O Valor do Ócio na Metrópole Contemporânea - TFG FAU-Mack - Julien Boulay

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O VALOR DO ÓCIO NA METRÓPOLE CONTEMPORÂNEA Monografia apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para a conclusão do Trabalho Final de Graduação e obtenção do diploma de Arquiteto e Urbanista. Orientador: José Augusto Aly

Julien Boulay São Paulo, 2015



« Os homens que procuram a felicidade são como os embriagados que não conseguem encontrar a própria casa, apesar de saberem que a têm » Voltaire



AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que estiveram ao meu lado, em consciência ou não, durante estes intrigantes anos de graduação. As amizades que se criaram e as outras que se dissolveram ao deccorer destes cinco anos, pois a vida é feita de experiências e relacionamentos, sejam eles negativos ou positivos. Não se aprende sem a dor da decepção e o sorriso do reconhecimento. Aos docentes que estiveram ali nos momentos de confusão e dúvida, compartilhando sua sabedoria e experiência na área, importantíssima para a formação do cásulo chamado aluno. Em especial ao meu orientador de monografia, José Augusto Aly, pelo interesse e paciência e acima de tudo as conversas despretenciosas e divertidas que se adicionaram como respingos de luz à rotina didática que a graduação se torna em alguns momentos. Ao meu professor de trabalho projetual, Carlos Henrique Heck por todas as risadas sinceras e histórias extraordinárias compartilhadas ao decorrer deste ano de muita sapiência e descoberta. Risadas e romances que moldaram grande parte da minha personalidade arquitetônica e que inconscientemente levaram à um sentido maior de realização. Aos inúmeros debates gerados por aqueles que confrontaram minhas ideias, sem eles não haveria retórica e por consequência personalidade. A Universidade Presbiteriana Mackenzie que proporcionou todos estes sentimentos e relacionamentos. A todos aqueles que dividiram devaneios, angústias e alegrias no banco, símbolo dos momentos de contemplação e desconexão da rotina alucinante. As mulheres, fonte de energia criativa, amor, dores e tudo que há de mais complexo neste mundo. Dedico este manifesto à toda minha família, razão pela qual este trabalho virou realidade, por estar sempre presente e principalmente acreditar em minha personalidade à qualquer custo. Em especial à vó Leonor, para sempre em nossa memória. Por fim, dedico este trabalho à todos as pessoas extraordinárias que levam a alegria e despretensão como filosofia de vida.



RESUMO Este trabalho, que tende para o manifesto, fruto da contemplação diária dos espaços e da fala de seus personagens, é uma tentativa de esclarecimento, e por quê não, de conscientização. O ócio e a arquitetura são termos inseparáveis tanto em suas definições quanto da vivência saudável do ser humano, querendo ele ou não. Desde a primeira Revolução Industrial, a sociedade do consumo que se viu emergir passou a negar esses termos tão importantes para o compreendimento da essência humana. Estamos em um momento de negação de nossa própria natureza. Em um primeiro momento, nosso caminhar passará pelas definições que a palavra ócio encontrou ao decorer da história para assim chegar aos significados atuais, procurando sempre elucidar o leitor e propor o debate. Em segunda instância analisaremos os conceitos sugeridos de que a arquitetura é, literalmente, a forma mais eficaz de propor a retomada do ócio na metrópole contemporânea e de que a arquitetura como linguagem artística tem o dever de surpreender o homem e acordá-lo de sua rotina entorpecida. Para tal fim, estudaremos dois projetos construídos considerados essenciais para o entendimento do ócio na arquitetura, o Centre National d’Art et de Culture Georges-Pompidou, de Renzo Piano e Richard Rogers, e o Parc La Villette de Bernard Tschumi. Por fim, fruto das definições iniciais e dos estudos conceituais de caso, olharemos para uma proposta de arquitetura que contemple, sem pretensão ou tom didático, a importância do espaço público e de sua retomada com uma arquitetura do ócio para a saúde da metrópole e seu habitante. O projeto é uma proposta utópica mas acima de tudo uma tentativa digna de esclarecer para o homem atual de que a vivência saudável depende somente de sua própria tomada de consciência e alegria natural. A resposta está na experiência dos espaços em sua volta, mas acima de tudo, dentro de si.



SUMÁRIO INTRODUÇÃO

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ELUCIDAÇÃO ÓCIO E SIGNIFICADO NA CONTEMPORANEIDADE DEFINIÇÕES E JULGAMENTOS DA SOCIEDADE ATUAL

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O OCIOSO E SUA ROTINA ÓCIO E REVOLUÇÃO SEGUNDO PAUL LAFARGUE E A EVOLUÇÃO DOS MÉTODOS DE SEQUESTRO DO TEMPO LIVRE O ÓCIO CRIATIVO EM DOMENICO DE MASI E SUA IMPORTÂNCIA NO PLANO PSICOLÓGICO DO HABITANTE DA METRÓPOLE OUTROS SIGNIFICADOS CONCLUSÃO SOBRE A ATUALIDADE DO TEMA

ILUSTRAÇÃO ARQUITETURA COMO RESPOSTA PARA A NECESSIDADE DO ÓCIO NA METRÓPOLE CENTRE POMPIDOU - A PRAÇA COMO ARQUIBANCADA PARA A CONTEMPLAÇÃO PARC DE LA VILLETTE - O PARQUE COMO INTERLÚDIO ENTRE OS DIFERENTES PROGRAMAS VOLTADOS AO TEMPO LIVRE

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CONCLUSÃO RELFEXIVA

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BIBLIOGRAFIA E ÍNDICE DE IMAGENS

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PROPOSTA DE UM NOVO MODELO - CENTRO DO ÓCIO


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INTRODUÇÃO

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“ Travaillez, travaillez, prolétaires, pour agrandir la fortune sociale et vos misères individuelles, travaillez, travaillez, pour que, devenant plus pauvres, vous ayez plus de raisons de travailler et d’être misérables. Telle est la loi inexorable de la production capitaliste.”

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Elucidação para aumentar a fortuna “Trabalhem, trabalhem proletários, social e suas misérias individuais; trabalhem, trabalhem para que, tornados mais pobres, tenham mais razões ainda para trabalhar e tornarem-se miseráveis. Essa é a lei inexorável da produção capitalista”

O direito à preguiça, Paul Lafargue,1880


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O que o trouxe até aqui? A lógica da rotina ou a curiosidade? A mecânica do trabalho ou o acaso que a própria curiosidade gera de maneira intrigante? A pergunta que realmente deve ser contemplada em relação à este momento é: qual o seu grau de imersão ao ler esta introdução? Hoje os estímulos são diversos e chegam a nós sob todas as formas. Qualquer justificativa é conveniente para não nos deliciarmos do momento. Do mesmo modo não temos mais tempo para nosso eu 1 . O trabalho (ou será o dinheiro?)2 passou a ser o dogma dominante e a sensação que prevalece é que estamos usando este termo, de origem obscura, como subterfúgio para encarcerar a busca, natural em nós, do autoconhecimento. Busca que aos poucos foi perdendo o sentido na sociedade da automação. Busca que deve ser retomada pois, por mais que insistamos em negá-la, é um dos únicos caminhos que levam à serenidade e a produção profissional consciente. Busca que acontece somente quando o ser se apodera do seu direito natural ao ócio. No final do século XIX o socialista francês nascido em Cuba Paul Lafargue (1842-1911) publica seu manifesto O Direito à Preguiça (1880), onde expõe questões atuais. A crítica da ideologia do trabalho contida no seu discurso sugere o questionamento da atual tábula de valores que considera o trabalho como ideologia final. Este ensaio termina reconsiderando, segundo tradições humanistas (e até mesmo religiosas) a diminuição do trabalho e o ócio como possibilidades de desenvolvimento humano, do espírito, do pensamento, da cultura e da saúde. Ele lança um desafio para os formadores de opinião, líderes e geradores de conteúdo: como levar o homem moderno alienado, fruto da Revolução Industrial, a apreciar e respeitar os momentos necessários de ócio.3 1 O indivíduo é tema recorrente nos estudos filosóficos. Aqui é importante frisar o conceito de individualidade: Um indivíduo se diferencia de um outro através das diferenças acidentais que ele adquire ao longo de sua existência; estas diferenças são externas, como sua posição no espaço tempo. Alguns indivíduos possuem a propriedade de criar sua própria diferenciação; são pessoas, ou em outras palavras, indivíduos dotados da consciência de sua individualidade e com o poder de a desenvolver por si só. In Philosophie de A à Z, Collectif, Hatier, 2000. A individualidade cada vez mais defasa o seu valor; o homem ignora em permanência o fato de que tem o poder de moldar sua essência. Estamos caminhando para uma sociedade unitária, um cárcere da personalidade. 2 Shopenhauer já dizia: “O dinheiro é uma felicidade humana abstrata; por isso aquele que já não é capaz de apreciar a verdadeira felicidade humana, dedica-se completamente a ele.” O dinheiro vira um fim para aqueles que não almejam a sabedoria plena, enquanto que para os mais íntegros, ele é um mero meio de atingir a felicidade plena. 3 Para Lafargue, o trabalho é invenção relativamente recente, uma vez que os antigos gregos desprezavam o trabalho e deliciavam-se com os “exercícios corporais” e os “jogos de inteligência”. Ele critica a moral cristã ao proclamar o “ganharás o pão com o suor do rosto” e ao lembrar que Jeová, “depois de seis dias de trabalho, repousou por toda a eternidade”.

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Imagem 1: CAILLEBOTTE, Gustave. La sieste (1877)

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Imagem 2: VAN GOGH, Vincent. La sieste (1890) baseado na pintura homônima de Millet. A representação do ócio sempre foi tema de todas as expressões artísticas, paradoxalmente à esta última que em si já é um momento de ócio.


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Na mesma época, Robert Louis Stevenson (1850-94), na Apologia dos Ociosos (1877), mostra que o ócio “não consiste em nada fazer, mas em fazer muitas coisas que escapem aos dogmas da classe dominante”. 4 Por fim, o ensaísta contemporâneo Richard Sennett nos mostra em A cultura do novo capitalismo (2006) e A corrosão do caráter (1998) que a au-

tomação da produção pelas novas tecnologias diminuiu a necessidade material de trabalho e desencadeou na sociedade moderna uma angústia coletiva, fruto da rotina incansável e automática. Ele propõe que olhemos para o ócio como uma saída produtiva para esta crise de identidade mundial. Trazendo esses três pensadores como parâmetros iniciais, introduzo este ensaio como uma vontade cruciante de atualizar o conceito de ócio, termo de cunho quase pejorativo no dicionário atual, em uma sociedade cujas principais bandeiras são o consumo exacerbado de produtos superficiais e a idolatria da conquista pessoal. Vontade motivada pela contemplação diária da rotina e seus atuantes. A arquitetura tratada como arte e desencadeadora de sentimentos será o principal veículo para materializar a revisão desse conceito, buscando ampliar o campo do pensamento Passamos inicialmente pelo terreno das ideias, e através do estudo de determinadas concepções, ensaios sociológicos e filosóficos, fundamentamos o nosso próprio conceito, que afirma a necessidade do ócio na metrópole. Ele será ilustrado em seguida através do exame de determinados projetos arquitetônicos, que apontam para o tema em questão. Primeiramente aprofundamos modelos já existentes, para finalmente propor uma iniciativa inédita através do Centro do Ócio que implantado na cidade de São Paulo-SP, é voltado para o exercício do termo em questão e a contemplação da vida, onde o homem poderá adentrar e encontrar os espaços ociosos necessários para desdobrar a sua diversidade.

4 Stevenson atuava em diversos campos, da literatura à política, e escrevia de novelas a roteiros de viagem, demonstrando que o ócio é um dos meios de produção mais eficazes.

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ELUCIDAÇÃO ÓCIO E SIGNIFICADO NA CONTEMPORANEIDADE DEFINIÇÕES HISTÓRICAS E JULGAMENTOS DA SOCIEDADE ATUAL 23


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Ócio sm. 1. Descanso de trabalho; folga. 2. Lazer, vagar. Ocioso (ô) adj. 1. Que não trabalha; desocupado. 2. Em que há ócio. 3. Preguiçoso. [Pl.: -osos (ó).] ociosidade sf.

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Por definição, o ócio está para o trabalho assim como o ódio está para o amor. Elucidação “O trabalho deve ser maldito, como ensinam as lendas sobre o paraíso, enquanto a preguiça deve ser o objetivo essencial do homem. Mas foi o inverso que aconteceu. É esta inversão que gostaria de passar a limpo.” A preguiça como verdade definitiva do homem, Malevich


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O OCIOSO E SUA ROTINA O quão ocioso você se considera? Qual é a sua opinião sobre o assunto, e sua definição de preguiça e ócio? Você tem medo de ser tratado de preguiçoso? O cotidiano da metrópole nega esses termos que um dia já foram sinônimos de beleza, espiritualidade e criação, e que agora estão jogados à margem dos valores de produção. O ocioso é considerado hoje um marginal. Porém, como Malevich, gostaríamos de passar essa derrisão a limpo. Nessa perspectiva buscamos arrimo nas reflexões do poeta francês Paul Valéry (18711945) “o amanhã é uma potência oculta, e o homem age muitas vezes sem o

objeto visível de sua ação, como se outro mundo estivesse presente, como se ele obedecesse a ações de coisas invisíveis ou de seres ocultos” 1. Aconteci-

mentos invisíveis e participativos do mundo do devaneio e do pensamento (o mundo do trabalho espiritual), em contraposição ao mundo do trabalho mecânico (o mundo sem reflexão). O que podemos sorver da constatação de Valéry? O ocioso não nega o trabalho, porém o vê com um olhar mais espiritualizado. A rotina do trabalho para um bom ocioso é plena de surpresas. Cada dia é uma nova experiência, pois sua mente está sujeita à alterações e às sugestões de novos valores, essa dinâmica entretanto é banida da mente do trabalhador mecânico.

