Novas perspetivas sobre a infeção VIH Telo Faria
Como pode a MI contribuir para Entrevista a Rui Victorino reduzir o recurso às urgências? “Visão holística fundamental para António Martins Baptista enfrentar novo perfil de doente”
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live
MedicinaInterna Congresso
Publicações MI
Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna
diretor: josé alberto soares Distribuição gratuita
www.justnews.pt
SOCIEDADE PORTUGUESA DE MEDICINA INTERNA
3.ª EDIÇÃO 29 de maio 30 de maio 31 de maio
Onde estamos na Reforma das Urgências em Portugal Luís Campos PÁG. 6
What’s the future for health in Portugal? Nigel Crisp PÁG. 7
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Especialistas mundiais recomendam
Mais foco no doente e no trabalho de equipa Dezoito palestrantes estrangeiros passaram estes dias pelo Congresso de Vilamoura. Joseph Li defendeu ser preciso colocar o doente no centro da atuação e chamou a atenção para o desperdício de recursos quando a articulação na Saúde falha. Na mesma linha, Nick Goowin sugeriu que se aposte numa Medicina mais humanizada, mais centrada nas necessidades do
É agora possível
consultar em www.justnews.pt/agenda Informação atualizada
diariamente
doente, algo que pode, na sua ótica, ajudar a reduzir os custos com a Saúde. Donald Berwick estima que Portugal tenha uma percentagem de desperdício na ordem dos 20%, desperdício que tem múltiplos fatores, entre os quais a desarticulação dos serviços de Saúde, que gera sobreposição, e também o uso de medicação em excesso.
Eventos relevantes, nacionais e internacionais com interesse no âmbito da
Medicina Interna www.justnews.pt/eventos/medicina-interna
No serviço de Medicina trabalha-se com base numa equipa multidisciplinar PÁGS. 8/9
Recomendações fundamentais para um Internato com sucesso Carlos Vasconcelos PÁG. 12
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31 de maio 2015
Urgência no Funchal
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Sempre ao lado do presidente
O Funchal vai receber, nos dias 24 e 25 de outubro, de 2015, o I Congresso Nacional da Urgência, sob o lema “No dealbar de uma nova era” e tendo como presidente João Sá, coordenador do Departamento de MI e Medicina Intensiva do H. da Luz. Na foto, com Maria da Luz Brazão (coordenadora do Núcleo de Estudos de Urgência e do Doente Agudo), Carla Araújo (tesoureira) e António Martins Baptista (presidente da Comissão Científica).
A equipa admédic (mais uma vez) a colaborar com a SPMI
Fátima Grenho (tesoureira) e Ana Lourenço (secretária-geral) com Luís Campos
quarteto de apoio da SPMI
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LIVE Medicina Interna
ELOS
Congresso da atual Direção
Jorge Crespo (vice-pres. Centro), Manuel Teixeira Veríssimo (pres.), Luís Campos (vice-pres. Sul) e João Araújo Correia (vic-pres. Norte)
“Viana: porta do Atlântico, porto da Medicina” – é este o mote do XXII Congresso Nacional de Medicina Interna, marcado para os dias 27, 28 e 29 de maio. A reunião será presidida por Diana Guerra, diretora do Serviço de Medicina I do Hospital de Santa Luzia, acompanhada neste desafio por Carmélia Rodrigues (secretária-geral) e Carlos Ribeiro (tesoureiro).
Diretor: José Alberto Soares (jas@justnews.pt) Redação: Maria João Garcia (mariajoaogarcia@justnews.pt), Sílvia Malheiro (silviamalheiro@justnews.pt), Susana Catarino Mendes (susanamendes@justnews.pt) Fotografia: Joana Jesus (joanajesus@justnews.pt), Nuno Branco - Editor (nunobranco@justnews.pt) Departamento Comercial: Carla Prazeres (carlaprazeres@justnews.pt), Marco Rodrigues (marcorodrigues@justnews.pt) Assistente da Redação e Publicidade: Cláudia Nogueira (claudianogueira@justnews.pt) Diretor de Produção Interna: João Carvalho (joaocarvalho@justnews.pt) Diretor de Produção Gráfica: José Manuel Soares (jms@justnews.pt) Diretor de Multimédia: Luís Soares (luissoares@justnews.pt) Morada: Alameda dos Oceanos, 3.15.02.D, Nº 3, 1990-197 Lisboa Live Medicina Interna é uma publicação da Just News, de periodicidade trimestral, dirigida a profissionais de saúde, isenta de registo na ERC, ao abrigo do Decreto Regulamentar 8/99, de 9/06, Artigo 12º nº 1A Depósito Legal: 386025/14 Impressão: Alves & Albuquerque Artes Gráficas Notas: 1. A reprodução total ou parcial de textos ou fotografias é possível, desde que devidamente autorizada e com referência à Just News. 2. Qualquer texto de origem comercial publicado neste jornal está identificado como “Informação”.
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Foto: Bertílio Martins
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Viana do Castelo 2016
Os
têm a marca do artista Xana Publicações
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31 de maio 2015
Rui Victorino, presidente do Conselho Científico da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa:
“Visão holística do internista é fundamental para enfrentar o novo perfil de doente hospitalar” Doentes com múltiplas patologias obrigam à intervenção de médicos que consigam ter uma visão holística, a característica por excelência do internista, considera o professor e investigador Rui Victorino, que é presidente do Conselho Científico da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e também diretor do Serviço de Medicina II do Hospital de Santa Maria. Na sua ótica, é preciso continuar a valorizar a Medicina Interna no ensino e a estimular a investigação.
Just News ( JN) – O ensino da Medicina está hoje muito diferente do que era no passado? Rui Victorino (RV) – Eu não diria que há uma grande diferença no ensino e suas metodologias. Tentamos que seja cada vez mais prático e acho que temos conseguido, particularmente na área da Medicina Interna, no 5.º ano, com a exposição do aluno à parte prática a rondar os 65% do tempo letivo. Os desafios que se colocam hoje é que são diferentes, na medida em que há uma expansão avassaladora de conhecimento e de informação disponível. Por isso, é necessário atingir um equilíbrio muito grande entre essa capacidade de aceder a nova informação e de a integrar na prática. É aí que a Medicina Inter-
na pode ter um papel muito importante. Todos nós reconhecemos que é cada vez mais difícil controlar e ter presente toda essa informação científica disponível nas bases de dados e nas publicações. E o que se tem que descobrir são as capacidades para convocar essa informação na assistência ao doente, de modo integrado, na sua forma mais holística. JN – Obriga a uma atualização constante. RV – Não só a uma atualização constante, como a uma grande capacidade para selecionar informação relevante. O que se passa é que, há cerca de 30 anos, houve quem pensasse que a Medicina Interna iria tendencialmente desaparecer. A expansão do conhecimento em cada
uma das componentes da Medicina Interna era tão grande que o que parecia restar era um somatório de especializações. Basicamente, nada sobraria para o internista. JN – E quem ficava com a missão de articular tudo isso? RV – Exatamente! Não deixa de ser irónico que tenha havido quem prognosticasse que a Medicina Interna iria desaparecer e que, hoje em dia, a nível mundial, já se reconheça que, cada vez mais, é necessário ter alguém capaz de assumir o papel de integrador de todo esse conhecimento. Não quer dizer que não sejam importantes as subespecialidades e as especialidades dos vários ramos da Medicina Interna, mas essa necessidade
31 de maio 2015
de ter integradores é cada vez maior. E a grande capacidade do internista deve ser essa: convocar o conhecimento e integrá-lo no doente. JN – Tem hoje mais ou menos alunos candidatos à especialidade? RV – As vagas são todas preenchidas, mas não é fácil. É uma especialidade muito exigente, requer profissionais muito bem preparados. No entanto, temos conseguido atrair internistas muito bons. JN – Não tem a notoriedade pública de outras especialidades e torna-se menos atrativa? RV – É verdade que quem exerce uma subespecialidade consegue ter mais facilmente reconhecimento público. No entanto, as capacidades de um internista que tenha grande qualidade são também muito apreciadas e respeitadas pelos médicos. Muitos estudantes que acabam por não escolher a Medicina Interna reconhecem que é a especialidade mais complexa. É tão exigente, requer tanta dedicação que pode parecer pouco compensadora quando comparada com outras. JN – É tão polivalente que a atualização do conhecimento é constante… RV – É mais fácil para o médico que acaba a sua formação nas subespecialidades mais delimitadas sentir-se numa zona de conforto, de domínio de quase tudo. O internista tem que desenvolver muitas capacidades ao mesmo tempo. Mas essas capacidades de integração, uma vez adquiridas, são depois aplicáveis a todas as situações de grande complexidade. O internista que desenvolva as suas capacidades ao mais alto nível sabe depois procurar e gerir a informação e ainda analisar intervenções de uma forma muito harmoniosa e vantajosa para o doente. Mas percebe-se que seja mais fácil nas especialidades delimitadas atingir satisfação por se controlar os assuntos de uma forma mais plena. JN – Participa neste Congresso numa mesa-redonda onde se fala sobre a educação médica e a Medicina Interna. Como é que se pode valorizar a Medicina Interna no ensino? RV – A questão preliminar que se deve colocar é a seguinte: é ou não relevante acentuar o papel da Medicina Interna no ensino? A resposta é sim. É absolutamente fundamental. Uma das razões está relacionada com o facto de a maioria dos doentes assistidos nos hospitais, tanto em Portugal como na Europa, apresentar múltiplas doenças e patologias. Não há muito tempo, um dos nossos colaboradores, o Dr. Luís Pinheiro, fez uma análise da evolução do número de diagnósticos por doente no Serviço de Medicina Interna. Há 15 anos, era cerca de quatro o número de diagnósticos por doente. Hoje, são oito problemas clínicos diferentes por doente! Ou seja, o padrão de doente hospitalar evoluiu muito e a Medicina tem que saber lidar com estes doentes.
