Agricultura Urbana: caminhos da produção do espaço saudável

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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Departamento de Arquitetura e Urbanismo

caminhos da produção do espaço saudável

Júlia Oliveira Ho Trabalho de Conclusão de Curso

Belo Horizonte Junho de 2019


Agradecimentos Primeiramente, agradeço ao Tiago Castelo Branco, professor e orientador que esteve presente durante todo desenvolvimento do trabalho e me ajudou a ampliar o conhecimento sobre o que é arquitetura e urbanismo, assim como o professor Eduardo Bittencourt. Agradeço também ao biólogo e professor André Rocha Franco por ajudar a compreender sobre a multidisciplinariedade sobre o tema agricultura urbana e por ser um parceiro nesse projeto. Ao Bira Leal, agradeço pela amizade, paciência e humor para me ajudar a ampliar os debates desse trabalho e me proporcionar uma visão mais humana sobre os temas abordados. Nas ocupações urbanas agradeço a todos os moradores da Ocupação Pátria Livre que me proporcionaram a oportunidade de convívio e discussão para entender sobre outros modos de morar. Agradeço também aos militantes do MTD, que me ensinaram muito sobre a desigualdade desta sociedade. Ao amigo Vitor Mattos, agradeço por sua contribuição no design e na diagramação do trabalho, sem ele o trabalho não seria o mesmo. Assim como, agradeço à amiga Mirelly Januzi por contribuir na correção e revisão dos textos.


Resumo Ainda que o cultivo de alimentos seja considerado por muitos uma atividade referente ao contexto rural e desconsiderada dentro da malha urbana, o ato de plantar existe e resiste nas grandes cidades por meio de seus habitantes e suas tradições. Desse modo, o trabalho desenvolvido trouxe para a discussão as possíveis relações com a agricultura urbana em Belo Horizonte e uma análise sobre a produção e reprodução do espaço urbano destinado a essas atividades. O debate sobre agricultura urbana começou a ganhar destaque no Brasil somente na década de 90 e durante essa época foi classificada como política pública em Belo Horizonte, e em 2010 como atividade para uso e ocupação do solo. Portanto, além de buscar assimilar um pouco do contexto histórico e legislativo sobre agricultura em Belo Horizonte, propõe-se como principal objetivo realizar um estudo de caso com os moradores da Ocupação Pátria Livre, a fim de analisar e criar procedimentos para uma assessoria técnica e levantamento de dados, de modo a promover conscientização sobre a soberania alimentar e o sistema agroalimentar. Por meio de oficinas, jogos e atividades, os moradores, principais agentes desse projeto, participaram das práticas com o propósito de intensificar a ecologia política incluindo a cultura e a conexão direta com a natureza promovendo melhores oportunidades para desenvolver a transformação social.


Lista de figuras Figura 1 | Ocupação Vicentão | Sexto Andar | Terraço Figura 2 | Imagem aérea Ocupação Vicentão: Sexto Andar | Terraço Figura 3: Ocupação Pátria Livre | Área Externa | Foto aérea Figura 4: Horta Diniz | Comércio de Hortaliças no Bairro Santa Inês Figura 5: Mapa de Colônias Agrícolas no entorno imediato da cidade planejada Figura 6: Horta de Quintal no Bairro Camargos Figura 7: Horta no prédio de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas - Bairro Coração Eucarístico Figura 8: Horta Comunitária - CEVAE Taquaril Figura 9: Pomar Público no Bairro Santo Antônio Figura 10: Horta para a produção comercial no Bairro Santa Lúcia Figura 11: Mapeamento das agriculturas na RMBH Figura 12: Cartilha Agroecológica - Brotos Oficina Figura 13: CEVAE Taquaril Figura 14 Tabelas produção para consumo próprio PNAD - IBGE Figura 15: Sistema Agroalimentar Figura 16: Ocupação Horizontal: Izidora 2014 Figura 17: Ocupação Vertical: Carolina Maria de Jesus, 2017 Figura 18: Ocupação Kasa Invisível – Casa 1 Figura 19: Localização Bairros Ocupação Pátria Livre – Área Externa Figura 20: Entrada – Rua Pedro Lessa, 435 - Ocupação Pátria Livre Figura 21: Planta Galpão - Ocupação Pátria Livre Figura 23: Moradias e áreas comuns Ocupação Pátria Livre Figura 22: Galpão - Ocupação Pátria Livre Figura 24: Planta Térreo Ed. Moradia- Ocupação Pátria Livre Figura 25: Símbolo Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos Figura 26: Zoneamento Ocupação Pátria Livre Figura 27: Entorno Figura 28: Imagem aérea - IAPI, Escola Estadual, Hospital Odilon Behrens e Mercado Popular da Lagoinha Figura 29: Imagem aérea UMEI Pedro Lessa e Conjunto Habitacional Programa Vila Viva Figura 30: Hortelões da Lagoinha Figura 31 Taxa de realização de afazeres domésticos - PNAD - IBGE Figura 31 Taxa de realização de afazeres domésticos (homem x mulher) - PNAD - IBGE Figura 32: Mapa Sistema Agroalimentar da Ocupação Pátria Livre Figura 33: Horta Universitária – DCBio Sustentável Figura 34: Atividade Sistema Agroalimentar – Família da Valéria Figura 35: Mapeamento da Área Externa Ocupação Pátria Livre Figura 36: Área da Reciclagem – 25/05/2019 Figura 37: Customização dos canteiros Figura 38: Pintura no Canteiro de Isopor – 25/05/2019 Figura 40: Preparação dos Canteiros – 01/06/2019 Figura 39: Preparo do Solo – 01/06/2019 Figura 41: Canteiro de Isopor – Esquema Figura 42: Apresentação das Mudas – 01/06/2019 Figura 43: Plantio das Mudas e Jogo Guerra dos alimentos – 01/06/2019 Figura 44: Primeiros Cuidados – 01/06/2019 Figura 45: Horta da Ocupação Pátria Livre – 01/06/2019

14 14 15 19 22 23 24 24 25 25 26 27 30 35 38 43 44 45 48 49 50 51 51 51 53 55 56 57 57 59 61 62 64 87 90 93 96 97 98 99 99 100 101 102 103 104


Lista de siglas e abreviações CEVAE

Centro de Vivência Agroecológica

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

RMBH

Região Metropolitana de Belo Horizonte

PBH

Prefeitura de Belo Horizonte

PNAD

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua

UMEI

Unidade Municipal de Educação Infantil

UPA

Unidade de Pronto Atendimento


Sumário 1.

2.

2.1

Introdução

Tema

Problematização

09

10

11

2.2

2.3

2.4

Primeiras

Metodologia de

Objetivos

Análises

Pesquisa

13

15

16

2.4.1

2.4.2

3

Objetivo geral

Objetivos

Fundamentação

específicos

teórica

16

17

17

3.1

3.1.1

3.1.2

Agricultura

Agricultura

Soberania alimen-

Urbana

urbana em Belo

tar e produção para

Horizonte

consumo próprio

17

21

33

3.1.4

3.2

3.3

Agroecologia

Ocupações

Microplaneja-

urbanas em Belo

mento e práticas

Horizonte

criativas

39

45

35


4.

4.1

4.2

Ocupação Pátria

Movimento das

Diagnóstico do

Livre

Trabalhadoras e

entorno

Trabalhadores

47

por Direito 52

54

4.3

4.3.1

5

Perfil do morador

Diagnóstico do

Redes de parcerias

sistema

59

62

86

5.1

6

6.1

DCBio Sustentável

Processos de

Jogo Sistema

mobilização social

Alimentar

86

88

89

6.2

6.3

6.4

Mapeamento cole-

Reciclagem e coleta

Organização dos

tivo das demandas

dos materiais para

canteiros e

da área externa

os canteiros

execução da horta

92

95

97

6.5

6.6

7

Jogo Guerra dos

Jornal da Horta

Considerações

Alimentos

104 8 Referências

108

finais

105

106



1. Introdução Durante a fase de desenvolvimento do Trabalho de Conclusão Curso, fui movida pela inquietação da presença de hortas urbanas em meu contexto familiar. Devido ao contato anterior com o rural, as tradições, experiências e conhecimentos desse campo foram sendo passadas de geração em geração até chegar na vivência urbana e na incorporação do cultivo de alimentos dentro das casas e quintais da cidade. A partir dessas percepções, a horta virou o motivo da minha pesquisa sobre a produção do espaço a fim de incluir a agricultura urbana na agenda dos movimentos e organizações sociais e das políticas públicas em geral para afirmar essas práticas na sociedade urbana. (ADIL, 2016) A agricultura é vista para muitos como atividade rural, mas vem crescendo e tomando novos caráteres dentro das cidades. Ainda que a agricultura urbana não seja uma potência para suprir as demandas alimentícias da população, é uma prática que resiste nos meios urbanos e está presente no contexto atual. A agricultura urbana, como uma prática social, indica a existência de algo que não se encaixa no pensamento que opõe a cidade ao campo e sinaliza uma possível conciliação ou articulação entre a cidade, vista como lugar de atividades não agrícolas, e agricultura, vista apenas como atividade econômica rural (COUTINHO; COSTA, 2011). (ADIL, 2016, p.22)

Desde o século XVIII o desenvolvimento urbano e o modo de produção capitalista ganharam forças e é uma situação que está presente até hoje na realidade nas cidades brasileiras. Com o aumento demográfico e a intensa urbanização das cidades, houve consequentemente a expansão das malhas urbana, de grandes construções, edificações e moradias, o que causou a diminuição da impermeabi-

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lidade dos solos urbanos e consequentemente nas áreas verdes. Tornar o solo urbano impermeável é dificultar ainda mais o desenvolvimento da agricultura urbana nas cidades, mas ao mesmo tempo possibilita a evolução de novas formas de cultivo reduzidos ao consumo próprio e a criatividade das resistências dessas práticas. O encontro da diversidade de espaços produzidos pelas práticas agroecológicas com a diversidade própria das metrópoles e dos conhecimentos nela acumulados provoca conexões ainda pouco exploradas entre a reprodução ecológicocultural de agroecossistemas; a função social e o valor de uso da terra; e a reconfiguração dos sistemas alimentares nas regiões metropolitanas (ADIL, 2016, p. 165).

A partir da concepção de analisar essas práticas agroecológicas no território urbano contemporâneo e possibilitar a ampliação da discussão ambiental sobre a apropriação de espaços ociosos na escala local, o trabalho foi desenvolvido com o intuito de amplificar procedimentos para a reprodução das práticas ligadas a agricultura urbana com a finalidade de incluir ações de ecologia política na sociedade e intensificar esse debate no planejamento urbano-ambiental das grandes cidades.

2. Tema O presente trabalho aborda dois temas importantes para a luta do direito à cidade1, a soberania alimentar e a moradia. No que se refere a soberania alimentar, visa-se reunir informações do contexto 1. Henri Lefebvre, 1968, em O direito à cidade. Para o autor, “o direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade”.

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legislativo sobre a agricultura urbana na cidade de Belo Horizonte com a intenção de compreender e analisar a dinâmica socioespacial e cultural presente no tema, de modo a fomentar mais a agricultura em um espaço urbano já consolidado, como também garantir o acesso a alimentos de qualidade. Quanto o direito à moradia, tem-se como estudo de caso a relação da agricultura urbana inserida na dinâmica de habitações multifamiliares, na busca de compreender as relações do contexto alimentar e acesso à cidade com a intenção de propor mobilizações sociais e criar procedimentos para uma assessoria técnica em hortas urbanas, de maneira a conscientizar sobre o sistema agroalimentar. Além de buscar compreender a agricultura urbana em Belo Horizonte, o trabalho tem como objetivo realizar um estudo de caso com os moradores da Ocupação Pátria Livre, a fim de abordar o assunto e assim replicar práticas sustentáveis para intensificar a ecologia incluindo a cultura e a conexão direta com a natureza promovendo melhores oportunidades para desenvolver a transformação social. Através de tecnologias sociais de mobilização social que serão realizadas com os moradores, principais agentes desse projeto, será analisado estratégias de assessorias com o intuito de engajar os moradores em práticas sustentáveis com o intuito de intensificar a ecologia política incluindo a cultura e a conexão direta com a natureza promovendo melhores oportunidades para desenvolver a transformação social.

