Contexto Histórico e Cronológico da Bíblia - Uma Tradução

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Contexto Histórico e Cronológico da

Bíblia

Bruce W. Gore © Bruce W. Gore, 2006 (all rights reserved)


Capítulo 1

Mesopotâmia (2500 to 1500 A.C.)

A história da Bíblia começa em uma notável porção de terra chamada Mesopotâmia, uma região que se encontra em sua maior parte dentro do moderno Iraque. A palavra Mesopotâmia (“entre rios”) foi criada pelos gregos, e originalmente era usada para descrever uma planície pantanosa localizada entre os rios Tigre e Eufrates, conforme os dois rios fluem em direção ao sul, até o Golfo Pérsico. O nome eventualmente passou a incorporar uma área muito maior, que se estendia em direção ao norte, e incluía tanto a Babilônia quanto a Assíria, compreendendo uma vasta variedade de terrenos, desde montes de neve eterna ao norte, até extensos pântanos ao sul, pântanos estes repletos de búfalos aquáticos, javalis selvagens, aves selvagens, e um calor sufocante. O Antigo Testamento frequentemente se refere ou faz alusões a civilizações mesopotâmicas, e a importância que elas tiveram em moldar a história do Antigo Testamento não pode ser subestimada. No início de Gênesis, por exemplo, lemos sobre “Ur dos Caldeus”, a terra natal de Abraão, que se sabe ter sido uma importante capital da antiga civilização da Suméria, a primeira da Mesopotâmia. Mais tarde, o Antigo Império Babilônico ascendeu em proeminência sob Hamurábi e deu ao mundo o mais extenso código de leis conhecido até então, um código de leis que influenciou, em certa medida, o código de leis dado 200 anos mais tarde, através de Moisés. Os assírios, cuja terra se situava no norte da Mesopotâmia, dominou o Oriente Próximo por cerca de 200 anos e desempenhou um papel de grande importância para Israel. Mais tarde o Império Neobabilônico fez surgir o grandioso Nabucodonosor, que desempenhou uma influência altamente significativa


na História do Antigo Testamento. Os persas fizeram sua morada nos Montes Zagros, na fronteira leste da Mesopotâmia, varreram o Oriente Próximo, e a história posterior do Antigo Testamento reflete o significativo papel que eles desempenharam. Em suma, a compreensão do contexto do Antigo Testamento seria impossível sem que aprendêssemos a profunda influência da Mesopotâmia. Logo, nossos estudos devem começar com um comentário sobre essa importante região. Parte da razão para a grande influência da Mesopotâmia na história do Antigo Testamento se dá, é claro, pela sua proximidade com a terra de Canaã, mas tal influência foi grandemente acentuada pela constante viagem pelas estradas muito utilizadas, conectando Mesopotâmia com Síria, Canaã, Egito, Anatólia (moderna Turquia) e o Mediterrâneo. Embora os meios primários de transportes para dentro e fora da Mesopotâmia fossem os dois grandes rios, Tigre e Eufrates. Também haviam duas rotas principais por terra, a primeira seguia para o oeste através do seco e escaldante deserto árabe diretamente pela Síria e para o Mediterrâneo. Essa estrada era muito menos popular, pois apresentava perigo tanto por causa de seu ambiente hostil quanto pelas tribos nômades do deserto. A outra estrada comumente usada seguia pelo Eufrates em direção ao norte, até a região de Carquemis, onde, então, o viajante poderia ir para o oeste, cruzando a Anatólia, ou para o sul, ao longo do Mediterrâneo até o Egito. Esta última rota foi usada por Abraão, no fim do segundo milênio, quando este viajou de Ur a Canaã. A conexão entre a Mesopotâmia e o resto do mundo também foi encorajada pelo fato de que a Mesopotâmia, mesmo sendo conhecida como “o berço da civilização”, dependia fortemente de seus vizinhos para obter recursos naturais para que pudesse sobreviver. Com certeza, a moderna Mesopotâmia (Iraque) conta com petróleo como fonte de grande parte de sua riqueza, mas este óleo líquido era muito menos apreciado pelos antigos. Eles utilizavam o betume, que era um produto relacionado, e através dele produziam argamassa, coque, combustível e até certos tipos de medicamentos, mas tirando isso a Mesopotâmia possuía poucos recursos naturais. Sua população necessitava constantemente de madeira, metal e outros produtos que só podiam ser importados das regiões ao redor, e assim, os mesopotâmios foram forçados a criar rotas comerciais, exportando o que possuíam e importando o que precisavam.


E assim, as regiões que cercavam a Mesopotâmia proveram muitas oportunidades para o comércio. Ao noroeste, por exemplo, a região mais fria era entrecortada por rios, que permitiam o cultivo de pomares produtores dos tão necessitados frutos. Mais para o oeste, a Anatólia era rica em recursos minerais, que somados aos famosos cedros do Líbano, eram necessários para a construção de cidades e o desenvolvimento da civilização. A nordeste, o terreno escarpado dos Montes Zagros tornava o cultivo mais difícil, mas esta barreira natural trazia proteção contra invasões, enquanto diretamente a leste, a região conhecida como Elão, era habitada por tribos guerreiras que frequentemente ameaçavam a paz e ofereciam pouca perspectiva para o comércio. O Golfo Pérsico ao sul, entretanto, dava acesso a muitas oportunidades comerciais. Apesar de toda a falta de recursos e da dependência de seus vizinhos, a Mesopotâmia se desenvolveu em uma civilização incrivelmente avançada e sofisticada, que excedia substancialmente as do restante do mundo daquela época. Muitos fatores foram importantes para isso, embora ironicamente a falta de recursos possa ter sido uma das mais importantes. A terra plana e as planícies pantanosas entre os dois rios podiam ter pouco uso além da agricultura, e até mesmo essa se tornava difícil devido a falta de chuvas e a dependência de um complexo sistema de irrigação. A irrigação, no entanto, demandava uma cooperação geral, planejamento e uma alocação precisa de recursos que nenhum ser humano individual ou que uma cidade isolada poderiam obter por si próprios. Sem irrigação a própria sobrevivência estava ameaçada, e assim, surgiu uma burocracia cada vez mais extensa e um governo cooperativo que posteriormente levou aos avanços da cultura que se espalhou por toda a região. Estudos sobre a antiga Mesopotâmia têm mostrado que haviam basicamente dois grupos linguísticos na região. O mais famoso era o dos povos semíticos, conhecidos como amorreus, que emigraram do oeste, e falavam acadiano. Estes, posteriormente, estabeleceram as famosas civilizações da Babilônia e da Assíria. O outro grupo, datado de um período muito mais antigo, era um povo não semítico, que povoou a Mesopotâmia em um período do terceiro milênio a.C., ou mais antigo, e que vieram a ser chamados de sumérios. É para estes que primeiro voltaremos a nossa atenção. A. O Período Dinástico Antigo: Suméria (até 2316 a.C.) A mais antiga civilização conhecida da Mesopotâmia se chamava Suméria, uma palavra que provavelmente corresponde ao termo bíblico “Sinar”. Na conhecida “Tábua das Nações” de Gênesis, lemos: “Cush gerou Ninrode, o qual começou a ser poderoso na terra. Foi valente caçador diante do Senhor; daí dizer-se: como Ninrode, poderoso caçador diante do Senhor. O princípio de seu reino foi Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinar. Daquela terra saiu ele para a Assíria e edificou Nínive, Reobote-Ir e Calá. E, entre Nínive e Calá, a grande cidade de Resém” (Gn 10:8-12). A sugestão de que o nome de Ninrode pode ser identificado com o personagem de Gilgamesh permanece sendo pura especulação. Os habitantes da Suméria usualmente nomeavam suas regiões pelos nomes das cidades-estado individuais, sendo as mais importantes Ur (Urim), Ereque, (Uruk), Nipur, Isin, Larsa, Quis e Eridu. A palavra “Suméria” designa uma região sob o domínio destas cidades durante a chamado “Dinastia Antiga”, embora essa palavra também tenha sido aplicada de modo mais amplo. “Sumério”, por outro lado, referia-se principalmente àqueles que falavam a língua dos sumérios, que precedeu por séculos a língua semítica conhecida como acadiano, introduzida posteriormente pelos amorreus. Deve-se notar que “sumério” não se aplica a uma raça, mas a uma língua.


A atual etnicidade dos sumérios continua sendo apenas questão de conjecturas. Os sumérios provavelmente inventaram a cidade-estado, que é por si só, a mais importante contribuição para o desenvolvimento da cultura do Antigo Oriente Próximo. A partir da cidade-estado uma série de outros avanços floresceu, abrangendo desde melhoramentos sociais e legais, até descobertas técnicas e matemáticas, inovações e invenções. Embora os sumérios devam ser creditados como estendendo as fronteiras do conhecimento humano em várias áreas, ironicamente foram os seus conquistadores muito menos sofisticados, os amorreus, que levaram tais conquistas ao mundo. Os amorreus conquistaram a Suméria em cerca de 2316 a.C., mas abraçaram quase completamente toda a sua religião e cultura, e foram esses mesmos amorreus que posteriormente fundaram a maior civilização até então, o Antigo Império Babilônico. Muito da celebrada educação babilônica, sua religião, mitologia e literatura, foi abertamente adotada da Suméria com pouca ou nenhuma modificação. Os babilônios, por sua vez, deixaram uma indelével marca em seus súditos vizinhos, especialmente nos assírios, hititas, hurrianos, cananeus e, é claro, os israelitas. Assim a cultura suméria se espalhou nas asas da civilização babilônica por todo o Oriente Próximo, e de lá, para todo o mundo. À luz de tão grande influência, pode ser um tanto surpreendente o fato de que a existência da Suméria não foi descoberta senão muito recentemente. Na verdade, até a civilização do século XIX, ela era desconhecida dos estudantes de História Antiga, embora eles fossem muito familiarizados com a história e literatura dos povos falantes do acadiano, como os babilônios e os assírios. Porém, quando os arqueólogos começaram a escavar os tabletes da antiga região sul da Mesopotâmia, ficaram mistificados com uma cultura ainda mais antiga, que estava enterrada nas areias entre os dois rios. Alguns argumentavam que as formas dos achados eram meramente decorativas, e não refletiam nenhum tipo de linguagem ou alfabeto. Por todo o exaustivo trabalho de alguns persistentes e brilhantes acadêmicos, entretanto, ficou finalmente provado que tais letras tinham sido escritas em outra língua. A tal forma de escrita se deu o nome de cuneiforme, ou seja, “em forma de cunha”, e se tornou prova de uma então desconhecida civilização mesopotâmica que precedera os semitas por centenas de anos. O termo sumério passou a se referir a essa população não semítica, enquanto acadiano passou a se referir às populações semíticas (amorreus) que vieram depois e que falavam e escreviam em um dialeto de base consonantal da mesma família do hebraico. A Suméria continua sendo a mais antiga civilização conhecida para a qual a palavra “avançada” se aplica, e por essa razão, as tentativas de reconstruir como ela teria se formado se tornaram especialmente intrigantes. Enquanto os detalhes de tal explicação permanecem especulativos, o seguinte cenário hipotético permanece plausível. A população original da Suméria era provavelmente rural, espalhada por toda a planície mesopotâmica, e trabalhando em pequenas fazendas. Por causa da limitada quantidade de chuva, e a alta dependência dos rios que fluíam pela região, a população lentamente começou a se concentrar em pequenos vilarejos e assentamentos junto aos fluxos de água, onde eles dependiam mais da irrigação do que da precipitação para suas colheitas. Conforme a população ao longo do rio crescia gradualmente, se tornou necessário o


desenvolvimento de sistemas de irrigação ainda mais elaborados, e isso levou a um crescimento de uma burocracia cada vez mais complexa para organizar tal sistema. A evidência desse desenvolvimento pode ser encontrada na linguagem padronizada e nos métodos contábeis que foram descobertos por toda a região, junto com indicações de classes especializadas de profissionais letrados, como sacerdotes, escribas, arquitetos, artistas e supervisores. A crescente necessidade de cooperação organizada dos recursos levou as pessoas a gradualmente migrarem para cidades maiores, até que finalmente, a maior parte da população acabou dentro das cidadesestado mencionadas anteriormente. Foi a cultura dessas cidades em particular que produziu a maior parte dos grandes avanços da população suméria. Na verdade, um entendimento da civilização suméria necessita da compreensão do trabalho dentro das cidades-estado, que por sua vez, requer a compreensão do mais distinto traço das cidades-estado, sua religião. Na teologia suméria, cada cidade tinha uma divindade titular (protetora) que era honrada por um grande templo situado proeminentemente próximo ao centro da cidade. Tal estrutura foi designada como torre em degraus ou zigurate, que nos primeiros anos era de uma altura modesta, mas que com o tempo se tornaram cada vez mais imponentes. À época da Terceira Dinastia de Ur (c. 2100), esses templos haviam se tornado imensos complexos dominados por sua torre característica. O Templo de Nanna em Ur, por exemplo, tinha a base de cerca de 60 metros e largura de 46 metros, e cerca de 20 metros de altura. Os primeiros zigurates eram, em contraste, estruturas de tijolos de argila de péssima aparência, mas posteriormente, se tornaram decorados com dezenas de milhares de pequenos cones de argila de diferentes cores que formavam um complexo padrão geométrico que percorria o exterior dos templos. O zigurate ascendia em três estágios, e era acessado por três escadas consistindo de cerca de 100 degraus cada. No topo, um pequeno “espaço sagrado”, representado por um pequeno santuário onde o sacerdote se encontraria com a divindade da cidade, o pequeno santuário era geralmente construído inteiramente de pequenos tijolos recobertos de azul, que brilhavam sob o sol claro. A estrutura por inteiro passou a ser considerada como “o portão dos deuses”, como sugerido pelo testemunho do Antigo Testamento da Torre de Babel (Gn 11). O culto nesse templo era atendido em ritos diários, semanais e mensais, na forma de rituais, sacrifícios e oferendas, mas o mais importante feriado era o festival do Ano Novo, que era celebrado por vários dias em banquetes e observâncias, que incluía o casamento do rei com uma das sacerdotisas, um rito que visava garantir a continuidade da fertilidade da terra do povo sumério.


Teoricamente, a cidade-estado inteira era posse da deidade tutelar, mas, na prática, apenas uma fração da cidade era reservada para o templo e suas instalações, enquanto o povo possuía o restante da terra. As cidades sumérias desenvolveram um sistema organizado em torno do ensi, ou, governador, que em alguns casos se tornava o rei. Cada cidade tinha um considerável número de pessoas empregadas em torno da burocracia da cidade, tanto em respeito a termos religiosos como no manejo da irrigação e de outros trabalhos públicos. Além disso, a cidade típica teria uma abundância de muitas outras profissões, como fazendeiros, criadores de gado, pescadores, mercadores, médicos, arquitetos, etc. Todos estes operando em um mercado relativamente robusto e livre, o que também contribuía para o desenvolvimento da civilização suméria. A sociedade suméria era dividida em quatro classes distintas: nobres, plebeus, clientes e escravos. A nobreza possuía vastas propriedades que eram trabalhadas por clientes livres (operando de algum modo como fazendeiros arrendatários) ou escravos. As pessoas comuns possuíam terras, mas a propriedade delas era usualmente investida a clãs ou famílias, mais do que a indivíduos. Clientes eram ou conectados ao templo e suas operações, ou à nobreza. A escravidão era comum, uma consequência infeliz ou de conquistas ou de dívidas. A unidade fundamental de toda a sociedade em todos os níveis era a família, e há evidências de que a vida familiar na Suméria era relativamente saudável e satisfatória. Conforme as cidades-estado sumérias se desenvolviam em organização e complexidade, um número significativo de avanços era necessariamente gerado, o mais importante deles, sem dúvida, foi a redução da lei à escrita. Na Suméria, provavelmente pela primeira vez na história, uma noção rudimentar de “estado de direito”, veio a ser desenvolvida, uma ideia que levaria a uma previsibilidade e estabilidade muito maior nos negócios e nas relações sociais, e que aumentaria a equidade por toda a comunidade. Como veremos, um dos exemplos mais proeminentes disso foram as reformas da lei de Erequeagina, nas quais muitas práticas injustas foram corrigidas, e o início de uma ideia de liberdade sob a lei foi desenvolvida. O mais importante código de leis sumérias veio relativamente mais tarde, no reinado de Ur-Nammu, o fundador da Terceira Dinastia de Ur, cuja lei influenciou fortemente o muito mais importante Código de Hamurábi, um produto do século 18 a.C. Além do desenvolvimento de um sistema legal, os sumérios criaram um impressionante trabalho em matemática, tecnologia e arte, o qual também seguiu um resultado direto de sua vida em cidades organizadas. O torno do oleiro, os veículos com roda, os barcos a vela, e outras invenções, podem ser todas creditadas aos sumérios. Os artistas da Suméria desenvolveram novas


técnicas de escultura, e os arquitetos sumérios produziram significativos melhoramentos no uso de pedras de fundação e plataformas para a construção de seus templos, junto com impressionantes paredes pintadas e altares, colunas cobertas de mosaicos e fachadas impressionantes. Evidências desses desenvolvimentos arquitetônicos podem ser encontradas por todo o Oriente Próximo, mas parece que sua origem remonta à Suméria. Esse povo impressionante também foi responsável por grandes contribuições intelectuais, principalmente nos quesitos da educação, literatura e mito religioso, todos os quais afetaram consideravelmente as nações do Oriente Próximo, incluindo, é claro, a nação dos hebreus. É para a vida intelectual e religiosa dos sumérios que nos voltaremos a seguir. Religião e Filosofia Sumérias: Provavelmente, não há ponto em que a civilização Suméria tenha tido maior influência no mundo antigo, do que em seus conceitos filosóficos e religiosos. Por todo o Oriente Próximo, a cosmologia distinta (visão das origens e estrutura do Universo) deixou a sua impressão, e mesmo no Antigo Testamento, uma pessoa pode facilmente encontrar evidência de uma cosmovisão Suméria. Isso não quer dizer, é claro, que os hebreus simplesmente “pegaram emprestado” seu conceito de criação, dos Sumérios, como críticos acadêmicos tendem a assumir, mas isso mostra que as Escrituras hebraicas foram escritas de maneira a intentar uma comunicação significativa para a cultura de sua época, além da modernidade. Um olhar sob o ponto de vista sumério não apenas nos ajuda a entender a Suméria em si, mas também provê um insight dentro das subsequentes culturas do Oriente Próximo e na História Bíblica. No ponto de vista Sumério, a Terra era concebida como um disco achatado, rodeado por uma cordilheira de montanhas. O disco estava suspenso em uma grande esfera oca que flutuava sobre um oceano de águas doces. Acima da terra estava o céu, uma expansão, ou “firmamento” que era separado da terra, e visto como um domo sólido ou semiesférico que repousava sobre as montanhas, e nessa expansão os corpos celestes se moviam como que conduzidos pelos deuses. A terra consistia em nada mais do que a Mesopotâmia e no centro imediato se encontrava a cidade de Nipur. Sob a terra, uma semiesfera similar formada pelo submundo ou mundo inferior, onde os espíritos dos mortos residiam. O Universo inteiro, como uma grande bolha, estava imerso em um oceano infinito, não-criado, não-ordenado, e primitivo, de água salgada, o que conduziu à antiga visão de mundo em que havia água tanto acima do céu, como abaixo da Terra. (Gn 1:6-8). A cosmologia suméria via o primevo e eterno mar como uma forma de “causa primária”, e de algum modo, dentro desse mar, a terra (ki) era unida com o céu (an) para formar o Universo visível (anki) enquanto o submundo (kur) permanecia escondido abaixo. Poderosos deuses de caráter sobre humano (dingir) operavam nesse universo para manter as coisas funcionando de modo ordenado e previsível. Os sumérios acreditavam que haviam muitos deuses em vários escalões, mas no topo haviam apenas alguns de quem a obediência de todos os outros era requerida. Essas divindades de alto escalão exerciam seu poder por meio da palavra falada, de modo que a deidade precisava apenas formar um plano em sua mente, e então pronunciando suas palavras o plano se tornava realidade. Uma vez criado, o objeto continuaria a operar de modo previsível e harmônico, por causa de um princípio que os sumérios chamavam me,


uma ideia de algum modo indefinida não muito diferente do conceito grego de logos. Embora as deidades individuais dos sumérios fossem imortais, elas eram similares aos homens em respeito a muitos aspectos, compartilhando características, fraquezas e virtudes comparáveis às nossas. Quatro deuses, conhecidos como as divindades criadoras, ocupavam as mais altas posições no panteão sumério, e elas eram responsáveis pelos aspectos mais amplos do universo: céu, terra, mar e ar. O deus dos céus era chamado Anu (também An ou Anum), e seu templo ficava na cidade de Ereque. Anu incorporava a grande presença e personalidade do céu, e era originalmente o maior poder no Universo, ocupando o primeiro lugar no panteão sumério. Ele era o gerador e soberano de todos os outros deuses, ele arbitrava disputas e de suas decisões não havia como apelar. Ele, no entanto, não desempenhava um papel importante em assuntos terrenos, mas permanecia indiferente no céu, como uma espécie de pálida figura majestosa. Embora Anu fosse supostamente o primeiro do escalão, para os sumérios a divindade mais importante era o deus do ar, Enlil, o tutelar de Nipur. Enlil de algum modo usurpou a posição de Anu e foi elevado para se tornar efetivamente o deus nacional e supremo da Suméria. Ele era chamado de “pai de todos os deuses”, “rei dos céus e da terra”, ou “rei de todas as terras.” Embora seu templo estivesse em Nipur, ele era adorado e glorificado vastamente como uma divindade que zelava pelo bem-estar e segurança de todos os seres humanos, mas principalmente dos habitantes da Suméria. Enlil era adorado como uma força no céu, um poder que havia separado a terra dos céus, criando o grande domo do universo, e que sustentava o mundo pelo mero poder de sua palavra. Em Nipur, Enlil era tido como o mestre da humanidade, que escolhera os governantes da Suméria e Acade, e que pusera as coroas em suas cabeças. Na mitologia mesopotâmica, Enlil teve sua autoridade contestada por um posterior deus da Babilônia, Marduk, e assim, o usurpador Enlil perdeu seu poder para um usurpador ainda maior. O deus do mar era chamado Enki (semítico Ea) e era visto como grande executor dos comandos de Enlil. Enki, cuja característica principal era a inteligência, tinha considerável independência, e comumente, apenas tomaria um comando geral de Enlil, e trabalharia nos reais detalhes e realização do projeto como um todo. Na mitologia suméria, depois que o mundo foi criado, Enki aplicou sua inteligência inigualável para implementar as leis desenvolvidas por Enlil, colocando o mundo em ordem, e concedendo grandes bençãos para a Suméria e as regiões ao redor. Enki, que era mais conhecido, porém mais complexo que os outros deuses, controlava os suprimentos de água fresca que fluíam para os rios, lagos, nascentes e poços da Mesopotâmia, ele era o mais próximo e o mais favorável dos deuses, e de fato foi Enki que tivera a brilhante ideia de criar a humanidade, em primeiro lugar para o propósito de se encarregarem dos trabalhos dos deuses, e também fora sua ideia salvar a humanidade do grande Dilúvio. A quarta entre os deuses maiores era Ninhursag, também conhecida como Ninmah, uma divindade celebrada como a “senhora exaltada”. Seu nome era originalmente Ki, ou seja, a “mãe terra”, e ela era vista como a consorte de Anu. Em vários mitos da criação, Anu e Ki eram pais dos outros deuses, e assim Ki ficou também conhecida como Nintu, “aquela que deu à luz”.


Em adição aos quatro deuses principais da Suméria, três outros eram incluídos como chamadas “deidades astrais”. A primeira delas era a deusa da lua, Nanna, também conhecida pelo seu nome semítico Sin. Ela controlava o tempo (meses lunares), conhecia os destinos de todos, mas permanecia um tanto misteriosa. O segundo, filho de Nanna, o deus sol Utu (Shamash), que era o deus da justiça, e que expunha os justos e os injustos inundando o mundo com a fulgurante luz do sol. Finalmente a filha de Nanna, Inanna, também conhecida pelo seu nome semítico, Ishtar (da qual o nome Ester deriva), desempenhava um papel central na mitologia mesopotâmica. Inanna era da deusa do amor carnal, mas ela também era dada a acessos de ira, fazendo dela uma formidável oponente na guerra. Esses três deuses, juntamente aos outros quatro, eram comumente chamados de “os Sete”, e eram de longe, os deuses mais importantes da vida religiosa suméria. Muitos outros deuses eram adorados, mas como veremos, muitos deles permaneceram obscuros, desempenhando um papel menor, mais ainda assim importante, na religião Suméria. Embora os deuses fossem poderosos e imortais, eles eram carregados de falhas humanas, tal como maldade, engano e violência. Eles comumente disputavam invejosamente uns com os outros, e as pessoas podiam facilmente ser pegas no fogo cruzado de tais conflitos. Soma-se a isso que os deuses eram altamente dependentes de seus adoradores para o seu bem-estar, de modo que as pessoas dependiam dos deuses para as bençãos divinas, e os deuses podiam apenas realizar seus pedidos se tivessem sido empoderados para tal, e tal poder dependia da quantidade e qualidade do alimento, bebidas e abrigo que o adorador humano tinha provido como sacrifício para a divindade. Apenas se os deuses estivessem suficientemente “saudáveis” poderiam, de modo recíproco, suprir as bênçãos requisitadas pelo adorador. Os tipos de bênçãos podiam ser grandes e substanciais, como a quantidade de água necessária para as colheitas, segurança contra desastres naturais e a vitória na guerra. Os deuses também poderiam suprir petições mais modestas e individuais, como a recuperação de uma doença, sucesso numa transação de negócios ou a felicidade no casamento. Em adição a essa interdependência entre deuses e homens, os sumérios acreditavam que havia uma vasta variedade de posição e competências entre as deidades. Algumas eram especializadas na caça, outras na fertilidade, e outras, ainda, na guerra. Alguns deuses tinham autoridade e prestígio maiores que outros, e tudo isso fez do panteão sumério uma complexa hierarquia com os Sete ocupando a posição proeminente. Um adorador estava livre para dirigir suas petições para qualquer divindade que desejasse, inclusive um dos Sete. Mas comumente as pessoas duvidavam que os deuses maiores teriam interesse em suas orações, assumindo que deuses importantes ouviriam apenas pessoas importantes. Os muitos deuses menores então se tornavam objeto de oração para as pessoas comuns, ou pessoas com necessidades específicas. O efeito é que para a maioria dos sumérios, apesar de sua posição social, a religião tendia a ter um caráter profundamente pessoal, conforme cada um dirigia adoração especial a uma ou mais divindades que eram de importância particular com respeito ao caráter do adorador individual.


O sumério reverente esperava que os pedidos dirigidos às divindades menores pudessem ser concedidos pelas próprias divindades menores, ou que se os pedidos fossem muito complicados, que as divindades menores os levariam às divindades em escalas superiores, que teriam o poder ou a competência para conceder tal pedido. Assim, uma divindade menor, às vezes, funcionava como um intermediário ou “anjo da guarda,” que buscaria dirigir-se a um deus superior levando para ele seus pedidos “escada acima” até que eventualmente chamaria a atenção de alguém que pudesse satisfazer sua necessidade. Independente de seu nível de devoção religiosa, o sumério sabia que um dia morreria, e que sua alma desceria a um mundo inferior onde tudo era sombra e mistério, não muito diferente da noção hebraica de sheol. Aqueles que estavam bem nessa vida, estariam ainda melhor na vida seguinte, por exemplo, se um homem tivesse sido um governante, ele poderia levar consigo uma quantidade considerável de riqueza, e a julgar por algumas das tumbas que têm sido descobertas, um respeitável número de servos poderia juntar-se ao falecido rei num ritual suicida no momento de seu enterro, embora tal prática pareça ter sido retirada em tempos posteriores. Ao chegar ao mundo inferior, o governante falecido usaria de sua riqueza e servos para assumir um lugar de autoridade e responsabilidade nas regiões sombrias. A existência humana era permeada por insegurança, dor e dúvida, e no final da vida, tudo que sobrava até para o mais fiel sumério era um espírito nebuloso que poderia descer para reinos inferiores onde a vida era apenas um difuso reflexo de sua contraparte terrena. Mitologia Suméria: Intimamente ligada à religião suméria estava uma mitologia bem desenvolvida que tentava explicar a criação e organização do universo, a origem dos deuses, seus afetos e desafetos, seus rancores e intrigas, suas bençãos e maldições, seus atos de criação e destruição. Os mitos combinados de modo sofisticado refletiam um universo com histórias interessantes, inspiradoras e divertidas. Os atores principais usualmente eram os sete deuses já mencionados, embora divindades menores frequentemente desempenhassem um papel nos dramas fantasiosos. As histórias da criação comumente retratavam Enlil como o deus que separou os céus da terra, e que havia trazido à existência tudo que era necessário para que a terra fosse produtiva. Outros mitos poderiam descrever a criação do homem, o Dilúvio ou derivados heroicos como Gilgamesh. Embora todos esse mitos fossem muito inferiores à profundidade encontrada no relato bíblico, ainda assim são encontrados interessantes paralelos.


Um mito especialmente intrigante descreve um “paraíso” Sumério chamado Dilmun, uma terra que era pura e iluminada. Ela era tida como a “terra dos viventes”, uma terra que não possuía nem doença, nem morte. Esse paraíso, porém, necessitava de água, que era provida pelo deus da água, Enki, que ordenara a Uttu, o deus do sol, a encher Dilmun de água fresca trazida dos antros da terra. Ninhursag, a deusa mãe-terra fazia então com que oito plantas surgissem em Dilmun através de um complexo processo envolvendo várias gerações, embora tais nascimentos ocorressem sem o menor sinal de dor ou labor. Depois que as plantas tinham gerado frutos, Enki desejara provar um deles, mas fora proibido de fazer isso por Ninhursag, pois os frutos eram designados à raça humana. Mas Enki violou tal regra, e as provou. Ninhursag se irou e pronunciou uma maldição sobre ele, depois da qual ela desapareceu do meio dos deuses. Enki imediatamente começou a morrer, mas enquanto ainda se agarrava à vida, Ninhursag foi persuadida a retornar e prover poder de cura para Enki, restaurando-o à vida e à saúde. Seu método de cura envolvia um processo de repor vários órgãos adoecidos do corpo de Enki, o mais proeminente deles sendo a costela, que foi removida de Enki, e reposta por uma deusa que veio a ser chamada Ninti, literalmente, “a senhora da costela,” embora o nome também possa ser traduzido como “a senhora que cria vida.” O mito sumério claramente apresenta mais do que pequenas semelhanças com o relato bíblico do Éden, e pode representar uma memória pagã dos mesmos eventos. A referência à provisão de água fresca lembra a passagem bíblica: “Mas uma neblina subia da terra e regava toda a superfície do solo.” (Gn 2:6). Os nascimentos sem dor relembram a maldição contra Eva relativa às dores do parto. O ilegítimo ato de comer é obviamente reminiscente da história da árvore do conhecimento do bem e do mal. A referência à cura de Enki pelo método da criação de uma deusa a partir de sua costela doente certamente traz à memória a Criação de Eva a partir da costela de Adão. Enquanto os paralelos são impressionantes, as diferenças são igualmente notáveis. Completamente ausentes do relato bíblico estão as múltiplas divindades, os enredos extravagantes e inverossímeis. Em suma, os temas comuns sugerem uma memória comum de eventos de uma história altamente primitiva, enquanto as diferenças imediatamente impressionam o leitor pensante com a dignidade e qualidade vastamente superiores do texto bíblico. Outros exemplos da mitologia suméria apresentam pontos de comparação e contraste. A estrutura do universo assumida na narrativa bíblica da criação parece refletir o entendimento sumério de um universo tripartido no meio de um grande mar não-ordenado. Tanto no relato bíblico quanto no sumério, o homem foi criado do barro com o propósito de servir à divindade. A criação foi realizada pela “palavra divina”, assim como pelo “moldar” manual da divindade. A ideia de um paraíso original é encontrada em ambas as tradições, embora não haja nenhuma menção à “queda” no pecado na narrativa suméria. Provavelmente o paralelo mais bem conhecido ocorre no relato do Dilúvio, que é de caráter incrivelmente comparável ao relato bíblico. A literatura suméria também mostra uma sucessão de patriarcas antediluvianos de períodos de vida extremamente longos, remanescente dos períodos de vida encontrados na Bíblia. A rivalidade entre Caim e Abel encontra paralelos na


literatura suméria em certas narrativas de “disputa”, algumas das quais envolvem irmãos em conflito sobre as oferendas e presentes a uma divindade. Além dos paralelos mitológicos, a história suméria também dá evidências de pontos comparáveis à narrativa bíblica. A história da Torre de Babel obviamente reflete o uso generalizado dos zigurates na Suméria, e um relato da divisão das línguas pode ter um paralelo com uma passagem que é parte de um conto épico sumério, “Enmerkar e o Senhor de Aratta.” O desenvolvimento do código de lei na Suméria, um código que atingiu sua culminação com Hamurábi, apresenta claros paralelos com a lei de Moisés. Existem ainda, interessantes similaridades com o livro de Jó, no qual um homem igualmente justo é devastado em um dia por uma variedade de catástrofes. Muitos têm argumentado que esses notáveis paralelos entre o Antigo Testamento e Literatura Suméria, mostram que os hebreus devem ter “pego emprestadas” suas tradições de fontes mesopotâmicas mais antigas. Embora isso seja certamente uma possibilidade teórica, permanece sendo, no máximo, uma hipótese. É igualmente plausível que os eventos relatados tanto na narrativa bíblica quanto no relato mesopotâmico tenham suas raízes em eventos reais, embora remotos, e os relatos variantes simplesmente evidenciem o fato de que diferentes culturas “lembravam” dos eventos de forma diferente, ou ao menos, contavam esses eventos de modo que variava dependendo de seus próprios pontos de vista religiosos e filosóficos. Aqueles que levam o relato bíblico a sério encontram grande encorajamento no fato de que outras tradições refletem conteúdo similar, e na verdade, usam isso como um argumento a favor da integridade e veracidade históricas das Escrituras. Isso é mostrado de modo mais dramático em uma conexão entre dois grandes eventos da História Bíblica, a Criação e o Dilúvio, e eles serão analisados de modo mais detalhado agora. Histórias da Criação Mesopotâmicas: Como notado, os sumérios concebiam o mundo como uma grande esfera suspensa em um mar primordial. Vários mitos da criação utilizaram essa configuração de universo, todos refletindo certos temas comuns. O primeiro deles é o de um vasto caos, um ilimitado e não-ordenado mar sugerindo um estado original de escuridão e vazio. De algum modo o local de ordem aparece em meio ao caos, isso pode ocorrer de várias formas, mas uma vez que a ordem aparece, o drama previsivelmente passa a ser o da luta entre a ordem e o caos. Desse modo, o bem e o mal passam a existir em uma constante luta humana para impedir o avanço do caos. Em uma expressão mítica desses temas, o primevo oceano, personificado pela deusa chamada Nammu, dá a luz a um céu masculino e uma terra feminina, intimamente unindo-as em um só. Esses dois dão à luz Enlil, deus do ar, que separa os céus da terra, e depois, com a terra, gera todas as criaturas vivas. De longe, o mais importante mito da criação, datado de um mito babilônico posterior, mas que do mesmo modo, tem suas origens durante a primeira dinastia. Esse mito traz o título acadiano Enuma Elish, baseado na primeira linha do épico, “Quando nas alturas…” Na história uma dramática e violenta batalha culmina quando o magnífico Marduk, que também é chamado Enlil, captura a deusa da desordem, Tiamat, e atravessa seu coração com uma flecha. O ferimento causado em seu corpo se abre, com metade dela abrindo para se tornar o domo do céu, enquanto a outra metade se torna a terra. Depois de sua vitória sobre o caos, Marduk toma conselho com Ea (Enki), e decide criar a humanidade. A criação desse primeiro Homem ocorre quando um deus maligno Kingu é morto e seu sangue é usado para criar o primeiro ser humano. Marduk então divide os deuses em dois grupos, com trezentos habitando no céu, e mais trezentos habitando na terra, lado a lado com a humanidade. Como recompensa por suas façanhas os deuses constroem para Marduk um grande templo na Babilônia e reconhecem seu supremo status no panteão dos deuses.


Um mito similar também aparece na literatura da Assíria, ainda que nessa versão, o herói seja Assur. Para os ouvidos modernos as histórias claramente parecem primitivas, mas elas refletem significativa especulação filosófica por parte dos mesopotâmicos em sua tentativa de descrever como o mundo veio a apresentar sua forma atual. Eles também explicam porque os homens devem servir aos deuses, e a visível malignidade natural da humanidade, por terem sido criados a partir do sangue do maligno Kingu. O mito justifica o exorbitante poder de Marduk e expressa a ideia de uma eterna luta cósmica entre o bem e o mal, entre a ordem e o caos. Muitos têm notado as similaridades entre a história de criação do Enuma Elish, e a Bíblia. Gênesis por exemplo, descreve seis dias da criação seguidos por um dia de descanso. Enuma Elish descreve seis gerações de deuses, cujas criações se encaixam forçadamente nos dias descritos no Gênesis, e isso também é seguido pelo descanso divino. Em ambos os relatos a criação progride genericamente na mesma ordem, começando com a luz e terminando com a humanidade, também há uma correlação entre a deusa Tiamat e o caos primordial em Gênesis. De fato, a palavra hebraica usada em Gênesis para o caos primordial é “tehôm,” que possui a mesma raiz etimológica que “Tiamat”. Enuma Elish se torna um dos mais importantes mitos da Mesopotâmica, por centenas de anos ele era recitado pelos sacerdotes da Babilônia no quarto dia do ano novo, neste ponto eles expressam a visão de uma grande batalha cósmica que, na verdade, nunca terminou, na qual as forças do caos estariam sempre prontas para desafiar a ordem estabelecida pelos deuses.

Gilgamesh e o Grande Dilúvio: Estudos sobre a Mesopotâmia têm mostrado que as expressões mais antigas dos chamados contos épicos, ou heroicos, vieram das mentes dos antigos sumérios. Nove desses dramas foram recuperados, os quais variam em tamanho, entre pouco mais que cem linhas até mais de seiscentas. Dois deles se dão ao redor de um herói chamado Enmerkar, intitulado, Enmerkar e o Senhor de Aratta, e Enmerkar e Ensukushsiranna. Dois outros envolvem o herói Lugalbanda, embora Enmerkar tenha papel em ambos estes contos também. Estes são intitulados, Lugalbanda e Enmerkar, e Lugalbanda e o Monte Hurrum. Os cinco épicos restantes envolvem o mais conhecido dos heróis sumérios, o herói par excellence de todo o Oriente Próximo,


Gilgamesh. Desses cinco, dois são um tanto fragmentários: Gilgamesh e o Touro do Céu, e A Morte de Gilgamesh. Os três outros estão quase completamente preservados. O primeiro é Gilgamesh e Agga de Quis, que celebra Gilgamesh como um patriota e defensor do reino. De acordo com a tradição suméria, depois do grande Dilúvio, a primeira cidade a ganhar preeminência foi Quis, mas quando seu rei tentou estender seu controle sobre Ereque ele encontrou Gilgamesh, o campeão da cidade. A história detalha o drama que se segue, e termina descrevendo o sucesso de Gilgamesh em afastar o invasor. Na segunda história, Gilgamesh e a Terra dos Viventes, Gilgamesh lamenta a mortalidade que ele vê ao seu redor, percebendo que irá morrer um dia. Em busca de criar um nome para si mesmo, ele viaja com seu companheiro, Enkidu, e alguns outros, para a região dos grandes cedros para obter materiais para fazer um templo em sua própria honra. Nesse processo, ele deve matar um dragão da região, Umbaba, e assim estabelecer sua reputação como herói. O terceiro conto, Gilgamesh, Enkidu, e o Mundo Inferior, descreve Gilgamesh como uma figura complexa que lida com a morte de seu amigo e companheiro, Enkidu, após Enkidu descer ao mundo inferior e ficar preso lá, sendo capaz de retornar apenas na forma de um espírito. De longe o mais famoso conto heroico envolvendo Gilgamesh é chamado de O Épico de Gilgamesh, cuja versão mais extensa data da época babilônica. Muitos acreditam, no entanto, que o épico se originou muito antes, e foi eventualmente um produto da Primeira Dinastia. De acordo com o conto, Gilgamesh era rei de Ereque, ele era dois terços deus, e um terço homem. Por causa dos abusos cometidos por Gilgamesh, o povo de Ereque orou a Anu, e em resposta Anu decretou a criação de um “duplo” de Gilgamesh com poder similar ao daquele rei, a criatura que ensinaria Gilgamesh grandes lições. O “duplo” foi chamado Enkidu. Quando os dois guerreiros primeiramente se encontraram, se envolveram em uma grande briga, mas depois da conclusão, se tornaram amigos próximos. Conforme a história se desenrola, Gilgamesh e Enkidu viajam para o vasto e remoto Bosque dos Cedros, o covil de Humbaba, um apavorante gigante, mas lá eles são bem-sucedidos com a ajuda de Shamash, sendo capazes de derrotar e matar o monstro. Depois desta investida, a deusa Ishtar se apaixona por Gilgamesh e se oferece em casamento a ele, mas Gilgamesh recusa, bravamente acusando-a por seus grandes abusos aos amantes anteriores. Por isso Ishtar pede para Anu enviar o Touro do Céu para devastar Ereque, mas Gilgamesh e Enkidu matam o Touro. A imprudência de Gilgamesh e Enkidu é intolerável para os deuses, e Enkidu é então amaldiçoado com a doença e a morte. Gilgamesh lamenta por ele sete dias e noites, havendo compreendido a realidade da morte, o fazendo pensar se ele também não seria capaz de escapar de seus grilhões. É neste tempo que Gilgamesh parte para tentar encontrar o mistério da imortalidade. Ele sai em uma longa jornada para encontrar Ut-Napishtim, um homem que, de forma aproximada, corresponde ao Noé bíblico. O Épico termina de forma pessimista, como mostrado no conselho de Ut-Napishtim para Gilgamesh: “Construímos casas para sempre? O rio para sempre se levanta e traz inundação? A libélula deixa sua casca para que sua face possa apenas olhar o Sol por um instante. Desde os dias antigos não têm havido permanência; os que dormem e os mortos, quão semelhantes eles são!”. Enquanto a história de Gilgamesh certamente contém elementos míticos, estudiosos do Antigo Oriente Próximo geralmente concordam que um rei com este nome reinou sobre Ereque, e que seu tempo corresponde aproximadamente ao período da Primeira Dinastia. Datas precisas são impossíveis de serem estabelecidas, e devem ser tidas com alto grau de incerteza. De longe, a parte mais intrigante do Épico de Gilgamesh envolve sua descrição do grande dilúvio. Esta parte da história não havia sido descoberta até 1872, quando um jovem assiriologista britânico desenterrou-a enquanto vasculhava entre os muitos tabletes da famosa


biblioteca de Assurbanipal. Enquanto traduzia a narrativa, ele imediatamente percebeu que a história do dilúvio de Gilgamesh possuía notável semelhança com o relato do Antigo Testamento. Depois, outras variantes do mito foram descobertas, mas todas exibiam os mesmos temas fundamentais. Em suma, todas as histórias descreviam uma inundação gigantesca que varreu por sobre a terra, uma inundação na qual todos pereceram exceto alguns poucos humanos. Os sobreviventes escaparam construindo um grande barco, no qual tomaram representantes de várias espécies de animais terrestres. Depois do dilúvio o barco assentou sobre uma montanha. O herói, Ut-napishtim, testou o ambiente por alguns dias, posteriormente soltando um pombo, mas a ave retornou. Ele então, soltou um corvo, mas este não retornou. Como esperado, o debate continua sobre se os hebreus “tomaram emprestado” essa lenda dos mesopotâmicos, ou se o relato do Antigo Testamento simplesmente se refere a um evento bem conhecido que também é reportado independentemente em outras tradições. Aqueles que tomam em alta conta as Escrituras tomam o relato de Noé como uma história confiável de como Deus trouxe juízo contra a raça humana, e ainda assim, mostrou misericórdia para Noé, preservando a ele e sua família por meio da arca. O fato de que a maior parte das culturas do Antigo Oriente Próximo possui lendas e mitos que refletem um grande dilúvio certamente seria compatível com a noção de que tal evento realmente ocorreu. Na verdade, se tal evento não ocorreu, alguém teria de se perguntar porque há um testemunho tão disperso, quase de modo universal de tal ocorrência. A Bíblia expõem o dilúvio como o julgamento de Deus contra uma humanidade pecadora, enquanto o Épico de Gilgamesh, assim como a história suméria do dilúvio (a Inundação) são geralmente silenciosas quanto à razão para tal dilúvio. Um fragmento de um conto sumério chamado Atrahasis, no entanto, sugere que a inundação veio porque, “… a terra se estendeu e os povos se multiplicaram. A terra berrava como um touro, e os deuses se irritaram com seu clamor.” Quanto a questão de se há evidência arqueológica do grande dilúvio, acadêmicos divergem. Escavações na Mesopotâmia debateram uma evidência limitada a esse respeito, sugerindo que uma inundação significativa pode ter ocorrido entre 3000 e 2500 a.C. a evidência toma a forma de depósitos de argila e areia surgidos da água seguidos por uma prolongada inundação. Sir Leonard Wooley, um dos mais renomados arqueologistas da Mesopotâmia no século 20, argumentaram que as mais profundas e grossas dessas camadas eram provavelmente do dilúvio bíblico. O ponto tem sido altamente controverso, mas novamente, os achados certamente não contradizem o relato encontrado nas Escrituras. Em adição a tal evidência, tem sido a matéria de especulações intrigantes se os restos da arca de Noé ainda se encontram nas montanhas de Ararate, na Turquia Central. Até o momento de escrita deste livro, o assunto não foi resolvido. O Fim do Primeiro Período Dinástico: A maior parte dos eventos políticos dos últimos 150 anos levando ao final do Primeiro Período Dinástico têm sido reconstruídos pelos acadêmicos com certa confiança. A maior parte dos dados históricos vêm


de Lagaxe, a cidade que dominou a Suméria durante aqueles anos finais, e da qual o grosso dos registros da época se originou. Foi nesses anos de fechamento que Urucaguina (c. 2350) publicou seu código legal, um documento que representava a culminação dos esforços na Suméria para estabelecer um “estado de direito” mais consistente, diante do qual ele se gabou de ter trazido alívio para o povo comum das opressões impostas pelos ricos e poderosos. Apesar de sua vanglória, no entanto, Urucaguina foi derrubado pelo último rei do período, Lugalzaguesi (2340-2316), que invadiu e saqueou Lagaxe em 2316. Lugalzaguesi destruiu os belos templos de Lagaxe, massacrou o povo nas ruas, mas fazendo isso, ele sem querer trouxe o fim ao Antigo Período Dinástico, e abriu os portões para a próxima era da história mesopotâmica. O fim do Antigo Período Dinástico resultou tanto na perda da coesão da liderança de Lagaxe, quanto no crescimento do poder da população estrangeira nas regiões ao oeste da Mesopotâmia, especialmente a Síria, Canaã, Palestina, e partes da Anatólia. O Antigo Testamento faz frequente referência da população amorrita espalhada por Canaã no tempo da jornada de Abraão pela região (Gn 14:7; 15:16, 21), mas sabemos por outras fontes que pela época das viagens de Abraão, os amorreus também estavam vastamente dispersos pela Mesopotâmia. Os amorreus eram “semitas”, designação referente a Sem, um dos filhos de Noé. De acordo com a Bíblia, Sem foi o pai de Assur, Aram e Héber, entre outros (Gn 10:22-31). Assur foi o ancestral dos assírios, Aram dos arameus, e Héber dos hebreus o que faz do termo “semita” uma classificação de fato muito ampla! É importante notar que o termo “semita” veio a se referir primariamente a um grupo linguístico e não a uma raça, mas a similaridade das línguas também contribuiu com vários paralelos culturais entre as tribos semíticas. A expansão da civilização e religião suméria através do Oriente Próximo resultou do fato de embora os amorreus conquistassem a Suméria politicamente, eles estavam sendo conquistados culturalmente, e exportaram essa distinta perspectiva suméria pelo mundo. Quando o Período da Antiga Dinastia findou, os amorreus estavam estabelecidos principalmente na Síria, e tinham então dividido-se em vários reinos, o mais proeminente dos quais era Iamhad (Alepo) e Carquemis. Por anos, essas e outras cidades amoritas vinham enviando colonos Mesopotâmia adentro, esperando suprir algumas das importações que os mesopotâmios desesperadamente precisavam. Muitas cidades-estado amorritas foram estabelecidas, algumas das quais bem nas fronteiras do território da própria Suméria, mas elas mantinham conexão com a vasta comunidade de estados amorreus que se estendia da Mesopotâmia ao Mediterrâneo. Quando Lagaxe caiu, a confusão resultante criou a oportunidade para os amorreus tomarem o controle das cidades-estado sumérias, e assim que o fizeram, trouxeram ao fim o Antigo Período Dinástico e inauguraram a próxima grande era da história mesopotâmica, a acadiana.

B. A Segunda Dinastia: Acadiana (2334 – 2193) Como temos visto, o período da Antiga Dinastia fora famoso pelo desenvolvimento de sua cultura, comércio, filosofia, e religião, todas as quais fluíram como um produto natural dos avanços da cidade-estado. A civilização suméria sempre permanecera descentralizada, entretanto, com cada cidade representando sua própria autoridade máxima. As cidades-estado aprenderam a cooperar de maneira tolerante, mas conflitos eram comuns, e a competição por recursos escassos sempre fora uma preocupação constante. A grande mudança aconteceu quando os menos sofisticados, porém, mais fortemente militarizados amorreus invadiram a Suméria, e começaram a estabelecer uma forma de governo mais imperialista e extensa. Com o nascimento do período da Segunda Dinastia dos amorreus, se levanta o que pode ser chamado de primeiro “império” da Mesopotâmia, o que significava que pela primeira vez, um único governante poderia reclamar o controle sobre uma região inteira. O primeiro desses monarcas, Sargão, conquistou o notável feito de unir os dois maiores grupos linguísticos, os sumérios e o semitas. Como vimos, a Suméria estava localizada na


Mesopotâmia meridional e havia desenvolvido uma cultura avançada. Os amorreus semitas ficavam em maior parte, distantes ao norte. Eles tinham uma língua distinta (acadiano), mas conforme os dois povos começaram a se misturar, os amorreus acabaram reduzindo sua língua a escrita usando o modelo cuneiforme dos sumérios. Essa adaptação não foi perfeita, mas essa mistura das línguas suméria e acadiana levou à adoção pelos amorreus de muito mais da cultura suméria do que apenas seu alfabeto. Sargão, o Grande (2334 - 2278): A união política dos povos semitas e sumérios ocorreu sob Sargão, o primeiro rei acadiano. Ainda que a lenda de Sargão tenha crescido a proporções de fábula na literatura mesopotâmica, ele foi, ainda assim, uma figura histórica real. Como uma das mais notáveis figuras políticas do Antigo Oriente Próximo, Sargão combinou gênio militar com extraordinária capacidade administrativa, e como resultado ele estendeu sua influência através do mundo antigo, desde o Egito até a Índia. Sargão nasceu na cidade de Quis. Ele foi o filho de uma prostituta cultual, e a identidade de seu pai permanece desconhecida. Sargão foi alegadamente abandonado em um cesto de juncos junto ao rio Tigre, uma história comum de “nascimento” no folclore do Antigo Oriente Próximo. Ele foi subsequentemente resgatado por um dos pastores do rei, e criado na casa do pastor como se Sargão tivesse sido seu próprio filho. Sargão distinguiu-se de tal modo que chegou a assumir a posição de copeiro de UrZababa, o rei de Quis. Enquanto Sargão estava servindo em seu cargo, Quis foi atacada por Lugalzaguesi, o rei de Ereque. Lugalzaguesi já havia atacado e destruído Lagaxe e agora havia trazido sua campanha de destruição a Quis. Ur-Zababa foi morto enquanto defendia a cidade, e no caos que se seguiu, Sargão assumiu o governo de seu mestre. Assim que havia assegurado sua posição como governante de Quis, Sargão virou suas armas para Ereque, buscando vingar a morte de Ur-Zababa. Ele atacou a cidade em um momento em que Lugalzaguesi estava afastado em uma campanha, e encontrou Ereque vulnerável e inadequadamente defendida. Conquistando a cidade com brutal eficiência, ele infligiu punições comparáveis às sofridas por sua cidade natal em Quis. Quando Lugalzaguesi ouviu sobre o ataque, voltou imediatamente para defender sua posição, mas se viu incapaz de resistir ao brilhante Sargão. Lugalzaguesi foi capturado e trazido em um julgo aos portões de Nipur para humilhação pública e execução. A campanha de Lugalzaguesi havia deixado toda a Suméria fragmentada e instável, e Sargão aproveitou a oportunidade de continuar a campanha por todo o sul da Mesopotâmia, tomando em rápida sucessão as cidades de Ur, Lagaxe, e Eridu, e adquirindo controle da região por todo o caminho até o Golfo. Ele estabeleceu sua capital no Eufrates na cidade chamada Agade, a designação que foi a base para o termo “acadiano”. Em Agade, Sargão construiu grandes templos aos seus deuses


preferidos, Ishtar e Zababa. Mesmo Sargão sendo um amorreu, ele absorveu a cultura e civilização dos sumérios, mostrando grande respeito por suas instituições religiosas. Provavelmente o mais dramático exemplo de apoio veio quando ele apontou sua filha, Enheduana como sacerdotisa de Nanna, a deusa lunar de Ur. Ao mesmo tempo, Sargão chamou a si mesmo de “príncipe ungido de Anu”. Depois de ter conquistado a Suméria. Sargão lançou campanhas para o leste, ganhando batalhas difíceis contra o rei de Elão e seus distritos vizinhos. Ele elevou Susa, a capital da região de Elão, de uma modesta cidade comercial a um poderoso centro de poderio militar e comércio que eventualmente ameaçaria seu próprio império. Em campanhas para o noroeste, Sargão ganhou vitórias na Anatólia e no Líbano, assegurando um suprimento de madeira que podia vir flutuando Eufrates abaixo até Agade. Lendas posteriores e crônicas reportaram que Sargão enviou seus exércitos tão longe quanto o Egito, Etiópia, e Índia, embora alguns acadêmicos duvidem da viabilidade de tais reivindicações. Embora a exata localização de Agade permaneça incerta, há pouca dúvida de que Sargão fez dela a mais próspera cidade do mundo antigo. Ele elevou a língua acadiana e o povo semítico à dominância por toda a Mesopotâmia, mas também criou uma ponte entre a Suméria e os Povos Semitas. Por tudo isso ele representa um dos grandes gênios da história, e um dos que merecem o epíteto, “o Grande”. Rimus (2278 – 2270): A despeito da competência de Sargão, seus duros métodos criaram considerável ressentimento em algumas localidades, especialmente entre os sumérios conquistados. Quando ele morreu, o filho de Sargão e seu sucessor, Rimus, viu-se encarando revoltas generalizadas nas cidades de Ur, Uma, Adabe, Lagaxe, Der, e Kazalu, e também nas regiões orientais de Elão e Barashi. Por vários anos, Rimus foi forçado a travar uma guerra amarga envolvendo dezenas de milhares de tropas, e embora ele tenha finalmente tido sucesso, ele teve pouco tempo para desfrutá-lo, tendo sido assassinado em um golpe palaciano antes de seu décimo ano. Ele foi sucedido por alguém que dizia ser seu “irmão mais velho”, possivelmente seu gêmeo, Manistusu. Manistusu (2269 – 2255): Pouco se sabe de Manistusu, além do fato de ter lançado uma ambiciosa expedição através do Golfo Pérsico onde disse ter subjugado 32 cidades “do outro lado do mar”. Ele conquistou a região


que conhecemos como Omã, que era rica em cobre e pedra dura, e que representava um alvo mais fácil que aqueles localizados a noroeste e nordeste de sua capital em Agade. Narã-Sim (2255-2218): Narã-Sim sucedeu ao trono, e foi esse rei quem ergueu Agade a suas maiores alturas de poder e glória, apenas para vê-la vir a um trágico fim. Narã-Sim foi um brilhante estrategista militar, e o catálogo de suas conquistas refletia sucessos numerosos e impressionantes. Ele pôs fim a uma revolta liderada por uma coalizão de reis da Suméria, e de lá expandiu seu domínio grandemente pelas terras ao redor, cruzando todo o caminho até o Mediterrâneo. Seu domínio incluiu a Armênia ao norte, e ele foi bem-sucedido em suas lutas contra o poderoso Lulubi no nortenho Zagros, uma vitória comemorada na estela mostrada ao lado. Narã-Sim então voltou seus olhos para o Elão, reduzindo-o novamente a um estado vassalo. Ele trouxe espólios de um lugar chamado Magã depois de derrotar o rei Manium, que alguns historiadores identificam como Menés, do Egito. Com tão impressionantes feitos, não surpreende que Narã-Sim viu a si mesmo como poderoso o suficiente para adicionar para si o epíteto, “Rei das Quatro Regiões”, e até para dar a si mesmo o título divino, “o deus de Agade”. Logo quando parecia que Narã-Sim estava além do alcance de qualquer poder, seu reino caiu catastroficamente, vítima de um ataque pelas mãos de uma hoste saqueadora de invasores do norte, chamados gutianos. Sua derrota em suas mãos trouxe confusão política e anarquia a Agade, e a dinastia acadiana nunca se recuperou desse golpe. Embora seu filho, Sharcalisari, tentasse reaver alguns dos domínios perdidos, foi claramente o fim de uma era, e o início do próximo período transicional na história mesopotâmica. Sarcalisari (2217 – 2193): Quando Sarcalisari tomou o trono em 2217, ele viu revoluções por todos os lados. Elão, sob seu governador, Puzur-Insusinaque, imediatamente declarou sua independência, e mais perto de casa, muitas cidades da Suméria se revoltaram. Sarcalisari fez o seu melhor para manter o controle, mas foi incapaz de reestabelecer sua autoridade. A maré de anarquia varreu toda a Mesopotâmia, e virtualmente do dia para a noite o grande Império Acadiano fundado por Sargão colapsou. A lista de reis sumérios parece mostrar que um tempo de governo descentralizado envolveu toda a região por alguns anos. Em algumas ocasiões, uma cidade começava a ganhar um controle mais


extenso, mas geralmente era incapaz de continuar a exercer uma unidade política duradoura. Os remanescentes do período acadiano, ainda assim, continuaram a exercer uma influência que incluía a extensão do uso de línguas semíticas, e a contínua mistura de populações da Suméria e Acade. Especialmente na arte e na literatura, a cultura acadiana tem sido reconhecida como tendo moldado muito do pensamento e história subsequentes da região. Gudea (2141 – 2122): Pouco se conhece sobre os gutianos, mas a maior parte da evidência sugere que eles tinham uma civilização limitada, e apareceram meramente como saqueadores tribais que arrasaram Agade enquanto ocuparam Nipur e algumas outras poucas localidades estratégicas. Sua dominância durou por cerca de 20 anos, mas durante este tempo, Lagaxe começou mais uma vez a despontar a um status mais proeminente entre as cidades-estado. Por alguma razão os gutianos pareceram favorecer Lagaxe, e com seu apoio, a cidade exerceu domínio sobre Ur, Umma, e Ereque. Alguns estudiosos identificaram uma nova, porém breve dinastia dentro deste período, fundada por um ensi chamado Urbaba, um homem que levou a autoridade novamente para os sumérios nativos. O mais famoso governante dessa dinastia foi o genro de Urbaba, Gudea. Sob o governo de Gudea, Lagaxe manteve alguma independência do controle direto dos gutianos, mas deu atenção muito maior a questões religiosas e artísticas. Sua face reverente, imóvel e sem expressão se tornou familiar para os estudantes da antiga Mesopotâmia, e numerosas estátuas suas como a retratada aqui têm sido recuperadas. Gudea investiu pesadamente em reconstruir Lagaxe, e para sustentar esses esforços, abriu relações comerciais com todo mundo “civilizado” de sua época. Em sua morte em 2122, vários outros membros da família seguiram em rápida sucessão, mas nenhum foi capaz de manter a proeminência de Lagaxe, nem a sua independência dos gutianos. Em outro local, entretanto, um rei estava reunindo forças para uma tentativa de quebrar o julgo gutiano, seu nome era Utuegal. Utuegal (2123 – 2113): Utuegal, o rei de Ereque, reuniu um exército e se rebelou contra os gutianos, derrotando e expulsando os odiados estrangeiros. Sua dinastia, no entanto, teve vida curta, durante apenas sete anos. Ele apontou um governador militar sobre Ur chamado Ur-Namu, e esse homem logo tomou seu próprio rumo, subjugando seu outrora protetor e assumindo o título “Rei de Ur”. Com isso, uma nova dinastia foi estabelecida naquela cidade que se tornou o maior reino e dinastia até então.


C. A Terceira Dinastia: Ur (2112 – 2004) O poder político mesopotâmico atingiu seu mais alto grau de desenvolvimento ainda na Terceira Dinastia, que foi centralizada em Ur. Esta cidade, a cidade natal de Abraão, desempenhou um importante papel na Mesopotâmia nos anos que precederam o nascimento do grande patriarca, começando com a deposição de Utuegal, o rei de Ereque. Ur-Namu (2112 – 2095): Como mencionado acima, UrNamu tinha sido o governante de Ur, mas expulsou Utuegal em um golpe, e tomou o trono, dando a si mesmo os títulos “Rei de Ur, Rei da Suméria e Acade”. Com esse anúncio, a Terceira Dinastia de Ur começou, e com ela uma era que se tornou um dos mais brilhantes períodos na história da Mesopotâmia. Os governantes durante a terceira dinastia eram sumérios, mas nesta época, os sumérios e os povos semitas haviam alcançado uma relação eficaz, refletindo a durável influência de Sargão. O inimigo comum de ambos os povos continuava a ser os gutianos, embora o contínuo afluxo de amorreus do oeste também colocasse pressão nas estruturas de poder existentes. Logo após Ur-Namu tomar o trono de Ur ele atacou e matou Namhani, o genro de Ur-Bau de Lagaxe, que havia adentrado o território de Ur com o auxílio gutiano. Com Ur e Lagaxe sob controle, Ur-Namu estendeu seu domínio por toda a região que havia sido a Suméria, e pode até ter alcançado terras vizinhas, embora poucos detalhes de suas missões militares sejam conhecidos. Os maiores feitos de Ur-Namu eram mais relacionados a questões internas, algumas das quais de importância duradoura. Ele é creditado com a publicação da mais antiga coleção de leis escritas, um código que não apenas reflete um refinado avanço civilizacional, mas que também contribuiu fortemente para o mais extenso Código de Hamurábi, publicado cerca de trezentos anos depois.


Ainda mais famoso que suas leis, no entanto, foi a contribuição mais impressionante de Ur-Namu, os zigurates que erigiu em Ur, Ereque, Eridu, Nipur, assim como em outras cidades. Até os dias de hoje, elas permanecem como um dos mais impressionantes monumentos desses locais. O mais bem preservado é o zigurate de Ur, que reflete um avançado design arquitetônico, e que dominava um largo terraço no coração da “cidade sagrada”, uma área reservada para os deuses. Como mencionado anteriormente, das muitas explicações que têm sido oferecidas para compreender o significado dessas impressionantes estruturas, é possível que nenhuma seja melhor do que aquela refletida na Bíblia em sua descrição da Torre de Babel, onde a torre tinha por objetivo “alcançar o céu” (Gn 11:4). As torres eram intendidas a estender aos deuses um permanente convite para descer à terra ao mesmo tempo que expressava os mais duradouros desejos do ser humano em se erguer de sua condição miserável e estabelecer um maior contato com o divino. Nenhuma indicação clara é dada na Bíblia no que se refere a data da construção da Torre de Babel, mas muitos estudiosos colocariam o evento em termos genéricos na janela do reinado de UrNamu. Sulgi (2094-2047): Ur-Namu morreu em uma guerra não documentada, possivelmente contra os gutianos, e foi sucedido por seu filho Sulgi, que reinou 47 anos. A primeira metade do longo reinado de Sulgi se ocupou em grande parte com atividades pacíficas, conforme ele continuava a investir na infraestrutura de sua cultura, avançando o conhecimento em muitas frentes, e melhorando a ordem administrativa, política e civil da sociedade.


Por volta de 2070, Sulgi começou a mudar seu foco para operações militares, lançando campanhas especialmente para o leste e norte. Estas foram aparentemente motivadas por uma preocupação em proteger rotas comerciais que tinham sido ameaçadas por nações vizinhas. As excursões resultaram na extensão das fronteiras dos domínios de Ur em direção ao leste adentrando Elão e sua capital, Susa. Sulgi parece ter seguido os passos de NarãSim, tanto que ele eventualmente tomou para si o nome “Rei das Quatro Regiões” (significando de modo aproximado, as quatro direções de uma bússola) e também deificando a si mesmo durante sua vida. Amar-Sin (2046-2038): Amar-Sin, o filho de Sulgi, dividiu o tempo de seu curto reinado entre projetos de construção e campanhas militares. Durante os reinados tanto de Sulgi quanto de Amar-Sin, o império de Ur chegou ao seu zênite, com impressionante infraestrutura governamental, e um exato sistema fiscal com registros precisos de receita e gastos. Vastas quantidades de registros administrativos foram escavados, e é provável que muitos mais sejam desenterrados nos próximos anos. Esses monarcas de Ur geralmente exerciam controle completo sob as vidas de seus súditos, mas eles também gastaram quantidades significativas de dinheiro público em projetos de construção e centros religiosos. A tecnologia era relativamente avançada, e uma variedade de indústrias floresceu, incluindo a manufatura de commodities como couro, têxteis, farinha, pães, cerveja, óleo de linhaça, pedras de moer, argamassa, etc. Apesar de tudo isso, as condições de vida do cidadão comum parece ter sido empobrecida, ou, na melhor das hipóteses, com considerável débito e escravidão operando nos estratos mais baixos da sociedade. Su-Sim (2037-2029): Com o reinado de Su-Sim, o irmão e sucessor de Amar-Sin, a grande dinastia de Ur começou a se desfazer. Evidências disso começam a aparecer durante o quarto ano de seu reinado, quando seus registros começam a refletir uma preocupação crescente com os Amurru (Amorreus) que continuavam a migrar para o norte da Mesopotâmia. Embora anteriormente os amorreus tenham sido responsáveis por estabelecer a Dinastia Acadiana de Sargão, depois disso as migrações amorritas envolviam um povo fragmentado e bárbaro parcamente organizado em clãs e tribos guerreiras, e eles eram geralmente vistos como beduínos incultos adentrando a partir do Deserto da Síria. Os registros do reinado de Su-Sim, embora esparsos, mostram evidências de que esse crescente número de amorreus estava colocando pressão na estabilidade de seu reino. Escaramuças


eram comuns, especialmente na fronteira, e os governantes de Ur encontraram-se cada vez mais na defensiva. Apesar destas dificuldades, Su-Sim conseguiu completar massivos projetos de construção por todo o império, como o grande templo em Esnuna, um templo que era dedicado “ao divino SuSim.” Ibi-Sim (2028-2004): Su-Sim foi sucedido por seu filho, Ibi-Sim, o último governante da dinastia de Ur. Quase imediatamente após tomar o trono, o império de Ur começou a se desintegrar. Uma por uma as províncias do leste associadas com Elão declararam sua independência e começaram a separar-se. Enquanto isso, novas ondas de amorreus exerciam pressão sempre crescente vindas do oeste. A primeira grande cidade da Mesopotâmia a fugir do controle de Ibi-Sim foi Esnuna, o grande centro que havia sido ligado a Elão por fortes laços econômicos, políticos e culturais. Tanto Esnuna quanto Susa, a capital de Elão, rebelaram-se no segundo ano de Ibi-Sim, substituindo sua autoridade por governantes locais, e expandindo grandemente o alcance de seu território sob seu controle próprio. Ibi-Sim tentou ganhar apoio enfatizando suas alegações à divindade, como sugerido pelo alto-relevo à direita. As coisas se tornaram ainda mais críticas no quinto ano de Ibi-Sim quando os amorreus invadiram o próprio coração do império, ameaçando até mesmo Ur. O rei continuou a lutar, mas com o passar do tempo ele viu-se perdendo o controle para as forças disruptivas tanto de dentro quanto de fora de seus domínios. A situação piorou quando um rival, Isbi-Erra (2017-1985), o governador de Isin, tomou o controle de três dos mais importantes centros do império de Ur: Nipur, Ereque e Eridu. IbiSim estava indefeso ao suportar a tempestade, e Isbi-Erra logo estabeleceu um reino independente com base em Isin, um reinado que marcou o início da Quarta Dinastia na Mesopotâmia. Ibi-Sim continuou a lutar pela sobrevivência até o ano 2004 quando invasores de Elão alcançaram até os muros de Ur em uma breve campanha contra sua última fortaleza. Eles devastaram a grande capital, saqueando e queimando-a até o chão. O próprio Ibi-Sim foi feito prisioneiro e trazido de volta a Elão. Com sua derrota a grande dinastia de Ur acabou, e toda a Mesopotâmia passou por uma grande mudança em sua organização política em que o norte foi separado do sul. Essa fragmentação continuou até a ascensão do Antigo Império Babilônio, cerca de dois séculos mais tarde.


No meio tempo, o sul foi frouxamente controlado por líderes ou de Isin ou de Larsa, embora Isin tendesse a dominar. O norte da Mesopotâmia, por outro lado, caiu sob a influência de duas outras cidades, Esnuna e Assur, embora, novamente, a dominância maior tenha caído sob a última. “Assur”, que era nomeada por sua principal divindade, Assur, posteriormente também emprestou seu nome a toda a região, “Assíria”. Era localizada em uma posição estratégica, olhando por sobre o Tigre e protegida de um lado pelo grande rio, e do outro por um canal. A cidade era intensamente fortificada, comandando a antiga estrada que começava na Suméria e prosseguia para o norte ao longo do vale do Tigre em seu caminho para Nínive, e de lá para a Armênia (Turquia oriental). Por muitos anos, governantes de Ur e de Agade haviam ocupado a região, mas os governantes locais haviam governado desde um tempo que se estendia até o Antigo Período Dinástico. A lista dos reis assírios publicada por A.Poebel em 1942 dá o nome de 17 “reis” de Assur, embora a cronologia tenha sido vista como débil, na melhor das hipóteses, e é possível que vários desses reis tenham governado concomitantemente. Após a queda de Ur, Assur se tornou independente. Ela foi governada por um rei chamado Puzurassur I, que parece ter assumido o controle em aproximadamente 2000 a.C. Ele foi seguido por uma série de reis, que embora nativos da Assíria, traziam nomes acadianos como Sargão ou Narã-Sim. Durante esses anos, os amorreus continuaram a “inundar” o norte da Mesopotâmia, assim como haviam feito nas regiões ao sul. Um destes, um chefe amorreu chamado Hale, estabeleceu um domínio independente que acabou levando a um maior, mais próspero e poderoso reino por trás do Império Assírio de anos posteriores.


D. A Quarta Dinastia: Isin (2018 – 1924) O sul da Mesopotâmia encontrou-se envolto em um turbilhão após a queda de Ur, com suas duas cidades proeminentes, Larsa e Isin, disputando o controle da região inteira por anos. Enquanto o embate às vezes fosse levado a um empasse, Isin gradualmente conseguiu exercer mais controle do que Larsa, e daquela cidade a então chamada “Quarta Dinastia” surgiu, um reino brevemente descrito aqui. Foi durante os anos desta dinastia que os eventos do Antigo Testamento, ligados a Abraão, seu chamamento, e sua migração para a Terra de Canaã, aconteceram. Isbi-Erra (2017-1985): Como já foi dito, Isbi-Erra (algumas vezes chamado Ishbi-Erra), o governante de Isin, utilizou-se da crescente fraqueza de Ibi-Sim ao tomar posse de três importantes centros, Nipur, Ereque e Eridu. Embora Ibi-Sim tenha governado o outrora grandioso império de Ur, neste momento ele se encontrava indefeso para resistir às investidas. Ele então começou a transição dos últimos dias da dinastia de Ur para os primeiros dias da menos gloriosa, mas não menos importante, dinastia de Isin. Nós vimos que Ur cedeu à invasão elamita em 2004. Os elamitas foram, entretanto, incapazes de manter o controle do outrora grande centro. Outros sul mesopotâmicos posteriormente convergiram para a cidade para afastar os estrangeiros. Isbi-Erra foi um destes que liderou o ataque e que conseguiu capturar Ur ao fim do seu reinado, assim tomando o controle da cidade, que foi arruinada, mas ainda reteve considerável prestígio. Isbi-Erra foi então capaz de estabelecer no sul a próxima dinastia, Isin, que tomou o lugar de Ur e fez a transição para o regime babilônico que viria depois. Su-Ilisu (1984-1975): Pouco se sabe sobre o sucessor de Isbi-Erra, cujo nome era Su-Ilisu, exceto que durante seu breve reino, ele conseguiu recuperar a estátua sagrada de Nanna, a deusa lunar de Ur, que havia sido tomada pelos elamitas em 2004. Registros desse tempo sugerem que houve relativa paz sob o seu reinado, permitindo algumas realizações literárias e construções religiosas. Foi Su-Ilisu e seus sucessores imediatos que começaram a investir muito mais pesadamente em Isin, estabelecendo lá uma capital de importância regional. Ao mesmo tempo, Su-Ilisu buscou revestir a si mesmo com o manto da grandiosidade perdida de Ur, assumindo para si o título, “Rei de Ur.”


Idindagã (1974-1954): Idindagã, o sucessor na dinastia de Isin, ocupou e estendeu as fronteiras de seu reino desde o Golfo Pérsico até aproximadamente a latitude da Babilônia, assim controlando todo o curso do baixo Eufrates. Foi durante o seu reino que outro governante, Bilalama de Esnuna, produziu o “código”, escrito em acadiano, que novamente mostrou consideráveis melhorias nos procedimentos legislativos, e que dava um passo a mais em direção ao grande Código de Hamurábi. Ismedagã (1953 – 1935): Ismedagã, que sucedeu ao trono de Isin, atacou sem sucesso a famosa cidade de Quis, um centro que até então mantivera sua independência como um pequeno reinado. Ele também se distinguiu por sua preocupação com as injustiças sociais e econômicas, e é conhecido como o rei que trouxe justiça à terra. De um ponto de vista bíblico, o acontecimento mais importante a ocorrer durante o reinado de Ismedagã foi o nascimento do patriarca Abraão em 1951. Abraão, é dito, veio de “Ur dos Caldeus”, isto é, a cidade de Ur, que agora havia passado seus “dias de glória” mas que ainda era tida como um importante centro cultural. A cidade era inegavelmente repleta de religião pagã, mais notadamente no grande zigurate de Ur, uma estrutura que indubitavelmente Abraão viu muitas vezes antes de ir embora e começar sua trilha rumo a Canaã. Lipite-Istar (1934-1924): A supremacia da dinastia de Isin continuou inconteste até o reinado de LipiteIstar, que é creditado como o autor de um código que incluiu cerca de quarenta e três artigos. Junto com seu prólogo e epílogo, a maior parte do seu código sobreviveu, e representa a primeira coleção de leis publicadas atribuída à dinastia de Isin. Lipite-Istar parece ter sido um legislador pacífico, embora perto do fim de seu reinado ele tenha entrado em conflito com um governador de mente mais belicosa, Gungunum, Rei de Larsa, que acabou por derrotá-lo e matá-lo.


Período Intermediário (1924-1894): Com a morte de Lipite-Istar, a Dinastia de Isin chegou à sua conclusão, e nos anos seguintes, as várias cidades-estados do sul da Mesopotâmia competiram por controle, embora a principal disputa continuasse a envolver Larsa e Isin. Como mencionado acima, o rei de Larsa era Gungunum (1932 – 1906), que alguns consideram ser o fundador da breve Dinastia Amorita no sul. Ele já havia feito campanhas na região das Montanhas Zagros, mas após seu bem-sucedido ataque a Isin em seu oitavo ano, ele começou a se concentrar na região ao sul, e logo ele obteve o controle de Ur, após isso declarando soberania sobre a Suméria e Acade. Ele continuou a expandir seus domínios pelos poucos anos seguintes, até que finalmente Lagaxe, Susa e Ereque caíram em suas mãos. Nesse momento, Gungunum possuía metade da Mesopotâmia meridional e tinha acesso ao Golfo. Para Isin, esses foram anos de significativo retrocesso. Após a morte de Lipite-Istar, um usurpador chamado Ur-Ninurta tomou o trono. Alguns anos depois, o governo de Larsa caiu perante o sucessor de Gungunum, Abi-sare (1905 – 1895). Os dois reis foram à guerra em 1896, quando UrNinurta foi derrotado e executado. Ele foi sucedido por Bur-Sin (1895 – 1874), mas nesse tempo, tanto Isin quanto Larsa encaravam um inimigo muito mais ameaçador que qualquer um de seus rivais ao sul da Mesopotâmia, representada pelo império que veio a ser chamado de “Antiga Babilônia”. Durante o período intermediário, Abraão migrou de Ur para Harã, a cidade ao norte da Mesopotâmia. Ele partiu em sua jornada em 1917, durante o reinado de Ur-Ninurta, que era um tempo de significativa instabilidade quando muitos outros também estavam migrando para fora do outrora grandioso império. Abraão tomou consigo seu pai Terá, sua esposa Sarai, seu sobrinho Ló, e permaneceu em Harã até 1876. Harã era por si só, um grande centro comercial ao norte, um bem estabelecido “portão” juntando a Síria e a Anatólia à Mesopotâmia e a regiões mais distantes ao leste.


D. A Quinta Dinastia: Antiga Babilônia (1894 – 1595) A quinta dinastia da Mesopotâmia é algumas vezes chamada de “Primeiro” ou “Antigo” Império Babilônico, assim distinguindo-a da era chamada “Neo Babilônica”, posterior em um milênio. A palavra “Babilônia” (Grego: βαβύλων) parece ter se originado do acadiano, Babilim, significando “portão dos deuses”. Fundada durante o Antigo Período Dinástico, não havia ainda tido proeminência nem religiosa e nem como centro comercial. O Período da Antiga Babilônia é mais conhecido por seu notável legislador, Hamurábi, e de muitos modos toda essa era serve simplesmente como um quadro da vida deste famoso governante. O período se estendeu por cerca de 300 anos, começando com o reinado de Samuabum em 1894, e terminando em 1595 quando o império finalmente caiu diante de uma breve, porém devastadora invasão pelos hititas. Samuabum (1894 – 1881): O período da Antiga Babilônia tem início quando Samuabum, um jovem, porém ambicioso príncipe amorreu, tomou o controle da cidade relativamente pouco importante da Babilônia, e junto com seus enérgicos e inteligentes sucessores, a transformou em um centro de poder e prestígio sem precedentes. Esse processo levou cerca de sessenta anos, mas com infinita paciência, e uma engenhosa mistura de diplomacia e força bruta, os cinco primeiros reis da Primeira Dinastia Babilônica foram capazes, pouco a pouco, de conquistar o país inteiro, anteriormente conhecido como Acade. De sua parte, as conquistas de Samuabum foram relativamente modestas. Ele começou seu reinado com a construção do “grande muro da cidade”, um sucesso ainda incompleto na ascensão de seu sucessor. Foi um início, mas a relativa insignificância da Babilônia não mudou muito, ponto enfatizado pelo fato de que Samuabum foi incapaz de reter o controle até mesmo da vizinha Quis, a cidade que seu sucessor, Samulael foi forçado a saquear. A despeito de suas conquistas modestas, Samuabum enxergou que a Babilônia um dia se tornaria grande e próspera, se elevando talvez até como capital de todo o país. É claro que ele nunca poderia prever a extensão em que suas esperanças se concretizariam, pois a Babilônia estava destinada a ser não apenas a capital da Mesopotâmia, mas de todo o Oriente Próximo. Dos tempos de Samuabum em diante, referências à Suméria e Acade se tornaram menos frequentes, e Babilônia se torna o nome que se firmou mais que qualquer outro no sentido da grandeza da terra entre os dois rios.


A ascensão da Babilônia ao poder sob Samuabum e seus sucessores só foi possível graças ao vácuo político em outras partes da região que se seguiram à queda de Ur em 2004. Até esse momento, a Babilônia havia sido governada por príncipes sob a autoridade de Ur, mas com a queda da Terceira Dinastia, a Mesopotâmia se fragmentou em um sem-número de pequenos reinos, deixando a Babilônia livre de controles externos. Como visto, o sul da Mesopotâmia estava preso em um conflito interminável entre Isin e Larsa, ambas querendo o domínio dos resquícios de Ur. Embora apreensivas, nenhuma delas estava em condições de ficar muito preocupada com a Babilônia ou outras cidades ao norte. O norte da Mesopotâmia também se desintegrara politicamente, enquanto suas duas principais cidades competiam pelo controle da região. Essas cidades, Assur e Esnuna, disputavam o controle das grandes rotas comerciais da parte superior da Mesopotâmia, enquanto dominaram a vida da região por cerca de duzentos anos. Das duas cidades, Esnuna foi primeiramente a mais imponente, tendo se separado de Ur durante o reinado de Ibi-Sim em 2027. Assim que estabeleceu sua independência, Esnuna usou sua posição estratégica como estrada da Mesopotâmia setentrional em direção a Elão para estender grandemente as fronteiras de seu domínio, enquanto isso desenvolvendo uma sofisticada infraestrutura que incluía um respeitável “código” que antecipava as leis de Hamurábi em cerca de 100 anos. A expansão de Esnuna culminou com o reinado de Ipique-adade (c. 1850) que pintou-se como “o ampliador de Esnuna.” Ele tinha ambições de controle sobre a rota de estanho que passava por sua cidade, mas seus esforços, assim como os de seus sucessores, finalmente foram derrotados. Enquanto a cidade de Esnuna continuou a se concentrar na construção de um império, os engenhosos governantes da Babilônia seguiam seus próprios planos, planos que não viriam a concretizar-se até alguns anos mais tarde. Samulael (1880 – 1845): O sucessor de Samuabum, Samulael, deixou poucos registros de suas realizações exceto pelas referências aos conflitos com Esnuna. Foi durante o reinado de Samulael que Ipique-adade buscou expandir o território de sua cidade construindo uma cabeça de ponte no Eufrates. Assim ele esperava controlar algumas das “rotas de estanho” do norte para a Mesopotâmia através de Susa. Seus esforços iniciais foram bem-sucedidos, mas ele encontrou dificuldades quando foi confrontado por três outras forças que se uniram para impedir sua expansão. Essas forças, Assur, Larsa e Babilônia, cercaram Esnuna e ergueram uma forte barreira contra seus planos ambiciosos. O ponto de virada na sorte de Esnuna também assinalou o fato de que a Babilônia havia se tornado uma força a ser considerada na Mesopotâmia central. Durante o reinado de Samulael, o patriarca Abraão parte de Harã e continua sua jornada em


direção a Canaã. O ano foi 1876, e Abraão tinha agora 75 anos de idade. Ao que parece, ele esperou a morte de seu pai Terá antes de continuar sua jornada, e logo após sua chegada à nova terra, uma fome o levou em viagem ainda mais para o sul, e ele chegou ao Egito, onde permaneceu por cerca de um ano. Enquanto estava no Egito ele fez negócios com o Faraó Senusret III, como será descrito no próximo capítulo. Logo após seu retorno a Canaã, Abraão e seu sobrinho Ló separaram-se, e Ló escolheu uma região nas proximidades do belo Vale do Jordão, próximo às cidades de Sodoma e Gomorra, enquanto Abraão permaneceu em Canaã. Cerca de dez anos mais tarde, as cidades de Sodoma e Gomorra foram atacadas por uma coalizão de reis da Mesopotâmia. Eles são identificados como Amrafael, rei de Sinar (Suméria), Arioque, rei de Ellasar, Quedorlaomer, rei de Elão, e Tidal, rei das nações (Hebraico: goyim; cf. Gn 14). Não há relatos externos destes reis, embora seus nomes fossem típicos de chefes amorreus desta época. Como resultado da batalha, Ló foi feito prisioneiro, mas depois foi resgatado por Abraão e sua força militar privada. Abraão reconheceu o cuidado de Deus por ele dando o dízimo dos despojos a Melquisedeque, e devolvendo o restante para os reis de Sodoma e Gomorra. Não muito tempo depois desses eventos, Gênesis relata que Deus renovou sua aliança com Abraão, confirmando sua aceitação diante de Deus baseado na fé apenas por meio da cerimônia sangrenta típica dos tratados do Antigo Oriente Próximo (Gn 15). No ano 1865, quando Abraão tinha oitenta e seis anos, ele teve um filho com Hagar, uma serva egípcia a quem ele tinha adquirido quando estava na terra do Egito. Quando Abraão tinha 99 anos, Deus deu a ele a aliança da circuncisão, e em 1851, no ano seguinte, Sara deu à luz Isaque, o filho da promessa. Também foi aproximadamente nesta época que as cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas por sua notória depravação, embora Ló e sua família tenham sido poupados da catástrofe. Sabium (1844 – 1831); Apil-Sim (1831 – 1813); Sim-Mubalite (1812 – 1793): Os três reis da Babilônia seguintes continuaram a expandir seus domínios, desenvolvendo o constante prestígio de sua cidade, e preparando o caminho para o maior monarca dessa dinastia, o filho de Sim-mubalite, que traria a Babilônia ao ápice de suas mais impressionantes realizações. Ao mesmo tempo, o drama da vida dos patriarcas continuava a acontecer, enquanto Abraão enviava seu servo Eliézer para Harã em 1811 para encontrar uma esposa para Isaque. Eliezer retorna com Rebeca, que se casou com Isaque, e por meio dela nascem os filhos gêmeos, Esaú e Jacó em 1791.


Hamurábi (1792 – 1750); Hamurábi herdou de seu pai Sim-mubalite um reino comparativamente pequeno cercado de todos lado por estados maiores e mais imponentes. Para o sul, um famoso governante em Larsa, chamado RimSin dominou a região que havia sido a Suméria, tendo posto um fim ao líder rival de Isin apenas dois anos antes. Olhando para o norte, o horizonte era obscurecido pelo grande líder de Assur, Samsiadade, que alguns consideram ser o fundador do primeiro e mais antigo Império Assírio. Para o leste, cruzando o Tigre, o atual governante de Esnuna, Dadusha, continuava os esforços de seus predecessores para consolidar o poder, fazendo-o especialmente através da ajuda de seus aliados, os elamitas. Apesar desses obstáculos, no entanto, Hamurábi, paciente e metodicamente, planejou a expansão de seus domínios. Os cinco primeiros anos do reinado de Hamurábi foram dedicados a questões administrativas internas. De acordo com seus registros, ele “estabeleceu paz e justiça na terra” no seu segundo ano, uma típica declaração se referindo a inauguração de suas reformas que culminaram com a publicação de seu famoso Código. A frase “justiça na terra”, não se refere às leis em si, mas ao costumeiro ato misharum, o édito de reformas com que os reis do período comumente iniciavam seu reinado. Esses atos ordinários garantiam um significante alívio para o povo do duro tratamento dado pelo predecessor. Os próximos 25 anos do reinado de Hamurábi envolveram relativamente poucas, mas altamente estratégicas campanhas militares. Durante esses anos o prestígio de Hamurábi gradualmente crescia, embora nessa época, muitos teriam identificado o assírio Samsiadade como o mais importante e imponente governante da região. As campanhas de Hamurábi começaram no quinto ano, quando ele tomou dramaticamente Isin de Rim-Sin, de Larsa. Ele então continuou o avanço em 1785 ao longo do Eufrates até Ereque, ao sul. Hamurábi tinha embarcado em campanha em direção ao nordeste em 1782, alcançando a cidade de Emutbal, entre o Tigre e a Cordilheira Zagros, e ocupou a cidade chave do distrito, Malgum. Em 1781, Hamurábi havia ocupado ao noroeste, Rapiqum, subindo o rio até Sipar, e assim, dentro de seus primeiros dez anos, havia expandido sua posição em todas as direções. Desse momento em diante, ele começou a dividir o seu tempo entre excursões militares e preocupações mais domésticas, como o embelezamento de templos e a fortificação de cidades.


Em 1764, Hamurábi adota uma política militar mais agressiva. Ele provavelmente estava reagindo a uma coalizão de estados vassalos rebeldes, incluindo os elamitas, Guti, os assírios, e o povo de Esnuna. Ele conduziu uma série de campanhas bem-sucedidas, primeiro subjugando Elão e um sem-número de seus formidáveis aliados. Então ele voltou sua atenção para Rim-Sin, a quem derrotou em 1763. Rim-Sim havia governado Larsa por 60 anos, o que representava o mais longo período de governo na história da Mesopotâmia até agora. Tendo subjugado o sul, Hamurábi foi capaz de assumir por direito o título tradicional de “Rei da Suméria e Acade”. A despeito de seus sucessos, Hamurábi encarou uma nova revolta no ano seguinte, mas dessa vez, ele não apenas derrotou seus exércitos, mas avançou ao longo das margens do rio Tigre tão longe quanto Subartu, finalmente trazendo fim ao reino de Esnuna, e estabelecendo-se como o senhor inconteste de toda a Mesopotâmia. Embora suas conquistas militares sejam impressionantes, a mais famosa contribuição de Hamurábi foi seu código de leis. Embora não seja único, o Código de Hamurábi sem dúvida representa o mais importante e longo documento do período. O Código é a mais longa inscrição contínua na linguagem da Antiga Babilônia, e há muito tem sido o texto padrão pelo qual os estudantes modernos aprendem essa língua. As leis estão gravadas em 49 colunas em uma estela de basalto de 2,25 metros de altura. O texto consiste de três partes, um prólogo e um epílogo escritos em um estilo elaborado e por vezes arcaico, e uma grande sessão média, dividida pelos estudiosos modernos em 282 leis. O verdadeiro propósito da lei tem sido assunto de considerável controvérsia, embora seja geralmente aceito que não devesse ser entendido como um código legal exaustivo, como aceito anteriormente. As intrigantes similaridades entre o Código de Hamurábi e as Leis de Moisés são fáceis de detectar. Embora o Código mostre uma paixão por justiça que esteja em aparente contraste com os códigos mais severos comuns naquela época. Hamurábi mostrou uma genuína preocupação por seus governados, e também refletia um respeito pelas tradições de um país que não o seu. A despeito de tudo isso, um estudante atento notaria que as Leis de Moisés mostram notável superioridade, e aqueles que simplesmente sugerem que Moisés “copiou” de Hamurábi fazem pouca justiça à qualidade da lei mosaica. Em adição ao que é dito acima, o reinado de Hamurábi também foi caracterizado por grandes mudanças na arte e cultura, que se tornaram mais distintamente “humanos”. A língua acadiana também foi trazida a um nível ainda mais elevado, e até um interesse científico começou a aparecer, sempre misturado, é claro, com uma considerável dose de adivinhação e mágica. Tudo isso serviu para fazer do 18º século um período decisivo na história.


Hamurábi morreu no ano de 1750. Nessa época, movimentos de povos não semíticos na periferia da Babilônia estavam se tornando claramente evidentes. Para o noroeste, os hititas estavam expandindo seu controle sobre outros povos da Anatólia, fazendo recuar o controle assírio sobre a Capadócia. Outro grupo, os hurrianos, estavam invadindo pacificamente a Síria e o norte da Mesopotâmia. Ao nordeste, na região da Cordilheira dos Zagros, uma aristocracia ariana estava organizando os povos conhecidos como cassitas em uma nação de guerreiros. Apesar de tudo isso, no entanto, a real ameaça à Babilônia era interna. Hamurábi havia unido a região de maneira que dependia primariamente de sua personalidade dominante. Ele tinha certamente obtido um sucesso aparente, mas pode ser que o esforço para unir a Mesopotâmia tenha sido prematuro. Afinal de contas, durante a longa história da região, as quatro principais cidadesestados da região, Ur, Larsa, Esnuna e Assur, haviam sido ferozmente independentes. Hamurábi os havia forçado dentro de um império, e usado de igual força para mantê-los unidos, mas com sua morte, o fervente ressentimento daqueles sob o seu controle começou a despontar entre os reinos vassalos. Enquanto a unidade política começava a se desfazer, os subsequentes governantes da Babilônia usaram cada vez mais de uma mão de ferro para manter o controle, mas isso apenas fez com que as coisas piorassem. A queda no influxo de impostos fez com que os reis impusessem cada vez mais demandas financeiras, e como resultado a terra foi excessivamente cultivada, o que resultou em um dano irreparável ao delicado balanço ecológico da região. O solo se tornou salinizado, impossível de ser cultivado. Cerca de um século depois de sua morte, a terra de Hamurábi havia se desintegrado em desordem econômica e desastre ecológico, e pelo fim do período foi necessário apenas um pequeno golpe, uma rápida invasão dos hititas em 1595, para trazer ao colapso da Dinastia da Antiga Babilônia. Nos voltamos agora para um breve sumário da carreira dos últimos poucos governantes da Antiga Babilônia.


Sansiluna (1749 – 1712): O filho de Hamurábi, Sansiluna, foi inicialmente bem-sucedido em imitar as políticas de seu pai, mas não demorou muito para que o sul entrasse em revolta, organizando-se em torno de uma nova dinastia que foi estabelecida nos pântanos perto do Golfo. A dinastia foi fundada por Iluma-ilu, supostamente um descendente de Damiquilisu (último rei de Isin). Quando ele levantou a bandeira da independência na Suméria, se tornou o estandarte da união de todo o país ao sul de Nipur. A nova dinastia, conhecida como o País do Mar sobreviveu por cerca de 300 anos, embora nunca tenha exercido grande poder. O governo de Sansiluna foi complicado por outro rebelde da Suméria, que se chamava Rim-Sim, o nome do último rei de Larsa. Esse pseudo Rim-Sin, um amorreu, liderou uma revolta nos distritos fronteiriços a Elão. Sansiluna demorou cinco anos para capturá-lo e executá-lo, e no meio tempo Rim-Sim criou considerável confusão na região. O Rei de Esnuna, que tomara lugar com o impostor, também foi capturado e levado à Babilônia nessa época. Na sangrenta guerra que se seguiu, Sansiluna derrubou as muralhas de Ur e Ereque, saqueando e incendiando seus templos e destruindo parte substancial de ambas as cidades. Enquanto Sansiluna combatia esses rebeldes no sul, ele também descobriu que devia defender-se contra a pressão vinda da Assíria pelo norte, que tinha sido submetida ao controle babilônico por Hamurábi, mas se separado para seguir um obscuro descendente de Sansiadade. Mais perto de casa, um outro povo igualmente obscuro chamado de cassita lançou uma série de investidas contra as cidades fronteiriças da Babilônia em 1741. Os cassitas estabeleceram um centro em Mari, no médio Eufrates, mas eram pouco sofisticados e foram facilmente repelidos por Sansiluna. Ironicamente, foram os mesmos cassitas que viriam, uns 150 anos depois, herdar a hegemonia babilônica depois do ataque relâmpago dos hititas em 1595. Os cassitas, junto a vários outros povos de fala não semítica, que incluíam os hurrianos e os hititas, começaram a exercer pressão cada vez maior no enfraquecimento dos domínios no norte da Babilônia. Veio a ocorrer que os cassitas passaram do uso da violência no ano seguinte, para simplesmente começarem a migrar região adentro, de modo geral oferecendo seus serviços como agricultores. No final do século, colonos cassitas haviam obtido quantidade de terras significativa dentro da própria Babilônia.


Abiesu (1711 – 1684): O filho e sucessor de Sansiluna foi Abiesu, mas no tempo em que ele chegara ao trono da Babilônia, já havia perdido toda a região do médio Eufrates de seu reino. Pouco mais se sabe sobre Abiesu, exceto que ele repeliu um segundo ataque cassita, liderado pelo chefe cassita Kastiliasse I, que governou em Hana, uma cidade perto de Mari no médio Eufrates. Ao mesmo tempo, Abiesu tolerou, ou possivelmente até encorajou, indivíduos cassitas a assentarem-se na Babilônia como trabalhadores rurais. Abiesu é lembrado em grande parte pelo grandioso esforço que enfrentou para desalojar o Rei do País do Mar Iluma-ilu dos pântanos em que ele havia se escondido. Ele represou o Tigre, aparentemente esperando drenar o pântano, mas, apesar disso, falhou em capturar seu rival, que continuou a reinar inconteste sobre a Suméria. Amiditana (1683 – 1657): O rei seguinte, Amiditana, deixou poucos registros, mas pode ter recuperado parte do território perdido por seus predecessores. Como veremos em um capítulo posterior, o reino dos hititas estava gradualmente crescendo durante seu reinado. Um governante hitita chamado Labarnas II (1650 – 1620) continuou acrescentando a seu domínio o principado de Hatti, na região da Anatólia Central, e então tomou para sua morada a cidade até então deserta de Hatusa (moderna Boghazkale). A partir daí chamou-se Hatusil, de onde o termo Hitita deriva. Ele estava especialmente interessado em expandir-se para o sul, fosse para o Egito ou Mesopotâmia, onde ele acreditava que as riquezas haviam se acumulado por milhares de anos. O confronto entre hititas e babilônios se tornava cada vez mais inevitável. Amisaduca (1646 – 1626); Sansiditana (1625 – 1595): Os últimos dois reis da Antiga Dinastia Babilônica se esforçaram para manter o poder, mas eram, enfim, incapazes de fazê-lo. Na verdade, os últimos poucos reis babilônicos se encontravam reinando sob um diminuto território mantido com cada vez menos prestígio. Documentos literários e econômicos, entretanto, mostram um reinado surpreendentemente próspero durante esses anos. As artes floresceram, sem sinal do desastre iminente em nenhum dos registros disponíveis. O fim, porém, veio de modo súbito. A invasão não se originou, como poderia se esperar, do problemático País do Mar ao sul, ou dos cassitas ao noroeste, mas do norte distante, onde os hititas tinham criado um reino em rápido crescimento. O rei hitita, Labarna II, havia gradualmente adentrado o norte da Síria, território que há muito havia sido mantido pelos assírios. Seu filho adotivo e sucessor, Mursil I (1620 – 1590) continuou a campanha, tomando Alepo, seguida por Carquemis. De lá, os hititas seguiram pelo curso do Eufrates, ao que parece, sem oposição, e repentinamente apareceram diante dos portões da Babilônia. Mursil atacou como o clarão de um relâmpago, saqueando Babilônia, e levando seus deuses. As estátuas de Marduque e sua consorte foram tomadas e deixadas em Mari. Sansiditana perdeu sua coroa e sua vida, e então em um dia, e, presume-se, sem muita resistência, a Antiga Dinastia Babilônica caiu. Depois da queda da Babilônia, Mursil retornou para Hatusa, e nunca mais voltou. Parece que o oitavo rei da Dinastia Cassita, Agum II (Kakrime), tomou o trono deixado vazio por Sansiditana, e por cerca de 400 anos (1595 -1157) uma longa linha de monarcas cassitas governou a Mesopotâmia. Conhecimento sobre a história posterior dos cassitas é, na melhor das hipóteses, escasso. A história do


reinado cassita na Babilônia é quase igualmente obscura, embora eles pareçam ter sido governantes sensatos e competentes. O período que compreende os Cassitas e que se estende aproximadamente até o ano 1350 foi, de modo geral, pacífico, apesar da turbulência que tomou o palco da história de modo significativo nesta época. Os dados disponíveis sugerem que um período de relativa estabilidade, em que exércitos que logo se confrontariam estavam limpando os ferimentos e afiando as armas. A história da presença cassita na Babilônia será abordada de modo mais completo em um capítulo posterior.