JN – Daí a importância da tal visão holística… RV – Exato, porque vivemos num tempo em que o médico vai ter que lidar com um doente que pode ter oito problemas diferentes. A esta realidade, somam-se as doenças crónicas. Há 15 anos, a média de doenças crónicas por doente era de duas e agora é de quatro. JN – E é impossível ter oito médicos à volta de um doente. RV – E pode não ser o mais vantajoso. Mas, se houver vários médicos a contribuir para o diagnóstico de um doente, é muito importante que haja alguém capaz de fazer uma boa gestão de todas essas contribuições. Portanto, a primeira razão para reforçar o papel da Medicina Interna na Universidade e na Academia é a necessidade. É preciso preparar os médicos para este perfil de doente que é predominante. Mas a Academia tem também, além das funções de educação, a função de gerar conhecimento, de fazer investigação. JN – E essa função mais centrada na investigação tem sido conseguida? RV – A investigação clínica feita no contexto hospitalar e nos centros de saúde sempre foi um desafio difícil. Conciliar a atividade assistencial, de docente e de investigação não é fácil. É evidente que todo o médico deve estar disponível para refletir sobre a sua prática e escrever sobre ela. Agora, se quisermos ter pessoas em que a componente de investigação é elevada a um grau de envolvimento maior, nesse caso é preciso fazer um grande esforço para preparar esses médicos para esse perfil que habitualmente é designado por physician scientist. JN – Implica um esforço pessoal muito grande… RV – No fundo, é aquele médico que, estando confortável e sendo competente nas suas tarefas assistenciais, é também um cientista de investigação clínica. Quer seja em áreas de ciências básicas aplica-
“A Medicina Interna é uma especialidade muito exigente, requer profissionais muito bem preparados. No entanto, temos conseguido atrair internistas muito bons.”
das ao doente, como a Genética, a Imunologia ou a Farmacologia, ou em áreas de natureza epidemiológica, ou ainda sobre o funcionamento dos serviços de saúde. Podemos perguntar qual a razão de atrair internistas para a investigação médica avançada? É porque o olhar deles e a forma como podem envolver-se na investigação adiciona valor. Vale muito a pena o esforço de investir na formação de internistas com uma preparação muito sólida e avançada de investigação científica competitiva a nível internacional. JN – Há esse estímulo nas faculdades? RV – Existe, sim, essa tentativa de preservar essa espécie em extinção que é a do physician scientist e que foi assim definida pelo norte-americano James Wyndgarten. Temos que ter para com este médico cientista o mesmo comportamento que temos para com as espécies em extinção e criar um ecossistema que o proteja. JN – O Dia da Investigação na Faculdade de Medicina de Lisboa faz parte desse esforço? RV – Faz, sem dúvida. Mas uma das medidas mais interessantes e que ainda não está totalmente aproveitada foi lançada há cerca de sete anos. Trata-se do estatuto do interno doutorando, um programa de parceria dos ministérios da Saúde e da Ciência para viabilizar o internato doutoramento. Em vez de a especialidade ser feita em cinco anos, é feita em sete ou oito, para garantir o treino profissional e um projeto de doutoramento. Por exemplo, neste momento, temos quatro médicos a fazer a especialidade de Medicina Interna e doutoramento no Hospital de Santa Maria. Também há menos de um mês, foi proposto pelo Ministério da Saúde e da Educação e Ciência um outro programa já direcionado para médicos especialistas e com doutoramento que queiram criar unidades de investigação avançada clínica. JN – Fala-se muito no reforço dos cuidados primários de saúde como forma de aliviar as urgências hospitalares. Esse reforço poderia passar por ter internistas nos centros de saúde? Não é difícil encontrar semelhanças entre a Medicina Interna e a Medicina Geral e Familiar. RV – É uma questão delicada. Depende dos modelos de organização das duas especialidades. No modelo norte-americano, a Medicina Interna tem um grande papel no acompanhamento de doentes no ambulatório e nos centros de saúde. Não é o caso em Portugal, onde os cuidados no ambulatório são predominantemente garantidos através de uma especialidade muito importante que é a Medicina Geral e Familiar. O papel do internista está mais concentrado na medicina hospitalar. Eu acho que era importante aprofundar a interação das duas especialidades. São ambas especialidades integrativas, de competências diversificadas e polivalentes.
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Opinião Qual a importância da Medicina Interna no momento atual? Donald Berwick
Center for American Progress, EUA
“Muitos países estão a redesenhar os cuidados de saúde e a Medicina Interna tem uma enorme relevância, já que está mais focada na prevenção, nos cuidados mais efetivos e de qualidade. Esta especialidade tem a oportunidade de mudar a Medicina e de mostrar às pessoas que podem contar com especialistas em saúde que vão ao encontro das suas necessidades.”
Salvador de Mello
Presidente da José de Mello Saúde
“A Medicina Interna é uma especialidade fundamental em Portugal e em qualquer parte do mundo. Num momento em que a palavra de ordem é a integração, devemos juntar outra, a especialização. O médico internista, nesse sentido, é fundamental para um sistema de saúde de qualidade e que coloca o doente no centro.”
Adalberto Campos Fernandes Escola Nacional de Saúde Pública
“A sua importância é cada vez maior. A Medicina Interna é um elemento de grande agregação, que dá resposta a nível hospitalar e também na articulação com os CSP. Penso que é a especialidade que tem maior capacidade para a governação clínica, contribuindo para a segurança, qualidade e harmonização dos cuidados prestados.”
Rui Fernandes
Interno, Centro Hospitalar do Alto Ave
“A Medicina Interna ocupa um espaço integrador de múltiplos interfaces médicos, sendo uma plataforma que permite a ligação entre a comunidade e o hospital, além de orientar o doente na eventualidade de precisar de múltiplas especialidades médicas. É, sem dúvida, o tronco central.”
Francisco George
Diretor-geral da Saúde
“A importância da Medicina Interna deixou de ser um tema de debate. Todos estamos de acordo que tem um papel indispensável e é do conhecimento geral que não existe lugar para uma Medicina de qualidade sem esta especialidade.”
Paulo Félix
Enfermeiro, Hospital de São Francisco Xavier, CHLO
“É fundamental, porque exige um conhecimento holístico das várias patologias. É uma especialidade que tem um papel muito importante na tomada de decisões.”
Dulce Gonçalves
Enfermeira, Hospital de São Francisco Xavier, CHLO
“É uma especialidade que abarca o doente no seu todo, tendo uma visão bastante holística, não optando pela setorização. É essencial no sistema de saúde de qualquer país.”
Irene Aragão
Intensivista, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto
“É uma especialidade que faz fronteira com outras, como é o caso da Medicina Intensiva. No fundo, faz a interligação com outras especialidades, o que é essencial no acompanhamento do doente.”
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31 de maio 2015
Como pode Onde estamos na Reforma das a MI contribuir para reduzir o recurso às urgências?
António Martins Baptista Internista do Hospital Beatriz Ângelo. Coordenador do Núcleo de Estudos de Formação em Medicina Interna
O excesso de afluência às urgências é todos os anos notícia de primeira página dos jornais e fator de desestabilização das organizações hospitalares. Há seguramente muito a fazer a montante, com uma melhor resposta dos cuidados de saúde primários às situações urgentes de menor gravidade. Mas os médicos hospitalares não se podem escudar neste argumento e devem pressionar as suas administrações no sentido de se tomarem uma série de medidas que terão um papel fundamental no descongestionamento dos serviços de urgência. Após a alta hospitalar, a maioria dos doentes crónicos (insuficiências cardíacas, doenças hepáticas crónicas, DPOC, etc.) são reenviados para os cuidados primários de saúde e, no máximo, ficam com consultas hospitalares marcadas. Quando descompensam, o que, como sabemos, é frequente, não têm muitas vezes acesso nem a um lado, nem ao outro, e não lhes resta outra porta de entrada no hospital que não seja a urgência, que
é, obviamente, o pior local do hospital onde um doente crónico deve permanecer. Faltam em Portugal uma série de novas estruturas, já experimentadas em muitos países e que darão muito melhor suporte a estes doentes, entre os necessários internamentos hospitalares. Após a alta, que deverá ser cada vez mais precoce, a existência de um serviço de internamento domiciliário permite a alta precoce em segurança, uma vez que a vigilância se fará diariamente por uma equipa hospitalar, no domicílio do doente. As unidades de diagnóstico rápido permitem evitar os internamentos para diagnóstico, uma vez que os exames são fornecidos, no próprio dia, nesta unidade ambulatória. As unidades de estadia curta têm uma função semelhante mas complementar da anterior, com o máximo de 48 horas no internamento, para todos os procedimentos e terapêuticas que necessitem e possam ser cumpridos ou iniciados neste período. Finalmente, já fora do hospital, a reabertura dos SAP ou equivalentes, dará aos doentes uma porta aberta para situa ções simples, que evitarão muitas das vindas ao serviço de urgência. Haja um plano concertado de desinvestimento na urgência e de investimento nas alternativas (exatamente o oposto do que tem sido feito) e rapidamente se observará um desinsuflar deste problema crónico que todos os anos nos assola.