“As ideias e os valores” complementa de maneira perfeita o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-61) “não faltam a quem soube, na sua

vida meditativa, liberar a fonte espontânea, não deliberadamente, em direção a fins predeterminados por cálculos técnicos e produtivos. Todo trabalho finito e alienado é pura perda. Através de uma admirável reversão, o meditativo transforma a falta de razão do mundo do trabalho alienado em fonte desta última, isso porque o trabalho meditativo do ocioso é um trabalho sem finalidade, sem telos 2 . O trabalho de meditação do ocioso exige muito mais esforço do que o mecânico. A construção da obra de arte e de pensamento pede um tempo 1 Os escritos simbolistas de Valéry interessaram estudiosos de música e matemática. O ócio que ele propos era de entendimento brando e fácil. Um ócio útil. 2 A teleologia (do grego telos-, finalidade, e -logía, estudo) é o estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou finalidade. Embora o estudo dos objetivos possa ser entendido como se referindo aos objetivos que os homens colocam em suas ações, em seu sentido filosófico, teleologia refere-se ao estudo das finalidades do universo e, por isso, a teleologia é inseparável da teologia (a afirmação de que um ser superior, Deus, realiza seus propósitos no universo). Suas origens remontam aos mitos e à religião, com sua noção de que todo acontecimento e todas as coisas são causadas pela vontade de alguma entidade sobrenatural (deuses, Deus, espíritos). Platão e Aristóteles elaboraram essa noção do ponto de vista filosófico. Fonte: Philosophie de A à Z, Collectif, Hatier, 2000

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Imagem 3: CAILLEBOTTE, Gustave. Le parc de la propriété Caillebotte à Yerres (1875). O caminhar como um dos elementos principais da filosofia do flâneur.

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Imagem 4: CAILLEBOTTE, Gustave. L’homme au balcon (1880). O contemplar, outra atividade principal do ocioso.


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que não pode ser medido pelo relógio”. Em adendo à gigantesca constatação de Merleau-Ponty, talvez a melhor e mais lírica definição de bom preguiçoso ainda seja do escritor inglês Jerome K. Jerome (1859-1927), que em seu livro Pensamentos Preguiçosos de um Preguiçoso (1886) afirma: “O que melhor caracteriza um verdadeiro preguiçoso

é o fato de ele estar sempre intensamente ocupado. De início, é impossível apreciar a preguiça se não há uma massa de trabalho diante de si. Não é nada interessante nada fazer quando não se tem nada a fazer! [...] Perder seu tempo é uma verdadeira ocupação, e uma das mais fatigantes. A preguiça como um beijo, para ser agradável, deve ser roubada”. Concluímos que a preguiça não é passiva, como todos tendem a simplificar. Existem diferentes tipos de preguiça e preguiçosos, aqui só nos cabe estudar aquele que usa o seu tempo livre com consciência . Perder o tempo mecânico dá trabalho e exige enorme atividade de espírito. O preguiçoso é um ser complexo.3

O trabalhador atual vive na ilusão de que sua produção tem sentido, preenchendo o vácuo de sua existência com negócios4 , futilidades e bens materiais, e trabalhando de maneira etimologicamente sádica, analogia possível se associarmos a origem da palavra trabalho a tripalium, instrumento de tortura romano.5 É lastimável pensar que hoje expressões como vida meditativa, ócio, ocioso, preguiça, preguiçoso, são tidas como pejorativas. Termos que um dia já foram sinônimo de ofício e de beleza, ao exemplo dos flâneurs das galerias 3 Como vivemos em tempos onde rotular e catalogar tudo é obsessão, a preguiça já é tida em alguns casos como patológica ou até tratada como uma doença. Existe também a preguiça gerada por problemas de saúde e a preguiça infundada. Como já foi dito, nos cabe aqui estudar somente a preguiça saudável. 4 A palavra negócio contém a ideia de negação de ócio. Quem tem um negócio é aquele que não quer ficar no ócio. 5 Tripalium era um instrumento feito de três paus aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro, no qual os agricultores bateriam o trigo, as espigas de milho, para rasgá-los, esfiapá-los. A maioria dos dicionários, contudo, registra tripalium apenas como instrumento de tortura, o que teria sido originalmente, ou se tornado depois. Outra definição: Tripalium (do latim tardio “tri” (três) e “palus” (pau) - literalmente, “três paus”) é um instrumento romano de tortura, uma espécie de tripé formado por três estacas cravadas no chão na forma de uma pirâmide, no qual eram supliciados os escravos. Daí derivou-se o verbo do latim vulgar tripaliare (ou trepaliare), que significava, inicialmente, torturar alguém no tripalium. É comumente aceito, na comunidade linguística, que esses termos vieram a dar origem, no português, às palavras “trabalho” e “trabalhar”, embora no sentido original o “trabalhador” seria um carrasco, e não a “vítima”, como hoje em dia. Fonte: TRIPALIUM: O trabalho como maldição, como crime e como punição, BONZATTO, Eduardo Antonio.

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Imagem 5: CÉZANNE, Paul. Les joueurs de cartes (1895).

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Imagem 6: MANET, Édouard. Le déjeuner sur l’herbe (1863). O momento de ócio em meio à natureza, importante para a saúde do homem moderno.


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e ruas parisienses da belle époque 6, e dos inúmeros artistas que no ócio acharam sua força criativa. O flâneur, termo cultuado pelo poeta Charles Baudelaire (1821-1867), é o arquétipo do mais respeitado e bom ocioso. Ele era notório conhecido das tais galerias da Europa (em alta na época), profissional do flerte e do vagar. Seus dias se resumiam ao passeio, à contemplação das damas e ao escambo. Vários artistas desse período se consideravam flâneurs, como Toulouse-Lautrec, que passava seus dias perambulando pelos cabarés e bares do bairro parisiense de Pigalle desenhando a vida ao seu redor. Entre outros nomes de ociosos e flâneurs famosos estão Flaubert, Cézanne, Picasso, Rimbaud, Matisse e Hemingway, entre muitos outros contemporâneos brilhantes desta época de explosão cultural e aliança com a tecnologia. Segundo o escritor francês Henri Murger (1822-1861), em Cenas da vida boemia (1848), “ O flâneur é um personagem típico do romantismo francês

cujo ofício era vagar pela cidade e seus espaços de encontro, sem nenhuma proposta concreta a não ser contemplar a vida e acima de tudo se deliciar do momento. Um explorador urbano, vagaroso, malemolente, sinônimo de boa vivência.” . O termo virou arquétipo e centro de diversos estudos desde então.

O flâneur evidentemente dependia de sua rotina para se auto afirmar. A rotina do ocioso é infinitamente mais saudável que a do trabalhador alienado, tanto no quesito mental quanto no físico: Quase 500 mil pessoas morrem anualmente no Brasil por causa de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. No mundo o número chega a cinco mil mortes por dia. Indústria, serviços e agricultura são os setores mais perigosos7. Sem contar as consequências no plano psicológico, cujo maior expoente é o burn out8. O mais desesperador é que este tipo de trabalhador fará de tudo para manter o emprego e seu estilo de vida, justificando com a argumentação falha de que não existem alternativas, ou pior, que trabalho é trabalho. Um fatalismo evitável, e acima de tudo, com solução. 6 Época inserida entre 1870 e o início da Primeira Guerra Mundial, caracterizada pelo avanço tecnológico (invenção do telefone, telégrafo sem fio, cinema, automóvel, bicicleta, avião, entre outros) mas acima de tudo artístico e cultural. Foi um momento de fervor em todos os sentidos, a beleza e a boemia, graças a diminuição das distâncias entre as pessoas, estavam em alta, e a produção artística foi das mais notáveis, com o Impressionismo e o Art-Nouveau, por exemplo. Podemos dizer que foi aí que a cultura do divertimento que conhecemos hoje se originou. 7 Fonte: Revista do Instituto Observatório Social. Outubro 2006, n°11. São Paulo. 8 Síndrome do esgotamento profissional, quando o stress passa o dominar conscientemente o ser e gera reações psicosomáticas.

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Imagem 7: COURBET, Gustave. Le désespéré. Auto-retrato (1845). A expressão do absurdo, quando o homem acorda para a sua condição e se depara com a rotina sem sentido em que está submetido.


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Sobre esse fatalismo, sua concepção e as forças que constrangem o homem no exercício da liberdade muito teríamos a discutir, assim confiando no poder de síntese dos poetas, concordamos com Baudelaire quando afirma que “[...]

a fatalidade possui uma certa elasticidade a que é costume chamar-se de liberdade humana.”. Em adendo, como o médico e antropólogo italiano Paolo Mantegazza (1830-1910), temos esperança de que o homem poderá liberar-se dele já que “O fatalismo é sempre uma doença do pensamento ou uma fraqueza da vontade.”. Basta remediá-lo com um bom emprego do tempo livre.

Esse conforto fatalista do diálogo do trabalhador alienado já foi transformado em personagem mitológico na grécia antiga, personificado por Sísifo, o que prova que o tema é algo que o homem vem lutando contra desde os tempos mais primórdios. Por qual razão esse mito é mais do que atual? No ensaio filosófico O mito de Sísifo, o escritor francês Albert Camus (1913-1960) remete a situação de Sísifo à nossa própria condição absurda. Ele compara o trabalho repetitivo de Sísifo pela eternidade (condenado pelos deuses) ao trabalho do operário da cadeia de produção que repete os mesmos movimentos o dia todo. Ele ainda adiciona que cada um de nós consegue facilmente se espelhar em Sísifo: ao realizar as pequenas rotinas do dia a dia, ao deparar-se com problemas repetitivos e inúteis e ao confrontar-se com o sofrimento do cotidiano, somos todos trabalhadores mecânicos da vida. Camus afirma que a solução para este absurde, ou absurdo, é o amor pela sua própria existência, viver o momento independente do que poderíamos ter sido ou o que o futuro pode nos reservar. Amor que só pode ser gerado nos momentos de ócio. Ele finaliza afirmando que Sísifo pode vencer os deuses. Deuses que, se traduzidos em termos atuais, seriam chamados de rotina, esta força omnipresente que nos sequestra todos os dias. Neste ponto do nosso estudo podemos examinar o conceito da rotina, aproximando-nos das reflexões contidas em a A corrosão do caráter (1998) de Richard Sennett. Ali a rotina é exposta como sendo dual ou seja enquanto força necessária que gera consequências ao mesmo tempo positivas e negativas. Uma força que deveria ser equilibrada, como tudo que há de saudável no mundo, e que finalmente está sendo reconsiderada pelo homem moderno. Porém à partir do final do século XVIII esta balança começou a pesar

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para um lado (dedução que se repete em Lafargue, que veremos à seguir). textoEssa dualidade é exemplificada de maneira precisa na comparação entre os escritos de Diderot (otimistas) e de Adam Smith (realistas). Diderot (1713-1784) em sua grande Enciclopédia, publicada de 1751 a 1772, comparava a rotina do trabalho à qualquer outra forma de aprendizado por repetição. A sua teoria se baseia na análise do sistema hierárquico de uma fábrica de papel localizada perto de Paris, l’Anglée. Segundo ele o cenário desta indústria, uma das primeiras “filhas” da Revolução Industrial que se iniciava ali por volta de 1760, dramatiza uma grande transformação que se iniciou em sua época: a casa, aos poucos, se separa do local de trabalho. Antes o trabalho era familiar, seja ele artesanal ou na agricultura , e a família representava o miolo econômico9. O historiador Herbert Applebaum (cujo sobrenome quer dizer macieira, decorrente certamente de famílias que produziam maçãs) constata sobre a época: “em uma casa de padeiro, por exemplo, faziam as refeições

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juntos [diaristas, aprendizes e a família, nda], e dava-se comida a todos juntos, pois se esperava que todos dormissem e vivessem na mesma casa. O custo da fabricação do pão incluía habitação, alimentação e a roupa de todas as pessoas que trabalhavam para oElucidação amo. Os salários em dinheiro eram uma fração dos custos” 10. Com a l’Anglée, os trabalhadores começaram a percorrer distâncias antes inimagináveis para assim poder receber somente um salário. O sistema interno da fábrica era elegante tanto no ponto de vista da arquitetura quanto da rotina. Esta última era precisa: tudo estava em seu devido lugar e todos sabiam o que fazer. Diderot já havia analisado anteriormente a maneira repetitiva e quase obsessiva dos atores ao decorarem uma fala. Repetição esta necessária para poder atingir um personagem mais profundo. Buscando sempre fazer uma analogia com a arte, ele esperava encontrar as mesmas virtudes no trabalho ritmado e na rotina que se instalava com a Revolução industrial, da qual ele vivenciou a transição para novos processos de manufatura, e que como sabemos chegaria à produção por maquinas. Diderot procurou demonstrar que a rotina está em constante evolução. O ritmo do trabalho repetitivo gera o aperfeiçoamento do próprio e variações quanto às técnicas. Ritmo que permite ao trabalhador alcançar “a unidade 9 A maioria dos nomes de familia atuais são decorrentes do ofício de seus ancestrais. Na língua portuguesa temos diversos exemplos, como Oliveira e Carvalho. 10 Este sistema é chamado de a economia do domus.


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mental e manual”, em suas palavras.

