As narrativas transmidiáticas na prática: o caso do site Pottermore

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE JORNALISMO

JULIANA BONFIGLIO PALMA

AS NARRATIVAS TRANSMIDIÁTICAS NA PRÁTICA: O CASO DO SITE POTTERMORE

Porto Alegre 2012


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JULIANA BONFIGLIO PALMA

AS NARRATIVAS TRANSMIDIÁTICAS NA PRÁTICA: O CASO DO SITE POTTERMORE

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo, da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof. Dr. André Fagundes Pase

Porto Alegre 2012


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JULIANA BONFIGLIO PALMA

AS NARRATIVAS TRANSMIDIÁTICAS NA PRÁTICA: O CASO DO SITE POTTERMORE Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo, da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovada em: 7 de dezembro de 2012.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________________ Prof. Dr. André Fagundes Pase

__________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Campos Pellanda

__________________________________________________ Prof. Me. Marcelo Träsel

Porto Alegre 2012


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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço aos meus queridos pais, pelo amor incondicional e pela preocupação demonstrados diariamente. Obrigada, Sandra e Jorge, por todo o esforço e dedicação empregados na minha educação desde a mais tenra idade. Obrigada por me fazerem acreditar que nada é impossível e que eu posso seguir atrás dos meus sonhos, sejam eles quais forem. Obrigada por me inserirem desde cedo no mundo dos livros, me enchendo de conhecimentos e diversão. Graças a vocês estou completando mais uma etapa na minha vida e essas poucas palavras não conseguem demonstrar nem um milésimo de todo o meu amor e minha gratidão. Obrigada também ao Scooby, o cachorrinho que há onze anos faz parte de nossa família e que ajudou a me tornar um ser humano melhor, com toda a sua amizade, afeto e companheirismo. Agradeço ao Felipe, que conheci ainda no primeiro semestre da faculdade entre aulas e estágios voluntários e que esteve do meu lado ao longo de todo o período de estudos. Obrigada pela cumplicidade, pelo amor e pelo incentivo. Agradeço aos amigos que conheci no colégio e na faculdade e que acompanham meus passos há anos. Obrigada pela parceria, pelas risadas, pelos debates e pelo convívio. Agradeço também aos colegas e amigos do Jornal Zero Hora. Obrigada pelo carinho e pela experiência pela qual estou passando, já são dois anos e meio de muito aprendizado. Agradeço aos professores, que se mostraram fundamentais durante minha educação. Obrigada aos professores do Colégio Anchieta, com quem aprendi valores que levarei para a vida. Obrigada aos professores do Curso Anglo, que, durante os estudos para o vestibular, foram fontes de conhecimento e muita diversão. Obrigada à Cladis e aos professores do Cultura Inglesa, que, além de me ensinar inglês, também foram muito importantes na minha formação. E obrigada aos professores da Famecos, que me abriram um mundo novo de possibilidades. Agradeço ao meu querido orientador André Pase. Obrigada pelos aprendizados durante a faculdade e neste último semestre em que convivemos mais. E, principalmente, obrigada pela amizade. Obrigada por estar sempre disponível, seja pessoalmente, seja por email ou redes sociais (de dia ou de madrugada), para aplacar as dúvidas e as incertezas desta orientanda. Agradeço, finalmente, à fantástica escritora J. K. Rowling. Obrigada por ter criado Harry Potter e feito com que eu – e milhões de fãs ao redor do mundo – amasse de verdade o universo da literatura.


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“Ele vai ser famoso, uma lenda. Eu não me surpreenderia se o dia de hoje ficasse conhecido no futuro como o dia de Harry Potter. Vão escrever livros sobre Harry. Todas as crianças no nosso mundo vão conhecer o nome dele!”

Minerva McGonagall em Harry Potter e a Pedra Filosofal


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RESUMO

Lançado em 2011, o site Pottermore, planejado por J. K. Rowling, já atraiu milhões de fãs da saga Harry Potter para viver novas experiências relacionadas à trama e ter acesso a conteúdos exclusivos criados pela escritora. Com base nesse estudo de caso, a monografia faz um mapeamento das características do projeto para identificar se elas dão origem, ou não, a um produto classificado como narrativa transmidiática. Ao longo do trabalho são analisados os conceitos de cultura pop e cultura digital, além das noções de convergência e transmídia. O trabalho traça também um panorama da franquia Harry Potter, apontando as particularidades dos livros e dos filmes, bem como dos outros produtos pertencentes a esse universo. Só assim é possível explorar as propriedades da página que, além de trazer os enredos presentes nas obras originais, ainda conta com novas histórias e jogos que permitem aos fãs experimentar, mesmo que virtualmente, ações restritas ao mundo bruxo. Por fim, compreende-se que Pottermore poderia ser uma experiência transmídia, mas o controle criativo torna o espaço apenas um compêndio de referências enriquecido por recursos multimídia.

Palavras-chave:

Pottermore.

Harry

Potter.

Narrativa

Convergência. J. K. Rowling. Entretenimento. Comunicação.

Transmidiática.

Transmídia.


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ABSTRACT

Launched in 2011, the Pottermore website, designed by J. K. Rowling, attracted millions of fans of the Harry Potter saga to new experiences related to the plot and exclusive content created by the author. Based on this study, this research maps its features to identify whether they generate, or not, a product classified as transmedia storytelling. Throughout the work, concepts of pop culture and digital culture are analyzed, along with concepts of media convergence and transmedia. This work also outlines an overview of the Harry Potter franchise, paying attention to the particularities of books and films, as well as the other products in this fictional universe. Only this way is possible to explore the properties of a website that, besides showing plots already published, still offers new stories and games that allow fans experience, even that only visually, actions from the world of wizard. Finally, is possible to understand that Pottermore could be a transmedia experience, but creative control makes the space just a compendium of references with enriched multimedia features.

Keywords: Pottermore. Harry Potter. Transmedia Storytelling. Transmedia. Convergence. J. K. Rowling. Entertainment. Communication.


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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Pottermore ................................................................................................ 56 Figura 2 - Linha do tempo na página de entrada ......................................................... 58


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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10

2 CULTURA MUTANTE ........................................................................................ 14 2.1 A CULTURA POP ............................................................................................... 14 2.2 A CULTURA DIGITAL ...................................................................................... 18 2.3 AS APROPRIAÇÕES DE LINGUAGEM ............................................................ 21

3 UM ASSUNTO E VÁRIAS MÍDIAS ................................................................... 24 3.1 A CONVERGÊNCIA ........................................................................................... 24 3.2 AS NARRATIVAS TRANSMIDIÁTICAS .......................................................... 29

4 A FRANQUIA HARRY POTTER ....................................................................... 36 4.1 OS LIVROS ......................................................................................................... 36 4.1.1 Harry Potter e a Pedra Filosofal ..................................................................... 37 4.1.2 Harry Potter e a Câmara Secreta ................................................................... 40 4.1.3 Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban ....................................................... 41 4.1.4 Harry Potter e o Cálice de Fogo ...................................................................... 41 4.1.5 Harry Potter e a Ordem da Fênix ................................................................... 42 4.1.6 Harry Potter e o Enigma do Príncipe ............................................................. 43 4.1.7 Harry Potter e as Relíquias da Morte ............................................................ 44 4.2 OS FILMES ......................................................................................................... 44 4.3 O UNIVERSO ..................................................................................................... 50

5 O POTTERMORE ................................................................................................ 56 5.1 AS CARACTERÍSTICAS DO POTTERMORE ................................................... 56 5.2 ANALISANDO O POTTERMORE .................................................................... 62

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 74

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 80


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1 INTRODUÇÃO

Mergulhada em produtos como livros, filmes, videogames e objetos para colecionadores, a franquia Harry Potter é uma das mais bem sucedidas da história, arrecadando fãs através de diversos meios. Os sete livros que contêm a história original, criada pela britânica J. K. Rowling, contabilizam a marca de mais de 450 milhões de cópias vendidas em mais de 200 territórios do mundo. Somente com esse cálculo já é possível notar o imenso êxito da saga, sem falar nos filmes, que, juntos (foram oito), arrecadaram mais de 7 bilhões dólares em bilheterias ao redor do planeta. Planejado pela escritora da série, o site Pottermore (http://www.pottermore.com) é mais um dos produtos concebidos pela franquia Harry Potter, mudando um pouco o panorama dos itens criados até então. A página (traduzindo o nome, seria algo como “mais Potter”), produzida em parceria com a Sony, promete aos leitores uma experiência de leitura on-line, com todas as histórias principais encontradas nos livros e mais outras, inéditas e exclusivas, que por não se encaixarem no fluxo da trama original, acabaram ficando de fora e foram guardadas por anos pela autora. Além disso, Rowling garante publicar pensamentos, ideias e anotações que abarrotaram seus caderninhos durante o processo de escrita, como curiosidades sobre nomes e lugares. Espécie de rede social, o site agrega os fãs e os transforma virtualmente em alunos da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, como descrita nos livros. E apresentando as histórias através de ilustrações e uma espécie de glossário (composto pelos principais personagens, lugares, feitiços, criaturas, objetos e obras utilizadas pelos estudantes bruxos), é dividido pelos livros, constituindo uma rede, que deve seguida pelos internautas até o final da última publicação. Até o momento da conclusão desta pesquisa, estão on-line Harry Potter e a Pedra Filosofal e Harry Potter e a Câmara Secreta, compostos pelas histórias já conhecidas e por conteúdos extras. Apresentando questões que abordam a convergência midiática, a presente monografia tem por objetivo explorar as novas diretrizes que a franquia Harry Potter assumiu ao criar o site Pottermore em 2011. No que toca o universo da saga, pouco da produção oficial podia ser considerado narrativa transmidiática, estética em que se baseia a análise deste trabalho. Cunhado por Henry Jenkins – professor de Comunicação, Jornalismo e Artes Cinematográficas da Universidade do Sul da Califórnia –, o termo nada mais é do que uma nova forma de conexão das mídias do entretenimento, desenvolvido em várias plataformas midiáticas, seja jornal, livro, cinema, internet, jogos ou parques de diversão. Atualmente,


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porém, a comunicação transmidiática é utilizada também por empresas jornalísticas, como uma nova forma de chamar a atenção do público consumidor – que, aos poucos, vai largando os jornais no formato papel – para as telas de seus sites, na internet. Para ser verdadeiramente transmídia, o processo precisa ser formado por histórias relevantes para o conjunto, mas diferentes em cada suporte, de forma que não seja preciso ter lido os livros para entender os filmes, ou ter jogado o videogame para entender os quadrinhos, e assim por diante. Transferindo o conceito para a série Harry Potter, há em primeiro lugar o conteúdo original, ou seja, os livros. Depois disso, vieram os filmes e os videogames, que pouco alteraram a narrativa inicial. A autora do presente trabalho convive com a série Harry Potter desde a infância, fase em que teve o primeiro contato com os livros escritos por J. K. Rowling. Depois disso, a atração pela saga apenas cresceu, acompanhando filmes, livros extras, jogos e sites escritos por fãs, até a criação da página Pottermore, em que a autora desta pesquisa se cadastrou assim que foi possível. Além disso, todo o encantamento mundial que circunda o universo Harry Potter é, sim, digno de um estudo. E o Pottermore é um belo exemplo de como manter a continuidade de uma franquia e do poder dela, pois mesmo após o término da publicação dos livros e do lançamento dos filmes, milhões de pessoas se cadastraram no site para ter a oportunidade de conhecer novas histórias sobre o mundo mágico de que tanto gostam. Diante das possibilidades existentes tanto pela jornada ficcional bem como pelo meio on-line, seria Pottermore uma verdadeira narrativa transmidiática? O espaço é uma evolução das tramas apresentadas pela saga ou apenas expande conhecimentos como uma versão ampliada dos livros? Esses questionamentos surgiram para analisar como a comunicação está inserida no âmbito da convergência e da narrativa transmidiática, mesmo que esta última seja fruto principalmente de produtos ligados ao entretenimento. Através de uma pesquisa aprofundada, será observada a presença de uma narrativa transmidiática, trazendo novas tramas para os livros já publicados e aprofundando a história de maneira que seja adicional para o todo. Ao longo do trabalho serão elucidadas questões como as características da cultura pop e da cultura digital, relacionando esses conceitos com a convergência de mídias e a narrativa transmidiática. Para isso, será necessário analisar a caracterização do projeto Pottermore como uma narrativa transmidiática, compreendendo a importância da exploração de novos conteúdos dentro de uma história e identificando as propriedades da ferramenta.


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Para que se consiga explorar a franquia Harry Potter de maneira satisfatória, a presente monografia tem por objetivo utilizar como procedimento metodológico o estudo de caso, embasado por uma pesquisa bibliográfica e exploratória do site. A pesquisa bibliográfica sustentará a fundamentação do trabalho, utilizando-se de diversos livros e autores para examinar o referencial teórico existente sobre o assunto. O estudo de caso se faz necessário para que este trabalho consiga investigar o fenômeno contemporâneo que constitui as narrativas transmidiáticas baseado no site Pottermore, que pretende abrir um novo caminho dentro das franquias do entretenimento. No âmbito da área da comunicação, pode-se observar a relevância deste trabalho para os estudos das narrativas e a expansão delas para outras mídias, convergindo por meio da internet, televisão, literatura, entre outras. Além disso, a monografia contribuirá para a análise do mercado de narrativas transmidiáticas no entretenimento, pois elas tornam inevitáveis os fluxos de informações e conteúdos através dos mais diversos suportes de mídia. A atual pesquisa será desenvolvida ao longo de quatro capítulos. O primeiro abordará as questões da cultura pop, da cultura digital e das apropriações de linguagens. A primeira esclarece o interesse da população e das gerações atuais em diferentes áreas relacionadas ao entretenimento. Mesmo com as críticas relacionadas a elas, afirmando que não passam de produtos massificadores e nocivos sem qualquer adendo à inteligência humana, os produtos do entretenimento, tais quais videogames e programas de televisão, entre outros, são capazes de desenvolver nas pessoas habilidades cognitivas. Isso em função das dificuldades que eles impõem e da vontade que causam de continuar explorando o universo criado. A segunda trata da facilidade que se instaurou para compartilhar informações e conteúdos diversos ao redor do mundo, introduzindo à comunicação os novos recursos tecnológicos disponíveis. A terceira introduzirá a um assunto que atualmente vem tomando lugar nas plataformas de comunicação. A linguagem dos videogames tem sido adotada para criar narrativas, programas de televisão e outros produtos relacionados ao jornalismo para captar cada vez mais consumidores. O segundo capítulo tratará da convergência entre as plataformas e da narrativa transmidiática. Considerando os estudos sobre a revolução digital relatados no capítulo anterior, essa parte do trabalho irá discutir as consequências trazidas por ela ao mundo atual, transformando os computadores em objetos indispensáveis e reunindo em uma só plataforma os conteúdos que antes eram apenas disponibilizados na televisão, ou no rádio, ou nos jornais. A convergência une as diferentes mídias e instaura o fluxo de informações entre as plataformas existentes. A narrativa transmidiática apenas deu continuidade a esse serviço,


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empregando diversos suportes para contar histórias e criar universos, ficcionais ou reais, como no caso de produtos frutos do entretenimento e do jornalismo, por exemplo. O terceiro capítulo irá expor o universo Harry Potter, trazendo a história presente nas obras originais e apresentando o enredo principal de cada exemplar. Além disso, tratará do processo de produção dos oito filmes, sem deixar de abordar os outros produtos que compõem a franquia. O quarto capítulo apresentará as características do site Pottermore, explicando como ele funciona e quais são as principais qualidades e os principais defeitos. Também analisará cada uma das características, para descobrir qual o grande diferencial do projeto e se ele pode ser mesmo classificado como narrativa transmidiática. E se a resposta for positiva, o que leva o site a ser classificado como tal. O exame das características da página será feito através de conceitos de comunicação, indagando se ela funciona entre os outros produtos da franquia e entre os leitores que acessam o site, e por meio de sete princípios da transmídia estabelecidos por Henry Jenkins. Para sustentar as discussões sobre os temas que permeiam a análise final, a autora deste trabalho muniu-se de referenciais teóricos. Para amparar os estudos sobre as formas de cultura, como a cultura digital e a cultura pop, além das apropriações de linguagens utilizadas para atrair consumidores, serão utilizados autores como Steven Johnson (2012), Edgar Morin (1989), André Lemos (2004), Lucia Santaella (2007) e Pierre Lévy (1996, 1999 e 2000). Para auxiliar os debates sobre convergência e narrativa transmidiática, nada melhor do que ter em mãos Cultura da Convergência (2009), de Henry Jenkins, na companhia dos trabalhos de doutoramento de André Pase (2008), Andréia Mallmann (2010) e Eduardo Pellanda (2005). E para falar sobre Harry Potter, a autora estará respaldada por registros da própria J. K. Rowling, juntos de Ana Cláudia Pelisoli (2011), Paula Viana Mendes (2008) e Vera Teixeira de Aguiar (2005).


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2 CULTURA MUTANTE

Desde que começaram a ser pensadas e nomeadas, as diferentes formações culturais têm se transformado com cada vez mais rapidez, principalmente após o início da revolução digital. O processo teve início na cultura oral e escrita, passando pela cultura de massas, pela cultura digital, até chegar à cultura da mobilidade, que une todas elas em uma só. Atualmente, passado todo aquele furor da globalização ainda recente, vive-se em um mundo que mistura todas as formas culturais em meios como o computador e o telefone celular, mas também como a televisão e o rádio. O presente capítulo tratará sobre as mutações no sistema cultural e como isso afetou os produtores e os consumidores das novas mídias. Graças à cultura digital, informações e conteúdos diversos são compartilhados ao redor do mundo, e, com auxílio da cultura popular, incorpora à comunicação os novos recursos tecnológicos disponíveis. É por isso, que, mesmo meios considerados nocivos, principalmente para as crianças, como televisão e videogames, estão se mostrando cada vez mais auxiliares para criar habilidades cognitivas nas novas gerações.

2.1 A CULTURA POP

Basta observar as crianças de hoje para perceber o quanto os meios de comunicação e de transmissão de informações mudaram ao longo dos anos, desde a época off-line do século passado até o atual momento on-line. Para isso, é só comparar o esforço cognitivo que meninos e meninas em torno dos 10 anos exercem baseados no domínio cultural e tecnológico de alguém que cresceu na era digital com o mesmo grupo algumas décadas atrás. Antes, as distrações eram livros, brincadeiras simples, jogar bola na rua e talvez auxiliar nas obrigações domésticas. Hoje, as crianças comunicam-se com destreza pelo computador ou pelo telefone celular, passam o tempo livre dissecando videogames e assistindo a programas na televisão. Além de simplesmente conviver com o bombardeio de informações por todos os lados, as crianças são desafiadas constantemente por novas formas de mídia e tecnologia, que se dedicam a desenvolver habilidades para a solução de problemas (JOHNSON, 2012). Com a origem das grandes estrelas do cinema, nos Estados Unidos dos anos 1930, houve uma mudança no imaginário das pessoas, que passaram a consumir notícias e, principalmente, se importar com fatos ligados a personagens fictícios, muito mais devido aos


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atores que os interpretavam. Até mesmo a fantasia tornava-se notícia. Esse é o star system, fenômeno estudado por Edgar Morin: O star system é uma máquina de fabricar, manter e promover as estrelas sobre as quais se fixaram e se divinizaram as virtualidades mágicas da imagem da tela. A estrela é um produto específico da civilização capitalista. Ela responde ao mesmo tempo a necessidades antropológicas profundas que se exprimem no mito e na religião (MORIN, 1989, p. 77).

O star system surgiu a partir de uma ameaça sentida por Hollywood com a ascensão da televisão em 1948. Para reerguer os estúdios e lotar as salas de cinema novamente, a salvação foi encontrada no lançamento de estrelas como Marilyn Monroe (MORIN, 1989). Assim, o culto a essas estrelas, engrandecidas pela sua beleza natural, pelo jogo de câmeras e pelo erotismo de cada cena, deu origem a uma imensa quantidade de fofocas vindas diretamente de Hollywood. Os jornalistas que realizavam a cobertura de cinema passaram a se interessar muito mais pelas vedetes do que pelos filmes. E preferiam dar atenção aos boatos sobre elas do que a elas mesmas. Com a função de rastrear, descobrir ou até mesmo inventar notícias, os jornalistas acabaram transformando a vida real em mito e o mito em realidade. E na década de 1950, época em o star system dominava, cerca de 500 jornalistas estavam instalados em Hollywood para levar ao resto do mundo todas as informações e confidências sobre as estrelas de cinema (MORIN, 1989). O costume de ter uma relação mais próxima com as notícias sobre a vida das celebridades – visto nas pessoas que acompanham o Oscar e outras premiações cinematográficas – facilitou a formação da base de uma cultura popular. Não no sentido de ser folclore, mas sim, de produtos comuns de mídia, pois desde o início da década de 1960 é possível perceber uma queda na preferência pelo cinema, que se tornou apenas uma diversão dentre muitas outras. Conforme Morin (1989, p. 122): “[...] a casa, a televisão, o carro, os weekends e as viagens configuram uma nova constelação cultural, na qual o cinema já não ocupa o lugar solar”. Apesar de criticadas e menosprezadas pelos estudiosos, formas de cultura de massa, como videogames e alguns programas na televisão, passaram a carregar mensagens sérias (ligadas com a educação ou notícias) através de um conteúdo classificado como puramente de entretenimento. Para explicar essa teoria, Steven Johnson inspirou-se no filme de Woody Allen O Dorminhoco – cuja cena clássica mostra cientistas em um ano muito distante no futuro espantados ao saberem que a sociedade do século 20 não conhecia as qualidades nutricionais dos doces – para estudar como a cultura popular ficou mais complexa e


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estimulante ao longo dos últimos trinta anos. É a chamada “Curva do Dorminhoco”: “A mídia popular deixa nossas mentes mais afiadas, à medida que nos encharcamos de entretenimento geralmente considerado banalidade inculta” (JOHNSON, 2012). Por mais que o livro, um dos meios de comunicação mais antigos da história, desenvolva habilidades como atenção, memória e capacidade de seguir enredos, a cultura popular não literária tem aprimorado qualidades mentais e psicológicas tão importantes quanto as cultivadas pelos livros (JOHNSON, 2012). Para o autor: Nenhuma outra forma cultural na história superou a capacidade que os romances têm de recriar a paisagem mental de outra consciência, de projetar o leitor para dentro da experiência pessoal de outros seres humanos. O cinema e o teatro podem fazer o espectador se sentir parte da ação, mas o romance dá uma visão interna incomparável: tem-se acesso não apenas aos acontecimentos da vida de outro ser humano, mas à maneira exata como esses acontecimentos se estabelecem na consciência dele (JOHNSON, 2012, p. 145).