Capítulo 2

Egito (2000 - 1300 a.C.)

De todas as civilizações que passaram pela história bíblica, o Egito é certamente a mais duradoura, e possivelmente a mais influente. Abraão, depois de chegar da Mesopotâmia, visitou o Egito. Seu bisneto, José, se tornou vizir do Egito. E os descendentes de Abraão residiram por muitas gerações na região do Delta do Nilo. O momento definitivo da criação da nação de Israel veio através do Egito no Êxodo. Salomão casou-se com a filha de um Faraó egípcio, e um faraó subsequente saqueou Jerusalém durante o reinado de Roboão. O Egito desempenhou um papel estratégico durante o reinado de vários reis de Israel e Judá conforme eles o buscaram como aliança política para lidar com ameaças próximas e distantes. Algumas vezes o Egito foi um aliado, algumas um inimigo. Josias morreu no campo de batalha de Megido nas mãos do Faraó Neco, mas apenas alguns anos depois Jeoaquim e Zedequias, ambos, buscaram segurança contra a crescente ameaça da Babilônia se aliando com o Egito. Até mesmo durante o Período Intertestamentário, o papel dos egípcios foi estratégico, na medida em que havia a competição entre as dinastias dos Ptolomeus e Selêucidas. O próprio Jesus ficou um tempo no Egito quando bebê, identificando-se dramaticamente com Seu povo no momento de Seu nascimento. Problemas de Datação: Além de sua importância na narrativa bíblica, o Egito se destaca como uma das mais importantes e intrigantes civilizações da história, com a existência nacional mais longa da história. Grande incerteza cerca os limites mais longínquos da história inicial egípcia, mas para fins deste trabalho, começaremos a história egípcia mais ou menos em 2500 a.C., embora possa ser útil resumir um pouco dos aspectos mais remotos da história do Egito, na esperança de que uma visão geral dê contexto aos detalhes mais específicos que serão vistos posteriormente.


Egiptologistas geralmente situam o fim do período pré-histórico do Egito em cerca de 3100 a.C., quando o país caiu sob o controle de um único governante, o primeiro a unir o Egito sob uma autoridade única. A fonte mais importante para traçar um quadro dos governantes subsequentes vem de Maneto, um sacerdote e escriba que viveu no Egito no terceiro século a.C. Maneto dividiu os governantes do Egito em dinastias, e assim a história egípcia pode ser inicialmente distinguida entre os períodos Dinástico e Pré Dinástico. Considerável controvérsia cerca a datação dos monarcas neste período inicial, e os detalhes desse debate estão fora do escopo deste trabalho. Basta dizer que a tarefa de correlacionar eventos bíblicos como o Dilúvio com a história geralmente aceita do Egito deixa problemas ainda não resolvidos. Maneto identifica trinta dinastias na história egípcia, começando com Menés, o lendário fundador da primeira dinastia, e terminando com Nectanebo II, o último rei da trigésima. Duas dinastias extras foram adicionadas à lista de Maneto, somando um total de trinta e duas. Todas essas dinastias foram encaixadas nos chamados “reinos” e “períodos intermediários.” Reinos se referem a épocas em que o Egito estava unificado sob um governo central, enquanto os períodos intermediários se referem aos períodos em que o Egito estava dividido entre duas ou mais autoridades concorrentes. Apesar da lista que Maneto nos dá, uma incerteza considerável cerca os detalhes dos nomes e períodos dos reis do Egito. O problema é agravado pelo fato de que o trabalho original de Maneto não está disponível. Tudo que temos é um pedaço editado pelo historiador judaico Josefo. Outras listas de reis sobrevivem em outras fontes, a mais antiga delas sendo a Pedra de Palermo, uma estela que se encontra no Museu de Palermo


na Itália. Dada a incerteza, a datação dos reis e eventos dos anos iniciais da história do Egito deve ser abordada com considerável cuidado. As datas fornecidas neste livro são amplamente aceitas, mas na melhor das hipóteses são estimativas. A Terra: O Egito se encontra no limite oriental do Deserto do Saara, uma região vasta, vazia e árida, embora imagens de satélite mostrem que já foi muito mais fértil do que é hoje. O Egito Moderno possui uma área total de cerca de um milhão e duzentos mil quilômetros quadrados, do qual a maior parte é deserto. O Nilo atravessa a terra, do sul para o norte, criando cerca de 50.000 quilômetros quadrados de área cultivável. A famosa descrição de Heródoto de que o Egito é uma “dádiva do Nilo”, permanece tão verdadeira hoje quanto foi na época em que ele a escreveu. O Nilo flui de vários tributários na África, e é interrompido por seis cataratas, nome dado a áreas onde o rio flui por sobre afloramentos de rocha. Elas são numeradas do norte para o sul, com a primeira catarata em Assuã basicamente delimitando a fronteira sul do Egito. O norte do Egito é comumente chamado de “Baixo Egito”, por causa de sua menor elevação, e o sul do Egito, por sua vez é chamado de “Alto Egito”

Período Dinástico Primitivo Primeira Dinastia: Como foi o caso da Mesopotâmia, a história do Egito se estende muito além do alcance de qualquer registro histórico. O fundador lendário da Primeira Dinastia foi Menés, que uniu a nação sob um governo centralizado na cidade de Mênfis, a qual ele fundou. Menés foi provavelmente o mesmo Narmer que aparece em uma estela votiva de Hieracômpolis (à direita) que apresenta seu nome. A rainha de Narmer foi Neitotepe, que parece ter sido uma princesa do norte com quem Narmer se casou, e através da qual ele pôde reclamar o Baixo Egito. O sucessor de Narmer, Aha, consolidou o trabalho de seu predecessor, e pode também ter conduzido campanhas na Núbia e na Líbia. É provável que nos primeiros anos da Primeira Dinastia, as condições do Egito fossem turbulentas. Os nomes dos governantes sugerem um estilo de governo altamente agressivo. Aha significa “lutador”, Djer, “paliçada”, Djet, “Cobra”. O quinto rei foi Den, cujo nome


significa “Matador”. Apesar de suas designações, esses homens são lembrados mais por suas atividades pacíficas, incluindo ciência e arte. Den foi sucedido por seu filho, Anedjib, que parece ter sido deposto por seu meio-irmão, Semerkhet. Segunda Dinastia: A Segunda Dinastia, como a primeira, teve oito reis. Quando terminou, um estado unificado com um forte governo centralizado havia emergido, e Mênfis estava firmemente estabelecida como sua capital. Esses dois fatores, junto com muitos outros avanços culturais, trouxeram o Egito à beira de sua primeira “era dourada”, também conhecida como “Reino Antigo”. Pelo fim da Segunda Dinastia, o governo e administração do Egito se assemelhavam a seu mais famoso símbolo, a pirâmide. No ápice estava o rei, que era visto como um ser divino, e que era considerado como a manifestação terrena do deus egípcio Hórus. A função suprema do rei era manter a unidade do Alto e Baixo Egito. Abaixo do rei estavam os nobres e altos oficiais, e abaixo destes os oficiais menores e membros da corte. Ainda mais abaixo estavam os artesãos e operários, e na base da pirâmide estavam camponeses, agricultores e outros trabalhadores. A economia do antigo período dinástico era relativamente estável, e os recursos naturais do Egito eram suficientes para evitar a necessidade de expansão territorial pelos governantes. A arte egípcia durante os anos iniciais era razoavelmente avançada, embora não alcançasse o nível dos Sumérios, de quem as primeiras dinastias do Egito foram contemporâneas. O aspecto mais distintivo e incomum da civilização egípcia envolvia técnicas funerárias elaboradas que alcançavam um ponto de notável sofisticação já neste período inicial. A mais bem conhecida técnica era o uso da mastaba, uma estrutura achatada com paredes inclinadas e teto plano. Essa estrutura, que claramente antecipava as pirâmides de uma era posterior, serviam como tumbas para os monarcas falecidos, assim como muitos dos funcionários que o monarca levaria consigo para a próxima vida.

O Antigo Império: Os Construtores de Pirâmides A Terceira Dinastia: O Egito provavelmente é mais famoso por suas famosas pirâmides, que foram construídas durante a terceira e quarta dinastias como parte do chamado “Antigo Império”. O mais famoso governante da Terceira Dinastia foi Djoser, durante a qual o uso de novos materiais e habilidade para construção de grandes monumentos cresceu de tal maneira que a tumba em Saqqara (a Pirâmide em Degraus) se tornou um dos mais inovadores monumentos na história da arquitetura. O desenho dessa


impressionante estrutura tem sido tradicionalmente visto como o trabalho do principal ministro do rei, Imhotep. Ele foi, tempos depois, reverenciado pelos egípcios como sábio e médico, e até os gregos o honraram por suas habilidades em medicina, junto a Asclépio. A pirâmide parece ter se iniciado como uma mastaba, mas durante muitas revisões posteriores, a distintiva forma de pirâmide em degraus se desenvolveu. A Quarta Dinastia: O último rei da Terceira Dinastia, Huni, foi sucedido por Snefru, que foi um rei ativo e poderoso, e que deixou como suas realizações mais duradouras, as duas pirâmides construídas por ele em Dashur. Snefru também foi conhecido por suas expedições militares no Sinai, assim como na Núbia e Líbia. O filho de Snefru, Khufu, foi o primeiro dos três reis da Quarta Dinastia a construir suas massivas pirâmides em Gizé. Khufu, Khafre e Menkaure são mais conhecidas por seus nomes gregos, Quéops, Quéfren e Miquerinos. Essas pirâmides foram um desenvolvimento cultural que reteve significado mitológico. As pirâmides anteriores, em degraus, representavam uma escada para os céus, mas as verdadeiras pirâmides da Quarta Dinastia representavam a dispersão dos raios solares. As pirâmides de Khufu, Khafre e Menkaure, dominavam o platô de Gizé, seus cantos assomam na direção nordeste para sudoeste em ordem decrescente de grandeza. A maior, a pirâmide de Khufu, é tão gigantesca que foi apelidada de “O Horizonte”. Sua altura original era 146 metros (os 10 metros mais altos estão faltando agora) e cobrem uma área de cerca de 10.000 m². A pirâmide de Khafre era um pouco menor que a de Khufu, com um tamanho original de 143,5 metros. A menor pertence a Menkaure, e com seu esforço chegou ao fim a era de ouro da construção de pirâmides.


Quinta Dinastia: Durante a Quinta Dinastia, o status dos faraós foi sobremaneira diminuído, de modo que o rei tomou o título “Filho de Rá”, enquanto nas dinastias anteriores eles eram considerados como a manifestação terrena do deus Hórus. Esse título reduzia o rei a um filho de deus. A autoridade divina do rei se desgastou ainda mais quando templos foram erigidos no local das pirâmides para a celebração do culto a Rá e não para a adoração do rei. Sexta Dinastia: Pelo final da Sexta Dinastia, o poder real declinou rapidamente, em grande parte pelo tesouro ter sido gasto na manutenção crescente de tão elaboradas celebrações fúnebres. Ao mesmo tempo, o poder descentralizado cresceu à medida que governadores provinciais se tornavam barões de seus próprios feudos. A situação alcançou um ponto de ebulição durante o reinado de Pepi II (c. 2269 – 2175), que assumiu o trono quando criança e morreu avançado em anos. Ele foi sucedido por Nitocris, uma governante cujo breve reinado de menos de dois anos foi sucedido por meio século no qual a autoridade real foi muito diminuída. A religião do Egito: A religião do Egito era politeísta. Durante o período do Império Antigo, muitas divindades “locais” adquiriram status como deuses cuja adoração era reconhecida e patrocinada pelo estado. Entre estes estavam a deusa bovina conhecida no período dinástico como Hathor, o deus com cabeça de chacal Anúbis, Ptá de Mênfis, assim como vários deuses solares. O sol era comumente reconhecido como a fonte de luz e vida, e adorado por todo Egito por diferentes nomes. Começando com a Segunda Dinastia, no entanto, foi a divindade solar adorada em Iunu (Heliópolis) no Baixo Egito que se tornou predominante. Esse deus sol foi personificado de várias maneiras, incluindo o escaravelho representando o jovem sol da manhã (Khefri), o homem com cabeça de falcão se erguendo como o sol da tarde (Harakhty), e Áton, representando o sol poente, adorado sobretudo em Iunu.


Já no início do Reino Antigo, Áton foi reposicionado como divindade principal de Iunu por Rá, conhecido como Rá-Áton ou Rá-Harakhty. Essa divindade era representada ou como o próprio disco solar ou como um homem com o disco solar em sua cabeça. Se pensava que ele velejava através do céu todos os dias, e de noite velejava para o submundo. Ali ele atuava como o grande Juiz dos Mortos. Rá, como Áton, era tanto o criador dos deuses quanto da humanidade. Tanto Áton quanto Rá são tidos como os pais de Shu, o deus do ar, e Tefnut, a deusa da umidade. Esses dois, por sua vez, geraram Geb, o deus terreno, e Nut, a deusa do céu, que eram por sua vez pais de Osíris, Ísis, Set, e Néftis. Juntos, estes formavam as nove divindades de Enéade de Heliópolis. Falcões eram adorados em muitos locais como deuses do céu, mas mesmo antes da unificação do Egito os falcões foram eclipsados por Hórus, que se tornou o deus real por excelência, finalmente emergindo como deus patrono de linhas religiosas tanto no Alto quanto Baixo Egito. O rei governante era muitas vezes chamado de “O Hórus Vivente”, a representação terrena do deus, e muitos nomes reais incorporavam uma referência a Hórus, sugerindo que o rei era a expressão encarnada do deus falcão. Durante a Sexta Dinastia a importância de Osíris cresceu dramaticamente. Osíris havia sido uma divindade obscura, mas o crescimento e expansão das práticas funerárias levaram a um elevado interesse no submundo. Originalmente, Rá havia sido o juiz dos mortos, e ele presidia o mundo inferior. Durante aqueles anos iniciais, a promessa de uma vida após a morte era garantida apenas ao rei e, eventualmente, alguns poucos privilegiados. O mito apresentava Osíris como um deus beneficente do Egito, o pastor de seu povo, que era assassinado por Set, seu irmão invejoso. Com a ajuda de Ísis, sua fiel esposa, Osíris era ressuscitado para governar o submundo, onde ele substituíra Rá como o juiz dos mortos. A história de Osíris evoca simpatia, e seu culto se espalhou até que ele se tornou uma das divindades mais populares do Egito, em grande parte porque democratizava o submundo, trazendo a esperança de uma vida eterna para todos.


Os egípcios acreditavam que a pessoa de um homem ou mulher consistia de duas formas espirituais, Ka e Ba. O Ka, algumas vezes traduzido como duplo ou gêmeo, vinha à existência no momento do nascimento. O Ba, comumente representado como uma forma humana com cabeça de pássaro, permanecia para trás na terra, podendo deixar a tumba durante o dia, mas sempre retornando de noite. O propósito da tumba e das oferendas era manter o bem-estar do Ba, pois se o Ba morresse, então, se temia que o Ka não poderia continuar vivendo no pós-vida. O local ideal para enterros era tradicionalmente a margem ocidental do Nilo, pois o Oeste, o lugar onde o sol se põem, era considerado a morada dos mortos.

O Primeiro Período Intermediário (2181—2040 a.C.) Da Sétima à Décima Dinastia: O Primeiro Período Intermediário, com a sua perda de autoridade central, foi ainda assim caracterizado por uma ordem social razoavelmente estável, e uma civilização com relativa hierarquia, com governadores locais se estabelecendo como líderes da sociedade.

O Médio Império (2040 – 1782 a.C.) Décima-Primeira Dinastia (2040 - 1991):

Mentuhotep I (2060 – 2010), o primeiro rei da décima primeira dinastia, é mais conhecido por ter sido quem reunificou o Egito após um longo Período intermediário. O ponto de virada se deu em seu décimo quarto ano quando o príncipe de Abidos se revoltou. Mentuhotep imediatamente tomou a sua iniciativa de esmagar a revolta, e uma série de batalhas levou ao controle total do Egito em 2040. Seu filho e sucessor, Mentuhotep II (2010 – 1998), herdou de seu pai um país que florescia. Subindo ao trono em uma idade relativamente avançada, Mentuhotep II reinaria apenas 12 anos, mas ele foi bem-sucedido em continuar a política de seus predecessores, incluindo uma forte atitude defensiva relativa aos vizinhos da fronteira norte. Mentuhotep III (1997 – 1991), o último rei da Décima Primeira Dinastia, foi um tanto obscuro, e alguns questionam se ele realmente existiu. Parece provável que seu vizir e governador do sul, Amenenhat, tenha tramado para derrubar o rei, levando ao estabelecimento da Décima Segunda Dinastia. Décima-Segunda Dinastia (1991 - 1782): Amenenhat I (1991 – 1962):


Amenenhat I parece ter ascendido de pais humildes na região de Elefantina. Seu reinado de quase 30 anos trouxe relativa estabilidade, e assentou as fundações para a força da Décima Segunda Dinastia, que continuaria por cerca de dois séculos. Amenemhat, junto com outros reis da Décima Segunda Dinastia, adotou uma atitude agressiva contra os Núbios, primariamente para proteger os interesses egípcios na operação das minas de ouro ao sul. Talvez a mais importante inovação de Amenenhat I, entretanto, tenha sido a prática da incorporação da corregência, uma instituição que duraria por toda a Décima Segunda Dinastia. Assim, no vigésimo ano de seu reinado, ele associou seu filho Senusret a si, e eles compartilharam o trono por dez anos antes do assassinato de Amenenhat. Senusret I (1971 – 1926): Em 1962, Amenenhat I foi assassinado em uma tentativa de golpe. A esse tempo, seu filho e corregente, Senusret estava em uma expedição no deserto líbio. Recebendo as notícias, ele se apressou em voltar à capital e rapidamente trouxe as coisas sob seu controle. A transição foi estável, e Senusret reinou por mais 34 anos. Seu reinado representa o zênite da literatura e artesanato egípcios. Em seu terceiro ano, Senusret reconstruiu o templo de Rá-Atom no antigo centro de culto ao sol, Heliópolis. Senusret consolidou muitas das políticas de seu pai, dirigindo atenção para o sul em busca de ouro e produtos de agricultura. Durante seu reinado, pelo menos 13 fortes foram construídos se estendendo até a Segunda Catarata. Três anos antes de sua morte, Senusret tomou seu filho Amenemhat II como corregente. Conforme notado no capítulo 1, o patriarca Abraão nasceu em 1951, durante o reinado de Senusret I. Amenemhat II (1929 - 1895): Amenemhat II se esforçou para consolidar o trabalho de seus predecessores. Nas relações exteriores ele parece ter mantido boas relações com seus vizinhos. Há considerável evidência de troca de presentes diplomáticos entre Amenemhet e o Levante (Palestina), e até foram escavados ricos presentes com a Mesopotâmia. Amenenhat construiu sua pequena pirâmide em Dashur, a leste da pirâmide de Snéfru, da Quarta Dinastia. Tudo o que sobrou da estrutura agora é uma grande pilha de tijolos de barro erodidos.


Senusret II (1897 – 1878): Senusret II desfrutou de um reinado relativamente pacífico, e aparentemente, de boas relações com seus vizinhos. Ele construiu a pirâmide de Lahun, novamente, em essência, feita de tijolos de argila que foram erodidos depois que a cobertura de calcário pereceu. Senusret III (1878 – 1841): O maior rei da Décima Segunda Dinastia foi sem dúvidas Senusret III. Representações dele são conhecidas por sua face contemplativa e carregada de preocupações, mostrando um governante mais humano do que seus predecessores de semelhança divina. Maneto descreve Senusret como um guerreiro impressionante, e menciona que o rei tinha uma estatura imponente, de quase dois metros. Ele conseguiu restringir a gradual e crescente influência dos príncipes locais que pouco a pouco desafiavam a monarquia. Ele fez isso dividindo o país em três distritos administrativos, cada um administrado por um conselho de anciãos encarregados de reportarem-se a um vizir. Como líder militar, Senusret se concentrou na política externa, lançando uma série de campanhas devastadoras contra a Núbia, conseguindo trazer as tribos recalcitrantes à linha. Uma grande estela encontrada em Semna, em amostra em Berlim, relata, “Eu levei suas mulheres, eu levei seus servos, subi contra seus poços, esmaguei seus touros: eu colhi seu grão e o incendiei.” Ele estendeu as fronteiras do Egito ainda mais para o sul do que qualquer de seus ancestrais e iniciou a exigência de que os futuros reis mantivessem aquelas fronteiras agressivamente. Para assegurar seu controle sobre a Núbia ele erigiu uma série de fortes, construídos em posições estratégicas, com espessos muros de tijolo de barro (ver abaixo). Os fortes, no entanto, eram principalmente intentados para manter o monopólio egípcio de bens como marfim, ouro e peles de animais africanos. Usando esses produtos, Senusret também levou afrente substanciais projetos de construção no Egito, usando a receita de suas façanhas na Núbia.


Assumindo que Abraão chegou a Canaã em 1876, é provável que após um ano de sua chegada ele tenha viajado para o Egito, dirigindo-se para lá por causa fome. É provável que Abraão estivesse viajando com uma grande comunidade, possivelmente duas ou três mil pessoas, que eram seguidores de sua religião e seu Deus. Ele teria sido a essa altura considerado como um xeque ou um príncipe, e sua presença teria chamado a atenção do Faraó. Abraão estava ciente de que o faraó poderia vê-lo como uma ameaça, o que explica o seu medo de que faraó poderia tomar Sara e matá-lo. É possível que essa seja a razão pela qual Abraão instruiu sua esposa a se portar como sua irmã. E aconteceu que faraó tomou Sara, mas tratou Abraão bem por causa dela, de fato pagando o preço de um dote, e estendendo considerável hospitalidade para com Abraão. Deus, entretanto, trouxe pragas sobre a corte de Faraó em seu favor (Gn 12:10-20). Abraão retornou a Canaã no ano seguinte, 1875, e teve poucas relações futuras com a terra do faraó. Amenenhat III (1842 – 1797): O último grande governante do Médio Império, Amenenhat III, reinou por 45 anos, e como seu pai, deixou uma série de retratos notáveis de sua individualidade e fino trabalho. Durante o seu reino, o Egito atingiu o mais alto ponto de sua unidade, prosperidade e prestígio. Príncipes provinciais não eram mais uma ameaça, a Núbia estava sob controle, e muitos governantes da Ásia Ocidental reconheciam sua autoridade. Amenenhat é mais conhecido por sua pirâmide em Hawara onde ele foi enterrado. A pirâmide e o templo mortuário associado em seu lado sul atraíram a atenção de vários escritores clássicos. Heródoto e outros saúdam a construção de 300 por 240 metros como uma maravilha, uma estrutura labiríntica comparável à do rei Minos de Creta. O arranjo interno da pirâmide de Amenenhat é igualmente extraordinário, com passagens sem saída, portas falsas com armadilhas escondidas e painéis deslizantes nos corredores. Os arranjos da segurança interna deveriam ter sido impenetráveis, ainda assim alguns ladrões conseguiram penetrar a tumba, vasculhar os corpos e queimar alguns caixões de madeira.


Amenenhat IV (1798 – 1786): Pouco se sabe sobre Amenenhat IV, embora, ao que parece, o Egito continuou a ter imenso prestígio durante seu breve reinado. Ele parece ter morrido prematuramente, e alguns até especularam que seus anos como governante foram compartilhados como corregente com seu pai já idoso. Sobeknefru (1785 – 1782): Depois da morte de Amenenhat IV, sua rainha, Sobeknefru atuou como regente, reinando apenas três anos. Com sua morte, a Décima Segunda Dinastia, assim como o Reino Médio, chegaram ao fim.

O Segundo Período Intermediário (1782 - 1570) A Décima Terceira Dinastia (1782 – 1650): De acordo com Maneto, a Décima Terceira Dinastia consistiu de “sessenta reis de Diospolis (Tebas).” Mais recentemente acadêmicos identificaram dez reis desta dinastia, que durou cerca de 70 anos. A duração média dos reinados era relativamente breve durante esse período, e notavelmente, o trono nunca foi entregue de pai para filho. Logo, o termo “dinastia” pode ser aplicado apenas por liberdade. Em contraste, o vizirado na Décima Terceira Dinastia parece ter se tornado um cargo hereditário monopolizado pela mesma família por gerações, e assim capaz de sobreviver uma rápida sucessão de reis. Parece que o poder real estava com o vizir. Logo, houve um declínio da autoridade central, resultando na negligência da fronteira oriental do Egito, pela qual nos últimos anos da dinastia, grupos de pessoas conhecidas como Hicsos começaram a se infiltrar. Décima Quarta Dinastia (c. 1700 – 1650): Durante os poucos anos restantes da Décima Terceira Dinastia, a obscura Décima Quarta Dinastia governou sobre a parte oriental do Delta. Ela durou cerca de 50 anos, embora apenas dois reis tenham sido identificados em monumentos contemporâneos. Décima Quinta Dinastia (c. 1720 – 1555): Em algum momento no final do décimo oitavo século, uma série de reis estava começando a exercer controle sobre as regiões do deserto e o Delta orientais. Esses governantes, abarcando a Décima Quinta Dinastia, ficaram conhecidos como Hicsos, ou “Príncipes do Deserto.” Os nomes dos reis Hicsos implicam uma origem semita, mas não há raça ou povo conhecido como hicso. Eles eram, às vezes, também chamados de “Reis Pastores.” Enquanto Maneto pinta um quadro de uma grande invasão de uma horda desesperada, os imigrantes semitas, na verdade, vinham adentrando pacificamente o Egito por um tempo, e assim a “invasão” foi mais como uma infiltração gradual vinda do leste, que culminou com o controle dos Hicsos sobre o Baixo Egito e o Delta. Por volta de 1720, os hicsos haviam estendido sua influência muito além de sua base em Avaris. Os hicsos não fizeram tentativas de invadir o Alto Egito, deixando a Décima Terceira Dinastia continuar seu governo a partir de Tebas. Eles parecem ter se inserido no maquinário já existente da vida e governo egípcios, e finalmente estabeleceram-se em Mênfis, a qual se tornou sua capital dinástica. Registros do Período


Hicso são esparsos, provavelmente por causa da sua influência ser em maior parte confinada à região do Nilo, e também por que governantes nativos posteriores viam como escandaloso o fato de o Egito ter sido dominado por estrangeiros. Apesar disso, a influência dos hicsos na guerra, arte, e até a língua do Egito foi considerável. Durante a era dos hicsos, os irmãos de José o venderam para comerciantes ismaelitas que estavam de passagem. José foi levado para o Egito em 1683, e vendido a um oficial egípcio chamado Potifar. Deus abençoou José enquanto estava no serviço de Potifar, e por cerca de dez anos ele administrou seu palácio, mas quando José foi falsamente acusado pela esposa de Potifar em 1672, ele foi jogado na prisão (Gn 39). Depois de José ter estado na prisão por alguns meses, o copeiro e padeiro chefes do Faraó foram jogados na prisão junto com ele. Na mesma noite, ambos tiveram um sonho interpretado por José com precisão, embora o copeiro tenha sido restaurado ao serviço de Faraó, ele se esqueceu de José (Gn. 40). Dois anos depois, Faraó teve dois sonhos, nenhum dos quais os seus sábios puderam interpretar. O copeiro chefe recordou de José e o convocou da prisão, e ele deu a Faraó a interpretação correta de seus sonhos. As visões de Faraó indicavam que haveria sete anos de abundância seguidos por sete anos de miséria. Faraó colocou José como seu vizir, segundo em autoridade, abaixo apenas do próprio Faraó. Muitos têm especulado que o tratamento cordial que José recebeu de Faraó pode ter sido um resultado, em parte, de sua ancestralidade em comum com os semitas. Como José havia predito, houve abundância pelos próximos sete anos, mas em 1662 a fome começou. José começou a vendar o grão que havia sido armazenado durante os sete anos de abundância (Gn 41). Provavelmente em algum ponto do ano seguinte, os dez irmãos de José viajaram para o Egito para comprar grão, e foram reconhecidos por ele. Ele não se revelou a eles de início, mas manteve um dos irmãos na prisão e enviou os outros de volta com o grão, assim como com dinheiro (Gn 42). Os irmãos retornaram em 1660, trazendo seu irmão mais novo, Benjamim, como exigido por José. Ele então levou-os para sua casa e serviu-os uma ceia depois da qual os enviou embora (Gn 43). José havia colocado uma das taças de prata na carga de Benjamim, e então quando eles partiram ele os perseguiu, os trazendo de volta e demandando que Benjamim permanecesse como um escravo. José estava obviamente testando seus irmãos com circunstâncias similares àquelas que tinham resultado em sua própria escravidão anos antes. Judá intercedeu em favor de Benjamim, implorando com José que ele retivesse a ele no


lugar de Benjamim, e oferecendo-se para se tornar escravo (Gn 44). José foi então persuadido que seus irmãos haviam se arrependido de seus crimes de anos atrás, e não mais se contendo revelou a sua identidade a seus irmãos. Depois de recuperados do choque, os irmãos retornaram a Canaã para informar Jacó que José estava vivo, e convocando Jacó e todo o seu clã para vir a Goshen no Egito, a parte mais rica da terra (Gn 45). Jacó e sua família inteira retornaram ao Egito, num total de cerca de setenta pessoas, assim como outros que haviam se tornado parte da comunidade associada com Jacó. Quando a família chegou ao Egito, José apresentou seu pai, com 130 anos, para Faraó, que perguntou sobre a vida do grande patriarca e recebeu bênçãos dele. A fome persistiu por cinco anos mais, tempo no qual José adquiriu a propriedade do Egito para Faraó. Jacó viveu por mais 17 anos, morrendo no ano de 1646. Antes de sua morte, ele chamou para si José e seus dois filhos, Efraim e Manassés, colocando o mais novo, Efraim, à frente de Manassés, o mais velho (Gn 48). Então Jacó chamou a todos os seus filhos, e pronunciou a bênção final sobre eles. Os primeiros três de seus filhos, Ruben, Levi e Simeão, foram dispensados da bênção preferencial, e esta foi dada a Judá, de quem o cetro não se afastaria “até que viesse Shiloh”, referenciando naturalmente o Messias (Gn 49). José viveu até os 110 anos, morrendo em 1595, e sendo enterrado conforme o costume egípcio. Antes de sua morte, ele pediu a sua família que jurasse que quando os filhos de Israel deixassem o Egito, no futuro, eles levassem consigo os seus ossos com eles, e os enterrassem em Canaã. Décima Sexta Dinastia (c. 1663 – 1555): Junto à linha principal de governantes hicsos da Décima Quinta Dinastia, houve um ramo mais obscuro, a assim chamada Décima Sexta Dinastia, que tinha por base o nordeste do Delta. Esses governantes quase certamente reinavam sob a autoridade dos governantes de Mênfis, mas virtualmente quase mais nada se sabe dos detalhes de seus reinados. Décima Sétima Dinastia (1663 – 1570): Enquanto os hicsos controlavam a região do Baixo Egito, uma nova linha de governantes começou a se surgir em Tebas. Embora os detalhes de sua história permaneçam incertos, essa Décima Sétima Dinastia parece ter governado de Elefantina até Abidos, preservando o máximo possível a cultura do Médio Império. Os governantes anteriores não desafiaram o controle dos hicsos, mas os governantes posteriores se tornaram mais militantes, e finalmente, após uma série de batalhas, os hicsos foram forçados a se retirar do Egito. Os últimos dois reis da Décima Sétima Dinastia foram Seqenenre, conhecido como Tao II (c. 1574), e Kamósis (1573 – 1570.)


Seqenenre parece ter morrido em uma das batalhas contra os hicsos. Sua múmia, que foi descoberta em 1881 perto de Deir el-Bahri, mostra evidência de terríveis ferimentos na cabeça. O filho de Seqenenre, Kamósis, continuou a batalha pela soberania sobre todo o Egito. Embora tendo algum sucesso, seu reinado foi interrompido por sua morte, e foi outro filho de Seqenenre, Amósis, que finalmente expulsou os hicsos e fundou a Décima Oitava Dinastia.

O Novo Império (1570 - 1070) A era Novo Império abrange meio milênio e produziu faraós que assemelhavam-se a seres divinos sobre a terra. É possível ver a face de muitos desses monarcas, pois suas múmias foram preservadas em dois grandes esconderijos de corpos encontrados no século dezenove em Deir elBahri, assim como no Vale dos Reis. Esse período, é claro, é de especial interesse para o estudante da história bíblica porque é bem provável que tenha sido durante a Décima Oitava Dinastia, a primeira da era do Novo Império, que os grandes eventos do Êxodo aconteceram. 1 Em contraste com o poderia egípcio, a Mesopotâmia entrou em um período de obscuridade sob os cassitas que durou mais ou menos o mesmo período de tempo. Décima Oitava Dinastia (1570 – 1293): A Décima Oitavada Dinastia é uma das maiores do Novo Império, mas também foi um tempo em que o Egito suportou grandes estragos como resultado do Êxodo. O poder evidente no início da Dinastia se destaca em notável contraste com a desintegração aparente próxima à sua conclusão. Amósis I (1570 – 1546): Amósis, o primeiro da Décima Oitava Dinastia, veio ao trono em uma idade relativamente jovem, tendo perdido seu pai Seqenenre II e seu irmão Kamósis no conflito com os hicsos. Durante seus primeiros anos como rei, sua mãe, Rainha Aahotep, foi uma poderosa corregente, mas em meados dos seus 24 anos de reinado, ele assumiu o governo interinamente, e retornou sua guerra contra os hicsos. Seu principal general nessas campanhas militares, também chamado Amósis, finalmente perseguiu os hicsos sitiados até a Palestina, e finalmente formou um cerco a sua cidade de Sharuhen. Na conclusão desta difícil campanha, os hicsos foram expulsos, e isso permitiu a Amósis reunificar o Egito, assim inaugurando uma era que veio a ser chamada de “O Novo Império,” ou “a Era Imperial” do Egito. 1

O debate sobre a datação do Êxodo continua. Alguns têm argumentado que o Êxodo ocorreu durante a Décima Nona Dinastia, que aconteceu no décimo terceiro século a.C. Outros, tendo por base o ponto de vista de que o Templo de Salomão começou a ser construído em seu quarto ano (967 a.C.), 480 anos depois do Êxodo (1 Reis 6:1), situam a data durante a Décima Oitava Dinastia, exatamente ou próximo ao ano 1447. Uma discussão técnica dessas questões se encontra fora do escopo deste trabalho, mas para os propósitos da presente discussão, assumiremos o esquema da última datação citada.


Embora a palavra “império” tenha sido usada para descrever esse período, Amósis não estava tão interessado em estabelecer nada tão ambicioso. Ele e seus sucessores estavam mais preocupados, na verdade, em evitar que outros problemas com os hicsos voltassem a acontecer. Para se salvaguardarem contra isso, eles iniciaram uma política pela qual, primeiro pela guerra, e depois pela diplomacia, eles colonizaram a Núbia ao sul, e protetorados na Ásia Ocidental, ambas levando a uma hegemonia sob a soberania egípcia. A manutenção de domínios tão distantes requeria um exército permanente mantido fora do Egito, o que representava um distanciamento de épocas anteriores durante as quais nenhum exército profissional fora necessário. Logo, desde cedo na Décima Oitava Dinastia, o exército egípcio desenvolveu-se em um serviço bem organizado, em que oficiais militares eram soldados profissionais, e o corpo principal do exército era recrutada por alistamento obrigatório. Também foi nessa época que os carros de batalha foram introduzidos pela primeira vez nas forças egípcias, o que é notável pela referência específica feita no Êxodo em relação às carruagens do faraó. Amósis, com sua dinastia, foi provavelmente, o “novo rei sobre o Egito,” que não conhecia José (Ex. 1:8). Já fazia mais de 100 anos desde que Jacó se mudara para o Egito com sua família, e durante esses anos, o número de israelitas havia crescido dramaticamente. Amósis, que não era semita, e que odiava os estrangeiros Hicsos semitas, parecia ter boas razões para se preocupar com a crescente força e número de residentes israelitas estrangeiros. Ele então ordenou que os filhos de Israel fossem sujeitados a trabalhos forçados, e posteriormente, ordenou que qualquer menino nascido dos israelitas deveria ser morto. Amenhotep I (1551-1524): O filho e sucessor de Amósis, Amenhotep I, governou por quase um quarto de século, mas deixou poucos registros detalhando os eventos de seu reinado. Ele era filho da Rainha Amósis Nefertari, a esposa e irmã de Amósis I. Ao que parece ele fez uma campanha bemsucedida na Núbia, e iniciou projetos de construção no templo de Karnak. A múmia de Amenhotep foi achada em excelentes condições no esconderijo real de múmias em 1881. Tutmósis I (1524-1518): Amenhotep foi sucedido não por um filho, mas por um de seus generais, um homem de nome Tutmósis. Há alguma evidência de que Tutmósis teve uma corregência durante os últimos anos de vida do monarca, e por esses meios ele foi capaz de colocar-se como sucessor do trono. Normalmente, tal quebra da linha sucessória sinalaria o início de uma nova dinastia, mas Tutmósis “entrou” na dinastia através do casamento com sua esposa, a princesa Amósis, que era filha de Amósis I e da Rainha Amósis Nefertari, e assim, irmã de Amenhotep. Devido ao fato de Egito contar a linhagem através da mãe, Tutmósis “tornou seu sangue real” por meio deste casamento.


Embora permaneça questão de especulação, há a possibilidade de que pouco depois de Tutmósis assumir o trono, sua filha Hatschepsut tenha recuperado o bebê Moisés do rio próximo ao palácio. Nesse tempo ela era uma jovem mulher na casa dos 20 anos ou menos, mas era uma personagem notável que posteriormente se tornaria a governante feminina sobre toda a terra do Nilo. Enquanto se banhava, ela se deparou com um cesto coberto de betume flutuando nos juncos da margem, e abrindo o cesto, encontrou o bebê hebreu. Ela estava certamente ciente da política para com tais crianças, mas pode ser que tanto ela quanto seu pai discordassem de medidas tão severas. De qualquer modo, Hatshepsute adotou a criança, e o deu um nome egípcio, Moisés, significando “retirado de”. Ela contratou a mãe de Moisés para cuidar da criança até que tivesse idade suficiente para ser introduzida à sua família e criada como um filho do faraó. O reinado de Tutmósis foi relativamente curto, mas, mesmo assim, conduziu uma série de brilhantes campanhas militares pelas quais os domínios egípcios foram assegurados. Além de manter o controle da Núbia, ele liderou uma campanha através da Síria todo o caminho até o Eufrates, o que o fez poder, depois, se gabar de ter expandido a fronteira norte do império até o grande rio. Tutmósis também reforçou o poder dos sacerdotes de Amon em Karnak, e investiu pesadamente na reconstrução e reforma do grande templo de Amon. Ele documentou seus feitos em uma estela em Abidos, na qual ele declarou, “Eu fiz as fronteiras do Egito irem tão longe quanto tudo que o sol cerca...eu fiz do Egito a maior de todas as nações.” Na época em que Tutmósis morreu, Moisés devia ter cerca de 10 anos. Ele tinha vivido no palácio do Faraó, e foi exposto ao melhor da educação e cultura egípcias. Não se sabe se ele manteve alguma conexão com seus parentes hebreus durante estes anos. Tutmósis II (1518-1504): Com a morte de Tutmósis I, uma complicada questão de sucessão foi levantada. Além de Hatshepsut, Tutmósis teve dois filhos com a Rainha Amósis, mas ambos tinham morrido antes de seu pai. O terceiro filho, que veio a se chamar Tumósis III, era o filho de uma esposa real menos importante, e assim sua reivindicação ao trono tinha um caminho menos direto. Para fortalecer sua posição, ele se casou, quando adolescente, com sua meia-irmã, Hatshepsute, a filha mais velha da Rainha Amósis e Tutmósis I. Hatshepsute e Tutmósis reinaram conjuntamente durante catorze anos, mas Tutmósis nunca teve uma boa saúde, e morreu no início dos trinta anos.

Tutmósis II teve dois filhos. Um foi o filho de uma concubina do harém, e lhe foi dado o nome Tutmósis. A outra, a filha, parece ter nascido de Hatshepsute. Antes de morrer, Tutmósis nomeou seu filho para sucedê-lo ao trono, como Tutmósis III.


Tutmósis III (1504-1498): Tutmósis III tecnicamente se tornou faraó em 1504, mas como era menor de idade, sua madrasta Hatshepsute continuou a reinar em seu nome, presumidamente agindo como sua regente até que alcançasse a idade adulta. Hatshepsute, na verdade, tinha outros planos, e no segundo ano de Tutmósis, ela maquinou-se para a posição principal, gradualmente fortalecendo sua posição no trono. Na época em que Tutmósis tinha idade suficiente para governar, Hatshepsute tinha adquirido poder suficiente para reter o trono e governar em seu próprio nome. Seu reinado independente começou em 1498, e continuou por quinze anos. Hatshepsut (1498 - 1483): Hatshepsute foi uma governante competente, embora seus anos não carreguem nenhuma campanha militar digna de nota. Ela desenvolveu relações comerciais com as nações vizinhas, mantendo a segurança do Egito, mas ficou mais conhecida pelo seu famoso templo mortuário situado na beira dos penhascos em Deir el-Bahri. O templo foi dedicado primeiramente a Amom, e alinhado diretamente ao leste do grande templo de Amom do outro lado do Nilo, em Karnak. O templo de Hatshpsute não era apenas uma expressão de sua devoção religiosa. Ela usouo primariamente como um meio de propaganda para legitimar sua reivindicação ao trono egípcio. No templo, um famoso “relevo do nascimento” mostra Amom visitando a mãe de Hatshepsute, a Rainha Amósis, e deliberadamente concebendo e escolhendo Hatshepsute como “rei.” Ela foi então representada com toda a rudimentário de um rei, até mesmo com a falsa barba real! Ela continuou a mensagem de propaganda mostrando a sua coroação quando criança na presença dos deuses, e de seu pai, Tutmósis I, que ainda era muito reverenciado entre o povo. Toda a apresentação era fictícia, mas servia para aumentar seu poder político enquanto ela disputava a autoridade real de Tutmósis III.


No início do reinado de Hatshepsute, seu filho adotivo, Moisés, estava com cerca de 30 anos. Moisés sem dúvida participou na administração real de sua mãe e pode ter tido posições de alta responsabilidade durante os anos de seu reinado. Hatshepsute não tinha filhos biológicos, e alguns especulam que ela estava criando Moisés para sucedê-la como Faraó. Se esse foi o caso, isso facilmente explicaria a hostilidade entre Tutmósis e Moisés. Os anos finais de Hatshepsute foram turbulentos, e Tutmósis trabalhou através do exército para orquestrar um desafio ao reinado dela. Sua morte em 1483 foi provavelmente pelas mãos de Tutmósis ou seus agentes. Tutmósis tinha todos os motivos para odiar sua madrasta, e uma vez que estava no poder, ele fez tudo que pôde para erradicar sua memória do povo egípcio. Com a crescente pressão de Tutmósis, os cinco últimos anos do reinado de Hatshepsute também foram conturbados para Moisés. Ele completou 40 anos mais ou menos em 1487, e provavelmente reconheceu neste tempo que o destino de Hatshepsute estava, no mínimo, ameaçado, e que se Hatshepsute caísse, Moisés cairia com ela. O ódio de Tutmósis por Hatshepsute incluiria um ódio contra toda a sua família, e por Moisés em especial, pois ele era um possível candidato ao trono. Notando a ascensão ao poder de Tutmósis, e a crescente vulnerabilidade de Hatshepsute, Moisés percebe que qualquer ambição que ela tivesse para ele na política egípcia estava seriamente ameaçada. Isso pode ter levado Moisés a explorar suas conexões com a população hebraica que residia em Goshen, esperando que talvez eles aceitassem sua liderança e o seguissem em seu esforço para alcançar a libertação. “Ora, Moisés cuidava que seus irmãos entenderiam que Deus os queria salvar por intermédio dele; eles, porém, não compreenderam.” (Atos 7:25). Enquanto ele se pronunciava em uma briga de trabalho, Moisés feriu um egípcio levando-o à morte, mas quando percebeu que seu povo não aceitaria a sua ajuda, Moisés não teve outra escolha a não ser fugir. Hatshepsute não poderia mais protegê-lo, e Tutmósis usaria o assassinato como uma desculpa para executar Moisés. Moisés escapou pela Península do Sinai, indo até Midiã, parte da atual Arábia Saudita, onde ele permaneceu por 40 anos. Enquanto estava lá ele casou-se com Zípora, a filho da sacerdote de Midiã, e ela lhe deu um filho, Gérson. Hatshepsute morreu em 1483 sob circunstâncias misteriosas. Muitos estudiosos acreditam que ela foi


assassinada, provavelmente pelo próprio Tutmósis. Durante os poucos anos remanescentes de seu reinado, Tutmósis havia ganhado a lealdade do exército, que apreciava o seu gênio militar, e compartilhava sua frustração com Hatshepsutes, que tinha resistido envolver-se em qualquer campanha militar. Hatshepsute em vez disso havia adotado uma consistente política de pacifismo internacional e diplomacia, e isso não se encaixava bem com um homem que mais tarde provaria ser um dos maiores líderes militares do Egito. A tensão se agravou nos anos finais do reinado de Hatshepsute com acontecimento na Síria e na Palestina. Embora os estados vassalos da região fossem fracos, uma ameaça muito maior havia aparecido na Décima Oitava Dinastia na forma de um povo chamado Mitani. Esses indo-europeus haviam levado os hurrianos a submissão, e começavam a mover-se em direção ao norte da Síria nas bordas do Eufrates. No norte da Mesopotâmia, os Mitani haviam subjugado os reis de Assur e mantiveram-se lá de 1500 a 1360. Eles também estavam estendendo seu domínio no norte da Síria, e estavam exercendo grande influência na Fenícia e Palestina. A pressão sobre o Egito estava constantemente aumentando, e na época da morte de Hatshepsute, esses Mitani traziam ameaça significativa. Tutmósis desejava encontrá-los face a face em batalha, mas era sempre impedido disso por Hatshepsute. Com sua morte, tudo mudou. Tutmósis III (1483-1450): Quando Tutmósis tomou o trono do Egito, ele finalmente era capaz de assumir o seu lugar de direito como Faraó. Suas credenciais reais não podiam ser questionadas. Ele fora, afinal de contas, nomeado por Tutmósis II como sucessor, e ele até mesmo casara-se com a princesa Neferure, a filha de Hatshepsute e Tutmósis II. Neferure tinha morrido em cerca de 1494, então Tutmósis era viúvo na época que assumiu o governo. Ele posteriormente casou-se com HatshepsuteMerytre, e a teve como rainha principal. Tutmósis tinha duas preocupações principais no início de seu reinado. A primeira era livrar o Egito de qualquer traço de sua odiada madrasta e de seu regime. Tutmósis se empenhou em uma extensa campanha para apagar todas as referências a Hatshepsute ou sua administração. Os anos em que ela tinha usurpado o poder haviam, obviamente, criado profunda amargura nele, e uma vez liberado, ele não poupou esforços para expurgar o Egito de sua memória. A segunda preocupação de Tutmósis era relativa aos Mitani. Em 1482, ele lançou uma série de campanhas na Síria, que representaram algumas das mais dramáticas e bemsucedidas investidas militares em toda a história egípcia. Após rapidamente tomar Gaza, ele se aproximou de Megido, onde um ataque surpresa foi seguido por sete meses de cerco, resultando na queda daquela importante cidade. Nos anos seguintes ele fez incursões posteriores na Palestina, e finalmente atacou e tomou


as cidades da Fenícia, planejando uma campanha posterior contra os Mitani em Kadesh. Ele os derrotou em sucessivas campanhas, finalmente tomando Biblos, e marchando das montanhas libanesas até o vale do Orontes. Ele perseguiu o exército dos Mitani pelo Eufrates, e então partiu com suas tropas acima e abaixo pelo rio em barcos que tinham sido arrastados desde Biblos via Alepo, uma jornada de quase 500 quilômetros. Assentamentos nas margens do Eufrates foram atacados, mas os egípcios não se aventuraram no interior do país. A oitava campanha de Tutmósis (a mais famosa) não resultou na conquista dos Mitani, mas os separou de seus aliados sírios, e isso encorajou os hititas da Anatólia a atacá-los pelo oeste. Os sucessos da Anatólia trouxeram-no tanto renome que até mesmo a Assíria e Babilônia o mandaram presentes em celebração. Os hititas também mandaram generosos presentes, e Chipre enviou grandes quantidades de chumbo e cobre. Por nove anos Tutmósis apenas supervisionou esses vastos domínios, embora ele tenha sido obrigado a abafar uma revolta em Kadesh próximo ao fim de seu reinado. Tutmósis III tem sido considerado como um dos mais brilhantes e eficientes governantes de toda a história egípcia, mas durante seu reinado a condição do povo de Israel se tornou ainda mais miserável do que já tinha se tornado antes. Assim, durante os anos mais de maior avanço no Egito, as sementes da sua derrota foram plantadas, uma derrota que viria nas mãos de um assassinato fugitivo que estava cuidando de ovelhas, a quilômetros de distância, em Midiã. Amenhotep II (1453-1419): Durante os últimos anos do reinado de Tutmósis III, o poder real diminuiu, enquanto o poder dos líderes religiosos cresceu. Ao fim de seu reinado, as autoridades dos templos detinham um terço das terras cultiváveis do país, e um quinto da população estava empregada como fazendeiros arrendatários. Cerca de três quartos dessas propriedades pertencia ao tesouro de Amom-Rá de Tebas, o sumo sacerdote de Amom. Desta posição, ele desfrutava de enorme poder, ainda mais pelo tesouro ser isento de impostos. O sucessor de Tutmósis, seu filho Amenhotep, encarou uma difícil situação ao subir ao trono. Ele estava em parte preocupado pelo crescimento do poder do sacerdócio em Tebas, ao mesmo tempo em que enfrentava várias revoltas tanto na Síria ao norte, quanto na Núbia ao sul. Outra crise, que não é mencionada nos anais egípcios, mas que presume-se ter ocorrido durante os primeiros anos de seu reinado, foi o Êxodo da população hebreia de Goshen sob Moisés. Amenhotep parece ter sido um personagem altamente atlético e competitivo. Perto da Grande Esfinge de Gizé, ele erigiu uma estela em que suas proezas estavam gravadas, e nas quais ele descreve suas habilidades de batalha


beirando o sobre-humano. Outra estela de granito, mostrada à direita, vem do templo de Amom em Karnak. Ela mostra Amenhotep disparando flechas de uma carruagem se movendo velozmente com precisão mortal em um pedaço de couro dentro de um lingote de cobre. Sua habilidade como cavaleiro pode ser mostrada pelo fato de que Tutmósis III colocou seus melhores animais sob o cuidado de Amenhotep. Não é de surpreender que os primeiros anos de Amenhotep tenham sido caracterizados por campanhas agressivas contra seus vizinhos. Durante seu segundo ano de reinado, Amenhotep levou uma bem-sucedida campanha militar contra a Síria, onde ele abafou revoltas que se levantaram como resultado da mudança de regime egípcia. Em seu terceiro ano, ele fez campanhas ao sul na região da Núbia. Foi no seu sexto ano, no entanto, que o Faraó encontrou alguém à altura no confronto com Moisés, o Deus dos Hebreus. Enquanto Moisés cuidava das ovelhas de seu sogro, Deus apareceu a Moisés em um arbusto em chamas no Monte Horebe, que está localizado em Midiã. Lá Deus comandou a Moisés a ir ter com Faraó e exigir que libertasse o povo de Israel. Deus deu a Moisés O Nome da aliança do Deus de Israel, Yahweh, e disse a ele que anunciasse que o “Deus de Abraão, Isaque e Jacó” o havia enviado (Ex. 3). Moisés foi assegurado que sua mensagem seria vindicada por meio de sinais miraculosos da parte de Deus, e que Deus daria Sua palavra para Faraó e o povo através de Moisés. Moisés objetou por sua incapacidade de falar, e como resultado Deus também chamou Aarão, o irmão de Moisés, para falar em seu lugar (Ex. 4). Quando Moisés primeiro se encontrou com Faraó, ele pediu que ao povo fosse permitido partir em uma jornada de três dias no deserto para adorar a Seu Deus, mas Faraó recusou, e na verdade, aumentou a carga de trabalho sobre o povo, requerendo que eles juntassem a própria palha (Ex. 5). O povo se irou com Moisés, e o próprio Moisés reclamou com Deus pelo aumento do sofrimento do povo (Ex. 6). Deus enviou Moisés de volta ao Faraó com alertas sobre as pragas vindouras. Faraó recusou-se a ouvir, e com isso a primeira praga caiu, na qual a água da terra tornou-se em sangue (Ex. 7). Na seguinte recusa de Faraó, mais três pragas vieram, rãs, piolhos e moscas. (Ex. 8). Seguindo estas vieram pragas de pestilência no gado, bolhas, e o devastador granizo, mas Faraó continuou a recusar-se a obedecer o comando de Deus (Ex. 9). Moisés então anunciou uma praga de gafanhotos, que devastaram a terra, seguidos pela escuridão, “trevas que se possam apalpar.”(Ex. 10). Finalmente, depois da persistente recusa de Faraó, a última praga foi anunciada (Ex. 11). Deus deu a Moisés instruções para a instituição da Páscoa, que teria lugar no primeiro mês do calendário judaico, conhecido como Abib ou Nissam. No décimo dia do mês um cordeiro seria trazido para casa, e então seria sacrificado no décimo quarto dia. A festa dos pães sem fermento foi instituída, na qual pão sem fermento seria consumido por 7 dias, do 14º ao 21º dia. Deus deu instrução para que o sangue do cordeiro fosse passado nos umbrais e batentes das portas de cada casa fiel, fazendo com que o “anjo da morte”


passasse “por sobre” elas. Os primogênitos de todo Egito, incluindo os do próprio palácio do Faraó, foram mortos naquela noite no final da devastadora praga. Faraó chamou por Moisés e comandou-o a tomar o povo e ir embora com tudo que possuía. Os filhos de Israel também tomaram bens de seus vizinhos, e assim “despojaram” os egípcios pelos anos de escravidão que eles os tinham feito passar (Ex. 12). Quando os filhos de Israel deixaram o Egito, eles não seguiram pelo “caminho dos filisteus”, isso é, pela rota que passa pelo norte da Península do Sinai, mas ao invés disso seguiram para o deserto até o Mar Vermelho. O deserto se refere ao meio do Sinai, e a referência ao Mar Vermelho é provavelmente o Golfo de Ácaba, um braço do Mar Vermelho se estendendo ao leste da Península do Sinai (Ex. 13). Faraó perseguiu-os até um local chamado Pi-Harote, que significa “a boca devoradora”, e embora a localização do local permaneça controversa, muitos especulam que pode ser uma pequena península no Golfo de Ácaba conhecida como Península de Nuweiba. Lá Deus milagrosamente libertou os filhos de Israel ao afogar o exército de Faraó (Ex 14). Os anos seguintes do reinado de Amenhotep II foram estranhamente silenciosos. Tirando uma breve nota sobre uma incursão na Palestina no nono ano, pouco mais se sabe sobre a sua carreira. Dada a energia e ambição evidenciadas em seus anos iniciais, é incrível que seus anos seguintes permaneçam em tão forte contraste. Isso pode, é claro, refletir as consequências generalizadas de sua derrota no Mar Vermelho, embora os anais egípcios se calem quanto a esse assunto. Tutmósis IV (1419-1386): Assumindo que o primogênito de Amenhotep II tenha sido morto durante a Páscoa, a questão da sucessão pode ter sido posta em dúvida quando Amenhotep morreu. Isso explica a campanha de propaganda levada a cabo por seu filho, Tutmósis IV, conforme ele buscava justificar a


reivindicação ao trono. Por exemplo, uma estátua de granito o mostra com sua mãe, a rainha Tio, indicando sua bênção sobre seu reinado (à direita). Também há uma longa inscrição preservada em uma alta estela entre as patas da Esfinge de Gizé (abaixo), na qual uma história propagandística é contada em suporte à alegação do filho mais jovem, Tutmósis IV, ao trono. Nesta história apócrifa, o jovem príncipe estava caçando, e caiu adormecido sob a sombra da Esfinge. O deus do sol representado na Esfinge, Rá-Harakti, apareceu a Tutmósis, e prometeu que se as areias que engolfavam seu grande corpo de calcário fossem removidas, Tutmósis seria o próximo rei. Tutmósis aceitou o projeto imediatamente, e assim assegurou sua sucessão como o próximo rei do Egito. Tirando sua aparente preocupação com sua sucessão, o reinado de Tutmósis foi em geral, banal. O Egito ainda estava sentindo os efeitos das calamidades relacionadas com o Êxodo, e mal teria fôlego para ambiciosas excursões militares. Uma campanha núbia é registrada em seu oitavo ano, mas seus detalhes são escassos. Alguma referência ainda é feita sobre atividades na Síria, mas essas provavelmente não eram mais que excursões de policiamento de baixo perfil, e não ataques militares em larga escala. Durante o reinado de Tutmósis, o poder dos hititas estava se tornando uma ameaça crescente. Tutmósis III poderia certamente ter marchado com seus exércitos para encontrá-lo em batalha, mas o jovem Tutmósis IV poderia apenas buscar uma solução diplomática, na qual tentou alcançar uma aliança com os antigos inimigos de seu avô, os Mitani. Na verdade, ele pediu por seis vezes pela mão da filha do rei de Mitani em casamento, e quando ele finalmente obteve seu desejo, passou o restante do reinado em relativa paz. Durante os quarenta anos que seguiram o Êxodo, incluindo alguns anos do reinado de Tutmósis, os filhos de Israel vagaram pelo deserto do norte da Arábia, uma punição e disciplina imposta por causa de sua recusa em confiar em Deus e entrar na “terra prometida” de Canaã. No ano 1407, sob Josué, os israelitas invadem Canaã, e por aproximadamente sete anos levam uma campanha de conquista, destruindo e punindo os


grupos tribais. Pelo ano 1400, a guerra de conquista estava praticamente terminada, e a terra então foi dividida entre as doze tribos. Amenhotep III (1386-1349): O sucessor de Tutmósis IV, Amenhotep III, governou por cerca de 40 anos, durante os quais o Egito desfrutou de relativa paz e recuperou parte de sua prosperidade. Amenhotep não é descrito em termos grandiosos, e ele parece ter seguido o exemplo de seus predecessores imediatos, evitando atividades de guerra e buscando a paz com seus vizinhos. Ele foi, de modo especial, creditado por se focar em assuntos religiosos e na construção de templos. Ele parece ter se casado com a filha de um rei de Mitani, Shutarna, assim encorajando a paz entre os dois reinos. Embora o medo dos hititas seja dado algumas vezes como a razão para essa trégua, é possível que o Egito simplesmente tenha reconhecido sua inabilidade de ocupar toda a Síria, e os Mitani do mesmo modo encaravam sua inabilidade de reconquistar o terreno na Palestina e Síria. Ambos parecem ter aceitado o status quo e transformado sua antiga inimizade em uma aliança amigável. Há o registro de uma campanha Núbia no quinto ano de Amenhotep, mas o evento parece ter tido pouca importância. Amenhotep, no entanto, tomou nomes grandiosos para si, incluindo o nome de Hórus, “Grande Força que Esmaga os Asiáticos,” embora haja pouca evidência de que ele tenha feito qualquer uma dessas campanhas. Por outro lado, o crescimento se encontrava no comércio e no suprimento de ouro vindo do sul. Ele usou essa receita para encorajar as artes e projetos de construção. Aquenáton (1350-1334): Amenhotep IV, que é mais conhecido como Aquenáton, encarou várias crises tanto internas quanto externas assim que subiu ao trono. Entre os seus vizinhos do Oriente Próximo, inquietantes mudanças de poder estavam ocorrendo. Na Anatólia, por exemplo, os hititas sob o Rei Supiluliuma I (vide o Capítulo 3) havia se tornado mais poderoso e ameaçador, enquanto os assírios, ao mesmo tempo, se levantavam no leste. O aliado dos egípcios, Mitani, fora pego no fogo cruzado, e se encontrava em uma luta cada vez mais desesperadora. Enquanto isso, os aliados do Egito na costa do Mediterrâneo reclamavam amargamente da ameaça trazida pelos “Habiru” (Apiru, possivelmente “Hebreus”) que estavam ocupando a região. A todos esses pedidos de ajuda, Aquenáton não deu ouvidos, ao que parece, preocupado com o acúmulo das dificuldades domésticas. O coração dos problemas internos de Aquenáton envolvia os sacerdotes de Amom, que vinham se tornando cada vez mais poderosos, e até começaram a representar uma ameaça ao trono. Aquenáton respondeu a essa ameaça com uma estratégia mal concebida, embora ela provavelmente refletisse um sincero impulso religioso. Ele tentou balancear o poder de Amon introduzindo um novo culto monoteísta de adoração ao


sol que encarnava o disco solar, o Áton (veja abaixo). Antes, o Áton havia sido venerado na adoração egípcia, mas a inovação de Aquenáton foi adorar o Áton por si só. Representado como um disco solar cujos raios protetores terminavam em raios protetores carregando o hieróglifo para vida, o Áton era acessível apenas para Aquenáton, e então a necessidade de um sacerdócio intermediário foi removida. Embora as razões para essa mudança radical para uma religião monoteísta seja há muito debatida, é no mínimo curioso que uma ideia tão radical deva ter ocorrido em um tempo em que a memória do Êxodo era ainda parte da história recente. É possível que Aquenáton estivesse tentando, em um contexto pagão, reconhecer uma lição aprendida quando todos os deuses egípcios foram vencidos pelo Deus dos hebreus? A esta questão, nenhuma resposta definitiva pode ser dada. Aquenáton construiu uma cidade ao norte de Tebas, Aquetáton, onde os famosos arquivos de al-Amarna foram escavados. Embora ele tenha se recusado a envolver-se com os pedidos de ajuda das cidades sírias contra os Habiru, cujas correspondências enchem os arquivos de al-Amarna, ele seguiu outras políticas de diplomacia internacionais similares às de seu pai. Ele casou-se com a mais nova das esposas Mitanitas de seu pai, Tadu-Hepa, que pode ter sido a mesma charmosa “Nefertite.” Ele também permaneceu nos melhores termos possíveis com seu contemporâneo, o governante cassita Burnaburiash II. Aquenáton morou em Aquetáton com sua esposa, Nefertite, de onde ele proibiu a adoração dos antigos deuses do Egito, e ordenou que seus templos fossem

fechados. A tentativa de Aquenáton de mudar o foco religioso dos egípcios foi apenas parcialmente bemsucedido. É provável que o povo comum tenha sido pouco afetado por tal mudança. A burocracia governamental padrão continuou a manter o país funcionando enquanto o rei cortejava seu deus. No campo religioso um profundo rancor aumentava que irromperia quando a nação voltou às observâncias religiosas tradicionais. Smenkhare (1336-1334): O sucessor nomeado de Aquenáton era seu irmão mais novo, Smenkhare, que deve ter morrido


apenas alguns meses depois de Aquenáton. Parece que ele corregeu com seu irmão mais velho por cerca de dois anos, e parece claro que com a morte de Aquenáton, ele imediatamente começou a desmantelar o trabalho do herético adorador de Áton, mas pouco mais é conhecido de seu mandato como rei. Tutancâmon (1334-1325): Até a descoberta de sua tumba em 1922, Tutancâmon (Rei Tut) permaneceu um personagem um tanto misterioso e pouco conhecido da linhagem dos faraós egípcios. Até os dias atuais há questões sobre o seu lugar exato na sequência de governantes, assim como incerteza sobre quem foram seus pais. Tutancâmon foi coroado rei com a idade de nove anos com a morte de Smenkhare, quando ele ainda estava sob os cuidados de Ay, um antigo servo civil e Horemheb, um oficial chefe militar. A esposa de Tut, Ankhesenpaaten era mais velha que ele, e aparentemente já tinha uma filha com seu pai, Aquenáton. Quase imediatamente após sua coroação, mudanças radicais foram efetuadas no Egito para reinstalar da antiga religião. Estas foram obtidas menos por Tutancâmon, dada sua juventude, do que por seus conselheiros, que facilmente dirigiram suas decisões e políticas como menino rei. Além do importantíssimo retorno de Tebas como capital, e o retorno do culto a Amon como a religião nacional, pouco se sabe de seu reinado. Tutancâmon morreu com a idade de dezessete anos. A causa de sua morte não está clara, embora uma pequena lasca no osso de seu crânio sugira que pode ter sido o resultado tanto de um assassinato quanto de um acidente violento, como a queda de uma carruagem. A descoberta da tumba de Tutancâmon trouxe uma considerável animação no início do século 20, pois a câmara mortuária havia escapado dos terríveis danos de ladrões de tumbas, tão comuns a outros sítios funerários. O rico achado parecia intocado quando descoberto, mas as condições da múmia de Tut, além da organização dos artefatos, implicam que o enterro aconteceu com um certo grau de pressa, e pode refletir o fato de que a tumba intencionada ao rei ainda estava para ser terminada.


A morte de Tutancâmon deixou sua esposa Ankhesenpaaten em uma posição muito precária. Ela estava cercada por homens experientes e ambiciosos muito mais velhos que ela, e precisava de uma estratégia de sobrevivência para se adequar ao desafio. Sua estratégia foi engenhosa, porém mal sucedida. Ela escreveu ao rei Hitita, Supiluliuma I, e lhe explicou sua proposta. Ela pediu a ele que fosse enviado um de seus filhos para tornar-se seu marido, de modo que ela pudesse assegurar um herdeiro para o trono do Egito. O governante hitita estava desconfiado, mas assim que ele confirmou a veracidade de sua correspondência, ele enviou seu filho, Zannanza, para casar com Ankhesenpaaten. Infelizmente, Zannanza não passou das fronteiras do Egito antes de ser assassinado, provavelmente por Horemheb, o comandante militar do Egito, que tinha os meios, a oportunidade, e os motivos para fazê-lo. Ay (1325-1321): O sucessor ao trono acabou por ser um dos conselheiros de Tutancâmon e um membro da família, um homem mais velho chamado Ay. Ele se tornou rei casando-se com Ankhesenpaaten, que, por acaso, também era sua neta. Praticamente nada se sabe de seu curto reinado, exceto o que parece que Ankhesenpaaten não sobreviveu a ele. Com a sua morte, a linhagem da dinastia veio a um fim, embora seu governante final, um militar, seja incluído na lista. Horemheb (1321-1293): Horemheb era um ambicioso comandante militar que apareceu pela primeira vez sob o reinado de Amenhotep III, e que depois se tornou o comandante militar sob Aquenáton. A morte de Ay lhe deu a oportunidade perfeita para tomar o trono e tentar restaurar uma liderança forte que ele acreditava que o Egito precisava desesperadamente. Horemheb fortaleceu sua reivindicação ao trono casando-se com Mutnodjme, a irmã de Nefertite, e assim ele formou uma ligação com a linha real feminina, embora fosse no mínimo tênue. Horemheb, que estava na meia idade quando assumiu o poder, imediatamente assumiu a tarefa de restaurar o status quo, reparando e reabrindo os templos, e reinstalando os sacerdotes de Amon. Ele dividiu o exército em norte e sul, e instalou militares nos cargos sacerdotais. E substituiu os nomes de antigos faraós pelo seu em monumentos, como se para tomar crédito por suas realizações, e removeu o nome de seus predecessores até Amenhotep III, datando seu próprio reinado até a morte desse monarca. Apesar de suas realizações, Horemheb foi incapaz de produzir um herdeiro homem, e seu reinado é, então, visto como o fim da Décima Oitava Dinastia, e não como o início de uma nova.


Horemheb encarregou o governo do Egito a seu vizir, um amigo próximo e confidente chamado Ramsés, que era um oficial de carreira do exército, mas não da linhagem real. A Décima Nona Dinastia, ainda assim, produziu alguns dos mais famosos de todos os governantes da Terra do Nilo. A história de alguns destes governantes será retomada em relatos posteriores.


Capítulo 3

Hititas, Micênios, e Fenícios (1500-1100 a.C.) O período que se estende do fim da décima oitava dinastia do Egito (c. 1300) até o início do predomínio assírio (c. 900) se distingue em parte pelo fato de que nenhum reino ou império sozinho dominou o antigo Oriente Próximo. Certamente o Egito continuou a exercer importante autoridade. O domínio cassita na Babilônia foi relativamente próspero. Os assírios estavam gradualmente ascendendo em importância, mas ainda não haviam consolidado seu poder. Durante esse período, esses e outros muitos poderes menores interagiram de maneira um tanto complexa, criando uma série fascinante e dinâmica de eventos e movimentos que formou o plano de fundo para o período da história judaica conhecido como o dos juízes (c. 1300 à 1100), e a monarquia hebraica unificada (c. 1100-900). Três dos mais importantes atores deste período, em adição aos acima mencionados, foram os hititas, centrados na Anatólia, os micênios da Grécia e Creta, e os fenícios, cujo centro de poder era a costa do Levante da Palestina. Este capítulo foca nestas três civilizações e ao mesmo tempo em acontecimentos contemporâneos no Egito e Mesopotâmia. Antes de olharmos este período específico da história, no entanto, é útil fazermos uma breve introdução aos chamados povos “indo-europeus”.

Migrações e Povos Indo-Europeus Os três grupos de povos mencionados aqui, os hititas, os micênios, e os fenícios, são descendentes de um amplo grupo conhecido como os indo-europeus. Esses descendentes de Jafé haviam originalmente viajado para o norte, se estabelecendo nas planícies austro húngaras e sudoeste da Rússia. Muitos voltaram para o sul durante a “idade do bronze” que data aproximadamente de 2300 a 1200 a.C. Entre esses migrantes estavam os primitivos colonos das terras gregas, assim como aqueles que vieram a ser


conhecidos como os luvitas da Ásia Menor, os hititas da Anatólia, os Mitani da região do nordeste da Síria, os Medos e os Persas nas regiões nordeste e leste da Mesopotâmia, e os cassitas na Babilônia. O termo “indoeuropeu” se refere a uma família de línguas com uma raiz comum, mais do que uma distinção étnica ou racial. Ele comporta a maioria das línguas europeias, assim como o armênio, persa (farsi), alguns dialetos hindus, hitita, sânscrito, grego, latino e algumas outras línguas. Além da língua, esses grupos possuíam algumas similaridades culturais. Os indoeuropeus tendiam a ser pastores, criadores de cavalos, agricultores intermitentes, e metalúrgicos. Eles eram comumente organizados em famílias e tribos, adorando deuses antropomórficos e obedecendo chefes aristocráticos. Quando os indo-europeus migraram para o sul, eles entraram em praticamente todas as partes da Ásia e sul da Europa. Um grupo, muitas vezes conhecido como indo-ariano, migrou para o sul em direção à Rússia no final do terceiro milênio e gradualmente se infiltrou no norte da Mesopotâmia. Lá ele se dividiu em dois grupos principais, o primeiro deles penetrou na Armênia e região aos pés dos Montes Taurus, e depois foi se misturando com um povo asiático muito antigo conhecido como os hurrianos. O outro grupo estabeleceu-se ainda mais a sudoeste na Cordilheira dos Zagros e no planalto iraniano. Estes arianos deram nome a uma vasta região que habitaram, que veio a dar nome à região “Irã”.2Outros indo-europeus migraram através do Helesponto para a Europa, e se estabeleceram no interior da Grécia, onde se tornariam os ancestrais dos minoicos e micênios. Outros ainda estabeleceram-se na região conhecida como Anatólia (Turquia central) onde se tornariam os conhecidos hititas. Nossa discussão traçará uma breve retrospectiva histórica dos hititas, micênios e fenícios até o ano de 1200. Daí, faremos uma análise dos eventos principais que se seguiram à Guerra de Troia, incluindo a invasão dos chamados “Povos do Mar”, a invasão dórica, e a migração de certos grupos da Ásia Menor para a Itália, dos que vieram a ser conhecidos como etruscos. Ao mesmo tempo veremos eventos contemporâneos no registro bíblico envolvendo principalmente o período dos juízes e da monarquia unida.

Os Hititas 2

A noção errônea de Adolf Hitler de uma raça “ariana” de cabelos loiros, e uma raça nórdica superior de olhos azuis é explicada de forma exaustiva por Leon Poliakov, O Mito Ariano (Londres: Sussex University Press, 1974; São Paulo: Editora Perspectiva, 1974).


A identidade dos povos conhecidos como “hititas” na Bíblia foi ponto de considerável discussão. Alguns argumentam que Hete, que é dito ser filho de Canaã em Gênesis 10:15, poderia ser o ancestral dos hititas. Uma teoria mais interessante identifica-os com os povos indo-europeus da Anatólia Central que tomaram o nome de seu país, Hatti, embora alguns contestem essa abordagem também. Para o atual propósito, no entanto, assumiremos a última hipótese. Os hititas aparecem em referências esparsas ao longo do Antigo Testamento. Abraão, por exemplo, adquiriu um sítio funerário para Sara, sua esposa, de “Efrom, o heteu”, e o profeta Ezequiel se refere à própria Sara como heteia (Ez 16:3, 45). Moisés prometeu que os filhos de Israel expulsariam às nações pagãs de Canaã, dentre as quais as mais proeminentes eram as dos amorreus e as dos heteus. Davi alistou em suas forças armadas certos heteus, inclusive, é claro, Urias, o marido de Bate-Seba. Quem era os hititas? Apesar das limitadas informações disponíveis no Antigo Testamento, eles eram uma força política e militar significativa. A primeira aparição dos hititas como uma formidável força militar é em um período referido como Antigo Reino Hitita (c. 1680-1450). Os hititas caíram em obscuridade por um tempo, mas então voltaram à proeminência novamente para tornar-se o Império Hitita (c. 1450-1180). Uma compreensão dos hititas, e de seu papel na história do Antigo Oriente Próximo ajuda a explicar certos eventos que moldaram a história bíblica. Pano de fundo Como notado antes, alguns dos migrantes indo-europeus mencionados acima vieram da região da Anatólia, ou Ásia Menor, e se tornaram os precursores dos hititas. Foi apenas recentemente que a civilização hitita foi reconhecida como uma das maiores forças políticas no Antigo Oriente Médio. Em alguns momentos, os hititas ascenderam à posições de poder comparáveis às do Egito ou da Assíria. Os hititas residiam principalmente na Anatólia, uma enorme península que separa o Mar Negro do Mediterrâneo. Essa região montanhosa é rica em recursos naturais brutos, e por esse motivo desempenhou um papel estratégico por toda história. Os produtos que atraíram antigos habitantes, incluíam madeira e recursos agriculturáveis, mas muito mais importante, minerais e depósitos metálicos, especialmente cobre, todos eles sendo recursos econômicos e políticos na época.


A população que veio a ser chamada de hitita incluía três povos aparentados, falantes de línguas diferentes mas próximas: lúvios, palaicos e nesitas. Esses três grupos migraram do norte e se espalharam pelo planalto da Anatólia em um país chamado Hatti, cuja capital era Hatusa. O nome hitita foi derivado dessas referências. A língua falada por esses primitivos colonos da Anatólia parece ter sido uma forma do que depois se tornou a língua grega. Na verdade, muitos dos que se estabeleceram na Anatólia migraram da península grega, enquanto outros permaneceram na Ásia Menor. Isso pode explicar alguns aspectos da Guerra de Troia, pois parece notório que o conflito entre os micênios e os troianos não se deu entre povos estranhos, mas sim entre grupos que dividiam uma língua e cultura similar e aparentada, e essa é a razão de Troia desempenhar um papel tão proeminente na tradição grega, e por haver um grande número de contatos entre os gregos e troianos nos poemas homéricos. A língua comum também explica as visíveis similaridades entre troianos, gregos, assim como com os etruscos que posteriormente se instalaram na península itálica. A mais antiga evidência de civilização na Anatólia sugere que a terra era organizada em um número de pequenas cidades-estado fortificadas com governantes vivendo em castelos. A economia era baseada primariamente na agricultura, mas metais e seus derivados, principalmente o bronze, desempenharam um papel crescente em sua história. Esse período, que às vezes é chamado de “Primeira Idade do Bronze” (fins da segunda metade do terceiro milênio a.C.), mostra evidências da familiar rota comercial começando na Mesopotâmia, passando pela Anatólia, e se estendendo ao norte, até o sul da Rússia. A rota comercial entre Anatólia e Acade foi confirmada por um elaborado palácio construído por Narã-Sim (2255-2218) em Acade, localizado em Tel Brak no norte da Mesopotâmia, onde produtos importados da Anatólia foram encontrados em abundância. As relações de comércio na Anatólia mudaram dramaticamente no início do segundo milênio a.C. (c.1940), embora as razões precisas para tal mudança permaneçam incertas. Por alguma razão, a relação entre Anatólia e o sul da Mesopotâmia foi totalmente interrompida, um acontecimento que teria se traduzido em desastre para a Anatólia, não tivesse um novo e crescente poder, os assírios, vindo e tomado o lugar da Mesopotâmia como seus maiores parceiros comerciais. Por causa dos ricos depósitos de metal, um relacionamento comercial ativo com a Assíria se desenvolveu, levando à muitas colônias comerciais durante o reinado de Sargão I da Assíria (c. 1900). Uma dessas colônias era situada perto de Hatusa, e registros do local refletem exportação significativa para a Assíria, na forma de prata, ouro, e cobre, pelos quais os anatólios trocavam tecidos e estanho. Essas importações eram essenciais


para a Anatólia se esta quisesse participar nos benefícios comerciais e militares da produção de bronze. O relacionamento entre a Anatólia e a Assíria permaneceu mutuamente benéfico e próspero até cerca de 1780, quando uma grande população semítica migrou para o norte da Síria, interrompendo a conexão comercial entre as duas regiões. Esse povo, que veio a ser conhecido como Hurriano (é questionável, mas podem ter sido os bíblicos “horreus”), se estabeleceu primeiro na Armênia, e tão logo no início de 1800 já tinham se tornado uma presença importante na região. Embora não muito sofisticados, seus ataques saqueadores e investidas tornaram o uso das rotas comerciais perigoso e não lucrativo. A Anatólia novamente se encontrava isolada e afastada, e a Assíria, sem as importações que necessitava, se viu incapaz de resistir ao avanço do império em expansão de Hamurábi, que subjugou a Assíria em 1764. Para os anatólios, a perda da conexão com a Assíria foi desastrosa. As cidades que haviam florescido com o comércio assírio caíram em um declínio do qual nunca se recuperaram. Na medida em que a pressão dos hurrianos aumentava no leste, a crise se agravava. A única alternativa parecia ser o retorno de uma velha rota que já havia conectado Anatólia com o sul da Mesopotâmia. Essa rota era perigosa, pois muitos reis poderosos controlavam várias partes dela. Esses incluíam a Babilônia ao sul, Mari no centro, e os amorreus com sua capital em Alepo, no norte. Porém, a necessidade desesperada por estanho era maior que seu medo, e de modo inevitável os interesses na Anatólia Central foram dirigidos para a rota do Eufrates e o complexo emaranhado da política mesopotâmica. Esses foram os fatores que colocaram em movimento os eventos que deram origem à ascensão do Antigo Reino Hitita. No momento da quebra do comércio com a Assíria, a cidade mais poderosa da Anatólia era a cidade-estado chamada de Cussara, cuja localização permanece incerta. Era provavelmente localizada na Anatólia Oriental próxima a uma das muitas rotas com a Assíria, estando assim em uma posição de desconfortável proximidade com os hurrianos emergentes. O rei de Cussara se chamava Pitana, e quando os hurrianos se tornaram demasiado ameaçadores, ele moveu sua capital para uma nova localização chamada Kanash. Pitana foi sucedido por seu ambicioso filho Anita, que começou a campanha para expandir seu domínio na Anatólia, posteriormente atacando e destruindo a antiga cidade de Hatusa. Por alguma razão, Anita declarou a cidade amaldiçoada, e a assim chamada “proclamação de Anita” se tornou lendária, de modo que o local foi evitado por sucessores reais por muitos anos. No fim da vida de Anita (c. 1750), no entanto, ele havia adquirido um reino grande o suficiente para ser chamado de “grande rei”. Depois da morte de Anita, o que aconteceu ao reino é incerto. Ele parece ter sido assassinado em um ataque por um inimigo não identificado, e depois de sua derrota, a história da região se torna obscura por cerca de 70 anos. O próximo governante a adquirir proeminência na Anatólia foi Labarna II. Ele mudou seu nome para Hatusil, e corajosamente mudou a capital para a cidade amaldiçoada de Hatusa próximo ao ano 1650. Não se sabe ao certo se ele foi descendente da antiga linhagem de governantes, mas parece questionável dado o seu aberto desprezo pela maldição de Anita. Hatusil é, entretanto, o monarca que estabeleceu a primeira era de poder e prestígio hititas.


O Antigo Reino Hitita (1680 - 1450)

O primeiro período de dominância hitita é chamado de Antigo Reino Hitita, distinguindose do Império Hitita de alguns anos mais tarde. O período do Reino começa com um homem cuja origem é desconhecida, mas que é considerado por reis hititas posteriores como seu verdadeiro ancestral. Seu nome era Labarna I, embora tenhamos visto que foi seu filho Hatusil quem realmente começo o início desta era. Labarna I, no entanto, estabeleceu as fundações para este breve, porém, glorioso período da história hitita. Labarna I (1680 – 1650): Labarna tomou o controle de Canés através de um golpe, cujos detalhes permanecem incertos. Ele expandiu grandemente o território de Canés, pressionando para o sul em direção à Cilícia, uma região ocupada por grupos tribais conhecidos como Quizuadna. De lá ele expandiu-se ainda mais para o sul até finalmente alcançar o Mediterrâneo, de modo que no fim de sua vida ele pôde gabar-se de ter feito “do mar a sua fronteira”. Antes de morrer, ele dividiu os territórios conquistados entre seus dois filhos, um dos quais se destacou completamente sobre o outro e se tornou o gênio por trás da expansão do poder dos hititas nos muitos anos que se seguiram. Hatusil (1650 - 1620): Como notado anteriormente, Labarna II chamou a si mesmo de Hatusil, que significa “homem de Hatusa.” Quando ele tomou o controle da região que seu pai lhe tinha dado, ele imediatamente começou a desenvolver uma estratégia de expansão. Afastando seu irmão, e ignorando a antiga maldição de “Anita,” Hatusil concluiu que o melhor lugar para construir seu império e resistir à pressão hurriana era, de forma clara, a defensável fortaleza de Hatusa. De lá ele intentava confrontar diretamente a crescente pressão hurriana, que já havia engolfado as regiões ao leste, e ao mesmo tempo estabelecido uma monarquia independente. Em tudo isso ele foi bem-sucedido, e por essa razão ele é usualmente considerado como o verdadeiro fundador do Antigo Reino Hitita. Uma vez estabelecido em Hatusa, e tendo trazido a maior parte da Anatólia central e oriental sob seu domínio, Hatusil começou a pensar na expansão de sua autoridade aos territórios em derredor. Contudo, ele enfrentou consideráveis dificuldades de todos os lados. Ao norte, uma tribo bárbara conhecida como as tribos Gasga, frustrou seu desígnio, enquanto os lúvios impediram suas reivindicações no oeste. A contínua presença hurriana no leste continuou a representar um poderoso


empecilho a sua expansão, o que não apenas frustrou seu crescimento, mas também continuou a isolálo da Assíria, o antigo parceiro comercial anatólio. Apenas ao sul a estrada estava relativamente livre. O pai de Hatusil havia, no início, aberto as portas para o sul quando ocupou a região de Quizuadna, também conhecida como Cilícia. Hatusil sabia que além da Cilícia, estava a Síria, e além da Síria, as grandes civilizações do Egito no oeste, e a Mesopotâmia no leste, ambas com uma riqueza lendária. Com esses objetivos em mente, Hatusil invadiu a Cilícia, esperando usá-la como base a partir da qual poderia se expandir em direção ao sul. Uma vez restabelecida a autoridade sobre a Cilícia, Hatusil construiu várias grandes fortalezas, como aquela de Adana, com a função de assegurar o acesso ao mar pela costa do Mediterrâneo e selando seus alvos principais. Havendo assegurado o acesso à costa marítima, ele preparou-se para tomar o controle da parte norte da rota comercial. Seu principal problema estava na forte presença amorrita centrada na capital Alepo, bem ao sul de Carquemis. Essa cidade controlava o terminal norte desta rota, e era forte demais para ser atacada diretamente. Hatusil decidiu, então, tentar cortar o suprimento da cidade retirando seu outro único acesso para o mar usando seu aliado, a cidade de Alala. Uma vez conquistada Alala, ele se moveu contra outras cidades aliadas a Alepo ao longo da costa, finalmente tomando a capital amorrita em um duro cerco. A estratégia de Hatusil foi concebida e executada de modo brilhante, e provavelmente teria sido bem-sucedida se ele não tivesse sido interrompido por problemas muito ao oeste de seu domínio, na forma de um levante envolvendo um grupo conhecido como Arzaua, que eram associados aos lúvios, que haviam se tornado um poderio significativo no oeste da Anatólia. Os Arzaua eram ajudados por um outro grupo, os Azi-Aiasa, cujo nome tem sido identificado com os “aqueus” (Grécia), mas que eram provavelmente micenos. A razão para o levante ocidental não é clara, mas pode ter sido por ameaças às conexões de rotas comerciais entre os reinos de Hatusil e os Bálcãs, a região montanhosa ao norte da Grécia que era rica em estanho. Nesse caso, os Arzaua, assim como outro grupo conhecido como Uilusa, teriam sido conexões necessárias para tal acesso. Enquanto Hatusil tentava conter seus problemas no oeste, as coisas se complicaram ainda mais devido a um ataque hurriano na fronteira oriental, um ataque tão feroz que ele foi forçado a abandonar todas as outras expedições e focar todo seu poderio de guerra no quartel- general em Hatusa. Por um tempo, todo o reino de Hatusil, à exceção de sua capital em Hatusa, caiu nas mãos dos hurrianos. Demorou cerca de um ano até que Hatusil conseguisse expulsar os hurrianos da Anatólia e afastá-los pela da cordilheira do Tauros até o norte da Síria. Assim que o fronte se acalmara, ele retomou um ataque na parte norte das rotas comerciais do Eufrates, mas Alepo, neste meio tempo, havia tomado providências para se defender, e Hatusil foi incapaz de superar a poderosa cidade amorita. Em sua última tentativa de fazê-lo, ele recebeu um ferimento mortal, e os seus domínios foram deixados para seu filho adotivo, que era, na verdade, seu neto, Mursil I.


Mursil I (1620 – 1590): O filho de Hatusil conseguiu capturar a presa que havia escapado a seu pai em grande parte pela sua disposição de utilizar a diplomacia, além da força bruta para conquistar suas ambições. Logo que assumiu o trono o astuto jovem monarca imediatamente começou a se focar na tarefa de controlar a tão desejada rota Mesopotâmica, mas ele fêlo por primeiramente encontrar meios de interrompê-la. Mursil compreendeu que a cidade de Alepo continuava forte demais para um ataque direto, mas ele também percebeu que o principal aliado de Alepo, a Babilônia, tinha se tornado fraca e frágil. Os “dias de glória” de Hamurábi há muito tinham passado, e a atual vulnerabilidade da Babilônia representava um fraco elo na corrente de abastecimento até Alepo. Mursil sabia que se ele pudesse interromper a conexão vital de Alepo com a Babilônia, ao mesmo tempo que eliminava a conexão de Alepo com o Mediterrâneo, a cidade amorita finalmente desabaria. Com isso em mente, Mursil começou a refletir como efetivaria tal interrupção. A resposta veio quando ele explorava uma possível aliança com um novo poder que se fazia crescer na região, a meio caminho entre Alepo e a Babilônia. Os recém-chegados eram os cassitas, um grupo indo-europeu que tinha migrado do norte e tomado o controle dos postos avançados dos amorreus em Mari. Anteriormente, os amorreus tinham dominado toda a rota comercial do Eufrates, e os habitantes de Mari tinham facilitado muito as relações comerciais entre os amorreus da Babilônia e os amorreus em Alepo. Quando os cassitas invadiram, eles retiraram os governantes de Mari, e mudaram o nome da cidade para Hana. Como indoeuropeus, os cassitas eram mais simpáticos ao Hitita Mursil, que também era indo-europeu, do que aos parentes amorreus daqueles a quem haviam conquistado. Os cassitas estavam interessados, sobretudo, em explorar a fraqueza da Babilônia, enquanto Mursil esperava cortar as comunicações e isolar Alepo. Os dois formaram uma aliança estratégica, e de 1610 a 1595, eles conseguiram interromper significativamente a conexão comercial ao longo da rota. Gradualmente Alepo se tornou vulnerável ao ataque, e na primavera de 1595, Mursil desceu da Anatólia em uma incursão devastadora, destruindo completamente o centro amorreu. A tão importante rota comercial conectando a Anatólia à Mesopotâmia caiu sob controle hitita por toda a extensão até


Mari, dando à Mursil o objetivo militar que tinha buscado. Os cassitas, no entanto, não ficaram satisfeitos, e instigaram Mursil a buscar glórias ainda maiores, continuando sua campanha Eufrates abaixo, e tentando a sorte na própria Babilônia. Mursil aceitou, e com a sua ajuda, invadiu o coração da Babilônia com a velocidade de um relâmpago, descendo sobre a cidade, e do dia para a noite, a dinastia de Hamurábi foi trazida a um fim humilhante, deixando os hititas como a clara superpotência no campo da política internacional. A conquista da Babilônia, na verdade, significou mais do que uma apressada aventura do rei hitita. Mursil não tinha interesse em uma ocupação permanente e controle sobre o que sobrara da Babilônia, nem desejava manter o controle de toda a rota. Ele sabia que seus recursos seriam forçados ao pronto de ruptura por desejos tão extravagantes, e ele continuava a enfrentar a ameaça de um outro ataque pelos hurrianos em seu país. Assim, as preocupações com rivalidades palacianas em Hatusa foram suficientes para que abandonasse quaisquer reivindicações que tivesse sobre a terra entre os rios. A saída de Mursil da Mesopotâmia deixou a recompensa de seus esforços para seus aliados em Mari, e assim o palco estava pronto para o período do domínio cassita sobre a Babilônia. Mursil foi assassinado cinco anos depois por seu cunhado, e com sua morte, o poder do reino hitita foi profundamente abalado. Assim, junto com o colapso da dinastia de Hamurábi, um caminho foi aberto para a subida de outros poderes, o mais ativo dos quais foi o dos hurrianos, um povo semita que veio a ser dominado por uma classe ainda mais sofisticada de senhores da guerra indo-europeus conhecidos como Mitani. Esses “hurri-mitanianos”, que já controlavam a Síria, tomaram vantagem do vácuo de poder para iniciar a construção de um reino próprio. Eles atacaram a Cilícia, que era dominada pelos hititas no leste, ao mesmo tempo em que os povos Gasga atacavam os hititas vindos do norte, e os Arzaua pelo oeste. A guerra em múltiplas frontes subjugou o poderio hitita já abalado, e eles foram forçados a se retirar de volta até a fortaleza de Hatusa. Com isso, foi o fim do primeiro breve período de grandeza hitita. Telepinu (c. 1500 B.C.): A história dos hititas nos noventa anos seguintes é obscura, mas em algum momento perto do início do décimo quinto século, um governante chamado Telepinu apareceu na capital hitita. Ele recuperou algo do esquecido prestígio por um tempo, baseado grandemente em uma campanha que lançou na Cilícia. Depois de algumas vitórias significativas, ele negociou um tratado com o governante dos Quizuadna que ocupava a região. Apesar deste breve exemplo de sucesso militar, a sociedade hitita permaneceu na maior parte rural, organizada em um formato feudal em torno de vilarejos controlados por príncipes locais. Grandes cidades como Hatusa eram incomuns. A sociedade dos vilarejos era patriarcal, agrária e aristocrática. O rei hitita reinava em nome de Hatusa, mas ele havia se tornado mais distante e


impessoal. Quando Telepinu morreu, os resquícios do Reino Antigo se desintegraram completamente. Suas conquistas podem ter sido impressionantes, mas foram efêmeras, embora as políticas de seus reis tenham estabelecido um padrão seguido à risca pelos monarcas do período seguinte e ainda mais grandioso do Império Hitita. O Império Hitita (1450 – 1180) O período do Império Hitita é comumente datado do ano 1450 a.C., embora não tenha se tornado, de fato, um “império” de modo significativo até cerca de cem anos depois, com o reinado de Supiluliuma. O primeiro governante deste período, no entanto, restaurou algo da sorte dos hititas, e é ocasionalmente visto como um predecessor do tempo grandioso que se seguiria. O nome do governante foi Tudália. Tudália I (c. 1450 B.C.): Como notado no capítulo dois, Tutmósis III do Egito lançou uma série de campanhas em 1482 na região da Síria, posteriormente tomando a capital amorita de Alepo. Nessa época, os hititas não estavam em posição de resistir ao avanço, e simplesmente se submeteram às demandas egípcias de pagar tributos. Eles, entretanto, entraram em negociação com os amorreus em Alepo, oferecendo-se a ajudá-los em uma rebelião contra seus dominadores egípcios assim a que oportunidade aparecesse. Os hititas esperavam que uma rebelião em Alepo também libertasse a Anatólia dos impostos egípcios que tanto ressentiam. A “oportunidade” não se apresentou até a morte de Tutmósis III em 1450. Alepo aproveitou a mudança de governo nessa ocasião para expulsar a presença egípcia, embora eles dependessem em muito do apoio hitita para fazê-lo. Depois da bem-sucedida revolta, no entanto, os amorreus de Alepo deram sua lealdade aos Mitani e não aos hititas. Como vimos, os Mitani haviam se tornado a maior força no norte da Síria, e pareciam ter mais autoridade nessa época do que os hititas, embora os hititas tenham provido ajuda significativa para eles. Foi bem neste momento que um novo rei, Tudália, tomou o trono de Hatusa, e com um governo brilhante, uma nova era de poder hitita começou. Uma das primeiras preocupações de Tudália foi punir Alepo pela quebra do acordo com os hititas, e ao mesmo tempo, recuperar o controle da tal crucial rota comercial para a Mesopotâmia. Ele começou por renovar a aliança com Quizuadna, na Cilícia, e então dentro de um ano ou dois, ele derrotou Alepo e seus mitanis. Assim, praticamente do dia para a noite ele recuperou a posição de considerável poder dos hititas, e os colocou novamente sob os holofotes do poder político no Oriente Próximo. Tendo tomado o controle das rotas comerciais, Tudália voltou sua atenção em direção ao oeste, esperando adquirir autoridade similar sobre a rota


noroeste para os Bálcãs. Isso requeria que ele desafiasse os Arzaua e a Terra do Rio Seha onde vários grupos tinham se confederado para resistir ao controle hitita, inclusive os conhecidos Aiaua, possível referência aos aqueus ou minoicos. Tudália teve algum sucesso em sua campanha, mas falhou em adquirir controle permanente sobre a rota. Pior ainda, ele foi incapaz de assegurar um sucessor ao trono hitita, e com a sua morte, o início do Império Hitita se eclipsou por alguns anos. Com a contração do poder hitita, o governante de Arzaua varreu a Anatólia, atingindo até Quizuadna na Cilícia. Ele era um governante muito ambicioso, que esperava tomar controle de toda a rota comercial, assim como Tudália havia tentado. Esse obscuro governante de Arzaua, de fato, se mostrou como uma figura internacional que ocuparia o prestígio anterior do rei hitita. Ele até mesmo tentou conseguir um casamento diplomático com a Décima Oitava Dinastia da Casa Real egípcia, embora não haja evidências de que tal casamento tenha acontecido. Por um tempo, no entanto, ele pareceu ter concebido esperanças de que ele seria tido em igualdade aos grandes reis do mundo do Oriente Médio, na medida em que ele conteve as ambições expansionistas dos subsequentes governantes hititas. Foi durante esse período de tênue equilíbrio que os israelitas conseguiram sua própria marca na história do Antigo Oriente Próximo. A Conquista e o Início do Período dos Juízes: Em 1447, logo no início do reinado de Tudália, Moisés liderou os filhos de Israel para fora do Egito. Em sua jornada para o Monte Horebe, em Midiã, Deus providenciou comida e água para sua jornada, e também protegeu-os quando foram atacados pelos grupos tribais, os amalequitas, descendentes de Amaleque, descendentes de Esaú. Israel melhorou sua estrutura organizacional com o conselho de Jetro, sogro de Moisés, conforme eles prosseguiam sua jornada. Moisés e seus seguidores chegaram à montanha cerca de três meses depois de sair do Egito, aproximadamente em junho de 1447. Lá eles entraram à Aliança de Deus de se tornaram uma “nação de sacerdotes,” ou seja, uma nação que pela palavra e condução serviria como testemunho às outras nações. Deus deu à Israel os Dez Mandamentos (Êx. 20), junto à clarificadora legislação e instruções cerimoniais. Depois de o povo ter ratificado a aliança, Moisés recebeu instruções de construir um tabernáculo, um protótipo de centro de adoração para Israel, uma “casa de oração para as nações.” O tabernáculo foi construído no ano seguinte usando metais preciosos e joias que tinham sido tomadas dos egípcios. O trabalho foi supervisionado por artesãos talentosos, Bezalel e Aoliabe, que também fizeram os artigos do tabernáculo, incluindo a arca da aliança, a mesa para os pães da proposição, o candelabro e o altar do incenso. Toda a estrutura foi erigida e os sacerdotes ungidos para o serviço no primeiro dia do segundo ano após o Êxodo (Êx. 39, 40).