Na atual conformação urbana das cidades, são encontrados espaços dos quais há o cultivo de alimentos e remetem as práticas da origem das cidades e que ainda é hoje uma realidade nas metrópo-

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les contemporâneas. Ao longo da história as cidades foram sujeitas a inúmeras transformações e reestruturações, são organismos vivos em constante mutações. Teve seu início em função da evolução do campo para aldeia e assim, para as cidades. A relação entre campo e cidade ainda permeia o atual contexto, visto que há uma dependência das práticas do campo, mais especificamente da produção agrícola. Portanto, as cidades necessitam do espaço de cultivo do campo, e o campo necessita do espaço de comercialização das cidades. “A cidade, centro motor desta evolução, não é só maior do que a aldeia, mas de transforma com uma velocidade muito superior. Ela assinala o tempo da nova história civil: as lentas transformações do campo (onde é produzido o excedente\0 documentam as mudanças mais raras da estrutura econômica; as rápidas transformações da cidade (onde é distribuído o excedente) mostram, ao contrário, as mudanças muito mais profundas da composição e das atividades da classe dominante, que influencia sobre toda a sociedade. Tem início a aventura da “civilização”, que corrige continuamente as suas formas provisórias.” (BENEVOLO, p.26,1980)

Esses espaços, na maioria dos casos, não recebem devida atenção, principalmente dos órgãos públicos e se tornam cada vez mais desconexos com o meio em que se encontram inseridos, o que provoca a diminuição dos hábitos da agricultura urbana nas cidades. Outro ponto em comum, é a facilidade em consumir alimentos de grandes empresas ou agricultores industriais, dos quais recebem maiores incentivos estatais associados a lógica de economia de grande escala, possibilitando preços bem mais baixos no mercado. O movimento de consumo local busca favorecer trocas inteligentes que produzem resiliência dentro das comunidades em vez de dependência em transporte e combustível para transportar alimentos que podem ser supridas localmente. Percebe-se nessas práticas nas cidades um grande potencial para inverter a situação do consumo globalizado de alimentos, que é respon-

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sável pela falta de incentivos do poder público e projetos ligados a agricultura urbana. Para isso, é importante reconhecer e analisar tais convenções a fim de promover políticas públicas e melhor infraestrutura para o mercado de venda direta, de modo que os agricultores urbanos façam de seu trabalho, financeiramente viável e reconhecido. “Se, por um lado, esses novos modos de vida assimilam a essência das formas de convivência propriamente urbanas, por outro, retêm antigas práticas provenientes de suas origens rurais, que continuam a se manifestar no vocabulário, na culinária, nas artes, na sociabilidade etc. Esse verdadeiro amálgama cultural favorece que famílias socialmente marginalizadas nas cidades, mobilizam sua inteligência criativa para desenvolver estratégias de sobrevivência ajustadas aos novos contextos de precariedade e de privação de direitos elementares aos quais estão submetidas, entre eles o de se alimentar de maneira saudável e equilibrada. A despeito de sua minúscula expressão em termo espaciais, os quintais domésticos representam verdadeiros redutos para exercício de práticas de produção alimentar ainda bastante presentes nas referências culturais dessas populações.” (MONTEIRO; MENDONÇA, 2004, p.1)

Desde o início do desenvolvimento do trabalho o objetivo foi trabalhar com a agricultura urbana em ocupações centrais, para isso foi necessário analisar os edifícios e as alternativas de plantios com a finalidade de interpretar a viabilidade de se produzir uma horta urbana. No primeiro momento, a Ocupação Vicentão, localizada no centro de Belo Horizonte, foi o estudo de caso devido a uma específica caracte-

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rística do edifício, o terraço do sexto andar, onde está presente uma área verde que possibilitaria a execução de uma horta. Infelizmente a ocupação Vicentão foi dissolvida devido a um acordo entre os movimentos envolvidos e o poder público. Durante a aproximação dos moradores, conheci o Sr. Vanderlei, um dos representantes no edifício, que me explicou a forte relação que ainda possuía pelo plantio devido ao fato de ter morado no campo e vivido na Ocupação Izidora, localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde cultivava hortaliças e plantas. Desde nossa primeira conversa foi notório o interesse em cultivar uma horta no terraço ainda que não tenha sido possível conversar com os outros moradores e dar continuidade ao projeto. Embora a Ocupação Vicentão tivesse sido dissolvida, o interesse em

Figura 1 | Ocupação Vicentão Sexto Andar | Terraço Fonte: Acervo pessoal

trabalhar e analisar outra ocupação urbana me levou a conhecer a Ocupação Pátria Livre. As características dos edifícios, ainda que não fossem similares, não foi um problema devido a extensa área externa no edifício localizado na região Noroeste, na Vila Senhor dos Passos. As ocupações se diferenciam também pelo número de pavimentos e de famílias, a Ocupação Vicentão estava ocupada em um edifício no coração do centro da cidade, com um total de 13 pavimentos e aproximadamente 80

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Figura 2 | Imagem aérea Ocupação Vicentão: Sexto Andar | Terraço Fonte: Voo Drone 23/01/2018 realizado por Tiago C.B. Lourenço


famílias, já a Pátria Livre ocupa um edifício de 5 pavimentos e abriga 11 famílias. Na imagem ao lado nota-se a pedreira ao lado direito, onde há a presença de vegetações ainda que esteja concretada e possua um declive acentuado. Já na área externa da Pátria Livre possui-se inúmeras possibilidades para reprodução de hortas em canteiros e vasos, embora a área externa seja totalmente

Figura 3: Ocupação Pátria Livre Área Externa | Foto aérea Fonte: Voo Drone 18/08/2018 realizado com Tiago C.B. Lourenço e Eduardo Gontijo

concretada, o que dificulta o plantio direto no solo.

As análises e diagnósticos desse trabalho se basearam nos dados levantados durante todo o processo de compreensão do espaço saudável e das demandas alimentares e socioespaciais dos moradores da Ocupação Pátria Livre. Sinteticamente, a pesquisa se debruçou sobre o estudo de referenciais teóricos, ampliando as perspectivas sobre Agricultura Urbana e do morar em ocupações urbanas, a fim de reproduzir intervenções de micro planejamentos atuando uma determinada escala local. Posteriormente, ainda no intuito de contextualizar e fundamentar essas reflexões, a pesquisa se debruçou sobre informações que se aplicam na região onde está

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localizada a ocupação, com o intuito de investigar as características referentes ao sistema agroalimentar. Pretende-se por fim, a ampliação da visão sobre procedimentos e possíveis engajamentos de mobilização, e para isso, propõe-se organizar relações de redes, revelar formas de organizações espaciais e compartilhar informações com os agentes envolvidos na construção da horta na ocupação.

Questão norteadora Como contribuir para a mobilização social no âmbito da agricultura urbana na Ocupação Pátria Livre através de ações agroecológicas com o intuito de promover melhoria na qualidade de vida dos moradores de acordo com suas exigências e possibilitando a execução de uma horta urbana de modo a incentivar o debate sobre soberania alimentar?

2.4 Objetivos

Desenvolver e fundamentar práticas sociais de mobilização social como instrumentos fundamentais de auxílio para a assessoria técnica em hortas urbanas na Ocupação Pátria Livre, de modo a estimular a participação dos moradores e desenvolver com eles a capacidade de decisão e entendimento do processo.

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a. captar os efeitos da agricultura urbana na dinâmica das cidades; b. diagnosticar e analisar as leis ligadas à agricultura urbana; c. compreender e caracterizar os hábitos alimentares dos moradores da ocupação a fim de conhecer e entender a demanda, tornando o projeto mais participativo com foco voltado para a necessidade dos usuários; d. investigar estratégias de concepção de hortas urbanas, diversidade de plantios e participação dos usuários; e. executar projeto de práticas agroecológicas como referência em sua categoria na intervenção em ocupações situadas em áreas urbanizadas.

3. Fundamentação teórica

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A abordagem da agricultura urbana baseia-se nas dinâmicas da natureza e nas técnicas criadas para o plantio nas cidades como forma alternativa de produção e distribuição de alimentos, que aproveita dos recursos locais disponíveis (lixo orgânico, água, espaço e etc.) para a geração de produtos de autoconsumo ou para o comércio. Oficializada pela Organização das Nações Unidas, na Agenda 30 para Desenvolvimento Sustentável – Transformando Nosso Mundo reuniu na ordem da comunidade internacional um conjunto que engloba os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A partir desses parâmetros, a agricultura urbana ainda permanece frágil quanto a sua inserção de políticas públicas, porém os ODS revelam uma posição benéfica para orientar o planejamento de estratégias para que os desafios socioecológicos da sociedade contemporânea sejam discutidos. A ambientalista e ativista paulistana Claudia Visoni, que participa de mutirões pelos hortelões em São Paulo, defende a ideia e reforça que a ato de plantar nas cidades ajuda no processo de desalienação do alimento, já que as pessoas estão se distanciando cada vez mais da natureza nas cidades e por isso emerge a necessidade de reconectar as pessoas com a origem dos alimentos e como se produz através dos recursos da natureza. O ativista e agricultor urbano Ron Finley do centro-sul de Los Angeles afirma que plantar é como imprimir o seu próprio dinheiro, não somente pelo fato de economizar e se manter saudável com alimentos orgânicos, mas também por evitar gastos e problemas ligados à saúde. Finley começou a plantar em frente à sua casa em um canteiro público devido à dificuldade em encontrar alimentos saudáveis próximo a região onde residia. Segundo ele, as pessoas estavam adoecendo e morrendo por doenças que poderiam ser evitadas e tratadas através de uma alimentação saudável e natural, e é por isso que a partir do

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momento em que tantas pessoas sofrem dos mesmos problemas de saúde, passa a ser um problema de políticas públicas. Nas cidades é possível comprar alimentos industrializados e infestados de agrotóxicos em um raio de 2km, mas para acessar alimentos orgânicos é preciso percorrer maiores distâncias onde muitas vezes as pessoas não possuem acesso e conhecimento sobre esses alimentos agroecológicos. Essa situação é agravada principalmente nas áreas centrais, onde são áreas mais adensadas e com taxas de permeabilidade do solo menores. Nos bairros periféricos ou semi-periféricos as possibilidades de acesso a produtos orgânicos são maiores pois estão presente um maior número de produtores locais e a tradição de pessoas que cultivam hortaliças em seus quintais são mais resistentes, visto que as tipologias nesses bairros consistem em casas e edificações menos verticalizadas. Nos limites periféricos da regional leste de Belo Horizonte se encontra o bairro Santa Inês, onde existem grandes hortas próximo à estação de metrô, que vendem sua produção todos os dias. Atualmente o lugar se encontra ameaçado em consequência da implantação da VIA 710, que seguramente ocasio-

Figura 4: Horta Diniz | Comércio de Hortaliças no Bairro Santa Inês Fonte: Brasil De Fato. Disponível em: <https://www.brasildefato. com.br/2018/03/28/horta-urbana-e-sucessoem-belo-horizonte-mg/>

nará mudanças na dinâmica local, além da diminuição de grandes terrenos com essas atividades em virtude de sua capacidade de se manter. A prática do consumo de produtos locais, chama a atenção pelas consequências para o meio ambiente e a saúde, com o propósito de causar menores impactos para o consumo globalizado, como também social e econômico. O ambientalista inglês Rob Hopkins,

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criador da organização Cidades em Transição, desenvolve projetos em comunidades, bairros e cidades a fim de enfrentar os desafios do consumo, começando localmente e afirma: “Trocas entre nações ainda serão bem-vindas, mas devemos começar a desenvolver uma situação em que as nossas principais necessidades sejam supridas localmente. Comida é um dos pontos mais sensíveis para começar a reconstruir comunidades resilientes, mas materiais de construção, tecidos, madeira e energia estão logo atrás.” (HOPKINS, Rob)

Ainda que o Brasil seja um dos maiores exportadores de alimentos do mundo, a importação de produtos básicos e alimentícios é uma realidade. Por exemplo, nos supermercados encontramos frutas, vegetais, peixes, carnes, entre outros, importados de outros países ou de grandes produtores brasileiros da monocultura, ao invés de encontrarmos frutas da estação produzidas na região. Isso implica em outras inúmeras outras questões como a dependência do transporte e do combustível para percorrer longas distâncias. O estímulo que o movimento do consumo local propõe de consumir de produtores próximos à sua comunidade, envolve outras questões que promovem ações sustentáveis de circuito curto, ou seja, encurta distâncias físicas no processo de transporte, gerando menos poluentes, desenvolvendo a economia local, resgatando a memória regional e os antigos saberes do plantio respeitando os limites dos recursos da natureza, o que resulta em uma resiliência ambiental. Esse comportamento tem impacto positivo na geração de empregos, na redução da pobreza e dos gases poluentes produzidos pelos automóveis. Comunidades mais desfavorecidas são as primeiras a sentir o efeito dos preços dos produtos e combustíveis, portanto, trabalhar através da subsistência sustentável com apoio de assessorias e redes de aprendizados desenvolve a econômica local, reconecta as pessoas com a natureza e promove a desalienação do sistema de consumo imposto pela sociedade.

