contos arquite tĂ´nicos
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contos arquite tĂ´nicos
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JULIO TARRAGÓ RIBEIRO Trabalho Final de Graduação Orientadora Marta V. Bogéa Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Junho de 2016
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Agradeço aos professores, alunos e funcionários da FAUUSP que de alguma forma, participaram dessa longa e sinuosa caminhada. Sou grato também às pessoas queridas da Escola da Cidade, onde cursei meus primeiros três anos de graduação e que constituíram a minha base de desenho e projeto. Aos amigos da Brasil Arquitetura, que nesses quatro anos, significaram minha terceira escola. A Pat, que teve a paciência de revisar meus textos e aguentar meu tema único. Ao Pedro, meu irmão conselheiro em literatura e a meus pais, porque, afinal, nada disso existiria sem eles.
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PARTE 1 01. LIMITES DO POSSÍVEL Arquitetura na Chave do Realismo Fantástico 02. REFERÊNCIAS EXTERNAS Estratégias de Inserção 03. REFERÊNCIAS INTERNAS Prólogo do Trabalho
PARTE 2 04. O FAROL Casa para Zelador do Heliporto 05. A CAVERNA Escadaria da Avenida Nove de Julho com Martinico Prado 06. O PENHASCO Viaduto Bernardino Tranchesi
07. CONSIDERAÇÕES FINAIS 08. BIBLIOGRAFIA
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PARTE 1
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01. LIMITES DO POSSÍVEL: ARQUITETURA NA CHAVE DO REALISMO FANTÁSTICO
O motivo deste trabalho surge do desejo de, através do desenho, delinear paisagens fantásticas na cidade de São Paulo. Ao longo da minha formação fui desenvolvendo um fascínio pelos vazios residuais das grandes cidades, misteriosos e intrigantes. Ao deslocar-me, principalmente pelo centro, diversas situações arquitetônicas convidavam a um devaneio projetual. A ideia é reconhecer essas sobras e, com o desenho, torná-las parte vivida da paisagem. À esquerda, “puxadinho”
As fotos que acompanham esta introdução foram tiradas
corajoso; Na
por mim durante meus anos de graduação, nas viagens
página seguinte, empenas irmãs.
e andanças por São Paulo. Elas constituem o início do
São Paulo,
meu interesse em resgatar e reconhecer esses lugares tão
2013 e 2015
cheios de potencialidades. 11
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Mergulho no
Regiões vacantes, vazios sub-utilizados ou sobras do pas-
vazio, antigo silo
sado, sempre presentes na paisagem das grandes metró-
para armazena-
poles, configuram áreas abertas e sujeitas às pressões
gem de grãos. Buenos Aires,
econômicas e sociais que as produzem. Diferentes épo-
2013
cas, esquecidas do imaginário das cidades, acumulam-se sobre as outras em constante reformulação. Antigas estruturas abandonadas ou inacabadas são ocupadas por pessoas que na necessidade souberam identificar essas brechas. Esse lado B da malha urbana, ou “arquipélago de vazios”, nas palavras do arquiteto Italiano Francesco Careri, “[...] seria a reserva magnética da potência de uma cidade, espaços de liberdade plena que escapam da vigilância e do controle de arquitetos, planejadores urbanos, burocratas, além da fúria do mercado imobiliário”. Espaços que carregam diversas possibilidades não convencionais se encaradas de maneira contemporânea. Diferentemente do nosso passado moderno, temos de ter a consciência de que a preexistência é parte essencial aos projetos, sendo o diálogo temporal uma premissa. Imagem do Google StreetView. Escadas finitas sob viaduto no canteiro central da Avenida 13 de Maio, possível plataforma de desembarque para trens de superfície.
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Imagem do
Neste trabalho busco tensionar o conceito de lote ou de
Google Earth.
vazio. Uma parte de um edifício, de uma ruína ou de um
Cobertura do edifício Conde
viaduto podem ser encarados como o suporte no qual
Prates, contruído
iremos projetar. Ao abrirmos o leque de possibilidades, o
sobre antigo pala-
“lote” aparece como área de intervenção, dentro de cer-
cete no vale do Anhangabaú. Ao
ta possibilidade formal de intervir, transferir e/ou inserir
lado, jardim na
essas relações a uma parte construída da cidade, como
laje da prefeitura
uma acoplagem improvável.
de São Paulo.
