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O processo de adaptação e acolhimento: narrativas para compartilhar e encontrar - Juliana Abulé Prudencio e Lindsay Guimarães Uellner
O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO E ACOLHIMENTO:
NARRATIVAS PARA COMPARTILHAR E ENCONTRAR
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Juliana Abulé Prudencio 5 Lindsay Guimarães Uellner 6
“Ninguém adapta ninguém, ninguém se adapta a si mesmo, nós nos acolhemos mutuamente, mediados pelas interações” (Freire, 1981, p. 79).
5 Psicóloga da Escola Despertar
Re etir sobre a vida escolar de uma criança requer, sobretudo, discutir a importância da chegada e do fechamento dessa etapa. Para isso, propomos alguns questionamentos: que adulto queremos ajudar a crescer? Quais as lembranças mais singelas do jardim de infância dos pais? Qual experiência não pode deixar de existir na vida escolar da criança?
O processo de adaptação e acolhimento na Despertar é concebido a partir de uma concepção de sujeito competente, cheio de intenção e emoção. Sujeito esse que vem de um contexto cultural, permeado de narrativas e histórias para compartilhar e encontrar. Ao adentrar em um mundo todinho novo, o que mais necessita a criança é de uma valorosa e privilegiada relação afetiva para favorecer a tomada de consciência de si e do seu entorno e viver essa experiência de forma autônoma.
Este processo visa à construção de vínculos, possibilitando que cada encontro seja signi cativo. O ingresso da criança no ambiente escolar é um momento muito especial e marcante tanto na sua vida quanto na de seus familiares. Assim, entende-se que esse processo contempla três dimensões que se relacionam entre si: criança – família – escola (Rapoport & Piccinini, 2001). Segundo Manzano e Pinto (2006, p. 9 apud Pavesi, p. 2):
Cada pequeno detalhe do processo de entrada em um espaço social por excelência, certamente, é uma experiência constitutiva do processo de formação do sujeito. Trata-se de uma espécie de transmissão que está posta em questão, a transmissão do que há de humano, de cultural e social disponível no mundo ao qual a criança acaba de adentrar.
Assim, pensar nos detalhes é olhar para os olhos de cada criança que é recebida, para o que a encanta. É poder escutá-la ativamente. É estar disponível com as suas próprias mãos, que tanto re etem e transmitem. “’A mão da educadora’ é um exemplo da sensibilidade com que se tratam os menores detalhes e do valor que se dá às atitudes aparentemente irrelevantes neste contato diário e regular adulto/criança dentro de uma atmosfera cálida e extremamente humana” (Tardos, 1992, p. 1).
Durante esse momento, a criança entra em contato com o novo: novo ambiente, novas pessoas e novos cuidados. Diante disso, também constituirá uma nova parcela de si e, portanto, cabe ao adulto acompanhá-la. O vínculo de apego vai se estabelecendo a partir dos laços com os adultos que a cuidam, que interagem de forma signi cativa e que respondem mais adequadamente às necessidades da criança (Chokler, 2003). Destaca-se, assim, que essa relação tem como função primordial “proteger, conter, sustentar e tranquilizar a criança em seu contato com o mundo que, por ser novo e renovado permanentemente, desperta curiosidade e interesse, mas também inquietude e alarma a ansiedade” (Chokler, 2003, p. 4).
A criança é um sujeito de ações, não somente de reações, sendo carregada de emoções, sensações, afetos, movimentos, medos, ansiedades, pensamentos e tendo também a capacidade de tomar suas próprias iniciativas e de estabelecer vínculos (Chokler, 2003). É somente a partir do vínculo de apego que a criança consegue se aventurar e explorar o mundo, se aventurando mais quanto mais con ante estiver de que suas bases são seguras e que responderão quando se zer necessário (Bowlby, 1989). Assim, “as experiências agradáveis, adquiridas durante o tempo que passaram juntos, enriquecem e diversi cam as relações da criança e do adulto: fazem com que as relações sejam cada vez mais estreitas (...)” (Tardos, 1992, p. 1):
A construção do vínculo de apego (...) se realiza no contato corpo a corpo, desde as primeiríssimas sensações e impressões que lhe chegam do adulto e dos outros, através do olfato, do tato, da textura, da suavidade dos gestos, dos movimentos, do olhar, das canções de ninar, dos sorrisos e do som da voz”. As sensações corporais, os movimentos da mesma criança em relação com o outro, lhe vão deixando marcas ligadas ao prazer pela satisfação das necessidades biológicas e afetivas. (Chokler, 2003 p. 4-5).