Sob essa mesma ótica está a visão, próxima de uma fábula, de Voltaire (1694-1778), autor contemporâneo, em seu livro sátira Candide : “Vamos trabalhar sem teorizar, é a única forma de tornar a vida tolerável”. Nós podemos compreender a análise otimista destes grandes pensadores, que viveram o início da Revolução Industrial, a qual é considerada um divisor de águas na história, quando o padrão de vida das pessoas comuns começou a se submeter a um crescimento sustentado, como nunca foi visto anteriormente. Entretanto esta imagem de serenidade e fraternidade no sistema industrial não passava de um sonho utópico para Adam Smith (1723-1790), o pai da economia moderna e patrono do liberalismo econômico. Ele via a rotina de maneira realista e completamente oposta ao lirismo de Diderot. Para ele, esta imagem de serenidade e fraternidade no sistema industrial não passava de um sonho utópico. Em seu livro A riqueza das nações de 1776, ele demonstra pleno conhecimento do lado obscuro da nova ordem econômica que se iniciou no século das luzes. As dimensões numéricas desta nova ordem - o volume de dinheiro ou a quantidade de bens no mercado – estão inseparavelmente associadas à especialização da função produtiva e a criação de novos sub cargos decorrente dela. Tal sistema acelerou a produção de bens e levou a uma explosão no número de novas empresas e de seus tamanhos. Para Smith a separação, já constatada por Diderot, de casa e trabalho e o fato que agora cada trabalhador executa apenas uma função e poucas operações simples são estopins para o desastre. A fábrica se torna um lugar sinistro e lúgubre onde os trabalhadores estão submetidos à uma rotina entediante e autodestrutiva, o que o torna em última instância tão estúpido e ignorante quanto é possível tornar-se uma criatura humana. Falta de controle sobre o tempo de trabalho significa morte espiritual: “No

progresso da divisão de trabalho, o emprego da parte muito maior daqueles que vivem do trabalho...passa a limitar-se a umas poucas operações muito simples, frequentemente uma ou duas. O homem que passa a vida realizando umas poucas operações simples em geral se torna tão estúpido e ignorante quanto é possível tornar-se uma criatura humana”. Ao contrário do músico ou do ator, em Diderot, que se apodera do trabalho repetitivo para desenvolver e aperfeiçoar sua expressão artística e plástica, a rotina do trabalhador industrial ameaça degradar o próprio ser humano e seu caráter.

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Enfim, o homem dominando a rotina e seus ritmos assume o controle de sua vida e se acalma, segundo Diderot, ou simplesmente embrutece o seu espírito, como afirmava Smith. Concluímos desse embate de ideias, que é importante considerar a dualidade da rotina, questionando sua pertinência e formato; saber distanciar-se e ponderar se o seu trabalho consiste em meros movimentos repetitivos sem sentido ou em uma constante evolução. A rotina pode e deve ser saudável, ela é um mal necessário que nos afasta da finitude da vida, cabe a nós fazer dela uma sequência de surpresas. O ocioso, ou preguiçoso como bem entender, é aquele que sabe tornar a rotina excitante e que acima de tudo sabe separar o seu tempo livre do tempo da produção, para o bem desta última. Saber transformar a falta de razão do trabalho mecânico em energia produtiva e humor.

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ÓCIO E REVOLUÇÃO SEGUNDO PAUL LAFARGUE E EVO-

texto LUÇÃO DOS MÉTODOS DE SEQUESTRO DO TEMPO LIVRE “ Une étrange folie possède les classes ouvrières des nations où règne la civilisation capitaliste. Cette folie traîne à sa suite des misères individuelles et sociales qui, depuis deux siècles, torturent la triste humanité. Cette folie est l’amour du travail, la passion moribonde du travail, poussée jusqu’à l’épuisement des forces vitales de l’individu et de sa progéniture... ”

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“ Uma estranha folia controla as classes trabalhadoras das nações onde reina a civilização capitalista. Esta folia deixa um rastro de misérias individuais e sociais que, por dois séculos, torturaram a triste humanidade. Esta folia é o amor ao trabalho, a paixão morinbunda do trabalho, forçada até a exaustão das forças vitais do indivíduo e suas Elucidação descendências...” O Direito à Preguiça, Paul Lafargue,1880 Antes da Revolução Industrial, o ócio não era questionado. Como já foi dito, era tido como algo natural, um ofício. O fim do século XVIII representa a mudança brutal da construção da sociedade ocidental e, acima de tudo, a mudança dos valores e das ambições das pessoas. Mudança iniciada na Inglaterra que rapidamente se espalhou pela Europa ocidental, Estados Unidos para hoje estar estigmatizada no mundo todo. Porém alguns pensadores passaram a questionar tal reviravolta e principalmente suas consequências no modo de pensar e agir das pessoas. O escritor egípcio Albert Cossery (1913-2008), aquele que ao ser perguntado sobre a arte de viver respondeu “Desprender-se de tudo o que nos ensinam, de todos os valores e dogmas”, celebra a preguiça como uma arma de subversão política e como um modo de resistir à impostura das potências, que sempre foram maquiavélicas para com o comportamento da sociedade.


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Para Cossery, o exercício da preguiça tem o valor da arte de viver. Mas ele distingue dois tipos de preguiçosos: os idiotas e os reflexivos. “Um idiota preguiçoso permanece idiota!”, escreve, “E um preguiçoso inteligente é quem

reflete sobre o mundo no qual vive. Mais você é ocioso, mais tempo você tem para refletir... Esses são os valores da preguiça, que supõe, pois, dupla recusa: nosso mundo imediato e a triste realidade.”. Praticar o ócio é confrontar as instituições e o sistema político que controla a sociedade moderna e acima de tudo questionar esta realidade. Quem melhor soube confrontar o sistema político e pensar o mundo em que estava inserido foi o francês Paul Lafargue.

Lafargue nasceu no apogeu da Segunda Revolução Industrial, em 1842, e por isso vivenciou seu momento de maior fervor. Cabe dizer aqui que ele foi um homem de seu tempo, muito ativo politicamente enquanto cofundador do Partido Socialista Francês, como na literatura destacando-se nas áreas de filosofia, economia e sociologia.

O direito à preguiça, de 1880, é um texto publicado em formato de panfleto único entre os situados no campo do pensamento socialista e político. Na época foi comparado ao Manifesto comunista de Engels e Marx e considerado pertencente ao pensamento relativo ao socialismo enquanto estudo das relações entre as diferentes hierarquias geradas pela Revolução industrial e suas consequências no plano comportamental e histórico. A celebração do ócio como força revolucionária e libelo contra o trabalho alienado feita por ele contrapõe-se diretamente a uma das mais tradicionais bandeiras dos movimentos operários: O direito ao trabalho, da constituição francesa. Para Lafargue, a verdadeira luta é pelo direito à preguiça, transformando o dogma do trabalho em uma armadilha que aliena e subjuga ainda mais os oprimidos. Libertando, primeiramente, sua própria consciência daquele dogma, os trabalhadores, e somente eles, abrirão caminho para a construção de um novo mundo, mais humanizado e feliz. Podemos notar aqui que Lafargue sem dúvida bebeu na fonte dos escritos de Marx. Ele considerava de maneira esperançosa o boom tecnológico da belle époque: a máquina era a força que libertaria os escravos alienados do domínio capitalista. O texto de Lafargue na época foi considerado utópico, pois naquela altura o termo ócio já havia sido banalizado e rotulado como algo inalcançável e

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Imagem 8: Foto do final do século XIX representando o proletariado Inglês. Autor desconhecido. A mecanização do homem: ao exemplo dos produtos que eles concebem nas fábricas, os trabalhadores se tornam peças iguais do novo sistema imposto pela Revolução Industrial.

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Imagem 9: DO AMARAL, Tarsila. Operários (1933) O sorriso é coisa rara no rosto desses operários aqui retratados, na fábrica a preocupação e o trabalho em série deixam pouco tempo para a alegria.


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contra os valores morais da sociedade. Na perspectiva de desdobrarmos essa rápida introdução ao pensamento de Lafargue, vamos analisar trechos dessa sua importante obra, O direito à preguiça (edição da Editora Claridade, 2003). Lafargue inicia seu ensaio criticando o paradoxo da nova sociedade do final do séc. XIX, que tem como origem as Revoluções Industriais (entre 1760 e 1840), onde os trabalhadores se submetem à dor e miséria para alcançar a suposta riqueza e ascensão social. Paradoxo que não deveria existir pois a modernidade, com o avanço das tecnologias e máquinas nas indústrias e meios de produção, e também a criação do trabalho assalariado, prometia libertar o trabalhador do esforço físico excessivo e da noção de servidão. Porém, as novas fábricas acabam se tornando cárceres.

“A nossa época é, dizem, o século do trabalho; na verdade, é o século da dor, da miséria e da corrupção.” “Tal é a lei inexorável da produção capitalista. Porque, por prestarem atenção às falaciosas palavras dos economistas, os proletários se entregaram de corpo e alma ao vício do trabalho, precipitam toda a sociedade numa dessas crises de superprodução que convulsionam o organismo social.” (p. 37) Ele também denuncia o modelo econômico falho (e burro, por falta de melhor expressão) em que o sistema se tornou: a superprodução gera desemprego e castiga ainda mais os trabalhadores que se tornam mais miseráveis. Miséria que segundo os economistas, em tom quase que de deboche, só pode ser curada com mais crescimento econômico.

“Então, por haver superabundância de mercadorias e falta de compradores, as fábricas fecham as portas e a fome fustiga as populações operárias com o seu chicote de mil tiras.” (p. 37) “Os proletários, embrutecidos pelo dogma do trabalho, não compreendem que é o seu excesso que infligiram a si próprios durante o tempo da pretensa prosperidade a causa da

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sua miséria presente.” (p. 39)

Porém os proletários não conseguem enxergar a solução, e tornados cegos pela nova cultura do culto ao trabalho, continuam associando o bem-estar à riqueza pessoal, gerando um panorama ainda mais surreal.

“Em vez de aproveitar os momentos de crise para uma distribuição geral de produtos e uma manifestação universal de alegria, os operários, morrendo de fome, vão bater com a cabeça contra as portas da fábrica. Com rostos pálidos e macilentos, corpos emagrecidos, discursos lamentáveis, assediam os fabricantes: “(...) dêem-nos trabalho, não é a fome, mas a paixão do trabalho que nos atormenta!”” (p. 39)

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“E esses miseráveis, que mal têm forças para se manter em pé, vendem doze a catorze horas de trabalho duas vezes mais barato do que quando tinham trabalho durante um certo período. E os filantropos da indústria continuam a aproveitar as crises de desemprego para fabricar mais Elucidação barato” (p. 39) Iniciando o seu discurso sobre as possíveis soluções, Lafargue cita o modelo da Grécia Antiga.

“Os filósofos antigos discutiam entre si sobre a origem das idéias, mas eram unânimes quando se tratava de abominar o trabalho.” “(...)escutem a linguagem destes filósofos, que estão sendo escondidos de vocês com cioso cuidado: um cidadão que dá o seu trabalho em troca de dinheiro degrada-se ao nível dos escravos, comete um crime que merece anos de prisão.” (p. 83)

Como o seu alvo é estritamente a classe trabalhadora, e não necessariamente os dominantes da época, ele até cita versos do Novo Testamente para tentar convencer o trabalhador de que sua obsessão (seja do culto da Igreja ou do trabalho) é a fonte de energia necessária para virar o jogo.


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“Cristo, em seu sermão na montanha, pregou a preguiça: “Contemplai o crescimento dos lírios dos campos; eles não trabalham nem fiam, e não obstante, digo-vos, Salomão, em toda a sua glória, não se vestiu com maior brilho”” (p. 21) Por fim, ele reforça a máxima que a emancipação da classe operária sobre esta obsessão só pode vir dela, cabe ao trabalhador reconhecer o seu poder, clamando de maneira utópica:

“Se extirpando do seu coração o vício que a domina e avilta a sua natureza, a classe operária se erguesse com a sua força terrível, não para reclamar os Direitos do Homem, que não são senão os direitos da exploração capitalista, não para reclamar o Direito ao Trabalho, que não é senão o direito à miséria, mas para forjar uma lei de bronze que proibisse todos os homens de trabalhar mais de três horas por dia, a Terra, a velha Terra, tremendo de alegria, sentiria nela surgir um novo universo... Mas como pedir a um proletariado corrompido pela moral capitalista uma decisão viril?” (p. 76-7) No campo econômico, Lagargue chega a lançar algumas propostas, como a redução da jornada de trabalho para 3 horas diárias, porém o seu manifesto visa acima de tudo a mudança social. Apesar da sua posição extrema em relação ao trabalho, devemos concluir de Lafargue que o ócio deve ser levado como bandeira e arma da nova revolução social. Uma revolução dos valores e da retomada do tempo livre. Uma revolução da consciência coletiva. Uma retomada do eu, que por mais incrível que pareça iniciou-se naquele momento com a boemia e a cultura do divertimento gerada pelo encurtamento das distâncias e tecnologia, porém ela não estava a disposição de todos, e era isso que ele defendia acima de tudo: ócio para todos. Rousseau (1712-1778) um século antes teorizou, em seu Contrat social (1762), que o homem era primordial e que deveria ser respeitado e levar uma vida digna acima de qualquer circunstância. Como Lafargue, ele rogava o

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Imagem 10: BELL SCOTT, William. Iron and coal (1861). A violência do trabalho na usina. Porém, há uma certa beleza na repetição.

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Imagem 11: GROSZ, George. Metropolis (1917) A violência gerada pelo caos da metrópole decorrente do avanço desenfreado da tecnologia e do encurtamento das distâncias.