Domingo, 31 Sala fénix I
09h00 - 10h30
Luís Campos Diretor do Serviço de Medicina do HSFX/CHLO. Professor auxiliar convidado da Faculdade de Ciências Médicas/UNL. Presidente do Conselho Nacional para a Qualidade em Saúde
A legislação que resultou da chamada Reforma das Urgências, preparada pela Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação da Rede de Urgência Geral (CTAPRU), foram essencialmente dois despachos: o Despacho n.º 18459/2006, que redefiniu os níveis de urgência, e o Despacho n.º 5414/2008, que legislou sobre a rede de urgências. Este despacho definiu 14 serviços de urgências polivalentes (SUP), 30 serviços de urgência médico-cirúrgica (SUMC) e 45 serviços de urgência básica (SUB), segundo critérios explícitos que incluíram os tempos de trajeto, a capitação, o risco de trauma e industrial, a mobilidade sazonal da população e a atividade previsível, que foram amplamente consensualizados. Esta reforma teve como objetivos a melhoria do acesso, da equidade, da segurança, da qualidade e da racionalização
dos recursos no atendimento aos doentes urgentes em Portugal. Ao mesmo tempo, ao identificar os hospitais onde aquelas deviam funcionar, foi profundamente estruturante para o desenvolvimento da rede hospitalar, levando a uma das mais radicais reformas da saúde que aconteceram em Portugal, apesar de nunca se ter assumido como tal. Em termos de equidade, a distribuição dos 89 pontos de rede garantiria que mais de 90% da população ficasse a menos de 30 minutos de qualquer ponto da rede e a menos de 45 minutos de um SUMC ou SUP. No que respeita à segurança e eficiência, essas dimensões da qualidade seriam melhoradas através da criação de três níveis de urgência e da definição dos respetivos requisitos, o que permitiria adequar a capacidade instalada às situações a que daria resposta e garantir casuísticas que minimizassem a mor-
Novas perspetivas sobre a infeção
Telo Faria Coordenador do Núcleo de Estudos da Doença VIH da SPMI No plano científico e técnico, o aparecimento da infeção pelo vírus da imunodeficiência humana, nos princípios dos anos 80, veio demonstrar a enorme capacidade do Homem de transformar em duas décadas uma doença mortal,
para a qual a Medicina não tinha qualquer capacidade de resposta, numa doença com características de cronicidade, colocando-a, assim, ao mesmo nível de outras patologias, como a hipertensão ou a diabetes mellitus. Isto foi ímpar na História da Medicina. Na última década, esses avanços foram mais notórios, em termos de eficácia e tolerância da medicação, da sua simplificação, e ainda, da significativa melhoria de adesão à mesma. Novos patamares se exigem para os próximos tempos. Um deles é o da cura, da cura funcional. O que se pretende é mimetizar o que acontece nos “elite controllers”, isto é, modelar o sistema imunológico de modo a ficar estável, com cargas virais indetetáveis, sem medicação. E aqui a investigação está a ser feita no sentido da deslocação do simples controlo da infeção para a tentativa de controlo das alterações fisiopatológicas que persistem
na infeção crónica e que conduzem a um acréscimo significativo da morbilidade a longo prazo Também alguns avanços têm sido feitos na terapêutica genética. No CROI 2014, foi apresentada a tecnologia do Sangamo, com o uso da nuclease dedos de zinco (zinc fingers), na tentativa de interromper o gene das células T CD4 que controlam a expressão do correcetor CCR5, que a maioria das estirpes do vírus VIH utiliza para penetrar nas células. Igualmente, novas classes farmacológicas estão a ser investigadas, nomeadamente inibidores da ligação, inibidores da maturação e ainda, os primeiros passos no uso da anticorpos monoclonais na doença VIH. Também para breve, estão previstos novos fármacos das classes terapêuticas já existentes. Realce ainda para a consolidação de algumas indicações no uso da PrEP, como
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Urgências em Portugal Esta reforma teve como objetivos a melhoria do acesso, da equidade, da segurança, da qualidade e da racionalização dos recursos. bilidade e mortalidade da assistência aos doentes urgentes. Para esta melhoria da qualidade e da eficiência contribuiria também o encerramento dos mais de 300 serviços de atendimento permanente (SAP), a funcionar nos
por VIH na conceção segura, e ainda a introdução no arsenal terapêutico de drogas antigas, modificadas quimicamente, permitindo uma diminuição muito significativa dos seus efeitos secundários, como é o caso do tenofovir alafenamide relativamente ao tenofovir disoproxil fumarate Avanços excecionais ocorreram também no tratamento da hepatite C crónica. Os vários antivíricos de ação direta (DDA) ao nosso dispor permitem tratamentos mais curtos, de uso exclusivamente oral, fáceis de administrar, bem tolerados e, em muitos casos, dispensando a utilização de interferão e ribavirina e com taxas de cura definitiva perto dos 90%. Existem ainda mais fármacos cujos ensaios clínicos estão a decorrer e que, no prazo de um ano, poderão ser aprovados: grazoprevir e elbasvir, cujas respostas ao tratamento poderão ser de mais de 98%.
centros de saúde, para onde as ambulâncias do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) transportavam os doentes urgentes, sem que estes serviços tivessem o mínimo de condições para responder, como verdadeiros serviços de urgência. Este encerramento permitiu, ainda, libertar tempo médico para a realização de consultas. Em relação ao impacto que esta reforma teve na evolução da rede hospitalar, é preciso recordar que, dos 73 hospitais de doentes agudos existentes em 2005 que tinham urgências abertas, 40 (55%) tinham menos de 200 camas, o mínimo aceitável para um hospital de agudos, e 19 (26%) menos de 100 camas. A implementação daquela legislação determinou o encerramento de 15 serviços de urgência e a despromoção para o nível de urgência básica de mais 14, nos hospitais mais pequenos, empurrando estes hospitais para uma nova missão
que, na generalidade, passou pela transformação do internamento em unidades de cuidados continuados ou paliativos e pela transformação das urgências em consultas abertas, da responsabilidade dos cuidados primários. A outra consequência foi a criação de centros hospitalares que, embora já tivesse começado antes de 2008, conheceu um forte incremento após a reforma das urgências, traduzindo-se na criação de 26 centros hospitalares nos últimos 12 anos. A motivação política de diminuir o impacte do encerramento das urgências foi determinante nesta evolução. Assistiu-se assim a uma concentração e aumento de escala dos hospitais de agudos, que se contabilizam atualmente em 41 hospitais, entendidos não como edifícios, mas como organizações autónomas, distribuídos em nove hospitais isolados, 24 centros hospitalares e oito unidades
locais de saúde (ULS), que albergam 43 serviços de urgência, sendo 13 com urgência polivalente e 30 com urgência médico-cirúrgica, ou seja, apenas menos um SUP do que o número proposto no Despacho 5414/2008. Em relação aos serviços de urgência básica, o Despacho n.º 5314/2008 propôs 45 pontos de rede, dos quais seis seriam a encerrar posteriormente, após a integração em centros hospitalares ou melhoria das acessibilidades. Em 2011, o Ministério da Saúde nomeou uma nova comissão para reavaliar a rede de urgências, chamada precisamente Comissão Reavaliação da Rede Nacional de Urgência e Emergência (Despacho n.º 13377/2011), a qual foi coordenada pelo Prof. José Artur Paiva. Esta comissão produziu um relatório, divulgado em 10 de fevereiro de 2012. A proposta desta comissão foi mais lata do que a definida em 2008, incluin-
do propostas sobre a rede de referenciação, sistema de helicópteros e informatização dos serviços de urgência, indicadores de qualidade, entre outros. Grande parte das recomendações desta comissão foram revertidas no Despacho n.º 10319/2014 de 11 de agosto. Este despacho lança as bases do Sistema Integrado de Emergência Médica e estabelece padrões mínimos para a estrutura, recursos humanos, formação, critérios e indicadores de qualidade e o processo de avaliação e monitorização. Este despacho fornece um enquadramento para o desenvolvimento futuro dos serviços de urgência.
Domingo, 31 Sala fénix I
09h00 - 10h30
What’s the future for health in Portugal?
Nigel Crisp Independent member of the House of Lords and co-chairs the All Party Parliamentary Group on Global Health Portugal has a wonderful tradition in medicine and clinical practice. Let me make three observations from my time chairing the Gulbenkian Commis-
sion on the Future of Health in Portugal. Firstly, there is a very big problem of ill health amongst older people. We noted that Portuguese people have on average only about 6 years of good health after 65 whilst the Norwegians have 14. Secondly, whilst there is a lot of excellent practice, there is also a lot of variability and very poor data with which to assess quality. Thirdly, there are high levels of long term chronic diseases and co-morbidity. The Commission’s 20 recommendations included several which addressed the need for a renewed focus on health promotion and disease prevention. Amongst other things it advocated the creation of a whole-of society alliance for health to lead action in this area. This recognised that everyone has a role to play – from employers and teachers to municipalities and, of course, citizens themselves.
It also recommended the development of a much more systematic approach to measurement and quality improvement – which in itself could help reduce waste and expenditure in the system. It also recommended better access for clinicians to evidence, the strengthening of primary care and better management of clinical specialities. Internal medicine doctors are uniquely placed to help implement these recommendations. Through their daily practice they are the only clinicians who have an overview of the whole system and the whole patient. I believe that this means that they can play a crucial leadership as well as clinical practice role in the future in at least three different ways. They have a central role in diagnosis working alongside their specialist colleagues, particularly for elderly patients, making sure that co-morbidities and complications of multiple treatments are well managed.
They can help develop the new models of care for chronic diseases that are needed, again bringing in the need to see the patient holistically and to work with them to stay healthy and resilient. Finally, they can play a vital role in linking primary and secondary care bridging the gap between the generalist in primary care and the specialists in hospitals. I believe that now is a very good time, an opportunity for internal physicians to set out clearly the role they can play in the future for the improvement of health and health care in Portugal. By taking up this role they could play a major part in creating a sustainable SNS for the future.
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12h30 - 13h00
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31 de maio 2015
Enfermeiro, assistente social, farmacêutico e médico: cada um tem o seu papel
No serviço de Medicina trabalha-se com base numa equipa multidisciplinar Na Medicina Interna procura trabalhar-se em equipa multidisciplinar, tendo em conta que o doente deve ser visto como um todo e não apenas como um indivíduo com determinada patologia. O médico, o enfermeiro, o farmacêutico e o assistente social são alguns dos profissionais que trabalham juntos para que o utente possa ter qualidade de vida, mesmo em caso de doença crónica. “A equipa multidisciplinar no Serviço de Medicina” foi o tema de uma mesa-redonda que decorreu ontem de manhã em Vilamoura. O trabalho em equipa multidisciplinar faz parte do dia-a-dia dos profissionais de saúde, ou o doente não fosse um todo. Para além da assistência do médico, é também necessário, por exemplo, o envolvimento do enfermeiro, do farmacêutico ou da assistente social. “Há muito tempo que o tratamento de um doente deixou de ser pertença única do médico.” As palavras de João Araújo Correia, diretor do Serviço de Medicina do Hospital de Santo António, CH do Porto e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, são demonstrativas da importância de se trabalhar em equipa, em vez de se adotar o hábito de outros tempos, quando não se apostava na pluridisciplinaridade. A Medicina Interna é uma das áreas que mais destaca a importância deste empenho multidisciplinar, “que permite uma visão holística de quem recorre aos serviços de saúde”. A equipa multidisciplinar torna-se ainda mais crucial quando se está perante uma sociedade cada vez mais envelhecida,
onde as pessoas vivem até mais tarde, mas com mais doenças. A OMS prevê, inclusive, que até 2020 – ou seja, daqui a cinco anos – as patologias crónicas sejam responsáveis por 78% de todas as outras. Portugal não está imune a esta realidade, pois, a inversão da base da pirâmide populacional é demonstrativa da diminuição da taxa de natalidade e do aumento da esperança média de vida, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).