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Belo Horizonte acarreta em sua história o planejamento e o desenho prévio de sua formação, e se difere da maioria das cidades que surgiram de modos espontâneos. Durante o planejamento da cidade foram estabelecidas áreas rurais periféricas destinadas a produção agrícola com o objetivo de produzir alimentos para capital. Essas áreas eram denominadas como Colônias Agrícolas e localizavam-se fora das áreas urbanizadas. Ainda que a histografia indique a existência dessas áreas, o projeto não estava inserido na Comissão Construtora da Nova Capital e aponta que houve alterações do uso da terra nessas regiões periféricas, até então compreendida como “áreas transitórias” entre a espacialidade urbana e rural, fora da Avenida do Contorno. “De fato, a historiografia menciona a criação de cinco colônias agrícolas nos subúrbios da nova capital. Acolhendo imigrantes europeus e agricultores brasileiros, essas colônias formariam em volta da nova cidade um cinturão verde, onde seriam produzidos alimentos para a população urbana. Assim, essas colônias seriam estabelecimentos rurais, nos quais grupos de pessoas, sempre forasteiros, se fixariam com o objetivo de cultivar o solo e povoar a região em torno da nova capital. Porém, não fica claro por que esses espaços rurais, voltados para o cultivo da terra, ocuparam, em lugar tão próximo às áreas centrais da nova cidade, extensas faixas lançadas sobre terrenos a princípio pensados como bairros suburbanos.” (AGUIAR,2006)

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Embora tenha sido determinado o uso da terra dessas regiões para a produção agrícola, o planejamento dessas colônias não contava com o rápido crescimento demográfico e o processo de industrialização, que resultou na ocupação dessas áreas para outros fins, e foi rapidamente ocupada após a década de 40. Essas colônias foram posicionadas como um cinturão verde para abastecer a demanda alimentar da cidade, mas aconteceram sem a devida infraestrutura além da falta de políticas e investimentos públicos. Apesar de terem sido dissolvidas e implementadas ao setor “suburbano”, a resistência dessas colônias se demonstra com a presença do cultivo de alimentos, ainda que fossem em uma menor proporção, nas casas, quintais e lotes, e é ainda uma realidade nos tempos atuais.

Figura 5: Mapa de Colônias Agrícolas no entorno imediato da cidade planejada Fonte: MINAS GERAES, 1895d; PANORAMA, 1997, p.42.

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O cultivo de alimentos dentro da cidade de Belo Horizonte permeia desde então de diversas formas e se identificam com o plantio de alimentos dentro do contexto urbanos, sejam elas dentro das residências, quintais, lotes vagos, instituições de ensino, hospitais, espaços públicos, hortas comunitárias e comerciais. Essas hortas que existem e resistem na cidade expressam um pouco da relação de dependência mútua da cidade e do campo em diferentes contextos socioespaciais. A dinâmica da agricultura urbana se intensifica nos limites da cidade e nas regiões periféricas e semi-periféricas, e desse mesmo modo ocorre em Belo Horizonte. Essas áreas sucedem uma menor densidade de ocupações do solo, o que influência diretamente nas atividades que ocorrem nesses espaços. Os mapas abaixo desenvolvidos para a Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da UFMG, da Daniela Adil, e pelo Coletivo Brotos Oficina, identificam essas áreas que exercem atividades de agricultura urbana na RMBH e afirma essa dinâmica de produção do espaço.

Figura 6: Horta de Quintal no Bairro Camargos Fonte: Acervo Pessoal, Julho de 2016

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Figura 7: Horta no prédio de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas - Bairro Coração Eucarístico Fonte: Acervo Pessoal, Maio de 2019

Figura 8: Horta Comunitária - CEVAE Taquaril Fonte: Maíra Lemos. Disponível em: < https://mairalemos.com/>

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Figura 9: Pomar Público no Bairro Santo Antônio Fonte: Maíra Lemos. Disponível em: <https://mairalemos.com/>

Figura 10: Horta para a produção comercial no Bairro Santa Lúcia Fonte: Blog Feira Fresca. Disponível em: <http://feirafresca.com.br/blog/>

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O primeiro registro da atuação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte ligados à agricultura urbana iniciou na década de 90, com a Lei Municipal n° 6.248/1992, que dispõe sobre áreas destinadas ao plantio de árvores frutíferas em parques a serem criados em projetos de parcelamento do solo urbano e dá outras providências.

Figura 11: Mapeamento das agriculturas na RMBH Fonte: Elaborado por Victor Alencar e Luisa Melgaço para o trabalho: ISTO E AQUILO: agriculturas e produção do espaço na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), 2016.

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Figura 12: Cartilha AgroecolĂłgica - Brotos Oficina Fonte: Piseagrama e Urbe Urge. DisponĂ­vel em: <https://piseagrama.org/urbeurge/>

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Art. 1º Fica o Executivo obrigado a destinar, ao exclusivo plantio de árvores frutíferas, no mínimo 5% (cinco por cento) da área total de cada parque a ser criado no Município. Parágrafo Único. São consideradas árvores frutíferas aquelas cujos frutos possam servir para consumo humano. Art. 2º Nos projetos de parcelamento do solo urbano, quando necessária a arborização de locais destinados a áreas verdes de domínio público, o plantio deverá compreender uma porcentagem de árvores frutíferas definida em laudo técnico elaborado por órgão competente. Art. 3º Após o plantio, as árvores frutíferas deverão ser identificadas com placas contendo o seu nome científico e popular, bem como a indicação do período de sua floração. Art. 4º Ao se promover o replantio de árvores que, por motivos diversos, ensejarem a necessidade de substituição, deverá ser este feito com árvores frutíferas, observando-se o percentual de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do total a ser replantado. (Redação dada pela Lei nº 7414/1997) Parágrafo Único. Os critérios para o replantio, bem como para sua distribuição nas áreas urbanas do Município, serão regulamentados pelo Executivo, por meio de seu órgão competente. (Redação dada pela Lei nº 7414/1997) Art. 5º Os frutos provenientes da produção das árvores frutíferas poderão ser utilizados pelos frequentadores dos parques e áreas verdes, ou serão destinados para outras finalidades, conforme determinação do órgão responsável.

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Em seguida, desde o ano de 1993, a Secretaria Municipal Adjunta de Abastecimento (SMAAB), atual Secretaria Municipal Adjunta de Segurança Alimentar e Nutricional (SMASAN), começou a atuar nos projetos ligados à agricultura urbana, participando no processo de acesso e direito à assistência alimentar. No ano de 1995 o programa Centro de Vivência Agroecológica (CEVAE) foi fundado e atualmente são gerenciados pelas Fundações de Parques Municipais e somam hoje um total de 5 centros comunitários espalhados pela cidade: CEVAE Serra Verde, CEVAE Capitão Eduardo, CEVAE Coqueiros, CEVAE Morro das Pedras e CEVAE Taquaril. “De acordo com a Deliberação Normativa COMAM n.° 31 de 2000 os CEVAE’s são equipamentos público-comunitários da política de meio ambiente e segurança alimentar do município de Belo Horizonte, com atuação específica em programas de intervenção socioambiental, através de ações nas áreas de educação ambiental, segurança alimentar e saúde, agroecologia, capacitação e geração alternativa de renda (BELO HORIZONTE, 2000). A criação dos CEVAE’s se deu através da formalização de um convênio entre uma agência de financiamento internacional (Fundo Life/PNUD/ONU), a PBH (através da Secretaria Municipal Adjunta de Abastecimento-SMAAB e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente-SMMA) e uma ONG de atuação local, aRede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas-REDE-MG. O convênio durou cinco anos, encerrando-se em 2001. Pelos resultados alcançados, tornou-se o marco político inicial das ações de AU em BH. O Programa CEVAE ganhou prêmios e reconhecimentos nacionais e internacionais, tornando-se uma referência em AU. Mas com o término do convênio observou-se a precarização do funcionamento. Em 2005, os CEVAE’s passaram a ser administrados pela Fundação de Parques Municipais (FPM/PBH), perdendo o caráter de gestão participativa e assumindo a concepção de parques municipais com espaços para plantio. (LOVO, 2011)” (VASCONCELOS, p.20-21, 2016)

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No dia 17 de março de 1998 entrou em vigor o Decreto 9.540/98 pela PBH, afirmando o programa “Hortas Escolares e Comunitárias” que prevê o estimulo de reproduções de hortas em espaços de uso comunitários e para famílias de baixa renda.

Figura 13: CEVAE Taquaril Fonte: Maíra Lemos. Disponível em: <https://mairalemos.com/>

Art. 1º - Fica instituído o Programa “Hortas Escolares e Comunitárias”, o qual tem como objetivo o estimulo à formação de hortas em escolas da rede municipal de ensino, e em espaços comunitários ou domiciliares para famílias que comprovadamente têm renda até 02 (dois) salários mínimos, através do cultivo de hortaliças, legumes e plantas medicinais, auxiliando na alimentação deste segmento populacional, bem como no incremento da renda familiar através do excedente.

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Art. 2º - O Programa visa proporcionar a organização comunitária, através da discussão e trocas de experiências a partir do cotidiano da horta. Parágrafo único - O programa visa orientar sobre as técnicas que permitam o planejamento, o acompanhamento e análise dos processos que envolvem a produção e comercialização, bem como a reciclagem, incentivando a reutilização de objetos descartáveis no processo da produção. Somente em 2010 foi sancionada a Lei Municipal nº 9.959/2010, alteração da lei 7.166/1996, que determina a agricultura urbana como atividade para as condições para parcelamento, uso e ocupação do solo. Após esse ano, o poder público passou a incorporar leis de apoio e incentivos ligados à agricultura urbana e em 2011, a Lei Municipal nº 10.255 foi publicada. In verbis: Art. 1º Fica instituída a Política Municipal de Apoio à Agricultura Urbana, como parte integrante da política municipal de abastecimento, em harmonia com a política urbana e voltada para a segurança alimentar e nutricional da população, em bases sustentáveis. § 1º - Para efeito desta Lei, entende-se como agricultura urbana o conjunto de atividades de cultivo de hortaliças, de plantas medicinais, de espécies frutíferas, de flores, de manejo florestal, bem como a criação de animais, a piscicultura e a produção artesanal de alimentos e bebidas para o consumo humano, a troca, a doação, a comercialização e a prestação de serviços. Logo em 2013, foi publicado o Decreto nº 15.216/13 que cria a Feira de Agricultura Urbana, a fim de ceder espaços públicos para a comercialização de produtos feitos a partir da agricultura urbana ou familiar.

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Art. 1º Fica criada a Feira de Agricultura Urbana para a comercialização direta de produtos provenientes da Agricultura Urbana (hortifrutigranjeiros, cereais, grãos, flores, produtos processados artesanalmente e produtos do manejo florestal urbano) e da agricultura rural em processo de conversão do sistema de produção convencional para a produção orgânica. Parágrafo Único - A Feira de Agricultura Urbana será realizada às sextas-feiras, das 07h às 13h, na Rua Goiás, entre a Avenida Augusto de Lima e a Rua da Bahia, no Bairro Centro. Art. 2º Serão admitidos na Feira da Agricultura Urbana os agricultores e produtores urbanos e, ainda, os agricultores e produtores rurais, em processo de conversão para a produção orgânica, incluindo suas formas organizativas. Parágrafo Único - O processo seletivo para a permissão remunerada de uso do espaço público aos feirantes será conduzido pela Secretaria Municipal Adjunta de Segurança Alimentar e Nutricional, observados os princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade, e respeitada a legislação vigente. Embora a agricultura urbana em Belo Horizonte tenha ganhado espaço nas discussões do poder público, ela ainda enfrenta limitações e a falta de regulamentações e de recursos que viabilizem novos projetos. Por essas razões, é preciso valorizar o trabalho dos agricultores urbanos que resistem na cidade e fazem do ato de plantar um ato político. “O contato com a natureza melhora a vida das pessoas. E as pessoas, que cuidam do verde, revitalizam a cidade.” (LEMOS, Maíra, Julho de 2018)

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O conceito de Soberania Alimentar remete ao direito do cidadão de definir as suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimento, que garantem o direito da alimentação saudável para toda a população, com base nos pequenos e médios produtores, respeitando a cultura local, a diversidade biocultural e a preservação do meio ambiente a fim de garantir o desenvolvimento saudável e integral da nação. “Nesta perspectiva, a noção de Soberania Alimentar incorpora várias dimensões – econômicas, sociais, políticas, culturais e ambientais –relacionadas ao direito de acesso ao alimento; à qualidade sanitária e nutricional dos alimentos, à conservação e controle da base genética do sistema alimentar2, às relações de comércio que estabelecem em torno do alimento, em todos os níveis. ” (MEIRELLES, 2004, p.1)

O debate impactado por esse conceito revela a relação que há entre alimentação e saúde, e vai além da saúde física. O ato de cultivar alimentos saudáveis se estende para a saúde mental, visto que acaba se tornando uma atividade recreativa e de lazer. Esses elementos contribuem para uma maior autonomia, autossuficiência e seguran2. PESSANHA, Lavínia. A agricultura familiar e os quatro conteúdos da segurança alimentar. Rio de Janeiro: AGORA/RIAD;REDCAPA, 1995.