Desde minha infância nutro uma grande curiosidade pelos topos dos prédios. O topo do prédio é uma ruptura com o ritmo padronado dos pavimentos empilhados uns sobre os outros. Alguns são como pequenos castelos, casas-máquinas pousadas lá no alto. Que tipo de pessoas habitariam esses lugares? Outro devaneio que os topos dos edifícios propiciavam-me quando criança era imaginar uma cidade onde eles mantinham a reprodução do seu chão original no topo. Ou seja, a laje do edificio como um terreno baldio, onde poderia ser construída uma casa com amplo jardim, ou um conjunto delas.
Imagem do Google Earth. Seria uma vila sobre a laje deste edifício na rua Augusta?
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Rasgo habitado
Ao identificar esses lugares que flertam com o fantástico,
em uma parede,
busco uma abordagem mais lúdica e livre para o projeto.
miolo de quadra
A ideia, assim, é trabalhar nos moldes do Realismo Fan-
em São Paulo,
tástico. Ítalo Calvino (2004, p. 10), na introdução de sua
2014
coletânea de contos fantásticos, cita Tzevetan Todorov para afirmar que “[...] aquilo que distingue o ‘fantástico’ narrativo é precisamente uma perplexidade diante de um fato inacreditável, uma hesitação entre uma explicação racional e realista e o acatamento do sobrenatural. [...] o fato extraordinário que o conto narra deve deixar sempre uma possibilidade de explicação racional, ainda que seja a da alucinação ou do sonho [...]. Já o ‘maravilhoso’, se distingue do ‘fantástico’ na medida em que pressupõe a aceitação do inverossímel e do inexplicável”. Este trabalho usufrui do Fantástico, mas dentro do que é verossímil.
Conjunto de Chaminés, cobertura de edíficio em Buenos Aires, 2013
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Casa de
Sempre encarei o desenho arquitetônico como uma peça
máquinas, ou
gráfica autônoma, além de suas qualidades técnicas de
uma cabana
comunicabilidade. Preferi, ao menos no âmbito acadêmi-
na floresta? São Paulo,
co, a opção pelo desenho a mão, para mim carregado de
2015
intenção no seu gesto e com mais apelo de experimentação num contexto de universidade. O exercício desenvolvido no TFG 1 consistiu em desenhar em papel vegetal sobre fotos desses lotes não convencionais. Com o desenho, tento explorar os mecanismos presentes na cidade de inserir-se nestes locais: se pendurar para fora como as máquinas de ar condicionado, espalhar-se sobre os edificios como a pixação, preencher brechas como escadas de incêndio, entre outros. Esse trabalho é também sobre a questão do desenho como ferramenta de projeto.
“Puxadinho” corajoso 2, com mais glamour Buenos Aires, 2013
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Inserção monolítica,
Surgiu em mim, o desejo de lidar, no meu último trabalho
estudo gráfico para
acadêmico, com necessidades e programas projetuais
fresta em São Paulo,
oriundos do imaginário, de questões mais abertas e po-
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éticas. Busco em contos da literatura, em devaneios da deriva urbana, anseios ou necessidades a serem respondidos com a ocupação física dessas sobras oportunas. Para isso, a melhor estratégia encontrada foi utilizar a métrica dos contos. Diferente de um único texto contínuo que resultaria num projeto assertivo, aproximei-me através de algumas possibilidades que também são singulares e distintas umas das outras. Configuro, dessa forma, Contos Arquitetônicos, ensaios sobre como ocupar esses espaços esquecidos da cidade que já carregam em si mesmos essa energia misteriosa de possibilidades ocultas.