Todos juntos para o bem do doente Como a Medicina Interna acompanha muitos seniores, o enfermeiro tem cada vez mais um papel de relevo nos cuidados de saúde, o que se deve à sua proximidade com os doentes, como refere a enfermeira Mavilde Vitorino, do Hospital São Francisco Xavier (CHLO). “Este grupo profissional, que está em permanência física diária nos serviços de internamento, assume a responsabilidade de garantir a continuidade e a segurança nos cuidados clínicos prestados
aos utentes no âmbito de uma atuação multiprofissional.” Quanto à relevância da Enfermagem numa equipa multidisciplinar de um Serviço de Medicina Interna, Mavilde Vitorino garante ser “de uma enorme responsabilidade, para contribuir permanentemente, com os seus conhecimentos, para a recuperação da saúde dos utentes hospitalizados, assim como para proporcionar o máximo de bem-estar e cumprir e fazer cumprir as regras éticas e deontológicas”. O farmacêutico hospitalar também tem um destaque grande na equipa, ou o envelhecimento não levasse à polimedicação. “Devemos ser reconhecidos como farmacêuticos clínicos face à amplitude das atividades que se desenvolvem, contribuindo para a promoção da saúde e garantindo que os medicamentos mais adequados estão disponíveis de forma segura para os doentes corretos, nas doses, vias e no tempo certo”, observa Catarina Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares (APFH).
Como o farmacêutico pode evitar erros na administração de medicamentos Catarina Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares (APFH) realça a importância do processo de validação da medicação e, por conseguinte, o papel relevante do farmacêutico hospitalar como elo do sistema de saúde e num serviço de Medicina Interna. Relembra que “no processo da validação da medicação, o farmacêutico clínico aplica o conhecimento especializado da utilização científica e clínica de medicamentos”, tendo em conta vários parâmetros:
- A sua indicação; - A dose e a frequência recomendadas; - A via de administração, a forma farmacêutica; - A presença de medicamentos inapropriados ou desnecessários; - A necessidade de um medicamento adicional; - As alternativas terapêuticas; - A maior probabilidade de interações medicamentosas relevantes, o risco de reações adversas, as inconsistências nas prescrições, as incompatibilidades físico-químicas e a estabilidade da meCatarina Oliveira dicação
Mavilde Vitorino
E relembra que, atualmente, a taxa de reações adversas aumenta exponencialmente em doentes que tomam quatro ou mais medicamentos. E aponta que “29% da população adulta toma cinco ou mais fármacos, o que revela as comorbilidades associadas às doenças crónicas, tão comuns nos mais idosos.” Como o estado de saúde depende de vários fatores, o assistente social tem também uma palavra a dizer. Luísa Pires, do Centro Hospitalar do Porto, realça a necessidade de “o processo de cuidar não se situar de forma exclusiva nos fatores biopsicológicos, porque em Medicina a multidisciplinaridade é uma exigência”. Luísa Pires afirma que a necessidade de assistência social tem aumentado nos últimos anos, com a crise, e o papel deste profissional é, sobretudo, organizar um plano de continuidade de cuidados para o período pós-hospitalar, “tão crucial para a qualidade de vida das pessoas e para a redução dos reinternamentos”. Um trabalho que é feito em equipa, com os restantes profissionais de saúde, mas também com o doente e os familiares/cuidadores. Todos juntos é, assim, o lema de quem trabalha nos serviços de Medicina Interna, porque o doente é um todo que já “deixou de ser pertença única do médico”.
O enfermeiro tem cada vez mais um papel de relevo nos cuidados de saúde, o que se deve à sua proximidade com os doentes, refere Mavilde Vitorino.
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O papel do médico
João Araújo Correia Diretor do Serviço de Medicina do Hospital de Santo António, CHP. Vice-presidente da SPMI Há muito que o tratamento de um doente deixou de ser pertença única do médico. Agora, o médico é parte de uma equipa de saúde, onde é o líder natural, mas em que o enfermeiro, o assistente social e o farmacêutico têm um papel fundamental para a obtenção de um bom resultado. A consulta externa é talvez o melhor exemplo da espetacular melhoria dos cuidados que agora prestamos aos nossos doentes. A organização de consultas setorizadas por patologias permite uma cooperação com o enfermeiro, que se motiva e acaba por se especializar, permitindo um tratamento eficaz e completo do doente. Num serviço de Medicina Interna, a organização de clínicas de doenças crónicas é particularmente útil nas seguintes áreas: diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, doença pulmonar crónica, doenças autoimunes e ventiloterapia. No internamento hospitalar, a equipa de saúde, constituída pelo médico, enfermeiro, farmacêutico e assistente social, consolida-se e demonstra o seu valor em plenitude. Os elos que unem a equipa decorrem de um registo eletrónico sem falhas, claro, conciso e completo.
Outro aspeto fundamental na segurança do doente internado é o da prescrição médica e o de todo o sistema de distribuição de medicamentos. Deve existir um sistema eletrónico de prescrição, com interface para o farmacêutico e o enfermeiro, que incorpora mecanismos de segurança que impedem erros inadvertidos e alarmes, que obrigam a validação de terapêuticas determinadas. O apoio do assistente social é necessário na maioria dos doentes internados. Deve ser uma preocupação do médico avaliar a situação social do doente, logo quando está a elaborar a Nota de Entrada. É fundamental ter tempo para falar com os cuidadores e podermos responder às suas preocupações e angústias. Muitas vezes conseguimos chegar a um consenso com a família de que aquela vida do seu ente querido não vale a pena ser prolongada a qualquer preço. Às vezes, a própria infeção é um epifenómeno, cujo tratamento se traduz em maior sofrimento. O internamento deve ser o mais curto possível, mas há internamentos que se prolongam por causa não clínica, cujas causas estão ligadas a três fatores: - Resposta tardia da Rede Nacional de Cuidados Continuados; - Incapacidade económica das famílias para a comparticipação que lhes cabe nos lares de acolhimento e serviço de cuidados domiciliários; - Doentes “especiais” sem qualquer proteção social. A Medicina Interna sente-se muito bem nesta evolução de qualidade, que é o tratamento do doente com uma equipa multidisciplinar de cuidados de saúde. Acredita que só assim se consegue alcançar um nível de cuidados integral e de excelência. Só precisamos que o poder político assim o entenda e encontre formas de financiamento que permitam aos serviços consolidar e ampliar este esforço de melhoria.
O enfermeiro na Medicina Interna Mavilde Vitorino, enfermeira no Hospital de São Francisco Xavier (CHLO), aponta as competências desenvolvidas pelos profissionais da área no serviço de Medicina Interna. 1 - Os enfermeiros colaboram diretamente na formação dos futuros enfermeiros, supervisionando e orientando, em contexto de ensino clínico, a formação académica dos discentes de Enfermagem em formação geral e especializada;
2 - Os enfermeiros com funções de gestão de nível operacional – serviço de Medicina Interna -- têm um papel muito relevante nos níveis de eficácia e eficiência, dado que determinam as necessidades dos seus recursos materiais e equipamentos; são também responsáveis por toda a gestão farmacológica do serviço, impedindo défices ou faltas que possam comprometer a qualidade da administração terapêutica prevista para os utentes do serviço; asseguram padrões elevados de qualidade na ges-
tão e prestação de cuidados de enfermagem; promovem a concretização dos objetivos assumidos pelos órgãos de gestão operacional, intermédia e de topo; contribuem diretamente para a redução dos custos em saúde, aumentando os seus níveis de eficiência e eficácia clínica; 3 - Ao realizarem, em complementaridade com as escolas superiores de saúde, a aplicação no serviço de múltiplos instrumentos de pesquisa académica, os enfermeiros colaboram de forma direta
no desenvolvimento dos documentos de trabalho académico, contribuindo assim para o aumento do conhecimento científico em Enfermagem; 4 - Os enfermeiros prestam cuidados diretos de Enfermagem, promovendo um ambiente seguro; as suas intervenções clínicas têm como finalidade a antecipação e a identificação das necessidades dos utentes; planeiam e executam as intervenções consideradas como adequadas na satisfação dessas mesmas necessidades;
desenvolvem procedimentos clínicos em complementaridade com os outros profissionais de saúde; incentivam a procura dos níveis de independência dos utentes na realização das atividades de vida, através de a adaptação funcional aos défices e a adaptação a múltiplos fatores – frequentemente, através de processos de aprendizagem do utente/família; por fim, estabelecem uma relação de ajuda com os utentes, suportados por uma prática clínica fundamentada.
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Terapêutica da insuficiência cardíaca crónica
Joana Mascarenhas Assistente hospitalar de Medicina Interna, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho Nos últimos 30 anos, com a disseminação de terapêuticas neuro-humorais, assistiu-se a uma mudança de paradigma na abordagem da insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção reduzida. A introdução de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA), bloqueadores-beta, antagonistas dos recetores dos mine-
ralocorticóides, antagonistas dos recetores da angiotensina (ARAII) e do inibidor dos canais If, ivabradina, traduziu-se numa redução da mortalidade e morbilidade num largo espetro de doentes sintomáticos. A grande novidade nesta área é o efeito que a dupla inibição da neprilisina (enzima responsável pela degradação do peptídeo natriurético tipo B) e do receptor da angiotensina tem em termos de outcomes clínicos, quando comparada com o IECA enalapril. No PARADIGM-HF, a redução no endpoint, composto de mortalidade cardiovascular ou hospitalização por IC, foi de 20% no grupo tratado com LCZ 696 (fármaco com dupla inibição), comparativamente ao grupo sob enalapril, e de 20% na mortalidade cardiovascular. Assistiu-se ainda a uma redução da mortalidade por qualquer causa (16%) e das hospitalizações por IC (21%). Estes resultados deverão traduzir-se numa revisão substancial das próximas guidelines, com a eventual substituição dos IECA por este novo fármaco como terapêutica de primeira linha.