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ça alimentar das famílias que praticam a produção para o autoconsumo, e pode gerar impactos positivos na diminuição de gastos com a alimentação. “O ato de plantar, mexer na terra, conversar com as plantas e animais é muito relacionado com a manutenção da saúde. Casos de melhoria de pressão alta, depressão, aumento da sociabilidade e de menor necessidade de procurar o centro de saúde são relatados. Existe também uma preocupação com o embelezamento das casas através das plantas, sejam elas ornamentais ou não. As famílias dizem que sentem melhor se a casa e os quintais estiverem cheios de plantas.” (ADIL, 2004, p.4)

As estratégias de organização e produção da agricultura urbana viabiliza a obtenção de produtos que podem ser utilizados para o autoconsumo como para a comercialização, e representa uma garantia de sustentabilidade para as produções familiares de consumo próprio em relação às unidades de produção comercial, que dependem exclusivamente das regras e demandas impostas pelo mercado. Os espaços da produção para o autoconsumo variam em função do planejamento de cada família, que leva em conta disponibilidade de terras, mão-de-obra, insumos e água. Em geral, as hortas, os pomares e a criação de pequenos animais, soltos ou abrigados em pequenas construções de madeira, localizam-se ao redor da casa para facilitar o trabalho. As famílias que dispõem de área para pastagem, com criação de algumas vacas leiteiras, podem melhorar o padrão da alimentação. A produção proveniente das hortas familiares garante grande variedade de verduras e legumes, permitindo o acesso rápido e facilitando o preparo dos alimentos. O pomar doméstico possibilita o acesso a frutas que são utilizadas tanto para consumo in natura como no preparo de sucos e doces. A criação de porcos, confinados em baias ou piquetes e alimentados com milho, mandioca e sobras

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de comidas fornece a carne, assim como a criação de galinhas, patos e codornas. A produção oriunda de lavouras, como arroz, feijão, milho e mandioca, possui área própria e também se destina ao consumo da família, sendo o excedente geralmente vendido, trocado ou doado. Nas áreas urbanas, famílias que dispõem de pequenos lotes ou têm acesso a terrenos públicos utilizam esses espaços para a produção de alimentos para o autoconsumo como forma de garantir o acesso familiar à alimentação. Essa prática – conhecida como agricultura urbana e periurbana – vem crescendo nos últimos anos e já é objeto de ações e programas públicos específicos em diversos municípios brasileiros, bem como no âmbito dos planos-diretores das cidades e das políticas municipais de segurança alimentar e nutricional. (GADELHA; MALUF, 2008, p.40)

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) levantado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a porcentagem de realização de produção para consumo próprio vem crescendo desde o 2016 na região Sudeste e todas as outras, principalmente quanto à atividade de cultivo, pesca, caça e criação de animais, variando tais atividades de acordo com a região brasileira, sendo a região sudeste a regional com taxa mais baixas devido a sua intensa ocupação urbana nos estados.

Figura 14 (próxima página): Tabelas produção para consumo próprio PNAD - IBGE Fonte: IBGE – PNAD 2018

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O comportamento da agricultura agroecológica baseia-se no processo da sucessão natural das dinâmicas da natureza, que consente na recuperação da fertilidade do solo, o cultivo sem o uso de fertilizantes e agrotóxicos e na biodiversidade. Os movimentos agroecológicos que atuam com essas atividades lutam pela valorização das sementes crioulas (sementes naturais) e do trabalhador agrícola e ao uso social da terra. Contudo, as práticas agroecológicas vão muito além de práticas de plantio, são múltiplas técnicas que integram os saberes da Agroecologia, que está ligada a três diferentes abordagens: científica, práticas agrícolas e movimentos sociais/políticos. Portanto, reúne esforços de aproximação entre conhecimento científico e não científico, ou seja, conhecimentos acadêmicos e de pesquisas e conhecimentos dos agricultores através da prática. Movimentos ambientalistas, movimentos de luta pela reforma agrária, o saber fazer dos povos tradicionais, por exemplo, são elementos que nos ajudem a entender o conceito de Agroecologia. Desse modo, para entender toda a complexidade da agroecologia, o diagrama abaixo mostra como a relação entre ciência, prática e movimentos agroecológicos constituem a sustentabilidade do sistema agroalimentar. O conjunto diversificado de entendimentos sobre Agroecologia reflete uma polissemia conceitual que precisa ser esclarecida, visto as incompreensões e controvérsias. O mau uso do termo contribui para um enorme reducionismo do seu significado e oculta a sua potencialidade em contribuir para a sustentabilidade (CAPORAL e COSTABEBER, 2002). Segundo Wezel et al. (2009) o termo Agroecologia precisa ser melhor entendido, uma vez que, em dimensões históricas e geográficas refere-se a pelo menos três abordagens distintas: 1) cientifica: a) abordagem de campo, b) ecologia de agrossistema, c) ecologia de sistema alimentares; 2) práticas agrícolas - uso da técnica para atingir objetivos; 3) movimento social e/ ou político: a) ambientalismo, b) desenvolvimento rural, c) agricultura sustentável. (PRATES JÚNIOR; CUSTÓDIO; GOMES, 2016, p.247)

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Existe ainda um grande desafio da agroecologia de alinhar esses saberes, do conhecimento científico e dos saberes populares, visto que a ciência busca generalizar e os agricultores buscam a especificação de seus conhecimentos. Embora haja a dificuldade de relacionar tais conhecimentos, a agroecologia busca abranger e aproximar

Movimentos

Práticas

Sustentabilidade do sistema agroalimentar

SISTEMA AGROALIMENTAR

Figura 15: Sistema Agroalimentar Fonte: Imagem elaborado pelo autor, 2018

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Ciência


esses diálogos a fim de compreender o sistema agroalimentar de forma menos reducionista na agenda de sustentabilidade urbana, proporcionando um pensamento ambiental crítico. O pensamento ambiental crítico contribui para que a inscrição do debate sobre a agricultura urbana na agenda da sustentabilidade urbana não represente apenas mais um discurso que oferece respostas consensuais e soluções técnicas aos problemas urbanos e não seja capturada pelo receituário para a gestão das cidades sustentáveis. Além disso, a significativa relação entre o campo agroecológico e o movimento por justiça ambiental alerta para que as agriculturas presentes nas metrópoles não sejam necessariamente interpretadas como uma virtuosidade. (ADIL, 2016, p.27)

A cidade de Belo Horizonte, planejada no final do século XIX pelo engenheiro Aarão Reis, desde a sua concepção enfrentou problemas quanto a falta de moradia para as camadas mais desfavorecidas da sociedade, inclusive a falta para aqueles que contribuíram para a sua construção. A partir deste contexto de falta de intervenções de políticas públicas de habitações, começaram a surgir as primeiras favelas e ocupações irregulares na regional centro-sul e leste. Somente na década de 40 surgiram os primeiros conjuntos habitacionais urbanos, gerados a partir do fundo de pensão vinculados a diferentes categorias profissionais e foram característicos no

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processo de urbanização das cidades brasileiras após do século XX (Singer, 1973). Nesse contexto as classes mais pobres e afetadas não eram inclusas nesses processos e é um fato que se reproduz até os dias de hoje nas políticas de habitação. Devido as pressões para o Brasil se tornar um país “moderno”, houve fortes investimentos nas cidades brasileiras após a década de 60, o que desencadeou o crescimento populacional na cidade de Belo Horizonte. Logo, os imóveis principalmente nas áreas centrais da cidade receberam um grande aumento no seu valor de mercado, o que dificultou muitas pessoas com menores condições financeiras de ter acesso à moradia, impondo-as de ocuparem áreas com piores infraestruturas e em regiões periféricas. O novo contexto fez da política habitacional uma oportunidade de acumulação de capital e restringiu ainda mais o acesso dos pobres à moradia nas grandes cidades por vias formais. Com o forte crescimento econômico e urbano do país nos anos 1960 e 1970, a situação se agravou: aumentava a demanda por terra urbana e inexistia oferta imobiliária para famílias de baixa renda. O resultado foi o crescimento de favelas e outras formas de ocupação em diversos graus de informalidade (Maricato, 1987). (LOURENÇO, 2014, p.24)

Diferentemente da formação das favelas, as ocupações exercem o planejamento prévio da área com a finalidade de produzir espaços mais democráticos, onde haja uma melhor configuração para futuramente receberem melhores infraestruturas como saneamento básico, energia, ruas e pavimentações. Outro elemento e o principal deles é o fato das ocupações buscarem sair do estado ilegal e buscarem regularização do espaço. Outra especificação importante é a distinção entre ocupações urbanas organizadas e favelas. Essas últimas resultam de processos ‘espontâneos’ e paulatinos de ocupação de terras com a finalidade de conseguir um espaço para se abrigar numa cidade que não disponibiliza meios

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institucionais para isso. Já a ocupação (organizada) é uma ação planejada e estruturada por um ou vários movimentos sociais, com discursos e finalidades que ultrapassam a questão da moradia e pretendem uma oposição política mais ampla ao status quo. Na perspectiva desses movimentos, o termo favela desqualificaria de antemão a construção da legitimidade que almejam para combater a situação ilegal – mas socialmente reconhecida – de reserva de terras ociosas. (LOURENÇO, 2014, p.32)

As ocupações urbanas em sua maioria possuem participações ativas de movimentos sociais, e surgem de modo a ressocializar cidadãos que enfrentam dificuldades para encarar os atuais problemas quanto à moradia, como o elevado preço dos aluguéis e a necessidade por instalações de políticas habitacionais que envolvam maiores parcelas da população. Dessa maneira, os espaços ocupados não são escolhidos de forma aleatória, são edificações ou grandes áreas que não estão cumprindo seu papel social durante um determinado período, em sua maioria estão abandonadas, onde muitas vezes os donos dos imóveis estão devendo quantidades expressivas de impostos para as instituições do Estado. Além do apoio de movimentos sociais e políticos, as ocupações recebem a assessoria de profissionais da produção do espaço e do Direito a fim de consolidar e exercer a vivência do direito à cidade¹. As instituições de ensino possuem um papel importante, pois também desenvolvem projetos e pesquisas relacionadas ao tema. Em todas as ocupações, movimentos sociais e moradores entraram em contato com profissionais de arquitetura, urbanismo e engenharia à procura de apoio técnico para a elaboração de planos e projetos. (LOURENÇO, 2014, p.17)

O papel da arquitetura e do urbanismo na luta pela moradia na atuação dentro das favelas e ocupações proporciona uma oportunidade de melhoria das condições de moradia, além de gerar informa-

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ções e materiais técnicos para essas pessoas. O contato com a assessorias desses profissionais fortalece a luta das ocupações, e isso gera engajamento urbanístico e técnico, o que acaba se tornando uma vantagem perante a burocracia para negociações no deferimento da reintegração de posse do lote ou área ocupada. Tais profissionais também prestam serviços que deveriam ter apoio e incentivos do poder público, de acordo com a Lei Federal 11.888/2008, que assegura às famílias de baixa renda a assistência técnica pública e gratuita para projetos e construções de habitação de interesse social. “Art. 1o Esta Lei assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, como parte integrante do direito social à moradia previsto no art. 6o da Constituição Federal, e consoante o especificado na alínea r do inciso V do caput do art. 4o da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Art. 2o As famílias com renda mensal de até 3 (três) salários mínimos, residentes em áreas urbanas ou rurais, têm o direito à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social para sua própria moradia. Art. 3o A garantia do direito previsto no art. 2o desta Lei deve ser efetivada mediante o apoio financeiro da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para a execução de serviços permanentes e gratuitos de assistência técnica nas áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia” Para essa discussão, é importante mencionar a diferentes características que as ocupações urbanas na RMBH assumem, como

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também destacar as distintas dinâmicas, não somente pelo espaço físico, mas também por suas organizações. As ocupações horizontais normalmente ocupam grandes terrenos vazios em regiões mais distantes dos centros urbanos e participam de todo o processo de produção do espaço urbano, desde a construção das moradias, loteamentos, planejamento e da autogestão do local. Já as ocupações verticais são movimentos que acontecem em edificações já existentes em áreas mais centrais. Em todos esses modelos de ocupações, acontece o processo da auto-

Figura 16: Ocupação Horizontal: Izidora 2014 Fonte: Facebook Resiste Izidora. Disponível em: <https://www.facebook.com/resisteizidora/photos/>

gestão, porém de formas distintas. Nas ocupações verticais, a gestão do espaço está voltada para reformas das edificações de forma a buscar melhorias para os moradores de forma democrática, já que muitas vezes esses edifícios possuem características do setor comercial e precisam ser repensados para atender à demanda da habitação dos indivíduos.

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O grande diferencial entre essas ocupações se dá pelo fato de estarem inseridas em áreas completamente urbanizadas onde já possuem toda a infraestrutura de bairro, como ruas e passeios já pavimentados, água, luz e saneamento básico. Ainda que haja essa infraestrutura local, os moradores encontram dificuldades de acessar esses serviços devido à falta de reconhecimento de um endereço válido para os órgãos públicos, assim como nas ocupações horizontais.