Parabólicas buscam o sol em Fez. Marrocos, 2013
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02. REFERÊNCIAS EXTERNAS estratégias de inserção 25
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CASA SAIGON a21studio, 2015 Ho Chi Minh, Vietnã Esta residência adota uma implantação muito engenhosa em função das dificuldades impostas pelo lote: Diferentes Fonte: www.a21studio
volumes se encaixam no aperto de uma fresta de 3,00m de largura. O método construtivo é o mais tradicional
.com.vn/saigon-
possível, com telhas de barro, blocos de alvenaria e ja-
house-2015-36
nelas de demolição. Por dentro, escadas e mezaninos de madeira articulam os espaços de forma lúdica. O projeto mostra nosso amor pelos becos da cidade, românticos com chuva ou sol. 27
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AMNÉSIAS TOPOGRÁFICAS Vazios S/A com Armatrux, 2008 Belo Horizonte, MG Carlos Teixeira, em parceria com o grupo de teatro de rua Armatrux, apropriou-se de enormes palafitas de concreto que sustentam edifícios residenciais no bairro Buritis para Fonte: www.vazio.com .br/projetos/amnesias-topograficas-ii/
convertê-las em material de investigações urbanas. São surpresas espaciais que não acontecem na face previsível da arquitetura. Tais labirintos de pilares, totalmente subutilizados e ignorados pelos condôminos, foram ativados e revelados como cenário do espetáculo “Invento para Leonardo”, concebido pelo grupo de teatro especificamente para o local. 29
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REFORMA EDIFÍCIO PRUDÊNCIA Andrade e Morettin, 2002 São Paulo, SP
Fonte: www.andrade
Tal reforma consiste na inserção de um grande equipamento no corredor de ligação, que transforma completa-
morettin.com.br/
mente a transição entre os espaços internos. Composta
projetos/reforma-
de painéis que se movem e que permitem a integração de
prudencia/
todos os espaços, este equipamento também é infraestrutura, na medida em que é suporte das instalações. 31
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MIRADOR Andrés Durán Dávila, 2011 Santiago, Chile Mirador é uma série de fotografias cujo ponto de partida Fonte:
é uma notícia emitida em 2008 que relata a situação de
www.andres-
uma pessoa vivendo atrás de um aviso publicitário, su-
duran.cl/#!Mirador
postamente para evitar roubos na estrutura. O foco está
n°5/zoom/c67t/ image1h1d
colocado na ficção, na publicidade e na inserção urbana através de uma construção digital. São paisagens cenográficas entre o real e a ficção. 33
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03. REFERร NCIAS INTERNAS Prรณlogo do trabalho 35
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HABITAÇÃO DENTRO DO FILME “STALKER” Ateliê Livre - Arquitetura e Cinema - 2015 em co-autoria com André Vitiello Professora Marta Bogéa Na última disciplina optativa que cursei, desenvolvi, junto à minha orientadora Marta Bogéa, o que considero o embrião deste TFG. Baseado no filme Stalker, de Andrei Tarkovsky, projeto uma moradia para o personagem, apoiada na ficção e no fantástico. No filme, existe um local conhecido como “Zona”, que é uma área cercada pelo exército onde dizem que a queda de um meteorito desencadeou fenômenos desconhecidos. Num cenário industrial apocalíptico, em que a natureza toma conta de tudo de uma maneira intensa e sensível, o protagonista se refugia do mundo externo. O projeto consiste em desenhar um abrigo inserido dentro desses resíduos. Foi escolhido como local de projeto a ruína da casa onde se passam importantes eventos para o desenrolar do enredo. A permeabilidade a fenômenos naturais como a chuva, a neblina e o vento são fundamentais. O lote passa a ser a ruína em simbiose com os fenômenos Screenshots do
naturais e a casa apoia-se no mínimo necessário para
filme “Stalker” de
configurar-se como tal: um pequeno mezanino que envol-
Andrei Tarkovsky, 1979
ve os pilares da sala, flutuando sobre as dunas de areia que o vento trouxe para o interior. 37
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TERREO__1/200
MEZANINO__1/200
AUP 373 ARQUITETURA E CINEMA
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UMA CASA PARA JONAS Projeto 2º ano - Escola da Cidade, 2010 Professor Mario Figueroa Segundo a passagem bíblica, Jonas é engolido por uma baleia durante uma tempestade e passa dias e noites morando dentro dela. Tínhamos que interpretar o que seria essa baleia e projetar sua casa dentro dela. Dessa forma, Jonas aparece como uma espécie de ermitão, alguém isolado do mundo externo. Isso se reflete em uma habitação que não leva em conta questões de privacidade, da separação entre público e privado e entre áreas íntimas e comuns da casa. Esta é projetada em um local totalmente imaginário, alegoria do interior da baleia. 41
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ABRIGO PARA PESQUISA DE CAMPO Projeto 3º ano - Escola da Cidade, 2011 Professora Marta Moreira Trata-se de um abrigo para pesquisadores na mata atlântica, onde estão presentes, também, noções muito específicas de morar. O abrigo deve ser efêmero, com sua construção ágil e sem intervenções no terreno. É um morar e trabalhar no mesmo espaço e tempo, longe do seu lar familiar e em convívio permanente com os outros pesquisadores. Imersão total, porém, momentânea no objeto (local) de estudo. 45