No segundo mês, Deus ordenou a Moisés conduzir um censo do povo, depois do qual eles partiram do Sinai, e começaram a jornada que os levaria até as fronteiras de Canaã. No caminho, Deus providenciaria ajuda a Moisés ao ungir 70 anciãos de Israel para repartir o fardo de liderar o povo (Nm 11). Quando eles alcançaram a terra de Canaã, Moisés enviou doze espias para a terra, e eles retornaram após quarenta dias confirmando que era “uma terra que manava leite e mel.” Eles também disseram que, no entanto, a terra estava repleta de um povo poderoso, incluindo hititas, amorreus e cananeus. Dez dos espias argumentaram que a terra era demasiado forte e não podia ser conquistada, enquanto Josué e Calebe argumentaram que com a ajuda de Deus a terra poderia ser conquistada. As pessoas foram persuadidas pelos dez, e começaram a se lamentar pelo Egito que tinham deixado. Deus pronunciou julgamento sobre eles, sentenciando-os a quarenta anos no deserto, um tempo durante o qual a geração rebelde morreria (Nm 14). Depois de quarenta anos, Israel retornou para a margem leste do Rio Jordão, se preparando para invadir Canaã sob Josué. O ano foi 1407, o quadragésimo primeiro ano após o Êxodo. Como parte final da responsabilidade da liderança, Moisés releu a lei, lembrando o povo de seus requisitos, e algumas vezes suplementando seu conteúdo. Essa segunda proclamação da lei, o “deutero-nomos,” ou Deuteronômio, seguiu a forma da antiga celebração de sucessão dinástica comum no Oriente Próximo, e em parte preparou o povo para aceitar a liderança de Josué. Moisés foi então tomado por Deus no topo da montanha, onde viu toda a terra de Canaã, depois disso morrendo e sendo enterrado em um local desconhecido com a idade de 120 anos. Seguindo a morte de Moisés, Josué clamou ao povo que se preparasse para a invasão de Canaã, declarando que em três dias eles cruzariam o Jordão por terra seca. As águas do Jordão foram cortadas, Israel entrou na terra, e a guerra de conquista começou, a única chamada “guerra santa” que é registrada no Antigo Testamento. A primeira cidade a ser tomada foi Jericó, onde os muros milagrosamente caíram depois de Israel ter marchado ao redor da cidade por sete dias. Depois veio Ai, e seguindo essa batalha, Josué fez um acordo de paz com os gibeonitas, por causa de um embuste em que estes disseram ter vindo de uma “terra distante.” Pouco tempo depois uma coalização de reis amorreus se lançou ao ataque em Gibeão, com a intenção de punir a cidade por ter entrado em acordo com Israel, mas Josué liderou os exércitos israelitas em defesa de seus aliados, e destruiu as forças amoritas. De lá Josué liderou uma extensiva campanha para o sul capturando o território até as proximidades de Libna e Laquis. Tendo subjugado o sul, Josué liderou as forças de Israel contra uma coalização de exércitos que se aproximava pelo norte, e também as derrotou.


A “conquista” demorou cerca de cinco anos, assim, em 1400, Israel tinha tomado posse de grande parte da terra. Josué, que tinha então 85 anos, recebeu o território de Hebrom como recompensa por sua fé 45 anos antes, quando ele não trouxera um “mal relatório” com relação à terra. O restante das tribos recebeu os territórios de acordo com a supervisão e o jogar de sortes (Js 1519). No fim do período da conquista, foi declarado que Deus tinha cumprido em todos os detalhes aquilo que Ele havia prometido: Assim, pois, deu Yahweh aos filhos de Israel toda a terra que havia jurado dar a seus antepassados. Tomaram posse dela e nela se estabeleceram. Yahweh deu-lhes também paz e tranquilidade em todas as suas fronteiras, de acordo com tudo o que jurara a seus pais. Nenhum dos seus inimigos pôde resistir-lhes, porquanto o SENHOR entregou todos eles em suas mãos. De todas as promessas que Yahweh fizera à casa de Israel, nem uma única falhou: tudo se cumpriu fielmente. (Js. 21:43-45 KJA). Josué fez seu discurso de despedida em aproximadamente 1375, e morreu no ano seguinte com a idade de 110 anos. Neste tempo, as pessoas renovaram sua promessa de seguir a Lei de Deus, e eles o fizeram durante todos os anos dos anciãos que serviram sob Josué. Ao fim desse tempo, no entanto, Israel começou a se afastar de sua fé. Em 1365, um rei mesopotâmico chamado Cushan começou a oprimir Israel, e continuou a fazê-lo por oito anos, mas em 1357, Otniel, o irmão mais novo de Calebe derrotou Cushan. Ele então tomou a posição de “juiz” de Israel, inaugurando assim o período dos juízes, uma era que continuou até aproximadamente 1100. Otniel morreu em 1317 depois de julgar Israel por quarenta anos. Com o início do período dos juízes, os hititas também começaram a aumentar sua influência no Oriente Próximo, e desta vez eles se tornaram um poder dominante que afetaria a vida política da região nos anos que viriam. Tudo começou com um rei hitita com um nome estranho. Supiluliuma (c. 1360 - 1320): Como notado antes, os Arzaua varreram a Anatólia depois da morte de Tudália, e por um tempo, eles foram uma força a ser tida em consideração. Porém, a dominância de Arzaua não durou, e


em cerca de 1360, um enérgico rei hitita chamado Supiluliuma se distinguiu como uma brilhante figura militar que conseguiu unir os exércitos hititas contra Arzaua.

Depois que Supiluliuma tinha empurrado Arzaua novamente a seus próprios domínios, ele se instalou no trono hitita e imediatamente começou uma bem-sucedida campanha para recuperar o controle no leste, que tinha sido, por tanto tempo, perturbado. Ele varreu por sobre os territórios de Quizuadna na Cilícia, e então negociou um tratado com os hurrianos, que tinham estado por muito tempo sob o domínio dos Mitani. Uma vez com a ajuda dos hurrianos, o rei hitita se moveu diretamente contra os poderosos Mitani, e conseguiu repeli-los de suas posições dominantes em Alepo, Carquemis, e de muitos dos outros estados sírios no leste. Pretendendo remover qualquer vestígio de resistência que pudesse permanecer, ele assinou tratados com os aliados príncipes sírios, mas deu Alepo a um de seus filhos e Carquemis a outro. Com estes sucessos, Supiluliuma tinha trazido a rota comercial com a Mesopotâmia novamente às mãos hititas. Supiluiuma então voltou sua atenção em direção ao sul, expandido-se para a região da Fenícia e da costa mediterrânea até que, finalmente, controlasse toda a extensão de terra até a fronteira com o Egito. Como veio a ficar claro, a expansão dos hititas em direção ao Egito ocorreu em uma época em que o governo egípcio era muito instável. Tutancâmon tinha morrido em 1325, e sua jovem viúva foi pega em um desesperado jogo político com homens mais velhos e experientes que ela. Buscando uma aliança que asseguraria sua própria posição, e a continuidade da Décima Oitava Dinastia, ela pediu a Supiluliuma a mão de um de seus filhos em casamento. Supiluliuma estava desconfiado de início, pois ele tinha antecipado uma guerra contra o Egito depois das agressivas campanhas que haviam trazido seus exércitos a suas fronteiras. Após fazer novos questionamentos, no entanto, ele concordou com a proposta, e enviou um de seus filhos para o Egito para entrar em um casamento diplomático com a jovem rainha. Infelizmente, o príncipe foi morto enquanto viajava para o Egito, provavelmente sob mando de Horemheb (1321-1293), e a aliança proposta não aconteceu.


Nos anos finais de Supiluliuma, o encontramos ocupado com problemas no leste, que foram, na verdade, causados por ele mesmo. Os assírios tinham estado por muitos anos, sob o controle dos Mitani, mas depois que Supiluliuma os havia superado, os assírios tomaram essa oportunidade de atacar seus conquistadores pelo leste. Os Mitani, pegos em uma guerra em duas frentes, eram incapazes de responder efetivamente em qualquer delas, e assim os assírios ganharam sua liberdade. Nunca contentes com a mera liberdade, no entanto, os assírios logo começaram a expandir suas próprias fronteiras, e não muito depois, os próprios hititas se sentiriam pressionados. A ameaça assíria foi contida em alguma medida pelos príncipes leais que foram colocados por Supiluliuma no norte da Síria após a derrota dos Mitani. Eles funcionaram como um buffer entre os assírios e os hititas, mas o poder assírio iria, ainda assim, se tornar um problema significativo para os hititas nos anos que viriam. Supiluliuma se viu com outras complicações ao oeste. Como fora o caso com todos os seus predecessores, Supiluliuma desejava fortemente proteger o suprimento de estanho que vinha dos Bálcãs pela rota comercial através do Helesponto, pela Anatólia, e finalmente até Hatusa. Essa “rota do estanho”, no entanto, era constantemente ameaçada por Arzaua. Como vimos antes, Supipuliuma tinha expulsado os Arzaua antes de tomar o trono, mas não tinha invadido a terra de Arzaua diretamente, e este povo continuou sendo uma ameaça constante. A Terra do Rio Seha, que Supiluliuma controlava, era apenas um pequeno buffer entre a rota comercial e Arzaua. Supiluliuma também tinha feito um tratado com os Ahhiyawa, mas no final de seu reinado, os Arzaua os haviam persuadido, junto com o estado hitita vassalo de Millawanda, a rebelar-se contra o domínio hitita. Mira e a Terra do Rio Seha então se envolveram, e a situação rapidamente tomou proporções críticas. Enquanto tudo isso acontecia, Supiluliuma ainda estava ocupado na Síria, e não pôde responder de modo efetivo. Ele podia apenas deixar a administração das dificuldades ocidentais para seu filho Mursil. Mursil II (1320 – 1295) : Supiluliuma parece ter morrido em uma peste que seus soldados haviam trazido da campanha Síria. Seu filho mais velho rapidamente o seguiu para a tumba, e o trono passou para o filho mais novo, Mursil, que provou ser um governante eficiente. Durante o seu reinado, a rota comercial a sudeste permaneceu intacta, e o “estado tampão” criado por Supiluliumas, que tinha reforços hititas em Carquemis, a protegia contra a força agressiva da Assíria. O Egito ainda não tinha se recuperado característica dos anos finais da Décima Oitava Dinastia, e não possuía nem o poder nem a vontade de exercer sua influência no norte da Síria. Livre de preocupações ao leste e sul, Mursil voltou sua atenção aos assuntos inacabados no oeste, onde Milauata foi rapidamente derrotado. Então ele organizou um ataque total e muito bemsucedido sobre Arzaua, entregando-a um membro pró-Hitita da família real. Mira, Hapala e a Terra do


Rio Seha se tornaram estados vassalos separados, ligados ao governante hitita por uma série de elaborados tratados. Pelo restante da vida de Mursil, assim como da deu seu sucessor, o controle hitita no oeste foi efetivo e bem-sucedido. Há bons motivos para suspeitar que foi durante este tempo que os hititas vieram a dominar a cidade de Troia, estabelecendo ali uma forte presença que não teria desafios à altura até a Guerra de Troia cem anos depois. Durante estes anos, a autoridade hitita no Oriente Médio era praticamente inconteste. Os portos da Fenícia foram submetidos ao controle de Mursil, e a Síria se tornou um palco potencial para campanhas contra a Mesopotâmia ou o Egito. Ao norte, os Povos Gasga faziam escaramuças ocasionais, mas Mursil manteve uma rígida linha de fortalezas fronteiriças que barrava seus inimigos naquela direção. Em todo o império a ênfase estava na boa organização e no forte controle através de estados vassalos leais, e essa política permaneceu altamente eficiente durante o restante de sua carreira. Nos anos finais, Mursil percebeu que o Egito estava reconstruindo seu poderio novamente. Horemheb, o último representante da 18º Dinastia, com sua mente militar, tinha mostrado a vontade de reconstruir o exército egípcio, e parecia inevitável que mais cedo ou mais tarde haveria uma amostra de poder na qual os egípcios desafiariam o controle hitita na Síria e Canaã. Prevendo a tempestade no horizonte, os últimos anos do reinado de Mursil foram dirigidos à preparar-se para a inevitável colisão dos poderes. Muatal (c. 1295 – 1274): Os detalhes do reinado de Muatal, o sucessor do trono hitita, são pouco documentados. Em algum momento do início de sua carreira, os Povos Gasga invadiram e destruíram Hatusa. Apesar de um sucesso momentâneo, os Gasga foram rechaçados e levados novamente para fora da fronteira norte hitita. Enquanto estava ocupado nesta campanha, Muatal continuou a temer a ameaça crescente representada pela nova e poderosa 19º Dinastia, e seu jovem Faraó, o notável e ambicioso Ramsés II (“O Grande”). Muatal decidiu não reconstruir Hatusa, mas moveu sua capital para um lugar mais ao sul, onde poderia montar uma melhor contra o inevitável ataque egípcio. Registros desse local ainda precisam ser escavados, mas a seguinte sucessão de eventos parece ser o provável. Enquanto Muatal considerava a ameaça crescente do Egito, ele percebeu que era ainda mais importante proteger a conexão da rota comercial com os Bálcãs. Arzaua, no entanto, continuava se agitando e a rota norte-oeste continuou um pouco instável. Muatal decidiu lançar uma campanha ocidental na intenção de reestabelecer a autoridade hitita, e talvez, conseguiu maior apoio na região. Pouca se sabe dos detalhes da campanha, mas parece ter sido bem-sucedida, na medida em que Muatal assegurou a lealdade dos estados vassalos, inclusive da estratégica Terra do Rio Seha. Na época em que o temido ataque finalmente veio, muitos soldados dos estados ocidentais se alistaram de boa vontade no exército hitita. Apesar de tudo isso, o controle hitita no oeste permaneceu, na melhor das hipóteses,


precário, e Muatal nunca deixou de considerar a Ásia Menor como uma possível de rebelião. Tendo imposto, tanto quanto possível, estabilidade no oeste, Muatal concentrou o máximo de sua força de batalha onde era mais necessária, no norte da Síria, onde ele estava certo que encontraria o avanço do Faraó Ramsés II mais cedo ou mais tarde. Como esperado, em 1276 os dois exércitos se encontraram na batalha em Kadesh, uma cidade no Rio Orontes. Os hititas conseguiram repelir o avanço egípcio, e mantiveram o controle sobre o norte da Síria. No entanto, apesar de seu sucesso, a guerra teve um efeito negativo inevitável no poder de Muatal. Ele esteve tão preocupado com resistir aos egípcios que se encontrou incapaz de responder a um ataque em separado vindo do leste que das mãos dos assírios. O “tampão” que os hititas haviam criado na Síria colapsou diante de um ataque tão poderoso, e a Síria se tornou subjugada à Assíria em vez de uma fronteira protetora dos hititas. Israel permaneceu na maior parte intocada pelos conflitos entre seus vizinhos ao norte a sul. Em 1279, três anos antes da batalha de Kadesh, o livro de Juízes registra o início de um período de opressão de vinte anos sob Jabim, um príncipe cananeu local que habitava ao norte de Israel. Seu reinado opressivo finalmente chegou ao fim pelas mãos de Baraque em 1259, durante o governo de Débora. Depois, o próprio Baraque julgou Israel por outros quarenta anos (Jz 4, 5). Mursil III (1274 – 1272): A pírrica vitória de Muatal em Kadesh deixou os hititas em uma situação assustadoramente precária, com perigo se acumulando tanto do leste até o oeste. O Rei hitita morreu pouco depois da batalha, e com isso a situação piorou rapidamente. Para piorar, os hititas foram varridos por conflitos internos. Por todo o curto reinado de Mursil III, o rei hitita esteve preocupado com uma disputa com seu tio, um homem chamado Hatusil. Mursil suspeitava que Hatusil tinha intenção de subir ao trono, e suas suspeitas estavam certas. O povo da Anatólia estava ferrenhamente dividido sobre esta questão, com a Terra do Rio Seha ajudando fortemente Hatusil, enquanto Mira e Aiaua apoiaram Mursil. Hatusil II (1272 - 1250) : Os detalhes são obscuros, mas em cerca de 1272 Hatusil depôs e exilou Mursil. O novo rei foi um governante


razoavelmente competente, mas a instabilidade do governo hitita abriu a porta para revoltas significativas em seus territórios. Hatusil gabou-se com propaganda dizendo que todos os que amavam seus antecessores também amavam a ele, mas há pouca evidência para dar base a suas alegações. No oeste, Arzaua e a maior parte de seus vizinhos tiraram vantagem deste golpe de estado para desestabilizar a autoridade hitita, embora Hatusil tenha mantido a controle da rota vital de estanho para a Europa. Na Síria, a situação não era melhor. Como já vimos, os assírios tinham aproveitado a oportunidade na Batalha de Kadesh para lançar uma campanha em direção ao oeste atravessando o Eufrates. O rei assírio Adad-Nirari I, um brilhante monarca que conseguiu ganhar o controle da região dos hititas, incorporou-a ao seu território, o que deu a ele controle sobre uma vasta região de terra que se estendia de Nínive até o Eufrates. A presença assíria no norte da Síria alarmou Hatusil mais do que qualquer outra ameaça isolada. Ele podia ver que a rota comercial para a Mesopotâmia poderia ser tomada, e se isso acontecesse, seria uma catástrofe para a Anatólia. A única estratégia que Hatusil podia imaginar era negociar uma aliança com algum outro poder que o ajudasse a defender sua posição. Mas quem se aliaria com os hititas? Surpreendente, Hatusil buscou fechar suas defesas com o egípcio Ramsés II, o mesmo governante que os hititas tinham derrotado três anos antes em Kadesh. Os egípcios concordaram, e Hatusil deu sua filha em casamento ao Faraó egípcio. No papel o tratado parecia bom. Trazia assistência mútua na guerra, e asseverava o controle hitita sobre o norte da Síria. Hatusil também assinou um tratado com os cassitas na Babilônia, e esperou que assim afastasse a ameaça colocada sobre todos pela presença assíria no norte da Síria. Tudália IV (c. 1250-1220): Os tratados negociados por Hatusil trouxeram uma tênue estabilidade para o mundo hitita, mas apenas por um tempo. A rota comercial para a Mesopotâmia permaneceu nas mãos dos hititas, e os assírios foram impedidos por um tempo de se expandirem mais. No entanto, na época do próximo rei hitita, Tudália, subiu ao trono, uma nova crise acometeu a Anatólia. Os assírios vinham colocando uma pressão cada vez maior sobre as colinas ricas em cobre do oeste da Anatólia, colinas das quais os hititas mineravam um dos ingredientes essenciais para a produção de bronze. O rei assírio, Salmaneser I, lançou uma campanha total que conseguiu tomar dos hititas o controle das minas de cobre na região


de Isua. A perda da fonte vital de cobre desferiu um duro golpe no rei hitita. Em um movimento desesperado, Tudália contra-atacou e deteve o avanço assírio perto de Carquemis, mas vitais recursos de cobre já haviam sido perdidos. Tudália precisava encontrar uma fonte alternativa de cobre, e precisava encontrá-la rápido. Ele persuadiu alguns príncipes sírios a juntarem-se a ele em uma campanha através dos mares para invadir a ilha de Chipre, onde novos vastos recursos de cobre tinham sido descobertos. Deste modo ele conseguiu manter a produção de bronze, mas a um alto custo de tempo, energia, e dinheiro. O Império Hitita continuava a se desintegrar. Nos anos restantes do reinado de Tudália, a rota comercial do sudeste continuou, de modo precário, em mãos hititas, mas a rota norte-oeste encarava ameaças crescentes por todo o seu percurso. Problemas na Terra do Rio Seha foram provavelmente causados por Milauata e instigados pelos micênios (Aiaua). Tudália conseguiu abafar uma sucessão de rebeliões, mas estava claro que seu controle sobre a área estava diminuindo. Os micênios haviam se tornado cada vez mais fortes, e logo se viram como um dos “grandes poderes” do Oriente Médio, como se tornaria evidente alguns anos mais tarde na Guerra de Troia. O Fim do Império Hitita (1220 – 1180): Os sucessores de Tudália se viram incapazes de restaurar a situação. É claro que os hititas desfrutaram de um curto renascimento sob um segundo Supiluliuma (c. 1200-1180) que prolongou a vida do império por mais alguns anos. Mas a situação estava, de modo geral, se deteriorando. As colheitas estavam falhando, e o grão tinha de ser importado para evitar a fome. A pressão assíria continuou a crescer no leste. Os micênios ameaçavam o oeste. Os estados vassalos sírios relaxavam o cumprimento de suas obrigações. Os Povos Gasga ao norte eram uma ameaça crescente. O golpe mais devastador veio, no entanto, de uma fonte diferente e inesperada. Longe, ao noroeste, uma grande migração estava começando, que só seria segurada nas fronteiras do Egito. As razões para este movimento e a identidade dos povos que tomaram parte nele se mostraram controversos, mas é evidente que no momento em que esses invasores alcançaram o Egito (c. 1186), tanto os povos egeus e anatólios estavam envolvidos. Quaisquer que tenham sido os elementos que tenham criado essa força invasora, o efeito sobre a Anatólia é claro. A rota norte-oeste foi cortada. Arzaua, a grande rival em seu uso com os hititas, não pôde tirar vantagem desta situação, pois também foi varrida pelos invasores que desceram pela costa egeia ao longo do litoral do Mediterrâneo. A Cilícia caiu sob eles, e então Chipre, que tinha sido a grande fonte de cobre para os hititas. Então, os invasores alcançaram e arrasaram o norte da Síria, causando o corte da segundo linha vital de suprimentos hititas. O que aconteceu depois disso em Hatusa não é de modo algum claro, mas é obvio que o centro deste império foi tão enfraquecido pela perda das rotas comerciais que não podia mais resistir aos ataques dos Povos Gasga e outros. A terra dos hititas foi destruída, e sua capital foi queimada até o chão.


A identidade dessas forças invasoras ainda é controversa, mas a teoria mais aceita os identifica como os “Povos do Mar” que serão mostrados neste capítulo. Primeiro eles vieram, e depois incorporaram os micênios em suas fileiras. Da Grécia e Creta, eles se espalharam velozmente pela Ásia Menor, Anatólia, Síria, assim como pelo Mediterrâneo. Então, finalmente, eles encontraram um adversário à altura no Faraó egípcio, Ramsés III. Seguindo esses anos disruptivos, o Oriente Próximo passou para um período comumente chamado de “Idade das Trevas,” que se estende de aproximadamente 1150 à 900 a.C. Durante esse período, os descendentes dos hititas continuaram a agir de maneiras importantes. A riqueza mineral e agricultural da Anatólia ainda chamava muito a atenção dos povos vizinhos, e o uso cada vez mais comum do ferro depois de 1200 a.C. serviu apenas para aumentá-la. As rotas comerciais que passavam pela Anatólia eram estratégicas, e representavam uma chave essencial para o entendimento de todo o período. Enquanto o “Império” hitita estava em seu fim, a presença contínua do povo hitita é citada tanto na Bíblia quanto em outras fontes, e sua influência não pode ser subestimada. O Período dos Juízes: Os anos finais do Império Hitita foram concomitantes, em geral, com o complicado período de Juízes de Israel. O seguinte sumário provê um breve quadro cronológico das maiores personalidades desta época. Josué morreu no ano de 1374, cerca de vinte e cinco anos depois da conquista de Canaã. Dez anos depois o rei mesopotâmico Cusã começou a oprimir o povo, mas em 1357 Otniel liderou uma revolta, e então julgou Israel por quarenta anos (Jz 3:11). Otniel morreu em 1317, e depois disso o rei moabita Eglom começou a oprimir o povo de Deus. Eúde assassinou Eglom em 1299, e então julgou Israel por vinte anos (Jz 3:1). Depois da morte de Eúde em 1279, o povo de Israel foi oprimido por um rei cananeu chamado Jabim por vinte anos, mas ele foi derrotado por Baraque e Débora em 1259.


Baraque julgou Israel pelos quarenta anos seguintes (Jz 5:31), mas a opressão dos midianitas começou em 1219 e durou por sete anos. Deus então chamou Gideão para lutar por Israel, e ele o fez com seus famosos 300 homens (Jz. 8). Gideão morreu em 1172, depois de julgar por 40 anos, mas ele foi seguido pelo breve e opressivo reinado de Abimeleque (Jz 9:22) que durou até 1169. Tola julgou Israel por vinte e três anos, morrendo em 1146. O governo de Israel foi então dividido, a grosso modo, em norte e sul. No norte, Jair julgou pelos próximos vinte e dois anos (Jz 10:3), mas após sua morte, a opressão amonita tomou as regiões. Jefté liderou Israel contra os amonitas em 1106, e então julgou Israel por seis anos, morrendo em 1100. Ele foi seguido por Ibsã, que julgou por sete anos, e foi sucedido por Elon, que julgou por dez anos (Jz 12:11). Elon morreu em 1083, e foi sucedido pela última linha de juízes no norte. Abdom julgou por oito anos (Jz 12:13). O governo no sul começou em 1144 com Eli, que julgou durante quarenta anos (1 Sm 4:18). A opressão filisteia começou mais ou menos neste tempo. Tanto Samuel quanto Sansão nasceram no ano 1124. Em 1104, Eli faleceu, deixando Samuel para julgar ao sul no Tabernáculo, enquanto Sansão levou suas campanhas até ser capturado pelos filisteus. Sansão morreu em 1084, resgatando o sul de Israel da opressão filisteia na batalha de Mispa. Samuel continuou a julgar no sul até que ungiu Saul como primeiro rei. O reinado de Saul começou em 1050, e marca o fim do período dos juízes.

Os Micênios Os micênios aparecem pela primeira vez nos registros históricos do início do décimo sexto século (c. 1580), mas já nesta época eles apresentavam uma cultura que era rica e complexa. Os micênios mantiveram contato com muitas outras civilizações no mundo mediterrâneo, embora a maior parte dele tenha sido com os minoicos, uma cultura cuja capital estava em Cnossos (ou, Knossos), na ilha de Creta. Ambos, os minoicos e os micênios, foram os primeiros representantes da cultura grega na primeira metade do segundo milênio. Os minoicos dominaram primeiro, mantendo impressionantes empreendimentos de navegação, mas em aproximadamente em 1400 a.C., sua sorte mudou, e os micênios assumiram como o grande poder marinho, enquanto os minoicos desapareceram em obscuridade. Por causa dos laços significativos e constantes entre estes dois grandes poderes gregos, é útil ter um contexto sobre os minoicos antes de discorrer sobre os micênios.


Pouco se sabia sobre a cultura minoica até o descobrimento, em 1900, de um grande palácio em Cnossos. A descoberta foi feita por um arqueólogo britânico, Sir Arthur Evans, que nomeou o palácio e a civilização que este representava em honra a Minos, seu lendário rei. O palácio parece ter

sido danificado por um desastre natural durante o décimo sétimo século a.C. (c. 1628), e essa data veio marcar o fim da primeira fase da história primitiva de Creta. Alguns têm identificado essa catástrofe com a explosão de um grande vulcão, e o desaparecimento de uma civilização chamada Atlântida por Platão. Dentro de poucos anos, a civilização cretense começou a se recuperar, e uma nova dinastia se desenvolveu em uma cultura ainda mais brilhante no mesmo local. O palácio de Cnossos foi reconstruído em uma escala vastíssima e mais impressionante. Subiu cerca de três ou quatro andares e continha muitos quartos e passagens, junto com uma sala do trono decorada luxuriosamente. Característica entre todas as pinturas estavam cenas de “salto ao touro”, um esporte que pode ter trazido à existência o mito grego posterior sobre o Minotauro. Santuários dentro do palácio forneciam um local para a adoração da deusa mãe, provavelmente aquela chamada de Reia pelos gregos. A cultura minoica parece ter sido vibrante, despreocupada e quase idílica. Os minoicos chegaram ao topo de seu poder durante o décimo sexto século, quando eles dominaram o Mar Mediterrâneo, fazendo comércio com a Ásia Menor, e também com o Egito ao sul. Esse período de dominância durou por aproximadamente duzentos anos, de 1600 a 1400. Perto do fim destes anos, a cultura minoica se tornou cada vez mais enfraquecida, enquanto os micênios estavam desenvolvendo suas habilidades de guerra e conquista.


Um prelúdio a essa invasão foi descrito por um acadêmico nas seguintes palavras: Na metade do segundo milênio havia dois mundos opostos no Mar Egeu, um dos quais silenciosamente cresceu para o futuro, em silenciosa ignorância, com pesada esperança e bêbados de dor e glória: os micênios – e outro que descansava alegremente, sentado nas riquezas de sua antiga cultura, gracioso e leve, com todos os seus maiores problemas pareciam já ter sido superados: os minoicos em Creta.3 Creta e Micenas estavam em afiado contrante. Uma delas era habitada por aqueles que tinham prosperado, sobretudo através de empreendimentos pacíficos, criando uma cultura na qual todos os seus desejos, pelo menos os relacionados ao bem-estar, poderiam ser satisfeitos de maneira civilizada. A Grécia continental, por outro lado, ainda estava em um período primitivo e nãosofisticado. Seus habitantes eram descendentes dos indo-europeus que tinham migrado do norte, se ramificando para o oeste para dentro da península grega, e para o leste dentro para o interior da Anatólia, onde haviam se tornado os pioneiros dos hititas e outros. Eles tinham formidáveis guerreiros barbados e de ombros largos. Eles viviam nas florestas do Peloponeso e não desfrutavam de nenhum dos luxos e facilidades da vida em Creta. Eles foram endurecidos pelas duras condições e dificuldades dos conflitos, e não é uma surpresa que deles surgiram guerreiros lendários como Agamenon, o rei de Micenas, que levou os gregos à Guerra de Troia. Um dos primeiros reis micênios identificados neste período (c. 1600), Danaos, é provavelmente a ancestral dos Danaoi nomeados por Homero. A lenda relata que ele veio do Egito e se estabeleceu como rei em Argos. Embora ele alegasse origem divina, ele provavelmente tinha parentesco com os hicsos, o que explicaria a notável influência egípcia nos artefatos relacionados ao período. Perseu, um descendente de Danaos, é o tradicional fundador de Micenas.

3. Oswald Spengler, citado em Gerhard Herm, A Civilização dos Fenícios: Editora Fermi (1979). Citação em tradução livre a partir do original em inglês.


Pilos, a oeste de Argos, no Peloponeso, parece ter sido um centro que despontou em 1550 a.C. Iolco, que era uma região da Tessália, também era uma cidade importante na época. De acordo com

a lenda, havia alguma conexão entre as duas cidades. Diz-se que Pélias e Neleu eram irmãos gêmeos cujo lar se chamava Iolco. Eles brigaram, e Neleu foi forçado a migrar para Messênia, ao norte de Pilos, onde ele fundou uma dinastia. Seu famoso descendente, Nestor, foi um dos heróis da guerra de Troia. Pélias também tinha um meio-irmão, cujo nome era Esão. De acordo com o mito, o trono de Esão foi tomado dele por Pélias. Jasão era o filho de Esão, e o herdeiro do trono por direito. Ele fora mandado embora quando criança para sua própria proteção. Quando Jasão alcançou a maioridade, entretanto, ele retornou para reconquistar o seu reino. Pélias se ofereceu para renunciar à coroa, mas exigiu que primeiro o jovem se aventurasse na busca pelo Velocino de Ouro, que era a propriedade por direito de sua família. Pélias não esperava que Jasão retornasse vivo, mas Jasão reuniu uma tripulação de jovens heroicos e partiu no navio Argo. Depois de uma viagem com impressionantes perigos, os Argonautas alcançaram Cólquida, na região ao oeste do Mar Negro, onde o velocino de ouro era propriedade do Rei Eates. Eates concordou em entregar o Velocino de Ouro se Jasão prendesse dois touros de com pés de bronze e que cuspiam fogo, e serrasse os dentes do dragão que Cadmus, o fundador de Tebas, havia há muito matado. Desses dentes sairia um grupo de homens armados que se voltariam contra Jasão. Jasão realizou a tarefa com a ajuda de Medeia, a filha do rei. Sem que Jasão soubesse, a deusa Hera havia intervindo na missão fazendo com que Medeia se apaixonasse por ele. Medeia colocou um feitiço em suas armas, que o fariam invencível no momento de sua ordenação. Ela o ajudou a roubar o velocino naquela noite, enfeitiçando o dragão insone que o guardava. Em troca desta ajuda, Jasão prometeu que se casaria com Medeia assim que eles chegassem seguros à Grécia. Carregando o


velocino e acompanhado por Medeia, Jasão e sua tripulação conseguiram escapar de Eates. Ao chegar à Grécia, Jasão e Medeia levaram o Velocino de Ouro até Pélias. Durante a ausência de Jasão, Pélias havia forçado o pai de Jasão a se matar, e sua mãe morrera de desgosto. Para vingar suas mortes, Jasão pediu que Medeia o ajudasse a punir Pélias. Medeia enganou as filhas de Pélias para que matassem seu pai, e então ela e Jasão foram para Corinto, onde geraram dois filhos. Posteriormente, Jasão traiu Medeia. Em vez de aceitar com gratidão tudo que ela havia feito por ele, Jasão traiçoeiramente casou-se com a filha do rei de Corinto. Em sua amargura e desespero, Medeia usou de feitiçaria para assassinar a jovem noiva. Então temendo que seus próprios filhos tivessem o risco de serem maltratados por estrangeiros, ela os matou. Quando Jasão, furioso, se determinou a matá-la, ela escapou em uma carruagem guiada por dragões. Enquanto a história é, logicamente, fantasiosa, ainda pode conter alguns elementos de fatos históricos. Há, por exemplo, um pouco de dúvida de que perto do ano 1550, os micênios tenham viajado muito, especialmente pelo Egeu e através do Helesponto até o Mar Negro. O acesso dos micênios para o sul, especialmente às riquezas do Egito, entretanto, continuava a ser barrado pelos minoicos, e seu lendário rei Minos. Até que esse lendário inimigo fosse superado, os reinos micênios continuariam “trancafiados” no Egeu, restritos de se espalhar pelo Mediterrâneo. Em aproximadamente 1400, uma dramática virada de sorte mudou a paisagem política de todo o Oriente Próximo. Embora os detalhes ainda não estejam claros, parece provável que os minoicos, que tinham se tornado menos vigorosos por causa de sua vida fácil, se encontraram à mercê seus vizinhos muito mais robustos e belicosos ao norte. Eles aprenderam rapidamente que não eram páreo para uma batalha encarniçada com os micênios, e se viram forçados a entregar seus belos palácios, sua riqueza, e muito de sua tecnologia para os vizinhos conquistadores do continente. Os micênios tomaram a ilha de Creta, deixando uma marca indelével, e a partir dela construindo um império que se espalharia pelo Egeu. Então, os indo-europeus finalmente conquistaram o mar. A queda da civilização minoica para os micênios pode ser refletida na história mítica de Teseu. De acordo com a fábula, ele foi trazido da Grécia continental para Creta como um escravo, mas ele matou o Minotauro, a fabulosa criatura com cabeça de touro e corpo de homem, que vagava pelo labirinto sob o palácio minoico exigindo sacrifícios humanos em troca de proteção. O Minotauro tinha um importante papel na religião minoica, e a sua destruição simbolizava a derrota dos próprios minoicos pelas mãos dos conquistadores continentais. Uma leitura atenta da história sugere que Atenas provavelmente era tributária de Cnossos nesta época, e escavações recentes em Quios, uma ilha na costa da Ática, confirmou isso. Muitos vasos cretenses coincidindo com este período têm sido encontrados lá. A lenda implica que Atenas quebrou o julgo minoico, e pode ter tido parte na invasão micênica da civilização insular.


Com a queda dos minoicos, o mais fértil período da civilização micênica começou, e ele duraria por 250 anos. Os micênios herdaram dos minoicos o domínio do mar, e enquanto os hititas dominaram a Ásia Menor e a Síria, os micênios controlaram o Mediterrâneo. Nesta época, o transporte de carga da Grécia continental foi inconteste, e pelo décimo quarto século se mostram claras evidências da influência micênia tão longe quanto a Sicília e o sul da Itália, na medida em que as Cíclades (ilhas ao sul da península grega), principalmente Melos, trouxeram a mais notável influência na colonização micênica. O comércio grego com o Egito alcançou o apogeu durante o reinado de Aquenáton (1350 – 1334), e também foram encontrados assentamentos comerciais no Chipre, de onde o comércio com o Levante poderia ser explorado. Na ilha de Creta, os micênios fizeram pouca mudança na mais antiga e avançada culturas minoica. Recebendo muito mais do que contribuindo, os micênios adquiriram a arte da escrita com todos os seus benefícios, o que incluía uma organização burocrática eficiente. Embora eles fossem menos sofisticados do que os minoicos, os micênios também deixaram uma impressionante evidência de seus distantes empreendimentos, e espetacular arquitetura e escultura em sua habitação. Os micênios gradualmente se tornaram muito ricos, especialmente em ouro, e resquícios desta riqueza tem sido encontrados em alguns de seus túmulos e tumbas. Muitos profissionais foram identificados, entre eles, ourives, barqueiros, pedreiros, padeiros, etc. Na própria cidade de Micenas, uma nova dinastia assumiu o poder, que foi chamada de Pelópidas. Pelópida, o fundador, parece ter vindo da Ásia Menor. Isso é uma amostra do espírito da época, quando qualquer príncipe aventureiro dentro do reino micênico podia contar com alguma história fictícia para montar para si um reino e estabelecer-se no poder. Cadmo foi outro “estrangeiro” que, de acordo com a lenda, veio da Síria e se estabeleceu na fértil terra da Beócia. É dito que ele fundou a renomada cidade de Tebas. Muitos nomes ilustres são associados a essa cidade, incluindo Édipo, um descendente de Cadmo. Tebas se tornou uma das cidades mais poderosas da Grécia, e o sucesso de suas empreitadas comerciais despertou a inveja e hostilidade dos reinos vizinhos, e deu início à famosa guerra dos Sete contra Tebas. Essa expedição, na qual os filhos de Édipo pereceram, foi organizada principalmente por Argos. Embora a campanha tenha falhado, a geração seguinte obteve seu objetivo e Tebas foi destruída. De acordo com Homero, isso aconteceu na mesma geração da queda de Troia (c. 1200). Embora muito do conhecimento sobre o início de Micenas dependa da literatura heroica, como a encontrada em Homero, alguns registros históricos independentes foram descobertos, datando


dos anos anteriores à Guerra de Troia. O mais importante, os anais dos governantes hititas dos décimos quarto e terceiro séculos mencionam o Rei de Aiaua em proeminência. Embora nem todos aceitem essa teoria, muitos acadêmicos acreditam que Aiaua era um outro nome antigo para Acaia. Os hititas certamente estão se referindo a um grande poder marítimo, e isso descreveria apenas os micênios. Em uma carta fascinante, o rei hitita se encaminha ao Rei de Aiaa, que estava próximo à época. O rei estava em Milauanda (ou Milauata), um nome primitivo para Mileto, na Ásia Menor. A carta trata de uma disputa de fronteira envolvendo Milauanda, que era parte do território micênio, mas estava temporariamente sob controle pelo governante hitita, sugerindo que a linha de demarcação entre os dois poderes era de algum modo fluída. De qualquer modo, Micenas tinha obviamente mantido uma longa conexão comercial com Milauanda, e depois estabelecera uma colônia no local. Micenas também mantinha relações comerciais com cidades que estavam ainda mais ao leste, incluindo Mersin, Tarso e Casenli, todos se encontravam na Cilícia, e todas estavam dentro do território hitita. Os dois reinos estavam, logo, muito próximos, e pelos arquivos hititas que a relação entre ambos era, de modo geral amigável, com cada um deles reconhecendo e admitindo suas próprias limitações. Uma era a mais importante em terra, e a outra, nos mares. No despontar da guerra de Troia o poder de Micenas permeava todo o Mediterrâneo central e oriental, mas há evidência de que até mesmo nessa época ele já tinha alcançado seu apogeu. Em algum tempo no meio do século 13, Micenas sofreu uma invasão que destruiu moradias nas regiões periféricas, e estas nunca foram reconstruídas. A própria Micenas pode ter sofrido em alguma extensão, e depois deste desastre os muros foram aumentados e uma cisterna secreta construída. Se esse ataque resultou da guerra entre os irmãos, Atreu e Tiestes, filhos de Pélope, e rivais ao trono, não podemos dizer. A situação mudou drasticamente, entretanto, seguindo a guerra de Troia, e depois do conflito, e o antigo poder micênio nunca poderia dominar como o fez durante os anos de sua glória.

Os Fenícios O nome Fenícia se refere a uma estreita faixa de terra na costa oriental do Mediterrâneo cuja maior parte se encontra hoje no moderno Líbano. O território, com comprimento de 320 quilômetros e de 8 a 24 quilômetros de largura, com as Montanhas do Líbano como sua fronteira leste, o Monte Carmelo ao sul, e com o Rio Eleutério (hoje chamado de Rio Kabir). No início, a Fenícia não era um estado unificado, mas um grupo de cidades-estado, com uma delas sobrepujando as outras. As mais importantes dessas cidades eram Arvade, Biblos, Sidom, Tiro (algumas vezes chamada de Sur na Bíblia), e Berytus (Beirute). Mesmo uma leitura superficial do Antigo e do Novo Testamentos revela que as cidades fenícias muitas vezes tiveram um papel importante nos assuntos de Israel, tanto para o bem, como durante o reinado de Davi, como para o mal, como é o caso com Jezabel, a esposa do Rei Acabe.


Os fenícios foram responsáveis por grandes contribuições no desenvolvimento das civilizações, embora a mais conhecida delas seja o alfabeto, que baseado em símbolos “fônicos” e contribuiu fortemente com os símbolos que foram depois usados pelos gregos e romanos. O alfabeto fenício representava um grande avanço sobre os pictogramas egípcios e a escrita cuneiforme da Mesopotâmia. Os fenícios também se tornaram famosos pela sua púrpura, chamada de Púrpura de Tiro, pelo trabalho em vidro, e outros produtos famosos por todo o mundo antigo. A religião fenícia refletia o panteão cananeu, com cada cidade ostentando uma deidade específica, geralmente chamada de Ba´al (Baal), ou senhor. A divindade mais importante para os fenícios era Astarote, e a mais terrível, Moloque, a quem sacrifícios humanos eram feitos em tempos de grande perigo ou problemas. No Antigo Testamento, os fenícios geralmente são chamados de Sidônios. Eles eram semitas, e estavam ligados às tribos cananeias da antiga Palestina. Supõem, de modo geral, que eles foram os seus primeiros assentamentos da costa mediterrânea por volta de 2500 à 2100 a.C. Enquanto o início da história fenícia mostre uma forte influência das culturas da Suméria e Acádia, a situação mudou por volta do início do décimo oitavo século com resultado da invasão do faraó egípcio Senusret III (1878 – 1841). Desse período em diante, a Fenícia refletiu a influência da cultura egípcia de modo significativo. A despeito de sua posição de subserviência, os fenícios mantiveram relações relativamente amistosas com a terra do Nilo pelas próximas centenas de anos. Eles proviam cedro do Líbano, e outros produtos que eram muito usados para as estruturas egípcias. Os fenícios depois se tornaram famosos pela sua habilidade marítima, mas nesta época as embarcações eram apenas barcas que iam pela costa do Levante transportando madeira serrada em direção ao sul, para o Egito. Na verdade, antes de 1200 a.C., os fenícios não eram melhores que os egípcios em negociar em mar aberto. Durante essa época, os micênios controlavam o Mediterrâneo, e os egípcios os contratavam para empreendimentos de maior distância. Como veremos em mais detalhes neste capítulo, não foi até o início do 11º século que a reputação da Fenícia como grandes navegadores começou a se desenvolver. A relação entre os fenícios e os egípcios começou a se deteriorar pela metade do Médio Império (1782). Os motivos não são claros, e pode apenas mostrar o fato de que a Fenícia estava se tornando mais poderosa e independente, enquanto o Egito constantemente perdia poder e prestígio conforme entrava no período dos hicsos. Há considerável evidência de que os fenícios também estavam costurando relações com os governantes mesopotâmicos, principalmente aquelas da dinastia de Hamurabi. Eles governantes eram, por outro lado, uma ameaça crescente ao Médio Império egípcio, o que deixou os faraós cada vez mais preocupados com seus aliados fenícios. Como se mostrou, o colapso do Médio Império e a invasão dos hicsos (c.1720) trouxe a hegemonia egípcia sobre a Palestina, Síria e Fenícia, a um fim. Nesta época, os fenícios gradualmente recuperaram o controle de sua terra, mas, ao mesmo tempo, eles encararam pressão crescente do norte, na forma do Antigo Império Hitita. Como visto anteriormente, os hititas se tornaram uma ameaça constante pelos próximos cento e cinquenta anos, embora a região nunca tenha caído em controle direto


da soberania hitita. Sob Tutmósis III (1483 – 1450), os egípcios voltaram a impor sua autoridade sobre a Fenícia, desta vez exigindo tributos na forma de cedros. Em uma inscrição, Tutmósis declarou, “Todos os anos, cedros reais do Líbano são derrubados para mim e trazidos à minha corte… Quando meu exército retornou, eles trouxeram como tributo os cedros da minha vitória, os quais eu ganhei de acordo com os desígnios de meu pai [o deus Amon-Rá], que confiou todas as terras estrangeiras a mim. E não deixei nada para os asiáticos porque este é um material que ele ama.” Essa situação não duraria muito. Os sucessores de Tutmósis lentamente perderam seu poder financeiro sobre a Fenícia, e pelo tempo do reinado de Aquenáton (1350 – 1334), eles tinham pouco interesse oficial no comércio exterior. A determinação fanática de Aquenáton de estabelecer um monoteísmo centrado na adoração do deus Áton tinha despertado uma controvérsia religiosa no Egito que dividiria a nação inteira. Restou pouco tempo para alianças internacionais, e na ausência da influência egípcia, os hititas novamente irromperam de seu bastião anatólio, varrendo todo o norte da Síria até chegarem aos pés dos Montes do Líbano. Conforme os hititas invadiam a partir do norte, bandos dos chamados Apiru (ou, habiru) atacaram a partir do sul. Alguns acadêmicos identificam esses Apiru contra os hebreus, que estava estendendo seu domínio na terra de Canaã nessa época, e logo, levaram sua invasão até as fronteiras com a Fenícia. Nos arquivos de el-Amarna, que incluem centenas de correspondências oficiais datando do final da Décima Oitava Dinastia, são repletos de patéticos pedidos dos governantes fenícios. Em um compêndio marcante, o governante de Biblos, um homem chamado Rib-Abi, suplicou ao faraó egpício por ajuda contra as forças invasoras. Muitas dessas correspondências ficaram sem resposta. Amenhotep III estava muito velho e adoentado para intervir, e seu sucessor, Aquenáton, muito fraco, afeminado e com a mente voltada para a teologia, não possuía interesse em excursões militares. Os governantes fenícios reclamaram com crescente amargura dos Apiru invasores, chamando atenção a sua lealdade inabalável ao Egito, e suplicando ao Faraó por ajuda. “E me prostro aos seus pés ó Rei, meu senhor, sete mais sete vezes,” ele escreveu. “Biblos permanece sendo um servo fiel a seu Rei.” Ao todo ele escreveu quarenta e quatro correspondências, endereçadas a Amenhotep e a Aquenáton, em que as suas asserções de lealdade gradualmente se tornam comoventes pedidos conforme sua posição se tornava cada vez mais desesperadas a cada mês que passava. Finalmente, uma correspondência de Aquenáton chegou à Fenícia, e com ela um fio de esperança. Porém, foram desapontados depois, enquanto o governante obcecado por deus não disse uma palavra sobre os problemas de seus vassalos, mas apenas perguntava se eles poderiam lhe enviar mais madeira de cedro para fazer baús e cofres. Rib-Abi respondeu com amargura que ele não podia enviar madeira porque seus portos ainda estavam nas mãos dos Apiru, e seus navios não podiam partir. Além do mais, ele disse, os hititas estavam avançando sobre Biblos a partir do norte, fazendo sua posição insustentável. Aquenáton nunca respondeu a esta triste mensagem, e de modo previsível, o Líbano finalmente caiu nas mãos dos hititas com a ajuda dos Apiru. O rei hitita na época era Supiluliuma, e ele conquistou toda a província com um único golpe.


Com a morte de Aquenáton, a época de fraqueza dos egípcios terminou. Tutancâmon imediatamente parou o disruptivo experimento monoteísta de seu predecessor, buscando nisso a reconciliação com os poderosos sacerdotes do Egito. Ele também buscou reestabelecer contato com a Fenícia, e seus sucessores, como Horemheb, Ramsés I e Seti I, também buscaram recuperar o território perdido para os hititas. Ramsés II finalmente avançou para o norte até Damasco, e trouxe guerra ao hitita Muatal em 1276 na batalha de Kadesh. Como já visto, os dois lados disseram ter vencido, mas provavelmente Ramsés foi derrotado. Após a batalha de Kadesh, o controle egípcio sobre a Fenícia nunca voltou ao nível anterior do reinado de Aquenáton. Os faraós tentaram manter sua fachada, enviando expedições à região, às vezes submetendo algumas pequenas cidades, mas esses esforços eram pouco mais que desfiles do poderio militar e esplendor egípcios. Os hititas eram formidáveis o suficiente para que outro incidente como o de Kadesh quisesse ser prevenido. Então o controle da região se equilibrava precariamente entre as duas superpotências, com a Fenícia presa entre ambas. A situação desconfortável finalmente foi resolvida em 1270 quando um tratado entre Ramsés II e o rei hitita Hatusil foi feito, no qual o Faraó tomou a filha do rei hitita como esposa. Do momento do Tratado Egípcio-Hitita em diante, a fronteira entre as nações foi traçada em uma linha que começava na costa mediterrânea em Biblos, e se estendia em direção ao leste. As cidades fenícias permaneceram nominalmente nas mãos egípcias, mas, na prática, a Fenícia detinha considerável independência, a situação é muito bem ilustrada pelo último documento egípcio relativo a Biblos, o chamado papiro Wen-Amon. Nele, uma história é contada sobre um mercador egípcio que se viu fazendo negócios com um parceiro fenício muito independente. O parceiro não via a mínima necessidade de tratar o Egito como superior, ou que este tivesse qualquer reivindicação sobre os tesouros do mundo fenício. O papiro não apenas confirma a independência dos fenícios, mas também esclarece sobre a natureza e o valor dos produtos da Fenícia, especialmente a púrpura fenícia, uma de suas maiores exportações. O papiro Wen-Amon também apresenta uma classe de piratas chamados Tequel (ou “Povos do Mar”), que vieram a ser temidos por toda a região. Como foi mencionado, estes aventureiros do mar tomaram controle da Fenícia, um evento que marcaria de modo dramático a história de toda a região. A invasão ocorreu em estágios dos anos de 1230 até cerca de 1150. Esses invasores sobrepujaram os micênios, mas então incorporaram parte de suas forças conforme foram para o oriente tanto por terra quanto por mar.


Eles sobrepujaram os hititas aproximadamente em 1180, e depois disso arrasaram parte do Líbano, mas, novamente, incorporaram parte dos habitantes fenícios a suas fileiras. Foi aproximadamente nessa época que os fenícios adquiriram seu famoso status de grandes marinheiros, e também foi nessa época que os fenícios começaram a ser distinguidos como uma raça separada nos escritos contemporâneos, uma raça identificada principalmente por habitar em Tiro e Sidom. Embora haja divergências, essa parece ser a melhor explicação para as origens daqueles que vieram a ser chamados de fenícios. Em suma, a união dos cananeus semitas com os micênios e os povos nórdicos do mar parece ter produzido os fenícios.

Babilônia e Egito até 1200 a.C. Os capítulos anteriores resumiram a história inicial da Babilônia e do Egito. Essa seção fornecerá um breve relato dos desenvolvimentos destas civilizações até o ano de 1200 a.C. Babilônia sob os Cassitas Depois da queda da Babilônia para os hititas em 1595, o governo do império caiu nas mãos de um grupo de indo-europeus que residia em Mari (Hana), e que tinha se aliado com os hititas. Esses povos, que foram chamados de cassitas, estabeleceram um governo centralizado na Babilônia que durou a maior parte dos quatrocentos anos seguintes. Relativamente pouco se sabe sobre a dinastia cassita, exceto que parece ter sido estável e razoavelmente próspera. O seguinte resumo menciona alguns dos principais acontecimentos da história cassita. Em cerca de 1570, um dos primeiros reis cassitas, Agum Kakrime, ganhou apoio popular entre o povo babilônio quando ele trouxe a estátua de Marduque e sua consorte de volta de Mari. Os conquistadores hititas haviam humilhado os babilônios removendo esses objetos religiosos e os transportando até Hana. Ele reinstalou os ídolos em grande estilo, mobiliando ricamente os templos nessa ocasião. O gesto ganhou o coração de seus súditos, mostrando que mesmo que ele fosse um estrangeiro, o rei ainda assim reconhecia Marduque como o mestre do novo reino. Deste modo ele deu a impressão de que os cassitas eram os sucessores legítimos da extinta dinastia de Hamurábi. Os governantes cassitas conseguiram as boas graças ainda mais com o povo babilônico quando posteriormente reconstruíram e embelezaram os santuários antigos e conhecidos de Nipur, Larsa, Ur e Ereque. Em 1520, outro rei cassita, Ulamburias, derrotou Eagamil, rei dos Reino do Mar, assim recuperando da Babilônia todo o país da Suméria. Embora não seja claro se também houve tentativas de forçar a Assíria ao seu controle, eventualmente houve um tratado que concordou com a divisão da Mesopotâmia em Assíria e Babilônia, refletindo uma distinção política que influenciaria a história pelos próximos mil anos. A próxima evidência de atividade entre os cassitas aparece entre as cartas de um rei cassita Burnaburias II que foi encontrada nos arquivos de Amarna. Ele endereça correspondências diplomáticas tanto a Amenhotep III e Aquenáton, e se casava com a filha do monarca assírio, Assurubalit I.


O domínio cassita foi colocado sob pressão no ano de 1250 pela ascensão de um poderoso rei em Elão, uma região ao leste da Babilônia que estava adormecido por cerca de 400 anos. A nova dinastia, centrada em Susa, possuía príncipes enérgicos determinados a reassegurar sua autoridade contra os cassitas. O conflito se aproximou de seu ápice perto do ano de 1210, durante o reinado do cassita Kashtilias IV, quando ele encarou ataques simultâneos pelo elamita Untas-Napirisa e o assírio Tukulti-Ninurta I (1244 – 1208). Os dois governantes juntaram forças para invadir e saquear a Babilônia, quase trazendo a perene dinastia de joelhos. Os cassitas se recuperaram rápido da invasão, mas em 1160 os elamitas invadiram novamente, dessa vez dando o golpe de misericórdia. Naquele ano, o rei elamita Sutruque-Nacunte deixou Susa encabeçando um vasto exército, invadindo e saqueando a Babilônia de um modo nunca feito antes. A grande estátua de Marduque foi tomada, e a dinastia mais longa da Babilônia chegou ao fim.

Egito A morte de Horemheb no ano de 1293 encerrou a Décima Oitava Dinastia. Não tendo uma linha de sucessão, Horemheb deixou o trono para seu vizir, Pa-Ramessu, evidentemente um colega do exército e o filho de família do antigo delta com ligações com o deus Set. A esposa de Pa-Ramessu, Sitre, lhe gerou um filho cujo nome era Set I em honra a seu avô paterno. Presume-se que por causa disso Horemheb tinha a confiança de que o Egito estaria em boas mãos. Pa-Ramessu se tornou o primeiro rei da Décima Nona Dinastia e adotou o nome de Ramsés (ou, Ramessés) I, mas reinou por apenas dois anos. Seti I (1291 – 1278), o filho de Ramsés I, tinha servido como vizir de seu pai. Ele renovou a arte e sofisticação egípcias, criando uma espécie de “renascimento” no Egito. Durante os seus primeiros anos, Seti liderou várias campanhas na região da Síria, tomando partes da Palestina, e dependendo de portos fenícios para manter suprimentos. Foi durante o seu reino que os egípcios encontraram os hititas pela primeira vez em batalha. Ele tomou a cidade de Kadesh, que se tornaram o foco de uma famosa batalha em anos posteriores sob o famoso filho de Seti. O maior rei da Décima Nona Dinastia, Ramsés II (1279 – 1212), se tornou um dos mais famosos faraós da história egípcia. Ele fez tudo em grande escala, e facilmente entendemos porque ganhou o título, “O Grande.” Seu pai lhe deu extensa educação e uma valiosa experiências nos negócios de estado, mas Ramsés também se distinguiu de outros modos, incluindo no número de casamentos, e a quantidade de filhos que teve, que pela maioria dos relatos foi acima de 100. Em seu quinto ano, Ramsés decidiu que era hora de reassegurar a autoridade egípcia nas


regiões da Síria e Palestina, e, reunindo um vasto exército, ele lançou um ataque contra a fortaleza hitita de Kadesh. Ramsés pensava que o exército hitita e seu rei, Muatal, estavam ocupados com tarefas em outro local, e estaria despreparado para um ataque rápido e letal. Ramsés não gostou quando descobriu que o engenhoso Muatal tinha antecipado que haveria tal ataque, e havia se preparado em segredo para ele. Conforme Ramsés se aproximou, sem aviso ele se viu dentro de uma inesperada e devastadora armadilha. O exército egípcio foi jogado em desordem, mas rapidamente o pensamento tático de Ramsés resultou em uma rápida retirada. Os dois exércitos se encontraram novamente no dia seguinte, mas dessa vez o resultado parecia ser um empate, e os dois lados negociaram um tratado. Embora a Batalha de Kadesh geralmente seja considerada como uma vitória para os hititas, Ramsés usou o incidente como uma ostentação para o povo, como um grande conquistador dos egípcios. Na verdade, houve outras escaramuças menores com os hititas, mas os dois poderes finalmente fizeram um tratado no 21° ano de Ramsés (1259), no qual eles concordaram com a não agressão e suporte mútuo. Como já vimos, o rei hitita Hatusil propôs uma ligação ainda mais próxima em 1256 oferecendo uma de suas filhas em casamento à Ramsés. Uma segunda princesa hitita foi oferecida sete anos depois para melhor cimentar o acordo. Ramsés II viveu mais do que muitos de seus filhos, e só foi sucedido por seu décimo terceiro filho, Merneptá (1212 – 1202), um homem já avançado em dias quando chegou ao trono. No início de seu reinado, ele enfrentou um ataque no delta ocidental pelas mãos de certos grupos tribais que formaram uma coalizão com os Povos do Mar. Um grupo era conhecido como akuash, que provavelmente deriva seu nome dos Aqueus. Outros grupos incluíam os luku que provavelmente eram os lícios do oeste da Anatólia, os tursha que podem ter sido os ancestrais dos etruscos, os shardanes, que se tornaram os sardínios, e os shakelesh que eram os sicilianos. A invasão dos Povos do Mar foi


resistida por Meremptá na batalha no delta. Uma inscrição que segue tal derrota anuncia: “Tjehenu (Líbia) está destruída, Khatti foi pacificada. Canaã foi cruelmente saqueada, Asquelom foi levada, Gézer foi capturada, Yenoam foi aniquilada, Israel foi desolada e não possui semente, Khor (Palestina e Síria) está de luto por causa de Ta-meri” (ênfase adicionada). É claro que a frase “Israel foi desolada” que tornou essa estela famosa deu o seu nome popular, Estela de Israel. A menção a Israel nessa estela é a referência externa mais antiga à nação de Israel, e a única referência explícita em qualquer texto egípcio antigo que faz referência ao estado judeu. A sua descoberta em 1896 d.C. ela provocou considerável controvérsia entre os acadêmicos que há muito assumiam que ou Meremptá ou Ramsés II era o Faraó do Êxodo. Essa inscrição sugere de modo claro que Israel já havia se estabelecido como povo em Canaã no tempo de Meremptá. Quanto à própria afirmação de Meremptá, provavelmente era um exagero com a função de impressionar seu povo no Egito, assim como Ramsés tinha feito anos antes em conexão com os hititas. Nos 20 anos que se seguiram à morte de Meremptá, muitos governantes fracos ocuparam o trono. O filho de Meremptá, Seti II (1199-1193), governou seis anos, mas foi interrompido por um curto período pelo usurpador Amenmesés (1202 – 1199), que pode ter sido neto de Ramsés II. Siptá (1193 – 1187),filho de Seti II e seu sucessor, também reinou por seis anos, mas morreu no início de seus vinte anos. Diz-se que ele sofria de poliomelite, que seria a causa de suas deformidades no pé vistas em sua múmia. Na morte de Siptá ele foi sucedido pela rainha de Seti, Tausserte, que se tornou uma das poucas “reis” egípcias, governando brevemente, e deixando sua própria vasta tumba no Vale dos Reis. Setenaquete (1185 – 1182) foi o primeiro rei na Vigésima Dinastia, embora nessa época o Egito estivesse em certo grau em desintegração. Caudilhos locais governavam boa parte do país e em muitos lugares, cada homem fazia suas próprias leis, saqueando e matando seu vizinho com impunidade, e negligenciando suas oferendas religiosas. Setenaquete possui origens desconhecidas, mas durante seu breve reinado ele tentou trazer ordem ao Egito. Setenaquete foi sucedido por Ramsés III (1182 – 1151), que foi o último verdadeiro grande Faraó. No início de seu reinado, ele saiu à guerra contra os líbios, que vinham infiltrando -se no Egito sem descanso por vários anos. A fome em suas próprias terras havia trazido os líbios em uma migração em direção ao leste, mas Ramsés conseguiu expulsá-los de seus domínios. Seis anos depois, no entanto, os líbios retornaram com reforços. Eles haviam juntado forças com muitos grupos tribais que tinham sido rechaçados por Meremptá 30 anos antes. Esses grupos tinham nomes como peleset, tjekher, dana e uauash, e todos têm sido associados aos Povos do Mar. Eles trouxeram suas mulheres, crianças e posses com eles, o que mostra que eles esperavam se assentar em sua nova terra, e não que eram uma simples invasão militar. Ramsés mobilizou o exército egípcio e encontrou os invasores em Djahi, na Palestina. Rechaçando-os tanto por mar quanto por terra, Ramsés deu a eles uma derrota decisiva. Como resultado, uauash e dana desapareceram da história, embora os dana provavelmente estivessem ligados aos danaoi da Ilíada. Duas outras tribos invasoras se estabeleceram no Oriente Médio: os peleset, que se tornaram os filisteus, famosos na Bíblia, e que no fim das contas, deu seu nome aos Palestina; e os tjekher, que se estabeleceram na costa da Palestina em Dor, e depois, talvez, tenham se tornado piratas bárbaros. O restante da Vigésima Dinastia seguiu com poucas novidades sob uma série de Ramsés, que incluem Ramsés IV (1151 – 1145), Ramsés V (1145 – 1141), Ramsés VI (1141 – 1133), e os


Ramesés de VII à XI (1133 – 1070).

A Guerra de Troia A lendária Guerra de Troia parece refletir uma guerra real que aconteceu entre os gregos do final do período micênio e os habitantes da cidade de Troia no noroeste da Anatólia. Escavações arqueológicas mostram que Troia foi destruída por um incêndio entre 1230 e 1180 a.C., e este foi o provável período da famosa batalha.4 A verdadeira causa da Guerra de Troia é controversa. Enquanto o rapto de Helena por um príncipe troiano crie um drama chamativo, é muito mais provável que a guerra tenha sido travada por questões comerciais. Alguns sugeriram que disputas sobre o direito de pesca na região do Bósforo (Helesponto) podem ter sido relevantes para causar o conflito. Troia tinha desfrutado de uma prosperidade inquebrantada por séculos, e a sua riqueza era baseada em relações comerciais pelo caminho marítimo na Europa, em vez de em direção ao leste, onde o grande império hitita assomava. Até onde os registros sugerem, os hititas não faziam importações que possamos reconhecer como troianas. Troia também possuía outras fontes de riqueza. Ao contrário do lar montanhoso e inóspito dos micênios, as planícies produtivas de Trôade proviam muito alimento para os habitantes da região, o suficiente para guardar. O país, de acordo com Homero, era famoso pelos cavalos, e também possuía uma indústria de fiação e tecidos próspera, fazendo dela uma séria competidora com o comércio micênio de têxteis. A tão conhecida história da Guerra de Troia conforme contada por Homero começa com uma maçã dourada lançada por Éris, a deusa da discórdia, entre os convidados celestiais de um banquete. A maçã foi dada como prêmio à Afrodite, a deusa do amor, por Páris, filho do Rei Príamo de Troia. Isso assegurou a Páris o favor da deusa, que lançou um feitiço sobre a bela Helena, esposa de 4

As dificuldades cronológicas para a datação tradicional destes eventos há muito têm sido assunto de discussão. Alguns têm questionado se uma longa “idade das trevas” depois da Guerra de Troia se encaixa com outros dados, especialmente a fundação de Cartago em cerca de 800 e a fundação de Roma em 753. Ambos os eventos estão conectados com as viagens de Enéas, o que cria uma discrepância de 400 anos se assumirmos a datação tradicional para a Guerra de Troia. Assim alguns argumentam por uma data muito posterior para a Guerra de Troia, e por uma truncagem da alegada idade das trevas. Para os propósitos dessa obra, assumiremos a datação tradicional da Guerra de Troia.


Menelau, rei de Esparta. Sob o encantamento do poder da deusa, Helena partiu com Páris para Troia. Uma expedição para vingar a afronta à Menelau foi feita sob o comando de Agamenom, rei de Micenas. As forças de Agamenom incluíam muitos famosos guerreiros gregos, o mais notável deles sendo Aquiles, Pátroclo, os dois Ajax, Teucer, Nestor, Odisseu, e Diomedes. Agamenom exigiu o retorno de Helena para Menelau, e quando essa proposta foi recusada, os guerreiros gregos prosseguiram para Troia com 1000 navios. O cerco durou dez anos, sendo os primeiros nove anos com poucos acontecimentos. No décimo ano, Aquiles se retirou da guerra por seu ódio contra Agamenom. A ação de Aquiles fornece a Homero o tema de A Ilíada. Para vingar a morte de seu amigo Pátroclo, Aquiles retorna à batalha e mata Heitor, o principal guerreiro troiano. A cidade de Troia foi finalmente capturada por um ardil. A força de guerreiros gregos conseguiu adentrar a cidade se escondendo no interior de um grande cavalo de madeira. Após isso os gregos saquearam e queimaram a cidade. Apenas alguns troianos escaparam, o mais famoso dos quais foi Enéas. Virgílio retoma a história em sua Eneida, descrevendo a posterior fundação de Roma. O retorno dos guerreiros gregos inspirou sua própria coleção de poemas épicos, o mais celebrado dos quais foi de Odisseu, cujos 10 anos de andanças e retorno à Ítaca são contados na Odisseia de Homero.

A Invasão dos Povos do Mar Após a Guerra de Troia, um período muitas vezes chamado de “idade das trevas” tomou conta do Oriente Próximo. Durante aproximadamente 1200 a 900 a.C., o período foi, na melhor das hipóteses, complexo, e nenhum poder único dominou. Haviam relações confusas e perturbações entre vários grupos por toda a região. Tribos estavam em migração, talvez expulsas de suas terras distantes pela fome ou outras calamidades. Entre eles estava um grupo que ficou conhecido como os “Povos do Mar,” assim foram chamados pelos egípcios que finalmente conseguiram deter o seu incansável avanço. O motivo para essa migração em massa dos Povos do Mar foi sempre misterioso. Foi certamente, muito mais do que apenas uma invasão militar ou uma guerra de conquista. Monumentos egípcios mostram que essas pessoas chegaram com suas famílias e pertences, e estava obviamente tentando se estabelecer em algum lugar mais hospitaleiro do que o que tinham deixado para trás. Eles varreram toda a região micênica, e o império hitita se desintegrou em seu caminho. O próprio Egito quase não foi capaz de deter estes povos e isso sugere o papel que eles vieram desempenhar na história bíblica e do Oriente Próximo.


Os Povos do Mar chegaram durante e após os anos da Guerra de Troia, quando a vida era, no melhor, instável. A Odisseia de Homero detalha o destino de muitos dos heróis do grande conflito, e a maioria dos detalhes não pinta um quadro agradável. Agamenom retornou a Micenas e foi traiçoeiramente assassinado por sua esposa Clitemnestra. Odisseu foi obrigado a vagar por dez anos antes de retornar a seu lar em Ítaca. Outros heróis sofreram naufrágios e foram forçados a se estabelecer em terras distantes. Aqueles que retornaram para casa logo buscaram sua sorte em outros países, como a Líbia, Sicília, Ásia Menor e Chipre. Essas terras e outras mencionadas em outras tradições e há certa evidência arqueológica confirmando tais migrações, em particular no caso de Chipre. Muitos sítios arqueológicos famosos também foram destruídos nessa época. Grandes cidadelas no continente, incluindo Micenas, Tiryns, Midea e Pilo sofreram incêndios desastrosos. Outros foram totalmente abandonados ou destruídos. Apenas Atenas, de todos os bastiões dos micenos, suportaram, e foi o motivo de orgulho dos atenienses posteriores que eles eram o povo autóctone (original ou nativo) e havia repelido todas as suas invasões. Esses desastres não ocorreram ao mesmo tempo, e é provável que englobem uma década ou mais após a Guerra de Troia. Os motivos da queda de Micenas são debatidos. Alguns atribuem a agitação à Invasão Dórica. Existe uma forte tradição grega, porém, que insiste que as tribos dóricas não sobrepujaram o Peloponeso até duas gerações depois (50 ou 80 anos) depois da queda de Troia. Outros a atribuem a guerras internas entre os pequenos reinos. Outros explicam as mudanças como o resultado de mudanças nas condições climáticas que trouxeram seca e fome. A mais provável das hipóteses, no entanto, explica as complexas mudanças como resultado, em alguma medida, da chegada dos Povos do Mar. A primeira menção aos Povos do Mar ocorre aproximadamente ao mesmo tempo em que a Guerra de Troia. De acordo com os anais egípcios, um vasto número de incansáveis forças migratórias, chamadas de “Povos do Mar,” estavam ameaçando o delta ocidental. De início eles derrotaram o Faraó Merneptá (1212 – 1202), que foi o sucessor de Ramsés II. Sua famosa “Estela de Israel” ,na verdade, é uma declaração orgulhosa de sua derrota dos Povos do Mar na fronteira norte do Egito. Os nomes de algumas das tribos que compunham os Povos do Mar são listadas pelos egípcios, e entre elas os acadêmicos identificaram os danaans e os aqueus, ambos eram nomes usados


por Homero para se referir aos gregos. Mesmo assim a identificação dos Povos do Mar tem sido difícil e controversa. Os egípcios mencionam vários outros nomes tribais, incluindo thekel, shakelesh, uauash, e peleset. Peleset é quase certamente a designação da qual a palavra “Filisteu” é derivada. No Antigo Testamento, é dito que o Rei Davi possuíra em sua corte alguns Pelethites, o que provavelmente se refere ao mesmo povo. Um grupo relacionado, que também é mencionado (ver. e.g., 2 Sm 20:7). Estes podem se referir aos micênios que estavam em Creta, mas que foram varridos para fora durante a invasão dos Povos do Mar. A interconexão dos Povos do Mar, dos filisteus, e dos micênios tem sido demonstrada de modo convincente pela investigação arqueológica das maiores cidades filisteias de Canaã. Nesses locais, com nomes familiares como Gaza, Asdode, Asquelom, Gate, e Ecrom, vasos de cerâmica foram escavados, e possuíam quase exatamente as mesmas formas e desenho daquelas descobertas nas tumbas gregas em Micenas. E reis e guerreiros que saquearam Troia faziam comércio e bebiam de vasos que eram idênticos aos encontrados entre os filisteus. Além disso, foram encontradas armas próximas aos vasos que são feitas do material mais caro da época, ferro. Isso também aponta para os aqueus. Os hititas eram quase o único povo que possuía ferro no final da Idade do Bronze, e esses guerreiros anatólios eram parceiros comerciais próximos dos gregos micênicos, que depois os conquistariam e os levariam, junto com sua tecnologia. Montando o quebra-cabeças, o mais provável parece ser que os filisteus não apenas tivessem um contato próximo com os aqueus, mas que vieram diretamente deles. Golias, a quem Davi desafiou, provavelmente vestia uma armadura micênica. É possível que ele fosse um descendente de Menelau, Aquiles, ou Odisseu. Por outro lado, era possível que ele fosse um daneu, um dos povos originais que primeiro invadiram o território micênico. O ponto é debatido, mas evidência considerável confirma que uma população de bárbaros loiros, de olhos azuis do norte distante, provavelmente daneus, avançaram tanto por mar quanto por terra Micenas adentro tanto durante quanto após o Período da Guerra de Troia. Como já foi explicado, os micênios varreram tanto a península grega quanto e Creta por cerca de 250 anos, tendo suplantado a cultura da civilização minoica em cerca de 1450 a.C. Desde esta época, os micênios tinham se tornado os mestres do mar, dominando atividades comerciais por todo o Mediterrâneo. Os invasores do norte varreram por toda Creta e Grécia continental, infringindo aos micênios o mesmo destino que estes haviam imposto aos minoicos anos antes. Os micênios foram conquistados por estas hordas cruéis, mas, ao mesmo tempo, foram absorvidos em suas fileiras e levados junto a eles. Não contentes de permanecer em Creta, os invasores avançaram, deixando um traço de seus saques por toda a costa sul da Ásia Menor e do Levante. Chipre foi devastado por suas


mãos. E o norte da Síria caiu pelos invasores em 1190. Ao mesmo tempo, a Península da Grécia se encontrava encarando um destino similar. As cidades micênicas foram destruídas, mas muitos dos gregos foram absorvidos por essa torrente. Eles cruzaram o Helesponto junto com esses recém-chegados e atacaram o Império Hitita, que foi incapaz de suportar a força dessas ondas migratórias. Varrendo a Anatólia, e possivelmente melhorando suas técnicas de forja como resultado da tecnologia hitita, eles entraram na Síria, destruindo dentre outros locais as cidades de Carquemis e Ugarite, embora por algum motivo eles tenham contornado Biblos. Eles também atacaram e conquistaram Tiro e Sidom na costa Fenícia, e finalmente chegaram ao Delta do Nilo. Lá Ramsés III esperou-os com tropas alistadas às pressas. Ramsés conseguiu defender a entrada egípcia no Pelúsio, dando aos Povos do Mar sua primeira grande derrota. De primeiro eles foram levados a vastos campos de prisioneiros, mas depois lhes foi permitido se estabelecer no Delta. Ramsés também permitiu que alguns retornassem à faixa de Gaza, onde eles fundaram a liga das cinco cidades filisteias. Daí em diante, artefatos “filisteus” começaram a aparecer nos sítios arqueológicos, artefatos que traziam uma forte afinidade com a cerâmica micênica que era produzida no Chipre durante e depois da época da queda de Micenas pelos Povos do Mar. Na época em que as cidades filisteias estavam sendo assentadas pelos Povos do Mar, alguns deles retornaram para o mar de onde tinham vindo. Por um tempo, eles assombraram o Mediterrâneo como piratas, deixando toda a região perigosa. De forma gradual esses piratas passaram a entrar em acordo com os habitantes da costa leste do Mediterrâneo, se integrando com eles e formando uma população que posteriormente seria conhecida de modo distinto como os fenícios. As raízes dos fenícios então abrangiam descendentes dos micênios, dos daneus (Povo do Mar original), assim como de cananeus nativos. Os invasores trouxeram valiosos recursos com eles, incluindo o segredo do ferro fundido (aprendido dos hititas), produção de tinturas (que viria a ser usada pelo povo de Ugarite em sua púrpura real), e o mais importante, habilidades de navegação. A habilidade dos micênios com navios de guerra e veleiros comerciais, assim como sua supremacia absoluta no mar, foi herdada pelos fenícios, e assentou as fundações para a reputação de supremacia marítima. Não é de surpreender, isso também levou à liberação das cidades da Fenícia de sua antiga dependência do Egito. Esses “novos” fenícios se estabeleceram em geral nas cidades de Tiro e Sidom, deixando de lado a tradicional “capital” de Biblos. Tiro e Sidom então se tornaram nomes pelos quais a região podia ser identificada, tanto na Bíblia quanto em Homero.

A Invasão Dórica


Alguns anos depois da invasão de Micenas pelos Povos do Mar, a península grega enfrentou uma outra onda de invasores, desta vez, de uma direção muito diferente. Estes eram os indoeuropeus que residiam nas franjas do Mar Cáspio, mas que vinham migrando para a região do Mediterrâneo há algum tempo. Eles já haviam se estabelecido em grande número no Planalto de Zagros, onde se tornaram os ancestrais dos medos, persas, partos e outros povos ao leste da Mesopotâmia. Ao mesmo tempo, eles começavam a preencher o vácuo sírio que resultara do colapso do Império Hitita, somado com a relativa fraqueza da Assíria e Babilônia. Enquanto eles penetraram cada mais fundo na Mesopotâmia, eles cruzaram o Eufrates em direção ao oeste através de uma rede de reinos por toda a Crescente Fértil. O movimento destes povos para o oeste finalmente os trouxe à Grécia continental, onde em cerca de 1120 a.C. eles conseguiram praticamente destruir tudo que sobrara da civilização micênica, e assim adicionaram sua própria contribuição para a “idade das trevas” da Grécia que duraria até cerca de 900 a.C. Conhecidos como Dórios, eles se tornaram um dos três povos principais da antiga Grécia, junto com os Eólios da Grécia central, e o Jônios (Micênios) do Peloponeso. De acordo com a lenda, os dórios tomaram seu nome de Dorus, o filho de Helena, que eles acreditavam ser o pai das principais nações da Grécia. Os dórios se estabeleceram em Doris, que consideravam como sua terra natal, mas migraram para Creta, de Dodecanese e outras ilhas egeias, assim como da Lacônia, Argolis, e Corinto no Peloponeso. Lendas gregas ensinam que os dóricos conquistaram o Peloponeso com a ajuda dos heráclidas, que eram descendentes de Héracles (Hércules). Muitas autoridades associam o colapso final da civilização micênica com a invasão dórica, um evento que às vezes é chamado de o Retorno dos Heráclidas. De acordo com a lenda, Hilo, um filho de Héracles, matou Euristeu, o último dos reis persíadas de Micenas (e aquele que impôs os famosos Doze Trabalhos a seu pai), mas o próprio Hilo foi depois morto em uma batalha entre os heráclidas e as forças peloponesas lideradas por Atreu, filho de Pélope, que sucedera ao trono de Micenas. Os dóricos provavelmente chegaram no Peloponeso como resultado da pressão exercida ao norte pelos beócios. Conforme eles migravam para o sul para a região de Micenas, eles alegaram seu direito à terra baseado-se na suposta assistência de sua divindade patrona. Eles se realocaram e ocuparam as construções micênias e fizeram


pouco para restaurá-las ou reconstruí-las. No lugar das sofisticadas ferramentas dos micênios, eles trouxeram toscos substitutos. O Peloponeso foi dividido entre os conquistadores, com Corinto se tornando a capital, e os Heráclidas se estabeleceram como os governantes do Peloponeso. Conforme os micênios eram expulsos e dispersos, e a velha estabilidade e ordem foi perdida, um tempo de anarquia generalizada seguiu na península grega. Muitos micênios migraram para o norte para a Ática, estabelecendo sua capital em Atenas. Alguns seguiram ainda mais para o norte, aumentando a população de assentamentos em Eubeia. Outros migraram para Perati, no leste da costa da Grécia continental, onde escavações mostram evidência de que prosperaram. Mesmo a Acaia, na margem norte do Peloponeso, foi ocupada e posteriormente mostrou evidências de uma modesta força. Outros gregos dispersos foram para o mar, indo primeiro para Creta, e então para Rodes e as ilhas vizinhas. Alguns migraram para o Chipre, enquanto outros viajaram ainda mais longe e terminaram em Társis. Muitos encontraram refúgio nas ilhas da Jônia, onde eles desempenhariam um papel crucial no destino da Grécia nos anos seguintes.

Os Etruscos A Guerra de Troia produziu outra migração que desempenharia um papel crítico na história posterior da Península Itálica. Os historiadores romanos, Virgílio e Lívio, ao descreverem a fuga de Enéas depois da Queda de Troia, não eram levados muito a sério. Em anos recentes, porém, têm se mostrado cada vez mais certo que os etruscos vieram sim da Ásia Menor, e que a versão romana não deveria ser ignorada como mera invenção poética. Como notado anteriormente, depois da Guera de Troia, os Povos do Mar, e com eles os micênios, sobrepujaram o território dos troianos e hititas, destruindo dentre outros lugares o importante porto na entrada de Dardanelos (Helesponto). Os habitantes da região fugiram, embalando suas posses em navios e navegando para o oeste, onde eles, depois, chegariam à península da Itália e se estabeleceriam. Eles nunca firmaram suas raízes, no entanto, como têm sido confirmado por extraordinárias escavações de sítios arqueológicos etruscos na Itália.


Perto de Vei, por exemplo, que é uma das cidades mais importantes dos etruscos, escavadores encontraram estatuetas que retratam a fuga de Enéas. Esses artefatos são antigos demais para terem sido influenciados por “lendas” romanas como as refletidas em Virgílio ou Lívio. No norte da África também, pedras de fronteira têm sido escavadas, nas quais estão inscritas em sua língua: “Atenção aos Dardânios de longe, trazidos em segurança!” Os dardânios aparecem em Homero como aliados dos troianos sob a liderança de Enéas que depois partiu para Cartago. Mesmo a língua dos etruscos tem se mostrado semelhante à língua dos hititas e troianos. Tem se levantado a pergunta de porque Homero, que nomeia incontáveis raças da Ásia Menor, não menciona nenhum nome que lembre o dos etruscos. O acadêmico Georgiev tem proposto a seguinte explicação. O nome dos gregos para os troianos, afirma, era Trôade. Essa palavra remonta a um termo mais antigo, Troses, assim como Troia foi derivado de Trosia. Um local com o mesmo nome é citado frenquentemente em documentos hititas e egípcios do século décimo quarto e quinto como Turush e Trusya. Tomando os componentes essenciais destes nomes, podem ser encontradas as sílabas Tros e Trus. Essa também é a parte principal de E-trus-ci ou E-trus-ia. Assim quando Homero diz Troes, ele estava chamando os troianos pelo seu nome correto, porque eles mesmos provavelmente diziam Tros (ou Trus), e apenas adicionaram o ‘E’ anterior mais tarde, na Itália, por um processo similar àquele em que a palavra latina status, de estado, se tornou o português Estado.


Capítulo 4

Assíria (1400-600 a.C.) A primeira civilização que pôde ser chamada de “império” foi a Assíria. No momento de sua maior extensão, ele controlava mais território do que qualquer poder que a havia precedido, se vangloriando de governar toda a Mesopotâmia, mas estendendo esse domínio por toda a extensão do Mediterrâneo, incluindo a maior parte do Egito. A Assíria também se distinguiu de outras maneiras de modo notável, como o mais assombroso, sanguinário e brutal império do mundo antigo. Descrições assustadoras de agressão assíria não enchem apenas páginas do Antigo Testamento, mas são proclamadas orgulhosamente nos anais da própria nação. Para o povo de Deus, conflitos com os assírios trouxeram alguns dos momentos mais dramáticos da Bíblia, como o escape de Ezequias de Senaqueribe quando ele confiou em Deus, ou o trágico compromisso de Acaz com Tiglate-Pileser que lhe custou uma repreensão de Isaías. A missão bem conhecida de Jonas à cidade assíria de Nínive resultou em um tempo de arrependimento “com pano de saco e cinzas”, mas Naum mais tarde anunciou o julgamento inevitável de Deus contra “a cidade sanguinária.” Enquanto a Assíria é mais famosa pela sua época de ascensão imperial entre cerca de 850 a 620 a.C., na verdade sua história começa no amanhecer nebuloso do Primeiro Período Dinástico da Suméria, e abrange o grosso da história do Antigo Oriente Próximo até, finalmente, terminar com a queda de Nínive em 612. É neste período dos últimos anos que o Antigo Testamento faz referências frequentes à terrível terra que jazia ao norte da Suméria e Acade.

Proto Assíria (2000 - 1365) Como notado no capítulo 1, a queda da Terceira Dinastia (Ur) em 2004 marcou um ponto de virada para toda a Mesopotâmia. Com o fim da Suméria, toda a região se fragmentou em pequenos reinos e por cerca de duzentos anos, houve uma competição violenta entre as cidades-estado mais proeminentes, cada uma buscando um domínio mais extenso. No norte, os reinos em disputa primeiro foram Assur e Esnuna, cada um lutando para dominar a grande rota comercial que atravessava a Mesopotâmia. Aliados à Suméria governaram Assur, enquanto as tribos semitas controlaram Esnuna. Durante os anos instáveis de 2000 a 1800, outro grupo semita começou a exercer sua influência, chegando como ondas de amorreus migrantes que se infiltraram por toda a Mesopotâmia. Como já vimos, “amorreu” é um termo amplo que descreve muitos dos povos semitas que dominaram a Síria e Canaã por muito tempo. Embora eles tenham sido vistos primeiros como bárbaros e não-civilizados, eles continuaram a consolidar seu poder, até que finalmente o príncipe amorreu Sumuabum (1894-1881) tomou o controle da Babilônia, e lá fundaram uma dinastia que eventualmente seria nomeada Antiga Babilônia, culminando com Hamurábi (1792 – 1750). Conforme os amorreus semitas concentraram seu poder na Babilônia, a cidade de Esnuna perdeu sua importância, e o drama da Assíria primitiva passou a refletir o conflito primário entre Assur e a


Babilônia. Assur, a cidade pela qual a Assíria posteriormente veio a ser conhecida, era famosa pela adoração da divindade principal, “Ashur”5, derivado do panteão sumério. Essa cidade foi construída estrategicamente em uma colina que vigiava o Tigre em uma direção, ao mesmo tempo em que era protegida por um canal do outro lado. Assur era fortemente protegida, e comandava a estrada que se estendia de Acade subindo pelo vale do Tigre até Nínive. Durante o Primeiro Período Dinástico, os governantes de Acade e Ur dominaram a região, que provavelmente nunca foi completamente independente. Uma lista dos reis assírios muito conhecida, publicada pelo assiriologista A. Poebel em 1942 nomeia 17 reis de Assur que viveram durante o período da Primeira Dinastia, mas a cronologia é no melhor, tênue, e é muito provável que alguns destes reis tenham governado ao mesmo tempo. De qualquer modo, os reis assírios eram tidos em um status inferior aos governantes da Suméria e Acade ao sul. A situação mudou no início do segundo milênio. A queda da Suméria liberou Assur do domínio dos reis do sul, e a cidade era capaz de finalmente exercer sua independência. Um governante assírio chamado Puzurassur I, que provavelmente reinou próximo ao ano 2000, inaugurou essa nova linhagem de reis. Embora independentes, estes reis continuaram a refletir a influência da civilização suméria, tomando para si nomes que eram ou sumérios ou acádios, nomes como Sargão e Narã-Sim. Na verdade, esses governantes provavelmente eram eles mesmos sumérios, embora eles não estivessem mais ligados politicamente aos poderes do sul. Não demorou muito para que os primeiros assírios consolidassem poder suficiente para ameaçar a região ao redor. Um deles, Ilussuma, conduziu ataques profundos dentro do sul da Mesopotâmia como mostrado nos anais de Ismedagã de Isin (1953 – 1935).

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Nós seguiremos a convenção de identificar a cidade escrevendo “Assur”, e a divindade da cidade, “Ashur”.


Pelo início do século 19 a.C., a Assíria tinha ganhado independência e estava estabelecida bem o suficiente para manter relações comerciais com seus vizinhos, e como já vimos, uma relação muito próxima se desenvolveu entre a Assíria e os primeiros hititas na Anatólia. Durante o reinado de Sargão I da Assíria (c.1900), muitas colônias comerciais assírias foram estabelecidas, uma das quais estava em Hatusa. Registros comerciais do período listam exportações para a Assíria na forma de prata, ouro e vastas quantidades de cobre, junto com importações de estanho e materiais de tecelagem. A despeito de seu sucesso crescente, os assírios encontraram ameaças constantes internas e externas. Os amorreus da Babilônia eram uma preocupação constante, mas mais perto de casa, outro amorreu, Hale, se estabeleceu de forma ominosa em algum lugar entre Kabur e o Rio Tigre. Nos anos que se seguiram, seus descendentes se tornaram tão poderosos que desalojaram a linhagem suméria de reis em Assur, criando sua própria dinastia. Desse tempo em diante, os amorreus controlaram a Assíria, e os antigos governantes sumérios caíram em obscuridade. Sob o governo amorreu, o norte da Mesopotâmia se tornou grande, próspero, e poderoso. Os amorreus assírios não tentaram dominar as regiões ao redor, mas se envolveram sim, em algumas excursões com o objetivo de extrair tributos das cidadesestado vizinhas. A história de um desses ataques foi registrada dentro do Antigo Testamento quando em cerca de 1870, uma coalização de príncipes amorreus invadiu Canaã, como está descrito em Gênesis 14. Esses príncipes foram liderados por um chefe tribal Quedorlaomer (em Beroso: Kudur-Lagamer). Ele atacou as ricas cidades de Sodoma e Gomorra, tomando despojo e cativos, incluindo o sobrinho de Abraão, Ló. Depois que Abraão conseguiu recuperar os despojos, ele reconheceu a benevolência de Deus no assunto dando o dízimo para o Rei Sacerdote Melquisedeque.


Em 1810, um amorreu chamado Samsiadade atacou e tomou o controle de Assur, desalojando o governo dos sucessores de Hale. Porém, ele era muito mais ambicioso, e começou a se expandir em direção ao sul, chegando a tomar o controle de Mari, uma cidade estratégica a meio caminho da rota comercial do Eufrates. As fronteiras assírias se estenderam em uma vasta região. Seu notável sucesso lhe deu o nome “Primeiro Império Assírio”, embora o termo possa ser um exagero, em especial porque Samsiadade foi no melhor um usurpador, um que depois seria rejeitado pela tradição assíria. Quando Ismedagã (1780 – 1751) tomou o trono da Assíria, a conexão comercial com a Anatólia Central chegou a um fim abrupto. Como vimos anteriormente isso provavelmente foi culpa dos hurrianos, outro grupo de tribos semíticas, que separou as duas potências, e interrompeu a rota comercial. Os hurrianos tinham lentamente se tornado uma presença dominante entre os estados no alto Tigre e Eufrates, e tinham espalhado sua influência por todas as colinas fronteiriças ao sudeste da Anatólia. Então, isolados de suas colônias comerciais no oeste, o poder da Assíria colapsou rapidamente. Para tornar a situação ainda pior, Hamurábi, com a rápida expansão de seu império, foi capaz de se aproveitar da fraqueza momentânea da Assíria, e logo Assur e seus domínios foram engolfados pelo Antigo Império Babilônio. Enquanto isso, os hurrianos continuaram a exercer controle sobre as regiões ocidentais do centro e norte da Síria. Quando Hamurábi morreu, seu vasto e precário império começou a se desfazer, de modo que apenas alguns anos depois os assírios começaram a reclamar sua independência. Esse movimento chegou ao seu ápice em 1730, quando Adasi, um descendente obscuro de Samsiadade, liderou uma rebelião em Assur. Se aproveitando da instabilidade da Babilônia, a Assíria rompeu seu julgo, e “pôs fim à servidão de Assur”. A Assíria permaneceria independente pelas próximas centenas de anos, embora os registros deste período sejam escassos. No entanto, o fim da independência assíria terminou abruptamente em 1500 a.C. O colapso do Antigo Império Hitita, combinado a um regime mais pacifista dos cassitas na Babilônia, abriu as portas para a ascensão dos Mitani, um reino povoado por hurrianos sob o domínio de senhores da guerra indo-europeus. Os Mitani dominaram a região do norte da Síria por cerca de 150 anos, e no


período de maior ascensão, controlaram a Assíria, assim como a Síria e Cilícia. O Faraó egípcio Tutmósis III desafiou os Mitani alguns anos antes do Êxodo, mas o resultado foi ambíguo, e de qualquer modo os assírios permaneceram sob a dominação Mitani até 1360, quando as mudanças na sorte do Oriente Próximo abriu a oportunidade há muito esperada para a Assíria se livrar da dominação estrangeira. Quando o fizeram, um novo período na história assíria começou, e alguns o chamam de “Antigo Império Assírio”, ou apenas de “Assíria Primitiva”.

