes e Jacques Bossuet, que colocavam o poder real acima de qualquer contestação. Segundo o pensamento de Nicolau Maquiavel, o Estado, amoral e desvinculado de preocupações ético-religiosas, encarnado na figura do “princípe”, estava acima do interesse individual, que deveria ser sacrificado em nome do bem da nação. Maquiavel propôs que o príncipe valesse de todos os meios, desde que atingisse o fim desejado. O francês Jean Bodin (1530-1596) concebia o Estado como a extensão de uma família. O rei governaria para o bem de seus inúmeros “filhos”. Em seu livro A República, Bodin defendeu que o rei não deveria prestar contas a quem quer que fosse, além de não acatar a existência de um parlamento, submetendo-se apenas à vontade de

Deus. Pela sua teoria da “soberania não-compartilhada”, qualquer desobediência ou revolução implicariam em crime de dupla natureza: contra o rei e contra Deus. O inglês Thomas Hobbes (1588-1679), autor de Leviatã, sustentava que, no estágio primitivo da sociedade, tudo era caótico e, devido à falta de governo, os seres humanos vivam num estado permanente de “guerra de todos contra todos”, pois “o homem é o lobo do homem”. Em um dado momento, as comunidades teriam delegado poder a um de seus membros para estabelecer a ordem - o poder real vinha do consentimento dos súditos, portanto, e não do direito divino. Teria havido, assim, um contrato social entre o soberano e su povo para se alcançar a ordem. Para isso, os poderes do governante deveriam ser absolutos.

O MERCANTILISMO: A POLÍTICA ECONÔMICA DO ABSOLUTISMO. A política econômica dos países de governos absolutistas apresenta características comuns, a que os historiadores denominaram de mercantilismo. Dessas características, ressaltamos a intervenção do governo na Economia, fortalecendo-a e regulamentando-a. A burguesia comerical aceitava essa interferência, que, em última análise, favorecia seus interesses. A política mercantilista permitia sustentar os exércitos nacionais e poderosas marinhas, contribuindo para o fortalecimento do poder real. Outra característica importante foi o metalismo, teoria segundo a qual a riqueza de um país seria medida pela quantidade de metais preciosos existentes dentro de suas fronteiras. Para realizar esse objetivo era preciso mais do que evitar a saída de ouro e prata do país. Era preciso provocar sua entrada, vendendo mais do que comprando, o que geraria uma balança comercial favorável. Para exportar era preciso reduzir mercadorias, incentivando as manufaturas e o artesanato, e evitar a concorrência externa. Daí o proteccionismo, que, através de barreiras alfandegárias, tornava a mercadoria estrangeira tão cara que seria impossível comprá-la. Fazia ainda parte da política mercantilista a busca por novas terras para serem transformadas em colônias. A função das colônias da América e da África era enriquecer as metrópoles, que podiam retirar das colônias mercadorias de grande procura na Europa e a baixo preço. Além disso, colônias compravam manufaturados da metrópole por altos preços, pois não havia concorrência, visto que as colônias estavam submetidas ao monopólio pelas metrópoles. Dessa forma, o lucro maior ficava com os comerciantes e não com os produtores de mercadorias, o que nos permite dizer que o lucro da burguesia na economia mercantilista era apropriado na circulação das mercadorias e não na sua produção. 25


da precoce centralização política e de seu pioneirismo na expansão Marítimo-Comercial.

A EXPANSÃO EUROPÉIA E OS DESCOBRIMENTOS A expansão marítima do século XV foi liderada pelos portugueses, que tencionavam descobrir um novo caminho marítimo para as Índias. No início da Idade Média, a península Ibérica foi conquistada pelos bárbaros visigodos (cristãos). Quando os árabes (muçulmanos ou mouros) invadiram a região, os visigodos organizaram a resistência ao norte, no reino das Astúrias. A guerra dos cristãos contra os árabes recebeu o nome de Guerra de Reconquista, durante a qual se formara Portugal e Espanha. Como retribuição pela ajuda na luta contra os mouros, o reino de Castela doou ao nobre francês, D. Henrique de Borgonha, o condado Portucalense. Seu filho, D. Afonso Henriques, transformou, em 1139, o condado no reino de Portugal, iniciando, desta forma, a dinastia de Borgonha. Portugal foi o primeiro país centralizado que se formou na Europa Medieval. Essa dinastia preocupou-se com o desenvolvimento agrário e com a guerra contra os mouros. Acompanhou, também, a transformação de Portugal em entreposto dos negociantes italianos, pois durante o seu reinado (13671383) valorizou as rotas comerciais do Atlântico. Esse fato ativou o desenvolvimento comercial português, dando origem à forte burguesia lusitana, além de estimular a navegação e o comércio. Com a morte de D. Fernando, em 1383, último rei da dinastia de Borgonha, Portugal ficou ameaçada de perder sua autonomia para Castela, pois o rei deste era casado com a filha do falecido rei de Portugal e reclamara, para si, o trono português. A burguesia portuguesa e a arraia-miúda (camadas populares) estavam contra este processo. Já a nobreza apoiava as pretensões de Castela. A burguesia e a arraia miúda se unem a D. João, Mestre de Avis, que era filho bastardo do pai de D. Fernando, D. Pedro I e à viúva de D. Fernando, Dona Leonor Teles. Inicia-se, então, a chamada Revolução de Avis. A guerra terminou com a vitória de Portugal na batalha de Aljubarrota e a escolha de D. João, mestre de Avis, em 1385, como o novo rei de Portugal. Estava concluída a Revolução de Avis. Esta consistiu na vitória sobre Castela e, portanto, sobre as pretensões da nobreza lusitana e também na vitória da monarquia portuguesa apoiada pela burguesia. A ascensão de D. João I, que governou de 1385 a 1433, tornou Portugal em um Estado Moderno e essa foi a origem

Durante o governo de D. João I, nação lusa iniciou o processo de expansão pelo Atlântico conquistando, em 1415, a ilha de Ceuta, no norte da África. Com a criação da Escola de Sagres, desenvolveram-se os conhecimentos náuticos, o que deu condições a Portugal de contornar progressivamente a costa africana. A tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, levou Portugal a avançar definitivamente em seu projeto de contornar a África e chegar ao Oriente. A 22 de abril de 1500, a esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral aporta nas costas brasileiras e toma posse do território português na América. O navegador italiano Cristóvão Colombo, que estava a serviço dos reis da Espanha, Fernando e Isabel, também conhecidos como “Reis Católicos”, dada à sua fidelidade irrestrita e obediência cega aos ditames do Papa, desejava chegar às Índias navegando pelo Ocidente. Em 12 de outubro de 1492, chegou ao litoral de um novo continente. Cristóvão Colombo acreditou ter chegado à costa leste das Índias. Os Reis Católicos não acreditando nas versões apresentadas por Colombo e enviou um outro navegador, mais experiente e que já conhecia as Índias, para fazer o “reconhecimento” das terras. Américo Vespúcio percebeu que não se tratava das índias, mas de uma nova terra. Em homenagem à este navegador, os Reis Católicos colocaram o nome nas terras descobertas de “América”. Essa descoberta das terras atlânticas causou um profundo mal-estar diplomático entre Portugal e Espanha. Em razão destas disputas, em 1493, o Papa Alexandre VI publicou a Bula Intercoetera, que determinava a divisão das terras descobertas da seguinte forma: todas as terras que ficassem a leste do meridiano de 100 léguas da Ilha de Cabo Verde (aproximadamente 500 km) pertenceriam a Portugal. As terras que ficasse à oeste, a Espanha. Esse tratado evendiciou o prestígio da diplomacia espanhola em Roma e não foi aceito por Portugal, intensificando-se a tensão entre os dois países. No ano seguinte, foi assinado um novo acordo – o Tratado de Tordesilhas –, pelo qual a linha divisória passaria a 370 léguas (aproximadamente 2.035 km). Assim, as terras que ficasse a leste pertenceriam a Portugal. As terras que ficassem a Oeste, pertenceriam à Espanha. Assim, 06 anos da chegada de Cabral ao Brasil, Portugal já tinha a posse oficial das terras. Dizer que houve uma “descoberta” é, portanto, mentira e manipulação da História. As descobertas de um novo caminho para as Índias e as conquistas de novas terras por Portugal e Espanha consolidaram o desenvolvimento comercial europeu. As terras da América transformaram-se em áreas de exploração colonial, promissoras de muitas riquezas, inúmeras mercadorias desembarcavam na Europa, a partir da península Ibérica, incluindo-se a imensa quantidade de ouro e prata que os espanhóis passaram a extrair na América. Pela primeira vez, rotas comerciais atingiam vários continentes, ampliando o poder da burguesia e dos reis que a apoiavam. Reforçava-se, assim, o capitalismo comercial e 26


o absolutismo. Tal foi a aceleração dos lucrativos negócios comerciais, que se chegou a denominar Revolução Comercial às transformações econômicas européias. Os outros países que começaram a sua expansão marítima mais tarde, como a Inglaterra, França e a Holanda (também chamada de Países Baixos) começaram a atacar as possessões dos Ibéricos.

- A chegada dos europeus representou o fim das sociedades nativas dos continentes descobertos.

O RESULTADO DA EXPANSÃO DOS IBÉRICOS.

- O principal objetivo das grandes navegações foi o comércio. Existiram dois tipos de dominação:

- A expansão européia iniciou-se no século XV e é o marco inicial da Idade Moderna, que se estende até a Revolução Francesa, em 1789. *Portugal foi o primeiro país a se lançar na procura de um novo caminho para as Índias. *O marco inicial da expansão portuguesa foi a conquista da Ilha de Ceuta, em 1415. *A Espanha foi o segundo país a se lançar nas Grandes Navegações. Motivo: luta pela unifi-cação do país e expulsão dos muçulmanos do sul da península ibérica. *A Península Ibérica é formada por Portugal e Espanha. - As Grandes Navegações provocaram grandes transformações tanto na Europa, como na África, Á-sia e América. A esse conjunto de transformações, alguns historiadores deram o nome de Revolução Comercial → repercussões sobre todos os aspectos da vida humana. Principais conseqüências das Grandes Navegações: a) Campo econômico: criação da política mercantilista, que se caracteriza pela intervenção do Estado na economia. A economia de um país é vista como propriedade do rei. b) campo político: fortalecimento dos reis, que se tornaram monarcas absolutistas, ou seja, o seu poder não poderia ser questionado em hipótese alguma. Muitos pensadores da época (Jean Bo-din, por exemplo) afirmavam que o poder do rei era divino, portanto, a vontade do rei era a vontade de Deus. c) campo cultural: mudança radical de pensar o lugar do homem no mundo. Os movimentos renascentista e reformista representam importantes respostas a uma tentativa de compreender o ho-mem e, em última instância, o próprio universo à época da crise geral do feudalismo europeu. d) Campo religioso: a Igreja Católica perde o monopólio do cristianismo na Europa Ociden-tal. Inicia-se um movimento de contestação dos valores da igreja católica. Martinho Lutero, em 1517, fixa, na porta da Igreja de Wittenberg, 95 teses contrárias ao cristianismo. - Pode-se dizer que o processo das Grandes Navegações provocou uma mundialização da economia. As cidades italianas, que possuíam o monopólio do comércio junto às cidades árabes, perderam im-portância. Irão surgir as primeiras manufaturas . - As Grandes Navegações provocaram o deslocamento do eixo econômico do Mar Mediterrâneo para o Oceano Atlântico.

*as populações foram expulsas de suas terras; *muitos foram escravizados; *as populações nativas foram obrigadas a abandonar os seus hábitos culturais e religiosos.

1ª- dominação estritamente mercantil •ocorreu onde já existiam estruturas comerciais, como a África e a Ásia; •a presença européia foi consolidada através da instalação de feitorias; • objetivo: estabelecimento de relações comerciais, seja através de contratos comer-ciais ou através de guerras.

2ª- dominação mercantil produtora •ocorreu especificamente na América, pois os povos que aqui viviam não conheciam a prática comercial nos moldes do mercantilismo europeu, ou seja, a produção vol-tada para a geração de excedente e venda nos mercados; •Foi necessária a montagem de toda uma estrutura colonial e produtiva. Na América o Estado surgiu antes da necessidade. •Objetivo: expropriação da maior quantidade de excedentes possíveis em um menor tempo. Essa expropriação se deu através da fiscalização metropolitana, dos mono-pólios comerciais e da atuação das Ordens Religiosas Católicas. - A montagem do sistema colonial ocorreu em um momento em que o mercantilismo era a política econômica da época e o metalismo (a busca por metais preciosos) a principal prática econômica do mercantilismo. Para garantir o sucesso do sistema colonial foi estabelecido o Pacto Colonial. *Pacto Colonial: a colônia fornecia à metrópole , a baixo custo, matérias primas, metais pre-ciosos e alimentos e comprava dela produtos manufaturados a altos preços. *Esse sistema colonial montado na América com o objetivo puramente mercantil recebeu o nome de Antigo Sistema Colonial. *Foram montados dois tipos específicos de colonização: a de exploração e a de povoamento. A colonização de exploração, que ocorreu especificamente, na América de coloni-zação ibérica, caracteriza por uma forte política de submissão da colônia à metrópo-le. A colonização de exploração foi marcada pela intensa exploração dos recursos naturais existentes e uma exploração intensa da agricultura. O principal objetivo deste tipo de colonização foi a de garantir a realização da maior quantidade de lu-cros com a menor despesa. Este tipo de colonização foi fundada na existência de trabalho compulsório (escravidão, na América Portuguesa, e Mita e a Encomienda, na 27


América Espanhola)

vamente e outras menos”.

• Já a Colonização de Povoamento, que ocorreu especificamente na América de Colonização Saxônica, caracteriza-se pelo total desinteresse da metrópole em rela-ção às suas colônias, o que facilitava a realização de comércio sem a intervenção do Estado. Mas esta forma de caracterizar o tipo de colonização que ocorreu particu-larmente na América do Norte está sendo questionada. Muitos historiadores afir-mam que “toda colonização é colonização de exploração. Só que algumas são ex-ploradas mais intensi-

- A época das Grandes Navegações foi marcada pela busca desenfreada do lucro. •os europeus se mostraram totalmente despreparados para compreender e realidade social e cultural dos povos que já viviam nas terras conquistadas. •Impuseram a religião católica aos habitantes; •

Dizimaram a população nativa.

Acima podemos observar o processo de Reconquista da Península Ibérica pelos católicos. Abaixo, vemos o Tratado de Tordesilhas, que separou o mundo descoberto entre as duas potências da época: Portu-

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tal de expressão política em toda a Europa, principalmente na Inglaterra. Os conflitos expressos pelas lutas religiosas eram sempre os mais importantes, e na Inglaterra, cuja religião oficial era o anglicanismo, as outras correntes religiosas (calvinista e católica) eram perseguidas pelo Estado Absolutista.

As Revoluções Inglesas (16401689) A REVOLUÇÃO GLORIOSA E O FIM DO ABSOLUTISMO NA INGLATERRA: ANTECEDENTES No final do século XVI, os interesses da monarquia dos Tudor caminhavam juntos com os interesses da nascente burguesia da cidade e do campo: na luta contra a Espanha, contra a Igreja Católica, contra as casas nobres rivais que disputavam com a casa dos Tudor o controle supremo e arruinavam o país com as suas guerras privadas. Daí a colaboração entre a monarquia, pequena nobreza e a burguesia. Os interesses dos grandes mercadores ingleses estavam, pois, coincidindo com os do governo. O rápido crescimento dos negócios assegurava a grande burguesia uma situação cômoda, ao mesmo tempo que se fortalecia o poder da coroa. O Parlamento inglês, no qual estavam representadas as classes dominantes, interagia perfeitamente com a dinastia dos Tudor. Isso pelo menos até o reinado de Elizabeth I. O reinado de Elizabeth I havia sido notável, mas com sua morte, o trono inglês ficou com Jaime I, da dinastia dos Stuart, pois a rainha não deixou herdeiros. Jaime I era reconhecido pela sua dedicação aos estudos e pela incapacidade política. Seu rival, o rei da França, chegou a dizer ironicamente: “Trata-se do imbecil mais sábio de toda a cristandade”. Jaime I era seguidor da doutrina absolutista francesa e, portanto, entrou em choque com o Parlamento, rompendo a relação amistosa com parte das classes proprietárias. Isso ficou claro na crise ocorrida em 1614: o monarca havia aumentado os impostos sem consultar o Parlamento. O Parlamento protestou e Jaime I dissolveu-o, fechando-o por sete anos.

É interessante ressaltar que durante a dinastia dos Tudor, o Parlamento inglês tinha apoiado Henrique VII, Henrique VIII e Elizabeth I, nos seus esforços para policiarem o país contra a anarquia e o banditismo praticado por súditos todo-poderosos, por potentados feudais possuidores de exércitos privados, e a Inglaterra tinha alcançado a segurança necessária para o mercantilismo. O Parlamento apoiara igualmente Henrique VIII e Elizabeth I na sua luta vitoriosa contra a Igreja Católica: o dinheiro já não ia da Inglaterra para Roma, a política britânica deixara de ser imposta pelos interesses de um poder estrangeiro. Finalmente, o Parlamento encorajara a Rainha Elizabeth I na sua resistência ao aliado político do Papado, o Império Espanhol. No princípio do século XVI, a monarquia utilizara a burguesia como um aliado contra os seus rivais mais poderosos - as outras grandes casas feudais, enfraquecidas pela Guerra das Rosas, e a Igreja. A aliança entre a Coroa e Parlamento tinha sido genuíno no princípio do século XVI. Os novos homens prosperavam sob a proteção do trono; a monarquia defendia-os da reação ou da revolta dos camponeses. Sob os Tudor, o Parlamento raramente se reunia, aprovando normalmente a política real. Mas na última década do século XVI, quando todos os inimigos internos e externos tinham sido esmagados, a burguesia deixou de depender da proteção da monarquia; ao mesmo tempo a Coroa tornou-se progressivamente consciente do perigo que a crescente riqueza da burguesia significava.

Se por um lado a monarquia dos Stuart se fortalecia com a política mercantilista, por outro também lhe trouxe problemas: a burguesia manufatureira não participava diretamente e ficava privada de qualquer atuação no governo, sentindo-se prejudicada. Além disso, o absolutismo dos Stuart tinha uma grande falha estrutural: não possuía um exército permanente, como o da França.

Em resumo, os Tudor foram apoiados por classes politicamente eficazes porque estas tiraram enorme proveito do domínio Tudor. Porque perderam os Stuart, Jaime I e Carlos I, este apoio? Não foi apenas porque Jaime I, que sucedeu a Elizabeth I em 1603, era um homem particularmente estúpido, um escocês que não compreendia a Inglaterra, se bem que alguns historiadores tenham usado estes argumentos muito a sério. Mas basta ler o que Jaime I e Carlos I e os seus defensores escreveram e disseram, ou analisar o que fizeram, para compreender que, longe de serem simplesmente estúpidos, eram, quer homens capazes que tentavam impor uma política viciada, quer homens cujas idéias estavam desesperadamente ultrapassadas, sendo por isso reacionárias. As causas da guerra civil devem ser procuradas na sociedade, não nos indivíduos.

No século XVII, a religião era elemento fundamen-

O ponto crucial do problema para se compreender o 29


processo que levou à eclosão das revoluções inglesas era a situação financeira, que provocara conflitos já no final do reinado de Elizabeth I. Os preços subiam, a prosperidade da burguesia aumentava rapidamente, e, contudo, os rendimentos da Coroa, bem como da maior parte dos proprietários de terras, mantinham-se estacionários e inadequados às novas necessidades.

AS CONTRADIÇÕES SOCIAIS Os monarcas absolutistas ingleses tinham o apoio das classes superiores (grandes senhores feudais e o alto clero da Igreja Anglicana) e de uma parte da alta burguesia, que se beneficiava por ter obtido privilégios para certos tipos de comércio e manufaturas. Em 1640, a Inglaterra era ainda dominada pelos senhores das terras e as relações de produção eram em parte feudais, mas existia um vasto setor capitalista em expansão, cujo desenvolvimento a Coroa e os senhores feudais não poderiam continuar a refrear. Por sua vez, uma grande parcela da burguesia desejava o fim dos monopólios mercantilistas. Esse setor da burguesia queria prosperar, mas esbarrava nos regulamentos e privilégios concedidos pelo Estado a uma minoria de negociantes. Muitos dos burgueses insatisfeitos tinham manufaturas domésticas no campo. Deixavam os instrumentos de produção nas casas dos trabalhadores, geralmente aldeias rurais, forneciam a matéria-prima e depois iam buscar o produto acabado. E é claro, não pagavam bem por isso. Os nobres estavam divididos. Os do Norte e os do Oeste eram proprietários feudais tradicionais. Os do Sul tinham se beneficiado dos cercamentos (expulsão dos camponeses para criar carneiros). Forneciam lã para os donos das manufaturas. Quando a burguesia prosperava, eles também eram beneficiados. De certa forma, estes nobres aburguesaram-se. Esses nobre aburguesados formavam parte da chamada gentry,o que para alguns historiadores eram quase uma espécie de capitalistas agrários por causa dos métodos novos de dirigir as propriedades, que visavam ampliar a produtividade. Seriam uma grande força revolucionária. Existia, ainda, um grupo de camponeses chamados yeomen. Haviam vários tipos de yeomen, mas todos tinham em comum o fato de se uma espécie de classe média rural. Nada a ver com a classe média atual, no capitalismo do século XXI (cuidado com os anacronismos, ou seja, analisar uma sociedade passada com os olhos e os princípios dos dias de hoje: cada época tem suas próprias especificidades culturais. É sempre arriscado analisar o passado pelos nossos valores culturais atuais). Os yeomen estavam numa situação melhor do que a dos camponeses pobres. Geralmente utilizavam pedaços de terra e pagavam uma renda ao grande proprietário. Ou então eram pequenos proprietários. Os

yeomen queriam uma nova situação social, que lhes garantisse a propriedade da terra e a expansão de seus negócios. Isso só poderia acontecer se os nobres tradicionais perdessem a proteção do rei. Grande parte do povo inglês, no século XVII, era composta por camponeses pobres, que trabalhavam nas terras dos grandes proprietários e estavam sujeitos a uma longa jornada de trabalho com baixa remuneração.

OS GRUPOS RELIGIOSOS, SUAS POSIÇÕES POLÍTICAS E OS CONFLITOS COM O PARLAMENTO. O anglicanismo, como religião oficial, funcionava como uma agência de propaganda, esperando com isso garantir a ordem política e a manutenção dos privilégios da nobreza cortezã e outros parasitas do governo. A Igreja Anglicana, neste sentido, defendia a ordem vigente, e era importante que o Governo mantivesse o seu controle sobre esta agência de publicidade e propaganda. Pela mesma razão, aqueles que pretendiam derrubar o estado feudal tinham de atacar e de obter o controle da Igreja. É por isso que as teorias políticas tendiam a ser envolvidas numa linguagem religiosa. Embora existissem católicos na Inglaterra, seu papel político e social era cada vez menor. Setores das camadas populares e a pequena burguesia inglesa eram na maioria calvinistas (presbiterianos) e formavam o grupo mais numeroso. O espírito capitalista da religião calvinista se afinava com os anseios da burguesia. A monarquia absoluta inglesa se opunha aos calvinistas porque suas pregações ameaçavam a ordem real. Havia, portanto, um clima tenso na Inglaterra dessa época. A corrente mais radical do calvinismo eram os puritanos: repudiavam o anglicanismo e concentravam grande ódio à hierarquia clerical. Os bispos e arcebispos nomeados pelo rei eram chamados de “lobos devoradores” pelos puritanos. Os puritanos eram muito austeros e comedidos. Valorizavam a poupança individual, como uma forma de alcançar as graças divinas, o que lhe valeu numerosos adeptos entre a pequena burguesia, que precisava poupar para desenvolver seus pequenos negócios. O Parlamento inglês começou a ter uma grande representação de grupos calvinistas moderados calvinistas, fato muito importante para os acontecimentos revolucionários que se seguiram. Em 1625, Jaime I morreu, sendo sucedido por seu filho, Carlos I. Este iniciou o governo com medidas autoritárias: tentou organizar um exército profissional permanente e entrou em guerra contra a França, ao lado dos rebeldes protestantes franceses, que lutavam contra Richelieu. O resultado dessa guerra não foi favorável a Carlos I, o 30


que provocou uma série de atritos entre o monarca e o Parlamento, que culminaram com duas dissoluções desse órgão, em 1625 e 1626. O monarca começou a perseguição aos puritanos, seguindo a política absolutista anglicana. Em 1628, Carlos I convocou um novo Parlamento para pedir aumento de impostos, a fim de cobrir os gastos com seu exército. O Parlamento concordou desde que o rei assinasse a Petição de Direitos (Bill of Rights), que limitava as prerrogativas absolutistas. Entretanto, nos onze anos seguintes, o Parlamento não foi convocado para aprovar novos impostos que o rei impunha ao povo. Ao mesmo tempo, o governo aumentava a perseguição aos puritanos, provocando a emigração de grande parte deles para América do Norte. A tentativa de submeter o povo escocês ao anglicanismo oficial foi o estopim para a guerra civil que explodiu no agitado século XVII.

O COMEÇO DA REBELIÃO Em 1637, o monarca inglês substituiu o culto presbiteriano dos escoceses pela liturgia oficial anglicana. Em poucos dias, toda a Escócia se levantou em protesto contra a Inglaterra, invadindo sua região norte. Para reforçar o seu exército, no início de 1640, Carlos I teve de convocar o Parlamento. Os deputados da Câmara dos Comuns opunham-se ao absolutismo desmedido do monarca, que, vendo sua autoridade questionada, dissolveu o parlamento. Por sua curta duração, ficou conhecido como Short Parliament (Curto Parlamento). A ameaça escocesa continuava e, em novembro de 1640, Carlos I teve de convocar, novamente, o Parlamento. Valendo-se da situação de urgência, esse novo Parlamento tornou-se uma tribuna de debates políticos: os deputados calvinistas e absolutistas exigiram a execução de dois ministros acusados de traição. A Petição de Direitos foi reafirmada, impedindo o monarca de dissolver o Parlamento sem prévio consentimento de seus membros. Mesmo assim o rei Carlo I decretou a dissolução do Parlamento, o que não foi acatado pelos deputados que mantiveram reunidos. O rei, então, invadiu, com seus soldados, a Câmara dos Comuns para prender seus membros. Toda a população de Londres armou-se contra o monarca, que teve de fugir da cidade, em 1642.

A REVOLUÇÃO PURITANA: DA REBELIÃO À GUERRA CIVIL. Uma guerra civil não é uma guerra da qual só participam civis. Normalmente, uma guerra é de um país contra outro. Em nome da pátria, seres humanos trucidam seus semelhantes. Quando a guerra é entre os próprios habitantes do país, dizemos que trata de uma guerra civil.

É verdade que a Revolução Inglesa de 1640, tal como a Revolução Francesa de 1789, foi uma luta pelo poder político, econômico e religioso, empreendida pela classe média, a burguesia que crescia em riqueza e força à medida que o capitalismo se desenvolvia. Mas não é verdade que, ao opor-se à ela o governo real tivesse em vista os interesses do povo em geral: pelo contrário, os partidos populares provaram ser os opositores mais combativos do Rei, de longe mais vigorosos, impiedosos e radicais do que a própria burguesa. A Revolução Puritana era uma luta tão religiosa quanto política. Na medida em que o poder Estado era fraco e descentralizado, a Igreja, com o seu pároco em cada paróquia - a quem era franqueado o acesso a todos os lares - podia dizer às pessoas no que deviam acreditar e como se comportarem; e por detrás das ameaças e das censuras da Igreja, estavam todos os terrores do fogo do inferno. Nestas circunstâncias, os conflitos sociais tornaram-se, inevitavelmente religiosos. Aparentemente, a guerra civil era um conflito religioso, mas existe um conteúdo social por detrás do que, aparentemente, são idéias puramente teológicas. Um lado era composto pelos anglicanos, outro por puritanos e presbiterianos, ou seja, calvinistas. Acontece que devemos nos lembrar das origens sociais dessas reformas religiosas. A Igreja Anglicana nasceu associada ao reforço do Estado Absolutista. O calvinismo brotou do avanço dos valores burgueses (capitalistas). A guerra anglicanos X puritanos + presbiterianos era a guerra rei X parlamento, ou seja, a guerra de classes senhores feudais X burguesia + gentry + trabalhadores. A guerra civil inglesa, de 1642 a 1649, dividiu o país. De um lado ficaram os exércitos fiéis ao rei absolutista, apoiados pelos senhores feudais e pela alta nobreza. Eram os cavaleiros. Do outro, os Cabeças-Redondas, tropas ligadas à gentry e à burguesia, ou seja, forças que apoiavam o Parlamento e liderados por Oliver Cromwell, puritano originário da pequena nobreza. Para esse exército, a guerra civil era uma verdadeira guerra santa, impregnada de religiosidade e ódio aos poderosos da alta nobreza ligados ao anglicanismo. É interessante destacar que os Cabeças-Redondas tinham o apoio dos camponeses e os artesãos. Simultaneamente a essa luta, o rei teve problemas com a Irlanda católica, que se rebelou, colocando-o numa posição cada vez mais difícil. Entre 1645 e 1646, o Parlamento puritano obteve uma vitória definitiva contra o rei na batalha de Naseby. Carlos I refugiou-se na Escócia, mas os escoceses entregaram-no ao Parlamento inglês. Após um longo debate sobre o destino do rei e o governo da Inglaterra, Cromwell por um golpe de Estado expurgou o Parlamento de seus elementos mais moderados. O novo Par31


lamento, com maioria puritana, condenou, por 68 votos contra 67, à morte o monarca, o que ocorreu no Palácio de Whitehall a 30 de janeiro de 1649. Com a morte de Carlos I, foi estabelecida uma república na Inglaterra – a única em toda a sua história – sob a liderança de Oliver Cromwell.

nacionalista e mercantilista, permitiu à Inglaterra o estupendo desenvolvimento de seu poderio naval, uma vez que estimulava a formação de frotas mercantes. Por esses atos, todo o transporte de mercadorias para a Inglaterra só poderiam ser feito por navios ingleses ou pelos países de origem da mercadoria.

Venciam os puritanos. Os donos de oficinas artesanais, pequenos e médios proprietários, lojistas e comerciantes. Vencia a burguesia que estava se formando como classe.

Os holandeses, que obtinham grandes lucros com o comércio marítimo na Inglaterra reagiram prontamente. A Holanda e a Inglaterra entraram em guerra. Em 1654, com a vitória dos ingleses, consolidou-se a posição de Cromwell e da Inglaterra. O período compreendido entre 1653 e 1658, marcou o auge do domínio pessoal de Oliver Cromwell sobre a Inglaterra, e ficou conhecido como Ditadura Puritana.

Eles poderiam agora cuidar de seus negócios e também de sua religião que consideravam um assunto pessoal e não um assunto no qual a Igreja Anglicana do Estado Absolutista queria estabelecer regras de comportamento.

UMA REPÚBLICA NA INGLATERRA Cromwell governou como um verdadeiro senhor absoluto. Em pouco tempo, Cromwell estabeleceu um governo autoritário que reprimia os opositores: esmagou com mão de ferro as rebeliões que enfrentou em seu governo: a dos católicos da Irlanda e a dos separatistas escoceses. As classes mais baixas que participaram da Guerra Civil, que não ganharam nada em troca, também sofreram com o autoritarismo de Cromwell, com quem tinham lutado contra a monarquia absolutista. A burguesia não via com bons olhos a organização dessas classes menos favorecidas que passaram a organizar rebeliões. Estas classes formaram os Levellers (niveladores), e eram compostas em grande parte por soldados e pequenos produtores. Exigiam reformas mais radicais tais como: a proteção à pequena propriedade, o direito de voto para todos os homens, o comércio livre para os pequenos produtores, desejavam o comércio livre, fim dos dízimos pagos à Igreja Anglicana, que deveria ser separada do Estado, baixo custo da justiça, fim dos cercamentos. Mas existia um grupo mais radical ainda. Trata-se dos diggers (escavadores) que propunham que as terras dos nobres fossem confiscadas e distribuídas para as famílias camponesas. Seria o mundo de pontacabeça, como bem afirmou o historiador Christopher Hill, uma das maiores autoridades em Revolução Inglesa. E isso punha em risco o domínio dos mais ricos. Cromwell foi implacável com estes setores. Administrativamente, Cromwell dividiu a Inglaterra em 12 províncias, entregando o governo de cada uma delas a um militar; promoveu uma campanha nacionalista, declarando-se, em 1651, Lorde Protetor da Comunidade Britânica; proibiu os bailes e coibiu costumes considerados mundanos. Seu ato considerado um dos mais importantes daquele período da história da Inglaterra foi o estabelecimento dos Atos de Navegação, que, com seu caráter

Mas os ingleses estavam cansados com os longos anos de ditadura. Quando Cromwell morreu, em 03 de setembro de 1658, seu filho Ricardo foi indicado como sucessor, demitindo-se do cargo logo a seguir. Cromwell foi importante para a burguesia porque garantiu o fim do absolutismo na Inglaterra e a supremacia da burguesia enquanto classe econômica e politicamente dominante, mas não conseguiu criar um Estado politicamente estável. O cargo passou a ser disputado pelos generais de Cromwell. Monk, um deles, encontrou uma saída para a crise política, que foi apoiada por todo o país: em 1660, Carlos II, filho do rei decapitado por ordem de Oliver Cromwell, assumiu o trono inglês.

A RESTAURAÇÃO DA MONARQUIA DOS STUART: CARLOS II E JAIME II É claro que não se tratava de uma volta ao passado. Mesmo que Carlos II (1660-1685) fosse adepto do absolutismo ele não iria impor a sua vontade, como tivera feito o seu pai, Carlos I. Mas suas atitudes eram recebidas com desconfiança pelo Parlamento e pela população. As relações amistosas com Luís XIV, rei da França, aumentavam ainda a desconfiança. O Parlamento pressionava cada vez mais o rei, aprovando novos impostos sempre em troca de maior autonomia. Além disso, Carlos II era simpático ao catolicismo, e seu irmão, futuro rei, já havia publicamente se convertido a essa religião. Esse fato acirrava ainda mais as divergências entre o Parlamento e o monarca. Foi em 1679, portanto em pleno governo de Carlos II, que o parlamento inglês aprovou uma das leis mais importantes da história da Humanidade: o habeas-corpus. Esta lei protege o cidadão contra as arbitrariedades do Estado: ninguém pode ser preso se não desrespeitar a lei. Portanto, o governo não tem permissão para perseguir os opositores políticos. Os governantes também devem se submeter à lei. O direito do habeas-corpus é tão importante que está incorporado em todas as constituições consideradas democráticas no mundo atual, incluindo a do Brasil, promulgada em 1988. 32


Mas, na verdade, Carlos II não estava nada satisfeito em estar submetido ao Parlamento e articulava a volta do absolutismo. Com a morte de Carlos II e a ascensão de seu irmão, Jaime II, os problemas continuaram, já que este rei era católico, apesar da maioria da população inglesa ser protestante. Mais ainda, Jaime II fez de tudo para restaurar o domínio católico na Inglaterra, ou seja, ele queria que o seu país voltasse para a área de influência do Papa, o que não agradava a burguesia, nem a maioria da população. Jaime II tinha o apoio de Luís XIV, rei da França e do Papa. A burguesia inglesa temia uma rebelião armada, como aquela que conhecera anteriormente. Esperava-se que o rei morresse e deixasse o trono para uma de suas filhas protestantes. Mas o rei teve um filho homem, o que garantia a sucessão católica ao trono inglês.

A REVOLUÇÃO GLORIOSA Temerosa do Absolutismo de Jaime II e da rebelião popular, a burguesia inglesa entrou em acordo com Guilherme de Orange, príncipe da Holanda, casado com a filha protestante de Jaime II, Maria Stuart. O plano consistia em destituir Jaime II, substituindo-o por Guilherme. Guilherme de Orange desembarcou na Inglaterra com seu exército, em 1688. Jaime II tentou resistir, mas os soldados passaram para o lado de Guilherme. Ao velho rei absolutista só restou fugir para a França para não ter a sua cabeça decepada como acontecera com seu pai, Carlos I. Guilherme de Orange e sua mulher foram reconhecidos como soberanos da Inglaterra pelo Parlamento, que, temendo um novo absolutismo, promulgou um segundo Bill of Rights, em 1689. A partir daí, passou a prevalecer na Inglaterra o princípio de que o “rei reina, mas não governa”. O governo ficava sob a autoridade do Parlamento, que, a cada ano, limitava ainda mais o poder real. Esse movimento ficou conhecido como Revolução Gloriosa. A Revolução Gloriosa foi inspirada nas teorias políticas de John Locke (1632-1704), o grande teórico do liberalismo político. O liberalismo político é uma ideologia ou corrente do pensamento político que defende a maximização da liberdade individual mediante o exercício dos direitos e da lei. O liberalismo defende uma sociedade caracterizada pela livre iniciativa integrada num contexto definido. Tal contexto geralmente inclui um sistema de governo democrático, o primado da lei, a liberdade de expressão e a livre concorrência econômica. O liberalismo rejeita diversos axiomas funda-

mentais que dominaram vários sistemas anteriores de governo político, tais como o direito divino dos reis, a hereditariedade e o sistema de religião oficial. Os princípios fundamentais do liberalismo incluem a transparência, os direitos individuais e civis, especialmente o direito à vida, à liberdade, à propriedade, um governo baseado no livre consentimento dos governados e estabelecido com base em eleições livres; igualdade da lei e de direitos para todos os cidadãos.

O QUE SIGNIFICOU A REVOLUÇÃO GLORIOSA? O fim do absolutismo na Inglaterra significou a vitória de um importante segmento da sociedade: a burguesia. Aos poucos, as restrições mercantis foram desaparecendo, atendendo assim ao grande anseio da burguesia manufatureira e industrial. Os valores da burguesia venceram. O novo Estado, da monarquia constitucional parlamentar, deixava de simplesmente sustentar os nobres e passava a dar todo o apoio aos negócios da burguesia. A antiga nobreza não tinha deixado de existir, mas agora dividia o poder com a burguesia, no parlamento. O capitalismo rural avançava rapidamente. A vitória da burguesia também pôs fim, de acordo com Hill, ao uso da Igreja como um instrumento exclusivo e opressor do poder político. De acordo com Hill, em “A Revolução Inglesa de 1640”, “Podemos ser céticos e tolerantes em questões religiosas, não porque sejamos mais inteligentes e melhores, mas porque Cromwell, ao usar as catedrais [da Igreja Anglicana] como estábulos para os cavalos da cavalaria mais disciplinada e mais democrática que o mundo jamais vira [New Model Army], alcançou uma vitória que pôs definitivamente termo a que os homens fossem flagelados ou marcados com fogo por terem opiniões não ortodoxas sobre o serviço da Eucaristia” (HILL, Christopher. A Revolução Inglesa de 1640. 2ª Ed. Lisboa: editorial Presença, s/d. pp. 21) As instauração de uma monarquia parlamentar inglesa e as idéias de John Locke inspiraram muita gente na Europa e nas Américas. Nas Treze Colônias, a luta pela independência seria inspirada pelos princípios liberais, assim como muito das idéias dos filósofos iluministas do século XVIII e a própria Revolução Francesa. A instauração de um tipo de governo que precisava consultar o Parlamento, representante de setores importantes da sociedade, punha fim ao absolutismo dos reis da Inglaterra e sem dúvida deu condições para que a Inglaterra fosse o berço da Revolução Industrial. O capitalismo estava definitivamente implantado.

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Deus está presente na natureza e, como o homem faz parte da natureza, Ele também se encontra presente no coração do próprio homem que pode descobri-lo através da razão e da felicidade. Assim, a instituição da Igreja torna-se dispensável, pois era criticada pela sua intolerância, ambição política e pela inutilidade das suas ordens monásticas.

O Iluminismo A CONSOLIDAÇÃO DA ORDEM BURGUESA E CAPITALISTA: O ILUMINISMO As transformações em todos os níveis – econômico, político, social e cultural – que ocorreram no século XVII, principalmente no que se referia à economia das sociedades européias, exigiam correspondente alteração na forma de encarar o mundo. Para a sociedade européia havia a necessidade de uma nova filosofia adequada ao espírito do capitalismo. A este novo modo de pensar e de compreender o mundo e a sociedade, os historiadores deram o nome de Iluminismo, e deve ser compreendido e apreendido dentro do contexto de crise geral do Antigo Regime. O que se verá, dos séculos XVII ao XIX é o questiona-mento e a derrubada desse Antigo Regime, baseado no Esta-do Centralizado e interventor da Idade Moderna. O processo de edificação de uma nova ordem é típico do século XVIII (transição do mundo moderno para o mundo contemporâneo) e comandado pela burguesia, que defende a conquista de seu espaço político, a afirmação do pensamento liberal e a consolidação do capitalismo, fundamentais para a constituição de uma ordem liberal burguesa e capitalista. A Revolução Científica do século XVII, as bases filosóficas do pensamento liberal nos séculos XVII e XVIII, a Revolução Francesa do século XVIII e a Revolução Industrial, a partir do século XVIII, conduzem a burguesia ao poder político e, simultaneamente, reafirmando o seu poder econômico. O denominador comum é a tendência ao predomínio da visão racionalista do mundo, marca inconfundível da sociedade que se tornava cada vez mais burguesa.

O ILUMINISMO: DEFINIÇÃO CONCEITUAL O termo Iluminismo indica um movimento de idéias (ideologia) que tem suas origens no século XVII, mas que se desenvolve especialmente no século XVIII, denominado, por isso de “o século das luzes”. O Iluminismo é uma filosofia militante de crítica da tradição cultural institucional; seu programa é a difusão do uso da razão para dirigir o progresso da vida em todos os aspectos. A filosofia Iluminista voltou-se para o estudo da natureza e da sociedade. O uso da razão era considerado indispensável à compreensão dos fenômenos naturais e sociais, e o alcance do estado de felicidade. Segundo os Iluministas até a crença deveria ser racionalizada. Por isso eram deístas, ou seja, acreditavam que

Os Iluministas consideravam os homens bons e iguais perante a natureza e que a desigualdade existente entre eles era provocada pelos próprios homens, isto é, pela sociedade, pela civilização. Para corrigir essa desigualdade achavam que era preciso modificar a sociedade, dando a todos liberdade de expressão e de culto, e proteção contra a escravidão, a injustiça, a opressão e as guerras. Essa cultura devia muito às descobertas da Revolução Científica , ao método experimental de que foram pioneiros Galileu, Boyle e Isaac Newton, bem como - e o que é mais importante - à imagem científica do universo formada durante o século XVII. O princípio organizador da sociedade deveria ser a busca da felicidade, cabendo ao governo garantir certos direitos naturais do homem: a liberdade individual assim como a livre posse de bens; a tolerância para a expressão de idéias; a igualdade perante a lei; uma justiça serena com base na punição dos delitos e das penas. A forma política ideal garantidora desses princípios variava segundo os pensadores. O modelo seria a monarquia inglesa, para Montesquieu e Voltaire; ou uma República fundada sobre a moralidade e a virtude cívica, para Rousseau. Poder-se-ia afirmar que o Iluminismo expressou, em última instância, a ascensão da burguesia e de sua ideologia.

A FILOSOFIA DAS LUZES O avanço científico ocorrido no século XVII deu origem à idéia de progresso, de que as coisas mudam e evoluem. A instalação da monarquia constitucional parlamentar na Inglaterra mostrou que também a política e a sociedade podem mudar, e que suas instituições não são eternas nem estáticas. Começava-se a acreditar que a miséria humana era fruto da ignorância, e que somente a razão (a inteligência, o raciocínio) poderia iluminar o pensamento e modificar as condições da vida humana. Essa nova versão de mundo fez surgir, em meados do século XVIII, um movimento filosófico chamado “Iluminismo”. Os filósofos iluministas questionaram o poder real, os privilégios da nobreza, a religião, a economia, a educação, a escravidão, o colonialismo etc., submetendo todas as questões à razão e à crítica. O pensamento de John Locke e a Declaração de Direitos exerceram grande influência sobre os iluministas, inspirando-lhes uma concepção de política contrária ao absolutismo: o liberalismo, que defendia a liberdade do indivíduo. Na política o liberalismo significava a limitação do poder do governante por uma constituição e um parlamento. Na economia, era contrário às restrições mercantilistas (como os monopólios) e à intervenção do governo na vida econômica. Os iluministas contestaram a sociedade estamental. Para 34


eles, a desigualdade era provocada pelos próprios homens, e não por Deus (como afirmava a Igreja). Assim como existiam leis para regular os fenômenos da natureza, existiam também leis naturais para regular as relações entre os homens. Essas leis naturais seriam: igualdade, liberdade de expressão, tolerância religiosa e defesa da propriedade. A maioria dos filósofos iluministas era francesa. Expuseram suas reflexões em banquetes e salões de nobres, em cafés, jornais, livros e cartas enviadas para pensadores e monarcas de outros países. De Paris, suas idéias se difundiram por toda a Europa.

governadas por leis e não pela vontade dos soberanos. Era a favor de uma monarquia constitucional na qual o governo estaria dividido em três poderes: o Legislativo (poder de fazer as leis), Executivo (poder de executar as leis) e o Judiciário (poder de julgar aqueles que transgridem as leis). Com isso, os abusos dos governantes seriam evitados e as liberdades individuais protegidas. Os membros dos três poderes deveriam ser eleitos pelo voto censitário, isto é, só votariam os cidadãos que tivessem uma renda e que pagassem impostos.

UMA NOVA VISÃO DE SOCIEDADE

Rousseau (1712-1778), suíço de origem burguesa, identificou na propriedade privada a causa das injustiças, da corrupção, dos crimes e das guerras. Acreditava que leis justas poderiam diminuir os males decorrentes da propriedade privada. Em “O Contrato Social”, desenvolveu a idéia de que o soberano deveria governar segundo a vontade da maioria (democracia), atendendo ao bem comum (soberania do povo). Defendeu, também, o voto universal: o direito de todos ao voto, sem limitações econômicas.

Como os pensadores da ilustração acreditavam que devia ser uma sociedade justa e racional? Em primeiro lugar, deveria existir igualdade jurídica, isto é, todos os homens deviam nascer iguais perante a lei. Assim, eles atacavam o Antigo Regime, que era uma sociedade estamental, ou seja, os nobres possuíam alguns privilégios, como o nãopagamento de impostos, as leis e os tribunais especiais, e a garantia de altos cargos no Estado.

Alguns pensadores iluministas refletiram sobre a vida econômica das nações. Na França, nasceu uma nova doutrina econômica, a fisiocracia, que criticava a intervenção do Estado na economia e defendia a agricultura como única atividade verdadeiramente produtiva. Para os fisiocratas, os produtos agrícolas deviam ter livre circulação e estar isentos de impostos e regulamentações (laissez faire, laissez passer).

Outra idéia importante era a liberdade. Todos os homens deveriam gozar de liberdades individuais fundamentais: liberdade de poder dizer e escrever o que quisessem, liberdade de possuir qualquer crença religiosa ou política. A idéia dos direitos fundamentais do homem foi criada pelos iluministas, que eram contra a escravidão, a servidão feudal e as torturas.

Para o inglês Adam Smith (1723-1790), o trabalho consistia na verdadeira fonte de riquezas. Em sua obra “A riqueza das nações” defendeu a liberdade de trabalho e afirmou que todas as atividades econômicas eram importantes. Criticou o mercantilismo, pregando a liberdade econômica e a derrubada das regulamentações estatais. Acreditava que a economia era regulada por leis, como a lei da oferta e da procura, e pela livre-concorrência. Adam Smith é considerado o fundador do liberalismo econômico.

Uma grande síntese do pensamento iluminista e do conhecimento humano da época encontra-se na Enciclopédia, obra que teve como principal diretores D’Alembert e Diderot. Publicada entre 1751 e 1772, a Enciclopédia contou com a colaboração de quase sessenta pensadores, entre eles Montesquieu, Voltaire, Quesnay e Turgot.

Os iluministas defendiam o princípio da tolerância, isto é, ninguém deveria ser punido por defender idéias políticas ou religiosas. Era isso que o filósofo Cândido Voltaire tinha em mente quando declarou: “posso não concordar com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-las”. Além dessas liberdades individuais, os iluministas defendiam um regime em que o rei estivesse submetido a uma Constituição e no qual houvesse a separação entre os três poderes (executivo, legislativo e judiciário), princípios básicos do liberalismo político. A influência das idéias do filósofo inglês John Locke eram muito fortes.

OS FILÓSOFOS ILUMINISTAS O filósofo Voltaire (1694-1778) foi o grande defensor da liberdade de pensamento e da tolerância. Com seu estilo irônico e vibrante, criticou a monarquia absolutista de direito divino, a Igreja Católica, o clero, a intolerância religiosa e o fanatismo. Afirmava ser necessário uma monarquia respeitadora das liberdades individuais e governadas por um soberano esclarecido pela filosofia das luzes. O nobre Montesquieu (1689-1755) defendeu, na obra “O Espírito das Leis”, a idéia de que as nações devem ser

O DESPOTISMO ESCLARECIDO: MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA

No século XVIII, alguns países da Europa encontravam-se ainda sob o sistema feudal e procuravam, com a ajuda dos filósofos iluministas, alcançar os países mais desenvolvidos. Os projetos de modernização propostos pelos filósofos do Século das Luzes foram adotados por monarcas e dirigentes dessas regiões, que chegaram a nomear intelectuais como conselheiros reais. Por essa razão, tais monarcas foram chamados de déspotas esclarecidos, e seus governos, nos quais foram implementadas reformas econômicas e políticas, ficaram conhecidos como absolutismo ilustrado. Para melhor compreender este fenômeno histórico, façamos um paralelo entre as monarquias absolutistas da Inglaterra e da França e as monarquias dos déspotas esclarecidos. As primeiras atingiram uma posição econômica e política predominante no cenário europeu, graças ao seu desenvolvimento histórico, com o poder real se firmando paulatinamente e promovendo a expansão de atividades econômicas modernas e dinâmicas que fortaleceram no35


vas classes de mercadores e negociantes. Já as monarquias sob o chamado despotismo esclarecido foram resultadas de uma política reformista, com modificações impostas pelos monarcas aos seus súditos, numa desesperada tentativa de “queimar etapas” e alcançar as monarquias de países como a França e a Inglaterra. Países que passaram por essa experiência foram a Rússia, a Áustria, a Prússia, a Espanha e Portugal. Seus monarcas e classes dirigentes esperavam, com algumas medidas baseadas em teorias dos pensadores iluministas, resolverem o paradigma do “subdesenvolvimento”. A maioria dos países eram, fundamentalmente, agrários, com uma população muito grande de servos. Este, pelo menos, era o caso do Império Russo e do Sacro Império, entre os séculos XVII e XVIII. A primeira tentativa de modernização da Rússia foi feita por Pedro I, o Grande (1682-1725), da dinastia dos Romanov. Esse tipo de modernização sem mudar a estrutura resultou em situações contraditórias. Por exemplo, seguidora de Pedro, Catarina, a Grande, tornou a lei de servidão ainda mais severa, buscando aumentar a produção. Uma contradição na política de modernização. Ao contrário, na Áustria, que fazia parte do Sacro Império, Jose II (1780-1790) extinguiu a servidão e realizou uma espécie de reforma agrária, além de decretar a liberdade de imprensa e a tolerância religiosa, a fim de submeter a Igreja Católica ao Estado. A Prússia, que também era parte do Sacro Império, adquiriu certa autonomia em fins do século XVII e início do século XVIII. E foi Frederico II (1740-1786), chamado de “o rei filósofo”, que realizou importantes reformas. Amigo de Voltaire, incentivou a educação popular, abrindo escolas e tornando-as obrigatórias para todos, Aboliu a tortura e modificou a Justiça. Incentivou as manufaturas estatais e a industrialização, favorecendo também o comércio. Entretanto a estrutura social permaneceu a mesma: nobreza, burguesia, uma pequena classe operária e servos. Na Espanha, o despotismo esclarecido esteve intimamente ligado ao nome do monarca Carlo III (1759-1788) e seus auxiliares, condes de Aranda e Floridablanca. O Exército e as universidades foram reorganizados. O governo controlou a Inquisição e expulsou os jesuítas, que tinham grande influência no Estado espanhol. Em Portugal, o despotismo esclarecido foi marcado pela

ascensão ao trono de José I (1750-1777), que se serviu dos préstimos do Marquês de Pombal, iluminista português. Pombal foi designado ministro de Estado e tomou uma série de medidas modernizadoras: fundou a Companhia Vinícola do Alto Douro, para romper o monopólio inglês; pelo mesmo motivo que o governo espanhol, expulsou os jesuítas de Portugal, rompendo com a Santa Sé. É importante analisar com mais detalhes a política de Pombal, por dizer respeito diretamente à história do Brasil.

O Brasil na política de Pombal Pombal criou companhias de comércio, esperando aumentar a produção geral da colônia. O ministro de D. José I iniciou sua política reforçando o tráfico de escravos negros para regiões carentes de mão-deobra. Incentivou, ao mesmo tempo, a produção do açúcar pernambucano, para fazer frente à crescente concorrência das Antilhas. Foi no período de Pombal que se restaurou o poder das casas de fundição e foi instituída uma taxa anual de 100 arrobas de ouro, que a colônia era obrigada a pagar independentemente da quantidade de minério extraída. Em 1763, Pombal transferiu a capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro. Um de seus objetivos tinha o caráter militar de aproximar a administração do local de conflito com os espanhóis: a Colônia do Sacramento, na região do rio da Prata. Porém a razão mais importante que levou o ministro a mudar a capital para o Rio foi a proximidade com o centro econômico, que era a região mineradora.

O SIGNIFICADO ILUMINISMO A revolução intelectual fazia parte do processo de transformações por que passavam as sociedades européias e americanas. Os pensadores do Iluminismo contribuíram para os fundamentos teóricos e práticos das revoluções que já estavam acontecendo ou iriam acontecer, como a Revolução Americana, que resultou na independência dos Estados Unidos, e a Revolução Francesa, que resultou na derrubada violenta do absolutismo e da nobreza e a implantação de um regime burguês naquele país e, logo depois, em toda a Europa.

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que não lhes garantiam a sobrevivência: eles se transformaram em proletários rurais; deixaram de ser ao mesmo tempo agricultores e artesãos” (ibid, ibidem). Muitos foram para as cidades. A população cresceu, aumentando o número de trabalhadores disponíveis, condição sine-qua-non para o desenvolvimento industrial.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (SÉC. XVIII). A Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra a partir da segunda metade do século XVIII sendo a primeira da história e completou o movimento de revolução burguesa iniciada na Inglaterra no século XVII. A substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo de produção doméstico pelo sistema fabril constituiu a Revolução Industrial; revolução, em função do enorme impacto sobre a estrutura da sociedade, num processo de transformação acompanhado por notável evolução tecnológica. Quatro elementos essenciais concorrem para o pioneirismo da industrialização inglesa: capital, recursos naturais, mercado, transformações agrárias. Podemos dizer, de certa maneira, que a Revolução Industrial foi um desdobramento lógico da revolução puritana, na medida em que esta liberou os entraves feudais para o sucesso da maquinofatura. Depois de vencer a monarquia, a burguesia conquistou os mercados mundiais, avançando sobre estes por meios diplomáticos ou militares (coerção extra-econômica). A hegemonia naval lhes dava o controle dos mares. Era o mercado que comandava o ritmo da produção, ao contrário do que aconteceria depois, nos países já industrializados, quando a produção criaria seu próprio mercado. Os capitais necessários para o empreendimento vinham, muitas vezes, do tráfico negreiro que a Inglaterra praticava (aproximadamente 100 anos depois, depois de ter acumulado capital suficiente para financiar a sua industrialização, a própria Inglaterra se atirará no mar como real defensora dos negros contra a ignomissível prática da escravidão) e do comércio com impérios coloniais, tais como Portugal. Estima-se que mais da metade do ouro extraído das minas gerais foi parar nos cofres ingleses que financiaram a construção de canais, estradas, ferrovias, indústrias e máquinas. “A disponibilidade de capital, associada a um sistema bancário eficiente, com mais de quatrocentos bancos em 1790, explica a baixa taxa de juros; isto é, havia ‘dinheiro barato’ para os empresários”. (ibid, ibidem) Mas o elemento indispensável para o advento da industrialização inglesa foi a transformação da estrutura agrária. Como a Revolução Inglesa possibilitou a ascensão da gentry ao poder, os cercamentos (prática iniciada por volta do século XIV), que foram autorizados pelo Parlamento, expandiram-se consideravelmente. “As divisões das terras coletivas beneficiou os grandes proprietários. A terra dos yeomen foram reunidas num só lugar e eram tão poucas

O fato de que a Revolução Industrial inglesa ter sido a primeira não significa que ela haja começado do zero ou que não se possam apontar outras fases anteriores de rápido desenvolvimento industrial e tecnológico. Não obstante, nenhuma dessas lançou a típica fase moderna da história, a de crescimento econômico auto-sustentado, mediante revolução tecnológica e transformação social perpétuas. Sendo a primeira, ela é também, em aspectos cruciais, diferente de todas as subseqüentes revoluções industriais. Não pode ser explicada fundamentalmente, ou em qualquer medida, em termos de fatores externos como, por exemplo, a imitação de técnicas mais avançadas a importação de capital, o impacto de uma economia mundial já industrializada. As revoluções posteriores, puderam utilizar a experiência, o exemplo e os recursos britânicos. Ao mesmo tempo, como vimos, a revolução britânica foi precedida por, pelo menos, 200 anos de desenvolvimento econômico razoavelmente contínuo, que lançou seus alicerces. A Revolução Industrial da Inglaterra do século XVIII marca a superação do feudalismo pelo capitalismo enquanto modo de produção. Assinala-se nesse modo de produção a separação entre a propriedade dos meios de produção e a força de trabalho. De um lado, donos do capital – os capitalistas – e, consequentemente, dos meios de produção; de outro lado, os assalariados, donos da força de trabalho. Estes, para poderem garantirem a sua sobrevivência, são levados a se colocarem à disposição dos primeiros, em troca de um salário. Esta mão-de-obra constituir-se-á aquilo que denominamos de proletariado, em oposição à burguesia, que se identifica com o primeiro grupo. As duas classes constituirão os eixos centrais pelos quais se organiza a estrutura social capitalista. É o funcionamento do modo de produção capitalista que faz com que se acumule em mãos dos proprietários dos meios de produção uma boa parcela de trabalho, ou melhor, dos resultados do trabalho executado pelos trabalhadores, uma vez que os salários recebidos correspondem apenas a uma parte do valor que ele realmente cria ou acrescenta às mercadorias. A isto dá-se o nome de “mais-valia”. Para compreendermos o fenômeno do capitalismo, é preciso reconhecer a existência de uma época anterior, ou seja, uma fase pré-capitalista. O capitalismo corresponde a um estágio da evolução histórica, sendo necessário, portanto, esclarecer de que maneira ele surgiu, quando e onde isso se operou. Isso nos leva, agora, a examinar o meio pelo qual se criaram as condições para o surgimento do sistema capitalista. Podemos dizer, resumidamente, que a origem do modo de produção capitalista implica a convergência de duas ordens de transformações: 1ª acumulação primitiva de capital; 2ª a liberação de mão-de-obra. A acumulação primitiva de capital resultou de um longo 37


e diversificado processo de acumulação de riqueza e de expropriação de muitos em benefício de uns poucos. Tal acumulação pré-capitalista ou “primitiva” realizou-se, muitas vezes, em íntima conexão com a expropriação agrária da qual resultou a liberação de uma numerosa mão-de-obra rural – os camponeses. Estes dois fenômenos – a acumulação primitiva e a liberação de mão-de-obra – acontecem quase que simultaneamente, não podendo dissociar um do outro, e fazem parte de um mesmo processo sócio-econômico, ou seja, a formação econômica do capitalismo. Um exemplo típico destes fenômenos são os cercamentos dos campos, na Inglaterra do século XIV em diante. Paralelamente a essas duas ordens de transformações, devemos ressaltar a importância crescente de um terceiro tipo de fenômeno, qual seja, a tendência a uma crescente divisão e especialização do trabalho. Esta tendência é fundamental pois possibilita a introdução da máquinas no processo produtivo industrial, fato que será urna das principais características da Revolução Industrial. Era preciso uma extrema divisão do trabalho a fim de que as máquinas dos primeiros tempos, muito simples, pudessem ter condições de integração no processo de produção. O empresário capitalista, nos primeiros tempos da industrialização, buscava aumentar ao máximo a produtividade da mão-de-obra, fazendo multiplicar, assim, a vantagem que obtém com os baixos salários pagos aos trabalhadores. Os empresários passaram a ver a máquina como solução para o aumento de seus lucros. Com o início da produção capitalista, desencadeia-se um processo de crescimento e, logo a seguir, desenvolvimento econômico auto-sustentado. Configura-se então, no panorama mundial como um todo a constituição de algumas poucas áreas que tendem a funcionar como pólos de desenvolvimento, contrapondo-se a outras áreas, numerosas, periféricas, coloniais ou não, que se situam, quanto às primeiras, numa relação de crescente dependência. Tais áreas coloniais subordinam-se economicamente às primeiras de tal modo que, ao longo do processo de expansão capitalista, elas irão assumir mais e mais o papel de regiões subdesenvolvidas. O subdesenvolvimento aparece, assim, corno algo estreitamente vinculado ao desenvolvimento econômico de uma parte do mundo. O conceito de Revolução Industrial, embora menos abrangente que o de advento do capitalismo, pois não alcança todas as facetas e nuanças deste último, é, sem dúvida, o mais marcante e aquele que, para muitos, assinala de fato o início da produção capitalista. No conceito de Revolução Industrial coexistem, na verdade, duas idéias básicas: a primeira é a que aplica tal denominação como sinônimo de todo e qualquer processo de industrialização mais ou menos acelerado, subdividindo-a, em termos concretos, em tantas “revoluções industriais” quantos são os “casos nacionais” existentes (Revolução Industriai inglesa, alemã, japonesa, russa etc.). Nesse sentido, portanto, Revolução Industrial é sinônimo de industrialização em geral. A segunda é o conceito histórico preciso, segundo o qual a Revolução Industrial corresponde a um “fato” ou acontecimento cronológico e geograficamente determina-

do. Nesse caso, sinônimo das transformações ocorridas na Europa Ocidental durante a última parte cio século XVIII e a primeira do século XIX, caracterizadas pelo aparecimento do capitalismo industrial em alguns países, sendo o aspecto mais notável dessas transformações, sem dúvida alguma, o aparecimento da máquina ou o advento do maquinismo no processo da produção industrial. Alguns autores chegam mesmo a admitir, nessa ordem de idéias, que a expressão se refere basicamente à Inglaterra, de onde a Revolução Industrial se teria, posteriormente, “propagado” a outros países. Tratar-se-ia de um processo iniciado na Inglaterra e, posteriormente, imitado ou repetido em outros países, daí a idéia de “propagação” (bastante discutível) da Revolução Industrial, quase sempre às custas da importação de técnicas e técnicos ingleses. De fato, é evidente que a Inglaterra, por força de uma série de circunstancias ligadas à sua evolução política, social e econômica, logrou atingir, bem antes que a maioria dos demais países, a plenitude das “pré-condições” necessárias à Revolução Industrial. Basta citar, além do mais, o fato de que na Inglaterra do século XVIII houve unta sensível baixa na taxa de juros, possibilitando a existência, como já vimos anteriormente, de um “dinheiro barato” e com isso, criando condições para o investimento em larga escala nos empreendimentos industriais, de rentabilidade menor e mais demorada. Convêm acrescentar que a Inglaterra possuía um vasto mercado colonial, além de dependências industriais (o império português e o espanhol). O próprio mercado interno inglês, aumentará rapidamente sua demanda, de modo que tudo isso levou a procurar aumentar a produção, pois as transformações econômicas proporcionaram uma redução da quantidade de pessoas que viviam de uma economia de subsistência e lançaram no mercado consumidor, um número crescente de assalariados O processo de industrialização, por sua vez, não deve ser entendido como algo homogêneo e regular pois, na verdade, certos setores industrializaram-se mais rapidamente arrastando os demais, cabendo papel decisivo nessa primeira etapa aos têxteis, à metalurgia do ferro e aos transportes, vindo logo após o vidro, a cerâmica etc. Dentro de cada um desses setores houve diferenciação do ritmo, isto é, defasagem intrasetoriais, como se pode observar no caso da industria de tecidos de algodão face à da lã, e, na do algodão, a diferença entre a rápida mecanização da fiação e a mais demorada adoção da máquina tecelagem. A seda avança mais depressa que a lã em termos de mecanização talvez porque esta, mais antiga, estivesse mais cercada pelos regulamentos e tradições artesanais. Na metalurgia, destaca-se o avanço na produção de ferro, em função do alto-forno, com a substituição da lenha pelo carvão mineral, através, da descoberta do processo de sua transformação em (cobre metalúrgico). Difunde-se, assim, o uso do ferro fundido. Também ganha incremento a utilização do cobre, latão, etc. Nos transportes, assume importância decisiva o interesse pela navegação fluvial, dando-se ênfase à construção de canais, primeiro na Inglaterra para o transporte do minério e do algodão em barcaças. A febre dos canais ganha mais impulsos com a invenção do navio a 38


vapor, daí a importância nos EUA. A utilização da máquina a vapor nos meios de transporte teve seu ponto culminante com o aparecimento da locomotiva, ponto de partida para o desenvolvimento rápido e intenso dos transportes terrestre. A “era dos trilhos” marca de maneira indelével todo o processo de desenvolvimento dos países capitalistas primeira parte do Século XIX.

paradas da produção, provocando desemprego. Nas novas condições, caíam os rendimentos, contribuindo para reduzir a média de vida. Uns se entregavam ao alcoolismo. Outros se rebelavam contra as máquinas e as fábricas, destruídas em Lancaster (1769) e em Lacanshire (1779). Proprietários e governo organizaram uma defesa militar para protege as empresas.

De acordo com o historiador José Arruda, um dos maiores especialistas do tema, podem-se distinguir três períodos no processo de industrialização em escala mundial:

A situação difícil dos camponeses e artesãos, ainda por cima estimulados por idéias vindas da Revolução Francesa, levou as classes dominantes a cria a Lei Speenhamland, que garantia subsistência mínima ao homem incapaz de se sustentar por não ter trabalho. Um imposto pago por toda a comunidade custeava tais despesas.

◘1760 – 1850 – A Revolução se restringe à Inglaterra, a “oficina do mundo”. Preponderam a produção de bens de consumo, especialmente têxteis, e a energia a vapor. ◘ 1850 – 1900 – A Revolução espalha-se por Europa, América e Ásia. Cresce a concorrência, a indústria de bens de produção se desenvolve, as ferrovias se expandem; surgem novas formas de energia, como a hidrelétrica e a derivada do petróleo. O transporte também se revoluciona, com a invenção da máquina a vapor. ◘ 1900 – nossos dias – Surgem conglomerados industriais e multinacionais. Avançam a indústria Química, eletrônica, a engenharia genética e a robótica. Para alguns historiadores, a Revolução Industrial começa em 1733 com a invenção da laçadeira volante, por John Kay. O instrumento, adaptado aos teares manuais aumentou a capacidade de tecer; até ali, o tecelão só podia fazer um tecido da largura de seus braços. A invenção provocou desequilíbrio, pois começaram a faltar fios, produzidos da roca. Em 1767, James Hargreaves inventou a spinning jenny, que permitia ao artesão fiar de uma só vez até oitenta fios, mas eram finos e quebradiços. A water frame de Richard Arkwright, movida a água era econômica mas produzia fios grossos. Em 1779, Samuel Crompton combinou as duas máquinas numa só, a mule, conseguindo fios finos e resistentes. Mas agora sobravam fios, desequilíbrio corrigido em 1785 quando Edmond Cartwright inventou o tear mecânico. Como podemos ver, a cada problema surgido, exigia uma nova invenção. Para mover o tear mecânico, era necessária uma energia motriz mais constante que a hidráulica à base de rodas-d’água. James Watt, aperfeiçoando a máquina a vapor, chegou à máquina de movimento duplo, com biela e manivela, que transformava o movimento linear do pistão em movimento circular, adaptando-se ao tear. As modificações introduzidas pela Revolução Industrial não modificaram somente a estrutura produtiva, aumentando a capacidade de reprodução do sistema. A estrutura social também sofreu sérias modificações. A industrialização concentrou os trabalhadores num único espaço geográfico: as fábricas. Uma das primeiras manifestações da Revolução Industrial foi o desenvolvimento urbano. Londres, no final do século XVIII chegou a ter um milhão de habitantes. O aspecto mais importante, que proporcionou radical transformação no caráter do trabalho foi a separação nítida do capital e do trabalho. A mecanização desqualificava o trabalho, o que tendia a reduzir o salário. Havia freqüentes

Havia mais organização entre os trabalhadores especializados, como os penteadores de lã. Inicialmente eles se cotizavam para pagar o enterro de associados; a associação para a ter caráter reivindicatório. Assim, surgiram as trade-unions, os sindicatos. Gradativamente, conquistaram a proibição do trabalho infantil, a limitação do trabalho feminino e o direito de greve. ARTESANATO: primeira forma de produção industrial, surgiu no fim da Idade Média com o renascimento comercial e urbano e definia-se pela produção independente; o produtor possuía os meios de produção: instalações, ferramentas e matéria-prima. Em casa, sozinho ou com a família o artesão realizava todas as etapas da produção. MANUFATURA: a manufatura resultou da ampliação do consumo, que levou o artesão a aumentar a produção e o comerciante a dedicar-se à produção industrial. O manufatureiro distribuía a matéria-prima e o artesão trabalhava em casa, recebendo pagamento combinado. Esse comerciante passou a produzir. Primeiro contratou artesãos para dar acabamento aos tecidos, depois, tingir; e tecer; e finalmente fiar. Surgiram fábricas, com assalariados, sem controle sobre o produto de seu trabalho. A produtividade aumentou por causa da divisão social, isto é, cada trabalhador realizava uma etapa da produção. MAQUINOFATURA: na maquinofatura, o trabalhador estava submetido ao regime de funcionamento da máquina e à gerência direta do empresário. Foi nesta etapa que se consolidou a Revolução Industrial.

DAS MELHORIAS TÉCNICAS À MECANIZAÇÃO O número crescente de lanifícios tornou a criação de carneiros um negócio lucrativo. Atendendo ao interesse de proprietários rurais, o Parlamento inglês autorizou o cercamento dos campos que, atém então, eram de uso comum. Amplas extensões de terra foram cercadas e pequenos cultivos destruídos para dar espaço às pastagens de carneiros. Essa iniciativa transformou as terras comuns em propriedade particulares e fechadas, que produziam muito mais lã. Milhares de camponeses e artesãos, impossibilitados de usar a terra, migraram para as cidades à procura de trabalho. Cidades como Liverpool, Londres, Manchester e Glasgow tinham um grande movimento comercial. Nos portos de Liverpool e de Glasgow chegava o algodão proveniente das colônias inglesas na Índia e na América. A produção 39


de tecido de algodão das manufaturas da Inglaterra, em expansão por volta de 1750, era comercializada nas colônias britânicas e trocadas por escravos. Em 1733, John Kay inventou a lançadeira volante, um equipamento que permitia a uma pessoa operar sozinha um tear, com mais rapidez do que a atingida anteriormente por dois tecelões. O invento foi um sucesso e, por volta de 1760, estava em muitas manufaturas. Mas seu uso criou um problema: os fiandeiros não conseguiam fazer fios no ritmo exigido pela lançadeira volante. Depois de melhorias sucessivas, chegou-se, em 1779, ao artefato chamado mule, que fazia fios finos resistentes e em grande quantidade. Por essa época, o engenheiro escocês James Watt aperfeiçoava um equipamento a vapor criado no início do século para bombear água do fundo das minas de carvão. Seu trabalho resultou, em 1769, em uma máquina a vapor eficiente e versátil. Para aquecer a água e produzir vapor que movia a máquina, era utilizado o carvão. Energia a vapor, carvão e ferro revolucionaram a economia. Os produtos, até então manufaturados, passaram a ser realizados por máquinas. Essa mecanização começou com a tecelagem de algodão. A adaptação do motor a vapor às máquinas para tecer e fiar, na década de 1780, provocou um enorme crescimento da fabricação de tecidos. Isso exigiu mais matéria-prima e levou à invenção do descaroçador mecânico, que acelerava a limpeza do algodão. Com esse conjunto de avanços técnicos, iniciava-se a Revolução Industrial. A Grã-Bretanha era a primeira e, por algum tempo, a única nação industrializada do mundo.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O ILUMINISMO. - A exploração do mundo colonial nos séculos XVI, XVII e XVIII gerou uma grande quantidade de riquezas, que se acumulou na Europa. Ao mesmo tempo, para atender às necessidades de consumo das colônias e da população européia, desenvolveram-se a produção de mercadorias. - A acumulação de riquezas e o aumento da produção de mercadorias contribuíram para uma série de inovações técnicas → Revolução Industrial (Inglaterra, meados do século XVIII). - A Revolução Industrial não foi apenas uma mudança

acelerada nos métodos de produção. Foi também causador de profundas alterações na vida econômica, social, política e cultural da humanidade. Em toda a parte onde ocorreu o processo de industrialização, o modo de viver e de pensar se modificou rápida e radicalmente. - A Revolução Industrial teve um longo tempo de preparação → transição do feudalismo ao capitalismo (período correspondente à Idade Moderna). - Podemos considerar a Revolução Industrial como o passo decisivo para a consolidação da sociedade capitalista.

Pioneirismo da Inglaterra ◘ Transformações na agricultura Đ Alterações nas relações servis: da renda em produtos para a renda em dinheiro o que proporcionava à nobreza contratação de trabalhadores temporários para o trabalho em seus domínios; Đ crise do século XIV – DEMOGRÁFICA – dificuldade de conseguir mão-de-obra Đ Alternativa: produção de lã, uma vez que a principal manufatura inglesa era de tecidos. ◘ Do artesanato à manufatura. Đ O desenvolvimento da indústria doméstica e das manufaturas foi o responsável por um grande aumento da produção e também dos lucros da burguesia, contribuindo, por isso, para a acumulação de capitais na Inglaterra. ◘ Transformações políticas. Đ Com o controle burguês do Estado, a economia voltou-se para a produção capitalista. Đ Existência de grandes capitais acumulados pela burguesia; Đ Controle burguês do Estado; Đ Quantidade de trabalhadores livres, que nada possuíam a não ser a sua força e trabalho, a qual precisavam vender em troca de um salário. Đ Existência de recursos naturais indispensáveis à indústria.

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Mas a situação mudou. Por excesso de oferta, o preço das especiarias já não cobria as despesas. A corte de Lisboa gastava em luxo e ostentação mais do que o rei arrecadava em impostos. Piratas e corsários davam enormes prejuízos atacando as cargas de especiarias. A necessidade de escolta para os navios mercantes significava mais despesas. Era preciso encontrar outras fontes de rendas.

Brasil Colônia: do período pré-colonial ao apogeu do ciclo do açúcar O BRASIL PRÉ-COLONIAL - 1500-1530 Durante os primeiros 30 anos de nossa história, o Brasil não despertou maior interesse em Portugal, devido ao intenso e lucrativo comércio que este mantinha principalmente com o Oriente. Durante esse período, foram enviadas expedições exploradoras e guarda-costeiras às terras brasileiras. Buscando descobrir riquezas a serem exploradas, chegou ao Brasil a primeira expedição comandada por Gaspar de Lemos, que constatou a existência de grande quantidade de pau-brasil. Em 1503, a expedição de Gonçalo Coelho fundou a feitoria de Cabo Frio e levou paa Portugal grande carregamento de pau-brasil. Madeira muito utilizada no tingimento de tecidos, o pau-brasil passou a ser monopólio da Coroa, que arrendava áreas de exploração a comerciantes. Para obtenção da madeira, utilizava-se a mão-de-obra indígena, que, em troca, recebia artigos sem valor, caracterizando o escambo. Diante do crescente contrabando de pau-brasil pelos franceses, Portugal organizou expedições guarda-costeiras comandadas por Cristóvão Jacques. Entretanto, devido à grande extensão da costa brasileira, tornava-se impossível defender a posse portuguesa sobre o Brasil sem que houvesse povoações, fortificações e habitantes fixos. D. João III organizou, então, a expedição de Martim Afonso de Souza, que deu início à colonização do Brasil. Garantindo a posse portuguesa, Martim Afonso de Souza fundou, em 1532, o primeiro povoamento, a vila de São Vicente. Também foi ele quem deu início ao sistema fundiário brasileiro de grandes propriedades, doando sesmarias. Essa expedição e suas iniciativas encerraram o período précolonial brasilero.

OCUPAR PARA NÃO PERDER As riquezas do comércio oriental transformaram Portugal, no início do século XVI, em uma das maiores potências navais e comerciais da Europa. Enquanto a Índia e a África davam lucros, a Coroa Portuguesa não se interessou em ocupar a sua colônia na América. Entre 1500 e 1530, as expedições enviadas para o Brasil constituíram-se de pequenas esquadras que se limitavam a extrair o pau-brasil e a fazer o reconhecimento do litoral.

Para proteger a colônia de piratas e invasores e explorála melhor, o rei de Portugal, D. João III, decidiu povoar o Brasil. Em 1530, enviou a expedição de Martin Afonso de Souza com o objetivo de fundar núcleos de povoamento e iniciar o plantio de cana-de-açúcar. O Brasil começava a ser colonizado. Martin Afonso de Souza fundou, então, a Vila de São Vicente, no litoral do atual estado de São Paulo, em 1532. Diferente da Feitoria, a vila era um núcleo permanente de população: possuía igreja, cadeia, sede administrativa, praça central e pelourinho. Martin Afonso de Souza distribuiu lotes de terras aos colonos, as “sesmarias”, com a exigência de que eles as defendessem e as explorassem. Os sesmeiros comprometiam-se, também, a tornar a terra produtiva em cinco anos e a pagar impostos ao rei. Caso contrário, perdiam o direito à concessão e pagavam uma multa. No Brasil, inicialmente, foram doadas sesmarias com uma légua de frente por três de fundo. Mas essas medidas foram ignoradas pelos colonizadores, cujos domínios estendiam-se “pelo sertão e terra firme adentro quanto puderem entrar”, isto é, até os limites fixados em Tordesilhas. O sistema de sesmarias só foi extinto em 1820. Duas expedições foram enviadas ao interior para atender ao maior desejo do rei: encontrar ouro e pedras preciosas no Brasil. Ambas fracassaram.

A ADMINISTRAÇÃO DO BRASIL COLONIAL A expedição de Martin Afonso de Souza não foi suficiente para colonizar as extensas terras portuguesas na América. Por isso, o rei d. João III adotou uma solução já conhecida: as capitanias hereditárias. Dividiu a colônia em quinze faixas de terras entregando-as a nobres empobrecidos que viviam na corte, os capitães-donatários, e atribuindo-lhes grandes poderes e privilégios: podiam doar sesmarias, fundar povoações, exercer a administração e a justiça, estavam isentos de pagar impostos e recebiam parte dos impostos pagos pelos colonos ao rei. Em contrapartida, não podiam vender, nem dividir as terras da capitania, as quais deviam defender, povoar e as tornar produtivas. A posse da capitania era transmitida por herança, mas sua propriedade continuava sendo do rei. Aos donatários cabiam, portanto, as despesas e os riscos da colonização, enquanto os impostos e a exploração de monopólios ficavam para o rei. A maioria das capitanias fracassou por vários motivos: pouco investimento (por falta de recursos ou de interesse dos donatários), freqüentes ataques dos indígenas, grande distância entre as povoações e entre o Brasil e Portugal. Somente as capitanias de Pernambuco e de São Vicente deram certo. Seus donatários souberam resistir aos ataques indí41


genas e investiram muito dinheiro para dotar as capitanias de engenhos, bois, instrumentos agrícolas, soldados etc. O rei de Portugal não desistiu das capitanias, mas resolveu melhorar o sistema. Para controlar os donatários e ajudá-los na colonização, d. João III nomeou, em 1548, um governador-geral para o Brasil, que era um representante do rei na colônia, a quem os donatários e todos os colonos deviam obedecer. As leis que aplicava vinham prontas de Portugal. Suas atribuições eram: organizar a defesa da colônia, dominar e catequizar os indígenas, incentivar a produção agrícola, cobrar impostos, procurar metais preciosos, impedir o contrabando, exercer a administração e a justiça. A instalação do governo-geral significou a centralização administrativa da colônia. O primeiro governador-geral foi Tomé de Souza. Ele fundou Salvador, a primeira cidade e capital do Brasil. Ali construiu a casa do Governador, a casa da Câmara, a cadeia, a igreja matriz, a sede do primeiro bispado do Brasil e os armazéns da alfândega. Trouxe gado e instalou vários engenhos de cana-de-açúcar. Em sua comitiva vieram os primeiros jesuítas, entre eles Manuel da Nóbrega e José de Anchieta.

A LUTA PELO DOMÍNIO DO TERRITÓRIO. Ocupar o Brasil significava muito trabalho braçal: derrubar florestas, construir casas e engenhos de cana-de-açúcar, preparar e cultivar a terra etc. Para esses serviços, os colonos portugueses pretendiam usar os indígenas como mão-de-obra. Cada donatário empregou um método no trato com os nativos. Alguns colonos atraíam os indígenas enganandoos com promessas de presentes e vida livre e acabavam vendendo-os como escravos. Outros, como os colonos de Pernambuco e Itamaracá, atacaram as aldeias e expulsaram os indígenas da região. Na Bahia, o governador-geral, Tomé de Souza, aliou-se às tribos amigas, que forneciam aos colonos alimentos e mão-de-obra, além de lutarem contras as tribos hostis. Em São Vicente, houve fusão de povos e culturas: a maior parte dos vicentinos eram mamelucos e, até o século XVIII, o tupi era a língua mais falada na capitania. Os jesuítas vieram para o Brasil com a missão de catequizar e educar os indígenas. Para isso, aprenderam seus costumes e língua. Os indígenas convertidos eram levados para as missões, onde aprendiam a doutrina cristã, a ler, a escrever e a contar. As missões se espalharam por todo o território brasileiro, avançando muito além do meridiano de Tordesilhas. Os indígenas das missões tinham sua liberdade garantida por lei. Podiam ser requisitados para trabalhar para os colonos mediante remuneração, bom tratamento e tempo de serviço fixado. O trabalho missionário colaborou com a colonização do Brasil, pois facilitou a ocupação e a defesa do território e garantiu uma reserva constante de mão-de-obra. Os indígenas que impediam a ação dos missionários, praticavam violências contra os colonos ou quebravam acordos de paz eram considerados inimigos. Contra eles

permitia-se a escravidão e a chamada “guerra justa”, como a que Mem de Sá, terceiro governador-geral, promoveu contra os Caeté, em 1562. Constitui exemplo da resistência indígena contra os colonizadores a Confederação dos Tamoios, organizada pelos Tupinambá contra os portugueses, que reunia várias tribos do litoral entre as atuais cidades de Cabo Frio (RJ) e São Vicente (SP). Os Tupinambá aliaram-se aos franceses, que, nessa época (1555-1567), ocupavam as ilhas do Rio de Janeiro. Foi necessária a intervenção dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta para pacificar os Tupinambá. Mas, no final, os indígenas acabaram massacrados, e os franceses, expulsos.

ECONOMIA E SOCIEDADE CANAVIEIRA A economia colonial brasileira foi “cíclica”, ou seja, sempre vai ter um produto predominante. O primeiro produto foi o pau-brasil, depois foi a cana-de-açúcar e depois a mineração (ouro). No perído imperial, tivemos o café. Para garantir a colonização, Portugal escolheu a cana-de-açúcar, que oferecia a vantagem de trazer grandes lucros, já que o açúcar era muito valorizado na Europa. O empreendimento açucareiro contou com o financiamento dos comerciantes holandeses, que, em troca, distribuíam o produto na Europa, ficando com a maior parte das riquezas geradas pelo açúcar. A exploração do açúcar se fez em latifúndios sob o sistema de monocultura e utilizando mão-de-obra escrava. Cada unidade econômica açucareira chamava-se de Engenho. o núcelo do engenho era a casa-grande, onde ficavam o senhor e sua família; na senzala viviam os escravos. O engenho propriamente dito, era formado pela moenda, casa das caldeiras e casa de purgar. A sociedade açucareira era basicamente formada pelos senhores de engenho e pelos escravos, havendo uma pequena parcela de homens livres. O Brasil foi o maior produtor de açúcar do mundo até o início do século XVII. Apesar do predomínio da produção do açúcar, outras atividades complementavam a economia colonial desse período: a criação de gado e o plantio de mandioca para a subsistência, do fum para o escambo e do algodão para as roupas dos escravos. Em meados do século XVII a produção açucareira entra em crise, sofrendo a concorrência da produção antilhana, principalmente do Haiti. As colônias espanholas e portuguesas nas Américas se caracterizavam por produzir e fornecer mercadorias para as suas metrópoles, sndo denominadas colônias de exploração. As colônias inglesas, por sua vez, especialmente as do norte e do centro, se caracterizavam pela produção para o mercado interno, sem estabelecerem uma ligação direta com a metrópole. Foram denominadas de colônias de povoamento.

AS INVASÕES ESTRANGEIRAS. Com a descoberta da América no século XV e a exploração das minas de ouro e de prata de suas novas colônias, a Espanha se tornara a mais poderosa nação européia, atraindo a rivalidade da França, da Inglaterra e da Holanda. 42


Devido à União Ibérica, iniciada em 1580, Portugal e suas colônias passaram a ser atacados pelos países inimigos da Espanha. Desde a descoberta do pau-brasil na costa brasileira, os franceses tentaram se apossar de terras do Brasil. Chegaram a fundar uma colônia no Rio de Janeiro, chamada de França Antártica, empreendimento que fracassou. Outra tentativa foi a invasão do Maranhão, em 1612, quando fundaram o forte de São Luís, núcleo do que seria a França Equinocial. As invaões holandesas concentraram-se no Nordeste, devido à ligação que os flamengos tinham com o empreendimento açucareiro. A Holanda, que lutara por sua independência contra a Espanha, foi proibida por Felipe II de comercializar o açúcar brasileiro. Devido a esse embargo, os holandeses invadiram o Brasil. A forte burguesia holandesa fundou a Companhia das Índias Ocidentais a fim de controlar a comercialização do açúcar. Por sua decisão, a Bahia foi invadida em 1624. Uma grande esquadra enviada pela Espanha conseguiu a expulsão dos invasores. Em 1630, os holandeses invadiram, novamente, o Brasil. A região escolhida foi Pernambuco. Dessa vez eles foram bem-sucedidos. Os flamengos destruíram o Arraial do Bom Jesus, centro da resistência da Colônia. Para administrar sua colônia, os holandeses nomearam o visconde Maurício de Nassau, que empreendeu uma política progressista. Depois da Restauração, ocorrida em 1640, que pôs fim à União Ibérica, Portugal aliou-se à Holanda, consolidando o domínio holandês no Brasil. A administração de Nassau, entretanto, entrou em conflito com a Companhia das Índias Ocidentais, que passou a exigir uma política mais dura com a colônia. Com a substituição de Nassau, reiniciou-se a intensa luta dos brasileiros contra os holandeses. A chamada Insurreição Pernambucana, iniciada em 1645, levou à expulsão dos holandeses em 1654. A saída dos holandeses do Brasil significou a decadência do ciclo do açúcar, pois o holandeses, que já controlavam a distribuição do produto na Europa, passaram também a produzí-lo nas Antilhas, desbancando com isso a produção brasileira. Piratas e corsários davam enormes prejuízos atacando as cargas de especiarias. A necessidade de escolta para os navios mercantes significava mais despesas. Era preciso encontrar outras fontes de rendas. Para proteger a colônia de piratas e invasores e explorála melhor, o rei de Portugal, D. João III, decidiu povoar o Brasil. Em 1530, enviou a expedição de Martin Afonso de Souza com o objetivo de fundar núcleos de povoamento e iniciar o plantio de cana-de-açúcar. O Brasil começava a ser colonizado. Martin Afonso de Souza fundou, então, a Vila de São Vicente, no litoral do atual estado de São Paulo, em 1532. Diferente da Feitoria, a vila era um núcleo permanente de população: possuía igreja, cadeia, sede administrativa, praça central e pelourinho. Martin Afonso de Souza distribuiu lotes de terras aos colonos, as “sesmarias”, com a exigência de que eles as

defendessem e as explorassem. Os sesmeiros comprometiam-se, também, a tornar a terra produtiva em cinco anos e a pagar impostos ao rei. Caso contrário, perdiam o direito à concessão e pagavam uma multa. No Brasil, inicialmente, foram doadas sesmarias com uma légua de frente por três de fundo. Mas essas medidas foram ignoradas pelos colonizadores, cujos domínios estendiam-se “pelo sertão e terra firme adentro quanto puderem entrar”, isto é, até os limites fixados em Tordesilhas. O sistema de sesmarias só foi extinto em 1820. Duas expedições foram enviadas ao interior para atender ao maior desejo do rei: encontrar ouro e pedras preciosas no Brasil. Ambas fracassaram.

A ESTRUTURA ECONÔMICA DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL DA AMÉRICA PORTUGUESA. O sistema colonial é o conjunto de re-lações entre as metrópoles e suas respec-tivas colônias em uma determinada época histórica. O caso que particularmente nos interessa, é aquele compreendido entre os séculos XVI e XVIII, que ficou conhecido como Antigo Sistema Colonial. Quando estabelece um sistema de domi-nação entre povos, o conquistador, de ma-neira geral, procura garantir a ocupação do território conquistando, impedindo que outros ameacem seus domínios. Além disso, procura com freqüência colonizar a nova região, ou seja, estabelecendo-se nesse do-mínio e enviando pessoas da sua própria população para o local conquistado. Desse modo, seus hábitos e costumes se instalam, algumas vezes convivendo com os preexis-tentes, outras vezes modificando profunda-mente a cultura local. O Brasil foi “descoberto” pelos portu-gueses em 22 de abril de 1500, mas isso não significou que Portugal iniciou auto-maticamente a colonização do Brasil. Como não se encontrou metais preciosos – como ocorrera com as colônias espanholas na América – e o comércio com as Índias era bastante lucrativo, a colonização do Brasil ficou para um segundo plano. Nos primeiros trinta anos, Portugal se limitou apenas a enviar algumas expedi-ções exploratórias da costa brasileira, com o objetivo de extrair o pau-brasil, que era uma madeira que servia para o tingimen-to dos tecidos. O sistema utilizado pelos portugueses para a obtenção desta madeira foi o escambo, que consistia numa relação de troca com os nativos: os portugueses ofereciam bugigangas e os nativos, pau-brasil. Nesse período, os franceses também exploravam a nossa costa com o mesmo objetivo. Este período de 30 anos ficou conhecido como período pré-colonial. Receando perder a sua colônia para outros países europeus, Portugal resolveu iniciar a colonização do Brasil em 1534, fundando a vila de São Vicente (perto da cidade de São Paulo) quando iniciou o sis-tema de Capitanias Hereditárias. O perí-odo de colonização efetiva iniciou em 1534 e terminou em 1808, quando a família real portuguesa se transferiu para o Brasil acabando com o Pacto Colonial. O Pacto Colonial é o termo utilizado pelos historiadores para definir a relação entre colônia e metrópole, onde 43


a colônia só poderia produzir o que fosse rentável para a metrópole. Além disso, a colônia estava obrigada a realizar comércio só com a metrópole: monopólio colonial ou Exclusivo Metropolitano. Enquanto vigo-rou o Pacto Colonial, o Brasil não se de-senvolveu, pois todas as suas riquezas iam direto para Portugal. Para muitos economis-tas e Historiadores, a economia portuguesa entre os séculos XVI e XIX era totalmente dependente do Brasil. Através do sistema de Capitanias He-reditárias e de Governo Geral, a Coroa portuguesa assegurava sua posse sobre a colônia brasileira. No entanto era necessá-rio dominar e fazer com que esta colônia gerasse riquezas para a metrópole, dando um “sentido” à colonização. O sentido da colonização é o de uma co-lônia destinada a fornecer ao comércio europeu alguns gêneros tropicais ou mi-nerais de grande importância, como o açúcar, o algodão, o ouro etc. Para conseguir os seus objetivos, era preciso ocupar, isto é, espalhar população portuguesa pelo imenso territorial colonial, que levaria ainda muitos anos para ser co-nhecido, isto porque o território colonial era muito maior que o da potência colonizadora. Na segunda metade do século XVI, co-meçou a estruturar outras atividades econô-micas, que constituiriam a base do sistema colonial. Uma dessas atividades foi a intro-dução do cultivo da cana-de-açúcar enquan-to fator de colonização. Vários fatores influ-enciaram a metrópole a optar pelo cultivo da cana-de-açúcar, entre eles destacam-se: o produto era considerado uma especiaria na Europa e isso elevava o seu preço, mesmo possuindo um amplo mercado consumidor; o clima e algumas faixas do território brasileiro eram adequados à sua produção e os portugueses já conheciam o sistema de plan-tação deste produto, experimentado com sucesso em outras colônias sob sua supervisão. Entretanto, o caráter mais profundo da colonização reside na forma pela qual se distribuiu a terra. No início da coloniza-ção só há uma riqueza: a terra; daí a agri-cultura, em maior escala, e a pecuária serem a formas de exploração dominantes, ambas subordinadas à posse da terra. Dessa forma, a economia agrária colonial será movida pela grande propriedade colonial (latifún-dio). Mas devemos deixar claro que esta grande propriedade colonial não se caracteriza tão somente pela extensão territo-rial. A utilização de mão-de-obra escrava também é um fator determinante para a grande propriedade agrícola. Assim, podemos dizer que o determinante de um latifúndio no Brasil não deve ser medida pela somente pela extensão territorial, mas pela tipologia da sua exploração agrícola: o que e como se explora a terra. A grande propriedade (latifúndio), o culti-vo de um único produto (monocultura) e o trabalho compulsório (escravidão) são formas que se combinam e completam e que caracte-rizam a estrutura econômica da América Portuguesa. Se a função da colônia é gerar lucros para a metrópole, a introdução do cultivo da cana-de-açúcar servirá para

alcançar este objetivo, contudo deveria obedecer a alguns critérios: a) a produção deveria ser muito volumosa, pois só assim geraria lu-cros satisfatórios – para isso deveria ser produzida em grandes quantidades e em grandes propriedades (latifúndios); b) a produção deveria ser exclusiva, isto é, con-centrada num único produto, para que atin-gisse as quantidades necessárias à obtenção de lucros (monocultura); c) a mão-de-obra deveria ser a mais barata possível, para não comprometer os lucros. A solução encontra-da foi, então, a escravidão. Temos aí a base fundamental da colonização de explora-ção: latifúndio, monocultura e escravidão. A economia colonial agrícola baseada na monocultura, no latifúndio e na escra-vidão, tinha o seu funcionamento voltado para o mercado externo, transferindo o capital para a metrópole, que controlava a circulação mercantil, contribuindo, desta forma, para a acumulação primitiva de capital. A sociedade colonial brasileira é o reflexo fiel de sua base material: a economia agrária. Principais características da sociedade açucareira: a) rigidamente estratificada; b) a vida era basicamente rural; c) o centro da vida era o engenho; d) o patriarcalismo era muito forte. Enfim a sociedade era agrária, escravista, aristocratizada e patriarcal. Contudo, não era somente a cana-de-açúcar que se plantava no Brasil. Ao lado da atividade exportadora, desenvolveu-se o setor de subsistência, sempre dependente dela. A agricultura de subsistência, desti-nada ao mercado interno e à manutenção da colônia, baseava-se na pequena pro-priedade, na policultura, na produção para o consumo interno e no trabalho do próprio lavrador.