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direito à desobediência civil e à resistência de forma não expressa. Rousseau faleceu em meio à Primeira Revolução Industrial e por consequência não viria a vivenciar o fervor da mecanização do ser humano, porém ele já denunciava a forte desigualdade material forte existente na época. Em seu livro Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1754) ele constata:

“Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade: uma que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença de idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais rico, mais honrado, mais poderoso do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles” (p. 235) A desigualdade sempre existiu, porém no século XIX sua aceleração se deu devido ao desenvolvimento das técnicas. A história tende sempre a se repetir, como os ciclos da natureza, e o homem é o único ser cuja progressão tem consequências permanentes. Para entender melhor esta teoria, é importante entender a existência dos períodos históricos. Lafargue foi um dos primeiros a analisar de maneira crítica o movimento e as rupturas geradas pelo seu tempo. Tempos que são definidos pelos avanços técnicos. O geógrafo brasileiro Milton Santos(1926-2001) completa esta afirmação, em seu livro A natureza do espaço (1996), onde afirma que cada período histórico é portador de um sentido, partilhado pelo espaço e pela sociedade, representativo da maneira como a história realiza as promessas técnicas. Períodos históricos que foram categorizados diversas vezes de acordo com o seu impacto na evolução das relações entre os homens e o mundo vivo, e por consequência, das relações entre o homem e o seu tempo livre. Talvez a melhor classificação destes períodos é a formulada por L. Mumford (18901990) em 1934: um primeiro, o das técnicas intuitivas que utilizam a água e o vento, vigente até 1750-60; um segundo, o das técnicas empíricas do ferro e

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do carvão, vigente de 1760 até 1900; e um terceiro, o das técnicas científicas

da eletricidade e das ligas metálicas, iniciado por volta de 1900. Milton Santos texto

resume essa classificação em termos atuais, simplificando para a ferramenta, a máquina e o autômato. O autômato, fase em que estamos inseridos, consiste na perda do controle humano sobre o fluxo de informações recebidas. Perda resultante do avanço técnico desenfreado. O papel que as técnicas alcançaram através da máquina, a partir da Revolução Industrial, faz deste período um marco definitivo no que diz respeito às formas como o homem emprega o seu tempo e vive o seu momento. Cournot (1801-1877) já havia antecipado este momento ao declarar que “o homem se encontra, pouco a pouco, absorvido pela própria força dos

produtos de sua razão, suas instituições, suas técnicas. Nele não resta nada do que era vital”. Como Lafargue, Cournot denunciou a era geral da mecanização, onde a história pouco a pouco está sendo substituída pela estatística.

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Seria ignorância dizer que o discurso revolucionário de Lafargue não é atual. Sua visão de um mundo tecnológico e cibernético, nos termos de hoje, transpassando o trabalho manual e nos levando a abdicação do tempo livre será atualizada por Domenico de Elucidação Masi, o qual chega a propor que as novas edições de O direito à preguiça sejam intituladas O direito ao ócio. Ele nos sugere assim de maneira leve um novo olhar da relação homem e trabalho atual.


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O ÓCIO CRIATIVO EM DOMENICO DE MASI E SUA IMtexto PORTÂNCIA NO PLANO PSICOLÓGICO DO HABITANTE DA METRÓPOLE CONTEMPORÂNEA

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O intelectual contemporâneo italiano Domenico De Masi (1938) expõe suas idéias sobre a sociedade e o trabalho em diversos livros. Atento ao crescente interesse de um público mais amplo em seus conceitos e sua visão do futuro, e angustiado face à esta última, De Masi elabora de forma acessível no livro entrevista O ócio criativo (2000) os temas da sociedade pós-industrial do desenvolvimento sem emprego fixo, da globalização, da criatividade e do tempo livre. Insatisfeito com o modelo social centrado na idolatria do trabalho, ele propõe um novo paradigma baseado na simbiose entre o antigo modelo, estudo e lazer, no qual os indivíduos são educados a privilegiar a satisfação de necessidades radicais básicas, como a introspecção, a amizade, o amor, as atividades lúdicas e a convivência. Segundo De Masi, o ócio se transformou de maneira errônea na sociedade atual em sinônimo de violência, neurose, vício e preguiça. Ele defende a elevação do tema aos domínios da arte, criatividade e acima de tudo liberdade. Elucidação É no tempo livre que passamos a maior parte de nossos dias, ou ao menos deveríamos, e é nele que nossas potencialidades são desenvolvidas. Assim dito, o ócio criativo ganha finalmente um conceito contemporâneo do qual o homem tem que se conscientizar e aplicar em seus momentos de maior desenvolvimento pessoal. Uma das definições do ócio criativo provém da interseção entre três elementos: vendas, faculdade e raciocínio lógico. Vendas: Comércio em si, ganhos necessários ao cumprimento das leis. Faculdade: Excelente ambiente para o consumo de álcool e demais substâncias psicoativas que podem vir a aumentar a criatividade, sobretudo quando se vivencia o ócio de um sábado ou domingo de ressaca por exemplo. Raciocínio lógico: Raciocínio lógico de estudo, muito trabalho e convivência com a natureza que deve estar presente em qualquer indivíduo que se faça. É a forma de fazer a mecanização do raciocínio, dando-lhe alma.


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Quando o indivíduo consegue, através da prática desses três elementos, vivenciar o ócio criativo, o que representa uma experiência harmônica e única, ele inicia uma readaptação a todas as necessidades da sociedade pré-industrial, respeitando a sua individualidade e proporcionando mais alegria e ousadia ao próprio trabalho. Sugerindo uma releitura desta equação, o elemento faculdade no caso dá lugar ao termo experiências pessoais, visto que nem todos tem acesso ao ensino superior, e o ócio é um direito de todos, e levaria à nova fórmula: o ócio criativo (e produtivo) provém da aliança entre as obrigações (vendas) e as experiências pessoais, intermediadas pelo raciocínio lógico e contrato social, elementos fundamentais que servem como ponto de equilíbrio entre nossas ações. Apesar da vontade inerente de sermos livres, estamos inseridos em uma sociedade estruturada. De Masi explora temas relativos ao que denominou Sociedade Pós-Industrial, filha da Segunda Revolução Industrial, considerando os seguintes aspectos do mundo atual (distinguidas pelo grau de relevância): Globalização financeira utilizando as facilidades das telecomunicações modernas e criando desafios para a estabilidade sócio econômica das sociedades nas várias nações, sujeitas a fluxos volumosos e rápidos de capitais financeiros. Desenvolvimento com baixa geração de emprego e renda. Desenvolvimento sem trabalho, o que provoca desafios ao próprio capitalismo por dificuldades de criação de demanda para o aumento do volume de produção de bens e serviços, sem uma correspondente distribuição de renda para criar os consumidores destes bens e serviços e sem o tratamento dos gargalos ecológicos que podem inviabilizar a própria existência da espécie humana. “Feminilização” do mundo profissional gerando tensões nas relações entre os gêneros, educados para exercer determinados papéis que sofrem alterações mais rápidas do que as

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Imagem 12: GIBSON, Charles Dana. Art lesson (1901) O ócio criativo compartilhado. A produção da arte como um momento de interação e contemplação.


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necessárias alterações de mentalidades para acomodar estas novas expectativas e frustrações de ambos os sexos. Perda de utilidade das ideologias e crenças tradicionais como reguladoras das relações sociais, sem a substituição por novas construções mentais, emocionais e espirituais que apoiem as decisões e atos entre os indivíduos, que perdem referenciais tradicionais de comportamento e não encontram substitutos para estes referenciais não mais aplicáveis. Dificuldades em integrar os sujeitos sociais emergentes nas relações estabelecidas entre os atores sociais tradicionais. As mudanças e termos atuais acima geram uma profunda insatisfação, segundo De Masi. São verdades derivadas do modelo capitalista ocidental onde o homem está demasiadamente focado na idolatria do trabalho, do mercado e da competitividade. Como alternativa propõe um modelo centrado em outras premissas, elegidas como segue: Estruturação das atividades humanas em uma combinação equilibrada de trabalho, estudo e lazer. Valorização e enriquecimento do tempo livre, decorrente de alta disponibilidade financeira para alguns e redução do tempo demandado de trabalho para muitos. Aperfeiçoar o processo de produção e distribuição da riqueza decorrente dos grandes aumentos de produtividade derivados dos rápidos, e em aceleração, avanços do conhecimento e criatividade humana. Distribuição consciente do tempo, do trabalho, da riqueza, do saber e do poder, minimizando as fontes de conflitos entre pessoas e grupos. Valorização das necessidades reais das pessoas educando os indivíduos e as sociedades para a importância das necessi-

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Imagem 13: TOULOUSE-LAUTREC, Henri de. Marcelle Lender dansant le boléro dans Chilpéric (1896) O artista flâneur, maior representante do ócio criativo: contemplando a vida ao seu redor ele se apodera da energia dos movimentos e do lugar para produzir arte.


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dades básicas. Com isto ficariam em segundo plano as necessidades criadas pela propaganda e pela busca de status. O tempo da vida está submetido ao tempo da produção, cabe a nós dar valor lírico a esse último e acima de tudo tomar consciência de que é possível conciliar trabalho e tempo livre, sem que seja necessária uma submersão num materialismo fútil (grande inimigo do ócio). Esta fórmula é a mais adequada para uma vivência tranquila e agradável no momento atual da civilização globalizada, que sofre sob todos os pontos de vista, com a pressão e os valores obrigatórios da sociedade do consumo. Em adendo aos pensamentos de De Masi, assim como ao que já foi exposto anteriormente quanto à crítica ao consumismo em Lafargue, é importante citar os estudos de Tim Kasser (1966) e Allen Kanner (1944) no domínio da psicologia. No livro Pshychology and consumer culture – The struggle for a good life in a materialistic world (2004) a dupla de psicólogos aprofunda as influências da cultura do consumo e do materialismo na psyche11 do ser humano. Entre estudos científicos e fatos que comprovam que o materialismo predomina no inconsciente do homem atual, três assuntos ganham relevância: flow, mindfulness e a diferença entre o que eles chamam de experiência positiva e prazeres paliativos. O flow é a extensão do ócio criativo de De Masi: definido como a experiência da apreciação, o termo denomina a sensação de leveza que a correlação entre trabalho, ócio e prazer gera nas pessoas que souberam conciliar tempo, obrigação e autoconhecimento. Quando o homem está absorvido por uma rotina profissional entediante, ele procura os seus momentos de prazer fora dela. O ponto de partida do flow é justapor os dois, ou simplesmente aproveitar o momento. Por fim, eles afirmam que tal sensação é universal. Para isso recolheram diversos depoimentos, e cabem aqui os três considerados mais interessantes. O primeiro é de um escalador profissional, descrevendo o seu estado mental ao praticar seu esporte:

A tarefa em minhas mãos demanda muito esforço, e é rica 11 A psyche em Homero designa tanto a alma quanto a vida (a vida como alento) e a sombra incorpórea ou imagem. O termo sofreu variações ao decorrer do tempo, porém hoje se resume ao lado psicológico do ser humano.

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em complexidade e força física...nós tendemos a mergu-

texto lhar no momento e permanecer imersos no que acontece

em nossa volta, na pedra, nos movimentos necessários...na procura da pegada certa, do ângulo do corpo adequado. Ficamos tão submersos que é possível perder a consciência de si e se fundir com a rocha.

O segundo é o de um garoto de subúrbio ao descrever uma partida de basquete na escola:

A quadra, é só isso que importa...algumas vezes quando jogo penso em um problema, como brigar com minha namorada, e deduzo que não é nada comparado ao jogo. Você pode ficar fixado em um problema o dia todo, porém a partir do momento que você entra no jogo, ele desaparece...Quando você joga basquete, é tudo que importa para a sua mente.

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balho:

O último é de um cirurgião descrevendo os prazeres do seu tra-

Elucidação Quando o assunto é excelência na cirurgia, todos os seus movimentos são essenciais, perfeitos e necessários. Há elegância, pouca perda de sangue, e o mínimo de trauma...É muito prazeroso, especialmente quando a equipe trabalha junto de maneira suave e eficaz.