Paralelamente, a evidência científica de benefício do uso de devices tem sido crescente, o que se traduziu na expansão das indicações para a sua utilização. Apesar do bloqueio neuro-humoral reduzir o risco de morte súbita, não o anula por completo e os cardiodesfibrilhadores implantáveis (CDI) são recomendados para a prevenção secundária deste evento, independentemente da fração de ejeção. Em prevenção primária, os CDI são recomendados nos doentes com IC isquémica e não-isquémica, em classe II/III da NYHA e com fração de ejeção persistentemente baixa (≤ 35%) após terapêutica otimizada. No que se refere ao pace-biventricular, o benefício é inequívoco nos doentes em ritmo sinusal, com QRS ≥ 150ms, padrão de BCRE e fração de ejeção ≤ 30%, independentemente da gravidade dos sintomas. O consenso é menor nos doentes com BRD ou atraso de condução intraventricular e nos doentes com fibrilação auricular e com indicação para pacemaker convencional. A IC com função sistólica preservada continua a ser um desafio terapêutico.
Até ao momento, nenhuma intervenção farmacológica demonstrou benefícios inequívocos em termos de sobrevida. Os ensaios clínicos (CHARM-Preserved, PEP-CHF, I-Preserve) foram todos negativos em termos de prognóstico, inclusive o mais recente (TOPCAT), que mostrou apenas redução das hospitalizações por IC nos doentes medicados com espironolactona. A eficácia do LCZ 696 nos doen tes com função conservada está, atualmente, a ser investigada no PARAGON-HF. Em conclusão, os progressos inquestionáveis nesta área limitam-se à IC com fração de ejeção reduzida. Estão em curso novas estratégias, como o transplante de células progenitoras e a terapêutica genética, que poderão vir a desempenhar um papel importante nas próximas décadas.
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Novos e velhos biomarcadores na insuficiência cardíaca
Paulo Bettencourt Diretor do Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar São João. Professor catedrático convidado da FMUP
Desde há algumas décadas que os médicos dedicados à Medicina Cardiovascular têm procurado encontrar “medidores” de gravidade e que se associem ao prognóstico em doentes com insuficiência cardíaca (IC). É reconhecido, atualmente, que indicadores de utilização comum em doentes com IC conferem informação sobre o prognóstico relevante, por exemplo, os indicadores de função renal, a natremia, a anemia, etc. Mais recentemente, houve procura de biomarcadores que espelhassem mecanismos fisiopatológicos da IC e que pudessem ser instrumentos auxiliares para o seu diagnóstico, estratificação e idealmente para monitorizar a terapêutica. Os peptideos natriuréticos são, atualmente, os biomarcadores que mais se aproximam
É reconhecido, atualmente, que indicadores de utilização comum em doentes com IC conferem informação sobre o prognóstico relevantes.
Insuficiênc a importân
Cândida Fonseca Coordenadora da Unid. Insuficiência Cardíaca / S. Medicina III. Hospital de Dia de Especialidades Médicas e Consulta de IC do H. de S. Francisco Xavier / CHLO. Professora auxiliar convidada da NOVA Medical School, FCMUNL
Tratamento desse desidrato, tendo um papel relevante no diagnóstico, na estratificação prognóstica e, possivelmente, na titulação terapêutica da IC. Mais recentemente, outros biomarcadores que espelham também mecanismos fisiopatológicos (troponina de alta sensibilidade, ST2, GDF-15, Opg, NGAL) na IC têm emergido como instrumentos que refinam o exercício prognóstico em doentes com IC. O seu papel na monitorização e titulação terapêutica é ainda desconhecido.
Pedro Morais Sarmento Hospital da Luz
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Fruto da elevada prevalência da hipertensão arterial na população adulta, das terapêuticas mais agressivas e eficazes da doença coronária e do
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c ia cardíaca e reinternamento: n cia dos cuidados de transição A insuficiência cardíaca (IC) é um problema de saúde pública em todo o mundo industrializado. A elevada prevalência da síndrome que em Portugal, e de acordo com o estudo EPICA, atinge os 4,3%, ou seja, atualmente, mais de 400.000 portugueses adultos, e não cessa de crescer, associa-se a uma elevada morbilidade e mortalidade, bem como a custos exuberantes, que atingem os 2% do orçamento para a saúde dos países ditos desenvolvidos. É a principal causa de internamento médico após os 65 anos e caracteriza-se por reinternamentos muito frequentes, que consomem a maior parte dos recursos atribuídos à IC. Apesar da mortalidade intra-hospitalar ter vindo a decrescer progressivamente nos últimos anos, constata-se que a mortalidade e os reinternamentos, precocemente, após a alta hospitalar, têm vindo a aumentar, sendo que os reinternamen-
tos até aos dois meses após alta atingem os 30%. Para melhorar estes resultados, é necessário um esforço na otimização da terapêutica no período pré alta hospitalar e redesenhar os cuidados dos doentes com IC após a alta hospitalar, já que é nessa fase que estarão mais vulneráveis em relação ao risco de novo internamento e/ou de morte precoce. O internamento do doente com IC deve ser entendido como uma oportunidade para rever toda a estratégia terapêutica. Após a fase inicial de estabilização hemodinâmica, todas os fármacos que modificam a evolução da doença devem ser iniciados e titulados de acordo com a tolerância do doente, antes da alta hospitalar, garantindo que sai do hospital com a terapêutica o mais otimizada possível e devidamente educado para poder aderir ao regime terapêutico.
Mas a alta hospitalar é apenas o início da trajetória do doente IC. É ainda enquanto o doente está hospitalizado que deve ser definido um plano estruturado de seguimento, dando a maior atenção a esta fase especialmente vulnerável, entre a alta hospitalar e a primeira consulta em regime ambulatório, altura em que existe, muitas vezes, um vazio de cuidados e se multiplicam os reinternamentos. É, aliás, esta a mensagem que as Recomendações americanas e europeias reforçam. Os doentes com IC devem ter um seguimento “apertado”, com uma reavaliação realizada entre os sete e os 14 dias após a alta hospitalar. Ditam as Recomendações que, neste período, os doentes devem ser reavaliados por equipas multidisciplinares e ser envolvidos em programas de gestão integrada da IC. Quanto mais diferenciado é
este acompanhamento menor é o risco de reinternamento e a morte precoce, o que reflete a importância de os doentes com IC serem tratados no âmbito de programas multidisciplinares de seguimento. Baseado nestes princípios, desenvolvemos no Hospital de S. Francisco Xavier / CHLO um programa de manejo integrado da IC, em que a trajetória do doente com IC se inicia na Unidade de IC aguda / Serviço de Medicina III, dotada de uma equipa médica e de enfermagem própria e com especial diferenciação nesta área. Segue as Recomendações de diagnóstico e terapêutica da Sociedade Europeia de Cardiologia. À alta, o doente é encaminhado para uma consulta de follow-up sistemático entre o sétimo e o décimo quarto dia após a alta, em regime de Hospital de Dia, onde é reforçado o ensino ao doente e ao cui-
dador e titulada a terapêutica até ao máximo tolerado, andes de ser referenciado de volta para o seu médico assistente ou para a nossa consulta hospitalar de IC crónica, de acordo com as necessidades de seguimento, caso a caso. É, pois, fundamental acautelar esta fase, especialmente vulnerável, de transição entre a alta hospitalar e o seguimento em regime de ambulatório, para minimizar reinternamentos e morte precoces e controlar custos no âmbito da IC.
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da IC aguda: conceitos atuais e um vislumbre sobre o futuro envelhecimento da população geral, a insuficiência cardíaca (IC) é hoje em dia uma das síndromes mais prevalentes, e ainda em expansão, nas sociedades ditas desenvolvidas. Nos EUA, representa mais de 5 milhões de doentes e, na Europa, totaliza já mais de 10 milhões de doentes. Em Portugal, dados do estudo EPICA, coordenado pela Professora Fátima Ceia, indicam que a prevalência da IC na população adulta com mais de 25 anos é estimada em 4,36% da população geral, atingindo o assustador registo de 16% nos indivíduos com mais de 80 anos. No internamento hospitalar o panorama é semelhante e compreensível. Nos indivíduos com mais de 65 anos a IC é, atualmente, a primeira causa de internamento médico na Grã-Bretanha e nos EUA.
No EuroHeart Failure Survey, estudo observacional que envolveu 115 hospitais europeus, dos quais 3 eram portugueses, a prevalência do internamento por IC em indivíduos adultos, nos anos 2000 e 2001, rondou os 20%. No Hospital da Luz, em 2013, pautou-se pelos 17%. Em Portugal, segundo dados dos GDH de 2006, a IC representa a 3.ª causa de internamento médico, a seguir ao AVC e à pneumonia. Por outro lado, a IC é uma síndrome com uma elevada morbimortalidade, cuja taxa de reinternamento aos 3 meses é elevada, o que contribui para o aumento do número de internamentos por IC. As consequências destes factos são evidentes: os custos com o tratamento da IC são, hoje em dia, elevadíssimos. Destes, 60% são gastos em hospitalizações.