Os jogos eletrônicos, entretanto, têm tanto valor cognitivo, atualmente, quanto os livros. Além de desenvolver habilidades visuais e motoras, eles ensinam também a pensar. Os internautas precisam de certa inteligência mental para que consigam resolver desafios e, assim, manterem-se vivos nos jogos. As diferentes formas de transmitir uma mensagem dialogam com caminhos específicos da percepção pelo público. Outros meios, como a internet, necessitam de outra postura da audiência. Assim, a vida on-line provocou a mente dos usuários com atividades participativas, indicando novas interfaces e estabelecendo canais de interação social. São emails, mensagens e publicações em redes sociais que analisam de maneira completa o capítulo da novela da noite anterior. E baseada no sistema dos videogames, a internet imprimiu às novas plataformas e aos novos programas um ritmo cada dia mais rápido, compelindo o internauta a dominar outros ambientes (JOHNSON, 2012). Se a tendência de longo prazo da cultura pop é de aumento de complexidade, existe alguma evidência de que nossos cérebros estão refletindo essa mudança? Se a mídia de massa está oferecendo um exercício mental cada vez mais rigoroso, existe alguma informação empírica que mostre um consequente crescimento de nossa musculatura cognitiva? Em uma palavra: sim (JOHNSON, 2012, p. 107).

Por mais que a internet e os jogos sejam formas ativas e interativas – e, portanto, mais exigentes quando se trata de aprimorar habilidades –, as formas passivas como televisão, e até mesmo cinema, também contam com atrações que estimulam o esforço cognitivo de maneiras impensáveis trinta anos atrás (JOHNSON, 2012).


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Um exemplo de programa de televisão que provoca a audiência nesta maneira é Castelo Rá-Tim-Bum, transmitido pela TV Cultura há 18 anos. Ainda hoje é uma das principais atrações infantis criadas na década de 1990 – e o fato de não haver novos episódios, apenas reprises, não significa um mau resultado. Como já afirmava Steven Johnson (2012, p. 130), “sempre que a cultura popular passa a concentrar seus incentivos econômicos em repetições de longo prazo em vez de sucessos imediatos, há um aumento correspondente em qualidade e profundidade”. Criada pelo dramaturgo Flávio de Sousa e pelo diretor Cao Hamburger, a série foi construída por um total de 90 episódios, sendo exibida – com repetições dos capítulos – desde 1994 até os dias atuais. Prezando pela qualidade pedagógica, o Castelo Rá-Tim-Bum tem vários quadros educativos, sem descuidar do português – segundo a atriz Rosi Campos, intérprete da bruxa Morgana, no documentário Visitando o Castelo, todas as gravações eram produzidas sempre com a presença de um professor de português, para que se pronunciasse a língua corretamente (VISITANDO, 2008). No castelo, vivem Dr. Victor, o dono, a feiticeira Morgana, e Nino, um aprendiz de 300 anos. Chateado por não poder entrar na escola, o garoto atrai três crianças ao local por meio de magia e acaba amigo delas. Isso as transforma em personagens recorrentes no seriado, aparecendo em todos os episódios. Além deles, o programa possui ainda personagens internos, presentes no castelo, como animais, e externos como Bongô, o entregador de pizzas, Etevaldo, um ser vindo de outras galáxias, e o Dr. Abobrinha, agente imobiliário que sonha em comprar o castelo e construir um prédio de cem andares no local. O programa preza por um tipo de ensinamento em cada quadro. Estimulando a leitura, o Gato Pintado, por exemplo, aparece como o guardião da biblioteca, que possui 1.005 livros. No quadro de Mau, o monstro roxo desafia os telespectadores a responderem enigmas ou repetir trava-línguas, sob pena de ter de ouvir a gargalhada fatal, dom assustador do personagem. Figura que geralmente surge quando as pessoas sentam-se à mesa sem lavar as mãos, no seriado, o Fura-Bolos dá início a um vídeo sobre o assunto – várias crianças aparecem em ações como brincar com terra, comer com a mão e mexer com tinta, mas sempre lavando as mãos antes e depois. Há também um ratinho azul que, de dentro de sua toca, dá lições como a importância de colocar o lixo no lixo, de tomar banho, escovar os dentes e reciclar materiais, utilizando canções próprias para cada situação. Lana e Lara são duas fadinhas irmãs que vivem no lustre do castelo, fazendo jogos de adivinhação e brincadeiras com objetos. O Telekid aparece quando alguma pessoa pergunta “por quê?” e outra responde “porque sim”. É o momento em que o personagem avisa que “porque sim” não é resposta e apresenta a resposta certa para a pergunta. Além destes, também há um resgate das tradições


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brasileiras com a Caipora, representante do folclore do país, sempre pronta para contar histórias indígenas e da mata aos habitantes do castelo. E Tíbio e Perônio, cientistas gêmeos que fazem experiências. O programa Castelo Rá-Tim-Bum mostra que é possível incorporar informação educativa e refinada a um produto massivo. O fenômeno não é isolado, e pode ser visto em outros canais com outras atrações, indicando que mesmo um meio muitas vezes visto como nocivo para o público infantil pode auxiliar na formação de caráter dialogando com a cultura desta geração.

2.2 A CULTURA DIGITAL

A cultura pop, principalmente representada pelos videogames e pela televisão, está agora inserida no contexto on-line e interativo da cultura digital. Através de computadores interligados ao redor do mundo, pessoas de diferentes nacionalidades, crenças e classes sociais estão conectadas. Os produtores alteraram o processo de criação de seus produtos para obter sintonia com essa parcela da população (LEMOS, 2004). Originalmente cunhado por William Gibson, no livro Neuromancer, de 1984, o termo ciberespaço designa uma área virtual constituída por redes de terminais de computadores que se unem, criando fluxos de informação e comunicação. Diluído nas práticas do cotidiano, é, então, habitado por pessoas (interagentes) que manipulam máquinas e adicionam, retiram e modificam partes estruturais do hipertexto – informações textuais, combinadas com imagens e sons, que promovem uma navegação não linear, por exemplo. Conforme as observações de Lemos (2004) e Santaella (2007), observa-se assim a formação de uma comunhão de saberes e códigos que resultará na formação de uma cultura comum e em expansão. O ciberespaço é hoje um espaço (relacional) de comunhão, colocando em contato, através do uso de técnicas de computação eletrônica, pessoas do mundo todo. Elas estão utilizando todo o potencial da telemática para se reunir por interesses comuns, para bater papo, para trocar arquivos, fotos, música, correspondência. O e-mail e os chats são hoje as ferramentas mediáticas mais utilizadas pela internet, comprovando nossa hipótese. Mais do que um fenômeno técnico, o ciberespaço é um fenômeno social (LEMOS, 2004, p. 138).

A comunicação se estende pelo ciberespaço principalmente porque ele oferta ferramentas para compor uma rede comum entre grandes grupos dispersos geograficamente. Não é somente uma disseminação ou uma transferência de mensagens, mas sim um sistema de reconhecimento mútuo entre os grupos (LÉVY, 1996).


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Entretanto, as máquinas que formam o ciberespaço não seriam nada sem a presença das pessoas para diluir o conteúdo produzido. E isso pode ser visto como a inteligência coletiva pregada por Pierre Lévy (2000), que acaba gerando uma união de capacidades de conhecimento. Segundo ele, essa inteligência que, unida, desenvolve a comunicação através do ciberespaço “deve-se se à velocidade de evolução dos saberes, à massa de pessoas convocadas a aprender e produzir novos conhecimentos e, enfim, ao surgimento de novas ferramentas (as do ciberespaço)” (LÉVY, 2000). O progresso das redes digitais interativas beneficia outros movimentos de virtualização, além da informação. Digitalizada, a comunicação apenas dá seguimento a um processo de virtualização principiado por meios mais antigos como a escrita, o rádio e a televisão. Mesmo que meios como o telefone já tenham feito isso, através do ciberespaço existe uma prática de relacionamento que é quase independente da geografia e do tempo. Só pela comunicação digital é possível que um grupo de pessoas consiga coordenar-se, cooperar entre si e se utilizar de uma memória em comum, praticamente em tempo real (LÉVY, 1999). As alterações na produção e distribuição de informação – seja em jornal, revista, rádio e televisão, ou qualquer outro meio – foram ocasionadas, principalmente pela comunicação mais distinta que as mais recentes formas de mídia têm proporcionado. (LEMOS, 2004). E são essas novas configurações de relação social que ajudam o ciberespaço a funcionar, constituindo a cibercultura. O termo determina um grupo de técnicas, sejam elas materiais ou intelectuais, de costumes, de comportamentos, de opiniões e de valores, que se amplificam na medida em que o ciberespaço cresce. (LÉVY, 1999). A cibercultura revela que não pode mais existir oposição entre cultura e tecnologia, pois é essa oposição que impede os indivíduos de perceber todos os ângulos da tecnologia contemporânea (LEMOS, 2004). As verdadeiras relações, portanto, não são criadas entre “a” tecnologia (que seria da ordem da causa) e “a” cultura (que sofreria os efeitos), mas sim entre um grande número de atores humanos que inventam, produzem, utilizam e interpretam de diferentes formas as técnicas (LEVY, 1999, p. 23).

A maior utilização das tecnologias digitais e das redes sociais desenvolveu uma metamorfose na relação com o conhecimento, expandindo aptidões como memória, imaginação e percepção. Assim, da mesma forma que a cultura pop – exemplificada por plataformas como videogames e televisão – tem a capacidade de melhorar algumas habilidades cognitivas do ser humano, a cibercultura, ao fazer o mesmo, terminou por redefinir seu alcance, significado e inclusive sua natureza (LÉVY, 1999). Para Huitema (1996, apud LÉVY, 1999), todos os computadores do mundo, todos os aparelhos, todas as


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máquinas, dos automóveis às torradeiras, deveriam ter um endereço na internet, afinal, na opinião do autor, é isso que significa cibercultura. O modelo digital e o trânsito de informações em rede estão formando a base da contemporaneidade (LEMOS, 2004). A cibercultura conseguiu crescer principalmente devido à massificação dos computadores e da internet, sem falar que muitas das ações realizadas com um computador também são feitas com smartphones e tablets. Até a maneira como as pessoas comportam-se em ambientes público e privados mudou. No patamar que a cultura digital alcançou nos últimos tempos, torpedos são trocados entre milhares de celulares, músicas são permutadas via Bluetooth1, videogames são jogados entre uma esquina e outra, na escola, na hora do almoço ou, até mesmo, na frente da televisão. Com a eclosão dos aparelhos portáteis, sons, textos e imagens tornaram-se onipresentes na vida dos usuários (SANTAELLA, 2007). Coisas que se faziam principalmente de maneira off-line, como ir ao banco para pagar uma conta ou ir ao supermercado e ao shopping, agora estão disponíveis on-line. Programas de televisão, antes exibidos em apenas um meio, agora são vistos na internet em qualquer horário, e não só isso: redes sociais disparam conteúdos que estão por vir, a fim de captar telespectadores novos. Além disso, vagas de emprego das mais variadas áreas solicitam conhecimentos mínimos em softwares diversificados, internet e redes sociais. Assim a cibercultura torna-se a cultura de diversos setores da sociedade e pessoas ao redor do mundo. Mesmo com a demanda da vida on-line aumentando dia a dia, sempre haverá novos indivíduos acessando a internet pela primeira vez, novos computadores conectados uns aos outros e novas levas de informações inseridas na rede. Quanto mais o digital expande seus domínios, mais ele cria uma universalidade, ou seja, mais une os indivíduos. (LÉVY, 1999). Segundo afirma Santaella (2007), a pluralização das mídias e dos métodos de recepção esboçados por elas ajustaram os usuários para o aparecimento dos meios digitais, que têm como marca a busca individualizada da mensagem e da informação. Dessa forma, a cultura das mídias opera como uma ligação entre a cultura de massas e a cibercultura. Para a autora: Hoje vivemos uma verdadeira confraternização geral de todas as formas de cultura, em um verdadeiro caldeirão de misturas entre a cultura oral, tanto a primeira quanto a segunda oralidade, que está presente no rádio, TV e cinema; a cultura escrita cujos traços remanescentes se fazem hoje presentes, por exemplo, nas artes gráficas e no design digital; a cultura impressa multiplicada em uma infinidade de publicações de toda ordem; a cultura de massas, ainda poderosa embora não hegemônica; a cultura das mídias, nos variados dispositivos para a produção e recepção personalizada das linguagens, tais como fotos, vídeos e áudios; e, por fim, a cibercultura, cuja transformação se processa aceleradamente (SANTAELLA, 2007, p. 139-140). 1

Sistema de transferência de dados.


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Graças à cultura digital, agora os indivíduos criam conteúdo e distribuem informações em uma comunicação de massa, mas que também carrega características particulares de cada emissor. A cibercultura não se preocupa com espaço ou tempo, ela apenas reúne o conhecimento e o distribui na rede com a ajuda dos usuários.

2.3 APROPRIAÇÕES DE LINGUAGEM

Paralelo com a internet, outra forma de comunicação de massa pouco a pouco reúne mais pessoas. O videogame é, talvez pela inclusão ininterrupta de inovações tecnológicas, uma das mídias que conseguiu desenvolver suas características e apresentar inovações mais rápido dentre todas as outras. A cada ano, as novidades científicas e tecnológicas no mundo dos jogos aperfeiçoam a simulação de ambientes, determinando, assim, uma nova relação entre artes visuais, cultura da comunicação e indústria da diversão (SANTAELLA, 2007). Demarcado como uma brincadeira com regras, o jogo assumiu diversas dimensões diferentes ao longo da cultura humana, apresentando formas que variam desde a perversidade e truculência da era romana até o inocente dominó. O que marca a geração atual, entre centenas de jogos tradicionais, são os jogos eletrônicos. (SANTAELLA, 2007). E o que torna os videogames tão cativantes? Johnson (2012) ressalta que esse poder está ligado à tendência que os jogos têm de incitar os sistemas do cérebro relacionados às recompensas, ou seja, que produzem uma espécie de prazer ao recebê-las. Conforme o autor, as gratificações estão por todos os lados na vida real, constituindo uma das justificativas para existirem tantos modos de vício. No cenário dos games, elas também existem aos montes. O universo está literalmente cheio de objetos que produzem recompensas articuladas de forma muito clara: mais vidas, acesso a novas fases, novos equipamentos, novos encantamentos. As recompensas dos games são fractais; cada escala contém sua própria rede de recompensas, seja quando você está aprendendo a usar o controle, simplesmente tentando resolver um enigma para ganhar mais dinheiro, seja tentando completar o objetivo principal do jogo (JOHNSON, 2012, p. 36).

Apesar do objetivo maior de terminar o jogo como vencedor, um dos principais fatores de retenção da atenção é o desejo de desvendar o que está por vir na narrativa. Os sistemas que atuam sob a forma de recompensas, geralmente as apresentam de maneira clara, possibilitando que sejam conquistadas na medida em que o meio virtual é examinado. Dessa maneira, o cérebro é cativado instantaneamente. O que auxilia a narrativa do videogame a captar a atenção do jogador é a maneira implícita de montar a história. Ou seja, o usuário é


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obrigado a desvendar mistérios a cada fase para conseguir seguir adiante no jogo. Chamada sondagem, essa é a técnica de exploração da lógica do jogo e o caminho que vai levar o jogador adiante na narrativa (JOHNSON, 2012). James Paul Gee (2003, apud JOHNSON, 2012), pesquisador especialista em videogames, destaca a sondagem como um método composto por quatro ações: sondar, criar hipóteses, sondar de novo e repensar. Primeiro, o jogador deve estudar o ambiente virtual em que se encontra e executar alguma ação. Depois disso é preciso raciocinar sobre que significado útil pode existir na ação tomada, ou no objeto que está no caminho. Em terceiro lugar, o jogador vai examinar novamente o mundo, agora tendo em mente a hipótese considerada. Por fim, o jogador aceita o resultado ou repensa uma nova estratégia, diferente da inicial. A narrativa do videogame é muito semelhante a outras narrativas do meio digital. Para Juul (1998, apud SANTAELLA, 2007), a qualidade dos jogos eletrônicos está no fato de permitir liberdade para que o jogador possa investigar e entender a estrutura de um mundo virtual para que, assim, possa conhecê-lo e aprender a operá-lo. As formas narrativas dos videogames se desenvolveram de tal forma que começaram a se espalhar para outras mídias, como televisão e internet. Alguns programas e sites trataram, ao disseminar conteúdo, de absorver as linguagens utilizadas pelos jogos eletrônicos. Na internet, segundo Johnson (2012), o rápido compasso de novas plataformas e softwares compele o usuário a sondar e vencer novos ambientes. O autor afirma que “os reality shows da televisão são o testemunho definitivo do domínio dos games no momento atual da cultura pop”. De acordo com ele, os moldes da televisão de algum tempo atrás eram formados segundo inspiração no teatro – dramas em atos ou apresentações de esquetes e números musicais. Agora, o telespectador confia que a televisão estabeleça uma nova maneira de diversão, baseada em séries de provas competitivas que aos poucos ficam mais complexas. Além disso, ao não deixar as regras do jogo explícitas, os reality shows usam recursos do universo dos videogames (JOHNSON, 2012). Os reality shows tomaram emprestado dos videogames outro ingrediente-chave: o esforço intelectual de sondagem das regras do sistema em busca de pontos fracos e oportunidades. À medida que cada programa revela suas convenções, e cada participante revela seus traços de personalidade e seu passado, o que prende a atenção é imaginar como os participantes devem navegar naquele ambiente criado para eles (JOHNSON, 2012, p. 76).

Por último, esses programas ainda captaram outra característica. A exemplo dos videogames, o conteúdo não interessa tanto quanto o valor cognitivo que o jogo exige, o


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essencial é o aprendizado paralelo (JOHNSON, 2012). Inspirado no reality Survivor, da emissora norte-americana CBS, o programa No Limite foi transmitido pela TV Globo pela primeira vez em julho de 2000, seguindo por três temporadas até 2002. Após alguns anos, em 2009, foi exibida a quarta temporada, comandada pelo jornalista Zeca Camargo, assim como as outras. Divididos em tribos, os participantes eram agrupados para sobreviverem em algum lugar deserto do Brasil, algo como selva ou praia. A eles eram dados apenas alguns utensílios para conseguir se manter ao longo do jogo. A princípio, eles deveriam sustentar-se apenas com isso, mas após alguma prova – geralmente de resistência, agilidade ou força de vontade – a equipe poderia ganhar comida, ferramentas ou uma carta da família como recompensa. A equipe que perdesse a prova deveria eliminar um participante seu. Instigado por uma trama que exige do cérebro completar as partes que não estão claras da história, o público costuma apegar-se a jogos que estimulam o esforço da inteligência. E percebendo o nicho na audiência, os produtores culturais, de qualquer área da comunicação, inspiram-se nos cenários dos videogames para gerar conteúdo. Cada vez mais as emissoras aderem, em programações noticiosas, à barra de informações atualizadas em tempo real. Elas costumam aparecer na parte de baixo da tela, como se fosse uma legenda, forçando o telespectador a prestar atenção em duas coisas ao mesmo tempo – uma com os olhos e a outra com os ouvidos. No Brasil, o canal que frequentemente se utiliza desse método para divulgação de conteúdo é a Globo News. Enquanto repórteres e apresentadores relatam as notícias do dia, um sistema injeta na tela as manchetes atualizadas do momento. A audiência, dessa forma, aos poucos transforma o modo como assiste à televisão, tornando-se mais atenta e não apenas ligando o aparelho para se distrair. Outro aspecto interessante desse cruzamento de informações é observado com o uso das redes sociais para colocar o público dentro de um meio caracterizado pela comunicação de um emissor para vários receptores. Através da apropriação do que é dito na rede, com a devida adaptação ao projeto do programa e características do meio, a participação do público é inserida nesse processo. Isso não é novo, pois já era possível com o uso do telefone, porém é acelerado dessa forma. Assim, é possível questionar opiniões e sugestões sobre cada assunto e cada reportagem publicada. O compartilhamento do conteúdo produzido cria uma conversa através da união entre os meios de comunicação e a da incorporação dos novos recursos tecnológicos disponíveis.


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3 UM ASSUNTO E VÁRIAS MÍDIAS

Após falar da revolução digital, é preciso relatar e discutir as consequências positivas por ela trazidas ao mundo globalizado. Os computadores tornaram-se itens indispensáveis, reunindo em um só meio todos os conteúdos disponíveis na web. Primeiro, a convergência, que integra as diferentes mídias e estabelece o fluxo de informações entre as diversas plataformas disponíveis. Depois, a narrativa transmidiática continuou esse trabalho, utilizando os diferentes suportes para contar histórias e criar universos, sejam eles ficcionais ou não. Ambos os casos forçaram uma adaptação dos produtores e dos consumidores de conteúdo, que precisaram ajustar-se às novas condições de circulação da informação. Ao mesmo tempo, a imprensa, acostumada com as demandas dos jornais e revistas, sentiu a necessidade de migrar para outro meio, também ajustando seu conteúdo e a maneira como pensar reportagens às novas mídias.

3.1 A CONVERGÊNCIA

Um dos termos mais utilizados para discutir a comunicação atual, convergência diz respeito ao crescimento tecnológico digital e à integração de componentes como texto, imagens, áudio e vídeo, agrupados em um só lugar: o ciberespaço. (BRIGGS e BURKE, 2004). O processo não é recente, mas formado por processos observados décadas atrás. Para Ithiel da Sola Pool, em obra datada de 1983, o conceito de convergência é compreendido como um poder de mutação nas indústrias de mídia, deixando difusas as fronteiras entre os meios de comunicação. Ou seja, muito antes da entrada massiva dos caminhos digitais, fora percebido que um único meio físico seria capaz de transportar serviços que, no passado, precisavam de diferentes tipos de meios de comunicação para que pudessem ser transmitidos. Assim, a palavra passou a ser aplicada principalmente em referência à circulação desses conteúdos e informações através de diversos suportes midiáticos diferentes. A força que empurra a convergência é, na verdade, uma profunda revolução eletrônica, tão grande quanto a da era da prensa de Gutenberg. Milhares de anos atrás, o homem aprendeu a falar, ao contrário de qualquer outro animal, e também descobriu que não precisaria apenas utilizar a voz e gestos nos processos de comunicação, mas também registros simbólicos, que posteriormente geraram a escrita, forma que preserva discursos ao longo do tempo e do espaço. Com Gutenberg, no século 15, um novo momento começou, com a possibilidade da divulgação de textos em múltiplas cópias e sem a necessidade da escrita


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manual exemplar por exemplar. Décadas depois, tecnologias como o fonógrafo e a fotografia tornaram possível a circulação de sons e imagens em diversas cópias. Para Pool, os meios eletrônicos apenas facilitam esse processo, unindo todas as formas de comunicação em um único lugar. Isso pode ser transposto para o digital, que adiciona novas possibilidades de uso do conteúdo. Conforme Santaella (2007), a cultura é controlada pela tecnologia comunicacional mais recente, que tende a se destacar em relação às demais formas culturais. E é exatamente isso que ocorre com as mídias que estabeleceram a cibercultura, espalhada pela internet e pelos aparelhos móveis. Cabe recordar que há uma sobreposição de práticas de diferentes períodos, como a oralidade e a escrita, mesmo no mundo digital. Assim, a convergência mantém todas elas ativas e em processos formados por relações entre elas, alternando a produção e o fluxo de conteúdo. Jenkins (2009a) evidencia que as novas mídias não substituirão as antigas, mas irão interagir umas com as outras de maneira cada vez mais intrincada. A convergência significa mutações tecnológicas, sociais e culturais, ao passo em que os consumidores são estimulados a buscar novas informações e a se conectar a outros internautas em meio aos conteúdos disseminados. A convergência midiática não é apenas uma alteração tecnológica, considerando que ela também transforma a relação entre outras tecnologias, indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo midiático e transformados em recursos através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana. Por haver mais informações sobre determinado assunto do que alguém possa guardar na cabeça, há um incentivo extra para que conversemos entre nós sobre a mídia que consumimos. Essas conversas geram um burburinho cada vez mais valorizado pelo mercado das mídias (JENKINS, 2009a, p. 28).