A ESCRAVIDÃO NO BRASIL COLONIAL Para efetivar a colonização do Brasil, os portugueses tiveram que trabalhar a terra. Entretanto, a falta de braços na Metrópole foi um problema sério. A saída encontrada por Portugal foi a implantação do trabalho escravo no Brasil. Inicialmente, utilizou-se da mão-de-obra escrava indígena, que não deu certo no Brasil em virtude de inúmeros fatores, além de não render lucros diretos para Portugal. A solução encontrada para o problema da colonização do Brasil foi a importação de negros da África, como escravos - prática esta já conhecida pelos portugueses. A importação de escravos para o Brasil mostrou-se ser altamente lucrativa para a Metrópole, uma vez que esta atividade se encaixou perfeitamente na política econômica de Portugal. O Brasil foi uma das primeiras colônias americanas a conhecer e a última a abolir o escravismo colonial. Estimase que, nos mais de 300 anos de escravidão, cerca de 3 a 5 milhões de africanos chegaram ao Brasil. O tráfico negreiro, apesar de seus horrores, mostra-se hoje como um fenômeno histórico e, portanto, racional: uma forma econômica de transferência transatlântica de força de trabalho.

A Organização da mão-de- Obra na América Portuguesa: o trabalho escravo. 44


A escravidão é a relação social caracterizada pelo sujeição pessoal de um indivíduo pelo outro; significa dizer que, além de o escravo ser propriedade de um senhor, sua vontade estava sujeita à autoridade do seu dono e seu trabalho podia ser obtido pela força. Portanto, o escravo podia ser comprado, vendido, alugado, doado, leiloado, hipotecado. Os direitos do senhor como proprietário sobre o escravo eram assegurados por lei, permitindo ao dono explorar o seu trabalho, castigá-lo e mesmo matá-lo. Ou seja, ser escravo significava não ser livre. Além disso, a escravidão proporcionava ascensão social, uma vez que sem um único escravo qualquer pessoa era considerada pobre. Possuir escravo era mais importante que possuir terras, porque terra havia muita e poder-se-ia ser tirada à força dos indígenas. O Escravismo, por sua vez, é o sistema econômico, político e social baseada na propriedade privada, inclusive de seres humanos – escravidão – predominante no Brasil até os fins do século XIX. Este sistema atendia perfeitamente aos interesses da metrópole no período colonial e depois aos interesses dos grandes proprietários rurais, na medida que gerava altos lucros para os seus beneficiados. O escravismo garantiu para a metrópole altos lucros. Uma das medidas de se conseguir estes lucros tão necessários para os portugueses foi o tráfico negreiro. Este consistia em tirar o negro de seu território natural e transportá-lo para o seu destino (América ou Europa). Este tráfico negreiro para ser mais lucrativo estava inserido naquilo que se convencionou denominar de comércio triangular: os navios saíam dos portos europeus lotados de mercadorias baratas – bugigangas – que eram trocadas, nas costas africanas, por homens, mulheres e crianças; quando chegavam nos seus destinos os cativos eram trocados, direta ou indiretamente, por produtos coloniais, que, por sua vez, eram revendidos a altos preços na Europa. É de fato numa base essencialmente escravista que assenta a economia colonial brasileira. Sem escravos não era possível aos colonos abastecerem-se da mão-de-obra de que necessitavam. A imigração branca foi, no primeiro momento da colonização, escassa, e tornava indispensável a utilização de escravos de outras raças. O escravismo foi um sistema racional para o seu tempo. Era legítimo possuir escravos. Em determinada época só o emprego de mão-de-obra escrava era legítimo e racional. O escravismo somente adquiriu elementos de irracionalidade depois do advento do capitalismo na Europa (em fins do século XVIII e início do XIX) e quando as relações assalariadas assumem a hegemonia enquanto relação social. De acordo com Jacob Gorender, “toda comparação entre o trabalho escravo e o trabalho assalariado livre converte-se em exercício especulativo quando destacada das circunstâncias históricas existentes. E conduz, como ocorreu com Weber, a considerar o escravismo composto de elementos ditos ‘irracionais’. Mas esses elementos são irracionais unicamente sob o prisma da racionalidade capitalista”.

Verde escuro: Capitania de Mranhão (1) Azul escuro: Capitania de Mranhão (2) Amarelo: Capitania do Ceará

De acordo com pesquisas em atlas de história, ou mesmo num livro de história, colora o mapa acima de acordo com as cores propostas

Vermelho claro: Capitania de Rio Grande Marron claro: Capitania de Itamaracá Azul claro: Capitania de Pernambuco Verde claro: Capitania da Bahia de Todos os Santos Rosa: Capitania de Ilhéus Cinza: Capitania de Porto Seguro Amarelo + Azul: Capitania de Espírito Santo Verde + Amarelo: Capitania de São Tomé Vermelho escuro: Capitania de São Vicentr cinza + vermelho: Capitania de Santo Amaro Laranja: Capitania de São Vicente (2) Laranja + Azul: Capitania de Santana 45


Aspectos Gerais do Sistema Colonial Português. PODEMOS DIVIDIR O PERÍODO COLONIAL BRASILEIROEM TRÊS FASES DISTINTAS: a) Período pré-colonial (1500-1530), marcado pela ausência de interesse de Portugal pela sua colônia americana, em virtude dos altos comércios auferidos com o comércio com as especiarias da Índia. Durante este período, o litoral brasileiro será invadido constantemente pelos corsários franceses que, através do escambo adquirirão toneladas de pau-brasil. Esta madeira será indispensável para os franceses em virtude de seu mercantilismo estar vinculado ao mercado de luxo espanhol. Portugal se interessará somente em enviar para a sua colônia americana algumas poucas expedições com o objetivo de combater os invasores e estabelecer um mínimo de atividade comercial. O Brasil, para Portugal, não se encaixava, naquele momento, naquilo que Adam Smith denominou de Mercantilismo. b) Período de Colonização efetiva (1530-1808). Com a decadência do comércio de especiarias das Índias e diante de uma virtual perda do território para os franceses, os portugueses terão que mudar a sua postura diante de sua colônia. Será montada uma estrutura política-administrativa-econômica na colônia com o objetivo de inserir o Brasil no contexto mundial e colonizá-la. Assim será montada uma estrutura denominada, posteriormente de Antigo Sistema Colonial, que se caracteriza pela existência do Pacto Colonial. Economicamente, Portugal utilizará da Plantation (monocultura, latifúndio e escravidão) para fazer com que a colônia se encaixe no sistema econômico da época - Mercantilismo. Para efetivar a colonização, os lusitanos terão que trabalhar a terra. Entretanto, a falta de braços na Metrópole será um problema sério. Para sanar isso, a saída encontrada por Portugal será a implantação do trabalho escravo no Brasil. Inicialmente, será utilizada a mão-de-obra escrava indígena, que não dará certo no Brasil em virtude de inúmeros fatores, além de não render lucros diretos para Portugal. A solução será a importação de negros da África, como escravos - prática esta já conhecida pelos portugueses. A importação de escravos para o Brasil será altamente lucrativo para a Metrópole, uma vez que esta atividade se encaixará perfeitamente na política econômica de Portugal. Esta prática receberá o nome de Comércio Triangular, uma vez que os navios sairão de Portugal abarrotados de armas e produtos para serem trocados na África por escravos, ao chegar na América, esses escravos são vendidos em praças públicas como verdadeiros bichos, estes navios voltam

para Portugal lotados com açúcar. Entretanto, Portugal não chegará a realizar a comercialização do açúcar na Europa, ficando a cargo dos holandeses, que serão os primeiros parceiros parciais de Portugal. A sociedade será reflexo fiel da estrutura econômica. Assim teremos, em um primeiro momento, com a produção açucareira, uma sociedade agrária, conservadora, patriarcal, aristocratizada e escravocrata; no segundo momento, a partir do final do século XVII e início do XVIII, com a produção aurífera, uma sociedade urbana, liberal, escravocrata. O período colonial brasileiro assistirá, também, uma grande quantidade de revoltas coloniais. Estas se dividem em três grupos: Revoltas Nativistas, que não possuíam o interesse de se separar de Portugal, apenas o abrandamento da opressão portuguesa ou a defesa do território diante de invasores estrangeiros (A Revolta de Beckman, MA, 1684; a Insurreição Pernambucana, PE, 1695; a Guerra dos Emboabas, MG, 1709; a Guerra dos Mascates, PE, 1710; e a Rebelião de Felipe dos Santos ou Revolta de Vila Rica, MG, 1720); Revoltas Separatistas, com níitdo interesse em separação de Portugal (Inconfidência Mineira, MG, 1789; e a Conjuração Baiana, BA, 1798). Os negros, por sua vez não concordavam com a escravidão e se rebelavam de várias formas: assassinando capatazes, senhores, suicidando-se e fugindo. A prática da fuga e a instalação em Quilombos era a mais habitual entre os negros e foi até objeto de definição por parte do rei portugues. Segundo o rei de Portugal, os quilombos eram habitações de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles. A maioria dos quilombos eram nômades e não deixaram resquícios históricos - o que dificulta a sua quantificação e identificação -, justamente para dificultar a sua localização pelos capatazes e capitães do mato. O Quilombo mais importante foi o de Palmares, que resistiu por quase 100 anos e somente caiu depois que a Coroa e os latifundiários se uniram numa aliança perpértua contra Palmares. O principal líder foi Zumbi, que foi assassinado numa emboscada comandada por Domingos Jorge Velho, em 20 de novembro de 1695, ano da capitalução do quilombo. c) A crise do sistema colonial (1808-1822). Com a transferência da Família Real, em 1808, devido à invasão de Napoleão em Portugal e a conseqüente abertura dos portos às nações amigas de Portugal e Algarves, o pacto colonial deixa vigorar. A Inglaterra será a principal beneficiária com esta medida, uma vez que poderá comerciar livremente com o Brasil, inclusive com taxas menores que as cobradas pelos produtos portugueses, em virtude de inúmeros tratados de amizade e de comércio assinado com o Império Brtiânico. Em 1815, o Brasil será elevado à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves, deixando, defintivamente, de ser apenas uma colônia. O Brasil agora parte do Império Português. Entretanto, com o fim do Império Napoleônio e o restabelecimento das antigas monarquias através do Congresso de Viena, Portugal passará a ser governado por um inglês - Lord Beresford - que recebia ordens emanadas pelo rei de Portugal, D. João VI, que estava no Brasil. A situação se invertia: agora era o Brasil quem dava as ordens. Esta inversão colonial irritou profundamente a já descontente burguesia portuguesa, que se rebelou nas Cortes de Lisboa, 46


e derrubou o absolutismo de D. João VI, e obrigou o rei à voltar para Portugal e cancelar todas as medidas em favor do Brasil numa tentativa clara de recolonização. D. João VI, sob a pressão de perder a coroa, voltou para Portugal, deixando no Brasil o seu filho, o príncipe D. Pedro, como regente. A tentativa de recolonizar o Brasil foi duramente criticada pela aristocracia brasileira, que não aceitava o retorno à condição anterior. Assim, depois de inúmeras tentativas de negoiação, de estabelecimento de uma Monarquia Dual, o príncipe Regente, D. Pedro, influenciado pela aristocracia colonial - principalmente José Bonifácio - irá proclamar a Independência do Brasil em 07 de setembro de 1822, sem a participação popular, contrariamente do que ocorreu nos países latino-americanos, e até mesmo nos EUA. A presença da Família Real no Brasil será bastante benéfica para o nosso país. Serão fundadas faculdades, bancos, jardins botânicos, bibliotecas, estruturação das cidades, enfim o Brasil passará por transformações dignas para receber uma família real. Entretanto, também ocorrerão inúmeras revoltas, e a mais importante será a Revolução Pernambucana em 1817, que, influenciado por idéias iluministas, proporá a separação definitiva do Brasil em relação à Portugal. A rebelião será duramente esmagada e os líderes executados.

.. FINALMENTE, O OURO O período de auge da mineração compreendeu os anos de 1693 a 1760. A mineração viabilizou o início do povoamento do interior da Colônia. Com baixos investimentos iniciais foi possível montar as primeiras faiscações (pequenas propriedades) de ouro. Depois viriam as grandes lavras de ouro e as Casas de Fundição, subordinada às Intendências das Minas. A estas cabia a arrecadação de im-postos, como a capitação e principalmente o quinto. O Brasil passou por sensíveis transformações em função da mineração. Um novo pólo econômi-co cresceu no Sudeste, relações comerciais inter-regionais se desenvolveram, criando um mercado interno e fazendo surgir uma vida social essencialmente urbana. A camada média, com-

posta por padres, burocratas, artesãos, militares, mascates e faisqueiros ocupou espaço na sociedade. Contra-posta à sociedade açucareira, a mineradora apresentou maior mobilidade social com o crescimento do trabalho livre.

DESMISTIFICANDO UM MITO: OS CICLOS ECONÔMICOS. Analisando as informações contidas neste gráfico, podemos observar que a produção açucareira foi a que primeiramente constou na pauta de exportações, sendo constante sua participação durante o período coberto pelo gráfico. Nos dois primeiros momentos (1550 e 1600) aparece sozinha; nos seguintes, apesar da concorrência de outros produtos, continua sendo responsável pela maior quan-tidade exportada. O ano de 1800 é o único em que a produção açucareira não ocupa o primeiro lu-gar. Sendo assim, não procede a idéia de que a produção açucareira teria entrado em decadência ao longo do século XVIII, sendo substituída pelo ouro. O ouro só aparece no gráfico em 1700, aumenta sua participação no século XVIII, sofrendo uma queda em 1800. Ao longo deste século, a exportação aurífera não ocupou, em momento algum, o lugar principal do ponto de vista dos valores exportados. A idéia de que o século XVIII como o século do ouro não é confirmado pelo gráfico. Entretanto, como podemos observar no gráfico acima, o ouro jamais superou a produção de ca-na-de-açúcar. A decadência da atividade mineradora prende-se ao esgotamento natural das jazidas, à pobreza técnica. A Coroa jamais enviou geólogos ou engenheiros de minas para ministrar conhecimentos aos colonos, o que provocou uma perda muito grande de ouro. O ouro enviado à metrópole, contu-do, não permaneceu por lá e muito menos serviu como estímulo ao desenvolvimento industrial ou econômico de Portugal e quiçá do Brasil. O ouro das Minas Gerais foi reenviado para a Inglaterra para o pagamento das dívidas decorrentes do Tratado de Methuem, assinado em 1703.

O gráfico ao lado mostra que a produção de ouro NUNCA superou, em riqueza, a produção de cana-de-açúcar.

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tante conservador: mantinha o monopólio sobre o comércio de seus produtos e exigia dos colonos o cumprimento das regras mercantilistas, especialmente das colônias do sul. As colônias do Norte, descuidadas pela metrópole, desenvolveram um ativo comércio com os sulistas, as Antilhas e a África. Na prática, o monopólio colonial não era respeitado. Na metade do século XVIII, o comércio colonial era um sério concorrente para o comércio da Metrópole.

A INDEPENDÊNCIA DAS TREZE COLÔNIAS AMERICANAS INTRODUÇÃO A colonização efetiva da América do Norte começou no século XVII, quando a Europa passava por um período de agitação social resultante da reforma protestante. A colonização dessa região foi feita por grupos protestantes que buscavam novos lugares para praticar livremente sua religião. Os peregrinos, como os primeiros colonos eram chamados, estabeleceram-se, a partir de 1620, na costa leste da América do Norte, formando comunidades que se dedicavam à manufatura, pecuária e pequena lavoura. O trabalho era executado pelo próprio colono e sua família, não havendo latifúndio e escravidão. Alguns colonos vinham da Inglaterra estabeleciam-se nas terras dos grandes proprietários do sul da América do Norte, onde trabalhavam em troca de comida, até que sua passagem e estadia, adiantadas pelo fazendeiro, estivessem pagas: era a servidão temporária (indentured servant). Após saldar as suas dívidas, o trabalhador partia em direção ao Oeste, para conseguir sua própria terra. Esse tipo de colônia não interessava à Inglaterra, que buscava colônias ricas em produtos primários, que seriam vendidos a bom preço na Europa. Tais produtos só eram econtrados no Sul da América do Norte, onde havia grandes plantações de algodão (necessário às manufaturas inglesas) que utilizavam o trabalho escravo e o latifúndio (plantation). Assim, enquanto no Sul as relações entre colônia e metrópole se estreitavam, no Norte, o trabalho livre, feito por pequenos camponeses, tornava as colônias independentes da metrópole. Essa relativa independência econômica também se estendia à política: cada núcleo de povoamento tinha um governador nomeado pelo governo inglês. Porém, havia também uma assembléia, eleita pelos colonos, que fazia as leis e votava os impostos, sendo que o rei podia vetar uma decisão da assembléia, mas não podia impor leis sem a aprovação dela. Dessa forma, o pacto colonial quase não vigorava nas parte norte do território inglês na América.

A OPRESSÃO INGLESA. A Grã-Bretanha era vista pelos iluministas como a pátria da liberdade e das e das novas idéias. Mas, em relação às suas colônias da América, o governo britânico era bas-

Nessa época, a Grã-Bretanha se envolveu na Guerra dos Sete Anos (1756-1763) contra a França. Os combates se estenderam para a América, com a participação dos colonos. A Grã-Bretanha foi vitoriosa e se apossou de extenso território a oeste de suas colônias, até então em poder dos franceses. Como os custos da guerra foram altos, o governo britânico decidiu que as Treze Colônias deveriam assumir parte da conta. Tomou medidas para acabar com o comércio colonial, fechou fábricas de tecidos e fundições de ferro e estabeleceu novos impostos – tudo isso sem consultar as assembléias coloniais, como era o costume. Para os colonos foi um duro golpe, pois eles sofreram com os combates sem ter nenhuma compensação. Foram proibidos até mesmo de ocupar as ricas terras obtidas com a guerra. Em 1765, o Parlamento britânico aprovou a Lei do Selo, que taxava todos os documentos comerciais, jornais, livros, anúncios e até cartas de baralho que circulassem nas colônias. Os colonos reagiram: reunidos no chamado Congresso da Lei do Selo, em Nova York, decidiram não comprar mais nada da Grã-Bretanha. O boicote fez cair enormemente as exportações britânicas para as colônias americanas, levando alguns setores da própria Metrópole a condenar as taxações. O governo chegou a suspender a Lei do Selo, mas em 1767 criou novos impostos sobre papel, vidros, tintas, chumbos e chá. Uma manifestação pacífica contra essas medidas foi dissolvida a tiros por soldados britâ-nicos, resultando em mortos e feridos. O Massacre de Boston (1770), como ficou conhecido o episódio, desencadeou a propaganda aberta pela independência.

NASCEM OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA As tentativas britânicas de aumentar o controle sobre as Treze Colônias e de recolher mais impostos não cessaram. Em 1773, o governo metropolitano criou a Lei do Chá, que obrigava os colonos a adquirirem chá somente da Metrópole. Revoltado, um grupo de colonos destruiu o carregamento de chá que estava nos navios ancorados no porto de Boston. Para reprimir o clima de revolta que se espalhava pelas colônias, os ministros britânicos votaram as Leis Intoleráveis (1774). Essas medidas determinaram o fechamento do porto de Boston e o envio de tropas britânicas para a América. Além disso, concediam pelos poderes ao governador para julgar colonos rebeldes. Os colonos não recuaram e começaram a se armar. Um documento exigindo a revogação das Leis Intoleráveis foi 48


elaborado. O governo britânico não cedeu. Em 1775, reunidos em Filadélfia, os colonos decidiram organizar um exército sob comando de George Washington e lutar pela independência. No ano seguinte, 1776, no dia 04 de julho, representantes das Treze Colônias assinaram a Declaração de Independência, redigida por Thomas Jefferson. Dela fazia parte a Declaração dos Direitos do Homem. A luta contra as tropas inglesas, iniciada em 1775, continuou até 1781. Foi a Guerra de Independência, na qual os americanos contaram com a ajuda financeira e militar da França, da Espanha e da Holanda, países rivais da GrãBretanha. Derrotados na batalha de Yorktown, em 1781, os britânicos só reconheceram a independência das colônias americanas em 1783, com um tratado assinado em Versalhes. Por esse tratado, o novo país incorporava também as terras a oeste, até o rio Mississipi. Os colonos trataram de organizar o novo país. Em setembro de 1787 foi proclamada a Constituição dos Estados Unidos da América, que adotava os seguintes princípios fundamentais: •República Federativa e presidencialista, na qual o governo central cuida da defesa, das finanças e das relações externas; •Divisão dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário; •Livre exercício dos direitos políticos e civis para os cidadãos (excluía escravos e indígenas): liberdade de expressão, de imprensa, de crença religiosa e de reunião; •Voto censitário e masculino.

Declaração de Independência dos Estados Unidos Redigida por redigido por Thomas Jefferson e aprovada pelo Segundo Congresso Continental, em 04 de julho de 1776. Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário um povo dissolver laços políticos que o ligavam a outro, e assumir, entre os poderes da Terra, posição igual e separada, a que lhe dão direito as leis da natureza e as do Deus da natureza, o respeito digno às opiniões dos homens exige que se declarem as causas que os levam a essa separação. Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma

que lhe pareça mais conveniente para realizarlhe a segurança e a felicidade. Na realidade, a prudência recomenda que não se mudem os governos instituídos há muito tempo por motivos leves e passageiros; e, assim sendo, toda experiência tem mostrado que os homens estão mais dispostos a sofrer, enquanto os males são suportáveis, do que a se desagravar, abolindo as formas a que se acostumaram. Mas quando uma longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objeto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, assistem-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos-Guardas para sua futura segurança. Tal tem sido o sofrimento paciente destas colônias e tal agora a necessidade que as força a alterar os sistemas anteriores de governo. A história do atual Rei da Grã-Bretanha compõe-se de repetidos danos e usurpações, tendo todos por objetivo direto o estabelecimento da tirania absoluta sobre estes Estados. Nós, por conseguinte, representantes dos Estados Unidos da América, reunidos em Congresso Geral, apelando para o Juiz Supremo do mundo pela retidão de nossas intenções, em nome e por autoridade do bom povo destas colônias, publicamos e declaramos solenemente: que estas colônias unidas são e de direito têm de ser Estados livres e independentes, que estão desoneradas de qualquer vassalagem para com a Coroa Britânica, e que todo vínculo político entre elas e a Grã-Bretanha está e deve ficar totalmente dissolvido; e que, como Estados livres e independentes, têm inteiro poder para declarar guerra, concluir paz, contratar alianças, estabelecer comércio e praticar todos os atos e ações a que têm direito os estados independentes. E em apoio desta declaração, plenos de firme confiança na proteção da Divina Providência, empenhamos mutuamente nossas vidas, nossas fortunas e nossa sagrada honra.

O SIGNIFICADO DA INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS Pela primeia vez estava rompido o cordão umbilical que prendia a colônia à metrópole, representado pelo Pacto Colonial. A essência do absolutismo era o mercantilismo, e a essência do mercantilismo era o pacto colonial. A ruptura de um desses elos significou que existia uma crise profunda no ar, iniciada na própria Inglaterra com as revoluções do século XVII e continuada no século seguinte com a Revolução Industrial e a revolução intelectual dos iluministas. Todos esses acontecimentos foram elementos de um mesmo processo: crise do Antigo Regime (absolutismo e mercantilismo), que teve seu ponto de culminância na Revolução Francesa.

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tal de, aproximadamente, 350 mil membros;

A Revolução Francesa A partir do século XVIII tem início, em quase todo o mundo, uma série de revoluções. Em todas elas encontram-se causas comuns e particulares à região. Elas são revoluções burguesas: a burguesia, que seguiu no final da Idade Média, consolidou-se durante a Idade Moderna e, a partir do século XVIII, aspira ao poder político, correspondente à sua supremacia econômica. O Antigo Regime, no século XVIII, começou a ser contestado pelos Iluministas, especialmente na França governada pelos Bourbons.

A FRANÇA ANTES DA REVOLUÇÃO No final do século XVIII a França ainda possuía uma estrutura social com bases aristocráticas: conservava o caráter de sua origem, da época em que a terra constituía a única forma de riqueza social e conferia, portanto, aos seus possuidores o poder sobre os que a cultivavam, ou seja, a França nos fins do século XVIII era ainda um país agrário, feudal. A introdução de novas técnicas de cultivo e de novos produtos permitiu a melhoria da alimentação e, com isso, o aumento da população. A industrialização incipiente nos grandes centros urbanos, como Paris, já era suficiente para reduzir o preço de alguns produtos estimulando o consumo. O desenvolvimento econômico fortaleceu a burguesia, que passou a aspirar ao poder político e a discutir os privilégios da nobreza. Os camponeses possuidores de terras queriam por sua vez, libertar-se das obrigações feudais que deviam aos senhores. Para agravar ainda mais a situação da França pre-revolucionária, o país enfrentava uma séria crise financeira, em virtude das guerras dispendiosas, da manutenção da corte, da grande fome que abalou a França. A população francesa, no final do século XVIII contava aproximadamente 25 milhões de pessoas. Apesar do Feudalismo ter já findado, muitos vestígios feudais permaneciam existindo, notadamente na sociedade assim hierarquizada: 1º Estado: Compreendia duas categorias: o clero superior (cardeais, arcebispos, bispos, abades) e o clero inferior (padres, vigários), havendo entre eles uma grande desigualdade, estima-se que existia 120 mil clérigos na França; 2º Estado: Dividia-se, também, em duas categorias: os nobres de espada (cujos títulos remontavam aos tempos medievais) e os nobres de toga (geralmente burgueses enriquecidos que compravam títulos de nobreza, ou que se enobreciam através de casamentos), contabilizando um to-

3º Estado: O Terceiro Estado representava o restante da população, cerca de 98%, e havia, também, entre os seus membros, grandes diferenças de privilégios. Formando o grupo superior estava a burguesia, que se dividia em alta (composta por banqueiros, financistas e grandes empresários), a média burguesia ou “classes educadas” (escritores, doutores, professores, juizes funcionários), e a pequena burguesia os artesãos, os lojistas e, por último o povo urbano, ou sans-cullotes, camada social heterogênea de artesãos, aprendizes proletários. As classes populares rurais, que chegavam a 20 milhões de pessoas, destacando-se os servos ainda em condição feudal e os camponeses livres e semilivres completavam o terceiro estado.

CAUSAS Políticas. - o governo despótico de Luís XIV, XV e XVI); - confusão administrativa; - guerras dispendiosas (Guerra dos 07 anos contra a Inglaterra e a participação da França no processo de independência dos Estados Unidos da América); No plano político, a revolução resultou do absolutismo monárquico e das injustiças decorrentes. O rei monopolizava a administração, concedia privilégios, esbanjava com o luxo da corte, controlava os tribunais e condenava à famigerada Bastilha, sem julgamento, através das Lettres de Cachet. Era incapaz de bem dirigir a economia do Estado, constituindo-se num entrave para o desenvolvimento do capitalismo na França.

Econômicas. - o mercantilismo, que tolhia os negócios burgueses; - os privilégios que sobreviviam da época feudal; - o injusto sistema tributário e uma máquina estatal incapaz de cobrar todos os impostos, o que levava a uma precária arrecadação dos impostos; - ascensão da burguesia; - inflação, crise econômica com a dívida chegando a 5 bilhões de libras esterlinas (situação do tesouro francês: 60% da receita - cerca de 300 bilhões de libras-ouro - eram destinados à amortização dos empréstimos contraídos pela Coroa; 12% para o pagamento de pensões aos nobres e gastos da Corte. Apenas 28% cobriam todos os gastos da nação. Por isso o quadro das finanças francesas era de déficit crônico. A administração francesa era complexa, confusa e corrupta. O rei, com o objetivo de aumentar a sua renda, vendia diversos cargos no governo, e isto era uma prática comum. Isto levava ao aparecimento de um funcionalismo incompetente e desconhecedor de administração governamental. Não existia uma unicidade na cobrança dos impostos, no sistema de pesos e medidas, e no sistema financeiro: a moeda não era nacional, era regional, como é no sistema feudal. Não havia, também, um sistema jurídico escrito, as 50


leis emanavam da vontade divina dos reis: os seus desejos eram transformados em leis, aliás eram governantes por vontade de Deus. O sistema jurídico, era, entretanto, fundamentado no antigo Direito Romano e no Direito Feudal Consuetudinário, ou seja, baseado nos costumes. A burguesia, no final do século XVIII, estava controlando as finanças de Luís XVI. De acordo com o historiador francês Albert Soboul, a burguesia francesa fornecia à monarquia não só os quadros administrativos como também os recursos necessários à marcha do Estado. Os interesses da burguesia, enquanto classe, se chocava com os interesses da monarquia absolutista francesa: de um lado temos uma classe voltada para o desenvolvimento da manufatura, no mercado livre, na não interferência do governo na produção, na mão-de-obra assalariada, no consumo, enfim uma classe capitalista; do outro temos uma aristocracia decadente, intervencionista, esclerosada e feudal. É interessante notarmos que sempre quando existe duas classes distintas lutando pela conquista do poder, seja ele político e/ou econômico, um processo de revolução não só é inevitável como é independente do controle dos homens. “A humanidade jamais levanta os problemas que ela não consegue resolver”, já afirmava o velho Marx. Além disso, os preços na França aumentavam consideravelmente, a inflação naquele período era uma das maiores da sua história. O povo comum passava fome, não tinha trabalho e era expulso de suas terras. De acordo com Soboul, no período de Luís XVI tem início do declínio de Luís XVI, período de contração, a seguir de regressão, coroada em 1787 por uma crise cíclica geradora de miséria de distúrbios. O custo de vida popular foi gravemente afetado pela alta dos preços: com cereais aumentando mais que todo o resto, foi o povo o mais duramente atingido. À véspera de 1789, a parte do pão no orçamento popular tinha alcançado 58% por motivo da alta geral; em 1789, atingiu 88%: restavam apenas 12% do rendimento para as demais despesas. A alta dos preços poupava as categorias sociais abastadas, sobrecarregava o povo. A indústria francesa sofreu séria crise a partir de 1786, quando foi feito um tratado comercial com a Inglaterra, pelo qual os produtos agrícolas franceses tinham plena liberdade na Inglaterra em troca da penetração dos produtos industriais ingleses na França. A incipiente indústria francesa não teve condições de agüentar a concorrência, entrando em crise. A grande seca do ano de 1788 diminuiu a produção de alimentos: os preços subiram violentamente e os camponeses começaram a passar fome. Na cidade a miséria não era menor. A situação do tesouro francês, que já não era favorável - pois sua dívida externa era superior a 5 bilhões de libras esterlinas, enquanto que o seu meio circulante não passava de 2,5 bilhões - tornou-se ainda pior depois que a França apoiou a Independência dos EUA, gastando, na aventura cerca de 2 bilhões de libras esterlinas Nesse sentido, podemos afirmar que o terreno em que a Revolução Francesa se construiu, estava profundamente marcada por uma instabilidade política e econômica. De

acordo com Hobsbawm, A Revolução começou como uma tentativa aristocrática de recuperar o estado. Esta tentativa foi mal calculada por duas razões: ela subestimou as intenções independentes do ‘Terceiro Estado’ - a entidade fictícia destinada a representar todos os que não eram nobres nem membros do clero, mas de fato dominada pela classe média - e desprezou a profunda crise sócio-econômica no meio da qual lançava suas exigências políticas. Pode-se afirmar que sobre a massa da população, o terceiro estado, pesava o ônus dos impostos e das contribuições para o rei, para o clero e nobreza. As outras duas ordens privilegiadas tinham isenção tributária: não pagavam impostos e usufruíam as vantagens concedidas pela monarquia sob a forma de pensões e cargos públicos. A principal reivindicação do terceiro estado era a abolição desses privilégios e a instauração da igualdade civil.

Ideológicas - as teorias políticas liberais: Locke, Voltaire, Montesquieu e Rousseau; - as novas teorias econômicas: Quesnay, Adam Smith. Assim, podemos dizer que existiam todas as condições necessárias para precipitar uma revolução. Faltava apenas o momento oportuno, uma conjuntura favorável. Causa imediata: a crise econômica obriga o rei Luís XVI a convocar a Assembléia dos Estados Gerais em 1788.

A REVOLUÇÃO EM SI Nos dias que antecederam a Revolução Francesa, ou seja, antes do rei convocar a reunião dos Estados Gerais, o governo estava falido, devido às diversas guerras de Luís XVI e o apoio aos revolucionários norte-americanos, e necessitava de aumentar os impostos, para manter a sua corte e continuar financiando as suas guerras. Vale lembrar que a França já cobrava diversos impostos, mas devido à ineficiência do sistema tributário e da incompetência daqueles que ocupavam os cargos responsáveis pela sua cobrança, tais impostos não davam conta de suprir as necessidades de Luís XVI. Devido a esta crise os assessores de Luís XVI propuseram à nobreza e ao clero que abrissem mão de alguns de seus privilégios fiscais. O ministro de Luís XVI, Turgot, propôs soluções para o problema financeiro da França, mas a oposição dos nobres foi muito grande e ele teve de demitir o ministro. Luís XVI indicou, então, Calonne para o Ministério, que imediatamente convocou uma reunião dos nobres e dos clérigos: a Assembléia dos Notáveis (1878). O ministro propôs que esses dois estados abdicassem dos seus privilégios tributários, pagando impostos para tirar o Estado da falência financeira. Entretanto, como as soluções apresentadas atingiam o interesse da nobreza e do clero, ele foi afastado de seu cargo. O novo ministro, Necker, com a conivência dos nobres, convenceu o rei a convocar a Assembléia dos Estados Gerais, que não se reunia desde 1614, a França entrou em caos. A idéia era que o terceiro estado pagasse os impostos que o clero e os nobres não 51


queriam pagar. A nobreza e o clero acreditando que tal aumento não poderia recair sobre eles, prepararam uma grande armação: pressionariam o rei para que convocasse os Estados Gerais para decidir sobre o assunto. Esta reunião tinha como objetivo inicial referendar a vontade da nobreza e do clero, e impor os impostos às classes populares, uma vez que, pelo costume, as decisões nas reuniões se davam por voto de “ordem” e não individualmente, além de enfraquecer o poder real. Assim, a estratégia estava montada: um acordo entre a nobreza e o clero garantiria os seus privilégios, e o Terceiro Estado, derrotado teria que aceitar a decisão. Hobsbawm denomina de “reação feudal” esta estratégia da nobreza e do clero. A convocação dos Estados Gerais, em maio de 1789, marca o início da Revolução Francesa. O Terceiro Estado exigiu que se mudasse o sistema de votação e não foi atendido; queriam que a votação se processasse por cabeça e por classe, como sempre havia sido. Como a nobreza e o clero recusaram a proposta, os membros do terceiro estado, acompanhados dos dissidentes dos dois primeiros estados resolveram se separar. Tendo encontrado, por ordem real, a sala de reuniões fechada, os membros do terceiro estado mais dissidentes, dirigiram-se para um sala ao lado, onde jogava o jogo de Péla. Proclamaram-se em Assembléia Nacional e fizeram solene juramento - só se separariam depois de dar uma Constituição para a França. Luís XVI cedeu e ordenou aos nobre e aos clérigos que se reunisse a eles, com o objetivo de ganhar tempo e reunir tropas contra-revolucionárias para suforcar o movimento. A Revolução Francesa estava iniciada. A França iria passar por uma grande modificação.

AS FASES DA REVOLUÇÃO 1ª Fase: A Assembléia Nacional Constituinte Revolução Burguesa (1789-1791) A Assembléia Nacional Constituinte - a Revolução, até então palaciana, tomou as ruas e os campos. O povo, amotinado, organizou a Comuna de Paris e, em 14 de julho de 1789, ocorreu a tomada da Bastilha, célebre prisão, símbolo do despotismo. Apavorados, a nobreza e o clero propuseram, na sessão de 04 de agosto, o fim dos privilégios feudais, ou seja, os camponeses não deviam mais obrigações servis à nobreza e à Igreja. No dia 26 de agosto, foi aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. De inspiração iluminista, o documento defendia o direito à liberdade, à igualdade perante a lei, à inviolabilidade da propriedade e o direito de resistir à opressão. Como o rei recusou-se a aprovar estas medidas, a massa parisiense revoltou-se novamente. Foram as Jornadas de Outubro: o Palácio de Versalhes foi invadido e o rei obrigado a morar em Paris, no Palácio das Tulherias. Em 1791, a constituição ficou pronta: o poder executivo caberia ao rei e o legislativo à Assembléia, que funcionaria regularmente. O feudalismo foi abolido, suprimindo-se os privilégios, com a proclamação da igualdade civil. Manteve-se a

escravidão nas colônias, a administração foi reorganizada e descentralizada. A nacionalização dos bens eclesiásticos e a Constituição Civil do Clero foram confirmadas, temos início a 2ª Fase da Revolução Francesa, a Monarquia Constitucional

2ª Fase da Revolução Francesa - A Monarquia Constitucional (1791-1793) Com a promulgação da Constituição Francesa, o rei passava a ter o seu poder controlado. Ele deixara de ser absoluto. Luís XVI, com o objetivo de ganhar tempo para preparar a contra-revolução, deu sinais de que iria aceitar as normas da Assembléia Nacional. Contudo era só encenação, pois na verdade estava era preparando a “reação aristocrática” O rei Luís XVI, que conspirava contra a revolução, manteve contatos com outros soberanos absolutos da Europa, principalmente com a Áustria. A vitória da Revolução significaria uma onda de movimentos revolucionários por toda a Europa, questionando o absolutismo dos outros soberanos, que por sua vez abandonaram as Reformas Esclarecidas e reaproximaram da Nobreza (o que afirma que o Estado absolutista era uma aliança entre o Rei e a Nobreza, era o último suspiro de uma aristocracia decadente). Neste sentido, as outras nações absolutistas, receosas do movimento francês, começaram a dar apoio a Luís XVI, que julgou que era o momento oportuno para fugir da França e começar do exterior, com o apoio estrangeiro e dos emigrados, a contra-revolução. O rei fugiu do Palácio das Tulherias, em julho de 1791, mas foi reconhecido e preso em Varrenes. A suspeita de traição real foi confirmada pela fuga, e o rei foi enviado de volta para o palácio sob forte vigilância. O movimento revolucionário francês estava dividido em dois grupos: os aristocratas e os patriotas. A unidade que existia entre os patriotas no início da Revolução, foi aos poucos desaparecendo, dando origem a uma composição político-partidária bastante complexa. Assim, os patriotas se dividiram em Girondinos, Jacobinos e Cordeliers. • Os Girondinos - Um grupo de liberais moderados, e principalmente um grupo de políticos que se aglomeravam em torno dos deputados dos departamento mercantil de Gironda (província ao norte da França), exercia um certo controle da Assembléia Legislativa mas pouco a pouco vão perdendo o prestígio político. Era constituído por representantes da alta e média burguesia republicana. A burguesia moderada já tinha chegado aonde queria chegar. Gostariam de dar um ponto final no processo revolucionário, mas os rumos que estavam sendo tomados não mostravam isso. Os Girondinos defendiam um governo no qual os departamentos (o equivalente aos estados, aqui no Brasil) podiam exercer controle sobre seus próprios assuntos; eram contra a interferência do estado na economia. • Os Jacobinos, que tinha dentro de seus quadros um grupo mais radical denominado de Montanha, defendiam um governo forte e centralizado, sendo Paris a sua capital do poder político; defendiam também a interferência do Estado na economia para garantir as necessidades de guer52


ra e diminuir a crise econômica. Os Jacobinos, ao contrário dos Girondinos, eram firmes nas suas concepções, além de serem extremamente organizados e disciplinados. Acreditavam que somente eles poderiam salvar a República. Tinham nos Sans Cullotes, o seu ponto de apoio. • Codeliers, ou Pântano, possuíam este nome por ocuparem os lugares mais baixos da Câmara. Caracterizam-se pela indefinição política, apoiando ora os Girondinos, ora os jacobinos. • Sans-culottes - Os pequenos comerciantes, artesãos, lojistas, artífices, pequenos empresários, assalariados entre outros formavam este grupo, que podemos ver era basicamente urbano e disforme. De acordo com Hobsbawn, os Sans-culottes eram organizados, principalmente, nas seções de Paris e nos clubes políticos locais, e forneciam a principal força de choque da revolução - eram os verdadeiros manifestantes, agitadores, construtores de barricadas. Eles formularam uma política, por trás da qual estava um ideal social contraditório e vagamente definido, que combinava o respeito pela (pequena) propriedade privada com a hostilidade aos ricos, trabalho garantido pelo governo, salários e segurança social para o homem pobre, uma democracia extremada, de igualdade e de liberdade, localizada e direta. Na verdade, os Sans-culottes eram um ramo daquela importante e universal tendência política que procurava expressar os interesses da grande massa de ‘pequenos homens’ que existia entre os pólos do ‘burguês’ e do ‘proletário’, freqüentemente talvez mais próximos deste do que daquele porque eram, afinal, na maioria pobres. Movidos pela mesma vontade que a Burguesia tinha de se igualar aos nobres, ou o contrário, os Sans-culottes queriam a igualdade com a burguesia, ou uma certa igualdade. Socialmente defendiam uma nação de pequenos fazendeiros, ninguém devia ser dono de mais de uma oficina ou loja. Contudo, por ser um fenômeno tão desamparado que seu próprio nome esta praticamente esquecido, ou só é lembrado como sinônimo do jacobinismo que lhe deu no Ano II (de acordo com o novo calendário criado pela Revolução Francesa, criado após a Proclamação da República, em 1793). Os Girondinos tinham a maioria e o apoio do próprio rei, que neles confiava para conter os avanços da revolução. Graças a esse fato, o rei conseguiu maioria na Assembléia para vetar o projeto que deportava os padres refratários e convocava o exército para fazer frente aos inimigos da revolução, cuja atividade aumentava fora da França. Finalmente, quando os inimigos da revolução, representados pelo exército austro-prussiano, e dos emigrados, comandados pelo duque prussiano de Brunswick e apoiados secretamente por Luís XVI, invadiram a França, a invasão começou, radicalizando-se a posição contra os nobres, considerados traidores. A massa parisiense, que ganhava cada vez maior importância política, apoiando os Jacobinos e liderados por Danton e Marat, atacou os aristocratas nas prisões. Foi o massacre de setembro. Medidas de carácter excepcional foram tomadas para conter a invasão; o exército nacional foi convocado com apresentação obrigatória de todos os homens válidos.

No dia 20 de setembro de 1792, o exército austro-prussiano foi batido em Valmy. Na mesma noite, em Paris, foi proclamada a República. O rei foi considerado prisioneiro e suspeito de traição, devendo ser julgado. O Rei foi condenado à guilhotina, acusado de traição ao povo francês. Foi guilhotinado no dia 21 de Janeiro de 1793. Com a proclamação da República, tornar-se-ia necessária a substituição da Assembléia Nacional.

3ª Fase: A Convenção Nacional ou Revolução Popular (1792-1794). Com a proclamação da República foi formada uma nova Assembléia que deveria elaborar uma nova Constituição para a França, agora Republicana. Esta nova Assembléia recebeu o nome de Convenção. Os Girondinos, que eram maioria nas duas primeiras fases da Revolução, perderam força política para os Jacobinos. O primeiro ano da República, 1793, foi chamado de ano I, no novo calendário que foi feito. Uma nova representação tomou posse naquele ano, eleita mediante sufrágio universal masculino, o que acentuou seu caráter popular: foram vitoriosos na eleição os Jacobinos, destacando o grupo denominado de Montanheses (mais radical). Pela nova constituição, os 750 deputados eleitos escolheriam a mesa dirigente do país, que teriam funções executivas, durante os anos da República, esta mesa recebeu o nome de Comitê de Salvação Pública. Para combater a Revolução Francesa e impedir que as suas idéias se espalhem pela Europa foi criado a chamada “Primeira Coligação”, que foi uma aliança entre as forças reacionárias da Europa: Holanda, o Santo Império e a Inglaterra (esta por interesses financeiros). Para enfrentar esta Coligação, a Convenção criou uma série de instituições: o Comitê de Salvação Pública (encarregado do controle do Exército), o Comitê de Segurança Nacional (que garantiria a segurança interna) e o Tribunal Revolucionário (responsável do julgamento dos contra-revolucionários). Todos os comitês eram controlados pelos Jacobinos, que dominavam a Convenção, exceto o Tribunal Revolucionário que foi criado e presidido durante a primeira fase pelo líder dos indulgentes, Danton, começando então o processo de expurgo dos adversários políticos. Os Girondinos foram acusados de Partidários do rei e dos nobres e vários de seus membros foram guilhotinados. Marat, líder dos Jacobinos, foi assassinado por Charlotte Corday. Começava o período do Terror, que se estendeu de junho de 1793 a julho de 1794. Este período ficou a cargo do grupo denominado Montanha, que tinha na pessoa de Robespierre o seu líder. As perseguições aos contra-revolucionários se ampliavam cada vez mais, abrangendo todo o país. Os indulgentes, chefiados por Danton, temiam que a onda de violência pudesse envolvê-los, e por isso protestavam contra as mortes e pediam o fim das perseguições. Danton foi condenado pelo Tribunal Revolucionário à guilhotina por traição ao povo francês. No extremo oposto aos indulgentes estavam os herbertistas, seguidores de Hérbertt, que pregavam a ampliação das medidas de violência. Hérbert também foi condenado à guilhotina. 53


Robespierre conduzia o movimento tentando manter-se entre os grupos extremistas da esquerda, e como a pressão popular, expressada pelos Sans-Culltotes, era muito grande, foi obrigado a fazer inúmeras concessões às massas: os preços foram tabelados, os exploradores perseguidos, os impostos sobre os ricos aumentaram, pobre, velhos e desamparados foram protegidos por leis especiais, a instrução tornou-se obrigatória, os bens dos nobres e emigrados foram vendidos para cobrir as despesas do Estado. Essas leis sociais provocaram ondas contra-revolucionárias em toda a França. para vencê-las foram tomadas medidas drásticas: qualquer suspeito era condenado. O Tribunal Revolucionário aprisionou mais de 300 mil pessoas, e destes, 17 mil foram guilhotinados, enquanto muitos outros morreram nas prisões esperando o julgamento. O Terror atingiu o auge em 1794, alcançando os próprios membros da Convenção. Robespierre, para continuar no poder, tinha que eliminar todas as oposições, por isso eliminou Danton e Hérbert. Nessa altura, os êxitos militares do exército revolucionário diminuíram a tensão interna e a população passou a desejar o afrouxamento da repressão. Os Girondinos, que tinham se isolado durante o Terror para salvar seus pescoços, voltaram à carga. Robespierre não tinha mais os SansCullotes para apoiá-lo, pois liquidara seus líderes. Em Julho de 1794 (9 Termidor pelo novo calendário da Revolução) Robespierre foi aprisionado junto com seu companheiro Saint-Just e, em seguida, foram guilhotinados em praça pública. A alta burguesia estava voltando...

4ª Fase - A Reação Termidoriana ou Contra-Revolução Burguesa: o Diretório (1794-1799). Após a morte de Robespierre, o poder da Convenção ficou nas mãos do Pântano - movimento formado por elementos da alta burguesia, de duvidosa moralidade pública e grande oportunismo político. Ligados aos Girondinos, instalaram a fase conhecida por Reação Termidoriana. Foi elaborada uma nova Constituição - a Constituição do Ano II - que alterou significativamente a configuração política da Assembléia criando a figura dos diretores que tinham funções executivas: no centro estavam os Girondinos; à direita os realistas, que defendiam a volta da monarquia; e à esquerda o que sobrou dos Jacobinos e socialistas utópicos que defendiam a tomada de medidas de cunho mais social. Em 1795, os realistas tentaram dar um golpe de estado que foi sufocado pelo jovem tenente de cavalaria Napoleão Bonaparte, que estava em Paris, por acaso. Em recompensa recebeu o comando do Exército Francês na Itália. Em 1798, os Jacobinos voltam à cena política, vencendo as eleições. A burguesia francesa estava desejosa de paz. Desejava um regime de governo forte que reconduzisse a França ao caminho da normalidade. Alguns diretores Sieyès, Roger Ducos e outros - preparam o golpe de Estado que levaria Napoleão Bonaparte ao poder, realizado a 9 de novembro de 1799, ou, pelo novo calendário, 18 Brumário (antes dos jacobinos assumirem). Napoleão consolidaria o

poder da burguesia no contexto da revolução, evitando tentativas jacobinas de retomar o poder. Com o golpe de 18 Brumário, a Revolução Francesa tem um fim. E iniciamos o período Napoleônico. “O ESTADO SOU EU” “(...) E somente na minha pessoa que reside o poder soberano... é somente de mim que os meus tribunais recebem a sua existência e a sua autoridade; a plenitude desta autoridade, que eles não exercem senão em meu nome, permanece sempre em mim, e o seu uso nunca pode ser contra mim voltado; é unicamente a mim que pertence o poder legislativo, sem dependência e sem partilha; é somente por minha autoridade que os funcionários dos meus tribunais procedem, não à formação, mas ao registro, à publicação, à execução da lei, e que lhes é permitido advertir-me o que é do dever de todos os úteis conselheiros; toda a ordem pública emana de mim, e os direitos e interesses da nação, de que se pretende ousar fazer um corpo separado do Monarca, estão necessariamente unidos com os meus e repousam inteiramente em minhas mãos”. (Resposta do Rei, Luis XIV ao Parlamento de Paris, em 03 de março de 1766). A Revolução Francesa foi o grande movimento social e político do século XVIII. Foi um marco na Era das Revoluções Burguesas pelo seu caráter liberal e democrático. Enquadrou-se num movimento revolucionário que atingiu todo o Ocidente, mas teve a sua própria originalidade. A sociedade francesa da segunda metade do século XVIII, era uma sociedade de estamentos, ou seja, sem mobilidade social como no capitalismo. Era composta de dois Estados privilegiados (o clero e a nobreza) que oprimiam e exploravam o Terceiro Estado (povo). Os impostos e as contribuições para o rei, o clero e a nobreza eram pagos pelo Terceiro Estado. Os dois primeiros não só tinham isenção tributária como ainda usufruíam o tesouro real, por isso, a principal reivindicação do Terceiro Estado era a abolição dos privilégios de origem feudal e a igualdade civil. Em meio ao caos econômico, provocada pela má administração do tesouro e o envolvimento da França em diversas guerras na Europa e na América, o rei francês, Luís XVI, tinha que tomar uma iniciativa para superar a crise. Assim, o Primeiro Estado (Clero) e o Segundo Estado (Nobreza) convenceram Luís XVI a convocar a Assembléia dos Estados Gerais, que não se reunia desde 1614. O objetivo era que o Terceiro Estado pagasse os impostos que o clero e a nobre-za se recusaram a pagar. A Assembléia dos Estados Gerais reuniu-se em maio de 1789, no Palácio de Versalhes. O Clero e a Nobreza tentaram diversas manobras para conter o ímpeto reformista do Terceiro Estado. Dada à intransigência dos Estados politicamente dominantes os representantes do Terceiro Estado, liderados pelos Girondinos (alta burguesia), Jacobinos (representantes da massa 54


parisiense) e Pântano (setores das classes médias francesas), se rebelaram e se proclamaram em Assembléia Nacional Constituinte. A agitação tomou conta das ruas de Paris, e no dia 13 de julho foram formadas as “Milícias de Paris”, organização militar-popular. No dia seguinte, 14 de julho, a Bastilha (símbolo do absolutismo de Luís XVI) foi tomada pelo povo. A Revolução Francesa estendeu-se ao campo, com maior violência, onde os camponeses saqueavam as propriedades feudais, e invadiam os cartórios para queimar os títulos da propriedade daquelas terras. Este episódio ficou conhecido como “O Grande Medo”. A Assembléia Nacional Constituinte, no dia 04 de agosto, aprovou a abolição dos direitos feudais, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A finalidade dessas leis era aliviar as pressões das massas populares – SansCulottes. Entretanto, o rei Luís XVI recusou-se a promulgá-las e a massa parisiense revoltou-se novamente - foram as “Jornadas de outubro”: o Palácio de Versalhes foi invadido e o rei obrigado a morar no Palácio das Tulherias, em Paris. Em 1790, foi aprovada a Constituição Civil do Clero e as terras da igreja católica foram confiscadas para o governo francês. Tais medidas foram repudiadas pelo Papa. A Assembléia Nacional Constituinte também aprovou a divisão dos poderes do Estado em três (executivo, legislativo e judiciário), o direito do povo de se rebelar contra aquele governante que fosse tirânico entre outras medidas de forte cunho iluminista.

Just acabaram sendo aprisionados e guilhotinados em julho de 1794 quando os Girondinos voltam ao poder, iniciando a fase denominada de Reação Temidoriana, também conhecida como Diretório, que assinala a volta da alta burguesia (Girondinos) ao poder, com o apoio das classes médias (Pântano). Esse período foi marcado por uma série de golpes e contra-golpes. Em 09 de novembro de 1799, depois de um acordo com os Girondinos, que comandavam o Diretório, o marechal Napoleão Bonaparte entrou triunfante em Paris e fechou a Assembléia do Diretório, se proclamando Cônsul (e depois Imperador) da França. Este fato ficou conhecido como o Golpe do 18 Brumário. A Revolução Francesa foi, sem dúvida alguma, um dos movimentos mais importantes da História da Humanidade. Tanto é verdade que ela marca o fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea, com a supremacia da burguesia enquanto classe social e politicamente hegemônica.

Em 1791, iniciou-se a fase denominada de Monarquia Constitucional, com a supremacia política dos Girondinos, com o rei perdendo seus poderes absolutos e o seu poder passou a ser limitado por uma Constituição. O rei Luís XVI, que vinha conspirando contra o movimento revolucionário do Terceiro Estado desde o início, tentou fugir, mas foi reconhecido e preso na cidade de Varrenes. Este fato provocou a perda da pouca confiança que ainda merecia. A invasão da França pelo exército áustroprussiano provou a traição do rei, que deveria ser julgado. As forças absolutistas, em um número bem maior, foram derrotadas na batalha de Valmy em 1792. Nesta batalha, um jovem capitão se destacou pela sua bravura e inteligência. Seu nome: Napoleão Bonaparte. Em fins de 1792 a República Francesa foi proclamada e a Convenção iniciou o governo, agora com a supremacia política dos Jacobinos, liderados por Robespierre, Saint-Just, Marat e Danton. No processo contra traição, o rei Luís XVI é defendido pelos Girondinos e acusado por Robespierre e Saint-Just. Luís XVI foi guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. O julgamento e a execução do rei abalaram a Europa: Inglaterra, Holanda e o Santo Império (Alemanha) formaram a primeira coligação das forças absolutistas da Europa contra a França. A fase da Convenção foi a mais radical. Nela iniciou-se o Período do Terror, que se estendeu de junho de 1793 a julho de 1794. Para conter o extremismo, Robespierre acabou liquidando os líderes dos Sans-Culottes. Era o Terror atingindo os próprios membros da Convenção. Sem o apoio dos Sans-Culottes, Robespierre e Saint-

Reunião da Assembléia dos Estados Gerais na França

Símbolos de uma época Pintura clássica da Revolução Francesa: à frente vemos a mulher com os seios à mostra (simbolizando o novo e o revolucionário), uma criança com um tambor que tocava a Marselhesa (Hino da Revolução Francesa) e podemos perceber que, mesmo com vários mortos, a Revolução continua e a bandeira tricolor (vermelho, branco e azul) continua a ser empunhada. 55


Em 1802, Napoleão assinou a Paz de Amiens, pondo fim ao conflito europeu que durava desde 1792.

A crise do Antigo Regime: o Império Napoleônico Enquanto no Brasil germinavam as sementes da Independência, na França florescia um novo Império. Coube a Napoleão a tarefa de consolidar internamente e difundir externamente os ideais da Revolução. Ela havia atingido o auge durante o Terror. A reação veio em 1795 com a implantação do Diretório. Este teve dificuldades para governar, atacado pelos partidários da realeza, que queriam a volta do Antigo Regime, e pressionado pelas camadas populares, que queriam a volta do Terror. Alguns diretores resolveram fortalecer o poder do Diretório, conspirando com um líder militar popular, que se havia destacado em guerras da França contra a Itália (17961797) e no Egito (1798-1799): Napoleão. Foi ele o escolhido para chefiar o golpe que depôs o Diretório, dissolveu a Assembléia e implantou o regime do Consulado (17991802). Não passava de uma ditadura disfarçada. Em 1804, foi criado o Império, espécie de monarquia vitalícia. Apesar de haver Constituição, Napoleão governou despoticamente. Por algum tempo, a prosperidade resultante das reformas internas e o êxito das guerras permitiram a continuidade do regime, Com os primeiros fracassos militares, seus fundamentos seriam abalados, até a queda em 1914.

O CONSULADO VIRA MONARQUIA Em 1799, a França apresentava aspecto desolador: indústria e comércio arruinados; caminhos e portos destruídos; serviço público desorganizado; emigrados fugiam da desordem e da ameaça de confisco de bens; clérigos que se haviam recusado a acatar a nova Constituição eram perseguidos. A guerra civil parecia iminente. Napoleão procurou fazer uma política de reconciliação. A Constituição, aprovada em plebiscito por mais de 3 milhões de votos, lhe deu poderes ilimitados, sob aparência de regime republicano: o Consulado. 0 voto era universal. Fazia-se uma lista de candidatos mais votados e entre eles o governo escolhia os encarregados das funções públicas. 0 fraco Poder Legislativo se compunha de quatro assembléias: Conselho de Estado, que preparava as leis; o Tribunal as discutia; o Corpo Legislativo votava; e o Senado velava pela execução. 0 Poder Executivo, confiado a três cônsules nomeados pelo Senado por dez anos, era o mais forte. Quem detinha o poder mesmo era o primeiro cônsul; ele propunha e mandava publicar as leis, nomeava ministros, oficiais, funcionários e juízes.

Seu governo reorganizou e centralizou a administração. Tomou medidas financeiras importantes, como a criação de um corpo de funcionários para arrecadar impostos e a fundação do Banco da França, com direito de emitir papel moeda. A situação econômica melhorou. 0 ensino secundário se organizou com o objetivo de instruir funcionários para o Estado. A maior obra de Napoleão foi o Código Civil, inspirado no Direito Romano, nas Ordenações Reais e no Direito Revolucionário; completado em 1804, continua na essência vigorando em nossos dias. A paz com a Igreja veio em 1801. 0 Papa aceitou o confisco de bens, e o Estado ficou proibido de interferir no culto. Os bispos, indicados pelo governo e investidos nas funções pelo Papa, prestariam juramento de fidelidade ao governo. As bulas Papais só entrariam em vigor depois de aprovadas por Napoleão. Vitorioso interna e externamente, Napoleão pôde estabelecer a hereditariedade do Consulado em 1802: recebeu do Senado o direito de indicar seu sucessor. Tratava-se da implantação da monarquia hereditária.

O DESPOTISMO DE NAPOLEÃO Aproveitando o perigo trazido pelo reinício das guerras, Napoleão se fez proclamar imperador. Em 1804, nova Constituição legalizava o Império e convocava um plebiscito para confirmar sua instituição. 0 Papa sagrou Napoleão em Paris. Seu poder era absoluto. Ao Código Civil, seguiram-se o Comercial e o Penal. A economia se aqueceu. Os camponeses passaram a produzir mais e a apoiar o regime. A indústria foi estimulada. 0 governo concluiu numerosos trabalhos iniciados no Consulado: canais, portos, estradas, embelezamento de cidades. Napoleão tornou-se mais despótico que os antigos reis. Suprimiu as assembléias; o Tribunal e os Corpos Legislativos perderam suas funções; não havia respeito pelas liberdades individuais e políticas; a imprensa ficou sob censura. 0 imperador interveio na educação. Alterou o programa de disciplinas perigosas para o regime, como História e Filosofia. Serviu-se até da religião: o catecismo ensinava os deveres para com Deus e para com o imperador; quando o Papa se recusou a integrar-se na política internacional de Napoleão, ele lhe tomou os Estados e confinou-o em Savona (1809); os bispos que tomaram o partido do Papa foram perseguidos.

POLÍTICA EXTERNA Em 1803, a Inglaterra se uniu à Rússia e à Áustria para lutar contra a França. Os ingleses venceram no mar, em Trafalgar, na Espanha; mas os franceses bateram os austrorussos em terra, em Austerlitz, Boêmia. No fim da guerra, a Áustria foi separada da Alemanha e da Itália, e esta submetida à França. Na Alemanha criou-se a Confederação do Reno, sob tutela francesa, para substituir o Sacro Império. Outra aliança se formou em 1806 contra Napoleão: a Prússia e a Rússia, ambas vencidas. Pela Paz de Tilsit 56


(Prússia), a Prússia foi desmembrada e a Rússia se aliou à França. Para enfraquecer a Inglaterra, Napoleão decretou o Bloqueio Continental: todos os europeus eram obrigados a fechar seus portos ao comércio inglês. O desejo de conquistas na Península Ibérica abriu à França novos campos de conflito. Os austríacos aproveitaram e retomaram as armas em 1809, mas foram batidos e também sofreram desmembramento. O poder Napoleônico chegava ao auge. Seu organizado exército parecia imbatível. A Europa ocidental estava submetida a seu poder. Mas as intervenções francesas provocaram revoltas nacionais, principalmente na Prússia. Em 1812 terminou a aliança com os russos, quando eles romperam o bloqueio contra os ingleses. Napoleão invadiu a Rússia. Venceu a Batalha de Moscou, mas encontrou tanta resistência que foi obrigado a uma retirada desastrosa. Na Espanha as tropas sofriam com os guerrilheiros. A família real portuguesa fugiu para o Brasil: mais, uma brecha no Bloqueio Continental.

Prússia e Áustria então se aliaram à Rússia e venceram Napoleão em Leipzig (Confederação do Reno), destruindolhe o poder na Europa (1813). Ele nem sequer conseguiu impedir a invasão da França. Os aliados tomaram Paris, restabeleceram a monarquia deposta em 1792 e obrigaram Luís XVIII a aceitar o Tratado de Paris. Preso na ilha mediterrânea de Elba, Napoleão fugiu em março de 1815 e retomou o poder (Governo dos Cem Dias). Mas foi detido pela última coligação européia contra a França. Os ingleses o derrotaram em Waterloo, na Bélgica. Preso na ilha de Santa Helena, costa africana, morreu em 1821. Luís XVIII retomou o poder. Em 1814-1815, o Congresso de Viena restabeleceu o equilíbrio entre as grandes potências (Inglaterra, Prússia, Rússia e Áustria); Alemanha e Itália permaneceram divididas; a Inglaterra adquiriu a supremacia marítima e colonial. Para preservar a paz e evitar perturbações sociais como a Revolução Francesa e as guerras de Napoleão, as potências criaram a Santa Aliança.

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se-á a um verdadeiro assalto da Inglaterra às ex-colônias Americanas. A preocupação da Inglaterra era garantir a dependência econômica destes novos países. Com a Revolução Francesa, em 1789, o Antigo Regime é destruído e uma nova sociedade surge: a sociedade capitalista burguesa e liberal.

A Crise do Antigo Sistema Colonial e a Independência do Brasil. No Brasil, a partir da segunda metade do século XVIII (1750 em diante), a mineração começa a entrar em crise devido ao fato do ouro aqui encontrado ser de aluvião, o que não exigia grandes técnicas de exploração. Com isso a dívida de Portugal para com a Inglaterra aumentar-se-ia consideravelmente. Um outro problema apresentava-se para a coroa portuguesa: com a decadência da produção de Ouro, o número de pessoas que viviam em estado de miséria crescia consideravelmente, o que facilitava a revolta e a desordem. A partir de meados do século XVIII o sistema colonial começa a entrar em crise. Essa crise tem como causa a profunda transformação econômica verificada nos países centrais da Europa. Temos, de um lado a Revolução Industrial, que ocorreu na Inglaterra graças ao ouro advindo do Brasil, e a substituição gradativa do capitalismo comercial pelo capitalismo industrial. Como parte deste processo, o pequeno produtor (artesão) que trabalhava diretamente para o consumidor vai desaparecendo, e em seu lugar vão surgindo as grandes indústrias. Assim, o sistema colonial entrará em choque com o capitalismo industrial porque não concorda com o regime de monopólio (exclusivo comercial), nem com o regime de trabalho escravo, pois o sistema colonial através dos monopólios garante o mercado das colônias para os comerciantes das metrópoles, e através da escravidão não gera um mercado consumidor, pois o escravo não recebendo uma remuneração pelo seu trabalho não pode ser consumidor dos produtos industrializados. Além do desenvolvimento do capitalismo industrial como causa externa, que age no sentido de desestruturar o Antigo Sistema Colonial brasileiro, temos também as Revoluções Burguesas, o surgimento do movimento do Iluminismo, e as independências da América Latina. As principais revoluções burguesas foram: a Independência das 13 colônias Americanas (14 de julho de 1776); a Revolução Industrial (Inglaterra, segunda metade do século XVIII) e a mais importante de todas, a Revolução Francesa (França, 1789). Com as proclamações de Independência das Colônias Espanholas na América no início do século XIX, assistir-

As monarquias européias ficaram assustadas e tentaram invadir a França Revolucionária para impedir que as idéias revolucionárias se alastrassem. Nessa luta da França Burguesa contra as monarquias absolutas européias afim de evitar que burguesia francesa fizesse frente ao domínio dos mercados mundiais. No início do século XIX o Imperador francês, Napoleão Bonaparte, consegue, em uma contra-ofensiva, derrotar as monarquias feudais e dominar quase toda a Europa, mas não consegue derrotar a marinha Inglesa, a melhor do mundo no momento. Dessa forma, Napoleão percebendo que não poderia derrotar militarmente a Inglaterra tenta derrotá-la economicamente decretando, em 1806, o Bloqueio Continental, que proibia todos os países europeus (seus aliados) de comerciarem com Inglaterra. Como Portugal possuía diversos acordos e uma enorme dívida para com a Inglaterra ficou em uma situação complicada: se atendesse ao decreto de Napoleão, os ingleses invadiriam o Brasil; e se contrariasse Napoleão, sofreria a vingança Francesa. Para salvar a coroa portuguesa, ameaçada de ser invadida pela França, o príncipe regente D. João, foge para o Brasil auxiliado pelos Ingleses, trazendo consigo cerca de 15.000 pessoas, principalmente nobres da Corte. Para a colônia brasileira, a presença da família real portuguesa trouxe inúmeras conseqüências, a principal delas a oportunidade de se transformar em sede do governo português, o que ocorreu em 1812, com a elevação do Brasil em Reino Unido à Portugal e Algarves, deixando, desta forma de ser uma Colônia. Isso significava, expansão econômica, contatos entre as capitanias. Só não significava, ainda, liberdade. Tão logo a família real chega ao Brasil, D. João anuncia abertura dos portos às “Nações Amigas de Portugal”, em 1808. O Brasil podia, a partir de agora, comerciar diretamente com os países amigos de Portugal. A medida de elevação do Brasil à sede do Governo Português, à categoria de Reino Unido à Portugal e Algarves, bem como a abertura dos portos às nações amigas representou o fim do Pacto Colonial. Através deste decreto estabelecia-se que todas as mercadorias pagar-se-iam uma taxa de 24% a título de impostos, sendo que somente aos produtos portugueses, aplicar-se-ia a taxa de 16%. Entretanto, a Inglaterra não estava satisfeita, pois a taxa de 24% encarecia bastante os seus produtos, e forçou a coroa lusitana a reduzí-la. Assim, em 1810, foi assinado um decreto onde estabelecia que os produtos ingleses ingressariam no Brasil pagando apenas 15% de impostos, um ponto percentual menor do que os produtos portugueses. A dominação inglesa consolidavase. Somente, seis anos depois, em 1816 é que as taxas entre os produtos lusitanos e saxões seriam igualadas. 58


Durante a permanência de D. João no Brasil, algumas medidas são tomadas, entre elas destacam-se: o embelezamento e melhoria do Rio de Janeiro (sede do governo colonial desde o ciclo do ouro, transformado em capital do Império Português); a criação do Banco Brasil, Jardim Botânico e Casa da Moeda; criação de escolas de ensino superior; instalação dos Ministérios do Reino, da Marinha e da Guerra; liberação da entrada de estrangeiros e permissão para instalar indústrias no Brasil; e assinaturas de diversos tratados com a Inglaterra, liberando os seus produtos do pagamento de diversos impostos.

O RETORNO DE D. JOÃO VI A PORTUGAL Por volta de 1820, enquanto os países latino-americanos estavam em pleno processo de libertação, o Brasil permanecia ligado à Metrópole, mas vivia como se fosse independente. Era considerado reino, sediava a corte portuguesa e tinha liberdade de comércio externo e de instalar manufaturas. O Rio de Janeiro parecia uma cidade européia, com seus palacetes, jardins, lojas e teatro. Enquanto o Brasil prosperava, Portugal definhava. Com a abertura dos portos, a burguesia lusa perdeu as vantagens do monopólio. Não podia concorrer com os produtos industrializados britânicos, melhores e mais baratos. Desde 1807, o país era governado por uma regência sem poder efetivo. O verdadeiro poder estava nas mãos dos militares, chefiados por oficiais ingleses sob o comando de Lord Beresford. Em agosto de 1820, os portugueses se revoltaram contra a crise econômica e a situação política, exigindo uma constituição para o reino. A Revolução do Porto, liderada pela burguesia comercial, ganhou a adesão do povo. Um governo provisório foi organizado, e foram convocadas as Cortes, uma assembléia com representantes de todo o império português, com a missão de elaborar uma constituição liberal que impusesse limites à autoridade real. No Brasil, brasileiros e portugueses receberam com entusiasmo as idéias liberais dos revolucionários. Estavam todos unidos contra o absolutismo. Por isso, quando as Cortes exigiram o regresso de d. João VI, a maioria aprovou essa decisão. Antes de partir, o rei foi pressionado a jurar que obedeceria à Constituição que ainda seria escrita. No dia 26 de abril de 1821, d. João VI partiu para Portugal acompanhado por nobres, militares e criados. Deixou no Brasil seu filho e herdeiro do trono, d. Pedro, como príncipe regente, encarregado de governar o Brasil em nome do rei de Portugal. Nas quinze províncias brasileiras, ocorreram eleições para escolher os deputados que representariam o Brasil nas Cortes. Porém, quando os primeiros deles chegaram a Lisboa, em agosto de 1821, viram que nada poderiam fazer em benefício do Brasil. Eram uma minoria na assembléia:

apenas 50 representantes brasileiros contra 130 deputados portugueses.

A CAMINHO DA INDEPENDÊNCIA Os deputados brasileiros nas Cortes se decepcionaram com as intenções dos portugueses. Desejava-se a recolonização do país. Isso devolveria à burguesia metropolitana antigos privilégios comerciais. Para tal, pretendia-se anular as medidas tomadas por d. João VI e reduzir a autonomia administrativa do Brasil. Para os brasileiros, isso significava voltar à posição de Colônia, o que não podiam admitir. As divergências entre portugueses e brasileiros nas Cortes agitaram e dividiram a população do Brasil. Comerciantes e militares portugueses apoiavam as intenções recolonizadoras das Cortes. Proprietários rurais e camadas médias urbanas defendiam a manutenção das liberdades comerciais e da autonomia administrativa. As discussões entre essas duas posições estavam nas ruas e nos jornais. O príncipe regente, d. Pedro, manteve-se indiferente a tal situação até dezembro de 1821, quando chegou ao Rio de Janeiro uma carta das Cortes exigindo seu regresso imediato a Portugal. Julgando que essa exigência era o início da recolonização do Brasil, os brasileiros entregaram a d. Pedro um longo abaixo-assinado pedindo sua permanência. O príncipe regente decidiu permanecer no Brasil; a data dessa decisão, 9 de janeiro de 1822, ficou conhecida como o Dia do Fico. Era o primeiro sinal de rompimento de d. Pedro com as Cortes e de sua aliança com os brasileiros. Seguiram-se outras resoluções do príncipe, também favoráveis aos brasileiros e que o tornaram mais popular: • nomeação de brasileiros para o Ministério (pela primeira vez, eles assumiam cargos políticos importantes); • expulsão das tropas portuguesas fiéis às Cortes; • exigência da aprovação de d. Pedro para o cumprimento de decretos das Cortes (lei do “cumpra-se”); te.

• convocação de uma Assembléia Nacional Constituin-

Começou-se a falar abertamente em independência do Brasil. O governo português enviou ordens mais duras: exigiu o regresso imediato de d. Pedro e declarou anuladas todas as medidas tomadas por ele. Os decretos das Cortes foram mandados para São Paulo onde se encontrava o príncipe. O mensageiro encontrou-se com d. Pedro às margens do riacho do Ipiranga. Após ler a correspondência, ele reuniu a comitiva e proclamou a sua decisão: a independência do Brasil. Era o dia 7 de setembro de 1822. A Independência é a conciliação do Estado absolutista de 1808 com um projeto de liberalismo condicionado à manutenção das grandes propriedades escravistas.

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com a perspectiva da invasão francesa, saíam às ruas de Lisboa sem nada poder fazer. Em meio a confusão geral, a rainha D. Maria I, a Louca, afastada do trono em 1792 por problemas de saúde, dizia: “Não corram tanto! Pensarão que estamos fugindo”. No dia seguinte, as tropas francesas do general Junot chegavam a Lisboa.

O processo de independência do Brasil A TRANSFERÊNCIA DA FAMÍLIA REAL PARA O BRASIL Os exércitos napoleônicos haviam conquistado praticamente toda a Europa. Somente os ingleses resistiam. Tentando atingir o poderio industrial inglês, Napoleão decretou, em novembro de 1806, o Bloqueio Continental. Isso significava que o continente europeu estava proibido de fazer negócios com a Inglaterra. Napoleão esperava, com isso, destruir o coração da economia inglesa, bloqueandolhe o grande mercado consumidor do continente europeu. A Coroa portuguesa viu-se na incômoda situação de ser ameaçado pelo poderoso exército francês e pelas exigências da já tradicional aliança com os ingleses. O governo português estava então sob a direção do príncipe regente, D.João, que procurava ganhar tempo atendendo a pequenas exigências de Napoleão e negociando secretamente com os ingleses. Napoleão não esperou. Em agosto de 1807, em acordo com a Espanha, iniciou os preparativos para invadir o território português. Portugal era considerado pelos ingleses um ponto estratégico no continente europeu. Salvá-lo da invasão era uma tentativa de manter esse ponto. Mais importante ainda: significava que os mercados coloniais portugueses passariam a ser área de influência direta das indústrias britânicas. Em outubro de 1807, aproveitando-se da difícil situação em que Portugal se encontrava, o representante inglês em Lisboa, Lorde Strangford, impôs a D. João de Bragança, o príncipe regente, um acordo secreto, segundo o qual a família real e a sede do governo seriam transferidas para o Brasil sob a proteção da poderosa esquadra inglesa. Em troca, a Inglaterra teria algumas vantagens: estabelecer bases militares na ilha da Madeira; utilizar os portos brasileiros; tarifas alfandegárias preferenciais para seus produtos. A corte embarcou em 29 de novembro, quando já chegavam a Portugal as notícias do avanço das tropas napoleônicas comandadas por Junot. A corte era composta pela família real e mais 15 mil pessoas, entre nobres e altos funcionários do Estado, que carregaram consigo metade do dinheiro circulante no reino. A retirada da família real, mantida em segredo até o último momento, surpreendeu a população. Vários historiadores descrevem as cenas do dia da partida, em que populares, revoltados com seus governantes e assustados

Quando o príncipe regente D. João e toda a família real portuguesa chegaram ao Brasil, em 1808, a colônia transformou-se em sede do governo imperial português. A colônia deixava, paradoxalmente, sua situação de colônia para ser o centro do império. Iniciavam-se, assim, os caminhos brasileiros para a independência.

A ABERTURA DOS PORTOS E SEUS SIGNIFICADOS A esquadra real havia sido dividida por uma tempestade. E depois de quase dois meses de viagem, os navios em que estavam D. João e parte da corte chegaram, no dia 22 de janeiro de 1808, ao porto de Salvador. Poucos dias depois, o príncipe assinava o seu primeiro decreto no Brasil. Escrita na Bahia, em 28 de janeiro de 1808, a carta régia que determinava a abertura dos portos do Brasil às nações amigas foi a primeira medida oficial do príncipe regente: “(...) Que sejam admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias transportados em navios estrangeiros das Potências que se conservam em paz e harmonia com a minha Real Coroa, pagando por entrada vinte e quatro por cento (...)”. Além de cumprir o acordo feito com Strangford, a nova sede do governo português não poderia manter-se isolada do mundo, pois os portos portugueses estavam em poder das forças napoleônicas. Para o Brasil, a abertura dos portos marcava o fim do monopólio do comércio imposto pela metrópole durante três séculos. A colônia adequava-se às exigências de um mercado liberal em expansão. Em 1808, as únicas nações que se conservavam “em paz e harmonia” com Portugal eram a Inglaterra e os Estados Unidos. Mesmo assim, houve um notável crescimento do comércio de importação/exportação nos principais portos; da colônia, especialmente no Rio de janeiro. A economia brasileira ganhava um novo dinamismo. A pauta de importações do Brasil, após 1808, passou a constituir-se de gêneros provenientes dos quatro continentes, sobressaindo os manufaturados ingleses. E o Brasil exportava açúcar, algodão e outros gêneros agrícolas. Verificou-se também grande crescimento do comércio interno. A eliminação do monopólio português diversificou os hábitos de consumo entre a elite colonial. Aumentou ainda o número de estabelecimentos comerciais estrangeiros, principalmente ingleses. A abertura do mercado brasileiro não bastava aos interesses ingleses. A convenção secreta de 1807 previa também tarifas alfandegárias preferenciais para seus produtos. 60


O conde de Linhares, ministro da guerra e dos negócios estrangeiros do governo português, e lorde Strangford, representante do governo inglês, assinaram os acordos de 1810, estabelecendo, por 14 anos, que: os ingleses teriam liberdade comercial com as colônias portuguesas; sobre as mercadorias britânicas incidiriam 15% de direitos alfandegários no Brasil; os súditos britânicos teriam o direito de extraterritorialidade, ou seja, mesmo residentes nos domínios portugueses continuariam submetidos às leis britânicas, representadas por um juiz escolhido pelos próprios ingleses residentes na colônia; o governo português deveria abolir o tráfico de escravos para o Brasil. O acordo era claramente prejudicial para Portugal e vantajoso para a Inglaterra. O mercado brasileiro foi inundado pelos produtos da moderna indústria inglesa, desde panos e ferragens até espartilhos, caixões de defunto ou inúteis patins para gelo. Para a colônia, uma situação inusitada: livre do monopólio comercial português, passou imediatamente para a esfera da influência econômica inglesa. O domínio imperialista inglês se efetivava, ao passo que a economia brasileira iria tornar-se a eterna fornecedora de matérias-primas e produtos primários, além de consumidora dos tecidos e ferragens saídos dos teares e das forjas inglesas de Birmingham, Liverpool e Londres. Essa invasão podia ser comprovada pelo aumento do número de navios, a maioria de bandeira inglesa, no porto do Rio de janeiro, nos anos subseqüentes à assinatura dos acordos. Em 1809, o porto recebeu 89 navios. Dez anos depois, esse número era quatro vezes maior.

A ADMINISTRAÇÃO DE D. JOÃO NO BRASIL A mudança da sede do governo português significou o transplante para o Brasil de uma maquina de Estado imensa, dispendiosa, marcada pelo empreguismo e pela corrupção. Logo após sua chegada, D. João instalou uma série de ministérios, tribunais, secretarias e cartórios, destinados a viabilizar seu governo e a sustentar a elite lusitana que veio com ele. A permanência da corte no Brasil era bastante onerosa aos cofres públicos, e para mantê-la aumentaram-se os impostos. Em 1808, fundou-se o Banco do Brasil, basicamente com a mesma finalidade. O comércio interno continuava nas mãos dos lusitanos. Altos impostos e carestia generalizada caracterizaram o período joanino, afetando toda a população. As elites brasileiras, apesar de marginalizadas dos cargos políticos e militares, foram agraciadas com títulos e honrarias, e logo aderiram aos novos hábitos cortesãos importados da metrópole. A abertura econômica trouxe também importantes e significativos aspectos de modernização: o primeiro engenho movido a vapor foi instalado na Bahia, em 1815. Um ano depois, Pernambuco também aderia à inovação técnica. O aumento da população brasileira foi outro aspecto que

pode ser computado no rol das transformações. Entre 1798 e 1818, a população do país cresceu cerca de 30%. Cabe lembrar que dos quase 4 milhões de habitantes em 1818, cerca de 2 milhões eram ainda trabalhadores escravos.

AS MUDANÇAS CULTURAIS O desenvolvimento comercial e urbano também propiciou novos horizontes culturais. Um número maior de livros, revistas e jornais estrangeiros passou a circular no Brasil. O príncipe regente ampliou as Escolas Régias, fundou escolas médicas na Bahia e no Rio de Janeiro, escolas de artes e ofícios em várias cidades, e estimulou a vinda de artistas e intelectuais estrangeiros ao Brasil. E finalmente, com a criação da Imprensa Régia, apareceram os primeiros jornais brasileiros: A Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808, e A Idade d’Ouro do Brasil, em Salvador, em 1810. Em 1814, foi fundada a Biblioteca Nacional, com mais de 60 mil volumes. Em 1816, D. João convidou uma missão cultural francesa para visitar o Brasil. O mais famoso membro dessa missão foi Jean-Baptiste Debret, que deixou várias pinturas, aquarelas e desenhos registrando os costumes do Brasil joanino. Na sua ação administrativa, D. João tentou o impossível: conciliar interesses lusitanos e brasileiros. mercantilistas e liberais. As tensões eram cada vez maiores, manifestandose, como veremos, de forma mais aguda na Revolução Pernambucana de 1817.

A ELEVAÇÃO DO BRASIL A REINO UNIDO Em 1815, Napoleão foi derrotado na Europa. Como vimos anteriormente, as potências européias reuniram-se no Congresso de Viena com o objetivo de restaurar a ordem absolutista no continente e redefinir suas fronteiras políticas. A Inglaterra, apesar de liberal, colocou-se ao lado dos países absolutistas contra a França, no intuito de minimizar o crescimento de sua principal concorrente na economia capitalista. No Congresso de Viena, discutiu-se também a situação de Portugal e do Brasil. A solução encontrada para que D. João permanecesse na colônia e simultaneamente como monarca de Portugal foi a elevação do Brasil à condição de Reino Unido. Para o Brasil, o novo estatuto político representava mais um passo em direção à emancipação.

A POLÍTICA EXTERNA DE D. JOÃO A represália contra a França por ter invadido Portugal foi a ocupação da Guiana Francesa pelo exército português, que durou até 1817. No sul da colônia, a política externa de D. João encontrou maiores dificuldades. A região era marcada pela tradicional disputa entre Portugal e Espanha, que vinha desde o século XVII. No século XIX, a situação se complicou ainda mais, levando em conta que toda a região estava agitada pelas lutas de independência contra o domínio espanhol. 61


A animosidade entre portugueses e colonos não era novidade na região. Os historiadores são unânimes em destacar o aumento do sentimento antilusitano e a multiplicação de sociedades secretas e lojas maçônicas, centros de divulgação do pensamento iluminista e anticolonial. A independência das Treze Colônias inglesas da América do Norte repercutiu fortemente entre os pernambucanos. Discutiamse nas ruas as constituições da França revolucionária. Tentando manter influência na região, D. João invadiu o Uruguai em 1816, apesar da resistência oferecida por Artigas, líder da luta pela independência. O Uruguai foi anexado ao Brasil sob a denominação de Província Cisplatina.

CRISE INTERNA: A REVOLUÇÃO DE 1817 EM PERNAMBUCO

Os acontecimentos de 1817 em Pernambuco podem ser considerados como uma síntese exemplar do que ocorria em todo o Brasil na época. A permanência da Corte portuguesa no Brasil aprofundou o conflito de interesses entre colônia e metrópole. D. João manteve uma atitude ambígua, procurando equilibrar-se entre esses dois pólos, sempre sem ferir os acordos feitos com a Inglaterra. O Nordeste era uma região fundamental para a economia agroexportadora, muito sensível às flutuações dos preços do açúcar e do algodão nos mercados europeus, então em baixa. A população era duramente onerada pelos impostos criados por D. João para manter funcionando a burocracia e o exército. A situação se agravou no ano de 1816. A seca desse ano foi particularmente acentuada, prejudicando a colheita dos produtos exportáveis e principalmente a alimentação da população local. O comércio local continuava sendo monopolizado pelos portugueses, de quem dependiam os grandes proprietários para a exportação de seus produtos, para o provimento de mão-de-obra escrava e para a importação de manufaturados. O endividamento progressivo da aristocracia da terra despertava-lhe a consciência de que não bastava lutar contra este ou aquele grupo de negociantes lusitanos: o problema fundamental era atingir o centro do poder e ampliar os benefícios do liberalismo, inaugurados em 1808. Para a população livre não-proprietária, o quadro era desolador: o monopólio do comércio significava carestia crônica, agravada pela seca dos anos de 1816 e 1817 e pelo aumento dos impostos. Assim sendo, essas duas camadas integraram o bloco de forças que em 1817 tomou o poder em Recife. Entre proprietários de terra e homens livres pobres, devemos acrescentar uma grande participação do clero, que, além de identificar-se com os primeiros (a Igreja era proprietária de grandes extensões de terra), também foi responsável pela divulgação das “novas idéias” (pensamento iluminista), principalmente no Seminário de Olinda ou através do Areópago de ltambé, sociedade secreta que não admitia europeus como seus membros.

As reuniões da liderança revolucionária não passaram despercebidas ao governador Caetano Pinto Miranda Montenegro, que ordenou a prisão dos revoltosos em 6 de março de 1817. Os líderes civis do movimento não ofereceram resistência às autoridades militares portuguesas. No entanto, quando essas autoridades tentaram prender os líderes militares brasileiros do movimento, encontraram tenaz resistência. Essa resistência incentivou o levante revolucionário. Na Fortaleza das Cinco Pontas, o capitão José de Barros Lima, conhecido como Leão Coroado, resistiu à voz de prisão proferida pelo brigadeiro português Barbosa de Castro, que morreu durante o conflito. Os revolucionários saíram às ruas, sob a liderança do mulato Pedro Pedroso, e garantiram a vitória de seu movimento. O governador Montenegro fugiu para o Rio de Janeiro.

UM GOVERNO BRASILEIRO Imediatamente se organizou um governo pro---rio, considerado o primeiro governo genuinamente brasileiro. Dele faziam parte: Manuel Correia de Araújo, representante da agricultura; Domingos José Martins, representante do comércio; padre João Ribeiro, representando o clero;]osé Luís Mendonça, representando a magistratura; Domingos Teotônio Jorge, representando as forças armadas. O novo governo era assessorado secretário, o padre Miguelinho (Miguel Joaquim de Almeida Castro) e por um Conselho de Estado, que reunia a elite local. O objetivo do governo provisório era implanta: República. Seus poderes eram delimitados por uma Lei Orgânica, que deveria vigorar até que uma assembléia elaborasse a Constituição. A Lei Orgânica, de inspiração liberal-iluminista, determinava: a liberdade de consciência, a liberdade de imprensa e a liberdade religiosa embora se adotasse o catolicismo como religião oficial Tomaram-se medidas para a difusão do movimento: a revolução triunfou na Paraíba e no Rio Grande do Norte. Os emissários enviados ao Ceará e à Bahia não tiveram a mesma sorte. Procurou-se também apoio no estrangeiro, através de representantes que embarcaram para os Estados Unidos, Argentina e Inglaterra. Enquanto isso. o governo de D. João organizava a repressão na Bahia e no Rio de Janeiro. Nesse momento, revelou-se a fraqueza maior dos revolucionários de 1817: suas divisões internas, principalmente no que dizia respeito aos escravos. Os líderes mais radicais pregavam a mobilização e participação dos escravos na luta contra os portugueses, apontando para uma perspectiva abolicionista, mas os proprietários de terra, muito influentes no movimento. não admitiam nenhuma 62


atitude nessa direção, demonstrando que seu liberalismo terminava exatamente onde começava o questionamento do trabalho escravo.

de Beresford e demais militares ingleses de Portugal; a elaboração de uma Constituição; a volta de D. João VI para Portugal; a recolonização imediata do Brasil.

A eficiente repressão portuguesa obrigou os revolucionários a se renderem. Recife foi retomada no dia 19 de maio de 1817. As punições foram rigorosas: pena de morte para os principais líderes e prisão para 117 pessoas. Muitos, como frei Caneca, voltariam à cena política logo após 1822, lutando pelo ideário liberal-iluminista.

Formou-se um governo provisório: a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. Em novembro, foram convocadas eleições para compor a Assembléia Constituinte, reunida em janeiro de 1821. Era o fim do absolutismo em Portugal. Era também o início de um liberalismo ambíguo.

A NOVA CONJUNTURA EUROPÉIA E A REVOLUÇÃO DO PORTO DE 1820

Na verdade, os portugueses procuraram conciliar o velho e o novo. Lutavam pela constituição, mas não questionavam a monarquia. As eleições para as Côrtes de Lisboa (nome pelo qual ficou conhecida a Assembléia Constituinte) obedeceram ao critério censitário só votavam os ricos. Finalmente, estavam reivindicando a restauração de seus privilégios monopolistas no comércio colonial.

A ordem conservadora estabelecida pelo Congresso de Viena começou a não ser aceita por importante parcela da sociedade da península Ibérica. Esse conservadorismo foi repudiado em primeiro lugar na Espanha: em 1820 estourou uma revolução que exigia uma constituição e o fim do absolutismo. Depois do domínio napoleônico, Portugal estava novamente arruinado. Essa ruína se acentuou com a abertura dos portos do Brasil, pois as mercadorias negociadas com a colônia iam diretamente para a Inglaterra, sem pagar as taxas aos cofres portugueses. A situação política não era menos grave que a situação econômica. Os portugueses exigiam que D. João voltasse para Lisboa, pois Portugal estava sendo governado pelo inglês Beresford. A burguesia portuguesa organizava-se em sociedades secretas maçônicas para articular mudanças políticas. Uma dessas sociedades, a Sinédrio, pregava o liberalismo, exigindo uma constituição e o conseqüente fim do absolutismo. Em agosto de 1820, a cidade do Porto foi abalada por uma onda de agitações. Militares de tendência liberal, membros da burguesia e mesmo de setores descontentes da nobreza aproveitaram-se das agitações e desencadearam uma revolução liberal. Em outubro de 1820, Lisboa foi tomada pelos rebeldes. O movimento denominado Revolução do Porto dava início a um novo período da história portuguesa. Os principais objetivos desse movimento eram: a saída

AS REPERCUSSÕES NO BRASIL As primeiras repercussões do movimento português foram de ampla aceitação. De norte a sul, a população manifestava-se favoravelmente à Constituição portuguesa e ao fim do absolutismo: brasileiros e portugueses confraternizavam nas ruas. A revolução liberal constitucionalista criava em todos os grupos sociais (com exceção dos escravos) expectativas de transformações políticas, econômicas e até mesmo sociais. O Norte e o Nordeste do Brasil manifestaram-se em primeiro lugar. O Pará, a Bahia e o Maranhão declararam-se “províncias de Portugal” e substituíram o governo local por juntas provisórias, favoráveis à Constituição. Aos poucos o movimento atingiu o Centro-Sul. Temeroso do rumo dos acontecimentos, D.João VI resolveu mandar seu filho D. Pedro para Lisboa, com a finalidade de apurar a situação e promover reformas em Portugal, ao mesmo tempo que determinava que os interesses do Brasil deveriam ser levados em consideração. D. Pedro nem chegou a embarcar. Isso desagradou portugueses e brasileiros, que obrigaram D. João e seu filho a jurarem previamente a Constituição portuguesa a ser elaborada pelas Cortes (26 de janeiro de 1821). Os portugueses exigiam o imediato regresso do rei a Portugal, o que se deu em abril de 1821.

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A emancipação política do Brasil OS GRUPOS POLÍTICOS NO BRASIL Até o período da permanência da família real no Brasil, os grupos políticos existentes aqui tinham uma situação muito pouco clara. Essa situação mudou profundamente com a eclosão da Revolução do Porto. A partir daí, as tendências políticas assumiram posições e reivindicações mais claras, a ponto de se assemelharem a partidos. No Rio de Janeiro, formaram-se importantes grupos políticos. O Partido Português agrupava altos comerciantes e militares portugueses ligados aos antigos interesses coloniais. Esse grupo defendia a proposta política da Revolução do Porto, isto é, a volta do Brasil à condição de colônia. O Partido Brasileiro, por sua vez, era formado por grandes fazendeiros escravistas, por comerciantes brasileiros e por alguns ingleses beneficiários da política econômica liberal da abertura dos portos. Foi esse o grupo político que liderou e atuou na luta pela independência do Brasil. Um dos mais importantes líderes desse partido foi José Bonifácio, grande comerciante, mas principalmente um ativista político, tanto durante o longo período em que viveu em Portugal quanto no Brasil. O Partido Brasileiro era bastante conservador, se comparado ao grupo dos Radicais Liberais, de certa forma ligados ao partido em várias reivindicações. O grupo dos radicais agrupava profissionais liberais, como Libero Badaró, funcionários públicos, como Gonçalves Ledo, padres, artesãos e alguns proprietários de terra que não concordavam com as tendências centralizadoras do Partido Brasileiro. Suas propostas políticas eram mais claramente democráticas. Eram também favoráveis à independência política, mas se diferenciavam do Partido Brasileiro quando propunham a abolição da escravatura e a República como forma de governo. No entanto, suas propostas políticas não chegavam a ter repercussões junto à massa de escravos e trabalhadores rurais. Esse grupo representava, como se sabe, a maioria esmagadora da população brasileira, que estava isolada dos centros de decisões políticas. À medida que cresciam as pretensões de as Cortes portuguesas recolonizarem o Brasil, crescia no seio do Partido Brasileiro a idéia de emancipação política como única solução para a crise.

O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA Diante da pressão das Cortes portuguesas, D. João VI e seu filho, D. Pedro, foram obrigados a jurar respeito à Constituição que estava sendo elaborada em Portugal. A outra exigência era de que a família real voltasse para Lisboa. O Partido Brasileiro não concordava com isso, pois equivalia, na prática, ao retorno do Brasil à situação de colônia. A fórmula encontrada foi a permanência de d. Pedro no Brasil com o título de príncipe regente. enquanto D. João VI e sua corte partiram para Portugal no dia 24 de abril de 182l.

No entanto, líderes militares ligados ao Partido português insistiam para que D. Pedro embarcasse também para Lisboa. No dia 9 de janeiro de 1822, um alto oficial das tropas portuguesas tentou embarcar D. Pedro à força para Portugal. Os brasileiros se mobilizaram, numa demonstração de força política, e impediram o embarque. Esse episódio tornou-se conhecido como o Fico, alusão à frase de D. Pedro comprometendo-se a ficar no país.

CONFLITOS COM OS PORTUGUESES Nas Cortes portuguesas reunidas em Lisboa, os deputados brasileiros pouco podiam fazer por ser minoria. Liderados por Antônio Carlos de Andrada e Silva (irmão de José Bonifácio), os brasileiros viam suas propostas de manter a autonomia do Brasil rejeitadas pela maioria dos deputados portugueses. No Brasil, da noite para o dia, nasceu uma série pequenos jornais (pasquins) que criticavam a política portuguesa. Um dos mais famosos foi A Malagueta, que se inspirava nas idéias dos filósofos iluministas. Num outro jornal, chamado O Despertador Brasiliense, Francisco Miranda atacava a atitude das Cortes como sendo: “(..) ilegal, injuriosa, e impolítica. Ilegal porque decreta sem cooperação de nossos representantes e, conseqüentemente, sem a sanção da nação. Injuriosa porque revela o cinismo com que a corte nos trata, isto é, como miseráveis escravos... E impolítico porque escolheram esse especial momento em que os olhos do mundo estão sobre Portugal e o Brasil, o que faz nossa independência necessária e legítima”. Contra a idéia de independência sob a forma de um governo republicano, os setores mais conservadores do Partido Brasileiro apoiavam D. Pedro como fórmula para manter a independência sem cair nas mãos dos mais liberais. Formou-se imediatamente o primeiro corpo de ministros para apoiar D. Pedro, ainda príncipe regente. A liderança desse ministério coube a José Bonifácio. Na prática, o Brasil já estava independente quando D. Pedro se recusou a atender às exigências de ir também para Portugal. José Bonifácio destacava-se cada vez mais como o grande articulado r da independência. As províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais eram os centros de suas articulações políticas.

A EFETIVAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA Em fevereiro de 1822, houve um confronto entre militares portugueses, sob a liderança do general Avilez, ferrenho partidário das Cortes e da recolonização do Brasil, e grupos brasileiros. O general português foi vencido e expulso. Em maio ficou estabelecido, pelos brasileiros, que toda ordem vinda de Portugal só poderia ser efetivada se D. Pedro autorizasse com o “cumpra-se”. Os setores políticos mais avançados e liberais começaram a se articular para a convocação de uma Assembléia Constituinte. 64


A luta aberta estendeu-se pela Bahia e, em agosto, o maçom Gonçalves Ledo fez, publicamente, uma afronta a Portugal que poderia ser considerada uma declaração de guerra. No dia 6 desse mesmo mês, José Bonifácio elaborou um documento em que afirmava que o Brasil era um país politicamente independente, mas que continuava ligado a Portugal pela tradição e pelos laços de família. D. Pedro assinou esse documento. Nem mesmo a moderação de José Bonifácio impediu que as Cortes fizessem ameaças de invasão. Esse fato foi o suficiente para que, em 7 de setembro de 1822, D. Pedro, em São Paulo, às margens do Ipiranga, declarasse formalmente a separação entre Brasil e Portugal. Esse acontecimento, que a história oficial e tradicional se encarregou de tornar o ponto alto da nossa história independente, não passou de simples dramatização daquilo que já ocorrera de fato. O Partido Brasileiro saiu vitorioso com a aclamação de D. Pedro I imperador do Brasil, efetivando-se a monarquia como forma de Estado escolhida para nosso país.

AS LUTAS PELA INDEPENDÊNCIA Sem a mesma intensidade das lutas ocorridas na América espanhola, em algumas províncias do Brasil foi preciso lutar de armas nas mãos para se efetivar a emancipação. Desde o ano de 1821, já havia uma clara tendência à luta entre os brasileiros e as tropas portuguesas fiéis ao colonialismo das Cortes. Na Bahia, a luta armada pela independência começou quando soldados brasileiros não reconheceram o novo comandante português, coronel Inácio Madeira de Melo. Logo, a luta se espalhou pelo Recôncavo Baiano. Nela se destacou a liderança de Maria Quitéria no comando de um grupo guerrilheiro. Em 2 de julho de 1823, as tropas portuguesas de Madeira de Melo foram obrigadas a embarcar para Portugal.

Mais ao norte, no Piauí, os portugueses foram derrotados pelos brasileiros. No Pará, a luta foi mais violenta e demorada, pois os portugueses ofereceram maior resistência. As forças brasileiras foram ajudadas pelo mercenário inglês Grenfell, que venceu as tropas portuguesas, mas ao mesmo tempo impediu que se estabelecesse um governo mais popular. No extremo sul do país, na Província Cisplatina (Uruguai), a expulsão das tropas portuguesas deu-se depois do auxílio das forças britânicas comandadas pelo almirante lorde Cochrane, em novembro de 1823.

O SENTIDO DA INDEPENDÊNCIA Podemos dizer que nossa independência foi original. Se a compararmos com a América espanhola, praticamente não houve lutas aqui. Regiões como a Colômbia, o Peru e a Argentina tiveram de enfrentar vários anos de violentas e sangrentas guerras para se tornar independentes. Nossa independência resultou mais de um acordo entre as elites dominantes, que estavam interessadas em manter a mesma estrutura colonial e agrária do Brasil. Claro que tivemos algumas lutas, mas a participação popular foi pequena, pois a maioria esmagadora da população, que vivia no campo, viu, indiferente, o poder mudar de mão e sua situação de penúria continuar exatamente a mesma. A participação dos ingleses nos conflitos não ocorreu de forma declarada. Na verdade, o interesse da Inglaterra pendia entre Portugal e o Brasil. E ela se decidiu pelos dois. Fizemos a independência política, mas preferiu-se a forma política da monarquia, para que a aristocracia rural continuasse com seus velhos privilégios. A independência foi feita, mas continuamos dependentes economicamente da Inglaterra. E, claro, os interesses da classe dominante permaneceram intocáveis.

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BRASIL COLÔNIA: AS REVOLTAS. Do final do século XVII ao início do XIX, diversos movimentos armados desafiaram o controle de Portugal sobre a colônia brasileira. Juntamente com as mudanças ocorridas no cenário internacional, tais revoltas aceleraram o processo de independência do Brasil. As principais revoltas coloniais foram:

Revoltas sem caráter de independência (Revoltas Nativistas): • A Guerra de Palmares (1630-1695); • a Guerra dos Emboabas (1708-1709); • a Revolta de Beckman (Maranhão, 1684), • a Guerra dos Mascates (Pernambuco, 1710); • a Rebelião de Felipe dos Santos (Minas Gerais, 1720).

Revoltas com projetos de independência: • Inconfidência Mineira (Minas Gerais, 1789): em virtude do esgotamento das minas de ouro, a coroa portuguesa estava ameaçando a população de declarar a derrama (cobrança forçada de todos os impostos atrasados), além de imporem sérias restrições ao desenvolvimento da colônia. Isto gerou um descontentamento muito grande em setores da população que começaram a sonhar com um Brasil independente e livre (idéias que estavam circulando na Europa, através do movimento Iluminista), tal como ocorreu nas 13 Colônias Americanas (Estados Unidos), o movimento já tinha até uma bandeira que seria hasteada no dia: era um bandeira com fundo branco, no centro um triângulo eqüilátero vermelho com a frase “Libertas Quae Será Tamém” (Liberdade ainda que tardia). Logo começaram a tramar um movimento que culminaria na declaração da Independência do Brasil e na sua transformação em República, no mesmo dia em que a coroa portuguesa declarasse a Derrama, além da criação de uma Universidade em Vila Rica. Entretanto

a abolição da escravidão não seria tomada. Contudo, um comerciante, endividado com a coroa, percebendo que o movimento não daria certo, resolveu entregar todo o plano de independência para a coroa em troca da anistia de sua dívida, o seu nome: Joaquim Silvério dos Reis. Com isso, a coroa pôde prender todos os inconfidentes a acabar com um sonho de Independência e Liberdade. Todos os inconfidentes, que foram presos, pertenciam à classe rica das Minas Gerais, exceto o alferes de cavalaria Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes. No processo que foi instalado em Portugal, conhecido como Devassa, todos foram condenados à morte exemplar – à forca. Contudo, no dia 21 de abril de 1789, a Rainha D. Maria, a Louca, concedeu a “Clemência” e condenou todos ao degredo perpétuo na África, exceto Tiradentes, que era o mais pobre de todos, que foi enforcado. O seu corpo foi partido em diversos pedaços que foi espalhado pelo caminho de Vila Rica ao Rio de Janeiro e sua casa foi salgada. • Conjuração Baiana (Bahia, 1798): Na Bahia também era grande a insatisfação popular contra a dominação portuguesa. Influenciados pela Revolução Francesa, um grupo de pessoas começaram a discutir e divulgar idéias de independência para o Brasil, através da Loja Maçônica Cavaleiros da Luz. No dia 12 de agosto de 1798, a cidade amanheceu com papéis afixados nas casas, exortando o povo à revolução. Nestes panfletos falava-se em Liberdade para todos (inclusive negros) igualdade entre todo, República, melhores soldos e salários. Logo a repressão lusitana abateu sobre a capitania da Bahia. Diversas pessoas foram presas, e quatro delas foram condenadas à morte. Nenhum desses presos e muito menos os que foram condenados à morte pertenciam à Loja Maçônica, eram pessoas simples e pobres, escravos e mulheres, sem instrução, e que sequer sabiam ler e escrever. • A Revolução Pernambucana (Pernambuco, 1817): Em 1817, o Brasil já estava em profunda crise econômica e a dominação portuguesa era questionada com mais ênfase, haja vista os diversos processos de independência da América Latina. As mesmas idéias de Liberdade, Igualdade e Fraternidade estavam presentes neste movimento que se expandiu por todos os setores da sociedade: quartéis, clero, classe média, produtores de açúcar e etc. O movimento iniciou-se quando o governador de Pernambuco deu ordem de prisão ao líder dos revolucionários. Logo, toda a região do Nordeste estava em conflito contra as forças portuguesas. No final de 1817, o movimento não agüentou resistir às forças militares e portuguesas e capitulou-se.

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DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA, ORGANIZAR O PAÍS.

do. O voto era censitário e dele estavam excluídos cerca de 90% da população brasileira, formados por homens pobres livres, mulheres, índios e a imensa maioria de escravos.

A notícia da proclamação da independência foi comemorada pela elite brasileira, especialmente de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Esse grupo, formado por grandes proprietários rurais, comerciantes e funcionários públicos, havia envolvido o príncipe na defesa de seus interesses. Era seu objetivo uma independência sem radicalizações, que mantivesse as conquistas obtidas durante a permanência de d. João VI no Brasil, assim como as propriedades e a escravidão.

A maior novidade da Constituição de 1824 era a criação de quatro poderes: Legislativo, Judiciário, Executivo e Moderador. O poder Executivo dava ao imperador o direito de escolher os membros do Conselho de Estado, nomear e demitir ministros e presidentes de províncias. Com o poder Moderador, o imperador controlava o Legislativo e o Judiciário. Portanto, o imperador reinava absoluto sobre os outros poderes. A monarquia brasileira era centralizadora e autoritária.

Por isso, a camada dominante apoiava o regime monárquico em vez do republicano, pois temia que acontecesse no Brasil uma fragmentação política (como estava ocorrendo na América espanhola) e uma revolução social, que pusesse fim ao sistema escravista. Sendo d. Pedro I o chefe político, mantinham-se a unidade territorial, a liberdade de comércio, as grandes propriedades e o trabalho escravo. Portanto, apenas a situação política do país mudaria.

A Constituição deveria ser jurada nas câmaras municipais de todo o país. Em Pernambuco, um grupo de liberais radicais de Olinda e Recife se recusou a jurá-la e também não aceitou o presidente nomeado por d. Pedro I para governar a província. Essa oposição ao governo imperial cresceu e, em julho de 1824, desencadeou uma revolta separatista e republicana. O movimento se alastrou por outras províncias. Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí se declararam separados do Brasil e formaram a Confederação do Equador. D. Pedro reagiu com rapidez e violência, mandando navios e tropas. Após três meses de combates sangrentos, os rebeldes foram derrotados. Dezesseis líderes foram condenados à morte, entre eles, o popular frei Caneca.

Brasil Império

Mesmo assim, ocorreram lutas sangrentas. Nas províncias com maior presença portuguesa e mais ligadas a Lisboa, houve conflitos armados e tumultos contra a independência. Por quase um ano (até agosto de 1823), portugueses e brasileiros se defrontaram na Bahia, Pará, Maranhão, Piauí, Mato Grosso e Cisplatina. Formaram-se batalhões patrióticos, e foram contratados soldados e oficiais estrangeiros para lutar pelo Brasil. Pouco a pouco, as tropas portuguesas foram sendo vencidas. O primeiro país a reconhecer o Império brasileiro, em 1824, foram os Estados Unidos, cujo governo defendia o fim do domínio europeu na América. Em 1825, Portugal aceitou a independência do Brasil em troca de uma indenização em dinheiro, que o governo brasileiro pagou com um empréstimo inglês. Em troca de seu reconhecimento, a Grã-Bretanha exigiu a renovação dos tratados de 1810, mantendo, com isso, o domínio sobre o mercado brasileiro. Em maio de 1823, reuniram-se 0S deputados eleitos para elaborar a primeira constituição do Brasil. Com idéias diferentes sobre a organização da nação, a maioria, contudo, concordava em limitar o poder do imperador. D. Pedro I não aceitou isso e reagiu com violência: mandou tropas cercarem o prédio da assembléia, prendeu deputados e decretou a dissolução da Constituinte (12 de novembro de 1823).

UMA MONARQUIA AUTORITÁRIA A dissolução da Constituinte revelou as intenções de d. Pedro I: ele queria o comando total da vida política do país. A atitude autoritária do imperador provocou descontentamento entre os brasileiros. Para abafar os protestos, d. Pedro I encarregou uma comissão de elaborar uma constituição que, depois de pronta, foi outorgada em março de 1824. A constituição garantia aos cidadãos a igualdade perante a lei, a liberdade de expressão, o direito de votar e ser vota-

No ano seguinte, em 1825, d. Pedro I declarou guerra à província Cisplatina que reivindicava a sua independência do Brasil. Foram três anos de combates, que mataram 8 mil brasileiros. A emancipação da Cisplatina aconteceu em 1828. O país independente adotou o nome de República Oriental do Uruguai. Com essa guerra inglória e impopular, o Império brasileiro ganhou apenas enormes dívidas, que aprofundaram a crise financeira do país.

A ABDICAÇÃO DE D. PEDRO I Em 1828, o país passava por uma grave crise financeira. Faltava dinheiro e os empréstimos externos foram mal utilizados, o que aumentou a dívida externa do país. As importações superavam as exportações, o que significava déficit nas contas nacionais. A cobrança dos impostos era desorganizada, e o governo não conseguia arrecadar nem o necessário para suas despesas. Em 1829, o Banco do Brasil faliu. A produção agrícola nacional sofria a concorrência internacional. Os produtos brasileiros perderam compradores estrangeiros, e seus preços caíram no mercado externo. Os senhores de engenho do nordeste culpavam d. Pedro I por seus prejuízos. A cri e financeira e econômica se refletiu no mercado interno com a alta dos preços de alimentos e dos produtos manufaturados. As camadas médias e populares das cidades, prejudicadas, responsabilizavam o governo. Em 1829, venceu o prazo do compromisso de eliminar o tráfico negreiro, que d. Pedro I assumira com o governo britânic. Os proprietários de escravos (fazendeiros, artesãos, comerciantes etc.) ficaram apavorados com a possibilidade de faltar mão-de-obra e de o preço do cativo disparar. O 67


Soldados e oficiais apoiaram o povo. Isolado, o imperador apresentou sua abdicação ao trono brasileiro em favor de seu filho, Pedro, em 7 de abril de 1831. A população festejou. As elites brasileiras tinham, enfim, o poder político nas mãos. A queda de d. Pedro I afastava para sempre a ameaça de o Brasil voltar a unir-se a Portugal. A independência estava, assim, garantida.

imperador foi acusado de querer arruinar o país. D. Pedro I não deu atenção ao descontentamento popular, pois esta a envolvido com a sucessão do trono português. Entre 1828 e 1830, desviou dinheiro do tesouro brasileiro para financiar a luta contra seu irmão, d. Miguel, que usurpou o trono e se proclamou rei de Portugal. A população não gostou da atitude do imperador nessa questão e o acusou de ser mais português do que brasileiro. Os jornais criticavam d. Pedro I, e as elites brasileiras começaram a retirar seu apoio a ele. Portugueses residentes no Brasil defendiam o imperador, o que reacendeu o sentimento antilusitano no país. Ocorreram tumultos e agressões. Quando d. Pedro I nomeou portugueses para formar um novo ministério, uma multidão saiu às ruas em protesto.

O período monárquico no Brasil pode ser dividido em três momentos: a) Primeiro Reinado – 1822-1831 Governo de D. Pedro I; b) Período Regencial – 1831-1840 Governo das Regências; c) Segundo Reinado – 1840-1889 Governo de D. Pedro II. Entretanto não foi fácil para o Brasil o período compreendido entre a proclamação da independência e a consolidação do Império. Neste período, D. Pedro I, teve que vencer algumas resistências internas que ainda permaneceram fiéis a Portugal, teve que impor a sua autoridade sobre todo o território e ainda conseguir o reconhecimento externo da nossa independência, o que só ocorreu após assinaturas de diversos acordos desfavoráveis ao Brasil, principalmente com a Inglaterra.

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fiança mútua entre D. Pedro I e os parlamentares foi criado. Na instalação da Assembléia Constituinte D. Pedro fez um pedido muito estranho: “Que a Constituição seja digna do Brasil e de mim [D. Pedro I]”. Muitos deputados estranharam a afirmação, mas estavam dispostos a dar para o Brasil uma legislação que limitava o poder do imperador.

O Primeiro Reinado – 1822-1831 INTRODUÇÃO O período compreendido entre os anos de 1822 e 1831 corresponde ao governo de D. Pedro I. No seu governo, o Brasil passou por inúmeras transformações políticas e econômicas, mas a base social manteve-se inalterada. O traço mais nítido da persistência colonial após a independência foi, justamente, o da organização do trabalho (escravidão) e da propriedade da terra (a terra continuou sendo privilégio daqueles que constituíam a classe dominante e se distribuía em grandes e extensas faixas de terras - os latifúndios - monocultoras). Ou seja, o Brasil se separou de Portugal, enfrentou resistências de algumas províncias que ainda permaneceram fiéis a Portugal, fez uma guerra contra a província Cisplatina (atualmente o Uruguai), obteve o reconhecimento internacional, mas a base social – a escravidão – permaneceu inalterada, com o poder concentrado nas mãos dos grandes latifundiários (Aristocracia Rural). Assim, o binômio latifúndio-escravidão resistiu às inovações da época da independência, permanecendo como base da estrutura econômica e social brasileira. Por isso afirmamos que a independência do Brasil foi apenas um fato político e não resultou em transformações no aspecto político.

O RECONHECIMENTO DA INDEPENDÊNCIA Ao mesmo tempo que lutava para se impor internamente, D. Pedro I preocupava-se em conseguir apoio externo para a separação de Portugal. Os Estados Unidos da América foi o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil, influenciados pela Doutrina Monroe (A América para os americanos), logo depois veio o México. Na Europa, a Inglaterra era a principal intermediária entre Brasil e os demais países e via neste fato a grande oportunidade para continuar extraindo grandes lucros de seus privilégios comerciais com o Brasil. Também não lhe interessava romper com Portugal. Os ingleses, então, assumiram uma posição conciliatória, de que resultou o Tratado de Paz e Amizade entre Brasil e Portugal, assinado em 29 de agosto de 1825. O Brasil, em troca do reconhecimento de Portugal, comprometia-se a pagar-lhe 2 milhões de libras esterlinas. Após a assinatura deste Tratado, os demais países europeus também reconheceram a nossa independência.

A PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL A primeira Assembléia Constituinte foi convocada por D. Pedro, em junho de 1822, ou seja, antes da independência do Brasil. Entretanto, logo após a posse da Assembléia Constituinte, que ocorreu em 1823, um clima de descon-

Logo no início dos trabalhos, dois grupos distintos se opunham. De um lado estava o imperador e os conservadores; do outro, os liberais, que dominavam a Assembléia. As principais questões que se discutiam eram: a essência da Monarquia no Brasil, a autoridade do Imperador e a questão da cidadania dos portugueses que moravam no Brasil. O grupo liberal exigia que D. Pedro I jurasse, previamente, lealdade à Constituição que ainda estava por fazer. Os conservadores alegavam que o imperador estava acima de tudo e de todos, e, portanto, cabia à ele a palavra final sobre a Constituição. A questão dos portugueses também foi um outro fator de discórdia. O grupo liberal defendia a expulsão de todo o português que não jurasse, previamente, fidelidade à Constituição do Brasil. Entretanto, muitos portugueses que estavam no Brasil ocupavam altos postos no Exército, na Marinha, no governo e muitos eram grandes comerciantes. O próprio D. Pedro I era um português. Diante da pressão e das posições “muito radicais” dos liberais, o imperador enviou uma mensagem no dia 11 de novembro de 1823 exigindo que a Assembléia se posicione acerca das declarações dos Liberais, sob o risco de intervenção do Imperador. Diante dessa situação, a Assembléia declarou-se em sessão permanente e que o caso deveria ser analisada pelo judiciário. Este episódio entrou para a História como a Noite da Agonia. No dia seguinte, D. Pedro I enviou à Assembléia ato que dissolvia a Constituinte. Imediatamente, numerosos deputados foram presos e alguns deportados. Assim, com a Assembléia fechada, D. Pedro convocou um Conselho de Estado para elaborar uma nova Constituição para o Brasil. Em março de 1824, D. Pedro I outorgou a primeira Constituição do Brasil. Apesar de liberal para a época, a Constituição de D. Pedro I concentrava praticamente todos os poderes nas mãos do Imperador e estabelecia a seguinte organização político-administrativa para a nação brasileira: A grande novidade desta Constituição era, sem dúvida, a existência de um quarto poder: o Poder Moderador. Este novo poder, criado por D. Pedro I, concentrava nas mãos do Imperador todo poder do país, uma vez que permitia ao monarca intervir nos outros três poderes, mudando, inclusive, sentenças judiciais.

A CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR. Em 1824, na província de Pernambuco, estourou uma grande revolta contra o absolutismo de D. Pedro I. Liderados por Manuel de Carvalho Pais de Andrade e por Frei Caneca, a população pernambucana, formada essencialmente por brancos pobres, mulatos e escravos se levantou contra a excessiva centralização de poder nas mãos do imperador. 69


Após alguns conflitos internos, os revoltosos se uniram a outros descontentes do nordeste e fundaram a Confederação do Equador que adotava a forma republicana de governo e abolia a escravidão. As elites agrárias leais a D. Pedro I se desesperaram. A resposta do governo foi imediata. Após dois meses de separação, os revoltosos são duramente reprimidos. O governo monárquico contratou mercenários para lutar contra os revoltosos. Um dos líderes do movimento, Frei Caneca, foi fuzilado. Com o fim da Confederação do Equador, as elites rurais do nordeste ficaram mais tranqüilas, mas a popularidade do imperador desabou.

O FIM DO PRIMEIRO REINADO Com a morte de D. João VI, rei de Portugal e pai de D. Pedro I, imperador do Brasil, abria-se a possibilidade da restauração. Entretanto, D. Pedro I abdicou do trono português em favor de sua filha, D. Maria. Contudo, seu irmão, D. Miguel não aceitou e, em 1828, abriu uma briga pela sucessão do trono português. Para conseguir apoio popular, em 1830, D. Pedro viaja a Minas e é recebido friamente pelos mineiros. No retorno, os portugueses que moravam no Rio preparavam uma grande festa. Os cariocas, achando isso uma grande afronta ao Brasil, resolvem estragar a festa dos portugueses. É a Noite das Garrafadas. Para tentar uma conciliação com os brasileiros, em 20 de março, D. Pedro I nomeia um ministério composto exclusivamente por nativos: o Ministério dos Brasileiros. Quinze dias depois, inexplicavelmente, ele demite o Ministério e indica um outro formado exclusivamente por nobres ligados a ele: o Ministério dos Marqueses. Nesse momento, explode uma grande manifestação no Rio de Janeiro contra o Imperador e a favor do Ministério dos Brasileiros. Sem apoio popular e das elites brasileiras, no dia 07 de abril de 1831, D. Pedro I renuncia à coroa brasileira em favor de seu filho, D. Pedro de Alcântara, que tinha apenas 05 anos de idade. É o fim do Primeiro Reinado. Como D. Pedro II tinha apenas 05 anos de idade, não podia assumir a Coroa brasileira. A Constituição previa, nestes casos, que o Brasil deveria ser governado por uma Regência.

A CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO O primeiro processo constitucional do Brasil iniciou-se com um decreto do príncipe D. Pedro, que no dia 3 de junho de 1822 convocou a primeira Assembléia Geral Constituinte e Legislativa da nossa história. “Causa-me horror só ouvir falar em revolução”. (Muniz Tavares, antigo revolucionário de 1817 na Assem-bléia Constituinte (21/mai/1823). Anais do Parlamento Brasileiro - Assembléia Constituinte, 1823, tomo I, Rio de Janeiro, pág. 90) Durante as discussões da Constituinte ficou mani-festa a intenção da maioria dos deputados de limitar o sentido do liberalismo e de distingui-lo das reivindicações democratizantes. Todos se diziam liberais, mas ao mesmo tempo se confessavam antidemocratas e antirevolucionários.

As idéias revolucionárias provocavam de-sagrado entre os constituintes. A conciliação da liberdade com a ordem seria o preceito básico desses liberais, que se inspiravam em Benjamim Constant e Jean Baptiste Say. Em outras palavras: conciliar a liberdade com a ordem existente, isto é, manter a estrutura escravista de produção, cercear as pretensões democratizantes O primeiro processo constitucional do Brasil iniciouse com um decreto do príncipe D. Pedro, que no dia 3 de junho de 1822 convocou a primeira Assembléia Geral Constituinte e Legislativa da nossa história, visando a elaboração de uma constituição que formalizasse a independência política do Brasil em relação ao reino português. Dessa maneira, a primeira constituição brasileira deveria ter sido promulgada. Acabou porém, sendo outorgada, já que durante o processo constitucional, o cho-que entre o imperador e os constituintes, mostrou-se inevitável. A abertura da Assembléia deu-se somente em 3 de maio de 1823, para que nesse tempo fosse preparado o terreno através de censuras, prisões e exílios aos oposito-res do processo constitucional.

ANTECENDENTES: DIVERGÊNCIA INTERNAS O contexto que antecede a Assembléia foi marcado pela articulação política do Brasil contra as tentativas re-colonizadoras de Portugal, já presentes na Revolução do Porto em 1820. Neste mesmo cenário, destacam-se ain-da, divergências internas entre conservadores e liberais radicais. Os primeiros, representados por José Bonifácio resistiram inicialmente à idéia de uma Constituinte, mas por fim pressionados, acabaram aderindo, com a defesa de uma rigorosa centralização política e a limitação do direito de voto. Já os liberais radicais, por iniciativa de Gonçalves Ledo, defendiam a eleição direta, a limitação dos poderes de D. Pedro e maior autonomia das provín-cias. Apesar da corrente conservadora controlar a situação e o texto da convocação da Constituinte ser favorável à permanência da união entre Portugal e Brasil, as Cortes portuguesas exigem o retorno imediato de D. Pedro, que resistiu e acelerou o processo de independência política, rompendo definitivamente com Portugal, a 7 de setembro de 1822. Sofrendo severas críticas de seus opositores e perdendo a confiança do imperador, José Bonifácio e seu irmão Martim Francisco demitiram-se em julho de 1823, assumindo uma oposição conservadora ao gover-no, através de seus jornais A sentinela da Liberdade e O Tamoio. Rompidas definitivamente as relações com Portugal, o processo para Constituinte tem prosseguimento, discutindo-se a questão dos critérios para o recrutamento do eleitorado que deveria escolher os deputados da As-sembléia. O direito de voto foi estendido apenas à população masculina livre e adulta (mais de 20 anos), alfabetizada ou não. Estavam excluídos religiosos regulares, estrangeiros não naturalizados e criminosos, além de todos aqueles que recebessem salários ou soldos, exceto os criados mais graduados da Casa Real, os caixeiros de casas comerciais e administradores de fazendas rurais e fábricas. Com esta composição social, ficava claro o caráter elitista que aca70


reito político as classes inferiores e praticamente reser-vando os cargos da representação nacional aos proprietá-rios rurais; concentrando a autoridade política no Parla-mento e proclamando a mais ampla liberdade econômi-ca, o projeto consagra todas as aspirações da classe do-minante dos proprietários rurais, oprimidos pelo regime de colônia, e que a nova ordem política vinha justamente libertar.” (PRADO JR., Caio. Evolução política do Bra-sil).

A DISSOLUÇÃO DA ASSEMBLÉIA bará predominando na Constituinte, já que retirava-se das camadas populares o direito de eleger seus representantes.

O ANTEPROJETO: LIBERAL E ANTIDEMOCRÁTICO Com um total de 90 membros eleitos por 14 províncias, destacavam-se na Constituinte, proprietários rurais, bacharéis em leis, além de militares, médicos e funcionários públicos. Para elaborar um anteprojeto constitucio-nal, foi designada uma comissão composta por seis de-putados sob liderança de Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio. O anteprojeto continha 272 artigos influenciados pela ilustração, no tocante à soberania nacional e ao libera-lismo econômico. O caráter classista e portanto antide-mocrático da carta, ficou claramente revelado com a dis-criminação dos direitos políticos, através do voto censi-tário, onde os eleitores do primeiro grau (paróquia), ti-nham que provar uma renda mínima de 150 alqueires de farinha de mandioca. Eles elegeriam os eleitores do se-gundo grau (província), que necessitavam de uma renda mínima de 250 alqueires. Estes últimos, elegeriam depu-tados e senadores, que precisavam de uma renda de 500 e 1000 alqueires respectivamente, para se candidatarem. A postura elitista do anteprojeto aparece também em outros pontos, como a questão do trabalho e da divisão fundiária. O escravismo e o latifúndio não entraram em pauta, pois colocariam em risco os interesses da aristo-cracia rural brasileira. Segundo Raymundo Faoro “o es-quema procurará manter a igualdade sem democracia, o liberalismo fora da soberania popular”. Tratava-se por-tanto, de uma adaptação circunstancial de alguns ideais do iluminismo aos interesses da aristocracia rural. Destaca-se ainda, uma certa xenofobia na carta, que expressava na verdade, uma lusofobia marcadamente anticolonialista, já que as ameaças de recolonização persistiam, tanto no Brasil (Bahia, Pará e Cisplatina), como em Portugal, onde alguns setores do comércio aliados ao clero e ao rei, alcançam uma relativa vitória sobre as Cortes, no episódio conhecido como “Viradeira”. A po-sição anti-absolutista do anteprojeto, fica clara devido a limitação do poder de D. Pedro I, que além de perder o controle das forças armadas para o parlamento, tem po-der de veto apenas suspensivo sobre a Câmara. Dessa forma, os constituintes procuram reservar o poder políti-co para a aristocracia rural, combatendo tanto as amea-ças recolonizadoras do Partido Português, como as pro-postas de avanços populares dos radicais, além do pró-prio absolutismo de D. Pedro I. “Afastando o perigo da recolonização; excluindo dos di-

A posição da Assembléia em reduzir o poder imperi-al, faz D. Pedro I voltar-se contra a Constituinte e apro-ximarse do partido português que defendendo o absolu-tismo, poderia estender-se em última instância, à ambi-cionada recolonização. Com a superação dos radicais, o confronto político se polariza entre os senhores rurais do partido brasileiro e o partido português articulado com o imperador. Nesse ambiente de hostilidades recíprocas, o jornal “A Sentinela”, vinculado aos Andradas, publica uma carta ofensiva a oficiais portugueses do exército imperial. A retaliação dá-se com o espancamento do farmacêutico David Pamplona, tido como provável autor da carta. Declarando-se em sessão permanente, a As-sembléia é dissolvida por um decreto imperial em 12 de novembro de 1823. A resistência conhecida como “Noite da Agonia” foi inútil . Os irmãos Andradas, José Bonifá-cio, Martim Francisco e Antônio Carlos, são presos e deportados. Perdendo o poder que vinham conquistando desde o início do processo de independência, a aristocracia rural recua, evidenciando que a formação do Estado brasileiro não estava totalmente concluída. “. . . Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar, a Assembléia Constituinte Geral e Legislativa, por decreto de 3 de junho do ano passado, a fim de sal-var o Brasil dos perigos que lhe estavam iminentes: E havendo esta assembléia perjurado ao tão solene jura-mento, que prestou à nação de defender a integridade do Império, sua independência, e a minha dinastia: Hei por bem, como Imperador e defensor perpétuo do Brasil, dis-solver a mesma assembléia e convocar já uma outra na forma de instruções feitas para convocação desta, que agora acaba, a qual deverá trabalhar sobre o projeto da Constituição que eu lhe ei de em breve lhe apresentar, que será mais duplicamente liberal do que a extinta as-sembléia acabou de fazer .” (Decreto Da dissolução da Assembléia Constituinte). 12/nov/1823

A CONSTITUIÇÃO DE 1824 Foi a primeira constituição de nossa história e a única no período imperial. Com a Assembléia Constituinte dis-solvida, D. Pedro I nomeou um Conselho de Estado for-mado por 10 membros que redigiu a Constituição, utili-zando vários artigos do anteprojeto de Antônio Carlos. Após ser apreciada pelas Câmaras Municipais, foi outorgada (imposta) em 25 de março de 1824, estabelecendo os seguintes pontos: 71


• um governo monárquico unitário e hereditário. • voto censitário (baseado na renda) e descoberto (não secreto). • eleições indiretas, onde os eleitores da paróquia elegiam os eleitores da província e estes elegiam os deputados e senadores. Para ser eleitor da paróquia, eleitor da província, deputado ou senador, o cidadão teria de ter, agora, uma renda anual correspondente a 100, 200, 400, e 800 mil réis respectivamente. • catolicismo como religião oficial. • submissão da Igreja ao Estado. • quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador. O Executivo competia ao imperador e o conjunto de ministros por ele nomeados. O Legislativo era representado pela Assembléia Geral, formada pela Câma-ra de Deputados (eleita por quatro anos) e pelo Senado (nomeado e vitalício). O Poder Judiciário era formado pe-lo Supremo Tribunal de Justiça, com magistrados esco-lhidos pelo imperador. Por fim, o Poder Moderador era pessoal e exclusivo do próprio imperador, assessorado pelo Conselho de Estado, que também era vitalício e no-meado pelo imperador. Nossa primeira constituição fica assim marcada pela arbitrariedade, já que de promulgada, acabou sendo outorgada, ou seja, imposta verticalmente para atender os interesses do partido português, que desde o início do processo de independência política, parecia destinado ao desaparecimento. Exatamente no momento em que o processo constitucional parecia favorecer a elite rural, surgiu o golpe imperial com a dissolução da Constituinte e consequente outorga da Constituição. Esse golpe, im-pedia que o controle do Estado fosse feito pela aristocra-cia rural, que somente em 1831 restabeleceu-se na lide-rança da nação, levando D. Pedro I a abdicar.

O FRACASSO DO IMPERADOR O início de nossa história como país independente não foi tranqüilo. Nosso primeiro imperador acabou sendo obrigado a deixar o Brasil e voltar para a Europa. O texto a seguir comenta o afastamento cada vez maior de D. Pedro I em relação aos interesses dos brasileiros, situação que o levou a renunciar. Nove anos após a proclamação da Independência, o mesmo príncipe português que fora aclamado por muita gente como nosso herói máximo acabou tendo de arrumar as suas malas e sair rapidamente do país.

É muito comum a realização de grandes comemorações no dia 07 de setembro, mas não se fala muito, pelo menos no calendário cívico oficial, de um outro dia 07: o de abril, data em que o D. Pedro I, em 1831, abdicou, porque seu governo tornou-se um completo fracasso. (...) A monarquia constitucional como forma do nascente Estado brasileiro, depois de 1822, foi produto tanto das condições criadas em nosso país, após a transferência da Côrte portuguesa, em 1808, como dos temores e preconceitos conservadores da aristocracia agrária que liderou a independência. Esse Estado, para ter eficácia e legitimidade precisava conduzir a definitiva transferência de poder dos antigos detentores portugueses para a classe dominante brasileira, sem alterar a estrutura social escravista. Pois bem, se em 1822 o regime que se estabeleceu, com D. Pedro I e José Bonifácio à frente, parecia poder cumprir essa determinação, os acontecimentos posteriores mostraram a incapacidade do grupo para tal tarefa. Depois que se afastou dos Andradas (José Bonifácio, Antônio Carlos e Martim Francisco), em 1823, ao mesmo tempo que manteve os liberais afastados do poder, D. Pedro I ligou-se cada vez mais a portugueses ou pessoas comprometidas com o antigo Estado do período joanino, vinculadas aos comerciantes portugueses. A aristocracia agrária brasileira, embora tivesse algum de seus interesses realizados, como a manutenção do livre comércio e da escravidão, foi afastada das decisões políticas efetivas, principalmente depois da dissolução da Assembléia Constituinte. D. Pedro I, governando em nome de um verdadeiro “partido português”, tendo contra si a oposição crescente de um “partido brasileiro”, não foi capaz de encaminhar satisfatoriamente os complexos problemas políticos e econômicos que a construção do novo Estado exigia. Não foi capaz, inclusive de agir como um governante moderno, pois possuía também uma formação romântica e absolutista, que o levava a encarar os reis como grandes heróis, capazes de realizar sozinhos a felicidade dos povos. Embora tivesse conseguido, com o apoio da Inglaterra, derrotar o movimento liberal e republicano que o Nordeste lhe opôs – a Confederação do Equador –, a história do seu governo depois de 1824 é a de seu esvaziamento político. O acontecimento de 1822 não chegou a representar a criação de um novo Estado independente, mas apenas o seu início. Seria necessário derrubar a fracassada monarquia de D. Pedro I para começar a criar, a partir de 1831, o Estado nacional brasileiro (adaptado de TAVARES, Luís H. D. O fracasso do Imperador. São Paulo: 1986, Ática. pp. 02)

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O Período Regencial (18311840)o Brasil consolida a sua Independência política. “... nasci e me criei no tempo da Regência; e nesse tempo o Brasil vivia, por assim dizer, muito mais na praça pública do que mesmo no lar doméstico” (Justiniano José da Rocha)

INTRODUÇÃO O período regencial (1831-1840) caracteri-zou-se por ser um dos mais agitados e mais im-portantes na História do Brasil. Marcou-se por intensa agitação social e revoltas provinciais. Foi um período de lutas pelo poder entre os membros da classe dominante e de rebeliões populares contra a fome e a miséria de uma massa, composta por negros, índios, mestiços e brancos pobres, que viviam miseravelmente em latifúndios improdutivos, e que era marginalizada e espezinhada pela elite sócio-econômica. Naqueles anos, esteve em jogo a unidade territorial do país, e o centro do debate político foi dominado pelos temas da centralização e da descentralização do poder, do grau de autonomia das províncias e da organização das forças armadas. Para melhor compreender a instabilidade desta época lembremos que este foi um momento de transição na economia brasileira. Em um sistema econômico periférico, cuja a produção se voltava para o mercado externo, é natural que a crise da mineração e da lavoura tradicional deixasse um vazio nas exportações e um déficit na balança de comércio. Apesar do café, no período regencial, já ter se transformado no primeiro produto brasileiro de exportação, ele ainda não havia criado uma estabilidade econômica e social, pois não conseguira, até então, salvar o Brasil da crise eco-nômica e financeira herdada do Primeiro Reinado. Além disso, as rebeliões que ocorreram durante este período revelavam os múltiplos desajustes de uma sociedade agrário-escravistas a caminho de sua consolidação, depois dos abalos do processo de independência e das lutas que redundaram na abdicação. A massa, em geral, permanecia marginalizada. Alienada do proces-so político, manifestase, entretanto, através de revoltas como a Cabanagem e a Balaiada. No que diz respeito à classe dominante, as suas divergências eram apenas de caráter político-administrativo, pois entre os aristocratas, sempre houve concordância quando à manutenção da grande propriedade e da estrutura escravista. Será na Regência que as formas típicas de dominação da classe dominante sobre a grande maioria da população será ensaiado. A crise envolve todos os níveis da sociedade: tanto em nível superestrutural, pois a população ainda não se habituara com a idéia de que o Brasil era um país independente e estava no momento, ainda de consolidação de algumas idéias nacionais; quanto ao nível estrutural, pois a organização do poder se deu de forma traumática, enfrentando

diversas rebeliões que, inclusive, ameaçavam a soberania e a unidade territorial do país; e também crise conjuntural, pois o Brasil atravessou um período de extrema crise econômica, sem um produto que pudesse ser considerado como o carro-chefe das exportações, pois o café não era ainda o grande redentor nacional. Assim, é importante compreender o período regencial, pois será neles que poderemos encontrar as raízes de alguns dos profundos problemas que a sociedade brasileira enfrenta nos dias de hoje.

A MENORIDADE DO IMPERADOR Após a abdicação de D. Pedro I, os líderes oposicionistas, que a tinham forçado, indagaram a um de seus chefes, o senador Nicolau dos Campos Vergueiro, a quem e o que o povo deveria aclamar. Na mesma tradição dos funerais da monarquia francesa – em que o anúncio de “O rei morreu!”, seguia-se a exclamação “Viva o Rei!” – a resposta imediata foi: “Vida longa ao Imperador Constitucional D. Pedro II em sua menoridade”. Após o 07 de abril de 1831, a elite política não hesitava no rumo a seguir, pois o monarca continuava a representar o principal símbolo da unidade e da ordem, que ela prezava acima de tudo. Segundo Teófilo Otoni, um dos mais radicais, era necessário ceder ao passo “para não arriscar o muito que já [se havia] conseguido pelo pouco que restava conseguir”. Assim, o período posterior à abdicação de D. Pedro I é chamado de Regência porque nele o país foi regido por outras pessoas em nome do Imperador até a maioridade antecipada deste, em 1840. A princípio, os regentes eram três, passando a ser apenas um, a partir de 1834. Entretanto, D. Pedro I ao abdicar ao trono brasileiro deixou um problema para o Brasil. O seu filho, legítimo herdeiro do trono, contava com apenas 05 anos de idade, portanto, incapaz de assumir o Império do Brasil. A Constituição de 1824 determinava que em caso de vacância do Império e se o sucessor fos-se menor de idade, o Brasil seria governado por um Regente, ao qual pertencerá ao Parente mais chegado do Imperador, de acordo com a Ordem de Sucessão, maior de 25 anos, ou se o mesmo não tiver parentes que se encaixe no perfil que determinava a Carta Magna, seria escolhido pela Assembléia Geral (Senado e a Câmara dos De-putados) uma Regência Permanente composta por três membros, dos quais o mais velho seria o Presidente (artigos 121, 122 e 123 da Consti-tuição de 1824). D. Pedro II não tinha nenhum parente que se encaixava na determinação constitucional. Restava, então a escolha dos três Regentes, pela Assembléia Geral, que governariam o Brasil em nome do Imperador menor de idade. Todavia, os deputados e senadores estavam em recesso no momento da abdicação de D. Pedro I. Os parlamentares presentes no Rio de Janeiro no momento da abdicação logo indicaram uma Regência Trina Provisória, cujo objetivo era a convocação da Assembléia Geral para a escolha dos três Regentes Permanentes que governariam o Brasil até a maioridade do Imperador. A 73


pressa em indicar uma regência deveu-se, entre outros motivos, ao receio, que depois mostrou-se ser infundada, de agitações populares que poderiam colocar em risco o “pouco já conquistado” pelas aristocracias rurais e que agora era preciso conter a todo o custo. A Regência Trina Provisória governou o Império de 07 de abril de 1831 a 17 de junho de 1831 e foi formada pelos senadores José Joaquim Carneiro de Campos (Marquês de Caravelas, respeitado colaborador do Primeiro Reinado), e Nicolau de Campos Vergueiro (contemplando a nova facção política que se afirmara com a abdicação, mas forjada na oposição ao absolutismo de D. Pedro I) e, como fiel da balança o brigadeiro Francisco de Lima e Silva (pai do futuro Duque de Caxias, o Marechal Luís Alves de Lima e Silva), em virtude do seu alto prestígio de que gozava nos meios militares. Reunida a Assembléia Geral no início de maio, definiram-se inicialmente os poderes da Regência Trina Permanente (através da Lei Regencial, publicada em 14 de junho de 1831) que, segundo a Constituição, ela deveria escolher. Seus integrantes não poderiam declarar guerra, conceder títulos de nobreza, vetar leis, nem dis-solver a Câmara. Estabelecia-se, assim, um autêntico sistema parlamentar com o predomínio político da Assembléia. A Regência Trina Permanente foi então escolhida em 17 de junho de 1831, compondo-a, para conciliar os interesses provinciais, os Deputados João Bráulio Muniz, representante do Norte, e José da Costa Carvalho, do Sul; mantinha-se no posto o Brigadeiro Lima e Silva, apelidado, por isso, de “Chico Regência”.

OS GRUPOS POLÍTICOS O 07 de abril foi o desfecho da luta do Impe-rador, aliado aos absolutistas do “Partido Português” contra o “Partido Brasileiro” (aristocracia rural) e os Liberais Radicais (camadas urbanas). A partir de 1831, as três tendências passaram a ser conhecidas, respectivamente, como Restauradores ou Caramurus, Moderados ou Chimangos e, finalmente, Exaltados ou Far-roupilhas, ou ainda, Jurujubas.

Os Caramurus Após o 07 de abril, a antiga oposição entre portugueses e brasileiros, do Primeiro Reinado, desdobrou-se em um espectro mais amplo. Num extremo, herdeiros dos primeiros, situavam-se os restauradores, apelidados de Caramurus, em função do jornal que publicavam. Insistiam, com o apoio de funcionários, militares e comer-ciantes portugueses a volta de D. Pedro I ao poder. Contudo, com a morte de D. Pedro I em 1834, este grupo perdeu o seu principal motivador ideológico e se agruparam em torno dos moderados ou Chimangos.

Os Farroupilhas No outro extremo, ficavam os brasileiros mais radicais, conhecidos como exaltados, far-roupilhas – isto é, maltrapilhos – ou jurujubas, em virtude da praia de Niterói de onde tinham partido magotes populares para o campo de Santana no 07 de abril. Estes julgavam-se progressistas, reformistas e democratas e pretendiam aproveitar a abdi-

cação para constituir um governo mais popular, com a extinção do Poder Moderador, do Conselho de Estado e do caráter vitalício do Senado. Clamavam a favor de um federalismo, e até de uma República; ou pelo menos, de uma maior autonomia provincial, pois acreditavam que, acima da nação brasileira, estavam as pátrias locais. Os principais nomes eram os jornalistas Antônio Borges da Fonseca e Luís Augusto May, que editavam, respectivamente os jornais O Republico e A Malagueta.

Os Chimangos Finalmente, no centro, consolidara-se um bloco instável, que conduziu a transição, consti-tuído pelos elementos mais moderados das facções tanto dos portugueses quanto dos brasileiros, unidos pela preocupação de conservar a unidade do império. Seus membros eram freqüentemente chamados de Chimangos, nome que se originara no Rio Grande do Sul – significando a caça com a qual não vale a pena gastar chumbo – porque ali não tinham quase expressão entre as duas correntes políticas extremadas dos Farroupilhas e dos Caramurus. Eram os grandes proprietários de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro que compunham o grupo político dos Chimangos. Consideravam o 07 de abril de 1831 uma revolução gloriosa, realizada pelo esforço e pela união patriótica do povo e da tropa do Rio de Janeiro, destinada a restaurar, “sem que fosse derramada uma só gota de sangue”, a independência do país através da “união e da integridade do Império”. Politicamente eram favoráveis à monarquia, mas contrários ao absolutismo de D. Pedro I. Administrativamente, defendiam o centralismo como forma de garantir a unidade do Império. Essa proposta, formulada segundo a lógica das tímidas Luzes lusobrasileiras, não deixava de atender aos anseios das classes agrárias, dos comerciantes de grosso trato, e também da maioria dos bacharéis e demais profissionais liberais, que valorizavam a manutenção do status quo. No entanto, em função das diferenças de formação cultural e de situação social de seus partidários, ela não deixa de esconder, sob um aparente consenso, divergências e incompatibilidades, que logo se manifestariam. Os seus principais expoentes eram Evaristo da Veiga, que editava o Jornal Aurora Fluminense, o Padre Diogo Antônio Feijó e Bernardo Pereira de Vasconcelos.

Caramurus X Chimangos X Farroupilhas. Após um curto período de harmonia, propiciado pela surpresa da abdicação de D. Pedro I e pelo temor de uma convulsão social, essas diversas facções logo começaram a se enfrentar na arena política. Já em maio de 1831, os moderados organizaram a Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, com o objetivo de, além de combater os exaltados e os restauradores, de sistematizar e propagar suas opiniões não apenas na Corte, como também nas províncias adquirindo assim uma certa sintonia entre a atuação de seus membros na Câmara, influindo nos caminhos e nas decisões governamentais. No final do ano foi a vez dos exaltados organizarem a Sociedade Federal. Os Caramurus, por sua vez, entrincheirados no Paço Imperial – graças à posição de seu líder, José Bonifácio de Andradas, como tutor de D. Pedro II – e no Senado, fundaram, em

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Da mesma temia-se uma revolta de escravos. No Rio de Janeiro, espalhavam-se notícias de roubos de armas pelos cativos, de incursões noturnas de pretos e pardos munidos de punhais e cacetes, para aterrorizar a população branca e agredir guardas municipais. Requerimentos passaram a solicitar à polícia a prisão de “gente de cor”, que perturbava a tranqüilidade pública.

1832, a Sociedade Conservadora da Constituição Jurada do Império, que, no ano seguinte, passou-se a denominar-se Sociedade Militar. Essas sociedades políticas correspondem, num momento de crise do Estado, a uma manifestação espontânea da sociedade, que ainda não dispunha de formas de sociabilidade através das quais organizar-se. Entretanto, não deixaram, tampouco de contribuir, pelas rivalidades que despertaram, para acentuar a tensão já existente.

A REGÊNCIA TRINA PERMANENTE (17/06/1831 A 12/10/1385) E AS MEDIDAS LIBERAIS Em termos políticos, o Período Regencial pode ser dividido em duas fases: Período Libe-ral, de 1831 a 1837, quando se procurou realizar as reformas constitucionais necessárias ao estabelecimento de maior liberdade para as províncias, tendo o governo se orientado para descentralizar a administração; Período Conservador, de 1837 a 1840, quando se procurou evitar que os excessos de liberdade colocassem em perigo a estabilidade nacional, tendo o governo se orientado no sentido de centralizar a administração. Os moderados, que dirigiram todo o processo de transição desde a abdicação até a escolha da Regência Trina Permanente, eram então, “os donos do poder”. Contra eles ergueram-se os exaltados, que defendiam a imediata devolução da soberania ao povo, para que este pudesse eleger uma Assembléia Constituinte. Além do conflito entre os diversos grupos políticos por espaço na condução do Estado, existia a sempre latente oposição entre aqueles-que-têm e os que-não-têm, herdada desde o período colonial e a oposição explícita entre brasileiros e portugueses. Nas ruas do Rio de Janeiro, multiplicaram-se os confrontos em que ecoavam os gritos de “mata português”. Os lusos eram acusados de conspirar contra a “causa brasileira” e de trabalhar pelo retorno do ex-imperador. Avisos e portarias passaram a denunciar súditos portugueses que abusavam da hospitalidade, conduzindo-se de maneira suspeita, com o intento de fabricar uma conspiração. A entrada e saída de portugueses natos começou a ser regu-lamentada. Em agosto de 1831, a Regência decidiu demitir do serviço público todos os portugueses que não se tivessem tornados cidadãos adotivos ou naturalizados, na forma da Constituição. No nordeste, enquanto isso, em Pernambuco, ressurgia o ódio – evidenciado desde o período colonial pela Guerra dos Mascates (1710-1711), e ainda presente na Revolução Praiera de 1848 – contra os portugueses que monopolizavam o comércio a retalho do Recife.

Esse clima de insegurança e de sobressaltos traduziu-se logo em agitações populares na Corte e nas províncias, que a imagem do imperador por si só não era capaz de conter. No Rio de Janeiro, a tropa, pouco disciplinada, se mostrava presa fácil dos interesses em jogos e, em seus escalões inferiores, facilmente se identificava aos setores social e economicamente excluídos, descontentes com sua condição que tinha adquirido um novo peso político, após o 07 de abril, em função do caráter mais público da política, que voltara a ganhar a rua, constante dava sinais de insubor-dinação à Regência Trina Permanente. Portanto, a grande ameaça à Regência, isto é, à hegemonia dos moderados, partia dos setores exaltados. Estavam em perigo a estabilidade política e a unidade territorial, pois os exaltados tinham representantes em todas as províncias. Pressentindo o clima tenso, a primeira lei que a Regência Trina Permanente promulgou, em 06 de junho de 1831, proibia reuniões ilegais, estabelecia penas mais severas para os portadores não autorizados de armas e instituía uma milícia municipal. No novo gabinete formado pela Regência Trina Permanente destacou-se a figura do ministro da Justiça, padre Diogo Antônio Feijó, a quem se conferiu autonomia de ação para conter as agitações populares. A nova ordem foi assegurada pela ações repressivas de Feijó, mas segundo Raymundo Faoro, a “maior obra em favor da ordem, do partido moderado, foi a realizada fora do governo, com a criação de duas instituições: a Sociedade Defensora e a Guarda Nacional. A elas deveu a Regência a estabilidade do regime e a permanência da integridade da nação”.

A Guarda Nacional. Pela Lei de 18 de agosto de 1831, por inspi-ração de uma iniciativa francesa semelhante, criou-se a Guarda Nacional, subordinada ao Ministério da Justiça, extinguindose as ordenanças e milícias subordinadas ao Ministério da Guerra. A Guarda Nacional, composta por eleitores há-beis de 18 a 60 anos – o que exigia que tivessem renda mínima determinada pela Constituição de 1824, que ainda estava em vigor –, cujos co-mandantes, exceto os mais graduados, eram eleitos de forma democrática pelos seus membros, significou a garantia da fidelidade e da ordem social. Ao contrário das antigas ordenanças coloniais, a Guarda Nacional não constituía uma força de reserva para o Exército, mas colocava-se diretamente sob o controle civil do ministro da Justiça, ou de seus delegados, o que a tornava neste momento, um instrumento da autoridade da aristocracia rural. Não é só isso: a Guarda Nacional transformou-se na principal força repressiva da Oligarquia agrária e, consequentemente, num dos principais sustentáculos de sua 75


hegemonia. Embora mais tarde viesse a adquirir outras características, emprestando a patente de Coronel para designar o poderoso local do interior, no princípio pretendia mobilizar os homens de alguma posse, nas cidades, interessados em preservar a ordem, a fim de conter o que os moderados interpretavam como a obra de demagogos a serviço da anarquia. Na verdade, esta situação criou o que chamamos de “Coronelismo” que é uma prática política específica das classes agrá-rias brasileiras e se traduz na expressão e poder político dos grandes fazendeiros à nível municipal. Como instrumento de poder da aristocracia rural, sua eficiência foi testada em 1831 e 1832, no Rio de Janeiro e em Pernambuco, contra as rebeliões dos Exaltados.

O Código do Processo Criminal. Paralelamente à reorganização das forças mi-litares e policiais, elaborou-se o Código do Processo Criminal, aprovado em novembro de 1832. Com o novo Código, pretendia-se superar as atribuições confusas e sobrepostas dadas aos agentes da Justiça, legadas pelo período colonial. Estabelecia-se uma nova hierarquia de juízes, com jurisdições definidas, caracterizava os procedimentos para obter provas e especificava como deveriam ser conduzidos os julgamentos, incluindo a introdução do sistema de jurados. Exigia ainda o mandato de busca emitido pela autoridade para fazer inquirições e confirmava o direito de habeas corpus. Figura central no novo Código era o Juiz de Paz. A função fora criada em 1827 para ser ocu-pada por um Juiz local, sem formação em direito, nem remuneração, eleito por um ano, para julgar pequenas causas, conciliar os litigantes do lugar e conter perturbadores da ordem – como bêbados, vadios e prostitutas – mediante a assinatura de termos de bem viver. No entanto, sem uma legislação específica para apoiálos, logo se transformaram em agentes dos poderosos locais, tornando-se um dos pontos mais controvertidos entre autonomistas e centralizadores. Em 1832, suas funções foram ampliadas. Passavam a e-xercer também o papel de polícia local, com po-der de prender e formar culpa, além de julgar. Contavam com o auxílio de um escrivão e eram assistidos pelos inspetores de quarteirão, moradores que designavam, para vigiar setores com pelo menos 25 residências. Em caso de emergência, podiam convocar a polícia e a Guarda Nacional. Acima dos Juízes de Paz, criava-se a figura do Juiz Municipal, escolhido pelo presidente da província, formado em leis e, em geral, um profissional no início de carreira, subordinado, por sua vez ao juiz de direito, encarregado de uma comarca, equivalente ao Ouvidor colonial.

Um avanço liberal O sentido dessas iniciativas era claro. A su-bordinação dos regentes trinos à Assembléia, ou seja, às províncias representadas por seus deputados; a criação da Guarda Nacional como a “nação em armas”, defendida por Evaristo da Veiga, acompanhada da redução e do remanejamento dos efetivos dos Exército; as amplas atribuições concedi-

das aos juízes de paz, sem o estabelecimento de um contrapeso adequado; tudo isto apontava na mesma direção: o fortalecimento das autoridades locais e regionais, como defendiam não só os exaltados, como também a facção brasiliense dos moderados.

O Ato Adicional de 1834. Tanto liberais exaltados quanto liberais moderados estavam de acordo com a necessidade de alterar a Constituição imposta pelo ex-imperador fazendo um acordo em favor de uma maior autonomia das províncias em troca da manutenção da unidade do Império. No intuito de tentar acabar com as revoltas nas províncias, dandolhes mais autonomia, os liberais moderados defendiam algumas reformas na Constituição de 1824. Neste sentido, na Corte, a maioria da elite política continuava apostando nas medidas de caráter liberal, ou seja, descentralizadoras, para deter o curso dos acontecimentos. Assim, em 12 de agosto de 1834, aprovou-se o Ato Adicional à Constituição. Votado somente pela Câmara dos Deputados, o Ato Adicional constituiu um compromisso entre as diversas facções em conflito. Conservaram-se o Poder Moderador e a Vitaliciedade do Senado, para satisfazer os restauradores. Em compensação aboliu-se o Conselho de Estado para agradar aos exaltados. A Corte separou-se da Província do Rio de Janeiro, sob a forma de um Município Neutro. Sobretudo, ampliou-se o poder das províncias, com a criação das Assembléias Provinciais, dotadas de algumas atribuições, inclusive a de criar impostos, para atender à concepção federalista, ainda que em graus diferentes, dos exaltados e de setores dos próprios moderados. No intuito de dar mais agilidade ao poder central, converteu-se a Regência Trina Permanente em Regência Una, cujo titular seria escolhido pelos eleitores provinciais em 1835. Apesar do caráter conciliatório do Ato Adicional de 1834, as forças políticas se dividiram em duas grupos distintos: os que apoiavam o Ato Adicional, chamados de Progressistas e os que não apoiavam o Ato, chamados, por isso de Regressistas. O ponto básico de discórdia era a contradição inerente ao Ato Adicional, ao propor a centralização do poder político em mãos de um regente único, ao mesmo tempo que dava às províncias considerável autonomia. A essa altura, a instabilidade nas províncias se generalizara. Como uma espécie de prenúncio, na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, durante menos de quatro horas, escravos e libertos haviam enfrentado a tropa e civis armados nas ruas de Salvador. Setenta rebeldes morreram durante o episódio e mais de quinhentos outros sofreram penas de morte, de açoite ou de degredo. Apesar de rapidamente contida, graças à de-núncia de uma liberta, a Revolta dos Malês – o nome de um grupo de africanos islamizados que atuou como catalisador do movimento – revelou uma considerável organização, reascendendo o atávico “pavor do Haiti”, isto é, o de um levante de escravos nos moldes do que ocorrera na co-lônia francesa de São Domingos, em 1792.

O enfraquecimento dos moderados. 76


A tendência descentralizadora não deixava de corresponder ao ideário liberal, que os indivíduos então no poder invocavam como seu. Outro passo, com a mesma intenção foi dado pela Câmara ao propor a delegação de poderes aos eleitores da legislatura seguinte, prevista para se reunir em 1834, a fim de que esta estabelecesse emendas à Constituição de 1824. A discussão entre os deputados foi penosa, indicando o início dos desentendimentos no bloco moderado. Em abril de 1832, dois movimentos, um inspirado pelos exaltados e o outro pelos Caramurus, voltaram a agitar o Rio de Janeiro. Em maio, Feijó, em um discurso perante a Assembléia, que reiniciara seus trabalhos, traçou um panorama sombrio da situação e exigiu o afastamen-to de José Bonifácio, que considerava implicado no levante restaurador de abril, da tutoria do futuro imperador. Negado o afastamento pelo Senado, o ministro da Justiça renunciou, sendo acompanhado pelo restante do Ministério. Os regentes declaram-se incapazes de continuar em seus postos. Diante da crise assim criada, os partidários de Feijó na Câmara propuseram a criação de um comitê especial para sugerir medidas de emergência, planejando-se com isso transformar a Assembléia Geral em Assembléia Constituinte. Esta tentativa de golpe, ocorreu em 30 de julho de 1832, foi abortada graças à reação liderada por Honório Hermeto Carneiro Leão, futuro Marquês de Paraná, em nome daquela facção moderada, mais próxima dos ideais centralizadores. Começava a desintegrar-se o bloco moderado que tinha assegurado a coesão do Império após a abdicação de D. Pedro I.

A REGÊNCIA UNA DO PADRE DIOGO ANTÔNIO FEIJÓ (1835-1837). Nas eleições para a escolha do Regente Único, destacaram-se dois nomes, cada um identificado a uma das correntes moderadas: o Padre Diogo Antônio Feijó, típico representante da an-tiga elite brasileira, apoiado pelo publicista Evaristo da Veiga; e Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque, deputado pernambucano, herdeiro dos interesses portugueses, mas que tinham rejeitado a opção Caramuru de apoiar o retorno de D. Pedro I. A apuração foi lenta, estendendo-se de junho a outubro, em virtude das dificuldades de comunica-ção da época. Num universo de cerca de 7 mil eleitores provinciais, o resultado indica o fracionamento da elite naquele momento e sugere o peso de cada fração. Feijó obteve 2.826 votos e Holanda Cavalcanti 2.251, dispersando-se os demais entre outros nomes, que representavam, inclusive, os exaltados e os remanescentes dos Caramurus, que, com a morte de D. Pedro I, em setembro de 1834, tinham perdido a sua razão de ser. A contradição entre os regressistas e os pro-gressistas ficou expressa na eleição de Feijó, em 1835. A vitória do padre representou a vitória dos progressistas. Entretanto, nas eleições Legislativas do ano seguinte, venceram os regressistas. Dessa forma, após a sua posse, em 12 de outubro de 1835, Feijó viu-se cada vez mais isolado, tornando-se alvo de intensa propaganda oposicionista, principalmente a partir da legislatura que se iniciou em 1836.

A luta política no interior da própria elite di-rigente refletia contradições ainda mais graves e profundas. A divisão entre progressistas e regressistas realizava-se em função do avanço e do recuo das agitações populares. O temor dos proprietários rurais diante das revoltas levou-os a assumir posições cada vez mais conservadoras – regressistas. Estes, ao dominar o Legislativo se opuseram a Feijó, que procurava fortalecer o Executivo. A situação do país estava à época da regência do Pe. Feijó muito confusa e problemática em virtude das diversas revoltas regenciais. Embora a iniciativa e a vontade férrea demonstrada por Feijó em 1831 tenham sido decisivas para evitar a fragmentação do Império, a partir de 1835, sua atuação como regente único revelou-se problemática. No âmbito da Corte, ao contrário dos Regentes Trinos anteriores, sua eleição o tinha dotado, em face da Assembléia Geral, de um mandato próprio. Isso exigia dele uma capacidade de negociação e de entendimento com os deputados e senadores, de que carecia. Por outro lado, a amplitude do poder concedida aos juízes de paz locais pelo Código do Processo Criminal, a adoção do Ato Adicional de 1834 e a eleição das Assembléias Provinciais tinham deslocado o foco da política para as províncias onde ela se tornava ainda mais sujeita às facções e aos interesses locais, embora também acabasse por repercutir no centro. Contudo, sua eleição apertada em relação à Holanda Cavalcanti deixara-o sem uma base de apoio sólida. Além disso, Feijó conservava a idéia dos liberais de uma nação construída pelas pátrias locais, concepção que manietou sua atuação em relação à elite local que dera início à Revolução Farroupilha, ainda que não o fizesse diante da sublevação popular em que se convertera a Cabanagem paraense. Assim, premido pela oposição que sofria no Parlamento que o responsabilizou pelas revoltas sociais que se espalhavam pelo Império e sentido-se sem condições de governar o país, pois o Parlamento constantemente negava-lhe recursos financeiros para solucionar as crescentes dificuldades, Feijó resolve renunciar e entregar a regência a um dos líderes mais prestigiosos da facção moderada, Araújo Lima, que era o presidente da Câmara dos Deputados. Primeiro no-meia-o ministro do Império (o primeiro da linha de sucessão do Regente) e lhe passa o cargo a 18 de setembro de 1837. Muitos progressistas temendo uma fragmentação do Império em virtude de algumas liberdades provinciais, passaram a defender o que denominaram de Regresso, ou seja, a reconstituição de um poder central forte e centralizado. Terminava, assim, uma fase de intensa experimentação quanto ao funcionamento do novo país, que tivera início com a abdicação de D. Pedro I, em 1831. Fortalecidos novamente, a facção moderada herdeira dos restauradores e conservadores, cujos membros se julgavam, por suas Luzes, os administradores naturais da nação, iria se esforçar para reverter o curso dos acontecimentos, garantindo o ideal de um Império Unitário, que provinha da tradição intelectual portuguesa em que se tinham formado. A seguir a carta pela qual o padre Diogo Antônio Feijó, 77


Regente Uno do Brasil de 1835 a 1837 apresentou a sua Renúncia ao presidente da Assembléia Geral: “Ilmo e Exmo Sr. Estando convencido de que a minha continuação na Regência não pode remover os males públicos, que cada dia se agravam por falta de leis apropriadas, e não querendo de maneira alguma servir de estorvo a que algum cidadão mais feliz seja encarregado pela nação de reger seus destinos, pelo presente me declaro demitido do lugar de regente do Império, para que V. Excia, encarregando-se interinamente do mesmo lugar, como determina a Constituição política, faça proceder à eleição de novo regente na forma por ela estabelecida. Rogo a V. Excia queira dar publicidade a este ofício, e ao manifesto incluso. Deus guarde a V. Excia, muitos anos, 19 de setembro de 1837 Ass. Diogo Antônio Feijó.”

A REGÊNCIA UNA DE PEDRO DE ARAÚJO LIMA (1837-1840). Apoiados por grandes fazendeiros, os regressistas levaram a melhor, pois esta mudança não era apenas uma simples passagem de governo. Na verdade, ao entregar a Regência a Pedro de Araújo Lima, “Feijó colocava o governo do Império nas mãos de facção moderada majoritária, acrescida pela aliança com os restauradores, dentro do qual sobressairia um grupo novo, do sudeste brasileiro, envolvido com a produção e a comercialização do café. De base agrário-escravistas, os barões do Café, concentra-dos em grande parte no vale do Rio Paraíba do Sul, acabariam por controlar o aparelho do Estado, concentrariam alianças com grupos influ-entes em outras províncias, “pacificariam o pa-ís” e iriam impor a ordem escravista e latifundiária. Essa fase, se que inicia em 1837 e só irá concluir-se em 1850, seria chamada de fase da reação monárquica ou de domínio do princípio monárquico. Estávamos em ‘plena reação’ ”, exclamaria Justiniano da Rocha, um publicista da época”. Com a escolha de Araújo Lima como regente interino, um novo gabinete foi formado, com membros saídos da facção majoritária do Parlamento: os regressistas. O gabinete formado era de sua estreita confiança, razão porque os regressistas passaram a denominá-lo de Ministério das Capacidades, num elogio a si mesmos. Dentre eles, todos os opositores do Padre Feijó enquanto regente, destacava-se, pela oratória e pela liderança que exercia, Bernardo Pereira de Vasconcelos, que se notabilizara na legislatura de 1826 pela defesa dos princípios liberais, mas que, a essa altura julgava indispensável “parar o carro da revolução”, que via seguir pelos trilhos da excessiva autonomia provincial, como expli-cou num célebre discurso de maio de 1838: “Fui liberal; então a liberdade era nova no pa-ís, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis, não nas idéias práticas; o poder era tudo; fui liberal. Hoje, porém, é di-

verso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram; a sociedade que então corria o risco pelo poder, corre ago-ra risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la, quero salvá-la, e por isso sou regressista”. Em 1838, nas eleições para a escolha do no-vo regente, diante do mesmo Holanda que Feijó derrotara por pequena margem, Araújo Lima amealhou 4.038 votos contra apenas 1.981 do adversário. A harmonia entre Legislativo e Executivo, ambos regressistas, possibilitou a coesão da aristocracia rural, que pôde, então, com firmeza enfrentar a rebelião no Pará (Cabanagem), Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Farroupilha), na Bahia (Sabinada) e Maranhão (Balaiada) – sendo as duas primeiras herdadas do período anterior e as duas últimas iniciadas na Regência de Araújo Lima. A Regência de Araújo Lima foi marcado pelo esforço dos partidários do regresso no sentido de restabelecer leis centralizadoras. Para tanto, tornava-se fundamental a reformulação do desmontar todo o aparato descentralizador proposto pelo Ato Adicional de 1834 e pelo Código do Processo Criminal de 1832. Para tanto, tornava-se imprescindível a aprovação ou reformas de leis que possibilitassem o retorno à centralização governamental. Neste sentido, o Regente Araújo Lima, pro-mulgou a Lei Interpretativa do Ato Adicional, que entrou em vigor em 12 de maio de 1840 e marcou o início da reação centralizadora, que foi o princípio governativo do Segundo Reina-do. Os conservadores – regressistas – utilizaram do argumento de que o Ato Adicional estava dando margem a interpretações errôneas, a Câmara explicita seus artigos, mudando radicalmente a sua essência: de descentralizador o Ato passa a ser coadjuvante da centralização. Entre os seus principais dispositivos estavam: a recriação do Conselho de Estado (principal órgão de aconselhamento ao Imperador); a restrição dos poderes das assembléias legislativas provinciais; a reforma do Código do Processo Criminal (em 03/12/1841) pelo qual a polícia e a justiça pas-savam a ficar sob o controle do Poder Executivo central, em última instância subordinada ao Ministro da Justiça, “no exercício da suprema ins-peção que lhe pertence como primeiro chefe e centro de toda a administração policial do Império” (art. 1º, parágrafo 19º da lei de 03 de dezembro de 1841). A centralização se completaria com a apro-vação da Lei 602 de 19 de outubro de 1850, que colocava a Guarda Nacional também subordinada ao Ministro da Justiça.

O GOLPE DA MAIORIDADE – A CON-TRA-REAÇÃO DOS PROGRESSISTAS. Diante do avanço conservador, através da Lei Interpretativa do Ato Adicional, os progressistas, dariam o troco imediatamente, através de hábil manobra - golpe da maioridade que permi-tiu a antecipação da maioridade de D. Pedro II de 18 para 15 anos . Para conter a pressão, Araújo Lima convocou Bernardo Pereira de Vasconcelos para o Ministério, a fim de implementar, por decreto de 22 de julho, como autorizava a Cons78


tituição – em casos de salvação do Estado – o adiamento das Câmaras. Surpreendidos pela medida, os depu-tados não foram capazes de reagir a não ser por protestos, mas os senadores amotinaram-se. Convocaram os deputados a unirem-se a ele, tirando-se uma comissão para levar a D. Pedro II um requerimento, assinado por 18 senadores e 40 deputados – que não representava a maioria das duas casas – para que assumisse imediatamente suas atribuições. No Paço de São Cristóvão, retórica de Antô-nio Carlos de Andrada apresentou o pleito ao futuro imperador, que, com gravidade, retirouse para deliberar. Quando a deputação voltou à presença de D. Pedro, acompanhava-o próprio Araújo Lima. Com consumada maestria de cortesão, este então comunicou que só adiara as Câmaras para preparar adequadamente a solenidade de aclamação em dezembro. Entretanto, tendo em vista a agitação popular e no Senado, decidira indagar se Sua Majestade preferiria ser aclamado em dezembro ou de imediato. O menino de 15 anos incompletos respondeu sem titubear: “Quero já!”. Vitorioso, assim, o golpe da Maioridade, no dia seguinte, 23 de julho de 1840, perante as Câmaras reunidas, D. Pedro II foi declarado maior, prestou os juramentos necessários e foi investido do poder para entrar imediatamente no exercício de suas funções constitucionais. Começava o Segundo Reinado. Os conservadores não tinham outra saída a não ser apoiar a proposta dos liberais no sentido de antecipar a maioridade de D. Pedro II. O país vivia um período muito conturbado, com revoltas separatistas em várias províncias, sem que o governo central conseguisse controlar a situação. O futuro imperador era visto por todos - liberais e conservadores como a única figura ca-paz de promover o restabelecimento da paz e a manutenção da unidade nacional. Com a antecipação da maioridade, os conservadores, cujo governo deveria estender-se até 1842, foram substituídos pelos progressistas, em julho de 1840. Estes formaram o primeiro ministério do Segundo Reinado. Veja a seguir a proclamação da maioridade de D. Pedro II, pela Assembléia Geral: “Brasileiros! A Assembléia Geral Legislativa do Brasil, reconhecendo o feliz desenvolvimento intelectu-al de Sua Majestade Imperial, o senhor D. Pe-dro II, com quem a Divina Providência favoreceu o Império de Santa Cruz; reconhece igualmente os males inerentes a governos excepcionais, e presenciando o desejo unânime do povo desta capital; convencida de que com este dese-jo está de acordo o de todo Império, para con-ferir-se ao mesmo Augusto Senhor o exercício dos poderes que pela Constituição lhe compe-tem; houve por bem, por tão poderosos motivos, declará-lo em Maioridade para o efeito de entrar imediatamente no pleno exercício desses poderes, como Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil”.

AS REVOLTAS REGENCIAIS

A Independência do Brasil não foi acompa-nhada de mudanças sociais, ou seja, a mesma estrutura social e econômica da colônia foi man-tida no império: latifúndio, monocultura, escravidão e marginalização social, política e econômica das classes inferiores. Durante o Primeiro Reinado e a Regência, a Independência se consolidou, com a elite proprietária sufocando os movimentos de contestação e separatistas e construindo um Estado que atendesse aos seus interesses. O período regencial é marcado por intensos motins e revoltas: lutas entre pobres e ricos, brancos e negros, escravos e senhores, geradas basicamente pelas profundas diferenças sociais existentes, além da insatisfação dos proprietá-rios de terras que sofriam a concorrência dos estrangeiros na exportação de açúcar e algodão, além de ser uma manifestação contra a opressão governamental que não permitia uma autonomia administrativa para as províncias. As rebeliões regenciais atingiram grande parte do nordeste: Pernambuco, Bahia e Maranhão foram os principais centros de rebeldia. O Rio Grande do Sul também foi palco de um grande conflito que durou mais de 10 anos – a Guerra dos Farrapos. As rebeliões nestas regiões revestiram-se de características peculiares, mas, co-mo as outras, tinham em comum a luta do regionalismo contra o governo central. Entretanto, nenhuma das revoltas articularam-se organizando um único movimento forte e organizado capaz de enfrentarem conjunta-mente o poder central. Muitas vezes faltava unidade dentro da própria província. Isso se explica, em parte, pela falta de comunicação entre as províncias e até mesmo entre as cidades. Além da falta de união entre os movimentos, os principais problemas das revoltas populares eram: existência de interesses muito diferenciados entre os revoltosos e ausência de uma ideologia definida, que fazia com que os movimen-tos sofressem muitas divisões provocadas por brigas pelo poder e não tivessem um projeto definido para ser implantado se vencessem a repressão do governo.

A Cabanagem (1835-1840) Calcula-se que a mais violenta rebelião da Regência matou 30.000 pessoas no Pará (a província tinha aproximadamente 80.000 habitantes, em 1819). A rebelião que ocorreu no Pará entre 1834 e 1840 pode ser considerada um dos mais importantes movimentos populares que agitaram o Brasil no período regencial. Dois fatos associaram-se para dar início aos cinco anos de lutas sangrentas: o inconformismo de fazendeiros e comerciantes contra o presidente da província (naquela época os estados se chamavam província e os governadores, presidentes) nomeado pela Regência e a miséria do povo. A população era composta de índios destribalizados, chamados tapuios, de negros e principalmente de mestiços. A maioria esmagadora da população vivia em estado completo de miséria, morando em pequenos povoados nas margens dos rios, nas rotas das chamadas “dro-gas do sertão”. Tinham uma vida miserável. Trabalhavam para os comerciantes na 79


extração das “drogas” ou na salga de peixes. Para a massa popular, cuja participação foi de grande valia, a adesão à independência não significou nenhuma transformação de monta. Ao contrário, seus líderes, como Batista Campos e Malcher, foram marginalizados do governo provisório. Vendo-se traído, o povo se orga-nizou em torno dos liberais radicais e se revolta-ram exigindo que os seus líderes fossem respei-tados no cenário nacional. Setores populares dominaram o poder por, alguns tempo, numa demonstração de protesto contra o domínio da aristocracia latifundiária. Em 1835, os cabanos ocuparam Belém. Três presidentes rebeldes se sucederiam. O primeiro foi o fazendeiro-comerciante Félix Malcher, que se proclamou presidente cabano. Acusado de traição e de jurar fidelidade ao imperador, foi morto pelo chefe militar dos cabanos, Pedro Vinagre, que assumiu o poder, mas abandonou o posto ante os ataques das forças do governo central, apoiadas pelo mercenário inglês John Tylor. Eduardo Angelin, com apenas 20 anos, tornou-se o terceiro presidente rebelde. Os ca-banos, pouco mais de um ano depois de tomar Belém, tiveram que retirar-se para o interior. Os últimos rebeldes, mais de 1000, só se entrega-ram no início de 1840, quando D. Pedro II foi coroado.

A Balaiada (Maranhão, 1838-1841).

brasileiro. Em agosto de 1840, a maior parte dos rebeldes se rendeu, mas o movimento ainda resistiu até o início de 1841. Luís Alves de Lima e Silva recebeu o título de Duque de Caxias, justamente em virtude de ter sido o chefe que conseguiu tomar a Vila de Caxias e por fim ao movimento balaio. A Balaiada foi um movimento de gente pobre e trabalhadora, como atestam as profissões dos seus líderes.

A Sabinada (Bahia, 1834-1838). A Sabinada foi o movimento culminante de vários movimentos rebeldes baianos contra as autoridades impostas pela Regência. Não se tratava de um movimento popular, pois não exigia a libertação dos escravos, o fim da grande propriedade ou a diminuição das desigualdades sociais. Na Sabinada juntaram-se fazendeiros e militares descontentes com os baixos salários e com a possibilidade de serem deslocados para o sul do país para lutarem contra os Farropos. Era um movimento da elite. A condução da rebelião baiana coube ao amigo de Bento Gonçalves, o liberal Francisco Sabino Álvares da Rocha, que, pode-se perceber, deu o nome ao movimento.

No início do século XIX, quase metade dos maranhenses eram escravos. Grande parte do restante compunha-se de sertanejos pobres e miseráveis. Proprietários rurais e comerciantes controlavam o poder, mas que lutavam entre si da mesma forma que os liberais e os moderados da Capital. Essa luta pelo poder ganhou as ruas do Maranhão que foi agitada por lutas entre facções de sua elite, dividida entre os liberais e conservadores.

No dia 07 de novembro de 1837, grande parte da tropa estacionada em Salvador aderiu à rebelião. A República foi proclamada em um clima de euforia, mas o movimento estava isolado, o que facilitou a repressão. Depois de duros combates entre Rebeldes e força do governo central a rebelião foi controlada, com vários rebeldes condenados à morte.

A rebelião, conhecida como Balaiada, foi de-sencadeada devido à prisão injusta de Raimundo Gomes Vieira, mais conhecido como Cara Preta, empregado rural de um padre da facção dos liberais. Após sua fuga, Cara Preta retornou com reforço de simpatizantes ao movimento, ampliando a luta que acabou se tornando uma revolta popular, com o apoio de mais de 3000 escravos fugidos, liderados por um escravo conhecido como Negro Cosme, e por uma grande parcela da população miserável, tendo como líder o fazedor de balaio Manuel Balaio, por isso a rebelião ter o nome de Balaiada.

A Revolução Farroupilha iniciada em 1835 e terminada em 1845, foi o mais longo movimen-to rebelde que já ocorreu em toda a História do Brasil. Uma das razões que ajuda a explicar a sua longa duração é a tradição militarizada da região sul do País.

Ao povo rebelde, se juntou os liberais e pessoas ricas da região que lutavam contra a opres-são do governo central e contra o presidente da província, que era acusado de ser um capacho dos Regentes.

No entanto as constantes oportunidades de ganho dos estancieiros do Rio Grande do Sul tinham um limite, representado pela concorrência do charque argentino. Eles exigiam que o governo central impedisse a entrada do produto estrangeiro e ainda baixasse o preço do sal, importante matéria prima da carne seca.

Os rebeldes se concentraram no sul da província do Maranhão, junto à divisa com o Piauí e Ceará e numa importante vitória, os balaios tomaram a Vila de Caxias, em 1839. A repressão imperial não tardou. O Coronel Luís Alves de Lima e Silva, nomeado presidente da Província pela Regência recebeu plenos poderes e desencadeou violento ataque às cidades. Reprimiu os rebeldes e conseguiu tomar Caxias, a cidade que deu nome ao título do famoso militar

A Farroupilha (Rio Grande do Sul, 1835-1845).

A região do Rio Grande do Sul só se havia integrado na economia brasileira na época da mineração graças à produção do charque e às mulas. Formaram-se grandes estâncias e uma camada de grandes estancieiros que enriqueceram com estas atividades.

A economia do charque gaúcho sofria, por-tanto, de uma crise estrutural. Seus produtos não se destinavam à exportação, exigência de uma economia monocultora e colonial como a nossa. No entanto, o charque era produzido segundo uma estrutura colonial, isto é, baseado no trabalho escravo. Era uma economia subsidiária (não era a mais importante) e, por isso mesmo, mais frágil. 80


A economia sulina gerou também uma nova camada social, com base nas atividades da pecuária e no comércio. Essa nova camada se unia na exigência de participação nas decisões políticas. Havia, portanto, uma coincidência de inte-resses entre comerciantes da área urbana e proprietários da área rural. Esse tipo de sociedade e de economia gerou uma autonomia administrativa, cujo o poder se encontrava nas mãos dessa aristocracia rural e urbana, gerando fortes tensões com o poder central. Essa situação latente de crise atingiu o ponto crítico com o clima agitado do período regencial. Em 1835, Bento Gonçalves, um dos mais importantes líderes estancieiros, lançou um ma-nifesto à província, concitando à rebelião contra a intervenção do governo central na província do Rio Grande do Sul. Iniciou-se a Revolução Farroupilha, alusão à Farrapo (relativo à falta de uniforme dos participantes da rebelião). Nos combates contra o governo regencial, os rebeldes obtiveram inúmeras vitórias, o que os levou a proclamar a República Riograndense ou de Piratini. David Canabarro, outro importante líder farroupilha também proclamou a chamada República Juliana ou Catarinense na região de Santa Catarina. Por volta de 1839, o movimento ganhou um líder de fama internacional: Giuseppe Garibaldi revolucionário italiano. O Governo Central sofreu mudanças drásticas, em 1840, com o Golpe da Maioridade. Era objetivo de nosso governo pacificar o sul. Por isso, em 1842 foi nomeado o Barão de Caxias para a presidência da província do Rio Grande do Sul, que já por sua experiência anterior em rebeliões de outras províncias. No mesmo momento em que Caxias era nomeado presidente, os uruguaios atacavam o Rio Grande do Sul e a liderança Farroupilha resolveu reconhecer o governo de Caxias e encerrar a luta, mas sob várias condições. Entre elas destacavam-se a exigência de os rebeldes serem incorporados ao exército, anistia geral para os soldados e alforria para os escravos que haviam lutado na revolução. Mesmo assim, a região continuou tensa e com uma série de incidentes até 1845, quando foi definitivamente pacificada.

A rebelião negra: a Revolta dos Malês (Bahia, 1835). Fugindo do esquema das demais revoltas ocorridas durante o período regencial, uma rebelião de escravos sacudiu a Bahia em 1835. Nessa época, Salvador era um barril de pólvora. Metade

da população formada por negros, 80% dos quais eram “escravos de ganho”, encaminhados a toda sorte de serviços temporários. Exercendo profissões como a de alfaiate, barbeiro, carpinteiro ou vendedor ambulante, estavam obrigados a pagar determinada quantia a seus donos. As negras mais bonitas eram jogadas na prostituição e os aleijados rendiam bom dinheiro mendigando nas portas das igrejas. Esses escravos tinham maior liberdade que os das fazendas, já que se mantinham com seu próprio dinheiro. Havia muitos que pertenciam a nações de culturas islâmicas, como os haussas e os nagôs. O nome malê, aliás, designava os negros que sabiam ler e escrever em árabe. Entretanto, mesmo os escravos que conse-guiam comprar a liberdade, continuavam a ser tratados com desprezo e violência, sem qualquer possibilidade de ascensão social. Assim, Salvador já tinha sido palco de várias insurreições de negros, como a dos Alfaiates em 1798, e as revoltas de 1807, 1814 e 1826. Naquele janeiro de 1835, porém, negros como Manuel Calafate, Aprígio, Pai Inácio e outros haviam armado uma verdadeira conspiração. Arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em árabe. O objetivo era libertar os negros e massacrar brancos e mulatos, os últimos porque eram considerados traidores. Era, portanto, uma rebelião de caráter basicamente racial, sem apoio das outras camadas população. Marcada para o dia 25 de janeiro, a insurreição foi denunciada no dia anterior, o que permitiu a mobilização de tropas e a prisão dos principais líderes. Mesmo assim, o movimento foi deflagrado com um ataque ao quartel que controlava a cidade. Dispondo de armamento inferior, os rebeldes foram massacrados. Dos que foram presos, muitos sofreram tortura até a morte. Outros foram julgados, tendo sido 18 condenados à morte, 32 a penas que iam de dois anos de prisão até as galés perpétuas e 11 sentenciados ao açoite.

Outras Revoltas. Além dessas revoltas estudadas anteriormente, aconteceram outros movimentos de contestação no Brasil durante o período regencial: Setembrizada, Novembrada, Abrilada, Guerra dos Cabanos, e as Carneiradas. Todas, entretanto, apresentaram características muito locais (ocorreram em Pernambuco) e foram de curta duração, não representando nenhum “perigo” à unidade territorial do país. Muitas ainda estão para ser descobertas.

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O Segundo Reinado (18401889): apogeu e queda da monarquia no Brasil ECONOMIA E SOCIEDADE DO SEGUNDO REINADO Durante o Segundo Reinado, a estrutura socioeconômica brasileira manteve o aspecto tradicional herdado da época colonial. Economicamente, o país permanecia dedicado à produção de gêneros para exportação, nesse momento, particularmente, o café. Do ponto de vista da organização social, verificava-se o predomínio de uma sociedade elitista, onde um pequeno grupo de aristocratas, especialmente os barões do café, era possuidor de imensas riquezas e poder. Este quadro tradicional, porém, ampliou-se e diversificou-se: novas forças sociais emergiram, especialmente através dos processos de industrialização e urbanização ocorridos na segunda metade do século XIX. A economia buscou a produção de outros gêneros de alto valor comercial no mercado externo, como, por exemplo, o cacau e a borracha. A mão-de-obra escrava ia sendo substituída pela assalariada, constituída basicamente por imigrantes. O país colocava-se, enfim, no caminho da modernização.

O NOVO PRODUTO REI: O CAFÉ O café é uma planta originária da África, que, durante séculos, foi cultivada pelos árabes, daí seu nome científico, Coffea arabica. Na Europa, a partir do século XVII, quando o produto tornou-se mais conhecido, foram os franceses que espalharam sua fama como bebida de luxo. Já no século XVIII a produção de café atingiu as Antilhas. Chegou ao Brasil, no Pará, por volta de 1727, trazido por um certo Francisco de Mello Palheta. Algum tempo depois, a planta foi levada para o Rio de Janeiro e, por volta de 1825, para São Paulo, quando passou a ser produzida em larga escala para exportação. Deste momento em diante, a sua produção cresceu progressivamente, destinando-se ao mercado dos Estados Unidos e Europa.

A liderança do café A partir da década de 20 do século XIX, o café começou a ganhar importância econômica como produto de exportação e, nos anos seguintes, assumiu a liderança definitiva sobre toda a economia brasileira. Veja o gráfico abaixo, que apresenta a evolução do movimento de exportação dos três principais produtos brasileiros - café, algodão e açúcar –, num período de setenta anos: Ao mesmo tempo que o café aumenta sua participação na vida econômica do país, produtos até então importantes - como o açúcar e o algodão - perdem suas posições. O açúcar sofria a concorrência da produção antilhana e do açúcar de beterraba europeu. Já o algodão entrou em decadência quando os Estados Unidos, tendo solucionado seus problemas internos, como a Guerra de Secessão, retomaram

a produção algodoeira. Fumo (na Bahia e no Rio Grande do Sul), cacau (no sul da Bahia) e borracha (na Amazônia) complementavam a economia nacional.

As regiões cafeeiras A primeira região de produção de café que ganhou importância, ainda nos anos 20 do século XIX, foi o vale do Paraíba. Nesta região, as fazendas de café foram montadas à semelhança das tradicionais áreas de açúcar, com mãode-obra escrava, buscando lucros crescentes. Mas a derrubada das matas, a erosão e o clima desfavorável levaram ao esgotamento progressivo do solo. A facilidade de adaptação do café em terras brasileiras e a crescente demanda do produto propiciaram o deslocamento das plantações em direção a áreas mais férteis. Alcançando o noroeste do estado de São Paulo, por volta de 1850, a cafeicultura encontrou clima e solo (terra roxa) bastante favoráveis ao seu cultivo. Da região de Campinas, as fazendas de café espalharam-se em direção a Ribeirão Preto, alcançando mais tarde o sul de Minas Gerais e o norte do Paraná.

As mudanças que vieram com o café Com o desenvolvimento da cafeicultura, a província de São Paulo transformou-se no novo eixo econômico do país, enquanto os proprietários das fazendas de café, os chamados barões do café, ganhavam importância na vida econômica e política do Segundo Reinado. Os barões do café, ao contrário dos senhores de engenho, seus antecessores, optaram pela vida urbana. Construíam chácaras nos arredores elegantes das cidades, onde residiam durante a maior parte do ano. O desenvolvimento dos meios de comunicação (telégrafo e telefone) e de transporte (estradas de ferro, portos), além de facilitar o escoamento da produção cafeeira, permitia ainda aos cafeicultores ter o controle sobre as fazendas. Morando nas cidades, os fazendeiros estavam mais próximos da vida política e podiam participar de outras atividades (comerciais, financeiras, industriais), aumentando os seus lucros. Os fazendeiros de café possuíam, às vezes, bancos, lojas para comércio do café e indústrias. Para essas atividades eram recrutadas muitas pessoas, as quais fixavam-se nas cidades. O crescimento urbano passou a exigir a implantação de uma infra-estrutura (casas, iluminação, sistema de abastecimento de água, transportes) que garantisse certa qualidade de vida aos moradores dos centros urbanos.

O SURTO INDUSTRIAL BRASILEIRO: A ERA MAUÁ O domínio britânico estabelecido sobre a economia brasileira desde a assinatura dos tratados de 1810 impediu o avanço das atividades industriais no país. Os produtos ingleses industrializados pagavam uma baixa tarifa alfandegária (15%), dominando o mercado brasileiro. Quando, porém, em 1842, terminou a vigência do tratado de comércio com a Inglaterra, o governo brasileiro, enfrentando dificuldades financeiras, resolveu não renoválo. Visando aumentar a arrecadação pública, o governo decretou, em 1844, a Tarifa Alves Branco (nome do ministro 82


que assinou o decreto). Essa medida elevou para até 60% os impostos sobre os artigos importados, encarecendo-os, o que veio a estimular o desenvolvimento da produção interna. A essa conjuntura favorável, somou-se ainda a extinção do tráfico de escravos, que consumia boa parte da riqueza produzida no país. O fim do tráfico negreiro liberou imensos capitais que foram dirigidos para a indústria. Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, foi considerado o maior empresário brasileiro da época, e por isso costuma-se chamar era Mauá a esse período do Segundo Reinado, marcado pelo surto industrial. O Barão de Mauá pôs-se à frente de inúmeros empreendimentos, dentre os quais vale destacar: ● Banco Mauá, MacGregor e Cia. e Casa Mauá e Cia., atuando no Brasil, na Inglaterra, França, Estados Unidos e países platinos; ● Companhia de Bondes do Jardim Botânico (Rio de Janeiro); ● Companhia de Gás do Rio de Janeiro; ● Companhia de Navegação a Vapor do Rio Amazonas; ● Estrada de Ferro Mauá; ● Companhia de Rebocadores a Vapor do Rio Grande do Sul. Além desses empreendimentos particulares, Mauá também se associou ao governo na construção de várias estradas de ferro, de estradas de rodagem pavimentadas, além da instalação, em 1874, de um cabo submarino que permitia a comunicação direta entre o Brasil e a Europa. Entretanto, em 1878, Mauá faliu em virtude da falta de apoio governamental, que voltara a permitir a concorrência estrangeira, e de pressões financeiras nacionais e internacionais. O forte impulso desenvolvimentista durou pouco e não foi suficiente para promover a modernização completa do país. A manutenção da escravidão consistiu numa barreira à ampliação do mercado interno, e a relação de dependência com o mercado externo, uma amarra à dinamização econômica nacional.

O PROBLEMA DA MÃO-DE-OBRA NO SEGUNDO REINADO

A mão-de-obra escrava vinha sendo utilizada desde a época colonial, sustentando a produção agroexportadora e o predomínio das elites nacionais. O volume de riquezas gerado pelo tráfico negreiro superava a maioria dos outros produtos coloniais. Tal era sua importância para a colonização da América que, até o século XIX, foram transportados como mercadoria cerca de 20 milhões de negros africanos para o continente americano. Só para o Brasil, foram trazidos mais de 4 milhões de escravos. O fim do tráfico negreiro No início do século XIX, a Inglaterra, mergulhada na Revolução Industrial, lutava pela ampliação de merca-

dos consumidores de seus artigos. Assim, passou a atuar no sentido de acabar com a escravidão, especialmente na América. Os empresários ingleses acreditavam que o fim do escravismo reverteria capitais em favor da indústria britânica, já que os fazendeiros, impossibilitados de comprar cativos, passariam a comprar mais produtos industrializados. Além disso, o escravo libertado se transformaria num assalariado, isto é, num consumidor. Outra motivação importante dos ingleses ao posicionar-se contra o tráfico de escravos africanos devia-se à sua dominação de boa parte do continente africano. Eles necessitavam da mão-de-obra local para seus empreendimentos. As primeiras pressões inglesas dirigiram-se contra o tráfico de escravos africanos. Algumas vezes, as autoridades brasileiras haviam se comprometido a extingui-lo, como aconteceu no tratado de comércio de 1826 e com a Lei Regencial de 1831. Porém, isso não ocorreu na prática, até que, em 1845, respondendo à imposição da Tarifa Alves Branco, que prejudicava seus negócios, a Inglaterra decretou o Bill Aberdeen. Tratava-se de uma lei que autorizava a Marinha inglesa a prender qualquer navio negreiro que cruzasse o Atlântico, e a julgar o traficante segundo as leis inglesas. Após a apreensão de alguns navios brasileiros em altomar e até em águas nacionais pela Inglaterra, o governo brasileiro decretou, em 1850, a Lei Eusébio de Queirós, que proibiu definitivamente o tráfico de escravos, com punições rigorosas aos traficantes. A extinção do tráfico negreiro trouxe, porém, sérios problemas à lavoura do café. A população escrava reproduzia-se muito lentamente e o abastecimento de novos trabalhadores, através do tráfico negreiro, era essencial para a manutenção do ritmo de desenvolvimento conseguido pelo produto. Apesar de o tráfico interprovincial intensificar-se no período, não foi suficiente para solucionar o problema da falta de braços na cafeicultura.

Os imigrantes e o trabalho assalariado A solução para o problema da escassez de trabalhadores na cafeicultura veio com a imigração, a partir de finais do século XIX. Já em 1847 o sistema de parceria foi adotado pelo senador Nicolau de Campos Vergueiro em sua fazenda de Ibicaba, na província de São Paulo, medida seguida por outros fazendeiros. Esse sistema determinava que aos fazendeiros de café cabia custear o transporte de trabalhadores europeus até as fazendas. Os trabalhadores europeus (suíços, alemães, belgas e portugueses) que imigraram para o Brasil nesse período eram originários de áreas rurais. A conjuntura econômica e política na Europa da segunda metade do século XIX apresentava-se bastante desfavorável, com sucessivas guerras e miséria, o que levava os camponeses a abandonarem suas terras e dirigirem-se a outras regiões, por vezes distantes, como o Brasil. O imigrante ficava responsável pela lavoura e teria direito a um terço de sua produção, com o que deveria reem83


bolsar o fazendeiro pelos gastos de transporte e sustento até a colheita seguinte. No entanto, os fazendeiros davam ao imigrante um tratamento semelhante ao destinado aos escravos, e a remuneração paga ao trabalhador era baixíssima, ficando o imigrante preso à fazenda enquanto não reembolsasse os gastos do fazendeiro. No final dos anos 50 este sistema entrou em crise. A partir de 1870, o avanço da campanha abolicionista e a falta de trabalhadores para as fazendas de café pressionaram o governo no sentido de patrocinar a imigração subvencionada. Neste caso, caberia ao governo brasileiro contratar imigrantes na Europa, custeando sua viagem e fazendo com que os fazendeiros remunerassem melhor os trabalhadores. A Itália e a Alemanha, nações que, no final do século XIX, passavam por diversas dificuldades, foram os países de onde vieram os grupos mais numerosos de imigrantes, seguidos dos eslavos, dirigindo-se principalmente para as províncias de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em seguida à abolição da escravatura, que se deu em 1888, a média de entrada de imigrantes no Brasil chegava perto de 100 mil por ano. Confirmando a ligação café-imigração, entre 1880 e 1889, 40% dos imigrantes fixaram-se na província de São Paulo, completando a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado. O trabalho livre, assalariado, implantado com a imigração, fortaleceu o mercado interno brasileiro, criando condições para um maior progresso urbano industrial do país.

PACIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NO SEGUNDO REI8NADO A 23 de julho de 1840, por meio de uma medida constitucional, dom Pedro de Alcântra, com 14 anos e setes meses de idade, teve sua maioridade antecipada. Foi coroado como dom Pedro 2º. e assumiu o trono e o governo imperial. Iniciava-se o Segundo reinado, que durou até 1889. A antecipação da maioridade do herdeiro do trono real passou para a história como o “golpe da maioridade”. A medida foi uma iniciativa dos políticos pertencentes ao Partido Liberal como uma alternativa ao governo regencial (1831-1840), que era apontado na época como a principal causa das freqüentes rebeliões, agitações sociais do país. No Segundo reinado o país foi completamente pacificado. Cessaram as rebeliões provinciais que marcaram o panorama político dos governos regenciais e ameaçaram a ordem social e a consolidação do Estado brasileiro. Duas rebeliões que eclodiram ainda no período regencial chegaram ao fim no segundo reinado: a Balaiada em 1841, e a Farroupilha, em 1845. A única grande rebelião iniciada no segundo reinado foi a Revolução Praieira, que eclodiu em 1848 na província de Pernambuco, mas foi debelada no ano seguinte, em 1849. A paz interna advinda com o governo de dom Pedro 2º favoreceu a consolidação dos interesses da classe dominante representada pelos grandes proprietários rurais.

Escravidão e ausência de participação popular A classe dominante estava coesa em torno da manutenção da escravidão e da alienação (ou ausência) da participação popular nas decisões políticas governamentais. Mas tinham divergências no que diz respeito a interesses econômicos e políticos locais. Assim, organizaram-se politicamente em duas agremiações políticas: o Partido Liberal e Partido Conservador. Os dois partidos políticos disputavam o poder através de eleições legislativas (para a Câmara dos Deputados). Por meio de um processo eleitoral bastante fraudulento e violento tentavam conquistar maioria no Parlamento e influenciar as decisões governamentais na medida que seus membros fossem nomeados para formar os gabinetes ministeriais. No transcurso do segundo reinado, liberais e conservadores se alternaram no poder.

Parlamentarismo e poder Moderador Os anos de 1840 até 1846 foram marcados por conflitos e divergências políticas entre liberais e conservadores com relação ao sistema de governo. Em 1847, porém, foi instituído o Parlamentarismo, que passou a funcionar articulado ao Poder Moderador. Criou-se o cargo de presidente do Conselho de Ministros. Desse modo, o imperador em vez de escolher todos os seus ministros (regra que vigorou no período precedente), escolhia apenas o primeiro-ministro. Uma vez nomeado, o primeiro-ministro se encarregava das nomeações para formar o gabinete ministerial. Com o ministério nomeado, restava a aprovação dos parlamentares da Câmara dos Deputados. Dispondo do Poder Moderador, o imperador detinha a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condição para formação de outro ministério, dependendo da ocasião e da conjuntura política.

As campanhas platinas Durante o Segundo reinado, o Brasil se envolveu em três conflitos armados com países fronteiriços da região Platina. Esta é formada pela Argentina, Uruguai e Paraguai, países que fazem fronteira ao sul com o Brasil. Naquela época, a região Platina era muito povoada e importante economicamente em razão do intenso comércio local. Foram os interesses econômicos brasileiros que levaram o governo imperial a guerra. Em 1851 teve início a Guerra contra Oribe e Rosas. Esse conflito armado envolveu a Argentina e o Uruguai (país que pertenceu ao Brasil até 1828). Em 1851, Oribe, líder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai, e com o apoio de Rosas, ditador argentino, bloqueou o porto de Montevidéu prejudicando o comércio brasileiro na bacia Platina. As tropas brasileiras comandadas pelo então conde de Caxias aliaram-se as tropas lideradas por políticos rivais a Oribe e Rosas. O Brasil venceu a guerra em 1852. Em 1864 ocorreu a Guerra contra Aguirre, líder do Partido Blanco e governante do Uruguai. A guerra começou depois que os uruguaios promoveram várias invasões ao 84


Rio Grande do Sul para roubarem gado dos fazendeiros gaúchos. O governo imperial organizou tropas que ficaram sob o comando do vice-almirante Tamandaré e do marechal Mena Barreto. Com o apoio de tropas comandadas por opositores políticos do governo de Aguirre, o Brasil consegui depô-lo e transferir o governo ao líder do Partido Colorado, Venâncio Flores.

GUERRA DO PARAGUAI Mas o conflito armado mais longo e violento foi a Guerra do Paraguai. Começou em 1864 e chegou ao fim em 1870. O Paraguai nesta época era o país mais próspero da região. Contava com uma moeda forte e uma economia industrial que era a base do progresso e desenvolvimento nacional. Quando o ditador nacionalista Francisco Solano López chegou ao poder, colocou em prática uma política expansionista que pretendia ampliar o território do Paraguai tomando terras do Brasil, Argentina e Uruguai. Solano López tinha como objetivo formar o “Grande Paraguai”. A guerra teve início quando tropas paraguaias invadiram o território brasileiro e argentino. Formou-se então a Tríplice Aliança, que unia militarmente o Brasil, Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai. Os conflitos foram intensos em várias regiões, terminando somente em 1970 com a invasão de Assunção e a perseguição e morte de Solano López. Para o Paraguai as conseqüências da guerra foram desastrosas devido à destruição de sua economia industrial e a morte de cerca de 80 % da população.

O PODER DO CAFÉ A estabilidade política advinda com o governo imperial de dom Pedro 2º. foi amplamente favorecida pela comercialização do café. A expansão da lavoura cafeeira a partir da segunda metade do século 19 deu novo impulso a economia agroexportadora, trazendo prosperidade econômica ao país e favorecendo a consolidação dos interesses dos grandes proprietários rurais. A produção em larga escala do café começou no Rio de Janeiro, nas regiões de Angra dos Reis e Mangaratiba, a partir de 1830. Em seguida, as plantações se alastraram para o vale do rio Paraíba, a partir daí a produção voltou-se para exportação. Por volta de 1850, a lavoura cafeeira se expandiu para o Oeste paulista, favorecida pelas condições propícias do solo para o cultivo do café. Para ser lucrativa, a comercialização do café no concorrido mercado mundial exigiu dos grandes fazendeiros o emprego em larga escala de mão de obra escrava. Não obstante, nesta época o tráfico mundial de escravos entrou em declínio.

ESCRAVIDÃO NEGRA O governo imperial brasileiro relutava em cumprir os acordos, leis e tratados firmados com a Inglaterra, país cujos interesses econômicos a levaram a defesa da extinção do tráfico de escravos. Em 1850 o Brasil cedeu as pressões dos ingleses promulgando a Lei Eusébio de Queirós, que levou a extinção definitiva do tráfico. A proibição do tráfico negreiro levaria inevitavelmente ao fim o trabalho escravo. Mas, a classe dominante adiou o quando pôde a abolição da escravidão no país. Para solucionar o problema da crescente escassez de mão de obra, os fazendeiros recorreram inicialmente ao tráfico interno de escravos, comprando-os de regiões economicamente decadentes. Quando o problema da falta de mão de obra escrava agravou-se, os prósperos fazendeiros paulistas colocaram em prática uma política de incentivo à imigração de colonos, que passaram a trabalhar sob regime assalariado. O Brasil seria um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, em 1888.

DECLÍNIO DO SEGUNDO REINADO O café tornou-se o principal produto de exportação brasileiro. A prosperidade econômica advinda com sua comercialização estimulou a industrialização e a urbanização. Com isso, surgiram novos grupos e classes sociais, portadoras de novas demandas e interesses. Esses grupos passariam a contestar o regime monárquico através dos movimentos republicano e abolicionista. Enquanto a produção cafeeira das regiões do vale do rio Paraíba e do Rio de Janeiro entraram em decadência, devido ao esgotamento dos solos, o Oeste paulista expandia a produção beneficiado pelas terras roxas, bastante propícias à cultura do café. Para os interesses dessa classe de ricos proprietários rurais a monarquia centralizadora - sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos decadentes senhores de engenhos nordestinos e cafeicultores do vale do Paraíba -, já não tinha utilidade. Enquanto puderam, defenderam tenazmente a manutenção da escravidão, mas progressivamente tornaram-se adeptos dos princípios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano. Desse modo, gradualmente, a monarquia foi perdendo legitimidade diante dos novos interesses e aspirações sociais que surgiram. Além disso, a partir da década de 1870, o Estado monárquico entrou em conflito com duas instituições importantes que formavam a base de sustentação do regime: o Exército e a Igreja Católica. Uma aliança entre os ricos proprietários rurais do Oeste paulista e a elite militar do Exército levou a derrocada final do regime monárquico, com a proclamação da República.

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publicano se dividiu em duas tendências: revolucionária e evolucionária. Essa divisão estava relacionada à forma de implantação da República e à composição social dos seus defensores. Os revolucionários, formados por representantes das camadas médias urbanas e liderados por Silva Jardim, defendiam a luta armada e a maciça participação popular para derrubar o império.

A REPÚBLICA NO HORIZONTE – VÁRIOS PROJETOS EM CONFRONTO. A Monarquia Brasileira, a única na América, passou a enfrentar uma grave crise política a partir de 1870. Neste ano, a Ala Liberal Radical rompeu com o Partido Liberal e assumiu a bandeira republicana. No dia 03 de dezembro de 1870 lançaram um Manifesto Republicano à Nação. Este manifestou foi divulgado pelo jornal A República, contava com a assinatura de 53 pessoas ilustres do Império e atacava o centralismo monárquico e o poder pessoal de D. Pedro II. Defendiam abertamente a República e o Federalismo. Estes ficaram conhecidos como Republicanos Históricos. Após a publicação do Manifesto, os adeptos da República furaram clubes republicanos em vários pontos do País. Em 1873, na Convenção de Itu (São Paulo), foi criado o PRP (Partido Republicano Paulista) cuja maioria dos filiados era composta por fazendeiros, cafeicultores, bacharéis e profissionais liberais. Liderado pelos cafeicultores paulistas, que há muito tempo estavam insatisfeitos com o governo monárquico, o PRP não se envolveu com o movimento abolicionista. Grande parte dos republicanos paulistas eram proprietários de escravos e para não se envolver no assunto preferiram definir a abolição como causa social e não política. Portanto, não lhes dizia respeito, para eles isto era da competência dos partidos monarquistas, que estavam no poder. Para divulgar o ideal republicano, o partido utilizou-se de vários instrumentos: a maçonaria (que comandou, nos bastidores, toda a campanha republicana); comícios nas maiores cidades, conferências; festas e, o recurso mais poderoso dos republicanos, a imprensa. Como já vimos, a imprensa republicana utilizava todas as crises e desentendimentos políticos da Monarquia para expor à população os seus aspectos negativos. Sutilmente, a imagem da Monarquia era associada ao atraso e a da República, ao progresso e à liberdade. Com isso, o movimento republicano crescia e ganhava forças e novos apoiadores. Com o fim da escravatura, em maio de 1888, a Monarquia perdeu o apoio político dos cafeicultores fluminenses (Vale do Paraíba). Sentindo-se traídos pelos monarquistas que aprovaram a abolição sem indenização para os proprietários de escravos, esses fazendeiros aderiram ao movimento republicano. Eram chamados de “Republicanos do 14 de Maio”. Apesar do crescente fortalecimento, o movimento re-

Já o grupo evolucionista, composto por cafeicultores paulistas e liderado por Quintino Bocaiúva, propunha uma transição política pacífica, sem lutas e sem a participação popular. Este último grupo queria implantar a República sem mudar a ordem socioeconômica. Queriam apenas o controle do poder. No Congresso Nacional Republicano, realizado em 1889, a proposta evolucionista foi vitoriosa e Quintino Bocaiúva foi eleito chefe nacional do Partido Republicano.

DO FIM DO IMPÉRIO À PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA INTRODUÇÃO Todo Estado é um órgão de dominação de uma classe sobre outra. Para exercer este domínio, o Estado precisa ter sob o seu estrito controle três setores fundamentais, sem os quais, a sua sustentação fica impossível. a) os formadores da opinião pública; b) os detentores do poder econômico e político; c) a força militar. No Brasil imperial, a Igreja Católica exercia uma grande influência na opinião pública, haja vista o alto grau de analfabetismo na população brasileira. Assim, os rituais católicos se tornavam um importante instrumento de disseminação da informação. O poder político e econômico estava nas mãos dos grandes fazendeiros produtores de café, que recebiam do governo Imperial títulos de nobreza em troca dos seus serviços prestados ao monarca e ao sistema imperial. Muitos desses cafeicultores possuíam uma mentalidade arcaica e eram contrários à modernização da economia brasileira. O braço armado do Estado concentrava-se, principalmente, na Guarda Nacional. A Guarda Nacional foi criada no período Regencial (1831-1840) e o seu principal objetivo era tentar garantir a ordem escravista. Os grandes proprietários receberam a patente de “Coronel” e podiam recrutar e armar homens entre 21 e 60 anos. A sua organização era totalmente descentralizada. Os “soldados” da Guarda Nacional obedeciam apenas às ordens do seu Coronel, o que dava ao grande proprietário um grande poder. A Guarda Nacional tinha mais prestígio do que o próprio Exército. Foi exatamente quando estes três pilares deixaram de dar sustentação à Monarquia que o regime veio a ruir, dando lugar a uma outra forma de governo: a República. Esta, por sua vez, vem atender, exatamente, aos anseios mais 86


profundos daqueles que derrubaram a velha ordem. Ou seja, mudou-se tudo para não mudar nada.

AS ORIGENS DO REPUBLICANISMO NO BRASIL O Brasil, em fins do século XIX, era a única monarquia na América e isso causava nas elites intelectuais um sentimento de ser um “estranho no ninho”. Além disso, estrutura agro-exportadora do Brasil no período imperial (1822-1889) tinha por base a mão-de-obra escrava. As transformações provocadas pela modernização dos mercados internacionais e o desenvolvimento do capitalismo, tornavam essa forma de trabalho improdutiva e pouco lucrativa para um mercado mais dinâmico. Após uma fase próspera, iniciada por volta de 1850, percebe-se, a partir de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai, o começo da decadência do Segundo Reinado, iniciado em 1840, quando D. Pedro II assume a coroa do Brasil. As campanhas abolicionistas e republicanas, bem como as questões religiosas e militares, são fatores decisivos do que viriam a culminar com a queda da monarquia e a implantação da República em 1889. Entretanto, as idéias republicanas estiveram presentes desde os tempos coloniais. Durante a Guerra dos Mascates, por exemplo, o aristocrata Bernardo Vieira de Mello propôs à Câmara de Olinda em 1710, transformar Pernambuco numa República semelhante à de Veneza. Os líderes da Inconfidência Mineira em 1789 desejavam implantar uma República em Minas Gerais. Os conjurados baianos de 1798 pretendiam fazer de sua capitania uma República Bahiense. As revoltas pernambucanas de 1824 e 1848 foram motivadas por questões republicanas. A Revolta da Farroupilha, no Rio Grande do Sul, foi o melhor exemplo de rebelião republicana durante o período regencial. A partir de 1868 iniciou uma grave crise do sistema imperial brasileiro, que acabou por levar o seu fim em 1889. As transformações ocorridas no Brasil durante a segunda metade do século XIX proporcionaram uma diversificação social significativa, como a estruturação da nova aristocracia cafeeira do Oeste Paulista. As novas camadas urbanas tinham interesses diferentes daqueles representados até então e os industriais emergentes pleiteavam uma política protecionista, nem sempre aprovada pelos agricultores tradicionais que detinham o controle do poder político no império. Os fazendeiros de café do Oeste Paulista almejavam uma política favorável à imigração, mas os cafeicultores mais tradicionais ligados ao Vale do Paraíba (RJ), que ainda dispunham de muitos escravos, eram contra essa orientação. As camadas urbanas reivindicavam maior participação política e exigiam que o sistema eleitoral brasileiro indireto fosse substituído pelo direto, retirando o monopólio político das mãos da velha elite agrária. A agricultura, porém, já não era mais a única alternativa para o investimento de capitais: havia as ferrovias, as instituições de crédito e a nascente indústria. A ruína do Império aproximava-se rapidamente à medida que não eram solucionadas as contradições que surgiam e cresciam. Monarquia ou República, porém, não eram op-

ções populares, pois a população em geral não tinha nem teria qualquer participação ativa na mudança do regime que ocorreria no final do século XIX.

VALE DO PARAÍBA VERSUS OESTE PAULISTA: O INÍCIO DO FIM. Durante o governo de D. Pedro II (1840-1889), as disputas internas entre os Liberais (Luzias) e os Conservadores (Saquaremas) foram reduzidas a uma conciliação entre os grupos. Mas à medida que o Café ganhava espaço na agricultura brasileira, as divergências entre os membros da aristocracia rural também aumentavam. Esta aristocracia se dividiu em dois grupos: a) aristocracia do Vale do Paraíba; b) aristocracia do Oeste Paulista. Estes grupos caracterizavam-se por possuir marcas distintas, senão vejamos: ● a aristocracia do Vale do Paraíba: membros da aristocracia decadente, apegados à mão-de-obra escrava, utilizavam técnicas agrícolas arcaicas e rudimentares; politicamente conservadores; receberam a alcunha de “Barões do Café”. ● a aristocracia do Oeste Paulista: membros de uma nova aristocracia que surgia com as fazendas de café; defensores da mão-de-obra assalariada (por isso muitos empregavam imigrantes) utilizavam técnicas agrícolas desenvolvidas para a época, politicamente eram progressistas; foi deste núcleo que saiu o grupo dos Republicanos Históricos. Estes dois grupos se digladiavam no Senado e na Câmara do Império pela mudança das relações de trabalho e pelo controle do poder político, principalmente a partir de 1870. O conflito entre estas duas aristocracias levou o questionamento das relações de trabalho no Brasil.

O PROBLEMA DA MÃO-DE-OBRA E A QUESTÃO ABOLICIONISTA

No início do século XIX, a economia brasileira continuava sendo agroexportadora e baseada na lavoura de cana-de-açúcar, algodão, tabaco, cacau e café. A partir da década de 1830, a produção de café começou a crescer e manteve-se em expansão até o início do século seguinte. As razões desse crescimento foram: o aumento do preço e do consumo de café no mercado externo, a presença de solo e clima favoráveis à lavoura cafeeira no sudeste do Brasil e os baixos investimentos requeridos para o cultivo de café, que não necessita de equipamentos caros e é menos trabalhoso que o da cana. A grande região produtora de café, entre 1840 e 1870, foi o Vale do Paraíba. Ali, os cafezais floresciam em grandes latifúndios monocultores, graças ao trabalho escravo. A expansão do café aumentou a procura por cativos e elevou o seu preço. Era uma situação contraditória, pois, em plena época liberal, quando, quase todos os países da América, a escravidão já havia sido extinta, no Brasil ela parecia inabalável. O fato é que a elite se recusava a abolir a escravidão, pois ela era a base da economia brasileira e de 87


sua riqueza. Os escravistas chegavam a argumentar que a escravidão favorecia os negros, pois os tirava da “selvageria” da África para viverem a “civilização” e na fé cristã. Contudo, a escravidão já vinha sendo criticada. A abolição era um dos objetivos da Revolução dos Alfaiates de Salvador de 1798. No entanto, no interior das classes dominantes havia uma considerável resistência à idéia de pôr fim a essa forma de trabalho.

1870, entre os cafeicultores da região Centro-Sul (Oeste Paulista). Uma solução encontrada foi empregar trabalhadores europeus. A implantação da mão-de-obra livre significava, para os modernos setores da cafeicultura paulista, a dinamização de suas atividades e o conseqüente aumento dos lucros. Ao mesmo tempo, se comparada ao trabalho livre, a escravidão tornava-se cada vez menos produtiva e lucrativa.

A Inglaterra, desde o período da independência, pressionava o Brasil para que assinasse um documento onde se comprometia a acabar com o tráfico intercontinental de escravos, em troca do reconhecimento de nossa independência. O Imperador, na época D. Pedro I, assinou tal documento, mas ele não foi cumprido, daí a famosa expressão: “Lei para inglês ver”.

Ainda assim, os grandes cafeicultores da região fluminense e do Vale do Paraíba (RJ) mantinham-se intransigentes diante das novas formas de mão-de-obra. Essa velha aristocracia do café sustentava a política imperial de D. Pedro II.

(É interessante esclarecer que a Inglaterra, ao defender o fim da escravidão no Brasil, o fazia não por sentimentos de solidariedade ou de compaixão para com os povos escravizados, mas sim por puros interesses comerciais. Ora, o escravo não recebe nenhum pagamento pelo seu trabalho, não era, portanto, um consumidor. Como naquela época, o capitalismo (e a Inglaterra era a maior potência econômica daquele período) precisava aumentar o número de consumidores para se fortalecer mais ainda e a existência da escravidão no Brasil era prejudicial ao desenvolvimento do capitalismo) A Grã-Bretanha, que já abolira a escravidão em suas colônias, continuou exercendo uma forte pressão junto ao governo brasileiro para acabar com o tráfico negreiro. A extinção do tráfico levaria ao fim do cativeiro e tornaria o ex-escravo um trabalhador assalariado e, portanto, um provável consumidor dos produtos britânicos. Por diversas vezes, o governo brasileiro assinou acordos prometendo extinguir o tráfico, mas não os cumpriu. Em 1845, o Parlamento britânico aprovou o Bill Aberdeen, uma lei que autorizava a Marinha Britânica a capturar qualquer navio que estivesse transportando escravos. Se este navio, contudo oferecesse resistência ele deveria ser sumariamente afundado (grande missão salvadora!!!) não importando a nacionalidade da embarcação (também chamados de Tumbeiros) e a se estivesse em águas nacionais. De acordo com essa lei, os tripulantes seriam julgados em tribunais ingleses, Os comandantes dos navios negreiros, ao perceberem a chegada de navios ingleses simplesmente jogavam os africanos em alto mar para não serem capturados. Mesmo assim, dezenas de navios negreiros foram aprisionados, e as pressões inglesas finalmente surtiram efeito: em 1850, o governo brasileiro aprovou a Lei Eusébio de Queirós, suspendendo, definitivamente, o tráfico internacional de escravos. Em longo prazo, tornava-se impossível repor os trabalhadores escravos. Em outras palavras, a escravidão tendia a morrer de “morte natural”. Os grandes plantadores de café, em busca de uma alternativa para o trabalho nas fazendas, passaram a comprar cativos das lavouras decadentes do nordeste. A dificuldade de conseguir novos escravos teve como conseqüência o aumento dos preços dos trabalhadores negros no mercado. A idéia de implantação do trabalho livre aumentou, principalmente na década de

A modernização do país não se refletia na vida dos escravos, que continuava a mesma. Duras jornadas de trabalho exauriam as forças dos negros. O sistema repressivo continuava a sofrer para manter os escravos em estado de terror e impedir rebeliões e fugas. Os negros resistiam como podiam. Revoltas estouravam, mas eram controladas. Ocorriam fugas, mas nunca de forma a destruir a escravidão como um todo. Foi sob essas condições que o movimento contra a escravidão, chamando de Movimento Abolicionista, tomou impulso. Por volta de 1870, já se falava abertamente no fim da escravidão. Intelectuais, profissionais liberais, funcionários e comerciantes organizavam-se para discutir as formas de se pressionar o Estado com uma campanha abolicionista. No norte e no nordeste, em razão de sua decadência econômica, o peso da escravidão havia diminuído. Assim, podemos dizer que os escravistas estavam concentrados no sul e sudeste, que era o pólo mais dinâmico da nossa economia. Contudo, uma economia forte, mas desmoralizada pela escravidão, não podia se apresentar como esperança e promessa para o país. A saída encontrada pelas elites escravocratas para evitar a convulsão social, foi a adoção da estratégia da abolição gradual. A primeira medida foi a promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871. Esta Lei declarava livre todos os filhos e filhas de escravas nascidos a partir daquela data. Entretanto, essa lei estabelecia que ao senhor cabia-lhe a guarda desse “ingênuo” (filho ou filha de escrava nascida a partir da promulgação da Lei do Ventre Livre) até que ele completasse 21 anos. Esse mecanismo, draconiano na sua essência, satisfazia os interesses da aristocracia decadente e dava uma sobrevida para a escravidão. Essa lei que apenas jogava para a solução do problema para frente foi considerada pelo governo e pela aristocracia escravocrata a solução final. Contudo, essa não foi a mesma opinião dos abolicionistas. Em 1880, o debate voltou à cena política, e agora com mais força. Os abolicionistas chegaram a fundar neste período duas importantes associações que objetivavam dar maior organicidade ao movimento, são elas: a Sociedade Brasileira contra a Escravidão; e a Associação Central Abolicionista. A luta abolicionista se intensificou, a ponto de 1883, ser criada a Confederação Abolicionista (temos aqui um ideal republicano: Confederação = união de várias Federações/ 88


Estados), que unificou a luta contra a escravidão, além de dar apoio logístico e material à fuga de escravos e formação de quilombos. Em 1885, o governo Imperial promulgou a Lei dos Sexagenários, também conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe, que determinava que todos os escravos com mais de 65 anos estavam libertos. Novamente, o governo apresentava como respostas à pressão da opinião pública internacional e ao movimento abolicionista, uma lei tão perversa quanto à criação da figura do “ingênuo”. De acordo com essa Lei, o senhor de escravo se via livre de um peso improdutivo, pois o escravo quando chegava aos seus 65 anos não tinha condições de produzir. Nessa situação, o escravo, agora liberto, se via numa situação de mendicância, pois para onde ele iria? As campanhas abolicionistas ganharam corpo. Fugas em massa eram organizadas. Quilombos ganhavam força e começavam a ameaçar a ordem escravista. Sem saída, só restava ao governo a decretação do fim do trabalho escravo no Brasil e foi o que aconteceu em 13 de maio de 1888, com a assinatura pela Princesa Regente Isabel da Lei Áurea, que continha apenas dois artigos: “Art. 1º - É decretada extinta a escravidão no Brasil. Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário”. É importante lembrar que se o parlamento tivesse resistido à pressão abolicionista, recusando-se a discutir o assunto e a legislar a respeito, teria sido impossível chegar-se à abolição sem uma profunda convulsão social. A abolição da escravidão levou setores da aristocracia rural, especialmente das áreas decadentes, como o nordeste e o Vale do Paraíba, a exigir indenizações pela perda do capital investido. As críticas ao Império favoreceram a expansão da campanha republicana. Naturalmente, a abolição da escravatura não foi obra exclusiva dos abolicionistas que, em sua maioria, eram moradores das cidades. Como demonstram as fugas e rebeliões ao longo de toda a história do Brasil, os escravos não permaneceram passivos. A possibilidade de um levante escravo de grandes proporções foi considerada e atemorizou os escravistas, enfraquecendo a sua resistência. Quanto ao negro, sua libertação não significou uma verdadeira melhoria de suas condições materiais de vida. A grande maioria ficou marginalizada e não se integrou ao desenvolvimento social e econômico do país. Entre os principais exemplos estão os libertos da província de São Paulo que, dirigindo-se para os principais centros urbanos, passaram a concorrer em condições de inferioridade com os imigrantes que chegavam. Tirando o Maranhão, em que boa parte dos negros livres ocuparam terras até então improdutivas, transformando-se em posseiros após o abandono em massa das fazendas, no Nordeste prevaleceu a subordinação aos grandes proprietários, como trabalhadores independentes. A abolição não provocou a catástrofe social vaticinada pelos defensores da ordem, não levou a nação à ruína e

ao caos, embora, certamente, tenha significado para alguns proprietários de escravos a ruína pessoal e a perda de status. A abolição não correspondeu tampouco às expectativas dos abolicionistas. Ao contrário do que estes esperavam, ela não representou uma ruptura fundamental com o passado. As estruturas arcaicas de produção, a economia essencialmente monocultora e de exportação, vulnerável às oscilações do mercado internacional, o monopólio da terra e do poder por uma minoria, a miséria e a marginalização política e econômica da grande maioria da população, as formas disfarçadas de trabalho forçado e as precárias condições de vida do trabalhador rural sobreviveram à abolição. Realizada principalmente por brancos e negros ou mulatos pertencentes à sua clientela, legitimada por um ato do parlamento, ratificada pelas classes dominantes, a abolição libertou os brancos do fardo da escravidão, abandonando os ex-escravos à sua própria sorte. Os grandes proprietários de escravos, que ainda apoiavam a monarquia, ao perderem, de um dia para o outro, todo o “investimento” que tinham feito com a compra da mão-deobra, deixam o imperador e mudam de lado. A abolição da escravidão fez que a velha aristocracia rural retirasse o seu apoio ao governo. A Monarquia perde o seu primeiro sustentáculo: os políticos tradicionais e os grandes fazendeiros.

O ABOLICIONISMO No processo de abolição a propaganda ideológica e a ação parlamentar reforçaram-se mutuamente e o curso de ambas dependeu do ritmo das transformações estruturais na economia, nem a diminuição relativa da população escrava e o crescimento da população livre, nem as tentativas de substituir o escravo pelo imigrante, nem a retórica dos abolicionistas, nem a legislação emancipadora que pairava como ameaça sobre os senhores de escravos desde 1871, nem todas essas condições somadas são suficientes para explicar a aprovação final da lei que aboliu a escravidão em 13 de maio de 1888. É verdade que, de uma maneira ou de outra, todas aquelas condições solaparam gradativamente as bases de sustentação do regime escravista, tornando o investimento em escravos cada vez mais arriscado e o trabalho livre cada vez mais viável. Mas, os representantes das áreas cafeeiras no parlamento continuaram a resistir à pressão abolicionista até o início da década de 1880. O fator decisivo na mudança de tal atitude dos fazendeiros das regiões cafeeiras, principal reduto do escravismo, foi a rebelião das senzalas. Fazer dela, no entanto a causa fundamental da abolição é interpretar esse fato exclusivamente no âmbito dos fenômenos de curta duração (situações conjunturais), minimizando as transformações estruturais de longa duração que tornaram possível o sucesso da insurreição dos escravos. O protesto do escravo não foi uma invenção do século XIX. Desde os primeiros tempos da colônia existiram tensões entre senhores e escravos. Negros fugidos, quilombos, levantes de escravos eram episódios constantes nos anais da sociedade colonial desde o século XVI. A despeito de todos os mecanismos de controle social cuidadosamente concebidos pelas classes dominantes, elas nunca conseguiram eliminar aquelas formas de protesto. Mas no século 89


XIX, a rebelião dos escravos adquiriu um significado novo, porque ocorreu num contexto novo. Na história humana, freqüentemente velhos gestos assumem novos significados e novos significados se manifestam por meio de gestos tradicionais; por isso, o sentido dos gestos só pode ser entendido quando referido ao contexto em que eles ocorrem. O protesto do escravo é um gesto antigo que assume um novo significado, porque a situação global se transformou. No passado, a rebelião dos escravos esbarrara na reprovação coletiva dos brancos. A ética das classes dominantes a condenava. As instituições a reprimiam. As cortes de justiça puniam com seriedade o escravo fugido e a força policial reprimia com violência as rebeliões dos escravos. Na segunda metade do século XIX, no entanto, a situação era outra. Os escravos encontravam apoio na justiça e contavam com a simpatia de amplos setores da população. A escravidão que no passado fora vista como instituição natural, produto dos desígnios da Divina Providência passara a ser encarada como uma instituição condenável e ilegítima a serviço dos interesses de uma minoria. Nessas condições, apoiados pelos abolicionistas, os escravos foram incorporados à ação abolicionista e seus atos de protesto adquiriram um significado político que não tinham anteriormente. A agitação abolicionista reforçou a convicção que os escravos possuíam, de que eram vítimas de uma instituição iníqua e condenável, forneceu-lhes uma ideologia e deu apoio às suas ações insurrecionais. Instigados pelos agentes abolicionistas, os escravos passaram a denunciar com mais freqüência às autoridades policiais e jurídicas os abusos cometidos pelos seus senhores. Tais denúncias forneciam argumentos novos aos abolicionistas, que não perdiam ocasião de divulgar pela imprensa os horrores da escravidão. A agitação abolicionista criava, assim, condições para que os escravos se manifestassem e fossem ouvidos. A insurreição dos escravos, por sua vez, dava novo alento à agitação abolicionista, acelerando o processo de desintegração do sistema escravista. Contando com a simpatia e o apoio de setores da população que se tinham convertido ao abolicionismo, os escravos passaram a fugir em massa das fazendas, desorganizando o trabalho e forçando os fazendeiros a aceitarem a abolição como fato inevitável e até mesmo desejável, por ser a única maneira de pôs um paradeiro à fuga dos escravos e de restabelecer a ordem nas fazendas. Com o objetivo de reter a mão-de-obra, muitos senhores de escravos concederam-lhes alforria, em troca de prestação ser serviços por um determinado número de anos. As manumissões em massa eram a resposta dos senhores à fuga de escravos. Mas esse expediente não foi suficiente para deter os escravos que continuaram a fugir das fazendas. Foi então que os fazendeiros reconheceram a necessidade da abolição. Por mais importante, no entanto, que tenha sido a agitação dos escravos no período imediatamente anterior à abolição não seria ela capaz de destruir o sistema escravista, não estivesse este já desmoralizado e relativamente inoperante em várias regiões do império, onde outras alternativas para o problema da mão-de-obra haviam surgido. Não fossem, portanto, as mudanças na estrutura econômica e

social que tornaram possível a utilização do trabalho livre, não tivessem os fazendeiros de café e de açúcar encontrado alternativas para o trabalho escravo, não tivesse o parlamento passado uma legislação emancipadora que condenava a escravidão a desaparecer gradualmente, não tivesse a campanha abolicionista convencido amplos setores da população da injustiça do cativeiro e da legitimidade do protesto do escravizado e a revolta dos escravos teria, de modo provável, sido violentamente reprimida, como sucedera tantas vezes durante o período colonial. E provavelmente nem mesmo os escravos teriam ousado tanto. A ação abolicionista foi vital para a criação de uma opinião pública favorável à abolição. Faltasse a pressão que os abolicionistas exerceram no parlamento, forçando a passagem de leis emancipadora (ainda que elas fossem, de imediato, relativamente inócuas); faltasse seu trabalho de educação de educação da opinião pública, ora apelando para o sentimentalismo do povo, ora falando aos interesses dos fazendeiros ao argumentar em favor da superioridade do trabalho livre, faltasse o trabalho dos grupos mais radicais que instigaram os escravos a fugirem e lhes deram cobertura, a abolição não teria ocorrido em maio de 1888. Por isso, têm razão os que valorizam a ação abolicionista. Mas seria ingênuo pensar que os abolicionistas poderiam ter se organizado e ser bem-sucedidos não tivessem as condições econômicas internas e internacionais se alterado de modo a tornar mais viável a adoção do trabalho livre. Na falta de alternativas, os interesses escravistas mobilizados teriam tornado muito mais difícil, se não impossível, o trabalho dos abolicionistas.

A QUESTÃO MILITAR A eclosão da Guerra do Paraguai (1865-1870) provocou uma profunda transformação na estrutura do Exército Brasileiro. Antes do conflito, o Brasil não tinha um Exército moderno e profissional. Os comandos militares eram quase sempre conferidos aos membros de famílias importantes, muitas vezes incompetentes para desempenhar a função. Durante a Guerra do Paraguai os problemas estruturais do Exército mostraram-se ser um grande problema: não tinham soldados suficientes, pouco treinamento e despreparo de muitos oficiais. A saída encontrada, numa sociedade escravista, foi recrutar cativos como soldados em troca de sua liberdade. Os combates forçaram a aproximação entre brasileiros livres e escravos. Pobres e ricos. Em contato com militares dos países vizinhos, adeptos das idéias republicanas, os oficiais brasileiros perceberam o papel secundário do Exército no Império. Defender o Império e a escravidão tornava-se difícil e constrangedor para o Exército brasileiro. Muitos soldados e oficiais adotaram idéias abolicionistas e republicanas. Assim, depois da Guerra do Paraguai, além das idéias republicanas, os oficiais adquiriram consciência de sua importância como instituição. Formou-se, a partir daí, um verdadeiro espírito de que os militares faziam parte de uma corporação poderosa: o Exército. Exigiram, por essa razão, maior participação na vida política do país, o que começou a ser feito através do republicanismo e do movimento abolicionista. 90


O abolicionismo seria a primeira causa a gerar atritos entre o Império e o Exército. O Exército tornava-se, assim, uma das principais bases na luta contra a escravidão. Os soldados negros que haviam lutado na guerra tinham recebido a promessa de serem alforriados depois do conflito. Quando voltaram, encontraram muitos de seus parentes submetidos aos castigos e humilhações, próprios da escravidão. Para complicar as relações entre o Exército e o Império, muitos políticos tradicionais ligados aos fazendeiros retrógrados exigiram que os soldados negros voltassem à condição de escravos. No Ceará (1884), os jangadeiros fizeram greve e se recusaram a transportar escravos que seriam embarcados para o sul. O Dragão do Mar (Francisco do Nascimento), líder do movimento, foi homenageado pelos abolicionistas e pelo tenente-coronel Sena Madureira. Como os militares eram proibidos de fazer declarações políticas em público, o governo imperial transferiu o militar para o Rio Grande do Sul. Pouco depois, o coronel Cunha Matos foi punido por denunciar corrupção no governo. Outro conflito entre o Exército e o governo colocaria o Marechal Deodoro da Fonseca em disputa com as autoridades. Os republicanos estavam de olho vivo. Perceberam que poderiam usar o Exército para alcançar os seus objetivos. Outros atritos surgiram, e os oficiais e cadetes (estudantes militares) das diversas escolas militares espalhadas pelo país se solidarizam com os punidos e criticavam o império. Em 1887, foi fundado o Clube Militar, que passou a ser o centro de união dos que se opunham ao Império e foi o primeiro passo efetivo para a organização política dos militares. Nesse mesmo ano, Sena Madureira e Deodoro da Fonseca chegaram ao Rio de Janeiro, sendo entusiasticamente recebidos pelos oficiais e alunos da Escola Militar. O governo imperial percebeu que os militaram punham o poder sob sério risco. O Império ainda lançou mão de alguns pequenos expedientes para diminuir a rebelião no meio do Exército. O republicanismo que se difundiu nos meios militares tinha origem no positivismo do pensador francês Augusto Comte. Resumidamente, podemos dizer que os positivistas do Exército propunham uma ditadura republicana como forma de sanear o país dos males criados pelo Império. Os militares acreditavam-se destinados a uma “missão salvadora” e achavam que deveriam lutar contra os “casacas”, como eles chamavam os ministros e altos funcionários do Império. O grande divulgador dessas idéias, no meio dos jovens oficiais, foi o tenente-coronel Benjamim Constant, professor da Escola Militar. Os estudantes-soldados dessa escola tinham origem urbana, vindos de setores não diretamente ligados aos senhores de terra, tendo, portanto, posições e interesses diferentes dos donos do poder imperial. A Monarquia, que já tinha perdido o apoio dos políticos tradicionais e dos grandes fazendeiros de café, principalmente, do Vale do Paraíba, perde, agora, o apoio do Exérci-

to. Resta apenas a Igreja... Será?

A QUESTÃO RELIGIOSA Desde a proclamação da independência do Brasil, a Igreja Católica esteve submissa ao Império. Dois instrumentos garantiam esta subordinação. O primeiro foi o sistema do Padroado Régio, que foi um benefício herdado de Portugal, dava ao Imperador do Brasil o direito de indicar todos os candidatos a cargos eclesiásticos no Brasil. Ao mesmo tempo, o clero recebia seus salários do Estado, transformando-se literalmente numa classe de funcionários públicos. O outro instrumento foi o Beneplácito que dava ao Imperador a supremacia sobre assuntos religiosos. Ou seja, todas as bulas e documentos Papais vindos para o país eram obrigados a obter autorização do imperador. Poucos padres tinham uma formação intelectual adequada para a função de orientadores dos fiéis e alguns chegaram a constituir famílias. O quadro se complicava ainda mais por causa das relações entre a Igreja e a Maçonaria. A maçonaria tem origens obscuras e pouco conhecidas, mas como confraria surgiu no século XVI e se difundiu nos séculos XVII e XVIII em toda a Europa, lidada ao ideal burguês do Iluminismo. A maçonaria adquiriu caráter político na luta contra o absolutismo e a Igreja, durante a Revolução Francesa, os dois pilares do Antigo Regime. Se na Europa a tradição maçônica era de um profundo anticlericalismo, no Brasil isso não acontecia. Desde fins do século XVIII, vários padres que lutavam pela independência do Brasil pertenciam às lojas maçônicas, e esse vínculo continuou mesmo depois da independência. Entre os membros do governo acontecia o mesmo: grande parte dos conselheiros e ministros do Império eram maçons. Isso se dava num país oficialmente católico. Na Europa, o Vaticano começava a organizar um movimento conservador chamado ultramontanismo, cujo objetivo era lutar contra as tendências revolucionárias e contra a maçonaria. Assim, em 1864, o Papa Pio IX, através da Bula Syllabus, proibiu os clérigos de participarem da Maçonaria. Como no Brasil, vários membros da igreja e do governo eram maçons, o Imperador não autorizou a implantação desta Bulla no Brasil. Entretanto, os bispos de Olinda (PE) e de Belém (PA), resolveram contrariar a ordem do Imperador e aplicaram as ordens de Roma e cassaram os direitos dos padres maçons, deixando Recife e Belém praticamente sem religiosos. D. Pedro II ainda tentou uma solução conciliatória, mandando um representante ao Vaticano, mas foi em vão. A Igreja se mostrou intransigente. O conflito foi, então, submetido ao julgamento do Conselho de Estado, que acabou condenando, em 1873, os dois bispos a quatro anos de trabalhos forçados. Dois anos depois, foram anistiados pelo Duque de Caxias, então primeiro-ministro. Mas este incidente colocou em campos opostos a Igreja e o Estado Imperial. A imprensa republicana explorou este fato para atacar a Monarquia, tornando públicos os acontecimentos. As críticas eram severas. O Império era apresentado como in91


transigente e conservador: não admitia a livre consciência, a liberdade de ensino, a liberdade religiosa, o casamento civil, a instituição do registro civil de nascimento e óbitos. Os jornais denunciavam a união entre a Igreja e o Estado, considerada como sendo característica típica das monarquias absolutas, de sociedades atrasadas. Esta propaganda contribuiu para desmoralizar ainda mais a Monarquia e divulgar uma imagem positiva da República, sempre apresentada como libertadora e progressista. Se analisada isoladamente, a Questão Religiosa não teria maior importância, pois seria um simples incidente entre o Estado e a Igreja. No entanto, por ter ocorrido no mesmo período em que o movimento abolicionista estava em curso e que os conflitos entre o Imperador e o Exército afloravam, esse conflito adquiriu importância. Ainda que em escala muito menor do que o abolicionismo e do que a subseqüente Questão Militar, a Questão Religiosa deixou à mostra as fraquezas do Império. Sem Exército, sem grandes fazendeiros e agora sem a Igreja. Para onde iria a Monarquia?

O MOVIMENTO REPUBLICANO Com o descrédito das instituições imperiais, a proclamação da República parecia ser uma questão de tempo. A abolição havia criado um descontentamento entre os grandes proprietários escravistas, que antes eram o principal apoio da monarquia. Alguns chegaram a converter-se ao republicanismo. O Império perdia suas bases. Em sincronia com o abolicionismo e ligado a ele, cresceu o movimento republicano, principalmente entre os militares. O Exército deu o golpe de misericórdia ao moribundo Império. Como já vimos, a idéia republicana não era nova no Brasil. Mas, a partir da segunda metade do século XIX o movimento renasceu com forças suficientes para entrar em choque com o reinado de D. Pedro II. As modificações sociais e econômicas do Império nessa época tiveram implicações diretas com a situação política. Os velhos partidos, Conservador (ou Saquaremas) e o Liberal (ou Luzias), ligados aos interesses dos cafeicultores do Rio de Janeiro, não queriam modificações no sistema político. Novos grupos, comprometidos com a cafeicultura mais dinâmica e moderna do Oeste Paulista, reclamavam modificações e entravam em choque com o poder constituído do Império. As primeiras críticas ao Império vinham dos estudantes da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo. Vários nomes que se tornaram famosos apareceram entre os opositores ao regime: Rui Barbosa, Castro Alves, Joaquim Nabuco. No Rio de Janeiro, acontecia o mesmo com homens como Rangel Pestana, que através de seu jornal Opinião Liberal atacava violentamente as instituições imperiais. Apesar do crescente fortalecimento, o movimento republicano se dividiu em duas tendências: revolucionária e

evolucionária. Essa divisão estava relacionada à forma de implantação da República e à composição social dos seus defensores. Os revolucionários, formados por representantes das camadas médias urbanas e liderados por Silva Jardim, defendiam a luta armada e a maciça participação popular para derrubar o Império. Já o grupo evolucionista, composto por cafeicultores paulistas e liderado por Quintino Bocaiúva, Prudente de Moraes e Campos Sales, propunha uma transição política pacífica, sem lutas e sem a participação popular. Este último grupo queria implantar a República sem mudar a ordem socioeconômica. Queriam apenas o controle do poder. As propostas deste grupo só tomaram forma e se organizaram mais sistematicamente quando o jornal A República, na edição de 3 de dezembro de 1870, publicou o Manifesto Republicano. Este Manifesto propunha basicamente que o Brasil se transformasse numa república federativa para se adequar à realidade do resto da América e garantir uma relativa autonomia das províncias em relação ao governo central. Isso interessava particularmente aos cafeicultores paulistas, pois poderia garantir a liberdade de um relacionamento direto com o mercado externo. Propunha também que o ensino fosse livre do domínio da Igreja, que o Estado se separasse da Igreja e que o senado não fosse vitalício. Em 1873, na cidade de Itu, São Paulo, foi fundado o Partido Republicano Paulista, o primeiro do Brasil. Neste partido, composto essencialmente por cafeicultores paulistas e ligados à tendência evolucionista, as propostas dos republicanos revolucionários também eram discutidas. Finalmente, no Congresso Nacional Republicano, realizado em 1889, a proposta evolucionista foi vitoriosa e Quintino Bocaiúva foi eleito chefe nacional do Partido Republicano.

O IMPÉRIO CHEGA AO FIM. A crise do Império era irreversível. Manifestações populares de repúdio ao aumento do custo de vida vinham ocorrendo desde o fim da década de 1870 e começo da de 1880. A mais importante foi a Revolta do Vintém, contra o aumento das passagens de bonde do Rio de Janeiro. Ninguém acreditava num Terceiro Reinado. A inabilidade política da Princesa Isabel e a péssima fama do seu marido, o Conde D’Eu, contribuíam para isso. Os republicanos moderados estavam só esperando o falecimento de D. Pedro II. O que não devia demorar muito, pois os boatos diziam que o velho imperador estava cheio de doenças. A oposição à monarquia era cada vez maior. Revelavase tanto pelas críticas dos jornais como pelas manifestações militares e republicanas. Criticava-se principalmente o autoritarismo de D. Pedro II, exercido por meio do Poder Moderador. Também era de conhecimento geral que a saúde de D. Pedro o incapacitava de seguir governando o país. Todos o achavam senil. Foi nesse clima de agitações que se instituiu o novo gabinete de ministros do Império, chefiado por Afonso Celso, Visconde de Ouro Preto. 92


Afonso Celso era membro do Partido Liberal, com fortes convicções conservadoras, e iniciou, em junho de 1889, um programa de reformas que promovia a liberdade de culto, propunha maior autonomia para as províncias e diminuías as funções do poderoso Conselho de Estado. As propostas de reforma foram rejeitadas pela Câmara, que se mostrou temerosa diante delas. A Câmara foi dissolvida, sendo convocada outra, que deveria reunir em sessão extraordinária no dia 30 de novembro daquele ano. Essa Câmara jamais se reuniu. Entre junho e começo de novembro de 1889, vários novos atritos entre os militares e o ministério aumentaram a tensão política. Nos dias 08 e 09 de novembro, o Clube Militar, reunido sob a chefia de Benjamim Constant, articulou um movimento armado para a derrubada da monarquia. Vários civis – tais como Quintino Bocaiúva e Rui Barbosa – representantes dos republicanos moderados foram convidados a participar da conspiração. A chefia foi dada ao Marechal Deodoro da Fonseca. Deodoro nunca tinha abraçado com entusiasmo a causa republicana, mas se voltava contra o Império porque este não reconhecia o novo papel do Exército na política brasileira. No mês anterior, havia sido espalhado um rumor de que o Império planejava afastar as tropas do Rio de Janeiro, substituindo-as pela Guarda Nacional, com o objetivo de garantir a transição para o terceiro reinado. Isso irritou ainda mais o velho militar.

Silva Jardim, líder do setor mais popular do movimento republicano, entrou em choque com Quintino Bocaiúva, que pretendia manter as forças populares afastadas das ações contra o Império. Boatos afirmando que o Marechal Floriano Peixoto havia prendido Deodoro da Fonseca precipitaram os acontecimentos. Na tarde de 15 de novembro de 1889, as tropas cercaram o edifício do Ministério e depuseram o ministro Afonso Celso. O Império esboçou ainda uma resistência, mas os agitadores, como Silva Jardim, mantinham a população atenta, realizando comícios. Uma parcela da população ocupou a Câmara Municipal, e José do Patrocínio proclamou o fim da monarquia e o estabelecimento da República. O Marechal Deodoro da Fonseca foi reconhecido como líder do novo governo e, na manhã do dia seguinte, assinou o primeiro ato, proclamando, oficialmente, a República. O Império chegava ao fim. É importante notar que a instalação da república brasileira não contou com o apoio das classes populares, justificando uma frase famosa de um jornal da época: “... E o povo assistiu bestificado”. D. Pedro II, que estava em Petrópolis, ainda esboçou uma reação, mas já era tarde demais. Verdadeiramente, era o fim. E como disse Aristide Lobo, um famoso cronista da época: “...E o povo assistiu bestificado à proclamação da República...”

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mais rápidos, fácies e seguros; facilitaram os transportes de produtos pesados a longa distância; en-fim, encurtaram as distâncias e baratearam os fretes.

A Segunda Revolução Industrial, O Imperialismo e neocolonialismo O DESENVOLVIMENTO E A EXPANSÃO DO CAPITALISMO A partir do século XVIII, a economia mun-dial passou por um profundo processo de mudanças. A Revolução Industrial, caracteri-zada pela utilização das máquinas no processo produtivo, provocou transformações em toda a sociedade. Surgiram novas relações de traba-lho e de organização da produção. A oficina foi substituída pela fábrica, em que uma concentração de operários e de equipamentos sob o mesmo teto passou a produzir, em grande escala, artigos para serem vendidos em todas as partes do mun-do. O passou a estar a serviço da máquina e da produção fabril. Os operários, superexplo-rados, passaram a se organizar para con-quistar melhores condições de vida e de trabalho, e o agravamento das questões sociais fez surgir ainda as idéias socialistas. A Inglaterra foi a pioneira na Revolução Industrial e até meados do século XIX era a única sociedade efetivamente industrializa-da, a “oficina mecânica do mundo”. A Revolução Industrial marcou o nasci-mento do sistema capitalista, que, inicial-mente, caracterizou-se pela liberdade de iniciativa, livre concorrência e a não-intervenção do Estado na economia. Nessa fase, conhecida como Capitalismo Liberal, a Inglaterra possuía a hegemonia industrial e comercial, pois dominava os mercados mun-diais e possuía a maior e a mais avançada produção industrial. Nessa época, meados do século XIX, a industrialização passou por um período de expansão e desenvolvimento. A revolução dos transportes, o desenvolvimento dos mercados nacionais e internacionais e o aparecimento de novas fontes de energia, de novos inventos e novas indústrias deram um grande impulso ao processo de industrializa-ção que entrou em um nova fase chamada por alguns historiadores de “Segunda Revo-lução Industrial”. Dentre as inovações tecnológicas desen-volvidas nessa fase da industrialização, merecem destaque a expansão e melhoria das ferrovias e o aperfeiçoamento do vaio a vapor. Essas invenções, que se tornaram possíveis com o progresso da metalurgia do aço, provocaram uma verdadeira revolução no setor de transportes e na vida em geral, das pessoas e da economia. Aceleraram a vida dos homens, reduziam a duração e os custos da viagens; o correio e as informações tornaram-se

O ritmo acelerado da produção industrial nesse período permitiu aos ingleses aumen-tar consideravelmente as exportações, não só para a Europa mas para outros continentes. Além de exportar artigos industrializa-dos, em especial os têxteis, o grande desen-volvimento do seu setor metalúrgico permi-tiu-lhes também exportarem equipamentos industriais (máquinas, locomotivas, etc). Além disso, muitos empresários ingleses passaram a aplicar seus capitais excedentes em outros países. Assim, as exportações de tecnologias e de capitais ingleses acabaram por contribuir para a expansão da Revolução Industrial para outros países que passaram, mais tarde, a competir com a economia inglesa. Durante o século XIX, várias nações euro-péias – França, Alemanha, Bélgica, Itália – e os Estados Unidos também passaram pelo processo de industrialização. Somente no final do século XIX, Japão e Rússia iniciaram de fato o processo de Revolução Industrial. Beneficiados pela tecnologia desenvolvida pela Inglaterra, estes países deram continui-dade ao processo de avanço tecnológico que, a cada década, dava saltos qualitativos e surpreendentes. Podemos destacar, entre outros, o aperfeiçoamento do dínamo, que permitiu a utilização da eletricidade como força-motriz; a invenção do telefone (Gra-ham Bell – 1876) e da lâmpada (Thomas Edson – 1883); a criação do motor a explo-são e a construção dos primeiros automó-veis. Depois da descoberta do primeiro posto petrolífero na Pensilvânia (1859), várias indústrias químicas se desenvolveram, pro-duzindo os mais variados subprodutos do petróleo, tais como a gasolina, gás, plásticos em geral, óleos etc. A adoção de novas técnicas de produção e o surgimento de novos inventos, ao longo dos séculos XVIII e XIX, proporcionaram o aumento da produtividade, das trocas co-merciais e a melhoria dos serviços de trans-porte e de comunicação (que se tornaram mais rápidos e mais econômicos). O aumento da produção possibilitou um grande acúmulo de capital e maior facilidade de crédito, o que determinou uma maior expansão das redes bancárias e o cresci-mento das empresas, cujos produtos passa-ram a ser intensamente consumidos.

O CAPITALISMO MONOPOLISTA Com a expansão da industrialização, o ca-pitalismo passou por profundas modifica-ções. A livre concorrência levou a uma de-senfreada competição entre as empresas que, para garantirem mercados para seus produtos, passaram a travar uma verdadeira batalha de preços. As grandes empresas investiram maciçamente na tecnologia e reduziram os preços para eliminar a concor-rência. As empresas que não conseguiam acom-panhar o ritmo das inovações técnicas e não possuíam reservas de capital 94


para suportar a diminuição dos preços eram eliminadas do mercado. Com isso, o mercado passou a ser monopolizado pelas grandes empresas que, incorporando as indústrias falidas formaram gigantescas unidades industriais. Essa tendência de concentração monopo-lista também atingiu os bancos. Os peque-nos bancos faliram e os maiores passaram a concentrar a quase totalidade dos recursos financeiros nos países mais avançados. Na Inglaterra, cinco bancos possuíam o controle financeiro do país, nos Estados Unidos eram nove e na França, apenas três bancos. Eliminando a concorrência, as grandes empresas conseguiram excelentes condi-ções de lucratividade, promovendo uma espantosa acumulação de capitais. Inicial-mente esse capital foi investido dentro do próprio país, seja na modernização tecnoló-gica das empresas, seja na diversificação de aplicação em outros ramos da economia que eram promissores Quando as possibilidades internas de in-vestimento se esgotaram, os capitais exce-dentes, ou seja, os capitais que estavam disponíveis, começaram a procurar novas áreas lucrativas fora de seu país de origem. Os bancos e as empresas que possuíam excesso de capital passaram a procurar áreas para investir com segurança e lucrati-vidade. Os países não industrializados da América, África e Ásia eram os mais atrati-vos, pois possuíam matéria-prima e mão-de-obra baratas, e proteção dos governos locais para facilitar a ação do capital monopolista. Assim, iniciou-se uma nova fase de domí-nio econômico das potências mundiais sobre os países não desenvolvidos: o imperialis-mo. Essa fase foi marcada por uma feroz e belicosa disputa entre as potência mundiais, provocando em 1914, a Primeira Grande Guerra.

AS FORMAS DE CONCENTRAÇÃO DAS EMPRESAS. As três formas mais comuns de concen-tração de empresas foram: truste, cartel e holding. O truste é uma concentração de capitais em que empresas de um mesmo ramo se fundem numa só, para controlar a produção e comercialização de um determinado produto no mercado mundial. Surgiu nos Estados Unidos, em 1832, e John Rockefeller foi o primeiro empresários a criar um truste, a Standard Oil Company (hoje em dia chama-se Exxon Corporation), que agrupava várias empresas petrolíferas norte-americanas. O cartel é um acordo comercial entre grandes companhias independentes para controlar o mercado. Para tanto, fixam pre-ços e dividem áreas de vendas. Nos dias atuais, o cartel mais poderoso é a Organiza-ção dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) que controla o mercado mundial de petróleo. E holding é uma companhia central que administra várias empresas que pertencem a um mesmo grupo financeiro. Sua função é coordenar as atividades dessas empresas e a expansão de seus negócios.

A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Uma outra Revolução Industrial A industrialização, inicialmente restrita à Inglaterra, expandiu-se para a França, Alemanha, Rússia, Estados Unidos e Japão. Novas invenções impulsionaram a produção industrial e provocaram transformações tão radicais que os historiadores chamaram a essa fase de Segunda Revolução Industrial, correspondendo à segunda metade do século XIX e início do século XX. A descoberta da conversão do ferro em aço abriu a era das grandes usinas siderúrgicas. A produção de aço, em larga escala e a baixo custo, levou à substituição do ferro nos armamentos, nas máquinas e mesmo no ramo da construção (nesse último, por exemplo, foi possível erguer os primeiros arranha-céus, equipados com elevadores). Novas fontes de energia foram experimentadas, como a eletricidade e o petróleo. No final do século XIX, elas eram usadas na iluminação (lâmpadas elétricas e de querosene), nas indústrias e nos veículo s (bondes e metrôs, automóveis com motor a gasolina e locomotivas, navios, caminhões e ônibus a diesel). Contudo, até 1914, o carvão continuou sendo a principal fonte de energia, proporcionando quase 90% da energia consumida nos países industrializados. A invenção do telégrafo revolucionou a comunicação: por meio de impulsos elétricos, uma mensagem era transmitida a longa distância em poucos minutos. Em 1858, na Europa, já havia 160 000 km de fios estendidos, inclusive em cabos submarinos. a invenção do telefone, do telégrafo sem fio e do rádio encurtou ainda mais as distâncias. A imprensa também se beneficiou dessas novidades, que permitiam uma divulgação mais imediata das notícias, e ainda da invenção da máquina de escrever, na linotipo e da rotativa, que aceleraram a edição e a impressão de jornais. Muitas invenções e descobertas dessa fase foram frutos de pesquisas científicas sistemáticas realizadas em laboratórios de universidades ou de indústrias. Os empresários passaram a investir no trabalho dos cientistas, buscando inventos que gerassem lucros. A indústria química, por exemplo, beneficiou-se dessa aproximação, o que resultou na produção de fibras sintéticas, inseticidas, celulóide (usado nos filmes fotográficos), borracha vulcanizada (usada na fabricação de pneus), corantes artificiais, adubos, explosivos (usados na construção de estradas, canais, túneis, além de armamentos), entre outros.

Uma nova organização da Economia Construir uma grande indústria, como uma usina siderúrgica, e modernizá-la regularmente exigia muito capital. Para reuni-lo, os empresários formaram sociedades anônimas cujas ações eram vendidas ou compradas nas bolsas de valores. Outra forma de obter o capital necessário era recorrer a empréstimos bancários. Alguns bancos passaram a investir diretamente na indústria, na agricultura e no comércio. Com isso, o próprio banco se tornava proprietário de diferentes empresas. Os empréstimos bancários e as transações na bolsa de valores impulsionaram os negócios, levando a um período de grande expansão econômica entre 1848 e 1873. As pe95


quenas empresas não suportaram a concorrência e acabaram sendo absorvidas pelas grandes indústrias e bancos. A concentração foi maior nos setores siderúrgico, químico e petrolífero e também na exploração do carvão. Em 1873, o crescimento desordenado da economia levou à superprodução. Os industriais tinham produtos demais para vender, muito acima da capacidade de consumo existente, o que provocou queda de preços, falências de pequenas e médias empresas e desemprego. Os acionistas trataram então de vender suas ações a qualquer preço. Além do mais, o surgimento dos sindicatos nacionais de trabalhadores forçaram o aumento real dos salários e a diminuição da jornada de trabalho, diminuindo, conseqüentemente, os lucros dos capitalistas. A depressão econômica estendeu-se de 1873 a 1896. Superada a crise, a economia dos países industrializados estava nas mãos de um pequeno número de empresas gigantes, que, devido às suas melhores condições, haviam conseguido sobreviver. Os grandes empresários industriais monopolizavam o mercado e impunham os preços, enquanto os poderosos banqueiros controlavam as finanças e as atividades produtivas. As pequenas empresas ainda existentes tiveram de se sujeitar a esses grandes grupos, caso contrário arriscavam-se a não poder colocar seus produtos à venda, não obter matéria-prima e não conseguir empréstimos nos bancos. A crise eliminou as empresas mais fracas. As fortes tiveram de racionalizar a produção: o capitalismo entrou em nova fase, a fase monopolista. Sua característica é o imperialismo, cujo desdobramento mais visível foi a expansão colonialista do século XIX. O imperialismo, por sua vez, caracteriza-se por: ● Forte concentração dos capitais, criando os monopólios; ● Fusão do capital bancário com o capital industrial; ● Exportação de capitais, que supera a exportação de mercadorias; ● Surgimento de monopólios internacionais que partilham o mundo entre si. O monopólio assumiu formas variadas e sofisticadas no sistema capitalista: ● Truste: Um grupo econômico domina várias unidades produtivas; nos trustes horizontais, reúnem-se vários tipos de empresa que fabricam o mesmo produto; nos verticais, uma empresa domina unidades produtivas estratégicas por exemplo, da mineração do ferro e carvão à fabricação de locomotivas, passando pela siderurgia; ● Cartel: Empresas poderosas, conservando sua autonomia, combinam repartir o mercado e ditam os preços dos produtos que fabricam; ● Holding: Uma empresa central, geralmente uma financeira, detém o controle das ações de várias outras empresas. A partir de 1896, quando se iniciava um novo período

de prosperidade, esses poderosos grupos capitalistas ampliaram ainda mais seus negócios, adotando a produção em série - a fabricação em grande quantidade de produto do mesmo padrão - e usando a propagando para estimular o consumo. Foi também nessa época que consolidaram seu domínio econômica na Ásia, na África e na América Latina.

2. A EUROPA E AS POTÊNCIAS IMPERIALISTAS NO FINAL DO SÉCULO XIX A Inglaterra Os problemas que afligiam a indústria britânica deviam-se ao próprio pioneirismo da indústria nesse país. As máquinas inglesas datavam de meados do século XVIII. A aquisição de novas máquinas, que facilitariam e barateariam a produção significava abandonar os investimentos feitos anteriormente em máquinas que ainda rendiam, embora obsoletas. Apesar da crise da indústria britânica, o mundo inteiro investia nos bancos londrinos. Os lucros nesses negócios faziam crescer o poderio do setor bancário inglês. O sistema político inglês era regido pelo Parlamento. A rainha Vitória (1837-1901) reinava, mas não governava. Entre 1867 e 1884, a Inglaterra passou por reformas políticas que aumentaram a influência da Câmara dos Comuns nas decisões políticas. O direito de voto atingiu integralmente as camadas mais pobres (com exceção das mulheres). Por essa razão, a situação de penúria dos trabalhadores passou a preocupar os partidos políticos ingleses. Reformas sociais foram feitas pelo ministro liberal Gladstone. Mas essas reformas não atendiam às reivindicações dos trabalhadores ingleses. Em 1893, foi fundado o Partido Independente, de orientação marxista. Sua origem provocou o crescimento dos grandes sindicatos ingleses, os trade unions. Com o passar do tempo, esse partido se transformou no Partido Trabalhista, que até hoje está no cenário político inglês. Durante o reinado de Vitória, o poder ficava ora com o Partido Liberal, de Gladstone, ora com o Partido Conservador, de Disraeli. Foi com Disraeli que a Inglaterra conheceu seu auge imperialista nos continentes asiático e africano.

A supremacia Inglesa: A Era Vitoriana A indiscutível supremacia da Inglaterra - na Europa do século XIX atingiu seu apogeu entre -1850 e 1875. O país, que havia iniciado sua Revolução Industrial mais de cem anos antes, colocou-se quase um século na frente dos demais Estados europeus. Somente na segunda metade do século XIX foi que França, Itália e Alemanha começaram a avançar, mas não o suficiente para abalar a hegemonia inglesa. A Inglaterra enviava homens, capitais, carvão, tecidos e máquinas para o mundo inteiro. A supremacia naval completava a supremacia econômica. As camadas médias prosperavam, e seu papel político ganhava importância. Londres era a maior cidade do mundo, e o Parlamentarismo, um regime político estável, maleável para que as reformas 96


se antecipassem às necessidades sociais. Assim, a Inglaterra evitou as agitações que assolaram a Europa dos fins do século XVIII ao século XIX. A união de desenvolvimento econômico com progresso social e estabilidade política criou condições para a formação de um vasto império colonial na América, África e Ásia. A dinastia Hannover, surgida no início do século XVIII, teve na rainha Vitória (1837-1901) o grande símbolo da virtude e da perseverança inglesas. Ela governou o país durante o período de supremacia britânica, por isso mesmo chamado de Era Vitoriana.

A França Após a guerra franco-prussiana, a França viu declinar o seu poderio industrial. As multas pagas para a Alemanha, a perda de territórios da Alsácia e Lorena (ricas em ferro e em carvão), além de seu parque industrial ultrapassado, fizeram com que os investimentos nessa área diminuíssem. A concentração de capitais ocorreu no setor bancário, onde alguns grandes bancos passaram a controlar os créditos disponíveis no país. Com a derrota da Comuna de Paris, foi estabelecida a Terceira República, cujo poder ficava nas mãos da Câmara dos Deputados e do Senado. Nessa época, foram lançadas as bases de uma política imperialista, voltada para a conquista e manutenção de colônias em outros continentes..

A Alemanha Com a unificação e a política econômica adotada pelo Reich Alemão, a indústria germânica conheceu um surto de desenvolvimento que rapidamente superou o nível tecnológico da França e da Inglaterra. A unificação ampliou o mercado interno. As encomendas do Exército e o programa de expansão ferroviária favoreceram a formação de poderosos complexos industriais e financeiros ligados ao desenvolvimento bélico alemão, como, por exemplo, a Krupp. A expansão da indústria alemã deveu-se também ao aproveitamento da tecnologia de outros países com industrialização mais antiga, fazendo com que seu parque industrial utilizasse as mais modernas técnicas desenvolvidas na época. Também a agricultura alemã sofreu modificações no final do século XIX. As grandes propriedades se modernizaram,e os servos, libertos, passaram a trabalhar como assalariados. A produção agrícola crescia espetacularmente. O crescimento da classe operária alemã, concentrada nos grandes centros industriais, criou as bases sociais necessárias para que o movimento operário se unificasse, fundando o Partido Social-Democrata Alemão (1875). Por outro lado, formou-se uma aliança entre a grande burguesia alemã e os latifundiários. Dentro do Parlamento (Reichstag), esse processo fortaleceu a bancada do Partido Conservador. O eleitorado do Partido Social-Democrata crescia. Para combater a crescente popularidade do movimento socialista, Bismarck instituiu uma legislação garantindo direitos

sociais para a classe operária. Essas leis, entretanto, não impediram que, nas eleições de 1890 para o Reichstag, o partido socialista conseguisse uma expressiva margem de votos. Diante desse quadro indicativo do descontentamento popular, o novo imperador, Guilherme II, conseguiu a demissão de Bismarck e assumiu pessoalmente a liderança do governo. Guilherme II exigia participação na partilha imperialista do mundo, fato que gerou constantes atritos da Alemanha com outras potências mundiais.

A Itália Após a unificação política e aduaneira, o Norte da Itália industrializou-se rapidamente. Isse se deu graças à política adotada pelo governo em 1887, de caráter protecionista, com altas taxas alfandegárias, e de incentivo ao investimento estrangeiro, que veio a suprir a falta de capital da indústria italiana. A estrutura agrária do Sul era marcada pela presença de grandes latifúndios, explorador pelo sistema de parceria, isto é, o camponês entrava com o trabalho, ferramentas e boa parte da produção para pagar o aluguel da terra ao proprietário. O protecionismo alfandegário adotado pelo governo dificultava a agricultura do Sul, voltada para as exportações. Três problemas se interpunham ao desenvolvimento italiano: o pequeno mercado consumidor agrícola e com poucas possibilidades de crescimento, a falta de capital para a indústria e a falta de mercado de trabalho assalariado estável. A participação eleitoral na Itália unificada era de apenas 2% da população, pois, para exercer o direito de voto para a Câmara era necessário ter mais de 25 anos, ser alfabetizado e pagar, pelo menos, 40 libras de imposto anual. Após a morte de Vitor Emanuel II, subiu ao trono Humberto I, que organizou um gabinete de tendência liberal. Esse gabinete iniciou algumas reformas, como a estatização do ensino primário e uma reforma eleitoral, aumentando a porcentagem de eleitores para 7% da população. Apesar das reformas, a situação continuou tensa. Em 1900, Humberto I foi assassinado e subiu ao trono Vitor Emanuel III, seu filho. O gabinete organizado pelo novo rei era liderado por Giolitti, do Partido Liberal. Mediante sucessivas fraudes nas eleições, Giolitti neutralizou a atuação dos demais partidos políticos. Giolitti foi a figura dominante no cenário político italiano até o início da Primeira Grande Guerra Mundial. Seu programa de reformas, com a criação de seguros sociais, a nacionalização das ferrovias e o reconhecimento dos sindicatos, era apoiado por elementos do Partido Socialista, fundado em 1882, e do Partido Católico, habilmente manipulados pela política de Giolitti.

A Bélgica Primeiro país da Europa a industrializar-se no século 97


XIX. Dois ingleses criaram uma fábrica de tecidos em Liège já em 1807. Foi rápido o desenvolvimento, facilitado pela existência de carvão e ferro, pelo investimento de capitais ingleses e pela proximidade do mercado europeu. 2.6 - O Império Austro-Húngaro Sua característica era a enorme mistura de povos e minorias nacionais. O desenvolvimento industrial se acelerou mais na ex-Tchecoslováquia (atuais Eslováquia e República Tcheca), sobretudo nos setores têxtil, de extração de carvão e siderurgia. Destacou-se a Skoda, famosa produtora de armas, material ferroviário, máquinas agrícolas, etc.

A Suécia Deu-se aqui um caso típico de rápido desenvolvimento ligado a pesados investimentos estrangeiros, principalmente alemães; o mecanismo se explica pelas relações entre grandes bancos suecos e alemães. Mais tarde, viriam os bancos franceses. A Suécia chegou a ter a dívida externa mais alta do mundo. Na década de 1870, teve início a construção ferroviária. A partir dos anos de 1890, os alemães se voltaram para as minas de ferro, fundições e forjas. O aço de alta qualidade era exportado. Os franceses investiram mais em energia elétrica. Também tiveram importância a indústria madeireira e a química, como a de explosivos, controlada pelo grupo Nobel.

O Império Russo A arrancada do último país da Europa a industrializar-se se deu entre 1890 e 1900, com taxa de crescimento industrial de 8% ao ano, jamais igualada pelo Ocidente. Motivos: participação do Estado, investimentos externos e presença de técnicos estrangeiros. A abolição da servidão em 1861 não mudou muito a estrutura agrária, baseada no mir, comunidade agrícola de culturas coletivas. A produtividade não cresceu, nem o poder aquisitivo dos agricultores; e não houve êxodo rural que fornecesse mão-de-obra excedente às indústrias. O Estado exerceu papel importante. A compressão do consumo dos camponeses gerou excedentes de produtos agrícolas exportáveis, cujos rendimentos eram transformados em investimentos. Em 1913, metade do capital investido era estrangeira, com maior participação da França, Inglaterra, Alemanha, Bélgica e Estados Unidos. As indústrias de mineração tinham 91% de capital estrangeiro; as químicas, 50%; as metalúrgicas, 42%; a madeireira, 37%; e a têxtil, 28%. Formaram-se gigantescos conglomerados, como o Cartel Prodameta, que controlava trinta siderúrgicas e metalúrgicas, com capital francês. Explorava-se carvão da rica bacia do Donetz. A produção de máquinas era ainda reduzida. A descoberta de petróleo no Cáucaso deu origem a grande exploração, dominada pelos Rothschild de Paris. Controlada por ingleses e alemães, a indústria têxtil respondia por um terço da produção russa.

Os Estados Unidos

Primeiro país a industrializar-se fora da Europa, a partir de 1843, em resultado da conquista do oeste e dos enormes recursos daí advindos; alguns autores preferem como marco a Segunda Revolução Americana, a Guerra de Secessão entre 1860 e 1865, momento em que a classe capitalista do norte aumentou sua fortuna financiando o governo federal, fornecendo provisões aos exércitos e desenvolvendo a indústria ligada às necessidades do conflito. O resultado foi a consolidação do capitalismo industrial, representado politicamente pelos republicanos. Não foi por acaso que, enquanto a abolição da escravatura destruía a economia sulista, o protecionismo alfandegário, a legislação bancária, a construção de estradas de ferro e a legislação trabalhista garantiam a supremacia do norte e de sua economia industrial. Depois da guerra, o país tinha território unificado, rede de transportes em expansão, população crescente, poucas diferenças sociais. Isso permitia a produção para o consumo de massa, o que facilitava a racionalização da economia. O país dependia de seu próprio mercado, pois exportava apenas 10% do que produzia a Inglaterra, por exemplo, exportava 52%. Daí o caráter fortemente protecionista da industrialização americana. O dinamismo do país atraiu capitais europeus, que se voltaram para setores estratégicos, como ferrovias. A descoberta de ouro na Califórnia acelerou ainda mais á economia, Em 1890, algodão, trigo, carne e petróleo contribuíam com 75 % da exportação dos norte-americanos. O beneficiamento de produtos agrícolas foi a primeira grande indústria; as siderúrgicas e indústrias mecânicas superaram o setor agrícola apenas no início do século XX. Sua característica era a formação de enormes empresas, que produziam ferro, carvão, produtos siderúrgicos e ferroviários. Em 1913, os americanos assumiriam a liderança na produção de ferro, carvão, aço, cobre, chumbo, zinco e alumínio. A indústria mecânica avançou, sobretudo a automobilística, com métodos racionais desenvolvidos pela Ford. A indústria têxtil deslocou-se para o sul. A elétrica, estimulada pelas investigações científicas que resultaram na fundação da Edison Electric Company, criaram filiais em vários países, como Itália e Alemanha.

O Japão Na Ásia, foi o país que mais depressa implantou sua Revolução Industrial. Até meados do século XIX, o Japão vivia fechado, com sua sociedade dominada por uma aristocracia feudal que explorava a massa de camponeses. Desde 1192, o imperador tinha poder simbólico; quem o exercia era o Shogum, supremo comandante militar. A economia monetária vinha se acentuando desde o século XVIII e á pressão dos Estados Unidos forçou em 1852 a abertura dos portos aos estrangeiros, atendendo a interesses de expansão dá indústria americana. O ponto de partida para ás grandes transformações foi o ano de 1868, com a Revolução Meiji (Luzes). Com apoio estrangeiro, o imperador tomou o poder do Shogum e passou á incorporar á tecnologia ocidental, para modernizar o Japão. A Revolução Meiji aboliu o feudalismo, com finalidade 98


nem tanto de melhorar a vida servil dos camponeses más de torná-los mais produtivos. A fortuna dos grandes comerciantes e proprietários aumentou, em prejuízo dos aposentados e pequenos lavradores. A criação de um exército de trabalhadores, devido ao crescimento populacional, permitiu uma política de preços baixos, o dumping, favorável à competição no mercado externo. Um aspecto importante foi a acumulação de capital nacional, decorrente dá forte atuação do Estado, que concedeu patentes e exclusividades e integrou os investimentos. Depois de desenvolver as indústrias, o Estado as transferia a particulares em condições vantajosas de pagamento. Formaram-se assim grandes concentrações industriais, zaibatsu, pois 40% de todos os depósitos bancários, 60% da indústria têxtil, 60% da indústria militar, a maior parte da energia elétrica, a indústria de papel e a de construção naval eram

controlados por apenas quatro famílias: Sumitomo, Mitsubishi, Yasuda e Mitsui. A indústria pesada avançou devagar pela falta de carvão e ferro. Os recursos hidrelétricos foram explorados a partir de 1891. No início do século XX, a siderurgia deu um salto, criando a base para a expansão da indústria naval. O Estado, assentado na burguesia mercantil e na classe dos proprietários, tinha apoio dos militares, que pretendiam construir o Grande Japão. O pequeno mercado interno impôs a busca de mercados externos e uma política agressiva, iniciada com a guerra contra a China (1894-1895), que proporcionou enorme indenização ao Japão. O mesmo aconteceu após a guerra contra a Rússia (1904-1905). A I Guerra Mundial (1914-1918) abriu espaços no mercado asiático, imediatamente ocupados pelo Japão.

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A política imperialista foi defendida pelos governos e mesmo por parte dos cientistas e intelectuais da época como uma “missão” para “civilizar” as populações coloniais, consideradas como inferiores. Além disso, o imperialismo foi também visto como a melhor solução para os problemas internos dos países ocidentais, como o desemprego, a pobreza e a superpopulação. A imprensa ocidental contribuiu para a divulgação dessas idéias. As conquistas coloniais foram exaltadas e alimentaram o orgulho nacionalista da população dos países imperialistas.

O Imperialismo e o Neocolonialismo As crises do capitalismo, vividas pela Europa a partir da década de 1870, provocaram uma grande emigração para outros continentes. Calcula-se que, no total, cerca de 70 milhões de europeus procuraram novos países para viver. A grande maioria dos emigrantes (italianos, irlandeses, espanhóis, poloneses, austríacos) provinha das regiões agrícolas européias. Em geral, eram pobres, analfabetos e sem qualificação profissional. Tomaram parte ainda nesse movimento de emigração: lideranças operárias e liberais radicais, perseguidos por suas idéias políticas em seus países de origem; judeus russos, que procuravam escapar dos pogroms; cientistas, exploradores e missionários cristãos, em geral a serviço da administração colonial européia, e até mesmo condenados, encaminhados para os presídios das colônias européias da África e da Ásia. Os grandes capitalistas europeus também buscaram outros continentes, embora seus interesses fossem bastante diferentes daqueles que moviam a massa de emigrantes. O desenvolvimento do capitalismo criara a necessidade da criação de novos mercados e de novas fontes de abastecimento de matérias-primas. Além disso, a grande crise desencadeada em 1873, provocada pela superprodução, levou muitos países a criarem barreiras alfandegárias. Era preciso procurar fornecedores de matérias-primas e consumidores de produtos industrializados que não criassem obstáculos aos empreendimentos capitalistas. A solução foi encontrada com a colonização da Ásia, da África e da América Latina, o que deu origem a uma intensa disputa entre as potências européias. Industriais e banqueiros, unidos e apoiados pelo governo de seus países, lançaram-se à corrida por colônias. Assim, nas últimas décadas do século XIX, o surgimento de novas potências industriais como a Alemanha e a Itália levou países como a Inglaterra e a França a uma série crise. Haviam pontos de atrito, principalmente quando aqueles países exigiram uma revisão da divisão do mundo colonial. Nascia o neocolonialismo, uma nova forma de colonialismo, caracterizado por um imperialismo agressivo e competitivo. Os Estados imperialistas usaram força militar, arrasaram indústrias concorrentes e forçaram acordos comerciais em suas colônias. O neocolonialismo se difere do colonialismo praticado por Portugal e Espanha nos séculos XVI e XVII, chamado de Antigo Sistema Colonial.

O IMPERIALISMO O Imperialismo é o nome da fase do capitalismo que nasceu nas últimas décadas do século XIX, quando os monopólios dos países capitalistas avançados começaram a investir capital em outros países. Portanto, capitalismo monopolista e imperialismo têm o mesmo sentido. O imperialismo é a conseqüência imediata do capitalismo monopolista. Um país se torna imperialista quando suas empresas nacionais crescem a ponto de se tornar monopólios. Os monopólios investem capital (exportam capital) em outros países, ou seja, se tornam proprietários de plantações, minas de metais preciosos, companhias de transporte e de navegação, empresas comerciais e bancos. O principal objetivo dessa política é aumentar os lucros.

O NEOCOLONIALISMO Os países imperialistas formaram um império colonial que só iria se desfazer no século XX, depois da Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945). Esse novo colonialismo era diferente do Antigo Sistema Colonial, praticado por Portugal e Espanha logo após as Grandes Navegações, nos séculos XVI e XVII. Veja o quadro abaixo: Antigo Sistema Colonial

Neocolonialismo

O Estado adota prática mercantilistas

O estado, dominado pelos monopólios capitalistas, apóia o imperialismo

Do século XV ao XVIII

do final do século XIX ao período posterior à Segunda Grande Guerra Mundial

Predominou na América

Predominou na África e na Ásia

Lucros obtidos principalmente pelo controle do comércio - monopólio comercial

Lucros obtidos por investimento de capital na colônia (exportação de capital)

a exploração econômica não altera o modo de produção da colônia

A exploração imperialista desenvolve o capitalismo na região.

Outras características importantes do novo colonialismo foram a preocupação com a mineração (para o fornecimento das metalúrgicas da metrópole) e o envio de contingentes humanos para a colônia diminuindo o número de 100


pessoas vítimas de problemas sociais.

O CAPITAL FINANCEIRO Uma das características do imperialismo é a formação do capital financeiro, ou seja, a fusão entre os bancos e as indústrias. A alta burguesia se tornou dona, ao mesmo tempo, de ações de bancos e de empresas industriais. O economista austríaco Rudolf Hilferding (1887-1941), que recebeu influência de Karl Marx e morreu assassinado pelos nazistas, assim o descreveu: “a política do capital financeiro persegue uma tripla finalidade: (1) a criação de um território econômico tão vasto quanto possível; (2) a defesa desse território contra a concorrência estrangeira mediante barreiras alfandegárias; (3) sua transformação em campo de exploração para os monopólio do país.

O IMPERIALISMO: A PARTILHA DA ÁFRICA, DA ÁSIA E DA AMÉRICA LATINA O desenvolvimento do capitalismo, ocorrido na Europa na segunda metade do século XIX, criou a necessidade de buscar novos mercados de investimentos para o capital excedente gerado na Europa, garantindo o escoamento da gigantesca produção industrial e o fornecimento de matéria-prima. Existiam, ainda, outros fatores que tornavam a política colonialista atraente para os governos europeus: a possibilidade de transferir colonos para as regiões conquistadas, resolvendo o problema da superpopulação na Europa. Além disso, a mão-de-obra barata das colônias interessava aos investidores, pois a classe trabalhadora européia, organizada em poderosos sindicatos e partidos políticos, tinha conseguido bons salários e melhores condições de trabalho. A propaganda que justificava o imperialismo baseava-se nas teorias científicas da época, pautadas no evolucionismo social. Essas teorias, em geral, estabeleciam uma hierarquia entre os diferentes povos, classificados como “mais” ou “menos” civilizados. O primeiro lugar, naturalmente, cabia à sociedade européia, modelo para o resto do mundo. Assim, a dominação de outros povos seria uma contribuição para o progresso da humanidade. Em outras palavras, a conquista deveria ser vista como algo bom, pois os europeus estavam levando a civilização para povos indígenas, atrasados e incivilizados. Claro que era segundo o ponto de vista europeu.

A CONQUISTA DA ÁSIA O comércio entre Ásia e Europa remontava ao Império Romano. A Ásia era tradicionalmente fornecedora de artigos de luxo para o continente europeu. Após a Revolução Industrial, essa relação se alterou. A expansão da indústria têxtil inglesa provocou a estagnação do artesanato asiático. Depois disso, a Ásia passou de vendedora a compradora dos produtos europeus, especialmente britânicos. Esse foi o primeiro passo para a conquista colonialista européia. Já na segunda metade do século XVIII, a Inglaterra

iniciou a colonização da Índia. Após conquistar o litoral, o governo inglês, auxiliado pela Companhia das Índias Orientais, iniciou a investida para o interior. Valendo-se das rivalidades que dividiam os principais estados da Índia, a Inglaterra, ora aliando-se, ora dominando pela força, impôs sua autoridade sobre todos os reinos. Para garantir a supremacia britânica sobre a Índia, a Inglaterra fomentou a criação de “Estados Intermediários”, independentes mas sob a proteção britânica, isolando as fronteiras do império Colonial Inglês das regiões disputadas por outras potências. Foi o caso do Nepal (1816), do Butão (1865) e do principado de Sikkin (1890). Em 1857, estourou a revolta dos sipaios, uma das mais sérias tentativas de resistência à conquista britânica, duramente reprimida pelo Exército Colonialista. Em 1876, a rainha Vitória, da Inglaterra, foi coroada imperatriz da Índia. O domínio britânico na Índia permaneceu inabalável até 1919. Até a primeira metade do século XIX, o comércio da China com o Ocidente era realizado quase que exclusivamente no porto de Hong-Kong. Os europeus nada tinham a vender aos chineses em troca de imensas quantidades de chá, sede e outras mercadorias. A situação começou a se modificar quando a Companhia das Índias Orientais passou a contrabandear o ópio para a China. O ópio era produzido na Índia e na Birmânia, em grandes plantações exploradas pelos europeus, e seu tráfico para a China gerava enormes lucros. O governo chinês apelou para o governo inglês, na tentativa de evitar o contrabando. Como não obtivesse resultados, tomou medidas mais enérgicas: em 1839, na cidade de Cantão, foram queimadas 20 mil caixas de ópio. A Inglaterra reagiu prontamente, declarando guerra à China. Vencido pelo poderio naval inglês, o governo chinês assinou o Tratado de Naquim, em 1842. A Inglaterra anexou Hong-Kong ao seu império. Cinco portos chineses abertos ao comércio inglês, e os cidadãos ingleses tornaram-se imunes às leis e à justiça chinesa. Depois dessa guerra, a China se transformaria em alvo de outras potências imperialistas. Em fins do século XIX, a Inglaterra, a Alemanha, o Japão, os Estados Unidos, a França e a Itália dividiam entre si os lucros vindos da exploração chinesa. Em 1851, estourava na China uma grande revolta popular, liderada pelo movimento Taiping, “a grande paz”. Essa revolta só foi debelada em 1864. Mas sua herança não se perdeu, e, em 1901, outro movimento estourava na China: era a Revolta dos Boxers, assim conhecida porque seus integrantes utilizaram-se das artes marciais chinesas para atacar os europeus. Também foi duramente reprimida. Na segunda metade do século XIX, o Sudeste asiático foi reduzido à condição de colônia francesa. Em 1859, após 57 anos de lutas, a França conseguiu dominar Saigon (atual Ho Chi Min). Pouco tempo depois, valendo-se da rivalidade entre os governos do Camboja e do Sião, o império colonialista francês converteu o Camboja em seu proteto101


rado (1863). Com o avanço das fronteiras coloniais para o oeste, a Inglaterra impôs sua autoridade sobre a Birmânia (1866).

A CONQUISTA DA ÁFRICA Até o início do século XIX, o interior da África era desconhecido para os europeus. Em meados desse século, com a divisão de quase todo o território asiático completada, os governantes europeus voltaram seus interesses para o continente africano. Foram organizadas as primeiras missões religiosas e expedições exploratórias para esse continente. Em 1867, foram descobertas jazidas de diamantes do Transvaal. Logo depois, importantes reservas de cobre foram encontradas no território da futura Rodésia. Iniciouse, assim, a partilha do território africano. Os europeus, aproveitando-se das divisões políticas entre os chefes e reis africanos e introduzindo o comércio de bebida alcoólica nas regiões conquistadas, acabaram por conseguir que as autoridades africanas fossem, pouco a pouco, cedendo parte do território africano às companhias européias. Atrás das companhias vinha o governo, organizando a infra-estrutura para a exploração da colônia, preservando os direitos de exploração do território da concorrência estrangeira e submetendo os nativos “rebeldes”. Assim, em menos de 20 anos, todo o território ao sul do Saara foi submetido ao colonialismo europeu. A França foi um dos primeiros países a conquistar colônias na África. Em 1830, a Argélia foi ocupada com o auxílio da Legião Estrangeira, corpo expedicionário criado pelo governo francês composto por criminosos, desertores, exilados políticos e aventureiros. Em 1844, o Marrocos foi parcialmente submetido ao controle francês e, em 1854, foi a vez do Senegal. Partindo desses pontos, a França avançou para o interior do continente, conquistando a Guiné, o Gabão, uma parte dos territórios do Congo e do Sudão. Em 1910, esses territórios formavam a África Ocidental Francesa. Na mesma época, Madagascar e Tunísia forma incorporadas ao Império Colonial Francês, apesar da disputa com a Itália pela Tunísia. O projeto colonial inglês, definido na expressão “do Cairo ao Cabo”, era unificar numa única colônia todos os territórios compreendidos entre a colônia do Cabo (sul da África) e o Egito (Norte da África). A construção do Canal de Suez impulsionou a Inglaterra em direção ao Egito, ,apesar da presença francesa na região. A colonização inglesa no Sul do continente africano foi iniciada por Cecil Rhodes, que explorava as reservas de outro e diamantes encontradas nessa região. Em 1888, a companhia dirigida por ele iniciou a conquista da Rodésia. Entre 1888 e 1891, Quênia, Somália e Uganda foram incorporados ao Império Britânico. Em 1899, os ingleses tomaram o Sudão da França e o Transvaal dos bôeres, população de origem holandesa que lá estava desde o século XVIII. Mas as pretensões coloniais inglesas esbarravam em um empecilho: a Alemanha, que reclamava para si o território de Zanzibar. Além dessa colônia, os alemães haviam conquistado, entre 1884 e 1885, os territórios de Camarões,

Togo e Namíbia (Sudoeste Africano). Não podemos esquecer que Portugal, havia muito tempo, tinha colonizado a costa de Angola e Moçambique, Guiné-Bissau e as ilhas de Cabo Verde. A região central do continente africano era disputada por vários países europeus. Para decidir a questão, foi organizado um Congresso internacional em Berlim (18841885). Foi a denominada Conferência de Berlim O congresso reconheceu a soberania belga sobre o Congo, garantindo a liberdade de comércio para todos os países ali presentes. A ocupação desse território foi um das mais sangrentas da história do colonialismo europeu. A população local foi escravizada, milhares de pessoas morreram de fome devido aos trabalhos forçados, às doenças trazidas pelos brancos e aos massacres coletivos promovidos contra as aldeias que se rebelavam.

O RESULTADO DA COLONIZAÇÃO No final do século XIX, praticamente todo o mundo estava dividido e dominado pelas potências imperialistas da Europa Ocidental. Em geral, os povos conquistados eram sociedades praticamente auto-suficientes, com uma produção capaz de suprir suas necessidades. A penetração do capitalismo nessas regiões quebrou esse equilíbrio. As colônias tinham, para os conquistadores, funções econômicas específicas: suprir a metrópole de matérias-primas necessárias e absorver grande parte do capital excedente na metrópole. Para atender à primeira função, os nativos tiveram de sacrificar suas plantações de subsistência e passar a trabalhar nas plantações de produtos que interessavam à metrópole como matéria-prima. Em segundo lugar, toda a economia dos países colonizados foi reestruturada em função das novas necessidades criadas pelos investimentos das atividades de exportação: ferrovias foram construídas, ligando o interior aos portos, sem respeitar as necessidades de integração regional de cada continente. Mas não foi só na Ásia e na África que o neocolonialismo aconteceu. As potências imperialistas disputavam também o mercado que os países independentes da América Latina ofereciam.

O IMPERIALISMO NA AMÉRICA LATINA Como a Ásia e a África, a América Latina também foi alvo dos interesses imperialistas. A Guatemala, por exemplo, perdeu parte do seu território para a Grã-Bretanha, que em 1862 ali fundou as Honduras Britânicas (atual Belize), visando a exploração das riquezas da floresta tropical da Colônia. Um ano antes, o México sofrera intervenção militar da França, Grã-Bretanha e Espanha, quando seu presidente declarou que não pretendia pagar a dívida externa do país. Forças militares daqueles países derrubaram o governo republicano do México e colocaram no poder o príncipe Maximiliano de Habsburgo, irmão do imperador da Áustria. Seu governo favoreceu os negócios estrangeiros no país. Mas os mexicanos reagiram: em 1867, derrubaram a monarquia, fuzilaram Maximiliano e restauraram a mo102


narquia. Depois de uma guerra com o México, os Estados Unidos anexaram um vasto território, antes pertencentes aos mexicanos. Esse foi apenas o começo de uma longa história de intervenções norte-americanas na América Central. A partir de 1870, aproximadamente, os Estados Unidos passaram a incursionar na região do Caribe, dominando-a completamente. Os Estados Unidos também violaram a soberania das nações latino-americanas, especialmente na presidência de Theodore Roosevelt (1901-1908). Seu governo adotou uma política imperialista agressiva em defesa dos grande grupos capitalistas norte-americanos. Foi a política do big Stick (“grande porrete”), responsável pela intervenção militar na América Central e no México. Nessas regiões, empresas norte-americanas possuíam grandes propriedades, das quais extraíam metais, petróleo, carvão e onde produziam gêneros tropicais (algodão, banana, cana-de-açúcar etc.). Um exemplo do intervencionismo norte-americano foi o caso do Panamá, na época território da Colômbia. O canal tinha grande importância estratégica, pois permitiria encurtar as viagens entre os oceanos Atlântico e Pacífico, além de ser uma fabulosa fonte de rendas, devido às taxas de travessia. Interessados em se apoderar do controle do canal, os Estados Unidos trataram de estimular a independência em relação à Colômbia, a qual ocorreu em 1903. Em troca de seu apoio, os norte-americanos receberam o controle sobre a Zona do Canal (mantido até 2000). Se a América Central e o Caribe eram áreas de interesses dos americanos, a predominância da Inglaterra sobre a América do Sul vinha desde o período das lutas pela independência. Os maiores investimentos ingleses se concentravam na exploração de matérias-primas. O salitre, obtido no Chile e na Bolívia, e o guano, do Peru, eram explorados por companhias inglesas. A Grã-Bretanha agiu de modo semelhante nos países sul-americanos: oferecia enormes empréstimos, muito acima da capacidade de pagamento dos países devedores. Endividados, os governos acabavam se sujeitando aos bancos e empresas britânicas, cujos interesses eram obter matériasprimas a baixo custo e vender produtos industrializados. Dessa forma, ao iniciar o século XX, os países latino-americanos estavam sob a dependência econômica e financeira das potências imperialistas. Assim as interferências na América do Sul garantiram a

dependência econômica das ex-colônias ibéricas em relação à Inglaterra.