Figura 17: Ocupação Vertical: Carolina Maria de Jesus, 2017 Fonte: Bhaz. Disponível em: <https://bhaz.com.br/2017/09/18/ ocupacao-carolina-jesus-bh/>

Há ainda as ocupações centrais que se localizam no hipercentro da RMBH, que assumem caráteres distintos e variam de edifícios comerciais a casas residenciais como por exemplo, a Ocupação Kasa Invisível, que ocupa atualmente três casas residenciais próximo ao Mercado Central de Belo Horizonte.

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Existe uma característica em comum em todas essas ocupações, que é a presença de espaços coletivos para receber os agentes que estão envolvidos no processo e o público externo. Normalmente são nesses locais em que acontecem as assembleias e reuniões para a discussão do planejamento e gestão da ocupação. Em algumas ocupações ainda acontecem eventos culturais, educativos, oficinas, entre outras atividades nessas áreas de uso coletivo. Figura 18: Ocupação Kasa Invisível – Casa 1 Fonte: Facebook Kasa Invisível. Disponível em: <https://www.facebook.com/ kasainvisivel/photos/>

O micro planejamento urbano consiste em ações experimentais de planejamentos alternativos que são emergidos pelos meios urbanos. As estratégias dessas intervenções acontecem em uma escala urba-

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na local, como bairros, residências coletivas, praças, entre outros. Providenciar um planejamento nesses espaços, ainda que sejam em uma escala reduzida, exige estudos e análises com o intuito de visualizar novas potencialidades e promover uma leitura menos homogeneizada do espaço. “Se definimos o arquitetônico como um espaço aberto à intervenção e, se entendemos o arquiteto como todo aquele que age em seu ambiente, apontamos para a possibilidade de uma outra investigação da cidade e para outra forma de se planejar o urbano. Aceitamos a cidade real, como um produto de decisões políticas, projetos e vontades coletivas e pessoais e acreditamos existir nessa cidade enorme potencial para reorganização, rearticulação, recodificação. Indicamos a tarefa de mapear os campos com abertura e capacidade para receber novos objetos que estimulem relações e, por fim, apontamos para a necessidade de entender e propor mecanismos coerentes aos campos e potencial identificados. Chamamos essa tarefa de microplanejamento.”(ROSA, 2011, p.20)

Tem-se como propósito trabalhar em uma escala 1:1, mobilizar as pessoas envolvidas e a construção de um espaço passível de ação local. Para tal, propõe-se a utilização de práticas urbanas criativas, a fim de atender as intenções de provocar a mudança de hábitos dos moradores e daqueles que habitam e participam da dinâmica desses ambientes, com o objetivo de gerar uma ressignificação para o local e a melhoria na qualidade de vida. “[...] As práticas urbanas criativas organizam lugares para o encontro – pontos de contato que resistem à desertificação e espaços coletivos de qualidade. ” “Jardins comunitários esverdeiam a paisagem de tijolos vermelhos no extremo leste da cidade; um parquinho e um centro de artes ocupam o centro de uma densa favela; uma escola de boxe e academia de ginástica instalada sob

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um viaduto oferecem atividades esportivas na rota de percurso diário; um jovem artista estimula o uso coletivo do espaço comum através de sua residência em diferentes favelas; um cinema a céu aberto um terreno vazio leva atividades culturais a uma vizinhança isolada; navegação e iniciativas de arte chamam atenção para um rio poluído; um programa de reciclagem une uma comunidade carente de infraestrutura básica; um banco improvisado sob uma árvore serve de lugar para o encontro à beira de um córrego.” (ROSA, 2011, p.16)

Através de soluções arquitetônicas, das práticas urbanas criativas e de novas conexões e redes estratégicas, fomenta-se o micro planejamento e o alia com novas ferramentas capazes de incluir realidades urbanas emergentes na sociedade de forma sustentável em um campo de ação e prática. “[...] A cidade vivida – que corresponde a essa ‘outra cidade’ escondida, ocultada, apagada ou tornada opaca por todas essas estratégias de marketing que criam imagens urbanas pacificadas e consensuais – existe e resiste por trás de todos os cartões postais de cidades espetaculares contemporâneas, e a sua experiência pode ser vista como uma forma de resistência ao processo de espetacularização. [...]” ( JACQUES, 2011, p.168)

4. Ocupação Pátria Livre A Ocupação Pátria Livre surgiu pelo direito à moradia no dia 7 de setembro de 2017, data do Feriado Nacional do Dia da Independência do Brasil, e foi nomeada em homenagem a esse dia, na Pedreira Prado Lopes.

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O nome surgiu devido a data, 7 de setembro, como uma forma de ressignificar e trazer que queremos, uma Pátria Livre, livre do colonialismo, da exploração e do atropelamento ao imperialismo estadunidense. (MORENO, Vinícius, 2019, Militante do MTD)

O primeiro ato, definido pela entrada dos ocupantes no imóvel, foi organizado pelo Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direito (MTD) e contou com o apoio de outros movimentos como Levante Popular da Juventude e Frente Brasil Popular, além do auxílio de cerca de 70 famílias. A ação também contou com o apoio do canal jornalístico Mídia Ninja que fez a transmissão ao vivo onde foi publicada nas redes sociais, YouTube e Facebook. Segundo os moradores e militantes, houve repressão policial injustamente pois não havia a ordem judicial da reintegração de posse ou flagrante de invasão, mas a situação foi revertida com a ajuda dos movimentos sociais e moradores da Pedreira Prado Lopes.

Venda Nova Norte Nordeste

Pampulha

Noroeste

Leste Pedreira São Cristóvão Prado Lopes

Centro-Sul Oeste

Santo André Senhor dos Passos

Lagoinha

Barreiro

0m 0km

500m

5km

Belo Horizonte

Minas Gerais

0km

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250km

Figura 19: Localização Bairros Ocupação Pátria Livre – Área Externa Fonte: Acervo Pessoal – Abril de 2019


Localizada na Rua Pedro Lessa, nº 435, região noroeste de Belo Horizonte, a ocupação fica entre o encontro de cinco bairros, Vila Senhor dos Passos, Pedreira Prado Lopes, Santo André, São Cristóvão e Lagoinha. Ainda que esteja localizado na Vila Senhor dos Passos, os moradores identificam como Pedreira.

Figura 20: Entrada – Rua Pedro Lessa, 435 - Ocupação Pátria Livre Fonte: Acervo Pessoal – Março de 2019

O edifício ocupado já estava abandonado em média há 25 anos e antigamente funcionava uma empresa de telecomunicações que declarou falência e desde então, o antigo proprietário acumulou dívidas com o município. Aproximadamente 13 anos atrás, o terreno foi leiloado pela Caixa Econômica Federal e continuou em desuso. O atual proprietário do imóvel o adquiriu em um valor 10 vezes mais baixo que o valor proposto na época de sua compra. Durante esse período, uma pequena parcela do lote foi ocupada por uma senhora que até hoje utiliza como moradia. Alguns anos atrás o galpão principal foi utilizado como Igreja de forma irregular,

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mas pouco tempo depois foi desocupado, onde toda a área externa e do galpão virou um foco de animais transmissores de doenças, como ratos, escorpiões e o mosquito Aedes Aegypti, tornando-se um problema de saúde pública. A ocupação conta hoje com duas edificações importantes e com diferentes funções. O galpão que se encontra na Rua Pedro Lessa, gerenciado pelo MTD, é onde acontece as reuniões quinzenais com os moradores e militantes, e também onde acontecem as atividades e oficinas semanais, os eventos culturais e os ensaios de bloco de carnaval durante o mês de janeiro e fevereiro. O militante Vinícius possui um papel importante para o galpão visto que fica encarregado das discussões referentes a ele e organiza os eventos culturais.

Figura 21: Planta Galpão - Ocupação Pátria Livre Fonte: Elaborado por Andreza Mayr, 2018

A edificação destinada às moradias possui seis pavimentos, sendo o primeiro destinado às áreas comuns como cozinha e sala e os outros quatro destinados às moradias. Atualmente, estão presentes onze famílias residentes e são os próprios moradores que gerenciam o espaço, com a ajuda do MTD e a participação de assessorias técnicas voluntárias de arquitetos e urbanistas, engenheiros elétricos, advogados, entre outros.

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Figura 22: Galpão - Ocupação Pátria Livre Fonte: Acervo Pessoal – Março de 2019

Figura 23: Moradias e áreas comuns Ocupação Pátria Livre Fonte: Acervo Pessoal – Março de 2019

Figura 24 (acima): Planta Térreo Ed. Moradia- Ocupação Pátria Livre Fonte: Acervo Pessoal – Junho de 2019

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Durante o início da organização e do planejamento das alterações das divisões internas dos pavimentos superiores do edifício designado às moradias, a ocupação contou com a assessoria técnica a priori de um casal de arquitetos, Giovana e René, que auxiliaram nas divisões internas das moradias e na cozinha coletiva. Em seguida, do Engenheiro Civil Válter e o Engenheiro Elétrico Vinícius, que realizaram o planejamento elétrico. Por conseguinte, as Arquitetas e Urbanistas, Luiza Gaillac e Andreza Mayr auxiliaram também na assessoria técnica da Ocupação. Atualmente o movimento está no processo de entrevistas individuais com as famílias no intuito de fazer alterações no layout das divisórias das moradias e consequentemente a modificação dos tamanhos dos apartamentos. A reestruturação do edifício é um processo em que se gasta tempo e dinheiro, e por isso na fase do planejamento e da elaboração de projetos é importante envolver todos os moradores para que as decisões coletivas ocorram de forma democrática

Como mencionado, a maioria das ocupações urbanas contam com a presença de movimentos sociais, no caso da Pátria Livre, o grupo presente é o Movimento Das Trabalhadoras E Trabalhadores Por Direito (MTD), de categoria rururbano, atua na Pedreira Prado Lopes desde 2013.

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O MTD iniciou os seus trabalhos no ano 2000 com quatro pautas centrais: direito ao trabalho, moradia, questões de gênero e raça (feminismo e negritude) e a soberania alimentar. Somente em abril de 2015, surgiu o nome do movimento e tornou-se uma organização com atuação nacional e atualmente conta com uma média de 8 mil pessoas em onze estados brasileiros e conta com Figura 25: Símbolo Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos Fonte: Documento Interno MTD

a aliança de outros movimentos que auxiliam nas pautas como, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

o Movimento Atingidos por Barragens (MBA), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Levante Popular da Juventude. Em 2006 houve a primeira atuação em Minas Gerais e hoje atua em duas cidades no estado, em Montes Claros e na capital com a Ocupação Pátria Livre. Segundo o Vinícius, militante do MTD entrevistado, as pautas que mais geraram impactos até hoje são a luta pela moradia e do direito ao trabalho. O movimento possui agendas de pauta locais, regionais e nacional, se organizam em grupos de base e coordenações em bairros, favelas e periferias nas grandes cidades. De maneira a garantir os direitos das classes trabalhadoras, o movimento propõe atividades com o objetivo de garantir essa luta de diferentes formas como ocupações, eventos culturais, participação nas manifestações, grupos de discussões, atividades de denúncias, entre outras. A formação dos militantes, atuantes e moradores das ocupações do movimento, propõe garantir o debate e trazer discussões sobre os

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problemas encontrados nas cidades como a falta de acesso à moradia, ao transporte público, creches, saúde e educação de qualidade, como também o descaso político e a luta por maior participação do povo na decisão de políticas públicas, de forma democrática e justa. (Brasil de Fato, 2018) O papel do movimento com as ocupações, bairros e favelas é influente, pois além de trazer a discussão política e social e a educação popular, também auxilia na organização e na gestão de forma a promover maior consciência, autonomia e participação dos moradores na luta. “A ocupação urbana é tida por eles como uma ação política de massas ou um trabalho de base. Na prática da ocupação pretendem promover a formação política das camadas excluídas do direito à cidade, esperando que a experiência vivenciada no embate com a ordem estabelecida faça surgir uma consciência da própria condição de excluído. ” (LOURENÇO, 2014, p.81)

Como foi apontado, o movimento conta igualmente com o apoio de militantes e advogados que dão orientações no processo jurídico de regularização das ocupações e reivindicação dos direitos ao povo que são garantidos na Constituição Federal.