Assíria Primitiva (1365 - 1208) As circunstâncias que levaram à liberação da Assíria dos Mitani veio de modo inesperado, quando um príncipe Mitani chamado Tusrata assassinou seu irmão esperando tomar o trono. O assassinato não foi bem-visto pelos Mitani, e a família real contra atacou, se alinhando com o irmão de Tusrata, Artatama, que buscou a ajuda tanto dos hurrianos quanto dos assírios. Ambos tinham servido durante anos sob o julgo dos Mitani, e estavam muito dispostos a ajudar à revolta. O governante assírio, Assurubalite, viu o pedido como uma oportunidade de ouro para libertar o seu povo. Assurubalite I (1365 – 1330): O mitani poderiam ter escapado do ataque de Assurubalite, se não tivessem recebido uma ameaça igualmente grave do oeste. O hitita Supiluliumas também tinha formado aliança com os hurrianos, e escolheu o momento para desferir seu próprio ataque em ajuda à causa. A guerra em duas frentes, com a adição de duas rebeliões internas, culminou quando Tusrata foi assassinado por um de seus filhos em 1350. O herdeiro legítimo ao trono mitani, Matiuasa, fugiu para a Babilônia, mas o rei cassita, Burnaburias, se recusou a lhe dar asilo. Matiuaza então buscou refúgio na corta de Supiluliumas, enquanto os assírios e os hititas dividiram a terra dos Mitani. O antigo regime mitani foi eclipsado para sempre, e os assírios finalmente se viram livres da odiada dominação. Assurubalite não perdeu tempo em seu esforço de elevar o status da Assíria de um estado vassalo de terceira categoria a um poder político de prestígio internacional. Defendendo-se da ameaça de vários grupos tribais das Cordilheiras Zagros, ele negociou um tratado com os cassitas, e em alguns poucos anos, foi capaz de afirmar um status igual ao de outros monarcas do Oriente Próximo. Ele se correspondeu diretamente com seu “irmão” Aquenáton no Egito, e deu sua filha em casamento ao cassita Burnaburias. Supiluliuma logo reconheceu que Assurubalite começava a ser uma ameaça, e tomou ações para isolar a Anatólia de uma possível agressão assíria instalando um estado vassalo chamado “Neo-Mitani”, no norte da Síria. Assurubalite foi tão bem-sucedido que muitos o consideram o fundador do “Antigo Império Assírio”. Seja ou não classificado como “império”, a Assíria certamente se tornou uma força a ser considerada, e foi durante esses anos que os governantes de Assur começaram a ser conhecidos por sua brutalidade, que logo se tornaria sinônima de seu nome. Durante o resto do reinado de


Assurubalite, a Assíria e os hititas mantiveram um inquieto balanço de poder, com o estado tampão Neo-Mitani isolando um do outro. Supiluliuma colocou um de seus filhos em Carquemis e outro em Alepo, confiando primeiramente nestas duas cidades e nos príncipes sírios locais contra a agressão assíria. Por um tempo, Supiluliuma assegurou sua posição no oeste, e sobreviveu à morte de Assurubalite em 1330 por dez anos. Enlilnirari (1328 Ariquedenili (1319 – 1308):

1320),

Assurubalite foi sucedido por dois reis dos quais pouco se sabe. O primeiro, Enlilnirari deixou pouca informação de seu reino exceto pelo fato de que foi atacado pelos Kurizalzu, uma tribo da região dos Montes Zagros. Eles logo acordaram a paz, porém, somos informados que, “eles dividiram os campos, eles dividiram os distritos, eles fixaram as fronteiras.” O próximo governante assírio, Ariquedenili deixou anais fragmentados que falam de uma campanha que se seguiu nos Montes Zagros. Adadenirari I (1307 – 1275): Adadenirari I se qualifica como o próximo “grande” governante assírio, e é responsável por um período de significativa expansão, embora, de novo, poucos detalhes particulares de suas expedições militares tenham sido escavadas. O momento culminante de seu reinado veio em seus anos finais quando ele se aproveitou das vulnerabilidades hititas durante a Batalha de Kadesh (1276), quando os príncipes sírios se revoltaram, sabendo que Muatal não estava em posição de abafar uma revolta. Porém os assírios não anteviram que Adadeninari se aproveitaria da revolta dos “estados tampões” hititas para lançar seu próprio ataque pelas costas. Sem a ajuda dos hititas, a Síria rapidamente caiu nas mãos assírias, expandindo dramaticamente seus domínios. Adadenirari morreu enquanto as campanhas Mitani ainda estavam acontecendo, mas seu filho e sucessor, Salmaneser, concluiu seu trabalho. Salmaneser I (1274 – 1244) : Contando com a ajuda dos hurrianos, que estavam novamente dispostos a se revoltarem contra seus senhores sírios, Salmaneser estendeu as conquistas assírias por todo o caminho até Carquemis, mas então, de modo traiçoeiro se voltou contra os hurrianos, atacando seu rei, e destruindo completamente suas forças, de modo que toda a Síria caiu em suas mãos. Ele proclamou de modo


orgulhoso que havia estendido seu domínio “até Carquemis, que está nas margens do Eufrates.” Para Muatal, a presença assíria no Eufrates foi catastrófica. A glória da vitória hitita em Kadesh empalideceu quando comparada com a ameaça assíria, porque Salmaneser agora ameaçava tomar o controle total da rota comercial sudeste, o que mergulharia a Anatólia em outra “idade das trevas”. O rei hitita morreu antes de descobrir como reagir, e seu sucessor imediato Mursil III (1274 – 1272), foi paralisado por disputas internas que resultaram em seu exílio em 1272. O império então caiu sob Hatusil II (1272 – 1250), que entendeu o perigo da situação e negociou de imediato uma aliança apressada com a Babilônia para proteger a rota comercial. Ele então engoliu seu orgulho e enviou um pedido de ajuda ao antigo inimigo hitita, Ramsés II, propondo que formassem uma aliança contra os assírios. O tratado resultante confirmou o controle hitita, e a desistência egípcia, sobre o norte da Síria, e foi solenizado pela oferta da princesa hitita a Ramsés. Salmaneser, de modo algum impressionado, continuou sua expansão em direção ao oeste, até capturar as minas de cobre nos sopés das colinas anatólias, e ameaçando a essencial produção de bronze dos hititas. Hatusil parou a campanha assíria antes que Salmaneser alcançasse a Fenícia, assim protegendo o acesso hitita ao Mediterrâneo, e seu sucessor, Tudália, assegurou suprimentos alternativos de cobre do Chipre. Assim os hititas foram capazes de ganhar um pouco de tempo, mas o império se aproximava de seus últimos dias, e logo uma invasão devastadora dos Povos do Mar e dos Micênios colocaria a superpotência de joelhos. Tuculti-ninurta (1244 – 1208): Com o último rei do Antigo Império Assírio, Tuculti-Ninurta I, a sorte da Assíria começou a mudar. Enquanto tentavam manter os territórios ao oeste, eles se juntaram aos elamitas em um esforço para derrubar o domínio cassita na Babilônia. Elão estava adormecido por séculos, mas foi acordado quando uma nova família de príncipes ambiciosos tomou o poder, uma família determinada a reassegurar a autoridade elamita em toda Mesopotâmia. Os cassitas começaram a ser subjugados pela pressão combinada de ambos os antagonistas, mas o esforço também afetou de modo severo a capacidade assíria de manter sua conquista do oeste.

Declínio (1208 – 911) Os 300 anos que separam o período da Antiga Assíria do Império Assírio permanece obscuro. Na verdade, com a exceção da narrativa bíblica, todo o Oriente Próximo parece ter caído em um período de relativa obscuridade pelos próximos dois ou três séculos, associados com o período dos juízes e da monarquia unida de Israel. A seção seguinte traçará um breve relato dos principais acontecimentos relativos à Assíria e ao resto do Oriente Próximo, enquanto resume a história de Israel durante o mesmo período. Os assírios e os elamitas obtiveram uma vitória temporária sobre os cassitas em 1210, deixando a Assíria com um tênue controle da Babilônia, mas a instável relação entre os dois


conquistadores permitiu que os cassitas recuperassem alguns dos domínios perdidos. Eles retomaram a capital, e a tiveram em mãos por mais alguns anos, afastando várias ofensivas pequenas lançadas pelos governantes assírios seguintes. Veio a ocorrer que foram os elamitas e não os assírios que finalmente deixaram a Dinastia Cassita de joelhos. Em 1160, Sutruque-Nacunte deixou Susa encabeçando um vasto exército, invadindo a Babilônia, e dando o golpe de misericórdia no regime cassita. Babilônia foi saqueada como nunca fora antes, e os elamitas levaram a estátua de Marduque, e trouxeram a longa Dinastia Cassita ao fim. Os assírios não participaram no ataque, na verdade, sofreram a perda de algumas de suas próprias províncias nessa época. A preocupação assíria com o desenvolvimento da Babilônia a deixou incapaz de proteger os territórios que conquistara com dificuldade no oeste. Logo após a queda do Império Hitita em 1180, hordas tribais ascenderam para ocupar o vácuo. Estes eram grupos menos sofisticados da Síria e Anatólia, o mais importante dos quais eram os arameus, sírios nativos aparentados com os amorreus, assim como as tribos anatólicas de Mushki e de Gasga. Embora eles parecessem muito menos sofisticados do que os assírios, ainda assim os expulsaram das ricas minas de cobre tomadas por Salmaneser em 1160, e os rechaçaram para sua terra natal no leste. Conforme cresceram em força, os arameus finalmente cruzaram o Eufrates, e pressionaram ainda mais profundamente Mesopotâmia adentro. Conforme migravam, eles se estabeleceram e formaram uma rede de reinos por toda a Crescente Fértil, reinos que cada vez mais encapsularam Assur e Babilônia em um círculo cada vez menor, quase sufocando-os. Na Mesopotâmia, mesmo que os elamitas tenham saqueado a Babilônia, eles logo se viram forçados a retornar para casa por causa da chegada de ondas de indo-europeus ancestrais dos medas e dos persas, que invadiram do norte e do leste, e forçaram os elamitas a defenderem sua terra natal. A retirada dos elamitas gerou um vácuo de poder na Mesopotâmia, e deste vácuo surgiu a dinastia nativa de Isin, que se tornou conhecida como a Segunda Dinastia de Isin, ou a Quarta Dinastia da Babilônia. Esses caldeus nativos logo se tornaram poderosos o suficiente para se equiparar aos elamitas. Um de seus primeiros governantes, um homem conhecido como Nabucodonosor I (c. 1124 – 1103), liderou um ataque inicial contra os elamitas que terminou em fracasso. Um segundo ataque, no entanto, foi bem-sucedido em recuperar a estátua de Marduque, e trouxe um fim ao embaraçoso exílio de sua principal divindade. Nabucodonosor alcançou fama duradoura na história, e foi o nome adotado pelo mais famoso Nabucodonosor II de uma época posterior. Porém, os feitos de Nabucodonosor foram apenas efêmeros, na medida em que os assírios começavam a assomar novamente no horizonte. Tiglate-Pileser I (1115 – 1077): Um dos mais marcantes governantes assírios durante estes anos de declínio foi TiglatePileser I, um monarca lendário e brilhante que por um tempo pareceu que recuperaria muito da glória


assíria. Depois de consolidar seu controle no norte da Mesopotâmia, ele liderou um ataque à Síria e Anatólia no ano 1110, atacando e devastando a força nativa das tribos Mushki e Gasga que tinham humilhado os assírios em 1160. Tiglate-Pileser aniquilou os dois grupos, recuperando as minas de cobre perdidas da Assíria, e então prosseguiu pela Anatólia até encontrar um reino conhecido como Milid, que os assírios chamaram de Hatti por que eles diziam ser sucessores do Império Hitita, embora não tenham alcançado nada de sua glória. Da Anatólia, Tiglate-Pileser voltou sua atenção para a Síria. Lá ele encontrou os causadores de problema, os arameus, que a esse tempo estavam bem estabelecidos na região. Na verdade, a Bíblia afirma que tanto Saul, Davi e Salomão lutaram contra o reino arameu que estava além da fronteira norte de Israel, e tinha sua capital em Damasco. Os arameus também controlavam Hamate, no rio Orontes, e estavam se expandindo nas regiões antigamente controladas pelos hititas. Tiglate-Pileser conquistou a Síria por um tempo, e até alcançou a costa fenícia, onde extraiu tributos de Arvade, Beirute, e Sidom. Seus coloridos anais também descrevem suas expedições de caça nas quais se gabava de ter capturado quatro touros selvagens, dez elefantes machos, 1000 leões e de outros jogos selvagens. Depois de algumas campanhas, Tiglate-Pileser voltou sua atenção para a Babilônia, capturando, incendiando e saqueando seus ricos palácios. Antes que pudesse realizar todas as suas ambições, porém, um príncipe babilônico, Marduquenadinaque, atacou pelos flancos e capturou alguns dos deuses de Tiglate-Pileser. Isso desferiu um sério golpe na confiança dos assírios, pois os deuses haviam sido trazidos em batalha exatamente para proteção de Tiglate-Pileser, mas eles seriam mantidos pelos babilônios pelos próximos 400 anos. Essa perda de confiança provavelmente foi o que levou ao assassinato do monarca assírio, o que trouxe o fugaz momento de glória assíria a um fim. Pós Tiglate-Pileser (1077 - 911): Com a morte de Tiglate-Pileser, a Assíria novamente caiu em um tempo de declínio de influência. Durantes estes anos obscuros, os anais fragmentados dos reis assírios mostram um progresso dos arameus no norte da Mesopotâmia, levando os assírios a uma luta desesperada para deter o progresso dessa torrente. O resto da Mesopotâmia estavam pouco melhor, conforme os arameus continuavam a se infiltrar por toda a região. Somado a isso, guerras estrangeiras, guerras civis, inundações e fome, tudo conspirou para reduzir a Mesopotâmia a uma sombra de sua grandeza passada. O período parece ser de problemas e desordem, de confusão e dificuldade, e o quadro geral é relatado de forma ainda mais assustadora pelas limitadas fontes. Na Babilônia, a instabilidade geral se refletiu no fato de que sete reis de três dinastias distintas se levantaram e caíram em rápida sucessão. A primeira dessas, chamado de Quinta Dinastia da Babilônia, foi fundada por um cassita nascido no País do Mar, e por isso às vezes é chamada de Segunda Dinastia do País do Mar (1025 – 1004). Essa dinastia foi substituída pela Sexta Dinastia (1004 – 984), provavelmente governada por um arameu. A Sétima Dinastia (984 – 978) foi governada por um soldado, também nascido no País do Mar, mas que tinha um nome elamita. A Oitava durou mais tempo (978 – 732), mas ainda assim era insegura e instável. Foi no meio da Oitava Dinastia que a Assíria despertou de seu sono. O Oriente Próximo havia mudado dramaticamente em 200 anos, com principados arameus florescendo do Mediterrâneo até o Zagros. O remanescente dos Povos do Mar, os filisteus, tinham se estabelecido a sudoeste de Israel em sua conhecida coalizão das “cinco cidades”, e os fenícios, os mestres incontestes do Mediterrâneo, estavam entrando em um período de grande prosperidade. O Egito permaneceu dividido e fraco, assim


como Israel depois da “idade de ouro” dos reis Davi e Salomão. A leste dos Zagros, os medas e os persas estavam firmemente estabelecidos, embora ainda não preparados para entrar no palco da história mundial. Na Anatólia, vários reinos “Neo-Hititas” competiam para recuperar a glória perdida com a queda do Império Hitita em 1180. As rotas comerciais cruciais haviam sido dominadas por grupos tribais como os Mushki e Gasga. Quando os assírios se retiraram após a morte do grande monarca, os arameus capturaram vários principados e se estabeleceram pela maior parte da região. Os Mushki permaneceram ativos no oeste, mas na Anatólia Central outro poder começava a se erguer, a terra de Tabal. Esse estado falante do lúvio desempenharia um papel cada vez mais importante na luta pelas rotas comerciais. Esses foram os povos que os assírios encontrariam, lutariam, e conquistariam em sua jornada para se transformar no maior império que o mundo já tinha visto. O primeiro dos “construtores do império” foi Adadenirari II, que subiu ao trono com visão, força e ambição, todas elas certamente necessárias. Nessa época a Assíria havia afundado na maior depressão já vista, e nada além de uma comparável falta de organização entre seus vizinhos salvaria a Assíria da extinção. A nação perdera importantes rotas de comércio, e estava cercada por nações hostis, mas, apesar disso, as cidades assírias eram livres, e suas condições amargas trouxeram à existência alguns dos mais temidos guerreiros. Tudo que eles precisavam era um líder. A Monarquia Unida em Israel (1050 - 930): Como já mencionado, a chamada “idade das trevas” foram os anos em que a nação de Israel alcançou o pico de seus feitos. Em 1050, Saul foi ungido como o primeiro rei pelo juiz Samuel, e embora ele tenha reinado até 1010, ele em algum ponto desobedeceu à direção de Deus de aniquilar os amalequitas, o tradicional inimigo de Israel, e por essa razão Deus rejeitou o governo da família de Saul e o deu a outro. Alguns anos antes do fim do reinado de Saul, Deus dirigiu Samuel a ungir outra pessoa, e então Davi foi escolhido, o adolescente filho de Jessé e bisneto de Boaz e Rute. Em algum ponto depois disso, Davi matou o gigante filisteu Golias, e desse tempo em diante ele foi um guerreiro bem conhecido do exército de Saul, assim como o músico pessoal dele. A popularidade de Davi gradualmente despertou em Saul uma paranoia atroz e ressentida, e em várias ocasiões ele tentou matar Davi, finalmente forçando o jovem guerreiro a fugir e viver como um fugitivo em Judá. O reinado de Saul terminou com sua morte na batalha com os filisteus no Monte Gilboa (1 Sm 31:1 1 Cr 10) no ano 1010, e depois disso Davi foi coroado rei de Judá. Um dos filhos de Saul, Isbosete, tentou estabelecer o seu governo no norte, deixando a nação presa em uma guerra civil por sete anos. Finalmente, Isbosete foi assassinado, e Davi foi aceito como rei de toda a nação. Depois de Davi ter assegurado o trono, ele estava determinado a construir o templo em


honra ao Deus de Israel. Embora o profeta Natã tenha dado uma aprovação preliminar, ele retornou depois dizendo que não seria ele quem construiria a Casa do SENHOR, mas outro, e que o SENHOR “construiria uma casa” para Davi! (2 Sm 7:11). Assim foi estabelecido a quarta grande aliança da redenção no Antigo Testamento (depois das alianças com Noé, Abraão e Moisés), na qual Deus não apenas prometeu a Davi que ele teria um filho que construiria o grande Templo de Deus (Salomão), mas que o trono de Davi seria estabelecido para sempre na pessoa do Messias. Davi reinou por 40 anos, estabelecendo uma reputação por todo o Oriente Próximo por sua sabedoria e destreza. Quando ele morreu em 970, o trono passou a seu filho, Salomão, sob o qual o magnífico templo em Jerusalém foi construído. O projeto começou em 967, exatamente 480 anos após o Êxodo (1447), e levou sete anos para ser completado. Salomão se distinguiu como o mais sábio e mais rico monarca do Oriente Próximo, e elevou a nação ao mais proeminente status de sua história nacional. Depois da sua morte, no entanto, a nação foi despedaçada em uma guerra civil entre Roboão, o filho de Salomão, e Jeroboão, o líder das três tribos ao norte, que se rebelaram. Jeroboão (930 – 909) foi notório por levar o povo de Israel para longe da adoração ao Deus verdadeiro. Ele construiu dois centros de adoração, um no norte e outro no sul de Israel, e em cada um, ele construiu um bezerro dourado, anunciando que estes foram os deuses que trouxeram o povo para fora do Egito (1 Reis 13). Embora dramaticamente avisado contra a tomada de tais ações, ele ainda assim persistiu em fazê-las (1 Reis 14). Durante o reinado de Jeroboão, os sacerdotes fiéis e levitas de Israel, assim como aqueles que quiseram continuar adorando o Deus verdadeiro, se mudaram em direção ao sul para Jerusalém e ajudaram a fortalecer Roboão (2 Cr 11). No fim de seu reinado, seu filho mais velho morreu, uma expressão do julgamento contra sua casa (1 Reis 14). O governo de Israel foi assumido pelo seu filho mais novo, Nadabe (909 – 908), que reinou apenas dois anos, e então foi assassinado por Baasa (908 – 886), cumprindo a profecia contra Jeroboão.


Em Judá, Roboão reinou até 913. Em 925, o quinto ano de Roboão, Jerusalém foi invadida por Sisaque (Shoshenq, 945 – 924), o faraó do Egito, e fundador da Vigésima Segunda Dinastia, que governaria o Egito até 720 a.C. Sisaque retornou com vasto tesouro, de forma a reduzir substancialmente a fortuna que Roboão havia herdado de seu pai. Quando Roboão morreu, ele foi sucedido por Abias (913 – 910), que não andou em caminhos melhores que os do seu pai (1 Reis 15), embora ele tenha derrotado Jeroboão em uma batalha da qual o reino do norte nunca se recuperou totalmente (2 Cr 13). Abias foi sucedido por Asa (911 – 870), um bom rei que foi reconhecido de modo especial por restaurar a adoração fiel e verdadeira em Judá. Ele patrocinou uma grande cerimônia de renovação da Aliança em seu décimo quinto ano, e como resultado muitos mais vieram do norte para Judá buscando a adoração ao Deus verdadeiro (2 Cr 15). Um maciço exército da Etiópia atacou Asa no ano 901, mas o rei judaico derrotou-o em uma vitória retumbante, tomando grande despojo do exército derrotado (2 Cr 14). Próximo ao fim de seu reinado, entretanto, Asa se afastou de sua confiança em Deus, e contratou Ben-Hadade I, da Síria, como aliado contra Baasa, de Israel. Por esse motivo Asa caiu em julgamento de Deus, o que culminou com sua morte em seu 41º ano (2 Cr 16). Enquanto essas coisas aconteciam, a Assíria novamente começou a assomar no horizonte, não apenas de Israel e Judá, mas de todo o Oriente Próximo.

Recuperação (911 – 746) Em um processo que foi qualquer coisa, menos sutil, a Assíria começou a recuperar sua glória perdida nos duzentos anos que se seguiram, se movendo sem parar até seu período de maior prestígio. O processo se iniciou com um governante notável que conseguiria mudar o curso da história assíria e inspirar seu povo a novas, e, por vezes, sangrentas conquistas. Adadenirari II (911 – 891): Adadenirari II foi o líder que a Assíria esperara por muito tempo. Inspirando seu povo a batalhar pela liberdade contra seus opressivos vizinhos, ele começou atacando os arameus, e depois de seis campanhas duras, conseguiu expulsá-los do vale do Tigre e das regiões circunvizinhas. Ele então se voltou para a Babilônia, governada na época por Samasmudamique (905 – 895), um dos reis da Oitava Dinastia. Adadenirari o atacou duas vezes em uma campanha tão feroz que é dito que


Samasudamique se rendeu por puro terror. Ainda assim, a Babilônia manteve uma tênue liberdade, fraca demais para contra-atacar, mas forte o suficiente para não ser conquistada.

Tuculti-Ninurta II (891 – 884): Tuculti-Ninurta II não teve o ímpeto de seu predecessor, mas a ele se credita a reconstrução do muro de Assur e o estabelecimento do território conquistado por seu pai. Ele manteve a influência assíria sobre a Babilônia, embora ele tenha deixado em aberto o que fazer com ela para os governantes posteriores. Enquanto isso, em Israel, Baasa foi sucedido por seu filho Elá em 886, mas o novo rei foi assassinado depois de apenas um ano por Zinri (885), que então expurgou toda a casa de Baasa, cumprindo as profecias já anunciadas antes. Zinri reinou apenas sete dias, cometendo suicídio quando foi sitiado por um dos generais de seu exército, cujo nome era Onri (885 – 874). O general que se tornou governante distinguiu-se como pior que os governantes que o haviam precedido, e só foi superado por seu filho, Acabe (874 – 853). Assurnasirpal II (884 – 859): Mudanças dramáticas vieram com Assurnasirpal II (884 – 859), o próximo dos grandes construtores do Império Assírio, e um que pôs fim a qualquer dúvida relativa às políticas de expansionismo assírias. Ele estabeleceu o padrão, tanto em qualidades quanto em defeitos, para aqueles que viriam depois, como cruel, incansável, sério, e um conquistador sem misericórdia. A estátua do monarca no Museu Britânico foi encontrada em Nimrud, e mostra a atitude rígida de um déspota disfarçado, o nariz aquilino de uma ave de rapina, e o olhar direto de um mestre que demanda obediência absoluta. Assurnasirpal herdou um reino que já era grande e poderoso, mas mais do que seus antecessores, ele tomou os primeiros passos para transformá-lo em um verdadeiro “império”, embora esses passos fossem dirigidos a objetivos mais modestos. A Assíria estava sempre se esforçando para manter suas rotas comerciais abertas, pois não tendo acesso direto ao mar, estava vulnerável a se tornar isolada em terra. As batalhas travadas por Assurnasirpal então, eram menos sobre conquista do que sobre sobrevivência, mas seus esforços foram mais bem-sucedidos do que ele esperava, produzindo grandes despojos. De modo gradual, a estratégia de invadir e pilhar levou a expansão de obras públicas e desenvolvimento econômico, mas além da mera cobiça e ambição, o


rei foi levado a recobrir-se da típica e gloriosa moda oriental, dando a impressão de ser invencível para seus súditos. Assurnasirpal então se tornou o exemplo da filosofia do crescimento assírio, pela qual ele e seus sucessores começaram a considerar-se como vicários de Ashur, do qual eles derivaram um senso de dever de impôr o seu culto ao mundo inteiro. Conforme as guerras tomaram um caráter sagrado, qualquer inimigo da Assíria era visto como um inimigo do deus assírio, e um alvo apropriado do preconceito e massacres típicos do estilo militar assírio. Desse tempo em diante, os assírios lançariam novas campanhas rotineiras na primavera, supostamente sob o comando de Ashur. Chefes tribais e principados locais frequentemente lutavam bravamente, mas raramente tinham sucesso, e aqueles que não tinham coragem de entrar em uma luta geralmente fugiam, ou “caíam aos pés” do rei assírio, aceitando pagar um pesado tributo, e quando falhavam em fazê-lo, encaravam horríveis punições. Depois de uma série de campanhas locais, Assurnasirpal se voltou para o oeste, cruzando o Eufrates em Carquemis, e indo em direção à Síria e à planície de Antioquia. Ele cruzou o Orontes e então se viu “junto ao Monte Líbano e ao Grande Mar na terra dos Amurru (Amorreus). Ele alcançou a fenícia em 877, e percebendo que eles não eram páreo para o incrível poder assírio, os governantes assírios não fizeram tentativas de segurar o seu avanço, mas se apressaram em recebê-lo do único modo inteligente, enviando uma delegação bem suprida de presentes e tributos ao seu acampamento. Assurnasirpal recebeu os fenícios com grande satisfação, registrando em seus anais: Eu recebi um tributo da costa do mar, dos habitantes de Tiro, Sidom, Biblos, Makhalata, Maisa, Kaisa [outros portos menores], dos amorreus e aradianos, das ilhas do mar, consistindo de ouro, prata, estanho, vasos de cobre, mantos de linho com bordas de muitas cores, pequenos e grandes macacos, ébano, madeira de buxo, marfim e pele de leões marinhos, assim mesmo, os produtos do mar, e eles beijaram meus pés. A tática dos fenícios funcionou bem, e os viajantes do mar se estabeleceram como valiosos parceiros comerciais de Assurnasirpal, enquanto a maior parte do Oriente Próximo definhava sob o punho assírio. Por exemplo, em algumas partes da Síria, Assurnasirpal recebeu a reputação bemmerecida de crueldade na medida em que ele impunha chocantes formas de violência e derramamento de sangue. Governantes rebeldes e obstinados eram empalados e esfolados vivos, e suas peles eram penduradas nos muros da cidade. Em algumas ocasiões, prisioneiros desarmados e civis inocentes eram torturados com um refinamento sádico Seus homens, jovens e velhos, eu tomei como prisioneiros. De alguns eu cortei os pés e as mãos, de outros cortei o nariz, orelhas, e lábios; eu fiz uma pilha com as orelhas dos mais novos; das cabeças dos velhos eu fiz uma torre. Eu expus suas cabeças como um troféu na frente de sua cidade. Os meninos e as meninas eu queimei nas chamas. A cidade eu destruí e consumi com fogo.


Embora a Assíria tenha crescido com essas táticas, ela plantou as sementes de sua própria destruição nesse processo, sugando as riquezas para a capital, mas não dando nada em troca. Marcantes projetos de construção de ricos palácios foram financiados, incluindo o impressionante palácio de Assurnasirpal, um dos primeiros monumentos escavados na Mesopotâmia pelo jovem aventureiro britânico, Austen Henry Layard. O rei assírio inaugurou o seu palácio em 879, dando um enorme banquete e entretenimento real para 70.000 pessoas por dez dias. O comentário final sobre a festividade faz um agudo contraste com o barbarismo selvagem que o tornou possível: “Os povos alegres de todas as terras eu reuni com o povo de Kalhu, por dez dias eu lhes dei banquete, vinho, banho, unção e honra e os enviei de volta a suas terras em paz e alegria.” Ninguém podia negar que o estado tinha enriquecido, mas seus servos mais distantes foram deixados destituídos e se levantavam em rebeliões quase constantes. Em Israel, Acabe (874 – 853) sucedeu a seu pai Onri, estabelecendo um novo padrão de malignidade entre os reis do Reino do Norte (1 Reis 16). Durante seu reinado, Deus chamou o profeta Elias e o enviou para anunciar a Acabe uma fome de três anos começando no ano 861. Enquanto a terra estava presa nos aguilhões da seca, Deus cuidou milagrosamente de Elias, e proveu as necessidades da viúva de Saretpa (1 Reis 17). No terceiro ano, Deus enviou Elias de volta para anunciar o fim do período de fome exigindo um confronto entre ele e os profetas de Baal no Monte Carmelo. Lá Elias fez descer fogo sobre o sacrifício de Deus, e massacrou os profetas de Baal (1 Reis 18). Quando a esposa de Acabe, Jezabel soube da destruição de seus profetas, ela enviou uma mensagem a Elias de que ele enfrentaria o mesmo destino em suas mãos, e como resultado, Elias fugiu para o Monte Horebe em Midiã. Lá ele aprendeu não só as lições da “sussuro tranquilo e suave” de Deus, mas também foi instruído a ungir Jeú (841 – 814) como o novo rei de Israel, Hazael (841 – 807) como rei da Síria, e Elias como o profeta que sucederia o próprio Elias (1 Reis 19). Pelos próximos dois anos, Acabe conseguiu defender Israel dos ataques de Ben-Hadade II, da Síria (860 – 841), no entanto, ele foi condenado por falhar na destruição dos sírios, e por deixar Ben-Hadade retornar a Damasco em paz (1 Reis 20). Acabe somou a seus crimes o assassinato de Nabote e o roubo da vinha de sua família em 856, e por esse motivo Elias pronunciou uma maldição sobre a família de Acabe, prevendo o violento fim de sua esposa e descendentes (1 Reis 21). Essas profecias se cumpriram três anos depois quando Acabe saiu em batalha contra Ben-Hadade e foi morto no campo de batalha (1 Reis 22). Acazias (853 – 852) sucedeu seu pai, mas morreu no ano seguinte, sucedido por seu irmão Jeorão, que continuou as políticas malignas de Acabe até que ele foi assassinado em um golpe liderado por Jeú em 841. Jezabel morreu ao ser jogada de uma janela, e seu corpo foi comido por cães nas ruas de Jezreel.


Nessa época, Judá era governada por Josafá (872 – 848), um de seus maiores reis. Ele obedeceu a Lei de Deus, ganhando poder militar enquanto liderava o povo na adoração fiel (2 Cr 17). Porém, Josafá se aliou com Acabe por casamento, tomando sua filha Atalia como esposa para seu filho, Joás. Ele também concordou em seguir Acabe em batalha contra os sírios, apesar dos avisos do profeta Micaías. Josafá escapou por pouco da batalha em que o próprio Acabe foi morto (2 Cr 18). Embora o profeta tenha criticado Josafá por apoiar Acabe, ele ainda assim foi lembrado como um bom rei (2 Cr 19) que desfrutou da proteção e cuidados de Deus (2 Cr. 20). Salmaneser III (858 – 824): O próximo governante da Assíria, Salmaneser III, conseguiu superar seu pai no número e extensão das campanhas militares. Na verdade, dos trinte e cinco anos de seu reinado, trinta e um foram devotados à guerra. Sob seu comando, soldados assírios viajaram e conquistaram em todas as direções, indo atrás de objetivos ambiciosos, mas de modo frequente obtendo resultado desapontantes. Não é surpresa que parece que quanto mais longe Salmaneser estava da terra natal, mais determinada era a oposição que encontrava. Salmaneser obteve algum sucesso em campanhas ao norte e ao leste, mas seu progresso foi impedido pelos ancestrais dos medas e persas. No oeste, os assírios estabeleceram uma base impressionante em um monte com vista para o Eufrates, mas lá também encontraram resistência das forças neo-hititas e arameias, determinadas a evitar os erros de seus ancestrais que tinham caído para Assurnasirpal. Depois de estabelecer uma cabeça de ponte no Eufrates, Salmaneser lançou uma vasta expedição em 853, adentrando as planícies da Síria central, e batalhando com Irhuleni de Hamate e Adadenirari (Ben-Hadade II) de Damasco. Esses dois reis foram ajudados pelos “doze reis da costa marítima” (da Fenícia). Vastos exércitos se encontraram de ambos os lados de Karkara (Qarqar) no Rio Orontes, não longe de Hamate. Salmaneser registrou: Eu destruí 14.000 de seus guerreiros pela espada. Como Hadade, eu fiz chover destruição sobre eles...o campo era pequeno demais para os corpos caídos, o vasto interior foi usado para enterrá-los. Com seus corpos, eu cobri o Orontes como uma ponte. Apesar de suas reivindicações, nem Hamate nem Damasco foram tomadas. Salmaneser fez três outras tentativas aos mesmos alvos nos próximos dez anos, mas


sempre com um sucesso limitado. Muitas outras cidades foram capturadas, saqueadas e incendiadas, mas as cidades principais sobreviveram. Em 841, Salmaneser lançou um ataque final sobre Damasco, e dessa vez, o momento era propício. Ben-Hadade II havia sido assassinado e substituído por Hazael, “o filho de um zé-ninguém”. Salmaneser derrotou Hazael no Monte Hermom, embora o rei sírio tenha conseguido escapar e se trancafiar na capital, Damasco. Salmaneser não conseguiu tomar a cidade, e simplesmente devastaria o interior do país. Enquanto Damasco estava sitiada, Salmaneser subiu para a costa, e no Monte Carmelo recebeu tributo das cidades de Tiro e Sidom no Monte Carmelo. Ele também aceitou tributo de Jeú, o novo rei de Israel (841 – 814). Jeú é a primeira figura bíblica a aparecer nas inscrições cuneiformes, e foi esse encontro que deu origem a uma das mais famosas descobertas arqueológicas da história assíria, o “Obelisco Negro” descoberto por Austin Henry Layard no templo de Ninurta. Embora não haja relatos específicos desse contato entre Salmaneser e Jeú, há poucos motivos para duvidar de que ele tenha ocorrido nessa época. Tendo trazido Síria, Canaã e Fenícia sob seu controle, Salmaneser prosseguiu para a Anatólia em 839. Ele foi o primeiro monarca assírio a entrar em contato com Tabal, um regime neohitita na região da Cilícia. Tendo reduzido o domínio do mais sulino desses estados, ele avançou pelo que um dia fora Quizuadna, trazendo a região inteira ao seu controle. Ele então retornou à Síria, e em 838 fez a último tentativa mal sucedida de conquistar Damasco. Ele foi finalmente forçado a confessar seu fracasso e deixar a Síria em paz pelo resto de seu reinado. Junto com essas campanhas militares, Salmaneser também fez tentativas ambiciosas em direção ao sul, onde a Babilônia permaneceu sob o controle dos reis da Oitava Dinastia. Eles haviam permanecido independentes, em grande parte porque Assurnasirpal tinha gasto a maior parte de suas brutais punições sobre outros. Seu tratamento mais leve dos babilônios refletia a ideia corrente assíria de que os babilônios eram, na verdade, superiores cultural e religiosamente, e que a cidade da Babilônia era “sagrada”, e digna de respeito. Durante três anos de relativa paz, os reis babilônios Nabusumauquim (895 – 870) e Nabuapaliddini repararam alguns dos danos causados pelos arameus, que tinham sido na maior parte expulsos pelos assírios. Quando Salmaneser tomou o trono, ele continuou essa política, mantendo um tratado com Nabuapalidini no qual ele prometia a proteção assíria em troca de lealdade e tributo babilônios. A despeito do tratado, Salmaneser esperava se inserir de modo mais visível dentro das questões babilônias, mas sem parecer ser um conquistador. Sua oportunidade de ouro apareceu quando Marduquezaquirsume I (855 – 819) foi deposto em uma rebelião instigada pelo seu irmão mais novo. Essa rebelião apoiada pelos arameus, que se deu em 850, fez com que Marduquezaquirsume invocasse o tratado com Salmaneser e pedisse a ajuda assíria. Salmaneser prontamente aceitou, trazendo suas forças para a Babilônia, se fazendo de herói e tratando os habitantes com extrema gentileza. Salmaneser provavelmente poderia ter tomado o controle da Babilônia nessa época, mas invés disso apostou na


suserania nominal, embora tenha lançado uma campanha no sul da Mesopotâmia, onde a Dinastia do Povo do Mar continuava governando. Eles não tinham chance contra o ataque assírio, e assim toda a Mesopotâmia caiu sob a autoridade de Salmaneser. Ele cedeu tudo a Marduquezaquirsume, estendendo muito o poder do rei babilônio em troca de uma agradecida aliança. Apesar de seu sucesso, os últimos anos de Salmaneser foram marcados por problemas internos quando o filho mais velho de Salmaneser, o príncipe coroado Assurdaninpal, se revoltou em 827. Vinte e sete cidades se juntaram a ele, incluindo alguns dos mais importantes centros assírios, como Assur, Nínive, Erbil e Kirkuk. Os rebeldes eram no geral a nobreza rural e cidadãos livre que estavam irritados com os grandes senhores e barões do reino. Estes tinham se tornado ricos e insolentes conforme viviam dos despojos de regiões distantes e alienavam aqueles que não faziam parte da autoridade central, muitas vezes assumindo poder de proporção muito maior que aquele de seus cargos na corte do cada vez mais idoso Salmaneser. Em um protesto de provável legitimidade, os rebeldes buscavam uma distribuição de poder mais justa, e Salmaneser teria sido mais sábio se tivesse ouvido suas petições. Porém, tal diplomacia não fazia seu estilo, e o velho rei, que mal saía de seu palácio, insistiu que a revolta deveria ser brutalmente esmagada. Ele comissionou o seu filho mais novo, Samsiadade, a realizar tal tarefa, e o jovem príncipe, reconhecendo nesses acontecimentos a oportunidade para o seu próprio avanço na sucessão do trono, energicamente colocou em prática a missão. No entanto, não foi fácil, e pelos próximos quatro anos, a Assíria se viu no meio de uma guerra civil. Ao seu fim, os rebeldes foram derrotados e executados, e Samsiadade tomou a posição de governante. Durante os anos do reinado de Salmaneser, eventos importantes aconteciam em Israel, quando em 853 Acazias (853 – 852) assumiu o comando em lugar de seu pai Acabe. Ele foi seriamente atingido por um acidente no ano seguinte, no entanto, e logo depois, Elias informou-o que porque ele confiara nos ídolos e não no Deus verdadeiro, ele morreria pelos ferimentos (2 Reis 1). Jeorão (também chamado Jorão, 852 – 841) tomou o lugar de Acazias em 852, na mesma época em que Elias era levado aos céus e sucedido por Eliseu como profeta de Israel (2 Reis 2). A carreira de Eliseu foi caracterizada por notáveis milagres, incluindo a cura de Naamã, e a captura do exército sírio cegado (2 Reis 4 – 6). Jeorão (848 – 841), filho de Josafá, tomou o trono de Judá em 848, mas apesar do caráter benigno de seu pai, ele veio a ser um dos piores reis de Judá. Sem dúvida com o encorajamento da sua esposa, Atalia, filha de Jezabel, ele começou assassinando todos os seus irmãos. A oposição a Jeorão subiu forte e vertiginosamente, e ele logo enfrentou rebeliões em Edom, o que levou à profecia de


Obadias. A cidade de Libna também se rebelou, mas antes que ele pudesse tomar providências, Jeorão foi fortemente atacado pelos filisteus e árabes, que saquearam Jerusalém, e mataram todos os filhos de Jeorão, exceto o mais jovem. Jeorão reinou por oito anos, morrendo com uma horrível doença em suas entranhas em 841 (2 Cr 21), depois da qual o trono passou a seu filho mais novo, Amazias. No ano da morte de Jeorão, um general do exército sírio chamado Hazael (841 – 807) assassinou o rei da Síria, Ben Hadade II, e tomou o trono sírio, cumprindo a predição do profeta Eliseu (2 Reis 8). Quase imediatamente, Hazael se viu atacado por Salmaneser, que foi ajudado por Acazias de Judá e Jorão de Israel, e foi rechaçado da capital Damasco. Enquanto Salmaneser manteve Hazael sob cerco, Jorão voltou à sua capital em Jezreel, tendo sido ferido pela escaramuça. Enquanto estava lá, Acazias o visitou, trazendo com ele muitos príncipes de Judá, mas os dois foram atacados de surpresa em um golpe liderado pelo general do exército de Israel, chamado Jeú (841 – 814). Cumprindo o comando de Eliseu dizendo que toda a família de Acabe fosse exterminada em julgamento por sua grande malignidade (2 Reis 9), Jeú matou Jeorão (2 Cr 22) e então prosseguiu para a capital onde ele buscou a morte de Jezabel (2 Reis 9), os setenta filhos de Acabe, e todos os sacerdotes de Baal (2 Reis 10). Em tudo isso, Jeú estava em obediência às instruções dadas a ele por Eliseu. Jeú excedeu sua autoridade, entretanto, quando ele tomou as vidas de Acazias de Judá, e a de seus quarenta e dois irmãos. Depois disso Jeú falhou em seguir a lei de Deus, ou levar o povo a uma adoração adequada do Deus verdadeiro, mas, ainda assim, fora prometido que ele teria filhos no trono de Israel até a quarta geração por causa da obediência ao comando de Deus relativo à Acabe (2 Reis 10). Logo após o expurgo ter terminado e Jeú ser estabelecido como rei, ele teve de lidar novamente com Salmaneser, que ainda detinha Hazael sob cerco em Damasco. Salmaneser demandou tributo de Jeú, e com essas demandas Jeú concordou de boa vontade, como refletido em um detalhe do Obelisco Negro. Como já notamos, Salmaneser nunca tomou Damasco, e finalmente retornou para casa deixando Hazael se recuperar do ataque em seus domínios. Hazael eventualmente saiu à guerra contra Jeú, o que resultou em uma perda de território para a Síria conforme Deus continuou seu julgamento do Reino do Norte. Jeú morreu em 814, e foi sucedido por seu filho Jeoacaz (814 – 798). Em Judá, Atalia (841 – 835), a mãe de Acazias, tomou o


trono depois da morte de seu filho pelas mãos de Jeú (2 Cr. 22). Em sua ambição irracional, ela matou todos os seus netos, os filhos de Acazias, com a exceção do infante Joás, que foi escondido secretamente pelo sumo sacerdote Joiada. Em um dramático golpe, Joás (835 – 796) foi introduzido ao povo em 835, quando o garoto tinha oito anos de idade, e Atalia foi imediatamente executada, e o trono retornou ao rei por direito (2 Reis 11). Por muitos anos, Joás governou como um bom rei que se devotou a reformar o templo e levar o povo à adoração apropriada, embora depois da morte de Joiada, a liderança em torno do rei começasse a vacilar. Ele redirecionou sua confiança de Deus para as nações a sua volta, em uma ocasião enviando um rico tributo para Hazael como um suborno para prevenir a Síria de atacar Jerusalém (2 Reis 12). Joás foi assassinado em 796, e seu filho Amazias subiu ao trono em seu lugar. Samsiadade V (824 – 811): Na Assíria, uma guerra civil ainda fervia quando Salmaneser morreu, e Samsiadade foi forçado a continuar a batalha contra os insurgentes por mais alguns meses antes de encerrar o assunto. No entanto, o novo governante foi confrontado por problemas em outro lugar, conforme os vassalos ao norte e leste se aproveitaram da guerra civil como uma oportunidade de ouro para abalar a “proteção” assíria e reter os tributos. Depois de algumas escaramuças e demonstração de força, Samsiadade finalmente “persuadiu” seus aliados recalcitrantes a se submeterem novamente. Na Babilônia, problemas notadamente mais complexos se apresentavam. Marduquezaquirsumi continuava a reinar, mas ele também tomara partido da guerra civil na Assíria como uma desculpa para impor sua autoridade ainda mais agressivamente, e isso por outro lado gerou anarquia em quase todo o sul da Mesopotâmia, embora ele respeitosamente tenha evitado exercer o controle diretamente sobre a própria Babilônia. Samsiadade manteve a política com o rei seguinte da Babilônia, Marduquebalassuiquibi (819 – 813), garantindo a independência babilônia, mas mantendo controle sob quase tudo que sobrara da terra entre os rios. Mesmo Samsiadade tendo sido razoavelmente bem-sucedido em manter um vasto império integrado, rebeliões difundidas tinham criado raízes. A moral estava baixa, e um mal estar penetrou o reino, dando origem a surtos de violência, tudo isso levando a um período de fraqueza temporária que durou até a segunda metade do oitavo século. Em Israel, Jeoacaz, o filho de Jeú, se tornou rei em 814, mas encarou ataques constantes de Hazael e seu filho, Ben-Hadade III (807 – 780). As coisas não melhoraram muito quando Jeoás (798 –


782) ascendeu ao trono de Israel. Foi durante o reinado desse rei que Eliseu morreu, prevendo que Israel teria um sucesso limitado em sua luta constante com a Síria (2 Reis 13). Adadenirari III (810 – 783): Adadenirari era muito jovem quando seu pai morreu, e por quatro anos o governo esteve nas mãos de Samuramate, também chamada de Semíramis, uma mulher descrita por Heródoto como “a mais bela, mais cruel, mais poderosa e mais lasciva das rainhas orientais”, embora como ela tenha alcançado essa fama se trate de um enorme mistério. Uma vez que Adadenirari tomou o governo em 806, ele demonstrou sua capacidade e iniciativa como monarca. Ele invadiu a Síria, trazendo Ben-Hadade III à submissão e o forçando a pagar tributo. Ele também impôs impostos aos neo-hititas, fenícios, filisteus, israelitas, edomitas, e aos medo-persas. Esses sucessos marcaram o início do que poderia ter sido o despertar de um brilhante período assírio, mas que a morte prematura do monarca impediu. Em Judá, Amazias sucedeu seu pai Joás em 796 e reinou até 767. Ele derrotou os edomitas, e então em 785 declarou guerra contra Jeoás de Israel, mas nesse conflito ele foi derrotado (2 Cr 25). Jeoás morreu em 782, e foi sucedido por seu filho, Jeroboão II (782 – 753), o maior rei dos 200 anos de história de Israel. Foi durante seu reinado que o profeta Jonas anunciou que Deus restauraria o território de Israel, assim como fez durante os últimos dias do reinado de Jeroboão (2 Reis 14). Salmaneser IV (782 – 773): A Assíria foi governada pelos quatro filhos de Adadenirari, cada um deles sucedendo o outro, embora nenhum deles tenha deixado uma marca no império. O primeiro deles, Salmaneser IV, geralmente é lembrado como um governador fraco e inepto. Essa imagem de Salmaneser provavelmente reflete o julgamento de uma época posterior, na qual os padrões de grandeza exigiam conquista expansionista e grandes volumes de sangue derramado, e por esses padrões Salmaneser não conquistou muito. É possível que essa diminuta calmaria refletisse o efeito positivo da pregação de Jonas, que aparentemente trouxe a palavra de alerta de Deus à Nínive cedo na carreira deste rei. De qualquer modo, sua ambição militarista parece ter sido muito contida, como se mostra no fato de que seu comandante em chefe, Samsilu se gaba de diminutas


vitórias, sem sequer mencionar seu mestre, Salmaneser. Assurdã III (772 – 755): Pouco se sabe do reinado de Assurdã, segundo filho de Adadenirari, exceto que também parece ter tido um reinado silencioso, o que também pode refletir o contínuo efeito do ministério de Jonas. A única campanha militar de Assurdã o levou à Síria, mas seu esforço foi geralmente mal sucedido. Aparentemente ele enfrentou uma praga epidêmica assim como revoltas em certas partes de seu império. Durante seu reinado, a Babilônia continuou a sair de fora do controle assírio, e finalmente, a Dinastia do País do Mar tomou uma posição de autoridade sobre a cidade e regiões ao sul. O primeiro desses reis foi Eriba-Marduque (770 – 760), um caldeu nativo, e depois dele, Nabusumaiscum (760 – 748). Uzias se tornou rei de Judá em 767, depois da corregência com seu pai por vários anos (2 Reis 15). Ele reinou até 740, e se destacou como um bom rei, exceto que em um momento de arrogância ele tentou entrar no templo para oferecer incenso no altar. Por esse motivo Deus o puniu com lepra, e ele viveu os últimos 10 a 15 anos de seu reinado em isolamento (2 Cr 26). Em Israel, Zacarias, da quarta geração a partir de Jeú, se tornou rei em 753, reinando por apenas seis meses antes de ser morto em um golpe liderado por Salum, que tomou o trono, mas reinou por apenas um mês. Assurnirari (754 – 745): O terceiro filho de Adadenirari, Assurnirari aparentemente era um homem covarde que raramente deixava seu palácio. A maior parte das evidências sugerem que ele foi morto em uma revolução palaciana que explodiu em Calá. Em Israel, Salum foi morto por Menaém (752 – 742), depois disso Menaém reinou por dez anos. Foi durante seu reinado que “Pul”, isso é, Tiglate-Pileser, adentrou à terra de Israel demandando e recebendo tributo (2 Reis 15).

O Império Assírio (745 - 612) De longe a época mais importante da história assíria começa com o notável governo de Tiglate-Pileser III, o homem que por todos os relatos, finalmente estabeleceu o Império Assírio (às vezes chamado de Neo Assírio). Por pouco mais de 100 anos, os assírios dominaram todo o Oriente Próximo, e desempenharam um papel proeminente na história do Antigo Testamento. Tiglath-Pileser III (745 – 727):


Tiglate-Pileser foi, como se alega, o quarto filho de Adadenirari, embora muitos questionem se ele era um membro genuíno da família. Quer fosse um usurpador ou não, ele foi um soberano inteligente e vigoroso que tinha uma visão clara e apurada das vulnerabilidades e potencialidades assírias. Ele tomou o trono em uma época em que a nação tinha uma visibilidade muito baixa, e seu futuro parecia ruim. Porém, Tiglate-Pileser foi capaz de reverter o destino da Assíria de maneira tão dramática que veio a ser considerado o verdadeiro fundador do Império Assírio. Ele reorganizou o exército e fez reformas administrativas há muito necessárias, dando à nação estabilidade interna e conquistando respeito em todo o mundo. Quando Tiglate-Pileser chegou ao poder, a Assíria tinha, de acordo com os historiadores, sido reduzida por anos a um “obscuro” período de estagnação e fraqueza, sofrendo com o fardo de governantes corruptos e incapazes. De início, ele reorganizou o governo e o exército de modo que reformou o moral e criou o palco para agir contra os estados vassalos cada vez mais agitados. Ele começou voltando sua atenção para o leste, lembrando aos primitivos medas e persas o que era a ira dos assírios contra deslealdade. Tiglate-Pileser então voltou seu foco para a Mesopotâmia, onde as tribos do sul permaneciam sob o controle da Dinastia do País do Mar nativa, onde novos mercadores floresciam controlando a maior parte do comércio do sul da Mesopotâmia para a Síria e além. Ao pedido do rei babilônico, Nabu-nasir (747 – 734), Tiglate-Pileser interveio para suprimir revoltas das tribos nativas, fazendo campanhas extensas por toda a região, e exigindo tributos dos xeques caldeus e arameus por toda Mesopotâmia. Tiglate-Pileser então tomou o controle total da região, ao mesmo tempo em que interferiu diretamente no governo de Nabu-nasir, que parece ter desfrutado um reinado de sucesso e prosperidade depois disso. Uma vez que essas questões locais tinham sido resolvidas, Tiglate-Pileser voltou seus olhos para os estados mais problemáticos e desafiadores ao oeste do Eufrates. Lá ele renovou e aprimorou a reputação assíria da brutalidade, estilizando a si mesmo como uma ave de rapina que saiu nas mais terríveis expedições que já alagaram o mundo com sangue. Ashur era seu deus, saquear era sua moralidade, crueldade e terror seus instrumentos. Nenhum povo foi mais abjeto do que aquele de Assur; nem soberanos foram mais despóticos, mais gananciosos, mais vingativos, nem mais cruéis, nem mais orgulhosos de seus crimes. A Assíria trazia dentro dela todos os vícios. Tirando a


coragem, ela não oferecia nenhuma outra virtude.6 A campanha para o oeste, que começou em 743, levou Tiglate-Pileser à Síria, e resultou na anexação de sua costa noroeste. Tiglate-Pileser não atacou os fenícios, embora certamente teria sido possível para ele fazê-lo. Ao que parece ele estava feliz em aceitar o tributo usual que os fenícios vinham pagando há anos, e apenas renovou as duradouras relações comerciais com os grandes mestres do mar. Muitos outros príncipes sírios também se submeteram ao rei, incluindo Rezin II, rei de Damasco (780 – 740). A campanha de Tiglate-Pileser colocou pressão sobre os reis de Israel e Judá. Esse último havia se reduzido sob governantes com cada vez maior degeneração moral e cada vez menor competência. Menaém (750 – 742) evitou uma derrota humilhante pelas mãos de Tiglate-Pileser aceitando um enorme pagamento de tributo. Esse acerto continuou quando seu filho Pecaías (742 – 740) subiu ao trono, e depois de Pecaías ser assassinado em um golpe palaciano, seu assassino e sucessor, Peca (740 – 732), continuou pagando o tributo (2 Reis 15). Apesar disso, Tiglate-Pileser levou as tribos de Israel que estavam ao leste do Jordão para o cativeiro, provavelmente durante essa campanha (1 Cr 5). Ao sul, Judá estava atravessando sua própria tempestade. As dificuldades começaram quando Uzias foi tomado pela lepra e forçado a viver em isolamento. Seu filho Jotão ascendeu ao trono como corregente em 750, apenas cinco anos depois de Tiglate-Pileser ascender ao trono assírio. A chegada dos assírios à Síria aumentou dramaticamente a preocupação com uma invasão que poderia varrer toda a Palestina até a fronteira com o Egito. Veio a acontecer que Tiglate-Pileser deixou Jotão em paz durante sua primeira campanha, se contentando com os tributos pagos pela Síria e Israel. Os assírios então voltaram sua atenção para o norte, buscando reestabelecer novamente sua influência sobre as ricas minas de cobre do antigo Império Hitita, mas lá eles foram desafiados por Urartu, um reino cuja capital estava nas montanhas armênias ao norte da Assíria. Urartu, na verdade, representava uma coalização de antigos estados independentes que haviam se unido por causa da ameaça crescente tanto da Assíria quanto dos arameus. Desde 800 a.C., esse novo poder tinha se tornado formidável o suficiente para estender sua influência em direção à Anatólia. Lá havia sido instrumental na consolidação de certos reinos neo-hititas conhecidos como Milidas, Tabal, e alguns outros estados falantes do lúvio. Urartu tinha formado alianças com esses domínios, e agora todos eles haviam se unido para enfrentar Tiglate-Pileser conforme ele se aproximava. A batalha foi formada no outono de 743, e embora os anatólios e Urartu tenham lutado bravamente, eles foram incapazes de resistir aos assírios, que emergiram como os vitoriosos 6.De Morgan, citado por A.T. Olmstead, A História do Império Persa (Chicago, 1948).


incontestes. Urartu foi posta de joelhos, deixando de ser uma rival na luta por recursos com a Anatólia. Sem a ajuda de Urartu, os outros estados neo-hititas foram incapazes de resistir à pressão assíria e foram rapidamente anexados ao Império. Cerca de três anos mais tarde, um príncipe neo-hitita local Uasusharma se rebelou contra o pagamento de tributos exigido por Tiglate-Pileser, mas foi deposto de maneira rápida e fácil, e Tiglate-Pileser o substituiu por um pró-Assírio chamado Huli. Desse tempo em diante, os neo-hititas caíram um a um nas mãos assírias, e depois, deixaram de existir de vez como estados independentes. Tiglate-Pileser tinha reestabelecido sua autoridade sobre os domínios assírios em 738, e também consolidado suas reformas internas, estabelecendo uma burocracia eficiente com velozes linhas de comunicação ao longo de seu vasto império. Para desencorajar rebeliões locais, ele implementou um dos mais famosos métodos de controle populacional dos assírios, deportação em massa. Com a intenção de desestabilizar a resistência regional, essa estratégia envolvia a realocação de povos longe de sua terra natal. O mais famoso exemplo da estratégia de deportação ocorreu em 722 quando um dos sucessores de Tiglate-Pileser levou um vasto número de israelitas ao cativeiro. Durante os anos seguintes, a Assíria desempenhou um papel proeminente tanto na história de Israel quanto de Judá. Peca governou no norte, e continuo a pagar tributo ao grande Assírio, mas Jotão, que sucedeu Uzias no sul, tinha evitado se tornar tributário dos assírios. Uzias morreu em 740, e nesse mesmo ano Deus comissionou o profeta Isaías a pregar uma mensagem de advertência tanto a Judá quanto a Israel. Ele então continuou a proclamar até que “sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes”, um decreto que previa a devastação que viria a ambas as nações pelas mãos dos assírios (Is 6). Fiel ao seu chamado, Isaías passou os anos seguintes alertando sobre a crescente ameaça assíria, e insistindo que o grande império estava vindo como um julgamento divino sobre a idolatria do povo de Deus. O drama profetizado por Isaías se desvelou em 735 quando Jotão morreu, e foi sucedido por seu filho Acaz. Os vizinhos de Judá ao norte, Peca de Israel e Rezim, rei da Síria estavam furiosos quando descobriram que o novo rei de Judá tinha recusado se unir a sua aliança. Em sua ira, os dois reis lançaram um feroz ataque a algumas cidades de Judá, sitiando a Jerusalém. Peca matou 120.000 dos soldados de Judá, e tomou 200.000 homens, mulheres e crianças como prisioneiros, mas enquanto se


dirigia a Samaria, o profeta Obede confrontou seus comandantes, condenando sua matança e ordenando que retornassem os cativos. Os generais israelitas foram atingidos por sua culpa, e libertaram os prisioneiros (2 Reis 16:5; 6 ; 2 Cr 28:5-15). Israel e a Síria, no entanto, mantiveram sua postura de ameaças a Judá. O jovem Acaz se encontrou em terríveis apuros. Como se mostrou, ele foi sábio o suficiente para se recusar a participar no plano da revolução, mas tolo o suficiente para pensar que a ajuda viria do mesmo poder de que seus próprios inimigos tentavam escapar. O próprio profeta Isaías, neste tempo um jovem, confrontou Acaz em uma conversa registrada em Isaías 7. Ele alertou especificamente o rei contra buscar ajuda dos assírios, e o incentivou a confiar em Deus para sua defesa. Ele até mesmo ofereceu a Acaz o sinal que desejasse, qualquer prova miraculosa para que ele pudesse exigir a veracidade da palavra de Isaías. Acaz com falsa humildade disse que não “tentaria o Senhor”, embora seus reais motivos fossem menos honrados. Ao tempo dessa conversa, Acaz já estava buscando aliança com Tiglate-Pileser, oferecendo ao Assírio caros presentes em troca de um acordo de “resgate” a Judá contra seus vizinhos rebeldes (2 Cr 28:16-21). Isaías respondeu a Acaz declarando que o Senhor daria a ele um sinal, quer ele o desejasse ou não. Uma jovem mulher daria à luz um filho, mas antes que a criança tivesse idade suficiente para distinguir o bem do mal, os temidos inimigos de Acaz seriam removidos. O próprio Acaz acabaria sujeito àqueles a quem pediu ajuda, e os assírios desolariam a sua terra, e fariam de Judá um escravo. O “filho” a quem Isaías se refere era seu próprio filho, Maer-Salal-Hás-Baz, que nasceu àquele tempo e cujo nome significa “Rápido-Despojo-PresaSegura”, (Is 8:1-4), descritivo dos assírios que logo invadiriam, e que, com certeza encheriam a terra como uma inundação (Is 8:5-8). Isaías também anunciou terríveis julgamentos contra Samaria, que seria devastada apesar de sua confiança mal dirigida (Is 9:8-17). Tendo desdenhado de forma arrogante dos avisos dos profetas como apenas histórias de criança, o reino do norte seria trazido a um final humilhante (Is 28), levando a si mesma a um frenesi de autodestruição (9:18-21). O mesmo desastre também recairia sobre o aliado de Israel, a Síria e sua capital, Damasco (Is 17), mas, finalmente, concluiu Isaías, a própria Assíria cairia sobre o terrível julgamento de Deus (Is 10:1-4), e aqueles que confiavam no poderia do império cairiam em ruína (Is 8:9-14). A despeito de suas sinistras previsões para o futuro próximo, o anúncio profético de Isaías tomou proporções arrebatadoras, já que ele prometera que após o tempo do julgamento vindouro, seria dado lugar a um tempo de alegria, quando dos cantos mais obscuros de Israel “viria uma grande luz”, (Is 9:1-5), e o nascimento do prometido Messias, o grande “Filho” da


profecia de Isaías, inauguraria um novo dia de governo celestial (Is 9:6-7). Acaz não foi tocado pelo aviso de Isaías, determinado como estava a formar uma aliança com Tiglate-Pileser. De sua parte, o rei assírio estava muito feliz em responder ao pedido de “ajuda” de Acaz, chegando com seu grande exército na primavera de 734. Primeiro ele marchou pela costa do Mediterrâneo, subjugando os conspiradores filisteus. Então ele atacou e destruiu Rezim da Síria, deportando seu povo para Quir, na Mesopotâmia. Tiro e Sidom foram vencidas, e finalmente, em 733, Tiglate-Pileser moveu sua campanha diretamente a Israel, destruindo cidade após cidade na Galileia, e levando um imenso número como cativos. Peca foi assassinado no ano seguinte e um golpe liderado por um homem que viria a ser o último rei de Israel, Oseias. Ele imediatamente se submeteu a TiglatePileser, e então manteve o trono por um tempo. Conforme a campanha assíria se aproximava de seu fim, o rei Acaz viajou para Damasco, onde o grande Tiglate-Pileser residia temporariamente. Enquanto estava lá, Acaz viu um grande altar ao deus Ashur, e ficou tão impressionado que enviou as plantas do altar de volta para Jerusalém, junto com instruções ao sumo sacerdote, Urias, para construir um altar similar no templo. Isso era, é claro, um grande ato de traição contra a lei do SENHOR, mas, ainda assim, o altar foi construído, e quando Acaz voltou a Jerusalém ele o usou para os sacrifícios diários, colocando de lado o altar construído por Salomão. Acaz continuou sendo vassalo de Tiglate-Pileser, pagando um enorme tributo anual a seus senhores assírios, uma obrigação que foi mais tarde herdada pelo filho de Acaz, Ezequias. Enquanto Tiglate-Pileser estava ocupado na Síria, o rei babilônico Nabu-nasir morreu, e seu filho e herdeiro também foi morto. Isso gerou novamente um caos na Mesopotâmia, e a região se fragmentou em facções pró- e antiAssíria, escalonando de modo dramático a uma potencial guerra civil. Tiglate-Pileser liderou uma campanha na Mesopotâmia, e em uma tremenda amostra de poder e pompa, ele sujeitou toda a região ao governo assírio. Na cerimônia do Ano Novo da Babilônia em 729, ele “apertou a mão de Bel” (Marduk), o que fazia dele, em essência, o rei dos babilônios. Ele ofereceu sacrifícios em grande número nos maiores santuários, e criou um plano para aumentar a popularidade dos assírios entre os babilônicos. O plano funcionou, e o período entre 729 e 626 foi de supremacia assíria sobre a Babilônia, embora os dois reinos continuassem em um tipo de relação de amor e ódio, com a cultura babilônia balanceada contra o poder assírio. Os babilônios viam seus vizinhos assírios como tendo uma cultura de bárbaros, mas com poder imbatível. Salmaneser V (727 – 722):


Pouco se sabe sobre o reinado do filho de Tiglate-Pileser, Salmaneser V, que herdou o trono tanto da Assíria quanto da Babilônia, mas deixou poucos registros de qualquer atividade relacionada ao vizinho ao sul da Assíria. O único evento do reinado de Salmaneser sobre o qual se pode ter muita certeza envolve a revolta do rei de Israel, Oseias, que ocorreu logo após a ascensão de Salmaneser. Em resposta, Salmaneser trouxe seus exércitos a Israel em 724, e embora um arrependido Oseias tenha tentado costurar um pedido de desculpas com os assírios, Salmaneser não ficou satisfeito. Ele tomou Oseias como prisioneiro, e então levou seu exército a Samaria, colocando a cidade sob cerco de 724 a 722, quando a cidade insistente finalmente caiu. Com o seu colapso, a história nacional de Israel chegou a um catastrófico encerramento. Com a exceção de alguns que migraram para o sul para escapar da idolatria samaritana, e outros que foram deixados na região pelos assírios, as dez tribos do norte foram deportadas para terras estrangeiras. Essas são, às vezes, chamadas de “as dez tribos perdidas” de Israel, embora o termo seja um pouco inexato. O autor de 2 Reis provê uma análise extensa e pós-morte das razões para a queda de Israel, pondo a luz de modo especial a falha de Israel em adorar o Deus verdadeiro e manter Seus mandamentos (2 Reis 17:24). As circunstâncias específicas da queda de Samaria continua sendo questão de debate, especialmente porque o próprio Salmaneser faleceu quase no mesmo momento em que Israel caiu. Seu sucessor, Sargão II, pode ter sido responsável por sua morte, e, de qualquer modo, supervisionou a imediata situação após o colapso de Samaria e a subsequente deportação da população israelita. Sargon II (721 - 705): A identidade precisa de Sargão é controversa. Ele alegava ser um filho de Salmaneser, mas é mais provável que fosse um usurpador. Como já notamos, ele pode ter sido o responsável direto pela morte de Salmaneser, mas, ainda assim, foi um dos governantes mais competentes do Império Assírio, continuando as políticas de Tiglate-Pileser com notável sucesso. Ele tomou o nome “Sargão” (Sharru-kin) do grande fundador da Dinastia de Acade. Sargão completou a destruição de Samaria depois de um cerco de dois anos, e supervisionou o repovoamento de Samaria com estrangeiros que tinham sido eles mesmos arrancados de suas terras natais. Com o passar dos anos, esses recém-chegados se misturaram com os israelitas nativos, e Samaria evoluiu para uma terra de raças misturadas, e sincretismo religioso. Esse caráter “corrompido” deu a Samaria um desprezo notável ao longo dos anos, que aparece especialmente no Novo Testamento. Sargão herdou as vastas regiões trazidas à sujeição de Tiglate-Pileser, mas duas nações bem próximas do controle da Assíria causariam muitos problemas para o novo monarca, e muito do tempo e energia de Sargão seria devotado a estas. Essas nações eram o Egito e Elão, ambas tinham sentido os efeitos comerciais negativos do crescimento da Assíria. Os egípcios tinham perdido sua conexão comercial vital com a Fenícia, enquanto Elão tinha sido isolada do restante de suas rotas comerciais ao


norte como resultado da campanha assíria contra a Pérsia. Nem o Egito, nem Elão eram poderosos ou tolos o bastante para desafiar a Assíria diretamente, mas cada um deles era capaz de dar a Sargão um pouco de sofrimento ajudando rebeliões entre certos vassalos dos assírios. Elão patrocinou uma insurreição na Mesopotâmia, enquanto o Egito posteriormente encontrou oportunidades similares na Palestina e na Síria. Elão e Mesopotâmia: O papel de Elão na política mesopotâmica aparece primeiro na conexão com o usurpador caldeu chamado Merodaque-Baladã (Marduk-apal-iddina), que tomou o trono da Babilônia no mesmo ano em que Sargão assumiu o poder na Assíria. Merodaque-Baladã pertencia a uma tribo nativa da Suméria, e de algum modo conseguiu ajuda para montar uma revolta, tomando a cidade da Babilônia com a ajuda do rei elamita, Humbã-Nicas, que prometeu ajudar Merodaque-Baladã caso os assírios contra-atacassem. Os assírios não os desapontaram, e em 720, apenas dois anos depois da queda de Samaria, Sargão encontrou os babilônios e elamitas em uma grande batalha em Der (entre o Tigre e a Cordilheira Zagros). Embora Sargão tenha alegado vitória, é mais provável que a batalha tenha terminado em empate, deixando Merodaque-Baladã com um controle tênue da Babilônia de onde conseguiu governar por onze anos (721 – 710). Apesar de sua origem questionável e duvidosa reivindicação ao trono, MerodaqueBaladã não se comportou como um líder tribal bárbaro, mas como um grande monarca mesopotâmico, deixando traços significativos de suas atividades de projetos de construção em várias cidades da Babilônia. A duração da carreira de Merodaque-Baladã poderia ter sido muito mais curta senão pelo fato de Sargão estar distraído com agitações na Anatólia. Na verdade, pelos próximos cinco anos (719 – 715) Sargão ficou ocupado com rebeliões entre os reinos neo-hititas, muitos dos quais tinham sido instigadas por Urartu a se revoltar. Embora esses reinos tivessem sido subjugados anos antes por Tiglate-Pileser, eles aproveitaram a ocasião da ascensão de Sargão para livrar-se do julgo assírio. Sargão reagiu de forma decisiva, e em 714, já tinha subjugado todos aqueles reinos. Ele então se focou na problemática Urartu, e em menos de um ano, tinha derrotado uma coalizão que se juntara contra ele. Enquanto isso, Merodaque-Baladã continuava a reinar na Babilônia sem ser incomodado. Judá e Egito: Enquanto Sargão estava esmagando rebeliões entre os neo-hititas e em Urartu, Judá experimentou uma significante mudança de regime que logo a entrelaçaria tanto com Sargão quanto com os egípcios. O rei Acaz morreu em 715, e foi sucedido por seu filho, Ezequias, que fora corregente


com seu pai por vários anos. A morte de Acaz aparentemente provocou considerável festa entre os vizinhos deste, em especial para aqueles que ressentiam o fato de Acaz ter se aliado com TiglatePileser invés de com a coalização anti-Assíria. O profeta Isaías aproveitou a ocasião da morte de Acaz para alertar essas nações vizinhas que sua alegria era prematura em razão do caráter do novo rei em Jerusalém. “Não te alegres, tu, toda a Filístia, por estar quebrada a vara que te feria”, o profeta preveniu, “porque da estirpe da cobra sairá uma áspide, e o seu fruto será uma serpente voadora.”(Isaías 14:29). Um aviso similar foi dado a Moabe, (Isaías 15,16), e até mais importante, para o Egito. O alerta de Isaías foi inspirado, em parte, pela integridade e caráter de Ezequias. Como notado antes, Acaz tinha se comprometido politicamente e religiosamente com os assírios, e logo, se tornado cada vez mais infiel ao Deus de Israel. Ele até ofereceu sacrifícios humanos aos deuses cananeus, e impediu os fiéis de Judá de adorarem ao Deus verdadeiro. Ezequias tinha pouco poder para impedir esse ultraje até a morte de seu pai, mas visivelmente desde o primeiro dia de seu governo, ele estava determinado a liderar Judá em uma direção melhor. Ele reuniu os sacerdotes e levitas, e ordenou que eles restaurassem o templo e removessem o entulho que tinha se acumulado durante o reinado de Acaz. Ele então ordenou que o templo fosse cerimonialmente purificado, depois do que renovou o pacto do rei com o Senhor e restaurou a adoração apropriada (2 Cr 29). Como parte de suas dramáticas reformas, Ezequias patrocinou uma grandiosa celebração da Páscoa em Jerusalém, uma observância na qual ele se lembrou tanto dos israelitas em Judá quanto aqueles que tinham ficado em Israel. Como já vimos antes, a população de Samaria tinha sido largamente deportada sete anos antes, mas, ainda assim, muitos tinham permanecido na terra. Estes foram convidados por Ezequias para vir a Jerusalém e se unirem em uma celebração de renovação da aliança. Muitos dos convidados riram e zombaram, mas alguns se arrependeram, se humilharam, e vieram à celebração (2 Cr 30). Uma grande observância da Páscoa aconteceu sob a autoridade do rei, e depois da celebração, as pessoas saíram por Judá e destruíram os lugares altos e outros locais de adoração idólatra. Eles então trouxeram seus dízimos e ofertas a Jerusalém, reinstalando de modo abundante o ministério sacerdotal de acordo com a Lei de Moisés. Enquanto os efeitos imediatos dessa renovação tenham sido na maior parte religiosos, era apenas uma questão de tempo até que as implicações políticas viessem à superfície, conforme Ezequias se tornava cada vez mais convencido de que deveria quebrar seus laços com a Assíria, laços que haviam sido estabelecidos apenas por causa da descrença e idolatria de seu pai Acaz. O tempo da revolta deveria vir, mas Ezequias sabia que a hora ainda não havia chegado. Enquanto Judá sentia os efeitos das novas políticas de Ezequias, os Egito passava por uma série de instabilidades políticas que, no futuro, também a envolveriam com a Assíria. Tinha sido um longo “Período Intermediário” de autoridade descentralizada e geral fraqueza desde o fim da Vigésima Dinastia no ano 1070. As dinastias seguintes, da vigésima primeira à vigésima terceira, se desenrolaram simultaneamente no norte e no sul, com apenas algumas disputas e guerras territoriais ocasionais. Próximo ao final do período, no entanto, as coisas começaram a mudar. Começando no ano 760, o sul foi governado de Tebas por sacerdotisas que eram filhas da casa real, cada uma delas tendo a posição de


“Divina Esposa de Amom”. Embora essas sacerdotisas fossem tecnicamente líderes políticas tanto quanto religiosas., elas não demonstraram apreço por conquistas militares ou guerras. A região da Etiópia (Núbia ou Kush), que ficava ao sul de Tebas, tinha por muitos anos sido subserviente aos egípcios, funcionando como uma importante fonte de homens e materiais. Com o declínio da liderança forte em Tebas, a Etiópia gradualmente se tornou mais independente, embora tenha continuado a ser fortemente influenciada pela cultura e religião egípcias. Os etíopes, que eram altos, de pele negra, e sem barba, adoravam lealmente ao deus egípcio Amom, e o rei etíope Pianque se considerava como um protetor do Alto Egito e de suas sacerdotisas governantes. Foi por esse motivo que Pianque ficou alarmado quando em 727, uma nova dinastia egípcia, a vigésima quarta, foi estabelecida na cidade de Sais, dando origem aos chamados governantes saítas. O primeiro desses reis foi Tefnacte (727 – 720), um governante competente que começou a organizar uma coalizão com outros príncipes com um aparente interesse em asseverar seu controle sobre Tebas. Pianque via a si mesmo como um defensor das sacerdotisas de Tebas, e lançou um ataque preventivo, marchando para o Egito em 727. Chegando em Tebas, ele instalou sua irmã, Amenirdis, como “adoradora divina”, assim assegurando a lealdade religiosa estabelecida lá. Ele então varreu o restante do Egito, tomando controle nominal de toda a nação. Pianque tinha o poder de reunificar o Egito, mas ele escolheu retornar para casa na Etiópia. Seu interesse tinha sido sempre religioso e não político, e tendo assegurado Tebas e removido a ameaça do norte, Pianque se contentou em governar de sua capital Napata. Pianque demonstrou grande clemência com os reis do norte que tinham se juntado à coalização, e simplesmente os deixou como governadores de suas respectivas províncias baseados em uma promessa de não terem mais aspirações ao Alto Egito. Enquanto alguns tenham considerado Pianque como o fundador da Vigésima Quinta Dinastia egípcia, foi o seu filho e sucessor, Shabaka (716 – 702), quem deveria receber o crédito. Ele assegurou controle muito maior do norte, e foi essa iniciativa que finalmente conectou Shabaka à política da Palestina e Síria, e depois, o colocaria em conflito com Sargão. Como já vimos, os egípcios tinham nutrido um desgosto contra a Assíria por algum tempo por causa da interrupção de suas relações comerciais com a Fenícia e com o resto do mundo. O Egito desejava muito ter novamente o seu “pé” na Síria, e desse modo recuperar seus lucrativos mercados comerciais. Com isso em mente, Shabaka tentou plantar as sementes da revolta entre os receptivos príncipes sírios e palestinos. Um dos príncipes que Shabaka esperava atrair em direção a uma rebelião era Ezequias. Em algum momento em 714, Ezequias recebeu uma comitiva impressionante da Etiópia de Shabaka que incitava Ezequias a participar na conspiração. Ezequias sabiamente buscou o conselho do profeta Isaías primeiro, e sua resposta foi enfática: Ai da terra onde há o roçar de muitas asas de insetos, Que está além dos rios da Etiópia;


Que envia embaixadores por mar Em navios de papiro sobre as águas… “Ide, mensageiros velozes, A uma nação de homens altos e pele brunida, A um povo terrível, De perto e de longe; A uma nação poderosa e esmagadora, Cuja terra os rios dividem.” (Is. 18:1,2 ARA). Isaías advertiu Ezequias que os enviados deveriam ser mandados de volta de onde tinham vindo, e prometeu que esses mesmos impressionantes etíopes um dia trariam “um presente … ao Monte Sião”. (Is 18:7), provavelmente se refere aos presentes trazidos pelos egípcios depois da derrota de Senaqueribe treze anos depois. Isaías assegurou Ezequias que por mais ameaçador que o Egito pudesse parecer no momento, posteriormente viria a cair sob o julgamento de Deus (Isaías 19), ele cairia nas mãos dos assírios (Isaías 20). Baseandose no conselho de Isaías, Ezequias recusou a oferta para junta-se a conspiração, e naquele momento continuou pagando tributo à Assíria com o qual Acaz tinha concordado vinte anos antes. Embora Ezequias tenha ficado de fora da conspiração, outros príncipes na região não ficaram. Liderados pelo rei de Asdode, uma cidade situada entre Jerusalém e o Egito, vários deles se rebelaram, e isso fez com que Sargão enviasse seu comandante, Tartã, para Asdode em 713. Isaías ofereceu uma amostra dos eventos que se seguiriam em uma encenação profética: No ano em que Tartã, enviado por Sargão, rei da Assíria, veio a Asdode, e guerreou e a tomou, nesse mesmo tempo, falou o SENHOR por intermédio de Isaías, filho de Amoz, dizendo: Vai, solta de teus lombos o pano grosseiro de profeta e tira dos pés o calçado. Assim ele o fez, indo despido e descalço. (Is. 20: 1,2 ARA). Isaías despiu sua túnica, e anunciou que em apenas três anos os egípcios e os etíopes seriam levados despidos e humilhados pelos assírios. Eventos subsequentes vindicaram a profecia inesperada de Isaías. Depois de tomar Asdode, Sargão colocou lá um rei simpático aos assírios, mas em 711 a cidade se revoltou novamente, expulsando a marionete assíria. Dessa vez, Sargão retornou pessoalmente para lidar com a revolta. Como a fronteira defensiva separando o Egito da Palestina, Asdode era estratégica para Sargão, e ele estava determinado a pôr um fim aos esforços egípcios de fomentar rebeliões na Síria e Palestina, apenas para se esconder atrás da proteção do escudo de Asdode. Em pouco tempo, Asdode caiu, e seu rei rebelde, Iamani, fugiu para o Egito. Ele esperava permanecer


sob a ajuda e proteção de Shabaka, porém, percebeu que ele “tinha um alvo na testa” e resolveu ajustar sua situação com Sargão entregando Iamani para os assírios. Infelizmente, Sargão não estava com um bom humor para tal tentativa de amaciá-lo. Conforme ele manteve forças sobre o Egito, ele assegurou seu domínio sobre o resto da Síria durante o período de 711 a 710. Uma batalha feroz se deu perto do Eufrates em Karkara (Qarqar), e como resultado a coalizão de rebeldes sírios foi derrotada e dispersa. Os próprios egípcios fugiram para dentro de suas fronteiras, e lá sofreram outra desastrosa derrota. Como Isaías tinha predito, os egípcios e etíopes foram levados, “levara os presos … e os exilados … tanto moços como velhos, despidos e descalços e com as nádegas descobertas, para vergonha do Egito”(Is 20:4). Shabaka fugiu para a Etiópia, e o Baixo Egito foi novamente desfeito e dividido em pequenos principados, com a obediência transferida para Sargão. O fim da campanha síria em 710 deixou Sargão com o controle incontestável de todo o seu vasto domínio. A maior parte dos habitantes da Cordilheira dos Zagros estava submissa à autoridade assíria, e os medas eram nada além de vassalos sem sofisticação. Urartu ainda se recuperava dos golpes que tinha levado mais cedo, e com a derrota de Shabaka, os egípcios do Baixo Egito se resignaram ao domínio assírio. Os elamitas permaneciam hostis, mas não estavam dispostos a arriscar novas aventuras contra o grande império. Na Ásia Menor, os frígios estavam submissos. Para Sargão, o único assunto inacabado estava na Babilônia, onde um problemático rei, Medodaque-Baladã, continuava a impor a sua independência. Ezequias Prepara sua Revolta: A única parte da Síria e Palestina que permanecia semi-independente era Judá., cujo rei tinha sido poupado da ira de Sargão pois continuara a pagar fielmente um exorbitante tributo que tinha sido acordado por Acaz. Mas Ezequias tinha planejado sua própria revolta, sem dúvidas com o encorajamento de Isaías. Ezequias compreendeu plenamente que se ele fosse se revoltar, a resposta


assíria seria atroz. Antecipando um sítio prolongado, Ezequias construiu seu famoso túnel em 710, um túnel de água subterrâneo projetado para sustentar o povo de Jerusalém caso tal cerco fosse imposto. Faltavam cinco anos para que Ezequias finalmente se revoltasse, mas quando ele o fez, provocou uma das maiores crises na história de Judá. Ezequias estava otimista de que com a ajuda de Deus, sua revolta libertaria Judá da tirania assíria. Muitos de seus súditos, no entanto, não eram tão sanguíneos. Enquanto eles analisavam a devastação trazida pelos assírios na Palestina, Síria, e Egito, eles caíram em desespero, assumindo com boas razões que Jerusalém seria o próximo alvo. Assumindo que a catástrofe era inevitável, eles adotaram uma filosofia hedonista, “comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (Isaías 22:13). Outros ainda conspiraram para ir para o lado dos assírios, entre eles, um proeminente oficial da corte chamado Sebna. Sua traição se tornou assunto de grande denúncia por Isaías (22:15 e.d.). O cinismo e a falta de fé entre o povo fez com que o profeta alertasse que Jerusalém seria finalmente disciplinada de forma severa por sua religiosidade superficial, e isso se referia provavelmente ao ataque por Senaqueribe que viria alguns anos mais tarde (Is 29). Ao mesmo tempo, Isaías trouxe palavras de encorajamento para os fiéis, lembrando-os de que Deus preservaria Judá por causa do futuro Messias (Isaías 10), e das bênçãos que o Messias traria (Is. 11). O Final do Reinado de Sargão: Como já vimos anteriormente, em 710 Sargão se tornara o mestre de quase todo o Oriente Próximo. Jerusalém continuava a pagar-lhe tributo, e apenas a Babilônia permanecia independente. Lá, Merodaque-Baladã governara sem ser perturbado por mais de dez anos, e durante esses anos o rei babilônio esteve ocupado construindo suas defesas, antecipando o dia em que voltaria a enfrentar os assírios. Merodaque-Baladã estava ciente de que um segundo ataque era certo, e para fortalecer sua posição, ele fez contato com outros poderes conhecidos por odiarem os assírios. Ele tinha buscado a aliança de Shabaka antes de sua derrota, e ele também tinha dado suporte aos elamitas no oriente. É provável que Merodaque-Baladã tenha enviado uma delegação a Ezequias nesses anos, embora Ezequias tenha negado a aliança, esperando por um momento mais oportuno para sua própria revolta. Em 710, Sargão confirmou os piores temores de Merodaque-Baladã, e lançou um poderoso ataque contra a Babilônia, trazendo sua vasta máquina militar contra o perene irritante. Os babilônios resistiram ao ataque por dois anos, mas finalmente se tornou evidente que os assírios não podiam ser derrotados. Conforme a Babilônia enfraquecia, Merodaque-Baladã fugiu para Elão, onde ele se escondeu por alguns anos. Sargão, seguindo o exemplo de Tiglate-Pileser, entrou na Babilônia e “apertou a mão de Bel”, o que significava que eles novamente faziam parte de seu Império. Sargão se proclamou “governador” invés de rei da Babilônia, mas o governo da Assíria era novamente inquestionável.


Com essa vitória, praticamente qualquer outro poder no mundo do Oriente Próximo reconhecia a supremacia assíria, enviando suntuosos presentes, e se curvando ao governo inquestionável de Sargão. Três anos depois (705), Sargão acompanhou seu exército para lidar com uma pequena escaramuça envolvendo Tabal, na Anatólia, e foi morto em batalha. Senaqueribe (705 – 681): Os descendentes de Sargão, que às vezes são chamados sargônidas, governaram a Assíria por cerca de um século, e levaram o império ao zênite de seu poder e extensão. No início desse período, os assírios governaram todo o Crescente Fértil, assim como parte da Pérsia e Ásia Menor. Eles tinham acesso ao Mediterrâneo através da Fenícia, e acesso ao Golfo através da Babilônia. Eles controlavam as rotas comerciais do Tigre e Eufrates. Os assírios poderiam ter governado em paz por muitos anos se não fosse por suas políticas opressivas e métodos cruéis, os quais tendiam a gerar rebeliões constantes entre os estados vassalos. Tanto Egito quanto Elão continuavam a encorajar e patrocinar o impulso rebelde, e com o passar dos anos, a Assíria gradualmente exauriu sua enorme força controlando esses levantes locais. No fim das contas ela se mostrava incapaz de encarar o desafio inesperado levantado pelos medas, que estavam lentamente ganhando força por trás da Cordilheira Zagros. O sucessor de Sargão, Senaqueribe, não era o primogênito, mas provavelmente se distinguiu como o mais competente dos jovens príncipes. Ele tinha experiência considerável, assim como era bem preparado para os seus deveres quando subiu ao trono em 705. Ele enfrentou muitos dos mesmos desafios de seu pai, embora as fronteiras norte e leste estivessem impedidas de criar revoltas significativas por causa de uma nova população de saqueadores vindos do norte, os cimérios, tribos indo-europeias que desceram do sul da Rússia e varreram toda a região da Pérsia, Armênia, e Ásia Menor. Os estados vassalos ao leste e norte da Assíria tinham toda a sua atenção em lidar com esses recém-chegados, e assim, foram deixados com pouco tempo para novas atividades revolucionárias contra os assírios. A situação estava ainda mais complicada na Babilônia, assim como na Siro-Palestina. O último rei babilônio, Merodaque-Baladã, que estava se escondendo em Elão desde sua derrota em 708, retornou para a capital da Mesopotâmia novamente para se aproveitar da troca de regime, estabelecendo seu papel na política regional. Ao mesmo tempo, o rei egípcio Shabaka esperava que essa instabilidade momentânea o ajudaria a patrocinar suas próprias atividades revolucionárias na Síria e Palestina, com vários príncipes aceitando participarem, incluindo Luli, o rei de Sidom, Sidca, o rei filisteu de Asquelom, e Ezequias, rei de Judá.


Como já vimos, Ezequias vinha planejando sua própria revolta por algum tempo. Ele sabia que seu plano era arriscado, e ele tinha ido bem longe se preparando para o pior cenário possível, um cerco prolongado. Ainda assim, Ezequias foi fortemente encorajado pelo profeta Isaías, que havia predito bênçãos sobre Ezequias (Isaías 32, 35), enquanto anunciara desastre para a Assíria (Isaías 33) e Edom, seu aliado local (Isaías 34). Ezequias esperava libertar Judá do opressivo tributo que tinha sido sua amargura desde o reinado de Acaz, e em 705, tomando partido com mutos outros, graças aos levantes ocasionados pela morte de Sargão, ele parou de fazer seus pagamentos. A possibilidade de retaliação pode ter feito Ezequias considerar uma aliança com o Egito, mas Isaías o aconselhou contra isso (Isaías 30), prometendo que a Assíria seria derrotada no fim das contas, não por instrumentos humanos, mas por Deus (Isaías 31). Logo após cortar o pagamento de tributos, provavelmente em 704 ou 703, Ezequias ficou gravemente doente. O profeta Isaías o alertou que ele logo morreria, e que ele deveria “colocar sua casa em ordem”. Ezequias chorou amargamente com a notícia, dizendo que tinha agido com justiça, e buscado de forma diligente levar o povo de volta à obediência fiel a Deus e sua Lei. Deus ouviu sua oração, e ordenou que Isaías voltasse a Ezequias dizendo que Deus estenderia sua vida em mais quinze anos. Para confirmar a promessa, Deus deu a Ezequias, o sinal do relógio de sol se movendo ao contrário. Merodaque-Baladã soube da incrível recuperação de Ezequias, e enviou presentes parabenizando o rei por seu bom destino (Isaías 39). Os babilônios, sem dúvida, esperavam ganhar apoio de Ezequias e de outros antecipando as rápidas represálias de Senaqueribe. Ele soube que Ezequias tinha quebrado o tratado com os assírios há pouco tempo, e esperava por uma aliança que prevenisse uma retaliação efetiva de Senaqueribe. Ezequias recebeu os embaixadores babilônios calorosamente, implicando que ele concordava com um acordo, mas Isaías criticou Ezequias por fazê-


lo, prevendo que a Babilônia logo levaria os descendentes de Ezequias para o cativeiro. Logo após isso, provavelmente em 702, Senaqueribe enviou seus exércitos contra Merodaque-Baladã. Os babilônios foram estrondosamente derrotados sob as muralhas de Quis, mas novamente escapou “entre os alagados e pântanos” do Golfo onde ele não poderia ser encontrado. Senaqueribe saqueou seu palácio, capturando inúmeros prisioneiros, deportando 208.000 pessoas e instalando um rei de sua própria escolha na Babilônia, Bel-ibni, um caldeu que tinha crescido em Nínive. Tendo subjugado a Babilônia temporariamente, Senaqueribe se voltou para as suas dificuldades mais urgentes na Palestina. Ele chegou em 701 com vastos exércitos, não tendo outra intenção senão trazer os rebeldes a submissão. Luli fugiu para o Chipre, enquanto Sidca de Asquelom foi capturado e levado para a Assíria. Shabaka enviou um exército egípcio para defender os filisteus, mas eles foram detidos em Rafia, e se retiraram para sua terra. Em todas essas regiões, Senaqueribe colocou governantes que fossem leais à Assíria. Conforme ele se gabou em seu famoso “Prisma Hexagonal”: Na minha terceira campanha, eu marchei contra a terra dos hititas [Síria]. Lule [Luli], o Rei de Sidom, a quem o aterrador esplendor de minha majestade havia sobrepujado, fugiu por sobre o mar e pereceu. O terrível brilho do exército de [Ashur], de deus, conquistou suas cidades fortes. Grande Sidom, Pequena Sidom, Bit-Zitti-Sariptu [Sarepta], Mahalliba, Ushu [a parte de Tiro em terra firme], Akzib [Aczib] e Akka, todos os locais fortificados, que estavam cercados por muros e com grande estoque de alimentos e água para suas guarnições. Eles [os sitiados] se jogaram aos meus pés em submissão. Eu coloquei Tuba´lu no trono real e então exigi tributos deles, presentes para minha majestade, que eles deverão pagar até o fim dos tempos. Embora o registro indique que Luli morreu em Chipre, na verdade ele é nomeado nos registros cipriotas como “Rei de Tiro”, e parece ter vivido lá por algum tempo em exílio. Senaqueribe tomou a parte continental da Fenícia, mas nunca foi capaz de tomar a cidade insular de Tiro. De acordo com Josefo, outras cidades fenícias se voltaram contra Tiro e colocaram uma frota de sessenta embarcações à disposição de Senaqueribe para que ele pudesse sitiar a cidade – ilha. Mesmo com sua ajuda, ele não foi capaz de tomar Tiro, que aguentou por cinco anos e então derrotou a armada inimiga em uma sangrenta batalha naval. A cidade então permaneceu independente e pôde vangloriar-se de que tinha suportado o maior poder militar de sua época. Tinha que aceitar o fato, no entanto, de que toda a sua parte continental havia caído sob a influência do vice-rei assírio Taba´lu, que governou como Itubaal II em Sidom. Como resultado de seu sucesso contra Sidom e seus aliados, Senaqueribe cooptou a peculiar influência fenícia sobre o mar, ordenando as cidades tributárias a desmontar seus navios, e transportá-los em peças para a Assíria, onde eles seriam remontados no Eufrates. De lá eles velejariam até a Caldeia e seriam usados para encontrar os seguidores de Merodaque-Baladã e outros rebeldes que se escondiam nos pântanos do sul da Mesopotâmia. Os barcos foram guiados “por marinheiros tírios,


sidônios e cipriotas, meus prisioneiros”, nas palavras de Senaqueribe. Haviam outros navios que logo navegariam pelo Mediterrâneo sob a bandeira assíria, onde eles rapidamente formaram uma grande frota com a qual Senaqueribe foi capaz de conquistar e ocupar o Chipre. A ilha de Tiro, então, ficou como um monumento solitário do poder fenício, olhando por sobre um mar que não mais conquistava. Tendo derrotado os outros aliados da Síria e Fenícia, Senaqueribe finalmente se voltou para Judá e o Egito, com a intenção de criar uma quilha entre ambos, derrotando o Egito e deixando Jerusalém isolada e sem esperança. Senaqueribe atacou primeiro a cidade fortificada de Laquis, que se encontrava na fronteira entre o Egito e Judá. Eles sitiaram a cidade, enquanto ao mesmo tempo se preparavam para atacar o próprio Egito. Shabaka, o inimigo de longa data dos assírios, tinha falecido no ano anterior, e seu sucessor, o segundo da Vigésima Quinta Dinastia, era o sobrinho de Shabaka, Shebitku (702 – 690). No momento da chegada dos assírios à sua fronteira norte, Shebitku enviou ajuda para o seu tio, Taharka, um comandante militar que depois governaria a Etiópia e o Egito. Ezequias observava o amontoar das forças assírias cada vez mais alarmado. Conforme considerava sua decisão de ter se rebelado, Isaías reassegurou que Deus o protegeria. “Ai da Assíria, cetro da minha ira…”, exclamou o profeta, deixando claro que a Assíria, embora se orgulhando de seu grande poder, estava apenas fazendo o trabalho de Deus, sem saber, castigando o povo de Deus pelos seus pecados (Isaías 10:-5-10). Isaías assegurou que depois tivesse acabado de disciplinar o se povo, Ele traria o julgamento sobre a própria Assíria. “Porventura gloriar-se-á o machado contra o que corta com ele?”perguntou o profeta. Pode a Assíria se vangloriar contra o lenhador divino que a usava? (Isaías 10:12-19). Mesmo aqueles deportados de Samaria anos antes seriam preservados, e um remanescente voltaria para se alegrar com o povo de Judá de seu escape, enquanto a Assíria seria derrubada (Isaías 10:20-34). Além do livramento momentâneo viria um livramento ainda maior e mais impressionante através do Messias prometido de Deus, um descendente de Davi que traria paz para as nações gentias que agora se faziam tão hostis a Jerusalém (Isaías 11). Nesse dia, todo o povo de Deus reconheceria Sua grande redenção (Isaías 12). Apesar da reafirmação de Isaías, Ezequias perdeu o controle e disse a Senaqueribe que voltaria a pagar os tributos. Ele ofereceu seu grande tesouro a Senaqueribe, buscando como troca um acordo de que os assírios não invadiriam Jerusalém. Senaqueribe concordou e aceitou seu pagamento, mas depois quebrou o acordo. Enquanto continuou o cerco a Laquis, ele enviou três de seus oficiais, os turtanu (“Tartã” ou comandante em chefe), o rab-shaqe (“Rabsaqué” ou copeiro chefe) e o rabsharish. Esses oficiais trouxeram com eles um considerável número de forças armadas assírias, com a


intenção de “negociar” com Ezequias e persuadi-lo a simplesmente entregar a cidade nas mãos de Senaqueribe (Is 36; 2 Rs 18:13-37; 2 Cr 32:1-19). Quando o comandante assírio chegou, ele proclamou sobre os muros da cidade sagrada as demandas de Senaqueribe. As demandas foram endereçadas aos oficiais de Ezequias, mas foram ditas na “língua dos judeus”, para que o povo comum também pudesse escutar e entender. Os assírios zombaram do Deus de Israel, e ridicularizaram o fato de Ezequias esperar obter ajuda da “cana quebrada” que era o Egito, a quem os assírios também estavam atacando. Ele insultou o povo de Jerusalém, dizendo que os deuses das outras nações tinham sido incapazes de protegê-los do poder da Assíria, e que o próprio Ezequias tinha destruído os “lugares altos” do Deus de Israel. Os assírios até mesmo se propuseram dar 2000 cavalos a Jerusalém, mas de modo sarcástico sublinhou que Ezequias não conseguiria encontrar cavaleiros suficientes para montá-los, uma referência depreciativa pelo fato de Israel não usar cavalos de batalha. Para finalizar, o comandante colocou a demanda de Senaqueribe de que Jerusalém se rendesse aos assírios, e abrisse os portões para permitir-lhes a entrada. Quando Ezequias recebeu a mensagem, ele rasgou suas vestes, e enviou uma palavra ao profeta Isaías pedindo oração pelo rei e pela cidade. Como resposta, Isaías disse a Ezequias que Senaqueribe “ao ouvir certo rumor, voltaria para a sua terra”, onde ele seria morto à espada. Ezequias se encorajou com tais palavras, e então encorajou o povo a confiar em Deus para sua salvação. Os portões de Jerusalém continuaram fechados (Is 37:1-7; 2 Rs 19:1-7). Quando Rabsaqué retornou ao acampamento, ele descobriu que Laquis tinha caído, e que os assírios tinham partido para a cidade próxima de Libna. Enquanto estava lá, Senaqueribe ouviu “um rumor” de que o general egípcio, Taharqa, estava vindo em auxílio aos egípcios. Senaqueribe se preparou para se retirar de Libna, mas enquanto o fazia, mandou mais uma ameaça a Ezequias dizendo que ele não escaparia da ira dos assírios e seus deuses. Quando Ezequias recebeu a carta, ele foi ao templo e a “colocou diante do SENHOR”, orando para que Deus Se vindicasse com respeito aos insultos dos assírios. Em resposta, Isaías enviou uma mensagem à Ezequias de que Jerusalém seria completamente liberta de Senaqueribe, e que a terra começaria a se recuperar da destruição que tinha sofrido nas mãos dos assírios (Is 37:8-35; Rs 19:8-34). Nesse momento, uma das mais dramáticas e inexplicáveis reviravoltas da história antiga aconteceu. O Antigo Testamento diz que o acampamento dos assírios foi devastado por um “Anjo do SENHOR (qu)e feriu no arraial dos assírios a cento e oitenta e cinco mil” (Is 37:36). Heródoto, se referindo ao mesmo incidente, diz que os assírios foram presa de “legiões de ratos que roeram tudo nas armas que fosse feito de corda ou couro” (2:141). Berosu diz que os assírios caíram sob “uma pestilência” que matou “185.000 homens com seus comandantes e oficiais”. À parte dos detalhes, o vasto exército de Senaqueribe foi extirpado, e ele não era mais capaz de responder à ameaça posta por Taharqa. Ele e suas forças restantes se retiraram da região, abandonando a guerra com os egípcios, e retornando para a capital em Nínive.