CAPITALISTAS E OPERÁRIOS Depois de revolucionarem a fabricação de produtos, a energia a vapor e o ferro foram a-proveitados no setor dos transportes, originando duas importantes invenções: o navio e a locomotiva a vapor, que permitiam transportar com rapidez e em grande quantidade pessoas e mercadorias. A mecanização dos transportes encurtou distâncias, barateou os custos dos produtos e teve grande importância para o desenvolvimento das indústrias e da economia. No século XVIII, poucos homens de negócio possuíam capital para construir fábricas, comprar máquinas, contratar trabalhadores e adquirir matéria-prima. Os que possuíam esse capital, os chamados capitalistas, lucravam muito com a produção industrial, que se baseia no trabalho assalariado e na livre concorrência. Nele os meios de produção pertencem ao capitalista. Em comparação com o trabalho humano, as máquinas eram muito vantajosas: produziam mais, com maior rapidez, sempre no mesmo ritmo e intensidade. O trabalhador tornou-se operário: não era dono das ferramentas, executava uma tarefa repetitiva e, pelo esforço físi-co despendido, recebia um salário, sempre muito baixo. Suas condições de trabalho eram degradantes: jornadas longas (de 12 a 16 horas de trabalho) sob ritmo acelerado, disciplina rigorosa, ambientes sujos, barulhentos e sem ventilação adequada, ameaça constante de dis-pensa sem nenhum direito, exploração do trabalho de mulheres e de crianças (a partir dos 05 anos de idade). Sem leis para protegê-los, os operários organizaram sociedades que, mediante uma taxa, socorriam os trabalhadores em caso de doença, desemprego ou morte (pagavam o funeral). Essas sociedades se espalharam a partir de 1793, mas foram proibidas em 1799. Embora clandestinas, elas continuaram se formando em todo país, e, em 1824, o governo inglês aca-bou por legalizá-las. Os novos e ricos industriais levavam uma vida semelhante à dos nobres, mas não tinham poder político. Os cargos políticos e o direito de voto eram exclusivos da nobreza e dos pro-prietários rurais que dirigiam o Parlamento. A situação só se modificou pela lei de 1832 que estendeu o direito de voto à burguesia ou a quem comprovasse ter uma propriedade. Já a imensa classe operária permaneceu, por muito tempo, excluída do eleitorado.

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federalismo, e os militares, que desejavam fortalecer o poder central. O período republicano no Brasil pode ser dividido em cinco fases, quiçá:

Brasil República. Uma nova ordem política. A mesma estrutura econômica. A REPÚBLICA VELHA (1889-1930) INTRODUÇÃO. Definição Conceitual - República: sistema de governo em que o supremo poder é exercido, durante tempo limitado, por um ou mais indivíduos eleitos pelo povo. A instalação do sistema republicano no Brasil, como já vimos, foi feita sem a participação popular, liderada pela aristocracia rural cafeeira e pelos militares. A amizade que o marechal Deodoro da Fonseca devotava ao imperador suscita algumas dúvidas a respeito de suas reais intenções ao assumir o comando das tropas e tomar o quartel-general. Pretendia ele realmente acabar com a monarquia ou apenas forçar a mudança do ministério, isto é, modificar a orientação governamental sem, contudo, derrubar o regime? Parece certo que o marechal Deodoro foi, de alguma maneira, envolvido pelos acontecimentos. Os defensores da causa republicana, como os militares Benjamin Constante Sólon Sampaio Ribeiro, teriam convencido o velho e doente marechal a tomar a decisão final como única alternativa possível para evitar uma revolução, prenunciada pelas aclamações republicanas de militares e civis concentrados no Campo de Santana. O fato é que, no dia 16 de novembro de 1889, o Diário Oficial estampou a notícia da proclamação da república e da organização do Governo Provisório. Na verdade, além de pequenos incidentes, não houve reação à proclamação da república. Também não houve grandes manifestações populares de apoio. O povo ficou distante, alheio ao que se passava. Isso se deve ao fato de o movimento republicano ter resultado principalmente da ação de grandes proprietários, que tinham interesse em ocupar o poder por meio do regime republicano. O exército foi utilizado como força capaz de derrubar a monarquia, especialmente por sua insatisfação com o governo. O regime mudou, mas o Brasil continuou sendo um país dominado pelo latifúndio e pelo imperialismo. O capitalismo era agrário, subordinado, atrasado e selvagem. A proclamação da República foi articulada pelos partidos republicanos, unidos aos militares de tendência positivista. Mas, logo que objetivo foi atingido, ocorreu uma cisão entre os “republicanos históricos”, que defendiam o

A República Velha (1889-1930);

O Estado Novo (1930-1945);

O Período Populista (1945-1964);

O Regime Militar (1964-1985);

• A Redemocratização, ou Nova República (1985-até os dias de hoje).

O GOVERNO PROVISÓRIO Proclamada a República, formou-se o Governo provisório com o Marechal Deodoro da Fonseca como chefe do governo. O Governo Provisório, cuja presidência coube ao marechal Deodoro da Fonseca, tratou logo de organizar o novo regime. Passou a governar por decretos-lei (atos legislativos do Poder Executivo), até que fosse promulgada a nova constituição, pois a de 1824 deixara de vigorar comi a proclamação da república. Uma das primeiras medidas do Governo Provisório, ainda no dia 16 de novembro foi o banimento da família imperial, que deixou o Brasil na madrugada do dia 17. Esse ato seria revogado em 1921, quando os restos mortais do imperador e de sua esposa foram trazidos para a catedral de Petrópolis. As outras medidas foram: a instituição do regime federativo; transformação das províncias em Estados Federados; mudança do nome do país para Estados Unidos do Brasil; grande naturalização; separação entre o Estado e a Igreja; instituição do casamento e do registro civil; dissolução da Câmara de deputados e do senado; convocação de uma Assembléia constituinte.

O Encilhamento. Entre todas as medidas adotadas pelo governo Provisório, destaca-se o Encilhamento, que se caracteriza por se tratar de uma política emissionista, dividindo o Brasil em zonas e autorizando a cada uma delas um banco emissor, localizados na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. O objetivo desta medida era, além de suprir a falta de moedas necessárias para o pagamento dos assalariados, era também expandir o crédito a fim de estimular a criação de novas empresas, visando a industrialização. Mas a emissão desenfreada de papel-moeda acarretou uma inflação incontrolável, e ao invés de aumentar o meio circulante e estimular a criação de empreendimentos que promovessem a produtividade do país, resultou em uma grande especulação.

A Constituição de 1891. A primeira Constituição Republicana inspirada no modelo norte-americano e aprovada pela Assembléia Constituinte tinha as seguintes características: República Representativa Federativa Presidencialista; a existência de três poderes (executivo, legislativo e o judiciário); direito de voto reservado aos maiores de 21 anos, com a exceção de 104


mulheres, analfabetos, soldados e padres; voto descoberto; subsolo pertencente ao proprietário do solo; confirmação da separação entre o Estado e a Igreja; liberdade de Culto religioso.

A REPÚBLICA DA ESPADA A eleição do Marechal Deodoro da Fonseca A Assembléia Constituinte, após a elaboração da Constituição, transformou-se em Congresso Nacional, encarregado de eleger o primeiro presidente da república. Candidatos: Deodoro da Fonseca (Presidente) e Eduardo Wandenkolk (vice-presidente) contra Prudente de Morais (Presidente) e Floriano Peixoto (vice-presidente). O Congresso Nacional, mesmo contrário a Deodoro é coagido a elegê-lo. Prudente de Morais, que tinha a maioria do Congresso e é derrotado. mas seu vice Floriano Peixoto é eleito. Deodoro não pode governar com um Congresso que lhe era hostil. Para contrabalançar busca apoio dos governos, mas contra ele atuou o mais poderoso estado - São Paulo - e o mais poderoso partido - o PRP (Partido Republicano Paulista). Em 03 ele novembro de 1891, sem levar em conta a proibição constitucional, Deodoro fechou o Congresso e decretou estado de sítio para neutralizar qualquer reação e tentar reformar a Constituição, no sentido de ampliar os poderes do Executivo. O golpe ele estado fracassou. As oposições tanto de militares quanto de civis cresceram. Elementos da Marinha ameaçavam bombardear o Rio de janeiro caso o Presidente não renunciasse (a 1ª Revolta da Armada). Pressionado e temeroso de tinia guerra civil, Deodoro renuncia e assume o vice Floriano Peixoto.

O Governo de Floriano Peixoto (1891-1894) - O Marechal de Ferro Os primeiros atos de seu governo foram a anulação do decreto que dissolveu o Congresso Nacional, a derrubada dos Governos estaduais que haviam apoiado Deodoro, o controle da especulação de gêneros alimentícios através de seu tabelamento. Tais medidas desencadearam violentas reações contra Floriano. Para agravar ainda mais a situação, muitos políticos alegavam que sua presidência era ilegal, já que o artigo 42 da Constituição dizia que, se por qualquer causa um presidente se ausentasse do poder nos primeiros dois anos (o que aconteceu com Deodoro), novas eleições deveriam ser realizadas. Assumindo a Presidência sem convocar eleições, Floriano estava no poder de forma inconstitucional. Contra as pretensões de Floriano, treze generais e almirantes do Exército e da Marinha lançaram um manifesto (abril de 1892), exigindo a imediata realização elas eleições presidenciais, como mandava a Constituição. Floriano reagiu afastando os oficiais da ativa e reformando-os.

A REVOLTA DA ARMADA

A firmeza ele Floriano em não convocar novas eleições frustrou os sonhos do contra almirante Custódio de Melo, que ambicionava a presidência. E assim, por uma questão de pura lealdade pessoal, e não por razões políticas e ideológicas. as Forcas Armadas dividiram-se. Custódio foi levado a liderar uma rebelião que sublevou grande parte ela Armada (1893).

A REVOLUÇÃO FEDERALISTA DO SUL A luta pelo poder colocava frente a frente as duas maiores facções de grandes proprietários de terras do Rio Grande do Sul. De um lado os federalistas (“maragatos”), que exigiam uma reforma na Constituição do estado e a implantação do Parlamentarismo. De outro os “pica-paus”-, apoiados por Floriano, que queriam a centralização. A revolta tornou-se violenta, ganhando características ele guerra civil. o Partido Republicano (“maragatos”) se uniu à Armada rebelde de Custódio, avançando até o Paraná, através de Santa Catarina. Contra as rebeliões armadas, Floriano reagiu energicamente graças ao apoio do Exército e do Partido Republicano Paulista. Fortalecido pelas campanhas contra os rebeldes, Floriano consolidou seu poder e passou a ser conhecido por Marechal de Ferro. Por essa razão, supunha-se que ele não passaria o poder a seu sucessor, mas tentaria instaurar uma ditadura. Ante essa possibilidade, articulou-se o Partido Republicano Paulista que representava os interesses da burguesia cafeeira de São Paulo, apresentando seu próprio candidato: o fazendeiro Prudente de Morais.

A REPÚBLICA OLIGÁRQUICA PRUDENTE DE MORAIS (15/11/1894 – 15/11/1898). Prudente de Morais foi o primeiro civil eleito presidente do Brasil e representava, justamente, os setores agrícolas ligados à produção e comercialização do Café. Foi o primeiro de uma série de fazendeiros de café que exerceram a presidência e, além da grave crise econômica, enfrentou a Guerra de Canudos. Com a burguesia cafeeira paulista no poder, terminava o período da República da Espada e iniciava a República Oligárquica, formada pelos grandes proprietários rurais de cada estado, que assumia o controle completo da nação, sob a hegemonia da burguesia cafeeira paulista. Durante o seu governo, procurou atingir dois objetivos principais. O primeiro foi a recuperação da economia, que ainda sofria as conseqüências da crise provocada pelo Encilhamento, através da revalorização da agricultura e das boas relações com o capitalismo internacional. O segundo objetivo foi conseguido em duas partes: a pacificou o sul do país concedendo anistia aos revoltosos da chamada Revolução Federalista. Neste sentido, podemos dizer que no seu governo o Brasil manteve-se agrário, monocultor, latifundiário e exporta105


dor de produtos primários, o que fez que o país, continuasse subordinado economicamente ao capital estrangeiro.

CAMPOS SALES (15/11/1898 – 15/11/1902) Outro grande fazendeiro paulista, Manuel Ferraz de Campos Sales foi vaiado ao deixar a presidência da República. A razão da vaia foi sua política econômica, que havia tornado mais difícil a vida da população. Juntamente com seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, Campos Sales acreditava que a origem dos problemas econômicos do país era a moeda desvalorizada, Ao mesmo tempo que procurou fazer a valorização da moeda, Campos Sales renegociou nossa dívida externa através de um acordo chamado funding loan, segundo o qual os credores concederam novos prazos para o pagamento dos empréstimos. As exigências dos banqueiros para assinar o acordo foram pesadas, mas o presidente brasileiro aceitou-as, vendo nelas a única maneira de sanear a moeda. Campos Sales achava que a política era um privilégio das elites, gente que tinha tradição, posses, dinheiro. Formulou sua política com base nas elites minoritárias estaduais, as oligarquias que controlavam os governos dos estados. Era a chamada política dos governadores, que consistia numa troca de favores entre o governo federal e os governos estaduais: os governos dos estados apoiavam o presidente, principalmente sua política econômica, e ele concedia tudo o que os governos estaduais pediam. Uma “democracia” sem povo, contra as classes médias e os trabalhadores. Logo de início, suspende o auxílio à indústria, mantendo o Brasil especializado na exportação de produtos agrícolas e importando bens de todo tipo. Meta econômica que era apoiada pelas potências industrializadas. Com ele, vingava a velha e enganadora tese: “O Brasil essencialmente agrícola”. Quando Campos Sales assume a presidência, a situação financeira do país era crítica: inflação, queda brusca do preço do café nos mercados internacionais. Com o objetivo de restaurar as finanças da república, o seu Ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, negociou com banqueiros estrangeiros o Funding Loan: renegociação da dívida externa brasileira. O Brasil teria direito a 10 milhões de libras. Os juros da dívida só começariam a ser amortizados dali a três anos. O pagamento elas dívidas teria um prazo de 13 anos para se iniciar e 63 anos para se liquidar. O governo recolheria e queimaria a quantidade de moeda referente ao valor do empréstimo (baixar o índice da inflação). A garantia de pagamento correspondia a toda a renda da alfândega do Rio de janeiro, às receitas da Estrada de Ferro Central do Brasil e do serviço de abastecimento de água do Rio de Janeiro.

A POLÍTICA DOS GOVERNADORES A “política dos governadores” de 1898 a 1902, correspondeu ao mandato de Campos Sales, que foi o mecanismo pelo qual a oligarquia cafeeira se impôs e foi montada. Tratava-se da política dos governadores, que consistiu em adaptar a república aos interesses dos fazendeiros de café;

mais do que isso, em ajustar o federalismo de modo a propiciar o domínio nacional aos grandes estados e dos grandes partidos republicanos: o paulista e o mineiro. No plano institucional, essa questão se refletia na oposição entre o legislativo e o Executivo e nas relações conflitivas entre o poder central e o poder estadual. Campos Sales procurou atacar o problema de frente. Não desejando atuar com um Congresso Nacional hostil, buscou a fórmula pela qual obteria o seu apoio. Essa fórmula chamava-se “política dos governadores” e consistia no seguinte: o presidente da República apoiaria, com todos os meios a seu alcance - através da Comissão de Verificação - , a oligarquia dominante de cada estado; em troca, essa mesma oligarquia garantiria a eleição, para o congresso, de candidatos oficiais.

A Comissão de Verificação Formada por deputados, fazia o reconhecimento dos poderes, isto é, dava ao resultado das eleições o caráter legal, oficial. O presidente da República podia, através da Comissão de Verificação, legalizar qualquer resultado que conviesse às oligarquias estudais dominantes.

RODRIGUES ALVES (15/11/1902-15/11/1906) Francisco de Paula Rodrigues Alves foi mais um grande fazendeiro do café, também de São Paulo, a ocupar a Presidência. Mas seu governo foi considerado progressista: além de entregar ao sucessor a economia como a recebera, com as finanças estabilizadas, Rodrigues Alves modernizou o Rio de janeiro, alargando praças, construindo avenidas, melhorando o porto; com a colaboração de Osvaldo Cruz erradicou quase completamente a febre amarela da capital federal; comprou o Acre. Dinheiro não faltava, pois sua presidência coincidiu com o apogeu do ciclo da borracha.

AFONSO PENA (15/11/1906-14/06/1909) Mineiro, Afonso Augusto Moreira Pena assumiu a presidência com o apoio dos fazendeiros e exportadores de café. Embora sonhasse com a industrialização do Brasil, esqueceu rapidamente tais sonhos e empenhou-se a fundo na valorização do café. Assim, iniciou uma política de compra e retenção do café pelo governo para forçar a alta dos preços do produto, como veremos adiante. Outras iniciativas importantes do governo de Afonso Pena foram as ligações ferroviárias São Paulo-Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro-Espírito Santo, o estímulo à imigração, a fundação do Instituto Soroterápico de Manguinhos (depois, Instituto Osvaldo Cruz).

NILO PEÇANHA (14/06/1909-15/11/1910) Afonso Pena morreu antes do término do seu governo, assumindo a presidência o vice-presidente Nilo Procópio Peçanha. Este, além de criar o Serviço de Proteção ao índio (SPI), entregando a direção ao coronel Cândido Rondon, presidiu a uma acirrada campanha eleitoral, em que se defrontaram o marechal Hermes da Fonseca e o civilista Rui Barbosa. Acabou vencendo o Militar, que estava mais entrosado com os interesses dos fazendeiros de café, apesar 106


de Rui Barbosa haver conquistado o eleitorado urbano, que desejava reformas econômicas e políticas. Contra o coronelismo, ninguém podia!

HERMES DA FONSECA (15/11/1910-15/11/1914) Apesar do apoio das oligarquias estaduais e de grupos militares, Hermes Rodrigues da Fonseca teve um governo bastante tumultuado. Insultado e ridicularizado pela imprensa e pelo anedotário popular, que o colocava no extremo oposto de Rui Barbosa, “o homem mais inteligente do Brasil”, o marechal Hermes enfrentou a revolta dos marinheiros contra os castigos físicos e a Guerra do Contestado, no Sul do país. Em seu governo, a instabilidade política e a decadência da borracha da Amazônia provocaram a retração dos capitais estrangeiros.

VENCESLAU BRÁS (15/11/1914-15/11/1918) Venceslau Brás Pereira Gomes governou durante a Primeira Guerra Mundial, que trouxe como conseqüência a queda temporária das importações e um pequeno surto industrial, para substituir os produtos que deixaram de vir do exterior. Além de diversas brigas pelo poder em vários estados, que chegaram a ter dois governos cada um (Rio de Janeiro, Espírito Santo, Alagoas e Piauí) e da continuação da Guerra do Contestado, Venceslau Brás enfrentou greves de trabalhadores em todos os estados do Sul, a seca de 1915, que foi arrasadora, e a gripe espanhola - conseqüência da guerra - que matou 18 mil pessoas só na capital federal.

a afirmar, após deixar o cargo: “Como presidente da República, eu fui apenas um chefe de polícia”. O presidente conseguiu convencer o Congresso a reformar a Constituição de 1891, fortalecendo o Poder Executivo, limitando o Habeas-Corpus e facilitando a expulsão de estrangeiros considerados perigosos. O alvo principal eram os trabalhadores estrangeiros, que estavam organizando o meio operário em busca de melhores salários e melhores condições de trabalho.

WASHINGTON LUÍS (15/11/1926-24/10/1930) Washington Luís Pereira de Sousa preocupou-se em construir estradas e reformar as finanças. Entretanto, a situação econômica e política não estava boa. O descontentamento era generalizado, mesmo entre as Forças Armadas, onde muitos jovens oficiais, alguns exilados em razão das revoluções anteriores, julgavam que a corrupção era o principal problema do regime e se dispunham a combatê-la.

Situação Econômica da República Velha A POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DO CAFÉ (O CONVÊNIO DE TAUBATÉ)

DELFIM MOREIRA (15/11/1918-28/07/1919)

Durante a República Velha, o Brasil continuou a ser um país agrário, extremamente dependente do café. Contudo, em 1895, houve uma crise estrutural do café: crise de superprodução. Ou seja, a oferta era maior do que a procura, o que ocasionara uma queda no preço, afetando diretamente os produtores.

Em 1918 foi eleito novamente Rodrigues Alves, que adoeceu e morreu antes de tomar posse, vítima da gripe espanhola, que levou à morte cerca de trezentos mil brasileiros. Assumiu o vice-presidente, Delfim Moreira, que governou até que fossem feitas novas eleições. Saiu vencedor Epitácio Pessoa, senador da Paraíba, que as oligarquias do Sul lançaram e apoiaram com todo o seu peso contra Rui Barbosa, que voltara a se candidatar e tornou a perder.

A solução encontrada pelos fazendeiros de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro foi firmar um acordo para valorização do produto, era o Convênio de Taubaté (1906) que determinava: controlar a produção, evitando a expansão de novas lavouras; controlar o mercado de café, obrigando o governo a comprar e reter o produto quanto necessário, para forçar seus preços; buscar empréstimos internacionais para financiar a compra dos estoques.

EPITÁCIO PESSOA (28/07/1919-15/11/1922)

Este convênio trouxe sérios problemas para a economia nacional, pois inibiu o surgimento de novas indústrias e a diversificação da economia, além de gerar um crescimento astronômico de nossa dívida externa.

Epitácio da Silva Pessoa deu especial atenção ao Nordeste, onde foram construídos, em seu governo, 205 açudes, 220 poços e 500 quilômetros de estradas de ferro. Entretanto, a situação do Nordeste continuou a mesma, e as aparentes tentativas de solução de problemas, como o da seca, por parte do governo, não produziram resultados. Ainda hoje, para os grandes proprietários rurais a seca chega a ser fonte de renda, pois recebem ajuda governamental, empréstimos a juros baixos e incentivos fiscais. Os últimos meses do governo de Epitácio Pessoa foram particularmente agitados, pois Artur Bernardes, apesar da forte oposição em meios militares e civis, conseguiu ser eleito presidente da República.

ARTUR BERNARDES (15/11/1922-15/11/1926) O governo de Artur da Silva Bernardes transcorreu inteiramente sob estado de sítio, em meio a constantes agitações e revoltas políticas, que levaram o próprio Bernardes

O Convênio de Taubaté foi a primeira intervenção do Estado republicano na Economia, mas em favor das oligarquias cafeicultoras.

BORRACHA Enquanto o café se expandia, surgiu o segundo produto mais importante na pauta de exportação brasileira. Os índios já usavam a borracha, produzida do látex extraído da seringueira, para fazer calçados, bolas, utensílios. A indústria a descobriu 1770, quando fabricou as primeiras borrachas para apagar lápis. A partir de 1890, com o aumento da produção de automóveis, a matéria prima dos pneus (pneumáticos) ganhou importância. A produção do Brasil, dono da maior reserva de seringueiras do mundo, passou de 31 toneladas em 1827 para a média anual de 34 000 toneladas entre 1901 e 1910, chegando ao máximo em 107


1912: 42 000 toneladas, ou quase 40% da exportação total do país. Essa explosão trouxe à Amazônia luxo e riqueza para os seringalistas e doenças e miséria para os seringueiros. A população, de 476 000 habitantes em 1890, subiu para 1100 000 em 1906. Em 1912, veio a derrocada, rápida e avassaladora. A forma de exploração da borracha explica sua decadência: avançou em etapas, do Pará ao Acre. Ali se deu um episódio que merece ser mencionado. 0 Acre pertencia à Bolívia desde 1777. Em 1903, brasileiros chefiados por Plácido de Castro venceram tropas bolivianas enviadas contra eles e proclamaram a independência do Acre. A gravidade da situação tinha um componente especial: a Bolívia havia arrendado a exploração da borracha na região para a empresa americana Bolivian Syndicate. Rodrigues Alves mandou o Exército ocupar a região e propôs um tratado à Bolívia. 0 Barão do Rio Branco conduziu as negociações. Pelo Tratado de Petrópolis, a Bolivian Syndicate recebeu 110 000 libras esterlinas; a Bolívia, 2 milhões, mais a ferrovia Madeira-Marnoré, tudo pago pelo Brasil. E assim, o Acre tornou-se brasileiro. A exploração da borracha, tal como se dá até hoje, era rudimentar. No meio da floresta, extraísse da seringueira o látex, que se defuma e enrola, para ser entregue ao seringalista. O trabalhador recebe um salário magro e, ao fim de certo tempo, ele acumula dívidas no barracão e acaba preso ao patrão. A forma primitiva de exploração acarreta baixa produtividade a custo elevado. Os ingleses, no fim do século XIX, levaram mudas de seringueiras para suas colônias de Ceilão e Singapura. 0 resultado seria desastroso para nós. Já em 1919 o mundo produziria 423 000 toneladas de borracha; desse total, caberiam 382 000 ao Oriente e apenas 34 000 ao Brasil. E o que restou foi uma Amazônia arruinada.

CACAU O cacau, também nativo da América e durante o período colonial a maior riqueza da Amazônia, fixou-se no sul da Bahia. Dali, chegou a sair mais de 90% da produção brasileira. Seguindo a regra geral da dependência externa, a produção cresce paralelamente ao desenvolvimento da indústria ao aumento do consumo de chocolate na Europa e nos Estados Unidos. A exportação tomou impulso a partir de 1880, mesma época do início do ciclo da borracha. Nesse ano, a exportação foi de 1 668 toneladas quantia que dobrou no fim da década e cresce em progressão quase geométrica, atingindo as 6 526 toneladas em 1925. Mas aconteceu com cacau a mesma coisa que havia acontecido com a borracha. Os ingleses repetiram a receita, agora na Costa do Ouro, África, que tomou o primeiro lugar da produção mundial, com 40% do total Assim, em 1935, enquanto a Costa do Ouro exportou 260 000 toneladas restou ao Brasil um modesto segundo lugar, com apenas 100.00 toneladas.

AÇÚCAR Substituído nos mercados externos por concorrentes em melhores condições, o açúcar teve pouca expressão nesse

período. A média anual exportada de 133 000 toneladas na década de 1891-1900 baixou a 62 000 em 1911-1920. O Nordeste tentou substituir o mercado externo pelo interno, vendendo para o Sul. Mas as crises do café levaram São Paulo a dedicar-se também à cana; e a produção paulista passou de 96 000 sacas de açúcar em 1894 para mais de 1 milhão em 1930. A situação das velhas regiões produtoras do Nordeste se agravou. A produção começou a ser limitada a partir de 1933 e, depois, controlada pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) que passou a distribuir cotas de produção entre as regiões, além de controlar os preços. A crise gerou a concentração da produção em grandes empresas; as modernas usinas substituíram os velhos engenhos. Os fornecedores de cana perderam importância, pois as usinas passaram a ter produção própria, e não raro se viram obrigados a vender suas terras ao novo senhor do açúcar, o usineiro.

ATIVIDADES INDUSTRIAIS O número de fábricas passou de pouco mais de 600 em 1889 para 3 258 em 1907. Cresceu cinco vezes nos primeiros dezoito anos de República. Um terço das indústrias ficava no Distrito Federal; outro terço se dividia entre São Paulo e Rio Grande do Sul. O setor têxtil ocupava o primeiro lugar, seguido pelo alimentício. Ainda na Primeira República, São Paulo se tornaria o maior centro industrial do país, com cerca de 40% da produção, graças a três fatores importantes: rendas da lavoura cafeeira; a habilitação técnica do imigrante; abundância de energia hidráulica. A primeira usina elétrica paulista, com capitais ingleses, belgas e franceses, começou a funcionar em 1901. A I Guerra Mundial daria grande impulso à indústria. Dos 13 336 estabelecimentos existentes em 1920, nada menos que 5 936 haviam sido fundados durante o conflito. A substituição de importações é apontada como principal causa da explosão industrial,’ pois, com a guerra, muitos produtos pararam de chegar ao país. Ao mesmo tempo, os países litigantes precisavam de mais e mais alimentos, estimulando nova indústria, a de carne congelada. O Brasil, que nem vendia carne antes da guerra, exportou 60 509 toneladas em 1918. A conseqüência direta foi que a indústria de alimentos passou para o primeiro lugar em 1920.

O MOVIMENTO OPERÁRIO Nas primeiras décadas da República, o movimento operário brasileiro refletia o que acontecia na Europa. O imigrante europeu divulgava as idéias de organização e, num primeiro momento, liderou as lutas dos trabalhadores. O movimento operário foi mais intenso em São Paulo e nos Estados do Sul, que concentraram o grosso da imigração e da industrialização. Claro que, apesar da influência européia, o sindicalismo brasileiro tratou de adaptar-se a nossas condições. Os líderes logo perceberam que lutavam aqui por coisas que

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os europeus já haviam conquistado fazia muito tempo. As primeiras greves se voltaram contra os baixos salários, a excessiva jornada de trabalho (de até 16 horas), as péssimas condições de trabalho das mulheres e dos menores de idade. Havia comícios e passeatas na tentativa de atrair a simpatia da população para as reivindicações. Ficaram famosas na São Paulo de 1910-1920 as marchas dos grevistas de bairros distantes, como lpiranga ou Mooca, rumo ao Largo da Concórdia, no Brás, ou à Praça da Sé, no centro. O movimento de 1917 teve um aspecto curioso: grevistas paulistas e cariocas procuravam convencer os soldados de que também eram povo e explorados. Eles tentavam repetir o que havia acontecido na Rússia, quando tropas tzaristas aderiram aos revolucionários de outubro de 1917. Este ano foi mesmo especial para o movimento operário em todo o mundo: a Revolução Russa criava o primeiro país socialista da História. No Brasil, as greves se intensificaram. Pela primeira vez houve uma greve geral, em São Paulo. Participaram todas as categorias profissionais. O comércio fechou; os transportes pararam; o governo não conseguiu dominar o movimento pela força e chegou a abandonar a cidade. Os grevistas comandaram São Paulo durante um mês. A greve só terminou quando jornalistas e deputados serviram de intermediários e o governo prometeu atender às reivindicações sem punir os trabalhadores. A promessa não foi cumprida. Em 1920, para 500 000 operários existentes no país, havia mil sindicatos, o que mostra o espírito de luta e de organização dos trabalhadores. A questão social sempre tinha sido considerada “questão de polícia”: os governantes consideravam a greve não um direito, mas um crime contra a pátria. Os grevistas eram presos e, quando imigrantes, expulsos do país. A partir de 1907, quando saiu a primeira Lei de Expulsão do Estrangeiro, a luta operária se voltou também contra a deportação de seus líderes mais experientes. Os anarquistas imigrados da Europa exerceram papel decisivo nesses movimentos. Lembremos que, já na revolta contra a vacina obrigatória em 1904, a bandeira deles tremulou nas manifestações. Uni fato bastaria para dar idéia de sua intensa atuação para a organização dos trabalhadores: circularam 334 jornais anarquistas durante a República Velha. Período em que também veio do Velho Mundo um dos principais impactos sobre a economia do país: a I Guerra Mundial, gestada justamente enquanto a República brasileira lutava para se consolidar.

O CORONELISMO Apesar da Proclamação da República, a democracia representativa era uma farsa. 0 povo não escolhia ninguém. Quem mandava eram os coronéis. O predomínio do localismo - base do coronelismo - teve suas raízes no período colonial, quando várias unidade se relacionavam diretamente com a metrópole, ignorando por completo os laços geográficos que as prendiam no mesmo espaço. O Coronel, no Império, era um título concedido pela Guarda Nacional. Com o tempo, mas sobretudo após a mu-

dança de regime e o fim da Guarda, coronel passou a significar latifundiário, o grande proprietário rural, que dominava a política e a economia do município ou da região. Em geral ele resolvia as disputas pela força das armas. Vencia quem tivesse mais jagunços, mais armas e mais disposição para a briga. A maior parte da terra se dividia em grandes propriedades, os latifúndios. Colonos, meeiros e posseiros não tinham terras. Dependiam do coronel para tudo: plantar, ir ao médico e até aprender a ler e escrever. O coronel tinha com a população de sua área um compromisso total, em todos os planos: no econômico: a sobrevivência dependia da boa vontade do coronel, que mandava em tudo; no social: o coronel chefiava a grande família, formada por toda a população dependente dele; era protetor, juiz, compadre, padrinho, organizador das festas, conselheiro; no político: dono da área, o coronel controlava os votos de seus protegidos, que iam para quem ele mandasse; eram os votos de cabresto ou de curral. O coronel controlava médicos, advogados, professores, padres. Os grupos formados pelos principais coronéis regionais e por suas famílias constituíam as oligarquias estaduais, que dominavam os governos dos Estados. No Ceará, por exemplo, durante anos dominou a família Acioli. Em certa ocasião, sendo Nogueira Acioli presidente do Estado e José Acioli secretário do Interior, contavam-se dezenas de parentes deles em cargos de destaque - desde deputados, senadores e comandantes militares até funcionários dos Correios, da Higiene Pública ou da Inspeção Veterinária. Essas oligarquias trocavam favores com o governo federal, por sua vez nas mãos de alguma oligarquia estadual. Nove dos onze presidentes eleitos até 1930 representavam São Paulo ou Minas Gerais. Em troca de votos para a oligarquia dominante no Estado, o coronel local conseguia dinheiro para realizar obras no município. Em troca de votos para a oligarquia que dominava o governo federal, as oligarquias estaduais recebiam dinheiro para obras no Estado. Era um sistema de compromisso. Democracia não passava de uma palavra falada pelos “doutores”. A lei eleitoral sempre estimulou o voto secreto. Entre 1896 e 1916, o eleitor podia optar pelo voto a descoberto. De um ou de outro jeito, a fraude era a regra geral. Os jornais publicavam as cédulas, para cada eleitor recortar a de seu candidato. Mas o comum era a cédula ser entregue já fechada aos eleitores, que os cabos eleitorais acompanhavam até a boca da urna. Entre as fraudes mais comuns, podemos destacar: os correligionários votavam mais de uma vez, usando títulos de pessoas ausentes ou mortas, com conivência das mesas, já que o título não continha a foto do eleitor; os mesários rasuravam as atas, escritas a bico-de-pena, raspando-as com canivete ou lixa; através do bico-de-pena falsificava-se assinaturas (o que se percebia quando eram encontrados erros ou grafias diferentes - é inadmissível que a pessoa escreva errado seu próprio nome - ou quando se encontravam grupos de assinaturas nitidamente traçadas pelo mesmo punho; livros novos a cada 109


eleição (os livros deveriam ser usados até que se esgotassem suas páginas); isto permitia o “esguicho”, modalidade do bico-de-pena: conhecidos os números parciais de uni distrito eleitoral, trocava-se o livro para que, numa conta de chegar, a nova ata contivesse o número de votos corretos.

começou a pregar. Reuniu em torno de si um número crescente de fiéis, muitos deles expulsos de suas terras pelos coronéis. Em 1893, dá-se o primeiro choque com a polícia: Antônio queimou os editais de cobrança de impostos municipais, determinada pelo governo federal.

Por toda parte, muitos candidatos ganharam eleições a bico-de-pena, longe dos olhares dos fiscais e dos eleitores.

Perseguidos, ele e seus seguidores se refugiaram em Canudos. De 1893 a 1897, 30 000 sertanejos, liderados por Conselheiro, viveram em comunidade, plantando e criando rebanhos.

As Rebeliões da República Velha Ao abolir o trabalho escravo no Brasil, a elite não tocou no grande propriedade agrária. Ou seja, manteve intacta a estrutura do Latifúndio. A situação social do camponês não se alterou. Com o agravamento das dificuldades econômicas, ele teve de se contorcer para se manter vivo. Muitos não aceitaram esta situação e rebelaram-se. Outros, serviram como massa de manobra nas mãos de fanáticos religiosos. Enquanto as oligarquias se mantinham no poder graças a eleições fraudadas, onde estava o povo? A maioria vivia em estado de extrema pobreza, sem terra e sem garantias de vida. No Nordeste, a situação era pior; calamidades naturais agravavam a miséria decorrente da estrutura latifundiária. A seca dos dois setes (18771879) matou 300 000 nordestinos. Muitos se uniam para saquear e assaltar, formando bandos de cangaceiros, assunto de um de nossos próximos capítulos. Outros se reuniam em torno de um beato, um homem santo, para esquecer os males deste mundo ou mesmo lutar contra as autoridades, que aplicavam “a lei do diabo”. Embora tivessem apoio episódico de coronéis, uns e outros foram massacrados pelas oligarquias e pelas forças do governo. As principais revoltas que ocorreram na República Velha, foram: • a Guerra de Canudos (1893-1897); • a Revolta da Vacina (12 a 115 de novembro de 1904) • a Guerra de Contestado (1912-1916); • a Revolta da Chibata (1910); • O Cangaço (1870-1938).

A GUERRA DE CANUDOS (1893-1897)

“Em 1896, há de rebanhos mil correr da praia para o sertão; então o sertão virará praia e a praia virará sertão”.

A profecia de Antônio Conselheiro foi colhida por um então jovem repórter: Euclides da Cunha. Seu testemunho sobre a Guerra de Canudos está no livro “Os Sertões”. O cearense Antônio Vicente Mendes Maciel, Antônio Conselheiro, cedo conheceu a dureza da vida. Sua família foi perseguida por latifundiários, perdeu o pai ainda jovem, teve de abandonar os estudos eclesiásticos, fracassou corno pequeno comerciante, a mulher o abandonou. Em fins da década de 1860 foi para o norte da Bahia e

No sertão nordestino da época, centenas de milhares de pessoas buscavam trabalho em vão. As fazendas empregavam pouca gente e, quando precisavam de reforço, iam às feiras de trabalhadores e escolhiam os mais fortes. Pagavam baixos salários. Canudos passou a ser o paraíso. Rebanhos, pastagens e colheitas pertenciam a todos. Não havia patrões nem empregados, ricos nem pobres. As feiras de trabalhadores desapareciam; iam todos para junto de Conselheiro. A destruição de Canudos tornou-se ponto de honra para as oligarquias e o governo federal: além de idéias religiosas, Conselheiro pregava mensagens políticas. Ele atacava o governo republicano por ter separado Igreja de Estado e ter instituído o casamento civil; queria a volta da Monarquia. Ainda por cima, os milhares de seguidores lhe obedeciam cegamente, inclusive na hora de votar. Foram necessárias quatro expedições militares para derrotar Canudos. A primeira, com cem homens comandados por um tenente, foi vencida em violento corpo-a-corpo. A imprensa baiana noticiava: “os sertanejos são bárbaros”; “Conselheiro, monarquista”. Na verdade, ele estava contra a República porque a culpava pelo estado de miséria do povo. A segunda expedição, com 250 homens comandados por um major, partiu triunfante e voltou arrasada: perdeu mais de cem soldados. Prudente de Morais, indignado, encarregou de uma expedição definitiva, com forças federais, o coronel Moreira César - famoso por crueldades praticadas contra os federalistas em Santa Catarina. Escondidos nas grutas, nas pedras, nos arbustos, buscando o corpo-a-corpo, os sertanejos transformaram a batalha num “salve-se-quem-puder”. Os poderosos canhões lá ficaram, ao lado do corpo de Moreira César. Para o governo federal, era vergonhoso. Mobilizou então 7 000 homens, com três generais no comando e o ministro da Guerra em pessoa dirigindo as operações. Preparou-se a opinião pública: o Exército ia salvar a República. Em 24 de setembro de 1897, Canudos estava cercada. Foram dez dias de lutas, homem a homem. Estas são palavras de Euclides da Cunha sobre o fim de Canudos, em 5 de outubro: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um ve110


lho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados” .

A REVOLTA DA VACINA (12 A 14 DE NOVEMBRO DE 1904) Oswaldo Cruz, diretor da Saúde Pública do Rio de Janeiro, do governo de Rodrigues Alves, havia jurado acabar com a febre, a peste bubônica e a varíola. O jovem médico contrariou a maioria ao perseguir os mosquitos da “febre amarela”. 0 povo, influenciado pela oposição e mal informado, impedia a ação dos mata-mosquitos. Com a varíola, a briga tornou-se séria. O governo decretou a vacina obrigatória; seus adversários alegaram que ele não podia obrigar ninguém a vacinar-se e, mais, que a vacinação de mulheres era um despudor. O povo passou a agredir os vacinadores e o Rio se transformou em campo de batalha. De 12 a 15 de novembro de 1904, os populares tomaram conta da cidade; apedrejaram, saquearam, espancaram policiais e outras autoridades, invadiram quartéis, construíram barricadas e incendiaram bondes. Os líderes eram homens do povo: Pata Preta, João Capoeira, Beiço de Prata, Manduca. Comícios, passeatas, bandeiras vermelhas dos anarquistas, tudo ao embalo de dois hinos: a Marselhesa, da Revolução Francesa, e a Internacional, dos socialistas. No meio do caos, os oposicionistas tentaram sublevar os militares para derrubar Rodrigues Alves. Não conseguiram. A polícia começou a agir. Centenas de pessoas foram desterradas para o Acre. Milhares confinadas nas cadeias. Anarquistas estrangeiros foram expulsos do país. O historiador Joel Rufino dos Santos, em sua História do Brasil, observa que, é claro, o povo não tinha enlouquecido, nem a revolta se devia simplesmente à vacina obrigatória. E relaciona as razões da “estranha rebelião”: a insuportável carestia, por causa da política econômica de Campos Sales; o desemprego, em razão da crise comercial e da política anti-industrial do governo, que levou muitas fábricas a fechar as portas; a falta de democracia, conseqüência da política dos governadores: a oposição só podia manifestar-se nesses momentos de violência; a modernização do Rio, que trouxe a demolição de cortiços e desabrigou milhares de pessoas humildes, obrigando-os a subirem para os morros; a campanha antivariólica, imposta com violência e sem esclarecimento popular.

A GUERRA DE CONTESTADO (1912-1916) Quinze anos depois da morte de Conselheiro, começou no Sul do país uma guerra que tinha semelhanças com a de Canudos. Ocorreu numa região de limites duvidosos, com territórios contestados por Paraná e Santa Catarina, daí o nome: Guerra do Contestado. Envolveu cerca de 20 000 sertanejos e durou quatro anos, de 1912 a 1916, com combates quase ininterruptos. O problema de terras era grave na região. Os coronéis pressionavam os agregados a sair das fazendas e estabelecer-se por conta própria, mas quase não havia terras públicas. Além disso, havia a ferrovia São Paulo - Rio Grande

do Sul. A construção tinha sido concedida ao empresário americano Percival Farquhar, em meio a denúncias de corrupção. O capitalista, dono da Brazil Railway Company, estivera envolvido em atrocidades na construção da famosa Madeira - Mamoré, na Amazônia. Vários fatos viriam então somar-se para aumentar a revolta da população local: a companhia construtora, por interferência dos coronéis, conseguiu do governo a propriedade de uma faixa de 30 quilômetros de cada lado da estrada; a população da área foi expulsa; os operários, que chegaram a 8 000, recrutados entre desempregados e desocupados dos grandes centros, ficaram abandonados à própria sorte quando acabou a construção; uma subsidiária da Brazil Railway comprou 180 000 hectares no território contestado, expulsou os moradores e implantou a maior madeireira da América Latina, voltada apenas para a exportação. A revolta causada se aliou à religiosidade do povo, e os numerosos monges da região exploraram a situação com fins religiosos e políticos. Ao contrário de Canudos, não havia uma personalidade mística central. O monge José Maria foi apenas um dos muitos da época e morreu logo no começo do conflito. Mas o messianismo tinha tradição na região. Os monges não eram ligados à Igreja. Eram beatos e profetas populares. José Maria era contra a República, a “lei do diabo”, porque nela via a razão dos males porque passavam. Era a favor do Reino Milenarista, que muitos identificavam com a Monarquia, mas que não passava de um mundo em que vigoraria a lei de Deus, com terra para todos, paz, prosperidade e justiça. Mas, para justificar a guerra, os coronéis e o governo federal acusaram o monge de monarquista. As tropas agora dispunham até de pequenos, aviões de reconhecimento, contra combatentes armados de facões, foices e outras armas rudimentares. Em quatro anos, morreram milhares de pessoas, inclusive crianças, mulheres e velhos; e os sertanejos do Contestado foram derrotados.

A REVOLTA DA CHIBATA (1910) Os castigos corporais na Marinha, abolidos com a Proclamação da República, haviam voltado um ano depois. Faltas leves eram punidas com prisão e ferro na solitária, a pão e água. Faltas graves, com 25 chibatadas. A revolta explodiu em 22 de novembro de 1910. Os marinheiros assumiram o controle sobre importantes navios da Marinha de Guerra. Mataram alguns oficiais que resistiram ao movimento e passaram a exigir o fim dos castigos e de outros aspectos aviltantes de sua condição, ameaçando bombardear o Rio de Janeiro, sede do governo. Pressionado, Hermes da Fonseca cedeu: aboliu os castigos e concedeu anistia aos revoltosos. Eles depuseram as armas e entregaram os navios aos oficiais, em 26 de novembro. Dois dias depois, sentiram na carne que tipo de anistia tinham recebido: o marechal Hermes baixou decreto excluindo-os da Marinha por indisciplina. Em 4 de dezembro, foram presos 22 marinheiros. No dia 9, o governo decretou estado de sítio, prendeu mais uma centena e expulsou outros. 111


Muitos morreram. Dezesseis, de sede, calor e sufocamento em cela subterrânea da Ilha das Cobras; nove, fuzilados durante viagem que conduzia 105 desterrados para a Amazônia. O chefe da revolta, João Cândido, sobreviveu à Ilha das Cobras e foi internado como louco no Hospital dos Alienados. Todos foram absolvidos em novembro de 1912.

O CANGAÇO, OU O BANDITISMO SOCIAL. O Cangaço existiu no nordeste brasileiro durante cerca de setenta anos, de 1870 a 1940. Surgiu como reflexo das péssimas condições de vida dos nordestinos e do poder centralizado e autoritário do Coronel, que era o dono da situação e exercia um poder muito grande sobre as pessoas. Entretanto, muitos desses Coronéis brigavam entre si, disputando o domínio sobre uma determinada região. Para essas lutas, esses chefes rurais formavam bandos de jagunços para lutar em seu favor. Mas, além de jagunços, havia também o “cabra” ou cangaceiro manso, um morador comum que, para poder trabalhar na terra se comprometia a defender sempre o seu coronel. A palavra Cangaço vem de “canga”, peça de madeira que prende os bois ao carro ou ao arado. Portanto, podemos dizer, por extensão, que ela significa a submissão do cangaceiro ao coronel. E se encaixa naquilo que os historiadores denominam de Banditismo social . De acordo com o Historiador Eric Hobsbawm, afirma que o Banditismo “surge em sociedades rurais em desagregação rurais em desagregação, contra o avanço do capitalismo, que age como força destruidora de um universo tradicional”. Nessas sociedades, de acordo com o Historiador J. J. Arruda (1987) “o lento ritmos das mudanças não acompanha as transformações econômicas geradas pela industrialização. Os laços familiares e os valores mais tradicionais tendem a resistir por mais tempos às influências do mundo moderno”. Contudo, no final do século XIX a situação no nordeste brasileiro modificou-se. Conheceremos uma aumento da produção algodoeira, o encarecimento da terra e, conseqüentemente a vida dos pobres ficou mais difícil. Foi, justamente, nesta época que surgiram os bandos de cangaceiros independentes de coronéis e que passaram a agir em vários pontos do nordeste. No início esses bandos surgiram para assaltar para poderem adquirir alimentação e, também, para lutar contra as injustiças de alguns coronéis. Os bandos mais famosos surgiram durante a grande seca de 18771879, quando morreram de fome e de sede mais de 300.000 nordestinos, sendo que no Ceará morreram mais de 60.000 (a população daquele estado na época era de aproximadamente 800.000 hab. e mais de 600.000 cabeças de gado) Os bandos de cangaceiros eram conhecidos pelos nomes dos seus chefes. O primeiro foi João Calangro. Depois veio Jesuíno Brilhante. Em seguida, na passagem do século, surgiu Antônio Silvino, o “Governador do Sertão”. Os cangaceiros costumavam distribuir parte do que saqueavam aos pobres, por isso eram perseguidos pela polícia, embora fossem queridos pela população, que muitas vezes os escondiam.

O principal bando de cangaceiro foi o de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião - o Rei do Cangaço. “Virgulino Ferreira – Uma breve Biografia do Rei do Cangaço” 28 de julho de 1938. Chega ao fim a trajetória do mais popular cangaceiro do Brasil. Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, foi morto na Grota do Angico, interior de Sergipe. Por sua inteligência e destreza, Lampião até hoje é considerado o Rei do Cangaço. Virgulino Ferreira da Silva nasceu em 1897, na comarca de Vila Bela, região do Vale do Pajeú, Estado de Pernambuco. Dos 9 irmãos, Virgulino foi um dos poucos a se interessar pelas letras. Freqüentava as aulas dadas por mestres-escolas que se instalavam nas fazendas. No sertão castigado por secas prolongadas e marcado por desigualdades sociais, a figura do coronel representava o poder e a lei. Criava-se desta forma um quadro de injustiças que favorecia o banditismo social. Pequenos bandos armados, chamados cangaceiros, insurgiam-se contra o poder vigente e espalhavam violência na região. Eram freqüentes, também, os atritos entre famílias tradicionais devido às questões da posse das terras, às invasões de animais e às brigas pelo comando político da região. Num desses confrontos, o pai de Lampião foi assassinado. Para vingar a morte do pai, entre outros motivos, Lampião entra para o cangaço, por volta de 1920. A princípio segue o bando de Sinhô Pereira. Mostrando-se hábil nas estratégias de luta, assume a chefia do bando em 1922, quando Sinhô Pereira deixa a vida do cangaço. Lampião e seu bando vivem de assaltos, da cobrança de tributos de fazendeiros e de “pactos” com chefes políticos. Praticam assassinatos por vingança ou por encomenda. Pela fama que alcança, Lampião torna-se o “inimigo número um” da polícia nordestina. Muitas são as recompensas oferecidas pelo governo para quem o capture. Mas as tropas oficiais sempre sofrem derrotas quando enfrentam seu bando. Como a polícia da capital não consegue sobreviver no sertão árido, surgem as unidades móveis da polícia, chamadas Volantes. Nelas se alistam os “cabras”, os “capangas” familiarizados com a região. As volantes acabam tornando-se mais temidas pela população do que os próprios cangaceiros. Além de se utilizarem da mesma violência no agir, ainda contam com o respaldo do governo. Lampião ganha fama por onde passa. Muitas são as lendas criadas em torno de seu nome. Por sua vivência no sertão nordestino, em 1926, o governo do Ceará negocia a entrada de seu bando nas forças federais para combater a Coluna Prestes. Seu namoro com a lei dura pouco. Volta para o cangaço, agora melhor equipado com as armas e muni112


ções oferecidas pelo governo. Em 1930, há o ingresso das mulheres no bando. E Maria Déia, a Maria Bonita, torna-se a grande companheira de Lampião. Em 1936, o comerciante Benjamin Abraão, com uma carta de recomendação do Padre Cícero, consegue chegar ao bando e documenta em filme Lampião e a vida no cangaço. Esta “aristocracia cangaceira” , como define Lampião, tem suas regras, sua cultura e sua moda. As roupas, inspiradas em heróis e guerreiros, como Napoleão Bonaparte, são desenhadas e confeccionadas pelo próprio Lampião. Os chapéus, as botas, as cartucheiras, os ornamentos em ouro e prata, mostram sua habilidade como artesão. Após dezoito anos, a polícia finalmente consegue pe-

gar o maior dos cangaceiros. Na madrugada do dia 28 de julho de 1938, a Volante do tenente João Bezerra, numa emboscada feita na Grota do Angico, mata Lampião, Maria Bonita e parte de seu bando. Suas cabeças são cortadas e expostas em praça pública. Lampião e o cangaço tornaram-se nacionalmente conhecidos. Seus feitos têm sido freqüentemente temas de romancistas, poetas, historiadores e cineastas, e fonte de inspiração para as manifestações da cultura popular, principalmente a literatura de cordel. E nos versos de um poeta popular desconhecido, sua lenda se propaga: “Seo Virgulino Ferreira, conhecido Lampião, Muito fala que é bandido, o Imperador do Sertão”.

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proposta do governo Áustro-Húngaro, de ampliar a esfera de influência do país rumo às regiões vizinhas, causa o seu assassinato na cidade de Saravejo, na Bósnia-Herzegovina. Sabe-se que o crime conta com a aquiescência do próprio governo sérvio, o que leva o Império Áustro-Húngaro a declarar guerra à Sérvia, no culminar de uma série de atritos entre ambos, conforme já mencionado. Com a declaração de Guerra, entra em ação todo o processo desencadeador do 1º conflito mundial, podendo assim tal fato ser considerado a causa imediata da Grande Guerra.

A PRIMEIRA GRANDE GUERRA MUNDIAL (1914-1918) INTRODUÇÃO O processo de críticas, contradições e crises do modelo capitalista, presente no século passado com as alternativas socialistas, os movimentos operários e as disputas entre as potências pela partilha colonial afro-asiática, dentre outros, atinge seu grau máximo no século XX. O século XX assiste à implantação do primeiro estado dito socialista (a partir da Revolução Russa, ocorrida em outubro de 1917), à eclosão de duas Grandes Guerras Mundiais (expressão maior da contradição do sistema) e à Crise de 1929, a mais profunda da história do capitalismo. O amplo questionamento do sistema, as suas crises e contradições, que perde a sua forma monopolista, típica de fins do século XIX, e adquire, freqüentemente, o caráter “intervencionista de Estado”, como nos pós-guerras ou no período da Grande Depressão (anos 30), para correção abaladas pelos conflitos ou crises. Dentro ainda do novo modelo capitalista apoiado no Estado (por vezes), surgem as ditaduras de “direita” (chamadas de fascistas), contrapondo-se às ditaduras de esquerda (como a do Estado Soviético). Mesmo nas tradicionais democracias americanas, percebe-se o fortalecimento do caráter intervencionista do Estado na economia, como no referido momento da Grande Depressão, dos anos 30.

CAUSAS GERAIS O problema das causas dos grandes acontecimentos é um caso particular de um problema que topamos inúmeras vezes ao analisar o processo histórico. Quer se trate de revoluções, quer se trate de guerras, metodologicamente e filosoficamente, o problema é o mesmo: como é que o novo pode sair do velho? Como se passa de um estado de coisas a outro, de um regime a uma revolução, de uma situação de paz internacional a um conflito mundial? As respostas são múltiplas e várias, dependendo da posição ideológica do analista. Certas causas, circunstanciais e imediatas, podem ser postas de pronto por uma análise cronológica. O estopim da guerra foi o Incidente em Saravejo, ocorrido em 28 de junho de 1914, com o assassinato do príncipe herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco Ferdinando pela organização secreta Sérvia Mão Negra, que lutava contra o poder dos Habsburgos (Áustria-Hungria). A

Essa, contudo, não deixa de ser uma resposta hipócrita e provisória. De acordo com o historiador René Rémond, o incidente de 28 de junho teve tais conseqüências, pois a razão é porque surgiu num contexto que encerrava as possibilidades de guerra. Em outros momentos, o mesmo acidente teria comovido a opinião pública, mas não teria tido conseqüências tão graves. Ele veio acrescentar-se a uma soma de fatores anteriores. São as causas preexistentes, as engrenagens, os mecanismos dessa máquina infernal que urge desmontar. Mas antes de mais nada, acredito que a principal causa da I Grande Guerra Mundial reside na vontade de guerra de uma ou de várias potências, que desejariam instaurar sua hegemonia.

UM ENCADEAMENTO DE CRISES Ao terminar o século XIX, quase todos os países viviam sob a supremacia européia. A expansão imperialista, a superioridade industrial e o poderio financeiro deram à Europa o controle mundial. Era o centro de decisão, e tudo o que ali se passava repercutia no restante do mundo. Internamente, os países europeus gozavam de tranqüilidade social e dos benefícios materiais propiciados pelo avanço tecnológico. Devido a essas condições, chamou-se Belle Époque (Bela Época) ao período situado entre 1890 e 1914. Mas o clima de paz da Belle Époque era aparente. Havia muitos pontos de conflito entre os países europeus. A França não aceitava a perda da Alsácia-Lorena, ocorrida em 1871, na guerra contra a Alemanha. Confrontos militares entre franceses e alemães pela posse do Marrocos (em 1905, 1911 e 1912) agravaram ainda mais a rivalidade entre os países. A Alemanha era uma importante potência industrial. Superava os ingleses na produção de aço e ferro, fabricava máquinas, armamentos, navios e automóveis de excelente qualidade e sua indústria química não tinham rivais. Interessados em conquistar o mercado consumidor do Império Turco-Otomano, o governo alemão planejava construir ferrovias que ligassem as cidades de Berlim e Bagdá, o que daria acesso às populações orientais dos produtos produzidos pelas indústrias alemãs. A Inglaterra sentia-se ameaçada com o crescimento econômico da Alemanha. Além disso, o imperador alemão, Kaiser Guilherme II, não escondia suas pretensões expansionistas na Europa: defendia a união de todos os povos de língua alemã (pan-germanismo) e proclamava suas idéias em favor da guerra. 114


O Império Turco-Otomano, em decadência, enfrentava numerosos movimentos nacionalistas na região dos Bálcãs. Outros países aproveitaram-se dessas guerras separatistas para tomarem territórios. O Império Austro-Húngaro anexou a região da Bósnia-Herzegovina ao seu império. O pequeno reino da Sérvia planejava formar a “Grande Sérvia” e ocupar territórios dos austríacos e dos turcos. A Rússia desejava os estreitos de Bósforo e Dardanelos, o que lhe daria uma saída para o Mar Mediterrâneo. O Império Russo se proclamou protetor das minorias eslavas, como os tchecos, croatas, búlgaros, macedônios e iugoslavos, apoiando seus movimentos separatistas (PanEslavismo). Essa política provocou tensões com a ÁustriaHungria, cujo império multinacional reunia austríacos, alemães, húngaros, romenos, italianos e eslavos (entre eles, a população da Bósnia).

A GRANDE GUERRA As hostilidades entre países europeus levaram à formação de blocos antagônicos. De um lado a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Itália, que formaram a Tríplice Aliança. De outro, a Grã-Bretanha, a França e a Rússia, que formaram a Tríplice Entente. Para se proteger, ao mesmo tempo, superar e intimidar seus rivais, cada país tratou de melhorar seu equipamento bélico. Aumentou-se a produção de fuzis, metralhadoras e canhões e aperfeiçoaram-se as frotas, além do estímulo à invenção de novas armas, como o lança-chamas e o gás venenoso. O serviço militar tornou-se obrigatório em quase todos os países europeus. As fronteiras foram fortificadas. A Europa preparava-se para a guerra. O Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, em visita diplomática a Saravejo, na Bósnia, foi assassinado junto com a esposa por um jovem sérvio (28/06/1914). Acusando a Sérvia de favorecer o atentado, a Áustria-Hungria declarou-lhe guerra um mês depois. Os pactos entre os países de cada bloco foram acionados. Em uma semana, seis países estavam em guerra: Áustria-Hungria e Alemanha (a Itália não os acompanhou na declaração de guerra) - as chamadas potências centrais - contra a Sérvia, a Rússia, França e Inglaterra - os aliados. Começava a Primeira Guerra Mundial. Animados por um nacionalismo chauvinista e xenófobo, milhões de jovens seguiram para os combates. Desrespeitando a neutralidade da Bélgica, tropas alemãs invadiram o país e chegaram ao norte da França. Ali permaneceram abrigados em trincheiras, valas protegidas por arame farpado. Poucos quilômetros à frente, os soldados franceses também estavam entricheirados. Por três anos e meio, os combates do lado ocidental estabilizaram-se numa guerra de posições em que se procurava vencer o inimigo lenta e progressivamente. A maioria dos combates ocorreu na Europa, mas, com a entrada de outros países na guerra, a luta estendeu-se a outros continentes. É a primeira vez, desde o fim das guerras Napoleônicas, ocorrida em 1815, que a Europa inteira se precipita na guerra. Ao lado dos aliados entraram o Japão, a

Itália, a Romênia, a Grécia e Portugal; do lado das potências centrais entraram o Império Turco-Otomano e a Bulgária. Houve combates na Pérsia, na Arábia, nas colônias alemãs na África e nas ilhas do Pacífico. Ao todo, contando os domínios britânicos, uns trinta e cinco Estados participaram do conflito. É a primeira vez na História da Humanidade que uma conflagração assume tamanha amplitude e essa extensão decorre do prolongamento da guerra. Foi porque a luta durou tanto tempo que numerosos países sobrepujaram as próprias hesitações, ou acabaram cedendo à pressão dos primeiros beligerantes. O objetivo é sempre romper o equilíbrio, ou restabelecê-lo se for ameaçado. Em 1917, a Rússia, convulsionada por uma revolução interna, retirou-se da guerra. E assinou um acordo de Paz em separado com a Alemanha: o Tratado de Brest-Litowsk. Rompia-se o equilíbrio europeu. A Alemanha, agora, podia mover as suas tropas da frente Oeste para a Frente Ocidental (contra a França e Inglaterra). No mesmo ano, os submarinos alemães começaram atacar navios mercantes que transportavam suprimentos aos aliados. A ação provocou a declaração de guerra dos Estados Unidos à Alemanha.

A ENTRADA DOS ESTADOS UNIDOS E O ROMPIMENTO DO EQUILÍBRIO EUROPEU

Para os Estados Unidos, a guerra era um excelente negócio. Exportavam, a crédito, tudo que a Inglaterra e a França necessitavam. Essa dívida deveria ser paga após o término do conflito. O problema foi que a Alemanha começou a levar uma pequena vantagem no conflito. E agora? Se as potências centrais vencessem a guerra, como as nações aliadas iriam pagar os Estados Unidos? O nervosismo tomou conta da Bolsa de Valores de Nova York. Os capitalistas norte-americanos se questionavam: o que acontecerá com os nossos lucros se a França e a Inglaterra perderem a guerra? Pressionado pelos empresários que desejavam uma ação mais direta e incisiva do governo e diante dos constantes afundamentos de navios mercantes, os Estados Unidos declararam guerra à Alemanha. Era a salvação dos lucros dos capitalistas. A entrada dos EUA na guerra, em 1917, foi decisiva para alterar a situação do conflito. Entretanto, os norteamericanos não possuíam um Exército de Guerra preparado e pronto para entrar em ação de imediato. Mas tinham dinheiro. Com dinheiro sobrando, os norte-americanos criaram uma indústria de guerra e formaram um exército forte e bem armado. O exército dos EUA, descansado, era superior exército alemão. Um a um os aliados da Alemanha foram se rendendo: a Bulgária, depois a Turquia e, em seguida, o Império Austro-Húngaro. Na Alemanha, o povo não agüentava mais a guerra. Um motin em Kiel e uma greve geral mostraram que o Kaiser Guilherme II já não controlava o país. Em 1918, diante de pesadas derrotas e de revolta da própria população, esgotada pela Guerra, o imperador da Alemanha renunciou. Foi proclamada a República Alemã, e o novo governo declarou o cessar-fogo. Terminava a Grande Guerra. 115


AS MUDANÇAS PROVOCADAS PELA GUERRA A Primeira Grande Guerra Mundial trouxe profundas mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais. Durante o conflito, os governos dos países combatentes passaram a dirigir a economia para garantir o fornecimento de armas, munição e suprimento aos soldados, além do abastecimento à população civil. Cresceram as importações de carvão, ferro, nitrato do Chile (para a fabricação de explosivos), alimentos e tecidos, entre outros itens. As importações dos europeus estimularam o desenvolvimento industrial em diversos países, inclusive o Brasil. Para custear as despesas de guerra, os países europeus contraíram enormes dívidas. Os Estados Unidos, apesar de neutros até 1917, fizeram grandes empréstimos aos aliados. Com a maior parte dos homens em combate, as mulheres foram chamadas para trabalhar nas fábricas e em todas as atividades, nas cidades e nos campos. O trabalho feminino garantia o sustento das famílias. Milhares de mulheres se alistaram como enfermeiras nos hospitais de campanha. Também adolescentes, idosos, prisioneiros e habitantes das colônias européias da África e da Ásia participaram do esforço de guerra. À medida que a guerra se prolongava, cresciam as dificuldades da população: racionamentos, falta de alimentos, aumento da jornada de trabalho nas fábricas, alta de preços, além das perdas materiais e humanas. Para manter o moral dos soldados e dos civis, os governos recorreram à propaganda. Cartazes, revistas, jornais, livros, cadernos escolares e até embalagens de cigarros e alimentos traziam imagens e frases encorajadoras, apelando para o patriotismo dos cidadãos. Porém, tornava-se cada vez mais difícil manter o entusiasmo dos soldados contra o inimigo. Pouco a pouco, cresceram as deserções e os motins contra os oficiais. O balanço da guerra foi trágico: entre 9 e 10 milhões de pessoas morreram. Por toda parte restaram cidades destruídas, regiões agrícolas devastadas e enormes dívidas de guerra.

Os 14 pontos e o Tratado de Versalhes. Em 1918, a guerra ainda não havia ainda terminado quando o presidente norte-americano Woodrow Wilson fez a proposta por uma “paz sem vitória”. Os “14 Pontos” sugeridos por ele consistiam: (1) abolição da diplomacia secreta; (2) abertura dos mares à navegação internacional; (3) levantamento das tarifas protecionistas; (4) desarmamento geral; (5) divisão eqüitativa das colônias; (6) retirada dos invasores do território russo; (7) desocupação e restauração da Bélgica; (8) retorno da Alsácia-Lorena para o domínio francês; (9) retificação das fronteiras italianas; (10) autonomia para os povos submetidos ao Império Austro-Húngaro; (11) restauração das fronteiras da Sérvia, de Montenegro e da Romênia; (12) autonomia para os povos subjugados ao Império Turco e internacionalização dos estreitos de Bósforo e Dardanelos (que ligam os mares Mediterrâneo e Negro); (13) restauração da autonomia polonesa, com uma saída para o mar; e (14) criação de uma Sociedade Internacional de Nações.

Considerando a guerra perdida, os generais alemães pressionaram o Kaiser a aceitar a paz baseada nesses termos, mas Wilson negava-se a negociar com ele. Os oficiais alemães de alta patente forçaram a abdicação de Guilherme II em novembro de 1918, proclamando a República e pondo fim ao II Reich. O novo governo da Alemanha aceitou incondicionalmente o armistício, em 11 de novembro do mesmo ano. Finalmente a paz era alcançada. Com a rendição da Alemanha, iniciam-se as negociações de paz que aconteceram em Paris, no Palácio de Versalhes, que resultou na assinatura de um tratado de paz, o Tratado de Versalhes, em 1919. Quando os representantes de 32 países beligerantes se reuniram estavam dispostos a discutir a viabilidade da aplicação dos 14 Pontos, os delegados da Alemanha, Império Austro-Húngaro, Turquia e Bulgária, por representarem países considerados vencidos não foram admitidos na sala de conferências. A partir dessa decisão, o encontro estava fadado ao fracasso e os arranjos de paz foram manipulados pelos vencedores do conflito: Wilson, dos Estados Unidos, Lloyd George, primeiro-ministro da Inglaterra e Georges Clemanceau, primeiro-ministro da França. Os interesses das demais nações foram preteridos, enquanto a discórdia implantava-se entre os diplomatas das três potências vencedoras. Vittorio Emanuele Orlando, chefe do gabinete italiano, não tendo suas reivindicações atendidas, abandonou a conferência, voltando para Roma. todas as decisões foram tomadas pelos chamados “Três Grandes”. As intenções de Clemenceau e Lloyd George eram tirar o maior proveito possível da derrota alemã. George, por exemplo, havia prometido reduzir a Alemanha a um país agrícola. O idealismo de Wilson não parece ter contagiado os demais países, embora tenha permanecido por quase um ano em Paris para acompanhar pessoalmente as negociações. A luta pelos despojos da guerra fez os Aliados se desentenderem. Os franceses alegavam que não se sentiriam seguros diante da proximidade dos alemães e da possibilidade de seu reerguimento econômico e militar. Exigiam, por isso, a posse de regiões fronteiriças ricas em ferro e carvão, além da criação de um Estado-tampão entre os dois países, passando os territórios em litígio para a administração da futura Liga das Nações. O Tratado de Versalhes, de 1919, que firmou a paz, considerou a Alemanha culpada pela guerra e lhe impôs pesadas condições: perda de colônias na África e de parte de seu território; desmilitarização e pagamento de uma alta indenização aos aliados. Os critérios de punição não eram seguidos à risca. A indenização a ser paga pelo governo alemão fora calculada em cinco bilhões de dólares; após o regresso de Wilson a Washington, a quantia foi elevada para 15 bilhões, ou 132 bilhões de marcos-ouro. Desse total, 52% cabiam á França, 22% à Inglaterra, 10% à Itália, 8% à Bélgica e 8% a outros países. As imposições do Tratado de Versalhes agravaram a cri116


se na Alemanha, o que favoreceu a expansão do Nazismo na década de 1930. O pagamento das indenizações pela Alemanha foi iniciado com a cessão de locomotivas, navios, animais, carvão e produtos químicos. Os rios que cruzavam o território alemão foram internacionalizados. Praticamente todo o ouro que servia de lastro para sua moeda - na época o Marco - foi usado no pagamento das indenizações. Sem lastro, a moeda alemã desvalorizou-se e a inflação disparou. Os preços eram alterados várias vezes ao dia. O dólar, que em abril de 1922 valia 1.000 marcos, passou a 56.000 em janeiro de 1923, depois para 2.000.000 em agosto e para 350.000.000 em setembro do mesmo ano! Boa parte da população se rebelou sob a direção dos socialistas, que foram fortemente combatidos pelo governo, tendo seus principais líderes presos e executados. As cláusulas impostas pelo Tratado de Versalhes, todavia, reforçaram o germanismo, em vez de abatê-lo. Na Alemanha, a indignação contra o tratado era geral e a população, mergulhada no caos econômico e social, começava a organizar formas de resistência, destacando-se o Nazismo. A guerra acabou com os grandes impérios da Alemanha, da Áustria, da Turquia e da Rússia, esta última abalada também por uma revolução interna de caráter socialista. Formaram-se novos países na Europa (Hungria, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Polônia, Letônia, Lituânia, Estônia e Finlândia, por exemplo) e no Oriente Médio (Iraque, Síria, Líbano, Palestina e Transjordânia). Os países europeus perderam a supremacia mundial para os Estados Unidos, que saíram da guerra como a maior potência capitalista do mundo.

A LIGA DAS NAÇÕES A idéia de se criar uma entidade internacional que preservasse a paz era anterior ao conflito. Pelo Tratado de Versalhes, formava-se a organização conhecida como Sociedade ou Liga das Nações, reunindo representantes de várias nações com direito a voto nas decisões das Assembléias, que elegia os membros do Conselho, os juízes da Corte Internacional e admitia ou não novos países-membros. Sua sede ficava em Genebra e seu conselho reunia diplomatas dos países-membros permanentes e temporários que elegiam um presidente. A organização funcionava com um Secretariado que dirigia os trabalhos e, anexos à Liga, funcionavam dois órgãos de caráter jurídico: a Corte de Haia e a Corte Mundial. Várias disputas foram resolvidas nessas instâncias, buscando-se evitar a ocorrência de novos conflitos generalizados. Apesar de ser o autor da idéia da Liga das Nações, o governo dos Estados Unidos não participou dela. O Senado norte-americano, dominado pelos republicanos (conservadores) rejeitou o ingresso do país, o que comprometia o sucesso do organismo multinacional.

AS CONSEQÜÊNCIAS DA GUERRA A vitória dos Aliados é também a vitória das democracias e da democracia, que assim triunfa do Antigo Regime,

dos impérios autocráticos, dos regimes autoritários. A identificação dos vencedores com os princípios da democracia aumentou desde que, em 1917, a Rússia Tzarista abandonou a guerra e foi substituída pela “grande democracia americana”: já não há anomalia, o desencontro Rússia-Estados Unidos acaba de identificar um dos campos com os princípios e os valores da democracia. É o desaparecimento dos impérios históricos, escorados no princípio da legitimidade. As dinastias seculares são destronadas: primeiro os Romanovs na Rússia, em 1917, e depois, no fim de 1918, os Habsburgos (Império Austro-Húngaro) e os Hohenzollerns (Alemanha); não tardará tampouco a deposição do sultão e a abolição do califado (Império Turco). Em toda a parte, as revoluções provocam a queda dos tronos. É uma espécie de renovação de 1789 ou de 1848. Para os contemporâneos, a vitória da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos aparece como o resultado de mais de um século de lutas, como a desforra do Congresso de Viena (1815), como a consagração da democracia. Sobre a ruína desses regimes aristocráticos, monárquicos, absolutistas, instala-se a democracia. Proclamase a República na Alemanha e na Áustria. As assembléias adotam constituições democráticas. Na Alemanha, o Parlamento reunido em Veimar estende o direito de voto às mulheres, decide a eleição do Presidente da República pelo sufrágio universal. Logo depois da guerra, a Grã-Bretanha remata a evolução encetada em 1832, suprimindo as últimas exceções ao sufrágio universal. Logo depois da guerra entram também em vigor as modalidades enunciadas pela lei eleitoral de 1912 na Itália, reduzidos ou anulados os prazos que ela previa. Na França, modifica-se o regime eleitoral e introduz-se a representação proporcional, considerada a mais democrática. A democracia estende-se, por fim, às próprias relações internacionais, acabando com a diplomacia secreta, responsabilizada pela deflagração do conflito. Segunda uma tese até então muito difundida, a guerra saiu das negociatas oficiosas das chancelarias. Se se expusesse a diplomacia em praça pública, os povos diligenciariam para que ela não alimentasse novos conflitos. Acredita-se que a substituição da diplomacia secreta por uma diplomacia praticada em praça pública suprimirá os germes do litígio. Era a vitória do direito e o triunfo da democracia que coroava a marcha da humanidade para uma sociedade mais livre e justa. Por sua duração, extensão e características, o conflito provocou toda a sorte de mudanças, algumas das quais produziram, por seu turno, efeitos irreversíveis. A conflagração foi causa de múltiplas subversões, que interessam a economia, a sociedade, os costumes, as idéias e as mentalidades e cujos efeitos, que só se farão sentir aos poucos, não serão igualmente acentuados em todos os países, pois estes foram desigualmente atingidos. A profundidade das subversões depende de duas coisas: da extensão de sua participação na guerra, visto que a amplitude das subversões é proporcional à intensidade do esforço de guerra – nesse sentido, evidentemente, a França é mais atingida que Portugal – e 117


da posição dos beligerantes no fim do conflito, a saber, se pertencem ao campo dos vencedores ou ao dos vencidos. Esse dado é decisivo. Para os vencidos se ajuntam, às destruições da guerra, que atingiram quase todos os países indistintamente, as misérias da derrota, a ocupação mais ou menos prolongada (no caso da Alemanha até 1930, embora a evacuação se faça vários anos antes da data inicialmente prevista pelo Tratado de Versalhes), o peso das reparações impostas pelos tratados de paz, as conseqüências do desmoronamento dos regimes, a instabilidade disso decorrente e, afinal, os traumatismos causados pela amputação territorial, que desorganiza a economia e deixa uma ferida mortal duradoura. Eis aí a conjunção de encargos e sofrimentos que se adiciona, nos países vencidos, Áustria e Alemanha, ao quinhão das conseqüências comuns da guerra.

A GRIPE ESPANHOLA: UMA GRIPE QUE MATOU MAIS DO QUE A GUERRA

No outono de 1918, enquanto os aliados empurravam as linhas alemãs para leste, indicando que a guerra estava perdida para a Alemanha, um desastre maior do que a própria guerra estava acontecendo no mundo: o surgimento do vírus de uma gripo desconhecida até então, que se espalhou em proporções de uma pandemia. A gripe havia surgido na primavera daquele ano. O lugar exato onde se originou é desconhecida até hoje, mas a teoria popularizada de sua origem acabou dando o nome pelo qual ficou conhecida, isto é, gripe espanhola. Uma primeira onda desta gripe chegou ao auge nos meses de junho e julho de 1918, mas foi em outubro e novembro que o número de mortes atingiu índices alarmantes. Foi somente na primavera de 1919 que a gripe começou a diminuir a sua devastadora tarefa de matar.

A mortalidade epidêmica foi simplesmente monstruosa. Na França, calcula-se que tenham morrido cerca de 166 mil pessoas. Na Alemanha, cerca de 225 mil; na Inglaterra quase 230 mil. Nos Estados Unidos, mais de 550 mil pessoas morreram em conseqüência da epidemia da gripe espanhola. Na Ásia, uma das grandes atingidas foi a Índia, com mais de 16 milhões de mortos. A gripe teve um particular impacto sobre a população jovem, entre crianças e adolescentes. Cerca de 25% das vítimas tinham 15 anos de idade ou menos, e 45% tinham entre 15 e 35 anos. Ao todo, mais de 20 milhões de pessoas morreram vítimas da gripe espanhola - número muito maior do que o provocado pela guerra, cerca de 10 milhões. Muitas explicações para as origens da gripe surgiram na época, mas o agente causador não tinha ainda sido isolado; portanto permaneceu desconhecido. A gripe teve um caráter de praga, por isso foi vista por muitos como um castigo divino para punir a maior carnificina já feita na História da humanidade, em especial na frente ocidental. Outras hipóteses surgiram na época para explicar as condições que favoreceram bastante a difusão da gripe. Segundo uma dessas teorias, bastante divulgada, a gripe se deveu ao enfraquecimento dos habitantes das cidades, carentes que estavam de alimentação apropriada, dando condições para o aparecimento de doenças. E, na frente de batalha, condições de insalubridade, infestação de piolho, ratos etc. Todo o tratamento que se experimentou contra a gripe se mostrou ineficaz, e a ignorância sobre sua origem impedia a fabricação de uma vacina. A causa viral da gripe espanhola só foi descoberta em fins de 1933, quando o vírus mutante já havia praticamente desaparecido.

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Revolução Russa é marcada pela ideologia socialista. A própria fragilidade da burguesia russa fê-la distanciar-se dos segmentos populares, ao contrário das Revoluções do Ocidente, quando a classe burguesa conduz o povo. Surgimento de partidos de oposição. Em 1903, principal partido, o POSDR (Partido Operário Social-Democrata Russo), divide-se em dois:

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 INTRODUÇÃO E ANTECEDENTES Entende-se por Revolução Russa ou Revolução Bolchevista ou ainda Revolução Comunista de 1917, o conjunto de transformações revolucionárias por que passa a Rússia desde 1905, culminando em 1917 com o surgimento do primeiro Estado Socialista do mundo, eliminando o modo de produção capitalista e estabelecendo um governo do proletariado. Sabe-se que, até 1917, a Rússia é uma nação pobre e subdesenvolvida, apresentando em pleno século XX fortes traços feudais e uma economia diversos séculos atrasada em relação às primeiras nações da Europa. A estrutura de poder até a data da Revolução apresenta o Czar Nicolau II da dinastia dos Romanov governando de forma cruel e autoritária, uma monarquia que se afirmava ser de Direito Divino, ou seja, o rei é um representante e um enviado de Deus, ladeado pelos grupos dominantes dos Kulaks (ricos proprietários de terras e chefes militares, lembrando os senhores feudais medievais), do exército, que garantia a ordem czarista e da Igreja Ortodoxa (cristã), que possuía enormes regalias políticas e financeiras. A Igreja Ortodoxa era útil ao regime czarista na medida em que confirma perante o povo a tese da monarquia de direito divino. No plano externo, há uma forte dependência econômica da Inglaterra e, sobretudo, da França, o que faz com que se desenvolva uma burguesia voltada para atender os interesses políticos e econômicos destes países capitalistas. Em contrapartida, encontra-se na base da pirâmide social uma maioria de milhões e milhões de habitantes, entre camponeses, operários, soldados, numa situação de completa miséria, opressão e marginalização política e econômica.

CAUSAS DA REVOLUÇÃO • Autoritarismo do Czar; • Gastos exagerados da Corte; • Má situação econômico-financeira do país; • Forte dependência externa; • Miséria popular; Influência das idéias de Marx e Engels (Socialismo Científico). Diferentemente das Revoluções burguesas, que foram influenciadas ideologicamente pelo Liberalismo, a

● Menchevique: minoria. Acredita que a derrubada do Czar e a passagem para o Socialismo deve ser gradual com o apoio da burguesia. Apresenta uma tendência moderada, liberal e burguesa, por isso aos poucos perde a credibilidade popular. ● Bolchevique: maioria. Defende a derrubada simultânea do Czar e dos privilégios burgueses, com a adoção imediata do socialismo. Sua tendência é radical e popular, ligado ao proletariado urbano. Nele começa a se destacar a figura de Lênin, principal líder revolucionário de 1917. Além desses, há ainda os partidos: ● Constitucional Democrata: (Kadete) não socialista, burguês, parlamentarista e constitucionalista, defende a adoção de uma nação progressista, sob o modelo inglês. ● Socialista Revolucionário: Revolucionário, pregando uma revolução urbana e rural com apoio inclusive do campesinato. Preocupado com a crescente oposição, sobretudo vinda dos operários (a classe cresce na medida em que o país se industrializa), o Czar provoca, em 1904, no plano externo, a Guerra Russo-Japonesa visando derrotar o Japão e aumentar o seu prestígio interno. Contrariando os diagnósticos, a Rússia torna-se presa fácil para os japoneses, sofrendo humilhante derrota, em grande parte devido à incapacidade do Czar de conduzir o conflito e às ultrapassadas forças militares do país. O prestígio de Nicolau II sofre sério abalo, exemplificado pelas manifestações que se fazem contra a sua figura, abafadas de forma sanguinária pelas suas tropas, matando, em praça pública, centenas de civis. Um desses episódio entrou para a História como sendo o Domingo Sangrento (09.01.1905).

O Domingo Sangrento (1905) Milhares de operários são mortos após uma manifestação em frente à sede do Governo russo. Percebe-se neste movimento uma forte influência das idéias socialistas desenvolvidas por Marx e Engels. Contudo, O Czar, diante da pressão da opinião pública, faz algumas concessões ao movimento: convoca eleições para a Duma (Assembléia de representantes do povo) a fim de redigir uma Constituição para o país. Mas o fortalecimento de Nicolau II com a ajuda externa, pois a burguesia internacional não vê com bons olhos as propostas socialistas do povo russo, sobretudo no tocante à nacionalização de seus negócios e tomada do poder pelos trabalhadores, esvaziam os trabalhos da Duma, que se dissolve poucos anos mais tarde.

A RÚSSIA NA PRIMEIRA GRANDE GUERRA A Rússia, honrando os compromissos com a Tríplice Entente, entra na 1ª Grande Guerra Mundial, ao lado dos 119


franceses e ingleses em 1914. O Czar espera vitórias e ampliar o seu prestígio interno. De fato, durante algum tempo, o sentimento patriótico surte efeito, se sobrepujando à má situação do país em nome da grandeza nacional. Porém, as sucessivas derrotas frente à Alemanha, em razão do total despreparo do exército russo, abalam definitivamente o governo czarista, que passa a ser responsabilizado pelas derrotas militares e morte de milhões de pessoas. O socorro dos franceses e ingleses, do lado oposto do continente, não chegam em função do bloqueio alemão. Aos poucos a população se conscientiza de que a guerra nada tinha a ver com a Rússia e sim com os compromissos do governo czarista, e a ira contra Nicolau II torna-se incontrolável. Tal situação Lênin anteviu com sagacidade anos antes: indagado sobre o que achava a respeito da entrada da Rússia na guerra, responde que o “Czar jamais poderia dar tão belo presente à Revolução”. Por essa época atuam decisivamente os sovietes. Os sovietes eram os comitês formados por operários e soldados, organizados nos mais diversos pontos do país e eram uma clara demonstração de mobilização popular, com vistas a um governo proletário que estava por vir.

FASES DA REVOLUÇÃO 1ª Fase Fevereiro de 1917: • Derrubada do Czar e estabelecimento de um Governo Provisório, com as seguintes características: • O poder é entregue aos Mencheviques, que indicam Kerensky como primeiro ministro; • Proclama-se uma República, de tendências Liberais e ligada aos interesses da burguesia nacional russa. • Permissão para que os exilados do governo czarista retornem ao país (o que ocorre com Vladimir Ilich Ulianov Lênin e seu futuro chefe militar, Leon Trotsky). • Os Mencheviques, afirmando que não poderiam romper os compromissos internacionais, mantêm a Rússia na 1ª Guerra. • A insatisfação continua e a pressão por um governo proletário aumenta com as intervenções de Lênin e Trotsky nos Sovietes, principalmente o de Petrogrado, que era o mais importante e mais forte. O governo Menchevique não agüenta a pressão e é derrubado pelos Bolcheviques.

2ª Fase – Outubro de 1917 TODO PODER AOS SOVIETES! • Derrubada de Kerensky e dos Mencheviques; • Ascensão dos Bolcheviques ao poder; • Inicia-se o governo de Lênin. • Os Bolcheviques, imediatamente, retiram a Rússia da 1ª Guerra Mundial, com a assinatura de uma paz em separado com os alemães pelo Tratado de Brest-Litowsky; • Adoção das primeiras medidas socialistas: expropriação dos latifundiários; nacionalização de terras, bancos e fábricas; distribuição das terras aos camponeses, fazendo cumprir o lema Bolchevique: “PAZ, PÃO E TERRA!”;

• O poder se divide entre os Sovietes, que escolhem o governo por intermédio do Conselho dos Sovietes. Toda essa situação é garantida pelo Exército Vermelho, criado e liderado por Trotsky. • Decretada a libertação das nações subordinadas à Rússia (Finlândia, Geórgia, Armênia, entre outras); • Em 1918, o Partido Bolchevique se transforma em Partido Comunista da Rússia. • Em 1922, a Rússia reintegra em torno de si várias províncias, dando origem à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e o Partido Comunista da Rússia, se transforma em Partido Comunista da União Soviética – PCUS.

A RÚSSIA PÓS-REVOLUCIONÁRIA 1ª Fase - 1918-1921 – Comunismo de Guerra e Guerra Civil. • A grave situação econômica leva o Estado a fazer requisições forçadas de alimentos aos camponeses a serem distribuídos (geralmente, essas requisições eram acompanhadas de extrema violência); • A crise econômica e social chega a níveis insuportáveis, num dos piores momentos atravessados pelo povo russo em toda a sua história. • O trabalho torna-se obrigatório; • Desencadeia-se a Guerra Civil (1918-1921) entre o Exército Branco, ligado aos interesses da burguesia nacional e estrangeira opostas ao regime socialista e o Exército Vermelho. Estes últimos conseguem a vitória, após difíceis combates em três anos.

2ª Fase – 1921-1927: Nova Política Econômica - NEP • Proposta por Lênin, numa conciliação de socialismo com capitalismo. Segundo Lênin, é preciso, temporariamente, abrir a nação à iniciativa privada capitalista, uma vez que a situação do Estado não permite a absorção da mão-de-obra dos desempregados, o crescimento do processo produtivo até o nível necessário, a normalização do abastecimento e distribuição da produção etc. Assim, apela-se para a iniciativa privada e o sucesso se reflete no crescimento nacional mais dinâmico, embora cabendo ainda ao Estado o controle dos principais segmentos econômicos da nação. O governo socialista garantiria à iniciativa privada a liberdade comercial, o direito de instalação de pequenas indústrias, além de poderem explorar as terras para a produção de gêneros agrícolas para serem comercializados internamente. Por outro lado, mantinha o controle e o monopólio sobre o controle do comércio externo, da indústria de base (metalurgia principalmente), do sistema financeiro e da propriedade da terra. • A sucessão de Lênin: em 1924, com a morte de Lênin, em pleno andamento da NEP, estabelecem-se duas frentes para sua sucessão: Trotsky, defensor da internacionalização do comunismo e Joseph Stálin, defensor do socialismo apenas na União Soviética com o objetivo de consolidá-lo. Após uma série de debates dentro do PCUS, Stálin, que 120


controlava a máquina do partido, sai vencedor e impõe o exílio a Trotsky, que passa a fazer sérias e duras críticas à Stálin e seus métodos de governo (stalinismo). Com a ascensão de Stálin ao poder, inaugura-se uma nova era (Era Stalinista) na URSS, que vai durar até sua morte em 1953.

3ª fase – A partir de 1928: Planos Qüinqüenais. • Colocados em prática durante a Era Stanilista, representam planejamentos para a economia com a definição de metas básicas a serem atingidas para os próximos cinco anos. ● 1º Plano (1928-1933) – Metas atingidas. ♦ Fim da propriedade individual; ♦ Aumento da produção; ♦ Prioridade para a indústria de bens de produção e não

de consumo; ♦ Organização de dois tipos de fazendas: Sovkhozes (estatais, onde os trabalhadores são empregados pelo governo) e Kolkhozes (fazendas coletivas, onde os trabalhadores dividem os lucros da produção); ♦ Com o sucesso do primeiro plano a URSS torna-se uma potência industrial.

O MARXISMO-LENINISMO. As contribuições de Lênin foram tão importantes para o sucesso da Revolução Russa, que as suas idéias foram incorporadas ao Marxismo (conjunto das idéias desenvolvidas por Marx e Engels), dando origem ao MarxismoLeninismo. A principal contribuição de Lênin foi sobre a estratégia da tomada do poder.

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gressista, pretendendo reformar as estruturas viciadas de governo e moralizar a administração pública. O programa anunciado por Getúlio Vargas prometia, ainda, soluções para a questão social (que era caso de polícia), isto é, justiça social ao povo. A derrota eleitoral nas eleições de março de 1930 não acabou com a Aliança Liberal, que num primeiro momento reconheceu o resultado das eleições.

O MOVIMENTO TENENTISTA

A CRISE DA REPÚBLICA VELHA, A REVOLUÇÃO DE 1930 E O PERÍODO DE VARGAS (1930-1945) A CRISE DA REPÚBLICA VELHA: UMA CRISE GERAL DO CAPITALISMO. O início da Primeira Grande Guerra abriu um longo ciclo de crises para o capitalismo. A própria burguesia tomou consciência do estado anárquico do mercado, atribuindo a crise à falta de planificação da produção e distribuição. Teve início, então, a radical crítica da economia liberal; começou a se falar na crise do capitalismo, na catástrofe iminente do sistema, temendo-se cada vez mais as ameaças revolucionárias e o Exemplo da União Soviética. O processo revolucionário que liquidou a República Velha em 1930 foi precipitado por uma profunda insatisfação popular e uma grave crise econômica e política. No final de 1929 já havia quase dois milhões de desempregados por todo o país. A aguda crise mundial flagrada pela “quebra” da Bolsa de Nova York atingiu duramente a economia brasileira. Fábricas fechavam em toda a parte, ocorriam demissões em massa e os salários despencavam. As cotações do café no mercado internacional iam por água abaixo. Principal produto das exportações brasileiras, o “general” café permanecia estocado, sem compradores. O pânico se alastrava entre os fazendeiros; a fome e o desemprego assombravam o povo. Ao mesmo tempo, o sistema político predominante na República Velha, o chamado esquema do “Café-com-Leite”, em que São Paulo e Minas Gerais alternavam-se na presidência do Brasil, sofreu um grande abalo. Atendendo aos interesses dos fazendeiros paulistas, o presidente Washington Luís impôs o nome de Júlio Prestes para sua sucessão, em 1930, quebrando o acordo feito anteriormente. Inconformado, o Partido Republicano Mineiro uniu-se ao Rio Grande do Sul e à Paraíba, formando a Aliança Liberal e lançando a candidatura de Getúlio Vargas. Essa aliança, entretanto, demonstraria ser muito mais do que um simples acordo eleitoral. Era a expressão da séria situação política e social vivida pelo Brasil. Por trás dela estavam os participantes do movimento Tenentista. A Aliança Liberal alcançou forte apoio nos grandes centros urbanos e nos estados nordestinos. Em 1930, a Aliança Liberal era a grande esperança da burguesia brasileira em ascensão com um programa pro-

O Movimento Tenentista foi a expressão política do descontentamento de jovens oficiais do exército diante da estrutura política oligárquica e antidemocrática da República Velha. Os tenentes souberam explorar a insatisfação das camadas médias frente ao predomínio político das oligarquias fundiárias produtoras de café para conseguiram apoio político. Houveram três revoltas tenentistas: • os Dezoito do Forte (22/07/1922); • A Revolta Tenentista em São Paulo (05/07/1924) e • a Coluna Prestes (1924-1927).

A SEMANA DE ARTE MODERNA Também no setor cultural, o Brasil se modificou na década de 20. Inspirando-se em idéias surgidas na Europa, aparece o Modernismo, que procurava romper arte nova, que levasse em conta a realidade brasileira, mesmo que essa não fosse agradável às elites. Importantes nomes da cultura nacional, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Vila Lobos, Di Cavalcanti, Anita Mafalti tornaram-se, através de suas manifestações artísticas, severos críticos da realidade.

A Revolução de 30. O então presidente do Brasil, Washington Luís, era paulista. Portanto, de acordo com a política do café-com-leite, o próximo candidato governista deveria ser mineiro. O presidente, porém, inclinou-se para Júlio Prestes, governador de São Paulo, o que desagradou profundamente aos mineiros. Antônio Carlos, governador de Minas, juntamente com João Pessoa, governador da Paraíba, resolveram apoiar a candidatura do governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas. No entanto, contando com a preciosa ajuda da máquina governamental e da fraude eleitoral, Júlio Prestes foi apontado como vencedor das eleições. Na verdade, a frase de Antônio Carlos “Façamos a revolução antes que o povo a faça” expressava uma realidade e explica o que foi a Revolução de 1930. Foi um movimento de uma parte da oligarquia brasileira, insatisfeita com o predomínio dos poderosos do café, com o apoio de muitos setores da sociedade que estavam cansados da velha e corrupta República, como os jovens tenentes e as classes médias urbanas. É verdade que essa parcela da oligarquia queria acabar 122


com o domínio exclusivo da oligarquia cafeeira paulista e mineira, ou ao menos compor-se com ela. Mas ela pretendia, ao mesmo tempo, impedir que o poder fugisse de suas mãos e fosse tomado pelos tenentes ou qualquer outro grupo revolucionário, como os operários. Assim, aproveitando-se da insatisfação generalizada com o governo dos fazendeiros do café, vários e diferentes grupos sociais uniram-se para lutar contra ele. Depois da vitória, porém, o poder acabou permanecendo nas mãos de outros grupos oligárquicos. Para derrubar o governo central, as forças que a ele se opunham, como os grupos políticos situacionistas dos estados de Minas Gerais, Rio Grande de Sul e Paraíba e alguns grupos de oposição de outros estados, como o Partido Democrático de São Paulo, reuniram-se e formaram a Aliança Liberal. A Aliança Liberal alcançou forte apoio nos grandes centros urbanos e nos estados nordestinos. Os tenentes também apoiaram a chapa aliancista - Getúlio Vargas e João Pessoa -, com exceção de Luís Carlos Prestes, que rompeu com o tenentismo em 1930 e aproximou-se do Partido Comunista Brasileiro, do qual seria secretário-geral por cerca de cinqüenta anos. Diante do resultado das eleições, isto é, com a vitória de Júlio Prestes, os tenentes empenharam-se na organização da revolução, convencendo o candidato derrotado a aceitar a liderança do movimento revolucionário. Em 26 de julho de 1930, João Pessoa, então governador da Paraíba e candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, foi assassinado em Recife. Embora tenha sido um crime passional - uma reação do assassino João Dantas à invasão de sua casa pela polícia e à divulgação de cartas e fotos sobre seus casos amorosos -, acabou sendo explorado politicamente e precipitou os acontecimentos, acelerando os preparativos para uma revolução armada contra o governo de Washington Luís. O movimento estourou a 3 de outubro de 1930 e, em vinte dias, já era vitorioso. Washington Luís recusou a idéia de renúncia proposta pelo cardeal do Rio de Janeiro, D. Leme, mas acabou deposto por uma junta militar no dia 24 de outubro de 1930. Getúlio Dornelles Vargas, chefe do movimento revolucionário, assumiu o poder provisoriamente, a 3 de novembro de 1930, como delegado da revolução, em nome do Exército, da Marinha e do povo. Consolidou-se no poder e dominou a cena política brasileira durante 24 anos, até seu suicídio em 1954, quando ocupava pela segunda vez a presidência da República.