Com a finalidade de realizar um diagnóstico geral da área próxima à Ocupação Pátria Livre, foi elaborado um mapa do entorno apontando os equipamentos que causam impactos para análise da região

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e para os moradores de acordo com a dinâmica vivenciada por eles. A ocupação está inserida dentro da área de Zoneamento Especial de Interesse Social (ZEIS) de acordo com mapa abaixo, mas atualmente para o poder público, ela se encontra na situação de Zoneamento de Adensamento Restrito – 2 (ZAR-2) devido ao seu antigo caráter de edifício comercial. Os advogados do MTD visam a alteração do zoneamento em favor da luta pela moradia e a promoção de políticas habitacionais, tal argumento é um ponto positivo para a articulação

Figura 26: Zoneamento Ocupação Pátria Livre Fonte: Acervo PBH

na discussão na mesa de negociações de deferimento da reintegração de posse do imóvel. São ZEISs as regiões edificadas, em que o Executivo tenha implantado conjuntos habitacionais de interesse social ou que tenham sido ocupadas de forma espontânea, nas quais há interesse público em ordenar a ocupação por meio de implantação de programas habitacionais de urbanização e regularização fundiária,

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urbanística e jurídica, subdividindo-se essas regiões nas seguintes categorias: (Redação dada pela Lei nº 9959/2010) I - ZEISs-1, regiões ocupadas desordenadamente por população de baixa renda, nas quais existe interesse público em promover programas habitacionais de urbanização e regularização fundiária, urbanística e jurídica, visando à promoção da melhoria da qualidade de vida de seus habitantes e à sua integração à malha urbana; (Redação dada pela Lei nº 9959/2010) II - ZEISs-3, regiões edificadas em que o Executivo tenha implantado conjuntos habitacionais de interesse social. (Redação dada pela Lei nº 9959/2010) Figura 27: Entorno Fonte: acervo pessoal

Legenda 1. Ocupação Pátria Livre 2. Instituições de ensino 3. UMEI 4. Campo de futebol 5. COPASA 6. UPA 7. Hospital Odilon Behrens 8. Secretaria de Segurança 9. CRAS 10. IAPI 11. Mercado da Lagoinha 12. Hortelões da Lgoinha

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4

9 2

2 3

7 1

8

6 11

5

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2

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Percebe-se a presença de uma quantidade favorável de equipamentos urbanos que atendem a população da região quanto à saúde, educação, mobilidade, entre outros. O Hospital Odilon Behres e a UPA atendem os moradores quanto ao acesso público à saúde. Já as escolas e UMEIS, equipamentos públicos de educação, atendem aos adolescentes e crianças da ocupação. A Avenida Antônio Carlos e Metrô Lagoinha atendem aos cidadãos quanto ao acesso ao transporte público, que também conta com linhas de ônibus que circulam nas vias locais.

Figura 28: Imagem aérea - IAPI, Escola Estadual, Hospital Odilon Behres e Mercado Popular da Lagoinha Fonte: Voo Drone 18/08/2018 realizado com Tiago C.B. Lourenço e Eduardo Gontijo

Figura 29: Imagem aérea UMEI Pedro Lessa e Conjunto Habitacional Programa Vila Viva Fonte: Voo Drone 18/08/2018 realizado com Tiago C.B. Lourenço e Eduardo Gontijo

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Há também a presença do Mercado da Lagoinha, que proporciona inúmeras atividades. O Centro Cultural Liberalino Alves de Oliveira, localizado dentro da edificação, fornece oficinas e atividades culturais de entretenimento e lazer para a população. Conta também com a atuação do Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CRESANS), que oferece cursos ligados à soberania alimentar, agroecologia e geração de renda através do Programa Valorizar a Gastronomia Mineira e Belorizontina Articulada às Bases da Agroecologia, e tais cursos atendem à demanda do município e não somente dos bairros locais. Através do programa Academia da Cidade, o mercado popular disponibiliza esportes e atividades físicas. Infelizmente os moradores da Pátria Livre não mantém o contato ou participam das dinâmicas sociais que ocorrem ali. Outra atividade de relevância para a agricultura urbana na região é a prática dos Hortelões da Lagoinha, em frente ao canteiro público da Av. Antônio Carlos, próximo à Rua Francisco Soucasseaux, nº 08. Considerado como um grupo de agroecologia urbana, os hortelões executaram uma horta no solo público e promovem atividades de lazer, fomentando o aprendizado, a confraternização e a promoção de ações culturais e agroecológicas. “Isso, por meio do desenvolvimento da prática do trabalho coletivo autogestionado, do estudo de tecnologias sociais sustentáveis, conscientização ambiental e alimentar e o respeito à diversidade social, étnica, cultural, de gênero e à natureza. Potencializando, assim, uma melhora na qualidade de vida na cidade, incentivando uma agricultura ambientalmente sustentável, economicamente eficiente e socialmente justa. ” (Trecho retirado da página no Facebook do Hortelões da Lagoinha)

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Figura 30: Hortelões da Lagoinha Fonte: Facebook Hortelões da Lagoinha. Disponível em: <https://www.facebook.com/horteloesdalagoinha/photos/>

Os moradores da Pátria Livre já estavam na Pedreira Prado Lopes há muitos anos e conheceram o MTD pois já exerciam atividades na comunidade e assim participaram do processo da ocupação. Devido aos altos preços dos aluguéis na região e as condições de precariedade, a ocupação surgiu como uma oportunidade de melhoria na qualidade de vida como também como uma necessidade que se tornou uma luta pela política e social pela moradia. O edifício multifamiliar conta com a forte presença e atuação das mulheres. Foi notório após as entrevistas que todos os chefes de família eram mulheres e ainda que haja homens adultos na ocupação, as decisões quanto ao espaço são tomadas principalmente pelas mulheres. Cumpre frisar que as coordenadoras da ocupação são mulheres, sendo Soraia e Leidiane responsáveis pela coordenação. Em conversa com a militante e advogada Débora Sá, foi relatado que nas atividades coletivas as mulheres desempenham a maioria das

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tarefas e poucos homens participam, inclusive nas atividades de atuação pela luta da moradia. Segundos o levantamento de dados de realização de afazeres doméstico feito pelo IGBE em 2018 pela da PNAD, as mulheres em todo o Brasil participam mais que homens nos afazeres domésticos, que inclui atividade como cuidado de pessoas, realização de trabalho voluntário, ainda que os homens exerçam mais a produção para consumo próprio.

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Figura 31 (página anterior): Taxa de realização de afazeres domésticos - PNAD - IBGE Fonte: IBGE – PNAD 2018

Um dos problemas que muitas mulheres enfrentem é a sobrecarga de atividades domésticas a serem realizadas, uma questão cultural que acompanha o histórico da sociedade, visto que são elas que se preocupam com o bem-estar e saúde da família, realizando atividades como preparar ou servir alimentos, lavar louça, cuidar da organização do domicílio, cuidar da limpeza ou manutenção de roupas e sapatos, limpar ou arrumar o domicílio, a garagem, o quintal ou o jardim e fazer as compras da casa.

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Figura 31 (página anterior): Taxa de realização de afazeres domésticos (homem x mulher) - PNAD - IBGE Fonte: IBGE – PNAD 2018

Devido ao número de mulheres atuantes na ocupação, o MTD voltou o foco de atuação do trabalho para elas. Um dos problemas que muitas delas enfrentam é a necessidade de cuidar dos filhos e da casa, o que dificulta na hora de encontrar um trabalho fora de casa. Portanto nos eventos que acontecem no galpão, a maioria de mulheres se separam em grupos para realizar diferentes tarefas como a limpeza do galpão, preparação e venda de alimentos destinados aos eventos, serviços de caixa e atendimento do público externo, e com o dinheiro arrecadado pelo MTD, elas recebem o pagamento por esses serviços prestados. O diálogo para esses trabalhos se dá pelo Grupo de Trabalho com participação de alguns moradores, de maioria mulheres, da ocupação e de uma parcela de militantes, onde organizam as divisões dessas tarefas. É importante mencionar que ainda que haja a fomentação de trabalhos no galpão, os moradores relatam uma insatisfação quanto à infraestrutura do local e a falta de trocas de informações sobre o gerenciamento do espaço. Vale ressaltar que há uma maioria de crianças e adolescentes na ocupação, que agora possuem um maior acesso à cultura e educação visto que ocorrem atividades e oficinas de educação popular e cultura no galpão. Atualmente os adolescentes estão tomando frente do grupo de comunicação da Pátria Livre com o apoio de oficinas e reuniões organizadas pelos militantes do MTD.

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Atualmente, o sistema alimentar está configurado pelo distanciamento entre produtores e consumidores, devido ao modelo contemporâneo de produção alimentar, que atende demandas locais, regionais, nacional e internacionais, ou seja, baseia-se no lucro e na produtividade máxima. Como influência, evidencia-se a globalização da economia e o estilo de vida urbano que expressa o forte consumo de alimentos industrializados. Portanto, para analisar esses dados quanto aos moradores e comércios da região, foram criadas dinâmicas e mapeamentos voltados para o entendimento dessa situação. Visto que o trabalho proposto é a execução de uma horta dentro da Ocupação Pátria Livre, validou-se o diagnóstico voltado para a compreensão dos hábitos alimentares dos moradores, através de um mapeamento dos empreendimentos que eles têm acesso e aqueles que são frequentados por eles. Para isso, foram realizadas entrevistas individualmente com cada família com o intuito de levantar dados dos hábitos para enfim qualificar os alimentos dos quais os moradores possuem interesse em cultivar. No primeiro momento, foi feito um levantamento dos empreendimentos e comércios informais voltados para alimentação na região, como sacolões, padarias, açougues, mercearias, supermercados e caminhões que passam pelo bairro vendendo alimentos. Coincidentemente, os moradores só consumiam de comércios próximos à ocupação nos bairros vizinhos, sendo eles bairro Santo André e bairro Lagoinha. De acordo com esse primeiro levantamento e entrevistas com os donos e trabalhadores dos estabelecimentos, foi esclarecido algumas questões específicas. Um exemplo são os supermercados e sacolões da região que são abastecidos pelas Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (CEASA) em Contagem, do qual comercializa em média de 41% de hortigranjeiro da RMBH, onde conta com empresas e agricultores rurais cadastrados como fornecedores. Esses fornece-

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Figura 32: Mapa Sistema Agroalimentar da Ocupação Pátria Livre Fonte: Elaboração própria

Supermercado

Açougue

Ocupação Pátria Livre

Sacolão


Padaria e mercearia

Mercado da Lagoinha


dores tendem a produzir alimentos para suprir a demanda estadual, portanto muitos deles utilizam a monocultura como sistema de produção em larga escala e a utilização de agrotóxicos a fim de atender a demanda de alimentos no estado. O trajeto percorrido para esses estabelecimentos não ultrapassa a distância de 2 quilômetros, mas esses alimentos comercializados na região não garantem o acesso de um alimento saudável e livre de pesticidas. Foi possível notar ainda a ausência de agricultores urbanos locais na região, visto que não há a presença de feiras e atividades de comércios agroecológicos e por isso o acesso aos alimentos fica restrito aos sacolões e supermercados, que fortalecem grandes produtores de outras cidades e que atendem uma demanda não apenas local. A presença de pequenos agricultores nessa região se encontra nos quintais das casas e atendem uma demanda de consumo próprio. Há também atividades do comércio informal na Pedreira através de caminhões que fazem a venda de hortaliças e ovos. Normalmente são pessoas que possuem contato com agricultores de outras cidades, mas que atendem uma demanda menor, e rodam pelos bairros mais centrais e antigos na cidade. Esse tipo de comércio revela um hábito comum de antigamente e que hoje vem perdendo força devido ao fácil acesso de encontrar comércios que estão abertos durante 12h durante os dias úteis da semana. Ainda que eles exerçam essas atividades no bairro, os moradores não possuem o costume de consumir os produtos desses comerciantes, visto que o edifício onde estão as moradias fica mais afastado da entrada e dificulta escutar quando eles chegam, e também pelo tempo que se gasta para percorrer até a entrada na Rua Pedro Lessa. Num segundo momento, através de entrevistas individuais com as famílias, foi levantado quais são os alimentos que costumam consumir, com o intuito de compreender o que estão comendo e o que querem plantar na horta, através do Jogo do Sistema Alimentar, que será melhor detalhado no capítulo 6.