Senaqueribe tentou suavizar ao máximo o relato do ocorrido, descrevendo sua perspetiva como encontramos no Prisma Hexagonal: Mas a Ezequias, rei de Judá, que não se submeteu ao meu julgo, eu saí ao encontro dele, e pela força de meu braço e pela glória do meu poder eu tomei 46 de suas cidades fortificadas; e às cidades menores eu dispersei, eu as tomei e saqueei em número incontável. Desses lugares eu tomei e levei deles 200.156 pessoas, velhos e jovens, homens e mulheres, junto com cavalos e mulas, asnos e camelos, bois e ovelhas, uma multidão inumerável; e ao próprio Ezequias eu trancafiei como um pássaro em uma gaiola, construindo torres ao redor da cidade para que mantê-lo dentro, e erguendo bancos de terra em seus portões, para impedi-lo de escapar … Então sobre Ezequias caiu o terror do poder de meu braço, e ele enviou para mim os chefes e anciãos de Jerusalém com 30 talentos de ouro e 800 talentos de prata, e grandes tesouros, um rico e imenso despojo… Tudo isso foi trazido a mim em Nínive, ao trono do meu governo. De volta a Nínive, Senaqueribe voltou sua atenção para um problema igualmente grave que se agitava no sul. Merodaque-Baladã tinha novamente voltado de Elão enquanto Senaqueribe estava ocupado na Palestina. Auxiliado por oficiais e tropas elamitas, ele levou toda a população arameia do sul da Mesopotâmia a se rebelar contra os assírios, de modo que até mesmo o rei fantoche assírio Belibni foi colocado na conspiração. Se proclamando rei da Babilônia, Merodaque-Baladã tinha criado problemas o suficiente para gerar uma segunda intervenção assíria. Senaqueribe invadiu a Babilônia em 700, depondo Bel-ibni, e o substituindo pelo seu próprio filho, Assurnadinsumi. Merodaque-Baladã escapou novamente para os pântanos do sul, e nunca mais houve notícias dele. Por cerca de seis anos houve relativa paz sob o benevolente reinado de Ezequias, enquanto os assírios o deixaram em paz. O Egito tinha se consolidado sob o reinado de Shebitku, junto com seu tio e sucessor, Taharqa, e não tinha disposição para fomentar novos problemas. Síria, Palestina, Fenícia e Anatólia estavam resignadas com o domínio assírio. O norte e o leste estavam preocupados com seus próprios problemas, e não tinham interesse em desafiar a autoridade assíria. Elão permanecia fora do controle assírio, mas não demonstrava mais sinais de que provocaria rebeliões na Mesopotâmia. Babilônia estava estável sob o governo de Assurnadinsumi, embora o sul da Mesopotâmia tenha permanecido agitado, e o acesso ao Golfo, tênue.


Senaqueribe, agora um homem de meia idade, provavelmente teria sido mais sábio se tivesse “se encostado” nos últimos anos de seu reinado. Em 694, no entanto, ele organizou uma campanha em direção ao sul, esperando estabelecer um acesso mais seguro ao Golfo pelo País do Mar. Ele velejou Tigre abaixo para o Golfo Pérsico em navios manejados sobretudo por fenícios e teve sucesso considerável saqueando cidades elamitas pelo caminho. Elão não aceitaria a provocação, e contra atacou, levando Assurnadinsumi prisioneiro, e o deportando para Elão onde provavelmente ele foi assassinado. Os elamitas então tomaram a Babilônia e colocaram no trono um príncipe favorável a seus interesses. Senaqueribe e suas forças, que estavam na região do Golfo, agora se viam “trancados para fora de casa”, e foram forçados a lutar todo o caminho Tigre acima. Eles conseguiram fazê-lo, mas com grandes perdas. Levou alguns anos para que Senaqueribe se recuperasse de seu revés devastador. Furioso com a humilhação, ele lançou uma grande guerra em represália, atacando e destruindo completamente a cidade sagrada da Babilônia. Durante sua campanha, que foi lançada em 689, Senaqueribe divergiu o curso do Eufrates para a cidade sagrada fosse inundada como um pântano. Então sua ira foi apaziguada, mas os efeitos da terrível represália causaram mais problemas do que o ajudaram. Como já foi dito, a Babilônia era considerada como sagrada não apenas pelos babilônios, mas também pelos assírios. A destruição de Senaqueribe desta “conexão” entre o céu e a terra acabou se tornando muito impopular entre todos os povos da Mesopotâmia, e é possível que a recepção desse ultraje tenha levado ao assassinato do grande monarca em 861 por seus dois filhos enquanto adorava no templo de Nisroque. As Profecias de Isaías: Ezequias faleceu em 686, depois de sua vida ter sido estendida por quinze anos. Foi nessa época que Isaías entregou algumas de suas mais importantes e dramáticas profecias relacionadas ao futuro de Judá. Tais profecias, que são encontradas dos capítulos 13 – 23, começando com anúncios sobre a queda da Babilônia, uma nação que não parecia ser uma ameaçava significativa, mas que em alguns anos se tornaria um império dominante no Oriente Próximo. Em sua típica imagística profética Isaías mostra a sua escalada em poder:


Porque as estrelas e constelações Dos céus não darão a sua luz; O sol, logo ao nascer, Se escurecerá, E a lua não fará, Resplandecer sua luz. (Is 13:10, RAR). Ele prosseguiu anunciando a queda da Babilônia pelas mãos dos medas: Eis que eu despertarei Contra eles os medas, Que não farão caso da prata, Nem tampouco desejarão ouro. (Isaías 13:17, RAR). Tudo isso se cumpriu de modo dramático em 539, quando a Babilônia caiu sob Ciro, governante dos medas e persas. Isaías deu atenção de modo especial ao grande rei da Babilônia, que se gloriava em vida, mas que foi humilhado em sua morte. Mas tu és lançado fora da tua sepultura, Como um renovo bastardo, Coberto de mortos traspassados à espada, Cujo cadáver desce à cova, E é pisado de pedras. (Is 14:19 RAR). Essas palavras encorajariam muito o povo de Deus quando eles depois viveram sob o punho da Babilônia. Isaías previu que a Assíria cairia, e depois disso, a Babilônia, mas Deus sempre protegeria o seu povo (Isaías 14:24-27). Pode ser que as palavras de Isaías, o chamado “pequeno apocalipse” (Isaías 24-27) também tenham sido entregues nessa época. Nesses capítulos Isaías descreve os cataclismos que cairiam sobre toda a região com o ataque dos babilônios cerca de cem anos depois (Is 24). Ao tempo, ele prometeu livramento para o povo de Deus depois de seus longos anos de cativeiro (Is 25-27).


Esar-Hadom (681 – 669): Antes da sua morte, Senaqueribe nomeou seu filho mais novo, Esar-Hadom, como seu sucessor. Seus dois filhos mais velhos, Adrameleque e Sarezer, estavam furiosos por Senaqueribe tê-lo nomeado no lugar deles, e se uniram para difamar seu irmão para seu pai e os outros. Esar-Hadom temeu por sua vida, e escapou para o que ele chamou depois de “esconderijo”, provavelmente a Anatólia. Depois dos dois irmãos terem assassinado Senaqueribe, eles lutaram um contra o outro pela sucessão. Embora os assírios estivessem dispostos a aceitar o assassinato de Senaqueribe por causa da pilhagem impopular da Babilônia, eles se ressentiram com a briga pela sucessão, e Esar-Hadom viu no declínio de popularidade deles uma oportunidade. Ele retornou do exílio com suas próprias forças, e reclamou o trono, encontrando seus rivais em batalha. Como veio a ficar claro, os exércitos da Assíria preferiam EsarHadom, e desertaram para o lado dele em grande número. Os dois irmãos fugiram, mas posteriormente foram caçados e mortos. Tendo assegurado o trono, Esar-Hadom se distinguiu como um dos maiores diplomatas da Assíria. Embora ele seja mencionado de passagem no Antigo Testamento (Ed 4:2), Esar-Hadom foi uma figura importante que continuou a crescer no poder e influência assírios. Quando tomou o trono, ele percebeu que tanto babilônios quanto assírios ainda ressentiam-se da destruição de sua cidade sagrada, e ele imediatamente buscou retificar os danos tanto materiais quanto psicológicos. Ele gastou vastas somas de dinheiro para reconstruir o centro religioso, com a intenção de fazê-lo ainda mais magnífico do que antes. Esar-Hadom então ganhou a amizade da maioria dos babilônios, e foi aceito como governante legítimo. Apenas duas vezes a autoridade foi questionada, e em ambas as ocasiões as tentativas não tiveram consequências. A primeira, em 680, envolveu a tentativa de um filho de Merodaque-Baladã de tomar a cidade de Ur, mas o esforço foi malsucedido e impopular. Na segunda, os próprios babilônios repeliram a tentativa do rei elamita, HumbãHaltas, de invadir o sul da Mesopotâmia em 675.


Na Fenícia, Esar-Hadom não foi tão bem recebido. O rei de Sidom tinha insuflado uma rebelião contra a Assíria após a morte de Senaqueribe, e a esse levante Esar-Hadom respondeu em um estilo mais típico da Assíria, capturando o rei rebelde em 677 e o degolando publicamente. A cidade foi raspada até o chão, seus tijolos e argamassa jogados mar adentro, seus habitantes deportados, e seu território dado a Tiro. Embora essas medidas tenham sido drásticas, elas demonstraram que EsarHadom não era “mole”, e por outro lado isso garantiu paz na orla do Mediterrâneo. A relação entre Esar-Hadom e Manassés (686 – 642) não é clara, tanto pelo Antigo Testamento quanto pelos registros assírios, embora uma inscrição sugira que Esar-Hadom “chamou” Manassés, entre outros, para prover material para projetos de construção assírios. Cimérios e Citas: Esar-Hadom parece ter deixado a Síria e Palestina praticamente sem interferências, enquanto enfrentava graves problemas nas fronteiras norte e orientais. Como já vimos, os ancestrais de Esar-Hadom não haviam estado muito preocupados com essas regiões porque tinham estado ocupados com conflitos locais envolvendo os cimérios, que foram se estabelecendo de forma gradual na Ásia Menor, Armênia e Pérsia. Aproximadamente na época da ascensão de Esar-Hadom, no entanto, outro grupo indo-europeu estava migrando através da Cordilheira do Cáucaso e se juntando a seus primos cimérios. A chegada desses, que eram chamados de Citas, deu novo impulso às atividades saqueadoras dos cimérios. Em 679, logo que Esar-Hadom começava a consolidar sua força, hordas cito-cimérias irromperam pelos Montes Tauros, ameaçando a guarnição assíria na Anatólia e Cilícia. Os invasores continuavam a avançar em direção ao sul, mas Esar-Hadom respondeu de forma decisiva, atacando os bárbaros com o poderio total e parando seu avanço ao norte dos Portões Cilícios. Pelos próximos cinquenta anos eles mantiveram constante pressão, e como resultado, os reinos neo-hititas de Tabal e Hilakku foram forçados a adotar uma política alternada de resistência aos assírios seguida por apelos por sua ajuda. Os cimérios e citas também se moveram em direção ao oeste e posteriormente atacaram o reino da Frígia na Ásia Menor. Depois de três anos, eles derrubaram o reino, contando, em parte, com a ajuda de Urartu. Esar-Hadom ficou satisfeito ao ver que os citas e cimérios direcionaram seus esforços para outras regiões, e na verdade, depois fez paz com eles, dando uma princesa assíria em casamento a um chefe cita chamado Bartatua (o “Prototies” de Heródoto).


Mais ao oeste, Górdio caiu para os invasores cimérios, deixando um vácuo de liderança no oeste da Anatólia, uma posição preenchida pela Lídia, e seu novo rei, Giges. A Lídia se localizava onde um dia fora Arzaua, embora os lídios aparentassem ser descendentes dos próprios hititas. Parece que depois do colapso do Império Hitita (c. 1180), um grupo da Anatólia central tomou o poder entre as ruínas de Arzaua. Uma memória disso talvez tenha sido preservada na história de Heródoto de uma dinastia heráclida com conexões orientais que ganhou poder na Lídia em cerca de 1200 a.C. 7 Um rei dessa dinastia se chamava Mursil, e provavelmente era um descendente posterior e tomou emprestado o nome do rei hitita Mursil. Média: Ao leste, Esar-Hadom encarava problemas similares dos medas, que haviam sido vassalos, mas que em anos recentes começavam a exercitar sua força. Exatamente na época em que Esar-Hadom tinha se tornado rei da Assíria, Khshathrita (em Heródoto,“Fraortes”), filho de Daiakku (Deioces), estava organizando as numerosas tribos em um poder único. Ele estendeu seu controle para a Pérsia, formando uma coalização anti-Assíria com os cimérios, que até começaram a pensar em desafiar o grande colosso assírio diretamente. Naquela época, Esar-Hadom não estava muito preocupado com a ameaça dirigida pelos medas. Mal sabia ele que a ascensão do poder da Média teria fortes consequências no devido tempo, na verdade, em apenas 60 anos, a Média se tornaria forte o suficiente para atacar e derrotar a Assíria. No momento, Esar-Hadom estava muito mais preocupado com a possível interrupção do maior item de exportação da Média para a Assíria, os famosos cavalos de guerra que eram a espinha dorsal de seu poder militar. Qualquer ameaça ao suprimento desses magníficos animais devia ser considerado seriamente. Esar-Hadom lançou vários ataques através do platô de Zagros, e foi capaz de desalojar os importantes príncipes medas de Fraortes, e fazêlos se submeter. Na verdade, esses príncipes tinham implorado para que Esar-Hadom os ajudasse contra seus próprios vassalos rebeldes, e ele imediatamente os colocou sobre a “proteção” assíria, enquanto impunham o usual tributo. Alguns anos mais tarde, Esar-Hadom assegurou ainda mais sua posição na baixa Mesopotâmia quando, depois de tentativas sem sucesso do rei elamita Humbã-Haltas, ele conseguiu colocar um príncipe chamado Urtaque, fiel à Assíria, no trono elamita.

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Histórias, 1:7.


Egito: Nos seus primeiros anos, Esar-Hadom foi capaz de manter precária paz com a Babilônia, Fenícia, e ao longo de seus quase 2500 quilômetros de fronteiras norte e leste. Tudo isso, porém, era apenas uma preparação para o “grande projeto” que ocuparia o centro da atenção de Esar-Hadom, a conquista do Egito. Desde a derrota humilhante de Senaqueribe em 701, os assírios nutriam um ressentimento contra a Terra do Nilo, e Esar-Hadom via como uma responsabilidade peculiar corrigir esse embaraçoso capítulo de sua história. Taharqa, o “herói” egípcio na derrota dos assírios, agora governava o Egito, como o rei da única grande nação a resistir com sucesso contra o poderio da Assíria, Taharqa se apresentava como um alvo quase irresistível. Esar-Hadom lançou sua campanha em 680, e no ano seguinte já tinha capturado a cidade de Arsani, que ficava em um local estratégico entre o Egito e Canaã. Nos anos seguintes, ele se aventurou a obter a amizade de certos príncipes sírios, sabendo que sem sua cooperação, uma campanha em larga escala contra o Egito não daria certo. O primeiro ataque direto no Egito aconteceu em 674, mas sua preparação foi inadequada, e Taharqa rechaçou os invasores. Na primavera de 671, Esar-Hadom lançou um segundo ataque, liderando seu vasto exército Síria adentro, onde ele pausou por um momento para cercar Tiro, cujo rei tinha se rebelado. A cidadeilha, no entanto, resistiu, e Esar-Hadom não queria desperdiçar tempo e energia em um problema secundário enquanto o Egito continuava livre. Ele prosseguiu para o sul, marchando através de Rafia, e de lá cruzou o deserto do Sinai, onde ominosamente ele alegou ter visto terríveis criaturas do deserto. Os assírios seguiram marchando, apesar de tudo, e depois de quinze dias de considerável dificuldade, eles finalmente adentraram a terra esverdeada do Delta egípcio. Quando os assírios chegaram, Taharqa ofereceu grande resistência, mas a conquista da vasta nação demorou, por incrível que pareça, pouco tempo. Esar-Hadom registra em seus anais: Da cidade de Ishupiri até Mempi [Mênfis], sua residência real, uma distância de quinze dias [março], eu lutei todos os dias, sem interrupção, batalhas muito sangrentas contra Tahasqa [Taharqa], Rei do Egito e Etiópia, aquele amaldiçoado por todos os grandes deuses. Cinco vezes eu o acertei com a ponta de [minhas]


flechas [infligindo] com ferimentos [dos quais ele] nunca se recuperaria, e então eu fiz cerco a Mempi, sua residência real, e a conquistei na metade de um dia por meio de minas, rachaduras e escadas de assalto. Sua rainha, as mulheres de seu palácio, Ushanahuru, sua “esposa de Amon”, seus outros filhos, suas posses, cavalos, gado grande e pequeno além da conta, eu trouxe como despojo para a Assíria. Todos os etíopes eu deportei do Egito – não deixando sequer um para prestar homenagem [a mim]. Em todo o Egito, eu apontei novos reis [nativos], governadores, escrivães, supervisores portuários, oficiais, e pessoal administrativo. Eu estabeleci os sacrifícios diários para Ashur e os [outros] grandes deuses, meus senhores, para todas as épocas. Eu impus sobre eles tributos devidos a mim [como seu], mestre [para ser pago anualmente], sem cessar.

Totalmente derrotado, Taharqa fugiu para a Etiópia, deixando Esar-Hadom ocupar totalmente o Delta, onde ele colocou um governo fantoche na pessoa do Príncipe Neco I de Sais. Esar-Hadom então retornou para a Assíria confiante de que haveria paz nos anos seguintes. Sua confiança se mostrou enganosa. Como veio a saber, o Egito não seria tão facilmente derrotado. Apenas dois anos depois, em 669, Taharqa retornou da Etiópia, e recuperou Mênfis. Ele formou então uma rebelião ao longo do Delta, forçando EsarHadom a marchar novamente para a Terra do Nilo. Como era de seu costume, ele antecipou sua possível morte e colocou seus dois filhos nos tronos de seus domínios, Assurbanipal na Assíria, e Samussumauquim na Babilônia, deixando instruções de que se ele morresse, cada um deveria sucedê-lo em seu respectivo território. Esar-Hadom esperava que com esse arranjo os babilônios ficariam satisfeitos por receberem uma limitada soberania, mas, essa estaria em uma esfera de autoridade assíria exercida por Assurbanipal, desse modo, solucionando o incômodo problema da relação entre as duas regiões. Esar-Hadom partiu para o Egito, mas morreu no caminho quando em Harã ele teve uma doença não identificada. Assurbanipal (669-627): Assurbanipal sucedeu ao trono assírio, destinado a se tornar um dos mais marcantes entre seus governantes. Ele trouxe o império ao seu ápice, não apenas podendo se gabar de impressionantes realizações militares, mas ainda mais importante, incríveis façanhas acadêmicas. Na verdade, o legado mais famoso de Assurbanipal não foi militar, mas sim a vasta biblioteca que ele deixou, um tesouro de documentos antigos que proveu conhecimento inigualável sobre sua vida e época. O arqueólogo e aventureiro britânico, Austen Henry Layard, descobriu a biblioteca de Nínive em 1846, onde ele encontrou duas grandes câmaras enterradas em um pé ou mais de tabletes de argila. Muitos eram de textos de literatura de períodos anteriores, copiados com esforço pelos escribas assírios. Os tabletes mostravam que na época de Assurbanipal, os assírios não eram só estudiosos sérios de literatura, mas também cientistas muito melhores do que se havia suspeitado. Especialmente nas áreas de matemática e astronomia, os assírios não tinham rivais na antiguidade.


Apesar de seus interesses acadêmicos, quando Assurbanipal assumiu o governo sobre os territórios assírios, sua maior preocupação não era acadêmica. Ele estava determinado a completar a campanha no Egito, onde os assuntos inacabados de seu pai demandavam atenção imediata. Assurbanipal despachou seu comandante em chefe com um pequeno exército para depôr o problemático Taharqa. A batalha aconteceu na planície ao sul de Mênfis, onde os assírios prevaleceram, recuperando a capital, mas permitindo ao escorregadio Taharqa escapar novamente de Tebas. Uma vez que tinha chegado a sua terra natal, Taharqa não perdeu tempo para reagrupar e preparar outro encontro, mas Assurbanipal não estava disposto a dá-lo tal oportunidade. Ele rapidamente reuniu uma força muito maior composta não apenas de assírios, mas também de fenícios, sírios, cipriotas, e egípcios nativos recrutados do Delta. Esse exército numeroso marchou contra Mênfis em 667, em direção a Tebas, e é possível que não pudesse ser detido, não fosse por um problema inesperado que ocorrera em sua retaguarda. O engenhoso Taharqa tinha conseguido orquestrar uma rebelião entre os príncipes do Baixo Egito, incitando muitos daqueles a quem Assurbanipal tinha apontado a mudarem de lado. Eles planejaram atacar os assírios por trás assim que eles invadissem Tebas, esperando que esse ataque esmagador desorientasse os invasores, e os tirasse do Egito para sempre, deixando a nação mais uma vez em mãos nativas. O plano poderia ter funcionado, não fosse por certos príncipes que permaneceram leais a Assurbanipal terem descoberto a conspiração. Eles capturaram os rebeldes e, em obediência, os enviaram em barcos para Assurbanipal, que fez a maioria ser executada. Um dos conspiradores, Neco, de Sais, foi capaz de evitar a execução e até mesmo persuadiu Assurbanipal de que ele deveria dar ainda mais autoridade a um príncipe local familiarizado com os costumes egípcios, referindo-se a si mesmo! Assurbanipal foi convencido pelo capaz príncipe, e o enviou em liberdade de volta a Mênfis, “vestido em uma roupa resplandecente”, carregado de ricos presentes, e carregando um mandato para governar sobre todo o Egito em nome do Império Assírio. Neco, junto com alguns príncipes locais leais, foram colocados sobre doze províncias, todos jurando lealdade ao rei assírio e jurando prevenir o retorno de Taharqa a qualquer custo. E então Taharqa nunca mais foi um grande problema. Ele morreu em 664, sucedido por seu filho adotivo, Tantamani (664 – 656), um jovem e ambicioso sucessor ao trono etíope que tinha a intenção de continuar de onde seu pai tinha parado. Alegando que o deus Amon tinha o prometido em um sonho que lhe daria o governo de todo o Egito, Tantamani marchou confiante para o norte para obter seu prêmio e recuperar os domínios perdidos de seu pai. Ele entrou em Tebas no mesmo ano, sendo saudado como um libertador e salvador, e depois de reunir uma força pequena, porém motivada, ele navegou o Nilo até Mênfis, onde ele encontrou uma parca unidade militar composta na maioria de egípcios nativos responsáveis por proteger Neco. Tantamani sobrepujou a guarda e assassinou Neco, retornando como um herói a Tebas, onde, naquele momento, parecia que Amon tinha cumprido sua promessa. O momento de glória etíope durou pouco. Uma força assíria muito mais formidável estava estacionada logo ao sul de Mênfis, e ouvindo as notícias do golpe de Tantamani, lançou um ataque feroz contra Tebas. Tantamani fugiu, e a grande cidade recebeu o golpe mais destrutivo que já havia experimentado. Os assírios vasculharam e saquearam o centro religioso, devastando sua população, e levando consigo um rico despojo e artefatos religiosos de valor inestimável. A cidade de Tebas e o povo egípcio nunca conseguiram superar a destruição de um de seus mais sagrados centros religiosos. Alguns anos depois, o profeta hebreu Naum, enquanto anunciava a destruição da própria Assíria, fez


alusão à queda de Tebas. És tu [Assíria] melhor que No-Amon [Tebas], Que estava situada entre o Nilo, E seus canais, cercada de águas, Tendo por baluarte o mar, E ainda o mar, por muralha? Etiópia e Egito eram sua força E esta, sem limite; Pute e Líbia, o seu socorro. Todavia, ela foi levada ao exílio, Também seus filhos foram despedaçados Nas esquinas de todas as ruas; Sobre os seus nobres lançaram sortes, E todos os seus grandes foram presos com grilhões. (Naum 3:8-10, ARA). Como seu pai, Tantamani escapou da captura e execução, fugindo de volta para a Etiópia. Diferente de seu pai, Tantamani se contentou em permanecer lá, governando sua própria região, e não oferecendo à Assíria qualquer outro desafio à autoridade do Egito. Assurbanipal esperava evitar qualquer problema futuro com o Egito apontando nativos da Assíria como governadores em suas províncias. Psamético, filho de Neco, foi colocado como Faraó, uma posição que manteve de 664 a 610. Com Psamético foi estabelecida a Vigésima Sexta Dinastia (ou Saíta) do Egito. Nos primeiros oito anos de sua administração, Psamético aceitou o controle assírio, assim como o fizeram os governadores do Baixo e Médio Egito, enquanto os tebanos faziam crescer seu ranço contra a Assíria, permanecendo fortemente ligados à Etiópia. Enquanto lidava com a agitação egípcia, Assurbanipal tomou conhecimento de problemas na Fenícia, onde Ba’alu (ou Baal), rei de Tiro tinha parado de pagar tributo. Em sua volta ao Egito, Assurbanipal cercou a cidade-ilha, que muitos consideravam inexpugnável. Ainda assim Tiro foi reduzida à fome e obrigada a se render. Assurbanipal tratou tanto Ba’alu quanto sua aliada, a cidade de Arvade, com surpreendente misericórdia, provavelmente por que estava enfrentando batalhas em outras frentes, e continuava a se preocupar com a estabilidade do Egito. Assurbanipal não estava disposto a arriscar criar conflitos com os vassalos fenícios, nem desejava alocar tropas que eram necessárias em outros locais. Enquanto estava envolvido com o cerco de Tiro, Assurbanipal recebeu um chamado para ajudar o rei Giges da Lídia, que tinha governado na Ásia Menor por vinte anos. Giges enfrentava uma


crise nas mãos dos cimérios, e implorou aos assírios que viessem ajudá-lo a afastar os saqueadores invasores. Depois de terminar os esforços na Fenícia, Assurbanipal conseguiu fazer uma visita rápida à Anatólia em 662, conquistando muitas províncias até então desconhecidas. No entanto, ele não deu ajuda alguma a Giges. Profundamente ressentido com tal desdém, Giges mais tarde “honraria” ao assírio com um estranho e sarcástico presente, dois líderes cimérios. 8 Ele jurou lealdade ao assírio, mas nutriu desdém, com a esperança de ter qualquer oportunidade de se acertar com o grande monarca. Em suas campanhas na Anatólia, o rei da Cilícia se submeteu de boa vontade a Assurbanipal, e até ofereceu sua filha ao assírio em um casamento diplomático. A oferta foi aceita, e a princesa cilícia se juntou a Assurbanipal, o acompanhando conforme ele seguia sua campanha que varreu todo o nordeste. Assurbanipal levou sua campanha até a área montanhosa próxima ao Lago Van. O rei da região, Aksheri, estava determinado a enfrentá-lo, mas seu povo não demonstrava grande entusiasmo, e o rei foi executado. O filho de Aksheri, Vohalli, rapidamente estabeleceu a paz por meio do pagamento de um tributo. Assurbanipal retornou a Nínive em 661, e imediatamente lançou uma campanha de seis anos na Mesopotâmia, tendo como alvos, primeiro os medas ao longo de Zagros. Depois fazendo aliança com Madies, chefe dos instáveis citas, ele continuou para o sul, desafiando o rei elamita Urtaque, que tinha se rebelado contra a Assíria e tomado Suméria e Acade anos antes. Urtaque não foi páreo para o poder da máquina de guerra assíria, e teve de recuar para Elão em 655, onde logo faleceu. O sucessor de Urtaque foi Tempiti-Hubã, um usurpador que tomara o trono dos dois filhos de Urtaque, Humbãnicas e Tamaritu. Esses dois fugiram para Nínive depois do golpe, de modo irônico esperando proteção do mesmo Assurbanipal que derrotara seu pai. Tepiti-Hubã exigiu que os dois fossem devolvidos, mas Assurbanipal recusou, fazendo Tepiti-Hubã atacar a Assíria diretamente. Ele sofreu uma ressoante derrota, e foi morto em batalha, e sua cabeça foi cortada e enviada em triunfo para Nínive, onde ela foi pendurada em uma árvore no jardim do palácio real. Assurbanipal dividiu Elão entre Humbãnicas e Tamaritu, e fez com que ambos jurassem lealdade à Assíria.

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Os registros assírios mostram que Giges foi inspirado por um sonho a buscar a ajuda dos assírios contra os cimérios nessa época. Mais tarde, Giges, de fato, teve de lidar com uma invasão dos cimérios, e depois de sua vitória, ele enviou alguns de seus chefes como um curioso presente a Assurbanipal. Os cimérios, que são possivelmente o povo chamado de “Gômer” em Gênesis 10:2 e Ezequiel 38:6, habitavam as costas do Mar Negro, e é provável que fossem um povo trácio. Heródoto afirma que eles foram expulsos da Ásia pelos citas e se estabeleceram na costa sul do Mar Negro.


O problema de Assurbanipal com Elão abriu a porta para múltiplas ameaças em outras frentes, em especial, no Egito, Babilônia, e Média, que juntos, levaram os recursos assírios ao seu limite. Cada uma das ameaças era séria o suficiente para ser analisada por si só. Egito: Psamético tinha mantido sua lealdade a Assurbanipal desde que fora apontado em 664, mas quando os assírios se embaraçaram na questão elamita, o rei egípcio decidiu que era tempo de assegurar sua própria independência. Ele contratou mercenários de Giges da Lídia, o rei que por muito tempo esperara a oportunidade de se vingar de Assurbanipal, e armado com esses reforços, Psamético expulsou os assírios e lançou fora os governantes locais que tinham permanecido leais à Assíria. Embora Assurbanipal fosse humilhado por esse revés, não havia o que ele pudesse fazer, e, relutante, admitiu derrota no “Cilindro Rassam”, registrando que Giges “enviou suas forças em ajuda a Tushamiiki [Psamético], rei do Egito, retirando o julgo de sua soberania [de Assurbanipal]”. Assurbanipal, sem dúvida, teria se esforçado mais para reter seu domínio sobre Psamético, mas a questão elamita o forçou a escolher entre Egito e Mesopotâmia. Ele não podia lidar com ambos. E conforme veremos, em apenas alguns anos, a Assíria buscaria a ajuda do Egito quando, em seu leito de morte, jazia nas mãos dos medas e babilônios, mas nesse momento, nenhuma ajuda seria adequada para resgatar o gigante moribundo. Assim terminou o domínio assírio tanto sobre o Egito como sobre a Lídia, mas enquanto Psamético manteve sua independência, Giges perderia sua vida em seguida em um ataque dos cimérios. Seu filho Ardis se apressou em acordar a paz com a Assíria, o que em retorno lhe garantiu certa proteção contra invasores, e de acordo com Heródoto, Ardis então reinou por quarenta e nove anos. Psamético, por outro lado levou a um reavivamento do orgulho nacional e a uma renascença na vida cultural, reestabelecendo o governo centralizado e finalmente colocando um fim ao longuíssimo Terceiro Período Intermediário. Porém, a vida para o egípcio comum continuou difícil, e para muitos o


renascimento não significou nada além de trocar um governo de punho de ferro por outro. Na verdade, alguns acadêmicos creem que a profecia de Isaías sobre um tempo futuro de dificuldades para o Egito (Is 19), na verdade, descrevia os anos sob o governo de Psamético. Babilônia: Enquanto o Egito escapava dos grilhões assírios no sudoeste distante, Assurbanipal encarava um problema ainda mais alarmante em sua vizinhança próxima, vis., a revolta liderada pelo irmão de Samassumauquim. Por dezesseis anos, os dois tinham coexistido pacificamente, e Samassumauquim nunca tinha dado sinais de descontentamento, ainda menos de rebelião. Apesar disso, o espírito de nacionalismo babilônico tinha tomado conta dele gradualmente, e Samassumauquim começava a pensar que a Babilônia era mais merecedora de dominar o mundo do que Nínive. O drama teve início quando um dos irmãos elamitas colocados por Assurbanipal se rebelou contra o rei assírio em 653. Samassumauquim se uniu à revolta, e por isso ele foi imediatamente deposto por Assurbanipal. Samas então fomentou uma insurreição na Babilônia, incitando, ao mesmo tempo, uma coalização surpreendentemente grande de nações a se juntarem, todas elas comprometidas a ajudar Samas e a Babilônia em sua rebelião. A lista de aliados incluía Fenícia, Filístia, Judá (rei Manassés), Síria, Lídia, e Egito, junto com os caldeus, e o rebelde irmão elamita. Todos esses estavam cansados dos modos opressivos da Assíria, e todos eles estavam preparados para se juntar em uma rebelião comum para escapar dos aguilhões da Assíria. Se eles tivessem todos atacado ao mesmo tempo, a Assíria sem dúvida teria sido sobrepujada. Mas aconteceu que o plano foi descoberto antes que pudesse ser implementado. Assurbanipal enviou um aviso ao povo da Babilônia: Sobre as palavras vazias que esse falso irmão lhe falou, eu ouvi tudo que ele disse. Elas não eram nada além de vento. Não acreditem nele … Nem, por um momento ouça as suas mentiras. Não contamine o seu bom nome, que é imaculado para mim e para todo o mundo, nem se façam pecadores diante da divindade. Os babilônios se recusaram a ouvir, e Assurbanipal marchou contra seu irmão em 652. A batalha durou por três anos, mas no fim, Samassumauquim não pôde resistir. Assurbanipal varreu o país e capturou as cidades da Babilônia, e em desespero Samas finalmente ateou fogo ao palácio em 648. O irmão elamita que tinha permanecido leal a Assurbanipal levantou um exército, atacando e assassinando seu irmão não leal, e por isso, Assurbanipal lhe presenteou com soberania absoluta sobre toda a nação. Assim, a Mesopotâmia foi pacificada, Assurbanipal instalou um novo regente na Babilônia chamado Candalanu, uma figura obscura que alguns desconfiam que possa ter sido um alter ego do próprio Assurbanipal. Tendo se livrado do problema na Babilônia, Assurbanipal liberou sua fúria sobre os


outros conspiradores, buscando vingança principalmente contra os árabes na Síria por sua ajuda dada à Babilônia durante sua revolta. Esses príncipes tinham agravado sua culpa não apenas ajudando Samussumauquim, mas por também atacar continuamente e invadir qualquer estado vassalo da Assíria no ocidente. Quando Assurbanipal atacou, muitas tribos da Síria se levantaram para resisti-lo. Assurbanipal os encarou em uma guerra difícil, onde os elusivos árabes lutaram bravamente, e então sumiram no terrível deserto, “onde a sede mortal está em casa, onde não há sequer pássaros no céu”. Aqui, novamente, o exército assírio se mostrou impressionante: Uate’ e seus aliados, os nabateus – que já habitavam ao redor do Mar Morto – foram derrotados; Abiate’ e sua tribo de Quedar foram cercados, separados dos poços de água e forçados “a cortar seus camelos para beberem o sangue e água suja para aliviar a sede”. Outro Uate’, filho de Hazael, foi pego, e obrigado a cuidar da barra do portão leste em Nínive. O despojo tomado nessa campanha foi tal, disse Assurbanipal, que: Camelos foram trazidos a meu país por menos de um shequel de prata no mercado. Os trabalhadores sutammu receberam camelos e [até] escravos como presentes, o cervejeiro como gorjeta, o jardineiro como pagamento adicional! No final das contas, os exércitos de Assurbanipal sobrepujaram completamente a vasta região desolada entre o Golfo Pérsico e a Síria. Os assírios tomaram Moabe, Síria e Petra, e lutaram uma batalha decisiva em Curcuruna, localizada nas montanhas de Damasco, que resultou em mais uma derrota desastrosa para os árabes. Os dois chefes árabes que mais colaboraram com os babilônios foram levados a Nínive e degolados lá. Um outro rebelde, Manassés, o rei maligno de Judá, também foi capturado e levado acorrentado de volta à Assíria, onde lhe foi dado um longo tempo para se arrepender de sua idolatria enquanto desfalecia na prisão. Depois de cerca de dois anos, Assurbanipal reinstalou Manassés no trono de Jerusalém, dessa vez como um leal vassalo assírio, assim como um rei de moral reformada. Manassés morreu apenas três anos depois em 642, e seu filho, Amon, governou em seu lugar. Tendo submetido a Síria, Assurbanipal concluiu os assuntos inacabados com Elão, onde ele agiria contra o outro filho ingrato de Urtaque, que também aceitara suborno do rebelde rei da Babilônia e lhe oferecido ajuda. Depois de uma longa batalha, os assírios concluíram o assunto em 639. Dessa vez eles destruíram a cidade de Susa, a entregando completamente por 23 dias à devastação por seus soldados. Os elamitas foram finalmente devastados e sua capital saqueada. A terra foi salgada, e o


longo conflito entre Assíria e Elão finalmente foi encerrado. Por um edito, Elão foi formalmente anexado ao Império Assírio, e sua independência como nação foi totalmente perdida. Assim foram vingados incontáveis insultos e terminada uma disputa de três mil anos de idade entre elamitas e mesopotâmicos. Média: No mesmo momento em que Assurbanipal estava ocupado com a revolta na Babilônia, os medas estavam flexionando seus músculos guerreiros. Grupos de cavaleiros assírios tinham irritado as tribos do leste, e elas alimentavam seu ressentimento, aguardando uma oportunidade de contra-atacar. Parecia que o momento havia chegado em 653, quando o rei meda Fraortes aproveitou os problemas de Assurbanipal com Elão e a Babilônia e liderou seu exército para a Assíria com seu filho Ciaxeres ao seu lado. A campanha envolveu graves erros de cálculo, o que causou a morte de Fraortes no campo de batalha, seu exército foi totalmente cercado, e seu jovem filho Ciaxeres encarava a possibilidade da ira assíria. O novo rei medo brevemente considerou um segundo ataque aos assírios, mas descontentamentos em seu exército, junto a vários problemas domésticos o forçaram a abandonar a ideia. Ele estava especialmente preocupado com Ciro I, um príncipe persa, que tinha obtido independência da Média e dado seu apoio aos assírios. Ele tinha, primeiro, ajudado Elão e Samussumauquim em sua revolta, mas quando Assurbanipal os derrotou, Ciro mudou sua lealdade, e rapidamente enviou símbolos de submissão aos assírios. Ainda mais preocupante que os persas, no entanto, eram as invasões citas que varriam e sobrepujavam todo o Oriente Próximo nessa época. Elas não apenas espezinharam os territórios de Ciaxeres, mas causaram considerável angústia também aos assírios. Heródoto descreve os citas como selvagens vorazes, consumindo e destruindo tudo, e deixando devastação e ruína em seu caminho. A maré bárbara surgiu na Média e foi em direção à Mesopotâmia e Armênia, e então varreu em direção ao oeste e sudoeste pela Assíria, e adentrou a Síria e Palestina. Muitos territórios assírios ao longo do Tigre foram devastados, e com a atual energia diminuída de Assurbanipal, partes da Assíria foram deixadas completamente vulneráveis aos atacantes. Heródoto afirma que os citas dominaram por cerca de 28 anos, depois dos quais a maioria das nações conseguiu se livrar dos saqueadores. Psamético se distinguiu como o único monarca no mundo mediterrâneo que conseguiu deter o avanço dos citas. Na Média, o alto caráter guerreiro do povo, junto com o relevo montanhoso e irregular do país, permitiu aos medas finalmente se livrarem dos invasores. Assíria, ainda com a atenção em múltiplas frentes, viu na presença cita apenas mais um golpe em sua capacidade já reduzida de travar suas guerras.


Os últimos dias de Assurbanipal: Logo após o saque de Susa em 639, Assurbanipal celebrou seu triunfo. De seu palácio em Nínive esse educado, magnífico e cruel monarca podia contemplar “o mundo inteiro” prostrado a seus pés. Junto com os elamitas, os babilônios estavam totalmente derrotados, seu irmão traidor tinha encontrado o destino merecido. Os mercadores de Tiro e Arvade foram submetidos; o rei israelita Manassés, humilhado. Síria estava subjugada, e os cimérios tinham sido contidos, enquanto os governantes de Tabal e Cilícia eram submissos. Giges da Lídia tinha sido punido por ter ajudado Psamético, e agora, Ardis, seu filho, se submetia de bom grado ao julgo assírio. Nínive transbordava com o saque tomado de cada um dos quatro cantos do mundo, e o nome do deus Ashur era temido por todos. O Império Assírio nunca parecera tão invencível, mas no mesmo tempo de seu maior triunfo, as sementes de sua destruição estavam plantadas e crescendo. Ironicamente, os anais assírios chegam a um abrupto final com os eventos desse ano, e os últimos doze anos do reinado de Assurbanipal estão envoltos na mais completa escuridão. Conforme Assurbanipal inspecionava os adornos de seu sucesso, uma figura igualmente marcante apareceu em Judá trovejando que o grande Império da Assíria logo chegaria a um horrível fim. Improvável como parecesse, Naum anunciava que ninguém poderia suportar diante da indignação de Deus, e que Deus já havia “dado a sentença contra [a Assíria]” que era “não haja posteridade que leve o teu nome”. Naum descreveu com impressionante precisão o cataclismo que caiu sobre o grande poder em um tempo em que tal colapso parecia totalmente implausível. A “cidade sanguinária” colapsaria, envergonhada diante das nações. Nínive sofreria de um golpe mortal, fazendo com que todos os que ouvissem “batessem palmas” de alegria, tudo que sucedeu aconteceu com precisão gráfica e dramática em 612. Enquanto Assurbanipal desfrutava dos frutos de seus triunfos, pareceria difícil conceber que tal destruição estava apenas poucos anos à frente. E ainda assim, com sua morte em 627, a Assíria se encontrava há apenas 20 anos de sua derrubada e total colapso. O rei Manassés, de Judá, morrera em 642, e seu filho Amon foi assassinado em um golpe palaciano apenas dois anos mais tarde. Josias, que seria um dos maiores reis de Judá, tinha apenas oito anos quando subiu ao trono, mas oito anos mais tarde ele foi abalado da inação pelo ardente profeta


Sofonias, que trouxe sua poderosa mensagem de que Deus, enfim, traria seu julgamento contra Judá por sua concessão com o paganismo das nações vizinhas. De fato, essas mesmas nações seriam sujeitadas ao julgamento de Deus, e isso incluía a Assíria, ainda um incrível poder na época da profecia de Sofonias. Josias tomou a mensagem em seu coração, e no mesmo ano, ele começou a expurgar Judá de sua idolatria. Cinco anos mais tarde, seu zelo reformador foi renovado enquanto o jovem profeta Jeremias foi comissionado como profeta em 627, o ano da morte de Assurbanipal. Ele também chamou a nação ao arrependimento, anunciando que o julgamento de Deus viria não por meio dos assírios, como poderia se esperar, mas dos babilônios, que ainda não eram considerados como um grande poder. Josias buscou de todo o seu coração converter as pessoas de volta à aliança depois do dano que fora causado pelo avô de Josias, Manassés. O Livro da Lei (presume-se que seja Deuteronômio) foi encontrado no templo em 623, e ao ouvir seus padrões e avisos, Josias rasgou suas vestes em angústia, enviando uma mensagem à profetisa Hulda para saber se seria tarde demais para evitar que a destruição prevista (2 Cr 34:14-28) ocorresse. Hulda informou ao jovem rei que o julgamento era certo, mas por causa do arrependimento sincero de Josias, o julgamento não viria em seu reinado. Josias ainda assim fez tudo que podia para implementar as reformas, e em 621, ele patrocinou a maior celebração da Páscoa na história de Judá (2 Reis 23:22). A Queda da Assíria ( 627-612) Menos de trinta anos depois do celebrado triunfo de Assurbanipal, os palácios de Nínive colapsaram em chamas e com eles findou para sempre o outrora invencível Império Assírio. Os últimos poucos anos da história assíria não são bem documentados, mas, em geral, refletem a perda da moral e integridade de um gigante imperial que nunca poderia se recuperar. O próprio Assurbanipal morreu em 627, e Candalanu, o rei marionete que fora instalado na Babilônia, morreu no mesmo ano. Há evidência de que Assurbanipal pode ter abdicado do trono em 630, deixando o governo para um de seus filhos, Assuretililani. Na Babilônia, problemas irromperam após a morte de Candalanu quando um general assírio alocado lá se rebelou. Ele foi prontamente retirado por tropas leais, e outro filho de Asurbanipal, Saracus (Sinsariscum), tomou o trono e se proclamou rei da Babilônia. Batalhas nas ruas se seguiram, provavelmente instigadas por Nabopolasar (Nabu-apla-usur), um príncipe de uma tribo caldeia. Nabopolasar já tinha se proclamado rei do País do Mar anteriormente, e sua presença na Babilônia forçou Saracus a fugir para Nínive, deixando a Babilônia para o príncipe do País do Mar. O ano era 626, e com esse golpe ascendeu o primeiro rei da maior das dinastias da Babilônia, que é detalhada no próximo capítulo. Quando Saracus retornou para a Assíria, a guerra irrompeu entre ele e o outro filho de Assurbanipal, Assuretililani. A guerra civil durou por três anos, mas em 623, Assuretililani foi morto perto de Nipur, e Saracus se tornou rei da Assíria. Ele declarou guerra imediatamente a Nabopolasar, e por sete anos houve batalhas perto das cidades fortificadas da Babilônia que ainda eram mantidas pelos assírios. Nabopolasar resistiu com sucesso, e em 616 permanecia no controle total de todo sul e centro da Mesopotâmia. Enquanto essa guerra prosseguia, a situação política fora da Mesopotâmia mudava rapidamente. Na Média, Ciaxeres tinha recobrado o controle dos citas, e estava reorganizando seu exército. No leste, os elamitas tinham recuperado algum grau de independência, e a cidade fronteiriça de Der tinha se revoltado. No oeste as cidades fenícias pareciam ter cortado seus laços com Nínive, e em Judá, o jovem rei Josias estava promovendo reformas da fé hebraica, não apenas em seus domínios, mas também na província de Samaria, o antigo reino de Israel.


Nabopolasar marchou para o norte ao longo do Eufrates para o distrito de Harã em 616, e de lá seguiu pelo Tigre até Assur, a qual ele sitiou sem sucesso. Saracus foi forçado a uma postura defensiva, e apelou aos egípcios por ajuda. O fato de que o Egito agora era chamado para resgatar seu antigo conquistador mostra a situação desesperadora em que a Assíria se encontrava. O Egito concordou em enviar ajuda, mas não enviou auxílio senão até 612, quando já era tarde demais. Dada a dificuldade da situação, Saracus provavelmente deve ter se resignado com a autonomia babilônica, exceto pelo fato de que os medas agora estavam entrando em cena, e sua presença mudou a direção do conflito dramaticamente. Ciaxeres invadiu a Assíria na primavera de 615, e no inverno seguinte ele marchou contra Nínive, mas invés de atacar a grande cidade diretamente, ele se moveu para o sul e atacou Assur, que caiu em suas mãos em 614. Nabopolasar se desapontou quando chegou tarde demais para participar no ataque, mas quando Nabopolasar e Ciaxeres se encontraram sob os muros de Assur, “eles estabeleceram amizade mútua e paz”, uma aliança selada pelo casamento entre o filho de Nabopolasar, Nabucodonosor, e a filha de Ciaxeres, Amitis. Desse ponto em diante, babilônios e medas lutariam lado a lado, e a Assíria estava condenada. Nabopolasar gastou o ano seguinte em campanhas malsucedidas ao longo do Eufrates, mas no verão de 612 os babilônios e medas lançaram seu ataque final contra Nínive. A cidade foi fortemente defendida, e no início houve pouco progresso. Depois de apenas três meses de cerco, no entanto, o Tigre inundou suas margens, e esse desastre natural deu a oportunidade para um ataque que a grande cidade não poderia suportar. Nesse dia Saracus incendiou o palácio e morreu com seus servos e a corte em chamas. No fim de 612, as três maiores cidades da Assíria (Assur, Nínive, e Nimrud), assim como as principais cidades assírias, tinham sido destruídas. Ainda assim, a casca de um reino assírio sobreviveu por três anos. Depois da morte de Saracus, um de seus oficiais tomou o trono com o nome Assurubalite. Reunindo o que sobrara do exército assírio, ele fugiu para Harã, onde se encontrou com tropas egípcias que tinham sido enviadas para o “resgate”. Em 610, os babilônios e medas marcharam contra Harã, forçando os assírios a abandonarem o lugar e se refugiarem além do Eufrates em Carquemis, deixando Harã para os medas. O último remanescente do exército assírio suportou um ataque babilônico em 608, que foi liderado pelo príncipe coroado babilônio, Nabucodonosor. Quando os babilônios retornaram em 605, no entanto, a cidade fora subjugada, e o impressionante império finalmente veio a extinção. Os dois poderes mais responsáveis por sua queda, os babilônios e os medo-persas, herdaram o que restara dos vastos domínios da Assíria. Esses dois terão nossa atenção pelos próximos capítulos.





Capítulo 5

Babilônia (626 -539 A.C.) De todas as civilizações que moldaram o contexto da história bíblica, a Babilônia provavelmente foi a mais importante, tanto historicamente quanto do ponto de vista simbólico. A Babilônia não apenas apresentou um papel proeminente em boa parte dos eventos históricos e proféticos do Antigo Testamento, mas também se coloca como a força por detrás da idolatria do mundo gentio. Começando com a Torre de Babel, as forças do paganismo podem encontrar sua maior expressão na Babilônia. Não é por acidente que a Bíblia culmina com uma visão da grande “Babilônia” que finalmente cai sob o julgamento de Deus. Nos capítulos anteriores cobriu-se toda a história geral da Babilônia até aquele período que frequentemente é chamado de Império Neobabilônico (626-539 a.C.) A história começa com a Suméria e Acádia, depois dos quais o grande império de Hamurábi dominou até cair sob os Hititas em 1595. O Período Cassita (1580- 1180) e o período no qual a Babilônia foi dominada pela Assíria (900-612) foram discutidos no capítulo sobre a Assíria. Neste capítulo vamos manter nossa atenção naquela época em que a Babilônia atingiu o zênite de seu poder, começando a história com Nabopolasar, o fundador da dinastia que dominou esse fascinante período.


Nabopolasar (626-605): As coisas permanecerem relativamente calmas na Babilônia desde os problemas causados pela deposição de MerodaqueBaladã no ano 700, com exceção de um conflito menor entre Shamash-shumaukin em sua rebelião contra seu irmão Assurbanipal em 653. Ao longo de todos esses anos os babilônios geralmente se contentavam em enxergar a si mesmos como uma província da Assíria, mas com a morte de Assurbanipal de 627, juntamente com seu rei fantoche babilônico Candalanu, a situação começou a se desestabilizar na Mesopotâmia. O filho de Assurbanipal, Saracus, tomou o trono babilônico na esperança de suceder Candalanu, mas sua subida ao trono foi rapidamente contestada por Nabopolasar. De ascendência suméria nativa, ele já era reconhecido como rei da Caldeia, e quando atacou a Babilônia, Saracus foi forçado a fugir para Nínive, abandonando a cidade aos caldeus, uma perda que veio como um choque para os assírios, que tinham passado a ver Babilônia como sua espécie de “capital religiosa”. De volta à Assíria, Saracus desafiou seu irmão Assur-etililani no trono assírio, provocando uma guerra civil que durou cerca de três anos. O reino de Nabopolasar inaugurou a décima-primeira e última dinastia babilônica, e mostrou o sucesso de Nabopolasar onde Merodaque-Baladã havia falhado. Ele estabeleceu os caldeus nativos não apenas como sucessores dos assírios, mas como o poder político dominante em todo o Oriente Próximo. Sua subida ao trono dificilmente não veio sem esforço, enquanto transtornos políticos tanto na Assíria quanto Babilônia duraram anos, e o resultado final se mostrou incerto com constantes rebeliões e levantes inspirados por forças tanto pró- quanto anti-assírias duelando por supremacia. O problema chegou a ser tão severo que às vezes ninguém era reconhecido como rei, mas Nabopolasar, apesar de tudo, gradualmente estabeleceu sua posição, ao mesmo tempo em que mantinha controle sobre a Suméria e Acádia. Na Assíria, a situação era igualmente instável, por vezes com conflitos internos chegando à beira da guerra civil. Essa situação se estendeu até 623, quando Saracus finalmente derrotou e matou Ashur-etil-ilani, e tornou-se governante inconteste da Assíria. Ele então intensificou sua guerra contra Nabopolasar, se esforçando por cerca de sete anos para recuperar seus domínios perdidos. Essa


guerra babilônica provavelmente distraiu Saracus de notar uma nova ameaça surgindo à leste, na pessoa do rei medo Ciaxares, filho de Fraortes. Ciaxares e os medos padeceram sob os Citas por cerca de 28 anos, mas ele finalmente foi capaz de expulsar as hordas bárbaras em cerca de 6251. Tão logo Ciaxares tomou seu trono inconteste, ele começou a organizar uma força militar que não apenas incorporava os medos, mas também os persas ao sul, e os bactrianos ao leste. Assim, enquanto Saracus gastou suas energias lutando contra Nabopolasar, Ciaxares aumentou suas forças, esperando o momento oportuno para lançar um ataque no poderoso império assírio, esperando assim libertar a Media e vingar a morte de seu pai. Josias e Jeremias Enquanto a Mesopotâmia enfrentava vários problemas, Judá gradualmente começou a se recuperar dos tristes efeitos do reinado maligno de Manassés. O “reformador” rei Josias ascendeu ao trono em 640 quando tinha apenas oito anos de idade, mas em 632, quando ele estava no meio de sua adolescência, foi abalado por seu primo, Sofonias, cuja mensagem abrasadora deve ter acionado no jovem rei o alarme para o estado moral de seu reino. Os grandes esforços de reforma de Josias, no entanto, não começaram seriamente até cerca de 627, o ano da morte de Assurbanipal, quando o profeta Jeremias foi comissionado ainda jovem para ser um dos maiores profetas do povo de Deus.2 Cinco anos depois, sob a influência de Jeremias, Josias ordenou que o templo fosse completamente reestruturado. -Enquanto limpavam toda a sujeira acumulada durante o reinado de Manassés, um “livro” foi descoberto por Hilquias, o sumo-sacerdote. Há uma certa controvérsia sobre qual foi o “livro” encontrado, ou seja, se foi uma Torá completa, ou simplesmente o livro de Deuteronômio. Qualquer que seja o vcaso, o livro foi lido por Josias, que quando o ouviu “rasgou suas vestes” em angústia. Reconhecendo a extensão da desobediência de Judá, ele temeu não haver esperança para que as maldições descritas em Levítico 26 e Deuteronômio 28 pudessem ser evitadas. Ele questionou a profetisa, Hulda, 1

De acordo com Heródoto (1:106), Ciaxares induziu os capitães dos citas a se embebedarem em um banquete, e então matou a todos. 2 Jeremias 1


perguntando se poderia haver um modo desses julgamentos serem evitados. Sua resposta foi “não”, mas ela encorajou Josias ao reconhecer sua sincera angústia pelo o pecado de seu povo, e garantiu que os julgamentos não viriam durante seu reinado.3 Josias então lançou a mais extensa série de reformas jamais alcançada por um rei em Jerusalém. Ele renovou um compromisso com o Senhor diante de todo o povo, lendo publicamente e de modo integral o livro da lei. Ele retirou do Templo os resquícios de paganismo, e derrubou os altares nos “lugares altos”, pulverizando os ídolos pagãos no Vale de Hinom, expulsando seus sacerdotes, e queimando os ossos daqueles que tinham morrido. Ele então levou o povo de Deus à maior celebração da Páscoa já realizada, restabelecendo os padrões de adoração para o povo, e chamando os israelitas para uma grande renovação da aliança.4 Jeremias foi chamado para ser profeta no décimo terceiro ano do reinado de Josias (627), e foi-lhe dito por Deus que ele não só “destruiria e derrubaria”, mas também “ergueria e plantaria”. Muitos acreditam que os primeiros vinte capítulos de Jeremias apenas mostram a mensagem que ele proclamou nos anos do reinado de Josias, encorajando seus esforços na reforma com mensagens tanto de alerta quanto de esperança. Ele contrastou a fidelidade de Deus com a infidelidade do povo, quando os acusou de “se prostituírem” em sua idolatria (Jr 2). Alertando sobre uma iminente invasão do norte, ele expressou sua angústia profunda pela condenação da nação (Jr 3,4), mas se perguntou como Deus poderia não julgá-los dada a sua persistente idolatria, manifestada em sua cultura (Jr 5). Apesar de todos os avisos de Jeremias e das reformas de Josias, as pessoas de modo geral se recusaram a dar ouvidos. Eles se confortavam com afirmações de “paz, paz, quando não há paz” (Jr 6), acreditando que sua adoração no “templo do Senhor” cobriria suas práticas pecaminosas, ainda que práticas semelhantes tenham trazido a condenação de Samaria (Jr 7). Jeremias anunciou o julgamento de Deus contra práticas religiosas obscenas, e a falha dos líderes religiosos em responsabilizar o povo por elas (Jr 8-13). Uma fome severa criou a oportunidade para Jeremias advertir o povo de que os tempos difíceis eram um aviso de Deus para eles, mas ainda assim eles ouviram os falsos profetas que apenas profetizavam que “tempos de benção” estavam vindo (Jr 14-16). Ele ligou a rebelião persistente

3 4

2 Reis 22:3-20; 2 Crônicas 34:8-28 2 Crônicas 35:1-19


do povo com o “coração enganoso” de cada pessoa, que se recusava a ouvir a palavra do Senhor (Jr 17-19). A profecia de Jeremias lhe trouxe perseguição pelas mãos de Pasur, o sumo sacerdote, que prendeu Jeremias a um tronco e o espancou. Embora Jeremias tenha pronunciado um julgamento profético sobre Pasur, ele também se queixou que Deus o havia “induzido” (literalmente, violentado), o chamando a um ministério que resultaria nos grandes abusos que ele teve de suportar por tão longos anos (Jr 20). O Retorno dos Medos Em 616, Nabopolasar defendera com sucesso seus domínios contra os ataques de Saracus por mais de sete anos, e a Assíria agora enfrentava uma desestruturação crescente no que sobrava de seu império. Ao mesmo tempo Ciaxares havia reorganizado os exércitos da Media e da Pérsia, enquanto os elamitas, que vieram a ser chamados susanitas, também tinham conseguido recuperar um certo grau de independência. Josias implementava reformas religiosas que alcançavam até Samaria, antes uma província assíria, e os fenícios cortavam suas relações com Nínive. A Assíria nunca tinha sido tão vulnerável, e Nabopolasar decidiu que já era chegada a hora de passar para a ofensiva contra seu adversário ao norte. Em maio, ele subiu com seus exércitos pelo Eufrates em direção a Haram, e de lá marchou para o leste, finalmente fazendo um cerco a Assur, embora não tenha sido bem- sucedido em tomar a antiga capital assíria. Saracus, agora na defensiva pela primeira vez, obteve sucesso em buscar uma aliança com o velho faraó Psamético, do Egito, que se encontrava alarmado não apenas com a agressão dos babilônios, mas também com o avanço dos medos. O apelo de Saracus ao Egito mostra quão desesperadora a situação da Assíria tinha se tornado, pois fazia menos de 50 anos desde que Assurbanipal saqueara Tebas, deixando o Egito com memórias amargas que o tornavam um improvável aliado da Assíria. Psamético, no entanto entretanto concordou em ajudar, aparentemente reconhecendo que a ameaça babilônica poderia no futuro estar à suas portas, e que seria sábio repelir os agressores rapidamente. A possibilidade de cooperação egípcia aparentemente fez com que Nabopolasar se afastasse da Assíria, embora no final das contas, os egípcios não tenham entrado em cena até que fosse tarde demais para ajudarem em algo.


No ano seguinte, Nabopolasar lançou outro golpe ousado sobre a Assíria, com seu foco outra vez em Assur, mas ele foi novamente forçado a se retirar para o sul, desta vez se abrigando em Tikrit onde se encontrou cercado pelo exército assírio. Nabopolasar poderia ter sido destruído, não fosse a intervenção inesperada de Ciaxares, que já há algum tempo procurava uma oportunidade para uma invasão, e viu no conflito com a Babilônia como uma ocasião propícia para tal. Ele juntou forças dos medos, e também dos persas e elamitas, que já abrigavam há muito tempo uma hostilidade contra os assírios, e que estavam mais do que dispostos a se juntarem a Ciaxares em sua empreitada. Ciaxares concebeu um ataque em duas frentes sobre a Assíria, com os susanianos se aproximando pelo sul enquanto os medos marchavam do leste. Saracus, que ainda estava ocupado com Nabopolasar, reconheceu que esse ataque pelos medos seria catastrófico, e ainda esperando receber sua ajuda do Egito, se voltou desesperadamente para o próprio Nabopolasar atrás de ajuda! Prometendo compartilhar os espólios de vitória sobre Ciaxares, ele fez um tratado com os babilônios no qual Nabopolasar “concordou” em lidar com o ataque dos susanitas, enquanto Saracus conteria o ataque dos medos pelo leste. Como se pode presumir, logo que se viu livre das forças de Saracus, Nabopolasar quebrou seu tratado com a Assíria, e se juntou aos medos e susanitas. Em suas duas primeiras batalhas com os medos, Saracus saiu vitorioso, mas em seu terceiro ataque, os medos atacaram de noite, e derrotaram o exército assírio, fazendo-o se retirar para Nínive. Depois de tomar a cidade de Arrapha, Ciaxares tentou tomar a própria Nínive. As defesas da grandiosa cidade suportaram, e então, ao invés de se prender a este problema, Ciaxares partiu de Nínive e marchou para o sul em direção a Assur, onde capturou, saqueou e pilhou a antiga capital assíria. Nabopolasar, na esperança de conseguir despojos, marchou para o norte, mas falhou em chegar antes que Assur já tivesse caído. Os dois reis se encontraram à vista das muralhas de Assur e ali estabeleceram um acordo mútuo de amizade e paz que durou por muitos anos. A aliança foi selada pelo casamento do filho de Nabopolasar, Nabucodonosor com a neta de Ciaxares, Amitis. Anos mais tarde, quando se tornou rei, Nabucodonosor construiu seus famosos “jardins suspensos” da Babilônia para sua esposa meda.


Com os babilônios e medos lutando lado a lado, a Assíria estava condenada, mas parece que Saracus não fazia ideia de seu real perigo. Na verdade, em 613 ele realmente tomou a ofensiva, marchando para o sul em ataque aos babilônios, que se encontravam ocupados com uma revolta tribal local. O ataque de Saracus foi malsucedido, e no ano seguinte, uma coalização de babilônios, medos e citas armou cerco contra Nínive. Embora os sitiantes tenham feito pouco progresso de início, uma cheia fora de época do rio Tigre abriu uma brecha nas defesas de Nínive, permitindo que os exércitos que a cercavam lançassem um ataque em larga escala, ao qual a cidade não poderia resistir. Ao final de 612, as três cidades principais da Assíria, Assur, capital religiosa, Nínive, capital administrativa, e Nimrud, a capital militar, tinham sido destruídas. Saracus estava morto, mas um de seus oficiais, Ashur-uballit, reuniu o que sobrou do exército e fugiu para Haram, fechando-se na cidade com uma modesta força egípcia que finalmente chegara para oferecer ajuda. Os vastos domínios assírios foram repartidos entre os medos e os babilônios. Nabopolasar tomou para si Susiana, Mesopotâmia e o vale do Eufrates até Carquemis, assim como toda a Síria e Palestina. Ciaxares ficou com o restante, incluindo a região setentrional da Armênia e toda a Ásia Menor. Como veremos no próximo capítulo, Ciaxares prosseguiu sua campanha pelos dez anos seguintes, focando principalmente em direção ao oeste, cruzando a Anatólia. Com respeito à Babilônia, no entanto, ele cultivou uma relação de amizade que durou por muitos anos. Um assim chamado “Império Assírio” criado por Ashur-uballit em Haram foi conquistado pelos babilônios em 610, e nele Nabopolasar mantou uma guarnição de onde lançou várias campanhas nas circunvizinhas colinas do interior. Derrotado, Ashur-uballit fugiu novamente, desta vez para Carquemis, onde continuou esperando um possível reforço dos egípcios. Um modesto destacamento do exército babilônio sob o príncipe coroado Nabucodonosor perseguiu Ashur-uballit até Carquemis e colocou-o sob cerco. Finalmente, o Egito estava preparado para agir. Neco II (610-595), o segundo faraó da dinastia de Sais (26º), sucedeu seu pai Psamético no mesmo ano que Haram caiu. O novo faraó estava ciente da desesperadora situação assíria, e provavelmente impaciente com a falta de ação de seu pai diante do clamor assírio por ajuda. Claro que Neco estava menos interessado em resgatar a Assíria do que em aproveitar a oportunidade de expandir seus próprios domínios. Ele era um governante jovem e ambicioso com uma visão grandiosa sobre um avanço do papel egípcio no Oriente Próximo. Neco também reconheceu que a Babilônia representava a maior ameaça ao seu plano expansão, especialmente depois da queda da Assíria. Ele então viu o chamado assírio como uma oportunidade para seus próprios planos expansionistas. Disfarçando seus motivos com a aparência de uma missão de resgate, Neco esperava capturar muitas das possessões assírias.


Ele planejava adentrar a Síria e recuperar terras há muito perdidas das mãos dos faraós. Neco marchou para o norte em 609, tomando primeiro Asdode, a porta de entrada para a Palestina. De lá ele partiu para Carquemis, onde Ashur-uballit ainda lutava contra o cerco babilônio. Planejando atacar os babilônios e liberar Carquemis juntamente com os remanescentes do exército assírio, Neco encontrou um adversário inesperado na pessoa do rei Josias de Judá. As razões do ataque de Josias contra o exército egípcio são incertas. Josias foi sem dúvida profundamente influenciado por Jeremias, que declarara que Deus usaria os babilônios para castigar as nações circunvizinhas, inclusive a própria Judá. Josias pode ter pensado estar “lutando ao lado dos anjos” em uma defesa dos babilônios. Sabendo que os babilônios seriam o instrumento de julgamento de Deus, ele viu os egípcios como oponentes do desígnio divino. Josias provavelmente foi bem-intencionado, mas mal orientado, e isso lhe custou caro. Quando Neco soube que Josias planejava encontra-lo em batalha, ele enviou uma mensagem ao rei judaico admoestando que voltasse para casa. Ele basicamente disse para Josias cuidar dos próprios assuntos, já que a disputa de Neco era com os babilônios e não com Judá (2 Cr. 25:20 -27). Teria sido sábio para Josias ouvir o conselho de Neco. Infelizmente, ele recebeu uma ferida mortal em 609 na planície de Megido, e morreu logo depois. A perda para Judá foi incalculável, tanto que a palavra “Megido” se tornou proverbial em Israel, do mesmo modo que a palavra “Waterloo” em tempos recentes. Josias morreu aos 40 anos, o último rei bom a reinar em Jerusalém. Toda a nação lamentou a perda de seu líder, inclusive Jeremias, que compôs um lamento celebrando o grande rei reformador. Josias teve dois filhos, Eliaquim e Jeoacás, e por razões que não são explicadas, as pessoas puseram Jeoacaz, o mais jovem dos dois, no trono (2 Cr. 36:1-3).


Neco prosseguiu para o norte depois da batalha em Megido, alcançando Carquemis em meados do verão, e conseguiu proceder com o ataque e expulsão de Nabucodonosor e dos babilônios. Ele tomou o controle de Carquemis, deixando lá uma guarnição egípcia, mas não conseguiu ou não quis reinstalar um governante assírio, e Ashur-uballit silenciosamente desapareceu das páginas da história, junto com o império que ele representava. Nabucodonosor retornou para a Babilônia onde ele reagrupou suas tropas e começou a se preparar para um ataque posterior ao Egito com maiores forças. Neco retornou ao Egito, coroado com as vitórias sobre Josias e Nabucodonosor, mas no caminho ele parou em Jerusalém para tratar dos assuntos inacabados no estado de Judá. Jeoacaz não teve coragem para resistir aos exércitos do Egito, e de imediato se rendeu a Neco, que depôs o rei judeu e levou-o como prisioneiro para o Egito, onde este permaneceu até sua morte, assim como Jeremias predissera (Jr 22:11,12). Neco substituiu Jeoacaz pelo seu irmão mais velho, Eliaquim, mudando o seu nome para Jeoaquim (608-597), que concordou em pagar pesados tributos a Neco, o que gerou um aumento de impostos no país. Assim que Neco deixou Jerusalém, o profeta Jeremias alertou que apesar da vitória do Egito sobre Carquemis e sua glória momentânea, seu sucesso seria fugaz, e os babilônios logo retornariam para reverter as vitórias de Neco e seu exército (Jer.46). Por volta do ano 608 o profeta Habacuque trouxe sua mensagem de queixa, uma oração de objeção e protesto para Deus. Ele perguntou por quanto tempo Deus permitiria a aberta violência e pilhagem contra Seu povo. A resposta de Deus trouxe pouco conforto. Na verdade, as coisas piorariam, já que Deus estava levantando os babilônios para atravessarem o mundo trazendo julgamento sobre Seu povo rebelde. Diante disso Habacuque levantou sua segunda pergunta. Como Deus poderia usar os babilônios como um instrumento para julgar aqueles que eram mais justos do que eles? A resposta para esta questão assegurou Habacuque que apesar de Deus usar os babilônios injustos para cumprir seus propósitos, eles mesmos certamente não escapariam do julgamento divino por seus atos sanguinários. Habacuque concluiu sua profecia com um belo salmo-oração, registrado no terceiro capítulo de sua profecia, no qual ele celebra o poder de Deus e sua soberania sobre as nações, Sua majestade e santidade, e a certeza de que embora viessem tempos de disciplina e castigo, as promessas de Deus nunca falhariam.


Em maio de 605, Nabucodonosor retornou a Carquemis com um exército babilônio muito maior e atacou a guarnição egípcia que, reforçada por mercenários gregos, resistiu fortemente, causando grande carnificina em ambos os lados. Contudo, finalmente os egípcios foram subjugados e massacrados (Jr 46:12), e assim a batalha de Carquemis se tornou o momento decisivo de uma série sucessiva de vitórias a serem conquistadas por aquele que seria o maior de todos os reis da Babilônia. Com a queda de Carquemis, toda a siro-palestina estava aberta para Nabucodonosor, que perseguiu os egípcios por toda a região, tomando controle de toda esta terra sem uma luta sequer. Entre suas conquistas estava a da própria Jerusalém, quando Jeoaquim se submeteu sem resistência e se tornou um vassalo babilônico. Nabucodonosor seguiu sua campanha contra o Egito por todo o caminho até o Pelúsio e teria entrado no Egito, desafiando Neco em sua própria terra, se não fosse a morte inesperada de Nabopolasar em 16 de agosto de 605. Sem perder tempo, Nabucodonosor retornou à Babilônia em apenas 23 dias, apesar de sua breve parada em Jerusalém, onde tomou Jeoaquim como prisioneiro, junto com outros membros da nobreza judaica, e certos itens do Templo, tudo isso com a intenção de dispô-los como “troféus” de sua destreza militar, o que desencorajaria qualquer desafio à sua sucessão. Entre os membros capturados por Nabucodonosor estavam quatro jovens judeus chamados Daniel, Hananias, Misael e Azarias (Dn. 1). Nabucodonosor (605-562) Nabucodonosor (Nabu-kudurri-usur), um dos mais famosos governantes da história antiga, foi um homem de talento excepcional, tanto militarmente quanto administrativamente, e até os dias de hoje os monumentos que sobreviveram de sua época são sem igual em toda Mesopotâmia. A Babilônia descrita por Heródoto foi em grande parte o trabalho dos arquitetos de Nabucodonosor, e é claro, existem muitas referências bíblicas a esse grande rei, embora suas campanhas contra Jerusalém sejam apenas uma pequena parte de seu vasto envolvimento no Oriente Médio. A coroação inconteste de Nabucodonosor se realizou em 23 de setembro de 605. Ele então restaurou Jeoaquim como seu vassalo em Jerusalém, embora conservando muitos membros da nobreza na Babilônia, escolhendo alguns poucos entre os mais brilhantes e melhores para serem inserido no sistema educacional babilônico. Tomando providências para que fossem dadas as mais finas iguarias das mesas babilônicas, e qualquer acomodação, ele estava sem dúvidas pretendendo seduzir esses jovens exilados com o esplendor de seu reino, e alinhá-los com ele, com o


objetivo final de reinstalá-los em suas terras natais como leais burocratas babilônicos. O livro de Daniel detalha de história de um desses jovens nobres, cujo nome foi mudado para Beltessazar (“que Bel proteja sua vida”), juntamente com Ananias, que se tornou Sadraque (“a palavra de Aku”), Misael que foi nomeado Mesaque (“quem é como Aku?”), e Azarias, que foi chamado Abidenego (“servo de Nebo”). Esses quatro negaram a comida do rei, não porque violasse kosher, mas porque apagaria de suas mentes a consciência de que estavam exilados como parte do julgamento divino. Eles então pediram para comer como os exilados, e após um período de dez dias de teste, eles receberam permissão para fazê-lo de modo permanente. Mas de qualquer modo eles entraram em um período de três anos de estudo, se destacando entre todos os melhores estudantes entre as escolas babilônicas (Dn 1). Jeoaquim retomou seus deveres como rei no final do outono de 605, e no início do ano seguinte, Jeremias lembrou o rei de que desde o décimo terceiro ano de Josias, por 20 anos, ele tinha pregando a palavra de alerta de Deus, mas que sua mensagem vinha sendo ignorada, e logo, que o tempo tinha se esgotado. Deus estava determinado a trazer um grande julgamento sobre Jerusalém, um julgamento que duraria 70 anos, nos quais o povo de Deus assim com as nações ao redor, serviriam o rei da Babilônia, “bebendo o cálice” da ira de Deus por causa de perversão e desobediência.5 Porque Jeremias insistia que Jerusalém seria totalmente destruída, assim 5

Jer. 25. Ver também o exemplo de Jeremias a respeito dos recabitas, no cap. 35 e suas profecias contra o Egito (46), Moabe (48), Síria e Arábia (49).


como fora Samaria anos antes, o profeta foi capturado pelos sacerdotes e oficiais, que queriam vê-lo morto. Alguns dos príncipes de Jerusalém o salvaram, dando assim a ele uma oportunidade de se defender, e desta vez, persuadiu os príncipes que ele não deveria ser condenado a morte, relembrando como o profeta Miqueias tinha feito profecias similares durante o reinado de Ezequias, mas não tinha sido punido por isso (Jr 26). A ousada mensagem de Jeremias lhe trouxe a prisão, mas em seu confinamento ele reduziu à escrita toda a mensagem que vinha proclamando nos últimos 22 anos, fazendo com que fosse lida publicamente e em inteiro teor. Ele ditou sua mensagem a seu assistente, Baruque, orientando-o a lê-la nas proximidades do Templo. Baruque ficou atônito ao se ver nessa situação, queixando-se “Ai de mim agora! Porque me acrescentou o Senhor tristeza ao meu sofrimento; estou cansado do meu gemer e não acho descanso”. Jeremias encorajou Baruque, assegurando que mesmo que ele trouxesse uma mensagem tão dura para o povo, ainda assim ele seria preservado e protegido onde quer que ele fosse (Jr 45). Na primavera de 604, Nabucodonosor retornou para a Síria em uma nova campanha que foi pouco mais do que ser um desfile de seu poderio militar sem qualquer oposição. O governante babilônio lidou primeiro com a rebelião do rei filisteu de Asquelom, o matando e destruindo sua cidade. Ele também colocou sob seu controle Damasco, Tiro, Sidom e Jerusalém. Este tipo de campanha se tornaria mais ou menos um evento anual, que servia tanto para coletar os tributos quanto para punir cidades e territórios revoltosos. Neste sentido, Nabucodonosor estava imitando uma política muito bem-sucedida aprendida com os assírios. Enquanto Nabucodonosor estava envolvido nestas demonstrações, Jeremias foi liberto da prisão. Em dezembro do mesmo ano, durante os festivais religiosos, Baruque se ergueu como fora instruído por Jeremias, e leu o livro que fora ditado. A nobreza teve conhecimento destas atividades, e o convocou a ler o livro inteiro para eles de modo privado. Eles se aterrorizaram com os anúncios de julgamento de Jeremias e pegando o rolo de Baruque, avisaram a ambos que se escondessem. Os príncipes então levaram o rolo a Jeoaquim, e um deles leu enquanto o rei descansava perto do fogo em seu palácio de inverno. Jeoaquim ouviu apenas algumas linhas e de maneira arrogante cortou o pedaço que fora lido, jogando-o no fogo. Os príncipes se opuseram fortemente, mas Jeoaquim permaneceu intocado por seus apelos. É provável que ele se sentisse muito confiante como vassalo do grande rei babilônio, e tinha pouco interesse em se submeter às demandas de um profeta obstinado. Após o incidente, Deus disse a Jeremias que escrevesse outro rolo como o primeiro, mas dessa vez incluindo pronunciamentos específicos de julgamento sobre Jeoaquim por sua atitude


impenitente. O segundo rolo foi escrito, maior que o primeiro, e é provável que fosse constituído substancialmente pelos primeiros vinte capítulos do livro de Jeremias (Jr 26:11-32). Nabucodonosor teve um sonho terrível no ano de 603, uma visão que ele acreditou ser importante. Ele chamou os “sábios” ordenando que lhe dissessem qual fora o sonho e o significado, e é claro, eles foram incapazes de fazê-lo. Nabucodonosor poderia na verdade estar testando se seus bem- pagos adivinhos tinham tanto valor quanto diziam, e sua inabilidade de dar respostas provocou ira incontida no rei. Frente a tão evidente incompetência, ele ordenou que eles e todos os outros sábios do reino fossem sumariamente executados. Nesta época, Daniel e seus três amigos estavam terminando o terceiro ano de seus estudos, e a ordem de Nabucodonosor os exporia ao mesmo destino. Quando Daniel soube do decreto do rei, ele pediu tempo para procurar o conselho de Deus e entender o sonho e seu significado, e depois de passar uma noite em oração, Daniel se aproximou do rei e lhe explicou tudo: “Ó rei, eis que tu olhaste e viste diante de ti uma grande estátua. E, em tua visão, esta estátua era enorme e impressionante; estava em pé diante de ti, e tinha uma aparência terrível. A cabeça da estátua era feita de ouro puro, o peito e o braço eram de prata, o ventre e os quadris eram de bronze, as pernas eram de ferro, e os pés eram em parte de ferro e em parte de barro. Enquanto estavas contemplando toda a estátua, uma pedra soltou-se, sem auxílio de mãos, atingiu a estátua nos pés de ferro e de barro e os destroçou. Então o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro vieram abaixo, despedaçados; viraram pó, como o pó que se vê na eira, quando no verão se bate o trigo no terreno para separá-lo da palha. E o vento carregou todos os destroços sem deixar vestígio. Entretanto, a pedra que atingiu a estátua tornou-se uma montanha e encheu a terra toda”. (Daniel 2:31-35, Versão King James atualizada).


Uma vez que Daniel tinha descrito o sonho, ele explicou seu significado para o rei. Ele explicou que a cabeça de ouro era o próprio Nabucodonosor, como rei da Babilônia. O peitoral de prata com seus braços representava o próximo grande império gentio, o Império Medo-Persa. O ventre e os quadris de bronze faziam referência à Grécia. Por último, as pernas de ferro apontavam, naturalmente, para Roma. Os pés de ferro misturado ao barro se encaixam facilmente na descrição de uma Roma constituída de províncias semiautônomas unidas pela “República” romana. A pequena pedra era, claramente, o Messias, que é comumente representado como uma pedra ou rocha (“a pedra que os construtores rejeitaram”, etc.) “Nos dias destes reis” i.e. Roma, Deus estabeleceria Seu reino através do Messias, a quem “toda autoridade foi dada nos céus e na terra”. Esse reino, tendo removido o reinado dos gentios, cresceria para encher toda a Terra. Nabucodonosor estava tão impressionado com o poder de Daniel que o elevou a um alto status, o deu ricos presentes, e a pedido de Daniel, fez o mesmo a seus três amigos” (Dn. 2). No ano seguinte (602), Nabucodonosor ergueu uma imagem na planície da Babilônia, que pode ter lembrado o sonho que tivera ele tivera. Em uma visão exagerada de sua própria importância, ele exigiu que todas as pessoas adorassem a imagem, um pedido que era repugnante para os judeus cativos. Sua recusa em se submeter levou o rei a atirá-los numa grande fornalha, mas Deus os protegeu, o que resultou em sua promoção e ascensão no governo babilônio (Dn 3). Nabucodonosor retornou ao campo de batalha em 601, retomando a campanha contra o Egito que fora interrompida pela morte de seu pai e sua própria subida ao trono quatro anos antes. Mas Neco se antecipara ao ataque, e durante os anos de paz se preparara para o desafio, de modo que quando as duas forças se encontraram a batalha foi acirrada. Jeoaquim tolamente inferiu que a mudança de eventos mostrava que Nabucodonosor não era tão poderoso quanto ele tinha pensado, e começou a orquestrar sua própria revolta contra a Babilônia. Esperando reunir a ajuda de seus vizinhos, Jeoaquim apelou para os fenícios, moabitas, edomitas e egípcios por uma rebelião conjunta, enquanto Jeremias alertou que seus planos terminariam em catástrofe. Jeoaquim era muito orgulhoso para levar a profecia a sério, e em 599 ele e os outros se uniram para cortar o pagamento de tributos, e com isso iniciou uma série de eventos que levaria eventualmente à destruição de Jerusalém.


Nabucodonosor retornou para lidar com os rebeldes em 598, derrotando a coalizão Egito-Edom-Moabe-Fenícia, embora o próprio Jeoaquim tenha morrido misteriosamente nesta época, possivelmente por meio de um suicídio. Seu filho e sucessor Joaquim, brevemente segurou o cerco, mas o jovem rei rapidamente perdeu a coragem e se rendeu, e depois disso ele e toda a família real foram levados acorrentados ao palácio na Babilônia (2 Reis 24:8-12). Outros muitos milhares foram realocados, entre eles estava um jovem sacerdote chamado Ezequiel, que mais tarde foi transportado para a região de Nippur. Nabucodonosor saqueou o tesouro nacional, tomando grande despojo do Templo de Salomão e do palácio real. Ele fez do tio de Joaquim, Zedequias, com 21 anos de idade, o rei vassalo de Judá sobre a população sobrevivente (2 Reis 24:13-20). Neco, do Egito, morreu em 595, e foi sucedido por seu filho Psametico II (Psammis), oficialmente neutro, mas inclinado a fomentar um início de resistência à autoridade babilônica na Síria. Psametico entrou em contato com Zedequias, e ainda que este tenha sido colocado no poder por Nabucodonosor, ele foi persuadido a se juntar a Psametico na rebelião que este tinha concebido. Nesta época Nabucodonosor estava nesta época preocupado com um motim na Babilônia, o que permitiu aos dois tempo para preparar sua revolta. À medida que Zedequias e Psametico trabalhavam em seus planos, Jeremias recebeu uma ordem do Senhor para construir um jugo, e colocá-lo no pescoço, servindo como uma ilustração para advertir o povo de Judá e nações ao redor que eles todos seriam colocados sob o jugo de Nabucodonosor, e que eles deviam se submeter voluntariamente à sua autoridade. Se eles fizessem isso, suas vidas seriam poupadas, caso contrário, devastação se seguiria. Mensagens específicas foram endereçadas a Amon, Edom, Síria, Quedar e Hazor (nações árabes ao leste), e até para Elão (Jr 49). Jeremias especificamente avisou Zedequias para não confiar nas palavras mentirosas dos falsos profetas, e não se envolver em atividades anti-babilônicas. “Coloquem suas costas sob o jugo do rei da Babilônia” ele orientou, “e sirvam a ele e a seu povo, e vivam ... porque esta cidade deveria se tornar em ruínas?” (Jr 27:12,17). Zedequias não queria ouvir os alertas de Jeremias, preferindo o rival do profeta,


Hananias, um enérgico nacionalista, que com loucos devaneios de grandeza afirmava anunciar a palavra do Senhor. “Eu quebrei o jugo do rei da Babilônia” (Jr 28:2), ele clamava, prometendo que dentro de dois anos, Deus traria de volta o povo e os itens que tinham sido capturados por Nabucodonosor. Jeremias respondeu com um sarcástico “Amém!”, mas melancolicamente pronunciou o julgamento de Deus sobre Ananias por sua falsa profecia. Ananias morreu apenas dois meses depois (Jr 28). Apesar da instrução de Jeremias de que as pessoas deviam se submeter à Babilônia, ele não poupou severidade em seu pronunciamento contra os próprios babilônios, que cairiam eles mesmos sob o avanço de outras forças vindas do norte (Pérsia). Sua extensa diatribe foi enviada pelo mensageiro Seraías para a Babilônia como uma mensagem de danação contra a grande cidade, e uma mensagem de esperança para os cativos dali. Como um ato dramático final Seraías foi instruído a jogar o pergaminho no Eufrates anunciando que do mesmo modo, a Babilônia seria afundada. A mesma imagem é, claramente, usada no livro de Apocalipse (cap. 18) para descrever que a Grande Babilônia também seria atirada no mar pelo julgamento do Messias (cf. Jr 50,51). Apesar dessas advertências, Jeremias escreveu uma carta para os exilados em 590 encorajando-os a se assentarem e tirarem o melhor proveito de suas circunstâncias na terra da Babilônia (Jr 29). Ezequiel Deus comissionou o jovem sacerdote Ezequiel para ser um profeta para os exilados em 593, quando ele tinha 30 anos de idade. Ele se revelou a Ezequiel em uma grande teofania do trono de Deus sobre “rodas”, indicando que a autoridade de Deus não estava confinada a Jerusalém, mas se estendia pelo mundo inteiro, inclusive a Babilônia (Ezequiel 1). Deus ordenou a Ezequiel pregar para os exilados, assegurando para ele que, quer eles ouvissem ou não, o povo saberia que “um profeta tinha estado entre eles” (Ez.2). Ezequiel comeu o rolo, a mensagem, que era doce na boca, mas também cheia de amargor (Ez 3:1-11). Ezequiel foi transportado para o rio Quebar na Babilônia onde ele ficou entre os exilados por sete dias, em completo espanto, sem dizer uma palavra. Na


verdade, a partir daí, Ezequiel era mudo, exceto em raras ocasiões quando Deus o capacitava a profetizar (Ez 3:12-27). Como uma ilustração sem palavras, Ezequiel construiu um modelo de Jerusalém, representando a si mesmo no papel de Deus, que levantando cerco à cidade, e por muitos dias comeu o duro pão da fome para ilustrar a catástrofe que logo cairia sobre a capital de Israel (Ez 4). Em outro exemplo profético, Ezequiel cortou seu cabelo e o dividiu em três partes, queimando um terço, acertando outro terço com a espada e jogando o restante ao vento, enquanto guardava uma pequena porção deles em segurança. Tudo isso simbolizava o destino do povo em sua maldade, indicando que eles morreriam ou pelo fogo, ou pela espada, ou então seriam levados ao exílio, embora um remanescente fosse preservados (Ez 5-7). Em setembro de 592, Ezequiel foi arrebatado a Jerusalém em uma visão, e viu no templo práticas abomináveis e idólatras (Ez 8), enquanto anjos passavam pela cidade, marcando os fiéis (cf Ap 7) e matando o restante (Ez 9). Enquanto isso a glória de Deus estava se esvaindo do Templo (Ez 10) e o julgamento caindo sobre os perversos e os líderes corruptos (Ez 11), especialmente Zedequias, que finalmente seria cegado por Nabucodonosor (Ez 12:1-16). Ezequiel alertou que o cumprimento dessas predições estava em um futuro próximo, e de fato a queda de Jerusalém ocorreu dentro de seis anos (Ez 12:17-28). Profecias de “paz” quando não havia paz trariam punição sobre os falsos profetas (Ez 13). Quando certos anciãos pediram uma “palavra” do Senhor, Ezequiel condenou sua hipocrisia, que os impedia de ouvir a verdadeira mensagem de Deus, e os fazia aceitar apenas a mensagem de falsos profetas (Ez 14:1-11). Eles eram tão malignos, ele “rosnou”, que mesmo se homens tão justos quanto Noé, Daniel e Jó


habitassem na terra, eles seriam capazes de salvar a si mesmos, e não sua pátria (Ez 14:12-13), e que os habitantes de Israel eram como uma vinha morta, sem utilidade a não ser para serem usados como combustível barato (Ez 15). Ezequiel declarou que Deus se importara com seu povo como um pai amoroso cuida de seu filho, mas que Jerusalém “agia como uma prostituta” repudiando a misericórdia derramada sobre ela. (Ez 16). Ezequiel denunciou especialmente as negociações de Zedequias com o Egito, em sua famosa parábola da grande águia, representando Nabucodonosor, que carregava um galho de um grande cedro, representando Jeoaquim, e substituía o cedro por uma vinha baixa, representando Zedequias. A vinha, no entanto, se aliou à outra “águia”, o rei do Egito, e por causa disso Nabucodonosor voltaria para punir Jerusalém, levando a cidade ao seu colapso final (Ez 17). A queda de Jerusalém Por volta dessa época, um novo rei do Egito, chamado Apries (o bíblico Hofra, 589562) sucedeu Psametico II, trazendo uma ambição que em muito excedia o razoável. Apries e Zedequias logo fizeram um tratado no qual Zedequias concordava em se rebelar contra Nabucodonosor, entendendo que o Egito viria em socorro de Judá quando os babilônios atacassem. O plano era estúpido ao extremo, refletindo tanto a ingênua ambição de Apries e a confiança cega de Zedequias. Eles prosseguiram com o plano, apesar dos alertas persistentes de Jeremias. Zedequias reuniu um exército para a defesa de Jerusalém (Jr 37:1-10), e todos os líderes políticos e religiosos o seguiram. Para inspirar o moral entre as classes mais baixas, Zedequias libertou os escravos hebreus, mas donos de escravos reagiram de modo tão negativo que depois Zedequias revogou sua emancipação. Jeremias usou o incidente para renovar o alerta: “Vocês não têm Me obedecido dando a liberdade, cada um a seu irmão e ao seu próximo. Veja, eu proclamo liberdade para vocês ... para a espada, a pestilência e a fome!” (Jr 34:8-22). Suas palavras não eram um exagero, pois obviamente Nabucodonosor reagiu fortemente à rebelião e destacou um poderoso exército que chegou no final de 589, rapidamente sobrepujando as cidades fortificadas de Judá, e levantando


cerco à própria Jerusalém. Zedequias finalmente reconheceu sua tolice e pediu a Jeremias que orasse, mas ele também mandou uma mensagem à Apries pedindo sua ajuda como fora combinado.

Apries marchou em direção a Jerusalém com um grande exército, e quando Nabucodonosor soube do avanço, temporariamente abandonou o cerco, e encontrou os egípcios em batalha. Desta vez os egípcios foram derrotados, fugindo em retirada para sua terra, e abandonando seus antigos vassalos, enquanto Laquis e outras cidades eram retomadas pelos babilônios. Zedequias erroneamente pensou que a retirada dos babilônios significava uma intervenção divina em resposta à oração de Jeremias, mas o profeta apagou seu otimismo, alertando que os babilônios certamente retornariam, e que a profetizada queda de Jerusalém se cumpriria (Jr 37:1-10). Nabucodonosor retornou à Jerusalém e colocou novamente a cidade sob cerco em 20 de janeiro de 588 (2 Reis 25:1-2; Jr 39:4). No mesmo dia, Ezequiel anunciou a profecia da “panela” na qual Jerusalém era comparada com um recipiente colocado em fogo abrasador para que sua sujeira fosse removida, mas que no fim acabava destruído pelas chamas (Ez 24:1-14). O próprio Ezequiel enfrentou ainda mais um sofrimento, quando sua esposa repentinamente morreu e Deus o proibiu até de fazer os rituais de luto costumeiros. Do mesmo modo, o povo de Jerusalém foi privado da oportunidade de lamentar a queda de sua cidade (Ez 24:15-27). Conforme o cerco se intensificava, Ezequiel também pronunciou os “ais” contra as nações vizinhas que se alegravam com a calamidade de Jerusalém, entre elas Amon, Moabe, Edom e Filístia (Ez 25:1-17).


Conforme a situação se tornava mais sinistra, Zedequias mais uma vez pediu a Jeremias para orar, na esperança de que Deus ainda poderia trazer um grande livramento, como Ele fizera nos dias de Ezequias. Jeremias apenas respondeu que Deus não livraria Jerusalém, e que as pessoas deveriam se render para serem salvas (Jr 21:1-10), depois disso ele recorda Zedequias do longo histórico de avisos que ele vinha dando pelos últimos anos (Jr 21-24). Os príncipes ficaram tão ofendidos que pediram a morte de Jeremias, então Zedequias relutantemente o entregou para eles. Ao invés de o executarem, no entanto, eles jogaram Jeremias numa cisterna onde ele afundou até o pescoço em lama, e o deixaram lá por cerca de 30 dias. Um dos servos do rei, um etíope chamado Ebede-Meleque, finalmente intercedeu em favor de Jeremias, e ele foi levantado do lodo, e colocado novamente no Átrio da Guarda. Zedequias novamente perguntou a Jeremias o que ele deveria fazer, mas o profeta repetiu que ele deveria simplesmente se entregar, assegurando que se o fizesse, mal nenhum viria sobre ele. Zedequias tinha medo de se render, e no final, simplesmente devolveu Jeremias ao Átrio da Guarda (Jr 38). No início de 587, Ezequiel entregou uma extensa mensagem profética predizendo a queda de Tiro para os babilônios que ocorreu cerca de quinze anos depois (Ez 26). Em linguagem que antecipa a queda da “Grande Cidade” em Apocalipse 18, Ezequiel declarou, "Todos os que pegam no remo, os marinheiros, e todos os pilotos do mar descerão de seus navios e pararão em terra; farão ouvir a sua voz sobre ti e gritarão amargamente; lançarão pó na cabeça e na cinza se revolverão; far-se-ão calvos por tua causa, cingir-se- ão de pano de saco e chorarão sobre ti, com amargura de alma, com amargura e lamentação. Levantarão lamentações sobre ti no seu pranto, lamentarão sobre ti, dizendo: Quem foi como Tiro, como a que está reduzida a silêncio no meio do


mar?” (Ez 27:29-32). Mais ou menos pela mesma época, Ezequiel também trouxe uma série de alertas proféticos para a nação do Egito, na qual anunciou o julgamento contra a terra por ser uma amiga não confiável de Judá, especialmente nos ataques que estavam porvir (Ez 29-31). Depois de dois anos e meio de cerco, e com a fome assolando a cidade, os babilônios romperam os muros de Jerusalém. Em 15 de julho de 586, a cidade tombou (Jer 52:5-7; 2 Cr 36:17-21), ainda assim Zedequias escapou com alguns do exército, tentando obter refúgio no Egito. Ele foi capturado nas planícies de Jericó, e trazido para o quartel general de Nabucodonosor no rio Orontes, na Síria. Demonstrando pouca misericórdia, Nabucodonosor executou os filhos de Zedequias diante de seus olhos, e depois o cegou (Jr 52:8-11; 2 Reis 25:4-7). Em 15 de agosto de 586, o templo foi queimado e os muros de Jerusalém destruídos (2 Reis 25:8-10; Jr 39:1:10; 52:12-16; cf Salmo 74). Os instrumentos de adoração foram levados por Nabucodonosor para a Babilônia (2 Reis 25:18-21; Jr 52:17-23). Os líderes religiosos foram executados (2 Reis 25:18-21; Jr 52:24-27). Zedequias e o povo remanescente foram levados à Babilônia, apenas os mais pobres foram deixados na terra para cuidar dos campos e vinhas. Jeremias foi libertado da prisão no Pátio da Corte, e deixado sob os cuidados de Gedalias, a quem Nabucodonosor designou como governador sobre Judá (Jr 39:2-14).


Nos meses que se seguiram à queda de Jerusalém, Jeremias escreveu suas Lamentações, descrevendo a cidade como uma mulher, esquecida, a lamentar, incapaz de se recuperar do desastre (Lm 1). Ele reafirmou que o próprio Deus trouxeo julgamento, e que essa foi a resposta de um Deus santo contra o pecado e a rebelião da cidade (Lm 2). Ele lamentou sua própria angústia, enquanto se lembrava das misericórdias de Deus e sua fidelidade, assim como da impiedade dos inimigos do povo de Deus (Lam. 3). A agonizante severidade da fome em Jerusalém quando ela estava sob o cerco é relembrada pelo profeta em detalhes (Lam. 4). Ao mesmo tempo, Jeremias orou pelo dia em que Jerusalém seria restaurada e a benção seria derramada novamente sobre a terra (Lam. 5). Depois que os exércitos babilônicos tinham se retirado, Gedalias se encontrou com os comandantes sobreviventes dos exércitos de Judá, que eram liderados por um homem chamado Ismael. Ele fortemente os encorajou a se submeterem ao governo da Babilônia e não temerem Nabucodonosor (2Reis 25:22- 24). Gedalias foi posteriormente avisado que Ismael planejava assassiná-lo, mas não tomou o aviso a sério (Jr 40). Em outubro de 585, no entanto, Ismael assassinou Gedalias e alguns outros oficiais que tinham sido designados pelos babilônios, e depois fugiu com alguns reféns para o Egito (2 Reis 25;25-26). Outro oficial judaico, Joanã, matou Ismael e recuperou os reféns, mas temendo uma represália dos babilônios, se preparou para, por si mesmo levar o povo para o Egito (Jr 41).