A CRISE DA REPÚBLICA VELHA: UM REFLEXO DA CRISE DO CAPITALISMO MUNDIAL NO BRASIL O início da Primeira Grande Guerra Mundial (19141918) abriu um longo ciclo de crises para o capitalismo. A própria burguesia tomou consciência do estado anárquico do mercado, atribuindo a crise à falta de planificação da produção e da distribuição. Teve início, então, a radical crítica da economia liberal; começou a se falar na crise do capitalismo, na catástrofe eminente do sistema, temendo-se

cada vez mais a ameaças revolucionárias e o exemplo da União Soviética, que se tornou o primeiro país do mundo a adotar o socialismo enquanto modo de produção, com a Revolução Russa de 1917. Nos Estados Unidos da América, a crise manifestou-se com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. (A queda violenta dos preços das ações negociadas nas bolsas de valores é chamada de crash ou crack. Isto pode significar falências, desemprego, recessão e outros sérios problemas sociais e políticos). A partir do crack da Bolsa, a economia americana mergulhou numa grande depressão. A crise era de superprodução. Os produtos foram se acumulando sem encontrar compradores. Por isso as fábricas e o comércio despediam os trabalhadores gerando um alto índice de desemprego. Quanto maior o desemprego, menor ainda se tornava o número de consumidores e mais grave ficava a depressão econômica. Os reflexos da crise nos países europeus também foram graves, isto porque estes países possuíam um significativo volume de capitais investidos em suas economias. Com as dificuldades econômicas dos Estados Unidos, estes capitais foram gradativamente retirados da economica européia. No Brasil a crise também se manifestou. Fábricas fechavam em toda a parte, ocorriam demissões em massa e os salários despencavam. As cotações do café no mercado internacional iam por água abaixo. Principal produto de nossa balança comercial, o café permanecia estocado (em virtude da Política de Valorização do Café), sem compradores. O pânico se alastrava entre os cafeicultores; a fome e o desemprego assombravam o povo. Com estas crises que abalaram o sistema capitalista mundial, o liberalismo chegou no seu limite máximo de reprodução, sendo incapaz de sanar os problemas inerentes ao próprio sistema. Tornar-se-ia necessário mudar a orientação da economia para evitar um surto revolucionário mundial, liderado pelos grupos comunistas e influenciado pela consolidação da vitória da Revolução na Rússia. Assim, a saída encontrada para a crise do capitalismo mundial apontava para a intervenção do Estado na economia, justamente o contrário do que preconizava o liberalismo (um dos princípios do liberalismo era, precisamente, a não intervenção do Estado da economia). O primeiro exemplo efetivo de intervenção do Estado na economia veio dos Estados Unidos, a partir de um conjunto de medidas intervencionistas adotadas pelo governo norte-americano que tinham como objetivo acabar com a crise, gerando mercado e reduzindo o desemprego estrutural. Este conjunto de medidas ficou conhecido como New Deal e inaugurou a fase dirigista do governo dos EUA na economia. O New Deal. Este plano coube ao democrata Franklin Roosevelt, que derrotou os republicanos, árduos defensores do liberalismo. Com o New Deal, o Estado passou a dirigir a economia, investindo maciçamente em obras públicas com o objetivo de gerar empregos e, consequentemente, mercado consumidor; em reformas sociais (aumentando significativamente, por exemplo, o salário; ampliação dos seguros 123


sociais); eliminou o espírito de poupança, gerada pela crise monetária; ampliou o crédito para o consumo; reduzindo os preços dos produtos agrícolas, entre outras medidas de dinamização do mercado. A partir de então, o capitalismo liberal foi abandonado pelas economias mundiais, e crescendo cada vez mais o grau de intervenção do Estado na economia e nos planos sociais. O exemplo da moderna civilização ocidental passou a ser o modo de vida dos americanos: o american way of life. Altos edifícios, automóveis, residências em série, aparelhos domésticos. As diferenças sociais diminuíam: o crédito permitia a todos comprar carro ou casa. Rádio, cinema e a indústria do lazer se desenvolveram.

A crise de 1929 e o Brasil: o fim de uma era. No Brasil, o sistema político vigente à época da crise de 1929, baseava-se num acordo político firmado entre os dois mais importantes estados da Federação. De um lado São Paulo, o maior produtor de café do país, e por isso o Estado economicamente mais importante; do outro Minas Gerais, o estado mais populoso e que destacava-se na produção de gado leiteiro. A esta aliança entre paulistas e mineiros, onde estabelecia-se uma alternância na indicação da presidência da República, deu-se o nome de Política do Café-com-Leite. Este acordo tinha como objetivo garantir o predomínio e a dominação político-econômica da oligarquia produtora de café, colocando, efetivamente, a República brasileira a seu serviço. Esta Oligarquia utilizava-se de todos os expedientes para garantir as suas vantagens e evitar prejuízos. Um exemplo disso foi o Convênio de Taubaté, assinado em 1906, entre os “governadores” (naquela época os governadores eram chamados de Presidente de Estado) Jorge Tibiriçá (SP), Francisco Sales (MG) e Nilo Peçanha (RJ). Este acordo firmado, na cidade paulista de Taubaté, representava os interesses da Oligarquia cafeicultora, estabelecia o seguinte: • os estados assumiam a obrigação de sustenta um preço mínimo por saca de café nos portos de embarque; • o governo deveria comprar e reter uma parte da produção, o equivalente ao excesso sobre o consumo mundial; • seriam feitos empréstimos internacionais, no valor de 15 milhões de libras-esterlinas para a compra dos estoques. De acordo com o pesquisador Edgar Carone , esta foi a “primeira intervenção estatal para proteger um produto, obra de e para benefício de uma classe”. Esta Política de Valorização do Café – como também ficou conhecido o Convênio de Taubaté – foi motivada pela queda do preço do café ocorrida nos primeiros anos da República Velha, e a situação dos produtores de café ficou problemática. Assim, eles procuraram estabelecer medidas que garantissem preços elevados para o seu produto, mantendo-se, assim, os seus lucros. Esta Política de Valorização do Café, trouxe sérios problemas para o desenvolvimento da economia nacional, pois

inibiu o crescimento industrial, haja vista que o governo não estava preocupado em investir em obras de infra-estrutura que possibilitassem a instalação de mais indústrias em determinadas regiões. Ora, o governo estava a serviço das oligarquias cafeeiras e não interessava-se, portanto, no desenvolvimento industrial do país. Afinal, o nosso café garantiria o bem-estar do povo. Desta maneira, todos os impostos arrecadados serviriam única e exclusivamente para garantir os altos lucros dos cafeicultores. Em 1929, entretanto, a crise mundial do capitalismo irá sucumbir as bases da Política de Valorização do Café e a Política do Café-com-Leite. Com a crise do capitalismo, o nosso principal produto não encontrará compradores na Europa e nos EUA. Os cafeicultores exigirão do Estado a compra de seus estoques não vendidos no mercado internacional para garantir o preço do produto. Entretanto, não haverá recursos no exterior para financiar tamanha compra. Assim, de um lado a oligarquia cafeeira se desarvorou a pressionar o governo, no sentido de se ampliarem os mecanismos de defesa dos seus altos lucros; do outro lado os setores urbanos – principalmente o proletariado – que sofriam com a miséria e o desemprego, reagiram com greves gerais nos principais centros urbanos, influenciados por idéias anarquistas e socialistas trazidas para o Brasil nas consciências dos imigrantes europeus. O governo tentava auxiliar os cafeicultores com incentivos financeiros; aos trabalhadores, o governo respondia com repressão, contribuindo, decididamente para um clima favorável à revolta. Em meio à crise econômica, agitou-se a questão sucessória do paulista Washington Luís, que já havia sido aberta em 1927, quando o presidente, ao contrário do que se previa pela Política do Café-com-Leite, insistiu na indicação de um outro paulista para sucedê-lo: Júlio Prestes, então presidente de São Paulo. Esta postura irá levar à oligarquia mineira para a oposição, uma vez que o candidato natural seria o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada. Uma vez desarticulado a mais forte aliança oligárquica foi possível a composição de um outro acordo político com o objetivo de derrotar São Paulo nas eleições. Este acordo, agora envolvendo o Partido Republicano Mineiro (o partido da oligarquia mineira) o Rio Grande do Sul – enquanto oligarquia dissidente – e a Paraíba, que representava a insatisfação dos estados periféricos, denominou-se de Aliança Liberal, que reuniu também o Partido Democrático de São Paulo – oposição ao Partido Republicano Paulista (PRP). Assim, a Aliança Liberal lançou o nome de Getúlio Vargas (presidente do Rio Grande do Sul) e de João Pessoa (presidente da Paraíba) à presidência e vice-presidência da República, respectivamente. Podemos dizer que esta foi a única chapa que concorreu de igual para igual com a chapa da situação que representava os interesses de São Paulo. A campanha oposicionista teve larga repercussão nos grandes centros urbanos, que aspiravam por reformas, nos estados do nordeste, além de se impor em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Os Tenentes também apoiaram a chapa aliancista pois viam na vitória de uma candidato da 124


oposição um instrumento para a realização das reformas que eles julgavam necessárias para a salvação do país. A eleição ocorreu em março, e o resultado, como sempre, apontou a vitória da situação, em virtude da existência de uma Comissão de Verificação dos Diplomas dos Eleitos ou Comissão de Verificação dos Poderes . Vale lembrar que naquela época o voto não era secreto; o voto era controlado pelo Coronel da região (veja nota 02), que evitava as “surpresas” eleitorais, utilizando-se dos mais diversos expedientes: fraudes, assassinatos, chantagem etc. Era o que se chamava eleição no bico da pena, quando os coronéis utilizavam do voto de cabresto para garantir o seu domínio político. Confira no quadro abaixo como funcionava o sistema político-eleitoral na República Velha.

Sistema Político Eleitoral da República Velha. • Nível Federal: Política do Café-com-Leite → união de Minas Gerais + São Paulo → Troca de favores com as oligarquias de menor expressão • Nível Estadual: Política dos Governadores • Troca de favores entre os governadores e o governo federal • Nível Municipal: Pacto Coronelista • Troca de favores entre os governos municipais e estaduais. A vitória da chapa de Júlio Prestes nas eleições de 1930 soou estranho aos ouvidos das oligarquias mineiras, gaúchas e nordestinas. Como uma chapa que tem o apoio do maior “curral” eleitoral do país (Minas Gerais, com mais de 3,5 milhões de habitantes), o apoio da principal oligarquia de oposição (Rio Grande do Sul) e das pequenas oligarquias nordestinas poderia perder as eleições? A fraude seria a resposta! Entretanto, a Aliança Liberal aceitou o resultado das eleições, pois havia um pacto pré-estabelecido entre os líderes das duas chapas de reconhecimento e de aceitação do resultado das eleições. Mas os Tenentes não participaram deste pacto e propuseram uma saída revolucionária para a crise político-econômico-social que se abatia sobre o Brasil. Alguns líderes tenentistas chegaram a procurar Getúlio Vargas e outros líderes da Aliança Liberal para articular o movimento. Entretanto a resposta de João Pessoa ilustra bem a “tradição conciliatória” da elite brasileira: “prefiro dez Júlio Prestes, a uma revolução”. O clima de crise não pairava somente entre as oligarquias derrotadas no pleito de 1929, mas nos setores urbanos, na classe média e, principalmente, entre os trabalhadores que respondiam com movimentos grevistas cada vez mais fortes e organizados. O próprio Getúlio Vargas, percebendo o clima de insatisfação entre o povo, percebe que não há mais saída institucional para a crise. Até o governador de Minas Gerais, considerado um conservador, reconheceu o clima de descontentamento e chegou a afirmar que “façamos a revolução, antes que o povo a faça”, num nítido sinal de preocupação com os ânimos da população e dos tenentes O clima de insatisfação aumentava entre os tenentes e

alguns líderes da Aliança Liberal. No dia 26 de julho de 1930, João Pessoa foi assassinado por João Dantas, inimigo político e pessoal, num crime passional, em uma confeitaria em Recife (PE). O crime teve muito mais conotações pessoais que políticas. A morte do candidato a vice-presidente na chapa da Aliança Liberal, desencadeou um verdadeiro clamor revolucionário, muito propício às agitações tenentistas. No dia 03 de outubro de 1930 teve início o movimento armado e revolucionário, partido do Rio Grande do Sul em direção à capital federal. Como o apoio de Minas Gerais e de vários estados do nordeste, o movimento, depois de três semanas de combate, saiu vitorioso. Em 24 de novembro de 1930, o presidente Washington Luís, aconselhado pelo cardeal do Rio de Janeiro, entregou o poder a uma junta militar. Getúlio Dornelles Vargas assumiu o poder, provisoriamente, em 03 de novembro de 1930, como Delegado da Revolução, em nome do Exército, da Marinha e do Povo. Consolidou-se no poder e dominaria a cena política brasileira durante os próximos 24 anos, até o seu suicídio em agosto de 1954, quando ocupava a chefia do governo brasileiro pela segunda vez.

MOVIMENTO MODERNISTA E TENENTISTA. No início dos anos 20, a insatisfação contra o domínio político, econômico, social e cultural da elite cafeicultora contaminou setores da classe média que expressou a sua insatisfação de inúmeras maneiras, entre elas destaca-se o Movimento Modernista e o Tenentista.

O Movimento Modernista O movimento modernista foi a expressão cultural da reação da classe média contra as estruturas oligárquicas. Em 1922, organizou-se em São Paulo, a Semana de Arte Moderna – de 13 a 20 de fevereiro de 1920 – , um movimento cultural, que se manifestou nos diversos setores das artes (literatura, música, artes plásticas etc.) cujo caráter revolucionário se expressava na proposta de libertar a nossa arte dos padrões europeus. A Semana de arte moderna é uma ruptura com o servilismo aos moldes lusitanos de expressão e uma incitação ousada à experimentação de formas brasileiras de linguagem fundada nas falas regionais e populares. É, também, um esforço deliberado e lúcido de busca de inspiração, tanto nas tradições indígenas e negras como na realidade circundante, para a criação d uma arte genuinamente nacional. Assim, um grupo de jovens intelectuais e artistas como Di Cavalcanti, Menotti Del Pichia, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, entre outros chocavam a sociedade brasileira com suas obras modernistas. Nesse movimento, foi possível retratar a situação de descaso em que se encontrava a maior parte da população brasileira, o atraso econômico do país, a grande dependência estrangeira, os problemas sociais (desigualdades sociais, preconceito, marginalidade, miséria, seca etc) o que possibilitou o desenvolvimento do sentimento nacionalista. A Semana de Arte Moderna, coincidindo com o centenário da Independência do Brasil, induzia a uma reflexão: 125


será que nesses 100 anos fomos, realmente, independentes?

O Movimento tenentista. O Movimento Tenentista foi a expressão dos jovens oficiais do exército contra as estruturas oligárquicas. Como a maior parte dos jovens, os tenentes eram idealistas e acreditavam que as Forças Armadas não podiam ajudar a manter um regime político “corrupto”, como o que vigorava no país. Era necessário tomar o poder e realizar reformas na sociedade brasileira. Dessa forma, podemos dizer que o Tenentismo foi, então, um movimento político-militar que tinha os seguintes objetivos: a) moralização da administração; b) ampla reforma político-eleitoral (adoção do voto secreto e criação de uma justiça eleitoral autônoma); c) severo controle econômico-financeiro sobre o país (combate à inflação, diminuição da dívida externa etc); d) reforma na educação pública. Entretanto, a este programa faltava, muitas vezes clareza e precisão, e se revelava, como podemos ver nas reivindicação acima, num movimento nacionalista, liberal e reformista, comandado pelo Exército. Podemos dividir as suas reivindicações em três blocos distintos:

18 do Forte de Copacabana, eclodiu uma revolta tenentista em São Paulo, liderada pelo general reformado Isidoro Dias Lopes. Depois de um mês de lutas na cidades, os Revolucionários paulistas foram para o interior do estado, quando se juntaram com um outro grupo revolucionário comandados pelo capitão de engenharia, Luís Carlos Prestes , que vinham de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, e formaram uma coluna de revolucionários que ficou conhecida como Coluna Prestes. Essa coluna percorreu praticamente todo o país, tendo sido perseguida até por cangaceiros – inclusive o bando de Lampião – que atenderam a pedidos do governo federal. A Coluna Prestes, sem conseguir, contudo, alcançar os seus objetivos, teve o seu fim na Bolívia. Em 1927, com a derrota da Coluna Prestes, as lutas tenentistas arrefeceram-se. O Tenentismo manteve-se, porém, como a principal força de contestação ao regime e o fim deste resultou, sobretudo, da ação dos jovens militares.

O MOVIMENTO OPERÁRIO NO BRASIL DOS CAFEICULTORES. O desenvolvimento industrial brasileiro será o responsável pelo surgimento de novos atores no quadro social do Brasil. Teremos o surgimento da classe média industrial e dos trabalhadores urbanos (proletariado). A formação do operariado brasileiro está intimamente ligado à imigração européia, e ao processo abolicionista brasileiro.

• a purificação do regime, estabelecendo a verdade eleitoral, ou seja, que as eleições fossem capazes de captar a legítima vontade nacional, que o voto fosse secreto e que se eliminassem as fraudes, a coação e a violência.

Devido às péssimas condições de vida e de trabalho a que estavam submetidos os operários, foram comuns os movimentos de protesto e reivindicação dessa classe, durante toda a República Velha.

• A estabilidade econômica, representada pelo rígido controle das finanças públicas, pela contenção dos empréstimos no estrangeiro, com a consequente diminuição da dívida externa; pelo controle da política cambial e das emissões, objetivando-se a contenção da inflação e a diminuição do custo de vida;

Na República Velha, o operariado brasileiro aumentou sobremaneira devido à crescente urbanização e às atividades industriais, uma vez que os serviços urbanos, principalmente os transportes e as fábricas, passaram a recrutar um número cada vez maior de operários.

• A proteção governamental para todos os produtos nacionais, inclusive para os produzidos pela indústria, acabando-se com o privilégio do setor cafeeiro. Os militares, como em 1889 (e como será posteriormente em 1937, em 1945 e em 1964) apresentar-se-ão como a parte sã da sociedade, destinada a eliminar a corrupção dos grupos oligárquicos – os carcomidos –, que se preocupavam apenas com os seus problemas, nada fazendo pelo país. As lutas tenentistas iniciaram-se em 1922, com a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana. Ela foi liderada por 18 tenentes que, tomando o Forte de Copacabana, decidiram agir contra o governo e impedir a posse do presidente Arthur Bernardes. O movimento foi duramente reprimido pelo governo e fracassou. Apenas dois tenentes sobreviveram – entre eles o tenente Eduardo Gomes, mais tarde Brigadeiro e, por duas vezes, candidato à presidência da República. No dia 05 de julho de 1924, aniversário da Revolta dos

O proletariado urbano brasileiro, durante a República dos Cafeicultores teve a mesma sorte que os operários de outros países quando o capitalismo estava se implantando: trabalhavam 14, 16 e até 18 horas por dia, nas piores condições ambientais, sem qualquer proteção ou segurança contra os acidentes de trabalho; não possuía estabilidade (admissão, demissão, descanso, licenças médicas, férias, maternidade, paternidade) tudo ficava a critério dos patrões; os níveis salariais não passavam do mínimo necessário à sobrevivência, mulheres e crianças não recebiam tratamento diferenciado. Acima de tudo, os trabalhadores não tinham direito à atuação política, era-lhes vedado a livre associação: sociedades de auxílio mútuo, sindicatos, ou quaisquer outras entidades deveriam ser controladas pelo governo ou pelo próprio empresário. Contudo, o operariado articulou-se e agiu politicamente. Chegou-se mesmo ao nível de organizações partidárias vinculadas ao movimento operário, tais como o Bloco Operário e Camponês (BOC) e o Partido Comunista do Brasil (PCB), fundado em 1922, e funcionando até os dias de hoje. 126


A partir de 1917 , em todos os grandes centros urbanos, a greve, o principal instrumento de ação política dos operários – pois interrompe o processo produtivo –, foi fenômeno importante e constante. Porém, foi violentamente reprimida assim como os comícios, as concentrações, as reuniões nas entidades. Essas manifestações, apesar de terem sido tratadas como caso de polícia, ou precisamente por causa disse, representaram abalos na organização republicana, os quais contribuíram para o desmonte do regime. O movimento operário brasileiro, nessa primeira fase republicana, foi organizado a partir de entidades e correntes ideológicas que procuravam articular os trabalhadores e dar organicidade às suas lutas. Destacaram-se, nesse sentido, os anarquistas, os anarcossindicalistas e os socialistas, representados, principalmente, por trabalhadores estrangeiros, notadamente italianos e espanhóis, que faziam parte dos contigentes de imigrantes que haviam concentrado nos grandes centros urbanos do sul e sudeste do país.

PRIMEIROS MOVIMENTOS GREVISTAS NO SÉCULO • 1902: 1ª Greve - Rio de Janeiro • 1903: Greve interprofissional - Rio de Janeiro • 1904: Greve dos Portuários - Santos • 1906: Greve dos Ferroviários - São Paulo • 1907: Greve pela redução da Jornada de Trabalho São Paulo, Santos, Ribeirão Preto e Campinas

A CRISE DA REPÚBLICA VELHA: DIFERENTES PROJETOS DE REVOLUÇÃO

Embora fosse comum, durante a década de 1920, o apelo à Revolução como mecanismo para derrubar a ordem oligárquica, cada grupo que defendia esta idéia possuía projetos e interesses di-ferentes e até mesmo conflitantes. Para os tenentes, a idéia de “REVOLUÇÃO” possuía um caráter essencialmente reformista, ou seja, não defendiam a mudança radical da sociedade brasileira, queriam apenas reformar as insti-tuições e moralizar o processo político. De fato, não defendiam a revolução no seu sentido mais profundo, pretendiam apenas, como disse anteriormente, a moralização política e econômica do país. Outro projeto de “REVOLUÇÃO” começou a ser divulgado pelos grupos políticos liberais que se opunham ao predomínio político dos Partidos Republicanos tradicionais. O Rio Grande do Sul e São Paulo foram as duas principais bases de atuação da oposição liberal. Em 1924, foi fundada, no Rio Grande do Sul, a Aliança Libertadora, que combatia o controle político do Partido Republicano Riograndense. E, em 1926, foi fundado o Par-

tido Democrático de São Paulo, reunindo setores da classe dominante que estavam descontentes com a hegemonia do Partido Republicano Paulista. Esses partidos tinham em comum a defesa dos princípios liberais e a luta contra as oligarquias dominantes de seus Estados, por isso eram chamados de Liberais. De caráter essencialmente eli-tista, esses partidos defendiam a moralização dos costumes políticos, a reorganização da repúbli-ca com a implantação do voto secreto e a constituição de um poder judiciário independente dos demais poderes. O lema político dos liberais era “representação e justiça”. Para os políticos liberais o que inte-ressava era criar mecanismos políticos para impedir que os partidos republicanos tradicionais mantivessem o monopólio do controle do poder político nacional, acabando, desta forma com a hegemonia política das oligarquias paulistas e mineiras. O conservadorismo destes políticos era, contudo, evidente, pois não se preocupavam com as “questões sociais” do Brasil, ou seja, não se preocupavam com as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores urbanos rurais. Em relação a essas questões tinham o mesmo comportamento dos políticos da situação: repressão e manipulação dos organismos de representação popular, tais como sindicatos, partidos operários etc. Para os liberais, o caminho para transformar a República era a “via eleitoral”: com a moraliza-ção do processo eleitoral, acreditavam ser possível ir ocupando os –cargos políticos que eram monopolizados pelas oligarquias dos partidos republicanos mineiros e paulistas. Em 1927, os liberais fundaram o Partido Democrático Nacional, que atuaria em todo o país pa-ra conseguir o apoio das oligarquias de todos os estados brasileiros que estavam descontentes com a dominação política dos cafeicultores paulistas. Assim, o projeto de revolução dos liberais era essencialmente de cunho reformista, tal como o dos tenentes. Entretanto, enquanto os tenentes defendiam a luta armada para reformar o Brasil, os liberais temendo a radicalização dos setores populares, defendiam a mudança por meio das urnas. De fato, a semelhança entre estes dois projetos possibilitou, em alguns momentos, a união de setores liberais com os tenentes. Entretanto, nenhum destes projetos foi, individualmente, vitorio-so. Apesar da crescente importância política dos liberais, eles não conseguiram articular forças, a nível nacional, para derrubar a hegemonia das oligarquias dominantes. Somente o enfrentamento eleitoral era insuficiente para impor uma nova ordem política ao país.

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nal (1934-1937) e o Estado Novo (1937-1945).

O GOVERNO PROVISÓRIO (1930-1934) Ao assumir o poder em 1930, Getúlio Vargas suspendeu a Constituição em vigor, fechou o Congresso Nacional, as assembléias estaduais e municipais e nomeou pessoas de sua confiança para o governo dos estados, os chamados interventores, em geral tenentes. Pretendia, assim, estabelecer um controle total sobre o aparelho do Estado.

A República Nova: A Era Vargas (1930-1945) A Revolução de 1930 pôs fim à dominação tradicional da oligarquia cafeeira e instalou no poder uma coalizão de forças que aglutinava diferentes setores da sociedade brasileira. A Junta Pacificadora, que derrubara Washington Luís, entregou o poder, em caráter provisório, a Getúlio Dornelles Vargas, que, entretanto, permaneceu no poder até 1945. Durante a Era Vargas, o presidente apresentou-se como principal autoridade política nacional, controlando todas as decisões políticas, econômicas e sociais. As forças políticas vitoriosas em 1930 autorizaram o presidente a assumir esse papel centralizador, e ele, habilmente, soube atrair para si o apoio de diversos grupos sociais. Os tenentes, imbuídos de espírito modernizador, foram, em sua maioria, incorporados ao governo. Os defensores de reformas mais profundas no interior da sociedade brasileira, entretanto, foram presos e silenciados. Também a burguesia industrial e a classe média urbana, interessadas nos projetos desenvolvimentistas de Vargas, deram seu apoio ao novo governo. O mesmo fizeram as chamadas oligarquias dissidentes, vislumbrando uma possibilidade de maior participação nas decisões governamentais, especialmente as de caráter econômico. Finalmente, Vargas pôde contar com o apoio do operariado, beneficiado pela reforma trabalhista, graças à qual Vargas forjou uma imagem positivajunto às massas, sendo chamado de “pai dos pobres”. Conseguiu isso apesar de ter anulado qualquer atuação reivindicatória autônoma dos trabalhadores. Ele soube substituir as possíveis mudanças revolucionárias de um movimento trabalhista independente e verdadeiramente transformador por concessões paternalistas e tuteladoras. Mesmo a oligarquia cafeeira acabou se unindo a Vargas, devido ao sucesso de sua política econômica, inspirada na política de valorização do café, que visava aliviar a crise do setor, garantindo preços do produto através da compra e queima dos estoques: nos primeiros anos de seu governo mais de 10 milhões de sacas foram queimadas. Assim, se de um lado a Revolução de 1930 encerrou o controle político por parte da oligarquia cafeeira, por outro lado, continuou a garantir a força econômica das elites e manteve os grupos trabalhadores afastados da direção governamental, a despeito de ter ampliado suas relações com o Estado. A Era Vargas (1930-1945) divide-se em três períodos: o Governo Provisório (1930-1934), o Governo Constitucio-

Criou ainda dois novos ministérios: o da Educação e Saúde Pública e o do Trabalho, Indústria e Comércio. Estabeleceu direitos trabalhistas, como a limitação da jornada diária de trabalho a 8 horas, férias anuais remuneradas de 15 dias, regulamentação do trabalho de mulheres e crianças, etc. O trabalhismo foi uma das principais marcas de seu governo. Patrocinou uma política econômica que diminuísse os efeitos da crise mundial de 1929 sobre o setor agrícola de exportação. O Estado passou a comprar o estoque excedente de café e a destruí-Io (queimava, jogava nos rios, etc.), buscando controlar a oferta e garantir o preço do produto no mercado internacional. Entre 1930 e 1937 foram destruídas quase 80 milhões de sacas. Além disso, criou órgãos de proteção a outros gêneros agrícolas, como cacau, pinho, mate, álcool e outros. A crise internacional de 1929, porém, na medida em que dificultava as importações, favorecia o desenvolvimento industrial, pois se fazia necessário produzir internamente o que era difícil de se adquirir no exterior. Tratava-se da industrialização com base na substituição das importações, modernizando e transformando o caráter da economia nacional.

A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTN DE 1932 Perdendo o controle absoluto do poder político que desfrutara durante a República Velha, a oligarquia cafeeira, contudo, buscava meios para recuperar a antiga posição. Concentrados em sua maioria no estado de São Paulo, os cafeicultores chegaram a contar com o apoio da burguesia industrial paulista, reunida em torno do ideal da elaboração de uma nova Constituição, já que a anterior havia sido suspensa. Fora esse grupo que fundara, em 1926, o Partido Democrático. As tensões entre paulistas e governo federal aumentaram quando da nomeação de João Alberto Lins de Barros, tenente pernambucano, para o cargo de interventor no estado. Em 1932, da união entre o Partido Republicano Paulista (representante da oligarquia cafeeira) e o Partido Democrático, surgiu a Frente Única Paulista (FUP). Exercendo séria pressão sobre o governo, a FUP conseguiu a nomeação de um novo interventor, civil e paulista, Pedro de Toledo. A partir daí, intensificaram-se as manifestações em favor da elaboração de uma nova Carta constitucional. Em uma das manifestações morreram quatro estudantes: Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo, cujas iniciais formaram a sigla MMDC, símbolo da luta dos paulistas pela Constituição. 128


A 9 de julho de 1932, iniciou-se um movimento armado que visava depor o presidente Vargas. Mais de 200 mil homens alistaram-se no “Exército constitucionalista” e algumas indústrias foram adaptadas para a produção de equipamento de guerra. A revolução estendeu-se por 3 meses e terminou com a derrota das forças paulistas. Apesar da vitória sobre os revolucionários, Vargas adotou uma atitude conciliatória, convocando eleições para a escolha dos deputados que comporiam a Assembléia Constituinte para maio de 1933. Assim, a Revolução Constitucionalista, mesmo derrotada militarmente, atingiu seu objetivo: a elaboração de uma nova Constituição para o país. A Constituição de 1934 Eleita a Assembléia Constituinte, os deputados iniciaram seus trabalhos em novembro de 1933, promulgando a nova Constituição em julho de 1934. Eram suas principais características: ● manutenção do regime federativo, presidencialista e dos três poderes do governo (Executivo, Legislativo e Judiciário); ● extinção do cargo de vice-presidente; ● voto secreto e eleições diretas para os poderes Executivo e Legislativo da União, estados e municípios; ● voto feminino; ● confirmação da legislação trabalhista (previdência social, 8 horas de trabalho diário, férias anuais remuneradas, etc.); ● criação do mandado de segurança para defender o cidadão contra abusos do Estado; ● ensino primário obrigatório e gratuito. Terminada sua tarefa, a Assembléia Constituinte transformou-se na primeira Assembléia Legislativa após a Revolução de 1930, tendo o direito de eleger o presidente da República. Getúlio Vargas foi o escolhido e reassumiu o poder com mandato de 4 anos.

O GOVERNO CONSTITUCIONAL DE VARGAS (19341937) Vargas, no entanto, não abandonara suas pretensões centralizadoras. Alinhado com as tendências políticas emergentes na Europa, o presidente também tendia ao radicalismo, a exemplo de Mussolini, na Itália, e Hitler, na Alemanha. Tais regimes políticos, de caráter ditatorial e militarista, receberam o nome de nazifascismo. A Ação Integralista Brasileira, partido de inspiração fascista, apoiado por grandes proprietários, empresários, elementos da classe média e oficiais das Forças Armadas, surgiu em meio a esse contexto. Seus defensores pregavam a criação, no Brasil, de um Estado integral, isto é, de uma ditadura nacionalista com um único partido no poder. Seu líder, Plínio Salgado, tinha por lema “Deus, Pátria e Família” e representava os radicais defensores da propriedade privada, pregando a luta contra o avanço comunista.

Os integralistas tinham uma organização militar nos moldes dos fascistas europeus. Vestiam uniformes com camisas verdes, daí o apelido “galinhas-verdes”. Possuíam como símbolo o sigma e faziam a saudação “Anauê!”, com o braço levantado, imitando os nazistas. Na mesma época e opondo-se frontalmente aos integralistas, constituiu-se uma aliança de esquerda, a Aliança Nacional libertadora (ANL), liderada por Luís Carlos Prestes do Partido Comunista do Brasil (PCB). Além dos comunistas, a Aliança Nacional Libertadora agregava também socialistas e liberais democratas, em geral membros da classe média, operários e elementos das Forças Armadas. Pregavam a reforma agrária, o estabelecimento de um governo popular-democrático, a nacionalização de empresas estrangeiras e o cancelamento da dívida externa. A ANL cresceu rapidamente em todo o país, frente ao avanço da economia urbano-industrial e à crescente ameaça ditatorial dos fascistas. Apesar de sua popularidade, em julho de 1935, o governo de Getúlio declarou-a ilegal com base na Lei de Segurança Nacional. O fechamento das sedes aliancistas e a prisão de alguns de seus membros motivaram um fracassado levante, liderado pelos comunistas, em novembro de 1935. A chamada Intentona Comunista, desencadeada em Natal, Recife e Rio de Janeiro, foi rapidamente sufocada pelo governo federal. Muitos líderes foram presos e, entre eles, o próprio Prestes, o principal líder do PCB. A Intentona foi, porém, utilizada pelo governo como pretexto para a decretação do estado de sítio, o que garantiu plenos poderes ao presidente no combate às agitações políticas.

O golpe do Estado Novo (1937) O poder de Getúlio Vargas continuou a ampliarse. O estado de sítio, renovado constantemente pelo Congresso, manteve-se durante o ano de 1936 e início de 1937. Como o mandato de Getúlio terminaria em 1937, teve início a campanha eleitoral para a sucessão do presidente, para a qual se apresentaram três candidatos: o ex-governador de São Paulo, Armando de Sales Oliveira, apoiado pelas elites paulistas; o escritor paraibano José Américo de Almeida, aparentemente apoiado pelo presidente; e o líder integralista Plínio Salgado. Getúlio, todavia, não se mostrava disposto a deixar a presidência e, juntamente com dois chefes militares, generais Eurico Gaspar Dutra e Góis Monteiro, arquitetou um golpe de Estado. A intenção do presidente era conseguir o apoio de setores sociais temerosos com o avanço da esquerda. Para isso, fez-se circular uma história segundo a qual os comunistas planejavam tomar o poder, assassinar as principais lideranças políticas do país, incendiar as igrejas, desrespeitar lares, etc. O plano, que vinha assinado por um desconhecido chamado Cohen, era, na verdade, uma farsa: o Plano Cohen fora forjado por alguns militares integra129


listas, desejosos da instalação de um regime ditatorial de direita. A farsa do Plano Cohen deu a justificativa para um golpe de Estado e a instalação do Estado Novo. Ela foi montada no Ministério da Guerra, destacando-se a atuação do capitão integralista Olímpio Mourão Filho. A suposta ameaça comunista, no entanto, garantiu mais uma vez a prorrogação do estado de sítio. Muitos opositores foram presos e a imprensa sofreu violenta censura. O êxito do plano de Vargas completou-se em novembro de 1937, quando, usando a Polícia Militar, determinou o fechamento do Congresso Nacional, suspendeu a realização das eleições presidenciais, extinguiu os partidos políticos e outorgou uma nova Constituição. Inaugurava-se, nesse momento, o período ditatorial de seu governo, chamado de Estado Novo.

O ESTADO NOVO DE VARGAS (1937-1945) A centralização político-adrninistrativa A Constituição, outorgada imediatamente após o golpe, havia sido elaborada por Francisco Campos e inspirada na constituição fascista da Polônia, chamada por isso de “Polaca”. Nela, o poder político concentrava-se completamente nas mãos do presidente da República, a “autoridade suprema do Estado”, eliminando o Legislativo e subordinando o Judiciário ao Executivo. A ditadura de Vargas apoiava-se, ainda, no controle sobre a imprensa. Para isso criou-se o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), encarregado da censura dos meios de comunicação (rádio, jornais, livros, cinema), além da divulgação de uma imagem positiva do Estado Novo, influenciando a opinião pública. Nesse período começou a ser transmitido por rede de rádio o programa “Hora do Brasil”. Para controlar o aparelho de Estado foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), o qual assumiu o comando sobre a administração e o serviço público. No nível estadual, Vargas impunha os interventores e proibia a utilização de bandeiras, hinos e outros símbolos que não fossem os nacionais. Contra os opositores do regime, ampliou os poderes das polícias estaduais, especialmente da polícia política, comandada por Filinto Müller. Ocorreram milhares de prisões e maus-tratos, sendo as torturas constantes. A própria eliminação de pessoas não era fato raro. Como em qualquer regime ditatorial, autoritarismo e arbitrariedade andavam juntos, um como continuação do outro. No plano trabalhista, Vargas estabeleceu um rígido controle sobre os sindicatos, submetendo-os ao Ministério do Trabalho e impondo-lhes lideranças fiéis ao regime - os chamados pelegos - que amorteciam as pressões dos trabalhadores. Manteve ainda a sua política paternalista, concedendo novos benefícios trabalhistas, como o salário mínimo e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que até hoje regulamenta as relações entre patrões e empregados. Evitando demonstrar que as conquistas dos trabalhadores

nada mais eram que seus direitos e se deviam ao mérito de suas lutas, Vargas fazia concessões tuteladoras. Agradar um pouco os trabalhadores sem dar-lhes chances de reivindicar ou discutir eventuais mudanças, essa era a fórmula para refrear qualquer tentativa de participação mais ativa dessa classe na política governamental. Com a extinção dos partidos políticos, os integralistas romperam com Vargas, tentando um golpe de Estado em 1938, atacando o Palácio do Catete, a sede governamental, no Rio de Janeiro. O presidente, sua filha Alzira Vargas e os guardas legalistas frustraram o golpe integralista, recebendo os invasores de armas em punho, conseguindo aprisionar os golpistas. Era a derrota do putsch (golpe) integralista.

O intervencionisrno estatal na econornla Durante o Estado Novo, a economia brasileira modernizou-se e diversificou-se. Na agricultura, o governo obteve êxito na aplicação da política de valorização do café, com a queima dos excedentes e a fixação de taxas de exportação. Em outros setores da agricultura, o incentivo governamental propiciou o aumento da produção e a diversificação dos cultivos. A indústria teve um impulso considerável, especialmente a partir de 1940. De um lado, o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) dificultava as importações, incentivando mais uma vez o processo de substituição dos produtos importados por nacionais. Por outro, o intenso apoio governamental estimulava a implantação de novas fábricas, a ampliação das já existentes e a montagem da indústria de base estatal, como a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Visando à obtenção da matéria-prima para a indústria pesada, Vargas criou a Companhia Vale do Rio Doce. Surgiam assim grandes empresas estatais que garantiriam o suprimento de produtos indispensáveis ao desenvolvimento das demais indústrias. Preocupado ainda com o fornecimento de energia que movimentasse o parque industrial brasileiro, o governo criou o Conselho Nacional do Petróleo. O órgão deveria controlar a exploração e fornecimento desse produto e seus derivados, explorando o primeiro poço petrolífero na Bahia, em 1939.

O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Quando teve início a Segunda Guerra Mundial, em 1939, o governo brasileiro adotou uma posição de neutralidade. Não manifestou seu apoio nem aos Aliados (Inglaterra, França, União Soviética e Estados Unidos) nem aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Essa posição garantiu ao Brasil vantagens comerciais e a obtenção de empréstimos junto aos países beligerantes. Porém, a pressão norte-americana alterou a decisão do governo brasileiro, que, em janeiro de 1942, rompeu relações com os países do Eixo. A declaração de guerra veio em agosto do mesmo ano, quando os alemães afundaram vários navios brasileiros, o que resultou na morte de 607 130


brasileiros. A declaração de guerra ao Eixo implicou o envio de dezenas de milhares de soldados para lutar na Europa, em 1944, sob o comando do marechal Mascarenhas de Morais. Além de uma esquadrilha da Força Aérea Brasileira, foram enviados soldados que compunham a Força Expedicionária Brasileira (FEB), as quais integravam o V Exército Americano, comandado pelo general Clark. O Exército brasileiro teve destaque na campanha da Itália, obtendo significativas vitórias em Monte Castelo, Castelnuovo e Montese. A participação do Brasil na luta contra os regimes ditatoriais europeus criou uma contradição interna, o que acabou por enfraquecer as bases do Estado Novo. O Brasil lutava contra as ditaduras nazifascistas, pela liberdade, enquanto mantinha um regime ditatorial. A oposição à ditadura de Vargas ganhou espaço, sendo realizadas diversas manifestações pela redemocratização no país.

O FIM DO ESTADO NOVO. O Estado Novo foi arquitetado como um Estado autoritário e modernizador que deveria durar muitos anos. No entanto, o seu tempo de vida acabou sendo curto, pois não chegou a durar oito anos. A partir de 1942, em virtude, principalmente da Segunda Grande Guerra Mundial, iniciou-se no Brasil uma crescente oposição ao Estado corporativo-autoritário Varguista, ou seja, os problemas do país resultaram mais da inserção do Brasil no quadro das relações internacionais do que das condições internas do país. A fragilidade do regime nessa fase deu margem ao surgimento de várias organizações e agrupamentos de oposição à ditadura, desafiando a censura e as proibições governamentais. Dentre elas destacamos a Sociedade dos Amigos da América e a Liga de Defesa Nacional. As oposições, mesmo com seus maiores líderes nas cadeias ou no exílio, uniram-se para combater o regime de Vargas. O “Manifesto dos Mineiros”, de 1943, assinado por 76 intelectuais, políticos e empresários de Minas Gerais exigia a redemocratização e passava clandestinamente de mão em mão. Estudantes saíam às ruas, desafiando a ditadura. Escritores defendiam abertamente a liberdade de expressão e as eleições. Desrespeitando a censura, jornais publicavam entrevistas com políticos de oposição. Já é possível perceber as contradições peculiares às mudanças do processo histórico: o Vargas de 1937 fora conveniente às elites, para controlar os comunistas e movimentos populares; o Vargas de 1945 já não mais convinha em função de seu nacionalismo, o qual, importante a um projeto industrial substitutivo, tornara-se incômodo ao capital americano, ávido de entrar no mercado brasileiro mas que não se sujeitava a controles de um governo forte. Isso nos ajudará a compreender porque, Luís Carlos Prestes, outrora perseguido de Vargas, passará a apoiá-lo. Diante desse quadro, Vargas tentava várias manobras para adiar a abertura política. Sob o pretexto de que o esforço de guerra impedia mudanças políticas internas, prometia

que, após a guerra, “em ambiente próprio de paz e ordem”, realizaria a transição do governo para a democracia. No início de 1945, a oposição ao Estado Novo chegara ao seu ponto mais alto, mobilizando até os que antes apoiavam a ditadura (militares, empresários e a classe média), por temor do avanço comunista. Pressionado por todos os lados, Getúlio Vargas, em fevereiro de 1945, assinou o Ato Adicional à Constituição de 1937, fixando o prazo de 90 dias para a convocação de eleições e sua regulamentação. O Ato foi criticado pelas oposições como apenas outra manobra de Vargas. Crescia o número pela convocação de uma Assembléia Constituinte, para elaborar uma nova Carta que substituísse a Constituição outorgada em 1937 pela ditadura. Em abril, um amplo movimento popular com a participação de estudantes (UNE), jornalistas e escritores, intelectuais, políticos e militares, obrigou Vargas a anistiar os envolvidos em crimes políticos, beneficiando até mesmo os comunistas e permitindo o funcionamento de partidos políticos. Surgem, assim, partidos de caráter nacional e ideologicamente definidos: • UDN – União Democrática Nacional – Formada por opocisionistas liberais, antigetulistas, e ligadas aos grandes interesses econômicos. A UDN condenava: o comunismo, o totalitarismo varguista, a intervenção estatal na economia e defendia a colaboração do capital estrangeiro e maior aproximação com os Estados Unidos. A ideologia da UDN, politicamente liberal, no plano econômico se manifestava também liberal, reivindicando a liqüidação do proteccionismo, identificado como causa principal do aumento dos preços. Isso conquistava a simplatia daquelas camadas médias, cujas perspectivas econômicas se orientam pelo ponto de vista do consumidor. Uma ala da UDN, a Esquerda Democrática, mais tarde se desdobraria numa nova organização, o Partido Socialista Brasileiro – PSB. Seus principais líderes eram: Armando Salles, Júlio de Mesquita Filho, Assis Chateubriand e Paulo Bittencourt. • PSD – Partido Social Democrático – Integrado pela oligarquias regionais, industriais e banqueiros beneficiados pela política econômica varguista. Organizado por Vargas e Benedito Valadares (interventor em Minas Gerais), o partido era situacionista e controlava uma poderosa máquia eleitoral, todavia não possuía uma unidade ideológica. Principais líderes: Amaral Peixoto e Benedito Valadares. • PTB – Partido Trabalhista Brasileiro – Criado por Vargas para manter sua popularidade entre os trabalhadores e impedir o avanço comunista no meio sindical. Era integrado por funcionários do Ministério do Trabalho e lideranças sindicais fiéis a Vargas. O seu principal papel era mobilizar a burocracia sindical ligada aos trabalhadores. O governo procurava organizar assim, agora sob forma partidária, um dos outros pólos em que se baseara seu prestígio, camadas populares urbanas, que passaram a representar um conjunto significativo de votos. A ideologia populista deste partido mantinha e reforçava a tradição inaugurada por Vargas. 131


Principais lideranças: Marcondes Filho, Hugo Borghi e Alberto Pasqualini. • PCB – Partido Comunista do Brasil – Fundado em 1922, retornou à ilegalidade e tinha forte penetração no meio intelectual e influência na área sindical. Opunha-se ao Estado Fascista e ao imperialismo. Principal líder: Luís Carlos Prestes. • Outros partidos de menor expressão política: O PSP – Partido Social Progressista – liderado por Adhemar de Barros, de forte expressão em São Paulo; o PRP – Partido de Representação Popular – chefiado por Plínio Salgado, simpatizante do fascismo e com algum apoio da classe média; o Partido da Boa Vontade, organizado pelo Alziro Zarur e sua Legião da Boa Vontade; no Rio Grande do Sul apareceu o Partido Libertador, composto das ruínas da rebelião de 1923, com um projeto parlamentarista.

os monopólios e as práticas monopolistas com o objetivo de elevar os preços e impedir a concorrência. Previa-se a desapropriação pelo presidente da República das empresas envolvidas em atos nocivos ao interesse público. Através do PCB e do PTB, Getúlio conseguiu mobilizar as forças populares a seu favor. Foram montados comitês “queremistas” em várias capitais. No Rio de Janeiro, forma organizadas inúmeras e sucessivas passeatas até o Palácio do Catete exigindo a permanência de Getúlio no poder. No início de outubro, os “queremistas” entregaram a Getúlio uma proposta de convocação de uma Assembléia Constituinte, com o adiamento das eleições presidenciais, que só deveriam ser fixadas pela nova Constituição. Os setores de oposição à Vargas não concordavam com a idéia de que uma Constituinte com Getúlio. Estavam certos de que Vargas não estava disposto a realizar eleições.

Com a convocação das eleições presidenciais para 02 de dezembro estes partidos começaram a fazer alianças e lançar seus candidatos.

Manifestações populares, favoráveis a Getúlio, e articulações conservadoras de um golpe de Estado desenvolviam-se simultaneamente.

Para concorrer à presidência da República, a UDN lançou o brigadeiro Eduardo Gomes, e o PSD escolheu o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra de Vargas, apoiado também pelo PTB.

Para conseguir o apoio do recém legalizado Partido Comunista, Vargas apelou para um discurso de forte conotação nacionalista. Um resultado disso foi a Lei Malaia ou Decreto-Lei n.º 7.666 que controlava a remessa de lucros para o exterior, também conhecida como lei anti-truste. Naquele momento, no entanto, além dos democratas progressistas também estavam interessados na redemocratização os representantes internos do capital estrangeiro – especialmente os norte-americanos que, tendo se expandido em função da guerra, buscava novos espaços de investimento –, e a este capital o Varguismo, com seu rígido controle sobre a economia e sua postura nacionalista, constituía-se em obstáculo. Em outras palavras, derrubar Getúlio passou a ser interesse do imperialismo. Aos defensores internos do liberalismo econômico tornou-se fundamental derrubar o Estado Novo e impor um governo não intervencionista e mais flexível ao capital externo.

Os comunistas criticavam a candidatura de Brigadeiro Eduardo Gomes e as propostas golpistas da UDN, passando a defender a idéia de uma Constituinte com Getúlio, para evitar que os conservadores conquistassem a direção do processo de redemocratização. Getúlio Vargas, que no durante o seu governo concedeu aos trabalhadores inúmeros benefícios e promoveu a defesa da economia diante da exploração internacional, principalmente nos setores considerados essenciais, o PCB e o PTB articularam um movimento denominado “Queremos Getúlio”, movimento este que ficou conhecido como Queremismo. O apoio do PCB ao governo de Vargas consistiu num dos fatos mais controvertidos daqueles anos. Ele se explica por características do PCB e sobretudo pela orientação vinda de Moscou. Aí se traçou a diretiva de que os partidos comunistas de todo o mundo deveriam apoiar os governos de seus países, integrantes da frente antifascista, fossem eles ditaduras ou democracias. O Brasil não só entrara na guerra contra o Eixo como, em abril, de 1945, estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética, pela primeira vez na nossa história. Saindo da cadeia pouco após o estabelecimento de relações com a União Soviética e em conseqüência da decretação da anistia, Luís Carlos Prestes, preso político de Getúlio Vargas, confirmou o que o partido já decidira sob sua influência. Era preciso estender a mão ao inimigo da véspera, em nome das “necessidades históricas”. Uma medida do governo no plano econômico contribuiu também para aproximar os comunistas de Getúlio. A medida provocaria, ao mesmo tempo, uma série de críticas da oposição liberal e pressões dos meios de negócios americanos. Trata-se do decreto-lei de junho de 1945, para ter vigência a partir de 1º agosto daquele ano, em que se dispunha sobre os atos contrários à ordem econômica. Especialmente visados eram

Vários setores das classes dominantes, do capital internacional e das Forças Armadas concluíram que Vargas não mais representava seus interesses e retiraram o apoio que antes proporcionavam ao Estado Novo. Por isso, aproveitando o pretexto da nomeação, em 29 de outubro de 1945, de Benjamim Vargas, irmão do presidente, para o cargo de chefe de polícia do Distrito Federal, os chefes militares obrigaram Getúlio a deixar o poder, nesse mesmo dia. Vargas, contudo, não sofreu nenhuma punição. Retirouse para sua instância em São Borja, no Rio Grande do Sul. A presidência foi entregue ao ministro José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal. As eleições foram realizadas normalmente no dia 02 de dezembro de 1945. Para presidente elegeu-se o general Eurico Gaspar Dutra (PSD+PTB).

A ECONOMIA NO ESTADO NOVO: DESENVOLVIMENTO COM INTERVENCIONISMO ESTATAL. A política econômico-financeira do Estado Novo representou uma mudança de orientação relativamente aos anos 1930-1937. Nesse período, não houve uma linha clara 132


de incentivo ao setor industrial. O governo equilibrou-se entre os diferentes setores, inclusive agrários, sendo também, bastante sensível às pressões externas. Em setembro de 1935, por exemplo, o Executivo assinou um tratado de comércio com os Estados Unidos, sujeito a ratificação pelo Congresso. Apoiado pelo setor agrário de exportação, o acordo recebeu fortes críticas dos empresários industriais. Eles alegavam que a indústria brasileira ficaria desprotegida, na concorrência com os produtos americanos. Apesar das pressões de Simonsem e Lodi no sentido de impedir a ratificação do tratado, ou pelo menos conseguir sua modificação, o Congresso aprovou por inteiro. Getúlio interveio na disputa para facilitar a aprovação. Aparentemente, isso se deu porque o embaixador americano assinalou sem rodeios que, caso o acordo não fosse aprovado, a isenção de direitos de importação do café brasileiro nos Estados Unidos poderia ser revista. Durante o Estado Novo, a economia brasileira modernizou-se e diversificou-se. Na agricultura, o governo obteve êxito na aplicação da política de valorização do café, com queima dos excedentes e a fixação de taxas de exportação. Em outros setores da agricultura, o incentivo governamental propiciou o aumento da produção e a diversificação dos cultivos. A centralização do poder estendeu-se também à economia, por meio da criação de uma série de institutos centrais, destinados ao planejamento e controle da produção nacional: Instituto do Pinho, Instituto do Sal, Instituto do Açúcar e do Álcool e Instituto do Cacau. A indústria teve um impulso considerável, especialmente a partir de 1940. De um lado, o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) dificultava as importações, incentivando mais uma vez o processo de substituição dos produtos importados por nacionais. Por outro, o intenso apoio governamental estimulava a implantação a implantação de novas fábricas, a ampliação das já existentes e a montagem da indústria de base estatal, como a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN – em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Ela foi financiada por créditos norte-americanos, concedidos pelo Export-Import Bank, e por recursos do governo brasileiro.

Visando a obtenção da matéria-prima para a indústria pesada, Vargas criou a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Surgiam, assim, grandes empresas estatais que garantiriam o suprimento de produtos indispensáveis ao desenvolvimento das demais indústrias. Preocupado ainda com o fornecimento de energia que movimentasse o parque industrial brasileiro, o governo criou o Conselho Nacional do Petróleo. O órgão deveria controlar a exploração e fornecimento desse produto e seus derivados, explorando o primeiro poço petrolífero na Bahia, em 1939. Até 1942, a política de substituição das importações se fez sem um planejamento geral, considerando-se cada setor como um caso específico. Em agosto desse ano, com a entrada no Brasil na guerra e o prosseguimento do conflito, o governo tomou a si a supervisão da economia. Com esse fim, criou a Coordenação de Mobilização Econômica, dirigida pela antigo tenente João Alberto. O incentivo à industrialização foi muitas vezes associado ao nacionalismo, mas Getúlio evitou mobilizar a nação em uma cruzada nacionalista. A Carta de 1937 reservava aos brasileiros a exploração das minas e quedas d’água. Determinava que a lei regularia a sua nacionalização progressiva, assim como a das indústrias consideradas essenciais à defesa econômica ou militar. Dispunha também que só poderiam funcionar no país bancos e companhias de seguros cujos acionistas fossem brasileiros. Concedia-se às empresas estrangeiras um prazo, a ser fixado pela lei, para que se transformassem em nacionais. Essas normas estiveram sujeitas a diversos decretos-lei que expressaram a pressão dos diferentes grupos e a ausência de uma orientação estrita por parte do governo. As empresas de energia elétrica, por exemplo, não foram tocadas e em outubro de 1941 Getúlio negou-se a aceitar um projeto de decreto determinando que, até agosto de 1946, os bancos e as empresas de seguros deveriam estar em mãos de nacionais. A própria solução estatal para o caso do aço não resultou de choques, mas de um acordo com o governo americano.

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A Constituição promulgada em 1946 restaurava a democracia, com o poder voltando a ser exercido pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Restabelecia também a autonomia dos estados e municípios, acabando com o centralismo político que havia caracterizado a ditadura do Estado Novo.

A República Democrática A deposição de Getúlio Vargas, em finais de 1945, achase intimamente relacionada à derrota dos regimes nazifascistas na Europa pelas forças aliadas. Ao final da Segunda Guerra, os Estados Unidos assumiram a posição de maior potência do mundo capitalista. A União Soviética, por sua vez, tendo consolidado o regime socialista, conseguiu ampliar sua esfera de influência sobre o Leste europeu, transformando os países da Europa oriental em países socialistas, sob o comando do Partido Comunista. Assim, encerrado o conflito, o mundo dividiu-se em dois blocos: o capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o socialista, sob a hegemonia da antiga União Soviética. A rivalidade entre os dois blocos levou a uma corrida armamentista pela conquista da hegemonia mundial. A confrontação indireta, sem uma guerra total entre eles, denominouse Guerra Fria. O processo de redemocratização do Brasil ifetivou-se tendo como pano de fundo essa conjuntura internacional. No período compreendido entre 1946 e 1964, verificou-se, internamente, o confronto político entre os nacionalistas e os grupos favoráveis à abertura da economia nacional ao capital estrangeiro. Impôs-se o alinhamento e a dependência brasileira ao bloco liderado pelos Estados Unidos. A aceleração do capitalismo brasileiro, integrando-se à ordem econômica encabeçada pelos Estados Unidos, foi acompanhada, também, por intensos e freqüentes movimentos sociais, bem como pela modernização dos meios de comunicação - o rádio, o mais popular entre eles, ganhou importância nacional e foi largamente usado para a propaganda política. A televisão, inaugurada em 1950 (TV Tupi de São Paulo), passou a destacarse e, na década de 60, disputava com o rádio a liderança popular entre os meios de comunicação de massa. Em 1965, um ano após o fim da República democrática, iniciavam-se as transmissões internacionais via satélite. DURANTE A GUERRA FRIA, HOUVE UMA CRESCENTE CORRIDA ARMAMENTISTA QUE COLOCOU O MUNDO A UM PASSO DE UMA GUERRA NUCLEAR GENERALIZADA.

O GOVERNO DE EURICO GASPAR DUTRA (19461951) Vitorioso nas eleições de dezembro de 1945, Dutra, já no início de seu mandato, deu posse à Assembléia Nacional Constituinte, encarregada de elaborar uma nova Constituição para o Brasil.

O presidente Dutra procurou inverter a política econômica nacionalista adotada pelo ex-presidente Vargas, permitindo a penetração, na economia nacional, do capital estrangeiro, especialmente norteamericano. O Estado, na concepção do novo governo, não deveria intervir constantemente nos diversos setores econômicos do país, restringindo-se apenas às áreas fundamentais, como saúde, alimentação, transporte e energia, daí a elaboração do Plano Salte (nome formado pelas iniciais daquelas áreas de atuação: saúde, alimentação, transporte e energia). Entre outras coisas, o Plano propiciou a pavimentação da rodovia Rio de Janeiro-São Paulo (via Dutra), a abertura da rodovia Rio de Janeiro-Bahia e a instalação da Companhia Hidrelérica do São Francisco (CHESF). Na política externa, Dutra estreitou os laços entre Brasil e Estados Unidos, alinhando-se contra a União Soviética. Em 1947, rompeu relações diplomáticas com esta nação, além de decretar a ilegalidade do Partido Comunista do Brasil (PCB), cassando mandatos de seus deputados, senadores e vereadores, eleitos em 1945. O mandato do general Dutra encerrou-se em 1951, sendo substituído na presidência da República porseu antecessor, Getúlio Vargas, que vencera as eleições realizadas em 1950, como candidato do PTB. Seu principal adversário foi o candidato da UDN, o brigadeiro Eduardo Gomes. Assim, o “pai dos pobres”, como Getúlio era conhecido, reassumiu a presidência do Brasil pela ia democrática. Para isso foi decisiva sua atuação junto às massas populares e aos mais carentes, num estilo chamado populismo. Os governos populistas caracterizam-se por aliciar as massas populares a participar do processo político. Essa participação - em geral muito alardeada - na verdade é submetida à direção governamental, e as reivindicações populares nem sempre são totalmente atendidas. O governante conta, no entanto, com o apoio do povo. No Brasil, o populismo de Getúlio Vargas serviu para conter as crescentes rivalidades entre as classes, atraindo tanto as massas populares como a burguesia industrial para a ação do Estado no desenvolvimento de um capitalismo nacional. Getúlio Vargas puxava o povo para o movimento político, apresentando-se como o tutor que promovia as aspirações populares. Conduzindo e manipulando as ambições nacionais, o populismo substituiu a ordem oligárquica da República Velha, sem dar aos trabalhadores a autonomia política. A prática populista ganhou diversos seguidores na história política brasileira.

A PRESIDÊNCIA DE GETÚLIO VARGAS (1951-1954) Com Getúlio à frente da política nacional, a ideologia nacionalista, intervencionista e paternalista ganhou novo 134


impulso. O presidente procurou restringir as importações, limitar os investimentos estrangeiros no país, bem como impedir a remessa de lucros de empresas estrangeiras aqui instaladas para seus países de origem. Em 1952, criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), a fim de incentivar a indústria nacional. Preocupado ainda com o desenvolvimento industrial do país, tão carente de infra-estrutura energética, aprovou, em 1953, a Lei nº 2 004, que criava a Petrobrás, empresa estatal que detinha o monopólio de exploração e refino do petróleo no Brasil. A criação dessa empresa resultou da mobilização popular com base numa campanha denominada “O petróleo é nosso!” No plano trabalhista, Getúlio procurou compensar os assalariados, grandemente afetados pelo processo inflacionário, dobrando o valor do salário mínimo, a 1º de maio de 1954. Com isso, conquistou o apoio da classe trabalhadora. A política estatizante, de cunho nacionalista, acionada por Vargas desencadeou a franca oposição de muitos empresários ligados às empresas estrangeiras. A estes aliaramse antigetulistas tradicionais, como os membros da UDN e alguns oficiais das Forças Armadas. As mais duras críticas ao governo partiam do jornalista udenista Carlos Lacerda, que acusava Vargas de estar tramando um golpe que estabeleceria uma República sindicalista, o que, na opinião de Lacerda, propiciaria a infiltração comunista. Em 5 de agosto de 1954, na rua Toneleros, no Rio de Janeiro, Carlos Lacerda sofreu um atentado, no qual morreu o major da Aeronáutica Rubens Vazo Descobriu-se, posteriormente, que amigos do presidente estavam envolvidos no caso, dando à oposição elementos para exigir sua renúncia. Consciente de sua deposição em breve, Vargas surpreendeu seus inimigos e a nação, suicidandose, em 24 de agosto de 1954. Com a notícia de sua morte e a publicação de sua carta-testamento, organizaram-se manifestações populares por todo o país. Jornais antigetulistas foram invadidos, bem como as sedes da UDN e a embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro. A multidão revoltada apedreja empresas antigetulistas e expressa sua tristeza com a morte do líder Getúlio Vargas. Com a morte de Getúlio, o vice-presidente Café Filho assumiu o poder. No ano seguinte, realizaramse eleições para a presidência, vencendo o candidato da coligação PSD-PTB, Juscelino Kubitschek de Oliveira. O vice-presidente eleito foi o afilhado político de Getúlio, João Goulart, conhecido como Jango. Antes da posse de Juscelino houve um golpe fracassado, buscando instalar uma ditadura. Justificando problemas de saúde, Café Filho afastouse da presidência, sendo o cargo ocupado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, um adversário de Juscelino. Durante este governo, udenistas e alguns militares articularam um golpe contra a posse de Juscelino. Foi o ministro da Guerra, o legalista general Lott, que derrubou o governo golpista de Carlos Luz. Este e vários seguidores, entre eles Lacerda, fugiram no cruzador Taman-

daré, pensando alcançar Santos e organizar a resistência em São Paulo. Entretanto, a quase totalidade das Forças Armadas acompanhou Lott, e os golpistas acabaram presos. Enquanto isso, o Congresso Nacional declarou o impedimento ao cargo presidencial de Carlos Luz e também de Café Filho. Assumiu o governo o presidente do Senado, Nereu Ramos, garantindo a posse dos eleitos.

A Carta Testamento de Getúlio Vargas.

“Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder. Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma 135


sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”. Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas

O DESENVOLVIMENTISMO DE JUSCELINO KUHITSCHEK (1956-1961) O período de governo de Juscelino Kubitschek foi marcado pelo desenvolvimentismo. Ancorado num Plano de Metas que priorizava os setores energético, industrial, educacional, de transporte e alimentação, o governo pretendia avançar “50 anos em 5”. Visando colocar o Brasil nos trilhos do progresso econômico, o governo favoreceu a penetração de capitais estrangeiros e de empresas transnacionais. O modelo de desenvolvimento fundado na substituição das importações deixava o caráter nacionalista do período getulista e aderia ao capitalismo internacional, muito mais poderoso e dinâmico. Dentre suas inúmeras realizações destacam-se: a instalação de fábricas de caminhões, tratores, automóveis, produtos farmacêuticos, cigarros; a construção das usinas hidrelétricas de Furnas e Três Marias; a pavimentação de milhares de quilômetros de estradas, etc. Porém, sua maior obra foi a construção de Brasília, a nova capital do país. Planejada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e pelo urbanista Lúcio Costa, Brasília, a nova sede de governo, foi inaugurada em 21 de abril de 1960. A abertura da economia ao capital estrangeiro, a instalação de inúmeras transnacionais, o envio dos lucros dessas empresas ao exterior e os vários empréstimos contraídos junto a instituições estrangeiras deixaram o país numa séria crise financeira. No final do governo de Juscelino, os principais ramos das indústrias já eram controlados pelo capital estrangeiro, ao mesmo tempo que a inflação crescia rapidamente, chegando, em 1960, ao índice de 25%. Enquanto cresciam as dificuldades populares advindas

da inflação, firmava-se outro resultado da aplicação da política desenvolvimentista de Juscelino: o aumento da dependência econômica do país em relação aos Estados Unidos. Nas eleições de 1960, a coligação PSD-PTB indicou o nome do marechal Henrique Teixeira Lott à presidência e o de João Goulart à vice-presidência. Na oposição, a UDN e outros partidos menores apoiaram a candidatura do ex-governador de São Paulo, Jânio Quadros, à presidência. Durante sua campanha, este candidato pregava uma “limpeza” na vida política nacional, através do combate à corrupção, usando como símbolo uma vassoura. O resultado do pleito determinou a vitória de Jânio Quadros e de João Goulart, a dupla Jan-Jan.

O GOVERNO DE JÂNIO QUADROS (1961) Ao assumir a presidência da República, em janeiro de 1961, Jânio Quadros encontrou uma difícil situação financeira. A inflação era crescente, o que obrigou o governo a cortar gastos, eliminar subsídios à produção de diversos gêneros, como o trigo, encarecendo-os, ao mesmo tempo que os salários eram congelados, perdendo poder de compra e descontentando a opinião pública. Na política externa, Jânio buscou uma relativa autonomia, reatando relações diplomáticas com os países socialistas a fim de ampliar mercados e impulsionar a economia nacional. Visando demonstrar o não-alinhamento automático do Brasil com o bloco dominado pelos Estados Unidos, o presidente condecorou com a Ordem do Cruzeiro do Sul o ministro cubano Ernesto Chê Guevara quando de sua visita ao Brasil. Às dificuldades advindas da situação econômica que Jânio enfrentava, somou-se a oposição de seu partido de apoio, contrário à política externa independente, considerada esquerdizante por alguns udenistas. Diante do acirramento das oposições e surpreendendo todo o país, Jânio Quadros renunciou ao cargo de presidente, em agosto de 1961, após 7 meses de governo. A renúncia foi uma manobra política fracassada de Jânio Quadros, uma trama para reforçar seu próprio poder. O golpe fundava-se no temor de setores da sociedade e de parte da opinião pública diante de um governo dirigido por João Goulart. O vice-presidente, que assumiria com a renúncia de Jânio, era considerado por setores militares e muitos políticos influentes como getulista radical e até mesmo comunista. Isso levaria o Congresso Nacional a rejeitar o pedido de renúncia de Jânio Quadros, o qual exigiria plenos poderes para continuar na presidência. Entretanto, o pedido de renúncia foi aceito imediatamente pelo Congresso e nenhum grupo movimentou-se para convencer Jânio a voltar à presidência.

O GOVERNO DE JOÃO GOULART (1961-1964) Quando Jânio Quadros renunciou, seu sucessor achavase em visita à China comunista. Alguns ministros militares e políticos da UDN tentaram impedir que se cumprisse a Constituição, alegando que um comunista não poderia as136


sumir a presidência do Brasil.

volvimento industrial.

Entretanto, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, aliado ao comandante do III Exército, lançou a “Campanha da Legalidade”, via emissoras de rádio, conquistando o apoio de boa parte da população brasileira.

O governo Jango estabeleceu, ainda, medidas que visavam conter a remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior. Com isso, João Goulart angariou também a oposição dos Estados Unidos e dos grupos ligados ao capital internacional. Para evitar que a inflação assumisse proporções incontroláveis, a presidência determinou a criação da Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab), encarregada de estabelecer o controle de preços internos, o que atraiu o descontentamento do empresariado.

O temor de que a disputa pela sucessão presidencial se convertesse numa guerra civil contribuiu para que fosse estabelecido um acordo entre as partes antagonistas: João Goulart assumiria o poder, porém somente após a aprovação, pelo Congresso Nacional, de um Ato Adicional à Constituição de 1946 que instaurasse o regime parlamentarista no país. Definiu-se também que a continuidade do parlamentarismo dependeria de um plebiscito a ser realizado mais tarde, ratificando ou não aquele Ato Adicional. Assim, mais uma vez na história do Brasil, o exercício do Poder Executivo passaria a ser atribuição de um primeiro-ministro, o qual, para efetivar suas decisões, deveria contar com a aprovação do Congresso. A 2 de setembro de 1961 foi aprovado o Ato Adicional e no dia 7 do mesmo mês João Goulart assumia a presidência da República. O regime parlamentar, imposto em meio a um clima de golpismo, provocou intenso descontentamento e ganhou grande impopularidade. O presidente, democraticamente eleito, funcionava, a partir de então, como mero ornamento político, pois quem efetivamente detinha o poder eram os gabinetes parlamentares, chefiados por um primeiroministro, que, no período compreendido entre 1961 e 1963, foram os seguintes: Tancredo Neves, do PSD; Brochado da Rocha, do mesmo partido, e Hermes Lima, do Partido Socialista Brasileiro (PSB). O plebiscito que ratificaria o parlamentarismo foi marcado para o ano de 1965. Porém as pressões populares avolumaram-se e o Congresso teve de antecipá-lo para 6 de janeiro de 1963. Após intensa campanha política, a maioria do eleitorado decidiu pela restauração do regime presidencialista. Enquanto o presidencialismo era restabelecido, a situação econômico-financeira do país deteriorava-se rapidamente. A inflação, que no ano de 1962 fora de 52 %, atingiu o índice de 80% em 1963, afetando gravemente o poder aquisitivo da classe trabalhadora. Para conter a crise, o presidente e seu ministro do Planejamento, Celso Furtado, lançaram o Plano Trienal, que, entretanto, não surtiu os efeitos desejados. As pressões salariais cresciam velozmente, levando Jango a decidir-se pelas reformas de base: reforma agrária, administrativa, fiscal e bancária, programas que prejudicavam os interesses de grupos conservadores dominantes. Foi, todavia, o projeto de reforma agrária, que propunha desapropriar as terras dos latifúndios improdutivos mediante indenização, o que principalmente assustou a camada mais favorecida da população. Tal medida visava, fundamentalmente, oferecer melhores condições de vida a milhões de trabalhadores rurais. Ao propiciar a ampliação do mercado consumidor, garantiria um estímulo ao desen-

Com tantas oposições dos setores mais favorecidos da sociedade, João Goulart, num estilo getulista (populista), aproximou-se dos movimentos populares, estimulando diversas manifestações, atemorizando ainda mais os seus antagonistas. As medidas do governo Jango buscavam responder aos freqüentes movimentos sociais de operários, partidos de esquerda, estudantes organizados na UNE (União Nacional dos Estudantes) e setores mais pobres da população rural. Neste último caso, destacou-se a ação das Ligas Camponesas em vários estados, especialmente no Nordeste, sob a liderança de Francisco Julião, organizando os camponeses para lutar pela reforma agrária e por garantias aos pequenos proprietários e trabalhadores rurais. Num comício realizado a 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro, Jango prometeu aos trabalhadores o aprofundamento das reformas iniciadas em seu governo. Em resposta ao presidente, os conservadores organizaram, no dia 19 do mesmo mês, uma grande passeata pelas ruas de São Paulo, a chamada “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, a qual contou com a presença da Igreja e do empresariado.

O POVO ENTRA EM CENA. No final do período que estamos estudando, o espaço político tradicional foi marcado pela luta dos partidos políticos na conquista ou na manutenção do poder. Contudo, um fato novo entra em cena: as diversas organizações populares começam a reivindicar os seus direitos e a proporem alternativas para a sociedade. São os estudantes, profissionais liberais, professores, trabalhadores urbanos e rurais, religiosos e leigos que começam a ir para as ruas em protestos exigindo mudanças políticas. O povo tinha aprendido o que era ser cidadão. Formaram-se e/ou reorganizaram-se, então, diversas entidades: a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Juventude Operária Católica (JOC), a Confederação dos Trabalhadores na Indústrias (CONTAG), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto de Unidade e Ação (PUA), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), as Ligas Camponesas, enfim, foi um período em que a sociedade civil pode se organizar livremente para exprimir os seus direitos e aspirações. Contudo, como toda a ação pressupõe uma reação, a elite econômica, que vivia do trabalho alheio e que, portanto, defendia a manutenção do status quo, também criou os seus mecanismos de defesa dos seus interesses, entre elas destacam-se: o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), o 137


Sociedade Brasileira para a defesa da Tradição, da Família e da Propriedade (TFP), o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Durante o início dos anos 60 até março de 1964, o Brasil foi marcado pelo debate entre estas diversas organizações sociais, como deve ser uma verdadeira democracia.

O GOLPE MILITAR DE 1964 Reassumindo o governo em regime presidencialista, após o plebiscito, João Goulart dispôs-se a defender seu programa de Reformas de Base. Entre elas, estava a polêmica reforma agrária, que previa desapropriar latifúndios improdutivos acima de quinhentos hectares. Goulart também queria atender ao trabalhador rural com o salário mínimo, a jornada de 08 horas, férias remuneradas e a sindicalização. O projeto de reformas de base provocou fortes reações. Muitos empresários, altos oficiais, latifundiários, políticos conservadores e parte da Igreja Católica consideraram que o projeto era “comunista”. Por meio de parte da imprensa falada e escrita e de publicações, a direita influenciou a opinião pública e colocou a classe média contra o governo. Apoiavam a reformas de base os políticos progressistas, as centrais sindicais, a UNE, a UBES, as Ligas Camponesas, oficiais de baixo escalão e membros da Igreja Católica. Mas os defensores das Reformas de Base não estavam unidos. Parte deles exigia reformas mais radicais. As esquerdas defenderam as reformas (ou sua radicalização) em congressos, comícios, passeatas, greves, por meio de jornais,

livros, panfletos etc. Além de politicamente dividido, o país enfrentava grave crise econômica e social. A intranqüilidade afastou os investidores estrangeiros. O governo dos Estados Unidos cortou créditos ao Brasil e se negou a renegociar a dívida externa brasileira. Em represália, Goulart regulamentou a Lei de Remessas de Lucros (janeiro de 1964), limitando a saída de parte dos lucros obtidos pelas multinacionais no Brasil. Como o Congresso não aprovava as Reformas de Base, Goulart decidiu buscar apoio diretamente nas massas urbanas. Um grande comício ocorreu na estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Ao final do discurso, Goulart assinou o decreto desapropriando as terras às margens de rodovias e ferrovias. Alarmados com a ousadia, os opositores de Goulart aceleraram os preparativos do golpe para derrubá-lo. Em São Paulo, uma grande passeata reuniu cerca de 400.000 pessoas clamando pelo fim do governo “comunista” de Goulart, foi a Marcha da Família com Deus pela Pátria. Os governadores de Minas Gerais (o banqueiro Magalhães Pinto) e da Guanabara (o tradicional jornalista da UDN, Carlos Lacerda) e também os grandes jornais deram seu apoio à deposição do presidente. O embaixador dos Estados Unidos no Brasil ofereceu ajuda militar e financeira para o golpe. Em 31 de março de 1964, o Exército Brasileiro deflagrou o golpe. Goulart refugiou-se no Uruguai. O novo regime, uma ditadura militar, colocou o Brasil sob a tutela dos Estados Unidos da América.

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1960, o Marechal foi suficientemente ingênuo para ser convencido pela esquerda (incluindo o Partido Comunista) de que ele era o herói que poderia salvar o Brasil. Na verdade, Lott era um candidato inepto e não era páreo para Jânio.

A CONSTRUÇÃO DO ESTADO MILITAR-AUTORITÁRIO: O BRASIL DURANTE OS ANOS DE CHUMBO. “(...) que foi conduzido às dependências do DOI-CODI, onde foi torturado nu, após tomar um banho pendurado no pau-de-arara, onde recebeu choques elétricos, através de um magneto, em seus órgãos genitais e por todo o corpo, (...) foi-lhe amarrado um dos terminais do magneto num dedo de seu pé e no seu pênis, onde recebeu descargas sucessivas, a ponto de cair no chão” .

ANTECEDENTES: DA “VASSOURA” À BAIONETA – A CRISE DO POPULISMO. “Varre, varre vassourinha, Varre, varre a bandalheira, que o povo está cansado, de sofrer desta maneira”. (jingle da campanha presidencial de Jânio Quadros).

Juscelino completou seu mandato presidencial a despeito de constantes previsões de que iria cair. A campanha para seu sucessor produziu duas figuras políticas, cada uma bizarra à sua maneira. O primeiro candidato, Jânio Quadros era um solitário que havia construído uma carreira política sobre seu carisma no estado de São Paulo. Começara como professor de ginásio, mais tarde vendendo sua História da Gramática Portuguesa de porta em porta, mas sua verdadeira vocação era convencer os eleitores da classe média de que ele podia limpar a política. Era especialmente adepto de manter os holofotes sobre si soltando trechos saborosos de uma história enquanto postergava com sucesso o desfecho. Sua campanha presidencial de 1960 exibia esse talento. O símbolo de sua campanha era uma vassoura – para varrer os políticos corruptos. Jânio atraía um apoio tão amplo e entusiástico que chegava ao público como uma espécie de messias. Ele foi a escolha da UDN, que o nomeou na esperança de finalmente ter um vencedor. Mas Jânio dava pouca importância à fidelidade partidária. No meio da campanha renunciou à indicação da UDN para caracterizar a sua independência. O outro candidato, Marechal Lott, ex-ministro da Guerra, representava o pacto populista (PSD e PTB). Lott era conhecido como nacionalista e progressista. Fora ele que desempenhara o papel-chave impedindo o golpe militar de 1956, armado para impedir a posse de Juscelino. Porém em

Com a eleição de Jânio Quadros e sua “vassoura”, a UDN chega, finalmente, ao poder. Jânio conseguiu 48% dos votos, uma minoria, mas maior que a votação de Juscelino. Sua plataforma foi a moralidade administrativa e, com isso, ganhou as simpatias da classe média urbana, tornou-se uma espécie de líder carismático para elas. Era, sem dúvida, um novo representante populista em perspectiva. Seu modus vivendi dificilmente poderia contrastar de modo tão agudo com o de Juscelino. Ao invés de rodeios e barganhas, o Brasil iria agora ter um governo transparentemente honesto, se Jânio pudesse manter suas promessas de campanha. Em 1961, Jânio foi empossado presidente. Deveria permanecer no poder até 1966. A situação econômica do país era uma verdadeira calamidade, proporcionada em grande medida pelo desenvolvimentismo juscelinista. Diz a Bíblia que é impossível agradar a dois senhores, Deus e Baal, ao mesmo tempo. Jânio se comprometera com forças reformistas – sindicatos, o PTB, o eleitorado varguista – e, ao mesmo tempo, com forças conservadoras – os chefes militares, a UDN, os grandes empresários, as multinacionais e a grande imprensa. A quem servir? Durante os meses em que permaneceu na presidência – de janeiro de 61 a agosto do mesmo ano – o governo de Jânio Quadros foi marcado pela promoção da chamada política externa independente, rompendo com o alinhamento automático com os EUA e aproximando o Brasil da URSS, da China Popular e de Cuba, chegando, inclusive a condecorar com a Ordem do Cruzeiro do Sul (a mais alta condecoração que um estrangeiro pode receber do governo brasileiro) um dos heróis da vitoriosa Revolução Cubana, Ernesto Chê Guevara. Esta política desagradou profundamente os políticos da UDN e principalmente Washington. Era do conhecimento público que Jânio Quadros não era um udenista e muito menos um antipopulista. Neste sentido, as ações do “presidente da vassoura” fora a comprovação de que Jânio, apesar de ter sido eleito pela sigla da UDN não se comportaria de acordo com ela, atuando segundo os seus caprichos personalistas e sua esquisita combinação de autoritarismo e informalismo, agindo ao sabor do humor e da improvisão, fatos que levaram Afonso Arinos a dizer que Jânio foi a “UDN de porre”- em alusão às preferências etílicas do presidente. Parecia que o Brasil tinha eleito um “falso messias”. No plano interno, Jânio adotou uma política de modo a agradar os conservadores. Como observou Sílvio Tendler, o país necessitava de um estadista e encontrou um “delegado-de-costume”, pois Jânio ao se preocupar com o aumento do custo de vida, proibiu, entre outras coisas, as brigas de galo-de-rinha e o desfiles de Misses na televisão. Um traço da sua informalidade eram os constantes bilhetinhos que o presidente enviava aos seus ministros. No plano econômico, a medida 204 da SUMOC , publicada em 13 de março de 1961, retirou os subsídios à 139


importação do petróleo, papel e trigo, medida antipopulista que fez subir o custo de vida, dando um passo para a uniformização das taxas de câmbio, conforme a doutrina do FMI e das autoridades financeiras norte-americanas. Esta instrução, alterou profundamente a sistemática da política cambial brasileira, que passou de uma transação com taxas múltiplas e variáveis para uma com taxa única e flutuante. Ou seja, todas as importações passaram a ser feitas pelo mercado de taxas livres, exceto o produtos já citados. Além disso, fez uma desvalorização da moeda, implantando o cruzeiro forte. No aspecto do desenvolvimento econômico, procurou vincular-se aos interesses dos investimentos americanos, aderindo aos princípios da “Aliança para o Progresso”, do então presidente norte-americano John Kennedy. A tentativa janista de se equilibrar entre interesses extremos provocou críticas violentas. Descontente com a política externa independente de Jânio, o jornalista Carlos Lacerda, agora governador do Estado da Guanabara (exDistrito Federal) o atacava constantemente. Com o passar do tempo, Jânio se revelava um aventureiro irresponsável e uma frustração para a UDN . Como Jânio nunca fora dado à arte da negociação e para afastar Lacerda, fortalecendo-se no poder, Jânio imaginou um lance inesperado e dramático: uma súbita renúncia. Foi o que fez em 25 de agosto de 1961. Tal como o suicídio de Getúlio, foi uma atitude drástica e inesperada, cujos motivos são até hoje objeto de discussão. Não resta dúvida de que ele esperava um retorno triunfal nos braços do povo, devidamente fortalecido e podendo impor o impeachment de Lacerda. Mais ainda, supunha que a renúncia não seria aceita pelo Congresso e forçaria-o dar-lhe plenos poderes – como ocorrera com o General de Gaulle na recente crise francesa precipitada pela independência da Argélia – além do mais, a sua renúncia abria a presidência ao seu vice, João Goulart, que, para muitos políticos influentes, era tido como um getulista radical e até mesmo um comunista; em outras palavras, o retorno do populismo getulista, em sua modalidade mais comprometida com mudanças sociais, o que provocava um mal-estar nas elites. Assim, Jânio acreditava nas circunstâncias e na força de seu carisma. Acabou dando tudo errado para ele. O povo não se mexeu e apenas se sentiu frustrado pelo desperdício de seu voto, nenhum grupo político movimentou-se para convencer Jânio Quadros a voltar à presidência e a UDN viu esfumar-se o breve sonho de poder. A perspectiva da ascensão de João Goulart à presidência alarmou a UDN e militares, que o consideravam um perigoso populista disposto a acomodar os comunistas e ajudá-los a alcançar o poder. A localização de Jango no momento de seu acesso à presidência não poderia ser confirmação mais dramática de que aqueles temores eram bem fundamentados. Ele estava em visita oficial à República Popular da China. Alguns ministros militares e políticos da UDN tentaram, neste sentido, impedir que se cumprisse a Constituição, que determinava a posse imediata do vice presidente em caso de renúncia do titular da pasta. Estes políticos alegaram que um comunista não poderia assu-

mir a presidência do Brasil. Entretanto, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola – que por acaso era cunhado de Jango –, um ardoroso líder do PTB que aspirava ao manto de Vargas, se aliou ao comandante do III Exército e, juntos, lançaram a Campanha da Legalidade, via emissoras de rádio, conquistando o apoio de boa parte do povo. Os legalistas argumentavam que ele havia sido democraticamente eleito vice-presidente da República e deveria agora, portanto, ser o presidente constitucional. Brizola, neste sentido, decidiu desafiar os ministros militares e convidou Jango a voltar para o Brasil pelo Rio Grande do Sul, obtendo a promessa do comandante do III Exército de repelir quaisquer forças federais que viesse do norte. Tomando conhecimento de tudo isso, lá no distante Oriente, Jango não se iludiu com as dificuldades que teria para chegar ao governo, legalmente seu. Assim, quando um assessor lhe propôs um bride ao novo presidente, ele retrucou propondo um brinde ao “imprevisível”. Para se evitar uma guerra civil pela disputa da sucessão presidencial, os políticos centristas começaram a negociar com os ministros militares e com os políticos da UDN uma saída que evitasse o confronto. Assim, foi articulado uma saída de consenso entre os grupos antagônicos: João Goulart assumiria o poder, porém somente após a aprovação, pelo Congresso Nacional de um Ato Adicional à Constituição de 1946 que instaurasse o regime parlamentarista. Jango assumiu, sob protestos, a presidência com poderes bastantes restritos e, prometeu solenemente, fazer uma campanha para a restauração dos plenos poderes. Definiu-se também, que a continuidade do parlamentarismo no Brasil dependeria de um plebiscito a ser realizado mais tarde, ratificando ou não aquele Ato Adicional. Assim, mais uma vez na História do Brasil, o exercício do poder Executivo passaria a ser uma atribuição de um primeiroministro, o qual, para efetivar suas decisões deveria contar com a aprovação do Congresso. A 02 de setembro de 1961 foi aprovado o Ato Adicional e no dia 07 do mesmo mês João Goulart assumia a presidência da República. Jango, voltando ao Brasil, e agora no poder representava um Varguismo mais avançado e protegido pelo manto da Constituição. O que estava em jogo nessa luta? O historiador brasilianista Thomas E. Skidmore, respondeu da seguinte maneira: “a resposta era o formato do futuro do Brasil. A acelerada taxa de crescimento da população do país estava aumentando as fileiras dos desempregados. Para gerar empregos o Brasil precisava intensamente diversificar sua base econômica. O debate sobre a estratégia econômica no país estava polarizado pelos marxistas e estatistas à esquerda e pelos neoliberais à direita. Getúlio tentara combinar elementos de ambos. No fim, sua tentativa de equilíbrio fracassara. Juscelino havia dado nova vida à negociação entre esquerda e direita mas, com a sucessão de Jango, o Brasil estava agora diante de uma 140


repetição do confronto de 1954 – um presidente populista dessa vez com uma base política instável e poderes parlamentares limitados contra os militares” Jango ficou no poder menos de 03 anos. Durante este período tentou, de todas as formas, obter o controle sobre um cenário político crescentemente dividido – uma tarefa bastante complicada pelo aquecimento da Guerra Fria. Para todos os efeitos práticos, a saída emergencial do Parlamentarismo foi para acalmar os reacionários mais endurecidos. Ao longo dos dois anos de Parlamentarismo, embora houvesse a figura do Primeiro-Ministro, a figura carismática de João Goulart não deixou de se impor na cena política, inclusive porque não só o nosso parlamentarismo veio sem legitimidade, como também veio híbrido e confuso no que se referia ao verdadeiro papel de Jango. Tancredo Neves, “velha raposa” do PSD e com vocação inata para a negociação de bastidores convenceu Jango e ficou como o primeiro Primeiro-Ministro. Seria sucedido por Brochado da Rocha e Hermes de Lima. Em janeiro de 1963, cerca de 9,5 milhões de um total de 12,3 milhões de votantes responderam NÃO ao parlamentarismo e ratificaram o programa de Reformas de Base, que se vinculara à sua restauração. Retornava, assim, o sistema presidencialista. Era a vontade do povo. O povo brasileiro não seguiu o conselho do Record American. O que era bom para os Estados Unidos naturalmente não o era para o Brasil. Goulart considerou aquele resultado como outra eleição, sua verdadeira eleição para a Presidência da República, a mais expressiva de toda a história do País, maior do que a de Jânio Quadros, até então recorde, com 6 milhões de votos. Era seu triunfo pessoal, como o The New York Times reconheceu. Ele, entretanto, não quis assumi-lo, em toda a plenitude, como um mandato popular para as reformas de base, constituindo um Ministério eminentemente de esquerda, a fim de executá-las, com ou contra o Congresso. “Essa coroa eu não ponho na minha cabeça” – disse a Darcy Ribeiro, seu Ministro da Educação. Seu propósito era deixar que a onda passasse, evitando a radicalização, para depois retomar, firmemente, o caminho das reformas. Por isso dividiu a vitória com o PSD . O Parlamentarismo durou de setembro de 1961 à janeiro de 1963, veio como modo de superar uma crise, mas o entrechoque de interesses e ministérios instáveis levaram ao imobilismo. A massa popular tinha a necessidade de reformas que modernizassem a sociedade brasileira, assim como Juscelino modernizara a economia. E modernizar implicava mudanças presididas pelo Estado – o Parlamentarismo passou a ter os dias contados, na medida em que se revelou impotente para efetuá-las. As esperanças se concentraram em João Goulart. Mas como ele poderia pôr em prática um programa reformista, tendo as mãos atadas pela instituição do Parlamentarismo? Cumpria, pois, abreviá-lo. Com o plebiscito de janeiro de 1963, a massa popular disse não ao Parlamentarismo Biônico e, mais importante, evidenciou que a tendência da política brasileira começava a seguir direção das soluções mais drásticas e rápidas para os seculares problemas brasileiros.

A VOLTA DO PRESIDENCIALISMO. Com o fim do parlamentarismo, João Goulart escolheu um ministério bem indicativo de sua estratégia : elaborar um plano, que resolvessem o problema do descompasso do crescimento econômico em relação ao atraso social. Neste Ministério merecem destaques a indicação do advogado San Tiago Dantas, para a pasta da Fazenda, e do economista e professor Celso Furtado, para a pasta do Planejamento. Era um Ministério de centro-esquerda. Buscava enfrentar os problemas econômico-financeiros com seriedade através de figuras da chamada “esquerda positiva”, batizada por San Tiago Dantas, um destacado advogado e intelectual, que tentara relegitimizar ao menos parte da esquerda como coerente com a democracia, dividindo-a em alas “positiva” e “negativa”. A ala “positiva”, argumentava ele, estava disposta a participar de soluções políticas democráticas. A ala negativa, ao contrário, estava comprometida com a obstrução e deslegitimação do processo democrático – apostando na substituição do regime existente por um regime revolucionário.

O PLANO TRIENAL. Enquanto o presidencialismo era restabelecido, a situação econômica do país deteriorava-se rapidamente. A inflação que no ano de 1962 fora de 52%, atingiu o índice de 80% em 1963, e no começo de 1964, já beirava a casa dos 100%, afetou gravemente o poder aquisitivo da classe trabalhadora. Para conter a crise, o presidente e o seu Ministro do Planejamento, lançaram o Plano Trienal, que, entretanto, não surtiu os efeitos desejados. As pressões salariais cresciam velozmente, levando Jango decidir-se pelas reformas de base: agrária, administrativa, fiscal, educacional e bancária, programas que prejudicavam os interesses de grupos conservadores dominantes. Se a política de Jango visava, de um lado, a sustentação do poder através do estímulo aos movimentos de massa, de outro, objetivava a implantação de uma política de estabilidade. Esta foi expressa no Plano Trienal, de autoria do economista Celso Furtado, então Ministro do Planejamento. Foi, todavia, o projeto de Reforma Agrária, que propunha desapropriar as terras dos latifúndios improdutivos mediante indenização, o que principalmente assustou a camada mais favorecida da população – a elite passou a vê-la como ameaça ao direito sagrado da propriedade. Tal medida visava, entretanto, oferecer melhores condições de vida a milhões de trabalhadores rurais, um modo de ampliar o mercado de consumo. Ao propiciar a ampliação do mercado consumidor, garantiria um estímulo ao desenvolvimento industrial. João Goulart frisou, textualmente, que a reforma agrária, a propriedade estaria muito melhor defendida, pois criaria um número enorme de novos proprietários, evitando o crescimento do êxodo rural, e garantindo uma melhor estabilidade nas cidades, na medida em que a marginalidade seria controlada mais facilmente. O governo de João Goulart estabeleceu, ainda, medidas que visavam conter a remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior. Com isso, João Goulart angariou também a oposição, pouco confortável, dos Estados Uni141


dos e dos grupos ligados ao capital internacional. Para evitar que a inflação assumisse proporções incontroláveis, a presidência determinou a criação da Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab), encarregada de estabelecer o controle de preços internos, o que atraiu o descontentamento do empresariado. Quais eram, então, as reformas pretendidas por Jango? Controle sobre o capital estrangeiro no Brasil, nacionalização de riquezas básicas, redistribuição da renda, voto ao analfabeto, reforma agrária, reforma educacional, em outras palavras, um projeto social-reformista, e não revolucionário. Para Jango, tratava-se de não excluir os já incluídos no mercado de consumo, mas de incluir os muitos excluídos, corrigindo as perversas distorções nas desigualdades brasileiras. No capitalismo, a desigualdade é inerente ao sistema. Entretanto, no Brasil, havia mais que isso: havia os simplesmente excluídos, a população subterrânea de nossa sociedade era precisamente com o que Jango pretendia terminar, acreditando em um capitalismo humanizado e suprimindo estruturas arcaicas. Ao seu projeto social, era indispensável também o nacionalismo econômico, o que, certamente, implicaria restringir a liberdade de ação do capital estrangeiro no Brasil. Por fim, relacionado a tudo isso, igualmente se impunha uma Política Externa Independente, ou seja, a defesa da autodeterminação dos povos e que, na prática, significou reconhecer os países socialistas – sobretudo Cuba. A esquerda temeu que Jango quisesse impor uma ditadura e, embora o acreditasse com boas intenções, achava que sua timidez, decorrente da origem burguesa, o inibiria em seu projeto reformista. O Partido Comunista advogava uma composição com a burguesia progressista, em prol das reformas. As Reformas de Base tiveram seus defensores no PTB, na UNE, nos Sindicatos, no CGT e em políticos de proa como Leonel Brizola, Miguel Arraes (governador de Pernambuco) e Francisco Julião. Quanto à direita, evidentemente se posicionou contra as reformas. Com tantas oposições dos setores mais favorecidos da sociedade, João Goulart, num estilo populista, aproximouse dos movimentos populares, estimulando diversas manifestações, atemorizando ainda mais os seus opositores. As medidas do governo buscavam responder às reivindicações dos movimentos sociais.