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Família da Soraia: 7 pessoas

1o pavimento

Óleos e gorduras

Laticínios

Carnes e ovos

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Leguminosas

Carboidratos

Frutas

Hortaliรงas

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Família da Neia: 4 pessoas

2o pavimento

Óleos e gorduras

Laticínios

Carnes e ovos

Leguminosas

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Carboidratos

Frutas

Hortaliรงas

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Família da Fabiana: 4 pessoas

2o pavimento

Óleos e gorduras

Laticínios

Carnes e ovos

Leguminosas

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Carboidratos

Frutas

Hortaliรงas

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Família da Valesca: 4 pessoas

3o pavimento

Óleos e gorduras

Laticínios

Carnes e ovos

Leguminosas

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Carboidratos

Frutas

Hortaliรงas

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Família da Nete: 3 pessoas

3o pavimento

Óleos e gorduras

Laticínios

Carnes e ovos

Leguminosas

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Carboidratos

Frutas

Hortaliรงas

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FamĂ­lia da Belinha: 4 pessoas

4o pavimento

Ă“leos e gorduras

LaticĂ­nios

Carnes e ovos

Leguminosas

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Carboidratos

Frutas

Hortaliรงas

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FamĂ­lia da Leidiane: 4 pessoas

4o pavimento

Ă“leos e gorduras

LaticĂ­nios

Carnes e ovos

Leguminosas

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Carboidratos

Frutas

Hortaliรงas

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Família da Carol: 4 pessoas

5o pavimento

Óleos e gorduras

Laticínios

Carnes e ovos

Leguminosas

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Carboidratos

Frutas

Hortaliรงas

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Família da Rosana: 3 pessoas

5o pavimento

Óleos e gorduras

Laticínios

Carnes e ovos

Leguminosas

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Carboidratos

Frutas

Hortaliรงas

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5. Redes de parcerias Procurar por novas oportunidades para construir parcerias criativas ajuda a desenvolver uma cultura colaborativa, encontrar elos entre projetos, criar processos abertos de tomada de decisão e elaborar eventos e atividades em conjunto, fomenta ainda mais as pessoas a fazerem conexões de grupos diversos. Para reproduzir uma horta implica-se gastos, e por isso, proporcionar oportunidades de baixo custo e redes de parcerias pode reduzir custos e garantir atividades relacionadas ao tema, de modo a gerar um debate tanto para os moradores quanto para os agentes envolvidos. Ser parte de uma rede significa que é possível promover mudanças de formas mais rápida e eficazes, aproveitando as experiências e os conhecimentos uns dos outros, de modo a desenvolver abordagens estratégicas conjuntas para cocriar soluções transversais de impacto e duradouro.

A rede de parceria para a execução desse projeto prático foi feita com o DCBio Sustentável, um projeto de extensão universitária elaborado pelo Departamento de Ciências Biológicas no ano de 2014, e é hoje composto por alunos, extensionistas, técnicos, funcionários e professores da Instituição de Ensino PUC Minas. Localizado no Campus Coração Eucarístico, o projeto tem como intuito a implementação de ações estratégicas sustentáveis condizentes com as diretrizes e metas de uma Universidade Sustentável, valorizando as boas práticas ambientais de sustentabilidade a fim

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de promover um ambiente ecologicamente correto, socialmente justo e economicamente viável, disseminando a cultura. O projeto desenvolve tecnologias sustentáveis em cinco eixos: água, biodiversidade e conservação, clima e energia, comunicação e gestão de resíduos sólidos. Para esse fim, produzem produtos orgânicos na Horta Universitária, compostagem, sementeiras de hortaliças e espécies nativas na estufa, captação de água de chuva e oficinas sensoriais.

Figura 33: Horta Universitária – DCBio Sustentável Fonte: DCBio Sustentável – Horta universitária, estufa/sementeira e composteira. Disponível em: <www.pucminas.br/cienciasbiologicas/infraestrutura/Paginas/default. aspx?dcbiosustentavelhortauniversitariaestufasementeiraecomposteira>

A Horta Universitária oferece para os alunos, funcionários e para as comunidades, trocas mensais de seus produtos por livros, agasalhos e sementes. Desse modo, em troca de doação de sementes para o projeto, foi fornecido pelo DCBio mudas, terra e esterco para a realização da horta na Ocupação Pátria Livre, além de contar com o apoio, durante o desenvolvimento e execução, do professor de Biologia André Rocha Franco, que faz parte do projeto de extensão, e prestou auxílio de assessoria técnica.

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6. Processos de mobilização social Para alcançar o objetivo da projeto, foram criados processos e práticas de mobilização social para a realização da horta na Ocupação Pátria Livre. Para tanto, o trabalho foi dividido em cinco etapas: aproximação e envolvimento com a comunidade, compreensão das demandas dos moradores, mapeamento das potencialidade e fragilidades do local, mobilização para o mutirão e por fim, a execução da horta. Planejar uma horta consiste em um processo de tomada de decisões sobre o espaço. Para que se tenha uma compreensão ampla, é importante conversar com os moradores para saber dos interesses, das possibilidades de onde inseri-la e quais alimentos plantar. Escutar as pessoas que vivem ali e envolvê-las nas etapas de planejamento e execução é essencial, pois são os moradores que conhecem o espaço, as particularidades e, principalmente, as demandas locais. Além disso, são eles que cuidarão da horta. Portanto, é primordial que participem de todo o processo. Para entender as demandas necessárias dos indivíduos que estão envolvidas nesse planejamento é importante saber quais são os hábitos alimentares e cotidianos, como também interpretar as atividades que são realizadas nesse espaço. Jogos, oficinas e atividades na comunidade foram ferramentas utilizadas para realizar o levantamento de dados, coleta e troca de informações, a promoção de discussões que estimulassem os moradores a perceberem a importância de aprenderem de formas diferentes. Utilizar dessas ferramentas como forma de aprendizado e educação quanto à produção do espaço e a soberania alimentar proporcionou para os agentes uma expansão da discussão e ampliou as possibilidades de maior compreensão sobre o assunto.

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A mobilização começa a partir do momento que se compreende as demandas dos moradores e as possibilidades de pequenas ações naquele espaço. Ressignificar um espaço degradado pode parecer difícil, mas quando se tem o apoio e incentivo de outros agentes, essa tarefa fica mais fácil e prazerosa. Mutirões de limpeza, construção dos canteiros e plantio de muda, são exemplos de ações de escala local que geram impactos positivos na intervenção de transformação espacial e social.

Para facilitar e dinamizar a compreensão dos hábitos alimentares dos moradores, foram produzidas cartas ilustradas com alimentos tradicionais que encontramos em supermercados, sacolões e açougues. A dinâmica foi realizada com cada família da ocupação e aconteceu da seguinte maneira: os integrantes da família simularia uma compra mensal e assim, escolheriam as cartas com os alimentos que consomem normalmente.

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Em seguida, de acordo com as frutas, legumes e hortaliças consumidas, houve a organização de quais desses alimentos poderiam ser plantados na horta. Como também foram incluidos alimentos que não se encontram com facilidade no mercado, como ervas e plantas utilizadas para temperos e chás.

Figura 34: Atividade Sistema Agroalimentar – Família da Valéria Fonte: Acervo Pessoal – Abril de 2019

Essa atividade mostrou ser bastante satisfatória quanto ao levantamento dos alimentos consumidos e pela participação dos moradores. A dinâmica facilitou o processo durante as entrevistas visto que para realiza-la com cada família durou cerca de 15 a 30 minutos, otimizando o tempo e melhorando a compreensão dos moradores acerca do trabalho. Outro fator importante foi o interesse das crianças em participar, transformando esse levantamento em uma atividade recreativa para elas.

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O mapeamento coletivo teve como propósito explorar a análise dos moradores quanto ao espaço externo como também identificar as atividades que os mesmos realizam no espaço. Portanto, através dessas percepções foi mapeado as potencialidades e fragilidades da área de acordo com as vivências e realidade dos moradores. A proposta teve um objetivo crucial de desenvolver composições que permeiam a relação corpo-espaço. Tais corpos em questão, vivem e percebem o espaço de formas distinta, em especial esses corpos que são tradicionalmente marginalizados nos territórios urbanos. A partir dessas percepções, surgirá questões norteadoras para simbolizar um espaço em que irá fomentar ações que alterem a paisagem do espaço e que possam provocar a construção de novas pausas e afetos. Planejar uma horta consiste num processo de tomada de decisões sobre o espaço. A participação dos moradores na etapa de planejamento e execução é de extrema importância para construção do espaço da horta a fim de entender a demanda e o cotidiano dessas pessoas. A horta será de cuidado desses indivíduos e por isso é importante inclui-las em todo o processo.

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Área “insegura”: presença de muitas pessoas


Para compreender as demandas necessárias das pessoas que estão envolvidas nesse planejamento é importante saber quais são os hábitos alimentares e cotidianos, como também compreender as atividades que são realizadas nesse espaço. Jogos, oficinas e atividades na comunidade são ferramentas que podem funcionar como levantamento de dados e discussões que estimulem os moradores a compreender a importância de aprender de formas diferentes. Figura 35: Mapeamento da Área Externa Ocupação Pátria Livre Fonte: Acervo Pessoal – Maio de 2019

Moradias

Cozinha coletiva

Ponto de Reciclagem

Água

ult

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al ur

Presença de ratos

G

Área prevista para a horta

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Um dos estímulos proposto nessa atividade foi do método de análise naturalista quanto ao estudo solar, ou seja, identificar áreas com maior e menor incidência solar com o objetivo de se pensar quais áreas atenderiam a necessidade da horta de receber pelo menos quatro horas de iluminação natural por dia. Além do sol, para cultivar uma horta são necessários alguns cuidados diários, sendo o principal a rega. Identificar onde estão os pontos de água na área externa também ajudou na definição do local da horta, de modo a gerar menores esforços físicos para se cumprir a tarefa. Os moradores que participaram da atividade exaltaram sobre a importância de realizar a horta próximo à cozinha e à sala comum com a intenção de reviver o espaço e garantir a limpeza, já que essa área atualmente estava sendo pouco utilizada. Um dos problemas que fora citado foi a permanência de lixo próximo à cozinha devido à pouca utilização do espaço. Segundo os moradores, durante a discussão, a horta no espaço escolhido traria impactos positivos para questão do lixo, pois poderia gerar um sentimento de cuidado e assim impactar na mudança de hábitos dos moradores e vizinhos. Para eles, a horta teria um potencial para ressignificar esse espaço, de modo a promover outras atividades, além de trazer vida para a comunidade e assim, a diminuição da acumulação de dejetos no local. Outro fator que os moradores enfrentam em seu dia a dia é a presença de ratos que circulam na área externa próxima à cozinha e também sobem para os andares superiores dos apartamentos. Desde as primeiras entrevistas e contato com os moradores, mencionavam sobre esse problema. Ainda que a presença dos roedores seja mais forte no fundo da ocupação e próximo à cozinha, os moradores optaram por tomar medidas alternativas para evitar os ratos e manter a horta próximo à área comum do edifício. Uma das questões ressaltadas também durante a dinâmica foi a segurança da horta. Posicioná-la próximo a entrada traria o senti-

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mento de insegurança para os moradores pois recebem muitas pessoas de fora, como também em dias de eventos a área externa fica aberta para todos. Portanto, torná-la menos visível ao público externo foi uma das contrapartidas para escolher de fato a localização da horta e dos canteiros, sendo assim, locá-la próximo ao edifício residencial facilitaria tal questão.

Após a identificação dos fatores importantes para se cultivar uma horta e o mapeamento dos problemas e potencialidades, foi decidido de fato a localização dos canteiros. De acordo também com o levantamento dos alimentos escolhidos para a horta, foi abordado como seriam esses canteiros a partir dos materiais que os moradores utilizam em seu cotidiano e que normalmente são descartados, como também materiais em que se tem maior facilidade de encontrar na comunidade. Dos materiais que encontrados como solução para vasos e canteiros, a maioria era possível encontrar dentro da Pátria Livre e também na comunidade, como: garrafas pets, caixa de leite, lata de tinta e pneus. Portanto, para garantir a coleta desses materiais, foi instalado um espaço para a depositar tais objetos de modo a facilitar para todos os moradores visualizar esses depósitos e assim cooperar. Colocamos alguns tubos de papelão logo na entrada do edifício residencial, assim, todos os moradores veriam e teriam consciência sobre a reciclagem.

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Figura 36: Área da Reciclagem – 25/05/2019 Fonte: Acervo Pessoal – Maio de 2019

Outro material que foi sugerido devido a experiências anteriores com esse tipo de cultivo, foi a utilização de caixas de isopor no uso de transporte de salmões, de fácil acesso, pois essas caixas são descartadas como lixo pelos restaurantes de comida japonesa, e se enquadra no conceito da reciclagem, como também possui um baixo custo na produção do canteiro. Foram um total de 12 pneus, uma média de 30 garrafas pets, 10 caixas de leite e 6 caixas de isopor, coletados em uma semana. Apesar do resultado positivo da coleta, não foi possível utilizar todos os materiais no primeiro momento da construção da horta devido à falta de terras e insumos para a grande quantidade de canteiros arrecadados. Devido a quantidade de caixas de isopor e pneus arrecadados, foi feita uma decisão coletiva de plantar nesses canteiros que suportam uma variedade maior de mudas a fim de utilizar o consórcio de culturas e ampliar o debate sobre a biodiversidade.

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Para a realização da atividade foi imprescindível todo o apoio e cooperação do DCBio e do Biólogo e Professor André Rocha Franco da PUC Minas, que participou dessa etapa em conjunto com os alunos da Oficina de Agricultura Urbana, do qual o André está ministrando. O trabalho coletivo e esforço de todos os moradores e alunos que participaram resultaram na construção da horta da Ocupação Pátria Livre, executada no dia 01/06/2019. Com a intenção de incluir as crianças da ocupação no processo da construção da horta, foi fornecido tintas, pincéis e rolos emprestados para que elas participassem da etapa de customização dos canteiros e assim utilizar dessa atividade recreativa como diversão e trabalho

Figura 37: Customização dos canteiros Fonte: Acervo Pessoal – Junho de 2019

voluntário simultaneamente. Inteirar as crianças sobre a reciclagem e a importância de consumir alimentos saudáveis é um papel importante na educação, visto que gera uma maior conscientização ambiental e sobre a participação na construção do espaço coletivo.