A convergência entre as mídias muda drasticamente a estrutura e o status das indústrias de comunicação. Como visto, nem a competição entre os meios e muito menos a convergência entre eles é nova. O que é recente é a extensão da convergência. Os computadores podem manipular as comunicações em todas as mídias, como sintetizar padrões gráficos ou de voz, editar textos ou vídeos e escrever resumos sem a presença de um autor humano. Portanto, o sistema de comunicação digital banda larga é muito mais provável que se torne um veículo, não apenas pela comunicação, mas por fatores que incluem voz, imagens, publicações, radiodifusão e correio eletrônico (POOL, 1983).


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O autor apresentava um futuro próximo para a época, em que todos os meios estariam conectados em um só: “A tendência é em direção a uma convergência entre os meios de comunicação, com grandes instituições de comunicação que trabalham em muitos meios interligados de uma só vez” (POOL, 1983, p. 53). Ele garante que não existe uma lei imutável para a crescente convergência. Agora, a comunicação eletrônica significa fazer rápido e melhor o que outras mídias faziam com folhas, tinta e papel. Segundo Jenkins (2009a), do mesmo modo como a grande demanda da cultura pop junto aos consumidores força os produtores a pensarem abordagens diferentes para suas criações, a convergência, que abrange todas essas mídias, também está obrigando essa transformação, já que o fluxo de conteúdo depende essencialmente da participação dos internautas. E, assim como a cultura pop dos videogames e da televisão, a cultura da convergência está forçando as crianças, desde o início de sua vida on-line, a desenvolver habilidades. O autor costuma denominar de “Falácia da Caixa Preta” o atual discurso atual sobre convergência: “Mais cedo ou mais tarde, diz a falácia, todos os conteúdos midiáticos irão fluir por uma única caixa preta em nossa sala de estar (ou, no cenário dos celulares, através de caixas pretas que carregamos conosco para todo lugar)” (JENKINS, 2009a, p. 40). O autor, no entanto, logo desmente essa afirmação, ao assegurar que a convergência é, na verdade, um processo, e nada poderá controlar o fluxo de conteúdos entre as mídias. Portanto, cabe conectar os conhecimentos do primeiro capítulo sobre as habilidades cognitivas que as crianças das gerações atuais têm adquirido graças à cultura popular com estas combinações e recombinações entre os meios de comunicação. Essas capacidades expandem-se cada vez mais, principalmente em decorrência da cultura da convergência, que provocou o compartilhamento de conteúdos de uma mídia com outras mídias entre criadores de conteúdo e a audiência, criando novas formas de relação entre emissor, mensagem e receptor, e alterando também a ligação entre esses atores. Hoje, os jovens desenvolveram aptidões para somar o seu conhecimento aos de outras pessoas, coletivamente em fóruns da internet, por exemplo. Via redes sociais como Twitter2 e Facebook3, compartilham e comparam avaliações e críticas, manifestando interpretações e sentimentos sobre programas e conteúdos produzidos por outros meios de 2

Rede de microblog, o Twitter permite que os internautas criem perfis e que recebam conteúdo de outras pessoas através de um mecanismo chamado “seguir”. A ferramenta torna possível também a comunicação entre os usuários por meio de mensagens públicas (reply) e privadas (direct message). É possível também republicar o que uma pessoa postou através do retweet. 3 Rede social criada por Mark Zuckerberg em que é possível adicionar amigos e curtir e compartilhar conteúdos.


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comunicação. Também criam ligações entre partes de informação espalhadas pela rede, criando um sistema de circulação ao compartilhar com outras pessoas conteúdos e produções (JENKINS, 2009a). Andréia Mallmann (2010) utiliza as ideias de George Gilder (1994) sobre a existência de um caminho único para discutir as consequências da combinação de mídias. Enquanto Jenkins observa a construção de laços culturais em torno da internet através de aparelhos, anos antes Gilder concluiu que o atual estágio irá desaparecer no futuro com a supremacia digital. O momento é discutido de maneira oposta por Mallmann ao comparar outro momento de transição cultural para iluminar esta questão: O autor não está errado em acreditar que a convergência entre esses dois mundos será provisória e certamente terá seu fim em um determinado momento não muito distante, mas se precipita ao desconsiderar que estamos, sim, passando por uma transição, que não será talvez do cavalo ao carro, mas quem sabe da charrete, que puxada por um animal, possibilitou o transporte coletivo de um ponto a outro décadas antes do primeiro Ford ir às ruas e ganhar reais possibilidades de consumo até virar uma demanda de fato necessária socialmente (MALLMANN, 2010, p. 180).

Não existe uma lei imutável na convergência, segundo Pool (1983), pois o processo de mudança é muito mais complicado que isso. Contudo, uma tendência particular de convergência foi colocada em movimento pelo desenvolvimento da comunicação eletrônica. Antes disso, as instituições existiam com base na imprensa, ou seja, em jornais, revistas e livros. Ao longo dos séculos, porém, foi desenvolvida uma tradição legal que protegia os meios do controle do governo. A comunicação eletrônica acabou não sendo igualmente protegida e, para fazer melhor e mais rápido que os velhos meios de comunicação, criou consequências inesperadas para o sustento da liberdade. Produtivas, as ideias que percorrem a cultura da convergência fazem isso de duas maneiras diferentes, segundo Jenkins (2009a). Algumas têm início na mídia comercial, sendo apropriadas e adotadas por uma infinidade de públicos diferentes. Outras surgem a partir de pontos diferentes da cultura participativa, sendo arrastadas para a cultura predominante até chegarem nas indústrias midiáticas. Os meios de comunicação como jornal impresso, rádio e televisão, sobretudo, precisaram de uma adaptação para sobreviver, até o presente momento, nesse novo panorama. Desde o surgimento da internet, o jornal passou a estar sempre um dia atrasado em relação às informações noticiadas. Por isso, foi necessário adequar os conteúdos que seriam veiculados no meio impresso e aqueles que seriam dispostos no meio on-line. Agora, as informações vão direto para os sites dos jornais, unindo textos – um pouco mais enxutos –, vídeos, áudios de entrevistas e infográficos interativos. Ao jornal, ficaram restritos textos mais interpretativos,


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com pontos de vista diferenciados daqueles que foram publicados na internet. Para Pase (2008): O texto naturalmente flui pela Internet. A rede digital, conforme visto, decorre de um longo processo de criação de uma teia. Além da estrutura universitária base para a expansão comercial, agências de notícias também teceram a sua trama, utilizando o digital para levar a informação de base para que o jornal posteriormente redigisse textos com este conteúdo. Com a paginação eletrônica, a criação em ambiente digital, porém off-line, adentrou na redação. A Internet apenas amarrou estes nós soltos para formar o seu tecido (PASE, 2008, p. 209).

O jornal Zero Hora tem preferido publicar diversas reportagens que sairão no impresso no dia seguinte na internet, na mesma tarde em que são produzidas – ou seja, antes de sair o jornal. Algumas pessoas podem pensar que o jornal está boicotando a si mesmo, no entanto, a exemplo do New York Times, a Zero Hora passou a cobrar por seu conteúdo online. Cada internauta tem no máximo 30 cliques gratuitos por mês, e, chegando a esse limite, o próprio site oferece opções de pacotes de assinatura. Para Pase (2008, p. 209), “a convergência de linguagens retirou dos jornais o seu principal recurso, o texto, e utiliza, no campo on-line, a sua potencialização extrema através dos hiperlinks”. Mallmann (2010) afirma ser um engano alcunhar a convergência de midiática, pois o que interessa necessariamente para esse conceito são as linguagens inseridas nos meios, não sendo eles próprios o foco central da atenção. [...] A convergência de linguagens necessita que o meio possua um tempo e um espaço não-lineares, garantindo um acesso múltiplo e irrestrito a textos, sons, imagens, vídeos, animações, etc., disponíveis em um metassistema. [...] Assim, seja qual for a linguagem do conteúdo, o mesmo poderá ser oferecido e trocado através dos meios (celular, computador, TV digital, etc.) (MALLMANN, 2010, p. 184).

Pellanda (2005) e Pase (2008) também estudam a convergência dessa forma, analisando a questão das linguagens, em detrimento dos canais em si, ao contrário do que afirmava Marshall McLuhan (1969), de que o meio é a mensagem. Para ele, “é o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e associações humanas” (MCLUHAN, 1969, p. 23). Opondo-se a essa tese, Pellanda (2001) propõe que os meios é que dependerão das mensagens que transmitem. Isso tende a acontecer, pois áudio, vídeo e outras formas de linguagens estão cada vez mais acessíveis, juntos, nas mesmas plataformas, graças à revolução digital. Assim: Todos os elementos verificados na convergência de mídias podem, neste novo contexto, serem replicados para o ambiente móvel como todos os desdobramentos


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que isso pode trazer. Distinguir o que é TV, rádio ou jornal nesse meio é basicamente baseado nas linguagens de vídeo, áudio e texto. A junção destas mídias forma outra convergência, onde a interligação entre as linguagens é o ponto de distinção. O fato desta mídia convergente estar distribuída do ponto de vista físico nos mais variados ambientes e situações cria um “ambiente de mídias” (PELLANDA, 2005, p. 170).

Na mesma linha, Pase (2008, p. 211) expõe que “a cultura do uso dessas mídias torna-se facetada, pois as linguagens migram com o conteúdo para outros ambientes, porém em alguns casos apenas existe a transposição para o novo plano”. Dessa maneira, a cultura do digital acaba por enfatizar o computador como mídia única para a maioria das pessoas. Como o computador transformou-se em mídia indispensável nos lares de pessoas do mundo inteiro, conteúdos que antes seriam vistos apenas em plataformas específicas começaram a ser acessados via on-line. A facilidade de gravar e editar vídeos, por exemplo, permitiu compartilhar no Youtube4 programas de televisão e rádio, facilitando o acesso a conteúdos que nem todos conseguiram assistir ou ouvir em seus meios originais. Assim, telespectadores que não conseguiam ver programas nos horários préestabelecidos encontraram uma forma adaptada a sua rotina, mesmo que de maneira não autorizada. Diante do cenário, empresas como a Rede Globo passaram a exibir trechos de seus programas no site. No caso desta emissora, quem assina o serviço pode assistir a programas completos e a episódios de novelas na íntegra, em uma forma adaptada para o país de acessos como o site Hulu, uma espécie de Youtube com conteúdo oficial. A convergência não só trouxe facilidades para o consumidor, como também refletiu a transformação cultural pela qual atravessa o mundo. Enquanto múltiplos suportes midiáticos compartilham um enorme fluxo de informações e conteúdos diferentes, o computador une todos os meios em um só, ao anexar texto, áudio, vídeo e imagens em apenas um lugar. Como afirma Henry Jenkins (2009a, p. 27): “No mundo da convergência das mídias, toda história importante é contada, toda marca é vendida e todo consumidor é cortejado por múltiplos suportes de mídia”.

3.2 AS NARRATIVAS TRANSMIDIÁTICAS

Nova estética nascida em resposta à convergência das mídias, a narrativa transmidiática – termo batizado por Henry Jenkins em seu livro Cultura da Convergência (2009a) – é, na verdade, a arte da criação de um universo. Produzindo novas exigências aos 4

Site de compartilhamento de vídeos.


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consumidores e, assim, exigindo a participação ativa deles, a história transmidiática se resume em, através de diferentes plataformas midiáticas, criar novos textos pertencentes a um mesmo assunto, adicionando informações que contribuem para o enredo original mantendo a independência das partes. Teoricamente, a forma perfeita de narrativa transmidiática reservaria que cada meio pudesse fazer o seu melhor, para que assim, a história de um livro, por exemplo, possa ser contada em um filme, em um programa na televisão, em histórias em quadrinhos ou até mesmo em videogames e em parques de diversões. Deve ser independente o acesso à franquia por meio de cada plataforma, para que não seja preciso conhecer os produtos desenvolvidos para outros meios para que se possa entender a história (JENKINS, 2009a). Para viver uma experiência plena num universo ficcional, os consumidores devem assumir o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços da história pelos diferentes canais, comparando suas observações com as de outros fãs, em grupos de discussão on-line, e colaborando para assegurar que todos os que investiram tempo e energia tenham uma experiência de entretenimento mais rica (JENKINS, 2009a, p. 47).

É essa experiência, sustentada pelo conteúdo em diversas mídias diferentes, que estimula o consumo, visto que a insistência na divulgação de histórias iguais, ou versões de uma história original, pode reduzir o interesse dos fãs. Assim, as adaptações podem gerar o fracasso da franquia. Para manter a atenção do consumidor basta proporcionar novos níveis de experiências e revelações do conteúdo das histórias (JENKINS, 2009a). A narrativa transmidiática existe em função de motivações econômicas integradas à indústria da diversão. E as histórias criadas e desenvolvidas para múltiplos suportes midiáticos visam apenas à construção e ampliação de franquias do entretenimento, sem excluir usos em ambientes jornalísticos. Aproveitando que a convergência das mídias impõe o fluxo de conteúdos por diversas plataformas diferentes, os produtores utilizam a tecnologia para captar os consumidores para dentro de um universo. Os indivíduos passam a investir mais tempo nas histórias, forçando os produtores a criarem universos diferenciados cada vez mais rápido e em sequência, para não desperdiçar uma possibilidade de venda sequer (JENKINS, 2009a). Mídias diferentes atraem nichos de mercado diferentes. Filmes e televisão provavelmente têm os públicos mais diversificados; quadrinhos e games, os mais restritos. Uma boa franquia transmidiática trabalha para atrair múltiplas clientelas, alterando um pouco o tom do conteúdo de acordo com a mídia. Entretanto, se houver material suficiente para sustentar as diferentes clientelas – e se cada obra oferecer experiências novas -, é possível contar com um mercado de intersecção que irá expandir o potencial de toda a franquia (JENKINS, 2009a, p. 135).


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Mesmo tendo sido cunhada primeiramente por Jenkins, a narrativa transmidiática não é absolutamente nova, apesar de ser inovadora dentro daquilo que propõe. Segundo o autor, a história de Jesus contada na Idade Média não era comprovada em livros, ela podia ser vista em diferentes níveis de cultura. “Cada representação (um vitral, uma tapeçaria, um salmo, um sermão, uma apresentação teatral) presumia que o personagem e sua história já eram conhecidos de algum outro lugar” (JENKINS, 2009a, p. 165-166). Em seu blog, atualizado desde junho de 2006, Jenkins frequentemente publica artigos relacionados à convergência e a narrativas transmidiáticas, entre outras divagações. Em material publicado neste espaço, que opera, sobretudo, como um ambiente de atualização rápida das suas ideias, estabelece os sete princípios da narrativa transmidiática. 5 Ele ressalta que o processo tem origens tanto culturais bem como econômicas. O impulso para a transmídia está ligado com a consolidação das empresas de comunicação. Sim, ainda há também uma força para transformar esta norma econômica em uma oportunidade estética. Se as experiências do entretenimento são realizadas em diversas plataformas, por que não usar esse princípio para expandir e enriquecer estas experiências cujos consumidores demandam por mais tramas? Por que não ver a transmídia como uma plataforma expandida pela qual os contadores de histórias podem usar para seu ofício? (JENKINS, 2010) (tradução nossa).

O pesquisador lista os seguintes princípios, utilizando a letra x ou versus para significar o princípio de um sobre o outro: A “capacidade de espalhar sobre a capacidade de aprofundar” refere-se à capacidade da história de diluir uma trama maior em vários pedaços interconectados, gerando diversas histórias com as suas características próprias. Posteriormente, as tramas eram veiculadas em meios de comunicação tradicionais. Diante do controle do tempo ou do espaço, dependendo da mídia utilizada, os criadores optavam por entregar à audiência menos produtos, porém densos de conteúdo. As mídias digitais subvertem essa ordem, permitindo também aprofundar, mas expandindo os limites. “Capacidade de espalhar refere-se ao processo de espalhar – observar o cenário composto pelas mídias na busca de pedaços de dados com significado [para a trama]. A capacidade de aprofundar refere-se à habilidade de cavar mais fundo em busca de alguma coisa que nos interessa” (JENKINS, 2010). Diante de diversas plataformas, o reforço transmidiático no ambiente on-line também atua reunindo as diversas ligações possíveis. 5

Considerando que ele é a principal referência no assunto, não existindo outro autor que fale sobre isso com tamanha propriedade, a autora do presente trabalho sente-se impelida a compartilhar as teses sobre transmídia que Jenkins publica em seu blog.


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Segundo a “continuidade sobre a multiplicidade”, transmídia é uma experiência unificada que sistematicamente é desenvolvida por meio de múltiplos textos. Esse é o caso de várias franquias que constroem um forte senso de continuidade que contribui para que os consumidores apreciem a coerência de seus universos ficcionais, satisfazendo-se pelo tempo investido na história. A multiplicidade permite que os fãs tenham prazer em novas narrativas, vendo personagens e acontecimentos através de novas perspectivas. “A indústria da mídia frequentemente fala sobre a continuidade nos termos do cânone – isto é, informação que foi autorizada, aceita como parte da versão definitiva de uma estória em particular.” (JENKINS, 2010). Esse uso da palavra cânone foi muito abordado por criadores para unificar as suas produções. Esta pesquisa também incorpora essa palavra, pois compreende que as narrativas transmidiáticas não apenas necessitam de histórias atrativas, mas também da coerência entre os produtos relacionados. A multiplicidade atua entre o público, ao abrigar para si fan fictions (termo que será abordado posteriormente) ou versões produzidas de maneira não oficial que complementam a obra. Essas adaptações também simbolizam a aceitação e o diálogo dos fãs com o seu objeto de adoração, neste caso uma história. Os conceitos presentes no princípio “imersão sobre a extração” referem-se à relação percebida entre a ficção transmídia e nossas experiências cotidianas. Imersão é a capacidade que os consumidores têm de entrar em um universo ficcional. Isso é observado não apenas no nível dos sentidos, mas quando a trama torna-se tão atrativa que capta quase com totalidade, se não todo, o foco do público. Ele acaba acreditando em magia e seres de outros planetas, por exemplo, influenciado por construções que passam tanto pelas letras dos livros, mas também por criações em 3D projetadas em uma tela de cinema. Na extração, os fãs captam aspectos da história e levam consigo como recursos a serem implantados em suas vidas cotidianas. Isto é observado de duas maneiras, no momento que uma lição de moral ou uma expressão é incorporada, mas também quando há a apropriação para manipulação e criação de elementos que reforçam a multiplicidade. O princípio de “Construção de mundo” é consequência da proliferação de jornadas conectadas. A reunião das diversas partes que iniciou com a explosão de um big bang em forma de ideia ou filme ou livro e acaba gerando um universo complexo, composto por diferentes tramas e mídias. Produtores transmidiáticos estão criando mídias que também existem no universo ficional para que também sirvam para compreender esta lógica, práticas e instituições - podemos ver, por exemplo, a produção de quadrinhos de piratas dentro da própria graphic novel Watchmen de Alan Moore para mostrar para os leitores as


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fantasias de um mundo onde os super-heróis são reais ou os boletins de notícias de TV criados para a versão em filme, que ajudam a compreender a história alternativa criada pela intervenção dos heróis nos eventos do século 20 (JENKINS, 2009b) (tradução nossa).