O COMÍCIO DA CENTRAL DO BRASIL E AS REFORMAS DE BASE: O ESTOPIM A queda de San Tiago Dantas do Ministério da Fazenda, com todas as repercussões que acarretou, representou um momento decisivo na evolução da crise brasileira, influindo na conduta que dali por diante os Estados Unidos adotariam em relação ao Governo de Goulart. Seu afastamento marcou o fim das promessas, a ruptura dos compromissos com Washington, a completa desilusão de John Kennedy quanto à possibilidade de Goulart conter a espiral inflacionária e o fluxo de massas, que se avolumava com um alude. E a crise econômica e financeira, estremecendo toda a

estrutura da sociedade burguesa, acentuou a diferenciação dos interesses de classe. As correntes de esquerda (CGT, PUA, FPN etc) se agruparam na Frente de Mobilização Popular (FMP), que Brizola dirigia, contrapondo-se cada vez mais ao Governo de Goulart. O CGT ameaçou com uma greve geral para exigir que do Congresso a aprovação das Reformas de Base, com a mudança da Constituição. Os conflitos abalaram tanto as cidades como os campos. Os trabalhadores de Pernambuco, paralisaram pela primeira vez os engenhos de açúcar. As invasões de terras tomaram as características das rebeliões. E as lutas de classes refletiram-se no seio das Forças Armadas, onde a questão da inelegibilidade fomentou a radicalização política dos sargentos, antagonizados com parte da oficialidade. As tropas da Polícia Militar, em Alagoas e no Rio Grande do Norte, amotinaram-se, reivindicando melhores condições de vida. Os soldados do Corpo de Bombeiros do Estado da Guanabara também. A rebeldia contaminou todos os escalões militares. E, como um arauto da tempestade que se armava, o suboficial Gelyci Rodrigues Corrêa proclamou: “se os reacionários não permitirem as reformas, usaremos para realizá-las, nosso instrumento de trabalho: o fuzil” . O ponto fulcral das reformas pretendidas por Jango, ocorreu no “Comício das Reformas” realizado no dia 13 de março de 1964, na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, perante quase 200.000 pessoas, arregimentadas pelos sindicatos e outras organizações. Nesse comício, Jango anunciou as Reformas de Base, que seria o aprofundamento e a aceleração das Reformas iniciadas no Plano Trienal. De início decretou a nacionalização das refinarias particulares de petróleo e, através da SUPRA (Superintendência da Reforma Agrária), a desapropriação de terras valorizadas por investimentos públicos, ou seja a desapropriação de latifúndios, ao longo das rodovias federais, o tabelamento dos preços dos aluguéis dos imóveis desocupados. O governador de Pernambuco e o do Rio Grande do Sul, Miguel Arraes e Leonel Brizola, respectivamente, compareceram ao ato a fim de consolidar a formação e a unidade da Frente Popular de Mobilização. Brizola era o mais enfático ao defender a convocação de uma Assembléia Constituinte. “Jango queira usar a massa para pressionar o Congresso, um baluarte do conservantismo” . Ao contrário do que se pensou na época, João Goulart não planejava o golpe – o que intentava era ativar instrumentos democráticos de pressão política. Visto retrospectivamente, o discurso pronunciado pelo presidente naquele comício-monstro, viria a ser a sua carta-testamento – e a do populismo também, ou seja, o comício de 13 de março de 1964 marcou o início do fim do seu governo .Os principais itens das Reformas de Base estão condensadas numa mensagem enviada ao Congresso Nacional com os seguintes tópicos: • Reforma Agrária, com emenda do artigo da Constituição que previa a indenização prévia e em dinheiro; • Reforma Política, com extensão do voto aos analfabetos e praças de pré, segundo a doutrina de que os alistáveis devem ser elegíveis; • Reforma Universitária, assegurando plena liberdade de ensino e abolindo a vitaliciedade de cátedra; 142


• Reforma da Constituição para delegação de poderes legislativos ao Presidente da República; • Consulta à vontade popular, através de plebiscitos, para referendum das Reformas de Base. Essas reformas, evidentemente, não visavam o socialismo. Eram reformas democrático-burguesas e tendiam a viabilizar o capitalismo brasileiro, embora sobre outros alicerces, arrancando-o do atraso secular e dando-lhe maior autonomia. A reforma agrária, que a burguesia nacional retardada, raquítica e umbilicalmente ligada ao latifúndio, não tivera condições de executar, constituía, sobretudo, um instrumento para a ampliação do mercado interno, necessária ao desenvolvimento do próprio parque industrial brasileiro. A reforma agrária é a reforma mais capitalista que existe, na medida em que serão distribuídos justamente aquilo que os defensores do socialismo repudiam: os títulos de propriedade privada. Além do mais as desapropriações darse-iam mediante pagamento de indenização por parte do governo federal, que se utilizaria do erário público para pagar os latifundiários. “Numa população de 70 milhões de brasileiros em 1960, somente 3.350.000 possuíam terras, sendo que 2,2%, isto é, 73.737 proprietários ocupavam 58% da área total dos hectares cultiváveis. Goulart responsabilizava essa má distribuição das terras pelo seu baixíssimo índice de aproveitamento na lavoura e entendia que o instituto da propriedade estaria melhor defendido se 10 milhões de brasileiros e não apenas 3.350.000 dele se beneficiassem” . A reforma agrária proposta por Goulart ao Congresso orientava-se pelo princípio de que o “uso da propriedade é condicionado ao bem-estar social”, não sendo a ninguém “lícito manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade”. A agitação contra Goulart então recrudesceu. Conflitos irromperam em São Paulo e em Belo Horizonte, provocados pelos grupos conservadores. E, enquanto a UDN, parte do PSD e outros partidos menores reclamavam o impeachment de Goulart, entidades financiadas pela CIA e pelo empresariado, como a Campanha das Mulheres Democrática (CAMDE), Fraterna Amizade Urbana e Rural (FAUR), União Cívica Feminina (UCF), Sociedade Rural Brasileira (SRB) e outras, articularam a realização, nas principais cidades do país, das chamadas “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, afim de atiçar a fúria anticomunista nas classes médias. Como o próprio Goulart salientaria: “nas grandes passeatas os cartazes não eram dirigidos conta a pessoa do presidente ou contra as reformas de base por ele preconizadas. Todos visavam a atingir o sentimento profundamente religioso do povo e mostrar o perigo iminente da tomada do poder pelo comunistas” . Assim, os conservadores, liderados pela esposa do governador de São Paulo Ademar de Barros , organizaram, no dia 19 do mesmo mês, a primeira “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” que correu as ruas de São Paulo, a qual contou com a presença da Igreja Católica e do empresariado. Cantos e rezas se ergueram contra o risco do país submergir no Comunismo. Neste, como em outros casos,

as mulheres foram instrumentalizadas para campanhas antijanguistas. O inspirador da Marcha de 19 de março, foi um pároco de Hollywood, a serviço da CIA norte-americana, o padre Patrick Peyton. Neste momento, o exército percebeu que, em caso de um golpe, contaria com o apoio da classe média: o baluarte fiel das grandes decisões políticas do país. Em meio à tal agitação e radicalização de ambos os lados, o Ministro da Guerra, Marechal Dantas Ribeiro, resolveu hospitalizar-se, a fim de se submeter a uma intervenção cirúrgica, não obstante o pedido de Goulart para que a adiasse. Ao que tudo indica, ele não ignorava o andamento da conspiração e, seguramente, já sabia da intenção do General Castelo Branco. Afastar-se do Ministério da Guerra, a pretexto de tratar da saúde, seria, portanto, uma atitude confortável e uma saída honrosa. Não precisaria trais abertamente o Presidente da República nem combater seus camaradas de Farda. E abriria caminho para o Golpe de Estado. Diante do quadro de intensa agitação política das camadas menos favorecidas e das organizações políticas tidas como de esquerda, os chefes militares, entre os quais se destacavam o marechal Humberto Alencar de Castelo Branco, chefe do Estado Maior do Exército, tomaram a decisão de derrubar o governo. A 20 de março, através de uma Circular Reservada aos demais militares do Estado Maior do Exército e das organizações subordinadas, o marechal Castelo Branco afirmava: “são evidentes duas ameaças: o advento de uma constituinte como caminho para a consecução das reformas de base e o desencadeamento em maior escala de agitações generalizadas do ilegal poder o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores). As Forças Armadas são invocadas em apoio a tais propósitos”, continua a Circular Reservada, “Entraram as Forças Armadas numa revolução para entregar o Brasil a um grupo que quer dominá-lo para mandar e desmandar e mesmo para o gozar o poder? Para garantir a plenitude do grupamento pseudo-sindical, cuja cúpula vive na agitação subversiva cada vez mais onerosa aos cofres públicos? Para submeter a Nação ao comunismo de Moscou? Isto, sim, é que seria antipátria, antinação e antipovo”. Para Castelo Branco e para os militares da Caserna, os propósitos governamentais eram ilegais e o papel do militar deveria ser estar pronto para a defesa da legalidade, a saber, pelo funcionamento integral dos três poderes constitucionais e pela aplicação das leis, inclusive as que asseguram o processo eleitoral, e contra a revolução para a ditadura e a constituinte, contra a calamidade pública a ser promovida pelo CGT e contra o desvirtuamento do papel histórico das Forças Armadas. Com o Exército sem comando, o Ministério da Guerra acéfalo, a conspiração se acelerou. Goulart, embora conhecendo o teor do documento, não mandou, imediatamente demitir e prender Castelo Branco. E quando o fez, dias depois, o General Armando de Moraes Âncora, Comandante do I Exército, esquivou-se de cumprir a ordem sob a alegação de que Castelo Branco já ameaçara suicidar-se se fosse preso. E o General não queria carregar o peso do seu cadáver na consciência. De qualquer modo, Goulart 143


agira tardiamente confiando, quiçá, no sentimento legalista da maioria da oficialidade. Acontecia, porém, que o sentimento anticomunista tornara mais forte que o sentimento legalista, mercê de intensa doutrinação, orientada pelo Pentágono, com base nas concepções do inimigo interno, da guerra contra-revolucionária e das fronteiras ideológicas. E Castelo Branco, assim como tantos outros militares, acreditava que, em face da emergência política dos trabalhadores, que “a observância da legalidade conduzia ao comunismo”, afirmava a Circular Reservada. De acordo com Bandeira , “Depois do comício de 13 de março, ele certamente pensara, como Odilon Barrot, o último Ministro do Rei Luís Felipe da França e Primeiro-Ministro de Luís Bonaparte: La Legalité nous tue” . Entretanto, Castelo Branco, receava tomar qualquer iniciativa de violação da legalidade, sem cobertura política e, no final, ficar só. Queria fazê-lo apenas diante de um fato que comovesse as Forças Armadas, como a intervenção federal no Rio de Janeiro, Minas Gerais ou São Paulo, ou a convocação de uma Greve Geral por parte do CGT, ou outra rebelião dos sargentos. A CIA se encarregou de prepará-lo. Dias depois da Marcha com Deus, mais precisamente durante a Semana Santa de 1964, o motivo sobreveio. Centenas de Marinheiros, reunidos sob a liderança de José Anselmo dos Santos, decidiram comemorar o aniversário de sua Associação e, desacatando a proibição do Almirante Silva Mota, Ministro da Marinha, que ordenara a prisão dos organizadores, correram para o sindicato dos metalúrgicos, no Rio de Janeiro, a fim de buscar a solidariedade dos trabalhadores, os fuzileiros navais enviados para prendê-los aderiram também à revolta. Era a penetração do populismo nas Forças Armadas e a quebra da hierarquia. O Exército, a pedido de Goulart, interviu no movimento, abafando-o. A liderança dos revoltosos era de alguém que, depois descobriu-se ser um agente do serviço secreto, provocador e trabalhando para a CIA: um tal Cabo (José) Anselmo (dos Santos). Não se tratava de conjectura, mas sim de informação oriunda da própria Marinha. Foi a gota d’água para a os oficiais desfecharem o golpe. Era inaceitável a quebra da disciplina e da hierarquia, com a complacência do governo, pois Jango havia anistiado os rebeldes. Não

era de estranhar, aliás que Anselmo estivesse a promover uma provocação contra o governo. A CIA, já aquele tempo, dava assistência ao Centro de Informações da Marinha (CENIMAR) e à Polícia de Lacerda, cujos elementos também se infiltraram entre os marinheiros, usando uniformes para fazer badernas, conforme o SFICI comprovara. Aí, porém, a provocação já se confirmara, incompatibilizando inclusive o movimento sindical com a maioria da oficialidade, que passaram a identificá-lo com a indisciplina e a rebelião. Justificavam-se as diatribes de Castelo Branco e outros contra o CGT e o Governo, acusados de preparem o terreno para a instalação do comunismo no Brasil. Para justificar e aumentar a guerra psicológica, os militares argumentavam que se tratava da Revolta do Encouraçado Potemkin. Exibira-se até mesmo um filme para recordá-lo. Nenhum ingrediente faltara à guerra psicológica, que evoluía para a luta armada, com a erupção de conflitos a bordo dos navios e oficiais metralhando marinheiros no pátio do Ministério. “Conquanto uma sublevação só triunfe quando se mantém na ofensiva, é sob a forma aparentemente defensiva que ela melhor se desenvolve e alarga sua faixa de simpatia e de sustentação” . E, naquele momento, não existia pretexto mais convincente para encobrir a quebra da hierarquia e o atentado à Constituição do que a defesa da hierarquia e o respeito à Constituição. Assim, na sexta-feira da Paixão, enquanto mais de 1000 marinheiros e ingênuos militantes de esquerda se rejubilavam pelas ruas centrais do Rio de Janeiro, antecipando a aleluia e antevendo a hora da Ressurreição social, brasileiros e norte-americanos acertavam os últimos detalhes para a execução do golpe de Estado. O general Castelo Branco mandou emissários a diversos estados, a fim de coordenar as ações militares contra o governo, que deveriam principiar à noite de 2 para 3 de abril, de acordo com o seu plano, após a realização, no Rio de Janeiro, da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Concomitantemente, o Embaixador norte-americano Gordon comunicou às autoridades de Washington a iminência do levante, adotando as primeiras medidas para dar-lhe apoio logístico e, se necessário, militar, com o fornecimento de combustível, armas e até mesmo soldados, através de complexa operação naval e aérea, denominada de Operação Brother Sam.

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que se aferravam à estatização, constituíam um entrava ao avanço capitalista, que necessitava de incentivos ao capital privado. Neste sentido, o modelo populista começou a dar sinais de cansaço diante da nova fase de expansão que o capitalismo internacional experimentou nas décadas de 50 a 70. A Europa reconstruída recuperava a capacidade de investimento em outros países, e os Estados Unidos destacavam-se como gigante econômico.

A crise do Populismo O nacional-populismo se revelava impotente para atender às necessidades política da época. As massas caminharam adiante das direções. Os acontecimentos passaram à frente das personagens. Goulart, pelo seu temperamento, não era homem de decisões prontas e imediatas. Atormentava-o a necessidade de tomar atitudes drásticas. Preferia o diálogo, a conciliação. Avaliava todas as opções e suas conseqüências, consultando uns e outros. “Devido à sua origem rural, esperava, pacientemente, o momento de plantar e o momento de colher. Tentara evitar a radicalização, recusando-se a assumir plenamente a vitória que obtivera com o plebiscito e impor ao Congresso ou contra o Congresso as Reformas de Base. Construíra sua carreira pública em campo aberto, por vias sempre pacíficas e recusava-se agora, como Presidente da República, a implantar as reformas ao preço da derrocada das instituições democráticas” . Na realidade, o populismo estava envolto em uma crise institucional, pois aquele ingrediente que compunha o regime de Vargas se transformara, quer dizer, o populismo getulista tivera por componente típico o autoritarismo, que dera ao governo condições de funcionar como árbitro dos compromissos instáveis que tinha por base. As Reformas de Base foram um projeto embutido na própria natureza do populismo, mas à medida que ele foi ganhando a opinião pública e a massa popular foi se arregimentando a seu redor, o pacto populista começou a se desafazer. A autonomia e desenvoltura de um movimento popular era algo que as elites não estavam preparadas para encarar. Ganhou corpo o receio de que essas pretendidas Reformas de Base atingissem a sagrada instituição da propriedade privada. Desse modo o pacto populista foi, por um lado, denunciado pela classe popular, que ansiava por mudanças e via um obstáculo nos acordos e compromissos implícitos no populismo; e, por outro, pelas elites que passaram a enxergar no populismo uma estratégia impotente para segurar a massa, que ele mesmo levara às ruas. A evolução do populismo, que só podia se manter em situação de equilíbrio instável e, portanto, sem alterações, foi igualmente a condenação de sua continuidade. Na medida em que aquele potencial de se tornar uma política popular se desenvolvesse desde o interior do populismo, ele passaria a ser uma estratégia inevitável. As elites sabiam disso e seus líderes mais representativos, foram radicalizando suas posições, à proporção que o projeto das Reformas de Base foi ganhando corpo . Pode-se dizer que os governos nacional-populistas,

A crise política que se abateu sobre o Brasil nos idos dos anos 60, vincula-se intimamente à esta contradição básica do populismo e também aos problemas sociais gerados pelo modelo de desenvolvimento acelerado e dependente que o Brasil adotou a partir dos anos 40. Um modelo que produziu inflação elevada, acentuou a acumulação de riquezas e a concentração de terras. Acreditamos que foi justamente a “tentativa de restabelecer o cálculo econômico e, portanto, manter a continuidade da acumulação capitalista, sem penalizar os trabalhadores, constituiu a grande contradição que liquidaria não apenas a política econômica de San Tiago Dantas e de Celso Furtado, mas, também, o governo de João Goulart e o próprio regime democrático, abrindo um abismo entre as forças populares e as reacionárias. As medidas adotadas de acordo com o receituário do FMI, longe de sustar a inflação, aceleraram a alta do custo de vida, não tendo Goulart condições para conter nem os salários nem os preços, que disparavam. A crise social aprofundou-se no redemoinho da inflação e corroeu o prestígio do governo, acossado tanto pela direita, quanto pela esquerda. De um lado, as associações rurais e comerciais se eriçaram contra o anteprojeto de reforma agrária, que tramitava no Congresso, já se preparando os fazendeiros para desencadear uma guerra civil, com o estímulo de líderes reacionários. De outro, os sindicatos, a UNE, a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), o PCB e outras organizações populares intensificaram o combater ao Plano Trienal. As críticas à política de Goulart se acentuaram também dentro do próprio PTB, com a radicalização do Grupo Compacto, estendendo-se a dissidência às áreas do próprio governo. A diretriz de Almino Afonso no Ministério do Trabalho, ao fortalecer as direções operárias mais independentes, como o CGT, o PUA, etc, colidiu com os interesses de Goulart. E as divergências se exacerbaram quando Brizola, que combatia a compra pelo governo federal de empresas norte-americanas falidas, voltou a ocupar uma cadeia de rádio e de televisão no dia 28 de maio de 1963, e denunciou os entendimentos promovidos pelo Ministro San Tiago Dantas em Washington como um crime de lesa-pátria, dizendo que se, o governo de Goulart os efetivasse criaria com ele uma situação de discordância insanável” . As bases do Estado populista passaram a ser questionadas pelas classes populares, quer porque a radicalização dos movimentos populares procurou superá-las na sua forma burguesa, que porque, por isso mesmo, não as reconheceu como expressão de sua classe. Neste sentido, o populismo, que “se caracterizava pelo débil compromisso entre forças contrárias da sociedade, estava ameaçado naquilo que era a sua essência. (...) A 145


política de mobilização acionava toda a força direitista ou conservadora contra Goulart, e as forças populares, por sua vez, impacientavam-se a cada dia e buscavam uma alternativa revolucionária. O Estado estava, segundo os conservadores, em franca ‘decomposição’, o que naturalmente, criou entre eles um clima de total insegurança” . As elites políticas e econômicas, diante das pressões populares por reformas, “optaram por uma modernização que conservasse seus privilégios, associando o crescimento da economia a uma maior participação do capital externo e à preservação da grande propriedade” capitalista. Essa saída à direita – essa opção ao autoritarismo –, foi aplaudida de pé pelos militares, mas, principalmente, pelos setores ligados ao capitalismo internacional. Os Estados Unidos, principalmente a sua Embaixada no Brasil, contribuiu sobremaneira para a instabilidade política do Brasil, na medida em que assumira ostensivamente caráter de provocação, corrompendo e aliciando governadores de Estado e prefeitos de municípios, mediante a utilização de verbas da Aliança para o Progresso, com o objetivo de formar ela própria uma clientela dentro do Brasil, em oposição ao Governo Federal. Isso criou um incidente diplomático na medida em que Jango obrigou o Itamarati a comunicar publicamente o Departamento de Estado dos EUA sua disposição de não mais tolerar aquele procedimento, que atentava contra a soberania nacional e a unidade da Federação. O governo do Brasil denunciaria a Aliança para o Progresso, caso a Embaixada dos Estados Unidos continuasse a não considerar a realidade do Estado Nacional e o monopólio das relações exteriores pela União. Essa decisão evidenciava o grau que atingira o conflito com os EUA.

POPULISTAS VERSUS MILITARES. ESQUERDA VERSUS DIREITA. A esquerda brasileira havia crescido constantemente desde a volta de Getúlio em 1951, mas havia-se tornado muito mais heterogênea. Um componente era o Partido Comunista Brasileiro (PCB), com sua longa experiência em política tanto aberta como clandestina. Os comunistas tinham agora de lidar com a atitude cautelosa da União Soviética (em comparação à Fidel Castro) em promover a revolução na América Latina. Além disso, o partido estava flanqueado em diversas frentes. À esquerda estava o “dissidente” Partido Comunista do Brasil (PC do B), de orientação maoísta (chinesa), fundado em 1962, e cujo mais famoso membro é, até os dias de hoje, João Amazonas. Esse grupo, pequeno mas ruidoso, se inspirava não apenas na República Popular da China mas também em Cuba, onde Fidel Castro havia mostrado como fazer uma revolução acelerando a dialética da História. Igualmente importantes à esquerda estavam os muitos e variados “nacionalistas radicais”. Os mais exaltados eram os grupos de esquerda filiados à Igreja Católica Romana, que haviam atraído muito estudantes universitários e pretendiam criar uma consciência política entre as massas marginais, urbanas e rurais. A linguagem dos nacionalistas radicais era marxista e muito de seus membros tinham es-

treitos vínculos passados ou presentes com o Partido Comunista ortodoxo, mas raramente estavam sob o controle deste e freqüentemente seguiam uma estratégia própria. Os trabalhadores se organizavam em sindicatos que além de se multiplicarem realizavam um grande esforço no sentido de se tornarem autônomos, libertando-se da tutela governamental. Foram organizados à margem da legislação trabalhista o Pacto de Unidade e Ação (PUA), no Rio de Janeiro, o Foro Sindical, em Santos, os Conselhos Permanentes das Organizações Sindicais (CPOS), em Salvador e em Belo Horizonte. O nível de organização da classe operária foi tão expressivo, que se chegou a fundar a primeira central sindical de caráter verdadeiramente nacional: o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores). No campo, também houve uma transformação no que tange à organização política por parte dos camponeses. Os setores esquecidos do campo, de acordo com Bóris Fausto, “verdadeiros órfãos da política populista” , começaram a se articular. O pano de fundo dessa mobilização pode estar vinculada ao desenvolvimento econômico e industrial dos anos 50, haja vista essas mudanças ampliaram o mercado para os produtos agrícolas e a pecuária, levando a uma alteração nas formas de posse da terra e de sua utilização. A terra passou a ser mais rentável do que no passado, e os proprietários trataram de expulsar antigos posseiros ou agravar suas condições de trabalho, o que provocou forte descontentamento entre a população rural. Além disso, as migrações aproximaram campo e cidade, facilitando a tomada de consciência de uma situação de extrema submissão por parte dos camponeses. O movimento rural mais importante do período foi o das Ligas Camponesas, tendo como líder ostensivo uma figura da classe média urbana - advogado e político Francisco Julião. Julião promoveu as Ligas à margem dos sindicatos e tratou de organizar os camponeses, isto é, aquela parcela da população rural proprietária de um pedaço de terra ou com algum controle sobre ela como arrendatário, meeiro, etc. As Ligas começaram a surgir em fins de 1955, propondose entre outros pontos a defender os camponeses contra a expulsão da terra, a elevação do preço dos arrendamentos, a prática do “cambão”, pela qual o colono – no nordeste chamado de morador – deveria trabalhar um dia por semana de graça para o dono da terra. Julião procurou dar às Ligas Camponesas uma organização centralizada e estabeleceu suas sedes na capital de um Estado, ou no núcleo urbano mais importante de uma região. Justificava essa estratégia a partir da convicção de que nas grandes cidades estavam as classes e grupos aliados dos camponeses – os operários, os estudantes, os intelectuais revolucionários, a pequena burguesia – e havia aí um Justiça menos reacionária. Em novembro de 1961, realizou-se em Belo Horizonte o I Congresso Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, que expressou as várias linhas propostas para a organização rural. A reunião foi planejada conjuntamente por Julião e outros membros das Ligas Camponesas e pelos dirigentes comunistas, cuja base maior se encontrava entre os assala146


riados agrícolas de São Paulo e do Paraná. Um avanço importante na esfera legislativa se deu em março de 1963, quando Jango sancionou uma lei que dispunha sobre o Estatuto do Trabalhador Rural. A lei instituiu a Carteira Profissional para o trabalhador do campo, regulou a duração do trabalho e a observância do salário mínimo e previu direitos como o repouso semanal e as férias remuneradas . Cresceu também no governo de Jango, a mobilização de outros setores da sociedade. Os estudantes, radicalizavam suas propostas de transformação social e passaram a intervir diretamente no jogo político. A atuação estudantil davase sobretudo em entidades como a UNE (União Nacional dos Estudantes) e as UEE (União Estadual dos Estudantes); a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), além dos diversos Grêmios Estudantis (universitários e Secundaristas) e entidades específicas como a JEC (Juventude Estudantil Católica), a JOC (Juventude Operária Católica), a JUC (Juventude Universitária Católica) a AP (Ação Popular). À direita estavam os tradicionais detentores da riqueza do Brasil. Sua voz principal era a UDN, e dependiam de seus laços com a polícia e o Exército. Entre eles se incluíam donos de terras e muitos industriais. Seu trunfo era a capacidade dos militares de intervir contra seus inimigos. A direita também atacava o legado de Getúlio a despeito do fato de muitos entre eles terem-se beneficiado amplamente de sua política econômica. Em teoria eram favoráveis ao liberalismo econômico ortodoxo. Na prática, davam boasvindas a subsídios ou tarifas protecionistas aos seus produtos. Também dependiam do governo dos Estados Unidos como seu apoio decisivo. Eles sabiam que apontar para a “ameaça comunista” ressoaria em Washington e alguns deles aceitaram prontamente fundos secretos americanos para suas campanhas eleitorais e batalhas de propaganda. A elite econômica, que vivia do trabalho alheio e que, portanto, defendia a manutenção do status quo, também criou os seus mecanismos de defesa dos seus interesses, entre elas destacam-se: o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), o Sociedade Brasileira para a defesa da Tradição, da Família e da Propriedade (TFP), o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). No aspecto político-institucional, a “direita” estava majoritariamente representadas pelos partidos nacionais – UDN e PSD. Suas principais expressões políticas eram os governadores Carlos Lacerda, da Guanabara; Ademar de Barros, de São Paulo; Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Juraci Magalhães, da Bahia. As elites conservadoras sustentavam financeiramente a criação e a manutenção de instituições especiais, que se encarregavam de desenvolver e articular organicamente o pensamento teórico e político-ideológico da direita, bem como de organizar formas sistemáticas de arregimentação e preparação de quadros dirigentes e de doutrinação popular. Eram instituições ligadas às Forças Armadas e que atuavam como órgãos de inteligência do setor militar, sub-

sidiando-o com estudos sobre a realidade brasileira que pudessem fundamentar e subsidiar as propostas e as posições conservadoras. Os mais importantes eram: o IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), fundado em 1962, o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), e a ESG (Escola Superior de Guerra). A direita também controlava a imprensa. Todos os grandes meios de comunicação, principalmente os Jornais impressos, exceto o Jornal Última Hora, eram totalmente antijanguistas. A CIA foi o grande mentor desses organismos, fornecendo orientação, experiência, apoio logístico e até mesmo recursos financeiros, abundantemente, no esforço de corrupção e de intrigas, para influir nas eleições, impor diretrizes ao Congresso, carcomer os alicerces do Governo e derrocar o regime democrático. De acordo com as palavras do próprio Goulart, eram eles que, explorando rendosa indústria de combate aos extremismos ou desfraldando falsas bandeiras de legalidade, pretendiam manter o país em clima de constante intranqüilidade”. Com efeito, o IPES, surgido nos princípios de 1962, proclamou-se contra a radicalização da política brasileira entre esquerda e direita , mas logo começou a contratar militares reformados para montar um serviço de inteligência, cuja função consistia em colher dados sobre a pretensa infiltração comunista no governo de Goulart e distribuí-lo, clandestinamente, entre oficiais que ocupavam postos de comando, através de todo o território nacional. De 1962 a 1964, o IPES gastou cerca de US$ 200.000 a US$ 300.000 por ano, segundo revelação de um dos seus diretores, o economista Glycon de Paiva. E não foi gratuitamente que Lacerda, pela televisão, acusou os comunistas de manobrarem o governo de Goulart. Este refrão, batido pelo IPES e por todos os corifeus da reação, como Lacerda, visava a assustar não somente os militares anticomunistas, mas, também os demais setores das classes dominantes, radicalizando-os e predispondo-os, psicologicamente, para a aceitação de um golpe de Estado. O IPES era uma entidade sofisticada, pretensamente científica, e se ligou à Escola Superior de Guerra, aliciando os Generais Golbery do Couto e Silva, Heitor de Almeida Herrera e muitos outros, reformados ou na ativa. Sua influência se estendeu também aos jornais e a outros órgãos de divulgação, sustentada não apenas pelas verbas que espalhava, diretamente, como pelo interesse das agências de publicidade, manipuladoras das contas das grandes empresas estrangeiras. Estas contribuíram com grandes somas para a atuação do IPES. Convém salientar que a Konrad Adenauer Stiftung, órgão do Partido Democrata-Cristão da República Federal da Alemanha (a ex-Alemanha Ocidental – capitalista), também colaborou com o IPES (e com o governador de São Paulo, Ademar de Barros), através da Mannesmann e da Mercedes Benz, e que todas ou quase todas as empresas estrangeiras, sobretudo as norte-americanas, lhe destinaram grandes importâncias financeiras. E ainda havia os que, de um lado, faziam doações ao IPES e, do outro tiravam dinheiro do IBAD, como o poderoso banqueiro e deputado federal Herbert Levy (grupo Itaú), também vinculado aos interesses estrangeiros. O IBAD, por sua vez, atuava diretamente sob a dire147


ção da CIA, que a financiava, utilizando como seu agente um certo Ivan Hasslocher. Ela mantinha íntima conexão com uma empresa de publicidade – S.A. Incrementadora de Vendas Promotion – e, embora fundada em 1959, suas atividades somente se intensificaram a partir da posse de Goulart na presidência da República. Em 1962, com a criação da Ação Democrática Popular (ADEP), o IBAD interveio diretamente na campanha eleitoral, subvencionando candidaturas de elementos reacionários, que assumiram o compromisso ideológico de defender o capital estrangeiro e condenar a reforma agrária, bem como a política externa independente do governo brasileiro. Possuindo uma das maiores contas bancárias de depósitos oriundos do governo norte americano, o IBAD se transformou assim em uma espécie de holding, coordenando várias subsidiárias entre as quais se destacavam além da ADEP, a Ação Democrática Parlamentar (ADP), a Campanha Mulher Democrática (CAMDE) e a Frente Juventude Democrática (FJD). Seus tentáculos alcançaram o proletariado, com o esforço de constituição da Resistência Democrática dos Trabalhadores Livres (REDESTRAL), no Rio de Janeiro, e do Movimento Sindical Democrático (MSD), em São Paulo, que mantinham estreitos contatos com a AFL-CIO (central operária dos Estados Unidos) e funcionavam com base nas Confederações dos Trabalhadores no Comércio e em Transportes Terrestres, filiadas à Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres – a CIOSL – e à Organização regional Interamericana de Trabalhadores – a ORIT. A criação desse movimentos resultava na velha tentativa da CIA para influir nas atividades sindicais do país, principalmente de São Paulo, onde, segundo informe que chegou a Goulart, o Secretário do Trabalho do Governador de São Paulo, Carvalho Pinto, Augusto Marzagão, acusado de cooperar com o serviço secreto dos Estados Unidos, já em 1959, promovia encontros entre representantes norte-americanos e líderes sindicais brasileiros, como Dante Pelacani, Francisco José de Oliveira, Olavo Previatti, Lourival Portal e muitos outros . Para se ter uma idéia da quantidade de capital que estes organismos recebiam diretamente do governo norte-americano, através da CIA, e dos grandes empresários multinacionais, o Congresso brasileiro montou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a origem dos fundos que instituições como o IBAD e o IPES recebiam. Entretanto, esta CPI teve a sua atuação embaraçada pela influência dos deputados que os recursos do IBAD beneficiaram. “Como era de se esperar, dada a penetração do IBAD no Congresso, um verdadeiro selecionado de deputados ibadianos foi recrutado para fazer parte da CPI” – comentou o deputado Eloy Dutra, acrescentando que “os deputados não-ibadianos eram minoria na própria Comissão” . Dos nove componentes da CPI, cinco era receptadores de recursos do IBAD e/ou da ADEP, sendo apenas 04 não-ibadianos. Ainda assim, o esforço da CPI, ou seja, dos deputados trabalhistas (PTB) Eloy Dutra, Benedito Cerqueira e Rubens Paiva e do deputado udenista José Aparecido de Oliveira, colaborou para inibir, em parte, a operação da CIA, comprovando que o dinheiro distribuído pelo IBAD procedia do estrangeiro, remetido para o Brasil

através do Royal Bank of Canada, Bank of Boston e First National City Bank. A CPI constatou que, em apenas uma de suas contas, a do Bank of Canada, o IBAD movimento Cr$ 1,3 bilhão, entre maio e outubro de 1962. O governo de João Goulart só não agiu firmemente para não agravar, ainda mais, as precárias relações existentes entre o governo brasileiro e o norte-americano. Entretanto, a preocupação da CIA não era tão somente com as atividades urbanas. Os norte-americanos procuraram igualmente penetrar no campesinato. Através do IBAD e de outros canais destinou muito recursos ao Nordeste, não apenas visando combater a candidatura de Miguel Arraes, em Pernambuco, mas, também, com o objetivo de dividir as Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião. Foram formadas inúmeras cooperativas de financiamento ligadas à Igreja Católica, que recebera uma quantidade muito grande de recursos financeiros norte-americanos, entre elas se destacam a Cooperativa Leage (CLUSA) e o Serviço de Orientação Rural de Pernambuco (SORPE). O principal objetivo dessas cooperativas foi ajudar a reprimir o potencial revolucionário existente no nordeste brasileiro. O SORPE, sob a orientação do Padre Crespo, conseguiu, inclusive, o controle da Federação dos Sindicatos Rurais de Pernambuco, legalizada em outubro de 1962, pelo então Ministro do Trabalho, João Pinheiro Neto. Com esse primoroso trabalho de aliciamento ideológico e financeiro, inédito na história do Brasil, a CIA não somente arregimentou empresários, vereadores, deputados estaduais e federais, senadores, governadores de Estado, jornalistas, donas-de-casa, estudantes, professores, dirigentes sindicais urbanos e rurais, religiosos, enfim, a choldra de todas as classes e categorias da sociedade civil brasileira. Nas Forças Armadas, onde a Cruzada Democrática, desde o início da década de 50, conspirava para desfechar o golpe de estado reacionário, antipopular e antinacional, a pretexto de combater o comunismo, a CIA recrutou, tanto através do IPES quanto do IBAD e até diretamente, inúmeros oficiais dos mais diversos escalões. Um dos principais mentores da estratégia militar foi o general Golbery do Couto e Silva, que exerceu grande influência na idealização do golpe militar e sobretudo na estruturação do sistema político que se instalou posteriormente. A formação de uma oposição antipopulista como esta deveu-se não tanto à luta contra o retorno do presidencialismo, mas principalmente ao receio de que João Goulart se aliasse aos movimentos populares e sindicais que então emergiam com grande força, parecendo irrefreáveis. O temor não era sem fundamento. As agitações populares haviam atingido “uma variedade de formas”, chegando, segundo Wefort, a “níveis de atividade e sobretudo de influência política sem paralelo na história brasileira” , que culminariam, em 1962, com a criação do CGT. Com o objetivo de confundir a opinião pública e desnortear as diligências, os agentes da conspiração golpista, muito dos quais encastelados nos serviços secretos das Forças Armadas e das Polícias Estaduais, começaram a propa148


gação de boatos sobre a existência de armas com trabalhadores urbanos e rurais. Estas armas estariam depositadas em locais secretos na Refinaria Duque de Caxias – REDUC –, na Superintendência da Reforma Agrária – SUPRA –, no Porto e em outros locais do Rio de Janeiro e do interior . A guerra psicológica prosseguiu, através da imprensa reacionária, durante vários dias, como um esforço diversionista, que tumultuava ainda mais o ambiente do país. Em 28 de setembro, porém, o I Exército “descobriu” mais de 80 carabinas semi-automáticas, ocultadas no Educandário Nossa Senhora de Fátima (Niterói) e na Fazenda do Arizona pertencente ao grupo Ação de Vigilantes do Brasil – um grupo de extrema direita. Diante do exposto, este tipo de propaganda sofreu um abalo, pois na verdade as armas não pertenciam aos grupos de “esquerda”, como a UNE e o CGT, como imaginavam, mas sim a grupos de direita. As investigações feitas pelo Serviço de Informações e Contra-Informações (SFICI), órgão do Conselho de Segurança Nacional (CSN) levaram a concluir que os responsáveis se vinculavam ao Almirante Heck. Apesar da infiltração de oficiais ligados à Carlos Lacer-

da (UDN), na Secretaria Geral do CSN, o SFICI conseguiu levantar várias pontas da conspiração. Inteirou-se de que o Governador Ademar de Barros (São Paulo) recebia armas do Paraguai, contrabandeadas, e que o General Kruel, no Comando do II Exército não o ignorava. Constatou o desvio de material bélico de arsenais das Forças Armadas, tomou conhecimento de que aviões da FAB transportavam armas para os conspiradores e descobriu uma rede de transmissão no Rio Grande do Sul, montada pelo então Major Álcio da Costa e Silva. Todo um ambiente estava montado pronto para o golpe. João Goulart também soube, através de informantes fiéis do SFICI, que o coronel Verton Walters , Adido Militar da Embaixada dos EUA e agente da Defense Intelligence Agence (DIA), o serviço secreto do Exército Norte-americano, coordenava as operações da CIA no Brasil, inclusive se envolvendo diretamente no contrabando de armas com a colaboração de alguns brasileiros, entre os quais o policial Cecil Borer e o industrial Alberto Byington Jr. Mas o governo, embora consciente da trama, não adotou medidas mais eficazes para desbaratá-la. Goulart, acreditava que, com o apoio popular, neutralizaria qualquer tentativa de golpe de Estado.

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31 de Março de 1964: Golpe para uns; Revolução para outros. Em 30 de março de 1964, no Automóvel clube, Rio de Janeiro, Jango pronunciou um discurso a sargentos e suboficiais – que já tinham se rebelado em Brasília, em outubro de 1963 – defendendo-lhes o direito de votarem e serem votados. Foi a derradeira aparição pública de João Goulart como presidente. Nesse mesmo dia, uma declaração de um Comandante das Tropas sediadas em Minas Gerais – nome que entrou para o esquecimento, pois o Exército jamais o divulgou – afirmava que: “O presidente Goulart deve ser removido e removido às pressas. Não há possibilidade de solução legal. Se as Forças Armadas não agirem agora, cedo elas ficarão sem líderes”. No dia seguinte (31 de março), o general Olímpio Mourão Filho, o homem do Plano Cohen, sublevou-se com a IV Divisão do Exército, tendo o apoio de Magalhães Pinto. O começo causou surpresa até mesmo aos conspiradores, mas logo souberam fazer uso das circunstâncias. Outras unidades foram aderindo. Jango fugiu para Porto Alegre. O Ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro, estava hospitalizado e isso ajudou aos golpistas. o governador gaúcho da época, o conservador do PSD, Ildo Meneghetti, fugiu para Passo Fundo. Brizola quis que Jango resistisse, este não o fez, alegando não desejar derramamento de sangue. Ambos, então fugiram para Uruguai. Jango morreria no exílio em 1976. Praticamente não houve resistência aos golpistas e muitos deles previam resistência. Só Golbery do Couto e Silva tinha “adivinhado” que tudo cairia como um “castelo de cartas”. Na hora do golpe, uma frota americana foi encarregada da Operação Brother Sam – auxiliar os rebeldes. Tendo à frente o porta-aviões Forrestal, a Operação veio em direção à costa brasileira, mas o auxílio, como vimos, terminou não sendo necessário. Essa mobilização, certamente, não visava apenas a fornecer apoio logístico aos sublevados, mas, também, a intervir militarmente no Brasil, se necessário. Os chefes conjuntos do Estado-Maior do Pentágono tinham diversos planos, prevendo todas as alternativas e ações, desde a ocupação do Nordeste, onde cerca de 5000 boinas verdes já se encontravam, até o desembarque em Santos. O próprio general Gordon, mais tarde, diria a Lacerda estar “muito feliz” com a vitória da sublevação de Minas Gerais, porque “evitou uma coisa muito desagradável, que seria a necessidade da intervenção militar americana no Brasil” .

Castelo Branco superestimou a força do Governo. Goulart não tinha condições militares para sufocar a intentona, sem desencadear a guerra civil . Vale ressaltar que os oficiais fiéis ao presidente e à Constituição não tiveram tempo e nem condições de reagir. Segundo depoimentos de Jango, “os generais comandantes das grandes Divisões, embora leais ao governo e à Constituição, não contavam, para uma ação imediata, com a colaboração dos escalões intermediários, instrumentos básicos para qualquer operação e que estavam contaminados pela propaganda do perigo comunista, no qual honestamente acreditavam” . Não houve revolta. A disciplina militar, não obstante os abalos, não se rompera. Os aparelhos ideológicos de dominação mostraram sua eficácia. Os agentes da CIA teceram, sem dúvida, toda a rede de conspiração contra o governo de Goulart, com a colaboração não só de militares brasileiros, mas, também, de latifundiários, comerciantes e industriais, amatilhando os radicais da direita para atos de terror e sabotagem, lutas de guerrilha e antiguerrilha. Os depósitos de material bélico, bem como os campos de treinamento militar, espalhavamse por todo o país, escondidos em igrejas e fazendas. E organizações como Ação dos Vigilantes do Brasil, Grupo de Ação Patriótica, Patrulha da Democracia, Mobilização Democrática Mineira e outras apareceram em todos os Estados, como forças policiais paralelas, espécie de milícias fascistas, num processo de crescimento considerável. E em Minas Gerais foi onde esses bandos mais se desenvolveram e ganharam maior capacidade de atuação, à sombra da Polícia Militar, cujo adestramento estava a cargo de um perito da CIA, chamado Dan Mitrione . Washington, o policial do desenvolvimento capitalista imperialista, assustou-se com a eventualidade do surgimento de regimes de esquerda – mais nitidamente antiamericanos que os antigos populistas – como já ocorria em Cuba, onde Fidel Castro comandou uma verdadeira revolução vitoriosa. O serviço secreto norte-americano – a CIA – aproveitou a deixa, engajando-se em golpes militares na América Latina, especialmente no Brasil, que eliminassem o populismo e destruíssem a esquerda, deixando campo aberto para a liberdade de mercado. As quarteladas de 1964 no Brasil, 1968 no Peru, 1971 no Uruguai, 1972 no Equador, 1973 no Chile, e assim por diante, contaram com o apoio – ou pelo menos com a simpatia – de Washington. De fato, entre todas as ditaduras militares latino-americanas, as mais dramáticas foram a brasileira, a argentina e a chilena, nas quais o Estado implantou um verdadeiro terrorismo para combater seus opositores e conter as demandas populares. Os militares golpistas justificaram sua ação contra a democracia com o argumento de que pretendiam restabelecer a ordem social, retomar a expansão econômica, conter a inflação e eliminar a corrupção e evitar a comunização do país. Nos dois dias que se seguiram ao golpe, a frase que Goulart mais escutava era: “os oficiais não estão contra o Presidente, mas contra o Comunismo e restabelecer a verdadeira Democracia!”. Mas já nos primeiros dias começaram a adotar medidas que caracterizavam a “nova ordem” 150


como ditadura, como pode ser observado pela imposição, através da força do Ato Institucional de número 01 – AI1 –, datado de 09 de abril de 1964, e assinado pelos comandantes-em-chefe das forças armadas, e elaborado pelos juristas Carlos Medeiros da Silva e Francisco Campos (o mesmo da carta de 1937). Para “defender a democracia”, utilizavam-se dos mais diversos expedientes antidemocráticos: rasga-se a Constituição, depõe-se um presidente democraticamente eleito, suspende-se os direitos democráticos, políticos e individuais, prende-se, tortura-se, assassina-se. Coisas as política brasileira... Então o Comunismo era a chave para compreender a insurreição. Mas, Bandeira (1977) faz a seguinte indagação: “que comunismo?” “Havia sovietes no Rio de Janeiro ou em São Paulo? Não. Goulart se propunha a abolir a propriedade privada dos meios de produção? Não. O comunismo era o CGT, esse esforço de organização e unificação do movimento sindical, que as classes dominantes, pretendendo comprimir os salários, queriam interceptar. Era a sindicalização rural. Era a reforma agrária. Era a lei que limitava as remessas de lucros. Era tudo o que contrariava os interesses do imperialismo norte-americano, dos latifundiários e do empresariado. O comunismo era, enfim, a própria democracia que, com a presença de Goulart na Presidência da República, possibilitava a emergência política dos trabalhadores” . Na tarde do dia 31 de março enquanto as tropas do general Mourão Filho evoluíam na direção do Rio de Janeiro e as do General Guedes avançavam contra Brasília, Kubitschek, que rechaçara o convite do deputado mineiro José Maria Alkimin para aderir ao movimento de Minas Gerais, o general Peri Beviláqua, Chefe do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA), inimigo declarado do CGT, o General Kruel, comandante do II Exército, procuraram Goulart e lhe propôs uma solução política para a crise, mediante a substituição do Ministério por outro marcadamente conservador, o lançamento de um manifesto de repúdio ao comunismo, a punição dos marinheiros e outras iniciativas de igual teor, a proibição da greve geral convocada pelo CGT, a intervenção em sindicatos, o fechamento do CGT, da UNE e UBES, o afastamento de pessoas ligadas ao “comunismo” do governo. Goulart manteve-se firme e repeliu a proposta, ponderando que, “se aceitasse aquelas exigências, ficaria numa situação pior que a do Parlamentarismo e que ele não seria um Presidente decorativo”. Ao General Kruel, afirmou que “General, eu não abandono os meus amigos. Se essas são suas condições eu não as examino. Prefiro ficar com as minhas origens. O senhor que fique com as suas convicções. Ponha as tropas na rua e traia abertamente”. Neste momento, Jango não sabia da Operação Brother Sam. Ao ser comunicado por San Tiago Dantas, o presidente ficou preocupado com a internacionalização do conflito e com uma possível intervenção militar norte-americana. Essa notícia, sem dúvida nenhuma, influiu sobre a decisão de Goulart. Ele não desejava o drama de proporções continentais que Washington Post previra. Seus adversários conspiraram com uma potência estrangei-

ra para derrubar um governo legal e constitucionalmente constituído no país!

1964: REVOLUÇÃO? Os autores do golpe de 1964 no Brasil, chamaram-no de Revolução; contudo, o conceito de revolução não se aplica, absolutamente, ao ocorrido, pois este não provocou mudanças estruturais; o que houve foi a modificação política a partir do uso da força. O professor Florestan Fernandes é contundente ao afirmar que “a palavra revolução tem sido empregada de modo a provocar confusões. Por exemplo, quando se fala de ‘revolução institucional’, com referência ao golpe de Estado de 1964. É patente que aí se pretendia acobertar o que ocorreu de fato, o uso da violência militar para impedir a continuidade da revolução democrática (a palavra correta seria contra-revolução” , pois “para que a revolução tenha lugar, não é suficiente que as massas exploradas e oprimidas tomem consciência da impossibilidade de viver como antes e reclamem transformações. Para que a revolução tenha lugar, é necessário que os exploradores não possam viver e governar como antes. É somente quando os ‘de baixo’ não queiram mais e os ‘de cima’ não possam mais continuar a viver da antiga maneira, é então somente [nessa circunstância] que a revolução pode triunfar. Essa verdade se exprime em outras palavras: a revolução é impossível sem uma crise nacional (afetando explorados e exploradores). Assim, pois para que uma [verdadeira] revolução tenha lugar, é preciso: primeiramente, conseguir que a maioria dos operários (ou, pelo menos, que a maioria dos operários conscientes, ponderados, politicamente ativos) tenha compreendido perfeitamente a necessidade da revolução e esteja disposta a morrer por ela; é preciso também que as classes dirigentes atravessem uma crise governamental que envolva na vida política até as massas mais retardatárias (o índice de toda a revolução verdadeira é uma rápida elevação ao décuplo, ou mesmo ao cêntuplo do número de homens aptos para a luta política, entre a massa laboriosa e oprimida, até a apática), a qual enfraqueça o governo e toner possível aos revolucionários a sua pronta substituição”. Assim, de acordo com o autor, o que ocorreu no Brasil, jamais pode ser considerado uma Revolução, mas sim, uma contra-revolução, uma ruptura brusca das condições revolucionárias. Nos dias de hoje, somente a classe operária é que detém as condições subjetivas para uma crescente conscientização revolucionária, haja vista que são expropriados do valor de seu trabalho e não são governo. A introdução do AI-1 é elucidativo: “À Nação, É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional é uma autêntica revolução. A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse 151


e a vontade da Nação. A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas, sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. Os chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e, ao apoio inequívoco da Nação, representam o povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o povo é o único titular”. Como podemos perceber, a manipulação das palavras consiste em peça fundamental para a legitimação de qualquer ordem. Para um estrangeiro às coisas do Brasil, a leitura desta introdução é emocionante. Os militares aparecem como bastião moral do povo e da nação brasileira. Mas, para nós, que estamos a conhecer as coisas do nosso Brasil, isto não passa de uma achincalhe ideológico. “O movimento militar de 1964 foi o momento culminante e, ao mesmo tempo, o desfecho de uma longa crise. De fato, o regime populista, que a rigor encontrou suas origens na revolução de 1930 e na ascensão de Vargas, foi um sistema político marcado pelas instabilidades institucionais. Subsistiu através de compromissos igualmente instáveis e precários entre as forças que emergiram depois da derrocada do regime oligárquico da República Velha. Três datas podem ser ressaltadas para indicar os momentos críticos do populismo: 1954 com o suicídio de Vargas, 1961, com a renúncia de Jânio Quadros e 1964 com a deposição de Jango”. Assim, podemos afirmar que o populismo servira às elites como uma forma de proporcionar a modernização industrial, com a participação controlada das massas populares, ou seja, a modernização burguesa do Brasil com o controle da classe operária. Quando uma efetiva participação política social principiou a tomar forma nas entranhas do populismo e, ao mesmo tempo que gerada por ele, demonstrava que poderia caminhar com as próprias pernas, as elites, sempre avessas a concessões e ciosas do seu espaço político, passaram a encarar a estratégia populista com suspeição. Portanto, podemos afirmar que “o populismo sempre teve o projeto social imbricado em seu projeto burguês – o problema foi a perspectiva de sua concretização, fora da estratégia populista que lhe ditava o enquadramento. E, mais ainda, a inclusão da reforma agrária no projeto” . A orientação nacionalista da economia também foi um fator que levou ao golpe. Esta orientação reunida ao populismo, visto que identificava o trabalho das massas ao seu bem-estar e o incluía no contexto mais amplo da felicidade do Brasil, além de disfarçar a realidade de que o trabalhador, a quem se ensinara que trabalhava para o engrandecimento da pátria, trabalhava sim para o acúmulo das maisvalia (lucro) de seus patrões privados. Este nacionalismo

incomodava aos interesses do capital norte-americanos no Brasil, uma vez que, com o fim da Segunda Grande Guerra, os Estados Unidos possuíam uma enorme quantidade de capital a ser investido, e o nacional-populismo constituíase em um entrave a estes investimentos. No populismo, a participação popular era possível e previsível, desde que seja regulada, manipulada e controlada pelo Estado. O povo não participa enquanto sujeito do processo político, muito pelo contrário, o papel que resta à participação popular no populismo é de um mero figurante. E de tanto ser chamada, ela se convenceu a vir e, aos poucos, descobriu que poderia sair do proscênio do palco, para o palco em si sem ser chamada, ou seja, por conta e risco própria, mais independente de qualquer controle externo por parte do governo. E é justamente essa autonomização das classes populares, que pôs em risco o espaço político das elites. Assim, pelo seu caráter contra-revolucionário, o golpe de Estado antinacional e antipopular que derrubou Goulart não se conteria nos limites formais de uma legalidade já estuprada. Para assegurar sua continuidade o amordaçamento dos trabalhadores e de suas organizações não bastava. Era preciso erradicar todos os focos de contestação existentes no país, sobretudo dentro do Congresso e das Forças Armadas. O objetivo do golpe militar era, portanto, liquidar os movimentos sociais e políticos que não pudessem ser controlados pela estrutura oficial de poder, entre eles destacam-se: o movimento estudantil, o sindical, as Ligas Camponesas e os setores nacionalistas mais radicais. Segundo os militares, “todos eles ameaçavam a estabilidade política do país” e feria a Lei de Segurança Nacional. De acordo com Lopez , o golpe de 1964, ocorreu exatamente no momento em que o populismo estava deixando de questionar apenas o caráter do capitalismo para questionar a sua própria essência. Após um curto espaço de tempo, o governo de Ranieri Mazzili foi, tecnicamente o último presidente civil do Brasil até a posse de José Sarney, em 1985. Os militares assumiram definitivamente o monopólio do poder, respaldados no monopólio da força armada na sua coesão como grupo decisório. Ao contrário de outras intervenções militares em nossa história, desta vez os militares não entregaram o poder para os civis depois de passado o momento crítico. Pelo contrário, os militares resolveram passar da posição de árbitros para a posição de atuantes diretos, enfrentando todos os desgastes decorrentes da nova situação, mas também usufruindo diretamente e completamente dos privilégios ligados ao exercício do poder.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO REGIME MILITAR. Diante do exposto, João Goulart recuou e, no dia primeiro de abril, foi para Porto Alegre; depois de passar por algumas estâncias do sul do estado, ele saiu do país no dia 04 de abril, asilando-se no Uruguai. João Goulart, percebendo que Brasília não havia condições de resistência, apesar de todos os esforços de Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil da Presidência da República, rumou para o Rio Grande do Sul, o único estado que parecia seguro a Goulart, onde Brizola depusera o governador 152


Ildo Meneghetti e, mais uma vez, tentara levantar o povo para resistir ao golpe de Estado. Assim, que o presidente saiu de Brasília, apesar de saber que ele não havia renunciado e que, não obstante, estava em território nacional, pois o chefe da Casa Civil da Presidência da República, Darcy Ribeiro, havia comunicado a sua viagem para Porto Alegre, o senador Auro Moura Andrade, Presidente do Congresso, convocou uma sessão extraordinária e, ao abrí-la, declarou breves minutos, violentando as normas Constitucionais e o próprio Regimento Interno do Congresso, a vacância do cargo, consumando-se, assim, o golpe de Estado. Não foi observado qualquer formalidade legal, como, por exemplo, a votação do impeachment de Jango. Mas bastou para que Gordon recomendasse o reconhecimento do novo governo, ilegítimo e inconstitucional, e Johnson telegrafasse imediatamente ao novo presidente, felicitando-o pela sua investidura na Presidência da República. O objetivo da pressa era justificar, perante a opinião pública norte-americana e internacional, o atendimento a qualquer pedido de auxílio militar por parte do novo Governo, segundo os termos do ajuste pormenorizado de 30 de janeiro de 1964, caso Goulart e Brizola resistissem no Rio Grande do Sul. Logo após a queda de João Goulart, foi empossado provisoriamente na presidência da República, no dia 01 de abril de 1964, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili (de novo!), homem de confiança dos militares. Ao desembarcar em Porto Alegre na madrugada do dia 02 de abril, Goulart percebeu que lá igualmente não disporia de forças para reagir ao golpe de Estado. Não havia tropas no aeroporto. Só um capitão e três tanques formavam a guarda. Goulart reuniu-se, então, com Brizola e o General Ladário Teles, que fora assumir o comando do III Exército já em plena crise, e com eles discutiu a situação do rio Grande do Sul e uma possível resistência. “Brizola sugeriu a Goulart que o nomeasse Ministro da Justiça e o General, Ministro da Guerra, e ambos tratariam de organizar a resistência. Ladário Teles, mesmo sabendo da precariedade da situação apoiou a idéia e disse: ‘se o Presidente quiser que resista, resistirei. Sou um General legalista. Para resistir só dependo de ordens de Vossa Excelência’. E, bastante emocionado, arrematou: ‘um general pode te desgastes, mas, quando entra na batalha, deve esperar até milagres’.” . João Goulart tentou de várias maneiras permanecer no país. Entretanto a sua situação era extremamente delicada e precária. Quando tomou a decisão de exilar-se no Uruguai, enviou um bilhete para o deputado Doutel de Andrade, explicando que procurou “permanecer por mais tempo no Brasil, mas chegara à conclusão de que sua presença em nada alteraria a situação de fato, criada com a sua deposição e a posse ilegal e inconstitucional do Presidente da Câmara”. Sem dúvida, não era mais possível resistir ao golpe. Com a queda de Jango, os cárceres encheram-se. No nordeste, onde os fazendeiros e seus capangas chacinavam camponeses pobres, o IV Exército, comandado pelo General Justino Alves Bastos, derrubou simultaneamente o governador de Pernambuco, Miguel Arraes e o de Sergipe,

Seixas Dória, logo presos e obrigaram as Assembléias Legislativas a votarem o impeachment de ambos, com o objetivo de legalizar a brutalidade do ato. E enquanto a repressão se seguia com a invasão de lares, atentados aos direitos humanos – o que aliás passará a ser a regra do novo regime – 200.000 pessoas, a sua maioria membros da burguesia e da classe média (banqueiros, industriais, comerciantes, latifundiários, ricos e privilegiados, desfilaram pelas ruas do Rio de Janeiro na segunda Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade. Todos os exploradores e parasitas festejaram a vitória. Menos os trabalhadores. Eram os derrotados. Com a deposição de Jango e o reconhecimento do novo governo por parte dos EUA, foi formado uma espécie de dois poderes paralelos: um civil, representado pelo Congresso, e outro militar, representado por um tal Comando Supremo da Revolução, integrado pelos comandantes-emchefe das Forças Armadas – o general Costa e Silva (Exército), o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica) e pelo almirante Augusto Rademaker (Marinha). Os líderes civis, como Amaral Peixoto e Ulysses Guimarães do PSD e Pedro Aleixo, Bilac Pinto e Adauto Lúcio Cardoso da UDN, esforçavam-se no sentido de dar ao Congresso a direção política da situação. Nos planos destes líderes constava, inclusive, a edição de uma ato constitucional que daria ao Congresso o direito de eleger no novo presidente, além de instrumentos excepcionais para afastar as pessoas indesejáveis. Entretanto, os esforços dos civis foram inúteis. O tal Comando Supremo da Revolução adiantou-se, outorgando o Ato Institucional de número 01 (AI-1), que transferiu o poder político do Congresso para os militares. Entretanto, um desejo dos civis, os militares atenderam: o Congresso deveria eleger o novo presidente. Mas qual Congresso? Assim, pelo seu caráter contra-revolucionário, o golpe de Estado antinacional e antipopular que derrubou Goulart não se conteria nos limites formais de uma legalidade já estuprada. Para assegurar sua continuidade o amordaçamento dos trabalhadores e de suas organizações não bastava. Era preciso erradicar todos os focos de contestação existentes no país, sobretudo dentro do Congresso e das Forças Armadas. Logo após a edição do AI-1, os militares realizaram cassações de mandatos e coagiu o Congresso, já mutilado, sem os “elementos indesejáveis” e os cárceres cheios, a eleger o novo presidente da República, indicado pelo tal Comando Supremo da Revolução, o chefe do estado-maior do Exército, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, mais conhecido como Castelo Branco, que governou o país de 11.04.1964 a 15.03.1967. Além de Castelo Branco, o Brasil conheceu mais 04 generais-presidentes: o marechal Arthur da Costa e Silva (15.03.1964 a 31.08.1969), o general Emílio Garrastazu Médici (30.10.1969 a 15.03.1974), o general Ernesto Geisel (15.03.1974 a 15.03.1979) e, por último, o general João Baptista Figueiredo (15.03.1979 a 15.03.1985). No período de 31.08.1969 a 30.10.1969, o país foi governado por 153


uma Junta Militar, presidida pelo general Lyra Tavares. O poder não foi transmitido, como veremos, pois os militares da chamada Linha Dura não confiavam no vice-presidente, Pedro Aleixo, um civil da ARENA. As organizações tidas como “subserversivas” ou “a serviço de organização estrangeira alheia à ordem nacional” foram dissolvidas e seus líderes presos e submetidos aos bizarros Inquéritos Policiais Militares – IPMs – provocando os primeiros exílios. As organizações mais visadas eram o CGT, a UNE, a UBES, a UEE, o PCB e as Ligas Camponesas. Era uma verdadeira operação plástica misturada com lavagem cerebral, com o objetivo de mudar a cabeça do Bra-

sil: povo calado é povo manipulado. Quem não se organiza é dominado e ajustado conforme os interesses de outros: Brasil, “love-me or leave-me”. Apesar dos excessos da repressão os políticos da UDN e do PSD aguardavam passivamente, com grandes esperanças, a rápida normalização da vida política do país. O interesse de JK e de Carlos Lacerda era preservar a ordem constitucional afim de assegurar as eleições de 1965. Ledo engano, pois em seguida, em junho de 1964, Juscelino teve seus direitos políticos cassados por dez anos e Lacerda foi jogado no esquecimento. A direita civil pensara que os militares tinham expulsado Jango para chamá-la, enfim, como em outras ocasiões, a limpar o Brasil dos esquerdismos e devolver o poder a civis confiáveis.

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mento de guerrilha armada urbana e rural e usando a tortura em seus esforços para esmagar toda a oposição.

A República Fardada: da repressão ao milagre. O golpe militar brasileiro marcou o início do último ciclo ditatorial ocorrido na América Latina e sinalizava o esgotamento do modelo nacional-populista, que fora aplicado após a Segunda Grande Guerra Mundial em vários países como a Argentina, a Bolívia, o Chile e o próprio Brasil. Esse modelo baseava-se nos excelentes lucros obtidos pelos países exportadores de matérias-primas entre a Primeira e a Segunda Grande Guerra Mundial. Esses lucros permitiam a diversos regimes latino-americanos dar ao Estado o papel de motor das atividades econômicas. Entretanto, o golpe de 1964 foi arquitetado não só por militares. Civis de renome nacional também construíram o golpe. Entre eles destacam-se: o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto; o governador da Guanabara, Carlos Lacerda; o presidente do jornal O Estado de São Paulo, Júlio de Mesquita Filho e outros órgãos da grande imprensa (O Globo, Jornal do Brasil); setores empresariais ligados ao capital internacional, partidos políticos, principalmente a UDN, o PSD, o PSP e uma parte do PTB, e membros do clero católico. Esses grupos que se opunham a Goulart temiam a “esquerdização”, a “bolchevização” do governo e a crescente mobilização popular pelas Reformas de Base. Sob o impacto da propaganda anticomunista, uniram-se gregos e troianos contra o governo federal. Depois do golpe militar de 1964, os militares mantiveram o poder político no Brasil por longos e tenebrosos 21 anos, apesar de afirmarem, nos seus discursos, que a passagem deles pelo poder seria curta e rápida, no tempo necessário de extirpar do Brasil a corrupção e a subversão e, depois, entregariam o poder aos civis. Durante mais ou menos o primeiro ano, formaram uma aliança com a UDN, o partido tradicionalmente antipopulista faminto pelo poder. Tratava-se de um esforço dos militares para parecerem legítimos a despeito de sua tomada ilegal do poder. Quando essa aliança os fez perder duas eleições fundamentais para governador de estado em 1965, contudo, os militares aboliram todos os partidos políticos existentes e os substituíram por um novo sistema bipartidário – um partido do governo e um único partido de oposição –, um outro esforço para legitimar o ilegítimo. Eles não tiveram mais sucesso com a opinião pública do que antes, a oposição cresceu e a paciência dos militares de direita – também conhecidos como Linha Dura – se esgotou em 1968. Militares tornaram-se cada vez mais repressivos, censurando a imprensa ainda mais estritamente, provocando um movi-

Para o historiador Jacob Gorender, “o golpe militar truncou uma fase de excepcional florescimento da cultura brasileira. A politização das massas se tornou terreno fértil sobre o qual frutificaram iniciativas de cultura popular como nunca havia ocorrido em épocas anteriores (...) Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo” . A hegemonia da liderança nacionalista burguesa, a falta de unidade entre as várias correntes, a competição entre lideranças personalistas, a precariedade da organização dos movimentos, os erros de avaliações de conjuntura, as estratégias e táticas equivocadas, as ilusões reboquistas e as incontinências retóricas e históricas – tudo isto em conjunto explica o fracasso da esquerda brasileira. “Houve a possibilidade de vencer, mas foi perdida” . O golpe militar de 1964 foi comemorado por muitos setores significativos da sociedade, criando-se um clima de amplo apoio popular, pelo menos no que diz respeito à classe média urbana. A Ordem dos Advogados do Brasil, pretensa defensora dos ideais de liberdade, democracia e legalidade, foi um dos setores que aplaudiu a deposição do governo e nem tomou ciência das irregularidades e defeitos legais da transição para o governo inconstitucional de Ranieri Mazzili. A Igreja Católica também deu a sua parcela de colaboração ao golpe. No dia 26 de maio um grupo de bispos influentes elogiou o golpe. A hierarquia católica considerava que o golpe militar tinha impedido a implantação de um regime “bolchevista”, “soviético” no país e assim reforçava os receios da classe média que temiam pelo seu futuro ante o avanço reformista do governo de Jango. É bem verdade que a igreja procurou defender os ativistas leigos progressistas de acusação de serem comunistas. De qualquer modo, a posição da hierarquia irritou profundamente os jovens militantes da Ação Católica Brasileira e da Ação Popular, que se identificavam com a esquerda. Mais tarde, quando esses jovens foram presos e torturados, muitos membros do episcopado reconsideram seu apoio ao golpe.

OS GOVERNOS MILITARES: POLÍTICA E ECONOMIA; RESISTÊNCIA E REPRESSÃO . “Apesar de você, Amanhã há de ser outro dia...” (Trecho da música Apesar de Você, de Chico Buarque).

Os militares que comandaram o país de 1964 a 1985 não possuíam, contudo, uma linha única de ação. Dentro das Forças Armadas várias grupos defendiam diferentes propostas de condução da sociedade, sendo os mais importantes os movimentos denominados pela historiografia de “Linha Dura” e “Grupo da Sorbone”. Os militares da Linha Dura eram adeptos do endure155


cimento do regime, através de ações repressivas, além da eternização dos militares no poder, através de uma ditadura permanente, consoante a ideologia de que só eles estavam acima dos egoísticos interesses de classe e pensavam apenas na pátria. Por trás dessas ações ocultava-se a “jovem oficialidade” (coronéis do Exército) que defendia a pureza dos princípios revolucionários e estavam dispostas a excluir todo e qualquer vestígio do regime deposto, por isso defendiam o alijamento dos políticos, reduzindo-os ao papel de meros colaboradores, estreitando a aliança com uma tecnoburocracia apolítica e, portanto, despolitizando o problema do desenvolvimento, tornando-o uma questão meramente técnica. Fazendo do desenvolvimento uma opção de segurança nacional, cunharam a frase “desenvolvimento com segurança”, usada como camuflagem para reprimir toda a oposição, a atropelar os direitos humanos e a democracia, impondo, assim, um modelo econômico que conseguiram, afinal, fazer prevalecer no Brasil. Seu poder de pressão dentro das Forças Armadas era tal, que nas eleições para governadores, em 1965, conseguiu fazer com que o Congresso aprovasse a “emenda das inelegibilidades”, afastando das disputas eleitorais os elementos visados pelos militares. Outro episódio que representou vitória da Linha Dura foi a permissão dada à Justiça Militar de julgar civis por “crimes políticos”. Essa concessão aos “duros” feriu profundamente o que restava de consciência liberal, e o Ministro da Justiça, Milton Campos, preferiu exonerar-se a ter que compactuar com uma decisão arbitrária. Por sua vez, os militares do chamado Grupo da Sorbone, eram militares que defendiam um governo forte, centralizado, mas com algumas concessões aos civis. Eram oficiais ligados à Escola Superior de Guerra (ESG). Também eram conhecidos como o Grupo Castelista, uma referência ao seu mais notório representante, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. O general Golbery do Couto e Silva era um dos seus principais expoentes. O Grupo da Sorbone defendia a participação de técnicos. Os Castelistas desejavam limpar o país dos comunistas e corruptos em geral, mas pretendiam, em um segundo momento, a devolução do poder às elites civis, por isso defendia a ditadura militar como algo emergencial e imediata em seus objetivos. Acabou prevalecendo o grupo Castelista, não por ter jogado papel mais importante nas movimentações das tropas e na deposição de Jango, mas por ser o único portador de um projeto global para a sociedade, amadurecido desde a década de 50 na ESG. Esse pensamento global se tornou conhecido como Doutrina de Segurança Nacional, que falaremos mais adiante.

A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA - ESG E OS ORGANISMOS DA REPRESSÃO. “Na verdade, embora a tortura seja instituição muito antiga, no país e no mundo todo ela ocupou no Brasil a condição de instrumento rotineiro nos interrogatórios sobre atividades de oposição ao regime, especialmente a partir de 1964”. (trecho documentário “BRASIL: NUNCA

MAIS”). Fundada em 20 de agosto de 1949, por inspiração do marechal César Obino, então chefe do Estado Maior das Forças Armadas, a origem da Escola Superior de Guerra remonta ao período em que a Força Expedicionária Brasileira (FEB) combateu em campos da Itália durante a Segunda Grande Guerra Mundial, sob comando norte-americano. Terminada a guerra, os oficiais brasileiros que atuaram juntamente com as forças norte-americanas, entre eles Castelo Branco e Golbery do Couto e Silva, começaram a participar de cursos militares norte-americanos. O próprio general Golbery afirmaria mais tarde que “a FEB não foi importante só pela ida à Itália. Possivelmente, ainda mais importante tenha sido a visita da FEB aos Estados Unidos (...) Eu fui, e foi um grande impacto”. Quando esses oficiais começam a retornar ao Brasil, já estão profundamente influenciados por uma nova concepção a respeito de como entender a “Defesa Nacional”. Nas escolas norte-americanas, tinham aprendido que não se tratava mais de fortalecer o “poder nacional” contra eventuais ataques externos, mas contra um “inimigo externo”, que procurará “solapara as instituições”. Assim é que, três anos depois da similar norte-americana – o National War College – é fundada aqui a Escola Superior de Guerra, sob a jurisdição do Estado Maior das Forças Armadas. Nos dez anos que se seguiu de 1954 a 1964, a ESG desenvolveu uma teoria de direita para a intervenção no processo político nacional. A partir de 1964, a ESG funcionaria, também, como formadora de quadros para ocupar funções nos sucessivos governos. Além de ter gerado a ideologia oficial da ditadura militar, a ESG trouxe, também, alguns subprodutos, entre os quais, a criação do Serviço Nacional de Informações (SNI), por Golbery do Couto e Silva, que teria importante papel na implantação e defesa do novo sistema político. Era função do SNI, fundado em 13 de junho de 1964: “superintender e coordenar em todo o território nacional as atividades de informação, em particular as que interessam à Segurança Nacional”. Ao sintetizar os grandes fundamentos da Doutrina da Segurança Nacional – DSN – desenvolvida pela ESG, através de um livro que se tornou cartilha oficial dos generais no poder – Geopolítica do Brasil – Golbery pontificava: “Daí um novo dilema – o do bem-estar e o da Segurança apontado por Goering, em dias passados, sob a forma menos justa, mas altamente sugestiva, de seu conhecido slogan: ‘mais canhões, menos manteiga’. E na verdade não há como fugir à necessidade de sacrificar o bem-estar em proveito da segurança, desde que essa se veja realmente ameaçada. Os povos que se negaram a admiti-lo aprenderam no pó da derrota a lição merecida” . Em outras palavras, ameaçada a “segurança”, está justificado o sacrifício do bemestar que, por extensão, é o sacrifício também da liberdade, das garantias constitucionais, dos direitos da pessoa humana. A Doutrina da Segurança Nacional foi transformada em Lei de Segurança Nacional – LSN – (Decreto-Lei 314 de 1967), começaram a surgir as primeiras críticas sistemati156


zadas à ideologia que o Estado vinha imposto desde 1964.

CASTELO BRANCO.

De tudo pode-se concluir que a LSN se traduz sempre em segurança para o regime, sendo abolidos delas os postulados da democracia, ao se estabelecer que a segurança não pode tolerar “antagonismo internos”. Ao prevalecer sobre todas as leis e mesmo sobre a Constituição Federal a LSN, na sua concepção imprecisa e perniciosa à defesa dos princípios constitucionais, considera os “antagonismos” puníveis como crimes.

O primeiro governo do período em estudo, chefiado por Castelo Branco (1964-1967), caracterizou-se pelo que se poderia chamar de correção dos males sociais e políticos, como condição para a instalação da ordem democrática. Isto significa que, para fazer vigorar a democracia, seria necessário antes eliminar os “elementos negativos” que “corrompiam” a sociedade: o comunismo, a inflação e a corrupção.

Cabe registrar que os executores da LSN ficaram colocados numa redoma, longe de qualquer censura ou limites, ainda que genéricos. A autoridade responsável pelos inquéritos tinha um poder ilimitado sobre os investigados, podendo exercer toda sorte de violências e atos coercitivos.

Impondo uma política repressiva contra os trabalhadores e setores progressistas da sociedade, incluindo polícia no encalço de greves e passeatas, prisões e torturas, demissões, aposentadorias forçadas e diversas outras modalidades de perseguições, Castelo Branco não estava simplesmente agindo como um sádico. Por detrás do combate à corrupção e subversão, existia todo um projeto de desmantelamento dos setores que poderiam constituir oposição ao programa desenvolvimentista orientado à concentração da renda e favorecimento do capital estrangeiro, visto que tal programa necessitaria de uma política de achatamento salarial, medidas drásticas de combate à inflação e um clima interno de paz social, ou seja, sem reclamações e protestos dos atingidos pela nova situação. Enfim, o governo buscava mostrar que o Brasil possuía condições favoráveis ao investimento de fora e que ninguém precisaria se preocupar com reações internas. Desse modo, qual uma patrola, o Governo Castelo Branco nivelou o terreno social, aplainou as saliências, suprimiu as arestas; em outras palavras, aquietou a sociedade civil.

Em síntese, a contradição que se estabelece com a Lei de Segurança Nacional é permanente e totalizante: de um lado, os interesses de perpetuação do Estado autoritário e, de outro, a defesa da ordem jurídica e da democracia, além da manutenção de estruturas sociais injustas.

OS ÓRGÃOS DE REPRESSÃO. Como os militares eternizavam-se no poder seria necessário criar mecanismos de controle e repressão à oposição que estivessem articulados com as polícias estaduais (militares e civis) e federal. Foi criado, em São Paulo, a Organização Bandeirante (OBAN), que se nutria de verbas fornecidas por multinacionais instaladas no Brasil, como a Ford, o Grupo Ultra, a General Motors entre outros. A OBAN, que agia juntamente com as delegacias de polícias, serviu de inspiração para a implantação em escala nacional de organismos oficiais que receberam a sigla DOI-CODI. O Destacamento de Operações de Informações (DOI) e os Centros de Operações e Defesa Interna (CODI), surgiu em janeiro de 1970, significando a formalização, no Exército, de um comando que englobava as outras duas Armas. Em cada jurisdição territorial os CODI’s passavam a dispor do comando efetivo sobre todos os organismos de segurança existentes na área, sejam elas das Forças Armadas, sejam das polícias estaduais e federal. Dotados de existência legal, comandados por um oficial do Exército, providos com dotações orçamentárias regulares, os DOI-CODI’s passaram a ocupar o primeiro plano na repressão política e também na lista de denúncias sobre violações aos Direitos Humanos. Mas tanto os DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, de âmbito estadual), como as delegacias regionais do DPF (Departamento de Polícia Federal) prosseguiram atuando também em faixa própria, em todos os níveis da repressão: investigando, prendendo, interrogando, torturando e matando. No caso de São Paulo, por exemplo, o DOPS (mais tarde DEOPS) chegou praticamente a competir com o DOICODI na ação repressiva, reunindo em torno do Delegado Sérgio Paranhos Fleury uma equipe de investigadores que, além de torturar e matar inúmeros oposicionistas, eram simultaneamente integrantes de um bando autodenominando de “Esquadrão da Morte”.

O projeto econômico dos militares brasileiros foi liberalizante. A equipe econômica de Castelo Branco era de inteira confiança do capital americano – Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos. Como sinal de que essa não era uma confiança sem bases, basta citar dois fatos: em abril de 1965, um acordo de investimentos com os Estados Unidos determinou que o governo brasileiro indenizaria qualquer firma americana que, em nosso país, sofresse danos provocados por greves e agitações trabalhistas; ao mesmo tempo, o governo substituiu a lei janguista sobre remessas de lucros por outra mais favorável às empresas estrangeiras, elevando o percentual autorizado para remessa (de 10 para 12% do capital investido) e incluindo, como capital estrangeiro, o lucro auferido por tais empresas no Brasil, embora com trabalho de brasileiros. Isso elevava o montante de dinheiro com permissão de ser remetido às matrizes. O capital estrangeiro recebeu sinal verde e instalou centenas de novas fábricas no continente, uma necessidade daquele momento histórico de expansão capitalista, que indicava a existência de grandes capitais excedentes a serem investidos em países cuja mão-de-obra barata reduzisse os preços finais. A despeito da repressão, não deixaram de ocorrer manifestações populares de oposição e desafio ao regime militar, e esta seria a grande fase dos estudantes como ponta-de-lança dos protestos. Eles atuaram em nível cultural (músicas, filmes, peças teatrais, shows) e nas ruas (cartazes e panfletos contra cassetetes; palavras de ordem contra 157


pancadas; prisões e torturas). Na verdade, as manifestações terminaram por trazer à tona uma surda disputa que ocorria no meio militar: os Castelistas, de um lado e os da Linha Dura, de outro. As oposições de massa e no Congresso, que estava aleijado, deram força à linha dura, à qual convenceu a caserna de que a estratégia Castelista era branda e que era prematuro devolver o poder aos civis em curto prazo. Contra as intenções de Castelo Branco, não só o regime foi endurecido, ao longo de seu governo, como ainda lhe foi imposta uma sucessão militar. Castelo Branco foi levado a crescentes concessões aos duros. A vitória eleitoral para governos estaduais, de homens como Negrão de Lima (Guanabara) e Israel Pinheiro (Minas Gerais), mostrou que a eleição direta podia trazer surpresas desagradáveis aos novos detentores do poder visto serem políticos ligados ao sistema desmontado com o golpe de 1964. Em conseqüência, alegando que a Revolução Continuava, Castelo editou novos Atos Institucionais. O de número 02 de 27 de outubro de 1965, terminou com os antigos partidos políticos e, na prática, permitiu apenas o bipartidarismo, originando-se a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), bem como determinou a eleição indireta do presidente que sucederia a Castelo Branco. O AI3, de 07 de fevereiro de 66, estabeleceu a eleição indireta também para governadores estaduais e o de AI-4 de 07 de dezembro do mesmo ano, deu ao Congresso (cassado, castrado, encurralado e amedrontado) poderes Constituintes para aprovar um novo projeto de Constituição, elaborado pelos juristas da ditadura. O fato de ter surgido um partido de oposição revela um fato curioso, persistente em todos os governos militares, uma espécie de necessidade de encobrir o arbítrio com farrapos de legalismo democrático. Assim, a rigor, durante toda a era ditatorial, não deixaram de existir Congresso, partidos políticos e eleições legislativas. Só que as eleições eram para um Legislativo emasculado e a oposição, sob tutela militar só podia fazer oposição, mas não a contestação. A oposição devia mostrar ao mundo lá fora que aqui ainda havia democracia (até porque houve rodízio militar no poder), mas sem abusar. Esta comédia fez parte das contradições e escrúpulos da caserna. Afinal, a revolução de 64 fora rotulada como redentora e democrática. Em 1967, entrou em vigência a Constituição do período autoritário. Hipertrofiava o Executivo, tolhia o Legislativo, colocava a segurança nacional acima do Judiciário. Estabeleceu um Colégio Eleitoral para eleger o presidente e criou o decreto-lei, editado pelo presidente, como força legal por sessenta dias- prazo que o Congresso tinha para derrubá-lo ou torná-lo. Passados os sessenta dias, o decreto-lei, em caso de omissão do Congresso, se tornaria Lei por decurso de prazo. Era uma aberração jurídica, mas o país ainda veria piores. Quanto à elite civil, vendo esfumar-se suas aspirações de chegar ao poder – e tal fora seu objetivo ao apoiar o golpe – partiu par a formação da Frente Ampla, no Uruguai, unindo ex-adversários, todos cassados pelo regime: Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek. gesto

inútil., revelador de frustrações. O governo militar proibiu a Frente Ampla de atuar no Brasil e, em 1967, sem problemas maiores assumiu outro militar. Marechal Costa e Silva também tinha, em seu discurso inicial, propósitos liberalizantes para o futuro.

COSTA E SILVA. Se Costa e Silva, egresso da Linha Dura, tinha realmente intenção de abrir o regime ou se era aquilo retórica de começo de governo, jamais saberemos. Porque, de permeio, entrou em cena fatores que podem ser resumidos nesses algarismos: 1968. O “ano que não terminou” foi assinalado por uma onda de protestos em vários países do mundo, sob liderança estudantil. Ideais anarquistas, socialistas, terceiro-mundistas, libertários, os mais diversos e controversos se fundiram e se confundiram. O que tinham em comum era vontade e a vocação da contestação: os jovens se opuseram às restrições, convenções, proibições da sociedade estabelecida. Desejavam a revolução social e comportamental e compreenderam que o político e o cultural se interpenetravam. O lema “é proibido proibir” dava o tom dos protestos, às vezes de forma festiva, às vezes de forma explosiva. Tanto defendiam a liberdade sexual como o LSD. Combatiam o conformismo e o consumismo, adotando uma crítica que ia do humor à corrosão. Igualmente se opuseram ao autoritarismo do ensino universitário – o detonador dos protestos – assim como às ditaduras latino-americanas e à Guerra do Vietnã. Foi um verdadeiro caleidoscópio de manifestações e causas em jogo. Tudo começou na Califórnia e na França. Em maio de 1968, em Paris, os estudantes chegaram a um tal nível de enfrentamento com o sistema, que, por um momento, a situação pareceu revolucionária. Os ídolos da época não eram Lênin ou Marx, mas, sintomaticamente, os do Terceiro Mundo: Chê Guevara, Ho Chi Minh, Mao Tsé-Tung. Embora carregando suas contradições de classe média, os jovens protestaram – emergiram em diversos países tanto guerrilheiros quanto hippies... e sua felicidade marginal. Estados Unidos, França, Alemanha, Checoslováquia, Itália, México, Japão, os protestos atingiram inúmeros locais do mundo. Os movimentos terminaram se esgotando e fracassando, pois, como bem detectou Marcuse, não só foram vitimados pela repressão, mas também pelo fato de que tudo aquilo se revelou como agitação das ondas do mar, onde no fundo corriam águas calmas. Resumindo, os estudantes fizeram manifestações, passeatas, mas não lograram mobilizar o grosso da sociedade, as tais águas calmas da metáfora de Marcuse. De país para país, variava o alvo dos protestos. Nos EUA, foram contra a Guerra do Vietnã. No Brasil, foram contra a ditadura e a entrega do Brasil ao capital estrangeiro. Entretanto, no Brasil a repressão ao movimento foi violenta. Em abril de 1968, no Restaurante Universitário do Calabouço, no Rio de Janeiro, o estudante Edson Luís de Lima Souto foi morto pela política. Veio a comoção popular e a linha dura resolver que precisava endurecer ainda mais, pois subsistiam a subversão e a anarquia. Assim, ao longo de 1968, o Brasil foi caminhando para o fechamento total do regime. O pretexto acabou sendo um discurso de 158


um deputado do Congresso. Na verdade, foi um discurso burlesco, lembrando a comédia grega de Aristófanes, A Greve dos Sexos: que os pais não levassem os filhos a ver a parada de 07 de setembro, pois os militares haviam traído a pátria; que as esposas dos generais não dormissem com os maridos, pois eles haviam traído a pátria; que as namoradas e noivas dos cadetes não os acompanhassem nos bailes de formatura, pois os militares haviam traído o Brasil! o autor: Márcio Moreira Alves. Certamente, em condições normais, o discurso passaria despercebido. No entanto, naquela conjuntura, o Exército reagiu e exigiu a punição do deputado. A situação tornouse um símbolo das liberdades parlamentares, mesmo que o símbolo não estivesse à altura. O Congresso rejeitou o pedido do Exército. Pressionado, Costa e Silva editou, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional de número cinco – o AI-5. A sucessão de greves e protestos naquele ano tinha sido causa remota; o episódio Márcio Moreira Alves foi o fator imediato. Ao contrário dos outros Atos Institucionais, o AI-5 não tinha data para se esgotar, e autorizava o presidente da República a cassar mandatos, intervir nos Estados e fechar o Congresso à vontade, em nome da Segurança Nacional. Foi um golpe dentro do golpe: marcou a hegemonia da Linha Dura sobre os moderados – Castelistas. A censura passou a ser total, os órgãos de segurança – com a mais absoluta impunidade e desenvoltura – multiplicaram as espionagens, prisões e torturas. Muitos se exilaram, outros tantos foram assassinados. A justificativa ideológica para a repressão completa e absoluta foi a Doutrina de Segurança Nacional (DSN): combate à expansão internacional do comunismo, o papel cabia aos Estados Unidos; ao Exército, caberia combater a infiltração interna do insidioso inimigo comunista, que podia tomar as mais diversas formas, o que implicaria estar atento à tudo, dado o seu poder de iludir e conquistar corações e mentes. Resumindo, o Brasil estava em uma guerra civil não declarada contra tal inimigo e todas as armas eram válidas. Uma verdadeira paranóia anticomunista abateu a caserna. Desse modo, toda e qualquer oposição foi enquadrada na luta contra o comunismo e assim se justificaram as proibições e censuras em todos os níveis. Explicou-se o papel repressor do governo com base no argumento de que a sociedade civil era indefesa contra o adversário comunista. Que os EUA enfrentassem a URSS; que o Exército Brasileiro enfrentasse o perigo comunista interno. Um dado não menos importante é que a DSN tornava cada cidadão responsável pela Segurança Nacional, do que decorreu o estímulo à delação. A DSN estava, inclusive, acima da Constituição. De acordo com a pesquisadora Maria Helena Moreira Alves, a Doutrina de Segurança Nacional foi utilizada para justificar a imposição de um sistema de controle e dominação. Ela não pressupõe o apoio das massas, para a legitimação do poder de Estado, nem tenta obter este apoio. Todavia, a Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento efetivamente prevê que o Estado conquistará certo grau de legitimidade graças a um constante desenvolvimento capitalista e a seu desempenho como defensor da nação contra

a ameaça dos ‘inimigos internos’ e da ‘ guerra psicológica’. A legitimação é vinculada aos conceitos de desenvolvimento econômico e segurança interna. O Congresso foi fechado. No começo de 1969, o Decreto-Lei n.º 477 enquadrou as Universidades na Lei de Segurança Nacional. Inúmeros professores foram aposentados compulsoriamente, como é o caso do nosso atual presidente, Fernando Henrique Cardoso, à época professor de Sociologia da USP. Os reitores estavam autorizados a expulsarem os alunos politicamente indesejáveis. Iniciava o período mais sombrio do Brasil pós-64. Com todos os espaços tolhidos, o que sobrou ao punhado de desesperados, que decidiu continuar lutando, foi a guerrilha urbana e rural em nome da teoria foquista. Era uma teoria que se revelou errada em relação ao Brasil: defendia que a revolução só seria possível a partir da consolidação de focos iniciais desencadeadores. Ocorre, no entanto, que os atos guerrilheiros – sobretudo seqüestros e assaltos a bancos – apenas forneceram o reforço aos argumentos da repressão consolidando a idéia de que a luta contra os atentados terroristas era parte de uma guerra civil. A sociedade não apoiou a esquerda guerrilheira e esta sucumbiu isolada. Na prática nunca passou de um punhado de heróicos equivocados; mas o governo soube manipulálos frente à opinião pública forjando alarmismos. A lógica é fácil de entender: quanto mais terríveis eles parecessem, mais se tornaria aceitável o endurecimento e a desumanidade dos órgãos de repressão, e mesmo a censura de modo geral. Não foi difícil ao regime, naqueles anos de chumbo, assimilar qualquer manifestação oposicionista, no âmbito cultural ou político, ao terrorismo da guerrilha. Em agosto de 1969, a doença de Costa e Silva fez com que uma Junta Militar, formada pelos Ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica, tomasse provisoriamente o poder, através de mais uma Ato Institucional (AI-12), violando a regra constitucional. O vice-presidente Pedro Aleixo foi descartado, não tanto por ser civil, mas, sobretudo, por ter se oposto ao AI-5. Ante a perspectiva de Costa e Silva não mais retornar, o Alto Comando Militar se decidiu pela designação do General Emílio Garrastazu Médici. Com um resquício de escrúpulo legalista, a Junta Militar reabriu o que sobrara do Congresso, após perseguições desencadeadas pelo seu fechamento, para que ele elegesse o novo presidente do Brasil. Uma emenda à Constituição de 1967 fortaleceu mais ainda o presidente. No governo Médici, o líder do governo no Senado seria nada menos que Filinto Müller, o antigo torturador do Estado Novo – fato emblemático em um país transformado, virtualmente num Estado Policial.

EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI: O GENERAL DO MILAGRE BRASILEIRO E DA TORTURA. Foi o auge do regime militar. A censura e a repressão não deram tréguas. Na imprensa, semanários como O Pasquim e Opinião ainda conseguiam, eventualmente, fazer alguma crítica ao regime. Quanto à guerrilha, foi desmantelada na cidade, com a morte de Carlos Mariguela, fundador e dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN) e, no cam159


po, com a morte de Carlos Lamarca, um antigo capitão do exército e fundador da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). No Araguaia, uma operação bélica exterminou com a guerrilha organizada pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil). Com sufoco da censura, notícias sobre torturas e desaparecidos eram proibidas. Ao mesmo tempo, o governo tratou de promover uma imagem triunfalista, maquiada de gestos grandiloqüentes (construção da Transamazônica, decretação do Mar das 200 milhas) e frases de efeito, forjando um discurso sobre o Brasil Grande: “Brasil, ame-o ou deixe-o”; “Ninguém segura este país”; “Este é um país que frente”; “Prá frente, Brasil”. Era um nacionalismo, tal como aquele de Plínio Salgado, novamente com n minúsculo; um nacionalismo de fachada, com o verde-amarelo ocultando a realidade de um país progressivamente entregue ao capital multinacional. A vitória do Brasil na Copa do Mundo, em 1970, e o visual de um Pelé saltando, dando soco no ar, passou a se identificar com a proposta de uma nação que, unida, marchava rumo à modernidade e a um glorioso futuro. O governo Médici assinalou a expansão do modelo desenvolvimentista conhecido como Milagre Brasileiro. Foi a retomada de um dos componentes ativos da era JK: a industrialização em uma etapa mais adiantada, já não mais enfatizando os bens de consumo não duráveis (eletrodomésticos, automóveis). O período do chamado “milagre” estendeu-se de 1969 a 1973, combinando o extraordinário crescimento econômico com taxas relativamente baixas de inflação. O PIB cresceu na média anual 11,2%, tendo seu pico em 1973, com uma variação de 13%. A inflação média anual não passou de 18%. Isso parecia de fato um Milagre. Só que o fenômeno tinha uma explicação terrena e não podia durar indefinidamente. A política de Delfim Neto – uma espécie de super ministro – se destinava a promover o que se chamou de desenvolvimento capitalista associado. Seria enganosos pensar que essa política aplicava uma receita liberal, deixando à “mão invisível do mercado” a tarefa de promover o desenvolvimento. Pelo contrário, o Estado intervinha em uma extensa área, indexando os salários, concedendo créditos, isenções tributárias aos exportadores etc. Muitos setores da grande indústria, dos serviços e da agricultura que, hoje, gritam contra os gastos e a intromissão do Estado na economia beneficiaram-se largamente da ação do Estado naqueles anos. A política econômica de Delfim Neto tinha o propósito de fazer crescer o bolo para só depois pensar em distribuí-lo. Alegava-se que antes do crescimento pouco ou nada havia para distribuir. Privilegiou-se assim, a acumulação de capitais através das facilidades já apontadas e da criação de um índice prévio de aumento de salários em nível que subestima à inflação. Do ponto de vista do consumo pessoal, a expansão da indústria, notadamente no caso dos automóveis, favoreceu as classes de renda alta e média. Os salários dos trabalhadores de baixa qualificação foram

comprimidos, enquanto os empregos em áreas como administração de empresas e publicidade valorizaram-se ao máximo. Tudo isso resultou em uma concentração de renda acentuada que vinha já de anos anteriores. Tomando-se como 100 o índice do salário mínimo de janeiro de 1959, ele caíra para 39 em janeiro de 1973. Esse dado é bastante expressivo se levarmos em conta que, em 1972, 52,5% da população economicamente ativa recebiam menos de um salário mínimo e 22,8%, entre um e dois salários. O impacto social da concentração de renda foi entretanto atenuado. A expansão das oportunidades de emprego permitiu que número de pessoas que trabalhavam, por família urbana, aumentasse bastante. Por outras palavras, ganhava-se individualmente menos, mas a redução era compensada pelo acesso ao trabalho de um número maior de membros de uma determinada família. Os técnicos planejadores do Milagre, com Delfim à frente beneficiaram-se, no plano externo, de uma situação da favorável da economia mundial, com ampla disponibilidade de recursos. Os países em desenvolvimento mais avançados aproveitaram as novas oportunidades para tomar empréstimos externos. O total da dívida externa desses países, não produtores de petróleo, aumentou de menos de US$ 40 bilhões em 1967 para US$ 97 bilhões em 1972 e US$ 375 bilhões (!) em 1980. No plano interno, a repressão criara o necessário clima de paz social. Já não havia greves e o salário estava achatado, a produção se destinaria ao mercado externo ou somente àquela fração do mercado interno que podia comprar, dada a crescente concentração da renda. Para compensar o fato de que existiam muitos que não tinham poder aquisitivo, o Milagre estimulou ao máximo o consumismo das elites e classes médias, produzindo bens cada vez mais sofisticados (foi quando surgiu a TV em cores). Assim, os poucos que tinham condições de consumir, compensariam – comprando cada vez mais – a realidade dos muitos que estavam totalmente à margem do consumo. Na agricultura (com incentivo à produção da Soja) e na indústria, a orientação foi a produção ou para o restrito mercado interno ou para a exportação. O endividamento do camponês, em uma estrutura rural que permaneceu intocada, obrigou muitos a se dirigirem para as cidades. Por outro lado, as exportações de artigos manufaturados subiu de 32% para 52%. Só que, como a miséria havia aumentado, ficou evidente o erro da antiga tese desenvolvimentista, a de que o país superaria a miséria com industrialização. Nas palavras de Bresser Pereira, o Brasil ingressou na fase do “subdesenvolvimento industrializado”. Éramos uma nação com um parque industrial sem igual na América Latina e, no entanto, dependente e sofrendo imensas carências sociais. Foi então que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso formulou a teoria da dependência, segundo a qual, dependência e crescimento industrial não eram incompatíveis: no contexto capitalista mundial tal era o papel dado ao Brasil – havia as nações centrais e as periféricas, sendo que a exis160


tência de umas condicionava a das outras, do que decorria que nossa posição não era uma fase a ser superada, mas um destino inevitável dentro dos imperativos do conjunto do sistema e das funções que devíamos cumprir, uma vez nele inseridos. Os números são eloqüentes em mostrar o custo social do Milagre e quem pagou a conta do banquete: de 1961 a 1963, 38% da nação era de subnutridos e desnutridos, percentual que se elevou para 65% em 1985, quando o país já fabricava computadores. Em 1960, os mais pobres detinham 19,7% da renda nacional; em 1976, com o Milagre em andamento, o percentual baixou para 11,8%. Quanto os mais ricos, tomando as mesmas datas, o percentual subiu de 27,7% para 39%. Dívida externa (subiu 25 vezes entre 1964 e 1980), capital estrangeiro com todos os privilégios, política de incentivo ao consumismo e à exportação, achatamento salarial sistemático, repressão política e intelectual e inflação com baixos índices e, mesmo assim, manipulados – tais foram as bases do modelo econômico de cuja crise ainda nos ressentimos. O Brasil cresceu, mas não se desenvolveu. Expandiu um tipo de capitalismo particularmente desumano e selvagem. É sabido que o capitalismo se fundamenta na expropriação e desigualdade, mas o nosso se superou: mais que na desigualdade, ele se fundamentou na pura e simples exclusão de populações inteiras de qualquer possibilidade de consumo, por mínima que fosse. De acordo com os cálculos do sociólogo (e não do presidente) Fernando Henrique Cardoso, no ano de 1970, o mercado de consumo para os eletrodomésticos (televisões, geladeiras etc) e automóveis era constituído por, aproximadamente, 5 milhões de pessoas de altíssima renda e mais uns 15 milhões que puderam participar, bem ou mal do consumismo graças à expansão do crédito ao consumidor. Dessa forma, o mercado ganhou uma forma concêntrica, de que a grande maioria da população se encontra, ainda hoje excluída. Daí a denominação dada pelo próprio FHC, de “industrialização excludente” ao modelo econômico de 1964. Esse modelo, sem dúvida, altamente dinâmico, garantiu um crescimento econômico, mas condenou o mercado a se desenvolver de uma forma distorcida, tornando inevitável o afloramento de graves tensões sociais. Por isso, a fim de que as insatisfações de ampla faixa da população não resultassem em reivindicações tendentes à destruição do modelo, o regime militar montou um rígido esquema de repressão e desmantelou as organizações dos trabalhadores que passaram a exercer funções assistencialistas, renegando a sua histórica missão de representar e defender os interesses dos trabalhadores diante dos patrões. Os sindicatos passaram de instrumentos de luta e de combate ao capitalismo para simples órgãos de colaboração de classes. Assim, concentração de renda e repressão eram os dois lados da mesma moeda e se implicavam mutuamente. O Milagre Brasileiro teve ainda uma outra face, igualmente terrível, pois comprometeu a própria soberania nacional. Trata-se da crescente dominação de nossa economia

pelas multinacionais, acarretando aquilo que os principais estudiosos do tema denunciaram como sendo a base da “dependência estrutural”. Esta consiste no atrelamento da economia nacional aos interesses das empresas multinacionais, através do crescente e inquietante processo de endividamento externo. A necessidade de saldá-lo e a impossibilidade de consegui-lo conduziriam o país a fazer concessões cada vez maiores ao capital estrangeiro, entregando aos grupos internacionais setores que afetavam a independência nacional. A venda de um território na Amazônia, cuja dimensão corresponde ao tamanho da Holanda, ao milionário Ludwing, os “contratos de risco”, que permitiriam às empresas estrangeiras pesquisarem petróleo no país (quebra do monopólio da Petrobrás), a invasão e a devastação da floresta amazônica foram fatos perturbadores da desnacionalização da economia. A título de reflexão, vai aqui um exemplo de sangria que o país sofreu, quando se fez a opção por um crescimento defendida pela tecnoburocracia militar, com o argumento de que aquilo gerava empregos. O exemplo é o da instalação da FIAT automóveis em Betim, Minas Gerais, em 1973, com o nome de Fiasa: “A prefeitura de Betim, doou à Fiasa (vendeu à preço simbólico de Cr$ 7,00 o m2) o terreno para a instalação da fábrica. A área, com 2 milhões de metros quadrados, veio acompanhada de todos os serviços de terraplanagem. Além disso, a prefeitura abriu mão das taxas e impostos municipais, referentes ao projeto até 1985. Para viabilizar o funcionamento da fábrica, além de investir a maior parte do capital, o governo mineiro responsabilizou-se pela construção de uma estrada que desse acesso à rodovia São Paulo/Belo Horizonte. Forneceu também energia elétrica, água, rede de esgotos (pluviais, industriais e sanitárias) e as linhas telefônicas. Por todos esses serviços, a Fiasa vai pagar, mas em 45 anos, com prestações anuais de Cr$ 700.000,00, sem juros e nem correção monetária”. Esse caso – e muitos outros que poderiam ser referidos – ilustra bem que o Milagre foi a economia crescendo na razão direta do endividamento social. A crise do Milagre começaria no governo do General Ernesto Geisel. O novo governo sinalizaria as primeiras mudanças e, com Geisel e seu mais direto auxiliar, o General Golbery do Couto e Silva, voltariam os Castelistas e sua ideologia do que devia ser a participação dos militares no poder. Todavia, com a ascensão de Geisel, a conhecida linha dura ainda permaneceria incrustada em diversas instâncias do aparelho do Estado, de onde não seria fácil desalojá-la. E Geisel sabia disso.