Nos três depoimentos percebe-se um padrão na fala. A sensação de prazer e dever é universal, resta a cada um conhecer a maneira de gerá-la em si, e é aí que aparece o termo mindfulness. Mindfulness é resumidamente a habilidade de ler o que está acontecendo dentro e fora de si. O termo pode ser visto também como um processo perpétuo de expansão de sua capacidade de atenção, de sua capacidade de compreender os estímulos e suas reações, sejam elas positivas ou negativas para si. Mindfulness é conhecer a vulnerabilidade de sua mente e saber manter uma posição de não julgamento perante os pensamentos que crescem dentro dela (sejam eles sentimentos ou emoções). É um termo complexo, porém é


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essencial que o homem o pratique e o compreenda para poder atingir o flow. A humanidade já demonstrou diversas maneiras de treinar seu autoconhecimento: meditação, religião, esporte e por aí vai. Escolha o seu. Em última instância é importante sobrevoar a pertinente comparação que Kasser e Kanner fazem entre as expressões experiência positiva e prazeres paliativos. A evolução ao decorrer dos tempos gerou duas motivações contraditórias em nosso sistema nervoso: o prazer, que se resume basicamente nas sensações atreladas ao ato de comer, descansar e procriar e que podem ser consideradas paliativas visto que não levam a nada de concreto em termos humanísticos; e o proveito, sensação estimulante gerada pelas experiências positivas que vão além da noção de sobrevivência e perpetuação. O prazer é uma fonte poderosa de motivação porém ele não produz mudanças. É uma força conservadora que nos leva a satisfazer as vontades do momento. É a motivação que nos leva ao materialismo: dinheiro, poder e conforto. Essa força conservadora gera um desenvolvimento falso pois é usada em sua maior parte para remover instantaneamente a ansiedade que todos experimentamos ao nos confrontarmos com a incoerência de nossa existência, ou ao que Camus chama de absurde, absurdo. A cura definitiva para esta ansiedade crescente no ser humano desde a Revolução Industrial está nas experiências positivas. A sensação gerada por elas nem sempre é prazerosa, e pode até ser muito estressante em alguns momentos. A exemplo do escalador profissional, esse encontra-se repetidas vezes em situações de vida ou morte. Apesar de estar congelado, à beira de um abismo e sem forças, ele não consegue se ver em outro lugar. Esta sensação de triunfo sobre sua própria natureza frágil alimenta o espírito e cria memórias ricas, que por sua vez dão confiança para enfrentar o futuro incerto. Experiências positivas definitivamente demandam mais tempo e esforço até produzirem resultados, tanto da mente quanto do corpo, e por isso na maioria das vezes são preteridas aos prazeres fáceis. Temos que ter consciência e saber ponderar os termos, e assim criar um bom senso de autocritica e conhecimento e saber o momento certo tanto para o proveito tanto para o prazer. Somente um bom equilíbrio entre os dois gera uma mente ampla e, por que não, feliz. Por fim, o neologismo de De Masi e os estudos no plano comportamental e psicológico que o complementam nada mais são do que uma

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tentativa de elucidação do homem moderno. Não existe a vontade de doutrinar nestes escritos, mas sim de demonstrar que o eu de cada um merece uma vida texto digna e prazerosa, em todos os sentidos. Este eu que o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981) tão bem definiu como o “lugar das identificações e das relações duais” deve ser respeitado, pois é ele que inconscientemente domina os sentimentos e ações do invólucro humano. Absorver esses ensinamentos, ou seja que é possível sim conciliar ócio com rotina, tornaria essa última plenamente produtiva e mais leve. Essa é uma conciliação necessária, onde através do pacto com sua consciência de espírito fugimos do moralismo da sociedade atual, cujas consequências no plano psicológico vem afetando cada vez mais o frágil ser humano.

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OUTRAS DEFINIÇÕES Na perspectiva de ampliar nosso estudo em torno da revisão do termo ócio e seu significado na contemporaneidade, propomos acrescentar mais duas definições a esta análise que tocam à melancolia e ao progresso, termos tratados aqui enquanto melancolia contemplativa, que tange à vertigem do tempo livre, e ao progresso do espírito por ele proporcionado. MELANCOLIA O trabalho é o grande meio que grandes instituições, como a igreja, encontraram para lutar contra a melancolia e a vertigem do tempo livre. “Rezai e trabalhai”, ou seja, só abandonar a oração quando as mãos estiverem ocupadas. O crítico literário suíço Jean Starobinski (1920) em A Erupção do Diabo (1990) escreve: “Sua função consiste em fechar as brechas por onde o

demônio poderia entrar, por onde também o pensamento preguiçoso poderia escapar”. Assim, o trabalho interrompe o “vertiginoso diálogo da consciência com seu próprio vazio”. Mas será que o tempo livre realmente gera este vácuo, esta melancolia no homem?

Rousseau vê no tempo livre o melhor dos trabalhos, e a suposta melancolia uma arma de contemplação e de entendimento do entorno e da natureza. Na sétima caminhada dos Devaneios de um caminhante solitário (1782), o autor do mito do bom selvagem busca a solidão, mas procura entregar-se a tudo o que o cerca, escolhendo o que lhe parece mais agradável. Não escolhe os minerais porque “escondidos no fundo da terra, exigem indústria, trabalho, pena e exploração dos miseráveis nas minas”. Já as plantas não, assim para ele a botânica é o estudo de um ocioso e preguiçoso solitário: “Ele passeia, erra

livremente de um objeto a outro, passa em revista cada flor. Há, nesta ociosa ocupação, um charme que só se sente na plena calma das paixões, o que basta para tornar a vida feliz e tranquila”. Todavia ele continua seu discurso apontando para alguns desvios indesejáveis: “Mas, quando se mistura aí um motivo de interesse ou vaidade, seja para ocupar espaços, seja para escrever livros, ou quando se quer aprender apenas para se instruir ou pesquisar as plantas apenas para se tornar professor, todo o charme da tranquilidade se desfaz; [...] no lugar de observar os vegetais na natureza, ocupa-se apenas com sistemas e métodos”.

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Imagem 14: MOREAU, Jean-Michel. Sucre (1787) Gravura encontrada no livro Candide de Voltaire. A viagem e a observação decorrente da nova natureza e cultura do lugar geram melancolia?


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Concluímos assim que o tempo livre é uma dádiva, e nada mais natural do que usufruir dele para gerar esta melancolia contemplativa, este sentimento de que tudo ao seu redor é belo. PROGRESSO O que importa hoje, talvez, é propor a luta do progresso contra o progresso, isto é, a valorização do progresso do espírito, a valorização dos valores contra o progresso técnico, esta “ilusão que nos cega”. Eleger a quietude, o silêncio e a paciência para conhecer e aprofundar indefinidamente as coisas dadas. Eis o ócio que o escritor austríaco Karl Kraus (1874-1936) nos propõe:

“Se o lugar aonde quero chegar só puder ser alcançado subindo uma escada, eu me recusarei a fazê-lo. Porque lá aonde eu quero realmente ir, na realidade já devo estar nele. Aquilo que devo alcançar servindo-me de uma escada não me interessa”. De acordo com estas últimas definições, o ócio não é gerador de vazio, depressão e solidão, mas transformador: ele transmuta o abismo do tempo livre em fonte infinita de produção. Cabe ao homem ponderar e saber aproveitar desse tempo ocioso para agregar referências, contemplar a natureza e desenvolver suas paixões. Para progredir.

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CONCLUSÃO SOBRE ATUALIDADE DO TEMA texto O comportamento ocioso é simples e acima de tudo natural. O fato é que estamos em tempos de negação dessa nossa natureza contempladora. Estudar a evolução do termo ajuda a esclarecer o nosso momento, e acima de tudo à reformatar as opiniões atrofiadas e ignorantes sobre sua verdadeira definição, abrindo nosso pensamento para novos paradigmas. PODEMOS CONCLUIR QUE O ÓCIO, APÓS TODAS ESTAS DEFINIÇÕES, SE RESUME A CONTEMPLAR A VIDA À SUA VOLTA E SABER EQUILIBRAR O MOMENTO DA SOCIEDADE EM QUE ESTAMOS INSERIDOS COM A NOSSA NATUREZA LIVRE E CURIOSA. SE DAR O TEMPO E O RESPEITO PRÓPRIO DE APROFUNDAR A SUA QUESTÃO EXISTENCIAL E LEVAR ESSAS QUESTÕES PARA A PRÁTICA PROFISSIONAL SAUDÁVEL E NÃO ALIENADA.

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O ócio é necessário, porém como transmitir esta mensagem (com mais de 140 carácteres) em tempos de preguiça reflexiva? A maioria das pessoas não Elucidação se dá o (delicioso) trabalho de ler, assistir à um concerto ou simplesmente permanecer em um exercício físico ou da mente prolongado, menos ainda de refletir sobre a posteriori. Temos que atingir o inconsciente delas, de maneira crua e direta. A constatação aqui é de que a arquitetura é uma das melhores respostas para esta necessidade. Um espaço bem construído e belo, fruto da aliança entre técnica, estudo e esforço físico e mental, gera emoções puras e curiosidade no transeunte, entre outras reações naturais. A arquitetura tem o poder de elucidar as pessoas. Iremos contemplar a seguir dois projetos considerados fundamentais para o entendimento dessa conceito. Casos que demonstram o quanto a arquitetura do ócio é necessária. Modelos de uma arquitetura pública, voltada para a experiência da vida em comunidade, da cultura e do lazer.


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ILUSTRAÇÃO ARQUITETURA COMO RESPOSTA PARA A NECESSIDADE DO ÓCIO NA METRÓPOLE

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“A arquitetura somente pode se considerar completa após a intervenção do ser humano que a experimenta.” Tadao Ando


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Após formularmos a revisão da definição de ócio, é visível que a atualidade, e sobretudo aquele que a vivencia, necessita sua retomada de maneira diária e harmônica. Uma forma de materializar o conceito de ócio na metrópole é através da arquitetura, como constatado anteriormente. A arte de arquitetar consegue transmitir sensações para o habitante de maneira pura e direta. Neste capítulo estudaremos algumas maneiras de levar o ócio ao inconsciente do ser humano através da experiência do espaço, e por consequência fazer com que a sua efêmera estadia na terra seja mais agradável e inspiradora. O ócio por se tratar em grande parte da contemplação do momento e seu aproveitamento pleno, e pelo fato do momento estar contido no espaço (remetendo-nos aqui às reflexões de Milton Santos e Tschumi), ele depende assim da arquitetura. O ócio se inicia no espaço que o propõe, voluntariamente ou involuntariamente. A arquitetura do ócio é necessária e seus aspectos são múltiplos. Não se trata aqui de estudar a arquitetura de maneira técnica e demagoga, mas sim de contemplar o que cada projeto trouxe para o ser humano que o experimentou (e continua o experimentando), o seu impacto na rotina do transeunte, o seu contexto histórico e no plano da cidade, além dos pensamentos do arquiteto ali materializados. Estudar os aspectos do projeto que contêm o ócio em sua essência. A seguir, o estudo de modelos de arquitetura voltada para o ócio na metrópole e a sua importância para compreender o significado do termo.

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Imagem 15: Vista aérea da fachada principal.

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Imagem 16: Vista aérea da fachada da rue du Renard.


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CENTRE NATIONAL D’ART ET DE CULTURE GEORGES-POMPIDOU - PARIS A PRAÇA COMO ARQUIBANCADA PARA A CONTEMPLAÇÃO DO EDIFÍCIO A praça na Grécia antiga era o espaço da pólis de maior importância12. Lá todos os habitantes convergiam seja para passar um momento de troca ou de contemplação. Mais tarde, a partir do Renascimento, futuras metrópoles como Paris e Roma consagraram-se pelas suas amplas e esbeltas praças e parques, além de galerias, onde termos como flâneur aparecem e são frutos dessa subcultura do ócio criada pela arquitetura. Estes conceitos permaneceram até hoje na metrópole e ganharam uma atualização com a adição de edifícios que servem para dar mais opção à experiência do ócio que representa a praça. O Centre Pompidou, de Renzo Piano e Richard Rogers em parceria com o não menos importante escritório de engenharia britânico Ove Arup & Partners, é um dos maiores exemplos positivos da junção (edifício + praça). Junção que pode trazer reações favoráveis ao comportamento rotineiro do homem. Fruto de um concurso que recebeu no total 681 projetos, em 1971, o centro é de grande importância não somente pela beleza mecânica e simbologia contida em sua arquitetura, mas também pelo momento em que se situa e toda a revolução cultural que trouxe consigo para a cidade de Paris. Muito questionado de início pelo seu arrojo e quebra no tradicionalismo francês, o projeto assim que concluído foi logo abraçado pela população: a arquitetura para o homem quando realizada de maneira apurada e bem estudada quebra barreiras, pois nada podemos contra as nossas reações inconscientes.

12 A Ágora era a praça principal na constituição da pólis, a cidade grega da Antiguidade clássica. Normalmente era um espaço livre de edificações, configurada pela presença de mercados e feiras livres nos seus limites, assim como por edifícios de caráter público.

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Imagem 17: Foto noturna da fachada principal

66 Imagem 18: Foto diurna da entrada principal.

Imagem 19: Foto diurna da fachada alternativa.


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CONTEXTO HISTÓRICO Só é possível compreender a grandiosidade que o nome Centre national d’art et de culture Georges-Pompidou têm hoje no domínio da arquitetura

olhando para a época em que foi concebido. O projeto partiu da vontade do então presidente eleito em 1969 Georges Pompidou de reinserir Paris no panorama das cidades artísticas da atualidade. Desgastada pelas revoltas estudantis de maio 1968, que questionavam justamente o tradicionalismo francês e sua cultura arcaica da Gloire de France, a cidade luz se encontrava abafada artisticamente pela explosão cultural, envolvendo o questionamento da guerra do Vietnam, a cultura beatnik, o rock’n’roll e a liberação sexual, entre outros pavios frutos desta explosão que acontecia paralelamente nos Estados Unidos, onde cidades como Nova Iorque, principalmente, mas também Chicago viviam seus anos dourados da arte contemporânea, a pop-art. A arquitetura Haussmaniana também estava questionada: Paris parecia não atrair ou se importar com uma reforma arquitetônica. O bairro inovador de La Défense ainda estava longe de ser um esboço e a cidade ainda não contava com projetos influentes de arquitetura arrojada e no estilo tecnológico da segunda metade do século XX. Pompidou soube usar a arquitetura para reconciliar o povo com a sua própria cultura e cidade. Assim dito e concurso vencido pela equipe de Renzo Piano, o centro será inaugurado em 1977. Logo de incício, o projeto que custou um sétimo da receita da cultura na época passa por uma série turbulenta de críticas jocosas. Os sistemas estruturais, canalizações, escadarias e passarelas aparentes, que ritmam a quebra na arquitetura tradicional, geram comentários e apelidos um tanto desconfortáveis: hangar da arte, refinaria de petróleo, usina à gaz, verruga de ante guarda, o Pompidolium e, o favorito pessoal, Nôtre-Dame de la Tuyauterie (Nôtre-Dame das Canalizações, em alusão à notória catedral que tem diálogo visual direto com o projeto). Apesar das críticas profissionais, em um país que se vangloria pelo seu sistema socialista eficaz (e de sua quantidade recorde de greves), a voz do populacho sempre prevalecerá, e foi justamente isso que aconteceu. O Centre Pompidou foi abraçado pelo povo parisiense, que nas palavras de Renzo Piano “quis demolir a imagem do edifício cultural que amedronta”. Os cinco mil visitantes diários esperados de início logo se tornaram vinte e cinco mil. O

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Imagem 20: MATISSE, Henri. La danse (II) (1910). O movimento que as praças do Pompidou pretendem criar pode ser comparado àquele representado por Matisse em suas danças: uma congruência colorida de pessoas em um movimento espiralar de interação artística ou simplesmente bucólico, mas acima de tudo, belo.