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PARTE 2
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04. O FAROL
Há muitos anos que trabalho e vivo neste Farol, “plantado” nos rochedos isolados a sul, desafiando as ondas e os temporais. No início ainda ia a terra e frequentava os serviços públicos e privados da vila de pescadores. Depois, com o rodar do tempo, as gentes da terra com a sua coscuvilhice bacoca, despeitados por nada saberem da minha vida, desataram a inventarem a meu favor uma história de vida trágica e, assim iam tentando cruzar os umbrais da minha existência, imaginando que vim para este trabalho solitário do Farol para fugir de terrível pecado e, com assento nestas fantasias imbecis e impiamente crédulas, conseguiram afinal de contas obrigar-me ao afastamento do convívio humano. Trecho extraido de “O Homem do Farol” , Farol de Tourlitis, Grécia
Joaquim Palminha Silva
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Cobertura na Avenida Paulista, 2016
Este pequeno conto português, “O Homem do Farol” , relata as angústias e indagações de alguém que há um bom tempo privou-se do contato social. Um ex fuzileiro naval é deslocado, após a aposentadoria, para viver no alto dos rochedos, já sem muitos anseios na vida. O farol é sua casa, seu trabalho e seu tempo livre, na medida em que observa de longe a vida que não lhe pertence mais. A cidade, com seu caos e sua tacanhez, reforça devaneios existencialistas: vida é encarregar-se das pequenas tarefas que o bom funcionamento de uma luz-guia demandam. 54
O farol, como elemento arquitetônico, me instigou muito. Sua única necessidade programática é uma luz no alto, em um lugar de visibilidade. Assim, podemos entender o farol como uma casa-escada que busca um ponto alto. O programa da casa vai permeando os patamares, inserindo-se entre os lances da subida. Além disso, ele é o abrigo por excelência, normalmente implantado em um lugar perigoso, de difícil acesso. Usufruindo do capítulo “A Casa Existencialista” presente no livro “A Boa Vida”, de Iñaki Ábalaos, assim como o desenrolar do meu projeto de segundo ano “Uma Casa para Jonas”, busco imaginar quem seria esse faroleiro da cidade contemporânea, em seu refugio de uma pessoa só. Dessa forma, Jonas aparece como o zelador de um dos tantos heliportos da cidade de São Paulo. Uma pequena torre-carrapata, incrustada abaixo das estruturas do heliporto, é sua moradia. O acesso se dá independente ao prédio ao qual se agarra, por uma passarela-escada que, serpenteando por esses miolos de quadra tão inusitados na sua volumetria, busca desde a rua o local de pouso. A casa está inserida nos últimos lances dessa escada, que se apoia nas empenas e telhados mais propícios para subir. Manipulando luzes, checando o vento na biruta ou retocando pinturas de sinalização, organiza o fluxo para que as aeronaves não colidam nos edifícios-penhascos.
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05. A CAVERNA
A morte (ou a sua alusão) torna os homens delicados e patéticos. Estes comovem-se pela sua condição de fantasmas. Cada acto que executam pode ser o último. Não há um rosto que não esteja por se desfigurar como o rosto de um sonho. Tudo, entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do perdido. Entre os imortais, pelo contrário, cada acto (e cada pensamento) é o eco de outros que no passado o antecederam, sem princípio visível, ou o claro presságio de outros que, no futuro, o repetirão até à vertigem. Trecho extraido de “O Imortal”, Capadócia, Turquia
Jorge Luís Borges 65
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A escadaria que leva ao viaduto da rua Martinho Prado, sobre a Nove de Julho, está sendo ocupada. Na época do plano das grandes avenidas de Prestes Maia, diversos viadutos foram concebidos como edifícios-ponte. Porém, a lógica imposta à cidade contemporânea distanciou-se desses locais, tornando-os esquecidos. Acontece que essa escadaria é diferente: não existem portas projetadas, muito menos janelas. O espaço interno é um não lugar, um caixão-perdido, maciço de mistérios. O fantástico já está presente na São Paulo real, com requintes cruéis de indiferença. Muitos passam por lá, mas poucos o notam mesmo diante dos seus olhos. Estes buracos, cavernas de outros tempos, converteram-se em uma sobra oportuna, àqueles que também encontram-se em um estado de semi-presença. Invisíveis às pessoas que descem e sobem apressadas a escadaria acima, redes de cavernas encrustadas no coração da cidade abrigam uma existência imortal que para Borges está associada à ideia do eterno retorno. Assim, como “o Imortal”, esse é um conto sobre vestígio e ausência. O projeto desenvolvido aqui busca imaginar o que está dentro desta enorme construção, consolidando a ocupaAcesso principal ao interior,
ção dessas pessoas, trazendo a cidade para a caverna e vice-versa.
placa de madeirite usado como porta.