Antes de partir, Joanã e os outros pediram que Jeremias perguntasse ao Senhor se eles deveriam ficar ou fugir, e dez dias depois, Jeremias disse ao povo que deveriam permanecer em Judá, e não se preocupar com Nabucodonosor. Ainda mais, Jeremias os alertou de que se eles fugissem para o Egito, o próprio desastre que eles tentavam evitar viria sobre eles (Jr 42). Apesar dos avisos de Jeremias, Joanã e os outros estavam determinados a ir para o Egito, deixando que seu medo de Nabucodonosor superasse sua confiança em Deus, e acreditando que eles encontrariam refúgio sob o faraó Apries. Eles forçaram Jeremias a ir com eles, e fugiram para Tafnes, na parte oriental do delta. Quando eles chegaram, Jeremias deu outra mensagem simbólica, enterrando algumas pedras e anunciado que Nabucodonosor em pessoa colocaria sua tenda sobre aquelas elas, trazendo o Egito inteiro sob seu domínio (Jr 43). Jeremias prosseguiu dizendo que aqueles que continuavam na idolatria que trouxera a ruína de Judá, seriam juntamente com o faraó Apries, destruídos do mesmo modo que Zedequias e Jerusalém (Jr 44). Os avisos de Jeremias caíram em ouvidos surdos. Notícias da queda de Jerusalém não alcançaram os exilados na Babilônia até o início do ano de 585. Ao ouvir sobre a catástrofe, Ezequiel lembrou seus ouvintes de que ele tinha sido uma “sentinela” (Ez. 33:1-20), soando o alarme de julgamento iminente, e que a ruína de Judá foi consequência da falha do povo de Deus em se arrepender sob os alertas proféticos (Ez. 33:21-33), assim como a falha dos líderes de Judá em prover a liderança apropriada (Ez. 34-1-10). Ezequiel, no entanto, prometeu que Deus um dia providenciaria um Pastor maior, um Davi, que seria um líder justo e reto, chamando o seu povo de volta dos mortos como se estivessem em um vale de ossos secos (Ez. 37). Trocando o seu coração de pedra por corações de carne, Ele guiaria o povo de Deus à adoração ao verdadeiro Senhor da aliança (Ez. 35:16- 38). Também foi nesta época que Ezequiel predisse uma das maiores crises que viria sobre o povo de Deus, o famoso ataque de “Gogue e Magog” descrito no capítulo 38, provavelmente se refere a ameaça do povo judeu sob o


reinado do rei persa Xerxes (486-464), que ocorreu cerca de 100 anos após a profecia de Ezequiel. O povo judeu estava prestes a ser exterminado, mas pela intervenção da rainha Ester, foi dada a eles a oportunidade de se defenderem e imporem uma grande vitória sobre seus inimigos (Ez. 39). Nabucodonosor atacou as cidades fenícias rebeldes em 585, especialmente as cidades que tinham participado na revolta. As cidades na costa caíram rapidamente, mas a cidade insular de Tiro suportou por longos treze anos. Foi marcante que o maior exército da época se encontrasse diante de uma pequena ilha fortificada, mas fosse incapaz de fazer algo por tanto tempo. “toda cabeça se tornou calva” (de tanto tempo em espera usando os capacetes), diz Ezequiel, e “e todo ombro fico esfolado” (de tanto carregar armas e equipamentos); e ele (Nabucodonosor) não obteve lucro para ele ou para seu exército...” (Ez 29:18). Os tirrenos, recebendo suprimentos pelo mar, contra-atacaram cada investida, e derrotando qualquer tentativa de construir um aterro e resistiram com incrível firmeza as durezas do cerco. Fora o prolongado cerco de Tiro, pouca informação está disponível referente aos últimos doze anos de reinado de Nabucodonosor. Em algum momento deste período, Nabucodonosor sonhou com uma grande árvore, cortada, e deixada apenas como um toco nos campos. Daniel aplicou o sonho ao próprio Nabucodonosor, que tinha elevado a Babilônia a proporções fabulosas, mas permitiu que seu orgulho sobrepujasse sua razão. Daniel o alertou ao arrependimento, mas um ano depois, enquanto Nabucodonosor estava inspecionando todas as suas grandes realizações, o que fora alertado pelo sonho veio sobre ele. Pronunciado o julgamento contra ele, Nabucodonosor foi humilhado à condição de uma fera selvagem, removido do trono, e forçado a viver exilado por sete anos. Apenas depois disso ele finalmente se acertou com o Único que era soberano sobre todos os assuntos dos homens (Dan. 4). Tiro sucumbiu ao cerco babilônico em 572. Seu esforço fora corajoso, mas ela finalmente teve de abrir mão para sobreviver. Josefo relata fragmentos de anais fenícios sugerindo que Nabucodonosor conseguiu uma rendição formal, tomou prisioneiros, e apenas então ele deixou o cerco, entregando alguns dos prisioneiros


a seus oficiais para que “fossem escoltados de volta à Babilônia juntamente com as tropas de reforço, e o restante dos aparatos do cerco, enquanto ele próprio voltou para o Eufrates pelo deserto com um pequeno destacamento de homens ... e agora que ele era senhor sobre todo o domínio que seu pai (Nabopolasar) tinha possuído, ele deu ordens que depois de sua partida os prisioneiros tivessem permissão para morar em províncias babilônias que lhes fossem adequadas.” Lá eles não viveram nem um pouco mal, sendo registrados pela poderosa burocracia e recebendo generosos benefícios. No mesmo ano da queda de Tiro, Ezequiel recebeu sua visão de um templo idealizado em Jerusalém. A visão, que abarca dos capítulos 40 a 48 de suas profecias, entra em grande detalhe ao descrever suas portas, seus pátios, suas câmaras, mas tudo isso deve ser entendido como sendo relacionado a um “novo templo” que Deus construiria com a vinda do Messias, um templo de “pedras vivas” como o Novo Testamento afirma claramente. Na visão de Ezequiel, a glória de Deus é trazida de volta ao templo, e a adoração apropriada ao altar. O caráter idealizado do templo é confirmado pela imagem das águas fluindo sob a estrutura, trazendo cura ao mundo, uma imagem refletida nas descrições da Nova Jerusalém em Apocalipse 22, na qual as águas são cercadas por árvores de ambos os lados, dando frutos por todo o ano, e trazendo cura por suas folhas. Em abril do ano seguinte, Ezequiel trouxe uma última proclamação contra o Egito, na qual anunciou que Nabucodonosor seria “compensado” pelo seu extenuante e ingrato cerco a Tiro através das riquezas do Egito (Ez. 29:1721), embora haja pouca evidência externa de tal compensação. Apries enviou um exército para Cirene em 570 para ajudar os líbios contra os gregos, mas eles foram derrotados, para o desgosto de seu povo, que o acusou de ter enviado soldados egípcios para a morte certa. O general Amasis (570-526) liderou um bem-sucedido golpe de estado contra Apries, e tomou o trono. Um tablete fragmentado no Museu Britânico alude a uma campanha de Nabucodonosor contra o faraó


Amasis em 568 e menciona uma cidade egípcia. Além deste indício pontual, há pouca evidência que comprove que os babilônios alguma vez colocaram seus pés no vale do Nilo. Evil-Merodaque (562-560): Como notado acima, os últimos anos de Nabucodonosor possuem poucos registros. Ele aparentemente morreu de uma doença nos primeiros dias de outubro de 562, o que trouxe o seu filho, Evil-Merodaque (Amel-Marduk), ao trono. O novo rei governou por apenas dois anos, deixando poucas informações sobre suas ações, embora ele tenha parecido impopular, sendo dirigido a corte ao invés do campo de batalha, e faltava a ele a habilidade e a coragem do pai. Berossus afirma que ele não se restringia pela lei e nem pela decência, mas ele parece ter tido uma atitude mais favorável para com os judeus, o que pode refletir a influência de Daniel. Ele concedeu um tratamento gentil para o exilado e idoso rei Joaquim de Judá, que tinha estado preso por 37 anos, libertando-o de sua prisão, e fazendo dele um de seus conselheiros, e assim dando evidência de que Deus não tinha esquecido Suas promessas com respeito à linhagem de Davi. Neriglissar (560-556): De acordo com Berossus, Evil-Merodaque administrou os assuntos de um modo ímpio, e assim foi responsável pela revolta contra ele por parte de seu cunhado, Neriglissar (Nergal-sharrausur), que conspirou para depô-lo, assassinando-o em uma conspiração palaciana, e depois ascendeu como o quarto rei do império Neobabilônio. Neriglissar era um espírito turbulento que alegava seu direito ao trono por ter-se casado com a filha de Nabucodonosor. Ele era certamente mais “babilônio” que Evil-Merodaque tinha sido, tendo participado nas guerras de Nabucodonosor, incluindo o cerco de Jerusalém. Durante os quatro anos de seu reinado, ele restaurou os templos em Borsipa e Babilônia, e conduziu com sucesso campanhas militares contra Apuashu, rei de Pirindu (no Oeste da Cilícia). Ele ergueu o chamado palácio “menor”, que à exceção daquele feito Nabucodonosor, era o maior e mais bem decorado, cheio do maior luxo e arte que existiam na época. Labashi-Marduk (556) A despeito de todas as suas realizações, Neriglissar reinou apenas três anos, morrendo em 556 sob circunstância que permanecem obscuras. Ele foi sucedido por seu filho, LabashiMarduk, que era apenas uma criança quando ascendeu ao trono, mas que revelava sinais tão grandes de maldade que seus amigos conspiraram contra ele, e nove meses depois, o torturaram até a morte. Os conspiradores então elevaram um dos seus, um homem chamado Nabonido (Nabu-naid), ao trono babilônio.


Nabonido (556-539): Nabonido não era um membro da família real, mas legitimara sua subida ao trono casando-se com uma das filhas de Nabucodonosor. Ele ansiava grandemente por reconstruir o templo da deusa lunar NannaSin em Haram, onde sua mãe fora sumo-sacerdotisa antes que a cidade fosse destruída pelos medos em 610. Ele esperava reestabelecer a cidade como um centro de religião mesopotâmica, e também assegurar o mercado e as rotas comerciais que eram tão importantes para a economia e segurança da Babilônia. Haram, no entanto, permaneceu nas mãos dos medos, e Nabonido sabia que não era forte o suficiente para atacá-los diretamente. Esperando fortificar sua posição, ele pediu o auxílio de um jovem e brilhante príncipe da província persa de Anshan, Ciro. Nabonido reforçou seu apelo a Ciro dizendo que o deus Marduk havia dado a ele uma revelação divina para formar uma aliança com os persas a fim de reconstruir o templo. Nabonido disse ter recebido a seguintes garantias de Marduk: Os Umman-manda (medos) de quem tu falas, eles e suas terras e os reis que se alinhavam a eles não mais existem. No decorrer do terceiro ano eu devo fazer Ciro, rei de Anshan, seu jovem escravo, expulsá-los. Com suas poucas tropas, ele dispersará os Umman-manda. Ele capturará Ishtumegu (Astiages), Rei dos Ummam-manda e o levará prisioneiro ao seu país. O Rei Ishtumegu chamou suas tropas e marchou contra Ciro, Rei de Anshan, para encontrá-lo na batalha. O exército de Ishtumegu se revoltou contra ele e acorrentado o entregaram a Ciro. Esse Ciro referido na visão é conhecido historicamente como Ciro, o Grande, que será tratado extensamente no próximo capítulo. Por hora, Ciro governava um vasto, mas isolado distrito da Pérsia, pagando tributo a seu avô, o rei medo Astíages. Esperando criar uma cisão entre Ciro e Astíages, Nabonido instou Ciro a se unir aos babilônios, e Ciro aceitou. Notícias do plano da revolta chegaram a Astíages, e ele imediatamente convocou seu neto a Ecbatana, a capital da Média. Ciro recusou a convocação, precipitando uma breve e devastadora guerra que resultou na vitória dos persas, pelo motivo principal da maior parte das tropas medias terem desertado para o lado do popular jovem persa. Praticamente do dia para a noite, Ciro se viu como o mestre tanto da Média quando da Pérsia. Nabonido recuperou Haram como intentara, e restaurou o templo da divindade lunar, mas em 551 inexplicavelmente mudou sua residência 800


quilômetros para o sul da Babilônia para Temã, que está localizada na Península Arábica. Ele permaneceu lá por cerca de dez anos, e até o dia de hoje os historiadores discutem sobre o que esteve fazendo todo aquele tempo. Sua explicação oficial para a ausência sugere que ele voluntariamente abandonou a Babilônia por causa das agonizantes guerras civis e fomes. A maior parte dos historiadores encontra pouca evidência que suporte essa explicação, mas não há dúvidas de que durante sua ausência Ciro esteve ocupado expandindo suas fronteiras, o que significava que era apenas uma questão de tempo até que os dois poderes entrassem em conflito direto. Durante sua ausência, Nabonido deixou a Babilônia nas mãos de seu filho, Belsazar (Bel- shar-usur), um soldado capaz, mas péssimo político cuja autoridade era cada vez mais contestada por um partido pró- Persa dentro da cidade. Esses simpatizantes persas davam apoio a Ciro, que se tornara bem conhecido pela sua política de ganhar a boa vontade de seus súditos ao invés de aterrorizá-los à submissão. Para muitos, Ciro apareceu como um libertador que tratava os prisioneiros com misericórdia, enquanto respeitava e até encorajava os cultos locais, tradições e costumes. Sua popularidade extraordinária atravessou o Oriente Próximo, e entre os babilônios muitos vieram a crer que estariam melhor como súditos de tão nobre príncipe. Durante o primeiro ano de Belsazar como vice-regente, Daniel, que estava agora com 70 anos de idade, registrou uma extraordinária visão encontrada no capítulo sétimo de suas profecias. Na sua visão ele viu quatro “bestas” subindo do mar, simbolizando quatro grandes poderes gentios que dominariam a história até a vinda do Messias. O primeiro era um leão, representando a Babilônia, e então um urso, que simbolizava a Pérsia. O terceiro era um leopardo, significando a ligeireza da Grécia sob Alexandre, e finalmente, a aterrorizante besta de ferro, naturalmente apontada como Roma (cf. p5-13). A besta final


tinha dez chifres, provavelmente se referindo a suas dez províncias e outro chifre, referindo-se a Herodes, ou à casa de Herodes, o usurpador do trono do Messias. Na visão essa besta final e seu “chifre” caíam sob o julgamento de Deus, que então dá o seu reino ao seu povo como parte da obra do Messias. Dois ou três anos depois da visão de Daniel, Belsazar e seu pai receberam um desesperado apelo de Creso, o rico rei da Lídia, que sofria um ataque pelas mãos de Ciro. Logo após sua vitória sobre Astíages, os persas embarcaram em uma série de brilhantes campanhas militares cujo foco foi a Ásia Menor, onde Creso era o mais proeminente monarca. Em seu caminho, Ciro ocupara a Cilicia, que era então um estado vassalo da Babilônia, e dessa forma, quebrou sua aliança com Nabonido forçando os babilônios a se alinharem com a Lídia. Nabonido concordou em ajudar Creso, se juntando aos egípcios e os lendários espartanos, que também vieram em suporte de Creso. Tendo se juntado a Creso, Nabonido sabia que era questão de tempo até enfrentar os persas frente a frente, e começou a construção de uma grande barricada ao longo do Eufrates, juntamente com outras medidas defensivas. Ciro se preparava para atacar Creso em 548, e ao mesmo tempo Daniel recebeu ainda uma outra visão, desta vez, viu um poderoso carneiro, simbolizando a Pérsia sob Ciro, mas indicando que a Pérsia seria um dia derrotada por outro poder, simbolizado por um bode muito veloz que vinha do oeste. Esse “bode” simboliza, claramente, a Grécia, sob Alexandre. Na visão, o chifre do bode se partia, o que significava a morte prematura de Alexandre, mas em seu lugar apareciam quatro outros chifres, e isso se referia à divisão do império de Alexandre entre seus quatro generais. Um descendente de um desses generais, Antíoco IV, aterrorizaria a terra de Israel, que estaria ligado a uma horrível perseguição que provocou a revolta dos macabeus em 165 a.C. Esses eventos serão explicados em detalhes no capítulo 7. Nabonido completou a construção de sua grande muralha em 547. Era uma estrutura colossal, com trinta metros de altura e nove de espessura, que se estendia do Eufrates até o Tigre. Ele também escavou muitos canais, feitos para frustrar o avanço de uma força invasora. Nabonido teve tempo de completar esses projetos pois Ciro estava ocupado no momento com sua disputa com Creso. Ainda que Creso tenha buscado a ajuda de Nabonido e outros em seu conflito antecipado, ele prosseguiu para a guerra antes que a ajuda viesse de qualquer lado, conduzido por uma ambígua promessa do Oráculo de Delfos, que dizia que quando Creso atacasse os persas, “um grandioso reino seria destruído”. Não considerando que o reino a ser destruído poderia ser o seu próprio, Creso mergulhou em uma batalha com os persas, mas ao falhar em seu ataque inicial, ele retornou para Sardes. A capital foi conquistada por Ciro 14 dias depois.


Uma vez que Ciro incorporou a Lídia, as outras cidades gregas da Jônia caíram uma a uma, e toda a Ásia Menor logo se viu sob o seu domínio. Ele então direcionou sua campanha na direção oposta, e logo, os maiores reinos do oriente caíram sob suas mãos. Pelos idos de 540, o Império Persa se estendia desde o Egeu até a Índia, uma distância de quase 6.500 quilômetros. Confrontado com tal gigante, Nabonido reconheceu que tinha pouca esperança de derrotar os persas em uma batalha aberta, mas ainda via tal expansão com certo desprezo, pensando que a cidade da Babilônia era perfeitamente segura. Nabonido duvidava que os persas poderiam sequer chegar à capital por causa da grande muralha que ele tinha construído, e mesmo que eles o fizessem, não seriam capazes de tomar a cidade. Ciro marchou sobre a Babilônia em 539, rompendo sua muralha defensiva, e derrotando o exército babilônio em uma batalha inicial. Nabonido, que tinha finalmente retornado da Arábia, ordenou que Belsazar dispusesse suas tropas ao longo do Tigre, mas os persas possuíam uma vantagem numérica esmagadora. Ainda mais, Gobrias (Gubaru), governador de Gutium (Assíria), que deveria ter protegido a ala esquerda do exército de Belsazar, passou para o lado inimigo. O exército recuou para a Babilônia e Ciro a colocou sob cerco. Quando Nabonido viu sua sorte mudar, ele fugiu para o sul, deixando Belsazar outra vez no comando. Ciro manteve a cidade sob cerco, mas era incapaz de penetrar a grande fortaleza, que tinha provisões para aguentar por 10 anos. Inicialmente as chances de Ciro não pareciam muito boas. Heródoto reporta que Ciro empregou uma estratégia para tomar a cidade que Belsazar não antecipara. Ele divergiu o fluxo do rio Eufrates, e assim foi capaz de marchar sob as muralhas e tomar a cidade de surpresa. Desta vez, Belsazar estava celebrando um grande banquete, mas seu humor foi mudou abruptamente quando ele viu a “mão escrevendo na parede” (Dn 5; cf. Isaías 21). Belsazar foi morto naquela noite, e os persas tomaram controle completo da Babilônia, a qual Ciro deixou sob o comando de “Dario, o medo” que era provavelmente Gobrias. O relato persa da queda da Babilônia é o seguinte: No mês de Tashritu (SetembroOutubro), quando Ciro atacou o exército de Acádia em Opis no rio Tigre, os habitantes de Acádia se revoltaram, mas ele (Nabonido) massacrou os habitantes confusos. No


décimo-quinto dia, Sipar foi tomada sem batalha. Nabonido fugiu. No décimo-sexto dia, Gubaru, o governandor de Gutium, e o exército de Ciro entraram na Babilônia sem qualquer batalha. Depois disso, Nabonido foi preso na Babilônia quando ele retornou (para lá). Até o final do mês, os gutianos, que carregavam seus escudos, estavam dentro de Esagila (o templo de Marduk), mas ninguém carregava armas em Esagila e suas construções. O tempo propício (para a cerimônia) não foi esquecido. No mês de Arahsamnu (Outubro-novembro), no terceiro dia, Ciro entrou na Babilônia. Grandes ramos de palmeira foram postas a seus pés. O estado de “paz” foi imposto sobre toda a cidade. Ciro enviou saudações a toda a Babilônia... Ciro desmantelou os muros externos da Babilônia, e então prosseguiu contra Nabonido. Este, no ataque que se sucedeu viu que não tinha esperanças e se rendeu. O rei babilônio foi tratado amistosamente por Ciro, e lhe foi dado o governo da Carmânia. Na Babilônia, a vida continuou quase como era antes, agora sob o governo do antigo general de Nabonido, Gobrias. De qualquer modo, com a queda da grande cidade para os persas, o Império Neobabilônico chegou em seu dramático capítulo final, cumprindo a profecia de Isaías cerca de 150 anos antes: Então ele me respondeu e disse “Caiu a Babilônia, caiu a Babilônia! E todas as suas imagens de escultura de seus deuses jazem despedaçadas por terra” (Isaias 21:9)



Capítulo 6

Pérsia (800-323 a.C.)

Pérsia é o nome antigo para a região do atual Irã, embora tenha havido um tempo em que o Império Persa se estendeu por todo o Oriente Próximo. O nome “Irã”, tem, por sua vez, sua raiz no termo “ariano”,o qual, como já vimos antes, se refere aos povos falantes do indo-ariano que migraram para o Mundo Mediterrâneo vindo do norte. Os ancestrais dos medas e dos persas migraram para a região no início do primeiro milênio a.C. A fronteira natural separando a Pérsia da Mesopotâmia era formada pelos Montes Zagros, que se estendiam por 1200 quilômetros de nordeste a sudoeste. O clima hostil das montanhas produziu guerreiros tribais que faziam ataques periódicos a seus vizinhos na Assíria e Babilônia. A fronteira sul da Pérsia ficava em Susa, a capital de Elão, uma cidade que já fora conectada à Suméria, como já vimos. De acordo com a “Tábua das Nações” de Gênesis 10, os medas (madai) descendiam de Jafé, que geralmente é associado com os povos indo-europeus. Estes migraram para o norte, e fizeram seu lar nas planícies austro húngaras, ou no sudeste russo. Durante a “Idade do Bronze” (entre 2300 e 1200), ondas deles retornaram como ancestrais dos gregos, hititas, mitani, assim como dos cimérios e citas. Embora acadêmicos divirjam em relação à data e rotas desses primeiros imigrantes indo-europeus para a Pérsia, a maioria concorda que o aparecimento difundido da chamada cultura do Ferro III (850 – 800 a.C.) nos Zagros é relacionada com a subida dos medas ao poder.


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Os Medas A primeira menção dos medas nos anais antigos é feita em um texto de Salmaneser III (858 – 824), e todo monarca assírio dessa época em diante faz alusão às tribos das montanhas causadoras de problemas, algumas vezes as chamando de “os poderosos medas”, “os medas distantes”, ou “os medas do Deserto de Sal”. Sansiadade V (824 – 811) registra ter punido severamente os medas em um momento, e durante o reinado de Adadenirari III (810 – 783), não menos do que oito campanhas foram feitas contra eles. Tiglate-Pileser III (745 – 727) e Sargão II (722 – 705) fazem referências frequentes aos medas, mas eles mostram interesse especial nos cavalos de guerra medas, que eram muito importantes para as campanhas assírias de conquista. Apesar dessas referências, a história inicial dos medas é obscura, e apenas uma nebulosa linha geral pode ser traçada. A maior parte da informação disponível vem do historiador grego Heródoto. Deioces (c. 728 – 675): Em seus anos iniciais, os medas eram apenas grupos tribais parcamente conectados, cada um com seu próprio príncipe ou chefe. O homem creditado pela primeira unificação dos medas foi Deioces, que, de acordo com Heródoto, iniciou sua carreira como um juiz de conflitos. Uma vez que as pessoas vieram a depender dele e confiar em seu julgamento, Deioces os persuadiu a fazer dele seu rei, depois estabelecendo seu palácio em Ecbatana.9 Conforme os medas começaram a se consolidar, eles se tornaram cada vez mais beligerantes, cada vez mais se embatendo em conflitos com os assírios. Esar-Hadom ficou preocupado o suficiente para, em 676, enviar um grande exército para o território da Média, e quatro anos depois, ele forçou tratados sobre os príncipes medas, exigindo que eles jurassem lealdade ao filho de Esar-Hadom, Assurbanipal. Os tratados podem ter tido como consequência não intencional o endurecimento de uma atitude anti-assíria, e encorajou ainda mais a consolidação de seu poder. Com certeza a violência e destruição trazidas pelas mãos dos grupos de invasão assírios gerou um profundo ressentimento, e é provável que Deioces tenha se aproveitado desse sentimento para reforçar sua própria reivindicação à liderança entre as tribos medas. 9

Heródoto, 1:95 em diante.


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Fraortes (675 – 653) Quando o filho de Deioces, Fraortes, subiu ao trono, a agitação entre os medas tinha atingido seu ponto de ebulição, fazendo com que Assurbanipal lançasse uma grande campanha que resultou na captura de 75 cidades medas. Fraortes reagiu formando uma coalizão antiassíria, que incluía os primos dos medas, os persas, ao sul, e um grande número de cimérios. Trazendo seu filho Ciaxeres consigo, ele lançou um contra ataque em 653, em um momento em que Assurbanipal tinha de dirigir sua força totalmente a rebeliões no Egito e na Babilônia. O rei meda invadiu diretamente a Assíria, enfrentando corajosamente seu poderoso exército em seu próprio território, mas, ainda assim, Assurbanipal posteriormente venceu os medas, matando Fraortes no processo. Com a morte do monarca, a coalização meda colapsou. Ciro I, da Pérsia reassegurou sua independência, e lançou sua ajuda a Elão e ao rei babilônio Samassuaquim em sua revolta contra os assírios, mas depois que Assurbanipal derrotou Elão, Ciro, de forma prudente, mudou sua política e enviou símbolos de submissão aos assírios. Ciaxeres poderia ter tentado outras campanhas contra Assurbanipal, mas outros problemas domésticos com os citas o forçaram a abandonar o plano. Assurbanipal, tendo mais problemas do que conseguia lidar, foi forçado a abandonar o Egito para Psamético, embora ele tenha recuperado a Babilônia e lançado uma campanha devastadora contra Elão, destruindo e saqueando até a antiga capital de Susa. Assurbanipal também poderia ter voltado sua atenção para os medas, mas como eles, foi prevenido de fazê-lo quando os citas varreram toda a região e a dominaram por cerca de 28 anos. Interregno Cita (653 – 625): De acordo com Heródoto, a Média e muitas das nações ao redor foram paralisadas por muitos anos pelos saques e pela pilhagem destruidora da esmagadora invasão dos citas. Heródoto descreveu os citas como vorazes selvagens, que consumiam e destruíam tudo, deixando um rastro de ruínas por onde passavam. Diante do massacre, o povo da Média fugiu para o refúgio de suas cidades fortificadas, embora muitos tenham sido feridos pelas lâminas curtas dos invasores. A maior parte da Média superior foi pisoteada pela turba, que massacrava de modo indiscriminado homens, mulheres e crianças. Muitas cidades medas foram cercadas até ficarem famintas, apenas para serem destruídas sem misericórdia quando se rendessem. Quando uma cidade era destruída, se se descobrisse que os recursos encontrados nela eram inadequados, os citas simplesmente seguiam para a região seguinte.


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Muitas outras áreas além da Média sentiram o baque da invasão cita, na medida em que os invasores desceram pela Mesopotâmia e Armênia, e depois seguiram para o oeste e sudeste pela Assíria, Síria e Palestina. Partes do Império Assírio foram completamente destruídas, embora ao oeste, o poder cita tenha tido menor força. A Síria, por exemplo, foi capaz de recuperar-se até que rapidamente da intrusão cita, e Judá parece ter escapado totalmente de problemas sérios em suas mãos. Psamético se destacou como o único monarca do mundo mediterrâneo que conseguiu deter um ataque direto dos citas. Ciaxeres (625 – 585): A dominação cita foi finalmente derrubada por Ciaxeres, filho de Fraortes, que seria lembrado como o maior rei dos medas. De acordo com Heródoto, Ciaxeres foi capaz de expulsar os citas, dando um grande banquete aos seus capitães, deixando-os bêbados, e então os atacando e matando.10Isso aconteceu em cerca de 625, logo depois de Nabopolasar ter reclamado o trono da Babilônia. Como já vimos, Ciaxeres e Nabopolasar mais tarde fariam uma aliança na qual seus impérios viriam a dominar quase todo o Oriente Próximo. Tendo recuperado o trono da Média, Ciaxeres começou a reconstruir seu exército, antecipando uma nova campanha contra a Assíria. Ele adicionou à força meda uma coalizão da Báctria, Pérsia, e Elão, e com seu crescente poder militar, foi capaz de prevenir futuros problemas da parte dos citas, ao mesmo tempo em que mantinha sob controle qualquer ameaça da Assíria, onde a situação não estava boa, na medida em que os vassalos assírios começavam a se distanciar do grande poder imperial. Josias de Judá, em várias ocasiões sequer levava a autoridade assíria em consideração enquanto implementava livremente reformas religiosas na Samaria, e os fenícios simplesmente romperam as relações e também pararam de pagar tributo. Enquanto isso, Nabopolasar aumentou a pressão sobre Saracus, enquanto as tribos da Anatólia tão somente desdenhavam daquele que fora um grande poder. Em suma, os anos entre 626 a 616 viram um pronunciado declínio de prestígio assírio por todo o Oriente Próximo. 10 Heródoto, 1:106


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Essas mudanças nas forças políticas começaram a subir à superfície em 616, quando Nabopolasar deixou a Babilônia e marchou em direção ao Eufrates para o distrito de Harã, e então, foi ao longo do Tigre até Arapa (Kirkuk) e Assur, a qual ele sitiou sem sucesso. Saracus, agora na defensiva, buscou e obteve uma aliança com o faraó egípcio Psamético, que começava a ver com preocupação o avanço dos medas e babilônios. Como temos visto, no entanto, os egípcios na verdade não enviaram socorro militar até que fosse tarde demais. Ciaxeres se juntou ao ataque à Assíria em 615, tendo como primeiro alvo a província de Arapa. Ao mesmo tempo, Nabopolasar empreendeu uma nova tentativa na Assíria, e, de novo, o ataque foi malsucedido contra a cidade de Assur, mas em 614, a maré mudava de modo decisivo contra Saracus. Ciaxeres atacou a cidade de Tarbisu, a nordeste de Assur, e então trouxe seu exército contra a grande capital. Seu ataque obteve sucesso, e ele massacrou uma boa parte do povo, saqueando a cidade, e levando prisioneiros. Logo após a queda da cidade, Nabopolasar chegou, esperando juntar-se ao saque da grande capital. Embora ele tenha chegado tarde demais para participar da conquista de Assur, os babilônios conseguiram entrar em um acordo de amizade com Ciaxeres, em que os dois juraram amizade e paz mútuos, selando sua aliança com o casamento entre a neta de Ciaxeres, Amitis, e o filho de Nabopolasar, Nabucodonosor. Os medas e os babilônios colocaram a cidade de Nínive sob cerco em 612, mas a cidade era bem suprida, e o progresso foi lento. Uma inundação no Tigre, no entanto, encurtou o cerco, e Nínive finalmente caiu em suas mãos quando colapsou. Saracus se retirou para o palácio, e reunindo consigo suas esposas e a corte real, ele acendeu uma grande pira funerária na qual todos eles morreram juntos. A cidade de Nínive foi totalmente destruída, como refletido na crônica babilônia que diz: “O grande espólio da cidade e do templo eles levaram e transformaram a cidade em um monte arruinado de entulho”, e assim, cumpriram de maneira gráfica as profecias de Naum e Sofonias (2:13-15). Um general assírio chamado Assurubalite assumiu o controle do império em desintegração, e escapando para Harã com um modesto grupo, ele se assentou com um governo temporário esperando a ajuda de Psamético. No meio tempo, os domínios assírios foram divididos entre os medas e os babilônios, enquanto Nabopolasar tomou a Babilônia, Carquemis, Síria e Palestina, Ciaxeres assumiu o controle de uma vasta região que se estendia desde a Assíria até a Ásia Menor. Os dois impérios cultivaram uma


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relação de amizade que durou por muitos anos. Tendo assegurado sua posição no leste, Ciaxeres lançou uma campanha para o norte e o oeste que durou por mais de vinte anos (612 – 585). Começando pela Armênia, ele marchou incansável para o oeste Capadócia adentro, e de lá para a Anatólia, onde ele encontrou tribos descendentes dos hititas, assim como bandos errantes de citas. Enfim, sua campanha o trouxe às portas da Lídia, que nessa época era governada por Aliates (619 – 560), um descendentes direto de Giges (680 – 645). Aliates foi um líder brilhante, que, finalmente tinha conseguido expulsar os cimérios de seus domínios, e então conquistou Esmirna, Milésia, e o restante da Ásia Menor.11 Ciaxeres e Aliates batalharam de 590 a 585, mas a guerra terminou de forma dramática na famosa Batalha do Eclipse em 28 de maio de 585, quando um eclipse total do sol foi interpretado por ambos os lados como um ominoso sinal de que os deuses se opunham a sua guerra.12 Nabonido (Labynetus, em Heródoto), que nessa época servia como um general no exército de Nabucodonosor, intermediou o tratado entre os antagonistas, e foi ratificado quando Aliates deu sua filha, Ariene, a Astiages, filho e sucessor de Ciaxeres. 13 Os tratados entre os três poderes, Babilônia, Média, e Lídia, levou a um extenso período de paz que correspondeu de forma aproximada aos 70 anos do “Sábado” na terra de Israel, que tinha sido profetizado por Jeremias. Ciaxeres faleceu em 585, e foi sucedido por Astiages. Astiages (585 – 550): Astiages não possuía o caráter e a coragem de seu pai, e embora seu reino tenha tido poucos acontecimentos importantes, ele revela as falhas de caráter de uma pessoa acostumada à vida fácil da corte, e não à dureza dos campos de batalha. De acordo com Heródoto, logo após Astiages se tornar rei, ele sonhou que sua filha Mandane daria à luz um filho que um dia varreria e subjugaria a Média. Temendo a auspiciosa visão, Astiages deu sua filha em casamento a um príncipe persa, Cambises, o filho de Ciro I, assumindo que os subservientes persas nunca representariam uma ameaça à Média. Pouco tempo depois, Astiages teve outro sonho no qual ele novamente previu que o filho de Mandane seria um poderoso conquistador. Por que ela já estava grávida da criança, Astiages a trouxe de volta para casa, na intenção de assassinar seu 11 Heródoto, 1:17,18 12 Muitos traçam o início da filosofia pré-socrática à previsão correta feita deste famoso eclipse por Tales. 13 Heródoto, 1:106


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filho tão logo ele nascesse. A criança nasceu em 583, e pouco tempo depois, Astiages ordenou a seu servo, Hárpago, levar a criança e abandoná-la para morrer. Hárpago temeu tomar a vida do monarca, e então ordenou a um de seus pastores, Mitrídates, a lidar com a situação. Mitrídates levou o bebê para sua casa, onde ele encontrou uma perturbada esposa que tinha acabado de dar à luz à criança. Quando Mitrídates contou à sua esposa sobre a ordem, ela chorou, e suplicou a seu esposo que mantivesse o recém-nascido em sua casa, no lugar da criança que ela acabara de perder. Ela instou que a criança morta fosse substituída pela viva, assim escondendo a fraude. Mitrídates concordou, e três dias depois, ele tomou o corpo da criança morta de volta a Hárpago, anunciando que a ordem tinha sido levada a cabo.14 Mandane, crendo que seu filho estava morto, retornou a seu marido na Pérsia, e o pastor criou a criança como sua, não sabendo que seu filho adotado um dia governaria o mundo como Ciro, o Grande. Heródoto alega que a verdadeira identidade da criança foi descoberta dez anos mais tarde, quando Ciro enfureceu um de seus adversários em um jogo no qual ele fazia o papel de rei, e ordenou que seu amigo fosse punido por alguma desobediência. Quando o pai do garoto reclamou com Astíages, o rei enviou o jovem Ciro, não sabendo que ele era, na verdade, seu próprio neto. Depois de questionar a criança, Astíages suspeitou de sua verdadeira identidade, e chamou o pastor, Mitrídates, tirando dele toda a verdade. Astíages então chamou Hárpago, que confessou toda a história, e ficou aliviado quando pareceu que Astíages tinha aceitado a explicação sem se irar, dizendo que isso fora para o melhor. Astíages, no entanto, se vingou de maneira sádica de Hárpago, convidando-o para um banquete, e servido a Hárpago seu próprio filho como jantar. Depois de Hárpago ter inadvertidamente ceado a incomum “iguaria”, Astíages revelou-lhe a medonha natureza de sua refeição. 15 Hárpago não falou nada na ocasião, mas abrigou um amargo desprezo por anos, como será visto. Astíages então procurou a guia de seus magos, sobre como deveria lidar com a recémdescoberta de seu neto. Os magos asseguraram a Astíages que o sonho real de Ciro tinha se cumprido na brincadeira que as crianças tinham feito, e que Astíages não tinha motivo para temer. Astíages concordou, e depois de chamar o jovem Ciro, o enviou de volta a seus verdadeiros pai e mãe na Pérsia, que receberam sua chegada inesperada com surpresa e alegria.16 14 Heródoto, 1:7-13 15 Heródoto 1:14-19 16 Heródoto 1:20-22


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Embora muitos considerem essa história do nascimento e primeiros anos como apócrifa, há alguma evidência de que Ciro tenha visitado seu avô meda várias vezes quando jovem, e ele parece ter desenvolvido um saudável desdém pela vida fácil da corte de Astíages (cf. Xenofonte Ciropédia). Ele pode até ter começado a cogitar um tempo em que os persas poderiam se ver livres do poder meda, mas em 559, quando Ciro tinha cerca de 24 anos, ele se tornou sujeito a Astíages em uma região persa chamada Ansã. Apenas três anos mais tarde, Nabonido ascendeu ao trono da Babilônia, tendo assassinado o jovem Labasi-Marduque. Nesse ponto, Ciro já tinha expandido seu território, mas continuava a pagar um pesado tributo a seu avô, embora Ciro soubesse que mais cedo ou mais tarde a sua oportunidade de quebrar o julgo meda chegaria. Veio a acontecer que seria o rei da Babilônia que criaria a oportunidade de Ciro. Nós vimos que Nabonido alimentava o sonho de reconstruir o templo de Sin em Harã, que tinha estado nas mãos dos medas desde 610. Ele propôs que Ciro se juntasse à Babilônia em uma revolta contra Astíages, e Ciro concordou, embora Astíages tenha tomado conhecimento do plano e convocado seu neto à Ecbatana. Quando Ciro se recusou a obedecer, uma guerra amarga estourou, mas Hárpago teve sua vingança ao trair Astíages junto a Ciro, e assim do dia para a noite o jovem príncipe se viu sendo o mestre tanto da Pérsia quanto da Média.

Pérsia A reivindicação de Ciro tanto à Pérsia quanto à Média foi vastamente aceita por ambos os reinos. Os persas o viram como um salvador dos medas, enquanto os medas o viam como o sucessor legítimo de Astíages, dado que ele era neto de Astíagens, e logo, um descendente da linhagem real meda. Além disso, Astíages não era popular na Média, e a mudança de regime foi vista com certo otimismo por muitos no reino. Ciro (550 – 530): Sem dúvida, Ciro foi um dos mais marcantes conquistadores do mundo antigo, tanto por seu sucesso quanto por sua humanidade. Mesmo o Antigo Testamento o vê muito favoravelmente, distinguindo Ciro como a única pessoa não judia a ser chamada de “messias” ou “ungido” (Isaías 45:1). Esse tratamento benigno ocorre em grande parte pelo fato de ele ter libertado o povo judeu do cativeiro babilônico, e decretado que o templo de Jerusalém deveria ser reconstruído (Esdras 1:1 em diante).


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Quando Ciro ascendeu ao trono, seu maior concorrente era o fabulosamente rico Creso, rei da Lídia, que tinha se tornado o poder dominante na Ásia Menor quando Ciro ainda era um vassalo de Astíages. Creso tinha trinta e cinco anos quando da sua ascensão em 560, e ele imediatamente renovou a campanha de seu pai contra o território da Lídia na Ásia Menor em direção ao leste até a Anatólia e além. Ele teve um relativo sucesso, e seu domínio foi muito expandido, mas Creso ainda assim via Ciro com certa preocupação, e quando ele ouviu que Astíages tinha sido derrotado, ele teve motivos para se preocupar que Ciro voltasse sua atenção para o oeste. Heródoto registra que no início do reinado de Creso, ele recebeu a visita de Sólon, o famoso legislador de Atenas (embora muitos duvidem que tal encontro tenha ocorrido devido a problemas cronológicos). De acordo com Heródoto, Creso perguntou a Sólon quem ele pensava ser o homem mais feliz que existia, mas se surpreendeu quando Sólon citou certas figuras falecidas invés do próprio Creso. Quando pressionado, Sólon explicou que a felicidade não estava assegurada até que a pessoa tivesse chegado ao fim de sua vida, pois era sempre possível que a vida roubasse um homem de sua aparente boa sorte. Creso mandou Sólon embora com desdém, mas em 553 ele perdeu seu filho e herdeiro, compreendendo a verdade da advertência de Sólon.17 Essa palavra de Sólon voltaria para assombrá-lo quando ele posteriormente se encontrou com o príncipe da Pérsia. Ciro lançou sua campanha em direção ao oeste em 549, embora os persas não deem sinal claro de que tinham intenção de desafiar Creso diretamente. Ainda assim o rei lídio decidiu que ele se daria melhor tomando a iniciativa contra Ciro do que esperando ser atacado, embora ele também temesse dar o primeiro passo sem confirmação de um dos famosos “oráculos” gregos. Depois de testar a credibilidade de muitos, Creso determinou que os únicos oráculos confiáveis estavam em Delfos e Amfiarus, e para ambos, Creso preparou majestosos presentes, depois disso perguntando se ele deveria sair para a guerra contra o exército persa. O Oráculo de Delfos deu sua famosa resposta ambígua, dizendo que se Creso atacasse a Pérsia “...um grande império seria destruído”. Creso ficou muito feliz, assumindo de forma errada que o “império” mencionado não era o dele mesmo.18 O oráculo também encorajou Creso a formar uma poderosa aliança com alguns de seus vizinhos antes de ir à batalha, e Creso concordou enviando emissários para Atenas e Esparta. Naquele tempo, os atenienses estavam sob a forte tirania de Pisístrato, que por motivos que serão mostrados no próximo capítulo, era incapaz de enviar ajuda, embora os espartanos tenham concordado em enviar mercenários para a Lídia.19 Creso também enviou pedidos de ajuda a seus tradicionais aliados, os egípcios, que se encontravam sob o último rei da 26º Dinastia (Saíta), Amásis II, e este também concordou em ajudá-lo. 17 Heródoto, 1:29 em diante. 18 Heródoto, 1:46-55 19 Heródoto, 1:56-70


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Além destes, Creso também buscou a ajuda da Babilônia, com quem a Lídia tinha tido relações cordiais desde que o general babilônio Nabonido tinha assertado a paz na Batalha do Eclipse. O mesmo Nabonido, o novo rei da Babilônia, estava preocupado com sua própria exposição a um ataque dos persas, mas ele, ainda assim, não deu uma resposta imediata a Creso pois não queria criar uma brecha em um tratado feito anteriormente com Ciro. O tratado tinha então beneficiado Nabonido porque tinha levado à libertação de Harã, e o rei babilônico não estava disposto a romper sua amizade. Por outro lado, Nabonido temia que Ciro pudesse ter em sua mente alguma possível ação contra a Babilônia, e então ele começou a desenvolver suas próprias defesas contra o crescente poder da Pérsia, de início construindo um grande muro de trinta metros de espessura do Eufrates ao Tigre, e também escavando um grande número de canais criados para impedir o progresso dos persas caso eles invadissem. Primeiro, Ciro subjugou os assírios, que não resistiram, e que provavelmente sequer devem ter notado a mudança de regime da Média para a Pérsia. Ele então tomou como alvos o norte da Síria e a Anatólia, e dali cruzou o Tigre na altura de Nínive e marchou em direção ao oeste por Harã. Ciro depois marchou para a Cilícia, que era um estado vassalo da Babilônia, e com essa aquisição, ele oficialmente quebrou a aliança com Nabonido, justificando a decisão babilônia de se aliar com a Lídia e seus aliados. A seguir, Ciro planejou ocupar a Capadócia, o último refúgio separando seus próprios territórios daqueles da Lídia. Não temos certeza se Ciro tinha a intenção de marchar mais para o oeste a partir de lá, mas veio a ocorrer que ele não teria de tomar essa difícil decisão, porque Creso, influenciado pelo oráculo “favorável”, liderou suas forças contra Ciro na Capadócia antes mesmo da chegada dos reforços mercenários. Creso estava motivado tanto por seu desejo de obter a Capadócia para si, como também pelo seu desejo de vingar a derrota de Astíages, que se tornara parente de Creso por casamento. Creso avançou na Anatólia Central e disputou com os persas em seu próprio terreno, mas a batalha travada chegou a um resultado inconclusivo, e Creso decidiu se retirar para Sárdis e aguardar seus aliados chegarem antes de voltar à batalha na primavera. Porém, Ciro não seria facilmente distraído, e perseguiu os lídios até sua morada, fazendo sítio à


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Sárdis.20 A capital lídia caiu para Ciro após um mero período de 14 dias de sítio quando os persas descobriram uma “porta dos fundos” próxima a um penhasco aparentemente inexpugnável que não era bem vigiado. Depois de tomada a cidade, Ciro estava prestes a queimar Creso em uma grande pira, mas quando as chamas foram acesas, o rei lídio gritou o nome de Sólon duas vezes, lembrando o conselho que tinha recebido anos antes. Ciro ficou tão intrigado pelo fato que ordenou que o fogo fosse extinto e questionou Creso sobre o assunto, depois disso ele decidiu manter Creso como conselheiro, um posto que ele reteve pelas vidas tanto de Ciro quanto de Cambises.21 Depois da derrota de Sárdis em 547, Ciro deixou Hárpago no comando de subjugar o restante da Ásia Menor, e com o tempo as cidades da Jônia caíram uma a uma para os persas, de modo que toda a Ásia Menor finalmente se submeteu ao domínio persa.22 Ciro retornou à sua capital, e de lá ele focou sua atenção na sua fronteira leste, onde a Báctria foi sua inimiga mais formidável. Os báctrios, que tinham sido associados aos medas, eram corajosos e belicosos, mas, de modo geral, eram menos habilidosos que os persas, e também foram lentamente sendo assimilados ao seu império. Ciro foi igualmente bem-sucedido em outras batalhas difíceis no oriente, de modo que em 540, seu império se estendia do Egeu até Palmira, uma distância de quase seis mil e quinhentos quilômetros. Agora, enfim, Ciro se voltou para o seu último grande conflito, Babilônia, da qual a glória é melhor descrita por Heródoto.23 A campanha babilônia começou em 540, quando Ciro voltou sua atenção para o reino de Nabonido, a quem os persas nunca tinham perdoado por ter feito aliança com Creso. Quando Ciro liderou seu exército para o sul em direção à Mesopotâmia, Heródoto relata que ele se deparou com o rio Gindes (moderno rio Diala), e ficou furioso quando um de seus valiosos cavalos se afogou ao tentar cruzá-lo. Ele então “puniu” o rio dividindo-o em trezentos e sessenta 20 21 22 23

Heródoto, 1:71-80 Heródoto, 1:81-87 Heródoto, 1:141-176 Heródoto, 1:177-200


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córregos menores, finalizando o ataque na primavera de 539.24 De início, Nabonido não levou a ameaça tão a sério, superestimando suas defesas, e duvidando que os persas conseguiriam invadir, e muito menos, conquistar, a cidade. Conforme Ciro começou a marchar, Nabonido ordenou que seu filho Belsazar distribuísse as tropas ao longo do Tigre, mas o príncipe logo descobriria que ele seria confrontado por uma superioridade numérica irresistível do lado de fora, e para piorar, o aliado de Nabonido, Gubaru (Gobrias), governador de Gutium (Assíria), tinha mudado de lado. Belsazar e suas forças foram derrotadas em sua primeira tentativa, e saindo em retirada, fugiram buscando proteção atrás dos grandes muros da Babilônia. Ciro cruzou o Tigre sem oposição subsequente, chegando às imediações da Babilônia no outono de 539. Nabonido fugiu para o sul, deixando o governo da cidade nas mãos de seu filho, embora ele ainda acreditasse que a Babilônia sobreviveria, dado que tinha provisões para suportar um cerco de dez anos. Mesmo Ciro sabia que não poderia tomar a cidade de assalto, então ele decidiu invés disso fazer um experimento revolucionário no qual ele estava preparado para divergir o fluxo do Eufrates em vários pequenos canais, o que reduziria o nível do rio que cortava a cidade. Ele então aguardou o grande banquete do Ano Novo Babilônico, e ao sinal, o nível da água deveria ser baixado a um ponto em que os persas pudessem marchar pelo leito do rio sob as muralhas, e tomar a cidade de surpresa.25 Dentro da cidade, Belsazar tinha convidado 1000 nobres ao seu palácio, e mostrando uma imagem de confiança, ele ordenou que os vasos sagrados dos templos conquistados fossem trazidos, inclusive aqueles tomados por Nabucodonosor em Jerusalém. Enquanto celebravam, Belsazar viu a famosa “escritura na parede” com as palavras hebraicas “mene, mene, tequel, parsim”, nomes comuns de moedas na Babilônia. Belsazar podia ler as palavras, mas ficou estupefato e horrorizado, incapaz de compreender seu significado. A rainha (ou rainha-mãe) lembrou o príncipe de Daniel, agora idoso e, é provável, muito importante, que tinha servido na corte de Nabucodonosor. Belsazar convocou Daniel, e ofereceu a ele o terceiro lugar no reino (depois de Nabonido e do próprio Belsazar) se ele pudesse dar sentido àquelas palavras misteriosas. Daniel recusou a oferta, mas, ainda assim, interpretou as palavras: mene (cerca de cinquenta shekels), tequel (um shekel), e parsim (metade de um shekel). No vernáculo moderno seria algo como ‘real, real, um quarto disso, e cinco centavos’. Daniel entregou sua mensagem em trocadilhos simples, em algo como, “...seu país foi medido e divido em um quarto, e agora não vale cinco centavos”. Belsazar retribuiu a Daniel por seu esforço, mas naquela mesma noite a cidade caiu nas mãos de Ciro e o príncipe 24 Heródoto, 1:188-189


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foi morto.26 Ciro desmantelou a muralha externa da grande cidade, e então prosseguiu em busca de Nabonido, que então foi cercado e a quem depois generosamente deu o governo sobre uma província menor. Não muito depois, o que sobrava do mundo mediterrâneo, incluindo Susiana, Palestina, Síria, e Fenícia, prontamente caiu nas mãos dos persas, dando a ele o maior império que já existira até aquele tempo. Na Babilônia, a vida permanecia estável, e Ciro os tratou com o máximo respeito, confiando o governo da cidade ao antigo general de Nabonido, Gobrias, que provavelmente é o personagem referido como “Dario, o medo” em Daniel, 5:31; 6;1,2; 9:1,2; e 11:1.27 Após a queda da Babilônia, “Dario” recebeu o reino da Babilônia, presume-se, do próprio Ciro (Dn 5:31). Os 120 sátrapas mencionados em Dn 6:1 se referem a governadores da Babilônia, invés de sobre todo o Império Persa, que ainda não tinha sido organizado. Ciro deixou a Babilônia aos cuidados de Gobrias, que estava tão impressionado com o ancião Daniel que pensou em fazer dele vizir, ou seja, o segundo em comando, atrás apenas do próprio Gobrias (Dn 6:3). Gobrias foi enganado a fazer um tolo decreto pelo qual Daniel fosse jogado na 25 Heródoto, 1:190-191 26 Daniel 5 27 A identidade de “Dario, o medo” permanece controversa. Há duas grandes teorias: que “Dario” se refere a Gobrias, ou que se refere ao próprio Ciro. Das duas opiniões, a última tem mais apelo. Mesmo que a referência seja a Gobrias, a questão se complica pelo fato de que há dois homens com esse nome mencionados nos textos cuneiformes: Gubaru I, o conquistador (com Ciro) da Babilônia, e Gubaru II, o governante posterior da Babilônia. Por muitas razões, o primeiro parece mais ter sido o homem mencionado por Daniel. Para uma discussão mais detalhada, ver Yamauchi, Pérsia e a Bíblia, Baker Books, Grand Rapids, MI (1990), p. 58 em diante. Também há evidência a favor da identificação dele com Ciaxeres II, mencionado por Xenofonte.


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cova dos leões, mas Deus protegeu Daniel durante a noite, fazendo com que o julgamento de Gobrias caísse sobre os acusadores de Daniel. No ano seguinte, Daniel prometeu que os 70 anos que tinham sido previstos por Jeremias se aproximavam do fim, e ofereceu a grande oração de arrependimento registrada no capítulo 9 de suas profecias. Confessando seus próprios pecados, e os pecados do povo, ele orou para que Deus mais uma vez perdoasse e mostrasse misericórdia. Em resposta, Deus enviou Gabriel para mostrá-lo uma das profecias mais importantes do Antigo Testamento, as conhecidas “70 semanas de Daniel”. Embora polêmica considerável cerque o significado e medida adequados dessas “semanas”, parece mais provável que as semanas (de anos) meçam o tempo do comando final para reconstruir Jerusalém (sobre Artaxerxes I) conforme registrado em Neemias, culminando no trabalho do Messias, que foi “cortado” no meio da 70º semana, mas que então retornou como “o príncipe que estava por vir” e que finalmente destruiu a cidade de Jerusalém com uma “inundação” (ou seja, o grande exército, Roma), em 70 d.C. No ano 538, Ciro deu a ordem para que os judeus exilados fossem autorizados a retornar a Jerusalém e voltassem a reconstruir o templo. Ele fez proclamações similares para outros santuários religiosos destruídos pelos babilônios, mas Josefo enfatiza de forma especial a ênfase de Ciro no templo de Jerusalém: Esse soberano falava assim porque lera nas profecias de Isaías, escritas duzentos e dez anos antes que ele tivesse nascido e cento e quarenta anos antes da destruição do Templo, que Deus lhe tinha feito saber que constituiria a Ciro rei sobre várias nações e inspirar-lhe-ia a resolução de fazer o povo voltar a Jerusalém para reconstruir o Templo. Essa profecia causou-lhe tal admiração que, desejando realizá-la, mandou reunir na Babilônia os principais dos judeus e anunciou que lhes permitia voltar ao seu país e reconstruir a cidade de Jerusalém e o Templo, que eles não deveriam duvidar de que Deus os auxiliaria nesse desígnio e que escreveria aos príncipes e governadores de suas províncias vizinhas da Judeia para que lhes fornecessem o ouro e a prata


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_____ _ __________________Nação _________________________________6-216 de que iriam precisar e as vítimas para os sacrifícios.28 A linguagem do Decreto de Ciro abre o livro de Esdras: No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do SENHOR, por boca de Jeremias, despertou o SENHOR o espírito de Ciro, rei da Pérsia, o qual fez passar pregão por todo o seu reino, como também por escrito, dizendo “Assim diz Ciro, rei da Pérsia: O SENHOR, Deus dos céus, me deu todos os reinos da terra, e me encarregou de lhe edificar uma casa em Jerusalém de Judá. Quem dentre vós é, de todo o seu povo, seja seu Deus com ele, e suba a Jerusalém de Judá e edifique a Casa do Senhor, Deus de Israel; ele é o Deus que habita em Jerusalém.”29

Ao ouvir a ordem, muitos dos líderes judeus começaram a se preparar para a viagem de volta a Jerusalém. Ciro proveu fundos para a jornada, e restaurou os artigos que tinham sido removidos por Nabucodonosor. Os judeus que voltaram foram liderados por Sesbazar, um príncipe de Judá, a quem se uniram líderes das famílias, sacerdotes, levitas, e muitos outros. Eles chegaram no início do outono de 537, e imediatamente começaram a restaurar o local de adoração, primeiro reconstruindo o altar, um projeto que foi completado em outubro, e que permitiu a observância da Festa dos Tabernáculos, e o início das oferendas diárias. Os que retornaram então contrataram os fenícios para a provisão de vigas de cedro e artesãos habilidosos para começar a reconstruir o próprio templo. De acordo com Esdras, o povo deu “dinheiro aos pedreiros e aos carpinteiros, como também comida, bebida e azeite aos sidônios e tírios, para trazerem do Líbano madeira de cedro ao mar, para Jope, segundo a permissão que lhes tinha dado Ciro, rei da Pérsia.” 30Material de construção começou a chegar na 28 Josefo, Antiguidades Judaicas, 11:1 29 Esdras 1:1-3 30 Esdras 3:7


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primavera seguinte, e o trabalho de reconstrução começou em maio do ano 536. A fundação foi estabelecida entre os sons dos sacerdotes e levitas cantando salmos de louvor ao SENHOR, mas junto com o som do louvor havia som de choro, quando os mais anciãos que se lembravam da glória do Templo de Salomão perceberam que o novo local de adoração dificilmente seria comparável.31 No entanto, o projeto de construção gerou oposição entre os vizinhos não judaicos de Jerusalém, que primeiro se ofereceram, de modo hipócrita, a ajudá-los a construírem o templo, e quando repreendidos, mostraram sua verdadeira face montando uma campanha para resistir à sua construção. O projeto sofreu uma parada, em parte por causa da oposição, em parte porque Ciro não foi capaz de manter sua ajuda e porque seu filho, o príncipe coroado, Cambises, era hostil aos judeus. Como resultado, os esforços de reconstrução estancaram por um período de cerca de 16 anos.32 A suspensão do trabalho no templo proveu o pano de fundo para a visão registrada por Daniel, no capítulo 10 de suas profecias. No início do ano 535, Daniel disse que tinha lamentado por três semanas, provavelmente por causa da falta de evolução dos trabalhos em Jerusalém. Nessa época, Gobrias já tinha morrido, e Cambises tinha assumido o governo da Babilônia enquanto seu pai estava fora em campanhas militares. O príncipe coroado não era solidário aos judeus, e encorajou os esforços para impedir o progresso do templo. Lamentando essa mudança de situação, Daniel declarou: “Manjar desejável não comi, nem carne, nem vinho entraram na minha boca, nem me ungi com óleo algum, até que passaram as três semanas inteiras”.33 É provável que o pesar de Daniel fosse advindo de uma quebra de expectativa de que a reconstrução do templo significaria a vinda do Messias. Um atraso na construção do templo significaria um atraso na chegada do grande Filho de Davi. 31 Esdras 3:10-13 32 Esdras 4:1-5


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Enquanto em um estado de oração e lamento, um anjo apareceu a Daniel, encorajando-o e mostrando em detalhes a longa história que se desenrolaria antes da chegada do Messias. A visão, encontrada em Daniel 10 – 12, representa um marcante resumo dos maiores eventos políticos e militares que afetariam a terra de Israel durante o tempo conhecido como Período Inter Testamentário, mas uma discussão dos detalhes da visão serão desenvolvidas em capítulos posteriores. O próprio Daniel foi instruído a “selar” a visão, porque ela tratava de assuntos que se dariam em um futuro distante, culminando com a vinda do Messias, que do ponto de vista de Daniel ainda estaria há uma distância de quinhentos anos.34 À medida que esses eventos aconteciam na Babilônia, o próprio Ciro planejava sua próxima campanha, na qual ele tensionava varrer a região da Síria e invadir o Egito, um reino rico que até então permanecera fora do alcance de suas conquistas. Ele pode ter esperado por ajuda da nação judaica nessa campanha, em especial devido à ajuda que ela havia recebido dos persas. Na verdade, alguns têm sugerido que a motivação primeira de Ciro para restaurar os judeus tenha procedido, em parte, de uma esperança de ajuda quando ele lançasse um ataque sobre o Egito. Antes de proceder contra o Egito, Ciro voltou sua atenção contra um pequeno grupo tribal que habitava ao leste da Pérsia, conhecido como masságetas. Depois de uma proposta de casamento à sua rainha, Tômiris, ser rejeitada, Ciro se aproximou da região mostrando suas intenções hostis. Tômires interrompeu os esforços de Ciro em construir uma ponte sobre o Rio Arax, e propôs que os dois exércitos concordassem sobre que lado do rio serviria como campo de batalha, e assim acomodassem o outro. Enquanto a maioria dos conselheiros de Ciro tinham opinado que a batalha deveria ocorrer em solo persa, Creso persuadiu Ciro de que ele deveria ficar no lado oposto, e, então, Ciro cruzou o rio, deixando a sucessão para seu filho Cambises caso ele não retornasse com vida.35 Ciro tinha um filho mais jovem chamado Smerdis, a quem ele assegurava o governo de várias de suas províncias. Com isso ele plantou as sementes da discórdia que provariam ser desastrosas. Ciro derrotou uma 33 Daniel 10:2,3 34 É notável, claro, que o Apóstolo João foi instruído a não “selar” seu livro de Apocalipse por que “o tempo era próximo” (Ap 22:20). 35 Heródoto, 1:201-207


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boa parte do exército de Tômires em sua primeira batalha, e por meio de um embuste, ele capturou o filho da rainha. Ela enviou uma mensagem ameaçadora a Ciro, exigindo o retorno de seu filho, mas Ciro recusou, e o filho, cujo nome era Spagapises, a quem tendo sido recusada a libertação, tomou a própria vida. Na batalha que se seguiu, os persas foram superados, e o próprio Ciro caiu.36 Cambises (530 – 522): Com a morte de Ciro, Cambises se tornou o sucessor do trono da Pérsia, e embora haja algum conflito entre as fontes, parece provável que Cambises tenha dado ordens imediatas para que seu irmão fosse assassinado. O homem que executou o ato era chamado Prexaspes, mas o ato foi cuidadosamente escondido, de modo que apenas Cambises e alguns outros sabiam do envolvimento do rei em sua morte. De acordo com Heródoto, o assunto levou à ruína do rei alguns anos mais tarde. Quando estabelecido, Cambises voltou ao plano de seu pai de atacar o Egito, cujo rei, Amásis, tinha ofendido gravemente os persas ao ajudar Creso em sua guerra contra Ciro em 547. Cambises continuou a nutrir esse ressentimento mesmo que Creso tenha se tornado um confiável conselheiro tanto de Ciro quanto de Cambises. O novo rei gastou quatro anos inteiros se preparando para a invasão, justificando seus atos sob o pretexto de que Amásis tinha enganado-o a respeito de um tratado de casamento, enviando uma impostora invés de sua filha para casar-se com o rei persa.37 Cambises lançou seu ataque em 525, contando com mercenários egípcios que tinham ido para o lado persa. Um desses mercenários, um homem chamado Fanes, aconselhou Cambises sobre como cruzar o vasto deserto para alcançar a fronteira egípcia, insistindo que Cambises negociasse um acordo com os árabes sírios para facilitar sua viagem através de terrível região. Cambises não apenas se aliou com certos chefes árabes, mas também persuadiu mercenários da Jônia e Eólia a juntarem forças com ele. Por causa de seu apoio naval, Cambises fez um tratado com o rei de Tiro para supri-lo com homens e embarcações, um acordo bem recebido pelos mercadores do mar que ainda estavam se recuperando de sua longa e heroica resistência contra o cerco de 13 anos de Nabucodonosor. Eles já haviam perdido sua fortaleza no Chipre para Amásis, que fez da ilha um 36 Heródoto 1:209-214 37 Heródoto, 3:1


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posto avançado se antecipando a um ataque persa. A cidade fenícia então teve tanto apoio financeiro, quanto razões estratégicas para resistir ao rei persa, e avidamente concordaram em colocar toda a sua força naval à sua disposição em troca de promessas de independência quando a luta terminasse. Embora isso tenha feito deles aliados, isso também comprometeu Tiro na ampla política externa persa, uma posição que viria a se mostrar incompatível com seus próprios interesses, como veremos. Amásis morreu em 526, e o trono passou a seu filho, Psamético, que imediatamente encarou problemas com a invasão da Pérsia. O rei egípcio levou sua resistência inicial a Pelúsio, em sua fronteira norte, mas apesar da feroz luta, ele foi forçado a fugir para Mênfis, embora essa cidade também logo caísse para os persas. Cambises tratou Psamético com razoável simpatia, e então o restaurou de modo provisório ao governo no Egito.38 Logo que Cambises capturou Mênfis, não demorou mais do que seis meses para que o resto do Egito caísse sob o controle persa. Cambises governou a terra com firmeza, mas de acordo com Herodes, como um insano, embora muitos acadêmicos questionem se Heródoto está sendo totalmente justo, dado que ele teria um viés pró-Grécia. Tendo tomado o Egito, Cambises esperava trazer toda a África ao domínio persa, e com isso em mente ele planejou três campanhas, uma para o leste, outra para o oeste, e outra para o sul. Todas elas falharam de forma abismal. Sua campanha oriental foi dirigida para Siwa, mas a força expedicionária de 50.000 homens desapareceu no deserto egípcio sem deixar traços. O exército enviado para o sul, na Etiópia estava tão mal preparado que teve de retornar humilhado. Sua proposta de campanha ocidental contra Cartago nunca foi posta em prática porque os mercenários fenícios objetaram a atacar seus aparentados, e fizeram uma greve. Sem seus navios, o grande comandante estava impotente, pois, como Heródoto escreveu, “Toda a marinha de Cambises era dependente dos fenícios”, e o rei persa sabia disso.39 Quando Cambises, humilhado, retornou a Mênfis em 524, ele encontrou a cidade em festa, e assumiu que eles estavam celebrando suas dramáticas derrotas. Na verdade, os sacerdotes egípcios viam suas falhas como um grande augúrio, dado que os persas, que pareciam ser tão poderosos, eram agora nada além de um grupo fraco e maltrapilho. Alguns até pensavam que os deuses egípcios estavam se vingando, embora quando Cambises tenha confrontado os sacerdotes egípcios de forma direta, eles tenham reclamado dizendo que a festa era apenas resultado da visita divina de Ápis, seu touro sagrado.40

38 Heródoto, 3:10-16 39 Heródoto, 3:17-26


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A despeito de sua defesa, Cambises viu a celebração como fomentando as sementes da sedição, e ele não estava com humor para ser clemente. Ele executou Psamético, e alguns príncipes egípcios, trazendo assim um fechamento à 26º Dinastia (Saíta), e inaugurou a 27º (Persa). Cambises também exigiu que o touro sagrado fosse trazido diante dele, e ele deu em pessoa o ferimento letal, ferindo o touro com sua espada. Ele então encerrou o festival, e sujeitou os sacerdotes de Ápis a tortura e à morte. Embora alguns contestem esse relato, Heródoto reporta que Cambises insultou todas as tradições da hierarquia egípcia, abrindo suas tumbas sagradas, e dessacrando múmias, inclusive o corpo de Amásis, ao qual ele infligiu ao abuso e ao fogo. Ele pintou rostos na imagem de Ptá, e então derrubou publicamente a estátua do deus e a queimou. Não é de surpreender que toda a evidência da rebelião tenha desaparecido de imediato, mas a longo prazo, suas demonstrações de poder plantaram as sementes de problemas constantes. De acordo com Heródoto, Cambises começou a demonstrar sinais de desintegração mental dessa época em diante, uma loucura que contribuiu para a sua morte, enquanto ao voltar para a Pérsia em 522, dois irmãos que eram “magos” medas conspiraram para subir ao trono. Um deles, Gaumata, afirmava que era Esmérdis, o irmão que fora assassinado por Cambises no início de seu reinado. Um arauto entrou no acampamento de Cambises quando ele estava na Síria, e anunciou que Esmérdis governava a Pérsia. O perplexo Cambises imediatamente convocou Prexaspes, o assassino, confirmando que o ato tinha sido perpetrado como ordenado. Cambises presumiu de forma correta qual era a natureza da revolta e do homem responsável. Ele percebeu que não poderia revelar a verdadeira identidade do impostor sem que, ao mesmo tempo, revelasse seu próprio papel no assassinato, e dada a impossibilidade dessa situação, Cambises parece ter cometido suicídio, embora Heródoto dê uma narrativa diferente.41 Pseudo-Esmérdis (522) Com a morte de Cambises, Gaumata governou a Pérsia, se passando pelo irmão de Cambises e filho de Ciro. Ao que parece, os persas aceitaram o homem como seu rei, e aqueles que estavam cientes de que um impostor governava não estavam dispostos a dizer qualquer coisa por causa de sua própria cumplicidade no crime. Gaumata, como um meda e um sacerdote 40 Heródoto, 3:27 41 Heródoto, 3:61-65


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da religião dos “magos” medas, esperava recuperar o domínio meda sobre a Pérsia, tanto política quanto religiosamente. Ao mesmo tempo, ele jogou um jogo perigoso, porque ele estava sempre sob a possibilidade de ser descoberto. Na verdade, Gaumata tinha tentado dar um golpe em um momento anterior, e Cambises o tinha punido cortando suas orelhas. Provavelmente para evitar que fosse descoberto, Gaumata nunca apareceu em público, governando de suas câmaras privadas através de representantes.42 Apesar dessa circunstância complicada, Gaumata governou como se fosse o filho verdadeiro de Ciro, e fez todo o possível para criar distrações que evitassem ser descoberto. Ele se agraciou com o império ao dar grandes presentes, dando alívio dos impostos e serviço militar por um período de três anos. Esses atos tinham a intenção específica de amolecer os duros sentimentos daqueles mais propensos a se revoltar, ou seja, os não persas no império. Ele também tomou para si todas as viúvas de Cambises, embora isso também o tenha colocado em um risco extremo. Foi por esse motivo que ele ordenou que todas elas fossem metodicamente sequestradas, e não permitiu que se comunicassem com ninguém.43 Gaumata esperava restaurar a religião meda aos persas, e lançou um grande esforço para alcançar uma revolução religiosa, começando com a destruição generalizada de templos zoroástricos por todo o império, enquanto ao mesmo tempo, ‘magos’ em todo lugar começaram a aparecer como representantes da nova religião. Por um tempo, os que aderiram à velha ordem ficaram estupefatos pela tentativa geral de eliminar a religião persa e implementar a meda. Na Média, claro, a transição não foi difícil, e o restante do Império Persa pouco se preocupava com a mudança de foco, onde uma mudança da adoração de Ahura-Mazda para a adoração de forças elementais como terra, ar, sol e água causou pouco perturbação. Depois de Gaumata ter reinado por cerca de oito meses, suspeitas começaram a circular largamente sobre a verdadeira identidade do “Esmérdis” que ocupava o trono persa. Muitas das tropas do próprio Cambises lembravam de sua declaração no leito de morte de que esse governante era um impostor, e o segredo da vida de Gaumata apenas aumentava a já grande suspeita. O clima estava propício à rebelião, e a tensão subiu ao auge quando um nobre persa, Otanes, fez sua filha, uma das esposas reais, confirmar o complô. Otanes contou a outros dois príncipes de confiança o que pensava, e os três adicionaram mais três ao seu grupo, seguidos de um sétimo, Dario, o filho de Histaspes que tinha sido um alto comandante sob Ciro e Cambises.44 Dario recomendou ação imediata contra Gaumata, temendo que o atraso aumentaria o risco de descoberta. Enquanto Dario persuadia outros de sua convicção, o próprio Gaumata tinha convocado Prexaspes, o assassino de Esmérdis, e concordado com ele em fraudulentamente assegurar aos persas que era, de fato, o verdadeiro Esmérdis que reinava. 42 Heródoto, 3:66 43 Heródoto, 3:67


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Prexaspes, no entanto, quando dava o discurso, contou toda a verdade sobre o assunto, depois disso se jogando da torre da qual ele discursara, o que resultou na sua morte. Notícias sobre o suicídio chegaram aos conspiradores no momento em que eles se aproximavam do palácio para assassinar Gaumata. Eles adentraram os portões, mataram os guardas do rei, e enfim tiraram a vida do círculo mais próximo de Gaumata. O próprio Gaumata escapou para a Média, mas foi posteriormente cercado, capturado, e morto. Sua cabeça com as orelhas faltando foi colocada à mostra para as multidões como prova da falsa identidade do Pseudo-Esmérdis. Dario I (522 – 486): Seguindo a morte de Gaumata em 522, os conspiradores concordaram em ajudar Dario como sucessor do trono persa,45 embora eles tenham se isentado de algumas das restrições que de outra forma viriam sobre eles em uma monarquia absolutista. De forma particular, eles retiveram o direito de entrar e sair do palácio e de ver o rei com ou sem sua permissão, e o próprio Dario seria obrigado a escolher suas esposas dentre as famílias dos sete conspiradores. Depois de assegurar o trono, Dario primeiro fez esforços para reinstalar a religião persa, que tinha sido fundada por Zoroastro em cerca de 1000 a.C. A religião zoroastrista envolvia uma teologia organizada ao redor de uma divindade suprema, Ahura-Mazda, que era entendido como “o princípio e o fim”, o criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis. Ahura-Mazda era visto como o “Eterno”, o “Puro e a única Verdade”. No coração da religião zoroástrica estava uma moralidade que podia ser resumida na seguinte frase, “Bons Pensamentos, Boas Palavras, Bons Atos.” Central à religião era a ênfase na escolha moral, e na vida como um “dualismo”, ou seja, na batalha eterna entre as forças moral e imoral do universo. Zoroastro ensinava que AhuraMazda “emanava” seres menores que vieram a ser considerados como tipos de arcanjos, o 44 Heródoto, 3:68-70 45 Heródoto, 3:80-84. Heródoto provê um relato fantasioso do debate entre os conspiradores sobre se a Pérsia deveria ser uma democracia, oligarquia, ou monarquia. Essa discussão se encaixa melhor nos debates da Grécia no tempo em que Heródoto estava escrevendo, do que na Pérsia, onde é altamente improvável que qualquer outra forma de governo além da monarquia teria sido seriamente considerada.


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principal deles sendo Vohu Manah (Bom Pensamento), Asha (Verdade), Khshatra (Reino), Armaiti (Devoção), Haurvatat (Perfeição), e Ameretat (Imortalidade). Muitos têm argumentado que religião persa influenciou o desenvolvimento da religião judaica posterior, especialmente entre os fariseus, dada sua ênfase em uma teologia monoteísta e de uma “hoste celestial” que interagia com a vida humana. Por outro lado, há diferenças profundas e significativas entre a religião do Antigo Testamento e o Zoroastrismo, e qualquer ponto de comparação deve ser aceito após muita análise. Dario buscou com grande paixão reinstalar a religião persa, reconstruindo templos que tinham sido destruídos, e por outro lado erradicando o magismo de cada canto do mundo persa. Seus esforços eram, em geral, tomados positivamente na Pérsia, mas vistos com muito menos entusiasmo em outros locais, onde Dario era visto apenas como um usurpador por muitos, que se ressentiam da retomada dos impostos que Gaumata tinha tão “generosamente” suspendido.46 De início, esse e outros fatores levaram a uma considerável instabilidade para Dario, tanto perto quanto longe, e ele enfrentou uma série de rebeliões que levariam seis anos para serem extintas. O primeiro e mais sério levante contra Dario aconteceu na Babilônia, que já planejava uma revolta desde que Gaumata governava. Dario marchou contra a cidade em 521, desafiando o líder da revolução, Nabucodonosor III, o filho mais velho de Nabonido. A rebelião babilônica esperava que esse nome lendário seria o suficiente para trazer o apoio de seus conterrâneos e derrubar a dominância persa, e reunindo um exército considerável, Nabucodonosor marchou Tigre acima e desafiou os persas diretamente. Dario encarou a rebelião com uma impressionante força militar, reunindo suas forças e empurrando-as contra os arredores da Babilônia, onde após mais um combate, eles foram forçados a se refugiar dentro dos muros da grande cidade.47 Dario manteve a Babilônia sob cerco por vários anos, mas só foi capaz de tomar a cidade quando um de seus comandantes, Zópiro, fingiu mudar para o lado dos babilônios, e então orquestrou sua derrota com um plano pré programado. Quando a cidade foi tomada, Dario tratou os cidadãos com civilidade, apontando Zópiro como governante, mas executando Nabucodonosor, e assim eliminando qualquer vestígio de independência babilônica. Enquanto mantinha a Babilônia sob cerco, rebeliões em outros cantos mantiveram Dario ocupado, em especial em Susiana, Média, Assíria, e Armênia, onde um certo meda chamado Xathrites, tinha reclamado o direito ao trono como bisneto de Ciaxeres. Ambas Assíria e Armênia reconheciam a reivindicação e suas forças combinadas traziam uma séria ameaça, 46 Heródoto, 3:85-88 47 Heródoto, 3:150-160


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exigindo de Dario um significante contingente militar que finalmente derrotaria os insurgentes, mas apenas depois de considerável derramamento de sangue. Xathrites fugiu, mas foi posteriormente capturado, mutilado e crucificado, e com sua morte, o norte e o leste mais uma vez estavam subjugados ao julgo persa. Na própria Pérsia, outro “Esmérdis” apareceu para fazer sua própria reivindicação ao trono, mas embora os Magos tenham o apoiado, ele foi eventualmente morto e crucificado. Algumas outras revoltas menores foram solucionadas de modo mais fácil, e Dario continuou a consolidar o seu poder. Mesmo lidando com esses desafios, Dario implementou melhorias impressionantes na organização geral do governo persa. Ele estabeleceu de vinte a trinta satrapias, em geral deu aos governantes nativos considerável autonomia, baseados na sua lealdade à autoridade persa. O sátrapa, que estava debaixo da autoridade absoluta do rei, estava encarregado de executar fielmente as leis do império, e era esperado que instituísse um sistema de cortes similar àquele dos persas, e de similar modo a executar em menor escala aquilo que o rei tinha implementado em maior escala. Sua principal atribuição era coletar impostos, embora muitos outros sátrapas tenham amontoado imensas fortunas para si nesse processo.48 Para evitar o risco de traição, Dario estabeleceu um intrincado sistema de “freios e contrapesos”, no qual cada satrapia compreendia três oficiais independentes, o sátrapa, o comandante militar, e o secretário, que eram diretamente responsáveis ao rei. Cada um mantinha os olhos no outro, diminuindo em muito a possibilidade de uma revolta. A única exceção a essa elaborada organização era a própria Pérsia, que não tinha sátrapa ou governador, e onde as pessoas estavam sob a jurisdição imediata do rei. Junto com essas importantes melhorias, Dario organizou um extenso sistema militar, que continha na maior parte persas e medas, com tropas leais em guarnições por todo o império. Ele também implementou um sistema de impostos que aumentou em muito a receita total, embora ele variasse a quantidade coletada de cada satrapia de acordo com sua riqueza, permitindo que alguns pagassem em commodities como mulas, trigo, ou até eunucos jovens. Um extenso sistema postal era organizado para permitir a rápida comunicação baseado em uma série de estações das quais cavalos e cavaleiros viajariam a velocidade máxima a partir de uma distância 48 Heródoto, 3:89-119


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estabelecida. Coroando tudo isso, Dario também ficou conhecido por implementar um sistema uniforme de cunhagem de moedas no mundo persa conhecido como “dárico”, obviamente baseado em Dario. O dárico se tornou a moeda universal no reino, e era cunhada com um peso específico e verificado de ouro e prata. Esse tipo de grande política financeira, assim como outras aceleradas melhorias, contribuíram imensamente para a paz e estabilidade por todo o império sob Dario, e lhe deram o merecido título, “o Grande”. Junto a todo esse impacto que Dario teve no Oriente Próximo em geral, ele também deixou uma marca na nação dos judeus. No ano 520, ele autorizou o reinício do projeto há muito paralisado de reconstrução do templo em Jerusalém, um trabalho que tinha sido efetivamente interrompido desde os primeiros dias de Ciro, em grande parte por causa da oposição local e falta de apoio de Cambises.49 A inspiração para o retorno desse projeto foi ocasionada em parte devido à mudança de regime, e de que Dario seria mais favorável aos judeus do que Cambises e Gaumata tinham sido. Encorajamento adicional veio da parte do profeta Ageu, que no outono de 520 começou a repreender o povo, acusando-os de negligência para com o templo ao dizerem, “...não veio ainda o tempo, o tempo em que a Casa do Senhor deve ser edificada” (Ageu 1:2). Ele observou-os, dizendo que as pessoas tinham tempo mais que suficiente para cuidar de seus interesses privados, mas há muito tinham negligenciado o trabalho do templo. Por esse motivo, Deus não abençoaria seus esforços, e Ele “assopraria” sua riqueza. Ageu chamou o povo a renovar seu trabalho no templo, prometendo que Deus se voltaria para abençoar seus esforços. 50 Como resultado, Zorobabel, o governador, e Josué, o sumo sacerdote, encorajaram o povo a mais uma vez retomar o seu trabalho.51 Esse esforço renovado chamou a atenção do governador persa da região, Tatenai, que questionou se os judeus tinham tido autorização para proceder de tal maneira. Quando os líderes dos judeus não foram dissuadidos, ele escreveu uma carta a Dario inquirindo se o projeto deveria continuar.52 Enquanto aguardava uma resposta, Ageu novamente se dirigiu ao povo, 49 50 51 52

Esdras 4:1-5 Ageu 1:1-12 Esdras 5:12; Ageu 1:12-16 Esdras 5:3-17


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“Quem dentre vós, que tenha sobrevivido, contemplou essa casa na sua primeira glória? E como a vedes agora?” Alguns dos que ouviam eram velhos o suficiente para se lembrarem do grande templo de Salomão, com sua magnífica arquitetura, e sua história gloriosa. Essas pessoas, agora idosas, olharam para o início desse novo templo e lamentaram que ele mal podia se comparar ao esplendor do antigo. Ageu perguntou, “Não é ela como nada aos vossos olhos?”(Ageu 2:2-4). Ele assegurou então, que embora esse novo templo fosse mais modesto, ele excederia vastamente em glória aquele que substituíra. Ele se referia, é claro, ao novo templo trazido ao povo de Deus próximo ao tempo do Messias, o “desejado das nações”, quando as grandes promessas de Deus seriam cumpridas. Em novembro do mesmo ano, o profeta Zacarias somou sua voz à de Ageu, energizando ainda mais o esforço de reconstrução. Zacarias falou contra os atos maus das gerações anteriores, e encorajou o povo a continuar em obediência. 53 No mês seguinte, Ageu assegurou ao povo que o serviço fiel seria recompensado por Deus com a bênção tanto sobre eles como sobre a terra, e como que para confirmar esse encorajamento, chegou a notícia de que a ordem de Ciro tinha sido confirmada por Dario, e que o trabalho então continuaria54 Em fevereiro de 519, Zacarias anunciou suas oito “visões noturnas”, todas elas endereçadas à circunstância imediata de Jerusalém e do templo. Essas visões, os quatro cavalos, os quatro chifres, a vara de medir, o sumo sacerdote, e lâmpada, as oliveiras, o rolo voador, a mulher no cesto, e as quatro carruagens, tinham o objetivo de encorajar o povo conforme eles completavam o templo. De modo breve, o significado de cada uma das visões é como segue: 1) Os quatro cavalos representam a notícia de Deus de que a terra estava em paz, refletindo o fato de que Dario fora capaz de estabilizar seu império depois da volatilidade dos primeiros dois 53 Zc 1:1-6 54 Ageu 2:10-23; Esdras 6:1-17


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anos, permitindo que o trabalho no templo pudesse continuar sem perturbações. 2) A visão dos chifres mostrava que aqueles poderes políticos que tinham interrompido a vida em Jerusalém e Judá estavam agora sendo trazidos sob o controle do poder de Deus, e não trariam mais a ameaça de anos anteriores.55 3) Na terceira visão, Zacarias viu que a cidade de Jerusalém estaria “sem muros”, ou seja, que Deus a protegeria dos inimigos ao redor como “uma muralha de fogo” e que seria um lugar de adoração para todo o mundo.56 4) A quarta visão focava em Josué, o sumo sacerdote, que tinha sido criticado sobre se ele seria digno do ofício, mas que foi vestido em roupas brancas por um anjo. 5) O outro líder, Zorobabel, foi o tema central da quinta visão, na qual o anjo o encorajou a prosseguir o trabalho precedente, “não por força ou por poder, mas pelo Meu Espírito.”57 6) A sexta visão mostrava um rolo que voava sobre a terra, e que continha os julgamentos de Deus tencionados a expurgar a terra das pessoas impuras. 7) Como que uma resposta à sexta visão, a sétima mostrava um grande cesto, e nesse cesto uma mulher maligna que estava sendo levada de volta à Babilônia. 8) Finalmente, a oitava visão retornava os quatro cavaleiros e carruagens, que agora eram enviados pelo mundo, para o norte e sul, presumimos, para chamar todas as nações ao templo, a casa internacional de oração, em Jerusalém. Josué em pessoa seria coroado com ouro trazido da Babilônia, e isso era um símbolo da unificação dos grandes ofícios de rei e sacerdote, uma união que não ocorreria até a chegada do RENOVO, o Messias.58 Em dezembro de 518, Zacarias entregou seu anúncio profético final, relembrando o povo de que a obediência era melhor do que jejuar, e que a desobediência anterior tinha sido a causa da punição e do exílio sobre o povo de Deus. Ele denunciou aqueles que tinham desviado o povo de Deus, que eram “pastores” inúteis levando as “ovelhas” a sua própria destruição. Ao mesmo tempo, ele encorajou aqueles em Jerusalém com anúncios de que ela seria a cidade santa no futuro, e que Israel seria defendida contra seus inimigos, que haveria uma grande união de Israel e Judá. Ele prometeu que Deus não abandonaria Jerusalém, que então “olharia aquele a quem traspassara”. A idolatria seria destruída, e o Pastor, com um ataque, seria o meio de salvação de seu povo. Enquanto o dia do Senhor traria julgamento, o alvorecer da Era Messiânica resultaria em grande bênção ao povo de Deus e ao mundo inteiro.59

55 56 57 58 59

Zacarias 1:7-21 Zacarias 2 Zc. 3, 4 Zc. 5, 6 Zc. 7-14


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Enquanto essas coisas aconteciam em Jerusalém, Dario continuava ocupado estabilizando seu império. Ele chegou ao Egito no outono de 519, permanecendo por cerca de um ano para reestabelecer a autoridade persa. A.T. Olmstead especula que Dario pode ter executado Zorobabel nessa época por promover um nacionalismo judaico, e também Zacarias, como uma figura messiânica,60 embora outros tenham criticado essa teoria.61 De qualquer forma, dois anos mais tarde, o templo em Jerusalém foi completado, exatamente 70 anos depois de ter sido destruído por Nabucodonosor. Ele voltou a operar em 12 de março de 515. Dario renovou suas campanhas militares em 516, dirigindo sua atenção primeiro para o leste, onde ele passou cerca de um ano trazendo ordem à região que tinha pertencido aos medas. Ele então foi para a Ásia Menor, onde as terras persas se estendiam até o Helesponto graças à campanha de Ciro contra os lídios em 547. A partir desse tempo, as cidades gregas da Jônia caíram sob tiranos apontados pelo líder persa. Embora a palavra “tirano” implique uma ditadura rígida, muitos tiranos se comportaram relativamente bem, e no geral, as cidades jônicas tiveram um tempo de relativa paz. Dario chegou à Jônia em 514, e imediatamente comandou aos governantes locais que o auxiliassem em sua invasão planejada à Europa, cruzando o Helesponto através de uma ponte que tinha sido projetada e construída por um engenheiro grego.62 Uma vez chegado a Europa, Dario marchou para o norte contra os citas, deixando dois de seus tiranos jônicos, Histiaeus e Coes, para guardar a ponte. Dario estava preocupado que ele tivesse problemas lutando contra as ferozes tribos, e assim ele teria um meio de escapar. De acordo com Heródoto, Dario instruiu os guardas na ponte que se ele não retornasse em um período de sessenta dias, que considerassem que ele havia morrido. 63 Os motivos para a invasão de Dario permanecem obscuros, embora muitos acreditem que ele estivesse prevenindo incursões citas em território persa. Os citas reconheceram que não eram páreo para encontrar os persas em batalha campal, e então formaram alianças com as tribos locais, alertando-os de que os persas tinham a intenção de subjugá-los todos. Alguns se juntaram, mas outros se recusaram, acreditando que os persas tinham vindo apenas para punir os citas por seus erros nos dias de Ciaxeres. 60 61 62 63

Olmstead, História do Império Persa, págs. 138-141. Yamamuchi, Pérsia e a Bíblia, Baker Books, Grand Rapids, MI (1990), p. 156. Heródoto, 4:83-91 Heródoto, 4:92-98


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Dario ficou visivelmente frustrado com a recusa cita de fazer uma batalha em campo aberto, e ele então enviou uma mensagem ao rei cita propondo que eles se encontrassem em batalha direta, ou que o rei enviasse os tradicionais símbolos de submissão, terra e água. Os citas responderam dizendo que não havia necessidade de batalhar, pois eles não tinham cidades para proteger, e assim, nada a entregar. Os citas então enviaram um presente estranho e misterioso a Dario, um pássaro, um rato, um sapo, e cinco flechas. Enquanto Dario perdia tempo tentando adivinhar o significado do misterioso “presente”, os citas enviaram, em segredo, mensageiros a Histiaeus e Coes, pedindo que abandonassem a ponte ao final dos sessenta dias, deixando Dario preso na Europa.64 Embora Dario nunca tenha descoberto o significado dos presentes, ele finalmente entendeu que os citas não se renderiam, e que os sessenta dias que ele tinha se permitido para derrotá-los estavam quase acabando. Retornando à ponte, ele ficou chocado ao descobrir que ela estava parcialmente destruída, e por um momento pensou que tinha sido traído, mas mais tarde ele descobriu que isso fora um simples truque de Histiaeus e Coes para enganar os citas. Seus guardas retornaram quando convocados, reconstruindo a ponte e permitindo que ele escapasse seguro.65 De forma interessante, um dos jovens militares gregos que participou com Dario em sua guerra contra os citas foi Miltíades, o herói da Batalha de Maratona, que derrotaria Dario na Primeira Guerra Persa apenas alguns anos depois. Depois da excursão cita, Dario retornou à Ásia Menor, deixando para trás seu general, Megabizo, com uma tropa de 80.000, e ordenando que levassem o domínio persa à Trácia e Macedônia Na Trácia, a maior parte das cidades-estado se renderam prontamente, oferecendo os símbolos padrões da terra e água. O rei da Macedônia, Amintas, também concordou com as exigências persas, mas quando seu filho, Alexandre, se enfureceu com o tratamento persa de suas mulheres, ele assassinou os representantes. Era apenas uma questão de tempo antes que a represália persa se seguisse.66 Enquanto Megabizo estava ocupado na Europa, Dario em pessoa prosseguiu para Sárdis, que tinha sido a capital do Império Persa na Jônia desde que a cidade tinha caído sob Ciro em 547, e quando chegou, ele convocou Histiaeus e Coes para recompensá-los por sua lealdade durante a excursão cita. Logo depois ele convocou Megabizo da Trácia para parabenizá-lo por seu sucesso, mas quando ele retornou, Megabizo falou sobre preocupações com a lealdade de Histiaeus, que por muitos anos fora um tirano em Mileto. Embora Dario tenha duvidado haver motivo para se preocupar com Histiaeus, ele não estava inclinado a ignorar um alerta, e chamando Histiaeus, ele “propôs” que o tirano acompanhasse Dario de volta a Susa e o servisse como conselheiro por um tempo. Em sua ausência, o genro de Histiaeus foi apontado como regente em Mileto, um homem cujo nome era Aristágoras. 64 Heródoto, 4:120-133 65 Heródoto 4;133-141 66 Heródoto 5:11-22


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Dario deixou a Ásia Menor em 512, tomando com ele tanto Histiaeus quanto Megabizo, e deixando seu genro Artafernes em Sárdis como governador, enquanto deu uma considerável força militar a seu general, Otanes, que substituiu Megabizo e continuou a expandir o controle persa sobre as ilhas gregas. 67 A península grega, em especial, Atenas, estava profundamente preocupada com o crescimento da presença persa, em especial no Helesponto, por causa de um potencial embargo ao acesso do Mar Negro e seus suprimentos de grão. Se os persas cortassem a conexão, os atenienses estariam arruinados, pois não tinham como plantar seu próprio trigo, e não tinham mercados alternativos viáveis. Diante de tal pressão, alguns líderes atenienses argumentaram a favor de um tratado com os persas, e embora a ideia fosse altamente controversa, um embaixador foi enviado por Artafernes em 507, levando os tradicionais símbolos de submissão, terra e água, e oferecendo tributo em troca de segurança. Os persas aceitaram a oferta, mas logo, quando os ventos políticos de Atenas sopraram em outra direção, a cidade grega rompeu o tratado, o que armou o palco para a Primeira Guerra Persa.68 Do ponto de vista de Dario, a última década do sexto século a.C. foi razoavelmente calma, e permitiu ao rei finalizar grandes projetos de construção em Susa, sua capital. As coisas mudaram em 500, no entanto, quando uma rebelião popular estourou em Naxos contra os governantes aristocratas da ilha, que fugiram para Mileto e apelaram a Aristágoras por ajuda persa para restaurar o poder.69 Aristágoras deu ouvido aos exilados, e por sua vez apelou a Artafernes, sabendo que o desdém persa pela filosofia democrática havia inspirado a revolta. Aristágoras propôs que Artafernes provesse navios para uma expedição que não apenas colocaria Naxos sob dominação persa, mas seus vizinhos também, incluindo a Eubeia. Artafernes se reuniu com Dario, e tendo recebido sua aprovação, preparou uma frota de 200 trirremes para a empreitada, os colocando sob o comando de um general persa chamado Megabates, que também era primo de Artafernes e Dario. Megabates liderou a frota a Mileto para levar Aristágoras, mas logo depois uma disputa acirrada irrompeu entre os dois homens, provavelmente porque um deles deveria exercer o controle maior sobre a expedição. Aristágoras ficou tão ultrajado que enviou um mensageiro na frente a Naxos para alertar sobre a iminente invasão. O náxios se prepararam para um cerco, e quando os persas chegaram, eles encontraram uma cidade segura e inexpugnável. Mesmo depois de quatro meses, Naxos se sustentava, e finalmente os persas partiram, tendo em última instância, falhado em sua tentativa.70 67 68 69 70

Heródoto, 6:23-27 Heródoto, 5:73 Heródoto, 5:28-31 Heródoto, 6:32-34


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Aristágoras retornou a Mileto, e encorajado por uma mensagem secreta de seu sogro, começou a imaginar sua própria revolta contra os persas. Para encorajar Mileto e as outras cidades da Jônia a juntarem-se à rebelião, Aristágoras resignou ao cargo de tirano, e declarou Mileto uma democracia. Sabendo que os jônios não teriam poder para resistir à represália dos persas, Aristágoras velejou para a Grécia esperando conseguir ajuda adicional de suas cidades contra a Pérsia. Ele se aproximou do rei de Esparta, Cleomenes, que ouviu o apelo do antigo tirano, mas recusou ajudar71, depois disso Aristágoras prosseguiu para a democrática Atenas esperando um ouvido mais simpático a ele. Atenas nessa época estava sob a liderança dupla de Clístenes e Iságoras, e descobriu que ambos, e sua cidade, estavam em um clima intensamente anti-persa, em grande parte pelo ressentimento popular do tratado em 507. Aristágoras contou sua história, e os atenienses concordaram em dar vinte trirremes em sua ajuda. Miltíades, que servira sob Dario na campanha cita, ajudou na revolta jônica, e Erétria, a cidade de Eubeia, também enviou cinco navios de guerra para a campanha. Tendo tudo que precisava para prosseguir com seu plano, Aristágoras retornou a Mileto e começou apressadamente a fomentar a hostilidade contra os persas. Logo, a maior parte da Jônia tinha se juntado à revolta, o que fez Dario convocar Histiaeus e sugerir que o antigo tirano jônio poderia ter tido algo a ver com a mudança no clima. Histiaeus proclamou sua inocência, e pediu que Dario permitisse a ele retornar pessoalmente a Mileto e abafasse a revolta. Histiaeus fora, obviamente, menos que honesto em sua proposta, mas Dario, ainda assim, garantiu a ele que fosse embora como havia sugerido, pedindo que ele retornasse a Susa assim que a expedição terminasse. Na primavera de 498, os vinte e cinco trirremes chegaram à Ásia Menor, e lançaram um ataque surpresa em Sárdis, a capital persa. Eles saquearam a cidade, e tomaram despojo dos tesouros do santuário de Apolo, mas o fogo irrompeu durante a batalha e destruiu uma parte significativa do que sobrara da cidade e o próprio Artafernes quase não escapou ao fazer uma barricada na cidade. Quando as notícias do ataque em Sárdis chegaram, toda a região, incluindo a ilha de Chipre, correram para apoiar a revolta.72 71 Heródoto, 6:35-54 72 Heródoto, 6:55-101


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Seguindo o ataque, os atenienses abandonaram os jônios e voltaram para casa, mas Aristágoras continuou a pedir apoio entre os jônios, antecipando o inevitável ataque de represália persa. Muitas das cidades jônicas, além da ilha de Chipre, se aliaram, e Miltíades participou pessoalmente na libertação das ilhas de Lemnos e Imbros do controle persa. Quando Dario ouviu sobre o ataque em Sárdis, ele ficou furioso, e se diz que ele perguntou, “Quem são esses atenienses?”. É claro que ele sabia quem eram os atenienses, mas o que ele estava perguntando era “Quem são esses atenienses em comparação com a Pérsia!” De qualquer modo, foi nessa ocasião que Dario deu sua famosa ordem para que um de seus servos o lembrasse três vezes a cada jantar, “Mestre, lembre-se dos atenienses.”73 Os persas retaliaram em 494, lançando um massivo ataque com força terrestre e naval na intenção de esmagar os rebeldes. Os milésios se encontraram abandonados pela maior parte das cidades jônicas, e se prepararam para resistir a um grande ataque sozinhos, enquanto muitos outros se juntavam em uma ilha chamada Lade, e planejaram se defender a partir daquele local, contratando um famoso general espartano chamado Dionísio para treinar sua força militar. Enquanto Dario buscava enfraquecer o moral jônio prometendo um tratamento justo para aqueles que se rendessem, mas um tratamento duro para aqueles que não o fizessem, Dionísio implementou os exercícios de treinamento absurdos que eram costume em Esparta. Porém, levou apenas uma semana para que jônios se revoltassem contra o treinamento espartano, e expulsassem Dionísio, o forçando a fugir para a Fenícia. Muitos começaram a fazer seus próprios planos nesse tempo de ou se render a Dario, ou escapar para outras regiões do mundo mediterrâneo.74 Quando os persas chegaram, eles saquearam muitas das cidades rebeldes da Jônia, mas separaram Mileto para uma punição especial, destruindo a maior parte dela e deportando sua população. Embora Dario também estivesse irado com os atenienses, ele não tomou ações imediatas contra a cidade grega, adiando o confronto que culminaria na Batalha de Maratona em 490. Miltíades logo percebeu a situação sem esperança da Jônia, e fugiu para Atenas, onde ele começou a organizar um exército para encarar a ameaça persa. Ao mesmo tempo, outra famosa figura militar ateniense, Temístocles, foi eleita ao cargo de arconte aos 35 anos de idade, e de imediato começou a argumentar a favor de aumentar a força da marinha ateniense em antecipação a esta mesma ameaça.