REPRESSÃO E LUTA ARMADA.

“Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. (Trecho da música Prá não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré).

O “bem-estar do povo” e o progresso enquanto resultados da ditadura são absolutamente discutíveis, mas a re161


pressão não deixou a menor dúvida: com ela se assinalou uma das páginas mais vergonhosas e tristes da nossa história recente. Diante da crescente onda de protestos e movimentos populares, o regime “endureceu” ainda mais. O presidente fechou o Congresso Nacional em 13 de dezembro de 1968 e editou o AI-5, que, como vimos, ampliou os poderes presidenciais, enquanto os direitos dos cidadãos foram reduzidos e restringidos ao extremo. A repressão político-policial-militar assolou toda a sociedade brasileira ao longo do período ditatorial; contudo, houve nuanças que configuram fases distintas, salientando-se a etapa compreendida entre 1969 (depois do AI-5) e 1975, que pode ser considerada o auge da repressão de natureza mais violenta. A repressão apresentou, também, nuanças quanto às formas, usando desde as sutilezas da propaganda e da adoção de slogans até tortura e assassinatos, passando por expurgos, cassações, provação de direitos profissionais, prisões, censura etc. Todos que se opunham ao governo tornaram-se alvo de intensas perseguições Porém, a repressão foi, também, evidência de reação dos setores da sociedade que não aceitaram passivamente a ditadura e que acabaram por ser, genericamente, identificados como grupos de esquerda, que foi derrotada em 1964, mas nem por isso deixou de existir. Diversos líderes políticos conservadores haviam apoiado o golpe de militar de 1964, visando livrar-se de Jango e com o objetivo de verem eliminados, na corrida presidencial, os possíveis candidatos progressistas. Eles acreditavam que os militares cumpririam apenas o seu papel tradicional: derrubariam o governo legalmente constituído e após uma breve transição devolveriam o poder aos civis. Em 1966, contudo, já estava claro que não era isso que os chefes militares pretendiam. Perdidas as ilusões os políticos resolveram reagir. Sob a liderança de Carlos Lacerda (um dos golpistas mais entusiasmados), formou-se a Frente Ampla para rechaçar o avanço dos militares em direção ao poder. A ela aderiram os políticos de maior destaque no cenário nacional como os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart (este exilado no Uruguai). A Frente Ampla recebeu um significativo apoio popular e da imprensa, mas foi neutralizada pelo governo que, para aniquila-la, só teve que fazer uso da legislação autoritária que lhe permitia expurgar e cassar os direitos políticos de todos quantos se manifestassem contrários ao regime. No tocante à oposição de natureza político-institucional, vale ressaltar a organização e a atuação do MDB. No início, reunindo antigos integrantes do PTB, representava a oposição consentida pelo regime. Ao longo do processo político, acabou por canalizar as forças políticas de oposição que, rejeitando as formas violentas ou radicais de reação, procuravam atuar no âmbito político-institucional legal, buscando ampliar os espaços de atuação. O MDB abrigou, praticamente, todos os oponentes do regime (inclusive elementos do PCB e de outras agremiações partidárias clandestinas). Nas eleições, o MDB carreava os votos

da oposição, e o seu crescimento eleitoral foi um dos principais sinais do desgaste do regime. Os estudantes, por sua vez, também se mobilizaram contra o regime. Organizados pela UNE, UBES e respectivas UEEs, eram, antes de abril de 64, um dos grupos que mais pressionavam Jango no sentido de faze-lo avançar e, mesmo, radicalizar, na realização das reformas sociais. Por isso, aos olhos dos militares que tomaram o poder, eles eram um dos setores mais identificados com a “esquerda”, “comunista”, “subversiva” e “desordeira”; uma das formas de desqualificar o movimento estudantil era chamá-lo de baderna, como se seus agentes não passassem de jovens irresponsáveis, e isso servia como justificativa para intensa perseguição que se estabeleceu. Logo em novembro de 1964, o governo Castelo Branco fez aprovar uma lei que ficou conhecida como lei “Suplicy de Lacerda”, nome do Ministro da Educação, que reorganizava as entidades proibindo-as de desenvolverem atividades políticas. Os estudantes reagiram negando-se a participar das novas entidades oficiais e realizando manifestações públicas (passeatas), que se tornaram cada vez mais freqüentes e concorridas. Ao mesmo tempo, o movimento estudantil procurou assegurar a existência de suas entidades legítimas, agora na clandestinidade. Em 1968 – ano marcado pela ação política estudantil em todo o mundo – o movimento estudantil cresceu em resposta não só á repressão, mas também em virtude da política educacional do governo, que já revelava a tendência, que iria se acentuar cada vez mais, no sentido de privatização da educação, cujos efeitos são sentidos até hoje. A política de privatização tinha dois sentidos: um era o estabelecimento do ensino pago (principalmente no nível superior) e outro, o direcionamento da formação educacional dos jovens (em todos os níveis) para o atendimento das necessidades econômicas das empresas capitalistas (mão-de-obra e técnicos especializados). Essas diretrizes correspondiam à forte influência norte-americana exercida através de técnicos da USAID que atuavam junto ao MEC por solicitação do governo brasileiro, gerando uma série de acordos que deveriam orientar a política educacional brasileira. As manifestações estudantis foram os mais expressivos meios de denúncia e reação contra a subordinação brasileira aos objetivos e diretrizes do capitalismo norte-americano. A precariedade do sistema educacional brasileiro, tanto quantitativa (números de vagas) quanto qualitativamente era objeto de reação estudantil. Havia a questão dos chamados excedentes, que eram alunos aprovados no vestibular, que era seletivo e não classificatório, mas para os quais não havia vagas nas Universidades brasileiras. O movimento estudantil não parava de crescer, e com ele a repressão. No dia 28 de março de 1968, uma manifestação contra a má qualidade do ensino realizada no restaurante estudantil Calabouço, no Rio de Janeiro, foi violentamente reprimida pela polícia, resultando na morte do 162


estudante Edson Luís Lima Souto. A reação estudantil foi imediata: no dia seguinte, o enterro do jovem estudante transformou-se em um dos maiores atos públicos contra a repressão; missas de sétimo dia foram celebradas em quase todas as capitais do país, seguidas de passeatas que reuniram milhares de pessoas, onde os estudantes erguiam faixas com os dizeres: “mataram um estudante, poderia ser o teu filho!”. Em outubro do mesmo ano, a UNE (na ilegalidade) convocou um congresso para a pequena cidade de Ibiúna, no interior de São Paulo. A polícia descobriu a reunião, invadiu o local e prendeu os estudantes, em uma operação cuja violência e falta de respeito pelos direitos humanos chocou completamente a opinião pública. Entretanto, os estudantes não foram os únicos a reagir nem a ficar sozinhos em suas manifestações. Os trabalhadores, além de engrossarem as passeatas e os atos públicos, apesar de toda a repressão e dos impedimentos legais, acabaram por reagir através da forma mais expressiva e contundente na sociedade capitalista: as greves. A LSN fazia tantas e tais restrições ao direito de greve que, praticamente proibia qualquer paralisação. A Lei de Greve, por exemplo, regula o direito de greve e prevê sanções para a continuidade dos movimentos grevistas considerados ilegais pelos tribunais do Trabalho. Reprimendas para o mesmo tipo de atividade foram igualmente estabelecidas pela LSN, que a agigantou e robusteceu, fixando penalidades muito maiores do que aquelas estabelecidas pela legislação específica. Apesar disso, em maio de 68, em Contagem (MG) e em junho, em Osasco (SP), os trabalhadores fizeram greve, desafiando o poder policial e a ditadura. A greve de Contagem começou quando 1700 trabalhadores da Belgo Mineira paralisaram o trabalho e tomaram seus diretores como reféns. Em uma semana, havia 15 mil trabalhadores parados, exigindo um aumento salarial de 25%. Após cerca de dez dias, um acordo pôs fim ao movimento. A greve de Osasco (julho de 1968) teve características diferentes. Enquanto a de Contagem foi até certo ponto espontânea, a de Osasco resultou de um trabalho conjunto de trabalhadores e de estudantes, começando com a ocupação da Cobrasma. A prova de força com o governo, tendo a greve como instrumento, deu mal resultado. O Ministério do Trabalho interveio no Sindicato dos Metalúrgicos, forçando seu presidente José Ibraim a optar pela clandestinidade. Pesado aparato militar realizou com violência a desocupação da Cobrasma. As lutas estudantis e operárias contavam com o apoio e a colaboração de artistas e intelectuais (principalmente os professores) que participavam sempre das manifestações públicas por ele convocadas. O ápice desse tipo de manifestação popular foi a célebre passeata dos 100 mil, realizada no Rio de Janeiro, no final

de junho. Em julho, o governo proibiu toda e qualquer manifestação pública de protesto. A repressão aos movimentos populares não se restringiu à ação do governo. Grupos paramilitares, organizados por setores da direita, como o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e o MAC (Movimento anticomunista) agiam paralelamente, fazendo largo uso da violência física. Sedes de entidades e diversos locais de reuniões eram invadidos e depredados; as pessoas, espancadas e agredidas moralmente. Os artistas foram algumas das principais vítimas da ação truculenta da direita; teatros em plena função eram invadidos e tanto o público como elenco, submetidos à agressão. A polícia, mesmo quando solicitada, nada fazia contra os agitadores, ao contrário do que ocorria quando das manifestações da “esquerda”. Depois do AI-5, houve uma mudança qualitativa na luta entre os setores de esquerda e a ditadura. Por força do novo dispositivo legal, todas as manifestações política contrárias ao regime passaram a ser proibidas. Desse modo, qualquer reação passou a ser considerada ilegal e submetida aos rigores de uma legislação extremamente autoritária. Registrouse, assim, um recuo das manifestações populares; o povo atemorizou-se diante do Estado policial todo-poderoso. Além disso, outras formas de controle foram desenvolvidas: a censura prévia às obras artistico-culturais resultou na proibição de veiculação de notícias, músicas, peças teatrais, novelas, shows, etc. Pela ambigüidade de propósitos a LSN alcança também a liberdade de imprensa, eis que, nos campo político, econômico e psicossocial, devem os jornais e emissoras exercer um papel fortalecedor dos “objetivos nacionais permanentes”, proibindo-se críticas que pudessem indispor a opinião pública com as autoridades, ou gerar animosidade entre as Forças Armadas. Nos grandes jornais, onde a censura foi institucionalizada através de um “censor” que lia todas as matérias antes da publicação a crítica foi feita de forma sutil. Nos lugares das matérias censuradas, os editores colocavam histórias infantis, receitas de bolo. O jornal O Estado de São Paulo, chegou a publicar na primeira página inteira uma foto de um bolo de chocolate com a sua receita. No lugar dessa foto de bolo, certamente estaria uma matéria contra a ditadura, com alguma foto “proibida”. Mesmo diante da censura, inúmeros pequenos jornais, chamados “nanicos”, que usavam recursos do humor e da sátira para fazer críticas ao governo. Um deles tornou-se famoso: o Pasquim, que contava entre seus colaboradores com o cartunista Henfil. Outros, como os jornais Opinião e Movimento, procuravam divulgar análises sobre a economia e a política brasileiras. As artes também manifestavam a crítica ao regime. Nas letras das músicas, por meio de trocadilhos e entrelinhas, se denunciava o clima de repressão no país, um exemplo dessa prática é a música de Chico Buarque e Milton Nascimento, Cálice. Muitas dessas músicas eram proibidas pela censura e vários compositores tiveram que sair do Brasil, 163


para não serem presos, como Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, entre outros. Também o teatro participou desse movimento de crítica sobretudo o grupo de Teatro de Arena, com a participação de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal. Um exemplo da censura no teatro foi a proibição da apresentação da peça Roda Viva, escrita pelo compositor Chico Buarque de Holanda. Para completar, ao controle político-ideológico foi acrescentada a doutrinação em massa, via propaganda, que insistia, à exaustão, em divulgar palavras de ordem tipo “Brasil, ame-o ou deixe-o”, “Ninguém segura este país” etc; nas escolas a doutrinação foi instrumentalizada pelo decreto 869/69, que tornou obrigatório o ensino de Moral e Cívica em todos os níveis, além de criar as Comissões de Moral e Civismo e os Centros Cívicos no lugar dos antigos grêmios estudantis, tradicionais núcleos de formação de militância. A greve de Osasco sofreu forte influência de grupos de esquerda que tinham assumido a perspectiva de que só a luta armada poria fim ao regime militar. Esses grupos foram muito influenciados pelo exemplo da Revolução Cubana e pelo surgimento de guerrilhas em vários países da América Latina, como a Guatemala, Colômbia, Venezuela e Peru. Teve também papel significativo um livro escrito pelo intelectual francês Regis Debray, que esteve na Bolívia por ocasião da tentativa frustrada de Chê Guevara de aí implementar uma guerrilha. O livro Revolução na Revolução, publicado em 1967, defendia a idéia de que, nas condições do mundo contemporâneo, o papel dos partidos e das classes sociais na construção de um movimento só poderia ter possibilidades de êxito a partir de uma grupo armado que se instalasse em um ponto de um país – o chamado foco – e a partir daí se irradiasse através de suas ações até alcançar o apoio das classes dominadas. A crescente força do regime contra os opositores começou a ser contestada também de forma violenta. Surgiram nessa época várias organizações que, impedidas de participar do jogo político (que aliás, era um jogo de cartas marcadas), redirecionaram a sua atuação e partiram para a luta armada. Cada uma dessas mais de 50 instituições possuíam a sua própria interpretação da realidade brasileira e sua proposta para a construção de uma nova sociedade, que deveria surgir após a derrubada da ditadura, o que dificultou, dessa forma, a união desses movimentos. No Brasil, a organização tradicional de esquerda – o PCB – opunha-se à luta armada, o que provocou inúmeras secções. Em 1967, um grupo liderado pelo veterano Carlos Mariguella rompeu com o partido e formou a Ação Libertadora Nacional (ALN) que, em 1971 sofreu baixas com duas dissidências: o Movimento de Libertação Popular (MOLIPO) e a Tendência Leninista (TL). A Ação Popular (AP) já optara pela luta armada e novos grupos foram surgindo, entre eles o Movimento Revolucionário Oito de Outubro

(MR-8), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), a Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR Palmares), a POLOP (Organização Revolucionária Marxista – Política Operária) e Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) com forte presença de militares brasileiras, sendo inclusive organizada pelo capitão do Exército Carlos Lamarca, entre outras. Começaram a ocorrer então episódios de verdadeira guerrilha . As principais ações concretas eram: assaltos a bancos, que tinham por objetivos suprir os grupos de recursos e, ao mesmo tempo, servir de efeito-demonstração contra o regime capitalista, que tem na organização bancária um de seus baluartes; seqüestros de pessoas influentes, notadamente, representantes de governos estrangeiros, com os quais se pretendia, além de realizar o mesmo efeito-demonstração, obter, através de resgate, recursos financeiros, libertação de presos políticos e a obtenção de espaços nos diversos meios de comunicação para pronunciamentos políticos de protestos e denúncias contra a ditadura. Foram seqüestrados o embaixador dos Estados Unidos e mais três diplomatas: os Cônsules da Suíça, da República Federal da Alemanha e do Japão. A Junta Militar, que governou o país no vácuo de poder entre Costa e Silva e Garrastazu Médici, e que quatro dias depois que assumiram o poder, a esquerda os surpreendeu com o seqüestro do Embaixador norte-americano, respondeu com várias medidas formais de repressão, além da tortura, à escalada da esquerda radical. A repressão do governo, por sua vez, tornou-se violentíssima e implacável. Foram criados ou reaparelhados diversos instrumentos policiais para perseguir e desbaratar as organizações clandestinas e seus militantes. Foram instalados Centros de Operações e Defesa Interna (CODI) e os Destacamento de Operações de Informações (DOI) que atuaram conjuntamente, formando o DOI-CODI, um dos maiores centros de tortura, assassinatos e desaparecimento do país. Em São Paulo, criou-se a OBAN, Operação Bandeirantes, que era uma ação conjunta polícia-exército. As operações policiais não pouparam ninguém, a partir de 1969 qualquer contestação foi tratada como se fosse ação de guerrilha. Muitas pessoas foram presas e eliminadas. O mais terrível foi que o processo de repressão institucionalizou e generalizou a tortura como meio de obter confissões e de atemorizar os presos. O AI-13 criou a pena de morte e o banimento do território nacional, aplicável a todo o brasileiro que “se tornar inconveniente, nocivo ou perigoso à segurança nacional”. Os primeiros banidos foram os prisioneiros trocados pelo embaixador americano. Estabeleceu-se também pelo AI-14 a pena de morte para os casos de “guerra externa, psicológica adversar, ou revolucionária ou subversiva”. A pena de morte nunca foi aplicada formalmente no Brasil, preferindo-se a ela a execuções sumárias ou no correr de torturas, apresentadas como resultantes de choques entre subversivos e as forças da ordem ou como desaparecimentos misteriosos. Além do terror das prisões, houve inúmeros assassina164


tos – alguns foram resultantes de choques entre a polícia e os militantes (guerrilheiros) e outros ocorreram em operações obscuras até hoje não esclarecidas. Dentre os guerrilheiros mortos nessas lutas destacamse: Carlos Lamarca da VPR, morto na Bahia em 1971 depois de ter liderado uma operação militar no vale do rio Ribeira de Iguape, em São Paulo, dizimada pelas forças do governo; Carlos Mariguela e Joaquim Câmara Ferreira, mortos em São Paulo em 1969 e 1971, respectivamente. Além da Guerrilha Urbana, que os jornais da época noticiavam, houve uma operação guerrilheira montada pelo PC do B no Araguaia, que o governo pretendeu ocultar da população; apenas uma reportagem do O Estado de São Paulo em setembro de 1972 a registrou. No entanto, ela aconteceu, e Fernando Portela anota os seguintes dados: ela durou 02 anos e 9 meses, de abril de 1972 a janeiro de 1975, houve três campanhas para combate-la, nas quais o governo empregou 10 mil homens contra 63 guerrilheiros. No lugar da luta instalou-se um quartel que abrigou a 23ª Brigada de Infantaria da Selva e o 52º Batalhão de Infantaria da Selva, no Km 08 da Transamazônica. A área da Guerrilha conhecia, na época, sérios conflitos de terra em função da especulação imobiliária que ensejou a compra de propriedades enormes por grupos estrangeiros em prejuízo da população camponesa sem terra. Essa população também sofreu a violência das operações militares. Até hoje os conflitos de terra não foram resolvidos. Os grupos armados urbanos, que a princípio eram a impressão de desestabilizar o regime com suas ações espetaculares, declinaram e praticamente desapareceram. Esse desfecho resultou em primeiro lugar da eficácia da repressão, que acabou com os ativistas da luta armada e seus simpatizantes – a chamada “rede de apoio”, constituída de jovens profissionais. Outra razão para o declínio foi o fato de os grupos armados isolarem-se da massa da população, cuja atração por suas ações era mínima, para não dizer nenhuma. A esquerda radical equivocara-se completamente, pensando poder criar no Brasil um novo Vietnã. No recrudescimento da luta contra a ditadura, ocorreu um fenômeno importante: a mudança de postura da Igreja Católica no seu conjunto, apesar de existirem divergências internas. Este grupo mais progressista, ficou conhecido como Nova Igreja, e utilizavam-se de um arcabouço intelectual para a sua atuação conhecida como Teologia da Libertação, desenvolvida por brasileiros, tendo à frente o Frei Leonardo Boff. A igreja tendo apoiado e, em alguns casos, até solicitado o golpe militar, não acompanhou a escalada da repressão e, sobretudo não endossou o uso da violência por parte do governo. Após 1968 , ela começou a somar ao lado dos que protestavam contra o cerceamento das liberdades democráticas. Muitas igrejas abrigaram reuniões, e alguns conventos (como o dos Dominicanos em São Paulo) protegeram pessoas perseguidas pela polícia. Muitos padres sofreram perseguições, foram presos, torturados e mortos. Um dos exemplares mais tristes foi o do frei Tito, que acusado de ter ligações com o grupo guerrilheiro de Mariguela, foi pre-

so e barbaramente torturado; exilado na França acabou por se suicidar. A Igreja Católica, através da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), também organizou um terrível balanço dessa época de trevas da história do Brasil. No livro Brasil Nunca Mais são relacionadas nominalmente 125 pessoas desaparecidas desde 1964, 11 casos de mortes sob tortura e uma lista de 11 aparelhos ou métodos de suplício. Há também o registro dos muitos processos que entre 1964 e 1979 foram instalados contra 40 organizações de esquerda em todo o país.

A CRISE DO MILAGRE: O PODER VOLTA PARA OS CIVIS.

“A solução pro nosso povo eu vou dar, negócio bom assim ninguém nunca viu, está tudo pronto, é só vir pegar: a solução é alugar o Brasil!” (Trecho da música aluga-se, de Raul Seixas).

Dos acontecimentos do Governo Geisel, destaque-se como de menor importância, a criação de um Ministério da Previdência Social separado do Ministério do Trabalho, e a fusão Rio de Janeiro – Guanabara, originando o atual estado do Rio de Janeiro. Os dois acontecimentos de maior e com reflexos na década seguinte, foram a crise do Milagre e o começo do processo de distensão política, prefácio da abertura que marcaria a etapa subseqüente. Ernesto Geisel: abertura com controle, distensão lenta, gradual e segura. A crise do Milagre ajudou, como veremos, no processo de distensão política, já que, durante aquela aparente prosperidade e desenvolvimento, como as elites e classes médias podiam comprar à vontade, deslumbradas pelo consumismo, deixaram a ditadura correr à solta. Com a crise, o regime militar deixou de ter um Milagre para lhe assegurar a popularidade ou, ao menos, a cumplicidade omissa de várias faixas da sociedade civil. A referida crise começou com o problema do petróleo. Devido à conjuntura internacional dos anos 70, o petróleo sofreu aumentos drásticos: 232% em 1973; 174% em 1979. Ora, como o carro-chefe do Milagre foi a indústria automobilística (até por ter ativado diversos setores correlatos), é fácil imaginar o que o país sofreu. Dependia de combustível cuja produção interna era insuficiente e, assim, em 1974, gastou sete vezes mais para trazer a mesma quantidade de petróleo que trouxera em 1972. Ademais, para pagar este petróleo e a continuidade de crescimento que faz questão de manter, ingressando, inclusive, no setor de bens de capital (maquinários) e intermediários (setor químico, por exemplo), o país foi compelido a buscar mais empréstimos no exterior. Assim, forma financiados, por exemplo, a construção das usinas de Itaipu (hidroelétrica) e Angra dos Reis (atômica). O agravante desse endividamento é que ele foi realizado à base de juros pós-fixado, ou seja, juros de mercado, conhecidos apenas na hora de pagar. No governo 165


Reagan, a partir dos anos 80, os juros subiram assustadoramente e o Brasil ficou devendo mais do que nunca. Nessa questão, como na do petróleo, evidencia-se a falsidade do discurso desenvolvimentista da ditadura, uma vez que os fatos demonstraram que o caráter dependente do crescimento obtido era igualmente a denúncia de sua fragilidade estrutural. A esta altura, já estávamos entrando no governo seguinte ao de Geisel, que recolheu o rescaldo da crise. O Milagre apostara no poder de compra da fatia do mercado interno que tinha poder aquisitivo, mas este era restrito e inelástico, isto é, não tinha como se expandir. Quanto à massa popular, cada vez mais podia comprar menos. Por outro lado, o mercado externo, dada a crise mundial, também se encolheu, o que baixou a receita das exportações – uma terceira evidência de como é frágil um desenvolvimento que se coloca na dependência de fatores os quais não se tem como controlar: petróleo, endividamento, mercado externo, produção voltada ao consumo de uma parte restrita da população. Por volta de 1979, a inflação voltou e o governo teve que desvalorizar nossa moeda: primeiro, para tornar atrativos os preços de nossas mercadorias exportáveis; segundo, para estimular as multinacionais a investirem mais ainda no Brasil, uma vez que a desvalorização do nosso cruzeiro corresponderia à valorização do dólar que elas investiam. Entretanto, um dos tiros saiu pela culatra: as multinacionais no Brasil descobriram ser mais negócio buscar empréstimos no mercado interno do que dólares lá fora, o que fez o Banco Central (o sucessor da antiga Sumoc) ter que usar as suas reservas e obrigou o governo a tomar empréstimos de curto prazo no exterior, para fugir às altas taxas de juro. Não podendo pagá-los, o governo precisou, finalmente, apelar a esta comunidade de banqueiros internacionais chamada de Fundo Monetário Internacional – o FMI. O FMI exigiu que o país contivesse gastos públicos, ou seja, reduzisse ainda mais os já minguados investimentos sociais, impondo o que rotulavam de austeridade, bem como criasse ainda maiores facilidades às remessas de lucros para o exterior. Já curvado pelos anos de dependência, o Brasil dos militares aceitou as regras: cortou investimentos sociais, achatou ainda mais os salários, favoreceu novamente as multinacionais e falsificou dados do aumento do custo de vida. Quanto à remessa de lucros, a situação atingiu níveis escandalosos. Era um fator de sangria das divisas nacionais, uma vez que, além dos processos legais já favoráveis, ainda existia os ilegais, como o superfaturamento na compra de matérias-primas – efetuados pelas filiais ao encomendá-las de suas matrizes internacionais. Explicando melhor e tomando o caso da indústria farmacêutica (90% multinacional); elas adquiriam sulfato de gentamicina de suas matrizes ao preço de US$ 8,000.00 o quilo, quando o preço de marcado era de US$ 2,300.00 – claro que a diferença representava lucro mandado para o exterior disfarçado de compra de matéria-prima. Certamente, não por acaso, como se pode ler no jornal Zero Hora de Porto Alegre, publicado em 15 de junho de 1984, o Governo Figueiredo, através do ministro Delfim Neto, fez com que fosse vetado um projeto saído do próprio governo, visando o incen-

tivo à produção interna de matérias-primas necessárias à indústria farmacêutica, sob a alegação de que tal projeto prejudicaria as negociações com o FMI. Entende-se: caso o projeto fosse em frente, seria eliminada a possibilidade das multinacionais da farmácia continuarem se valendo do expediente acima citado. Durante mais de duas décadas (1940 a 1964) a dívida externa passou de US$ 2 bilhões para US$ 2,5 bilhões, ou seja, um crescimento de 25%. Porém, no período de 1964 a 1978, a dívida passou de US$ para US$ 40 bilhões, registrando um crescimento de 1500%. O Brasil ingressou nos anos 80 em um insólito estado de estagflação, combinação de estagnação no crescimento econômico e inflação. A estagnação se deveu à queda de investimentos na produção, dados os altos juros dos empréstimos, e à queda dos investimentos governamentais. Quanto à inflação, afora os motivos citados acima, houve ainda os chamados motivos psicológicos, a cultura da inflação (cobra-se mais hoje, na expectativa de que o dinheiro vai desvalorizar amanhã). e mais alguns de ordem objetiva: a elevada carga tributária (destinada a custear os gastos do governo) e a necessidade do vendedor de, já que vendia para poucos, ganhar o equivalente ao que ganharia, se pudesse vender para muitos – os muitos excluídos do mercado de consumo. Para o FMI, a situação se apresentava do seguinte modo: o governo não podia priorizar o social e devia priorizar o consumo elitista e externo, visto que só assim, ele teria recursos para pagar os banqueiros credores. Em conclusão, como se vê, dentre as causas da inflação, é uma falácia incluir os salários, na verdade, as grandes vítimas do modelo perverso que marcou a história econômica do Brasil militar. Na era da estagflação, passou a ser mais negócio investir na especulação e no mercado financeiro do que na produção. Em 1977, a Volkswagen do (no) Brasil lucrou, no mercado financeiro, 5.931% a mais do que vendendo carros. A linha de raciocínio era fácil: com a retração do mercado interno era mais prático despedir empregados e deixar o dinheiro a render mais dinheiro e maneira especulativa. Tanto mais que o próprio governo ajudou: em 1979, visando atrair bancos estrangeiros para instalarem filiais no Brasil, uma resolução de Brasília reduziu o imposto sobre remessas de lucros provenientes de juros – pasmem – de 25% para 1,25% (!). É óbvio que, na esteira da crise, também ocorreu aumento notável de desemprego. A classe média que outrora marchara com Deus pela família e liberdade, já não podia pagar as contas no fim do mês. Como disse Nelson Lage, o falecido Milagre Brasileiro fora uma festa para alguns – e os não-participantes é que estavam na curva da década, pagando a conta da ressaca alheia. O crescimento trouxera modernização e algarismos, mas não um efetivo desenvolvimento. Com o começo e o aumento da crise, os militares e seus aliados tecnocratas se deram conta de que não tinham mais um progresso de vitrine que justificasse sua eternização no poder. Para os militares, chegou a hora da retirada estratégica, conciliatória e silenciosa para os bastidores. Para a sociedade civil começou a se formar um consenso de que a solução dos 166


problemas nacionais passava pela opção política, ou seja, participação coletiva, a redemocratização. Efetuar tal trajetória e mantê-la sob o devido controle – tal foi o desafio encarado pela dupla Geisel/Golbery e que os conduziu por um caminho de avanços, sinuosidades e contradições.

A TRANSIÇÃO: LENTA, GRADUAL E SEGURA. “É devagar, é devagar, É devagar, devagar devagarinho” (Martinho da Vila).

Tudo começou com as históricas eleições legislativas de 1974. Elas foram importantes em termos simbólicos, não tanto em termos imediatos, visto que o Congresso dispunha de um poder muito restrito, em uma época em que a ditadura ainda estava forte. Fracassadas as passeatas e greves dos anos 60, fracassada a guerrilha, a massa popular decidiu usar o canal ainda aberto: a urna. No final de 1974, o MDB arregimentou o voto de todos os descontentes, dos liberais até a extrema esquerda, e o resultado começou a convertê-lo de um mero partido de oposição formal e consentida a uma efetiva frente ampla de contestação democrática, um desaguadouro para os que não queriam um Brasil autoritário. Os moderados que exigiam as liberdades mais elementares, os nacionalistas, os sindicalistas, os intelectuais, a esquerda, todos encontraram no MDB, o seu jeito de dizer não ao governo. De 22 senadores, o MDB elegeu 16. Foi um momento de coragem política. Nos pleitos subseqüentes, o MDB continuaria ganhando em 1976 e 1978 – as eleições assumiram o caráter de plebiscito, dentro das regras que a própria ditadura impusera e, progressivamente, os que diziam sim votando na Arena foram recuando. Para o projeto castelista de Geisel/Golbery, abriu-se a oportunidade de uma vez, saneado o Brasil (visto que a guerrilha e a oposição esquerdista ativa estavam liquidadas), devolvê-los aos civis, recuando os militares à posição de arbitramento e deixando de se envolver no cotidiano político. Para que isso tornasse possível, impunha-se que a linha-dura fosse afastada, e para que o oficialato fosse convencido da viabilidade das intenções do governo, seria preciso demonstrar que a nova situação não significava a volta da anarquia e absolutamente não implicaria um prejuízo da autoridade. Desse modo, Geisel foi levado, ao mesmo tempo que tomava iniciativas no sentido de conter a linha-dura, a também a conter, via instrumentos repressivos, os setores progressistas mais afoitos, cujo avanço pelos espaços recém-abertos pudesse ser considerado prematuro e/ou perigoso. No prolongamento da vitória do MDB, em 1974, vieram os protestos da sociedade civil contra a ditadura. Tais protestos fundiram a reivindicação pela justiça social, pela volta ao estado democrático, pela defesa dos interesses nacionais na economia, pelos protestos contra a tortura. Em relação à tortura, os protestos uniram o Movimento pela Anistia, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Igreja Católica. É fato que a tortura já existia há muito no Brasil, mas, normalmente, ela era aplicada às classes mais baixas; no regime militar, porém, foram torturados os filhos das elites e da classe média, participantes da oposição. Além disso,

inicialmente um instrumento do Estado, a repressão violenta terminou se habituando a agir por conta própria, sem se dar conta da estrutura de que fazia parte. Confirmando uma observação de Pierre Vidal-Naquet, que, de acordo com a revista Veja, publicada em 10 de dezembro de 1969 declarou que: “a tortura começa como um método policial de interrogatório, desenvolve-se um método militar de operação e, ultimamente, transforma-se numa espécie de Estado clandestino que corrói as próprias raízes da vida de uma nação”. Contra tudo que a ditadura fizera do Brasil, finalmente a sociedade foi para as ruas e exigiu retorno de uma ordem democrática e civil. Dentro desse processo, o movimento sindical também recobrou sua força e principiou a se reorganizar, o que logo marcaria o reaparecimento de greves no cenário político. Para evitar que os setores progressistas avançassem muito rapidamente, Geisel interveio no processo eleitoral, impondo casuísmos, de forma a proteger a Arena de uma queda brusca nas urnas e no Congresso, o que daria uma ousadia incontrolável à oposição. Assim, vieram a Lei Falcão, tolhendo a propaganda em época de eleição, e, especialmente a Emenda Constitucional n.º 08 de abril de 1977 – mais conhecida como Pacote de Abril – decretada em época de fechamento do Congresso, depois de inúmeros atritos entre o executivo e o Congresso quando o governo não conseguiu obter a maioria para fazer alterações constitucionais. O governo, então, aplicou o AI-5, fechando a casa legislativa. Essa emenda aumentou o mandato presidencial de cinco para seis anos, determinou a escolha indireta de um dos três senadores por Estado e estabeleceu a eleição indireta dos governadores (embora diretas pela Constituição de 1967, o dispositivo jamais fora aplicado). O objetivo foi evitar uma maioria do MDB no Congresso e nos governos estaduais, naquele momento em que, assumindo a posição de uma frente ampla oposicionista e popular, cada vez mais o MDB se fortalecia além de alterar os critérios de representação eleitoral, de forma que a reduzir a quantidade de deputados federais eleitos nos estados mais populosos onde a atuação da oposição era mais forte eleitoralmente, favorecendo, sobremaneira, a eleição de políticos da Arena no nordeste. A dupla Geisel/Golbery sabia que a onda redemocratizadora era inevitável, mas pretendia evitar que ela fosse excessiva ou, ao menos, excessivamente rápida. Era intenção de Geisel manter o controle sobre os dois lados do processo. No que diz respeito à desmontagem do aparelho repressivo – outra face da moeda – tratou de aproveitar a conjuntura surgida com a tortura e morte do diretor de jornalismo da TV Cultura Vladimir Herzog, em outubro de 1975. Em outubro daquele ano, Herzog fora intimado a comparecer ao DOI-CODI de São Paulo. Ele era suspeito de ter ligações com o PCB. O jornalista apresentou-se espontaneamente ao DOI-CODI e daí não saiu vivo. Sua morte foi apresentada como suicídio por enforcamento. Uma forma grosseira de encobrir a realidade: torturam, seguida de morte. Vieram os protestos em massa, principalmente da classe 167


média profissional e da Igreja de São Paulo. A OAB pôs-se à disposição da mulher de Herzog – Clarice – para responsabilizar o Estado pela morte de seu marido. Geisel advertiu o general Ednardo Mello, comandante do II Exército, de que não toleraria a repetição daquilo. No entanto, no começo de 1976, ocorreu uma morte, em idênticas circunstâncias, a do operário Manoel Fiel Filho. Para Geisel, foi uma bofetada. Daí não hesitou. Demitiu o General Ednardo. Estava dado o recado, ou seja, o governo não toleraria mais as arbitrariedades do aparelho de segurança e nem se deixaria manejar pela linha-dura. Dois anos depois, prevendo uma articulação do ministro do Exército, general Sílvio Frota, contra ele, se antecipou e o demitiu. Em seu lugar nomeou o general Belfort Bethlem, assegurando-se, definitivamente, de que os comandantes do militares seriam fiéis a seu projeto de distensão política controlada. Cassando militares e oposicionistas tidos como mais indesejáveis, Geisel aplainou o caminho para o último ato: a Emenda Constitucional de n.º 11, de 1978. A Emenda terminou com o AI-5, substituindo-o por medidas de salvaguarda, um sucedâneo bastante atenuado, destinado a acalmar a direita mais suspeitosa e temerosa da anarquia. Essa mesma Emenda restabeleceu o pluripartidarismo. Foi uma esperteza de Golbery: ele sabia que a força do MDB vinha do fato de aglutinar oposições heterogêneas, que só se mantinham ao redor do MDB, por que a lei eleitoral vigente dificultava a formação de outros partidos. Desse modo, ampliando a possibilidade de constituir partidos, Golbery ter em vista manter unida a situação, que de Arena tornou-se Partido Democrático Social (PDS), que mais tarde transformou-se em PPB, e fracionar a oposição. O MDB tornou-se PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), PP (Partido Popular), PTB (Partido Trabalhista Brasileiro liderada por Ivete Vargas), PDT (Partido Democrático Trabalhista, verdadeiro herdeiro do antigo PTB, fundado por Leonel Brizola, que se viu impedido de usar a legenda do antigo partido populista). Golbery não teria mais que lidar com uma frente, mas com vários partidos e seus políticos profissionais e, com eles, sempre havia mais chance de acertos e negociatas. Ao promover a Anistia ampla, geral e irrestrita, em 1979, Golbery teve a intenção de favorecer o fracionamento da oposição, pois viriam lideranças exiladas das mais diversas tendências e que reuniriam à sua volta, dispersando-as, as oposições que estiveram unidas, em um só bloco, ao longo do período Geisel. Foi nessa ocasião que retornou do exílio, figuras importantes do atual cenário político nacional, tais como Leonel Brizola, Miguel Arraes e o professor de sociologia Fernando Henrique Cardoso. As figuras mais significativas que emergiram naquele instante em que a distensão se encaminhou para a abertura, foram duas: a respeitável liderança do PMDB, Ulysses Guimarães, homem-símbolo da luta pelas liberdades civis e democráticas nos tempos piores da ditadura; e Luís Inácio Lula da Silva, egresso das lutas sindicais e das greves do ABC paulista. Lula seria o líder do Partido dos Trabalhadores (PT), o primeiro partido da História do Brasil forjado a partir das lutas operárias do chamado Novo Sindicalismo,

portanto, formado de baixo para cima e que anos mais tarde se tornaria no maior partido popular da América. Tendo optado por uma organização interna e democrática, o PT distingue-se radicalmente do modelo leninista, fundado no centralismo-democrático. Outra característica que diferencia o PT dos partidos comunistas (PCB e PC do B) é a sua recusa em se apresentar como vanguarda operária ou como “fábrica de estratégia”. Entretanto, esse modelo de organização fez com várias tendências se organizassem dentro do Partido, desde setores ultra-radicais, como os trotskistas, representados pela antiga Convergência Socialista (que depois foi expulsa do PT e fundou um outro partido, o PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados) e pela Democracia Socialista, até setores da social-democracia, com o grupo Articulação e Revitalização, este último, mais à direita, é categórico ao negar o socialismo como alternativa ao capitalismo. No seu último congresso, realizado no ano 2000, o PT manteve a busca do socialismo, como objetivo histórico da classe operária. No final da década de 1970, com a intensificação das reivindicações operárias, os sindicatos, que desde a época de Vargas, serviam para as manobras dos políticos, começaram a se transformar em instrumentos de luta dos trabalhadores. Os operários passaram a atuar nos sindicatos com o objetivo de eleger novas diretorias substituindo os velhos “pelegos” que ali permaneciam durante anos e anos fazendo conciliação de classe. O movimento que se iniciou entre os metalúrgicos da região do ABCD paulista, difundiu-se por outras categorias de trabalhadores e por outras cidades. Este movimento denominou-se de Novo Sindicalismo. Em 1978, no último ano do governo Geisel, as forças populares e democráticas enfim se colocaram em cena. Emergiram com as greves em maio daquele ano, na região do ABCD Paulista (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano e Diadema), onde estão localizadas as principais indústrias do Estado de São Paulo e do Brasil. Cerca de cem mil operários metalúrgicos cruzaram os braços, exigindo melhores salários. Líderes sindicais como Luís Inácio da Silva – o Lula – ganharam então grande notoriedade. Apesar da legislação trabalhista extremamente repressiva, que dificultava ao extremo, as greves, os metalúrgicos mantiveram-se firmes em seus propósitos. Dessa maneira, abriu-se caminho para as reivindicações trabalhistas, e um espaço político foi sendo criado para atuação dos trabalhadores e das forças democráticas do país. Um dos maiores atos operários foi a concentração de 50 mil trabalhadores no dia 13 de março de 1979, no Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo. O principal líder deste movimento foi Lula. Do Novo Sindicalismo se originou o Partido dos Trabalhadores e a idéia de criar uma Central de trabalhadores. Na verdade, as divergências entre as lideranças sindicais resultaram na formação de duas centrais: a CUT (Central Única dos Trabalhadores), formada por trabalhadores do chamado Novo Sindicalismo, e que, em pouco tempo, se 168


tornou na maior central sindical da América Latina, perdendo apenas para a AFL-CIO (central norte-americana), e a CONCLAT (Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora), que deu origem, em 1986 à CGT (Central Geral dos Trabalhadores). Posteriormente, em março de 1991, foi fundada uma nova central sindical a Força Sindical, composta por dirigentes sindicais de menor importância e com financiamento do governo federal, com a nítida intenção de enfraquecer a CUT. Entre os trabalhadores rurais, também se iniciaram movimentos reivindicatórios. Foi criada a CONTAG (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura) e depois o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Mas à medida que crescia o movimento dos trabalhadores rurais, aumentava a violência no contra eles. Dezenas de líderes sindicais rurais foram assassinatos a mando dos grandes proprietários de terra, que se organizam até hoje na UDR (União Democrática Ruralista) Em 1979, assumiu a presidência da República, escolhido pelo Colégio Eleitoral, um antigo assessor do General Médici, o general João Baptista Figueiredo, designado pelo próprio Ernesto Geisel. Subiu ao poder com a incumbência de completar a obra redemocratizadora, iniciada sob o signo do gradualismo. E trouxe consigo frases bombásticas em defesa da democracia

JOÃO FIGUEIREDO. De início, o Governo Figueiredo (1979-1985) enfrentou séria oposição dos remanescentes direitistas, avessos ao projeto de abertura política. O terrorismo de direita foi uma constante. Vários acontecimentos ocorridos entre o segundo semestre de 1980 e o início de 1981 ainda não estão devidamente elucidados até hoje, mas atribui-se à setores militares e civis descontentes com a abertura política. Os atentados terroristas começaram em 1980, com incêndios em bancas de revistas e jornais de São Paulo e Minas Gerais, visando a intimidar os seus proprietários, que vendiam publicações consideradas subversivas. Tiros foram disparados contra o escritório do deputado paulista Ayrton Soares. Porém, o atentado mais grave do ano de 1980 ocorreu em julho, durante a visita do Papa João Paulo II ao Brasil. A vítima foi o jurista Dalmo Dallari, que iria discursar na presença do Papa. Considerado um notório adversário do regime, Dallari foi seqüestrado e agredido por desconhecidos. Não satisfeitos com a intimidação através de incêndios e seqüestros, os conservadores começaram em agosto de 1980, os atentados com bombas de alto poder de destruição. O primeiro foi no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Rio de Janeiro, ocasionando a morte de uma funcionária da entidade. Depois foi a vez do atentado da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na sal de um vereador do PMDB, que mutilou um funcionário. Embora esses episódios e principalmente o atentado frustrado do Riocentro tenham golpeado o presidente, que não teve a coragem de investigá-lo mais a fundo, serviu

para obrigar a extrema-direita a um recuo definitivo em sua estratégia terrorista. Entretanto, o episódio mais sensacional e importante dessa oposição foi a tentativa de fazer explodir no dia 30 de abril de 1980. uma bomba no Riocentro, durante um Show que tinha caráter de manifestação democrática. A tentativa malogrou, pois a explosão aconteceu quando a bomba ainda estava sendo armada. Claro que as investigações camuflaram as verdades mais profundas. Desde os atos terroristas e o atentado frustrado do Riocentro, aprofundaram-se a crise do Milagre e o avanço democrático. Nos anos 80, já não tinha sentido falar em Milagre Brasileiro. O avanço democrático – que obteve uma importante conquista com a Emenda Constitucional n.º 15 de 1980, fazendo voltar as eleições diretas para governador e eliminando a figura do senador biônico (o Senado eleito indiretamente conforme determinação do Pacote de Abril, a Emenda Constitucional n.º 08 de 1977) – adquiriu um ímpeto irresistível com a Campanha das Diretas Já!, a qual trazia expectativas de redenção social junto com a exigência do retorno à eleição direta do presidente da República. Para além das divergências sobre qual deveria ser o Brasil do futuro, o pleno retorno à normalidade democrático-liberal era o denominador comum de todos os setores que se uniram nessa macrocampanha. Impõe-se uma observação acerca da nova conjuntura dos anos 80 em nível internacional. Os Estados Unidos, que nos anos 70 tinham sido o apoio mais importante na implantação e consolidação de ditaduras truculentas na América Latina – para desmanchar oposições de esquerda e a alternativa da luta armada – agora, nos anos 80, voltavam-se para os parâmetros da democracia formal e institucionalizada, mesmo que governasse um presidente sabidamente direitista – Ronald Reagan. Àquela altura, o capital estrangeiro já se achava plenamente consolidado em suas trincheiras latino-americanas, a guerrilha fora fisicamente exterminada e a aparência simpática da democracia forma era importante como contrapeso à crueldade do novo modelo capitalista em ascensão, o chamado modelo neoliberal. Seus objetivos são a total privatização das economias nacionais e o fim das conquistas sociais, alcançadas em tempos anteriores, em nome da modernidade e da competitividade da economia; em resumo, tudo expressão de uma nova fase em que o capital principiava a se tornar absolutamente hegemônico. Em uma sociedade pluralizada, dominada por ideologias consumistas, com suas causas desviadas ou dispersas por outras questões (feminismo, ecologia, minorias, gêneros, que têm sua legitimidade, mas constituem o que se chama, em linguagem militar, de manobra diversionista) e com os trabalhadores debilitados enquanto organização, a volta à democracia não representaria a abertura de um espaço perigoso, capaz de formar consciências em condições de questionar eficazmente o domínio absoluto da propriedade privada, como parecera no início do 1964. Apesar disso, a Emenda Dante de Oliveira (deputado federal pelo MT), corolário da Campanha Diretas Já!, a qual levou milhões de pessoas às ruas e uniu diferentes segmentos sociais, não passou no Congresso, onde, ainda 169


por uma última vez, os temerosos do fantasma fardado, conservadores do regime militar. liderados por José Sarney, presidente do PDS, obtiveram a vitória em 25 de abril de 1984. A solução foi “tapar o nariz e ir para o Colégio Eleitoral”, como afirmara o governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, agindo através da conciliação. O impacto da pressão popular tornou circunstancial a derrota da Emenda Dante de Oliveira: formou-se uma Aliança Democrática (incluindo membros do PDS que não aceitaram a indicação do candidato oficial, Paulo Maluf, e fundariam o Partido da Frente Liberal – o PFL). O acordo entre o PMDB e a Frente Liberal deu origem à Aliança Democrática que, com a bandeira da Nova República, lançou o nome de Tancredo Neves e de José Sarney, à vice-presidência da República. Esta súbita transformação do ex-presidente do PDS em candidato à vice-presidente na chapa do partido de oposição, os políticos brasileiros costumam atribuir ao caráter “dinâmico” (leia-se fisiológico) do processo político. Seja como for, graças à cisão de parte do PDS, Tancredo conseguiu reunir maioria no Colégio Eleitoral, batendo facilmente Paulo Maluf na eleição indireta de novembro de 1984. Tancredo, um mineiro de São João d’El Rey, membro da Ordem Terceira e São Francisco daquela comunidade. Conciliador, hábil negociador, ex-ministro da Justiça do segundo mandato de Getúlio Vargas e ex-Primeiro Ministro do Parlamentarismo, homem de bastidores e dos corredores da política, Tancredo era uma figura simpática, cuja imagem agradável e paternal não deixou de ser um alívio e uma promessa depois de tantos anos de carrancas militares. Acabou sendo eleito com o compromisso de acabar com a esdrúxula instituição que o elegeu – o Colégio Eleitoral. No entanto, ele não assumiria a presidência, por causa do destino, auxiliado pelo Hospital de Base de Brasília. Outra história de doença presidencial – vide Costa e Silva, em 1969 – com algo mal explicado. Tancredo Neves nunca tinha sido político de massas, mas a conjuntura da transição democrática, aliada à sua lenta agonia acompanhada pela mídia, gerou uma crescente comoção popular, fazendo de Tancredo uma espécie de

mártir pré-fabricado, uma liderança popular in extremis. Sua morte, em 21 de abril de 1985, foi seguida de uma imensa sensação de tristeza e desamparo. Uma tristeza verdadeira e, também, verdadeiramente fabricada. Ao historiador que sabe das possibilidades e dos limites políticos de Tancredo Neves – inscritas em sua biografia – não havia motivos para ter muita ilusão sobre o que ele viria a fazer. Considerando as urgências sociais do momento, era demasiadamente moderado. Vinha do PP, um daqueles partidos de oposição muito moderada, e ingressara no PMDB em virtude da fusão do dois partidos. Tancredo convinha às elites, a quem a aparência de mudança era o que, de fato contava – e não a mudança em si. Assim, o povo se frustrou com a morte de Tancredo, por que não teve a oportunidade de se frustrar com o próprio Tancredo. Após algumas hesitações iniciais, assumiu um homem com medíocre perfil estadista, cuja biografia se formara ao longo do período militar; egresso da UDN (de uma ala reformista, apelidada de Bossa Nova) e da Arena, era um vulto representativo das elites do Norte/Nordeste: José Sarney. Quanto a João Figueiredo, estava tão irritado no final do mandato que, em entrevista a um jornalista limitou-se a pedir que o esquecessem – com efeito, não por que lembrálo enquanto personagem histórico, mas também não há por que esquecer o regime do qual ele foi uma de suas lideranças e seu derradeiro representante no Palácio do Planalto. Por ironia do destino, a “Nova República”, como Tancredo batizara o período que iria começar com o seu mandato, acabou tendo como seu primeiro presidente José Sarney. Exatamente o mesmo político que em abril de 1984, comandara a rejeição da Emenda Dante de Oliveira, contra a vontade popular. Era no mínimo estranho que o slogan “Muda Brasil!” tivesse que ser concretizado pelo ex-presidente do PDS. Coisas da política brasileira. O general Figueiredo nem ficou para receber aquele poeta e político de canto de fotografia que veio para ser empossado. Figueiredo saiu lentamente pela porta dos fundos do Palácio do Planalto. Foi um arremate simbólico do governo militar que tomara o poder em 1964, pela porta dos fundos da Constituição, através de um golpe, e saía da mesma forma sorrateira. E sem nenhum brilho.

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Documentos históricos: OS ATOS INSTITUCIONAIS. O ATO INSTITUCIONAL DE N.º 1 – O AI-1 À Nação É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional é uma autêntica revolução. A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas, sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. Os chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e, ao apoio inequívoco da Nação, representam o povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o povo é o único titular. O ato institucional que é hoje editado pelos Comandantes em Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica em nome da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase totalidade, se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria. A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar e se apressa pela sua institucionalização a limitar os plenos poderes de que efetivamente dispõe. O presente Ato Institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa, representada pelos Comandos em Chefe das três Armas que respondem, no momento, pela realização dos objetivos revolucionários, cuja frustração estão decididas a impedir. Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o país. Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constitui-

ção do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do País. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso Nacional com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato Institucional. Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultando do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação. Em nome da revolução vitoriosa, e no intuito de consolidar a sua vitória, de maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao país um governo capaz de atender os anseios do povo brasileiro, o Comando Supremo da Revolução, representado pelos Comandantes em Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, resolve editar o seguinte: Ato institucional Nº 01. Art. 1o . São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições Estaduais e respectivas emendas, com as modificações constantes deste Ato. Art. 2o. A eleição do presidente e do vice-presidente da República, cujos mandatos terminarão em trinta e um (31) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dentro de dois (2) dias a contar deste Ato, em sessão pública e votação nominal. § 1o. Se não for obtido o quorum na primeira votação, outra realizar-se-á, no mesmo dia, sendo considerado eleito quem obtiver maioria simples de votos; no caso de empate, prosseguir-se-á na votação até que um dos candidatos obtenha essa maioria. § 2o. Para a eleição regulada neste artigo, não haverá inelegibilidades. Art. 3o. O presidente da República poderá remeter ao Congresso Nacional projetos de emenda da Constituição. Parágrafo único. Os projetos de emenda constitucional, enviados pelo presidente da República, serão apreciados em reunião do Congresso Nacional, dentro de trinta (30) dias, a contar do seu recebimento, em duas sessões, com o intervalo mínimo de dez (10) dias, e serão considerados aprovados quando obtiverem, em ambas as votações, a maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso. Art. 4o. O Presidente da República poderá enviar ao Congresso Nacional projetos de lei sobre qualquer matéria, os quais deverão ser apreciados dentro de trinta (30) dias, a contar do seu recebimento na Câmara dos Deputados e de 171


igual prazo no Senado Federal: caso contrário, serão tidos como aprovados. Parágrafo único. O presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá solicitar que a apreciação do projeto se faça em trinta (30) dias, em sessão conjunta do Congresso Nacional, na forma prevista neste artigo. Art. 5o. Caberá, privativamente, ao presidente da República, a iniciativa dos projetos de lei que criem ou aumentem a despesa pública: não serão admitidas, a esses projetos, em qualquer das Casas do Congresso Nacional, emendas que aumentem a despesa proposta pelo presidente da República. Art. 6o. O presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio, ou prorrogá-lo pelo prazo máximo de trinta (30) dias: o seu ato será submetido ao Congresso Nacional, acompanhado de justificação, dentro de quarenta e oito (48) horas. Art. 7o. Ficam suspensas, por seis (6) meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade. § 1o. Mediante investigação sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos ou dispensados, ou, ainda, com vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, por decreto do presidente da República, ou, em se tratando de servidores estaduais, por decreto do governador do estado, desde que tenham tentado contra a segurança do País, o regime democrático e a probidade da administração pública, sem prejuízo das sanções penais a que estejam sujeitos. § 2o - Ficam sujeitos às mesmas sanções os servidores municipais. Neste caso a sanção prevista no § 1º lhes será aplicada por decreto do governador do estado, mediante proposta do prefeito municipal.

Parágrafo único. Empossado o presidente da República, este, por indicação do Conselho de Segurança Nacional, dentro de sessenta (60) dias, poderá praticar os atos previstos neste artigo. Art. 11. O presente Ato vigora desde a sua data até 31 de janeiro de 1966; revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, GB, 9 de abril de 1964. [Ass.] General de exército Artur da Costa e Silva; tenente brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello; vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald.

ATO INSTITUCIONAL DE Nº 2 – O AI-2 O Ato Institucional no 2 foi promulgado pelo presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, em 27 de outubro de 1965. Sua principal medida foi a extinção dos partidos políticos existentes. A legislação partidária adotada a partir de então forçou, na prática, a organização de apenas dois grandes partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), agrupando os partidários do governo; e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que reunia os políticos da oposição. À Nação A Revolução é um movimento que veio da inspiração do povo brasileiro para atender às suas aspirações mais legítimas: erradicar uma situação e um governo que afundavam o país na corrupção e na subversão. No preâmbulo do Ato que iniciou a institucionalização do movimento de 31 de março de 1964 foi dito que o que houve e continuará a haver, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, mas também na opinião pública nacional, é uma autêntica Revolução. E frisou-se que: a) ela se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação;

§ 3o. Do ato que atingir servidor estadual ou municipal vitalício, caberá recurso para o presidente da República.

b) a Revolução investe-se, por isso, no exercício do poder Constituinte, legitimando-se por si mesma;

§ 4o. O controle jurisdicional desses atos limitar-se-á ao exame de formalidades extrínsecas, vedada a apreciação dos fatos que os motivaram, bem como da sua conveniência ou oportunidade.

c) edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória, pois graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representa o povo e em seu nome exerce o poder Constituinte de que o povo é o único titular.

Art. 8o. Os inquéritos e processos visando à apuração da responsabilidade pela prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de atos de guerra revolucionária poderão ser instaurados individual ou coletivamente. Art. 9o. A eleição do presidente e do vice-presidente da República, que tomarão posse em 31 de janeiro de 1966, será realizada em 3 de outubro de 1965. Art. 10. No interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na Constituição os comandantesem-chefe, que editam o presente Ato, poderão suspender direitos políticos, pelo prazo de dez (10) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos.

Não se disse que a Revolução foi, mas que é e continuará. Assim se o Poder Constituinte não se exauriu, tanto é ele próprio do processo revolucionário que tem de ser dinâmico para atingir os seus objetivos. Acentuou-se, por isso, no esquema daqueles conceitos, traduzindo uma realidade incontestável de Direito Público, o poder institucionalizante de que a Revolução é dotada para fazer vingar os princípios em nomes dos quais a Nação se levantou contra a situação anterior. A autolimitação que a Revolução se impôs no Ato Institucional de 9 de abril de 1964 não significa, portanto, que tendo poderes para limitar-se, se tenha negado a si mesma por essa limitação, ou se tenha despojado da carga de poder 172


que lhe é inerente como movimento. Por isso se declarou, textualmente, que “os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o país”, mas se acrescentou, desde logo, que “destituído pela Revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do país”.

§ 2o Dar-se-á por aceita a emenda que for aprovada em dois turnos, na mesma sessão legislativa, por maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

A Revolução está viva e não retrocede. Tem promovido reformas e vai continuar a empreendê-las, insistindo patrioticamente em seus propósitos de recuperação econômica, financeira, política e moral do Brasil. Para isto precisa de tranqüilidade. Agitadores de vários matizes e elementos da situação eliminada teimam, entretanto, em se valer do fato de haver ela reduzido a curto tempo o seu período de indispensável restrição a certas garantias constitucionais, e já ameaçam e desafiam a própria ordem revolucionária, precisamente no momento em que esta, atenta aos problemas administrativos, procura colocar o povo na prática e na disciplina do exercício democrático. Democracia supõe liberdade, mas não exclui responsabilidade nem importa em licença para contrariar a própria vocação política da Nação. Não se pode desconstituir a Revolução, implantada para restabelecer a paz, promover o bem-estar do povo e preservar a honra nacional.

Art. 4o Ressalvada a competência da Câmara dos Deputados e do Senado e dos Tribunais Federais, no que concerne aos respectivos serviços administrativos, compete exclusivamente ao presidente da República a iniciativa das leis que criem cargos, funções ou empregos públicos, aumentem vencimentos ou a despesa pública e disponham sobre a fixação das Forças Armadas.

Assim, o presidente da República, na condição de chefe do Governo Revolucionário e comandante supremo das Forças Armadas, coesas na manutenção dos ideais revolucionários, Considerando que o país precisa de tranqüilidade para o trabalho em prol de seu desenvolvimento econômico e do bem-estar do Povo, e que não pode haver paz sem autoridade, que é também condição essencial da ordem; Considerando que o poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco, não apenas para institucioná-la, mas para assegurar a continuidade da obra a que se propôs, Resolve editar o seguinte: Ato Institucional N.º 2. Art. 1o A Constituição de 1946 e as Constituições Estaduais e respectivas emendas são mantidas com as modificações constantes deste Ato. Art. 2o A Constituição poderá ser emendada por iniciativa: I. dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II. do presidente da República; III. das Assembléias Legislativas dos Estados. § 1o Considerar-se-á proposta a emenda se for apresentada pela quarta parte, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, por mensagem do presidente da República, ou por mais da metade das Assembléias Legislativas dos estados, manifestando-se cada uma delas pela maioria de seus membros.

§ 3o Aprovada numa, a emenda será logo enviada à outra Câmara, para sua deliberação. Art. 3o Cabe à Câmara dos Deputados e ao presidente da República a iniciativa dos projetos de lei sobre matéria financeira.

Parágrafo único. Aos projetos oriundos dessa competência exclusiva do presidente da República não serão admitidas emendas que aumentem a despesa prevista. Art. 5o A discussão dos projetos de lei, de iniciativa do presidente da República começará na Câmara dos Deputados e sua votação deve estar concluída dentro de 45 dias, a contar do seu reconhecimento. § 1o Findo esse prazo sem deliberação, o projeto passará ao Senado com a redação originária e a revisão será discutida e votada num só turno, e deverá ser concluída no Senado Federal dentro de 45 dias. Esgotado o prazo sem deliberação, considerar-se-á aprovado o texto como proveio da Câmara dos Deputados. § 2o A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados se processará no prazo de dez dias, decorrido o qual serão tidas como aprovadas. § 3o O presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá solicitar que a apreciação do projeto se faça em 30 dias, em sessão conjunta do Congresso Nacional, na forma prevista neste artigo. § 4o Se julgar, por outro lado, que o projeto, não sendo urgente, merece maior debate pela extensão do seu texto, solicitará que a sua apreciação se faça em prazo maior, para as duas casas do Congresso. Art. 6o Os artigos 94, 98, 103 e 105 da Constituição passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 94 O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: I. Supremo Tribunal Federal; II. Tribunal Federal; de Recursos e juízes federais; III. Tribunais e juízes militares; IV. Tribunais e juízes eleitorais; V. Tribunais e juízes do trabalho.” “Art. 98 O Supremo Tribunal Federal, com sede na capital da República e jurisdição em todo o território nacional, compor-se-á de dezesseis ministros. Parágrafo único. O Tribunal funcionará em plenário e 173


dividido em três turmas de cinco ministros cada uma.” “Art. 103 O Tribunal Federal de Recursos, com sede na Capital Federal, compor-se-á de treze juizes nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, oito entre os magistrados e cinco entre advogados e membros do Ministério Público todos com os requisitos do artigo 99. Parágrafo único. O Tribunal poderá dividir-se em câmaras ou turmas. “Art. 105 Os juízes federais serão nomeados pelo presidente da República dentre cinco cidadãos indicados na forma da lei pelo Supremo Tribunal Federal. § 1o Cada Estado ou Território e bem assim o Distrito Federal constituirão de per se uma seção judicial, que terá por sede a capital respectiva. § 2o A lei fixará o número de juízes de cada seção bem como regulará o provimento dos cargos de juizes substitutos, serventuários e funcionários da Justiça. § 3o Aos juízes federais compete processar e julgar em primeira instância: a) as causas em que a União ou entidade autárquica federal for interessada como autora, ré, assistente ou opoente, exceto as de falência e acidentes de trabalho; b) as causas entre Estados estrangeiros e pessoa domiciliada no Brasil; c) as causas fundadas em tratado ou em contrato da União com Estado estrangeiro ou com organismo internacional; d) as questões de direito marítimo e de navegação, inclusive a aérea; e) os crimes políticos e os praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas, ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; f) os crimes que constituem objeto de tratado ou de convenção internacional e os praticados a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; g) os crimes contra a organização do trabalho e o exercício do direito de greve; h) os habeas corpus em matéria criminal de sua competência ou quando a coação provier de autoridade federal não subordinada a órgão superior da Justiça da União; i) os mandados de segurança contra ato de autoridade federal, excetuando os casos do art. 101. I. “i” e do art. 104, I, “b”. Art. 7o. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze juízes vitalícios, com a denominação de ministros, nomeados pelo presidente da República, dos quais quatro escolhidos dentre os generais efetivos do Exército, três dentre os oficiais generais efetivos da Armada, três dentre os oficiais generais efetivos da Aeronáutica e cinco civis. Parágrafo único. As vagas de ministros togados serão

preenchidas por brasileiros natos, maiores de 35 anos de idade, da forma seguinte: I. três por cidadãos, de notório saber jurídico e reputação ilibada, com prática forense de mais de dez anos, de livre escolha do presidente da República; II. duas por auditores e procurador geral da Justiça Militar. Art. 8o O parágrafo 1o do artigo 108 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação: “Parágrafo 1o Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares”. § 1o Competem à Justiça Militar, na forma da legislação processual, o processo e julgamento dos crimes previstos na Lei no 1802, de 5 de janeiro de 1958. § 2o A competência da Justiça Militar nos crimes referidos no parágrafo anterior, com as penas aos mesmos atribuídas, prevalecerá sobre qualquer outra estabelecida em leis ordinárias, ainda que tais crimes tenham igual definição nestas leis. § 3o Compete originalmente ao Superior Tribunal Militar processar e julgar os governadores de estado e seus secretários, nos crimes referidos no parágrafo primeiro, e aos Conselhos de Justiça nos demais casos. Art. 9o A eleição do presidente e do vice-presidente da República será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal. § 1o Os partidos inscreverão os candidatos até 5 dias antes do pleito e, em caso de morte ou impedimento insuperável de qualquer deles, poderão substituí-los até 24 horas antes da eleição. § 2o Se não for obtido o quorum na primeira votação, repetir-se-ão os escrutínios até que seja atingido, eliminando-se, sucessivamente, do rol dos candidatos, o que obtiver menos número de votos. § 3o Limitados a dois os candidatos a eleição se dará mesmo por maioria simples. Art. 10 Os vereadores não perceberão remuneração, seja a que título for. Art. 11 Os deputados às Assembléias Legislativas não podem perceber, a qualquer título, remuneração superior a dois terços da que percebem os deputados federais. Art. 12 A última alínea do parágrafo 5º do artigo 141 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação: “Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe”. Art. 13 O presidente da República poderá decretar o “estado de sítio” ou prorrogá-lo pelo prazo máximo de 180 dias, para prevenir ou reprimir a subversão da ordem interna. 174


Parágrafo único. O ato que decretar o “estado de sítio” estabelecerá as normas a que deverá obedecer a sua execução e indicará as garantias constitucionais que continuarão em vigor. Art. 14 Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por tempo certo. Parágrafo único. Ouvido o Conselho de Segurança Nacional, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos, removidos ou dispensados, ou, ainda, com os vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, desde que demonstrem incompatibilidade com os objetivos da Revolução. Art. 15 No interesse de preservar e consolidar a Revolução, o presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez (10) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais. Parágrafo único. Aos membros dos legislativos federal, estaduais e municipais que tiverem os seus mandatos cassados não serão dados substitutos determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos. Art. 16 A suspensão de direitos políticos, com base neste Ato e no art. 10 e seu parágrafo único do Ato Constitucional, de 9 de abril de 1964, além do disposto no art. 337 do Código Eleitoral e no art. 6o da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, acarreta simultaneamente: I. a cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II. a suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; III. a proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política; IV. a aplicação, quando necessária à preservação da ordem política e social, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio determinado. Art. 17 Além dos casos previstos na Constituição Federal, o presidente da República poderá decretar e fazer cumprir a intervenção federal nos estados, por prazo determinado. I. para assegurar a execução da lei federal; II. para prevenir ou reprimir a subversão da ordem. Parágrafo único. A intervenção decretada nos termos deste artigo será sem prejuízo da sua execução submetida à aprovação do Congresso Nacional. Art. 18 Ficam extintos os atuais partidos políticos e cancelados os respectivos registros.

Parágrafo único. Para a organização dos novos partidos são mantidas as exigências da lei no 4740 de 15 de julho de 1965, e suas modificações. Art. 19 Ficam excluídos as apreciação judicial: I. os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo Federal, com fundamento no Ato Institucional de 9 de abril de 1964, no presente Ato Institucional e nos atos complementares deste: II. as resoluções das Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores que hajam cassado mandatos eletivos ou declarado o impedimento de governadores, deputados, prefeitos ou vereadores, a partir de 31 de março de 1964, até a promulgação deste Ato. Art. 20 O provimento inicial dos cargos da Justiça Federal far-se-á pelo presidente da República dentre brasileiros de saber jurídico e reputação ilibada. Art. 21 Os projetos de emenda constitucional, enviados pelo presidente da República, serão apreciados em reunião do Congresso Nacional dentro de trinta (30) dias, e serão considerados aprovados quando obtiverem, em ambas as votações, a maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso. Art. 22 Somente poderão ser criados municípios novos, depois de feita prova cabal de sua viabilidade econômico-financeira, perante a Assembléia Legislativa. Art. 23 Constitui crime de responsabilidade contra a probidade na administração, a aplicação irregular, pelos prefeitos, da cota do Imposto de Renda atribuída aos municípios pela União, cabendo a iniciativa da ação penal ao Ministério Público ou a um terço dos membros da Câmara Municipal. Art. 24 O julgamento nos processos instaurados segundo a lei no 2083 de 12 de novembro de 1953, compete ao juiz de Direito que houver dirigido a instrução do processo. Parágrafo único. A prescrição da ação penal relativa aos delitos constantes dessa lei ocorrerá dois anos após a data da publicação incriminada e a da condenação no dobro do prazo em que for fixada. Art. 25 Fica estabelecido, a partir desta data, o princípio da paridade na remuneração dos servidores dos três Poderes da República, não admitida, de forma alguma, a correção monetária como privilégio de qualquer grupo ou categoria. Art. 26 A primeira eleição para presidente e vice-presidente da República será realizada em data a ser fixada pelo presidente da República e comunicada ao Congresso Nacional, a qual não poderá ultrapassar o dia 3 de outubro de 1966. Parágrafo único. Para essa eleição o atual presidente da República é inelegível. Art. 27 Ficam sem objeto os projetos de emendas e de lei enviados ao Congresso Nacional que envolvam matéria disciplinada, no todo ou em parte, pelo presente Ato. 175


Art. 28. Os atuais vereadores podem continuar a perceber remuneração até o fim do mandato, em quantia, porém, nunca superior à metade da que percebem os deputados do Estado respectivo. Art. 29. Incorpora-se definitivamente à Constituição Federal o disposto nos artigos 2o a 12o do presente Ato. Art. 30 O presidente da República poderá baixar atos complementares do presente, bem como decretos leis sobre matéria de segurança nacional. Art. 31 A decretação do recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar do presidente da República, em “estado de sítio” ou fora dele. Parágrafo único. Decretado o recesso parlamentar o poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar mediante decretos-leis, em todas as matérias previstas na Constituição e na lei orgânica. Art. 32 As normas dos artigos 3o , 4o, 5o e 25 deste Ato são extensivas aos Estados da Federação. Parágrafo único. Para os fins deste artigo as Assembléias emendarão as respectivas Constituições, no prazo de sessenta dias, findo o qual aquelas normas passarão, no que couber, a vigorar automaticamente nos Estados. Art. 33 O presente Ato Institucional vigora desde a sua publicação até 15 de março de 1967, revogadas as disposições constitucionais ou legais em contrário. Brasília, 27 de outubro de 1965; 144o da Independência e 77o a República. [Ass.] H. Castelo Branco [Extraído de Paulo Bonavides Paes de Andrade. História constitucional do Brasil. 3a ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, pp. 774-82.]

ATO INSTITUCIONAL DE N.º 5 – O AI-5 O Ato Institucional no 5, de 13 de dezembro de 1968, foi publicado durante o governo do general Artur da Costa e Silva, servindo de base jurídica ao endurecimento do regime autoritário. A partir desta data, a repressão política não teria mais freios. O AI-5 só foi revogado em 1979, no governo do general Ernesto Geisel. O presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e: Considerando que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao país um regime que, atendendo as exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, “os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende

a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria” (Preâmbulo do Ato Institucional no 1 de 9 de abril de 1964); Considerando que o governo da República, responsável pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, só não pode permitir que pessoas ou grupos antirevolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional no 2, afirmou categoricamente, que “não se disse que a Revolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido; Considerando que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar “a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução”, deveria “assegurar a continuidade da obra revolucionária” (Ato Institucional no 4, de 7 de dezembro de 1966); Considerando que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária; Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição. Resolve editar o seguinte: Ato institucional de nº 05: Art. 1 - São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições Estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional. Art. 2 - O presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da República. §1 Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios. §2 Durante o período de recesso, os senadores, os deputados federais e estaduais e os vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios. §3 Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos municípios que não possuam Tribunal de Contas será exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos. 176


Art. 3 - O presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição. Parágrafo único. Os interventores nos estados e municípios serão nomeados pelo presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos governadores ou prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixadas em lei. Art. 4 - No interesse de preservar a Revolução, o presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais. Parágrafo único. Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem os seus mandatos cassados não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos. Art. 5 - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa simultaneamente, em: I. cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II. suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; III. proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio determinado. §1 O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados. §2 As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo ministro de estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário. Art. 6 - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo. §1 O presidente da República poderá, mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou por em disponibilidade

quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregados de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço. §2 O disposto neste artigo e seu § 1o aplica-se, também, nos estados, municípios, Distrito Federal e territórios. Art. 7 - O presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo. Art. 8 - O presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido licitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. Parágrafo único. Provada a legitimidade da aquisição dos bens far-se-á a sua restituição. Art. 9 - O presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas “d” e “e” do § 2o do artigo 152 da Constituição. Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Art. 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos. Art. 12 - O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário. Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147o da Independência e 80o. da República. [Ass.] A. Costa e Silva; Luís Antônio da Gama e Silva; Augusto Hamann Rademaker Grunewald; Aurélio de Lyra Tavares; José de Magalhães Pinto; Antônio Delfim Netto; Mário David Andreazza; Ivo Arzua Pereira; Tarso Dutra; Jarbas G. Passarinho; Márcio de Souza e Mello; Leonel Miranda; José Costa Cavalcanti; Edmundo de Macedo Soares; Hélio Beltrão; Afonso de A. Lima; Carlos F. de Simas.

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Mundo pós Segunda Guerra Mundial: A VELHA ORDEM MUNDIAL GUERRA FRIA Após se unirem para derrotar as forças do eixo. Estados Unidos e União Soviética acirraram a disputa pela hegemonia no globo, dando início a Guerra Fria, um dos períodos mais tensos da história, que se estendeu do imediato pósguerra até o final dos anos 80. Ela, porém, já havia começado a se delinear em agosto de 1945, com as explosões das bombas atômicas em Hiroxima e Nagasáqui, no Japão. Com essa atitude, os Estados Unidos deram um claro alerta contra as pretensões expansionistas dos soviéticos. No ano seguinte, o ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill, em viagem aos Estados Unidos alertava: De Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático, uma cortina de Ferro foi baixada no continente europeu. Atrás dela estão as capitais dos antigos Estados da Europa Central e Oriental. Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sófia, todas essas famosas cidades e às populações a volta delas estão na esfera soviéticas e sujeitas, de uma forma ou de outra, não apenas à influência soviética, mas a um controle intenso e cada vez mais forte de Moscou. É consenso considerar 1947, no entanto, o ano em que se iniciou a Guerra Fria, quando os Estados Unidos lançaram as bases de Doutrina Truman e do Plano Marshall. Em 11 de março de 1947, o presidente Norte-americano Harry Truman fez um discurso propondo a concessão de créditos para a Grécia e a Turquia, com o objetivo de sustentar governos pró-ocidentais naqueles países. Ao proferir esse discurso, lançava a doutrina que levaria o seu nome. O pressuposto geopolítico fundamental da Doutrina Truman era a contenção do socialismo. Desenvolvido pelo então conselheiro da embaixada norte-americana em Mouscou, George F. Kennam, a idéia básica era impedir o expansionismo da União Soviética, fazendo alianças com outros países para isolá-la. Complementando a Doutrina Truman, o secretário de Estado norte-americano George C. Marshall idealizou um plano de ajuda econômica para acelerar a recuperação dos países da Europa Ocidental. Esse plano, ao consolidar as economias, capitalistas da Europa Ocidental, além de frear a influência comunista, ainda tinha como objetivo recuperar mercados para produtos e capitais norte-americanos. Para administrar e distribuir a ajuda recebida através do

plano entre países europeus ocidentais, foi constituída em 1948, a Organização Européia de Cooperação Econômica, em 1961, seu nome foi mudado para Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pois países não-europeus – Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia- foram admitidos. Além disso, seus objetivos foram ampliados. Sediada em Paris a OCDE forma o “clube dos ricos”, congregando alguns dos países mais ricos industrializados do mundo. Atualmente, depois da entrada do México em 1994, vinte e nove países compõe a OCDE. Há ainda a possibilidade de ingresso de outros países, como a Rússia e Cingapura. Assim, a OCDE tem se expandindo desde sua fundação e já não é mais composta apenas pelos países mais ricos e industrializados do mundo. Há também antigos países socialistas em transição para o capitalismo e países subdesenvolvidos, como o México e Turquia. Por outro lado Brasil e China, por exemplo, mais industrializado do que muitos membros dessa entidade, dela não faz parte. A Guerra-Fria estendeu-se até a queda de seus principais símbolos: o Muro de Berlim, em novembro de 1989; a reunificação das Alemanhas, em outubro de 1990; o desmantelamento do Pacto de Varsóvia, em abril de 1991; e a dissolução do Império soviético, em dezembro de 1991. Se ainda pairavam dúvidas de que a Guerra Fria havia chegado ao fim, com o desmembramento da União soviética elas se dissiparam completamente. O mundo da Guerra Fria foi marcado pela bipolarização de poder entre Estados Unidos e União soviética,que buscavam ampliar suas respectivas zonas de influência. Mergulharam em uma acirrada corrida armamentista, na tentativa de chegar a um equilíbrio de forças, a uma paridade bélica. Como bem definiu o cientista político francês Raymond Aron: “Guerra Fria, paz impossível, guerra improvável”. A paz era impossível porque as superpotências apresentavam, sob vários aspectos um antagonismo latente. No entanto, a guerra era improvável porque, caso ocorresse, significaria o fim de todos, sem vencedores. Em suma, o que garantiu a paz durante esse período foi a premissa da mútua destruição assegurada. Imperou a “paz armada”! Os Estados Unidos emergiram como os grandes vencedores da segunda guerra mundial. Acumularam vultosas reservas durante o conflito e mantiveram intactas suas cidades, suas propriedades agrícolas e suas indústrias. Vitoriosos, empenharam-se, então, na tarefa de reorganizar o mundo capitalista sob sua hegemonia: aumentaram suas exportações, difundiram sua tecnologia, sua cultura e sua moeda pelo mundo (ocidental é bom que se diga!). o mundo foi divido em blocos geopolíticos e ideológicos: o bloco ocidental designava os países capitalistas alinhados aos Estados Unidos; o bloco oriental tornou-se sinônimo de países socialistas, ou de economia planificada, alinhados à União Soviética. Era o conflito leste vezes oeste, marcado pelo antagonismo geopolítico-militar e ideológico-propagandístico entre os blocos liderados pelas duas superpotências.

O CASO DA VELHA ORDEM BIPOLAR 178


Desde 1989, a humanidade tem assistido perplexa a uma série de acontecimento até então impensáveis. A Queda do Muro de Berlim era um fato inimaginável, pelo menos a curto prazo, assim a reunificação da Alemanha Ocidental (RFA) e da Oriental (RDA), em 1990, dadas as disparadas políticas, sociais e econômicas que as separavam. O muro que dividia Berlim e a separação das Alemanhasuma capitalista e outra socialista_ constituíam os principais símbolos da Guerra Fria. Uma só nação seccionada pelos vencedores da guerra e, depois, dividida ao meio pela Cortina de Ferro. Essa fronteira, ao mesmo tempo que as mantinha ligadas, afastava-as. A proximidade geográfica, a mesma origem histórica e cultural realçavam ainda mais as diferenças. De um lado era a democracia pluripartidária, a hegemonia da propriedade privada e da livre iniciativa, a rica sociedade de consumo que apresentava altos índices de produtividade e elevada competitividade. Do outro lado, a ditadura do partido único, a exclusividade da propriedade estatal e da planificação centralizada, o consumo limitado e baixos índices de produtividade e de competitividade. E as diferenças políticas, econômicas, sociais e mesmo culturais entre as duas Alemanhas, com o passar d9o tempo, aprofundaram-se cada vez mais. As Alemanhas sintetizavam em dois Estados, porém numa só nação, os dois modelos políticos, econômicos e sociais antagônicos existentes no mundo. Era o capitalismo frente a frente com o socialismo. Era o modelo norte-americano frente a frente com o modelo soviético. Em julho de 1991, outro símbolo da Guerra Fria desapareceu. Reunidos em Praga, na então Tcheco-Eslováquia, representantes dos países membros do Pacto de Varsóvia formalizaram a sua dissolução. Era o fim do conflito Leste vezes Oeste. Esses pontos cardeais retomavam, assim, seu significado intrinsecamente geográfico. Finalmente, em dezembro de 1991, foi selada a desagregação geopolítica e territorial da União Soviética . era o fim do Império Vermelho, a superpotência que aterrorizava os capitalistas do mundo inteiro. Após declarar a independência da Rússia, o presidente Boris Yeltsin reuniu-se com os chefes de Estado da Ucrânia e de Belarus em Minsk, capital deste último país. Nesse encontro, foi firmado o acordo de Minsk, criando a Comunidade de Estados Independentes (CEI) em substituição à extinta União Soviética. Composta por doze ex-repúblicas soviéticas, a CEI não é um Estado, mas uma aliança de Estado Independentes.

A NOVA ORDEM MUNDIAL Desde a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, um dos assuntos mais discutidos, na imprensa e nos círculos acadêmicos, é a emergência de uma nova ordem mundial. O que acontece nessa tão falada nova ordem mundial? Quando ela se definiu e o que traz realmente de novo? A nova ordem internacional apresenta basicamente duas facetas, uma geopolítica e outra econômica. Na geopolítica, a grande mudança foi o fim da Guerra Fria e consequentemente da bipolarização de poder entre as duas superpotências . com isso, abriu-se espaço para um mundo multipolar. Onde as potências se impõem mais por seu po-

der econômico do que bélico. Na economia, o grande fato novo é o aprofundamento do processo de globalização e a formação de blocos econômicos supranacionais.

A NOVA ORDEM MULTIPOLAR Durante a Guerra Fria, num mundo bipolar, o poder estava assentado na capacidade militar das superpotências. Hoje, no mundo multipolar pós-Guerra Fria, o poder é medido pela capacidade econômica: disponibilidade de capitais, avanço tecnológico, qualificação da mão-de-obra, nível de produtividade e índices de competitividade. Esses são os novos padrões de poder e influência no mundo, que explicam a emergência recente do Japão e da Alemanha (principalmente após a reunificação) à posição de grandes potências e, ao mesmo tempo, a decadência da Rússia. Embora seja herdeira principal do poderoso arsenal nuclear soviético, o parque industrial russo é, em geral, obsoleto e pouco produtivo, e o país encontra-se mergulhado em profunda crise social, política e econômica. A China tem luz própria: possui a maior população do planeta, e, portanto, um gigantesco mercado consumidor potencial; além de numerosa mão-de-obra, muito barata, oferece facilidades para atração de capitais estrangeiros. Por isso é a economia que mais cresce no mundo atualmente, mas também enfrenta sérios problemas internos, particularmente no plano político. Assim, de longe, os países mais poderosos do mundo hoje são os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha-Tríade-, em torno dos quais vários países ainda devem orbitar por muito tempo.

GLOBALIZAÇÃO O atual processo de globalização nada mais é do que a mais recente fase da expansão capitalista. Pode-se afirmar que a globalização ora em curso está para o atual período científico-tecnológico do capitalismo como o colonialismo esteve para a sua etapa comercial ou o imperialismo para o final da fase industrial e início da financeira. Ou seja, trata-se de uma expansão que visa aumentar os mercados e, portanto, os lucros, que é o que de fato move os capitais, produtivos ou especulativos, na arena do mercado. Só que agora essa expansão- e esse é o dado novo- pode dispensar a invasão de tropas, a ocupação territorial, pode abrir mão, enfim, da guerra. Tanto é que praticamente todas as guerras atuais têm um fundo mais nacionalista do que econômico. Agora a invasão é muito mais silenciosa, sutil e eficaz. Trata-se de uma invasão bigh-tech de mercadorias, capitais, serviços, informações e pessoas. A farda agora é o terno e a gravata, pelo menos para os novos “executivos generais”. As novas armas são a agilidade e a eficiência das comunicações e do controle de dados e informações, obtidos através de satélites de comunicação, da informática (PCs,laptops, supercomputadores); dos telefones fixos e móveis; dos aparelhos de fac-símile -os fax- ou dos boeings e airbus; dos supernavios petroleiros e graneleiros e dos trens de alta velocidade. A “guerra” é travada nas bolsas de valores, de mercadorias e de futuros em todos os mercados do mundo e em to179


dos os setores imagináveis. As estratégias e táticas são traçadas nos “QGs” das grandes corporações transnacionais, nas sedes dos grandes bancos, nas corretoras de valores, etc. e influenciam países e até o mundo. Percebe-se que o jargão militar, numa analogia, adequase perfeitamente às relações capitalistas travadas hoje. Na verdade, o capitalismo sempre foi belicista, do colonialismo ao imperialismo. Atualmente, a necessidade de praticar a guerra convencional é cada vez menor. A guerra contemporânea é cada vez mais econômica e o campo de batalha é o mercado mundial, altamente globalizado. A invasão de agora muitas vezes é instantânea, on-line, vias redes mundiais de computadores, como a Globex, a Reuters Dealing ou a Internet. A Globex é uma rede eletrônica que interliga as bolsas de mercadorias e de futuros. Através dela podem-se fazer negócios em todo o mundo. A Reuters Dealing interliga todas as bolsas de valores, permitindo que milhões de negócios com ações sejam fechados em vários países ao mesmo tempo. Essas duas redes mundiais são controladas pela agência de notícias britânica Reuters, que praticamente monopoliza a informações financeiras. Para acessá-las, basta estar conectado à internet por meio de um microcomputador, uma linha telefônica e um modem. Essa rede mundial de computadores interliga arquivos individuais, empresarias e institucionais, transportando desde conversas, formais ou informais, até catálogos de produtos de empresas, passando pela mais atualizada edição da Enciclopédia Britânica ou pelo acervo complexo do Museu do Louvre, de Paris. Outra invasão típica da globalização é a dos capitais especulativos de curto prazo, conhecidos como smart money (dinheiro esperto) ou hot money (dinheiro quente), porque são extremamente ariscos e ávidos por lucratividades. Estima-se que haja em torno de treze trilhões de dólares vagando pelo sistema financeiro mundial. Essa vultosa soma de dinheiro- que em geral pertence a milhões de pequenos poupadores espalhados pelos países desenvolvidos, os quais colocam seus recursos num banco ou investem num fundo de pensão, para garantir sua futura aposentadoria- é transferida de um mercado para o outro, de um país para o outro, sempre em busca das mais altas taxas de juro e/ou de maior segurança. Os administradores desses capitais- bancos de investimento, corretoras, fundos de pensão, etc.- não estão interessados em investir na produção, que tem em retorno demorado, mas em especular, em investir no curto prazo, naqueles mercados que se mostram mais rentáveis e/ou seguros. Quando algum mercado deixa de sê-lo, como aconteceu com o México em meados da década de 90, ou com o Brasil no início de 1999, esses investimentos são rapidamente transferidos. Sobre essa revolucionária faceta da globalização, é muito ilustrativa a leitura de um trecho do artigo “O capital errante”, publicado na revista Exame: Essa massa amorfa de investimentos ganhou flexibilidade nos últimos anos, em parte devido à evolução tecnológica possibilitada pela combinação da informática com

as telecomunicações. “Esses avanços tornaram o mundo menor e, no caso do sistema financeiro, ficou mais simples transferir bilhões de dólares de um lugar para outro sem que tenha de colocar o dinheiro numa maleta”, diz Vicente Copeland, vice-presidente mundial do Gartner Group, maior empresa internacional de consultoria em tecnologia da informação, com atuação em 53 países. Amparados em sistemas de computação, softwares sofisticados e satélites de comunicação, os bancos de investimentos, as corretoras de valores e as consultorias financeiras são capazes de esparramar dezenas de bilhões de dólares em aplicações em países de que frequentemente um investidor nunca ouvira falar antes. “Dez anos atrás, se você pensasse que investir no “México poderia ser uma boa idéia, você não saberia como fazer isso”, diz william Sterling, economista do Merrill Lynch, um dos maiores bancos de investimentos do mundo. “Agora basta você discar o número do telefone de um fundo mútuo de investimento.” Como esses capitais geralmente vão embora justamente quando mais se precisa deles, podem gerar crises econômicas, como a do México, em dezembro de 1994. Ela deveuse fundamentalmente à saída desses capitais, reduzindo rápida e drasticamente as reservas mexicanas, o que provocou desequilíbrios nas contas externas do país e acentuada desvalorização do peso mexicano frente ao dólar, ou seja, uma total desarticulação da economia. Problemas políticos, envolvendo operações guerrilheiras, vieram somar-se aos desequilíbrios econômicos pelos quais o país passava, criando um ambiente de profunda instabilidade, que acabou afugentando os investidores de curto prazo. O mesmo cenário econômico se repetiu no Brasil, no início de 1999. A queda das reservas cambiais forçou o governo a desvalorizar o real, provocando uma crise econômica. Qualquer economista de bom senso prega que um país não deve depender dos capitais de curto prazo para equilibrar suas contas externas. Esse foi o erro fatal do México e do Brasil, entre outros países. Há uma faceta mais visível e mais antiga da globalização que é a invasão de mercadorias em todos os países. Com a intensitificação dos fluxos comerciais no mundo, produtos são levados e trazidos por enormes navios, trens, caminhões e aviões, que circulam por uma moderna e intrincada rede de transportes, espalhada por grandes extensões da superfície terrestre. Há assim, uma globalização do consumo, com a intensificação do comércio, que na verdade é resultante da globalização da produção. A entrada dos capitais produtivos á mais demorada porque os investimentos são de longo prazo, por isso menos suscetíveis às ocilações repentinas do mercado. Esses capitais alocam-se num território em busca de lucros, que podem ser resultantes de custos menores de produção, baixos custos dos transportes ou dos fretes, proximidades dos mercados consumidores e facilidades em driblar barreiras protecionistas. Todos esses fatores permitem a expansão dos mercados para esses capitais, gerando, portanto, maiores lucros. Como resultado de tudo isso aprofundou-se o processo de mundialização da produção, que vem ocorrendo desde o 180


final da Segunda Guerra Mundial. Houve uma transnacionalização da economia, ou seja, a expansão dos conglomerados multinacionais pelo mundo todo; filiais foram montadas em vários países, inclusive nos subdesenvolvidos. Paralelamente à globalização da produção e do consumo, ocorre a intensificação do fluxo de viajantes pelo mundo, seja a negócios, a turismo ou imigrando, e uma invasão cultural de costumes, de comportamento, de hábitos de consumo, etc. Entrelaçando todos os países, esse domínio constituí-se, pelo menos em sua forma hegemônica, de uma cultura de massas que origina principalmente nos Estados Unidos, que ainda são, de longe, a nação mais poderosa e influente do planeta. O american way of life (o modo norte-americano de viver) é difundido pelos filmes de Hollywood e enlatados da televisão, pelas notícias da CNN (Cable News Network), pelos fast-foods regados a CocaCola, músicas, etc. Entretanto, hoje temos acesso, através da imprensa e das artes, à maneira de viver, às manifestações culturais de povos de todas as partes do mundo. Percebe-se, então, que a globalização apresenta várias dimensões: econômica, social, política e cultural. Assim, esse fenômeno pode ser entendido como ma intensificação dos fluxos de mercadorias e serviços, capitais e tecnolo-

gias, informações e pessoas. Embora suas raízes remontem ao pós-guerra, a globalização é um fenômeno recente e somente se viabilizou em função dos incríveis avanços tecnológicos da Terceira Revolução Industrial, ainda em curso. Desde a década de 70, está havendo uma verdadeira revolução nas unidades de produção, nos serviços, nas administrações, nas comunicações, nos transportes, etc. Grande parte dessa revolução que afeta a vida cotidiana deve-se a uma pequena maravilha feita de silício chamada chip, que possibilitou a construção de computadores cada vez menores, mais rápidos, precisos e baratos. A revolução da informática tem facilitado o gerenciamento de dados e acelerado o fluxo de informações em escala mundial. Ao atingir o atual período científico e tecnológico, o capitalismo integrou muitos países e regiões do planeta num único sistema. Tornou o mundo praticamente sinônimo de planeta. Sim, porque quando a longa aventura da internacionalização capitalista foi iniciada, a partir das Grandes Navegações em fins do século XV, o planeta era composto por vários “mundos” – o europeu, o chinês, o indiano, o asteca, o inca, o maia

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