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06. O PENHASCO
O espanto e o inusitado de que parte este conto surge do documentário “Dias de Tempestade”, sobre a conquista da face brasileira do Monte Roraima. Existem aspectos da realidade que carregam facetas de fantástico, fazendo -nos questionar até onde chegam os limites do possível. Por duas semanas, três montanhistas habitaram a verticalidade, tornando uma falha geológica sua moradia. Assim como um imenso penhasco, diversos elementos de São Paulo possuem essa presença monumental, tectônica e cheia de energia, como um arranha-céu ou um grande viaduto. Como seria habitar de maneira permanente esses lugares, em simbiose com a cidade? Imagens extraídas do filme “Dias de Tempestade” Direção e fotografia: Eliseu Frechou e Marcio Bruno Oliveira. Brasil, 2010 83
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O viaduto Bernadino Tranchesi, que passa acima do mirante do túnel da Nove de Julho, tem uma das condições mais generosas de inserção. Ao contrário de seus semelhantes, possui um vazio inferior muito amplo, ventilado e convidativo. Se de um lado temos a monumentalidade de uma vista panorâmica que acompanha a Nove de Julho sentido terminal Bandeira, do outro temos uma situação bem mais na escala do pedestre. O topo do viaduto está praticamente no mesmo nível da rua que passa atrás do Masp, tendo uma relação franca com as árvores do jardim e com o café presente no mirante.
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Pensando, também, na questão da demanda de habitação próxima aos locais de trabalho e nas problemáticas próprias dos viadutos (lugar morto, hostil ao pedestre), esse conto-projeto busca uma resposta lúdica, porém, coerente às possibilidades desse lugar. Um típico edifício de uso misto aparece aqui de maneira invertida: pequenas células de comércio e serviços populares plugadas ao viaduto se conectam às unidades de habitação um nível abaixo.
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07. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois do percurso do TFG, é possível perceber que existe sim a possibilidade de trabalhar a arquitetura na chave do Realismo Fantástico e que o elemento de veracidade está na cidade existente. Se os projetos aqui desenvolvidos desafiam certa “normalidade”, o que poderia aproximá-los do “maravilhoso” de Todorov, a localização exata destes espaços, assim como o trato arquitetônico através de desenhos técnicos, aproxima-os de um limite do possível. Não se necessita a aceitação do inverossímel. Busquei algo como uma arqueologia dos processos culturais que produziram a metrópole, seduzido em encontrar nesta busca lugares vazios residuais que são como pistas destes processos. Espaços que restaram esquecidos durante o contínuo processo de sobreposição dos signos que constituem o palimpsesto urbano. Nessas sobras oportunas, carregadas de uma presenca magnética, é possivel encontrar nuances do fantástico, já presentes na realidade. Se a arquitetura é criar atmosferas, uma grande possibilidade de explorá-la reside nestas nuances de fantástico. 115
08. BIBLIOGRAFIA
ABALOS, Iñaki. A Boa Vida: visita Guiada às casas da modernidade. Barcelona: Gustavo Gili, 2001. BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes 2000. BOGÉA, Marta. Território: Tempo. Vazio S/A Disponível em: <http://www.vazio.com.br/ensaio/territoriotempo-marta-bogea/>. Acesso em: 13 abr. 2016. BORGES, Jorge Luis. O Aleph. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. CALVINO, Italo. Contos fantásticos do século XIX: o fantástico visionário e o fantástico cotidiano. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
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CARERI, Francesco. Walkspaces: El Andar como Práctica Estética. Barcelona: Gustavo Gili, 2009. [Blog] Lotes Vagos: EXPANSÕES Ação coletiva de Ocupação Urbana Experimental Disponível em: <http://lotevago.blogspot.com.br/>. Acesso em: 19 abr. 2016. PALLAMIN, Vera. Arte Urbana - São Paulo: região central (1945-1998). Disponível em: < http://www.fau.usp.br/ fau/ensino/docentes/deptecnologia/v_pallamin/arte_urbana_livro.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2016. PUNTONI, Álvaro. O Projeto como caminho: estruturas habitacionais na área central de São Paulo. A ocupação de vazios na Nove de Julho. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). São Paulo: FAUUSP, 2004. SCHELEE, Aldyr Garcia. Os limites do impossível: contos gardelianos. Porto Alegre: ARdo TEmpo, 2009. SILVA , Armando. Imaginarios, el asombro social. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2013. TEIXEIRA, Carlos Moreira; GANZ, Louise Marie. Amnésias Topográficas: palafitas e pilotis de Belo Horizonte. Drops, São Paulo, n. 009.09, ano 05, nov. 2004. Disponível
em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/
drops/05.009/1637>. Acesso em: 20 abr. 2016.
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