Aqui há também um alinhamento com a continuidade, no momento que todos os elementos precisam estar em sintonia, reforçada pela criação de objetos com referência interna e própria, como se legitimassem o fantasioso. A “serialidade” separa o universo como um todo em pequenas narrativas, também dispersas através de várias plataformas. Há um momento de ruptura, em que um texto (ou produto midiático) é encerrado em um ponto conectado com outro, criando um enigma que força o leitor a continuar consumindo a história, mesmo que sua satisfação tenha sido adiada, enquanto espera por outra parte. Esse “fim” de cada peça do quebra-cabeças narrativo precisa ter duas qualidades, encerrar a trama e também deixar um cliffhanger, expressão usada quando a última cena deixa o público ansioso pelo próximo capítulo. O princípio da “subjetividade” impulsiona leitores de longa data a comparar e contrastar múltiplas experiências subjetivas dos mesmos fatos ficcionais. “No seu cerne, a subjetividade refere-se à possibilidade de olhar para o mesmo evento através de diferentes pontos de vista” (JENKINS, 2010). É uma extensão transmídia, que pode ser exemplificada por focar em dimensões inexploradas dos universos ficcionais, por ampliar o tempo do material divulgado ao, por exemplo, confiar nos quadrinhos para contar o início de uma história já publicada, ou mostrar as experiências e perspectivas de personagens secundários. Cada personagem tem a sua perspectiva do todo e isso é valorizado. Não que todos os produtos apresentem todas as versões dos fatos, mas a possibilidade de diversas plataformas permitiria, por exemplo, contar a perspectiva de Harry Potter, Hermione ou Rony em um evento importante de Hogwarts. Com o “desempenho”, os fãs irão identificar sites com potencial desempenho da narrativa transmidiática em que eles possam criar suas próprias contribuições para a franquia. E, assim, os produtores tornam-se engajados na busca de suporte para esses fãs, auxiliando-os a cooperar e desempenhar uma relação com o texto e a audiência através de sua presença online. Há um processo de colocar iscas para atrair a audiência e utilizar outros produtos ou atores para incentivar a participação dos fãs na criação de novas ideias, não apenas comentários e compartilhamentos em redes. Como relatado no livro Cultura da Convergência, Jenkins basicamente analisa que uma verdadeira franquia transmidiática conta com consumidores diversificados, que acessem


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as diferentes plataformas de comunicação e apenas modifiquem o tom do conteúdo dependendo da mídia em que ele será inserido. Se houver material suficiente para manter o consumo dos produtos – e se cada obra produzida conseguir oferecer experiências realmente novas – é possível contar com um mercado convergente, expandindo o potencial do universo criado. Com isso, cada vez mais as narrativas estão baseadas na construção desses universos, na medida em que são criados ambientes cativantes que não têm condições de serem explorados completamente em somente uma obra ou mídia. E a essa circunstância ainda é adicionado o fato de que as especulações e os compartilhamentos dos fãs nas redes sociais e em todo o resto da internet colaboram para espalhar o conteúdo e ampliar o universo em todas as direções possíveis (JENKINS, 2009a). Entretanto, apesar de estar mais presente na ficção, não é só dela que a narrativa transmidiática se alimenta. Isso pode ser exemplificado através de um projeto do jornal norteamericano Los Angeles Times, chamado, em tradução literal, México Sob Cerco. Desde 2008, repórteres e fotógrafos do LA Times, assim chamado, registraram, de ambos os lados da fronteira entre Estados Unidos e México, a luta selvagem entre cartéis de drogas mexicanos pelo controle sobre o lucrativo tráfico de drogas em direção às terras americanas (MÉXICO, [ca. 2008]). O conflito já matou milhares de pessoas, paralisou cidades inteiras com o medo e fez nascer uma cultura de corrupção, atingindo níveis altos. Foram mais de 800 textos escritos, entre notas, pequenas matérias e reportagens, que estão disponíveis na íntegra no site do jornal. Além disso, é possível percorrer um mapa interativo do território mexicano, que mostra o total de mortes no país junto a um gráfico que exibe a quantidade de mortes por semana. Esse gráfico é ajustável ao ano, e, quando explorado, mostra no mapa acima dele os mortos naquele período. Na mesma sessão, junto ao mapa e ao gráfico, é possível conhecer o perfil completo e a localização dos principais membros atuantes das facções e dos cartéis de drogas no México. Acompanha o projeto uma galeria de fotos multimídia, em que, na tela inicial, são destacadas dezenas imagens em miniatura. Quando clicadas, elas aumentam de tamanho. A legenda explica o que está ocorrendo no momento da ação e ainda fornece o link para que se tenha acesso à reportagem que originou a foto. E ainda, é apresentado um vídeo em que repórteres e editores do Los Angeles Times e professores especialistas no assunto discutem questões sobre a guerra de drogas no México, tais como legalização de drogas, se há uma solução militar para o caso ou se os números divulgados pelo jornal têm credibilidade. Do lado direito da tela é transmitido o vídeo, enquanto, do lado esquerdo, o internauta pode


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escolher, por meio de links qual pessoa ele deseja assistir, se um professor da Universidade de San Diego, um fotógrafo ou um repórter. Ao clicar em um deles, outro menu aparece, dando lugar a várias perguntas baseadas em questões enviadas por leitores. Para conhecer a resposta para cada uma delas, basta clicar e assistir ao vídeo. Esse caso específico do Los Angeles Times torna-se uma narrativa transmidiática no momento em que os consumidores podem acessar informações sobre a mesma história em meios diferentes. Não informações repetidas, mas sim que acrescentam ao conteúdo, formando um grande universo para contar uma realidade, no caso, a do tráfico de drogas no México. No jornal, o leitor encontrava as reportagens. No site, era possível acessar vídeos, fotos e mapas interativos com novas e recentes informações, além de poder conhecer os bastidores do processo de apuração e de escrita dos textos por meio de entrevistas com editores, fotógrafos e repórteres do jornal. A narrativa transmidiática, em conjunto com a convergência, não só está a serviço do entretenimento, para contar histórias que se expandem por livros, quadrinhos e filmes, como também está a serviço da realidade, para levar ao internauta e ao leitor a maior variedade possível de informações, independente do meio em que ele esteja acessando a informação.


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4 A FRANQUIA HARRY POTTER

Um dos maiores êxitos da história das franquias, a saga Harry Potter é conhecida principalmente pelos sete livros que a originaram e pelos oito filmes que sucederam as obras escritas. No âmbito literário, foram mais de 450 milhões de exemplares vendidos, traduzidos para 72 idiomas, incluindo o latim (BLOOMSBURY, [ca. 2011]). Já os longas, exibidos nos cinemas, converteram Harry Potter em uma das franquias cinematográficas mais lucrativas da história, faturando mais de 7 bilhões de dólares. E a saga Harry Potter não só rendeu livros e filmes, como também videogames tanto para computadores, quanto para outras plataformas. Além de diversos jogos on-line não oficiais produzidos por fãs da história. A franquia também deu origem a um parque de diversões, localizado em Orlando, nos Estados Unidos. Além de trazer réplicas do castelo de Hogwarts, por exemplo, o local ainda conta com brinquedos e passeios pelo mundo mágico.

4.1 OS LIVROS

Atualmente uma das mulheres mais ricas da Inglaterra e da Europa, Joanne Kathleen Rowling, ou simplesmente J. K. Rowling 6, nasceu em 31 de julho de 1965, filha de Peter e Ann. Sua mãe foi diagnosticada com esclerose múltipla em 1980, quando Rowling tinha apenas 15 anos, falecendo dez anos depois. A escritora também teve uma relação longe da ideal com seu pai, de quem tinha medo e frequentemente tentava agradá-lo, sem muito sucesso. Talvez parta dessa relação a forte presença de figuras paternas idealizadas na história de Harry Potter, tais quais Hagrid, Dumbledore e Sirius Black. A morte da mãe de Rowling, quando ela tinha recém começado a escrever a história, teve um efeito profundo em sua escrita, e toda a história de Harry Potter é uma tentativa de recuperar a infância – que foi repleta de dificuldades. Após a morte de sua mãe, Rowling mudou-se para Portugal para ensinar inglês como língua estrangeira. Lá, ela casou com Jorge Arantes, um jornalista de televisão, e juntos tiveram uma filha, Jessica, mas ambos acabaram se separando dois anos depois.

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Ao publicar o primeiro livro, os editores convenceram Rowling a não assinar com seu nome completo para que os leitores não soubessem que a autora da história era uma mulher. Segundo eles, sabendo ser ela uma mulher, o público masculino não compraria os livros (SHAPIRO, 2004).


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A separação e a responsabilidade de ter que criar uma filha pequena levaram Rowling a uma depressão profunda que, depois de curada, inspirou a autora a criar os dementadores, criaturas que guarnecem as entradas da prisão dos bruxos, Azkaban, infestando locais escuros e se fortalecendo da decadência e do desespero alheio, sugando a alegria, a paz e a esperança de tudo ao seu redor (ITV, 2007).

4.1.1 Harry Potter e a Pedra Filosofal

Rowling imaginou a base da história de Harry Potter em uma viagem de Manchester a Londres e começou a escrevê-la em um café na capital inglesa. O primeiro livro, Harry Potter e a Pedra Filosofal, tomou forma entre os anos de 1990 e 1995, quando Rowling sentava em um café e reunia as anotações feitas em seu caderno durante a viagem. O primeiro livro foi refutado por doze editoras até ser publicado pela Bloomsbury, na Grã-Bretanha, em 1997, e pela Scholastic, nos Estados Unidos. Logo depois de colocado no mercado, o livro tornou-se rapidamente o mais vendido nesses países (PELISOLI, 2011). Harry é um menino órfão que passou a viver com seus tios trouxas 7 após a morte dos pais, Lilian e Tiago, quando ainda era um bebê. Forçados a receber Harry – deixado no batente da porta dos tios por Alvo Dumbledore8 e Minerva McGonagall9, professores da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts10 –, Válter e Petúnia Dursley, e seu filho Duda11, 7

Termo destinado às pessoas que não são bruxas. Diretor da Escola de Magia e bruxaria de Hogwarts, Alvo Dumbledore é um homem alto, magro e muito velho, com cabelos e barba prateados, suficientemente longos para prender no cinto. São olhos são azul claro, luminosos e cintilantes por trás dos óculos em forma de meia-lua, apoiados em um nariz muito comprido e torto. Dumbledore é conhecido por ter derrotado Grindelwald, o bruxo das trevas, em 1945, por ter descoberto os doze usos do sangue de dragão e por desenvolver um trabalho em alquimia em parceria com Nicolau Flamel (ROWLING, 2000b). 9 Professora de Transfiguração e Diretora Substituta na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, Minerva Mcgonagall é uma mulher de aspecto severo, utilizando óculos de lentes quadradas e trazendo os cabelos negros presos em um coque apertado (ROWLING, 2000b). 10 A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts é um castelo de pedra com muitas torres, localizado em um vasto terreno distante algumas horas de Londres de trem. O castelo fica no alto de um penhasco, com vista para os jardins, um lago e uma floresta. O teto do Salão Principal, onde alunos, funcionários e professores se reúnem para as refeições e para outros eventos, é enfeitiçado para parecer o céu lá fora. Hogwarts foi fundada por quatro bruxos - Salazar Slytherin, Godric Gryffindor, Helga Hufflepuff e Rowena Ravenclaw, que deram origem às casas Sonserina, Grifinória, Lufa-Lufa e Corvinal, respectivamente. Os alunos são classificados nas casas na primeira noite em que eles chegam na escola. A seleção é feita pelo Chapéu Seletor, um chapéu enfeitiçado que, ao ser colocado na cabeça dos alunos, decide para qual casa cada pessoa é mais adequada. Cada casa de Hogwarts tem um fantasma que a representa, bem como dormitórios próprios e uma sala comunal. A escola tem 142 escadas, algumas das quais se movimentam o tempo todo, levando a lugares diferentes em dias diferentes. Os terrenos incluem estufas para as aulas de Herbologia, um local para guardar as vassouras de voo e um campo de Quadribol, o esporte dos bruxos (ROWLING, 2000b). 11 Os Dursley vivem na rua dos Alfeneiros, nº 4, na Inglatera, e se orgulham de dizer que são perfeitamente normais. Válter é um homem alto e corpulento, quase sem pescoço e com bigodes enormes. Trabalha em uma firma chamada Grunnings, que faz perfurações. Petúnia é magra e loira, com um pescoço quase duas vezes mais 8


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formam uma família comum e ordinária. Por dez anos, deixaram Harry debaixo do mesmo teto, sem sequer preocupar-se com o bem estar do garoto. Ele dormia em um armário debaixo da escada e vestia as roupas usadas de seu primo, vários números maiores do que o seu tamanho. Harry, que sempre se considerara um garoto normal, porém, não pôde deixar de notar alguns acontecimentos estranhos em sua vida, que chegavam a parecer paranormais, como ter conversado com uma cobra em um zoológico de Londres. Um dia, uma carta misteriosa chegou para o garoto, mas Tio Válter a destruiu no mesmo instante, provocando uma inundação de cartas durante os dias seguintes. Sem conseguir resolver a situação já sem controle, Válter leva a família para um casebre abandonado em uma ilha no meio do mar. Como Harry não estava recebendo as cartas, Rúbeo Hagrid12, Guardião das Chaves e das Terras de Hogwarts, vai presencialmente fazer isso, informando ao garoto que ele é, na verdade, um bruxo e que foi aceito para estudar na escola de magia. Assim, o jovem descobre o real significado da cicatriz em forma de raio que possui na testa e que seus pais foram assassinados, não morreram em um acidente como os Dursley haviam dito. A marca é fruto de um feitiço muito violento que, apesar na força, não conseguiu matar Harry. Hagrid o leva ao Beco Diagonal13 para conhecer o cofre onde fica sua herança no Banco Gringotes14 e comprar todos os itens necessários para o início do ano letivo em Hogwarts. Lá adquire varinha, caldeirão, livros, uniformes e, inclusive, Edwiges, sua coruja de estimação – e ainda percebe que o fato de ter sobrevivido ao ataque de Voldemort 15 o transformou em uma pessoa famosa no mundo dos bruxos; todos reconhecem seu nome e comprido que o normal, muito útil para ela que fica cuidando da vida dos vizinhos. Duda é um menino grande e loiro, mas principalmente muito mimado (ROWLING, 2000b). 12 Hagrid é quase o dobro da altura de um homem normal e pelo menos cinco vezes a largura, com os pés do tamanho de golfinhos bebês e as mãos do tamanho de tampas de caixote de lixo. Seus brilhantes olhos negros são como besouros e seu rosto é quase completamente oculto por uma barba selvagem e pelo cabelo negro espesso. Apesar de seu tamanho, Hagrid é muito querido, vivendo com se cão, Canino, em uma cabana de madeira dentro das terras de Hogwarts (ROWLING, 2000b). 13 A entrada para o Beco Diagonal fica nos fundos d’O Caldeirão Furado, um barzinho sujo que, segundo a percepção de Harry no primeiro livro, só os bruxos podem vê-lo. Para ter acesso ao centro de compras dos bruxos é preciso bater com a varinha em tijolos determinados de um muro no quintal do pub. Depois disso, aparece um buraquinho na parede, que vai se alargando cada vez mais, até ter tamanho para que uma pessoa possa passar por ele. O Beco Diagonal fica ao ar livre e a rua é composta por pedras irregulares (ROWLING, 2000b). 14 Administrado por duendes, Gringotes, o banco dos bruxos, é um edifício muito branco e imponente, com portas de bronze polido, erguido em meio às lojas do Beco Diagonal. Dentro, os duendes trabalham em um grande saguão de mármore, escrevendo em livros-caixa, pesando moedas e examinando pedras preciosas. Para ter acesso ao cofre, é preciso entregar a chave para um duende e acompanhá-lo durante uma breve viagem em um vagonete pelos subterrâneos do banco (ROWLING, 2000b). 15 Bruxo que, após se formar na Escola de Hogwarts, sumiu no mundo e passou a dedicar-se às Artes das Trevas, voltando após isso para aterrorizar o mundo bruxo (ROWLING, 2000a).


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querem falar com ele. Já com a passagem para o Expresso de Hogwarts16 na mão, Harry descobre como acessar a Plataforma Nove e Meia17 na Estação de King’s Cross com ajuda dos irmãos Weasley18. É nesse trem que ele conhece seus melhores amigos, que o acompanharão durante toda a saga: Rony Weasley19 e Hermione Granger 20. No castelo de Hogwarts, a Professora McGonagall recebe os novos alunos e conta a eles um pouco da história da escola, explicando que os estudantes são classificados em quatro casas pelo Chapéu Seletor21. Durante a cerimônia de Seleção, após um pouco de indecisão do Chapéu, Harry é escolhido para integrar a Grifinória. É no primeiro livro que Harry tem a primeira discussão com Draco Malfoy 22, menino insolente da casa Sonserina, que vai se tornar um dos principais inimigos de Harry durante a história. Harry também conhece o Quadribol23, o esporte dos bruxos, tornando-se um dos principais jogadores de sua casa no campeonato da escola e um dos mais jovens apanhadores de todos os tempos. Já na época dos testes finais, o trio passa a desconfiar que Snape, o professor de Poções, estivesse querendo roubar a Pedra Filosofal 24, tesouro guardado no castelo. Durante 16

Trem que leva os alunos até Hogwarts. Ele parte sempre no dia 1º de setembro, às 11h, para um novo ano letivo. 17 A Plataforma Nove e Meia só tem visibilidade para os bruxos. Para ter acesso a ela é preciso chegar à parede divisória entre as plataformas nove e dez e ultrapassá-la. Do outro lado, o Expresso de Hogwarts aguarda os alunos para partir (ROWLING, 2000b). 18 A Família Weasley é composta por Arthur e Molly, e seus filhos Gui, Carlinhos, Percy, os gêmeos Jorge e Fred, Rony e a caçula Gina. São todos ruivos. Eles acabam se tornando a família protetora de Harry quando este tem Rony como um de seus melhores amigos, junto com Hermione. 19 Penúltimo filho de Arthur e Molly Weasley, Rony é um garoto alto, magro e desengonçado, com sardas, mãos e pés grandes e um nariz comprido (ROWLING, 2000b). 20 Hermione, filha de trouxas, tem um tom de voz mandão, os cabelos castanhos muito cheios e os dentes da frente um pouco grandes (ROWLING, 2000b). É muito inteligente e estudiosa. 21 Segundo a professora McGonagall, que recebe os alunos novos, a Seleção é uma cerimônia muito importante porque, enquanto os estudantes estiverem em Hogwarts, sua casa será uma espécie de família. Eles assistirão a aulas com o restante dos alunos de sua casa, dormirão no dormitório da casa e passarão o tempo livre na sala comunal. Enquanto estiverem na escola, os acertos dos alunos renderão pontos para a casa, enquanto os erros a farão perder. No fim do ano letivo, a casa com o maior número de pontos receberá a taça da casa (ROWLING, 2000b). 22 Um garoto pálido de rosto pontudo, filho de Lúcio e Narcisa Malfoy, ambos seguidores de Voldemort. 23 Quadribol é um esporte bruxo, jogado no ar, em vassouras. Cada equipe tem sete jogadores, sendo três artilheiros, um goleiro, dois batedores e um apanhador. Os artilheiros atiram a goles (uma bola vermelha do tamanho de uma bola de futebol) de um para o outro tentando metê-la em um dos três aros guardados pelo goleiro, para marcar um gol. São dez pontos toda vez que a goles passa por um dos aros. O goleiro tenta impedir que o outro time marque pontos. Dois balaços (bolas pretas ligeiramente menores que a goles) voam pelos ares tentando derrubar os jogadores das vassouras. É para isso que servem os batedores, para proteger o time dos balaços e tentar rebatê-los para o adversário. A função do apanhador é capturar o pomo de ouro (uma bola de ouro polido, com asas de prata, do tamanho de uma noz), a bola mais importante de todas. É muito difícil capturar porque é veloz e pouco visível. Um jogo de quadribol só termina quando o pomo é apanhado, e o time recebe 150 pontos por isso (ROWLING, 2000b). 24 Segundo Hermione leu em um livro, o antigo estudo da alquimia preocupava-se com a produção da Pedra Filosofal, uma substância lendária com poderes fantásticos. A pedra pode transformar qualquer metal em outro puro. Produz também o Elixir da Vida, que torna quem o bebe imortal. A única pedra existente pertence ao


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uma jornada em busca do artefato, descobrem que na verdade era o professor Quirrell, de Defesa Contra as Artes das Trevas, quem estava auxiliando Voldemort a entrar no castelo e a capturar o objeto. Apesar da ordem de Voldermort para que Quirrell matasse Harry, o garoto é salvo, acordando horas depois na enfermaria da escola. O ano letivo termina com o tradicional banquete e com Grifinória como campeã do campeonato entre as casas da escola.

4.1.2 Harry Potter e a Câmara Secreta

O segundo livro, Harry Potter e a Câmara Secreta, cujos direito de publicação já haviam sido vendidos em parceria com os cinco livros que Rowling tinha programado escrever, foi publicado ao mesmo tempo na Inglaterra e nos Estados Unidos, em 1998. Nessa época, a “pottermania” já era uma realidade, e muitas pessoas de todas as idades, mas principalmente crianças e jovens, já aguardavam a continuação da história (PELISOLI, 2011). Harry passa o verão trancado no quarto, sem poder se comunicar com os amigos. Um dia, Dobby, um elfo doméstico 25, aparece no quarto de Harry para adverti-lo a não voltar para Hogwarts. Segundo a criatura, se o garoto voltar, coisas horríveis acontecerão. Preso em casa pelos tios, é salvo pelos irmãos Weasley e retorna para a escola. Lá descobrem que um grande mistério ronda o castelo e, enquanto tentam desvendar o caso que desconfiam ser relativo à lenda da Câmara Secreta, um aluno da escola é petrificado. Todos na escola passam a desconfiar que Harry seja o responsável pelos ataques aos alunos. Sem Hermione, petrificada, a dupla de amigos abre a Câmara Secreta e descobre que o culpado pelos problemas é Tom Riddle, versão jovem de Voldemort que aparece por magia. O bruxo comanda um basilisco26, uma cobra gigante que circula pelo encanamento do castelo. Quando Riddle manda o animal matar Harry, o garoto luta contra o monstro e o vence, mas também é atingido. A fênix de Dumbledore surge e salva o garoto com suas lágrimas.

famoso alquimista Nicolau Flamel, que, em parceria com Dumbledore, mantém a pedra escondida em Hogwarts (ROWLING, 2000b). 25 Elfos domésticos são criaturas mágicas, com cabeças carecas e grandes orelhas de morcego. Elfos domésticos servem os bruxos, e a maioria das famílias mais antigas e ricas tem um elfo ligado aos serviços da casa. Elfos domésticos devem obedecer seus mestres em absoluto, e alguns costumam punir-se fisicamente por aquilo que eles consideram uma falha ou desobediência. Um elfo doméstico só pode ser libertado se seu mestre o presentear com uma peça de roupa. Devido a isso, e como uma marca de sua servidão, eles utilizam toalhas de chá e fronhas como vestuário (ROWLING, 2000a). 26 Segundo o livro, o basilisco pode alcançar um tamanho gigantesco e viver centenas de anos. Ele nasce de um ovo de galinha chocado por uma rã. Além das presas letais e venenosas, o basilisco tem um olhar mortífero, e todos que são fixados pelos seus olhos sofrem morte instântea (nenhum aluno morreu, pois não olhou diretamente para o monstro) (ROWLING, 2000a).


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4.1.3 Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban

Terceiro livro da série, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban chegava, em 1999, às livrarias da Inglaterra e dos Estados Unidos. Em virtude da grande demanda, a data de lançamento provocou a criação de listas de reservas e eventos para os fãs, que fizeram filas fantasiados de bruxos (PELISOLI, 2011). Durante o verão, Harry deixa a casa dos tios e, enquanto decide o que fazer, surge em sua frente o Noitibus Andante27. No ônibus, descobre que um criminoso muito perigoso chamado Sirius Black fugiu da prisão dos bruxos, Azkaban, e está em busca de Harry para matá-lo a mando de Voldemort. Ao recomeçar mais um ano letivo, durante a aula de Adivinhação, a professora Trelawney prediz a morte de Harry. Enquanto isso, Black aproxima-se cada vez mais de Hogwarts. Escondidos, Harry, Rony e Hermione ouvem os professores comentarem que o vilão é, na verdade, padrinho do herói, mas que teria traído seus pais. Enquanto isso, Hagrid sofre com a condenação à morte de Bicuço, um hipogrifo 28, por ter ferido um aluno que o maltratou. Durante a busca de provas para inocentar o amigo, o trio acaba aprendendo mais sobre o passado de Harry. Sirius é capturado e condenado ao beijo do dementador29. Na última chance de tentar reverter o que aconteceu, Hermione e Harry usam o vira-tempo30 dela para salvar Bicuço e Sirius Black, que foge com a criatura.

4.1.4 Harry Potter e o Cálice de Fogo

Quando o terceiro volume foi lançado, as traduções e publicações em outros países foram intensificadas. No Brasil, os três primeiros livros chegaram às livrarias em 2000, ano em que já estava sendo editado, em terras inglesas e norte-americanas, Harry Potter e o Cálice de Fogo, quarta aventura da saga. O quarto livro entraria no Brasil apenas no ano seguinte (PELISOLI, 2011).

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Forma de transporte bruxo, o Nôitibus é um ônibus de três andares, roxo berrante. Para que ele apareça, basta esticar a mão da varinha. 28 O animal tem o corpo, as penas traseiras e as caudas de cavalo, mas as pernas dianteiras, as asas e a cabeça lembram águias, com bicos cinza-metálico e olhos laranja-vivo. O hipogrifo é muito orgulhoso e se ofende com facilidade, por isso, é preciso fazer uma reverencia antes de lidar com ele (ROWLING, 2000c). 29 Forma de matar que na verdade arranca do corpo a alma da pessoa, transformando-a em morta-viva. 30 Ferramenta que permite voltar no tempo.