Ao encontro disso, Wallon salienta a importância de enxergar a criança de modo integrado, ao relacionar corpo e mente. Assim, concebe que a emoção ocupa um lugar central no processo de desenvolvimento, sendo ela “o primeiro recurso de interação da criança com o meio social” (Autuori, 2011, p. 11).
Porém, se a emoção é muito intensa, o sujeito não poderá pensar. Por isso, é tão importante a presença do entorno humano capaz de promover experiências de grati cação. Somente satisfeitas as necessidades mais urgentes o sujeito poderá voltar-se para as atividades exploradoras de seu próprio corpo e do ambiente, que proporcionarão os elementos para sua diferenciação – individualização – e para a elaboração de uma imagem mental do mundo externo, ou seja, para con gurar seu mundo interno... (Texto Desarrollo de la inteligência, manipulación y atención).
A partir da con ança sentida e do respeito ao seu tempo, a criança vai construindo um vínculo com aqueles adultos que a escutam, o que favorece seu bem-estar também nesse espaço. Ressalta-se que a adaptação não contempla tempos pré-de nidos, mas sim particulares, validando-se o acolhimento de cada um. Reorganizam-se tempos, espaços e relações, favorecendo que se atendam as individualidades e particularidades (Motta, 2014). É necessário que os adultos envolvidos possam re etir constantemente sobre esse tempo, que também será construído através da relação da criança com a sua família, propiciando a separação gradual e progressiva dos pais, bem como a gradual e progressiva vinculação com os educadores (Fortunati, 2014).
Dar tempo é ainda a chave mestre que possibilita liberar as potencialidades das crianças à nova situação, observando, também, como as crianças, através da exploração e da descoberta do novo ambiente, começam a deixar as primeiras marcas de um vocabulário individual que, em seguida, tende à pesquisa de signi cados comuns, os mesmos que se transformarão sucessivamente em cultura de grupo (Fortunati, 2014, p. 67).
Nesse sentido, salienta-se que a família também está se adaptando e vivencia diversos sentimentos. A forma como vive essa experiência pode in uenciar nas reações da criança, bem como as reações da criança podem in uenciar nos sentimentos experimentados pelos familiares (Ferreira, 2007). Assim, é fundamental acolher e respeitar a família, entendendo que a relação estabelecida com a escola também faz parte de uma construção, fortalecida pela participação da família durante todo o processo. Ao conhecer o ambiente, a família vai tendo oportunidades de estabelecer vínculo afetivo com as educadoras e, assim, adquirindo con ança.
A criança interioriza elementos da instituição para sua própria constituição. A instituição absorve o jeito de ser da nova criança, da nova família, se adapta, se arranja de modos diferentes. En m, todos os envolvidos se modi cam e se complementam. (Pavesi, p.8).
Referências
AUTUORI, C. (2011). O educador no cotidiano das crianças: organizador e problematizador. Acolhimento na educação infantil: receber e aconchegar, sempre! Brasília, editora Gerdau – vol. III.
BOWLBY, J. (1989). Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do apego. (S. M. Barros, trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.
CHOKLER, M. (2003). Los organizadores del dasarrollo. Um enfoque transdiciplinario para la comprensión del desarrollo infantil temprano. Lima, Peru: Centauro editores.
FERREIRA, G. V. (2007). O impacto da adaptação de crianças na creche sobre os sentimentos maternos. Projeto de pesquisa para a obtenção do grau de Especialista em Psicologia Clínica, Universidade Federal do Rio Grade do Sul, Porto Alegre, RS.
FORTUNATI, A. (2014). A abordagem de San Miniato para a educação das crianças. Protagonismo das crianças, participação das famílias e responsabilidade da comunidade por um currículo do possível. (P. Baggio, trad.) Edizione ETS.
RAPOPORT, A., & Piccinini, C. A. (2001). O Ingresso e Adaptação de Bebês e Crianças Pequenas: Alguns Aspectos Críticos. Psicologia: Re exão e Crítica. 14(1), 81-95.