4 minute read
O pátio da Dona Tylla: possibilidades de encontros intergeracionais Luanna Taborda
O PÁTIO DA DONA TYLLA:
POSSIBILIDADES DE ENCONTROS INTERGERACIONAIS
Advertisement
Luanna Taborda22
Os encontros gerados pela relação entre a vizinha de nossa escola, Dona Tylla, 84 anos, e os alunos da Escola Despertar, foram constituídos inicialmente no imaginário desta senhora que revisitou memórias de oito anos atrás a partir de sua narrativa “eu moro há 45 anos nesta casa e quei bem contente quando soube que seria uma escola ao lado do meu terreno, eu acompanhei o período de construção. Eu sou arquiteta e me chamou a atenção essa construção diferenciada, eu tinha uma boa relação com o mestre de obras e adentrava ali para olhar essa estrutura”.
O pensar e sentir a Despertar inundou os seus sentidos, principalmente o ouvir “eu só escutava as crianças e já gostava, pois é sinal de vida aquele burburinho. Teve uma época que colocavam músicas, eu amava. Sou muito musical, estudei dez anos de piano, então gosto de música clássica a até de rock moderno”.
Os seus sentidos para além do ouvir, foram ampliados no ano de 2018 “quando a Paula propôs essa parceria de compartilhar o meu pátio, consultei o meu marido, ele estava meio resistente, pois achou que poderia atrapalhar. Hoje temos a certeza de que não atrapalha o nosso viver, pois eu gosto muito das crianças, para mim é uma alegria ter essas crianças aqui fora, tanto é que sempre que eu as vejo, eu vou lá fora dar uma olhada”.
Os olhos sensíveis e curiosos, o corpo que se movimentava em direção ao novo, as verbalizações ditas em diálogos colaborativos abriram espaço para as surpresas e suas belezas, vivendo assim a intensidade destas relações que são compostas por pessoas em fases dicotômicas do desenvolvimento, mas essenciais neste acolher de gerações.
Quem são essas crianças nos momentos em que estão no seu pátio?
Tive um encontro que eu achei maravilhoso, um menino sempre me cumprimentava, e eu a ele. Um dia ele chegou para mim com uma pedra na mão que achou no pátio e disse “eu vou te dar essa pedra”. Eu agradeci, quei contente, em seguida ele se despede de mim verbalizando “eu vou achar uma para mim”. Após um período, novamente ele me procura dizendo “eu não achei outra pedra, tu me dá essa pedra de volta?”, prontamente entreguei a pedra para ele. Nesse instante o menino diz “vou te preparar uma gelatina”. As crianças são mineradores que encontraram as mais preciosas pedras, sendo elas concretas ou simbólicas como na experiência referida de gratidão ao simples.
Um gurizinho hoje de manhã me mostrou os ovos de dinossauro enterrados no pátio.
São arqueólogos em busca de fósseis de dinossauros.
Outro dia uma turma me pediu para car com eles no pátio, mas eu realmente tinha coisas para fazer, estava arrumando um armário. E uma menina me perguntou “mas o que a senhora vai fazer agora?”.
São pesquisadores, que criam hipóteses e descobrem o mundo à sua volta.
Agora vai dar or, as crianças gostam, essas duas árvores altas são Ipês, soltam muitas folhas, e as crianças dizem “está chovendo folhas”. Ano passado uma turma me contou “está chovendo ores”. Isso são experiências diferentes!
São heróis corajosos que desbravam todos os cantinhos deste pátio e encontram um mistério que vem do céu.
Tinha um outro gurizinho que estava mexendo com as ores em um pote, me aproximei e perguntei “oi, o que tu estás fazendo?”, ele me olha e dispara “uma poção de amor”.
São químicos que desenvolvem o que a humanidade necessita em qualquer fase do desenvolvimento.
Esses tempos, uns estavam brincando de loja e me vendiam coisas, eu pagava com folhinhas.
Ou são vendedores que brindam o seu fazer pelo prazer do natural.
No ano passado um menino me disse que machucou o braço e chorou muito, muito. Acalmei ele e ele pergunta “teu namorado mora aqui?”.
São investigadores do sentir e de relações.
Me perguntam o que eu z e faço, muitos me dizem alguma coisa, alguns conversam comigo. Muitos deles quiseram entrar na minha casa. No ano passado, eu convidei dois para que entrassem e as curiosidades começaram “onde tu dorme, o que tu come?”, isso é uma comunicação que enriquece.
São detetives curiosos por descobrir quem é a Dona Tylla.
En m, foram crianças que, nas experiências deste espaço, “gostaram de explorar, pois aqui é um pouco diferente. A escola possui possibilidades maravilhosas, eu queria até ser pequena e estar ali. Mas aqui é diferente, porque tem árvore, eu tinha um gato que eles amavam, porém ele morreu em fevereiro, lembro que eles caram muito tristes. Minha lha tem um cachorrinho, a Olívia, que vem para cá nas quartas-feiras e eles adoram, cam maravilhados.
As memórias de Dona Tylla, desde a construção até os encontros atuais com as crianças, são repletas de movimento, afetividade e respeito. Sentimentos que alicerçam a construção de uma relação segura, cuidadosa fortalecida a cada novo encontro e a cada nova partilha. Relações éticas geracionais que nos ajudam e nos ensinam a valorizar a vida.