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Harry recebe uma carta da Sra. Weasley convidando-o para passar o resto das férias n’A Toca31 e ir com a família à final da Copa Mundial de Quadribol. Após a partida, alguns bruxos causam confusão e o trio acaba indo parar na floresta próxima, enxergando no céu a Marca Negra, símbolo de Voldermort usado pelos Comensais da Morte, bruxos que o seguem. Harry, Rony e Hermione, então, pegam uma chave de portal e voltam para A Toca. No retorno para Hogwarts, é anunciado o Torneio Tribruxo, disputa mágica entre escolas. Os alunos recebem informações sobre o evento – um cálice de fogo colocado no meio do Salão Principal sorteará um nome de cada escola e Harry é escolhido, mesmo sendo menor de idade, o que é contra as regras da competição. Rita Skeeter, uma jornalista sem escrúpulos, aborda Harry em um dos corredores do castelo e o entrevista, publicando um artigo que aumenta os insultos dos estudantes contra o garoto. A primeira tarefa do torneio é passar por um dragão e coletar um ovo dourado que fica quase embaixo dele. Para a segunda tarefa, sereianos, criaturas que vivem no lago nas dependências da escola, levaram de cada competidor alguém que lhes era muito importante, cabendo a cada um mergulhar na água e resgatar a pessoa. A terceira e última tarefa é realizada em um labirinto. Porém, o prêmio era na verdade uma chave de portal, que transporta Harry para um cemitério, onde encontra Voldemort. O vilão tenta matar o garoto novamente, mas não consegue. Na fuga, o bruxo adolescente conta para um professor o que ocorreu no cemitério, porém poucas pessoas acreditam no retorno efetivo de Voldemort. No jantar de final de ano, Dumbledore anuncia para todos o que aconteceu.

4.1.5 Harry Potter e a Ordem da Fênix

Após três anos de espera, tempo que, segundo a autora, foi uma espécie de férias, chega às livrarias do mundo todo, em 2003, o quinto volume, Harry Potter e a Ordem da Fênix. A nova parte da série bateu recordes mundiais ao ser o primeiro livro a atingir o maior número de pré-vendas da história, além de chegar à primeira posição de listas de mais vendidos (PELISOLI, 2011). Durante o verão, Harry e Duda são atacados por dementadores em plena rua, o que resultaria na sua expulsão por ter usado magia fora da escola para se defender. Enquanto seu 31

Nome pelo qual os personagens se referem à casa da Família Weasley. Ela parece ter sido no passado um grande chiqueiro de pedra, a que foram acrescentando cômodos aqui e ali até ela atingir vários andares e era tão torta que parecia ser sustentada por mágica. Quatro ou cinco chaminés ficavam encarapitadas no alto do telhado vermelho (ROWLING, 2000a).


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destino é discutido, vai para a casa dos Dursley, mas é resgatado por alguns bruxos amigos. O garoto é levado para a casa da família de Sirius Black, sede da Ordem da Fênix, organização para combater as forças do mal. Posteriormente, é declarado inocente e volta para a escola. Harry passa a ter sonhos estranhos e, em um deles, vê o Sr. Weasley ser mordido por uma cobra gigante. Arthur é levado às pressas para o hospital dos bruxos St. Mungus e Dumbledore manda Harry e os Weasley de volta para a casa de Sirius. Após as férias, Harry passa a ter aulas para barrar a leitura dos seus pensamentos. Em busca de Sirius, que se imaginava estar em perigo, Harry enfrenta seus inimigos e seu padrinho acaba morrendo. Voldemort aparece e Dumbledore salva o jovem da Maldição da Morte, forçando Fudge, o ministro, e outros membros do Ministério da Magia a acreditarem no retorno do vilão.

4.1.6 Harry Potter e o Enigma do Príncipe

Lançado simultaneamente na Inglaterra e nos Estados Unidos em julho de 2005, o sexto livro, Harry Potter e o Enigma do Príncipe, ganhou até leitura do primeiro capítulo por J. K. Rowling, que reuniu algumas crianças sortudas ganhadoras de um concurso, em uma livraria de Edimburgo, na Escócia. A expectativa de que a venda atingisse as 10 milhões de cópias vendidas somente nas primeiras 24 horas quase se confirmou. Apenas em terras norteamericanas, durante esse período, foram vendidos cerca de 6,9 milhões de livros (PELISOLI, 2011). No início da trama, as relações políticas entre os professores crescem em busca de mais apoio para lutar contra Voldemort. Durante a aula de Poções, Harry consegue emprestado um livro, cujo dono se autointitula Príncipe Mestiço, e com as anotações contidas no livro consegue produzir uma poção perfeita, ganhando como prêmio um frasco da poção Felix Felicis. Harry passa a ter aulas particulares com Dumbledore, que leva o garoto para dentro se suas memórias. Na primeira aula conhece os pais de Voldemort e na segunda vê uma lembrança do mago ancião. Mestre e aprendiz iniciam uma jornada para encontrar e destruir as Horcruxes32, os objetos que podem matar Voldemort. A busca é interrompida quando o professor Snape mata Dumbledore. Após o funeral do diretor, Harry afirma que precisa terminar o que ele começou

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As Horcruxes são os objetos em que Voldemort depositou sua alma ao separá-la em diversos pedaços para se tornar imortal. Apenas com a destruição de todas as Horcruxes é possível derrotar o vilão.


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e que para isso não voltará a Hogwarts. Rony e Hermione afirmam que vão ajudá-lo em tudo o que ele precisar.

4.1.7 Harry Potter e as Relíquias da Morte

Lançado dois anos após o sexto livro, a última aventura da saga, Harry Potter e as Relíquias da Morte, chegou às prateleiras das livrarias em 2007, dez anos após a publicação do primeiro livro. Na época lançado apenas em inglês, teve o volume de vendas mais rápido de todos os tempos – 11 milhões de unidades vendidas em 24 horas. A etapa final da saga começa com Snape informando para Voldemort sobre os planos de Harry, que precisa da ajuda de amigos para fugir, porém prossegue a busca pelos Horcruxes. Rony, cansado, vai embora, e Harry e Hermione ficam sozinhos na missão. Porém, o amigo volta e salva o herói durante a tentativa de destruir uma das peças. Ainda em busca de algumas respostas, o trio é capturado por sequestradores. Hermione consegue desfigurar o rosto de Harry, salvando o amigo. Torturada, é salva, mas o elfo Dobby morre no resgate. Com todas as Horcruxes, o grupo precisa ir até a escola para a batalha final contra Voldemort. Porém Harry aprende que ele mesmo é a última Horcrux, criada acidentalmente na noite em que o vilão matou seus pais. Com a ajuda de amigos, deixa Voldemort atacá-lo, perde a sua vida. Harry encontra Dumbledore em uma espécie de limbo e possui duas opções: seguir adiante ou voltar, opção escolhida. No retorno, ainda precisa enfrentar o inimigo, porém mais fraco, derrotando-o. Após estes eventos, o livro salta no tempo e apresenta Harry, Rony e Hermione casados e com suas famílias na estação de King’s Cross 19 anos depois. Assim como os pais, os filhos embarcarem para a escola.

4.2 OS FILMES

Mesmo antes do lançamento do primeiro livro da série Harry Potter, momento em que ninguém sabia que a publicação seria um fenômeno editorial, a adaptação da história para as telas já tomava forma. Bob McCabe (2011) indica que no início de 1997, um pouco antes de J. K. Rowling lançar A Pedra Filosofal, David Heyman, dono de uma pequena produtora de filmes com a intenção de tornar adaptações de livros a principal parte de seu negócio, já estaria interessado no livro.


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Junto de mais duas pessoas que trabalhavam com ele, passou a procurar materiais com potencial para uma adaptação para as telas, contatando dezenas de editores e agentes. Nessa busca, eles se depararam com um artigo sobre um livro que estaria por vir sobre um jovem bruxo, escrito por uma escritora iniciante. Após entrarem em contato com o agente da autora, receberam uma cópia do manuscrito e acabaram apaixonados pela história. Segundo o próprio Heyman, a trama fala sobre algo que, apesar da magia, fez ou fará parte de muitas pessoas, principalmente na Inglaterra: Eu frequentei uma tradicional escola britânica, bem parecida com Hogwarts, porém sem magia. Todos nós tínhamos os professores dos quais gostávamos ou não gostávamos, os Snapes, Dumbledores e McGonagalls. Nós fomos ou conhecemos alguém parecido com Hermione, Rony ou Harry, e eu acho que nós todos já nos sentimos como estranhos. E porque o cenário era tão familiar e os personagens tão, se não familiares, relacionáveis, a trama deixou de ser de outro mundo e fantástica, para se tornar algo que poderia ser possível de acontecer, algo que faz sentido (HEYMAN, 2011, p. 17) (tradução nossa).

Apaixonado pelo projeto, Heyman compartilhou o manuscrito com um amigo de infância Lionel Wigram, um executivo da Warner Bros. em Los Angeles. Também empolgado pela história, Wigram mostrou-a para seus colegas em um encontro semanal de desenvolvimento, um pouco nervoso por ser uma história genuinamente britânica. Após um pouco de hesitação, os executivos aprovaram que Wigram conduzisse o projeto, desde que não gastasse muito. Após um ano de negociações, David Heyman e Warner Bros. adquiriram os direitos de Harry Potter e a Pedra Filosofal, em 1998, após o sucesso do livro. No entanto, o êxito foi maior nos Estados Unidos, chegando ao topo da lista dos mais vendidos do jornal New York Times. Isso também mudou a forma como os produtores negociaram papéis e a direção dos filmes. A saga passaria então a ter quatro diretores. Chris Columbus dirigiu os dois primeiros filmes, Alfonso Cuarón, o terceiro, Mike Newell, o quarto, e David Yates, os últimos quatro. Após oito filmes, a série Harry Potter tornou-se uma das mais lucrativas da história, arrecadando um total de US$ 7.706.147.97833. Harry Potter e a Pedra Filosofal – dirigido por Chris Columbus, produzido por David Heyman e adaptado por Steve Kloves – quebrou todos os recordes de bilheteria quando estreou no Reino Unido em 16 de novembro de 2001, arrecadando, no total, quase um bilhão

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Valor calculado de acordo com as bilheterias finais de cada um dos oito filmes da saga.


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de dólares no mundo todo (US$ 974.755.371) (IMDB, [ca. 2011]). Em seu final de semana de estreia no Brasil, em 23 de novembro, o filme também bateu recorde de bilheteria, levando 796.587 espectadores para assistir às 484 cópias – dubladas – no país, outro número inédito. Até então o recorde pertencia a Rambo 3, que, em 1988, atraiu quase 600 mil pessoas (REUTERS, 2001). O longa foi filmado em sua maior parte nos Leavesden Studios, na zona rural de Hertfordshire, um condado na Inglaterra – local onde havia uma fábrica da companhia de carros Rolls Royce, que acabou dando lugar para gravações de filmes tais como James Bond – Golden Eye, Star Wars e Batman. No entanto, outros locais no mesmo país serviram como locações para cenas específicas da trama, como algumas partes de Hogwats, que foram gravadas em um castelo em Northumberland (MCCABE, 2011). O elenco também foi escolhido com base em uma produção maior e sequenciada, com Daniel Radcliffe como Harry Potter, Rupert Grint como Rony Weasley e Emma Watson como Hermione Granger. Esta definição foi cercada de detalhes e também algumas diferenças na comparação com a base literária. No livro, Harry Potter é descrito com olhos verdes, porém, Daniel tem olhos azuis. A produção do filme primeiro fez com que ele usasse lentes, mas nos dois primeiros dias de gravação o ator apresentou sintomas de uma severa alergia, o que fez com que as lentes fossem retiradas imediatamente. Após tentativas para colorir virtualmente os olhos do garoto, que não foram aprovadas, a produção resolveu apresentar um Harry Potter de olhos azuis. Outra consideração é a aparência dos dentes de Hermione. No livro, a personagem tem os dentes da frente um pouco grandes e a produção já havia preparado dentes falsos para que a atriz pudesse ficar igual. Entretanto, após algumas horas de gravação, a produção percebeu que a dentadura além de prejudicar a dicção de Emma, ainda machucava sua boca. Então, os dentes falsos tiveram de ser retirados. A mesma equipe também participou de Harry Potter e a Câmara Secreta, lançado em 15 de novembro de 2002 no Reino Unido e nos Estados Unidos. Apenas no primeiro final de semana contabilizou 87,7 milhões de dólares de faturamento, representando a terceira melhor estreia da história de Hollywood, apenas atrás de Homem-Aranha e Harry Potter e a Pedra Filosofal, que arrecadou 90,3 milhões de dólares nos primeiros três dias (HARRY, 2002). No total, no mundo inteiro, o longa rendeu quase 900 milhões de dólares (US$ 878.979.634) (IMDB, [ca. 2002]). Com estreia no Brasil no dia 22 de novembro do mesmo ano, bateu seu próprio recorde no país, ao levar a 571 salas de cinema 878.136 espectadores no primeiro final de semana de exibição (REUTERS, 2002).


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Oficialmente, as gravações do segundo filme começaram três dias depois da première do primeiro filme, mas algumas pessoas do elenco começaram as gravações semanas antes, ainda durante a finalização de A Pedra Filosofal. A pressa surgiu em decorrência da data de estreia estipulada pela Warner Bros., novembro do ano seguinte. O diretor Chris Columbus estava arrependido com o baixo uso de efeitos especiais complexos na primeira produção, portanto deu ênfase a isso no outro trabalho. Além disso, não foi preciso introduzir os personagens principais, já conhecidos de boa parte da audiência (MCCABE, 2011). O terceiro filme, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, foi o primeiro a estrear no Brasil na mesma data do Reino Unido e dos Estados Unidos, 4 de junho de 2004. O longa, dirigido por Alfonso Cuarón e adaptado por Steve Kloves, obteve 92,6 milhões de dólares somente nos Estados Unidos, superando as estreias dos anteriores (BORGO, 2004). No entanto, no total, o filme ficou abaixo dos outros dois, arrecadando mundialmente aproximadamente 800 milhões de dólares (US$ 796.688.549). No Brasil, o primeiro fim de semana registrou 866.345 espectadores (IMDB, [ca. 2004]). A produção de O Prisioneiro de Azkaban envolveu algumas grandes mudanças para a franquia, a principal delas no posto de diretor. Chris Columbus alegou estar exausto e o mexicano Alfonso Cuarón – conhecido por produções como E Sua Mãe Também e Filhos da Esperança – foi chamado. Ele recusou o primeiro convite por nunca ter lido os livros ou visto os filmes e porque não pensava em produzir um longa cheio de efeitos especiais. Mas após uma conversa com o amigo e também diretor Guillermo del Toro – que o mandou ler os livros –, Cuarón aceitou a posição. Um dos primeiro desafios do diretor foi escolher um novo ator para interpretar Alvo Dumbledore. Richard Harris, que interpretou os personagens nos dois primeiros filmes, faleceu vítima de câncer. O papel ficou então com Michael Gambon, que ficou no elenco até o final da série. Em resposta ao livro, também buscou tons mais escuros para as cenas. Além disso, Cuarón gravou mais cenas no exterior do castelo, mostrando uma geografia cercada por colinas. Os personagens também receberam um figurino mais contemporâneo, trocando o conjunto uniforme e capa por roupas normais até mesmo na escola. As mudanças foram recebidas de bom grado pelos fãs, entretanto o terceiro filme deixou passar uma questão essencial para a história contada no livro. Em O Prisioneiro de Azkaban, Harry recebe o Mapa do Maroto, que apresentava todos os terrenos pertencentes a Hogwarts com detalhes sobre caminhos e quem estava em trânsito. A história do mapa,


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importante no texto por revelar também detalhes do pai do herói, é suprimida na versão audiovisual (MCCABE, 2011). Com estreia no dia 18 de novembro de 2005, Harry Potter e o Cálice de Fogo teve direção de Mike Newell e adaptação de Steve Kloves. Novamente quebrando recordes, o quarto filme da saga arrecadou 101,4 milhões de dólares no primeiro final de semana apenas nos Estados Unidos (BORGO, 2005). No total, o filme recolheu mundialmente uma quantia muito próxima dos 900 milhões de dólares (US$ 896.911.078) (IMDB, [ca. 2005]). No Brasil, a estreia do filme ficou para o dia 25 de novembro e, nos primeiros três dias de exibição, levou 1,1 milhão de espectadores ao cinema (HARRY, 2006). O Cálice de Fogo era, na época, o maior livro da saga, compondo um grande desafio ao novo diretor, que já havia sido sondado para dirigir o primeiro filme. Assim, adaptações foram necessárias. Nesta etapa, Voldermort aparece como homem – no primeiro ele tomou forma na parte de trás da cabeça do professor Quirrell – e o ator Ralph Fiennes foi escolhido para o papel. Com estreia mundial no dia 11 de julho de 2007, Harry Potter e a Ordem da Fênix, dirigido por David Yates (que seguiu no comando até o último longa) foi o recordista de lançamentos em uma quarta-feira. Somente nos Estados Unidos arrecadou 65 milhões de dólares antes do final de semana. Mesmo que a média entre sexta e domingo tenha sido menor que a dos outros filmes – arrecadou 77,4 milhões de dólares – em cinco dias o longa arrecadou 140 milhões de dólares em um país apenas (BORGO, 2007). No total, enquanto esteve em cartaz nos cinemas do mundo todo, o quinto filme arrecadou US$ 939.885.929. No Brasil, os primeiros cinco dias de exibição registraram mais de 1,5 milhão de espectadores, rendendo uma quantia de mais de sete milhões de reais (R$ 7.500.101) (IMDB, [ca. 2007]). Neste novo filme, há o início da verdadeira a guerra contra Voldemort. Outro roteirista foi chamado para adaptar a obra, Michael Goldenberg, que buscou humanizar todos os personagens. Duas cenas do filme causaram certa controvérsia entre os fãs mais conservadores. A primeira é a aparição de Voldemort em uma plataforma de trem, vestindo terno e gravata, em uma cena que ocorre na imaginação de Harry. Para os fãs, a roupa não estava adequada para o personagem. Para o diretor, porém, fazia todo sentido ao mostrar no filme que Voldemort poderia encontrar Harry em qualquer lugar, e que naquelas roupas nenhum “trouxa” poderia dizer o quão terrível ele é. O assassinato de Sirius Black por Belatriz também foi motivo de debates. Para os leitores, a sequência foi muito rápida e, por isso, anticlimática. Outros trechos, sobretudo no


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final, comprimiram 50 páginas em minutos, focando principalmente na batalha final e desapontando a maioria dos leitores. Harry Potter e o Enigma do Príncipe, também dirigido por David Yates, estreou mundialmente no dia 15 de julho de 2009, fechando seu primeiro dia em cartaz com 104 milhões de dólares arrecadados no mundo todo. Somente no Reino Unido, o filme somou 7,6 milhões de dólares. No Canadá e nos Estados Unidos, o sexto filme da saga arrecadou 58,2 milhões, após filas gigantes se formarem do lado de fora das salas de cinema. No total, foram US$ 934.416.487, perdendo apenas para o primeiro e o quinto filmes. No Brasil, o filme arrecadou quase cinco milhões de dólares no primeiro final de semana (US$4.840.468) (BOX, [ca. 2009]). Apesar de toda a ação que envolve Harry e Dumbledore no início da busca pelas Horcruxes para finalmente matar Voldemort, o sexto filme evidencia, e muito, os novos romances que surgem nos livros. Rony começa a namorar Lilá Brown e ambos ficam juntos durante a história, deixando Hermione com ciúmes. A garota, mesmo sem admitir, nutre uma paixão por Rony, e sente-se devastada quando ele começa a namorar com uma garota preocupada apenas com as aparências. Já Harry vive um dilema ao se apaixonar pela irmã de seu melhor amigo, Gina, que no momento namorava outro aluno. No decorrer do ano letivo os dois começam a namorar. Draco Malfoy, que perdeu seu posto como antagonista para Voldemort após os primeiros filmes, teve o seu figurino alterado para reforçar a sua importância. O uniforme foi substituído por um terno preto, com camisa e gravata pretas, para mostrar que o personagem considerava-se mais fora de Hogwarts e da sua disciplina focada na magia correta. Quando Harry Potter e as Relíquias da Morte foi publicado em 2007, os produtores dos filmes optaram por dividir a trama em duas partes, ambas dirigidas por David Yates. O primeiro trecho teve estreia no dia 19 de novembro de 2010 no Reino Unido e nos Estados Unidos, arrecadando mais de 29 milhões de dólares no primeiro e mais de 125 milhões de dólares no segundo. A bilheteria total foi de US$ 956.399.711, quantia arrecadada nos cinemas do mundo inteiro (IMDB, [ca. 2010]). No Brasil, foram mais de 7 milhões de dólares arrecadados somente no primeiro final de semana (BOX, [ca. 2010]). Com estreia no dia 15 de julho de 2011, incluindo cópias em 3D, o segundo trecho do último filme da saga é o quarto filme mais lucrativo da história, arrecadando mais de 1,3 bilhão de dólares em bilheteria (US$ 1.328.111.219) (IMDB, [ca. 2011]). Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 ultrapassou Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, de Peter Jackson (1,1 bilhão de dólares), ficando atrás de Avatar (2,7 bilhões de dólares) e Titanic (1,8


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bilhão de dólares), ambos de James Cameron (ÚLTIMO, 2011), e de Os Vingadores (1,4 bilhão de dólares), de Joss Whedon. O sucesso do primeiro final de semana também indicou o desempenho nos dias seguintes, pois no Reino Unido o faturamento quase alcançou 49 milhões de dólares, enquanto nos Estados Unidos o valor chegou a quase 170 milhões de dólares. No Brasil, a quantia foi mais modesta, mas mesmo assim bateu o recorde no país, ultrapassando 11 milhões de dólares (BOX, [ca. 2011]). As duas partes do filme foram filmadas simultaneamente, somando cerca de 18 meses de filmagens contínuas. Considerando que foi gravado em duas partes, ambas conseguem adaptar com bastante fidelidade o livro. No final da segunda parte, após gravarem cenas em diversas localidades do Reino Unido, o fictício castelo de Hogwarts torna-se o cenário da batalha entre o bem e o mal. Apesar de serem bastante fieis, os filmes deixaram passar algumas características e alguns detalhes que, para os leitores, são considerados essenciais. Além de exemplos como os olhos de Harry Potter – descritos como verdes e azuis no cinema – e dos dentes de Hermione – maiores na versão impressa –, o perfil do personagem principal é diferente. No texto, é um garoto magricela, desengonçado e com cabelos grandes e rebeldes, ao contrário das produções audiovisuais. Alguns personagens secundários, como o poltergeist Pirraça e alguns fantasmas de Hogwarts, não tiveram tanto destaque nos filmes, talvez por falta de tempo. Além disso, a criação de eventos na saga cinematográfica foi criticada, justamente porque o tempo utilizado para isso poderia ser preenchido com um trecho do original suprimido. Um exemplo disso é observado em Harry Potter e o Enigma do Príncipe, quando a casa da Família Weasley pega fogo após um ataque de Comensais da Morte. Considerando que o filme todo deixa a desejar, cenas como essas deixaram fãs realmente decepcionados com as adaptações, mesmo que elas tenham sido consideravelmente fieis.