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Figura 38: Pintura no Canteiro de Isopor – 25/05/2019 Fonte: Acervo Pessoal – Maio de 2019

Após a customização dos canteiros com o apoio das crianças, foi pensado em conjunto com os moradores as soluções de espacialização desses canteiros de acordo com o mapeamento feito anteriormente e conforme a quantidade dos materiais reciclados arrecadados e a terra e mudas fornecidas pela DCBio. Em seguida foi posicionado os pneus em duas fileiras próximo à pedreira e em frente a área comum do edifício. Para garantir um melhor resultado da evolução das mudas, foi feito um preparo no solo com uma mistura de terra, esterco, serragem e folhas secas coletadas na área externa da ocupação. Um fator importante nessa etapa é garantir que essa terra esteja com menos acúmulo de pedras e se encontre em um aspecto mais “farinhento” e um pouco umedecido, portanto, foi necessário de fato colocar a mão na massa, ou melhor, mão na terra.

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Logo após, de modo a possibilitar uma melhor organização do espaço para fazer as devidas manutenções e regas desses canteiros, preenchemos os pneus foram preenchidos com a terra já preparada. Para garantir um espaço ideal para receber a horta, os moradores se mobilizaram para fazer a limpeza e manutenção da área externa, capinando o mato que estava presente, retirando o lixo e recolhendo mais folhas secas para servir como adubo para as próximas manutenções na horta.

Figura 39: Preparo do Solo – 01/06/2019 Fonte: Acervo Pessoal – Junho de 2019

Como mencionado, as caixas de isopor também foram utilizadas para o plantio e contam com uma complexidade um pouco maior para execução desse tipo de canteiro. Foi necessário a compra de materiais extras como: tubos de PVC, joelhos de PVC, durepox e tubos de alumínio. Ainda que haja uma variedade maior de materiais, todos podem ser encontrados no mercado, porém em quantidades maiores que o necessário para a produção de um canteiro. O valor dos materiais comprados de acordo com as quantidades no mercado seria de um total de quarenta e sete reais (R$ 47,00), podendo ser reutilizados os restos dos materiais para outros fins.

Figura 40: Preparação dos Canteiros – 01/06/2019 Fonte: Acervo Pessoal – Junho de 2019

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Figura 41: Canteiro de Isopor – Esquema Fonte: Acervo Pessoal – Maio de 2019

Esse tipo de canteiro é uma boa opção para área externas onde não há impermeabilidade do solo e funciona através do sistema de irrigação por capilaridade, ou seja, a terra absorve a água de baixo para cima, através do tubo interno de PVC. Para que a água atravesse o tubo, é necessário fazer alguns cortes com uma cegueta ou serrote e assim, o tubo deve ser estruturado na caixa de forma a possibilitar a entrada da água acima da terra e também a saída, portanto, o tubo de alumínio funciona como a área de escape da água do lado externa da caixa. Devido ao sistema de irrigação implantado, é possível de fazer a economia de 70% de água para a manutenção diária da horta. Após montar o canteiro, ele recebe a terra e as mudas e por fim, a serragem na última camada funciona como uma cobertura vegetal que mantém a umidade da terra e se decompõem, transformando em insumo para o solo.

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Levando em consideração o levantamento de dados do sistema alimentar dos moradores, foram selecionados os alimentos viáveis e consequentemente a curadoria das mudas em conjunto do DCBio, a fim de selecionar quais delas seriam pertinentes plantar na horta da Ocupação Pátria Livre. Conforme as mudas entregues, foi proposto uma roda de conversa para que se conhecesse mais sobre essas plantas, com a intenção de identificar suas características e informar como reproduzi-la. Foram mencionadas três formas de plantio: por sementes, por estaca (mudas) e o plantio direto do alimento, para que a informação de como replantá-la fosse de conhecimento dos moradores com o objetivo gerar autonomia para futuras manutenções.

Figura 42: Apresentação das Mudas – 01/06/2019 Fonte: Acervo Pessoal – Junho de 2019

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Após a apresentação das mudas, a roda de conversa mudou o seu rumo para o tema da biodiversidade. Os supermercados e sacolões que atendem à demanda das cidades estão cheios de alimentos com agrotóxicos e possuem uma mesma variedade de alimentos supostamente sazonais, mas que há a produção durante todo ano, se limitando ao comércio convencional e o uso de pesticidas. Conhecer e cultivar uma maior variedade de alimentos cria uma aproximação da nossa cultura local e regional e respeita o processo natural do meio ambiente. Para dar engajamento ao debate sobre a biodiversidade, o Jogo Guerra na Horta, que será melhor detalhado no próximo tópico, adveio de forma a apresentar os benefícios do consórcio de cultura tanto para os alimentos, como também para o solo. A dinâmica aconteceu com o objetivo de cooperar na organização das mudas no canteiro, para que fossem pensadas e posicionadas de forma lógica, atendendo o conceito de diversidade de culturas. Em seguida, foram plantadas as mudas de acordo com o resultado do jogo. Posteriormente ao plantio e de todo o processo de execução da horta, os moradores continuaram a organizar o espaço, emanando o sentimento de cuidado e felicidade pelo resultado alcançado. A participação e mobilização da prática permitiu a eles a inserção da

Figura 43: Plantio das Mudas e Jogo Guerra dos alimentos – 01/06/2019 Fonte: Acervo Pessoal – Junho de 2019

horta, propagando ações e articulações de modo a repensar o espaço, atuando ativamente no processo de construção e no estimulo de práticas coletivas.

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Figura 44: Primeiros Cuidados – 01/06/2019 Fonte: Acervo Pessoal – Junho de 2019

Em conversa com os moradores sobre o resultado, todos transpareceram muito positivos quanto à participação ativa na requalificação do espaço e das atividades ali executadas. Ainda que seja difícil o engajamento, boa parte das residências estavam presentes pelo menos uma pessoa de cada família para colaboração no trabalho coletivo, sendo eles de idades variadas, desde crianças, jovens, adultos e inclusive a moradora mais velha do edifício, que observou e participou das discussões. “Da outra vez que teve a horta aqui, a gente não participou na hora de montar o canteiro, o moço tava falando um tanto de coisa difícil sobre o solo que a gente não entendia e por isso a gente não gostou muito. A horta que a gente fez hoje aqui foi muito melhor porque a gente conversou sobre os alimentos, coletamos os materiais, fizemos os canteiros e colocamos a mão na terra de fato. Agora é torcer pra dar certo e pra gente conseguir aumentar ela.” (Leidiane, moradora e coordenadora da Ocupação Pátria Livre)

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Figura 45: Horta da Ocupação Pátria Livre – 01/06/2019 Fonte: Acervo Pessoal – Junho de 2019

De acordo com as plantas e mudas selecionadas para a horta, foram feitas cartas dos alimentos com informações sobre o consórcio de culturas, ou seja, quais alimentos podem ser plantados juntos e quais não podem. O objetivo do jogo foi ampliar a discussão sobre a biodiversidade e o consórcio de plantio, para se pensar na organização e na posição das mudas nos canteiros construídos.

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O jogo aconteceu da seguinte maneira: foram distribuídas 5 cartas para cada participante e assim essas cartas foram posicionadas nos canteiros de acordo com a relação de amizade ou inimizade entre eles, gerando também uma dinâmica de trocas de cartas e a organização coletiva na construção da horta.

O jornal será um material produzido para a consulta de dúvidas sobre as plantas, onde conterá informações gerais e de fácil acesso sobre a rega, necessidade de luz e manutenção da horta, com o intuito de garantir a viabilização de conhecimentos. Para tornar esse material de conteúdo relevante e colaborativo, serão coletadas receitas de cada família da ocupação de acordo com o alimento ou erva da horta selecionado, que serão incluídas no jornal. Esse material estará exposto na área comum do edifício para que estimule todos os moradores a terem consciência sobre os processos da horta e que facilite a troca de informações da organização da horta para que possam colaborar nos cuidados de alguma forma.

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7. Considerações finais Defronte com as contradições da cidade de Belo Horizonte e a compreensão da produção e reprodução das dinâmicas urbanas em uma conformação socioespacial de caráter capitalista, a agricultura urbana resiste de modo a romper com esses padrões e institucionalizar tais práticas sustentáveis a fim de possibilitar espaços saudáveis para comunidades socialmente excluídas. Embora a produção alimentar da horta não vá suprir a demanda dos moradores, ela garante a possibilidade de oferecer alimentos distintos do mercado, aumentando as noções de soberania e a diversificação alimentar. Os supermercados e sacolões que atendem à demanda das cidades estão cheios de alimentos com agrotóxicos e possuem a uma mesma variedade de alimentos supostamente sazonais produzidos durante todo ano, se limitando ao comércio convencional com o uso de pesticidas. Por isso, vale ressaltar que a horta tem um potencial que vai além do consumo dos alimentos. Ela pode ser um instrumento para o aprendizado, trocas de conhecimentos e para a transformação da relação das pessoas com o meio ambiente, gerando novas sociabilidades e estratégias coletivas de empoderamento local, de maneira a levantar questionamentos no debate sobre segurança alimentar. Como estudante de arquitetura e urbanismo, aponto minha inquietação sobre o exercício de minha profissão diante a desigualdade social e diferentes modos de morar, de tal forma que não seja somente um objeto proposto sem antes levantar um debate mais abrangente e colaborativo a fim de compreender essas distintas dinâmicas sociais, culturais e econômicas. Garantir a autonomia e a possibi-

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lidade de envolver os agentes em todas as etapas do trabalho, é com certeza o fator mais importante no desenvolvimento desse exercício para compreender de fato as demandas das pessoas que utilizam esses espaços e que elas também estejam engajadas no diálogo da produção do espaço saudável e que possam recriar e encontrar nossos significados para o local.

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8. Referências

ROSA, Marcos L. (Org.). Microplanejamento: práticas urbanas criativas - Microplanning, Urban Creative Practices. São Paulo: Editora Cultura, 2011. BENEVOLO, Leonardo. A História das Cidades Ed. Perspectiva, 2003. Ano 1980.

LOURENÇO, Tiago. Cidade Ocupada. Dissertação apresentada ao Núcleo de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015 ADIL, Daniela. ISTO E AQUILO: agriculturas e produção do espaço na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) – Belo Horizonte, 2016. VASCONCELOS, Caio Vieira. AGRICULTURA URBANA E RECURSOS HÍDRICOS: compreendendo o uso da água nas hortas comunitárias da região do barreiro, Belo Horizonte – MG – Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Gerenciamento de Recursos Hídricos, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2016

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COSTA , Daniel Matias; ROQUE, Fernando Henrique da Silva; SOUZA, Lana Marx de; DIAS, Ítalo Taylor Penha; LAUBE, Luccas; PATROCÍNIO, Winnie Parreira. AGRICULTURA URBANA NO CONTEXTO DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: A Horta Comunitária Vila Pinho – Belo Horizonte, 2017. MEIRELLES, Laércio. Soberania alimentar, agroecologia e mercados locais. Agriculturas. v.1. Artigo 3, set/2004 ADIL, Daniela. Agricultura urbana e segurança alimentar em Belo Horizonte: cultivando uma cidade sustentável. Agriculturas. v.1. Artigo 7, set/2004 MONTEIRO, Denis; MENDONÇA, Marcio Mattos de. Quintais na cidade: a experiência de moradores da periferia do Rio de Janeiro. Agriculturas. v.1. Artigo 8, set/2004 GADELHA, Edmar; MALUF, Renato S. Contribuições da produção para autoconsumo no acesso aos alimentos. Democracia Viva. v.39, jun/2008 AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues. Vastos subúrbios da nova capital: formação do espaço urbano na primeira periferia de Belo Horizonte. Tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais. Orientadora: Dra. Regina Helena Alves da Silva, 2006 (não-publicada)

BRASIL DE FATO. Movimento de Trabalhadores por Direitos Estreia Coluna no Brasil de Fato. 2018. Disponível em: https:// www.brasildefato.com.br/2018/09/06/movimento-de-trabalhadores-por-direitos-estreia-coluna-no-brasil-de-fato/ LEIS MUNICIPAIS. Disponível em:<https://leismunicipais.com.br/>

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MÍDIA NINJA. Ocupação Pátria Livre na Região da Pedreira Prado Lopes, B.H./MG. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?reload=9&v=xLtMh32XKA4> SIND-UTE OUTRAS PALAVRAS. A luta pela moradia! Ocupação Pátria Livre celebra 1 ano de resistência. 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kXdJEtvo1UQ Maíra Lemos. A natureza Cura, 2016. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?time_continue=90&v=aCq66WcX36I> TED X. Ron Finley: Um jardineiro guerrilheiro no centro-sul de Los Angeles, 2013. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=EzZzZ_qpZ4w>

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