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projeto era a dose de novidade, a atualização do sistema operacional arcaico que o habitante de Paris precisava. A releitura do termo monumentalidade proposto por Piano e Rogers trouxe ares novos para a cidade e seu caráter. O Pompidou foi o desencadeador e inspirador da reforma arquitetônica que a cidade presenciou nos anos por vir. Hoje Paris contém diversos marcos de arquitetura tecnológica e moderna (no sentido contemporâneo da palavra), como o Ministério das Finanças, a Biblioteca François Mitterand, o bairro de La Défense e a pirâmide do Museu do Louvre. DEFINIÇÕES DO ARQUITETO Piano quis acima de tudo consolidar uma nova maneira do povo se relacionar com sua cultura, e com a cultura em geral, sobretudo as diversas linguagens artísticas e culturais, e suas diferentes manifestações através do tempo. Ao invés de aprisioná-la em um mausoléu ou edifício monumento elitista, a cultura segundo Piano deve descer de seu pedestal e mergulhar em um bazar de interações humanas e artísticas intensas. Apesar de não fazer parte de suas finalidades iniciais, o Pompidou acabou tornando-se um monumento aos ideais de flexibilidade, funcionalismo e progresso. O projeto torna-se uma caricatura dos preceitos modernistas, principalmente aquele do edifício como máquina. Como as obras de Giacometti expostas no seu interior, o edifício é uma apologia ao conceito de arquitetura e arte como processo interminável, sem forma final. Piano também definiu o projeto como uma provocação ao tradicionalismo. Uma provocação necessária para a cidade, uma arquitetura de Guerilla, nas definições da Bauhaus, onde o projeto se torna um manifesto contra o momento político. Provocação certeira, pois o Pompidou foi aclamado tanto pelo povo quanto pelo meio arquitetônico. Por fim, Piano vê o projeto, fruto da mente jovem dos arquitetos implicados (ele mesmo tinha 34 anos no ano do concurso), o mais adequado para o seu tempo e para o momento dos envolvidos. Um “ato de bravata ousado”, em suas próprias palavras. Em suma não importa o quão provocador e à frente de seu tempo o Pompidou foi visto na época, hoje com a passagem do tempo e a leitura de seu retrospecto, ele está enraizado na história de Paris. As vistas aéreas atuais da cidade demonstram uma afinidade assustadora com o seu entorno, com a catedral de Nôtre-Dame e com os fluxos humanos.

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Imagem 21: Vista da praça Stravinsky e sua fonte e esculturas.


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A PRAÇA E O EDIFÍCIO

“O Pompidou é o sonho de uma relação extraordinariamente livre entre a arte e as pessoas, onde ao mesmo tempo se respira a cidade”. Esta é a

definição mais clara e sucinta que podemos fazer do edifício, nas palavras de Piano. Edifício cujo símbolo de liberação artística e contato com o ser humano depende diretamente de seus acessos e anexos. Anexos que compõe e justificam a definição da denominação “Centro” , pois o Pompidou também contêm três outros projetos não menos importantes: o IRCAM (Instituto de pesquisa e coordenação musicais), o CCI (Centro de criação industrial) e uma Biblioteca pública. O projeto atende a diversas demandas culturais e artísticas assim agradando a todos os gostos. E é ara conectar todo esse programa que aparece o elemento crucial para o entendimento do ócio no Pompidou: as praças. A primeira, à frente (e em cima) do IRCAM, mais calma, e a segunda à frente do Pompidou (e em cima do CCI e da biblioteca) considerada um microcosmo social agitado. Talvez seja extremo dizer que o Pompidou teria outro cunho se não fosse pelas suas praças, mas temos que entender a importância delas para o próprio edifício e para o fluxo de pessoas daquela área. A primeira praça, chamada praça Stravinsky (homenagem ao compositor homônimo Igor Stravinsky) que implanta o prédio do IRCAM, apresenta diversos bistrôs e acima de tudo a fonte que leva o nome dela. Esta fonte é composta por 16 esculturas dos artistas plásticos Jean Tinguely e Niki de Saint Phalle, e faz parte de outro projeto de renovação cultural do presidente Pompidou da época, que visava implantar sete esculturas contemporâneas em marcos da cidade, além de fazer alusão às obras do compositor homônimo. A praça sempre está lotada de pessoas e tem um cunho mais bucólico que a praça central, que estudaremos em seguida. Ela serve de espaço de contemplação para a fachada sul do centro Pompidou, para a fachada de cerâmica do IRCAM e para algumas das salas de aula desta última, separadas por um teto metálico, além das esculturas citadas. Jean Tinguely definiu bem o propósito da fonte, e por consequência, da praça: “O único jeito de atingir o objetivo [de não construir um objeto monumental que entrasse em conflito com o Pompidou, nda] seria de caminhar

pelo lado oposto; pensar em termos de psicologia, de velocidade, de movimento, de charme, de jogos, de competir com os artistas de rua, as orquestras afro-

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Imagem 22: Vista da praça Georges-Pompidou, sua inclinação e vida.

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Imagens 23 e 24: A explosão cultural e de vida da praça.


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-cubanas, os cuspidores de fogo, que se apresentavam em frente ao centro. Por isso devia ter cores, o ouro da Fênix [nome de composição de Stravinsky, nda] Eu queria um alarme, uma resposta à luz do sol...”. A praça e a fonte que

a permeia são frutos de um longo estudo de insolação e ventilação. Tinguely afirmou ter passado um ano contemplando os movimentos do sol e do vento antes de concluir o projeto. Estudo que rendeu frutos pois quem passa por lá sente imediatamente ventos leves na medida e uma ótima incidência solar. Em oposição a praça Stravinsky se encontra a praça principal, nomeada praça Georges-Pompidou, em homenagem ao idealizador do concurso e da renovação cultural. Esta por sua vez é inclinada, gerando um movimento de apreciação ao edifício, se tornando uma arquibancada, uma ágora para a contemplação deste. Sua dimensão monumental (11mil m²) e seu piso seco e livre de intervenções fixas gera curiosidade no homem e o incita a usá-la. A praça Georges-Pompidou virou um ponto de encontro e de agito cultural para o habitante de Paris dominada a todo momento por “saltimbancos” e artistas de rua mais diversos e assim atraindo o olhar do homem para fora de sua rotina. Milton Santos já nos propôs uma visão clara deste sistema ação/reação, fixo/fluxo, entre o espaço e a ação humana. Segundo Santos, os elementos fixos permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e as condições sociais. Por outro lado, os fluxos são o resultado lógico, direto ou indireto, das ações e atravessam ou se instalam nos fixos modificando sua significação e o seu valor ao mesmo tempo que se modificam eles mesmo. Fixos e fluxos quando bem intencionados geram uma interação harmoniosa e humana. Hoje porém em tempos de excesso de velocidade de informação e de desenvolvimento fútil, os fixos se tornam cada vez mais artificiais e mais fixados ao solo, enquanto que os fluxos são cada vez mais diversos, mais amplos e acima de tudo mais rápidos. As pessoas raramente se dão o tempo de usufruir um fixo, pois estão carregados pelo fluxo diário alucinante. Outra interpretação relevante do momento atual da relação fixo/fluxo é dada pelo antropólogo francês Marc Augé (1935), com a sua teoria do não lugar. O não lugar é o espaço imutável (o fixo fixado ao solo, enraizado, sem condições de ser moldado) onde o ser humano se torna anônimo. Onde a solidão é compartilhada. Exemplos desse não lugar são os transportes públicos, supermercados, a fila do cinema e até campos de refugiado. A metrópole atual está repleta de não lugares, e isto é preocupante, pois neles a interação

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humana é mal vista e abafada pela lógica do consumo. É a cidade definindo o homem. Porém nem todos pensam como Augé, apesar de sua definição ser clara e fruto de um estudo dos padrões atuais, e vêem estes espaços de uma maneira mais lírica: carrefours humanos. Cabe a nós arquitetos justamente reacender esta chama da necessidade inerente do homem por interação e sociabilidade. O espaço construído deve entrar em harmonia com o não construído e liberar o ócio do cárcere do preconceito da mente do homem. O Pompidou é um monumento à esta interação entre fixos e fluxos, entre homem e homem. CONCLUSÃO

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O ócio contido no conjunto praça edifício aqui é dos mais eficazes já vistos: o programa múltiplo e artístico interno e o programa indefinido externo, fruto da intervenção humana, permeia fluxos e atividades da mente e do corpo e assim gera novos relacionamentos entre o povo e a cidade e entre o povo e o povo. A praça não é um mero espaço de espera para adentrar o edifício, mas se torna o elemento principal de interação entre eles. Ela não seria nada sem o edifício, e por que não dizer o contrário? Por fim, o Centre Georges-Pompidou é prova de que a arquitetura realizada com ousadia e contexto e para o homem quebra paradigmas e cria reações inesperadas e positivas. A prova de que o espaço sem programa determinado, livre de intervenções, em harmonia com o edifício pode sim gerar um todo mais humano. O parisiense se viu, em meio à uma crise de identidade, surpreendido por uma intervenção que o fez reacender a sua vontade pelo ócio e pela cultura.


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Imagem 25: Vista aérea do Parc La Villette.

Imagem 26: Vista do conjunto folie - Géode - Cité des Sciences


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PARC DE LA VILLETTE - PARIS O PARQUE COMO INTERLÚDIO ENTRE OS DIFERENTES PROGRAMAS VOLTADOS AO TEMPO LIVRE “O que é arquitetura? Devo defini-la como a arte de construir, nas palavras de Vitruvius? Não. Esta definição contém um erro cracho. Vitruvius toma o efeito pela causa. Devemos conceber para construir. Nossos ancestrais somente construíram suas tendas após terem concebido sua imagem. Esta produção da mente, esta criação é o que constitui a arquitetura, a qual podemos agora definir como a arte de produzir qualquer edifício e leva-lo à perfeição. A arte de construir é uma arte secundária e me parece mais apropriado chamá-la da parte científica da arquitetura” Etienne Boullée, 1778 Com a Revolução Industrial e a decorrente aceleração de todos os processos, os espaços de sociabilidade da cidade foram ficando cada vez mais escassos e esquecidos. As praças se tornam vias de circulação e os parques, antes locais de lazer e diversão e de beleza lírica, espaços de espera para idosos e crianças. A cidade do século XX é inóspita e utilitária e não responde às aspirações de seus habitantes. A idealização e criação de novos modelos de parque era indispensável para a saúde da cidade e seu povo. O Parc de la Villette aparece em uma época de necessidade de renovação cultural, tanto em Paris como na Europa inteira, como o Pompidou, e se transforma em modelo de inovação e de arquitetura do ócio. No caso do La Villette, o ócio se apodera de uma escala maior: o olhar se perde e a contemplação não tem um foco específico, o transeunte se encontra em harmonia com a natureza e suas diversas formas, da água ao gramado vasto. A arquitetura da contemplação aqui proposta pelo suíço (com um pé na França) Bernard Tschumi (1944) é prova de que o racional pode gerar o inesperado: o grid e as folias, aliados ao programa múltiplo e terreno enorme, criam percursos e permanências aleatórias para o visitante, assim elevando a sua experiência do ócio.

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CONTEXTO HISTÓRICO

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A iniciativa de construir um parque ao extremo Leste de Paris surgiu após a desativação, em 1973, dos abatedouros instalados naquele terreno por Napoleão III em 1867. O projeto andou lentamente até chegar nas mãos do então presidente François Mitterrand, eleito em 1981. Tendo em mente o recente projeto do Pompidou ele defende a sua proposta com a afirmativa de que modelar a cidade de acordo com seus espaços de respiro e de encontro é uma escolha política necessária. O concurso toma forma em 1982 e teve em seu jury, entre outros, o próprio Renzo Piano. Jury este composto por pessoas das mais diversas áreas: haviam políticos, teóricos, historiadores, um escultor, sociólogos, pintores, um biologista e diversos arquitetos. No total 805 grupos de 41 países diferentes foram inscritos, entre eles se encontravam grandes nomes como Meier & Partners, Rem Koolhaas, Jean Nouvel, Gaetano Pesce, entre outros. No edital do projeto consta uma nota interessante: “[...]não se trata aqui de construir um pátio, ou um parque florestal nos portões da cidade, muito menos habitações sociais ou prestigiadas em meio aos gramados e bosques. A idéia de zoning das décadas de 50 e 50 está ultrapassada”. Além desta nota, a citação de Hegel (1770-1831) que inicia o edital também é curiosa: “A natureza se transforma em uma vasta morada debaixo do céu aberto...”. Outra citação, de Rabelais (1493-1553) completa o edital e demonstra bem o caráter público e sem fronteiras (o parque fica aberto noite e dia e não tem claustros): “Fay ce que voudras” (“Farás o que quiser”, em tradução livre do francês arcaico). Edital este vencido por Bernard Tschumi em 1983, que até então era mais conhecido pelos seus escritos do que projetos. Sobre esta resolução, o teórico D. Nordmann completa: “O futuro parque é mais concebido como uma reflexão

teórica e conceitual sobre o lugar da natureza na cidade pós-industrial do que um equipamento urbano”.