4.3 O UNIVERSO

A franquia Harry Potter não é formada somente pelos livros e pelos filmes da série. Mesmo que eles tenham sido absolutamente rentáveis, e justamente por isso, é uma marca tão notável que talvez a maior parte da população já tenha algum dia ouvido falar do bruxo órfão que luta contra as forças do mal. O setor de livros infantis, por exemplo, foi revigorado pelas histórias, a partir do momento em que os professores passaram a indicar os livros como leitura obrigatória,


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principalmente para os alunos que quisessem melhorar seu desempenho na língua materna ou até mesmo na língua inglesa. Corujas tornaram-se muito populares como animais de estimação na Índia, apesar dos protestos de ativistas dos direitos dos animais e de políticos. No país, o comércio de corujas aumentou em vista de fãs teimosos da saga que insistem em ter as aves em casa, ameaçando seriamente a população da espécie (FÃS, 2010). Além disso, as palavras utilizadas nos livros foram incorporadas ao vocabulário dos leitores. As locações utilizadas para os filmes tornaram-se ponto de visitação, como a Estação de Trem de King’s Cross, em Londres. Devido ao grande número de fãs que visitam esta parada do metrô, um carrinho foi colocado no lugar onde supostamente as crianças bruxas embarcam no trem. Mesmo com as reformas do local para as Olimpíadas de 2012 na cidade, o espaço foi mantido. Assim, graças à demanda, os produtos da franquia começaram a se expandir. Harry Potter é um fenômeno. Mesmo em novembro de 2002, quando a franquia ainda estava engatinhando, a Revista Isto É Dinheiro publicava uma reportagem sobre os lucros dos produtos e marcas relacionados ao primeiro filme. [...] permitiu que crianças do mundo todo pudessem escovar os dentes com as escovinhas do herói, dormir em seus lençóis, ir para a escola com seus cadernos, lavar os cabelos com seus xampus, tomar os refrigerantes que o bruxo tomava, brincar com os jogos do bruxinho... Em outras palavras: responsável por extrapolar o universo mágico de Hogwarts para qualquer canto deste planeta. Só no Brasil, a Warner Bros quadruplicou os pontos de venda dos produtos com o personagem (SIMÃO, 2002).

Além dos livros da saga, J. K. Rowling publicou três outras obras relacionadas a Harry Potter. Lançados em 2001, os livros Quadribol Através dos Séculos e Animais Fantásticos e Onde Habitam ampliaram os registros sobre a mitologia, sobretudo porque ambos eram citados como leitura obrigatória para os alunos34. Pertencente à biblioteca de Hogwarts, o livro sobre Quadribol é utilizado por Harry no início da saga para conhecer um pouco mais do esporte. Na primeira página, traz impresso os nomes dos alunos que teriam retirado o livro na biblioteca, sendo o último da lista Harry Potter. Já o livro sobre os animais é do próprio Harry. Ao longo das páginas, os leitores podem conferir anotações do herói sobre os assuntos abordados. Em 2008, um pouco após o lançamento de Harry Potter e as Relíquias da Morte, Rowling publicou Os Contos de Beedle, O Bardo, obra que marca presença na história do 34

J. K Rowling publicou esses livros sob os pseudônimos Kennilworthy Whisp e Newt Scamander, respectivamente. Esses eram os nomes dos autores de Quadribol Através dos Séculos e Animais Fantásticos e Ondem Habitam nos livros.


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último livro. Ele é uma coletânea de histórias populares feitas para jovens bruxos, contadas há séculos na hora de dormir. São cinco tramas que fazem as vezes de contos de fadas. Depois dos filmes, a procura pelo material vinculado a Harry Potter aumentou, fazendo com que lojas temáticas fossem abertas no Reino Unido e nos Estados Unidos. Além das vendas físicas, a loja oficial da Warner Bros. na internet, vende dezenas de produtos relacionados, como kits de Lego e réplicas das varinhas mágicas, por exemplo. Se a vivência em Hogwarts não pode ser reproduzida para o público por ser ficção, um parque temático tenta reproduzir algumas sensações e cenários. Localizado na Universal Studios, em Orlando, nos Estados Unidos, foi aberto em junho de 2010 e foi construído durante cinco anos, com investimento de cerca de 200 milhões de dólares. Em um ano, a empresa administradora registrou um aumento de 30% no número de visitantes que passavam pelo parque (EFE, 2011). Um segundo parque deve ser construído na outra costa do país, em Hollywood. O tempo estimado para inauguração é de três ou quatro anos. Segundo a Universal e a Warner Bros., deve gerar cerca de mil novos empregos e vai expandir o turismo na região (SERJEANT, 2011). E os videogames sobre Harry Potter são muitos. São jogos para diversas plataformas – PC, PlayStation 3, Xbox 360, PSVita, Wii, PSP, 3DS, DS – com histórias de cada um dos filmes, contabilizando oito games. Um jogo adicional, fora da história linear dos livros, foi criado: Copa do Mundo de Quadribol. Em parceria com a Lego, a franquia Harry Potter também lançou games sobre a saga, porém com personagens no formato de peças de Lego. São dois jogos: um que engloba as aventuras do primeiro ao quarto ano e o segundo que inclui os acontecimentos do quinto ao sétimo ano. Anunciado em meados de 2012, o Wonderbook: Book of Spells é um misto de livro e jogo para PlayStation 3 criado pela Sony em parceria com a escritora J. K. Rowling. Contendo histórias exclusivas, novas e originais, escritas pela autora, um livro posicionado diante de uma câmera com códigos especiais provoca reações na tela à medida que o jogador lê, permitindo que ele produza feitiços com o controle do videogame como se fosse uma varinha mágica. Virtualmente, o jogador torna-se um estudante de Hogwarts e aprende os segredos da magia e a arte de lançar feitiços (FLOOD, 2012). Apesar de não ter sido criado em parceria com Rowling e, portanto, não possuir histórias exclusivas criadas pela autora, outra produção foi lançada. Harry Potter para Kinect transforma a história em sequências de atividades que utilizam o uso do sensor de movimento Kinect da plataforma Xbox 360. Desta forma, é possível utilizar as mãos e a voz para lançar


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feitiços em cenários como o Beco Diagonal e Hogwarts. Além disso, oferece a possibilidade de copiar o rosto do jogador, transferindo-o para dentro do universo e tornando-o um dos alunos da escola de magia e bruxaria (HARRY, 2012). O Leavesden Studios, local onde o filme foi rodado, na Inglaterra, foi aberto em março de 2012 para visitação dos fãs, como uma espécie de museu das gravações. Chamado The Making of Harry Potter, o passeio possibilita uma pequena excursão pelos sets de filmagem dos oito filmes da saga. O estúdio de 150 mil metros quadrados permite aos fãs caminhar pelo Salão Principal de Hogwarts, além de visitar uma sala montada conforme o escritório do professor Dumbledore, entre outros cenários (UTICHI, 2011). Aberto em setembro de 2011 para alguns fãs e em abril de 2012 para todos que desejassem se cadastrar, o site Pottermore é uma ferramenta literária on-line em que J. K. Rowling poderá publicar as histórias dos livros Harry Potter e muitas outras que não constam nas publicações. Os leitores podem acompanhar a trama por meio de capítulos ilustrados, além de poder produzir feitiços e poções, assim como nos livros. Todos esses produtos mostram que não foram somente os livros e os filmes que fizeram sucesso. Eles foram apenas a receita para o desenvolvimento da franquia. Por mais que J. K. Rowling não tenha pensado em uma franquia tão ampla como a que se tornou, ela escreveu os livros de modo que seduzisse os leitores, produzindo neles sentimentos que os fizeram buscar cada vez mais produtos sobre a saga. E um dos principais fatores que levaram a essa procura – claro que não a única – foi a magia explorada pela autora. J. K. Rowling criou uma história que não apenas mostra elementos já conhecidos referentes à magia, mas que recria, de certo modo, um sistema de pensamento, onde a mágica é explicada não apenas enquanto técnica mas também enquanto ideia. A técnica mágica no filme é similar a outras técnicas de magia que já se teve contato anteriormente, através da História, dos contos populares e da mitologia; mas a ideia de magia é explicada através do próprio modo de vida dos personagens, da organização social que foi criada por causa da utilização desta técnica (MENDES, 2008, p. 96).

Assim, a escritora inglesa criou um conteúdo que, apesar de falar de magia e de coisas que talvez seja familiar para poucos, aborda o assunto de uma forma que qualquer um consegue entender. Nos livros, tudo que se refere à magia é colocado de uma forma conhecida e confiável (MENDES, 2008), com a divisão clara e dicotômica entre bruxos e trouxas, aqueles que não possuem o dom. Rowling também conquistou os leitores na medida em que apresenta o mundo bruxo com as mesmas características do mundo real em que vivem os trouxas, exceto por fatores como poções, varinhas e feitiços, particularidades existentes somente no universo mágico.


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Essas propriedades, aliadas a outras informações mágicas referidas, caracterizam todo o sistema político e histórico da trama. No entanto, como demonstra Mendes (2008), excluindo os elementos mágicos, as crianças bruxas vivem realidades muito parecidas com as das crianças trouxas, e esse é um dos motivos para que a história tenha cativado tantas pessoas. Assim como os trouxas, os jovens bruxos colecionam figurinhas de personalidades famosas que vêm em embalagens de doces, pegam trem para se dirigirem a Hogwarts, sua escola onde eles terão que obedecer regras, se relacionar com professores que podem ser rigorosos, carrancudos ou geniais e se preocuparem com suas notas para passar de ano, receber bronca dos pais quando fazem algo de errado, obedecer ordens no colégio, praticar esportes, participar de torneios, fazer amizades uns com os outros. [...] Os jovens têm que se preocupar com a orientação profissional, estudar para os deveres de casa, cumprir detenções, atender a aulas, utilizar um uniforme (MENDES, 2008, p. 99).

Essas atividades ligadas à escola (que pode ser Hogwarts ou qualquer outra) e as relações entre colegas e professores remetem o leitor à realidade, ao mundo em que ele vive. E isso demonstra a facilidade que ele tem de verificar no texto situações e experiências já vivenciadas por ele (AGUIAR, 2005). Apesar de não serem oficiais, as fan fictions também fazem parte do universo de Harry Potter. Fan fictions são histórias criadas por fãs, fazendo uso de personagens e definições criados por outra pessoa, profissionalmente. Como no caso de Harry Potter e J. K. Rowling. Fan fiction é o como a literatura talvez parecesse se fosse reinventada do zero após um apocalipse nuclear por uma banda pop formada por viciados brilhantes presos em uma barricada. Eles não fazem isso por dinheiro. Os escritores escrevem o texto e o colocam on-line apenas por satisfação. Eles são fãs, mas eles não são consumidores de mídia silenciosos e preguiçosos. A cultura fala com eles, e eles falam com a cultura em sua própria linguagem (GROSSMAN, 2011) (tradução nossa).

Massiva, a fan fiction é anterior à internet, mas a web as tornou extremamente populares, guardando centenas de milhões de palavras pertencentes a estas histórias. Existem fan fictions baseadas em livros, filmes, programas de televisão, videogames, peças de teatro e musicais (GROSSMAN, 2011). Nem todos os produtos da franquia Harry Potter são inteiramente transmidiáticos, mas praticamente todos são em parte narrativas transmidiáticas – exceto as fan fictions, pois não são oficiais – na medida em que adicionam alguns fatos às histórias dos livros. Para serem considerados narrativas transmidiáticas, os produtos devem fazer parte do universo,


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contando a mesma história em plataformas midiáticas diferentes, mas adicionando para cada um deles novas e diferentes tramas que sejam importantes para o todo. Os filmes de Harry Potter são, na verdade versões dos livros, mas não deixam de conter elementos transmídia. Além de transportar a história original para as telas do cinema, os longas adicionam algumas cenas que não estão nas páginas escritas por J. K. Rowling, mas como a própria autora leu todos os roteiros, as histórias foram criadas com o aval da escritora. Pelo mesmo motivo, os videogames também podem ser considerados narrativas transmidiáticas. Principalmente o Wonderbook: Book of Spells, criado pela Sony em parceria com Rowling. Para o jogo, a escritora criou novas histórias sobre a trama e incluiu feitiços que não estavam nos livros para divertir os fãs com informações diferenciadas sobre o enredo, desta vez em outro tipo de plataforma midiática que não os livros ou o cinema. No entanto, o produto transmídia da franquia Harry Potter que tem mais potencial de funcionar na prática é o site Pottermore. Criado especialmente para que os fãs tivessem acesso a histórias que Rowling pensou, mas não escreveu nos livros, o Pottermore está hospedado em uma plataforma on-line, compartilhando tramas e histórias de personagens. Porém, por mais que esteja divulgando novas informações sobre a saga, Rowling não está disponibilizando todas as histórias, pelo menos não na quantidade que os leitores desejam.


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5 O POTTERMORE

Criado para oferecer uma experiência de leitura on-line da saga Harry Potter para os fãs que ficaram órfãos da série, o site Pottermore traz consigo características de uma narrativa transmidiática. Planejada por J. K. Rowling, a página tem atraído cada vez mais leitores e não leitores, que se interessam pela história e pela maneira de jogar. Além de apresentar particularidades transmídia, o site também atrai pelos jogos e pela sua complexidade. Com ele é possível virtualmente ser um bruxo, preparando poções, lançando feitiços e trazendo conteúdos exclusivos jamais vistos em um livro da saga. Figura 1 – Pottermore

Fonte: Reprodução da autora

5.1 AS CARACTERÍSTICAS DO POTTERMORE

Apesar de estar no ar desde agosto de 2011, o site Pottermore conseguiu mobilizar muitos fãs do mundo inteiro a partir do momento em que J. K. Rowling publicou o anúncio oficial de criação da página, em 23 de junho do mesmo ano, no site de vídeos Youtube –


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obtendo um total de 2.258.238 visualizações 35. Segundo a escritora, a iniciativa busca uma experiência de leitura on-line diferente de qualquer outra já existente. Assim, os internautas têm a oportunidade de usufruir da ferramenta, construída a partir dos livros de Harry Potter. No site, de acordo com o que a autora citou no anúncio, os leitores poderiam compartilhar, participar e redescobrir as histórias contadas ao longo dos sete volumes da série. Além disso, o Pottermore é um local exclusivo para comprar audiolivros e e-books da saga, não vendidos em livrarias. Segundo Rowling, sobre o novo site: É a mesma história, com alguns acréscimos cruciais, e a mais importante é você. Assim como a experiência de leitura pede que a imaginação do autor e do leitor trabalhem juntas para criar a história, assim será construído o Pottermore, em parte por você, o leitor (ROWLING, [ca. 2011d]) (tradução nossa).

Um pouco antes de divulgar o vídeo, Rowling lançou um desafio on-line que instigava os internautas a caçarem letras inseridas em um mapa – geralmente em algum lugar significante para a trama. As letras formavam a palavra Pottermore. Após o anúncio oficial, apenas um milhão de pessoas poderia ter acesso ao site em agosto. Para moldar a página e ajustá-la de modo que os leitores ficassem satisfeitos. A escolha destas pessoas foi realizada através de um desafio on-line com duração de uma semana – iniciado no dia 31 de julho de 2011, data do aniversário de Rowling e do personagem Harry Potter. Como divulgou o blog Pottermore Insider36 na época: sete livros, sete dias, sete chances de ter acesso mais cedo ao conteúdo do site. Conforme Rowling há uma pena mágica localizada na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Essa pena detecta o nascimento de uma criança mágica e escreve seu nome em um grande livro. Todos os anos, o livro é conferido e corujas – que carregam as cartas que convidam a criança que tenha completado 11 anos a entrar para Hogwarts – são enviadas para informar da vaga na escola. O que deveria ser feito então? A cada dia da semana, uma pista era colocada na capa do site Pottermore, auxiliando na procura do objeto. A cada dia, a dica seria sobre um dos livros de Harry Potter, na ordem de publicação. Quem conseguisse a façanha, receberia um e-mail – um pouco mais tecnológico que corujas – explicando o passo a passo para o acesso ao site. Um milhão de pessoas puderam acessar o site gradualmente – os e-mails de confirmação eram enviados aos poucos para aqueles que finalizaram o desafio – a partir de agosto de 2011. A página em versão beta foi aberta para todos apenas em abril de 2012. 35 36

Dados de agosto de 2012. Blog oficial do Pottermore, criado para divulgar as atualizações no site.


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Atualmente são 4.031.36437 de pessoas cadastradas na ferramenta. Cada internauta, ao se cadastrar no Pottermore, recebe um nickname38 completamente aleatório, permitindo a segurança do dono da conta e primando pela privacidade dele. No começo até parecia ilusão, mas aos poucos os fãs perceberam que os eventos das obras serviriam como base para atividades e outros conteúdos exclusivos. Com patrocínio da Sony, multinacional japonesa fabricante de produtos eletrônicos, o acesso ao site é completamente gratuito. Por meio de uma espécie de linha do tempo, é possível acessar os capítulos de cada livro e também ver em que parte da história seus amigos dentro da rede social pararam. Percorrendo a história, o leitor encontra ilustrações compostas por duas ou três camadas, que podem ser acessadas com cliques duplos no mouse. Os desenhos podem movimentar-se e emitir sons dependendo da cena retratada. Figura 2 – Linha do tempo na página de entrada

Fonte: Reprodução da autora

O leitor de Harry Potter sente-se identificado ao topar com ilustrações de cenas dos livros, que foram formuladas apenas na imaginação de cada um e depois um pouco decifradas 37 38

Dados de outubro de 2012. Nome de usuário. Essencial para identificação de um usuário cadastrado no sistema.


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pelos filmes. No primeiro capítulo de Harry Potter e a Pedra Filosofal, Rowling descreve a Rua dos Alfeneiros, nº 4, logradouro em que Harry vive com seus tios. No site Pottermore, é possível ter uma visualização diferente – e maior – da cena, inclusive do gato sentado sobre um muro – ou Minerva McGonagall, professora de Transfiguração, que tem a capacidade de se transformar em um animal: um gato que mantém as marcas dos óculos utilizados pela professora. Desde o primeiro capítulo, passando pelas ilustrações, o internauta percebe a interatividade oferecida pelo Pottermore. No lado esquerdo de cada ilustração existem ícones que encaminham o leitor para questões específicas da história. Há ícones dedicados a personagens, a lugares, a objetos e a criaturas mágicas. A princípio, para quem leu os livros, os itens já são conhecidos. Eles aparecem à medida que cada personagem, criatura ou objeto é citado no livro e nos capítulos. Ao passar o mouse por cima de cada um dos ícones é possível ver as informações que cada um contém, clicar nelas e ser reencaminhado para outra página com mais sobre a história. Ao clicar em “corujas”, por exemplo, o site Pottermore informa: Corujas são criaturas mágicas utilizadas frequentemente para entregar cartas e encomendas no mundo bruxo. Elas são conhecidas por sua rapidez e discrição e podem encontrar destinatários sem precisar de seu endereço. Aos alunos do primeiro ano, é permitido levar corujas para a escola como animais de estimação (ROWLING, [ca. 2011c]) (tradução nossa).

Abaixo da descrição há, ainda, uma segunda informação – aquela que apareceu no capítulo que o internauta está lendo – relacionada a esses bichos: “No dia em que Voldemort desapareceu, bandos de corujas foram vistos voando através da região rural inglesa” (ROWLING, [ca. 2011c]). Na medida em que o leitor vai percorrendo outros livros que mencionem as corujas de forma expressiva (elas aparecem nos livros de forma constante), explicações são acumuladas e reunidas abaixo da descrição original. Nessas páginas o leitor encontrará informações adicionais compartilhadas por Rowling. Logo no primeiro capítulo o leitor tem contato com uma das histórias extras prometidas pela autora no anúncio oficial. A trama mostra o passado da professora de Transfiguração, Minerva McgGonagall. Sua infância, carreira, primeira decepção amorosa, seu casamento com um bruxo que a amava e seus filhos. Fatos que não foram mencionados ao longo dos sete livros são publicados diretamente para os fãs. Além das histórias ocultas 39, J. K. Rowling apresenta alguns pensamentos e ideias que tornaram possível a criação de certos

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Enredos menores e não explicitados nos livros principais.


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personagens dos quais ela se disponibiliza a falar. Na página dedicada à professora Minerva, Rowling comenta: Minerva era a deusa romana dos guerreiros e da sabedoria. William McGonagall é celebrado como o pior poeta na história britânica. Havia algo irresistível para mim sobre o seu nome, e a ideia de que uma mulher tão brilhante pudesse ser um parente distante do palhaço McGonagall (ROWLING, [ca. 2011e]) (tradução nossa).

Enquanto lê as informações sobre as histórias e outras curiosidades compartilhadas por Rowling, o leitor pode curtir a página – mesma ferramenta utilizada pelo site de relacionamentos Facebook – e ainda comentar, opinando sobre o que está bom ou ruim. Logo quando o site foi posto no ar, em outubro de 2011, os internautas afirmavam sentir falta de efeitos sonoros ao longo dos capítulos, o que foi rapidamente providenciado pela produção do site. Ao final de cada capítulo, uma página permite que os leitores comentem, oferecendo opiniões, reclamações e sugestões sobre ele. Ao longo dos capítulos – e isso pode ser notado desde o início –, existem objetos escondidos, a maioria deles presentes na história dos livros. Para tê-los na mala, basta clicar sobre eles e coletá-los. São itens como feijõezinhos de todos os sabores 40, pó de flu41, pomo de ouro ou até mesmo um saleiro. O leitor, no entanto, somente realiza ações vinculadas com a rotina da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts após receber a primeira lista indicando o material a ser comprado para o ano letivo. A carta dá direito a ir às compras no Beco Diagonal, uma espécie de shopping dos bruxos. Antes de ter acesso ao local, todos os cadastrados recebem uma quantia em dinheiro 42 – diretamente de Gringotes, o banco dos bruxos, localizado no Beco Diagonal – para que possam gastar em lojas como a Floreios e Borrões (de livros), a Olivaras (onde se escolhem as varinhas), e outras que vendem bichos de estimação, como corujas e gatos, caldeirões, e demais equipamentos. Além de fazer todas as compras necessárias – a lista explicita o tipo de caldeirão e todos os títulos de livros que serão lidos no primeiro ano, assim como na história original –, o leitor ainda tem a oportunidade de comprar sua varinha, momento único na vida de bruxos que estão iniciando sua carreira escolar. No livro, é a varinha que escolhe o bruxo. No 40

Iguaria comum nos livros, são balinhas de todos os sabores mesmo, que vão desde framboesa a cera de ouvido. 41 Utilizado para se transportar de um lugar a outro utilizando lareiras, desde que elas estejam conectadas à Rede de Flu. 42 No mundo bruxo, a moeda é diferente das que conhecemos: são galeões, de ouro, sicles, de prata, e nuques, de bronze. Na conta, 17 sicles equivalem a um galeão, 29 nuques equivalem a um sicle e 493 nuques equivalem a um galeão.