A agravar este cenário, os avanços feitos no tratamento da IC são igualmente preocupantes. Nas últimas duas décadas, apesar das dezenas de fármacos e estratégias terapêuticas ensaiadas em estudos multicêntricos randomizados, apenas no tratamento da IC com fração de ejeção reduzida (ICFEr) foram observados importantes avanços, que contribuíram para uma significativa redução da mortalidade e morbilidade dos doentes portadores desta síndrome. Em oposição, poucos avanços têm sido feitos no tratamento da IC com fração de ejeção preservada (ICFEp), bem como na IC aguda (ICA). A principal explicação para o falhanço da investigação clínica realizada na ICFEp e na ICA prende-se com o facto de estas duas entidades serem muito heterogé
neas e representarem cada uma delas múltiplos fenótipos de diferentes situações nosológicas, cujo único elo comum é a forma sindromática de apresentação. Atualmente, o tratamento da ICA assenta, em grande medida, nas opiniões dos paineis de peritos que constituem as comissões redatoras das recomendações internacionais. Vasodilatação e promoção da diurese constituem ainda as principais medidas terapêuticas no alívio sintomático e com menores efeitos adversos. No entanto, o recurso a inotrópicos e vasopressores é, por vezes, necessário, apesar dos conhecidos efeitos deletérios de tais terapêuticas, desconhecendo-se ainda qual a melhor estratégia a recomendar. A correta caracterização clínico-hemodinâmica da síndrome, baseada na avaliação do esta-
do congestivo e de perfusão do doente, constitui um passo fundamental para a instituição terapêutica adequada. Estudos recentes têm, no entanto, trazido uma nova esperança, fruto de resultados promissores de algumas terapêuticas que se encontram atualmente em estudo. Destas, a serelaxina, recombinante humano da relaxina-2, demonstrou que, para além de melhorar o estado congestivo e reduzir os tempos de internamento, modifica a mortalidade cardiovascular destes doentes aos 180 dias.
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Recomendações fundamentais para um Internato com sucesso
Carlos Vasconcelos Hospital St.º António, Centro Hospitalar do Porto A primeira pergunta que se pode pôr aos candidatos a assistir à preleção (decisão nada fácil atendendo à qualidade e interesse dos temas que decorrerão à mesma hora em outras salas) será: porque terá o preletor – internista assumidamente diferenciado na área de Imunologia Clínica, ou, se preferirem, nas áreas de Infeciologia e Reumatologia – aceite falar sobre um tema com o qual não tem um contacto direto há anos? A razão fundamental é porque sou internista, porque a Unidade de Imunologia Clínica que dirijo recebe mais de 20 médicos internos de MI anualmente e porque me preocupo com o futuro da MI em Portugal. E, obviamente, o futuro está nas mãos dos atuais internos. Como se deve medir o sucesso de um Internato? Na nota final do Internato (são, de facto, comparáveis, reprodutíveis, as notas obtidas pelos internos em diferentes anos, em diferentes hospitais, em diferentes júris)? Na facilidade em conseguir um contrato de trabalho? Na qualidade assistencial que o recém-internista é capaz de trazer à prática clínica? (E como avaliá-la?). Não é fácil esta definição e, conforme os diversos prismas, poderá variar de avaliações estritamente objetivas – notas, estágios, número de doentes, variedade de patologias, número de publicações, qual o fator de impacto, projetos de investi-
gação, etc. – a avaliações mais subjetivas, filosóficas e ainda, eventualmente, de outras índoles. Para mim, o sucesso de um Internato de MI deve traduzir-se na formação de médicos internistas capazes de garantir o futuro da MI e assim garantirem uma boa qualidade assistencial. Garantir o futuro da MI significa que os “utentes” e o sistema de saúde reconhecem a sua necessidade: porque são médicos “completos” e capazes de “pegar” no doente, independentemente do tipo de queixa, porque são capazes da melhor utilização de recursos, porque são capazes de se diferenciar em áreas específicas, com a mais-valia da sua formação abrangente e integrada, porque são reconhecidos pelos seus pares como médicos com capacidade científica e inovadora. Friso o que acabo de afirmar: reconhecidos pelos utentes, pares e sistema, não por aquilo que nós pensamos de nós próprios.
O sucesso de um Internato de MI deve traduzir-se na formação de médicos internistas capazes de garantir o futuro da MI e assim garantirem uma boa qualidade assistencial.
Seria interessante ler uma análise – não a li, não a conheço, é possível que exista, se não, internistas como Barros Veloso fá-la-iam com grande conhecimento – sobre a importância do internista ao longo das últimas décadas, traduzida nas diversas vertentes. E compará-la com os incríveis avanços da Medicina (da fisiologia à terapêutica), durante o mesmo espaço de tempo. Várias ideias me ocorrem dos ensinamentos que poderíamos daí retirar, mas uma saliento desde logo: a necessidade fulcral de adaptação do internista aos tempos. E temo-lo feito? Sem dúvida, houve mudanças no Internato de MI, sendo uma das maiores a passagem de 3 para 5 anos de duração no início de 80. Mas de imediato me ocorre algo que não mudou e que, estou seguro, prejudica imensamente o funcionamento dos serviços de MI e logo o sucesso dos internatos: os internistas e os seus internos continuam a fazer, na mesma semana, Enfermaria, Consulta Externa e Serviço de Urgência. Ou seja, dispersam toda a sua energia semanal por várias facetas da prática clínica, frequentemente, em áreas físicas muito diferentes. Não há Internato de sucesso sem serviços de MI de sucesso. E para estes serviços terem sucesso penso que têm de abandonar esta rotina de trabalho semanal que leva os seus médicos à exaustão e não lhes dá tempo e disponibilidade mental para avançarem para outras “construções”. Como fazê-lo? Devem existir várias maneiras, transmitirei a que vivenciei, em 1992, num grande hospital de Telavive, onde estagiei três meses. Então, que recomendações, que conselhos posso dar para um Internato de sucesso em MI? Pois que escolham um serviço de MI dinâmico, não acomodado à rotina, que tenha um diretor que não seja um velho do Restelo (pelos verdadeiros tenho, apesar de tudo, muito apreço) e que aceite, no mínimo tolere (assim dando esperança para o futuro), as perguntas, as dúvidas e as salutares provocações dos internos. Onde estão estes serviços? Descubram-nos, é possível que es-
Como mel
tejam bem perto de vós, internos. Por ventura são exatamente os serviços onde estão a fazer o Internato! É que as circunstâncias não são só construídas pelos outros (para além do “dito” acaso), são-no, também, por nós próprios. Assim, está também na mão de qualquer um dos internos a construção de um Internato de sucesso: questionando, resistindo à acomodação, sugerindo mudanças, dando o exemplo, trabalhando, trabalhando, trabalhando! Por muito que um serviço esteja organizado para oferecer um “bom” Internato, este será tanto melhor quanto o interno tiver feito para o conquistar e o merecer. E sugerir melhorias! Porque nada está definitivamente bem feito! Termino com dez conselhos a um médico interno: 1- Sejam humanos (falem com os doentes, expliquem…); 2- Sejam científicos (sejam curiosos, duvidem, perguntem…); 3- Sejam sistemáticos (mesmo a queixa mais “banal” deve ter uma avaliação completa); 4- Sejam rigorosos (as palavras que usamos devem ter o mesmo rigor dos “cut-off ” laboratoriais); 5- Sejam ambiciosos (mas humildes) e inovadores (mas não a qualquer custo); 6- Sejam custo-efetivos (saibam o preço das análises e dos fármacos); 7- Partilhem e articulem com outros profissionais (todos somos importantes); 8- Respeitem as guidelines, mas ponham o doente acima de tudo; 9- Façam investigação (não tenham medo do laboratório, nem dos ratos), mas não desperdicem recursos; 10- Publiquem (numa revista indexada).
Sábado, 31 Sala NEPTUNO
09h30 - 10h00
José Mendes Nunes Assistente convidado do Departamento de MGF, NOVA Medical School. Assistente graduado sénior, USF de Carcavelos, ACES de Cascais Na Grécia antiga, dizia-se que a Medicina se fazia de faca, ervas e palavras. Se analisarmos a evolução que estes
Quando im
José Miguel Santos Cardiologista, Hospital São Francisco Xavier, CHLO A primeira implantação de um pacemaker no Instituto Karolinska, em Estocolmo, em 1958, iniciou uma nova série de tratamentos que vieram a melhorar a qualidade de vida e a diminuir a mortalidade em inúmeros doentes.
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horar a comunicação médico-doente instrumentos sofreram ao longo dos séculos, podemos constatar a extraordinária evolução que a faca e as ervas tiveram até aos nossos dias, mas a palavra parece que regrediu. Contudo, foi através das palavras que nos disseram que cada um de nós se “construiu” na pessoa que somos. É através das palavras que se constrói uma relação e se promove a mudança. A maioria das queixas dos doentes deve-se a problemas de comunicação e não tanto a problemas ou erros técnicos. A qualidade da comunicação médico-doente (CMD) correlaciona-se com os resultados positivos para o doente. Este impacto está demonstrado para as mais diversas situações clínicas orgânicas e psíquicas. Em 50% das consultas, à saída, o doente e o médico não concordam quanto à natureza do problema. Quando se fala na CMD pensa-se em técnicas comunicacionais, “truques” que
ajudem o médico a melhorar a comunicação. Mas melhorar a CMD é muito mais que aplicar habilidades comunicacionais. Muitos são os comportamentos que facilitam a relação médico-doente, tais como sorrir, olhar, escutar, etc. Contudo, na sua base estão os esquemas mentais do médico, muito mais complexos. Dos esquemas mentais fazem parte as crenças do médico. Street e colaboradores consideraram a diferença entre o que o médico acredita, o que ele pensa que o doente acredita e o que efetivamente o doente acredita. Nos seis domínios estudados havia diferença significativa entre o que o médico acreditava e a realidade do doente. Em dois domínios, em que havia diferença entre o que o médico acreditava e no que ele julgava que o doente acreditava, o médico exagerava no seu julgamento em relação à realidade do doente. Conclusão: o médico deve evitar escolher um comportamento baseado
no que ele pensa que o doente pensa. Ou seja, estar consciente de que o seu “objetivo” pode ser muito “subjetivo”. Riva e colaboradores verificaram que o maior determinante, da confiança do doente no médico, é a qualidade da comunicação e da relação estabelecida e o componente mais relevante é o médico compreender o ponto de vista do doente. Noutro estudo, com 1.476.252 doentes, a maioria considerou que o mais importante para sentir confiança no médico é: “Levar os meus problemas a sério”. A melhor maneira de melhorar a comunicação médico-doente é levar o doente a sério, “compreender os seus pontos de vista”. As técnicas comunicacionais são a estrutura superficial, assente numa estrutura profunda de fundações sólidas, que inclui o controlo das emoções e o autoconhecimento. A importância do controlo emocio-
nal assenta nas premissas: 1) o médico tem emoções na consulta; 2) o doente tem emoções na consulta; 3) que, inevitavelmente, interferem na comunicação médico-doente; 4) e têm impacto nos resultados. O interlocutor lê a expressão emocional e “adivinha” os pensamentos com base na sua experiência. Todavia, as ilações feitas com base na sua experiência é um enviesamento da realidade do outro e dificilmente se aproximará da realidade. Paul Ekman diz: “As emoções são públicas, só os pensamentos são privados”. O autoconhecimento é doloroso, difícil e não se aprende isoladamente. Exige constante autoavaliação. Constrói-se na interação com os outros, estando atento à retro informação. Esta atitude é o nível máximo de aprendizagem médica: ter a humildade de se deixar ensinar pelos doentes. Como J. Whitehorn diz: “Escuta os teus doentes. Deixa-os ensinarem-te.