73 Heródoto, 6:102-105


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Percebendo que sua causa estava perdida; Aristágoras tentou escapar para a Trácia na esperança de estabelecer-se como um tirando em alguma de suas cidades, mas ele foi morto na viagem. Simultaneamente, Histiaeus tentou estabelecer uma presença naval no Helesponto, mas quando ele chegou, ele foi questionado por Artafernes sobre seu papel na rebelião jônia. Corretamente supondo que Artafernes o via como um conspirador na revolta, Histiaeus escapou para Quios, onde ele persuadiu os líderes gregos de que suas intenções tinham sempre sido para o bem da Jônia. Sua tentativa de inspirar futuras revoltas foram mal sucedidas, e logo ele foi tomado como prisioneiro por Hárpago. Temendo que Dario mais uma vez mostrasse misericórdia para Histiaeus, Artafernes e Hárpagus o mataram. Depois de passarem o inverno em Mileto, os persas atacaram as ilhas de Quios, Lesbos, e Tenedos, trazendo todas elas sob seu o controle sem dificuldade. Como prometido, os persas fizeram dos jovens, eunucos, enquanto enviaram as mais belas garotas para o rei. Tendo controlado totalmente a Jônia e as Ilhas Gregas, os persas tomaram posse do Helesponto, capturando cidades estratégicas tanto dos lados asiático quanto europeu, planejando lançar uma campanha futura na própria Grécia. Para desencorajar as cidades jônias de tentar ajudar a Grécia, Dario os tratou bem, até garantindo um governo democrático de extensão limitada.75 Na primavera de 492, Dario enviou uma força expedicionária para a península grega sob o comando de seu genro, Mardônio, na intenção de punir os atenienses pelo seu papel no levante. A armada, no entanto, foi perdida em uma tempestade na Península do Monte Atos, forçando Mardônio a voltar a Susa, tendo embaraçosamente pouco a mostrar de seus feitos. Dois anos depois Dario enviou uma segunda força contra os gregos, mas desta vez substituindo Mardônio por um comandante meda chamado Dátis, e por Artafernes, filho de um sátrapa de mesmo nome. Invés de seguir a costa como Mardônio fizera, Dario enviou 600 trirremes e um vasto exército diretamente pelo Egeu, tomando Naxos no meio do caminho, em retaliação pelas perdas sofridas lá em 498. De Naxos a frota prosseguiu para Delos, e de lá eles invadiram Eubeia forçando os eritreus a pedirem ajuda a Atenas, mas a cidade grega recusou, e depois de seis dias de cerco, Erétria caiu, e sua população foi deportada para Susa. Os persas finalmente velejaram para Maratona, liderados lá por Hípias, um tirano deposto de Atenas que esperava ser reinstalado após a vitória persa. Os atenienses apelaram pela ajuda de Esparta, mas os guerreiros lendários não estavam dispostos a marchar até que fosse lua cheia, ao que parece, por motivos 74 Heródoto, 6:6-25 75 Heródoto, 6:31-45


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supersticiosos.76 Os persas queriam marchar os cerca de 40 quilômetros da praia de Maratona até Atenas, mas antes que eles pudessem sair de lá foram confrontados pelas forças atenienses que tinham feito acampamento a menos de dois quilômetros da posição persa. Depois de cerca de seis dias parados, os persas foram pegos de surpresa por um ataque repentino, no qual os gregos simplesmente marcharam, os levando a um beco sem saída na areia da praia. De início os persas não entenderam a estratégia grega, que tinha um centro supostamente fraco, mas flancos fortes, de modo que quando os persas contra-atacaram, eles facilmente ultrapassaram o centro, mas então se viram pinçados de ambos os lados. Os persas ficaram desorientados sobre como se organizar, e fugiram em seus navios, perdendo cerca de 6400 homens diante de apenas 192 perdas de vida do lado grego.77 Porém, vitória grega em Maratona não retirava o perigo posto aos atenienses, e depois dessa batalha, os persas navegaram para o norte, querendo fazer um ataque direto sobre a cidade grega enquanto seu exército ainda se recuperava. Os atenienses anteciparam o movimento, e, de pronto, começaram uma rápida marcha na esperança de encontrar os invasores lá antes que eles conseguissem invadir. Os persas não tinham a intenção de ter um segundo encontro com os lendários gregos, e apenas velejaram de volta para a Ásia. Depois da lua cheia, os espartanos marcharam em apenas três dias até Atenas, esperando participarem da batalha, mas eles ouviram que sua ajuda não era mais necessária, embora eles ainda tenham viajado para o campo de batalha para verem o local da carnificina por eles mesmos.78 Dario retornou a sua capital, e não fez mais campanhas significativas pelo restante de seu reinado. É possível que a derrota persa em Maratona tenha inspirado revoltas no Delta egípcio, mas Dario morreu antes que pudesse responder, vítima de uma doença que durou cerca de um mês. Ele foi sucedido por seu filho, Xerxes, em novembro de 486. Xerxes I (486 – 464): O nome grego “Xerxes” vem de uma antiga palavra persa que significa “o que governa sobre cavalos”. A palavra hebraica para o mesmo nome é “ahasweros”, de onde o nome bíblico “Assuero” deriva. Xerxes é considerado por muitos como o rei mencionado no Livro de Ester79, assim como o governante mencionado em Esdras 4:6 e o “quarto rei” de Daniel 11:2. Ele era filho de Dario I e Atossa, a filha de Ciro, nascido em 518, logo após Dario ter recebido a Coroa. Xerxes não era o filho mais velho de Dario, mas porque ele nasceu depois de Dario se tornar rei, ele tinha mais direito ao trono. Heródoto descreve Xerxes como um homem alto e 76 77 78 79

Heródoto, 6:94-102 Heródoto, 6:103-115 Heródoto, 6:116-131 Tentativas ocasionais de ligar “Ahasueros” de Ester a Dario I são ligadas ao desejo de acomodar uma “cronologia curta” baseada em uma certa leitura de Daniel e suas famosas “49 semanas”. O esquema cronológico resultante é, no melhor, forçado, e pouco necessário para preservar a integridade do profeta.


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belo, que, antes de ascender ao trono com a idade de 32 anos, tinha servido como vice-rei na Babilônia por cerca de doze anos. De acordo com Esdras, a reconstrução da cidade de Jerusalém foi interrompida cedo no reinado de Xerxes por forças locais hostis ao projeto.80 A cidade então se moldou ao status quo por todo seu reinado, tendo o templo sido reconstruído, mas ainda os muros derrubados. Os esforços de reconstrução de Jerusalém não voltaram até o sucessor de Xerxes, Artaxerxes, autorizada por Neemias. A preocupação primária de Xerxes ao assumir o trono eram negócios inacabados no Egito e Grécia, embora haja evidências de que o interesse dele nesse último tenha sido, no máximo, moderado, e que ele teria abandonado qualquer excursão futura para a Europa se não fosse pela pressão de seus conselheiros. Qualquer dessas campanhas teria que esperar, por causa de uma rebelião na Babilônia feita por Zópiro, que tinha servido honrosamente sob Dario, mas que tinha declarado independência depois da morte do rei. Xerxes enviou Megabizo para restaurar a ordem, e, o próprio Xerxes prosseguiu para o Egito, onde ele também teve sucesso em suprimir uma revolta. Xerxes retornou a Susa depois dessas guerrilhas iniciais, e começou a reunir um grande exército contra a Grécia, o maior que o mundo já vira. De acordo com Heródoto, o exército tinha mais de um milhão de soldados, mas muitos acadêmicos duvidam dessa estimativa e numeram a força próxima a 200.000, o que ainda assim é uma força de luta imensa para os padrões antigos. De acordo com o primeiro capítulo do livro de Ester, foi nessa época que Xerxes deu um grande banquete para os seus nobres e requisitou à sua rainha, Vasti, que aparecesse para mostrar sua beleza. Ela recusou, e sob a influência dos seus conselheiros, Xerxes a baniu. De acordo com Heródoto, a rainha de Xerxes nessa época se chamava Amestris, mas alguns acadêmicos mostraram que os nomes de Vasti e Amestris podem ser relacionados foneticamente, se referindo à mesma mulher. Além do mais, a personalidade de Amestris 80 Esdras 4:6


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descrita por Heródoto se encaixa com uma mulher que teria agido como Vasti agiu.81 A questão permanece controversa. Xerxes marchou para Susa em 481, tendo reunido uma força militar não apenas da Pérsia, mas de outras nações também, e que incluía uma grande frota sob a organização especializada de comandantes fenícios. Conforme sua frota velejava pelo Mediterrâneo, seus exércitos marchavam pela Anatólia, e ambos chegaram à Ásia Menor em outubro, se organizando para passar o inverno em Sárdis, de onde Xerxes enviou emissários pelo Egeu para fazer a requisição costumeira de terra e água. Quando os enviados persas chegaram à Esparta exigindo sinais de submissão, eles foram sumariamente executados. Então Esparta convocou o primeiro congresso “pan-helênico” no Istmo de Corinto para planejar uma estratégia defensiva para os gregos, mas várias cidades-estado não sabiam se tomariam sua parte principal em terra ou no mar. Temístocles, o comandante ateniense mais proeminente, argumentou fortemente em favor de uma defesa principal pelo mar, mas os espartanos queriam focar na batalha terrestre. Enfim foi feito um acordo em que Temístocles comandaria as forças navais e Leônidas, o rei dos espartanos, seria responsável pelo exército. Na primavera de 480, Xerxes marchou com suas forças pelo Helesponto, e depois das orações e sacrifícios de praxe, o exército cruzou duas pontes feitas de barcos, enquanto a frota persa os acompanhava ao longo da costa. De lá, Xerxes marchou pela Trácia e Macedônia, onde muitas cidades-estado gregas simplesmente se renderam. Alexandre I da Macedônia não apenas se submeteu, mas até acompanhou Xerxes conforme ele progredia pelas terras gregas, embora depois ele tenha dito que tinha planos secretos para ajudar o lado grego. Sua verdadeira intenção permanece incerta. Os persas marcharam primeiro contra a Tessália, fazendo com que as cidades-estado da região enviassem emissários para Atenas e Esparta pedindo ajuda em sua defesa, e em resposta os gregos enviaram 10.000 hoplitas, que primeiro tinham a intenção de assegurar a defesa do vale estreito de Tempe, entre a Macedônia e a Tessália. A ideia foi abandonada, no entanto, quando se tornou claro que os próprios tessálios não eram confiáveis, e então os gregos 81 Para uma discussão mais extensa, ver Yamamuchi, pág. 230.


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decidiram se colocar na passagem estreita das Termópilas, em terra, e em Artemísio no mar, na prática abandonando a Tessália para os persas. Os tessálios então se sentiram justificados em irem para o lado dos persas, e depois, prestaram grande ajuda a Xerxes. Os gregos, liderados por Leônidas, escolheram se posicionar na passagem das Termópilas porque forçaria os vastos números do exército persa a se afunilarem em uma ravina estreita de não mais que 15 a 30 metros, permitindo que os gregos tivessem de lidar com um número limitado de invasores em todo tempo, equalizando as respectivas posições. Enquanto isso, Temístocles planejou um confronto inicial com os persas em Artemísio, um promontório na costa de Eubeia, esperando que a referência ambígua do Oráculo de Delfos, que sugeria que Atenas seria salva por um “muro de madeira”, estivesse se referindo à sua armada. Quando Xerxes chegou às Termópilas, milhares de gregos estavam estacionados no caminho para deter seu avanço, embora o tamanho gigantesco do exército persa tenha feito com muitos os aconselhassem a fugir. Porém, Leônidas os conclamou a ficar, e buscar ajuda das comunidades vizinhas. Enquanto os dois exércitos escolhiam suas respectivas posições, Xerxes enviou espiões para observar, e um espião impressionado voltou, reportando que lacedemónios (outro nome dos espartanos) estavam entretidos com jogos, dança, ginástica, e arrumando seus cabelos. O rei achou estranho esse tipo de comportamento antes de uma batalha, mas foi informado que isso representava uma preparação normal dos famosos espartanos para a batalha, e que esses homens eram os guerreiros mais valentes que eles encontrariam, e de fato o foram. Xerxes lançou seu ataque enviando destacamentos de medas e persas contra os gregos, mas conforme foram forçados a passar pela passagem estreita, eles não se igualavam no encontro de homem contra homem, à grande proeza dos guerreiros gregos. Por cerca de uma semana ele não conseguiu progredir contra os teimosos guerreiros, mas quando sua frustração estava prestes a estourar, Xerxes foi avisado sobre uma trilha acima do passo que daria acesso aos defensores gregos pela retaguarda. Xerxes ficou extasiado com a notícia, e na hora, enviou tropas pra tomarem a passagem, guiadas pelo informante. O próprio Leônidas sabia da passagem, e tinha colocado 1000 fócios (uma tribo local) lá para guardar a trilha, mas eles fugiram com o avanço da força persa. Quando Leônidas soube que os persas estavam se aproximando pela retaguarda, ele enviou o grosso de seu exército embora, mas ele mesmo permaneceu determinado a ficar e guardar sua posição com seus famosos 300, que lutariam até o


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fim. No dia seguinte os valentes guerreiros tomaram várias vezes o número de vidas de cada um deles, mas no fim foram destruídos até o último homem, deixando para trás um dos maiores legados da história grega. Enquanto a batalha se incendiava nas Termópilas, uma frota persa navegou para Áfetas (perto de Artemísio), e, vendo um número pequeno de navios gregos ancorados ali, teve a ideia de atacar imediatamente. Temendo que os gregos pudessem simplesmente escapar para o sul, no entanto, os persas enviaram 200 navios para bloquear a rota sul antes de lançarem um ataque direto vindo do norte. Um mergulhador chamado Ésquilo escapou dos persas e alertou os gregos sobre a estratégia, liderando os gregos a lançarem um ataque imediato. Para os persas, o ataque pareceu ser uma missão suicida, mas os gregos foram, no entanto, eficazes e ao anoitecer tinham enfraquecido os persas o suficiente para ir ao seu encontro. Para piorar a situação, uma violenta tempestade caiu sobre a região, de modo que tanto os navios que velejaram para o sul quanto a frota em Áfetas sentiram o efeito, a última sendo totalmente perdida nos recifes de coral de Eubeia. Os persas ficaram envergonhados com sua má sorte na tentativa inicial, e lançaram seu próprio ataque no dia seguinte. A batalha foi acirrada, e ambos os lados tiveram perdas consideráveis, embora pareça que os persas levaram a pior. O dano que os gregos sofreram foi, entretanto, suficiente para justificar uma retirada, especialmente depois da notícia da derrota nas Termópilas. Quando a frota grega se retirou, os persas tomaram e ocuparam o norte de Eubeia, e se prepararam para avançar em direção ao sul ao longo da costa. As forças que marchavam com Xerxes continuaram indo para o sul depois da vitória nas Termópilas, deixando destruição generalizada pelo caminho. Conforme se aproximavam da Ática, eles se dividiram em duas forças, com uma parte marchando para Atenas sob o comando do próprio Xerxes, e o resto prosseguindo para Delfos com a intenção de saquear o grande templo. Quando os délficos souberam do ataque iminente, eles fugiram da cidade, deixando apenas sessenta homens e um profeta, mas de acordo com a lenda registrada por Heródoto, uma terrível tempestade veio e destruiu os persas enquanto o exército se aproximava, e os soldados supersticiosos fugiram. Conforme os persas continuaram a invadir pelo norte, os gregos se retiraram para Salamina, uma cidade localizada no Istmo de Corinto. A frota grega que se retirara de Artemísio chegou quase ao mesmo tempo que os atenienses, que tinham abandonado sua cidade diante do avanço das forças persas. O comando da frota de Salamina estava com Euribíades, um Espartano, que buscou o conselho dos comandantes da frota sobre qual seria o melhor lugar para encontrar os inimigos em batalha. Conforme se consultaram, a notícia chegou de que os persas


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tinham adentrado a Ática, e estavam incendiando as cidades e destruindo a terra. Eles também souberam que os poucos que tinham partido de Atenas tinham resistido bravamente por algum tempo, mas finalmente a cidade e a cidadela caíram sob a esmagadora força dos invasores. Com notícias da queda de Atenas, muitos em Salamina pensaram em fugir, mas a maioria concordou que deveriam ficar e enfrentar os persas no mar aberto do Istmo. Temístocles, por outro lado, acreditava que a frota grega deveria ficar em Salamina e enfrentar os persas em seu canal estreito e raso. Embora Temístocles tenha argumentado com fervor, ele encontrou forte resistência em Aeimantus de Corinto e alguns entre os espartanos, e o grupo não se decidiu. Enfim, em um movimento desesperado, Temístocles enviou um soldado ateniense que fingia ser um traidor, e ele enviou uma mensagem “secreta” para Xerxes advertindo que os persas deveriam contornar até o extremo do Istmo, e bloquear a rota de fuga da frota grega, implicando que os capitães gregos estavam divididos sobre ficarem ou fugirem. Xerxes caiu na armadilha, e começou a posicionar tanto suas forças terrestres quanto marítimas para bloquear os gregos. Como Temístocles tinha planejado, o bloqueio persa teve o efeito de obrigar as forças gregas a lutar nas vias marinhas rasas de Salamina, e como previsto, isso favoreceu muito os navios gregos. Antecipando uma vitória gloriosa, Xerxes se deslocou para o Mt. Agelos. Um mirante em terra firme do qual seria possível assistir e se “entreter”. Ele enviou 1207 navios, sob o comando especializado de capitães fenícios veteranos, e estes seriam enfrentados por apenas 310 embarcações gregas muito menores. Temístocles tinha previsto corretamente que suas forças teriam mais chance contra o poder superior dos persas apenas se eles fossem impedidos de utilizar toda sua frota. Nessa observação ele estava completamente correto, pois os navios persas, amontoados na baía estreita, não poderiam fazer um ataque veloz, e também ficariam uns na frente dos outros conforme tentavam manobrar, tendo sido embaraçosamente expulsos. O entusiasmo de Xerxes foi rapidamente mudado em terror enquanto assistia a emboscada contra o seu poder marítimo e o dos mestres fenícios. Para ser honesto, suas perdas foram tão grandes que Xerxes começou a temer sua própria segurança e se preparou para fugir com pressa, embora não tenha deixado isso claro para seu exército. Mais tarde quando os fenícios tentaram se explicar para o rei, ele ordenou que suas cabeças fossem cortadas, “para que aqueles que se acovardaram não envergonhassem a glória dos corajosos” (Heródoto). Quando outros capitães fenícios souberam disso, eles apenas fugiram para casa, o que era a


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coisa mais inteligente que podiam ter feito, já que eles foram poupados de uma segunda batalha naval igualmente mal sucedida nas proximidades do Monte Mícale perto de Mileto um ano depois. Na Grécia, Temístocles recebeu grandes honras por sua coragem e sabedoria, e até em Esparta ele foi reconhecido como o gênio por trás da vitória. Por outro lado Xerxes enviou notícias de suas grandes perdas de volta à Pérsia, notícias que levaram a grande lamento em Susa. O comandante em chefe de Xerxes, Mardônio, percebendo que o rei queria apenas voltar para a capital e abandonar a campanha grega, propôs que o rei deixasse com ele 300.000 homens para continuar a conquista. Xerxes concordou, e na Tessália, Xerxes escolheu guerreiros que ficariam no inverno e voltariam à batalha na primavera. O próprio Xerxes continuou no Helesponto, deixando para trás muitos outros entre seus homens que estavam abatidos pela fome ou doença. Xerxes descobriu que a sua ponte sobre o canal tinha sido levada pelas águas, e ele atravessou para a Ásia em um barco, retornando novamente à relativa segurança de Sárdis, onde ele passou o inverno, enquanto o restante da frota persa derrotada passou o inverno na costa da Jônia. Na primavera seguinte, Mardônio se preparou para retornar a campanha, mas de início ele se preparou para alcançar seus objetivos por meio diplomático, e não militar. Sua aposta inicial foi enviar Alexandre I da Macedônia para Atenas como seu emissário propondo que os atenienses fizessem uma aliança com a Pérsia, se submetendo ao seu controle, mas desfrutando de muitos favores que seriam dados à cidade em troca disso. Quando os espartanos ouviram sobre a proposta, eles imediatamente enviaram seus próprios embaixadores para Atenas para participarem na discussão. Alexandre fez seu apelo, depois do qual os espartanos falaram na assembleia, dizendo aos atenienses que recusassem a proposta. Não foi surpresa quando Atenas concordou com Esparta, e rejeitou o apelo de Alexandre, o enviando de volta com instruções de nunca mais fazer tal pedido novamente, o que assegurava aos espartanos que Atenas nunca se inclinaria a uma aliança dessas. Tão logo Mardônio ouviu a resposta ateniense, ele juntou um exército e começou uma marcha para Atenas, o que forçou seus habitantes a abandonarem seus lares de novo e fugirem para Salamina. Mardônio encontrou a grande cidade vazia, e a ocupou sem dificuldade, outra vez apelando aos gregos na esperança de persuadi-los a se submeter aos seus pedidos. Mas, os atenienses ainda assim, firmaram sua decisão, mas pediram a Esparta que os ajudasse a resistir aos invasores. Os espartanos não responderam de imediato, talvez por estarem debatendo se ainda precisavam de uma aliança com os atenienses, ainda mais porque naquele momento eles estavam completando uma grande muralha defensiva construída ao longo do Istmo, um muro que alguns diziam, protegeria o Peloponeso sem a ajuda dos atenienses. Depois de dez dias de debate, os espartanos finalmente reuniram um exército de 55.000 e marcharam para Salamina, enviando suas forças sob o comando de um general chamado Pausânias, o filho de Cleômbroto da casa real Agíada. Ele liderou uma força de 5000 espartaoi (guerreiros de elite espartanos), 5000 perioeci (“os que moram ao redor”, que também eram soldados competentes (e 35.000 helotas (soldados gregos fortemente armados). Quando Mardônio


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soube que os espartanos estavam marchando contra ele, ele imediatamente destruiu o que sobrara de Atenas e se retirou para o norte para o campo aberto próximo a Tebas, acreditando que a região daria ao seu exército uma vantagem na guerra direta. Pausânias rapidamente alcançou o Istmo, e de lá prosseguiu para o norte, conseguindo ajuda adicional conforme marchava. Quando os espartanos tinham alcançado Plateia, uma cidade logo ao sul de Tebas, ele tinha uma força de cerca de 110.000 para enfrentar 300.000 persas. Acampando nas colinas baixas cerca de cinco quilômetros ao leste da cidade, os exércitos gregos e persas esperaram por cerca de vinte dias, cada um oferecendo sacrifícios e orações em preparação para a batalha. Mardônio, enfim, ficou impaciente e ordenou um ataque imediato, mas Alexandre da Macedônia secretamente alertou os gregos, e Pausânias ordenou que disparassem para a batalha. Em um brilhante movimento, os gregos fingiram uma retirada, fazendo Mardônio zombar da famosa “coragem” dos espartanos, e, rapidamente, perseguiu aqueles que erroneamente pensava estarem fugindo do campo de batalha. Porém, ao sinal, os espartanos voltaram de surpresa, assustando os persas com seu esplêndido combate corpo a corpo. Por causa dos números superiores dos persas, o embate estava acirrado, mas pouco a pouco a proeza grega prevaleceu, e quando o próprio Mardônio foi morto, os persas começaram a recuar. A vitória espartana em Plateia foi decisiva, e foi tomada pelos gregos como vingança pela derrota nas Termópilas. A maior parte dos historiadores considera a Batalha de Plateia como o fim definitivo da Segunda Guerra Persa, onde Pausânias emergiu como um herói inquestionável, e os persas nunca mais voltaram a dirigir seus ataques à península grega. Porém, houve uma outra batalha, que ocorreu quase no mesmo momento, na costa jônica, onde os persas sofreram uma derrota igualmente desastrosa. Depois de sua humilhação em Salamina, eles tinham deixado sua frota aportada no inverno na costa de Delos. Os gregos atacaram sua frota ao mesmo tempo em que ocorria a Batalha de Plateia, mas os marinheiros persas tinham aprendido a lição, e não entraram no jogo de entrar em outra batalha contra a destreza grega no mar. Eles fugiram para a costa, aportando seus navios e se preparando para lutar em terra. Porém, quando os gregos se aproximavam, a notícia chegou de que Mardônio fora atacado por Pausânias, e isso incendiou os gregos a uma ferocidade ainda maior na batalha, quebrantando o moral persa, assim como suas defesas, e colocando o remanescente de sua força em fuga. Os aliados persas na Jônia, em especial os milanésios, trocaram de lado imediatamente, fazendo todo o possível para facilitar a vitória grega, de modo que assim, tanto na Jônia quanto na península, as forças persas foram completamente derrotadas, os navios persas foram incendiados e saqueados, e seu exército foi


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dispersado. Desse ponto em diante, a política grega mudou de uma postura defensiva para ofensiva com relação à Pérsia. O livro de Ester situa os eventos de seu segundo capítulo no sétimo ano de Xerxes, logo após a Segunda Guerra Persa. Tendo retornado a Susa, o rei iniciou o processo de substituir a deposta Vasti, escolhendo, após isso, Ester, uma bela jovem judia, em cuja honra ele deu um grande banquete. Algum tempo depois, Mardoqueu, o tio e guardião de Ester, descobriu uma conspiração contra o rei, e ao reportar isso, os conspiradores foram executados. Em abril do décimo segundo ano de Xerxes, ele elevou um homem chamado Hamã, um agagita (amalequita ou edomita), a uma alta posição, mas Mardoqueu recusou se prostrar à presença de Hamã, provavelmente devido a longa contenda entre os judeus e os amalequitas (ver Ex. 18:14-16). Hamã ficou tão indignado com a insolência de Mardoqueu que ele teceu um plano com a intenção não apenas de assassinar Mardoqueu, mas todo o povo judeu pelo império. Seguindo o costume persa de jogar sortes (purim), ele tentou determinar o momento mais propício para tal assassinato, e a sorte caiu no décimo segundo mês, cerca de um ano depois do momento em que ele fizera a consulta. Ele persuadiu o rei a passar um decreto de que os judeus fossem aniquilados, e Xerxes o assinou. Quando Mardoqueu soube da ordem, ele mostrou sua angústia usando um pano de saco e cinzas diante do portão do rei. Questionado por Ester, Mardoqueu a avisou sobre o decreto e a instou a ir diante do rei e implorar por seu povo. Ester concordou, apesar do grande risco, com a eterna expressão da resignação do fiel, “Se eu perecer, pereço” (Ester 4:16). Ester adentrou à presença do rei, requisitando juntar-se a ele em um banquete com vinho junto com Hamã durante a tarde. Hamã ficou enlevado a juntar-se ao rei e à rainha, mas sua alegria logo se tornou amargura quando ele viu Mardoqueu se recusando de forma inflexível a curvar-se diante de sua presença. Com o encorajamento de sua família e amigos, Hamã construiu forcas com o propósito de planejar o enforcamento de Mardoqueu no dia seguinte. Embora o livro nunca cite Deus de forma direta, o livro de Ester é um livro sobre providência, e como tal, ele conta como um rei tomado pela insônia de uma noite, e que foi chamado a ler os arquivos reais (o que daria sono a qualquer um). Conforme o registro foi lido, o rei foi lembrado do serviço prestado por Mardoqueu quando ele descobriu a conspiração contra a vida de Xerxes. No dia seguinte, em um dos grandes momentos de ironia da história, Xerxes ordenou Hamã a honrar de forma especial Mardoqueu nas ruas de Susa. Naquela noite, no segundo banquete com Ester, ela revelou o plano de Hamã, e quando o rei soube que Hamã tinha construído forcas para Mardoqueu, ele ordenou que Hamã fosse, ele próprio, enforcado nela. O rei então comandou que ao povo judeu fosse dado meios de se defender contra seus inimigos, e quando o dia do edito de Hamã chegou, o povo judeu foi


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capaz de derrotar seus inimigos, e infligir grandes perdas a eles por todo o império. Mardoqueu foi então elevado a uma posição de proeminência no império. Os anos finais de Xerxes parecem ter sido tempos de turbulência e licenciosidade. A antiga virtude dos persas estava colapsando, e a intriga e crueldade sanguinária estavam aumentando. Xerxes acabou morrendo nas mãos de conspiradores que entraram na câmara real e tiraram sua vida em 464. Seu reinado teve, em geral, pouco crescimento, e mostrou o início inequívoco do início de um lento declínio. Artaxerxes (464 – 424): Xerxes foi sucedido por seu filho, Artaxerxes, que também foi conhecido como Longimanus (“longa mão”), porque, de acordo com Plutarco, “sua mão direita era mais longa do que a esquerda.” Ele foi o terceiro filho de Xerxes, tendo como irmãos mais velhos, Dario e Histaspes. Artaxerxes tirou a vida de Dario baseado em uma suspeita que este tivesse participado no assassinato de seu pai, e um conflito posterior com Histaspes deixou Artaxerxes como único sucessor. A despeito desse caminho duvidoso para o trono, Artaxerxes provou ser um governante astuto, em especial em seu tratamento da Grécia, com a qual ele evitou qualquer conflito direto, mas orquestrou uma estratégia muito mais devastadora encorajando o conflito interno entre as cidades-estado, o que depois contribuiu para o surgimento da Guera do Peloponeso. Artaxerxes se deparou com sua primeira grande crise em 461 quando uma revolta estourou no Egito. Os gregos, agindo através da Liga de Delos, saíram dos egípcios em 459, ajudando-os a recuperaram Mênfis. Presumivelmente esperando, animar seu aliados na região, Artaxerxes autorizou o retorno de Esdras a Jerusalém no mesmo ano, dirigindo-o a uma renovação e reestabelecimento da adoração apropriada entre os judeus (Esdras 7:7). Enquanto alguns se questionam porque o rei persa encorajaria a adoração judaica, o ato, na verdade, se encaixa muito bem dentro da política persa, e reflete uma estratégia similar àquela implementada em conexão com outras nações dominadas.82

82 Ver, por exemplo, R.N.Frye, “Institutições”, em Beiträge zur Achämenidengeschiche, e G. Walser (Wiesbaden: Franz Steiner, 1972), p. 92.


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Esdras chegou a Jerusalém em 458, fazendo uma longa jornada em segurança, embora ele não tenha requisitado guardas imperiais para protegê-los. Embora isso certamente tenha trazido o testemunho de sua confiança em Deus (Esdras 8:21-23), na prática, Esdras provavelmente estava cercado por milhares de tropas persas comissionadas para a campanha contra o Egito. Seja como for, Esdras começou a exercer imensa influência no desenvolvimento da religião judaica, completando a mudança da ênfase de um sistema de adoração centrada no templo, para uma adoração centrada na Torá. A religião transformada veio a ser chamada de Judaísmo, e desse tempo em diante a sinagoga veio a ocupar um papel muito mais proeminente na vida do fiel judeu. Em 456, Megabazus, o sátrapa de Sárdis e comandante das forças persas, atacou o Egito com uma grande armada e exército, e depois de 19 meses de luta, os persas recuperaram o controle sobre a terra do Nilo. A hostilidade persistiu entre Grécia e Pérsia, até que eles entrassem em um acordo conhecido como Paz de Calias em 449. Sob o acordo, os gregos concordaram em abandonar Chipre e deixarem de interferir nos assuntos do Egito, enquanto os persas reconheciam a supremacia de Atenas sobre a Liga de Delos, e consentiam em parar de enviar navios para o Egeu. Depois de alguns anos de paz, Artaxerxes enfrentou um novo desafio quando uma revolta irrompeu na Síria. A rebelião era liderada pelo próprio Megabazo, que estava irado com Artaxerxes pelo modo como os persas tinham deposto o rebelde egípcio Inaro, a quem Megabazo prometera asilo. O comandante persa se rebelou contra o império, e seu poder foi suficiente para forçar Artaxerxes a retornar. Em 445, Neemias requisitou autoridade e financiamento para reconstruir os muros de Jerusalém, que tinham sido destruídos por Nabucodonosor quase 150 anos antes. Neemias era o copeiro do rei, e como tal, provavelmente era um amigo de confiança e confidente que poderia exercer influência significativa nas deliberações do governante. Artaxerxes deu a Neemias o que pedira, apontando-o como governador de Judá, um posto que ele manteve até 432. Quando se soube do plano de Neemias de reconstruir os muros da cidade, isso provocou considerável oposição entre os vizinhos do povo judeu. Sambalate, o governador em


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Samaria, provavelmente era motivado politicamente, e não apenas por preocupações religiosas, já que a presença de um enérgico governador em Jerusalém ameaçava sua própria autoridade. Sentimentos similares eram compartilhados pelos amonitas e árabes, como indicado no livro de Neemias (cap. 2 e 3). Neemias também trouxe reformas econômicas muito necessárias a Jerusalém, em especial para aqueles sem-terra, cuja comida estava acabando, proprietários de terra que eram forçados a vender suas propriedades, pessoas que tinham tomado empréstimos e se viam forçados a pagar exorbitantes taxas de juros, e aqueles que tinham sido forçados a vender suas crianças à escravidão por causa de dívidas (Ne. 5:1-5). Neemias repreendeu os ricos, condenando-os a: “restituir-lhes …a usura que lhes havia cobrado o centésimo do dinheiro – o vinho, o trigo e o azeite” (Ne 5:11). Juntando-se à crítica moral do povo estava o último profeta do Antigo Testamento, Malaquias, que, em geral, se pensa ter trazido sua mensagem profética sob o reinado de Artaxerxes. Muitos acreditam que Malaquias estivera ativo em Jerusalém desde pouco antes da chegada de Esdras, talvez até simultaneamente, de modo que ele poderia ajudar a campanha do escriba pela reforma. Xerxes II (424): Artaxerxes foi sucedido por seu filho, Xerxes II, mas o novo rei ficou apena quarenta e cinco dias no trono antes de ser assassinado, bêbado, por seu irmão, Sogdiano, o filho de Artaxerxes com uma concubina chamada Alogine da Babilônia. Sogdiano o sucedeu no trono. Sogdiano (424 – 423): O assassino de Xerxes reinou brevemente, mas sua autoridade só foi reconhecida na Pérsia e em Elão. Ele mesmo foi morto apenas seis meses depois por Arbário, comandante da cavalaria. Depois de sua morte, Oco, que tomou o nome Dario II, se tornou o governante único do Império Persa. Dario II (423 – 404): Oco era o irmão ilegítimo de Sogdiano, e o sátrapa da Hircânia. Ele se rebelou contra o rei, e depois de uma curta luta, foi capaz de tomar o trono e restaurar certa estabilidade ao império. Ele adotou o nome Dario II, mas pouco se sabe sobre o seu reinado, exceto que ele desempenhou um pequeno papel nos anos finais da Guerra do Peloponeso. Seu esforço culminou em 408, quando ele enviou seu filho Ciro para a Ásia Menor para tomar um papel mais ativo no conflito, o que em alguma medida fez Esparta sair vitoriosa em 404, quando os persas ajudaram os espartanos a se livrarem do suprimento de grãos ateniense no Helesponto. Dario morreu no mesmo ano, e assim foi incapaz de tirar vantagem pessoal dos frutos da guerra. Artaxerxes II (404 – 358):


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Dario foi sucedido por seu filho, Artaxerxes II, mas o novo rei foi imediatamente forçado a defender sua reivindicação ao trono por seu ambicioso irmão, Ciro, que tinha voltado da Ásia Menor depois da morte do pai. Artaxerxes queria executar Ciro por traição, mas sob a pressão da mão de Ciro, ele enviou seu rival para a Ásia Menor como sátrapa. Imediatamente Ciro começou a preparar um segundo ataque contra Artaxerxes contratando um grande número de mercenários gregos, soldados de elite que tinham sido libertos de seu serviço com o fim da Guerra do Peloponeso. O ataque de Ciro foi imortalizado por Xenofonte, um soldado grego e historiador que servira como um comandante do exército mercenário de Ciro. Ciro foi morto na Batalha de Cunaxa em 401, e Xenofonte liderou a famosa marcha dos 10.000 depois dessa derrota. Alguns anos depois, Artaxerxes se envolveu em uma guerra contra os antigos aliados da Pérsia, os espartanos, que invadiram a Ásia Menor sob seu rei, Agesilau. Para minar seus esforços, Artaxerxes subsidiou os inimigos tradicionais de Esparta, os atenienses, tebanos, e coríntios, forçando os espartanos a se concentrar em seus problemas domésticos em um conflito que ficou conhecido como Guerra de Corinto. Artaxerxes apunhalou seus inimigos pelas costas em 386, fazendo um acordo com Esparta no Tratado de Antalcidas, o qual forçava seus antigos aliados a negociar um acordo com os espartanos. O tratado restaurou seu controle sobre as cidades gregas da Jônia aos persas, enquanto dava a Esparta dominância sobre a península grega. Artaxerxes teve menos sucesso com os egípcios, que tinham conseguido se rebelar contra seu reinado. Sua tentativa de recuperar a terra do Nilo foi completamente mal sucedida, embora em seus anos finais o rei persa tenha conseguido derrotar uma coalizão egípcioespartana que tentara conquistar a Fenícia. Artaxerxes III (358 – 338): Artaxerxes II foi sucedido por seu filho, Artaxerxes III, que logo após se tornar rei, assassinou todos os seus parentes para proteger o império de guerras civis. Ele derrotou Nectanebo II do Egito em 343, expulsando-o da terra, e fazendo do Egito mais uma vez uma satrapia persa. Artaxerxes foi assassinado em 338 por seu ministro, Bagoas. Artaxerxes IV (338 – 336): Artaxerxes IV era o filho mais novo de Artaxerxes III, e não era esperado que ele herdasse o trono, não tivesse sido o assassinato de seu pai por Bagoas, que trouxe a coroa a ele. Bagoas buscou permanecer no cargo ao substituir Artaxerxes por seu filho, que ele pensava ser mais fácil de controlar, e, de fato, o jovem Artaxerxes não foi nada além de um rei títere durante


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seus dois anos, enquanto Bagoas agia como o poder por trás do trono. Depois de algum tempo, o rei ficou insatisfeito com as limitações de seu poder, e começou a planejar o assassinato de Bagoas. O astuto vizir sentiu o cheiro da conspiração e conseguiu envenenar Artaxerxes, trazendo um dos primos do rei ao trono sob o nome Dario III. Dario III (336 - 331): O último rei do Império Persa subiu ao trono em 336, mas mal teve tempo de consolidar seu poder antes de encarar o incrível gênio do oeste, Alexandre, o Grande. Dario, na verdade, era um governante relativamente competente, e de forma rápida demonstrou sua independência de seu benfeitor assassino, Bagoas, forçando a tomar o veneno que tinha separado para o próprio Dario. O novo rei se viu controlando um império instável, em que grandes porções dele eram governadas por sátrapas invejosos e indignos de confiança, governando sobre súditos ressentidos e rebeldes No mesmo ano da ascensão de Dario, Filipe II da Macedônia recebeu autoridade da Liga de Corinto para iniciar uma guerra santa contra os persas por dessacrar e queimar os templos atenienses durante a Segunda Guerra Persa. Filipe enviou uma força inicial para a Ásia Menor para libertar os gregos que viviam sob o controle persa, mas quando eles recuperavam as cidades gregas, o próprio Filipe foi assassinado, mergulhando a Macedônia em uma crise de sucessão. Dois anos mais tarde, Alexandre invadiu a Ásia Menor à frente de um exército grego combinado e sem muita demora enfrentou e derrotou uma força persa na Batalha do Grânico. No ano seguinte, o próprio Dario veio ao campo de batalha contra o rei grego, mas seu exército muito maior foi flanqueado e derrotado na Batalha de Issus, forçando Dario a fugir, deixando para trás sua carruagem, seu acampamento, e sua família, todos estes capturados por Alexandre. Em setembro de 331, depois de rejeitar as propostas de paz de Dario, Alexandre novamente derrotou o rei persa na Batalha de Arbela, quando o homem que conduzia sua carruagem foi morto e o próprio Dario derrubado a seus pés. As tropas persas entraram em pânico com o que acreditaram ser a morte de seu rei, embora ele logo tenha fugido para Ecbatana, onde começou a juntar um quarto exército. Dario foi posteriormente deposto por seu sátrapa, Bessus, e foi assassinado sob as ordens deste em julho de 330. Alexandre deu a Dario


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um funeral magnífico e até se casou com sua filha, Statira, mas, apesar disso, sua morte trouxe um fim à era do domínio persa.


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Capítulo 7

Grécia (1100 - 250 a.C.) Resumimos de forma breve a história dos minoicos e micênios em um capítulo anterior, e agora nos voltamos para a história da Grécia após a Guerra de Troia (c. 1200). Como vimos, logo após o conflito, os domínios micênios foram presa da invasão dos Povos do Mar (c. 1180), que varreram o Oriente Próximo pela terra e pelo mar, levando muitos dos micênios com eles em suas campanhas de pilhagem. Alguns anos depois (c. 1120), outro grupo de indo-europeus invadiu as mesmas áreas, desse modo destruindo o que sobrara da cultura micênica. Eles vieram a ser chamados de dórios. A Invasão Dórica e o fim da Era Heroica Os dórios parecem ter sido parte de uma extensa migração de indo-europeus que afetou praticamente todo o Oriente Próximo. Eles migraram para toda a Grécia continental, onde a Tessália enfim sentiu o choque de sua presença, e de lá eles foram para a Ásia Menor (Jônia), saqueando e incendiando Mileto e outros grandes centros. A onda de destruição finalmente culminou com a destruição da própria Micenas.83 Conforme os dórios se estabeleceram no Peloponeso, eles subjugaram ou expulsaram os micênios nativos. Aqueles que permaneceram foram chamados de “helotas” e foram sujeitos a uma cruel dominação dórica que os manteve em uma contínua subserviência, enquanto aqueles que fugiram foram para as regiões vizinhas, muitos deles chegando a buscar refúgio na cidade de Atenas, ou nas ilhas gregas de Creta, Rodes, e Quios. Um bom número de micênios 83 Algumas fontes antigas identificam essa invasão com o retorno dos Heráclidas, ou seja, os descendentes de Héracles (ou seja, Hércules), que era tido como o primeiro líder das tribos dórias. De acordo com a lenda, Hilo, filho de Héracles, matou Euristeu, o último dos reis persíadas de Micenas (e aquele que impusera os famosos Doze Trabalhos a seu pai), mas o próprio Hilo morreu em uma batalha entre as forças heráclidas e peloponésias liderados por Atreu, filho de Pélope, que sucedera ao trono de Micenas. Os heráclidas se retiraram e foram proibidos pelo Oráculo de Delfos de retornar pelos próximos 100 anos. As origens dessa história foram, obviamente, questionadas, mas há boa evidência de que os dóricos acreditavam ter uma reivindicação anterior ao Peloponeso baseados em suas raízes lendárias a partir de Hércules.


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alcançou a Ásia Menor e se estabeleceu na região que veio a ser chamada de Jônia, mais tarde formando a Confederação Jônica. Onde quer que eles fossem, os micênios levavam consigo a memória de sua cultura e história, passando-a por gerações até que os poetas de uma era posterior compilaram as histórias nos tão famosos épicos e mitos. As mais famosas delas, é claro, foram A Ilíada e A Odisseia de Homero. As histórias refletidas nesses trabalhos deram origem ao famoso Período “Heroico” da história grega, com heróis e aventureiros sobre humanos, que, apesar disso, tinham suas raízes em pessoas e eventos históricos reais de uma época anterior. Depois dos dórios subjugaram o Peloponeso, eles dividiram o território entre seus vários capitães, tomando as casas e construções micênias. Porém, aos dóricos faltava a sofisticação de seus conquistados, e acabaram por usarem substitutos toscos dos avanços dos micênios em suas ferramentas, artes e métodos. Eles foram, então, incapazes de recuperar e reparar o remanescente da grande civilização micênica, a que os dórios tinham, em sua maior parte, destruído. A cultura dórica era rígida, autocrática, e defensiva, focada em primeira instância em manter as pessoas que tinham subjugado sob seu punho militarista, mas falhando em fazê-las crescer e se desenvolver da maneira que ocorria nas outras regiões do mundo grego. Em contraste aos dóricos, os descendentes migrantes de Micenas foram capazes de se adaptar e prosperar em sua nova situação. Eles se estabeleceram em seu novo lar, enquanto conseguiram segurar as tentativas cimérias e hititas de invadir seus territórios. Somado a isso, eles começaram a recriar algo da cultura micênica perdida, preservando, de forma especial, suas ricas lendas, arquitetura, e a filosofia da época anterior, e em seus poemas épicos eles se lembravam desse passado idealizado. Os poetas não só reproduziam a grande tradição, mas também moldavam seu trabalho às necessidades e desafios atuais. Os próprios mitos eram endereçados a passar ideias abstratas, entrelaçando juntas várias camadas de temas e subtemas, não raro, violentas e trágicas, para explicar fenômenos religiosos, científicos e naturais. Algumas histórias, como o drama de Édipo, até tratavam de questões psicológicas. O Amanhecer de uma Nova Época Grega


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Os duzentos anos de 1100 a 900 a.C., algumas vezes chamados de “idade das trevas”, são historicamente obscuros não apenas em relação aos gregos, mas sobre todo o Mundo Mediterrâneo. Durante esse período, as duas linhas predominantes da cultura grega gradualmente se estabilizaram, com os descendentes dos dóricos se mantendo em Esparta, mas estendendo sua influência pela maior parte do Peloponeso. Esses vieram a ser chamados lacedomônios, uma referência a Lacônia, um outro nome para o Peloponeso. Ao mesmo tempo, uma cultura muito diferente, que refletia a tradição micênica, podia ser vista em Atenas, embora sua influência se estendesse a quase todo resto do mundo egeu. No início do século oitavo, uma nova era na história grega começava a despertar, com mudanças dramáticas se fazendo evidentes de modo mais proeminente através da ascensão dos marcantes poetas e escritores épicos daquele tempo, assim como pelo início dos jogos gregos, o desenvolvimento de conexões comerciais distantes, e a crescimento da cidades-estado distintamente gregas. Cada um desses elementos merece uma breve análise. Poetas Gregos Embora Hesíodo muitas vezes seja considerado como a primeira “luz” sinalizando o alvorecer de uma nova era na história grega, Homero é reconhecido como o verdadeiro fundador da literatura europeia. Pouco se sabe da vida do grande poeta, embora haja um acordo geral de seu nascimento na cidade de Esmirna, na Ásia Menor (Atual Ismir, Turquia), onde um grande santuário ainda existe em sua honra. A escassez de informações pessoais relativas a Homero é totalmente sobrepujada pela imensurável influência e importância de seu trabalho. Homero trouxe a um clímax a tradição épica do mundo grego em suas imortais Ilíada e Odisseia, que parece terem sido publicadas em meados do oitavo século. Esse grande trabalho tem servido como fonte de inúmeros livros sobre a religião, história, filosofia, drama e poesias gregos. Homero claramente os derivou de uma vasta assembleia de fontes orais que tinham vindo a ele dos tempos micênicos, e a própria história tinha evoluído ao decorrer dos séculos, na medida em que necessidades específicas de tempos específicos podem ter exigido. Homero acrescentou a essa riqueza de tradições uma boa dose de suas próprias ideias, desenvolvendo especialmente a humanidade de seus personagens. Nesse quesito, Homero não só refletia a característica artística da cultura grega, mas também descrevia com profundidade as dificuldades universais de toda humanidade.


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O drama geral, que remonta a tempos micênicos, descreve a Guerra de Troia, e envolve uma expedição dos “aqueus” (gregos), à cidade de Troia em resgate à bela Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, que tinha sido levada por Páris, filho do rei Príamo, de Troia. A batalha durou dez anos, mas no final do longo cerco, Troia caiu pela sagaz estratégica do Cavalo de Troia, deixando os heróis gregos finalmente livres para retornar para seus lares (a “odisseia) de volta a suas esposas e famílias de quem tiveram saudades por tanto tempo. Jogos Gregos Outra contribuição que assinalou o início de uma nova época na cultura grega foi o nascimento dos Jogos Gregos, tradicionalmente datados em 776 a.C. Muitos acadêmicos marcam esse ano como a transição “oficial” da história “heroica” para a “real”. Seria, de todo modo, difícil de exagerar a influência unificadora dos jogos, que traziam todas as diferentes facções do mundo grego em um único grande evento cultural. Na verdade, conforme o tempo passava, a participação nas Olimpíadas e outros jogos similares vieram a marcar uma pessoa como genuinamente “grega”, e a não participação, como bárbara. Mais tarde, a maior parte das cidades-estado gregas enviariam jogadores, mas depois de um tempo os rivais dominantes passaram a ser Esparta e Atenas. Como veio a se mostrar, a rivalidade veio refletir diferenças que iam muito além do mero esporte, e de alguma forma, ia mais fundo, adentrando a antiga disputa entre os micênios e os dórios. Os jogos aconteciam uma vez a cada quatro anos, e embora novos eventos tenham sido adicionados pouco a pouco, nenhuma jamais envolveu armas, e o foco era puramente na proeza atlética e não na habilidade em lutar. A única recompensa para o ganhador não eram senão um lírio, embora as honras que acompanhavam tais vencedores fossem realmente incríveis, e o lírio em si fosse valorizado e passado de geração em geração. Durante os jogos, nenhuma guerra ou violência de qualquer tipo era permitida em qualquer lugar no mundo grego. Conforme os anos passaram, outros festivais atléticos e jogos foram acrescentados em vários locais, e todos eles serviam para unificar ainda mais os povos da Grécia em uma realidade política que, apesar de tudo, mantinha considerável autonomia local. Comércio e Colonização Enquanto as forças da literatura, cultura, e competição atlética tendiam a consolidar e unificar o mundo grego, outras pressões acendiam o expansionismo. O terreno naturalmente


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hostil e os limitados recursos naturais da Grécia continental foram fatores especialmente importantes que forçaram os gregos a explorar novas tendências tanto comerciais quanto na migração com o mundo não grego ao redor. Pela metade do oitavo século, as pressões tinham se tornado agudas, na medida em que os navios da Grécia se aventuravam cada vez mais longe de seus portos no Egeu. Esses aventureiros marítimos e peregrinos levaram sua herança grega consigo, de modo que, logo, quase todo o Oriente Próximo tinha sido tocado por sua cultura e influência distintas. Os gregos se expandiram, literalmente, para todas as direções do mapa. Em direção ao leste, eles se misturaram aos fenícios, e através deles fizeram contato com os mercados da Síria e Mesopotâmia. Ao mesmo tempo, muitos artesãos fenícios trouxeram seu conhecimento de navegação para a Grécia, buscando escapar do poder crescente da Assíria, e de sua infeliz reputação de brutalidade. Esses artesãos fenícios trouxeram outras influências também, incluindo a arte da escrita, certos elementos da mitologia, e até denominação de pesos e medidas. Os gregos também exploraram os mercados a oeste, focados em grande parte na Sicília, onde os coríntios estabeleceram a cidade de Siracusa em 733, e na Península Itálica, onde a cidade de Tarento foi fundada em 706. Ambas as cidades mantinham laços estreitos com a Grécia, e conforme os recém-chegados se estabeleciam, eles encontraram um pronto mercado para suas mercadorias entre os etruscos, embora eles também tenham encontrado os ubíquos fenícios lá, competidores que tinham se adiantado a eles em alguns anos. À medida que os gregos permaneciam na Itália, estabelecendo colônias locais para facilitar as relações comerciais com a península, isso colocou pressão sob a antiga relação próxima com os colonos fenícios, que viram os recém-chegados gregos como uma ameaça. Em alguns locais, os fenícios até se juntaram aos etruscos para resistir ao estabelecimento de novas colônias gregas, mas o efeito mais importante sobre os fenícios foi o rápido crescimento de sua cidade portuária de Cartago, que depois se tornou um posto avançado proeminente do poder comercial fenício no Mediterrâneo. Nessa época, porém, a expansão grega estava sendo de grande benefício tanto para os colonos quanto para os nativos, e fabulosas fortunas foram criadas durante esses anos. Para o sul, gregos se estabeleceram em Cirene, no norte da África, e depois, colonos fixos gregos se casaram com mulheres egípcias locais. No norte da Grécia, Macedônia e Trácia se tornaram importantes mercadores, e além disso, às cidades da Calcedônia e Bizâncio, que foram estabelecidas pelos gregos de ambos os lados do Helesponto. De lá, viagens para o Mar Negro abriram grandes mercados de grãos daquela área, que seria uma linha vital para a Grécia continental, em especial por causa de sua limitada habilidade de produzir seu próprio suprimento de grãos. As regiões do Mar Negro também proviam abundante exportação adicional de grão, e também peixe, carnes, mel, e cera, que juntamente faziam das regiões costeiras uma importante parte do mundo grego. Esse bens eram trocados nas cidades-estado do Mediterrâneo por vinho, óleo de oliva, cerâmica, utensílios, armas, suprimentos médicos e vários itens luxuosos. A primeira colônia no Mar Negro foi estabelecida por marinheiros de Mileto, que fundaram uma colônia na costa oeste do mar em Istrus. Esses colonos posteriormente se juntaram a outros, e com os anos, as colônias gregas vieram a desfrutar de um longo período de prosperidade.


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Como visto antes, a motivação grega para migrar foi instigada por mais fatores além da busca por novos mercados. Na península grega, a crescente escassez de terra arável exerceu sua própria influência, e de início a meados do oitavo século, ondas de migrantes partiram em busca de “espaço vital” para agricultura. Esses movimentos ocorreram sobretudo entre 730 a 580, e foram em grande parte o resultado do costume grego de subdividir as fazendas entre os pais e filhos, de modo que cada fazendo se tornava cada vez menor com o passar das gerações. A necessidade prática forçava as cidades a estabelecerem colônias cada vez mais distantes, às quais se tornavam ligados por parcerias comerciais. É possível que a cidade mais importante desta época tenha sido Corinto, que ficava localizada estrategicamente no Istmo, e ficou famosa pela construção de navios e comércio marítimo. Na verdade, por um tempo, poderia ter-se falado de um “império” coríntio, na medida que a cidade portuária exportava uma vasta gama de bens manufaturados para a Grécia, ao mesmo tempo em que importou a prostituição cultual do oriente, uma prática pela qual a cidade também se tornou famosa, e a qual foi mencionada pelo apóstolo Paulo anos mais tarde. Como notado, a mais famosa das colônias estabelecidas por Corinto foi Siracusa, uma grande cidade da Sicília que foi criada em 733. Corinto fundou muitas outras cidades, assim como outros centros em terra firme, e essas “cidades irmãs” gregas expandiram em muito a presença grega por todo o Mundo Mediterrâneo. Cooperando com a população nativa, alguns dos colonos nessas colônias ficaram fabulosamente ricos. Foi nessa época que o famoso soldado “hoplita” da Grécia começou a aparecer. Os hoplitas (da palavra “hoplon”, que se refere a um escudo pesado), eram basicamente fazendeiros que desempenhavam função de soldados, e que foram crescendo em importância durante a época da migração. De modo geral, quando um novo local era fundado, construções públicas eram destacadas, mas a terra em geral era difícil ou imprevisível de se plantar. Muitos locais tinham como necessidade principal a preocupação com a mera sobrevivência, e não raro era necessário aos fazendeiros pegar em armas. Esses exércitos de fazendeiros soldados se tornaram formidáveis, e eram difíceis de resistir, embora eles fossem limitados no que podiam conquistar militarmente. Os exércitos hoplitas lutavam com um certo protocolo preestabelecido, eram bem treinados, e representavam uma mudança geral da glória pessoal para a glória da cidade ou grupo. A cidade-estado A distinta cidade-estado grega começou a emergir durante esses anos, e isso, combinado com a língua e cultura gregas cada vez mais coesas, estabeleceu as novas bases para a ordem social. As duas cidades proeminentes eram, é claro, Atenas e Esparta, que representavam as culturas clássicas micênicas e dóricas que tinham sobrevivido por séculos.


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Esparta: No início desse período, coalizões começaram a se formar tanto no sul quanto no norte da Grécia. Argos foi o centro inicial da coalizão sulina, sob a liderança de Fídon, que se estabeleceu como tirano em 747. Sob sua liderança, por um tempo pareceu que Argos se tornaria suprema entre os estados dóricos. Depois de uma disputa com Esparta sobre os Jogos Olímpicos, no entanto, Fídon foi deposto, e Argos perdeu seu papel de proeminência, deixando Esparta como líder reconhecido do Peloponeso. De início, Esparta era formada por um grupo de vilas menores que foram subjugadas durante ou logo após a invasão dórica. Era governada por dois reis, cada um representando uma tradicional “família real” dos dóricos, uma organização que visava prevenir qualquer um dos governantes de se tornar poderoso demais, embora isso tendesse a desestabilizar o governo da cidade. Ainda assim, do tempo de sua ascensão sobre Argos, Esparta começou a traçar sua própria carreira, uma carreira que foi fortemente influenciada por seu notável legislador, Licurgo, que tinha sido instalado como guardião de um dos jovens reis de Esparta. Embora tenha recebido a oportunidade e o incentivo de assassinar o garoto e se colocar no papel de governante, Licurgo se recusou. Invés disso, ele deixou a cidade e viajou muito, estudando as leis de várias civilizações, depois disso retornando para Esparta como aquele que traria ordem à sociedade instável. Licurgo começou dividindo Esparta em classes de dóricos, periecos (ou lacônios) e escravos. Os dóricos eram soldados, os lacônios, negociantes e comerciantes, e os escravos trabalhavam os campos. Licurgo também instalou duas assembleias, uma conhecida como os gerontes (idosos e anciãos), que escreviam a legislação, e os outros, a Assembleia, que podia votar, mas não debater as leis propostas. Licurgo reteve o sistema único de dois reis, requerendo que os dois fossem membros dos gerontes, mas sob as leis de Licurgo, os reis tinham poder limitado. Finalmente, Licurgo decretou que seis magistrados conhecidos como éforos lidariam com o negócio de administrar a cidade no dia a dia. O treinamento sob Licurgo era baseado inteiramente na noção de submissão absoluta ao bem comum do estado, provavelmente qualificando Esparta como a sociedade mais coletivista da história. Toda educação e treinamento eram para o exército, e era notoriamente severa e sem misericórdia. Os homens das tropas comiam em uma mesa pública, com poesia e música com o propósito único de inspirar a coragem em batalha. Riqueza e luxo eram ridicularizados, e o dinheiro em Esparta era cunhado em ferro. Dessa cultura severa, Esparta produziu a mais famosa elite de soldados do mundo antigo. A maioria dos não-soldados de Esparta eram escravos, e vieram a ser chamados de “helotas”, representando a população original do Peloponeso, que era mantida em um controle cada vez mais totalitário dos espartanos. Não é de surpreender que os helotas vieram a se ressentir profundamente do governo tirânico de seus superiores, e para os espartanos, esse ressentimento gerava uma constante ameaça de rebelião. Eles então se viram forçados em uma sociedade cada vez mais militarizada, na intenção primeira de prevenir a maioria zelota de depor seus governantes.


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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-257

Como esperado, com o passar dos anos, Esparta se tornou cada vez mais isolada e homogênea, refletindo um conservadorismo rígido com fortes características fortemente comunitárias. O homem espartano, que praticamente não tinha vida doméstica, era criado como uma máquina de lutar cujo único propósito e dever eram a defesa e proteção do estado. Mesmo que a vida comum parecesse desagradável ao observador casual, tal estratégia se tornou altamente eficaz, e Esparta passou a ser reconhecida universalmente como a mais poderosa cidade-estado da Grécia. Ela dominava no sul, e conforme seu poderio militar crescia, a expansão geográfica de seu controle aumentou, até que a maior parte das cidades do Peloponeso caiu sob a sua autoridade, com a notável exceção de Argos, que sempre manteve sua independência. Atenas: A cidade nomeada em honra a Atena se tornou o centro da influência micênica, e refletiu desde seu início um estilo mais igualitário e democrático. O profundo contraste entre as duas cidades levou a uma tensão natural e falta de confiança, de modo que Esparta e seus aliados eram, de modo correto, vistos como uma ameaça para os atenienses. Conforme a tensão escalonou, Atenas achou cada vez mais necessário confiar em seus próprios recursos, e com o tempo, desenvolveu uma economia mais vigorosa e independente. A geografia natural de Atenas, com seu terreno íngreme e montanhas ameaçadoras, oferecia proteção contra invasão, e muitos foram para a cidade em busca de refúgio contra a severidade espartana. Antes do início do sétimo século, Atenas tinha estado sob um governo aristocrático com uma monarquia limitada, mas esse esquema mudou em 683 com a morte do último e maior dos reis de Atenas, Codro. Como um homem de virtude, benevolência, e competência lendárias, Codro imortalizou sua memória durante uma batalha contra os espartanos, quando ele se disfarçou como um camponês e provocou os inimigos de Atenas a matá-lo sem querer. Ele agiu desse modo surpreendente por causa do Oráculo de Delfos, que declarara que os espartanos perderiam a guerra contra Atenas, mas somente se o próprio Codro fosse morto no conflito. Quando os espartanos souberam do seu destino, eles se retiraram e voltaram para casa, pois também sabiam desse oráculo, e temendo a sua derrota com a morte do rei. Os atenienses não nomearam um sucessor, acreditando que ninguém era tão digno de ser seguido como Codro, e desse tempo em diante, a monarquia foi abolida de Atenas, e a cidade mudou para um regime exclusivamente aristocrático.


Cap.

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Nos anos que se seguiram, a economia de Atenas continuou a crescer, embora fosse controlada por um pequeno grupo de oligarcas das famílias governantes. Esses aristocratas se consideravam os mais dignos cidadãos de Atenas, e diziam que eles eram distintivamente qualificados para manter os negócios do corpo político. Eles viam a si mesmos como “bons” no sentido filosófico de “superiores”, ou de “qualidade nobre”, assim estabelecendo a expectativa de que um homem deveria ser bom em todas as áreas de sua vida, buscando viver em um padrão de vida social elevado. Bondade e honra eram especialmente reconhecidos por meio de atos heroicos, como ir à guerra e lutar com coragem, e, enfim, o maior ato de bravura era morrer corajosamente em batalha. Os aristocratas se comprometiam com tal código de honra, dizendo exceder em graças e virtudes públicas, e tomando para si o nome “eupátridas” (lit. “bons pais”), que era a maior das três classes da cidade. O nível seguinte era o de “geomori” (proprietários de terra), e finalmente, “demiurgos” (artesãos). Entre os aristocratas, nove “arcontes” (governantes) dividiam a responsabilidade de supervisionar o governo, um arranjo que antecipava a “divisão de poderes” de tempos posteriores. Apesar de, ou graças à, sua autopromoção, os aristocratas sempre viveram em tensão com o resto da população ateniense, nunca desfrutando de total segurança contra rebeliões. Por um lado, a instabilidade herdada pela aristocracia os guardava da complacência, mas também mantinha-os em certa instabilidade política. Sob os aristocratas, houve um balanço de poder delicado entre as famílias governantes e o poder democrático e descentralizado do povo comum, embora pelo final do sétimo século, as cidades por todo o mundo egeu estivessem aumentando sua resistência à aristocracia. Para piorar as coisas, a própria lei parecia favorecer alguns, enquanto impunha punições severas e arbitrárias a outros, e tudo isso pedia um tipo de governo mais estável, um estilo de governo que foi chamado “tirania”. Embora a palavra “tirania” tenha ficado associada com governos cruéis e despóticos, ela inicialmente representava uma alternativa desejável à aristocracia. Sob a tirania, o ditador tomava uma posição de liderança forte centralizada com o propósito de proteger o povo de um tratamento injusto e arbitrário pelos privilegiados, efetivamente dando uma voz ao povo, e limitando ou até eliminando o tratamento preferencial dado às classes aristocráticas. A conotação moderna do termo, é muito negativa, mas o termo era, na verdade, originado de uma palavra grega usada para celebrar a democracia! De fato, em muitas cidades, o tirano era visto como um salvador democrático, um que deveria ser tanto benevolente quanto esclarecido, e cujo dever primordial era o de proteger os pobres contra a opressão dos ricos.


Cap. 6

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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-259

Em Atenas, o afastamento da aristocracia foi acompanhado por um outro conceito importante, “estado de direito”, pelo qual era estabelecido o princípio de que todas as pessoas em uma comunidade eram sujeitas à autoridade da lei a despeito de sua posição social. O primeiro homem a colocar a fundação da lei foi o famoso legislador, Draco, que em 621 entregou aos atenienses um código com o objetivo de trazer ordem e estabilidade para a cidade cada vez mais tomada por conflito interno. Enquanto seu governo pode ter representado uma melhora sobre o caráter arbitrário da vida aristocrática, ele era muito severo, prevendo a pena de morte até para as menores ofensas, e dando origem ao termo derivado de seu nome, “draconiano”. Atenas viveu sob a dura lei de Draco por trinta anos, mas em 590, foi acordado que melhoramentos eram necessários. Isso levou a indicação do mais famoso legislador de Atenas, Sólon, a quem foi pedido que reformasse o estado e suas leis. Nascido em 638 de uma família aristocrática, Sólon tinha viajado muito, servido no exército, e por toda sua carreira, tinha se distinguido como um homem sábio. Os atenienses, de início, ofereceram a Sólon a posição de tirano, mas ele recusou, insistindo que ele deveria agir dentro de uma constituição ateniense. Na época em que Sólon foi comissionado, Atenas estava dividida em três classes, com grande hostilidade política entre elas. Sólon imediatamente implementou um alívio das mais drásticas leis de Draco, libertando escravos e criando a oportunidade para repagamento dos débitos. Ele tentou agir como um mediador entre ricos e pobres, e tentou servir ao princípio da justiça. Sólon trabalhou para abolir as posições privilegiadas da aristocracia, criando quatro classes de pessoas, baseadas em maior parte na riqueza, e então balanceando o poder entre as várias classes da sociedade ateniense. Com os anos, Sólon liderou a cidade a um forma de governo mais democrática, enfim, entregando seu famoso código de leis a Atenas, oficialmente ratificado em 572. Sólon então deixou o cargo por um período de dez anos, com instruções para os atenienses de que eles deveriam viver sob o código sem modificá-lo durante o tempo de seu afastamento. Sólon partiu da cidade e viajou pelo Mundo Mediterrâneo, enquanto os atenienses tentaram implementar suas leis. Heródoto relata que foi durante esse período de viagens que Sólon deu sua famosa entrevista a Creso, rei da Lídia, embora muitos especialistas questionem que o incidente tenha ocorrido devido a problemas cronológicos. Sólon retornou a Atenas em 562, mas ficou desapontado ao encontrar a cidade ainda profundamente dividida. Por causa de sua saúde prejudicada, ele foi incapaz de contribuir mais para a vida ateniense, e morreu apenas alguns anos depois em 558.


Cap.

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Atenas se move em direção à Democracia: Foi apenas depois da morte de Sólon que seu código começou a ser implementado de forma consistente, principalmente por causa da influência do déspota esclarecido Pisístrato, que governou Atenas de 561 a 527. Embora ele tenha iniciado sua carreira como uma figura militar, ele mostrou cedo seu astuto insight político, e ofereceu uma liderança forte para uma cidade em grande instabilidade depois de um teste de dez anos das leis de Sólon. De início, Pisístrato forçou uma autoridade que beirava o ditatorial, mas, ao mesmo tempo, ele enfatizava o código de Sólon, e trabalhou para guiar a cidade em direção a uma implementação mais consistente. Depois de um tempo, Atenas começou a desfrutar de uma vida cívica mais ordenada, enquanto o próprio Pisístrato investia cada vez mais em melhoramentos culturais, como erigir grandes monumentos públicos e a publicação dos trabalhos definitivos de Homero. Pisístrato astutamente encontrou um modo de compartilhar o poder com as famílias aristocráticas, ao mesmo tempo em que prevenia os abusos comuns à era anterior. Ele não fez tentativas de mudar qualquer das reformas de Sólon, invés disso trabalhou para melhorar Atenas economicamente, fazendo da cidade um centro religioso e cultural, e inaugurando o real início dos conhecidos drama e arte da cidade. Pisístrato governou por 38 anos, enfatizando o estado de direito, e melhorando grandemente a ordem e estabilidade da cidade. Pisístrato foi sucedido por seu filho Hiparco em 527, mas o novo governante não tinha a habilidade do pai e começou a governar de forma opressiva e com punho de ferro. Ele então foi assassinado em 518 por dois homens que eram membros da família aristocrática chamada Alcmeônida, uma família que Pisístrato tinha banido por causa de sua oposição à lei de Sólon. O irmão de Hiparco, Hípias, o sucedeu, mas ele também impôs um regime opressivo, e depois, se tornou alvo de uma conspiração pela mesma família alcmeônida. Não tendo a habilidade e o poder militar para atacar abertamente Hípias, os alcmeônidas buscaram alistar Esparta ao seu esquema subornando grandemente o Oráculo de Delfos, comprando seu pronunciamento de que os espartanos deveriam atacar Atenas e depôr o novo governante. A esse tempo, Esparta havia se tornado a cidade dominante do sul da Grécia, tendo incorporado a maior parte de seus vizinhos em sua Liga do Peloponeso. Com o passar dos anos, o próprio governo de Esparta havia se cristalizado em uma oligarquia entrincheirada, e se agarrava tenazmente a essa forma de governo, resistindo a qualquer sucessão que levasse à tirania, muito menos à democracia. Esparta também acreditava que era vital ajudar às oligarquias em todas as outras cidades da Grécia, em especial, à arquirrival Atenas. Por essa razão, o comando do Oráculo foi recebido com considerável simpatia, e em 514, seu rei, Cleômenes (519 – 490) liderou seu exército contra Hípias. O jovem tirano não era popular, e diante desse ataque, os próprios atenienses expulsaram Hípias, embora os espartanos não tenham sido capazes de arquitetar a instalação de um regime pró-espartano na cidade.


Cap. 6

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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-261

Cerca de um ano antes de Hípias ser deposto, um renomado comandante militar grego chamado Miltíades, o Velho, morreu. Ele tinha estado alocado no Helesponto, e fora o responsável primário por manter a rota marinha que levava ao Mar Negro, aberta, com seu abundante suprimento de grãos. Logo após a morte de Miltíades, Hípias indicou seu filho, Miltíades, para o mesmo posto, ordenando a ele que não apenas protegesse a via marítima, mas que também desse assistência ao meio irmão de Hípias, Hegesistrato, que era um tirano sob a cidade próxima de Sigeion. No mesmo momento em que Hípias estava sendo expulso de Atenas, Miltíades estava em campanha contra Dario enquanto este tentava conquistar os citas nas regiões ao norte da Grécia. Foi durante essas excursões que o jovem Miltíades aprendeu os métodos persas de guerra, usando essas lições alguns anos mais tarde quando ele liderou os atenienses em sua impressionante derrota dos persas em Maratona (490). Hípias fugiu para Sárdis, chegando quase no mesmo momento em que Dario retornava de sua falha campanha contra os citas. Hípias argumentou que o rei persa deveria imediatamente ajudar a reinstalar Hípias à sua posição anterior em Atenas. Dario apreciou a oferta, mas ele não estava interessado a fazer aventuras militares na Europa naquele momento, se contentando em anexar a Trácia e a Macedônia. Muitos anos mais tarde, Dario, na verdade, contaria com Hípias para guiá-lo à praia de Maratona para a hora da batalha em 490. Em Atenas, a libertação da tirania de Hípias não trouxe paz, já que a desordem civil e fragmentação social estouraram violentamente em um conflito entre facções determinadas a levá-la ainda mais em direção à democracia, batalhando contra aqueles que intentavam restaurar a aristocracia. Rei Cleômenes de Esparta naturalmente apoiava a última, e viu nesse momento de instabilidade a oportunidade de ouro de intervir nos assuntos atenienses. Os atenienses, se vendo com ameaças tanto internas quanto externas, finalmente indicaram outro líder poderoso para um mandado para restaurar a ordem e assegurar Atenas contra suas ameaças externas. O homem escolhido foi Clístenes, um membro da mesma família Alcmeônida que tinha ajudado a expulsar Hípias. De muitas formas, Clístenes era o único qualificado a ajudar Atenas a recuperar a estabilidade enquanto liderava um governo mais democrático. Por ser do clã alcmeônida, ele recebia a confiança das famílias aristocráticas, mas ele estava comprometido com um estado de direito, com a legislação de Sólon, e com o desenvolvimento de reformas democráticas. Clístenes então se tornou uma das mais importantes figuras de transição na história ateniense, um homem que, de forma brilhante, fez a ponte entre a história ateniense de governo real e aristocrático, e seu destino como um governo democrático.


Cap.

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Tão logo tomou o cargo, Clístenes implementou uma série de reformas radicais, estabelecendo a igualdade entre os cidadãos, reorganizando dramaticamente o exército, subjugando o poderoso partido pró-espartano, e implementando uma reforma popular incontestável. Ele reorganizou a cidade depois do tempo sombrio sob Hiparco e Hípias, reinstalando o espírito de Pisístrato, e enfatizando a lei de Sólon. Ele encorajou a discussão pública, enquanto reservava um privilégio limitado às famílias aristocráticas. Suas reformas mais conhecidas incluíram: 1) o estabelecimento de dez tribos nacionais que substituíam o sistema tribal aristocrático; 2) a criação de um conselho (βουλή) dos 500; 3) a criação de uma “assembleia” (ἑᴋᴋλησία) da qual o núcleo da democracia começou a emergir; e 4) encorajou os metecos (residentes estrangeiros) a se tornarem cidadãos. Clístenes também instituiu um procedimento conhecido como “ostracismo”, que foi criado para prevenir qualquer pessoa em Atenas de ganhar poder desproporcional. No processo, os membros da assembleia escreveriam o nome de qualquer pessoa em um “óstraco”, ou seja, um fragmento de cerâmica. Se o nome de alguém aparecesse com frequência suficiente, ele seria ostracizado, ou seja, exilado da cidade por um período de 10 anos. Essa regra tinha a intenção de fomentar uma vida cívica mais igualitária e democrática, e foi usada em grande extensão nos duzentos anos seguintes. Grécia como Potência Militar: A Primeira Guerra Persa De alguma forma, as Guerras Persas foram despertadas tanto por pelas “guerras” filosóficas internas quanto pela ameaça militar externa. No início do século quinto, a Grécia estava se tornando muito polarizada, com a Atenas democrática, de um lado, continuando a ter uma influência no norte, enquanto a Esparta oligárquica retinha uma posição de proeminência na Liga do Peloponeso, ao sul. Embora não distantes geograficamente, as duas cidades eram separadas por uma vasta distância política, e a luta entre elas era refletida em todo o mundo grego, onde o modelo “progressista” ateniense desafiava, às vezes de maneira violenta, os poderes aristocráticos e tradicionais. Enquanto isso, a Pérsia dominava as regiões ao redor, mantendo sua capital em Sárdis, e suas guarnições na Trácia, Tessália e Macedônia. Dario parecia estar pacientemente esperando que esse momento de “casa dividida” na Grécia abriria as portas para a sua oportunidade de explorar sua fraqueza e expandir seu vasto império. Tal momento apareceu em 500, quando uma pequena revolta na ilha de Naxos colocou em movimento uma série de eventos que levariam a um dos conflitos mais famosos do mundo antigo. Tudo começou quando o povo comum da ilha expulsou a família aristocrata governante em um breve e violento golpe. Os exilados fugiram para a Jônia, buscando refúgio na cidade de Mileto, onde o tirano Aristágoras continuava a governar no lugar de seu sogro, Histeu. Como vimos no capítulo anterior, Histeu tinha sido o tirano de Mileto, mas ele acompanhou Dario a Susa deixando Aristágoras para governar em seu local. Os aristocratas de Naxos apelaram a Aristágoras por ajuda dos persas para restaurá-los ao poder.


Cap. 6

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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-263

Aristágoras foi simpático, e comunicou o apelo a Artafernes, o sátrapa de Sárdis, prometendo que uma expedição a Naxos não apenas restauraria os aristocratas como súditos leais a Pérsia, mas que também tomariam algumas regiões vizinhas, especialmente Eubeia. Artafernes concordou, e com a ajuda de Dario, ele preparou uma frota de 200 trirremes, colocando-os sob o comando de Megabates, um proeminente almirante persa. A frota partiu para Naxos, mas, no caminho, uma disputa estourou entre Aristágoras e Megábate, ao que parece, sobre quem teria a autoridade final sobre a expedição. A disputa se tornou tão intensa que Aristágoras abandonou a frota e enviou um aviso a Naxos para se prepararem para um ataque surpresa dos persas. Os náxios imediatamente se prepararam, e quando a frota chegou, ela encontrou-os com provisões para suportar um longo cerco. Os persas foram forçados a desistir do ataque em uma falha embaraçosa. O fiasco deixou Aristágoras em uma posição precária, dado que ele tinha perdido seu contato com Dario, mas não tinha confiança suficiente dos gregos. O máximo que ele podia fazer era orquestrar uma rebelião aberta contra a Pérsia, na esperança de que algumas das cidades gregas se ergueriam para ajudá-lo em seu golpe ousado. Ele persuadiu o conselho de Mileto a ajudá-lo, renunciando de forma dramática a seu cargo como tirano persa, e proclamando Mileto uma democracia nos moldes atenienses. Ele então chamou as outras cidades da Jônia a fazerem o mesmo. Em tudo isso, ele aparentemente recebeu encorajamento de Histeu, que há muito esperava por uma revolta na Jônia, e pode ter se usado desses acontecimentos como uma tentativa de se reinstalar. Aristágoras então velejou para a Grécia para procurar ajuda adicional, apelando primeiro para Cleômenes, mas o rei de Esparta estava menos preocupado com a Pérsia do que com o aumento das democracias, e recusou prestar qualquer ajuda. Aristágoras prosseguiu então para Atenas, que ainda estava sob o governo de Clístenes, e obviamente, o apelo milésio recebeu uma audiência mais favorável no grande centro da democracia. Depois de ouvirem com paciência ao seu pedido, os atenienses se comprometeram em enviar vinte trirremes para ajudar sua rebelião, que, junto com cinco trirremes da Erétria, deram a Aristágoras o encorajamento de que ele precisava. Ele imediatamente retornou a Mileto e começou a fomentar uma hostilidade ainda maior contra os persas, tanto em sua cidade quanto em toda a Jônia. Na primavera de 499, os 25 trirremes gregos chegaram à Jônia, e sem qualquer aviso, suas tripulações lançaram um ataque à própria Sárdis, causando um incêndio que destruiu a maior parte da cidade. Artafernes mal escapou com vida ao esconde-se dentro da cidadela, mas a cidade foi saqueada, e os tesouros de Apolo roubados. O ataque foi um golpe inesperado no prestígio persa, e quando Dario soube dele, ele disse “Quem são esses atenienses?”, depois disso ele ordenou a um de seus servos a dizê-lo diariamente, “Mestre, lembre-se dos atenienses.”


Cap.

_____ _ __________________Nação _________________________________6-264

Notícias do saque de Sárdis inflamaram uma rebelião por toda a Jônia que durou por cerca de cinco anos, embora a maior parte dos atenienses tenha voltado para casa logo depois do ataque inicial. Miltíades, que participou no ataque, permaneceu para trás e ofereceu ajuda significativa para as cidades jônicas e as ilhas conforme elas se livravam do julgo persa. Aristágoras também continuou a buscar ajuda em antecipação à inevitável represália persa, e a maior parte das cidades e ilhas jônicas se juntaram a ele, incluindo a ilha de Chipre e até o reino da Macedônia, onde o novo governante, Alexandre I, tinha aproveitado a oportunidade de expulsar os persas e reassegurar a independência de seus domínios. Como esperado, forças persas chegaram na primavera de 494, e a Jônia se viu encarando a veloz e decisiva ira de Dario. Por causa de seu papel em despertar a rebelião, Mileto foi o primeiro alvo, e lá, a cidade foi destruída e toda a população reduzida à escravidão e levada de navio à Pérsia. Esperando evitar um destino similar, os habitantes da ilha de Samos apenas fugiram, se mudando para a Sicília. A maior parte das outras cidades e ilhas jônicas encaravam o fato de que eles não eram páreos para o poderio persa, e se renderam prontamente. O próprio Miltíades, que tinha provido conselho e ajuda às cidades jônias, fugiu para Atenas, onde ele buscou arrebatar apoio anti-persa. Histeu lançou uma campanha por mar, velejando do Helesponto para Quios, onde ele destruiu a resistência e armou seu quartel-general. A despeito de sua aparente lealdade para com os persas, Artafernes não confiava em Histeu, e com a ajuda do comandante persa Hárpago, ele desafiou Histeu em batalha, e o levou como prisioneiro. Temendo que Dario mostrasse misericórdia a Histeu, Artafernes e Hárpago o assassinaram. Na primavera de 494, os persas tinham recuperado toda a Jônia. Dario, no entanto, não estava satisfeito com o mero retorno ao status quo, e começou a imaginar um ataque mais agressivo à Grécia continental. Esperando evitar quaisquer problemas em sua retaguarda, ele deu considerável liberdade às cidades gregas que haviam se rendido voluntariamente. Ele generosamente permitiu que eles tivessem um tipo de governo democrático instalado, esperando com isso dissuadi-los de prestar qualquer ajuda a seus vizinhos e primos no continente. Ele então planejou lançar uma frota que velejaria ao redor do perímetro norte do Egeu enquanto seu exército marcharia por terra, com ambos convergindo no sul e, finalmente trazendo toda a Grécia sob seu controle.


Cap. 6

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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-265

A invasão foi lançada na primavera de 493 sob o comando de Mardônio, e as ilhas de Quios, Lesbos e Tenedos foram tomadas sem dificuldade. Mantendo a promessa da ameaça com respeito àqueles que se recusaram se render, os persas fizeram dos mais jovens eunucos, e enviaram as moças mais belas como presentes ao rei e sua corte em Susa. Os persas então chegaram à Europa, tomando sem dificuldade as primeiras cidades que encontraram, embora a sorte persa tenha mudado abruptamente quando Mardônio sofreu a perda de muitos navios no Monte Atos. O revés foi tão significativo que a campanha se tornou insustentável, e Mardônio foi forçado a cancelar a invasão humilhado. Um novo jovem arconte foi eleito em Atenas nessa época, um homem que provaria ser uma das figuras mais importantes de toda a história ateniense. Seu nome era Temístocles, e ele foi o principal responsável pela derrota dos persas treze anos mais tarde em Salamina. Uma vez eleito, ele disse imediatamente que a cidade deveria aumentar seu poderio naval, usando como justificativa a suposta ameaça de certas ilhas gregas na costa da Ática. Porém, sua preocupação de longo prazo era com a ameaça persa, a qual ele previra vir do mar. Ele argumentou incansavelmente com os atenienses que deveriam investir de forma pesada no desenvolvimento de uma marinha, mas ele sofreu a oposição de Miltíades, que argumentava que os atenienses fariam melhor uso de um exército forte. Dario se preparou para sua segunda invasão em 492, mas antes de comprometer suas tropas em uma batalha, ele enviou embaixadores por toda Grécia exigindo os símbolos de submissão, terra e água. Enquanto muitas cidades se recusaram, Egina, uma ilha diretamente ao sul de Atenas, ofereceu os sinais, provocando o ódio tanto de atenienses quanto de espartanos. Os atenienses viram a rendição de Egina, uma ilha localizada tão estrategicamnte no Istmo, como pondo em risco toda a península grega, e viram tal rendição como a justificativa para uma campanha militar contra eles.


Cap.

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Os atenienses mandaram mensagens a Esparta avisando sobre a revolta de Egina, e como resultado Cleômenes em pessoa viajou para a ilha exigindo que a decisão fosse revertida. Demarato, o outro rei espartano, própersa, tomou uma decisão diferente, e instou Egina a manter sua posição. Egina seguiu o conselho de Demarato, deixando Cleômenes tão furioso que ele começou a planejar como deporia o outro. Ele finalmente subornou o Oráculo de Delfos a desacreditar a linhagem de Demarato, e como resultado, o rei foi forçado a fugir de Esparta. Demarato escapou para a Ásia, e lá se apresentou a Dario, se oferecendo para supervisionar a campanha contra os gregos. Dario, então, possuía dois nobres gregos ao seu lado, Demarato de Esparta e Hípias de Atenas, enquanto planejava seu ataque à Grécia continental. Cleômenes encontrou um nobre espartano que concordava com suas políticas, um homem chamado Leotíquides, e conseguiu apontá-lo como rei em lugar de Demarato, e depois disso, os dois partiram para Atenas e Egina com sua força, e compeliram a ilha da costa a se render, enviando dez de seus principais chefes como reféns para Atenas. Depois, no entanto, quando se descobriu que Cleômenes subornara o Oráculo e, de modo fraudulento, conspirara para depor Demarato, o próprio Cleômenes foi forçado a fugir. Ele escapou para a Tessália, onde ele juntou forças para invadir Esparta e retomar seu trono. Os espartanos, temendo que ele conseguisse, voluntariamente o restauraram como rei, mas antes que ele pudesse aceitar a proposta, Cleômenes enlouqueceu e tirou sua própria vida. Depois da morte de Cleômenes, Egina enviou mensageiros para Esparta exigindo o retorno de seus reféns. Leotíquides concordou, e prosseguiu para Atenas para fazer a oferta, mas os atenienses não estavam dispostos a aceitar. Em represália, Egina emboscou e destruiu uma embarcação ateniense, disparando uma retaliação dos indignados atenienses, mas, no fim, o conflito terminou em um impasse. Dario viu o conflito entre Atenas e Egina com alegria, acreditando que ele criava a vulnerabilidade de que ele precisava para sua própria invasão. Ele substituiu Mardônio por dois comandantes, o primeiro, um meda chamado Dátis, e o outro, Artafernes, o filho de um sátrapa de mesmo nome, de Sárdis. Dario enviou 600 trirremes e um vasto exército da Pérsia para a Jônia, onde ele chegou no fim da primavera de 490. Da Jônia eles navegaram diretamente pelo Egeu, assim evitando os problemas que Mardônio encontrara na costa da Eubeia. No caminho, os persas se vingaram de Naxos, que os humilhara no cerco de 500, e então prosseguiram para Delos, tomando-a e às outras ilhas principais, até finalmente chegarem a Caristo, na Eubeia. Os persas então adentraram pela Erétria, que pediu ajuda aos atenienses, mas com sua recusa em ajudá-los, a cidade caiu após um cerco de seis dias. De Erétria, os persas foram guiados por Hípias até a praia de Maratona, de onde eles pretendiam atacar diretamente Atenas.


Cap. 6

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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-267

Conforme os persas se aproximavam do continente, os dez generais do exército ateniense, inclusive Miltíades, Temístocles, e outro, chamado Calímaco, se encontraram para planejar sua defesa. Alguns argumentavam que as tropas deviam permanecer em Atenas e se preparar para defender a cidade, mas outros, especialmente Miltíades, insistiram que seria melhor tomar a iniciativa e atacar os persas de imediato, enquanto eles ainda estavam na praia. No fim, Miltíades prevaleceu, e o exército ateniense marchou, embora antes de partir, eles tenham apelado para Esparta por ajuda. Os espartanos concordaram em enviar forças, mas declararam que por motivos religiosos eles não podiam deixar Esparta até a lua cheia, o que não ocorreria até alguns dias depois. Os atenienses não estavam dispostos a esperar, e prosseguiram sem eles, embora tenham obtido ajuda de Plateia, uma cidade a poucas milhas ao norte. As tropas das duas cidades se reuniram em Maratona e se prepararam para encarar os invasores persas. Enquanto os generais gregos debatiam a melhor estratégia, Miltíades argumentou por um ataque imediato, mas outros pensavam ser melhor que os persas fizessem o primeiro movimento. De novo, Miltíades persuadiu os outros, baseado em grande parte em sua experiência anterior com os persas. O exército se juntou com a linha direita sob Calímaco, a esquerda sob Plateia, e um centro enganadoramente fraco sob o próprio Miltíades. Ao sinal, os atenienses vieram de todas as direções em uma corrida mortal, surpreendendo e desorientando os persas, que reagiram de maneira pouco organizada. Como esperado, os persas partiram o fraco centro, e então foram encurralados entre a pressão dos flancos de ambos os lados, e fugiram para o refúgio de seus navios. Sete embarcações persas foram capturadas e queimadas, e mais de 6000 dos guerreiros persas foram mortos. Os sobreviventes se retiraram para a segurança do mar, mas então imaginaram que poderiam apenas contornar e alcançar Atenas do outro lado antes que seus defensores pudessem marchar de volta para casa. O exército ateniense antecipou o plano, e correndo toda a noite, cobriram uma “maratona” em apenas algumas poucas horas, de modo que estavam preparados para enfrentar os persas uma segunda vez em seu porto natal. Os persas não tinham estômago para outro encontro, e apenas navegaram para longe.


Cap.

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Como prometido, os espartanos chegaram apenas alguns dias depois, preparados para se juntar à batalha, mas até lá, é claro, a vitória tinha sido conquistada, com Atenas tomando merecidamente todo o crédito por seu impressionante resultado. A derrota dos persas em Maratona elevou muito o prestígio das cidades gregas, com Atenas tomando um papel de proeminência na opinião pública. O próprio Miltíades foi aceito como o herói incontestável da batalha, e foi celebrado com louvor, embora isso possa ter ironicamente contribuído para sua queda. No ano seguinte, ele requisitou e guarneceu uma frota de 70 navios para uma expedição planejada em detalhes contra a ilha de Faros por caus de nada mais que um velho ressentimento por injúrias passadas. O ataque não apenas foi um completo fracasso, mas o próprio Miltíades foi ferido enquanto subiu uma cerca. A frota retornou para casa após 26 dias, não tendo nada para mostrar além do custo e das perdas da expedição, e como resultado Miltíades foi acusado, julgado, e condenado pelo crime de liderar os atenienses em uma guerra sem justificativa e propósito. Ele teve de pagar uma enorme soma, mas morreu de gangrena por seus ferimentos antes que pudesse pagá-la. Seguindo a morte de Miltíades, a vida política em Atenas foi marcada por instabilidade e turbulência política, conforme a cidade convulsionava em uma disputa de poder entre dois velhos poderes aristocráticos que estavam presos em um combate com aqueles que preferiam a política mais progressista de Sólon e Clístenes. Para complicar mais a situação, as duas personalidades dominantes da vida política da cidade, Temístocles e Aristides, se engajaram em um debate público sobre a melhor estratégia para defender Atenas de futuros ataques militares. Temístocles argumentava que a cidade deveria investir primariamente em uma marinha, primeiro por causa da contínua ameaça de Egina, mas mais importante, para antecipar a nuvem persa no horizonte. Aristides, um político que representava a contínua influência de Miltíades, enfatizava a importância de forças terrestres invés de armamentos navais. Enquanto a cidade se tornava cada vez mais polarizada, houve tentativas mais sérias de ostracizar Temístocles ou Aristides. Cada tentativa falhou, até que, em 483, o conflito finalmente foi resolvido em favor de Temístocles, resultando no exílio de Aristides. O ostracismo foi uma grande vitória de Temístocles, e mostrou que ele finalmente tivera vitória sob muitos dos que permaneceram leais a Miltíades e sua insistência em um exército baseado na terra. Tendo obtido uma relativa liberdade para guiar a política ateniense, Temístocles reforço seu argumento por uma marinha forte quando uma rica mina de prata foi descoberta não muito longe da cidade. Ele insistiu que a prata não deveria ser distribuída para os cidadãos atenienses, a política normal, mas que deveria ser usada para criar uma forte marinha, e como resultado, Atenas passou uma lei que previa os gastos dos próximos três anos em uma poderosa força naval de acordo com suas especificações.


Cap. 6

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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-269

Como visto no capítulo anterior, Dario tinha se determinado a reunir um exército ainda maior e retornar à Grécia para um segundo ataque. Ele gastou os três anos, de 489 a 486 reunindo essa formidável força militar, mas antes que ele pudesse lançá-la, uma revolta no Egito distraiu sua atenção. O rei persa morreu em 486 enquanto abafava uma revolta egípcia, e o trono passou a seu filho, Xerxes, que completou o trabalho de seu pai no Egito, e então, continuou os preparativos para um segundo ataque à Grécia, um ataque que ficaria conhecido como Segunda Guerra Persa. A Segunda Guerra Persa Enviados de Xerxes chegaram à Grécia no outono de 481, exigindo os sinais de submissão comuns, mas em Atenas eles foram mortos sem cerimônia. A cidade então convocou a primeira assembleia “pan-helênica” no Istmo de Corinto e começou a organizar sua estratégia de defesa. As cidades concordaram em dar a liderança da defesa da parte continental a Esparta, mas Temístocles recebeu o comando das forças navais gregas. Como era o costume comum, os gregos buscaram a orientação do Oráculo de Delfos, mas ficaram assombrados quando ela deu uma predição pessimista sobre o resultado do conflito. Os atenienses ficaram ainda mais perplexos, no entanto, quando ouviram um estranho pronunciamento de que Atenas seria protegida por uma “muralha de madeira”. Alguns viam isso como uma referência ao muro protegendo o templo de Atena, mas Temístocles aproveitou o pronunciamento para argumentar que o “muro de madeira” se referia aos navios de Atenas, e usou essa interpretação para justificar a defesa posterior pelo mar. Os atenienses já tinham construído 200 navios, e agora partiram a construir outros mais. A ameaça de um inimigo comum fez com que Atenas e Esparta colocassem de lado suas diferenças e trabalhassem para consolidar sua resposta, mas embora muitas outras cidades tenham se juntado à coalizão, outras não o fizeram. Argos, por exemplo, recebeu pedidos da aliança, mas concordou com a condição de que recebesse o comando de ambos os exércitos. Essa condição foi recusada, e Argos então se negou a participar, embora Heródoto registre que os argólidas possam ter concordado em se submeter aos persas. A coalizão também fez propostas à Sicília, que estava sob o governo do poderoso rei de Siracusa, Gelo, mas ele também se recusou a participar, embora ele tenha enviado um observador com ricos presentes para o Oráculo de Delfos. Uma proposta similar foi feita na Córcira, que deu uma resposta muito positiva, mas que depois apostaram em ficar por medo do resultado. Os cretenses, sob o conselho do Oráculo de Delfos, se recusaram a participar. Assim veio a ser, que os dois grandes campeões na defesa da Grécia vieram a ser Atenas e Esparta.


Cap.

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Conforme os persas cruzavam o Helesponto na primavera de 480. A Tessália foi a primeira a encarar uma massiva força invasora, e enviou emissários a Atenas pedindo por ajuda na “linha de frente”. Os gregos concordaram, enviando um exército de 10.000 com o qual esperavam deter os persas inicialmente no vale estreito de Tempe entre a Macedônia e a Tessália. Porém, a ideia foi abandonada, quando ficou claro que a lealdade dos tessálios era questionável, e sob o conselho de Alexandre da Macedônia, os gregos abandonaram a Tessália, buscando um lugar melhor para montar sua defesa inicial. Quando os tessálios descobriram sobre essa decisão, eles simplesmente se submeteram aos persas, e na verdade, acabaram por prover considerável serviço ao seu avanço. Os gregos escolheram então se colocar na localidade independente de Termópilas, uma passagem estreita ao sul da Tessália, quase oposta a Artemísio, uma cidade na costa no norte da Eubeia. A passagem das Termópilas era estreita o suficiente para forçar o contingente persa a avançar em um número limitado conforme se afunilavam pela passagem, e isso permitiu aos gregos lidar com uma porção muito menor do que todo o exército persa durante toda a batalha. Apesar desse avanço tático, quando os gregos viram o vasto exército dos persas, muitos deles quiseram se retirar, mas Leônidas os instou a ficarem na passagem, e buscar a ajuda das comunidades vizinhas. De acordo com Heródoto, quando Xerxes chegou à Termópilas, ele enviou espiões para observarem o exército inimigo, e então eles retornaram dizendo que os lacedôminos estavam arrumando seus cabelos e jogando. O rei se maravilhou com sua atitude relaxada antes de um grande conflito, mas ele foi avisado de que esse era o procedimento normal de preparação para a batalha dos espartanos, e que esses homens eram os mais corajosos que ele jamais encontraria, e assim o foi. Depois de poucos dias de impasse e tentativas falhas de persuadir os gregos a se render, Xerxes começou a enviar destacamentos aos medas e persas para a passagem estreita, mas dos menores aos maiores, eles caíram juntamente diante da presteza dos guerreiros gregos. A luta continuou dessa maneira por muitos dias, e com isso Xerxes ficou cada vez mais exasperado, pensando se ele poderia descobrir um jeito de superar o poderoso, porém pequeno contingente grego. Por fim ele foi avisado sobre uma passagem ao redor do passo que lhe daria acesso aos gregos pela retaguarda. Ao ouvir isso, Xerxes despachou tropas para seguirem o caminho, que era defendido apenas por 1000 fócios que imediatamente se retiraram diante de uma força tão poderosa.