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Pottermore, o internauta passa por um questionário, em que responde questões como altura, cor dos olhos, maior medo. O resultado do quiz informará qual varinha se identifica mais com o usuário e, posteriormente, ficará em um lugar especial no perfil no site, com todas as informações essenciais que ela tem – comprimento, madeira, núcleo e flexibilidade. Depois de todas as compras feitas, o período letivo está prestes a começar. Por mais histórias e aventuras que os capítulos possam vir a ter no Pottermore, um dos principais recursos para a atração de leitores é a oportunidade de passar por processos essenciais como a compra dos primeiros livros e equipamentos, a escolha da varinha, a seleção das casas em Hogwarts, a primeira poção e o primeiro feitiço. Cabe ressaltar que estes são os passos iniciais na jornada dentro deste universo fantástico, e os livros seguintes trarão tarefas diferentes, mas essas experiências iniciais são aquelas que a maioria dos fãs esperou muito tempo para poder realizá-las, mesmo que virtualmente. Para ser selecionado para uma das casas – são quatro: Grifinória, Corvinal, Sonserina e Lufa-Lufa –, o internauta passará novamente por um questionário, dessa vez um pouco maior e com mais opções de respostas para cada pergunta. Questões como: “Quando você morrer, o que gostaria que as pessoas fizessem quando ouvissem seu nome?”, ou “Qual dos itens abaixo você acharia mais difícil de lidar?” 43 e ainda “Se você pudesse ter um poder, qual escolheria?”44. Antes disso, porém, um vídeo com Rowling explica o sistema das casas de Hogwarts: Então, é isso. O Chapéu Seletor está prestes a decidir a casa que você vai participar. Uma vez sorteado, você poderá coletar pontos para sua casa e competir pela Taça das Casas. E se você se sentir confiante, pode duelar com outros estudantes. Responda verdadeiramente, afinal, a decisão do Chapéu é uma só. Boa sorte (ROWLING, [ca. 2011g]) (tradução nossa).

Poções e feitiços rendem pontos para as casas se executados de forma correta. Eles podem ser até retirados, caso uma poção saia completamente alheia ao que deveria ser, por exemplo. No final do ano 45, esses pontos são somados e subtraídos e haverá um vencedor da Taça das Casas. Como nos livros, as poções têm de ser feitas com todo o cuidado possível, de maneira minuciosa, medindo os ingredientes com precisão, aquecendo o caldeirão durante o tempo estabelecido e mexendo a mistura com muito cuidado. Qualquer ação fora do padrão pode explodir ou derreter o caldeirão – sem falar em transformar uma poção do amor em

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Com opções como frio, fome e solidão. Com opções como invisibilidade, falar com animais e mudar o passado. 45 O calendário letivo do site busca reproduzir o sistema utilizado nas escolas do Hemisfério Norte, em especial Inglaterra e Estados Unidos. 44


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veneno, o que não seria muito agradável. Para os feitiços, é preciso ter destreza. O nome do feitiço é separado pelas suas letras, que são espalhadas de maneira organizada pela tela. Para completar a magia, é preciso clicar em cada letra, seguindo a ordem, de forma ágil e, ao mesmo tempo, coordenada. Quanto mais coordenado, mais pontos. Outra novidade no site Pottermore, são os chamados badges – ou emblemas –, criados como gratificações para estudantes enquanto eles exploram o portal. Atualmente, apenas três badges estão disponíveis: Explorador, Descobridor e Motor Escarlate. Essas gratificações são um exemplo da apropriação que o Pottermore faz das linguagens dos videogames. Na medida em que os internautas acessam o conteúdo disponibilizado e percorrem as figuras com a história, vão recebendo gratificações que simulam níveis alcançados durante o jogo.

5.2 ANALISANDO O POTTERMORE

Segundo J. K. Roling, em um artigo publicado no site Pottermore, ela gerou uma massa enorme de informações sobre o mundo mágico que nunca apareceu nos livros ao longo dos 17 anos usados para planejar e escrever os sete livros de Harry Potter. A escritora afirmou que gostava de possuir tais informações, pois eram muito úteis para manter a coerência do universo desenvolvido até mesmo nos detalhes. A autora também revelou que desenvolver histórias para personagens secundários (e até mesmo terciários), que eram supérfluos para trama e acabaram sacrificados em prol da história principal a deixou surpresa. Algumas vezes, cortar enredos e polir tramas foi um processo cansativo. Essas ramificações que não constam nos livros foram nomeadas como Enredos Fantasmas, sua expressão particular para todas as histórias não contadas, porém muitas vezes pareciam tão reais para ela quanto para os enredos escolhidos para a versão final (ROWLING, [ca. 2011a]).

Já conversei com leitores, mencionando partes desses enredos fantasmas, e percebi olhares de consternação passando pelos seus rostos. Por um momento eles se perguntavam quando tinham deixado passar acidentalmente vinte páginas sobre tal assunto. E eu peço desculpas por ter sido mal entendida. O problema está, literalmente, na minha cabeça (ROWLING, [ca. 2011a]).

Quando o lançamento de livros já havia acabado e o último filme da saga iria estrear em breve nos cinemas do mundo, a britânica chamou a atenção dos fãs para outro produto da franquia Harry Potter que prometia ser tão bom ou inovador quanto os outros itens, tirando a história original. O anúncio de novos e exclusivos conteúdos instigou os leitores para manter


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o interesse em novos fatos sobre as tramas do livro. A ação teve foco principal nos fãs mais fiéis, que publicavam material e debatiam em outros ambientes não oficiais, como comunidades virtuais. Hospedado em uma plataforma diferente das mídias tradicionais usadas anteriormente, o site Pottermore é o primeiro produto com potencial para ser uma verdadeira narrativa transmidiática, ou seja, contar a história original e ainda adicionar novas tramas que contribuam para o todo. São novas histórias sobre personagens, lugares, criaturas e feitiços, além de outras informações criadas para uso em algum reforço do processo de escrita levadas para a audiência. Mesmo que a história do site ainda esteja somente nos dois primeiros livros, diversos conteúdos novos foram disponibilizados até o momento da conclusão desta pesquisa. Os leitores podem saber quando o site disponibiliza novos conteúdos quando a barra à esquerda – que contém as histórias – traz uma pena vermelha. Entre os novos conteúdos estão novas tramas, como o passado da professora Minerva Mcgonagall, citado anteriormente, e também pensamentos da autora, bem como algumas de suas anotações nunca antes usadas nos livros. Caracterizada por oferecer novos conteúdos de uma franquia em plataformas midiáticas diferentes, desde que acrescentem para o universo como um todo, as narrativas transmídia são, segundo Henry Jenkins, uma resposta ao fenômeno da convergência. Também pertencente a este ramo da cultura, a transmídia é impulsionada principalmente pela economia, criando novos produtos com novas histórias para os consumidores que aguardam por essas informações. O site Pottermore nasceu com esse objetivo, disponibilizar os conteúdos que J. K. Rowling guardou enquanto escrevia, porém fora dos livros. As informações vão desde lugares, criaturas, feitiços, até objetos e personagens. Rowling tece comentários sobre personagens como Válter e Petúnia Dursley, Sr. Olivaras (dono de uma loja de varinhas instalada no Beco Diagonal), os professores McGonagall e Quirrell (este, quem ajudou Voldemort a entrar no castelo de Hogwarts no primeiro livro), Nicolau Flamel, a família Malfoy e Pirraça (personagem secundário, o poltergeist costuma infernizar a vida dos alunos bruxos). Além deles, sobre os quais conta história do passado dos personagens antes do decorrer dos livros, compartilha também algumas curiosidades sobre seus métodos. Um deles é sobre o sistema métrico. Quando o manuscrito de Harry Potter e a Pedra Filosofal foi aceito para publicação no Reino Unido, um dos editores avisou a escritora de que todos os pesos e medidas seriam trocados para o


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sistema métrico46, pois era a prática padrão da empresa. Rowling então não permitiu tal mudança, pois não havia sentido fazer isso em virtude da busca pela verossimilhança da história com o mundo real. Mesmo sendo um produto diferenciado, Pottermore está misturado com outras criações da franquia em uma espécie de rede, que conecta os livros às histórias que os seguiram. Devido a essa união, inclui em sua composição características de todos os outros produtos da franquia. Assim, ao passo que expande o conteúdo, também conecta todo o universo construído. Dos livros, o Pottermore traz a história. Não a história completa, mas sim, como é informado no cadastro inicial no site, os momentos principais de cada capítulo que, dependendo do caso, podem ser dois, três ou quatro. Por esse motivo, algumas partes da história no site podem parecer um pouco diferentes das tramas dos livros, porque não estão todas lá. Quem leu os livros entende, mas gostaria de ver tudo lá, de uma forma ou de outra, mesmo que levasse muito mais tempo para percorrer cada capítulo. Isso ocorre porque quem já leu os livros imaginou as cenas durante a leitura e gostaria de saber como elas seriam resolvidas, como características de lugares, personagens e criaturas. O fenômeno tenta provocar nos leitores um fenômeno parecido com o observado quando eles esperaram pelo lançamento dos filmes para ver como seria representado na tela aquilo que foi descoberto impresso. Quem não leu os livros também compreende a trama, pois Pottermore apresenta verbetes explicativos, tal qual uma enciclopédia. Todos os personagens, criaturas, lugares, feitiços e livros que aparecem na história recebem uma página que explica cada um deles conforme as características fornecidas nos livros. Por mais que não costume citar os livros dentro da história, ou outros produtos da franquia, no quarto capítulo de Harry Potter e a Câmara Secreta, o site cita o livro. Para ter acesso à lista de compras de materiais obrigatórios para o segundo ano, é necessário descobrir a ordem de seis envelopes em cima da mesa do café da manhã, na casa da Família Weasley. O primeiro e o último foram escolhidos aleatoriamente, mas a sequência dos quatro do meio reflete a ordem em que os itens do café da manhã são citados no capítulo quatro do livro – tigela de mingau, torrada, geleia e manteigueira. 46

Assim como bruxas e bruxos britânicos não utilizam eletricidade ou computadores, eles nunca utilizaram o sistema métrico. Eles não são governados pelas decisões do governo trouxa, então quando o processo de metrificação começou em 1965, bruxas e bruxos simplesmente ignoraram a mudança. Os feiticeiros não são contrários a cálculos laboriosos, os quais eles conseguem fazer através de mágica, não achando inconveniente pesar em onças, libras ou pedras, medir em polegadas, pés e milhas ou pagar por itens em nuques, sicles e galeões (ROWLING, [ca. 2011b]).


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As ilustrações do Pottermore são divididas em duas ou três camadas acessadas por cliques. Em cada uma delas, há alguma novidade para ver ou fazer. Talvez para chamar a atenção daqueles que não consomem com regularidade os produtos da franquia, as ilustrações são muito parecidas com as cenas exibidas nas telas dos cinemas. Os locais, as criaturas e os objetos são iguais. Harry, no entanto, deixa um pouco de lado as características que possui no filme, para ser muito mais parecido com aquilo que é descrito no livro: muito magro e com cabelos bagunçados. Por mais que o Pottermore não seja identificado como um jogo, guarda muitas características dos videogames. Primeiro, porque existem alguns jogos específicos em alguns capítulos da história no site, como poções e feitiços em ambos os livros, adivinhação – no primeiro livro, a “desgnomização” do jardim e colocar os diabretes da Cornualha de volta na gaiola – estas duas últimas presentes no segundo livro. Para honrar o título de jogos, conseguem, sim, desenvolver uma certa habilidade cognitiva na hora de enfrentar cada desafio. Para preparar poções é preciso estar atento à lista de ingredientes e realizar pequenas ações que tentam imitar o que um bruxo faria. Para lançar feitiços, a produção do site encontrou uma alternativa interessante. Algumas letras que compõem o nome do feitiço são disponibilizadas na tela e é preciso clicar em cada letra na medida em que um feixe de luz passa por elas. Quanto mais apurado for o clique, mais potente será o feitiço. Quem consegue finalizar as poções e lançar feitiços mais potentes em duelos com outros estudantes bruxos ganha pontos para sua casa, que contarão depois no Campeonato de Casas de Hogwarts. Os jogos presentes nos capítulos recompensam o internauta com um brinde – que pode ser um livro ou um cartão colecionável encontrado em sapos de chocolate – caso ele consiga terminar com sucesso a tarefa. Essa particularidade pode também ser chamada de recompensa, o que faz com que o jogador seja ainda mais absorvido pela trama, tendo impulsos para conhecer e explorar o universo do jogo, buscando novos desafios e percorrendo os caminhos para saber o que vem a seguir na trama. Mesmo que a maioria já conheça as histórias, ainda assim há curiosidade para saber como cada cena foi resolvida e que novos desafios estão por vir. Além das semelhanças com os outros produtos da franquia, o espaço também busca lembrar as lojas de produtos oficiais que funcionam nos Estados Unidos e no Reino Unido. Na verdade, o Pottermore possui uma área oficial de comércio, mas apenas para produtos online, com e-books e audiobooks digitais, compatíveis em tablets e smartphones. Segundo o site Paid Content, que analisa a economia de conteúdos digitais, somente no primeiro mês de


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funcionamento da loja, que abriu em março de 2012, arrecadou 4,8 milhões de dólares, vendendo cerca de 525 mil cópias de e-books, aumentando também a venda de livros impressos (OWEN, 2012). Não existem registros sobre como a equipe de produção lê, organiza e utiliza as sugestões e reclamações dos leitores, mas paralelamente existem áreas para comunicação entre os fãs. As páginas que explicam significados da saga, inclusive aquelas com os conteúdos exclusivos, possuem opções para deixar comentários. Isso também acontece ao final de cada capítulo dos livros. Também é permitido comentar na sessão Salão Principal e na sessão Sala Comunal, mas nesta segunda o leitor só vê os comentários de sua própria casa. Deste modo, os internautas conseguem dar sugestões, opiniões ou reclamações sobre o processo de desenvolvimento do site. Os comentários costumam ser moderados antes de ser publicados. Logo nos primeiros dias em que o site estava on-line, nem todos os momentos dos capítulos estavam completamente prontos, mas foram publicados assim mesmos para atrair a opinião do público. No início, a maior reclamação dos usuários era sobre a ausência de efeitos sonoros, pois todas as ilustrações eram percorridas no mais completo silêncio. Algumas melhorias foram implementadas e atualmente todos os capítulos possuem sons, seja de passarinhos, barulho do mar, feitiços ou poções borbulhando. Alguns momentos, inclusive, foram colocados trechos dos audiobooks vendidos no site, como quando Harry descobre quem é Hagrid e durante uma aula de Quadribol, ambos no primeiro livro. Alguns fãs que utilizaram o site desde o início manifestaram, através de comentários, uma certa monotonia das ações com o passar do tempo. Quando a história do segundo livro começa, algumas inovações são feitas, mas o ritmo continua o mesmo, causando certa monotonia. Isto poderia ser alterado com novas tarefas e dinâmicas que valorizassem o conhecimento prévio dos leitores na descoberta de novas informações. Também poderiam ser incluídos mais itens para coleta, sobretudo nas cenas finais dos livros, e mais alguns jogos. Também foram encontrados comentários com sugestões para que a produção crie um teste para identificar o Patrono de cada aluno – feitiço que aparece pela primeira vez em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, terceiro livro. Outra ideia seria realizar um teste para identificar qual a forma que um bicho-papão adquire ao entrar em contato com cada um dos alunos – na história, o bicho-papão adquire a forma daquilo que o estudante mais tem medo, mesmo que aquilo esteja em seu inconsciente.


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Recursos de outras redes são imitados, como o uso da palavra curtir como no Facebook. Dessa maneira, a produção e os próprios leitores percebem quanta aceitação possui alguma informação pelo número de vezes que a opção curtir foi marcada. Analisado através dos sete princípios da narrativa transmídiática estabelecidos por Jenkins, o site Pottermore apresenta qualidades e defeitos diante desta estética que surgiu em decorrência da convergência das mídias. É necessário, portanto, resgatar esta “forma teórica” para aplicar no caso pesquisado. O conjunto de observações levantadas pelo autor é aplicado não apenas por ele, mas por outros pesquisadores que buscam compreender tais fenômenos. Estudando a “capacidade de espalhar sobre a capacidade de aprofundar”, percebe-se que mesmo com pouco tempo em atividade e com poucas histórias publicadas, o Pottermore consegue já se embrenhar por tramas novas, relacionando personagens conhecidos a desconhecidos ao contar histórias sobre eles que não foram dispostas nos livros. Com a história da professora de Hogwarts, Minerva McGonagall, como já foi comentado neste trabalho. É talvez o principal enredo do site do Pottermore até o momento. Entre as histórias sobre sua infância e sobre seus amores, há ainda um quadro com informações como data de aniversário, tipo de varinha, hobbies e casa em Hogwarts, e uma sessão em que J. K. Rowling comenta a escolha do nome da personagem. Pelo livro, sabe-se apenas que Minerva pertenceu à Grifinória, é professora de Transfiguração em Hogwarts e que ela pode ser transformar em um gato, ou seja, é um animago. No site Pottermore, é possível conhecer a infância da personagem, que foi a primeira filha de um reverendo presbiteriano escocês e de uma bruxa educada em Hogwarts. Ela cresceu nas Terras Altas da Escócia, no início do século 20, e gradualmente passou a se tornar ciente de que havia algo estranho, tanto sobre suas próprias habilidades, quanto sobre o casamento de seus pais. Quando foi admitida em Hogwarts, Minerva se tornou a principal aluna de seu ano, batendo recordes de notas boas. O site conta também a paixão de Minerva por um rapaz trouxa, a exemplo de sua mãe. Mas, pensando em sua carreira bruxa, ela terminou tudo. Mais tarde, casou-se com um bruxo, mas o casamento não durou muito devido à morte do marido. Entre os personagens extras, que não foram uma única vez citados nos livros, seu pai Robert McGonagall, sua mãe Isobel Ross, seus irmãos Malcolm e Robert Junior, sua paixão Dougal McGregor e seu marido Elphinstone Urquart (ROWLING, [ca. 2011e]). Outra história notável criada por J. K. Rowling para compor o site Pottermore é a origem e o passado da família Malfoy, à qual pertence Draco, um dos vilões dos livros. Segundo a autora (ROWLING, [ca. 2012c]), o nome Malfoy vem do francês antigo, e pode


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ser traduzido como “má fé”. Assim como muitos outros progenitores de famílias nobres inglesas, o bruxo Armand Malfoy chegou à Grã-Bretanha com Guilherme, o Conquistador (ou Guilherme I, da Inglaterra) como parte de uma invasão do exército da Normandia. Tendo prestado desconhecidos e obscuros (e certamente mágicos) serviços ao Rei, Malfoy recebeu uma parte da terra principal em Wiltshire, apreendida de fazendeiros locais, nas quais seus descendentes viveram por 10 séculos consecutivos. O ancestral Armand guardou para si a maioria das características que distinguem a família Malfoy até os dias atuais. Apesar da adoção dos valores de puro-sangue bruxo e da crença genuína na superioridade dos bruxos sobre os trouxas, os Malfoy costumavam insinuar-se para a comunidade não mágica quando lhes convinha. O resultado é que essa é uma das famílias mais ricas da Grã-Bretanha. Historicamente, os Malfoy fizeram uma clara distinção entre trouxas pobres e aqueles com riqueza e autoridade. Até a imposição do Estatuto do Sigilo, em 1692 – regra bruxa que visava evitar que os trouxas soubessem da existência deste universo –, os Malfoy estavam dentro dos círculos de trouxas bem nascidos, e diz-se que que sua oposição fervorosa ao Estatuto era, em parte, devido ao fato de que eles teriam de se retirar desta esfera agradável da vida social. Presente em outro artigo do site, a história de Draco Malfoy se mistura com a da sua família. Ele cresceu na mansão em Wiltshire e desde o momento em que começou a falar, já foi deixado claro a ele que era triplamente especial: era um bruxo, era puro-sangue e era um membro da família Malfoy (ROWLING, [ca. 2012a]). Sobre o aprofundamento, o máximo que os internautas encontrarão no Pottermore são os artigos sobre o livro e os conteúdos extras, que não são muitos, em média um por capítulo – principalmente em Harry Potter e a Câmara Secreta, pois no trecho que corresponde ao primeiro livro os leitores podem conferir uma quantidade bem maior de conteúdos exclusivos. Não existe a possibilidade de cavar para ir mais fundo que isso, até porque isso depende da produção da autora. Algumas tramas, porém, são escritas de forma que parecem realmente de verdade e que aconteceram historicamente, como a da família Malfoy, descrita anteriormente. Ora, escrever algo citando personagens reais da história mundial desenvolve muito a imaginação e a vontade de que aquilo seja algo que aconteceu de verdade – algo que a maioria dos fãs deseja. A possibilidade de fazer poções e feitiços já é um grande avanço em relação à história dos livros, mas, por exemplo, se um leitor coleta um livro em alguma das cenas, ele vai querer saber que história traz o livro, merecendo pelo menos algumas páginas com uma trama que se assemelharia aquela do livro que aparece na história original. Certamente isso não acontece


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em virtude da necessidade de tempo de produção, assim houve uma adaptação de material utilizado na construção dos personagens. Alguns enredos exclusivos criados por J. K. Rowling são capazes de prender a atenção, mas eles acabam – e rápido. Para saciar a sede de cada vez mais conteúdos, é preciso muito mais texto, muito mais informações. O princípio da “continuidade sobre a multiplicidade” é um dos que o Pottermore consegue atingir de maneira satisfatória. O site é desenvolvido através de múltiplos textos. E além da linguagem escrita, há também a visual e a sonora. E o que principalmente caracteriza o site como um produto transmídia é a continuidade da história, ou seja, tramas que não apareceram nos livros se mostram presentes no site, contribuindo para a história como um todo. Além disso, é possível que os leitores tenham acesso a histórias de personagens e outros acontecimentos, percebendo essas tramas através de novas perspectivas. Enquanto Rowling poderia estar se dedicando a outros projetos e planejando novas versões e adaptações das histórias da saga, ela busca escrever aquilo que prometeu quando lançou o site Pottermore. Colocar em ordem todas as histórias criadas, reescrever as anotações para que façam sentido e talvez criar mais conteúdos para publicar no site a fim de satisfazer os leitores demanda tempo, porém agora impactado por uma publicação on-line e constante, diferente do processo de um livro. Uma das histórias que os leitores podem notar através de uma nova perspectiva é a dos Dursley, tios de Harry. Válter e Petúnia conheceram-se no trabalho. Ela deixou a casa onde morava com os pais e a irmã, mãe de Harry, porque acreditava que seus pais preferiam a filha bruxa. Petúnia encantou-se por Válter no momento em que descobriu que ele era exatamente o contrário daquilo que ela havia conhecido do mundo bruxo. E mesmo assim ela contou a verdade ao então marido, que ficou extremamente chocado. Nesta história o internauta também passa a saber dos encontros do casal com os namorados bruxos Lílian e Tiago, pais de Harry. Mas apesar das tentativas da bruxa de tentar manter contato com a família, Válter e Petúnia recusavam-se terminantemente a conviver com aqueles que eles consideravam anormais (ROWLING, [ca. 2011h]). Esses pequenos enredos por trás da história original e que remetem o leitor a algumas respostas sobre o comportamento dos tios de Harry mantém a característica transmidiática da página. Em complemento, não é preciso ter lido os livros ou visto os filmes para compreender toda a trama pela qual o internauta passa dentro do site. A escritora costuma a escrever artigos explicando os motivos para ter dado a algum personagem ou local certo nome ou alguma outra curiosidade sobre suas decisões. Em um deles, ela comenta sobre os nomes dos personagens que entraram com Harry no primeiro ano


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de Hogwarts. Originalmente, ela havia pensado em quarenta alunos, fazendo inclusive uma lista com o nome de cada um. Na medida em que a história evoluía, precisava mudar algumas coisas em relação aos personagens dos 40 originais. Enquanto uns deles nunca apareceram em qualquer um dos livros, eu sempre soube que eles estavam lá. Alguns precisaram sofrer mudanças nos nomes, após sua primeira criação, outros emergiram do nada para ter suas próprias histórias secundárias (como Ernie Macmillan, Ana Abbott e Justin Finch-Fletchley) e um, Neville Longbottom, se desenvolveu em um personagem muito importante (ROWLING, [ca. 2011f]) (tradução nossa).