Para cresceres sabiamente tens de permanecer estudante”. Resumindo, as perícias comunicacionais podem ser aprendidas e têm profundo impacto na qualidade da relação médico-doente. A efetividade da aplicação das habilidades comunicacionais depende de o clínico manter um estado constante de autoconsciência e procurar, incessantemente, conhecer-se. A informação de retorno (feedback) dos pares e dos doentes é fulcral para a tomada de consciência e para o autoconhecimento do clínico. Não há forma de melhorar a comunicação médico-doente sem uma prática reflexiva ad æternum.
As indicações atuais para implantação de pacemakers estão expressas nas “2013 ESC Guidelines on cardiac pacing and cardiac resynchronization therapy”, da ESC. Um efeito negativo do pacing crónico apical ventricular direito é o potencial desenvolvimento de dissincronia ventricular. Esta pode vir a provocar insuficiência cardíaca, que deve ser precocemente detetada e tratada em centro de Pacing. Dado que se revela uma terapêutica extremamente eficaz, mas também não isenta de riscos, com custos por vezes elevados, embora seja inquestionável o custo/benefício, os critérios para implantação devem ser rigorosos, com escolha criteriosa do modelo de pacemaker e recurso recomendado a testes diagnósticos adequados a cada doente, como os registos de Holter, registadores de eventos externo e implantável, Tilt-teste e massagem do seio carotídeo.
É um setor com rápida evolução científica e tecnológica, sendo de salientar, como novos caminhos: o pacing em locais alternativos ao Apex do ventrículo direito; os CDI; os CDI subcutâneos; os pacemakers para ressincronização ventricular nos doentes com insuficiência cardíaca; a compatibilidade com ressonância magnética em pacemakers recentes; a monitorização e seguimento remoto; os pacemakers sem eletrocateter. Tudo novos campos em desenvolvimento e em autonomização, permitindo enorme potencial para tratamento dos doentes.
Domingo, 31 Sala NEPTUNO
10h00 - 10h30
m plantar um pacemaker? Em Portugal, em 2013, foram implantados 8790 pacemakers nos 40 centros existentes. Em 2012 foram implantados 825 pacemakers/1000 habitantes, o que nos situa bem na média europeia, que foi de 556. As recomendações atuais para implantação de pacemaker baseiam-se muito nos sintomas. Este só deve ser indicado quando há evidência de que os doentes vão beneficiar claramente do mesmo (Classe I - tratamento recomendado e Classe IIa – tratamento deve ser considerado): – Na doença do nódulo sinusal, nos doentes que apresentam bradicardia importante permanente correlacionada com sintomas, para prevenção da síncope; – Nos doentes com bloqueio auriculoventricular (BAV ) adquirido de 2.º grau Tipo II ou BAV completo é uma indicação tipo I C. No BAV do 2.º grau tipo I se houver sintomas é uma indicação tipo IIa;
– Nos doentes com bradicardia intermitente é aceitável a implantação de pacemaker, quando aquela está inequivocamente relacionada com sintomas de baixo débito cardíaco, ou se existir demonstração de bloqueio auriculoventricular intrínseco, mesmo na ausência de demonstração de correlação sintomas/ bloqueio; – Nos doentes com padrão de bloqueio de ramo com síncope é aceitável a implantação, particularmente nos casos de bloqueio de ramo alternante; – Nos doentes com síncopes reflexas e idade > 40 anos é aceitável implantação de pacemaker para redução daquelas (estudos ISSUE). Também será aceitável nos doentes com pausas assintomáticas > 6 segundos espontâneas ou induzidas; – Nos doentes com bradicardia sinusal assintomáticos, ou nos que apresentam bloqueio auriculoventricular devido a causas reversíveis, bem como nos doentes
As recomendações atuais para implantação de pacemaker baseiam-se muito nos sintomas. com síncopes e quedas sem diagnóstico, não está indicada implantação de pacemaker. Em certos casos, com presença de disfunção ventricular esquerda, pode estar indicada ab initio a implantação de pacemaker biventricular, pelo que se revela indispensável que o doente tenha ecocardiograma prévio para avaliação da função ventricular esquerda.
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09h00 - 09h30
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Núcleo de Estudos de Doenças Raras
Luís Brito Avô Internista e coordenador do NEDR da SPMI
O NEDR celebra este ano o seu 6.º aniversário. No início, éramos 10 membros. Atualmente, somos 34 e cobrimos a quase totalidade do País, incluindo as Ilhas. São seus objetivos: estabelecer contacto regular entre os associados e promover reuniões no âmbito das doenças raras, promovendo a sua atualização científica; contribuir para a constituição de uma base de dados nacional, necessária
para análises epidemiológicas; contribuir para a investigação e para o estabelecimento de consensos de diagnóstico, do tratamento e da prevenção; estabelecer contactos e colaborações com outras estruturas atuantes no mesmo campo, entre outros. Neste sentido, realizámos nos últimos 5 anos simpósios nacionais – o 6.º terá lugar em outubro de 2015 e contém pela 3.ª vez o Curso sobre Doenças Lisossomais de Sobrecarga. Ao longo destas 5 edições, foram abordadas múltiplas temáticas sobre doenças raras, o número de participantes tem sido crescente e as comunicações livres progrediram no número e qualidade, sendo premiados os autores selecionados com a frequência de ações formativas nacionais e internacionais. O Curso de Doenças Lisossomais vai ser realizado no Hospital Beatriz Ângelo, a pedido dessa instituição, e vamos fazer em setembro de 2015 o 1.º Curso sobre Doenças Raras do NEDR, na sede da SPMI/sala de formação. Organizámos mesas-redondas temáticas nos últimos 6 congressos nacionais de Medicina Interna e, mais uma vez, colaboramos no presente
XXI CNMI, na mesa-redonda sobre “A diretiva europeia sobre centros de referência”. Criamos diversas parcerias: com o Núcleo de Doenças Minoritárias da SEMI espanhola, participando em reuniões comuns, desde 2012. Com a ORPHANET, como consultores desde 2011; com associações de doentes, de que somos consultores, e colaborando desde há 5 anos em várias ações, particularmente no Dia Mundial das Doenças Raras – este ano com representação no Grupo Europlan; com a Direção-Geral da Saúde, tendo elaborado o Cartão de Portador de Doença Rara para as doenças de Fabry e porfirias. Integrámo-nos, desde 2011, no Study Group on Rare Diseases da EFIM, tendo colaborado nas suas ações, de que destacamos o inquérito europeu sobre o nível de alerta dos internistas sobre doenças raras, efetuado em 2012. Registamos que a EFIM foi uma das 4 sociedades médicas designadas como consultores da Comissão Europeia para esta área. Em colaboração com o Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes, publicamos um algoritmo de diagnóstico sobre
O NEDR celebra este ano o seu 6º aniversário. No início, éramos 10 membros. Atualmente, somos 34 e cobrimos a quase totalidade do País, incluindo as Ilhas.
doença de Pompe e vai iniciar-se um rastreio nacional sobre a prevalência desta doença, no âmbito da Medicina Interna. Estão também em preparação estudos
semelhantes sobre porfirias e doença de Rendu-Osler. No âmbito das estruturas do SNS, apraz-nos constatar a existência de 4 consultas de doenças hereditariometabólicas do adulto, integradas em serviços de Medicina Interna. Todos os coordenadores destas unidades são membros do NEDR. Foram designados centros de referência para as doenças lisossomais de sobrecarga, sendo o CHLN/Hospital de Santa Maria a instituição alocada para a zona Sul e Ilhas, de cuja equipa fazem parte 2 internistas membros do NEDR. Tem o NEDR grandes expectativas de desenvolvimento para os próximos anos, sendo reconhecido que a área das doenças raras é, atualmente, um campo de forte investimento quer a nível europeu, quer nacional, nas políticas de saúde implementadas, em que esperamos ter um papel participativo e contribuir para a sua efetivação. Por outro lado, o internista e a doença rara representam uma equação inevitável, tornando-o um player determinante na prestação de cuidados a estes doentes, e espera-se de nós essa capacidade, formando um corpo clínico capaz de responder a estas solicitações.
Centros de Referência – um novo modelo de prestação de cuidados de saúde
Jorge Penedo Board of Member States on European Reference Networks Portugal tem um dos melhores serviços nacionais de saúde do mundo. Um qualificativo reconhecido nacional e internacionalmente. Uma qualidade que resistiu à crise dos últimos anos, tal como reconhecido pelo mais recente review da OCDE, publicado em maio de 2015. O conceito de Centro de Referência está ainda na sua juventude, mas poderá contribuir decisivamente para uma melhoria muito significativa da prestação de
cuidados de saúde nos países europeus em geral. Como surgiu, pois, todo este processo? Em 2011, é publicada a Diretiva 2011/24/EU, de 9 de março, relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços e onde surge a primeira referência à criação de rede europeias de referência que irão ligar Centros de Referência dos diversos estados membros. Com vista à implementação desta Diretiva, é criado um grupo de trabalho a nível europeu para aprofundar esta decisão e que vem dar origem, em 2014, ao Board of Member States on European Reference Networks. Portugal iniciou o seu trabalho com a elaboração de um relatório sobre Centros de Referência publicado em 2013, que deu origem à Portaria n.º 194/2014, que define o conceito de Centro de Referência, explicita o processo da sua criação e define os critérios gerais a que os centros devem obedecer com vista a serem aprovados e cria a Comissão Nacional para os Centros de Referência. Em final de 2014, o Governo aprova os despachos N.º 235-A/2015 e
O conceito de Centro de Referência está ainda na sua juventude, mas poderá contribuir decisivamente para uma melhoria muito significativa da prestação de cuidados de saúde nos países europeus em geral.