O La Villette será inaugurado em 1987 e, ao exemplo do Pompidou, transforma definitivamente e novamente a paisagem política e cultural de Paris tornando acessível não somente a cultura mas também o lazer e acima de tudo a expressividade do ser humano. O ócio, novamente, aqui é para todos e todos os gostos.


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NATUREZA X RACIONAL O desafio principal encontrado por Tschumi foi sem sombra de dúvidas a escala monumental do terreno. Como criar uma lógica entre o caminhar imprevisível gerado pela mente do ser humano e o produto racional físico desta última, a arquitetura? Como mesclar natural e artificial em um espaço sujeito à constante transmutação? Apesar do programa não estar completamente definido na época, pois alguns projetos viriam a ser adicionados futuramente, reforçando a ideia de transmutação, Tschumi já tinha um grande leque de edifícios construídos ou em construção à serem implantados no terreno de 55 ha, o maior parque da região intra muros de Paris. A problemática criada pela amplitude do terreno (natureza abstrata x racionalidade humana) foi resolvida por Tschumi separando, mas não repartindo, esse último em três elementos matemáticos: pontos, linhas e superfície. Os pontos são exemplificados pelo sistema de grid (malha) permeado por folies (folias), elementos arquitetônicos sem programa definido (hoje alguns tem utilidade, como escritório ou restaurante). São 35 no total, todos diferentes. As folias, dispostas racionalmente na malha, servem como referência contempladora para o transeunte: este, levado pela liberdade e magnitude leve da natureza, se depara com estes símbolos da arquitetura disruptora, da construção humana sem sentido específico, e assim toma consciência do sentido unitário do parque. Para completar este sentimento de unidade se adiciona à malha pontual de folias o segundo elemento, as linhas. Estas por sua vez são compostas pelos múltiplos edifícios e os caminhos de cobertura ondulada e tem como finalidade conectar os pontos em um “caminhar cinematográfico”, nas palavras de Tschumi, e assim produzir a lógica do projeto. Os edifícios implantados no parque são inúmeros e dos mais variados programas, para assim atender à complexidade da mente humana. Destes é importante citar La Grande Halle de La Villette, edifício inaugural do projeto e único remanescente do antigo abatedouro que hoje abrigas os mais diversos eventos e festivais; a Cité des Sciences et de l’Industrie, edifício de 150mil m² consagrado à difusão do conhecimento científico; La Géode, edifício geodésico espelhado curioso que comporta um cinema 360º; a Cité de la Musique, de Portzamparc, consagrado à música e sua expressividade; a recente Filarmônica de Paris, de Jean Nouvel; e outros projetos que dão vida e complexidade ao parque, como o Zénith e

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Imagem 27: Diagrama de Tschumi evidenciando o sistema do projeto.


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o Trabendo, casas de show moderninhas, um teatro, um cabaré, um submarino museu, teatros, um centro de hipismo, entre muitos outros. Por fim, os pontos e as linhas se conectam em cima das superfícies, plano fundamental do projeto e que dá textura à este. São 33 áreas verdes no total, e são nelas que o homem tende à se perder, se surpreender e exercer sua imprevisibilidade e alegria. Em grande parte delas foram implantadas atrações interativas, áreas de lazer (existe um circo em escala menor, uma feira e até carrosséis) e brinquedos dos mais diversos portes (o mais notável é um escorregador gigante em formato de dragão). Além disso, diversos eventos tomam vida nelas, como cinema ao ar livre e apresentações. Mas o verdadeiro show se dá na sua ocupação natural e intuitiva do homem. É na união destes três elementos propostos de maneira genial por Tschumi que o homem exerce todas suas formas de ócio. Seja se deixando levar pela curiosidade gerada pela grandeza dos espaços verdes e pela surpresa fruto da elegância dos elementos alegres e lúdicos que o compõe, ou se deixando transportar pela racionalidade do caminho gerado pelas linhas, a malha e os seus diversos finais arquitetônicos. O homem que visita o La Villette pode, no mesmo dia, assistir à um filme panorâmico, pular em colchões gigantes de ar, ver uma exposição interativa sobre os irmãos Lumière ou simplesmente apreciar um saboroso piquenique às margens do canal d’Ourcq. PENSAMENTOS DO ARQUITETO Fica evidente que o La Villette é fruto de uma conceituação profunda do autor. Autor este, que, ao contrário de Renzo Piano, aprofundou-se muito em escritos e teorias (há algo de interessante nesta diferença entre a mentalidade do arquiteto suíço/francês e italiano). Tschumi na época estava diretamente sob a influência dos escritos do filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004) e do arquiteto e teórico americano Peter Eisenman (1932). Os experimentos conjuntos destes dois levavam em conta todos os movimentos chamados de primeiras vanguardas, tais quais: os construtivistas, surrealistas, cubistas, expressionistas, abstratos e, o mais importante, os desconstrutivistas russos. Estes movimentos tendenciosos e puramente experimentais, tanto no campo da linguagem quanto da produção física, acrescentaram ao boom criativo do momento novas maneiras de ler a arquitetura e a arte. No nosso caso, fica

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Imagem 28: Diagrama House III de Peter Eisenman, principal influência de Tschumi, com Derrida.


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clara a teoria de Eisenman de que a arquitetura é resultante da expressão da metodologia do processo de criação. Além das influencias das vanguardas e do emprego das teorias desconstrutivistas de Eisenman e Derrida, Tschumi nos sugere no La Villette conceitos próprios como a ênfase da temporalidade, da sequência e do movimento, aliados à uma representação gráfica inovadora (os desenhos projetuais de Tschumi e seus diagramas tem uma linguagem única). Esta conceituação intensa no momento do projeto gerou dois escritos importantíssimos: Manhattan Transcripts (1981) e Architecture and Disjunction (1996). Escritos que aglomeram um conjunto de pensamentos e conceitos, frutos dessa análise de seu tempo e seus movimentos. É importante aqui, para melhor compreendermos como o ócio é contido no La Villette, além de sua forma e processo criativo, citar alguns destes. Como Lafargue, Tschumi denunciava o momento da sociedade, onde o lucro prevalecia sobre o humano. Segundo ele, a arquitetura também era refém do molde consumista e assim declarou que “a arquitetura sobrevive

somente quando nega a forma que a sociedade espera dela. Quando se nega transgredindo os limites que a história impôs para ela”. Assim, a arquitetura

não deve se deixar levar pelo preconceito obscuro do “suplemento artístico” ou, pior ainda, da justificação cultural para manipulações financeiras gerados pela lógica do capitalismo. “A arquitetura”, completa Adorno (1903-1969),

“produz um deleite que não pode ser vendido ou comprado, que não tem valor de troca e acima de tudo não pode ser integrado ao círculo da produção”. O La Villette assim se inclui na definição de Guerrilla Architecture, proposta

na Bauhaus: uma arquitetura para o momento em que está incluída e suas necessidades humanas, transgredindo assim o momento econômico e político. Uma arma de disrupção social. Outro conceito interessante de Tschumi é o da violência na arquitetura.

“Não há arquitetura sem ação, sem evento, sem programa. Por consequência, não há arquitetura sem violência” constata. Ele afirma, de maneira ousada,

que a lógica dos objetos e a lógica do homem são independentes da lógica do mundo, porém é inevitável que eles se confrontem de maneira intensa. A violência aqui não é no sentido da brutalidade física da palavra, mas sim da intensidade entre o relacionamento do indivíduo com os espaços à sua volta. A intensidade dos eventos. À problemática aqui é o quão esta relação é simétrica: existem casos onde a ação do homem domina o espaço, ou vice-versa?

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Imagem 29: Diagramas de Tschumi evidenciando a violência na arquitetura. Aqui já se percebe a nova linguagem gráfica criada por ele.

Imagem 30: Diagrama de Tschumi sobre a racionalização da natureza.


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Esta discussão originada por Tschumi é muito importante na compreensão do espaço como controlador de ações humanas13 (o quanto o programa é importante na arquitetura, e quais são os seus limites) e na compreensão dos espaços moldados e definidos pelo movimento do homem. O autor é a favor do equilíbrio entre espaços que liberem a espontaneidade do ser humano e espaços programáticos, onde os eventos se sucedem de acordo com uma função. Porém, o espaço deve ser independente do programa. Há uma certa sensualidade nesta violência da arquitetura, gerada justamente pelo conflito entre as forças racionais e irracionais (entre transgressão e ordem), que deveria ser mais estudada e acima de tudo levada em conta em qualquer processo arquitetônico. A arquitetura deve liberar a pulsão criativa do homem que se encontra cada vez mais encarcerada pelos valores da sociedade atual. Fruto desta violência da arquitetura se encontra o conceito de sequência. Para Tschumi o caminhar da experiência arquitetônico deve tomar a forma de um plano cinematográfico, como já citado anteriormente. No La Villette esta sucessão de planos fica evidente. Como Diderot em sua leitura da rotina, Tschumi aqui acrescenta um tom artístico a suas ideias. A sequência espacial implica no movimento do observador; movimento este que provém da noção de coreografia: ele procura se desprender de sua definição pré-estabelecida de ação como fim para assim se concentrar no seu efeito espacial no momento me que é executado, ao exemplo dos dançarinos, jogadores de futebol, acróbatas, entre outros “artistas do movimento corporal”. Para Lautréamont (1846-1870)

“Se mover não é se transladar de um ponto para o outro, mas estar sempre executando uma imagem, assumindo um certo ritmo corporal”. O sentido final

de qualquer sequência depende diretamente da relação, citada no conceito de violência, espaço/evento/movimento. Da mesma maneira que a sequência na arquitetura pode ser vista como uma sucessão de planos cinematográficos e de movimentos humanos, Tschumi nos questiona se ela pode ser vista também como uma sequência narrativa: “Se a narrativa da arquitetura corresponde à narrativa da literatura, 13 Controle que em alguns casos extremos leva a arquitetura da tortura, definida por Tschumi e os arquitetos comportamentais como os espaços concebidos para o desconforto da mente humana. Diariamente nos deparamos com este tipo de arquitetura: corredores de metrô lotados, escadarias soltas e apertadas, materialidade escura, e até casas de show. Porém, novamente, esta definição está sujeita à complexidade da mente humana, pois termos como sadismo demonstram que para alguns, onde há desconforto, para outros há prazer. A arquitetura é acima de tudo um estudo da psicologia humana.

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o espaço aliado aos símbolos está tentando nos transmitir um discurso?”. A

arquitetura é uma linguagem? No La Villette, fica explícito que sim: o caminhar daquele que se aventura pelo parque redige sucessivamente o romance narrativo ou roteiro daquela experiência. CONCLUSÃO O La Villette, como o Pompidou, respondeu às inquietudes culturais e necessidades recreativas da sociedade parisiense. O novo conceito de parque proposto por Tschumi, que consistiu em justapor as múltiplas atividades, texturas e planos e integrá-los com a imprevisibilidade e curiosidade do ser humano, renovou os ideais do momento e trouxe a questão do ócio na arquitetura de volta ao centro dos debates. Ócio este que foi tratado de maneira bela e artística pelo autor, pois o projeto, sua escala, os elementos arquitetônicos e naturais de todos os tipos, geram infinitos passeios e permanências. No La Villette, a complexidade do ser humano está a vontade e livre para se expressar e caminhar como bem entender.

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PROPOSIÇÃO CENTRO DE CULTURA E LAZER CONSAGRADO AO ÓCIO E CONTEMPLAÇÃO DA VIDA, OU CENTRO DO ÓCIO SÃO PAULO 89


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“Nós arquitetos, não deveríamos pensar em espaços privados e espaços públicos. O único espaço privado é a mente humana e o grande desejo do homem é que sua mente se faça pública, que consiga se comunicar”. Paulo Mendes da Rocha


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Na perspectiva de justificar sua afirmação de que se é espaço, deve ser público, Paulo Mendes da Rocha afirma que “a maior parte das cidades são uma herança de um passado amargo que privou dos benefícios da cidade a maior parte dos indivíduos”. O espaço público é o que define o homem da metrópole, e como já questionou Tschumi, é a cidade que define o homem ou a ação do homem que define a cidade? Cabe a nós após todas as definições e reflexões percorridas até agora, em torno do ócio e do relacionamento da cidade e do homem com ele, propor um modelo de edifício público. Não se trata aqui de vender o projeto ou descrevê-lo tecnicamente, mas acima de tudo propor elementos arquitetônicos sob a ótica da definição atualizada do ócio. Onde ele se expressa. A arquitetura aqui serve como manifesto e acima de tudo uma resposta arquitetônica aos pensamentos do autor.

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Imagem 31: Implantação do projeto na cidade de São Paulo.


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Imagem 32: Implantação do projeto e relação com o entorno imediato.


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Imagens 33 e 34: Vista noturna e diurna da fachada Leste, virada para a av. AngĂŠlica.


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A NECESSIDADE DA OUSADIA NO PROJETO PÚBLICO São Paulo é uma metrópole onde a lógica do capitalismo e do automobilismo foram os verdadeiros arquitetos da cidade e prevalecem até hoje. O espaço público aberto em forma de praça ou parque consagrado ao homem que ainda dá valor às suas pernas e à experiência física do lugar. Nesse contexto, essa realidade deve ser tratada com cautela. O que se observa em São Paulo são muitos desses espaços abandonados, mal cuidados e esquecidos pelo homem. Espaços que em sua maior parte tem um grande potencial. Caso da área em questão. Um dos deveres do arquiteto é propor projetos ousados que reciclem o potencial destas áreas com elementos arquitetônicos sem, acima de tudo, descartar a essência do passeio e contemplação. Dar vida à praça e parque, sem transgredir o seu sentido, e surpreender o habitante da metrópole entorpecido pela rotina. Ilhada e transformada em área invisível pelo sistema viário circundante, a praça Marechal Cordeiro de Farias se encontra no limiar do vale horizontal calmo do Pacaembú e da verticalidade caótica, no sentido de movimento intenso, da av. Paulista, e passa despercebida pelo transeunte da área. O potencial do terreno se dá justamente nesses dois pontos focais: a praça, escondida pela sua horizontalidade térrea, geraria lindas vistas se fosse elevada, e por consequência atrairia o olhar e a energia daquele que transita ao seu redor. Não basta criar uma arquitetura do ócio, ela tem que atrair o seu principal ator, o homem. Não existe peça de teatro sem personagem, ou um público.