No mesmo artigo, a escritora transcreve a lista original de personagens presente em um de seus cadernos de anotações. Ao lado de alguns, inclusive existem algumas notas, como: “Hermione Puckle (riscado), nome alterado e reinserido acima” ou “Neville Puff (riscado), nome alterado e reinserido acima” (ROWLING, [ca. 2011f]). Ou seja, esses eram os nomes originais de Hermione Granger e Neville Longbottom, ambos amigos de Harry. Como os nomes foram mudados, Rowling precisou colocá-los em um novo lugar na lista em ordem alfabética. Outro nome que consta na lista original é de Quirrell, que depois foi riscado pois se tornou o nome de um dos professores do primeiro ano. Analisando a “imersão sobre a extração”, é possível notar que o Pottermore tem certa capacidade de imersão, mas talvez ela não seja completa, principalmente porque algumas das histórias disponibilizadas não são tão surpreendentes, mas são interessantes, com certeza. Algumas conseguem atingir esse grau de complexidade, e aí sim é possível ter uma possibilidade de imersão, mas do contrário, não. A maior possibilidade de imersão talvez seja na hora de lançar feitiços, mas principalmente na hora de preparar as poções. A Poção Polissuco, que precisa de 20 horas para ficar completa, segue o exemplo do livro, de preparo complexo e demorado. Para isso, é preciso muita concentração nos ingredientes e na maneira de usá-los, o que faz com que o leitor fique completamente atento aos detalhes da jornada. Além disso, para que seja possível realizar esta ação, é preciso repassar os capítulos para capturar ou recapturar alguns ingredientes que terminaram ou não foram percebidos pelo internauta – o que é muito fácil acontecer, pois alguns itens são muito difíceis de encontrar e consequentemente de coletar. Assim, com todos os ingredientes em mãos, o fã precisará ler atentamente as instruções de preparo da poção e fazer tudo corretamente para que ela seja finalizada como esperada. Dividida em duas partes, demora para ficar pronta, mas utilizando os cookies do computador, o site grava tudo aquilo que o cadastrado no sistema já produziu, sendo possível, então, fechar a página e voltar a prestar atenção da fórmula em outros momentos.


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Segundo artigo publicado no site, a Poção Polissuco é uma mistura complexa e muito demorada, melhor preparada por bruxas e bruxos altamente qualificados. Ela permite que quem a bebe assuma a aparência física de outra pessoa, desde que tenha em mãos uma parte do corpo desta pessoa (pode ser qualquer uma, como pedaços de unha, caspa ou pior, mas o amis comum é utilizar o cabelo). A ideia de que uma bruxa ou bruxo possa fazer mal uso das partes do corpo de uma pessoa é antiga, e existe no folclore e superstição de diversas culturas. O efeito da poção é somente temporário, e depende de o quão bem ela foi preparada. Pode durar algo entre dez minutos ou doze horas. É possível mudar a idade, o sexo e a raça tomando a Poção Polissuco, mas não a espécie (ROWLING [ca. 2012b]). A parte da extração não é realizada, não apenas por ser um universo ficcional, mas também em virtude das possibilidades usadas pelo sistema, bem como computadores conectados com a internet. Em virtude de ser um universo em expansão e também alterado a cada clique ou informação publicada pelos “bruxos” on-line, a “construção de mundo” poderia ser maior. Este princípio releva a possibilidade de construir espaços ficcionais para novas aventuras, além da inclusão de novos personagens. Isto é realizado pelos leitores com a criação de comentários sobre o que é visto e experienciado além da possibilidade de criar desenhos de um personagem e incluí-lo na página que fala sobre ele. Mesmo em situações controladas, detalhes novos podem – mesmo que não sejam – chamar a atenção da criadora com uma futura incorporação ao cânone oficial. Claro que o desejo de mapear e controlar o máximo que conseguir está presente na audiência, mas nem sempre é possível. O Pottermore é mais uma ferramenta que funciona sozinha, sem precisar necessariamente das contribuições dos fãs. Por mais que tenha sessão de comentários e se intitule como uma rede colaborativa. Criado primeiramente sem o conhecimento dos leitores, o Pottermore já tinha uma ideia principal e foi montado de acordo com ela, ou seja, as figuras em vários planos, os capítulos contendo os principais momentos da história e o espaço para comentários dos leitores. Diante das possibilidades abertas para criação de conteúdo nas mais diversas linguagens, a britânica tem aqui uma ferramenta importante para seguir o desenvolvimento da sua criação. Os limites da expansão não são técnicos, mas sim criativos. Cabe ressaltar que isto é parte do que os fãs da saga esperam, porém nem sempre encontram. Em busca da “serialidade”, o Pottermore consegue dividir a história de Harry Potter em diversas parcelas, criando pedaços significativos da trama. São os capítulos divididos nos momentos chaves, que podem ser de dois a quatro. Na página principal do Pottermore, bem como no perfil da cada cadastrado, uma linha do tempo mostra cada capítulo que o fã já leu


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ou precisa ler, além de mostrar o capítulo em que ele está presente. Novamente, há espaço para que estas séries formem narrativas separadas e que sobrevivem por si só. As sequências de atividades e novos conteúdos divulgados acabam apenas presos aos livros, sem o desprendimento necessário para ter uma referência aos conhecimentos básicos, mas também apresentando aventuras únicas. Pottermore utiliza do subterfúgio da “subjetividade” para não contar a história original completa no site. São apenas alguns trechos, marcados pelas ilustrações. Mesmo assim, os leitores confiam no site para absorver a história, que, em sua maioria, já conhecem. No entanto, os internautas que acessam o site já estão aptos – e dispostos – para comparar experiências subjetivas da trama nas múltiplas plataformas em que a saga Harry Potter se desenvolve. Por exemplo, no artigo que faz referência e traz novos conteúdos sobre Pirraça, um poltergeist presente nos livros, dezenas de comentários fazem menção ao fato de que infelizmente o personagem não aparece nos filmes – mesmo sendo secundário ele está em todos os livros, dialogando com os alunos durante o ano letivo em Hogwarts. Com relação ao princípio “desempenho”, a máxima contribuição que um fã pode dar com conteúdo para o Pottermore é enviando para o site desenhos sobre partes do livro. Mesmo com a possibilidade de deixar comentários com sugestões e reclamações, não é garantido que os produtores estejam vendo cada uma das opiniões e que estejam à disposição para fazer aquilo que os fãs querem. Mesmo que eles devessem fazer isso para manter a franquia ativa. O Pottermore foi criado para manter a audiência em uma franquia que estava para terminar, mas que devido a tanto sucesso não poderia ser deixada de lado assim tão facilmente. Mesmo que tenha sido criado para agradar os fãs de Harry Potter ao redor do mundo, o site é um produto pensado economicamente, e quanto mais dinheiro render para os produtores, melhor. Assim, várias dificuldades são impostas durante o caminho percorrido pelos fãs. Primeiro, poções e feitiços não são fáceis de desempenhar. Poções têm vários ingredientes e um tempo certo para ficar prontas, qualquer coisa, mesmo mínima, que se faça errado, a mistura dá errado e é preciso começar tudo de novo. Às vezes, um ingrediente coletado ao longo dos capítulos acaba nessas tentativas, sendo preciso voltar ao local em que foi encontrado para coletá-lo novamente. Essas idas e voltas dos internautas que desejam explorar cada vez mais a história mantém o número de acessos e de tempo de cada acesso nas alturas, principalmente com o tempo das poções, que não levam menos de 30 minutos para ficarem prontas. Outro impedimento é na parte dos feitiços. Além de serem também um pouco complicados, a exemplo das poções, se o usuário pratica vários feitiços em sequência,


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uma página se abre pedindo para que complete um espaço em branco com duas palavras determinadas pelo site para comprovar que é humano 47. Além se ser muito chato interromper o jogo para preencher o pedido, a função é demorada. E a própria coleta de objetos não é fácil. Alguns estão tão escondidos que nem passando duas vezes pelo capítulo é possível encontrar. O site GryffinRoar ([ca. 2011]) fez um apanhado de tudo o que é preciso coletar, como a localização de livros, ingredientes para poções ou outros objetos. É possível coletar apenas passando o mouse cuidadosamente sobre as figuras ou olhando nos sites que revelam a localização exata. Uma ajuda de fãs para fãs, para que todos consigam ter uma experiência completa do Pottermore.

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Sistema denominado captcha.


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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho pretendia explorar e analisar o funcionamento do site Pottermore, produto criado pela escritora J. K. Rowling para dar continuidade à franquia Harry Potter, para conhecer como a comunicação está incorporada ao site, considerando sua proximidade com a convergência multimídia e suas potenciais características de narrativa transmidiática, mesmo que estes conceitos estejam inseridos em um produto de entretenimento. Para descobrir se o site Pottermore é realmente um espaço transmidiático, o presente trabalho percorreu conceitos que vão desde a cultura pop, passando pela cultura digital e pelas apropriações de linguagem geradas por esses formatos, até as características da convergência de mídias, reforçadas pela compreensão da transmídia e seus princípios, conforme delineados pelo principal pesquisador do tema, Henry Jenkins. Desta forma, para ser um produto transmidiático, é preciso que as histórias desenvolvidas por ele acrescentem ao todo novas informações que contribuam de forma construtiva para o resto da franquia, mas também sejam compreendidas de maneira independente. Neste processo, diversas mídias estão interconectadas, comungam de um mesmo cânone ficcional, mas podem ser assimiladas separadamente. Após analisar as características do Pottermore aliadas ao conteúdo nele publicado – seja pela escritora J. K. Rowling, pela produção e também pelos internautas cadastrados no sistema – e estuda-las segundo os sete princípios estabelecidos por Jenkins, a autora deste trabalho não apenas compreendeu este ciclo comunicacional, mas também constatou que o mesmo poderia ser utilizado de outra forma. O quadro de sete características usado como guia não é único nem definitivo, porém é utilizado tanto por acadêmicos bem como pelos criadores de conteúdo. Apesar de contribuir para o resto da franquia com novas histórias, novos conteúdos e até curiosidades sobre a trama e o processo de criação, Pottermore não pode ser considerado uma narrativa transmidiática. Por mais que os internautas consigam ter acesso a ele sem precisar ter lido os livros ou assistido aos filmes, a ferramenta não faz tanto sentido para esses internautas (e nem chama a atenção deles), quanto para quem é realmente fã da série. Então, dentre os cadastrados no site e considerando o primeiro milhão de pessoas que teve acesso ao projeto (presume-se aqui que quem não é fã não participaria de um desafio envolvendo questões sobre a saga), é muito provável que a maior parte deles leu os livros, ou viu os filmes, ou até mesmo conhece ambos.


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Não há um ponto de entrada para “trouxas”, utilizando a linguagem do universo para descrever aqueles que não conhecem a magia de Hogwarts. Mesmo assim, o site contribui com novas histórias e traz jogos para que os fãs possam aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto, além de explorar o site através de várias perspectivas. Mas para isso ele não precisa ser intitulado de narrativa transmidiática, considerando que é apenas uma extensão de uma prática de bens culturais. Ou seja, as histórias publicadas no site são extensões da trama original, mas não são enredos completamente novos adicionados ao oficial. Na verdade, Pottermore é mais uma reunião de adaptações sobre a história do que um produtor de conteúdo original. Mesmo que seja divulgado como fonte de conteúdo exclusivo, isto não deixa de ser natural vindo de uma autora que zela muito pelo desenvolvimento das suas criações e que está no centro dos processos de comunicação aqui observados. Um exemplo é o passado de Váter e Petúnia Dursley, publicado apenas on-line. Por mais que quem leu o livro não conhecesse, justamente por isso já é possível imaginar como teria sido essa história, basicamente através das ações e dos pensamentos apresentados pelos personagens ao longo da trama. Então, a história do passado deles não é surpreendente para quem leu os livros. Como constatado antes, muitos detalhes colocados como novos são apenas registros que a autora realizou anos atrás na pesquisa de formação dos personagens. Essas novas histórias não são tão novas assim e é possível notar que os negócios envolvidos por trás de toda a produção do site influenciam nos processos criativos necessários para construir novas tramas relacionadas ao original. Um novo enredo seria, por exemplo, contar a história do filho de Harry Potter. Como essa possibilidade surge apenas no último livro, os internautas precisarão esperar. Mas em relação ao primeiro e ao segundo exemplares, os únicos presentes no Pottermore até o momento, uma nova trama seria contar o passado de Arthur Weasley, trazendo a história de seu pai e seu avô – antepassados de Rony – e contando que o avô morreu em um confronto com o maior bruxo das trevas anterior a Voldemort, no caso Grindelwald (cuja história é contada nos dois últimos livros e de quem Dumbledore ganhou um duelo, derrotando para sempre o vilão). Mas talvez uma história como essa nunca apareça no Pottermore, porque a escritora nunca pensou nela (e não seria surpresa considerando o que está sendo discutido sobre negócios e criatividade) ou porque o site não permite que os fãs contribuam com novas construções de mundo para a trama, novos enredos e novas formas de explorar a história.


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A escritora e os produtores estão muito fechados naquilo que eles consideram ser a ideia de um produto perfeito, sem a intervenção de pessoas alheias (mesmo que os fãs sejam parte do processo) ao ambiente de desenvolvimento criativo. Também é preciso recordar que este público que consome diversos produtos e imersos em um ambiente com possibilidades como o contato e a interatividade acabam instigados por possibilidades de auxiliar na expansão da saga, mesmo que de maneira simples – fato ainda não explorado em Pottermore. Isso pode ser exemplificado com a profusão de fan fictions compartilhadas pela internet, arrecadando leitores e apaixonados pelo assunto. E por mais que os fãs acessem o site e acompanhem as histórias publicadas, eles sabem que trafegam por um produto econômico criado para que eles passem o máximo de tempo possível ali. Ainda assim, talvez a maioria dos quatro milhões de usuários cadastrados já tenha desistido de acessar o site (não há um número divulgado sobre isso, a hipótese foi levantada pela autora com base nas suas relações com outros fãs). O principal motivo é a demora em postar novos conteúdos, sobretudo para saciar o desejo de conteúdo inédito e relevante. A agilidade do meio on-line colide com a densidade ficcional existente, e o tempo de publicação acaba questionado. Como pode ser verificado em Pottermore, ao final de cada livro há uma série de comentários requisitando as próximas obras, mesmo sabendo que a história de A Câmara Secreta, por exemplo, demorou alguns meses para estar completa no site. Outro motivo é a gradual falta de interesse no conteúdo postado. Apesar de Harry Potter ser uma grande franquia cultural, e de muito sucesso, o Pottermore é apenas mais um produto econômico criado para continuar atraindo os fãs de uma série que chegou ao fim, e assim, continuar arrecadando dinheiro para a franquia. Por mais que o site tenha sido propagandeado de outra forma, devido a toda mídia colocada em torno disso, a produção aproveitou-se de um momento de carência dos fãs, que em vista do final da saga estavam sedentos por novas histórias e novos conteúdos relacionados a ela, para lançar um produto que visava apenas seu dinheiro e seu tempo e não diversão e bem-estar. Essa nova prática criada pelo Pottermore, mesmo que ainda esteja no início e ainda esteja sendo aprimorada pode abrir caminho para que novas e pequenas franquias, ou até outras já estruturadas e estabilizadas no mercado, possam expandir seu conteúdo, não só para atrair dinheiro, mas para satisfazer os fãs com novas histórias sobre a trama que os atraiu originalmente. E talvez consiga servir de análise para essas outras franquias, para que elas façam melhor, atraindo mais fãs e deixando-os cada vez mais ativos na franquia.


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Nova estética que tem atraído adeptos em vários ramos da comunicação, a narrativa transmidiática talvez não se encaixe como um bom conceito de produto para todas as franquias, sejam elas do entretenimento ou não. Assim como observado nos primeiros contadores de histórias, são necessárias tramas atraentes para estabelecer uma série – ou uma saga, como nos tempos atuais – com novidades frequentes e surpreendentes para os leitores. Esta cadeia de tramas interconectadas também está presente no jornalismo. Veículos podem trazer matérias e bastidores de produção apresentando-os através de diferentes formas. Atualmente, com a crise dos jornais e diluição da audiência para outros meios – gerando rumores de que o jornal impresso pode acabar por não ter mais dinheiro para pagar seus funcionários –, as práticas transmidiáticas formam uma alternativa importante para os jornalistas. O jornal impresso publica uma nova história por meio de uma reportagem, tradição do ofício de jornalista. A exemplo do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, citado neste trabalho, as empresas de comunicação têm publicado em suas páginas na internet boa parte, ou a maior parte do conteúdo publicado nos jornais. No entanto, a reportagem do jornal impresso pode chamar o leitor para outros e diferentes conteúdos publicados no site. Pode ser tanto um mapa multimídia, mostrando os locais que são descritos na reportagem, quanto uma galeria de fotos que apresentam muito mais do que aquilo que foi publicado no impresso. Além disso, ferramenta cada vez mais utilizada atualmente, os vídeos têm participações importantes nas coberturas. É possível fazer tanto um documentário para web pensando em partes da história que não foram contadas no impresso, como fatos históricos ou outras fontes que foram deixadas de lado por falta de espaço, quanto produzir um vídeo que conte ao leitor todos os bastidores da reportagem, trazendo depoimentos das pessoas que participaram da produção. O veículo poderia também manter algumas coisas exclusivas no papel também, valorizando o meio, como observado em eventos especiais (como nas edições distribuídas após o show de Paul McCartney em Porto Alegre em 2010 e Florianópolis em 2012). Um exemplo de uma produção do jornalismo que se aproxima da narrativa transmidiática é a reportagem especial publicada por Zero Hora em 2012 que, no final do ano, foi vencedora da 57ª edição do Prêmio Esso de Jornalismo, um dos mais importantes do Brasil. Filho da Rua, publicada na edição dominical do jornal, em 17 de junho, em um caderno de 16 páginas, contava através do texto da jornalista Letícia Duarte e das fotografias de Jefferson Botega a história de um menino de 14 anos que vive nas ruas de Porto Alegre desde 2005. Foram três anos de apuração intensa para acompanhar essa jornada (BOTEGA e DUARTE, 2012).


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No mesmo dia da publicação, a matéria foi colocada na íntegra no site do jornal, dividida em três partes. Além do texto, foi disponibilizado um documentário, que talvez não traga histórias novas, mas mostra as imagens em movimento daquela história transmitida com palavras e imagens, podendo ser caracterizada mais como uma adaptação para outra mídia. Junto com o documentário, uma galeria de fotos mostrava outras imagens além daquelas que foram publicadas no jornal. Claro que esse não é um exemplo de narrativa transmidiática completa, mas mais um exemplo que este caminho pode ser útil nas rotinas diárias de publicação moldadas pela corrida contra o prazo de fechamento. Assim, o leitor recebe uma mesma história com diversas possibilidades de assimilação, atraindo a sua atenção, de acordo com as suas possibilidades de tempo e ainda reforçando o papel importante da imprensa. Conectando jornalismo e Harry Potter através da transmídia, também constata-se que é necessário ao profissional compreender as dinâmicas dos produtos de entretenimento contemporâneos. Isto é aplicado não apenas na prática de reportagem ou crítica cultural, mas também para realmente compreender processos criativos e, até mesmo, evitar o mau uso de expressões. Pottermore foi saudado como um produto transmidiático, porém algumas características não tão desenvolvidas não o deixam ser classificado como tal. Segundo algumas considerações já apresentadas neste trabalho, o que falta ao site é ser melhor ponto de entrada. Ou seja, deveria facilitar a participação dos fãs ao mesmo tempo em que possibilita o acesso aos novos conteúdos. E neste ponto, há outra melhoria que poderia ser feita: explorar os personagens de uma maneira que fosse inovadora para a história e que apresentasse novas perspectivas de exploração do conteúdo pelos internautas. Se fosse melhor ponto de entrada, o Pottermore teria uma sessão em que os fãs poderiam enviar suas próprias contribuições para a história, com posterior aprovação da produção e de J. K. Rowling. Os internautas sentiriam-se mais satisfeitos em participar, sabendo que poderiam colocar sua imaginação para funcionar ao lado da escritora. Além de que eles poderiam ser maior fonte de ideias quando elas terminarem. E se personagens secundários e terciários fossem explorados de forma que novas histórias se criassem com novos personagens, a espera por novos livros e conteúdos talvez não se tornasse tão tediosa. Em seu estado atual, o Pottermore é apenas uma ferramenta de acompanhamento. Ou seja, um compêndio: uma espécie de relatório que compila algum tipo de conhecimento, resumindo um trabalho, seja ele qual for. Como os três volumes que compõem a enciclopédia de Star Wars, franquia originalmente iniciada no cinema. Os livros de capa dura abrangem uma lista de A a Z, levando em conta todas as características do universo criado por George


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Lucas, incluindo o material dos filmes, radionovelas, livros, quadrinhos e videogames. Por enquanto, o Pottermore se apresenta da mesma forma, reunindo o conteúdo dos livros e trazendo aos internautas praticamente um glossário da história. É por isso que, em suas considerações finais, este estudo de caso se pergunta: será que o Pottermore aguentará tanto tempo apenas publicando algumas histórias surpreendentes, outras nem tanto e outras completamente previsíveis? E o trabalho sustenta a maior participação dos fãs no projeto, principalmente porque sem eles, não haveria sucesso algum da franquia. É preciso valorizá-los e incentivá-los, para que assim eles mesmos façam o site crescer.


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