2999/2015, que definem as áreas e patologias selecionadas para virem a dar origem ao primeiro conjunto de Centros de Referência a lançar em 2015. Os passos seguintes, a ocorrer nas próximas semanas, deste processo passam pela definição dos critérios específicos para cada patologia e a consequente abertura do concurso pela Direção-Geral da Saúde. O Centro de Referência é, pois, um novo modelo de prestação de cuidados que assenta em duas premissas novas que cortam com o modelo anterior. Por um lado, assenta num modelo organizativo baseado na patologia e não nas especialidades e, por outro, na possibilidade de estar articulado em rede com outros centros a nível europeu. A opção por este modelo pode constituir-se como um fator decisivo para, num futuro muito próximo, criarmos nos nossos hospitais uma organização virada para a patologia e não para a especialidade. Esta mudança de paradigma é cada vez mais defendida em todo o mundo e os argumentos são vários: – Garante maior integração de experiências;
– Permite maior eficiência no diagnóstico e terapêutica; – Atenua as diferenças de outcomes individuais e entre instituições; – Permite um maior acesso à inovação; – Permite a existência de volume necessário de casos tão necessário ao desenvolvimento da investigação clínica e do ensino. A opção pela criação de Centros de Referência em Portugal é também condição necessária para que o país possa integrar as futuras European Reference Networks, cujo arranque está previsto para 2016. Esta é, pois, uma opção essencial para a internacionalização da nossa saúde. Com benefícios óbvios para os doentes, mas também para os nossos profissionais. O desafio está lançado e estou certo de que Portugal irá ganhá-lo!
Domingo, 31 Sala fénix III
09h00 - 10h30
31 de maio 2015
A hipertensão arterial pulmonar como modelo
Organização de cuidados de saúde em doenças raras
Abílio Reis Consultor de Medicina Interna. Responsável pela Unidade de Doença Vascular Pulmonar do H. de Santo António, CH do Porto. Professor associado convidado do ICBAS A hipertensão pulmonar (HP) é uma entidade clínica que pode acontecer isolada, hipertensão arterial idiopática (HAPI), em contexto familiar (HAPF), ou associada a um número apreciável de doenças, mais de 30, de diversos foros: cardiopulmonar, hematológico, metabólico e sistémico. A HAPI/HAPF é uma doença rara, de difícil diagnóstico e caracterização, com comportamento maligno, consumidora de apreciáveis recursos financeiros, mas tratável e com prognóstico cada vez mais benigno, se lidada em centros especializados com acesso aos fármacos e terapêuticas cirúrgicas específicas para a doença. A raridade e complexidade da doença, tal como em qualquer doença rara, aconselha à concentração de doentes em consultas especializadas, que devem ser multidisciplinares, ter equipas multiprofissionais e capacidade para realizar e interpretar os meios especializados para o seu estudo e tratamento. Toda esta atividade deve ser protocolada e obedecendo às regras das boas práticas, explícitas nas orientações elaboradas pelas sociedades e organizações científicas especializadas. A organização dos cuidados de saúde em doenças raras deve ter em conta estas especificidades (centros especializados e rede de referenciação) e os encargos financeiros envolvidos nesta atividade. É sabido que os encargos com o estudo e tratamento destes doentes são avultados; por outro lado, também sabemos que esses encargos são suportados pelo orçamento das instituições que os recebem, independentemente da sua origem, o que faz com que esta atividade seja pouco estimulante, em termos financeiros, para as instituições que a praticam. Por isso, assistimos hoje a um desincentivo, compreen-
sível, por parte das administrações hospitalares, ao desenvolvimento de consultas especializadas em doenças raras. Entre nós, fruto de uma colaboração profícua entre os profissionais de saúde especializados em HAP e as instituições oficiais que regulam o Sistema de Saúde, Direção-Geral da Saúde e Administração Central do Sistema de Saúde, foram criados os instrumentos essenciais necessários para uma boa organização de cuidados para a HAP. A Comissão de Apoio Técnico para a organização dos cuidados de saúde para a HAP, nomeada pela DGS, elaborou em 2008 um projeto que tem vindo a concretizar-se: Adoção, pela DGS, das “Recomendações para a abordagem e tratamento do doente com HAP”, resultado de um consenso multidisciplinar aprovado pelas Sociedades Portuguesas de Cardiologia, Cardiologia Pediátrica, Medicina Interna e Pneumologia; Nomeação de Centros de Tratamento (CT) oficiais (Hospital de Santo António, no Porto, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, em Coimbra, Centro Hospitalar Lisboa Norte e Hospital Garcia de Orta, em Lisboa e Almada, respetivamente); Integração de um orçamento dedicado para a HP nos contratos programa dos hospitais referidos. Como entendemos que esta, como qualquer outra atividade, deve ser exercida segundo as regras das boas práticas, com transparência e dando ao prestador e pagador dos serviços a capacidade de regulação, foi elaborado um software dedicado que, além de ajudar na gestão clínica do doente, fornece dados para a regulação clínica e financeira desta atividade. Esta ferramenta informática, já testada e em uso na maioria dos centros nacionais, permite, ainda, obter dados para um Registo Nacional e para investigação epidemiológica e clínica. Vivendo nós uma época de escassez de recursos financeiros, é nossa obrigação, como cidadãos, profissionais e peritos, racionalizar a aplicação desses recursos, o que passa, seguramente, pela implementação de bons modelos organizacionais incentivadores do exercício de uma medicina de qualidade, regulada e fornecedora de evidência, que nos oriente nas decisões a tomar no futuro.
A urgência e o doente agudo
Maria da Luz Brazão Coordenadora do Núcleo de Estudos de Urgência e do Doente Agudo da SPMI O Núcleo de Estudos de Urgência e do Doente Agudo (NEUrgMI) da Sociedade Portuguesa da Medicina Interna (SPMI) dedica-se ao estudo da patologia emergente, urgente e aguda, na dependência direta da SPMI, e é constituído por associados da mesma inscritos neste Núcleo. A necessidade da sua criação é contextualizada por vários pressupostos: – Os internistas trabalham no serviço de Urgência dos hospitais portugueses 24h por dia, 7 dias por semana, durante todo o ano; – A sua área de atuação inclui ainda unidades de Cuidados Intermédios e Intensivos; – Pela sua capacidade de liderança, aliada a um edifício teórico sólido e destreza na execução de técnicas, o internista é o especialista ideal para lidar com
Sala fénix III
09h00 - 10h30
todas as exigências da prestação deste tipo de cuidados médicos, sendo o gestor ideal do doente agudo. Na sequência do exposto atrás, nasceu em 2014 o NEUrgMI, que tem por objetivo ser um veículo de formação, investigação e desenvolvimento da Medicina Interna em Portugal. Desde a sua criação, o NEUrgMI tem mostrado um grande dinamismo, oferecendo um plano de ação variado, com uma forte vertente formativa. Neste sentido, realizou, em outubro de 2014, o curso “O Internista na Urgência”, o qual incluiu o 1.º curso de simulação clínica em Medicina Interna e um curso de técnicas invasivas em cadáver, além de ter colaborado com o Núcleo de Geriatria na mesa-redonda “Quedas do idoso na urgência”. Neste XXI Congresso Nacional de Medicina Interna, organiza hoje, domingo, a mesa-redonda “A abordagem do doente urgente e emergente em Portugal”. Nesta mesa, são abordados temas como a reforma das urgências em Portugal, emergência pré-hospitalar, cuidados intermédios e o papel da Medicina Interna na reorganização das urgências. Desde já, gostaríamos de divulgar o 1.º Congresso Nacional de Urgência da SPMI, que se vai realizar nos dias 24 e 25 de outubro, na cidade do Funchal. Serão realizados vários cursos pré-congresso: Curso de Simulação Clínica na Urgência; Técnicas Invasivas em MI (em cadáver); Suporte Avançado de Vida e TeAM - Anticoagulação Oral.
O programa científico irá abordar temas como articulação entre o pré-hospitalar e a urgência, a tomada de decisões críticas em ambientes caóticos, infeção na urgência, o utente frequente da urgência, particularidades do idoso, síndromes cirúrgicas, sobrelotação dos serviços de urgência, o erro e a imagem na urgência. Será ainda um espaço para apresentar trabalhos científicos em formato poster. Contamos com o apoio de todos para fazer crescer a Medicina Interna Portuguesa!
Desde a sua criação, o NEUrgMI tem mostrado um grande dinamismo, oferecendo um plano de ação variado, com uma forte vertente formativa.
NEDAI – A Medicina Interna como o pilar do tratamento das doenças sistémicas
António Marinho Domingo, 31
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Coordenador Nacional do Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes da SPMI
O Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes (NEDAI) é o mais antigo da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e realizou este ano a sua XXI Reunião Anual e o IV Congresso Nacional de Autoimunidade. Nestes mais de 20 anos, o NEDAI tem primado por estimular a formação, o rigor e a competência na área da autoimunidade. Como núcleo, temos defendido a avaliação holística dos nossos doentes e a necessidade de uma abordagem multidisciplinar das doenças sistémicas. Por esse motivo, é uma área nobre da Medicina Interna e necessita de uma formação contínua e de uma base teórica e prática sólidas. Os últimos anos têm sido de afirmação de várias especialidades e de indefini-
ção da tomada a cargo de várias patologias. No entanto, o espartilhar dos cuidados médicos tem riscos de cuidados descoordenados, com gastos globais acrescidos. Por esse motivo, o NEDAI defende uma medicina integradora, baseada na competência dos internistas na avaliação das doen ças sistémicas e na colaboração multidisciplinar próxima e transversal; defendemos que a autoimunidade é, por si, uma área de competência que necessita de ser definida e reconhecida entre os nossos pares. Como coordenador nacional do NEDAI, congratulo a SPMI e o presidente do seu Congresso Nacional por mais uma reunião, que prima pela transversalidade dos temas, pela excelência dos aspetos formativos e pela sua perspetiva integradora.
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31 de maio 2015
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