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Imagem 35: Acesso principal para quem vem da av. Paulista: vida e movimento da praça seca inclinada.


Proposição

A PRAÇA REVISITADA É preciso reinventar a praça ou incrementá-la pela simples vontade de reacender a chama do homem pela necessidade do espaço público. No nosso projeto a praça perde sua característica nivelada e se inclina em direção ao edifício implantado, confundindo térreo e primeiro pavimento. Para não perder sua característica original, a praça continua sem intervenção, lisa e seca, e sua função é individual: cabe à imprevisibilidade do ser humano dar vida à ela. O espaço público sem equipamentos é muito debatido hoje em metrópoles como São Paulo, pelo fato de ainda existirem (muitas) pessoas mal intencionadas ou simplesmente sem rumo que o utilizam. É um fato que o espaço vazio está sujeito à ocupação e intervenção depredatória do homem. Tendo essa constatação em vista, foram pensados alguns elementos durante a concepção do projeto compreendendo desde a implantação do próprio edifício que flutua em cima da Praça, a boa iluminação tanto da praça quanto do edifício, sua boa localização e a proposta da realização no espaço de feiras temporárias durante toda a semana. Eles pretendem acionar o lado bom do humano e gerar ali um espaço de interação e entretenimento intensos. Aqui a intenção de termos uma praça inclinada está muito próxima da função que identificamos no Pompidou. Pretendemos gerar um movimento de contemplação à cidade e ao edifício, e acima de tudo um espaço atraente e com vida, ao contrário do que ali temos atualmente. Ela é o início do plano sequencial criado pela totalidade do projeto, a primeira linha do roteiro da experiência.

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Proposição

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Imagem 36: Acesso da praça à circulação livre. O jogo de escadas flutuantes (efeito gerado pelo engaste à estrutura) leva a curiosidade do homem até todos os programas inseridos no interior do centro.


Proposição

O EDIFÍCIO COMO TEMPLO PARA O EXERCER DA COMPLEXIDADE HUMANA Ao exemplo da praça, o edifício que a completa deve ser público e procurar satisfazer a complexidade do ser humano. Ele deve ser uma continuação da primeira em sua essência. Assim o programa em seu interior é múltiplo e abrange diferentes áreas da cultura e lazer do homem moderno: da quadra poliesportiva à biblioteca de filosofia, do restaurante panorâmico à sala de meditação, do ateliê de novas tecnologias à mediateca interativa, e assim por diante, à exemplo do La Villette. O programa não deve regrar o caminho do homem, e como já tinha inferido o próprio Tschumi, é importante que seja independente do espaço. Assim, o formato de todos é livre, cada um está internamente solto da casca estrutural: a vedação interna não acompanha a totalidade do pé direito e tem diversos formatos e alturas, todos em harmonia com o sistema de circulação. Isso gera uma flexibilidade de uso e diferentes movimentos em seu interior. O edifício propõe o seu uso, porém este será delimitado por cada um que o adentra.

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Proposição

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Imagem 37: Corte longitudinal demonstrando os diferentes programas e movimentos no interior do edifĂ­cio.


Proposição

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Proposição

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Imagem 38: Corte transversal demonstrando o sistema de pórtico e a circulação de segurança.


Proposição

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Imagem 39: Corte transversal demonstrando o corredor vertical de circulação livre, coração e fio condutor do edifício.


Proposição Ateliês.

Auditório e pavimento administrativo.

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Anexo da mediateca e mezaninos.

Sala de leitura e meditação

Imagem 40-43: Os diversos usos do edifício, independentes da estrutura deste, gerando cores e diferentes sensações.


Proposição

A EXPERIÊNCIA DO ESPAÇO ENALTECIDA PELA MATERIALIDADE E LUZ DO PROJETO Os estudos da semiótica comprovam que o conforto e a qualidade da experiência do momento arquitetônico dependem diretamente da textura e das cores dos elementos visuais que serão percebidos pelo homem ao caminhar no edifício. São Paulo é conhecida por ser uma cidade cinza e com prédios feios, caracterizados pela falta de arrojo e coragem da maioria dos arquitetos. Esses deveriam portanto levar em conta que o homem é um ser alegre e surpreendente por natureza. Um ser que necessita de vida, cores, luz e sensualidade no espaço ao qual pertence. O vermelho e o traço feminino em Niemeyer, os tons de roxo e o brilho em Ohtake, entre outros, demonstram que grandes arquitetos levam em conta no seu processo criativo esses aspectos, estando atentos às diferentes matrizes, com enfoque na dimensão mais mística da arquitetura, e em última instância seu lado mais humano. Nosso projeto alimenta-se ainda dos estudos da semiótica e cria uma espece de figura de linguagem arquitetônica próxima da antítese, que se expressa aqui ao nível dos materiais: o branco das poucas paredes alvenaria e o cinza do concreto aparente em sua casca estrutural geram um efeito pesado, monumental, onde o homem se sente intimado; porém a totalidade de seu interior é em paredes de vidro colorido (repartidos nas três cores básicas, o azul, amarelo e vermelho) e materiais tecnológicos (como paredes e pisos interativos e painéis de exposição modulares), criando um confronto belo. Entre outros elementos que geram essa surpresa da aproximação de materiais opostos é importante citar o labirinto de pisos coloridos de led, dos quais o homem pode seguir os caminhos sugeridos por cada cor, ou se deixar levar pelo aleatório. A noite, a iluminação interna, aliada aos pisos de led e ao brilhos dos vidros coloridos, gera um efeito pop/futurista, um farol colorido, para quem está do lado de fora, e provoca uma explosão de sentidos para quem está dentro. Pela sua implantação, quem caminha pela avenida Paulista consegue perceber este efeito notável e se sente convidado à descobrir o Centro do Ócio. O paradoxo monumento rígido monocromático/edifício pulsante e colorido pretende suscitar a curiosidade no homem e provocar as mais diversas sensações, pois sem elas não há vida.

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Proposição Imagem 44: Vista das varandas geradas pelos patamares das escadas livres, gerando vistas em todos os andares. O edifício é repleto de varandas e espaços “surpresas”, onde o homem se depara em meio ao caminhar com belas vistas. Fachada Oeste.

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Imagem 45: O efeito de monumento gerado pelos vazios e altos pés-direitos. Espaços grandes geram um caminhar tranquilo e livre para o homem. Fachada Leste.


Proposição

A IMPORTÂNCIA DA CONTEMPLAÇÃO E DO CAMINHAR Por fim, o caminhar e a contemplação são condições sine qua non do ócio. O homem, em um edifício que se diz público, deve ao adentrá-lo tornar-se um flâneur. Por isso os espaços de permanência devem ser bem construídos para assim gerar vistas e acima de tudo devem ser conectados por circulações confortáveis e variadas, que aprimorem a sensação leve que é caminhar. No nosso edifício as plantas são livres de pilares intermediários graças a estrutura em grelha e aos pilares principais de grandes dimensões. Isto, aliado aos corredores largos e altos pés-direitos (mínimo de 4.5m) geram liberdade e conforto no passeio do visitante. A circulação principal, e coração do projeto juntamente com a praça inclinada, se dá pela centrífuga: um corredor aberto de circulação vertical composto por escadarias engastadas em 4 pilares monumentais, posicionadas opostamente. Ao subí-la a pessoa parece levitar; cada patamar, pelo fato de estar virado para a rua, torna-se uma varanda de contemplação da cidade. O vazio entre as escadas é pequeno, 15m, gerando um movimento eferente em dias de grande movimento. Há também o labirinto de pisos coloridos, composto por linha azuis, amarelas e vermelhas (cores que simbolizam o projeto) pintadas sobre o piso de cimento queimado base, de texturas diferentes. A noite esses pisos são iluminados com led, sugerindo o caminhar e desafiando o visitante a segui-los. Em diálogo com a praça está o belvedere, localizado na cobertura do edifício, à 26m de altura. É nele que a potencialidade inicial do terreno se materializa: o corredor da av. Paulista de um lado, e o vale do Pacaembú do outro geram vistas esplêndidas para aquele que se aventurar até o topo do edifício; para maximizar esta experiência contempladora há também um bar e um restaurante, todos protegidos por uma cobertura inspirada nos cobogós modernistas. O belvedere seria no nosso projeto o irmão gêmeo da praça, e teria a função da terrasse parisienne, terraços típicos dos cafés parisienses onde, podemos sentar a qualquer hora do dia, sozinho ou com amigos para dar asas ao nosso ócio poético.

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Proposição

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO LICHTENSTEIN

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BOULLÉE WARHOL

Imagens 46-51: Algumas referências e perspectivas finais.


Proposição

O EDIFÍCIO EM UMA FRASE Convidado pelo despertar da curiosidade, o homem se lança na experiência do monumento ao ócio para assim exercer sua complexidade.

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Conclusão

CONCLUSÃO REFLEXIVA Tanto a arquitetura e seu praticante, o arquiteto, quanto o ócio e seu atuante, o ocioso, sofreram e ainda sofrem preconceitos, apesar dos novos paradigmas que foram surgindo com os pensadores contemporâneos em torno desses conceitos. Vimos que os processos históricos de mudança social foram aos poucos atropelando estes termos tão essenciais para a vivência saudável. Termos que, querendo ou não, estão enraizados no inconsciente do ser humano, pois desde a aparição do homem moderno, com o advento da agricultura, nos protegemos em moradas, frutos do pensamento arquitetônico, e procuramos nos divertir sempre que a oportunidade se apresenta. Com as Revoluções Industriais e a aparição da sociedade do consumo e da lógica da produção, que acabou atingindo proporções praticamente irracionais, o arquiteto se torna “o cara que inclina o pilar”, e o ocioso, o vagabundo. Negar a importância da experiência tanto da arquitetura quanto do tempo livre no cotidiano é negar a si mesmo.

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Espero profundamente que, com este trabalho, produto da contemplação diária das pessoas e dos espaços rotineiros e dos questionamentos da tábula de valores atuais; produto do ócio criativo, do interesse, da alegria de conversar e de interagir com o próximo; produto do tempo livre bem empregado; produto do hábito saudável, da conciliação; as definições fiquem mais claras e que acima de tudo os preconceitos desapareçam. Viver sem julgamentos, conciliando a tendência à disrupção natural do ser humano com o momento atual da sociedade em que está inserido, é necessário. Respeitar o trabalho da arquitetura e a beleza do tempo livre é respeitar a si mesmo.


Conclus達o

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BIBLIOGRAFIA ALBORNOZ, Suzana Guerra. Sobre O direito à preguiça de Paul Lafargue. Santa Cruz do Sul, Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. Departamento de Ciências Humanas da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), 2008. ARANTES, Otilia Beatriz Fiori. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo, EDUSP/NOBEL/FAPESP, 1993. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10.ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Forense Universitária, 2004. BARTALINI, Vladimir. Parques públicos municipais de São Paulo: a ação da municipalidade no provimento de áreas verdes de recreação. (Tese de Doutorado). São Paulo, Universidade de São Paulo, 1999.

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BUCHANAN, Peter. Renzo Piano Building Workshop Vol. 1 e 3. Ed. Phaidon. 2010 CALVET, Otávio Amaral. Direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2006. DE MASI, Domenico. A economia do ócio. Rio de Janeiro, Editora Sextante, 2001. DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro, Editora Sextante, 2000. DOLLFUS, Olivier. O espaço geográfico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil,1991. DUMAZEDIER, Jofre. Sociologia empírica do lazer. São Paulo, Perspectiva, 1976. KAHNEMAN. Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar. Rio de Janeiro, Objetiva, 2011. KASSER Tim, KANNER Allen. Psychology and Consumer Culture – The Struggle for a Good Life in a Materialistic World. American Psychological


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ÍNDICE DE FONTE DAS IMAGENS Imagem 1: wikiart.org Imagem 2: wikiart.org Imagem 3: wikiart.org Imagem 4: wikiart.org Imagem 5: wikiart.org Imagem 6: wikiart.org Imagem 7: wikiart.org Imagem 8: wikiart.org Imagem 9: wikiart.org Imagem 10: wikiart.org Imagem 11: wikiart.org Imagem 12: wikiart.org Imagem 13: wikiart.org Imagem 14: wikiart.org Imagem 15: wikiart.org Imagem 16: Google images Imagem 17: Google images Imagem 18: Google images Imagem 19: Google images Imagem 20: wikiart.org Imagem 21: Renzo Piano Building Workshop Vol. 3. Ed. Phaidon. 2010 Imagem 22: Renzo Piano Building Workshop Vol. 3. Ed. Phaidon. 2010 Imagem 23: Renzo Piano Building Workshop Vol. 3. Ed. Phaidon. 2010 Imagem 24: Renzo Piano Building Workshop Vol. 3. Ed. Phaidon. 2010 Imagem 25: Google images Imagem 26: Google images Imagem 27: Google images Imagem 28: Google images Imagem 29: Architecture and disjunction. Ed. The MIT Press, 2001. Imagem 30: Architecture and disjunction. Ed. The MIT Press, 2001. Imagens 31-51, flâneurs na transição de capítulo e símbolo do projeto de autoria própria.

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