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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-271

Quando os gregos souberam que os persas tinham descoberto a passagem, eles debateram qual seria a melhor resposta, com a maior parte argumentando que eles deveriam apenas se retirar totalmente e lutar mais perto de casa. Leônidas, no entanto, insistiu que os persas deveriam ser detidos na passagem o máximo possível, permitindo que o grosso do exército se retirasse, enquanto ele mantinha a posição com seus famosos 300 espartanos. No dia seguinte, os persas se encontraram com os valentes espartanos em sua batalha final, imortalizando a lendária coragem e fortitude espartanas diante de uma força avassaladora. Enquanto os gregos detinham os persas em Termópilas, um drama separado se passava no mar, onde uma esquadra grega relativamente pequena resistia a uma frota persa maior na extremidade norte de Eubeia. Do ponto de vista persa, a frota grega não parecia muito ameaçadora, e alguns entre os persas aconselharam um ataque imediato. O comandante, no entanto, achava aconselhável, primeiro destacar 200 navios, que iriam para o sul e impediriam a possibilidade de uma fuga pelo lado sul da ilha. De acordo com Heródoto, um mergulhador chamado Cília escapou dos persas e alertou os gregos sobre o plano. E como resultado, os gregos decidiram lançar um ataque imediato eles mesmos. Para os persas, o ataque parecia suicida, mas como ficou claro, os gregos causaram significativo dano à frota persa. No dia seguinte a frota grega recebeu um reforço de mais 52 navios de Atenas, e novamente eles lançaram um ataque direto aos persas. A batalha foi acirrada, com perdas significativas de ambos os lados, mas novamente, os persas tiveram mais danos. Os atenienses ainda assim decidiram que era chegada a hora de se retirar para o sul, um plano confirmado pelas notícias da derrota em Termópilas. Temístocles deixou inscrições nas rochas de Artemísio encorajando os jônios que estavam servindo com os persas a se revoltarem, se possível, reconhecendo que eles eram todos do mesmo sangue. Ao saber da retirada grega, os persas entraram em Artemísio, tomando a cidade e a maior parte do norte de Eubeia, embora a alegria da vitória tenha tido vida curta, já que uma violenta tempestade caiu sobre a frota persa,de modo que não só os navios em Afeta, mas também os 200 que foram enviados para o sul, sentiram o efeito devastador. Esses últimos, na verdade, foram perdidos nas rochas de coral da ilha.


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Seguindo suas vitórias nas Termópilas e Artemísio, os persas marcharam para o sul, deixando um caminho de destruição pelo caminho. Quando eles entraram na Ática, as forças terrestres se dividiram, com um contingente marchando para Atenas sob Xerxes, enquanto outro prosseguia para Delfos, que os gregos abandonaram exceto por sessenta homens deixados para defender o templo e o profeta. De acordo com Heródoto, os persas ficaram aterrorizados pela grande tempestade conforme se aproximavam, e o Oráculo de Delfos sobreviveu. As forças lideradas por Xerxes marcharam para Atenas, deixando seus habitantes sem escolha exceto abandonar sua amada cidade e se realocar em Salamina, onde a esquadra grega já estava reunida. O comando da marinha foi confiado ao espartano Euribíades, que buscou conselho com os comandantes sobre um local para lutar contra os persas em uma batalha no mar. Enquanto buscavam conselho, os persas entraram na Ática, e estavam queimando as cidades e destruindo a terra. Os poucos que permaneceram em Atenas resistiram bravamente por um tempo, mas inevitavelmente a cidadela caiu sob a força esmagadora dos invasores. Ao saberem da queda de Atenas, muitos dos gregos em Salamina viram a situação como sem esperança e disseram ser melhor fugir, possivelmente para a Itália ou Sicília, embora a maioria concordasse que eles deveriam encarar os persas em uma batalha marinha no Istmo. Temístocles insistiu que eles teriam a vantagem estratégica se lutassem com os persas nas vias rasas da costa de Salamina invés de nas águas do Istmo. Euribíades discordava, o que enfureceu tanto Temístocles que os atenienses ameaçaram abandonar de vez a frota e fugir para a Itália. Euribíades finalmente abriu mão, sabendo que os gregos não tinham chances sem a considerável força da marinha ateniense e a habilidade de seu brilhante comandante. Mesmo assim, o assunto não estava encerrado, e quando a questão foi debatida novamente, Temístocles usou uma abordagem diferente, enviando uma mensagem secreta, fingindo ser esta de um traidor grego, informando ao rei persa que os capitães da frota grega estavam divididos sobre lutar ou fugir. A mensagem “sugeria” que Xerxes deveria enviar alguns de seus navios até a “porta dos fundos” do estreito de Salamina para prevenir que os gregos escapassem. Xerxes acreditou na armadilha, e começou a posicionar suas forças tanto por terra quanto pelo mar, próxima aos gregos em Salamina. Quando os gregos souberam que os persas tinham bloqueado sua única rota de fuga, eles perceberam que não tinham escolha a não ser se prepararem para uma batalha marítima no estreito.


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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-273

Temístocles então tinha a situação que desejava, embora ele tenha tomado medidas extraordinárias para tal, mas como veio a ficar claro, ele estava certo, e a vitória final dos gregos pôde ser creditada em grande parte a sua genialidade. Depois da batalha, Temístocles recebeu grandes honras. E até Esparta o reconheceu como o comandante vitorioso. O próprio Xerxes se retirou rapidamente da Grécia, deixando Mardônio na Tessália com 300.000 homens para permanecer e renovar um ataque na primavera, enquanto o restante da frota persa velejou através do Egeu e passou o inverno na costa da Jônia. Como vimos no capítulo anterior, o conflito se renovou no ano seguinte quando Pausânias liderou um exército de 5000 guerreiros de elite, junto com cerca de outros 40.000 contra Mardônio na Batalha de Plateia. Os espartanos reuniram apoio adicional conforme marchavam, e quando chegaram no campo de batalha, sua força consistia de cerca de 110.000, e embora seu número fosse superado de 3 para 1, os espartanos cercaram os persas na Grécia continental enquanto os atenienses destruíam o que sobrara das forças persas na Jônia. A Liga de Delos: Mesmo que os gregos tenham se unido efetivamente em sua defesa contra os persas, antigas hostilidades emergiram tão logo que a ameaça do oriente diminuiu. Pelos 50 anos seguintes, Atenas e Esparta lutaram pela supremacia em um conflito que finalmente irromperia nas Guerras do Peloponeso, mas esses mesmos cinquenta anos foram chamados de “a era de ouro” da Grécia antiga. Depois da batalha de Salamina, os atenienses retornaram para um lar em ruínas, e muitos anos passariam até que a reconstrução estivesse completa. De início Temístocles foi tido em alta conta, mas conforme ele continuou a fomentar novas campanhas militares, os atenienses, cansados de guerra, lentamente se voltaram contra ele. Ele estava preocupado que Esparta aproveitaria esse momento de fraqueza para tentar tomar o controle do Helesponto, a linha vital de Atenas ao Mar Negro. Ele instigou seus conterrâneos a estabeleceram uma frota no norte, permitindo que Atenas controlasse a via estratégica. Seus oponentes resistiram ao plano, e enfim, Temístocles perdeu totalmente seu cargo de general, e seu único sucesso passou a ser a construção da grande muralha defensiva de Atenas ao porto próximo em Pireu.


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Em Esparta, Pausânias foi considerado o herói que derrotou os persas, mas seu sucesso e fama aparentemente subiram à sua cabeça, e, logo, sua arrogância se tornou sua ruína. Como Temístocles temera, Pausânias levou suas forças para o norte e capturou Bizâncio, de onde ele começou a formar alianças na intenção de estabelecer uma forte defesa contra futuros conflitos com os persas. Tudo isso certamente começou a minar a influência ateniense na região, de modo que Pausânias passou a se tornar, lentamente, seu pior inimigo. Enquanto, oficialmente antipersa, ele começou a adotar os modos persas e até negociar com os estes para se casar com a filha de Xerxes. Seu comportamento enfureceu os espartanos de tal modo que eles o chamaram de volta a Esparta sob a acusação de traição, embora nessa ocasião, o júri tenha falhado em condená-lo, e Pausânias retornado a Bizâncio. O sucesso de Pausânia apenas serviu para aumentar sua arrogância, de modo que até mesmo suas tropas passaram a resistir a ele, enquanto seus outros aliados buscaram uma liderança alternativa. As ilhas de Quios, Samos, e Lesbos, finalmente apelaram para o exilado Aristides para assumir a liderança de sua liga defensiva. Aristides concordou, estabelecendo uma nova liga em Delos, assim dando origem à “Liga de Delos”. Pausânias continuou a governar de Bizâncio, mas gradualmente perdeu influência, até que, poucos anos depois, ele foi expulso por um comandante grego, Címon. Novamente, ele foi chamado a Esparta, dessa vez acusado pelo crime de “medismo”, ou seja, de conspirar com os persas. Ele foi condenado, mas com a ajuda de certos seguidores leais, escapou para Atenas, buscando auxílio no templo de Atena. No fim, ele foi condenado à morte, deixando muitas questões sobre sua culpa em aberto. A recém-formada Liga de Delos era uma coalizão voluntária criada para consolidar a defesa contra a presença persistente e ameaçadora dos persas. Em seus anos iniciais, ela respeitava a autonomia das cidades-estado individuais, embora cada membro tivesse de contribuir com sua ajuda. A Liga era organizada nos moldes democráticos, mas Atenas inevitavelmente começou a dominar, sendo vista por muitos como mais “iluminada”, com sabedoria a transmitir, enquanto Esparta parecia atrasada e tomada por conflitos internos. Tucídides mais tarde argumentaria que Atenas era motivada a dominar a região mais por questões políticas do que econômicas. Atenas conseguiu, de qualquer forma, ascender em importância, e as cidades gregas cada vez mais reconheciam o valor de sua liderança. Daí se iniciou a ascensão de Atenas, e com ela, as sementes de sua “era de ouro”. Esparta tendia a ser muito menos entusiástica em relação a essa lealdade, e sua insatisfação iria, muitos anos depois, principiaros primeiros passos para a Guerra do Peloponeso.


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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-275

Embora Aristides tenha sido o estadista original da Liga de Delos, outro ateniense logo tomou o controle, enquanto Aristides retornou para Atenas. O novo líder, que dominaria a Liga pelos anos que viriam, era Címon, filho de Miltíades. Címon já havia servido como comandante das forças da Liga, e tinha lançado, sob sua autoridade, várias campanhas contra os poucos persas restantes na região. Toda a frota grega foi transferida para Címon em 476, e ele imediatamente preparou uma expedição para libertar Eion, uma cidade ao nordeste da península grega que permanecia sob o controle da Pérsia. Depois de conseguir expulsar uma guarnição persa da região, Címon ocupou Sciro, o que permitiu que os gregos controlassem todo o norte do Egeu. Com a ascensão do poder de Címon, a Liga de Delos foi pouco a pouco se tornando menos uma associação “voluntária”, e mais um “império” do qual Atenas era o centro e a capital. Conforme a crescente receita fluía para Atenas, a cidade se tornou cada vez mais um palco da arte e cultura gregas, as quais eram mostradas na extravagante arquitetura da cidade. O poder político da cidade era balanceado de forma tênue entre Temístocles e Aristides, embora o primeiro deles tenha passado a ter o ego inflado por sua posição e poder conforme os anos passavam, e como resultado, a opinião popular ateniense gradualmente se voltava contra ele. De forma um tanto similar a Pausânias, Temístocles foi acusado de tender para um “medismo”, ou seja, simpatias pró-Pérsia, até que em 471, uma facção pró-espartana acusou Temístocles diretamente de um crime, como resultado ele foi ostracizado. Novas acusações contra ele forçaram o grande general a fugir para a Pérsia e à corte de Xerxes, onde ele morreu alguns anos depois, possivelmente por suas próprias mãos. Não muito depois de Temístocles deixar Atenas, Aristides morreu, e a perda de ambos os líderes deixou Címon em uma posição de poder sem rivais. Enquanto continuava a fazer muito pela cidade, ele também acabou sendo mais um militar do que um estadista, e agindo em nome da Liga de Delos, ele expandiu o controle ateniense a todo o mundo grego. Esparta continuava a resistir, mas em 464, um levante helota forçou-os a enviar um pedido de ajuda para Atenas. Címon concordou em enviar ajuda, e veio ao auxílio dos espartanos com um exército de 4000, mas então, de forma inesperada, os espartanos rejeitaram sua ajuda, suspeitando da motivação ateniense. Os atenienses ficaram indignados, mas levaram seu ressentimento a Címon, que era visto como simpático demais a Esparta. Címon foi acusado e condenado por ter viés pró-espartano, encarando o julgamento de um brilhante jovem advogado chamado Péricles. Címon foi ostracizado, e em sua ausência, o palco estava pronto para a ascensão de uma das personalidades mais famosas de Atenas.


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A Era de Péricles: Péricles era o sobrinho-neto de Clístenes, e de muitos modos ele trouxe ao ápice tudo que Clístenes iniciara. Seu sucesso na acusação de Címon levou ele e seu partido democrático e anti-espartano, ao coração da vida ateniense, e pelos próximos trinta anos Péricles se tornou a figura dominante em Atenas. Sob seu regime, a cidade alcançou o apogeu das realizações políticas e artísticas, na medida em que ele influenciou profundamente a vida cultural ateniense, incluindo sua arte, literatura, e filosofia, ao mesmo tempo em que encorajava e liderava um governo distintamente popular. Sob Péricles, a participação no governo estava aberta a todos os homens livres. As decisões eram tomadas pela assembleia (ἑᴋᴋλησία) ateniense, que provavelmente nunca envolveu mais do que 30.000 pessoas. Essa assembleia se encontraria uma vez por semana, para ouvir, debater e decidir sobre os assuntos que vinham a ela. Entre as reuniões, a liderança da cidade era dada pelo conselho dos 500 (βουλή). O conselho cuidaria do funcionamento do dia a dia do governo da cidade, e fazia uma pré-análise das questões antes que essas chegassem à assembleia. Em toda a história antiga, o experimento grego da democracia pode representar a mais pura forma de governo popular. Suas conquistas eram certamente impressionantes, mas muito do sucesso ateniense nesses anos deve ser creditado à visão e persuasão de seu líder. Péricles era um grande orador, e de muitas formas foi através do magnetismo de sua personalidade e gênio que esse momento da glória ateniense foi alcançado. Ele não apenas expandiu a vida política na cidade, mas também o papel do comércio marítimo de Atenas, e criou alianças com as outras cidades da Grécia. Igualmente, ele buscou distanciar Atenas de Esparta e muitas das alianças que ele fazia eram com os inimigos tradicionais de Esparta, em especial, Argos e Mégara, e todas tiveram o efeito de inflamar as chamas do preconceito antiateniense em Esparta. A situação se complicou ainda mais quando Péricles supervisionou a construção do Grande Muro em 451, uma estrutura defensiva que fazia de Atenas praticamente impenetrável. Atenas se tornou tão poderosa que Esparta foi forçada a entrar em um tratado de cinco anos com sua arquirrival, que estava negociando com a ajuda de Címon, que retornara do exílio em 454 com esse único propósito.


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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-277

Péricles liderou Atenas no desenvolvimento da democracia, a cidade começou a refletir esse espírito político no desenvolvimento de sua arquitetura distinta, que tinha o objetivo de acomodar as assembleias populares. O mais famoso exemplo disso, é claro, era a Acrópole, que tinha sido destruída pelos persas em 480. Péricles também encorajou os atenienses a empreender outros projetos magníficos de construção, e uma grande parte da arquitetura que é identificada como sendo da Grécia clássica é derivada de sua influência. Péricles levou a Atenas algumas das maiores figuras literárias de sua época, incluindo Ésquilo (Agamenom, As Coéfaras e As Eumênides), Sófocles (Édipo Rei) e Eurípides (As Troianas). Na verdade, quinze das 19 peças de Eurípides que sobreviveram foram escritas nesse período. A literatura tendia a ser intensa, obscura, e ansiosa, mas enfatizando que a aceitação do homem de seu destino pode ser enobrecedora. A comédia grega também foi escrita durante esse período, mas ia exatamente no sentido contrário. Crátinos de Atenas era um caricaturista desinibido, e Eupólide era similar, mas Aristófanes, que escreveu depois do período de Péricles, excedia a todos eles em ridicularizar os políticos, generais, filósofos, cientistas, poetas, e cidadãos proeminentes. Suas peças, que foram publicadas em um tempo de tensão crescente em Atenas, refletiam algo da força da cidade, e mostravam a habilidade dos atenienses de rir de si mesmos. Péricles também se integrou a um notável grupo de pensadores e intelectuais da cidade, incluindo o filósofo Anaxágoras, com sua teoria da mente (νᴏύς), e Demócrito, com sua teoria atômica. O próprio Sócrates era parte do círculo íntimo de Péricles, o autodenominado “mosquito” cuja tarefa era desvelar os pretensos e fazer perguntas que testassem a realidade das coisas. A ciência médica nasceu nesse tempo com o trabalho de Hipócrates, enquanto a disciplina da História também foi transformada quando Heródoto escreveu sua volumosa história das guerras persas, o primeiro exemplo de escrito histórico que emergiu além dos meros anais propagandísticos típicos do Egito, Assíria, e Babilônia. Tucídides mais tarde combinaria os dois estilos, na medida em que ele escrevia com o interesse histórico de Heródoto, misturado ao desapego clínico de Hipócrates. Não é de surpreender que Atenas também tivesse seus críticos, incluindo Píndaro de Tebas, refletindo seus patronos aristocráticos, que falavam alarmados sobre o crescimento do poder da Atenas democrática, um poder que inevitavelmente enfrentaria a inveja e a hostilidade de seus inimigos de mente mais tradicional, levando ao inevitável despontar das Guerras do Peloponeso, que virtualmente dividiram todo o mundo


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grego. Nem todos os pensadores que gravitavam para a Atenas de Péricles estavam comprometidos com a busca de uma verdade objetiva, e muitos, vendo no maquinário do governo democrático o valor colocado na habilidade de discursar, começaram a desenvolver uma sofisticação sem paralelo na própria arte do discurso. Essa disciplina, a retórica, criou uma ciência a partir das ferramentas da persuasão, que levaram a uma mudança de foco do conteúdo para o processo de mudar as ideias de alguém. Os profissionais habilidosos que desenvolveram essas técnicas se tornaram conhecidos como Sofistas, e muitas escolas proeminentes de Atenas estavam abertas a ensinar a arte da persuasão. Inevitavelmente, a retórica ficou associada a um tipo de visão relativista na qual a persuasão tomava a precedência sobre a realidade. O termo “demagogo” se refere a distinta vulnerabilidade da democracia na qual aqueles que dominavam as ferramentas da persuasão as usavam para manipular a opinião pública, mas com pouco ou nenhum compromisso com a realidade objetiva. De alguma forma, Sócrates definiu sua missão primordial em Atenas como desmascarar esse tipo de hipocrisia, e por esse motivo ele passou a ser visto como um inimigo da democracia e um amigo da aristocracia. Sob a influência de Péricles, e aqueles atraídos para a “sua” Atenas, a cidade se tornou rica e cosmopolita, um “império” sobre um vasto domínio. Atenas dominou de tal modo a Liga de Delos, que em 454 ela exigiu a transferência do tesouro de sua ilha em Delos para a própria Atenas. Sem dúvidas essa mudança foi parcialmente motivada pela sombra de uma outra guerra com a Pérsia, que parecia provável depois de os persas terem derrotado as forças gregas no Egito em 456. Depois da transferência do tesouro, Atenas proveu um aumento de segurança para os seus membros, e trabalhou para estabelecer governos democráticos em outras cidades membro. A derrota das forças gregas no Egito também serviu para aumentar o sentimento antipersa em Atenas, e em 449, Címon reuniu uma frota de 200 trirremes, lançando um ataque na ilha de Chipre, que permanecia sob o controle persa. Embora Címon tenha morrido no ataque, Artaxerxes ficou tão alarmado com o crescimento da ameaça grega que decidiu diminuir suas perdas ao assinar um tratado com a Grécia, que se tornou conhecido como “Paz de Cálias”, e através do qual o Chipre era devolvido aos persas, mas estes concordavam em respeitar a independência grega, incluindo a da Jônia. O acordo marcou uma mudança dramática na atitude persa, um reconhecimento de que os gregos eram um poder que possuía força comparável e merecia ser respeitado como um igual. Sob Cálias, o Mediterrâneo foi “dividido” por uma longitude logo a oeste do Chipre, sob a proibição de os navios persas passarem para o oeste, e os


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gregos para o leste. Com o tratado, a longínqua competição entre Grécia e Pérsia parou por um tempo, mas isso fez com que muitas das cidades da Liga de Delos aliadas à Grécia suspendessem seu pagamento, baseados na ideia de que os persas não eram mais uma ameaça. A atitude para com Atenas ficou mais amarga quando Péricles forçou muitos deles a continuar pagando as obrigações, dessa vez, mais para pagar o desenvolvimento de Atenas do que para financiar as necessidades defensivas. O fato é que o acordo com a Pérsia na verdade abriu as portas à próxima grande fase da administração de Péricles, a construção do Partenon. A estrutura era, na verdade, um templo, construído pelo famoso arquiteto grego, Fídias, em homenagem à deusa Atena, cuja estátua de 9 metros de altura ficava abrigada dentro dele. O Partenon permaneceria um monumento à era de ouro de Atenas até que fosse substancialmente destruído no século 6º século d.C., embora uma parte da estrutura permaneça até os dias de hoje. O Partenon, junto com muitos outros projetos de construção, representava o apogeu das conquistas da arte e imaginação gregas. Apesar dos impressionantes desenvolvimentos em Atenas, ela permaneceu trancafiada em relações cada vez mais tensas entre os membros da Liga de Delos até a Beócia finalmente se revoltar em 447, tendo se juntado a muitas outras cidades, inclusive Esparta. As cidades rebeldes formaram a conhecida Liga Beócia, que foi dominada pela cidade de Tebas, mas depois de um breve conflito, um “armistício de trinta anos” foi negociado em 446 entre Atenas e Esparta. Embora o armistício tenha sido em maior parte resultante da diplomacia de Péricles, ironicamente ele terminou na perda de status do grande ateniense, que tinha construído sua carreira sobre uma política fortemente anti-espartana. Na verdade, logo que o acordo foi implementado, Péricles foi desafiado por um jovem chamado Tucídides, o historiador da Guerra do Peloponeso, mas a aposta de Tucídides falhou, deixando Péricles na liderança e Tucídides ostracizado de sua cidade. Péricles encarou outro desafio menos importante à autoridade ateniense em 440 quando Samos, junto com certas províncias jônicas, se revoltou. Os rebeldes tentaram fazer um pacto com os persas, mas eles foram rapidamente abafados depois de Péricles impor um cerco a Samos, forçando ela e seus aliados a retornarem para a Liga, e estabelecendo a democracia dentro deles.


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As grandes estruturas da Acrópole foram terminadas em 438, coroando a visão de Péricles da ascensão ateniense, e por todo o Mundo Mediterrâneo, o poder e a influência da grande cidade era evidente, embora o aumento de seus sucessos tenham trazido cada vez mais dependência de recursos externos, uma vulnerabilidade que Péricles nunca esqueceu. Especialmente em relação aos grãos, a crescente riqueza e poder de Atenas apenas agravaram a necessidade de importá-los. Logo em 444, Péricles patrocinara uma colônia em Thurii, no sul da Itália, com o objetivo principal de assegurar o suprimento de grãos a partir do oeste. Em 437, ele tinha enviado muitos outros colonos atenienses com o mesmo propósito. Péricles também conseguiu reviver o projeto de colonizar Anfípolis, na Macedônia, pela qual ele queria assegurar o acesso aos metais e madeira trácios, assim como reter o controle do suprimento de grãos das regiões ao redor do Mar Negro. As Guerras do Peloponeso: O período da dominância ateniense começou a se desvelar nos trinta anos seguintes em uma série de batalhas e conflitos chamados de Guerras do Peloponeso. As proporções do conflito são facilmente exageráveis, tendo sido tornadas famosas por Tucídides, cujo marcante relato do período é chamado de a primeira história “moderna”. Ele escreveu descrições vívidas e detalhadas que focavam mais nas motivações humanas que nas intervenções divinas, mais sobre fatos do que sobre folclore, mais com precisão cronológica que drama anedótico. Sem o relato de Tucídides, as guerras poderiam ter sido consideradas nada mais que uma série de contendas militares locais sintomáticas da perda de prestígio e influência de Atenas entre as cidades-estado gregas. As Guerras marcaram o início de um período de transição em que a cultura grega se disseminaria por todo o Mundo Mediterrâneo, um período muitas vezes chamado de “Helenista”. Em grande parte por causa das rápidas conquistas de Alexandre no século seguinte, o mundo foi culturalmente unificado, depois disso, Roma o unificou politicamente, e assim a ideia bíblica da “plenitude dos tempos” foi cristalizada, na qual o evangelho do Messias poderia se expandir com pouco impedimento por todo o mundo civilizado. De muitas formas, esse enorme processo de transformação teve início com a Guerra do Peloponeso.


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O conflito em si estourou no ano inesperado de 435 com uma querela entre Corinto (no mapa, Korinthos) e Córcira (Corkyra) sobre quem controlaria a colônia coríntia de Epidamno, uma pequena cidade próxima de Córcira, na fronteira noroeste da Península Grega. Corinto baseava sua reivindicação no fato de que tinha originalmente fundado a colônia, mas Atenas se posicionou com Córcira para contestar a reivindicação coríntia do controle sobre a cidade. A própria Esparta se aliou com Corinto, e assim os dois tradicionais inimigos se encontraram novamente em uma relação de hostilidade. A disputa sobre Epidamno agravou novamente o conflito muito mais profundo entre a Esparta aristocrática e a Atenas democrática. Alguns em Esparta pediam por um ataque mais direto a sua rival, mas a cidade optou por lançar uma série de astutos ataques políticos planejados para minar e até depôr Péricles. O líder ateniense permaneceu firme, apesar das tentativas de terminar sua trégua de 30 anos negociada com Címon. Entretanto, a tensão escalonou nos três anos seguintes, e explodiu em violência em 432 quando um grupo de tebanos atacou Plateia. No conflito que se seguiu, todo o mundo grego se alinhou ou com um lado ou com outro, e assim as guerras começaram. Esparta atacou Atenas diretamente em 431, mas invés de responder com um contraataque, Péricles trouxe toda a população para Atenas, esperando lançar uma campanha naval. Muitos duvidavam de sua sabedoria enquanto viam as áreas ao redor de Atenas devastadas e destruídas, enquanto estavam presos dentro da cidade, suportando um cerco desconfortável e com muita gente. Atenas viu que poderia fazer pouco para se preparar para uma guerra estendida que não seria vencida por nenhum dos lados, dado que os atenienses dominavam o mar, e os espartanos dominavam a terra. Esparta lançou mais um ataque contra a superpovoada e cercada cidade de Atenas em 430, mas naquela ocasião, Atenas encarou uma crise interna ainda maior. A primeira foi uma misteriosa praga que se espalhou pela cidade levando um quarto da população, mas, pior que isso, a cidade passava por uma crise de liderança quando um jovem chamado Cléon desafiou Péricles. Antes que o desafio ao poder pudesse ser resolvido, o próprio Péricles foi tocado pela praga e morreu, e depois disso Cléon tentou tomar a liderança total, embora ele tenha sido imediatamente desafiado por um membro mais velho da família aristocrática chamado Nícias. O jovem e desafiador Cléon argumentava em favor de uma guerra total, enquanto o rico e tímido Nícias preferia buscar paz. Atenas ficou presa na indecisão, e pelos próximos anos, as duas cidades fizeram pouco mais que uma demonstração anual de poder sem se atacarem. A superioridade de Atenas no mar era pareada pelo poder espartano em terra.


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O conflito entre Atenas e Esparta tinha chegado a um empasse em 425, mas a maré pareceu mudar naquele ano quando o brilhante comandante ateniense, Demóstenes, cercou o estratégico posto avançado espartano na ilha de Pilos. Os espartanos começaram a temer sua falta de iniciativa, e propuseram uma negociação de paz com Atenas, e, na verdade, a guerra poderia ter terminado naquele momento se Cléon não tivesse pedido concessões tão extravagantes que as negociações foram encerradas. Cléon ficou tão cheio de si que declarou que poderia acabar com o cerco e tomar a fortaleza em só 20 dias se dessem oportunidade para ele. O conselho caiu em seu blefe e o comissionou a liderar a frota, trocando vanglória por ação. Cléon se arrependeu do seu discurso irritado, mas para manter as aparências ele partiu com uma pequena frota para Pilos, embora ele nunca tivesse comandado uma expedição militar em sua vida. Com um golpe de sorte inesperado, um incêndio tomou a fortaleza e Cléon conseguiu ter sucesso em encerrar o cerco, forçando os espartanos a se renderem. Os atenienses capturaram cerca de 120 espartanos presos na ilha, e assim trouxeram toda a região estratégica ao seu controle. Os prisioneiros foram levados a Atenas, e Cléon foi capaz de se gabar diante dos atenienses de ter obtido a vitória dentro de 20 dias, assim como dissera. Outra oportunidade de encerrar a guerra se apresentou, mas de novo, Cléon estava determinado a continuar. Sua campanha seguinte foi um ataque mal planejado à aliada de Esparta, Beócia, mas dessa vez ele foi fortemente derrotado em Délio. Ao mesmo tempo, o comandante espartano, Brásidas, capturou Anfípolis, um posto avançado estratégico no Helesponto, e assim ameaçou a importação ateniense de metais, madeira, e grãos. Tucídides, um dos generais atenienses na região, falhou em salvar Anfípolis, e por esse motivo ele foi banido, uma situação que permaneceu até a queda de Atenas em 404. Cléon marchou para o norte, mas tanto ele quanto Brásidas morreram em Anfípolis, e depois disso a famosa Paz de Nícias foi negociada tendo por base acordos alcançados por Nícias em Atenas e Pleistaonax de Esparta, ambos favorecendo a paz. O tratado de paz foi assinado, mas antes de poder ser implementado, um novo líder subiu ao poder em Atenas, Alcibíades, um parente de Péricles. Ele era jovem, arrogante, extravagante, e famoso, tendo obtido o primeiro e segundo lugares nas corridas de bigas nas Olimpíadas, e com isso, um espírito de imprudência tomou conta da cidade. Ele tomou um posicionamento um tanto forte contra Esparta, recusando seu pedido de entregar Pilos, e levando uma nova e ousada investida em busca de trazer mais cidades para os atenienses. Embora os espartanos o tenham derrotado estrondosamente na Batalha de Mantineia, ele continuou seus planos ambiciosos, esperando fortalecer Atenas e alcançar uma vitória definitiva ao longo dos anos de conflito.


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Para Alcibíades, o meio de alcançar tal realização pareceu se mostrar em 416 quando a cidade sicília de Égesta requisitou ajuda ateniense em sua contínua luta contra a cidade sicília de Leontine, que por acaso, era aliada de Esparta. Alcibíades ajudou grandemente a empreitada, pensando que isso fortaleceria a posição de Atenas no Mediterrâneo, o que em consequência isolaria e enfraqueceria Esparta. Os atenienses também estavam interessados em tomar o controle do suprimento de grãos da Sicília e Itália, e estavam especialmente interessados em pressionar a aliada de Corinto, Siracusa. Enquanto a justificativa para a excursão era, no máximo, duvidosa, Alcibíades persuadiu os atenienses a apoiarem a campanha, e eles começaram a investir pesadamente em preparar para lançar uma frota no ano seguinte. A frota ateniense foi colocado sob o comando conjunto de três de seus generais mais proeminentes, o velho e moderado Nícias, o jovem e impetuoso Alcibíades, e o comandante militar experiente, Lâmaco. Porém, na noite anterior a partida da frota, um acontecimento ominoso abalou a confiança ateniense quando algumas estátuas em honra ao deus Hermes foram mutiladas, um sacrilégio que causou grande inquietação nos supersticiosos gregos. Nunca se descobriu o causador, mas os inimigos políticos de Alcibíades se aproveitaram do incidente para acusá-lo de vandalismo, mesmo havendo pouco ou nenhum fundamento para tais acusações. Apesar da apreensão causada tanto pelos danos às estátuas de Hermes quanto pelas alegações contra Alcibíades, a frota partiu conforme planejado, partindo de Pireu na primavera de 415, com todos os atenienses presentes para vê-los. Notícias da frota ateniense alcançaram rápido na Sicília, e provocaram considerável ansiedade. O líder natural dos sicilianos era Hermócrates, que representava as antigas famílias aristocráticas da ilha, e que fez tudo que podia para reunir apoio para uma resposta forte e agressiva ao ataque previsto. Ele foi desafiado por Atenágoras, que era pró-democrático e, de acordo com alguns, pró-ateniense. Enfim, a cidade chegou a uma posição na qual Siracusa asseguraria a defesa, e a protegeria do ataque, mas que evitaria os riscos associados a um contraataque, pelo menos de início. Quando a frota grega chegou, ela ficou ancorada no porto de Siracusa, mas antes de fazer qualquer coisa, os três comandantes caíram em desacordo sobre qual era o verdadeiro propósito da expedição. Alcibíades argumentava a favor de uma guerra total, enquanto Nícias propunha algo mais limitado. Por fim, os comandantes simplesmente colocaram o porto sob sítio, impedindo qualquer importação e exportação pelo mar, mas o cerco teve pouco efeito na cidade já que ele era bem guarnecido e recebia muitos recursos adicionais por terra.


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A situação logo se complicou quando Alcibíades recebeu uma convocação para retornar imediatamente a Atenas para enfrentar um julgamento por vandalizar Hermes. Ele foi preso, mas conseguiu escapar em sua viagem de volta, fugindo para Esparta, onde ele ofereceu ajuda impagável aos inimigos de Atenas. Hermócrates, que entendeu que Alcibíades fora o principal organizador da campanha, ficou feliz em saber que ele tinha escapado para o lado inimigo, e encorajou os siracusanos a resistirem. Na verdade, os gregos fizeram pouco progresso pelo resto do verão, e depois de poucas escaramuças, enfim se retiraram para passar o inverno em Naxos, de onde Nícias pediu por reforços. Enquanto isso Alcibíades deu um conselho altamente estratégico ao inimigo, instigando Esparta e seus aliados a estabelecerem um cerco que estrangulasse Deceleia, no norte da África, cortando de forma efetiva o acesso dos atenienses a suas minas de prata, e aumentando muito a já perigosa dependência ateniense de grãos. Os próprios atenienses pioraram a situação ao apoiarem Amorgas, um rebelde, contra Dario II, e assim aumentaram a motivação dos persas em ajudar Esparta, provendo a ajuda que praticamente selou o resultado da guerra. Os gregos renovaram a campanha siciliana em 414, começando com uma tentativa de isolar Siracusa através de alianças com alguns de seus vizinhos. Eles começaram enviando uma proposta de paz para a cidade de Catânia, que ficava poucos quilômetros ao norte, instigando-a a se render, e prometendo tratá-la bem caso o fizesse. A cidade concordou sem resistir, abrindo assim um acesso estratégico para um ataque direto a Siracusa. Enquanto se faziam os preparativos, chegaram notícias de julgamento e execução de certas pessoas acusadas pela destruição das estátuas de Hermes, o que deu ainda mais encorajamento ao esforço grego. Hermócrates reconheceu que com a perda de Catânia, ele teria sérios desafios a sua habilidade de criar uma frente unida, e de imediato, enviou pedidos de ajuda a Esparta. Com o encorajamento de Alcibíades, os espartanos enviaram reforços sob o comando do general Guílipos. Enquanto os dois lados continuavam se preparando para a guerra, o partido pró-ateniense em Siracusa organizou uma conferência para ver se a paz com Atenas podia ser negociada. O encontro foi feito em Camarina, uma cidade costeira a poucos quilômetros de Siracusa, mas os atenienses apenas deram um ultimato para que os siracusanos se rendessem, enquanto Hermócrates apelou por uma liga pan-siciliana para resistir às demandas gregas. A conferência se encerrou sem sucesso, e pouco depois a frota ateniense novamente colocou o porto de Siracusa sob cerco.


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Guílipo chegou logo após o fim da conferência, trazendo consigo uma força relativamente pequena, mas sua presença, ainda assim, teve um grande efeito sobre o moral siracusano. Sob sua experiente orientação, eles começaram a obter pequenas, porém importantes vitórias, gradualmente minando tanto o ímpeto quanto a vantagem estratégica dos gregos. Nícias logo se viu tão preocupado que enviou mensagens a Atenas pedindo que ou fosse tirado de suas responsabilidades ou que tivesse um reforço significativo por terra. A situação se complicou quando Lâmaco morreu em uma emboscada, deixando Nícias como único comandante da frota, uma tarefa para a qual ele não estava muito preparado. Atenas concordou em enviar reforços para ajudar Nícias e sua frota, e cerca de 65 trirremes foram destacados sob o comando de Demóstenes, porém, a situação se tornou dramática para gregos devido a um erro crítico de Demóstenes, que velejou para o porto apenas para encontrar uma armadilha se fechando por trás dele, transformando os sitiantes em sitiados. Demóstenes reconheceu o perigo e recuou de imediato, e embora Nícias tenha concordado, um eclipse lunar provocou seus temores supersticiosos, fazendo com que ele se atrasasse. Quando o eclipse passou, a frota estava totalmente cercada, e escapar era impossível. Os siracusanos caíram sobre a frota ateniense, cercando os gregos e executando tanto Nícias quanto Demóstenes. Os sobreviventes foram levados de volta para Siracusa e colocados sob condições horríveis onde a maior parte morreu de forma agonizante. Em resumo, toda a campanha da Sicília se tornou um desastre sem solução. Quando a notícia do cerco chegou a Atenas, a cidade caiu em desespero, enquanto muitos dos aliados usaram a oportunidade de se libertar, incluindo Quios, Zeos, Lesbos, e Mileto. As deserções abriram as portas para Dario II da Pérsia voltar ao palco, dando ajuda a Esparta, e intensificando a vulnerabilidade ateniense. Para piorar a situação, Atenas perdeu o controle de Bizâncio e Abidos, ambas localizadas estrategicamente no Mar Negro. Dario, por sua vez, reassegurou o controle sobre muitas cidades da Ásia Menor, colocando-as sob tributação e novamente impondo um governo que duraria até o tempo de Alexandre, o Grande. Tudo isso, é claro, violava diretamente a Paz de Cálias, mas nessa época, o acordo já não tinha mais valor.


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Demorou cerca de dois ou três anos para que Atenas se recuperasse da catástrofe, e mesmo assim, tudo que ela pôde alcançar era um impasse com Esparta, que por si só continuava a crescer em poder tanto pela ajuda do traiçoeiro Alcibíades, quanto por causa da aliança com a Pérsia. O impasse de Atenas manteve a luta acontecendo por dez anos, mas ela nunca pôde recuperar sua antiga grandeza, e é provável que tivesse sucumbido, exceto por um acontecimento que pode ter até apressado a sua queda, que foi a criação de uma força naval por Esparta, que podia rivalizar com Atenas no mar, o único ponto em que a cidade sempre fora dominante. A sequência de eventos que levou ao fim das Guerras do Peloponeso teve início em 411, quando Alcibíades foi expulso de Esparta. As razões para sua queda em popularidade não são claras, mas provavelmente refletem a crença espartana de que sua ajuda não era mais necessária. Isso, junto com o fato que ele já não tinha mais a confiança dos espartanos, foi o suficiente para expulsá-lo. Alcibíades, de repente, se viu em uma posição solitária, incapaz de retornar a Atenas, e não mais bem-vindo em Esparta, ele decidiu viajar para Sárdis e testar sua sorte com os persas. Apelando ao sátrapa persa, Tissafernes, ele esperava obter alguma ajuda para Atenas, o que por sua vez o faria cair nas graças dos líderes da sua cidade natal novamente. Os esforços de Alcibíades não foram bemsucedidos, e depois de um curto período de tempo, ele deixou Sárdis e prosseguiu para Samos, onde parte da frota ateniense tinha permanecido ancorada desde sua falha expedição à Sicília. Alcibíades revigorou as frotas navais, e em 409 ele os persuadiu a lançar um ataque direto contra a pequena frota espartana ancorada em Cinossema, perto do Helesponto. O ataque teve sucesso, e no ano seguinte, três generais atenienses, incluindo Alcibíades, obtiveram outra vitória sob Cízico, uma cidade na mesma região. Então, Alcibíades foi capaz de retomar o controle sob o Helesponto, forçando alguns dos antigos aliados de Atenas a retornar à Liga. Alcibíades em pessoa conseguiu retornar gloriosamente a Atenas em 407, e foi eleito general e comandante-em-chefe, prometendo restaurar Atenas a seu antigo prestígio. O futuro parecia tão brilhante que até Esparta enviou tratados de paz, um louro da vitória que Alcibíades e o político ateniense Cléofonte rejeitaram com desdém. Ficou claro que a recusa de paz se mostraria desastrosa, em grande parte por causa dos acontecimentos na Pérsia


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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-287

Como vimos no capítulo anterior, Dario II morreu em 407, e foi sucedido por Artaxerxes II, que tinha uma duvidosa reivindicação ao trono. Na verdade, a esposa de Dario, Parisátide, tentou colocar seu filho, Ciro, o Jovem, como sucessor, e até mesmo depois que Artaxerxes assegurou o trono, Ciro quase imediatamente fez uma tentativa de lhe tomar a vida. Quando Artaxerxes estava quase executando-o, Parisátide intercedeu, persuadindo o rei que, invés disso, enviasse Ciro embora, colocando-o como sátrapa de Sárdis. Logo após chegar no oeste, Ciro começou a criar laços estreitos com o comandante espartano, Lisandro, uma amizade que levaria a um acordo com os persas para financiar a construção de uma marinha muito mais poderosa. Lisandro logo mobilizou 90 navios, e com eles, atacou e derrotou a frota ateniense em Nótium (Éfeso), e como resultado, Alcibíades foi desgraçado e deposto, finalmente fugindo para a sua residência fortificada na Trácia. Os atenienses substituíram Alcibíades por um comandante chamado Conão, mas ele também foi incapaz de encarar o novo desafio espartano no mar. Em uma série de batalhas no Helesponto, Atenas perdeu o controle da prestigiada via marinha, e ficou tão fora de si que condenou os generais que tinham lutado e perdido as batalhas. Eles foram forçados, sob o protesto de Sócrates, a tomar cicuta, embora os atenienses tenham sido capazes de retornar brevemente e conquistar o Helesponto no ano seguinte, lutando na batalha costeira em Arginusa. No conflito, o general espartano, Calicrátidas, pereceu, mas isso trouxe o brilhante Lisandro à posição de comandante-em-chefe da esquadra espartana. Reconhecendo quão crítico era o momento, Lisandro buscou e obteve fundos adicionais de Ciro em 405, construindo 200 novas embarcações e navegando para o Helesponto, onde ele capturou a cidade costeira de Lâmpsaco, ali estabelecendo sua base. Atenas respondeu enviando sua própria frota, que estabeleceu sua posição em Egospótamo, logo em frente ao estreito de Lâmpsaco. Dia após dia os atenienses pediam por uma batalha, mas a cada dia Lisandro recusava, até que no quinto dia, enquanto os atenienses estavam pilhando por comida, Lisandro mandou um ataque surpresa. As perdas foram devastadoras, pois Atenas novamente perdeu o controle do Helesponto, e encarou a sinistra possibilidade de um cerco prolongado e sem comida. Incapaz de se recuperar, e com a terrível condição de fome da cidade, Atenas finalmente se rendeu em 404, aceitando os termos, e permitindo que o longo muro protegendo Atenas fosse demolido, de modo que a cidade foi deixada totalmente exposta. A Morte de Sócrates: Lisandro estabeleceu um governo nos moldes da filosofia espartana em Atenas, nomeando um homem chamado Crítias para refazer a política ateniense e instalar um governo oligárquico sob um grupo chamado de “Os Trinta”. Crítias fora um estudante e discípulo do grande filósofo ateniense Sócrates, que era ele mesmo um grande crítico da democracia. Sócrates tinha por muito tempo argumentado que o governo popular era fortemente vulnerável aos vis métodos dos sofistas e demagogos, pelos quais a opinião pública podia facilmente ser manipulada. Logo depois de Crítias ser comissionado, ele nomeou Sócrates como parte de um corpo oligárquico de 3000, um grupo que se tornou a elite política de Atenas. É bem possível que outros membros da família de Platão também estivessem envolvidos no governo oligárquico.


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De um modo altamente punitivo, os Trinta impuseram um reino de terror sob punho de ferro sob o inimigo conquistado, destruindo todo resquício de democracia, executando 1500 cidadãos proeminentes de Atenas e banindo outros 5000. As estimadas liberdades da democracia ateniense evaporaram, e uma pessoa após outra era obrigada a beber cicuta. Um dos indiciados foi Alcibíades, que fugiu para a Frígia, mas foi impedido por assassinos antes que pudesse alcançar refúgio. Lisandro estabeleceu um governo similar nas cidades aliadas a Atenas, terminando o trabalho em Samos, o último bastião da democracia. Em cada um deles, ele tinha reforço do governo espartano com uma poderosa guarnição militar, e depois de completar a tarefa, viajou para casa em vitória total. O modo de governo espartano não podia durar diante do amor ateniense pela democracia e do ressentimento geral pela arrogância e brutalidade de Lisandro. Os governantes espartanos logo se viram em uma posição insustentável, e depois de dois anos, o rei de Esparta, Pausânias, admitiu a futilidade do esforço, e instou os éforos a remover os Trinta, e restaurar a democracia em Atenas e nos outros locais. A liderança espartana concordou, sob o protesto de Lisandro, embora Esparta tenha continuado a exercer um alto nível de controle externo sobre as cidades. Tendo recuperado um pouco de sua estimada liberdade, os atenienses deram vasão a sua raiva contra os abusos que tinham sofrido, mas as hostilidades ficaram tão violentas que foi necessário fazer uma anistia geral todos os membros sobreviventes do partido oligárquico. O ressentimento popular permaneceu tenso e amargo, e havia frequentes e devastadores processos contra muitos associados aos oligarcas, um deles sendo Sócrates. O filósofo criticou os demagogos populares que o tinham identificado à aristocracia e feito dele inimigo, e agora que a democracia retornara, o famoso ateniense se tornou um dos acusados de ter ajudado a oligarquia, um crime pelo qual ele foi julgado em 399. Ele foi acusado especificamente de “...não acreditar nos deuses em que a cidade acreditava, mas introduzia novos deuses; e ele também corrompia os jovens.” Quanto à primeira acusação, é difícil encontrar fundamento, a não ser pela disposição de Sócrates de questionar até a área da crença religiosa. A segunda acusação ia ao coração da questão, dada a associação dele com Crítias. Por causa da anistia mencionada, não era possível acusá-lo direta e honestamente, pois ele fora inocentado pelos promotores. Foi necessário acusá-lo com palavras que fizessem o processo continuar, e o crime de “corromper os jovens” permitiu que ele fosse acusado, enquanto tirava o benefício da anistia que o protegia. Tal fora a hostilidade contra o velho filósofo.


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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-289

Em seu julgamento, Sócrates falou mais pelos princípios do que por si mesmo, oferecendo em sua grande Apologia, registrada por Platão, a defesa de que ele era apenas um “marimbondo” enviado por Deus ao corpo político de Atenas. O “ferrão” de Sócrates não era nada mais que seu questionamento, perguntas simples e afiadas feitas para desmascarar a hipocrisia e esclarecer a verdade. Apesar de seu discurso eloquente, Sócrates foi condenado, para grande tristeza de seus amigos e apoiadores. A ele foi dada a oportunidade de escapar da execução através de um exílio voluntário, mas seus princípios o impediram de fazê-lo. Trinta dias depois, ele calma e confiantemente bebeu da cicuta, dessa forma selando sua imortal reputação como o clássico campeão do triunfo da consciência sobre conformidade, e da coragem sobre a conveniência. Tanto antes quanto depois da morte de Sócrates, muitos de seus seguidores e admiradores deixaram a cidade, sem dúvida temendo destino similar. Um destes foi Platão, possivelmente o mais formativo dos pensadores da história ocidental, e o homem que se tornou o principal registrador e expoente de Sócrates. Platão registra em seu Fédon a última cena da vida de Sócrates. Platão fugiu de Atenas com alguns de seus companheiros estudantes depois da morte de seu mestre, enojado tanto com a democracia quanto com a política de modo geral, e buscou refúgio com o filósofo Euclides de Mégara. Platão retornou a Atenas em 385, e fundou sua Academia, onde ele ensinou até sua morte em 347. A Marcha dos 10.000 e a “Terceira” Guerra Persa: Outro seguidor de Sócrates, Xenofonte, tinha partido de Atenas cerca de dois anos antes por uma acusação similar. Ele foi julgado en abstentia, e sua propriedade foi confiscada, mesmo que ele fosse um distinto militar que tinha participado nas últimas batalhas da Guerra do Peloponeso. Xenofonte acabou se juntando ao exército mercenário de Ciro, o Jovem, quando este se preparava para tentar tomar o trono de Artaxerxes II. Cumprindo um acordo que Lisandro tinha negociado com Ciro em troca de ajuda persa na Guerra do Peloponeso, cerca de 11.000 gregos se juntaram à expedição, que ele lançou em 401. Ciro não informou ao seu exército o verdadeiro propósito da missão até que eles estivessem próximos do Eufrates, quando os mercenários exigiram saber a natureza de sua missão. Quando souberam que tinham sido contratados para lutar contra a força militar mais poderosa do mundo em seu próprio terreno, muitos se revoltaram, vendo a empreitada como completa insanidade. Ciro deu argumentos persuasivos, fazendo generosas propostas de pagar até mais, propostas que ele se viu forçado a aceitar. Cruzando o rio, suas forças continuaram para o sul ao longo do Eufrates até chegarem a cerca de 200 quilômetros da Babilônia, onde, pela primeira vez o exército grego teve um relance do inimigo. A partir desse ponto ele foi forçado a diminuir a velocidade e ter mais cautela.


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Artaxerxes foi informado sobre o avanço do exército grego quando este ainda estava na Ásia Menor, e tinha preparado uma força de 900.000 homens para se encontrar com os invasores. Os dois lados se prepararam para batalha no campo de Cunaxa, cerca de 80 quilômetros ao norte da Babilônia, e dentro de três horas, a batalha começou. Os gregos tinham um número muito menor, mas com típica proeza espartana, eles lutaram de forma brilhante e efetiva, até que, no meio da batalha, Ciro ouviu seu irmão gritando: “Eu vejo o homem!” Ele fez uma passagem às pressas esperando matar o rei pessoalmente, mas antes que pudesse alcançálo, Ciro foi atingido por um lança e morreu. Como sucessão era o único motivo da batalha, sua morte encerrou qualquer motivo para continuar a luta, e as forças gregas imediatamente debandaram. Sob a liderança de Xenofonte, eles se mantiveram lutando na retirada, viajando centenas de quilômetros, mas conseguindo chegar ao mar em segurança. O relato de Xenofonte dessa retirada ficou conhecido como um dos clássicos da literatura antiga. Artaxerxes retaliou no ano seguinte, retomando os territórios perdidos na Ásia Menor, com particular atenção à Esparta, a quem ele queria dedicar uma punição especial. A guerra se arrastou por seis anos, e a cada ano que passava, o ressentimento crescia contra Lisandro por sua parte na culpa em atrair a ira dos persas. Esperando recuperar algo do status minguante, Lisandro ofereceu apoio ao sucessor do rei espartano Agis II quando este morreu em 396. O novo rei, Agesilau II, era fortemente anti-persa, e os dois lançaram uma invasão para retomar os domínios persas na Ásia Menor. Lisandro foi tão efetivo que Agesilau começou a temer sua ambição e o destituiu, mandando o comandante de volta para Esparta. Agesilau continuou a lutar contra os persas, substituindo Lisandro por Xenofonte, mas apesar de duas campanhas vitoriosas, eles falharam em ver a ameaça crescente da marinha persa. As dificuldades de Esparta aumentaram mais tarde naquele ano quando uma coalizão de cidades gregas lançou seu próprio ataque contra a hegemonia espartana. Essa rebelião veio a se chamar Guerra de Corinto, e é claro, contou com a satisfeita ajuda dos persas. Lisandro, que estava de volta a Esparta, liderou suas forças contra a coalizão, mas foi morto no conflito. A batalha durou até 394, quando os atenienses infligiram uma derrota naval aos espartanos em Cnido. Agesilau foi forçado a retornar para o Peloponeso, e com ele, Xenofonte, que então lutou contra os atenienses em Coroneia. No entanto, pouco a pouco Atenas e seus aliados tiveram vantagem, reconstruindo o Muro Longo de Atenas, e então, rompendo o domínio espartano no Egeu e liberando as cidades da Grécia. Com sua independência recuperada, Atenas começou a reconstruir a cidade, usando uma generosa ajuda dos persas. Xenofonte se aposentou do exército e se assentou em Scillus, em Élis (noroeste do Peloponeso) onde ele passou muitos anos caçando e escrevendo, não desempenhando nenhum outro papel militar até o ano de 371, quando ele foi chamado da aposentadoria para liderar as forças espartanas na Batalha de Leuctra.


Cap. 6

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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-291

Com o cessar das hostilidades na Grécia, uma liga das cidades gregas se formou, que incluía Argos, Tebas, Atenas, e Corinto. A coalizão forçou Esparta a desistir de qualquer tentativa de controlar mais do que seus arredores. Atenas também fez tratados com Sátiro I do Bósforo, e assim assegurou as importações de grão. O sucessor de Sátiro, Leucon I (389-349), aumentou muito as exportações para as cidades gregas, e juntou uma vasta fortuna para si nesse processo. Sua relação com Atenas se tornou tão próxima que ele recebeu cidadania ateniense, uma coroa de ouro, e imunidade de qualquer obrigação civil. Ao mesmo tempo, a Liga de Atenas negociou com a Pérsia pelo controle completo do mundo grego, e então a Paz de Antálcidas foi finalizada em 386, pela qual a Ásia Menor seria cedida aos persas, mas as ilhas e continente grego ficariam livres. Um Tempo de Mudança: Platão: Quando a estabilidade foi restaurada em Atenas, Platão decidiu retornar para sua cidade natal, e em 385 ele fundou ali uma escola chamada a Academia, onde ele ensinou até sua morte em 347. A inscrição sobre o umbral de sua escola dizia: “Que Ninguém Além de Geômetras entrem Aqui”. Enquanto poucos considerem Platão um grande geômetra, ele na verdade via a disciplina como fundamental a todo o seu sistema de ensino. Não é um acidente que o mais famoso geômetra de todos os tempos, Euclides, tenha recebido seu treinamento inicial na Academia de Platão! Platão era, é claro, muito mais do que um geômetra ou matemático. Sua mente brilhante e ampla também explorara a filosofia, história, política e ética. Em todas elas, ele argumentava pela utilidade da razão pura e o exercício da dedução lógica enquanto buscava descobrir as ideias perfeitas que deviam jazer por trás do mundo imperfeito. Ele insistiu que qualquer julgamento de valor precisava vir de um “Valor” último, e isso só poderia fazer sentido fora deste mundo, ao se postular um outro mais elevado. Assim, gradações de beleza aqui implicam uma “Beleza” perfeita lá, e os graus de bondade aqui indicam alguma “Bondade” lá. Para Platão, se o padrão último não é real, o próprio mundo é por si mesmo, sem sentido. Platão então argumentava que um mundo de ideias perfeitas era muito mais importante que esse mundo de matéria. Platão também insistia na vida após a morte pela qual alguém poderia ter uma recompensa ou punição, ou seja, uma ordem ética. Em tudo isso, Platão não levava em conta a importância da ciência empírica e enfatizava a razão pura e a dedução.


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É impossível superestimar a influência de Platão, um ponto enfatizado por Alfred North Whitehead quando ele disse que a tradição filosófica europeia consistia de “uma série de notas de rodapé” do grande filósofo. A enorme influência de Platão resulta tanto de seu profundo insight como de seu estilo envolvente, que em geral consistia de diálogos facilmente lidos nos quais o herói era invariavelmente Sócrates. Platão usava o gênero com habilidade para dramatizar a busca pela verdade. Tendo ensinado em uma Atenas em que o debate público e a discussão eram o padrão, Platão usou livremente as ferramentas da sociedade democrática para avançar sua própria visão de uma República sob os cuidados de reis filósofos especialmente treinados para governar. Seu ideal de estado era bastante ordenado e comunitário, o que provavelmente representava sua reação ao caos que tinha reinado em Atenas seguindo a Guerra do Peloponeso, um período infeliz quando pareceu que a democracia tinha saído de controle, tragando entre suas vítimas até mesmo espíritos iluminados como o de Sócrates. A Liga Beócia: Uma renovada tempestade de disputas militares explodiu em 381 quando Esparta mais uma vez tentou interferir em algumas cidades-estado específicas e recobrar sua hegemonia perdida. A campanha começou quando um general espartano, Fébidas, liderou uma pequena força em um ataque surpresa contra Tebas, capturando a cidade por traição, instalando um regime oligárquico, enquanto exilou um líder democrático da cidade, Epaminondas. De lá Esparta expandiu seu controle sobre algumas outras cidades, incluindo Téspia, Plateia, e Heráclia, estabelecendo governos similares, embora sua tentativa de retomar Atenas tenha sido mal sucedida. Embora o militarismo renovado de Esparta tenha sido contido com relativa facilidade, houve dois efeitos notáveis que surgiram dessa ação. Primeiro, os atenienses reestabeleceram sua coalizão de cidades marinhas, criando algo como uma segunda “Liga de Delos”, embora essa liga oferecesse termos muito mais favoráveis a suas cidades membro do que a anterior fizera. O sistema de impostos em particular oferecia grande resguardo à independência das cidades gregas, e assim a liga era mais democrática, robusta, e saudável, que sua antecessora. A nova confederação tinha o propósito expresso de resistir à agressão espartana, permitindo que os gregos desfrutassem de relativa paz, liberdade e autonomia. A Liga ganhou mais credibilidade quando Atenas ganhou uma significativa batalha naval sobre os espartanos em Naxos, em 376, naquela época cerca de 70 cidades-estado repudiaram o controle espartano e se juntaram à nova associação. O segundo efeito foi a formação de uma coalizão separada de cidades gregas, a Liga Beócia, que era liderada pela cidade de Tebas. A liga se formou pouco depois de Epaminondas e outros líderes tebanos organizarem uma força que retomou, com sucesso, sua cidade natal em 379. Esparta relutantemente consentiu com o retorno do controle local, embora tenha continuado a manter a presença na região. Por algum tempo, as duas cidades, Tebas e Esparta, compartilharam a liderança da Liga Beócia, mas a relação entre as duas nunca foi estável.


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Gradualmente, Epaminondas, que era um destacado líder político e militar, mudou a escala de poder em favor de Tebas, e consolidou a influência da Liga ao ponto de vir a representar uma ameaça aos seus vizinhos. Até Atenas reconheceu sua crescente vulnerabilidade, e então fez propostas para um acordo com Tebas, esperando formar uma confederação ainda maior de cidades. No entanto, os tebanos, mais militarísticos, insistiram por um nível de controle de pulso firme que finalmente fez com que Atenas rompesse as negociações e transformasse a Liga Ateniense em um império mais defensivo. A tensão entre Tebas e Atenas deixou a Grécia em um beco sem saída e nisso a Pérsia viu uma oportunidade de intervir, esperando que pudesse negociar uma segunda “Paz de Cálias”. Os persas propuseram uma comunidade de cidades-estado gregas independentes, na qual cada uma concordaria em respeitar as outras, todas deporiam armas, e nenhuma tentaria estabelecer uma guarnição no território da outra. Epaminondas não tinha interesse em tal arranjo, mas entrou na negociação com a Pérsia de forma astuta, agindo como se tivesse o direito de falar em nome de toda a Liga Beócia. Ele esperava, corretamente, que Esparta se ofenderia com tal presunção, e poderia até declarar guerra contra Tebas. Ele estava certo. Os espartanos retiraram Xenofonte da aposentadoria e o colocaram no comando de uma força com o objetivo de lançar um ataque contra Tebas. Os dois exércitos se enfrentariam em Leuctra, mas Epaminondas liderou de forma brilhante os tebanos para a vitória, derrotando os espartanos e os dispersando. Xenofonte foi forçado a deixar Scillus com sua família e se mudar para a segurança do Istmo de Corinto. A derrota foi uma reviravolta aos trinta anos de dominância espartana nos assuntos gregos, e Epaminondas tomou o seu lugar como um dos mais brilhantes gênios militares que as cidades-estado gregas já produziram. Epaminondas continuou sua vitória ao avançar diretamente Peloponeso adentro, desafiando Esparta em seu próprio terreno. Ele esperava destruir sua hegemonia de uma vez por todas, e liberar plenamente a região do controle espartano. Para ele, o ataque parecia ousado e sem precedentes, mas Esparta estava mais vulnerável do que qualquer um suspeitava. O número de soldados de elite espartanos tinha declinado precipitadamente com o passar dos anos, em grande parte devido ao sistema de heranças rígido na cidade, e o exército espartano foi forçado a confiar cada vez mais nos helotas e periecos para sua defesa.84 Essa era a situação quando Epaminondas atacou, e como resultado, os tebanos infligiram uma derrota esmagadora aos lacedomônios, forçando o confisco das terras da Messênia e muito do Peloponeso. Pelos próximos dez anos, Tebas permaneceu dominante em toda a Grécia, embora como veio a se saber, o domínio tebano não fosse ser menos brutal do que o de Esparta tinha sido. 84 A cidadania em Esparta dependia de que um homem pudesse fazer uma contribuição de produção agrícola para a mesa comum, e cada vez menos e menos pessoas das classes superiores eram capazes de cumprir essa quota.


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Epaminondas governou a Liga Beócia e muito do que restava da Grécia de modo brilhante, porém rigoroso. Durante os primeiros anos de seu governo um jovem chamado Filipe, o futuro Filipe II da Macedônia, foi feito prisioneiro. Porém, Filipe nunca se arrependeu daqueles anos, por que teve a oportunidade de observar o grande Epaminondas, um homem que admirava profundamente, e que um dia imitaria. Em 365, Filipe retornou à Macedônia, e foi, sem dúvida, sua experiência em Tebas que o preparou para sua brilhante carreira, sem mencionar as conquistas ainda mais impressionantes de seu filho, Alexandre, o Grande. A derrota de Esparta levou a alguma melhora na relação entre as cidades do Peloponeso e seu antigo inimigo, Atenas. Xenofonte, que tinha sido exilado de Atenas anos antes, pôde retornar para sua cidade natal em 365. No ano seguinte, Epaminondas decidiu desafiar a supremacia ateniense no mar, liderando uma frota boécia até Bizâncio. No entanto, em meio a sua campanha, Epaminondas soube que uma coalizão de cidades do Peloponeso tinha se libertado. Com velocidade sem precedentes, ele retornou à Península Grega em 362, onde ele encarou uma liga de espartanos, atenienses, eleanos e aqueus. Epaminondas estava indo em direção à vitória quando caiu mortalmente ferido. Com sua morte, os beócios abandonaram a batalha e logo depois o poder de Tebas começou a declinar. Nos próximos poucos anos, uma confusão começou a se desenvolver, que era, de acordo com Xenofonte, mais insolúvel que qualquer outra. Durante esse período o controle de Atenas estava erodido, e a autoridade central perdida. Muitos gregos, desistindo de manter provisões adequadas de recursos naturais, se tornaram mercenários dos persas e dos egípcios. Enquanto isso, Filipe da Macedônia estava desenvolvendo um exército poderoso que se tornava cada vez mais ameaçador. Enquanto os exércitos macedônios se profissionalizavam, e aperfeiçoavam a arte da guerra de cerco, os estados gregos se tornavam cada vez mais exauridos, desiludidos, e sem objetivo. Esparta estava despedaçada, mas a Liga Ateniense renovada era incapaz de liderar. Tudo isso armava o palco para a subida de um poder externo, e esse poder veio não da Pérsia, mas da Macedônia.


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A Ascensão do Poder Macedônio: O rei da Macedônia, Pérdicas III, foi morto em uma derrota desastrosa pelas mãos dos ilírios em 359, e isso levou seu irmão, Filipe II, ao trono. Filipe era um comandante brilhante e um líder, e sob sua direção, a Macedônia rapidamente emergiu como o novo centro de poder no mundo grego. Como notado antes, Filipe tinha sido mantido refém por alguns anos em Tebas, e enquanto esteve lá, ele não apenas demonstrou grandes habilidades de sobrevivência, mas tinha aproveitado a oportunidade de aprender de um grande gênio estratégico, Epaminondas. Logo que Filipe subiu ao trono, ele provou ser um notável consolidador do poder. Ele passou os primeiros anos do seu reinado desenvolvendo um exército mercenário poderoso, flexível, e ágil, e o utilizando para trazer as cidades-estados da Macedônia ao seu controle. Filipe lançou sua primeira campanha militar fora da Macedônia em 458, e fazendo isso, começou a despertar a preocupação no extenso mundo grego. Ele inicialmente buscou vingança contra os ilírios pela morte de seu irmão, fazendo uso das técnicas que aprendera com Epaminondas. No ano seguinte, Filipe capturou a colônia costeira de Anfípolis, que tinha sido uma importante aliada de Atenas no Helesponto. A queda de Anfípolis alarmou ainda mais os atenienses, e isso despertou a poderosa retórica de um dos oradores mais proeminentes de Atenas, Demóstenes. O jovem advogado tinha apenas 32 anos, mas ele já tinha se provado um habilidoso escritor de discursos para litigantes privados. Com a ascensão da ameaça macedônia, Demóstenes voltou seus olhos para as questões de interesse público, pedindo por uma ação rápida e decisiva para impedir o progresso de Filipe. Apesar de seus apelos urgentes, no entanto, os atenienses não estavam nem dispostos e nem eram capazes de lidar com a ameaça, e posteriormente aceitaram o controle de Filipe sobre Anfípolis na chamada Paz de Filocrates (lit. poder de Filipe). Filipe continuou sua marcha, tomando a cidade de Crenides em 356 e renomeando-a Filipos, um nome que persistiu até a época do Novo Testamento. O controle dessa cidade estratégica permitiu a Filipe dominar as minas de ouro e prata ao redor do Monte Pangeu, e a riqueza dessas minas permitiu a Filipe transformar a Macedônia de uma comunidade pastoral sem sofisticação em uma comunidade agrícola mais robusta. Enquanto isso, Filipe melhorou as técnicas militares que ele tinha aprendido em Tebas, fortalecendo seu exército com a configuração de falange que fez de sua pequena força de elite praticamente invencível. Ao mesmo tempo ele desenvolveu tecnologias avançadas de cerco baseadas em inovações de engenharia aprendidas com o famoso governante de Siracusa, Dionísio I.


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Enquanto Filipe era um gênio na estratégia militar, muito de seu sucesso pode ser atribuído à sua personalidade indomável. Ele era brilhante, ambicioso, e incansável, e apesar de vários ferimentos físicos recebidos em batalha, inclusive a perda de um olho quando foi atingido por uma flecha, ele perseguiu seus objetivos sem descanso, utilizando tanto estratégias militares quanto diplomáticas. Pode-se argumentar que ele conquistou tanto pela negociação quanto pela conquista, na medida em que ele adentrou em alianças diplomáticas com muitos de seus vizinhos, a maior parte por casamento. O primeiro desses tratados matrimoniais foi com o rei de Molossia (Épiro), que ofereceu sua sobrinha Olímpia a Filipe. Olímpia também era ambiciosa e brilhante, e em 356 ela deu a Filipe seu primeiro filho, Alexandre, que no futuro eclipsaria seu pai como um gênio militar de proporções ilimitadas. Conforme Filipe continuava a expandir seus domínios, a pressão sobre Atenas se intensificava, mas a situação atingiu o ponto crítico em 353, quando certos separatistas fócios que se opuseram ao controle tebano sobre seu país atacaram a cidade de Delfos. Invés de apelarem a Atenas, como se esperaria, os délficos pediram proteção a Filipe, provendo os macedônios com a oportunidade perfeita para estender o seu domínio para o sul. Filipe foi ao resgate de Delfos, e no ano seguinte derrotou e matou o General fócio Onomarco. Não satisfeito com essas vitórias, Filipe continuou a penetrar na península grega, avançando para o sul até ter alcançado Termópilas, onde seu avanço foi detido por um exército grego defendendo o passo estreito. Filipe reteve o controle sobre as regiões ao norte, e ao mesmo tempo buscou estabelecer relações amigáveis com Tebas, Messênia, e Argos, provavelmente na esperança de que ele pudesse enfraquecer e dividir Atenas. A pressão da expansão de Filipe levantou duas respostas um tanto contraditórias de Atenas, uma refletia o ponto de vista de Isócrates, e a outra, a de Demóstenes. Isócrates argumentava que Filipe era um grande herói, e que os gregos não deveriam apenas se submeter a ele, mas se aliar a ele, vendo-o como o líder que poderia encarar a ameaça constante do inimigo comum da Grécia, os persas. Demóstenes ao contrário, argumentava a favor de que a Grécia se unisse contra Filipe, a quem ele via como uma ameaça à liberdade e à independência de sua pátria. Os poderosos discursos de Demóstenes foram alguns dos exemplos mais marcantes de retórica do mundo antigo. O primeiro de seus grandes discursos contra Filipe foi dado em 352, conhecido como a Primeira Filípica, foi poderosa e tocante, mas em último caso, sem sucesso. Forças próMacedônia em Atenas, lideradas por Isócrates, conseguiram persuadir a cidade a uma resposta mais conciliatória aos macedônios. Filipe então continuou sem medo a subjugar as regiões ao norte da Grécia, e em 348, o porto estratégico da cidade de Olinto caiu para ele através de uma traição, e foi destruído. Demóstenes tinha instado em vão os atenienses a defenderem a cidade, porque era o quartel-general da Liga da Calcedônia na costa macedônica, vital para a segurança de Atenas. Porém, seus avisos de nada valeram.


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O debate sobre Filipe culminou em 346 quando Isócrates ofereceu seu pronunciamento político mais importante até então, um discurso que era, na verdade, um convite endereçado ao próprio Filipe instigando-o a unir a Grécia sob uma coroa, e liderar uma guerra agressiva contra a Pérsia. Filipe deu certa consideração ao apelo, mas reconheceu que Isócrates não falava por todos em Atenas, quem dirá pela Grécia, e que a oposição estava se fortalecendo contra ele sob a contínua influência de Demóstenes. Até mesmo os atenienses consentiram com a Paz de Filocrates de Filipe, que, reconhecendo a perda de Anfípolis e o predomínio de Filipe na Grécia Central, continuava dividindo opiniões e sendo controversa. Demóstenes, em particular, criticava o tratado, e seu discurso, na época, Sobre a Paz, confirmava suas objeções com renovado vigor, deixando claro seu repúdio ao acordo. Demóstenes deu sua Segunda Filípica em 344, argumentando que a “amizade” de Filipe com Tebas, Messênia, e Argos, não era nada além de um esquema fraudulento com a intenção de isolar Atenas. No ano seguinte, seu discurso, Sobre a Embaixada, atacou aqueles em Atenas que continuavam a manter uma atitude conciliatória para com Filipe. Finalmente, em 341, Demóstenes deu sua Terceira Filípica, o discurso mais forte que ele já tinha pronunciado, apelando para a unidade entre os estados gregos para confrontar a ameaça comum. Conforme o debate entre os gregos continuava, o próprio Filipe estava tornando cada vez mais claras que suas reais intenções eram dirigidas contra a Pérsia, e que ele esperava liderar uma Grécia unida em uma campanha contra o Império oriental. Em preparação para tal esforço, Filipe tomou o controle do Helesponto em 340, mas apesar de ter declarado seu objetivo, Atenas viu o ato como provocação suficiente para justificar uma declaração de guerra. Os atenienses apontaram Demóstenes como comandante da frota, e em sua Quarta Filípica, Demóstenes instou grande investimento em uma frota que ele comandaria. Demóstenes até propôs que Atenas deveria apelar à Pérsia para ajudar a financiar tal frota e se juntar em um ataque contra a Macedônia. Como se tornou claro, os atenienses não estavam dispostos a apelar para a Pérsia, mas o sátrapa da Ásia Menor, Perinto, que também começava a se sentir ameaçado pelo poder crescente de Filipe, começou sua própria preparação para lidar com a ameaça que se avolumava. Foi mais ou menos nessa época que Filipe despediu o tutor de seu filho Alexandre, Aristóteles, que tinha assumido o cargo em 343, quando o jovem príncipe tinha cerca de 13 anos de idade. Aristóteles era macedônio de nascimento, mas tinha sido educado na Academia de Platão, se tornando um dos mais brilhantes estudantes do filósofo, e mais tarde o mais brilhante professor da Academia, ao lado do próprio Platão. Aristóteles deixou Atenas em 347, o ano em que Platão morreu, em grande parte porque não gostava do antimacedônio Demóstenes e a atmosfera de medo que ele fomentava. Ele também não apreciava Espeusipo, o sucessor de Platão na Academia, que não compartilhava a visão de Aristóteles sobre educação. Aristóteles imaginava uma visão muito mais ampla do aprendizado, enfatizando a observação científica acima da razão pura, e acreditando que os princípios da ordem se tornavam visíveis pelo processo de catalogação, abstração, e raciocínio.


Cap.

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Quando Aristóteles deixou Atenas, ele tomou consigo um amigo e associado, Xenócrates, e os dois rumaram para Atarneu no noroeste da Ásia Menor. Aristóteles se uniu a um grupo de platonistas por dois anos, casando, e ajudando a fundar uma comunidade filosófica e escola em Assus. Ele viajou para Mitilene, na ilha de Lesbos em 345, onde ele passou mais dois anos, e então se mudou para Mieza, perto da capital macedônia de Pela, onde ele ficou encarregado da educação de Alexandre, uma posição que manteve até 340. Depois de Filipe o dispensar, Aristóteles provavelmente retornou à sua cidade natal, Estagira, na Macedônia. Dois anos depois, Demóstenes liderou o ataque ateniense à Filipe, tomando consigo aliados de Tebas, e seus exércitos combinados batalharam com os macedônios na Batalha de Queroneia, uma cidade do norte da Boécia. A coalizão grega ficou estupefata pelo exército de Filipe, que foi liderado de forma brilhante em batalha por Alexandre, com apenas 18 anos de idade. Depois da batalha, Filipe puniu os tebanos de forma brutal, e Demóstenes, antecipando tratamento similar, fugiu para casa para organizar as defesas da cidade. Filipe tomou uma atitude diferente para com Atenas, em grande parte pelo profundo respeito que tinha por sua rica história e cultura. Seu tratamento gentil, generoso e conciliatório aos atenienses levou a uma crítica generalizada de Demóstenes, seguida de muitos processos contra ele por ter defendido políticas agressivas que apenas levaram a uma guerra mal sucedida. Depois da Batalha de Queroneia, a dominância de Filipe sobre a Grécia foi firmemente estabelecida. Ele estabeleceu um governo que era pouco mais do que uma simples monarquia administrada por uma “Liga de Corinto” pró-Macedônia. A monarquia era, é claro, um conceito estranho aos gregos, e por esse motivo, ela provou-se resiliente e funcional, e permaneceu intacta por cerca de 200 anos. A Liga de Corinto incluía todas as principais cidades-estado da Grécia, exceto Esparta, que permanecia oficialmente fora da autoridade de Filipe. Ainda assim ele “cortou as asas” de Esparta substancialmente, removendo parte dos enclaves internos e, mais importante, destacando algumas cidades-estado costeiras dos periecos. Esparta manteve seu porto em Gythio, no golfo messênio, mas seu território agora era composto por nada mais que a própria Esparta e uma parte dos territórios circundantes.


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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-299

Tendo deixado a Grécia de joelhos, Filipe voltou seus olhos para seu objetivo principal, o ataque e conquista da Pérsia. Em preparação a essa campanha, ele fez uma reunião com a Liga de Corinto em 337, onde ele revelou suas intenções em termos muito claros. Filipe justificou seus planos ambiciosos clamando vingança pela dessacração da Grécia 150 anos antes por Xerxes. O conceito apelava para os gregos, que nutriam uma memória coletiva da Segunda Guerra Persa, embora os motivos reais de Filipe tivessem mais a ver com suas ambições pessoais do que com a honra dos gregos. De qualquer forma, os planos de Filipe o levariam a enfrentar o jovem, porém, competente, rei da Pérsia, Dario III, e o exército mais poderoso que o mundo antigo já vira. Dario tinha subido ao trono em 338, e pensava nos macedônios seriamente, já tendo contratado um exército mercenário grego, sob o comando de Mênon de Rodes, para lidar com qualquer força invasora, caso fosse necessário. Essa preparação foi muito efetiva, tanto que quando Filipe enviou sua força inicial de 10.000 macedônios para a Ásia Menor na primavera de 336, os persas conseguiram resistir graças a Mênon e seus mercenários. À medida que Filipe começava a se preparar para uma invasão mais séria da Ásia, uma que ele liderasse pessoalmente, sua carreira foi interrompida pela faca de um assassino. Os motivos do assassinato permanecem incertos, mas podem estar relacionados às ambições de Olímpia, que tinha tido dois filhos com Filipe, Alexandre (356), e Cleópatra (355). Olímpia tinha ficado furiosa quando Filipe fez um casamento diplomático com uma outra Cleópatra. Filipe tinha, é claro, casado com outras esposas ao longo dos anos, mas Olímpia sempre retivera a posição de primazia. Porém, seu status mudou com o casamento com Cleópatra. A ira de Olímpia agravou-se ainda mais quando a nova esposa de Filipe lhe gerou um filho, um que parecia um sucessor muito mais promissor ao trono de Filipe do que Alexandre, em grande parte por que o novo filho tinha um sangue grego mais puro. Olímpia deixou Filipe enfurecida, e voltou para o seu lar em Épiro, levando seus dois filhos com ela. Para todos os efeitos, Alexandre foi exilado, mas mais tarde a astuciosa Olímpia apareceu para oferecer uma reconciliação através de um arranjo com sua filha, Cleópatra, para se casar com Alexandre I, o rei efetivo de Épiro. Filipe foi convidado, e concordou em comparecer a esse casamento, mas conforme ele andava pelo desfile, um assassino irrompeu da multidão e apunhalou Filipe fatalmente. Há muito tem se suspeitado que a própria Olímpia orquestrou o assassinato, tanto para vingar seu ciúmes, quanto para assegurar o trono macedônio para seu filho. Outros argumentam, com menor plausibilidade, que o próprio Alexandre estava por trás do esquema do assassinato, e outros ainda recordam que Filipe tinha muitos inimigos políticos com muitos motivos para desejar sua morte. A questão permanece controversa.


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Alexandre, o Grande: Com a morte de seu pai, Alexandre não perdeu tempo em assegurar seu direito ao trono macedônio, e para dizer o mínimo, ele se tornou uma força a ser temida. Aos vinte anos de idade, a ambição e confiança do jovem príncipe não conheciam limites. Ele era brilhante e imprudente, dizendo e, ao que parece, acreditando, que ele descendia dos deuses. Tomando para si uma autoimagem vinda de seu livro favorito, A Ilíada, baseado em Aquiles, Alexandre se via como alguém “cortado do mesmo molde” que o lendário guerreiro, e como alguém destinado a conquistar e unificar o mundo inteiro em nome dos gregos. Embora Alexandre tenha herdado muito do brilho inerente de seu pai, sua personalidade era totalmente diferente do cauteloso e calculista Filipe. Alexandre era arrojado, veloz, teimoso, e disposto a correr riscos extraordinários. Seu exílio temporário em Épiro apenas cristalizou sua vontade de aproveitar qualquer oportunidade de impor sua liderança, oportunidades como a que se apresentara de forma dramática quando seu pai foi assassinado. Alexandre facilmente conquistou a lealdade do exército, e tendo assegurado o reino, ele agiu rapidamente para abafar pequenas revoltas que estavam se formando em algumas cidades da península grega, cidades que pensavam que o jovem e inexperiente Alexandre não estaria a altura de reinar sobre eles. Mas como veio a ficar claro, eles tinham subestimado drasticamente o jovem rei, que lançou uma campanha imediata, impressionante e devastadora para subjugar os vizinhos irrequietos da Macedônia. Começando na Trácia e Ilíria, ele se moveu velozmente para demonstrar sua ira contra os tebanos rebeldes, arrasando toda a cidade, exceto seus templos e a casa de Píndaro. Enfim, a própria Atenas foi deixada de joelhos, e uma revolta planejada por Demóstenes nunca foi capaz de se levantar. Depois de apenas um ano, Alexandre tinha não apenas subjugado a Grécia, mas estendido seu domínio do Danúbio ao Mar Adriático.


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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-301

Com a Macedônia e a Grécia sob controle, Alexandre tomou em suas mãos o grande sonho de seu pai de fazer uma expedição contra os persas, não apenas contando com a justificativa de Filipe de que ele era um vingador dos gregos, mas, de forma extravagante, pintando a si mesmo como o salvador do mundo! Para muitos dos conselheiros do jovem rei, uma guerra contra a Pérsia naquele momento não parecia prudente, em parte por causa da recente instabilidade doméstica, mas também porque Alexandre não tinha ainda produzido um herdeiro. Tais preocupações não demoveram o jovem guerreiro, e ele rapidamente reuniu seu exército experiente, rápido, flexível, e bem treinado de cerca de 37.000 homens, esvaziando o tesouro macedônio para pagá-los, e oferecendo promessas futuras dos despojos de sua antecipada conquista. Dario III não levou a ameaça de Alexandre e seu pequeno exército a sério, de início. Tendo visto a expulsão da primeira invasão macedônia em 336, Dario tomou a morte de Filipe como um sinal de que a ameaça do oeste iria gradualmente diminuir, deixando pouco motivo para se preocupar com futuras invasões. Ninguém no lado persa suspeitava do brilhantismo do jovem Alexandre, embora, só para garantir, Dario tenha enviado um respeitável corpo de tropas para as fronteiras da Ásia Menor, e tenha mantido seus mercenários jônios contratados sob Mênon, também sob serviço. Apesar de tudo isso, Dario enviou agentes para a própria Grécia esperando agitar divisões entre as sempre instáveis cidades-estado. Sob circunstâncias normais, essas medidas teriam justificado a confiança que Dario tinha de ter uma boa chance de sucesso contra os arrogantes gregos. Apenas depois Dario reconheceu que o jovem Alexandre não era um adversário normal, e apenas depois disso ele começou a se preparar seriamente. Alexandre cruzou para a Ásia Menor na primavera de 334 com um exército de cerca de 30.000 macedônios, tessálios, e outros gregos. Ele avançou sem problemas pela Mísia, encontrando sua primeira oposição no rio Grânico, onde os persas tinham se entrincheirado em uma posição favorável no topo de uma subida íngreme do lado oposto do rio, fazendo, ao que parecia, ser impossível desferir um ataque direto. Para piorar a situação, haviam entre os persas, certo número de mercenários gregos que estavam especialmente motivados a deter os macedônios em retaliação ao tratamento de Alexandre dos gregos em sua península. Alexandre

foi


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colocado em uma posição desconfortável, porque um ataque direto requeria que seu exército cruzasse o rio, e então subisse diretamente a grande inclinação para encontrar um inimigo em posição superior no topo da ravina. Seus comandantes aconselharam cautela, e sugeriram que ele encontrasse alguma estratégia alternativa, possivelmente descendo o rio em busca de um local mais favorável para cruzá-lo e então atacar. Alexandre, no entanto, transbordante de confiança, ordenou que o exército mergulhasse diretamente no rio e de lá para o meio dos imóveis persas. Os riscos extraordinários se traduziriam em uma glória extraordinária caso o ataque fosse bem-sucedido. E ele foi. Com Alexandre na liderança, os macedônios cruzaram pelo Grânico, e avançaram subindo o lado oposto com uma fúria que abismou a oposição. Quando a batalha terminou, metade do exército persa estava morto, e os outros tinham sido dispersos. O próprio Alexandre tinha agido à altura de Aquiles, demonstrando uma coragem imprudente e ousada, e embora ele tenha sido ferido levemente em um ataque, o número total de macedônios mortos somava não mais do que 100. A derrota da “linha de frente” persa em Grânico abriu as portas para toda a Ásia Menor e, uma por uma, suas cidades caíram nas mãos de Alexandre com pouca ou nenhuma resistência. Na verdade, para muitos dos jônios, Alexandre era visto como um libertador, e sua presença era bem-vinda. A única exceção era a cidade de Halicarnasso, um porto na costa sudeste, que era capaz de suportar um cerco de tempo indeterminado. Embora relutante em deixar a cidade sem ser conquistada, por ficar com a retaguarda exposta, ele ainda assim decidiu fazê-lo e voltar sua atenção para o interior. Tirando Halicarnasso, toda a Ásia Menor tinha sido posta aos pés de Alexandre já no inverno de 334. Em março do ano seguinte, Alexandre prosseguiu em direção ao leste para Górdio, onde ele confrontou o lendário “Nó Górdio”. Se dizia que aquele que conseguisse desfazer o nó controlaria toda a Ásia. Alexandre encarou o complexo emaranhado por um momento ou dois, e então “desamarrou” ele com seu toque especial, cortando-o com um rápido e relampejante golpe de espada. Ninguém ousou questionar seu método. A partir de Górdio, Alexandre avançou sem oposição para a cidade de Tarso, a primeira cidade persa a cair em suas mãos. No entanto, sua carreira quase terminou mais cedo quando ele ficou gravemente doente depois de se banhar em um dos rios da cidade. Por alguns dias, ele se agarrou de forma precária entre a vida e a morte, mas, enfim, conseguiu se recuperar e continuou seu avanço.


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Conforme Alexandre continuou sua jornada, Dario começou a perceber que o macedônio poderia ser uma ameaça muito mais séria do que ele tinha pensado anteriormente. Sem se arriscar, ele reuniu um exército muito maior, alguns alegam, de meio milhão, e deixou a Babilônia no outono de 333 com a intenção de sobrepujar o jovem governante de uma vez por todas. Ainda não muito preocupado, Dario trouxe consigo um considerável montante do tesouro real e um bom número de suas princesas e concubinas da corte. Ele prosseguiu para se banhar no Issus, localizado no canto nordeste do Mediterrâneo, não muito longe de Tarso, e lá ele fixou sua posição à espera de Alexandre. Quando o Macedônio soube de sua aproximação, ele imediatamente saiu para encontrá-lo em batalha.

Os dois lados se encontraram na Batalha de Issus em setembro, e ambas ofereceram um corajoso espírito de luta, mas quando Alexandre em pessoa atravessou a linha persa e avançou diretamente para a posição de Dario, o rei persa foi forçado a fugir por sua vida, deixando seu vasto exército em completa confusão. Dario suportou perdas excepcionais em batalha, enquanto Alexandre sofreu apenas algumas baixas. Ele tomou o tesouro real e a casa real, tratando a todos como espólios de guerra, enquanto Dario retornou para a sua capital totalmente humilhado. O rei persa então começou a reagrupar e se preparar para um esforço defensivo ainda maior, permanecendo confiante apesar de seus imprevistos, em grande medida por causa dos vastos recursos da Pérsia, tanto em riqueza quanto em recursos humanos.


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Alexandre passou o inverno em Tarso, e então voltou sua atenção para o sul, dirigindo seu olhar para a Fenícia, Síria, Palestina, e Egito, e a todos estes ele planejava assegurar antes de retornar a um ataque direto contra a Pérsia. Ele tomou as cidades da Fenícia com pouco esforço, exceto pela cidade-ilha de Tiro, que recusava se render, acreditando que ela permaneceria segura fora do alcance de qualquer ataque baseado em terra firme. Conforme ele iniciou o cerco, Alexandre anunciou o fim da independência de Tiro declarando em um discurso: “Eles ainda riem de nós, porque eles moram em uma ilha, mas eu vou mostrar para eles que eles também pertencem à terra.” Os macedônios não estavam dispostos a deixar Tiro sem ser conquistada porque ela era vista como uma aliada da Pérsia que poderia posteriormente prejudicar sua campanha contra Dario. Ele então empreendeu um incrível feito de engenharia, construindo uma ponte da terra firme até a cidade por sobre um canal relativamente profundo. O projeto levou oito meses, e apesar de sua feroz resistência e contra-ataques, Alexandre provou que os tírios não eram tão invencíveis quanto pensavam, e quando ele finalmente rompeu suas defesas, trouxe terríveis punições contra seus habitantes. Enquanto Alexandre estava ocupado em Tiro, Dario enviou emissários na esperança de obter a liberdade para a família real em troca de generosos termos de paz. Alexandre enviou os emissários embora com desdém, e depois que Tiro caiu, ele continuou sua campanha costa abaixo, onde tanto a Síria quanto Judá se submeteram voluntariamente. Por esse ato ele os tratou de maneira altamente conciliatória, e os judeus, principalmente, receberam seu tratamento especial, e na verdade, por toda a sua carreira, Alexandre tratou a nação judaica com grande respeito. Conforme Alexandre se aproximou do Egito, Dario fez uma segunda oferta de paz, dessa vez propondo que os macedônios tomassem todos os domínios ocidentais da Pérsia em troca dos reféns reais e um acordo de se desistir de quaisquer avanços futuros para o oriente. Os comandantes de Alexandre viram essa oferta como uma grande vitória, e instaram o jovem conquistador a aceitá-la, mas Alexandre recusou a proposta com ainda mais desdém, dizendo que Dario era um tolo em oferecer à Alexandre aquilo que ele já possuía, e que a única coisa que sobrara ao rei persa era fugir e ser espancado. Quando Alexandre chegou ao Egito, ele foi recebido como um libertador e um deus. Tendo suportado a autoridade persa por muitos anos, os conquistadores macedônios representavam a esperança de uma nova era, e Alexandre de maneira brilhante se esforçou para agir de uma maneira conciliatória para com o povo que se submeteu de bom grado ao seu governo. Em afiado contraste com o persa Cambises, que tinha matado o sagrado Touro de Ápis, Alexandre sacrificou para ele e para outros deuses nacionais. Ele


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até fez a árdua jornada para Sewa no Deserto Ocidental para consultar o oráculo de Amon, que Alexandre parecia considerar seu divino pai. Apaziguado, o sacerdócio egípcio aparentemente confirmou as origens divinas do macedônio, e até inventaram uma história de que o último rei nativo do Egito, Nectanebo II (343), assumira a forma de uma serpente para engravidar a mãe de Alexandre, Olímpia, de modo que Alexandre pudesse ser um sucessor legítimo dos faraós nativos. Alexandre partiu para o Egito na primavera de 331, partindo para o seu confronto final com Dario, que tinha, no meio tempo, reunido um exército ainda mais gigantesco, e agora preparava-se para encontrar seu adversário na planície da Gaugamela, nos sopés dos Montes Zagros. Dario tinha reunido um vasto exército, segundo alguns, de mais de um milhão de homens. Ele também selecionou o local da batalha, que estava localizado no coração da antiga Assíria, a cerca de 50 quilômetros de Nínive. Dario fez algumas “modificações” no campo de batalha, as mais notáveis sendo cobrir todo o campo com bolas de ferro desenhadas para ferir os cavalos em que Alexandre confiava. O campo de batalha se chamava Arbela. Alexandre cruzou o Eufrates sem resistência, chegando com seu exército de cerca de 47.000 tropas leves no fim de setembro. Ele sabia, é claro, que o campo de batalha proposto era uma armadilha, e ele entrou em cena com grande cautela. Depois de examinar a exata localização das forças inimigas, ele inspecionou o campo por si mesmo. Conforme os dois exércitos se aproximavam para a batalha na manhã seguinte. Dario colocou suas carruagens pesadas na frente, seguido da cavalaria, e ,finalmente, a reserva babilônia. O próprio Dario manteve a posição no centro, cercado por guarda-costas e elefantes. Os persas haviam trazido ao campo um incrível maquinário de guerra, e contra qualquer inimigo normal, a disparidade de tamanho e força deveria ter sido decisiva. Mas Alexandre não era um inimigo normal. A batalha foi travada em 1º de outubro de 331, e novamente acabou por se tornar uma vitória esmagadora e impressionante para os macedônios. Alexandre deu o comando de seu flanco esquerdo ao seu general, Parmênio, enquanto ele comandou a direita, e ao sinal eles irromperam em diagonal por sobre o campo, confundindo e desorientando os persas. Quando o ataque começou, Dario ordenou que suas carruagens seguissem, mas os ágeis gregos estavam derrubando-as, Alexandre arrebentou pela linha defensiva persa, mergulhando como uma avalanche, e não demorou muito para que ele estivesse próximo do próprio Dario. Uma lança derrubou o


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carroceiro do rei, e por um momento, pareceu que o próprio Dario seria morto. Levantou-se um clamor de que o rei havia morrido, e no meio da confusão, o alvoroço começou. As linhas persas foram quebradas, e a bandeira da Pérsia caiu, para nunca mais se levantar. Dario, mais uma vez escapou, fugindo para Ecbatana e de lá para o leste, para a Báctria, onde ele foi assassinado por um sátrapa local. Algum tempo depois, quando Alexandre encontrou seu corpo, ele o tratou com grande respeito, dando a Dario um funeral honorário em Persépolis. Depois de uma vitória decisiva em Arbela, Alexandre entrou na Babilônia, capturando o tesouro real, que alguns alegam que continha 50.000 talentos (cerca de 1500 toneladas) de ouro. Naquele momento Alexandre se tornou o homem mais rico e poderoso do mundo. Depois de uma estadia de um mês, ele prosseguiu para Susa, e de lá ele embarcou em sua campanha para o oeste, chegando a Persépolis, e depois a Pasárgada, três das quatro capitais reais. Alexandre coletou um vasto tesouro adicional, enquanto ao mesmo tempo destruiu o palácio de Ciro, o Grande, justificando seu ato como uma vingança por uma similar destruição na Grécia pelas mãos de Xerxes na Segunda Guerra Persa. Por outro lado, Alexandre tratou os persas e babilônios conquistados com grande respeito, ordenando a reconstrução de seus templos, e por outro lado se agraciando com os locais, que não demoraram muito para reconhecer seu reinado. No ano seguinte, Alexandre começou sua campanha para a Índia, mas conforme avançou, sua posição gradualmente se enfraqueceu, em grande parte porque seu exército objetava às batalhas contínuas rumo ao desconhecido. Em 328, Alexandre havia alcançado a região do moderno Afeganistão, onde as batalhas foram brutais, embora Alexandre em geral tenha obtido sucesso. No entanto, durante todo esse tempo, seu ego se tornou cada vez mais inflado, tanto que seus comandantes começaram a se distanciar cada vez mais dele. Ele continuou sua invasão em 327, trazendo terror a cada cidade que não se submetia, lutando uma de suas batalhas mais ferozes em 326 contra o rei indiano, Pórus, a quem ele derrotou depois de uma luta muito difícil. Após a batalha, Alexandre fez de Pórus seu aliado, e então propôs ao seu exército que ele progredisse ainda mais Índia adentro. Os comandantes, entretanto, se encontravam próximos ao motim, e Alexandre finalmente desistiu e ordenou o retorno. A marcha para o lar os levou para o sul, mas enquanto lutava contra uma cidade ele foi atingido no peito por uma flecha, um ferimento do qual ele nunca se recuperou totalmente. Ele retornou à Persépolis em 325, depois de uma mal pensada e calamitosa passagem pelo Deserto da Gedrósia, no sudeste do Irã. Tendo retornado à capital, Alexandre voltou sua atenção para consolidar seu vasto


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império. Ele tinha imaginado unir os persas com os gregos, e com isso em mente ele já tinha se casado com uma princesa persa em 327. Agora, Alexandre encorajava seu exército a adotar os modos persas, argumentando sempre sobre a igualdade entre os persas e os gregos, e até sugerindo que ele era um representante dos deuses persas. Embora a deificação de um monarca fosse uma ideia geralmente aceitável para os persas, os macedônios, que tinham sido influenciados pelo espírito democrático da Grécia, achavam o conceito repugnante. Assim, Alexandre agravou sua relação já tensa que se desenvolvia entre ele e seu exército. No entanto, intrépido em sua resistência, Alexandre deu um grande banquete em 324, que tinha a intenção de fundir os macedônios e os persas em único povo unido. Ele ordenou que seus oficiais se casassem com mulheres persas, e ele mesmo tomou várias nobres persas como esposas. A todo momento, Alexandre exibia um comportamento cada vez mais instável, caracterizado por excesso de bebida, explosões de violência, e punições arbitrárias. Quando ele chegou a Susa no verão de 324, ele adotou de forma ainda mais pronunciada o modo e as vestimentas dos reis persas, mas isso apenas o alienou ainda mais dos comandantes, embora se algum comandante dele discordasse disso, ou desejasse voltar para a Grécia, seria sumariamente demitido, ou pior. No outono, Alexandre viajou para Ecbatana, onde Heféstion, um de seus companheiros mais próximos, morreu. Alexandre ficou tão devastado por sua perda que ordenou que o médico que cuidava de Heféstion fosse executado. Daí em diante, Alexandre parecia estar progressivamente saindo de controle, exigindo honras divinas e adoração, e ainda mostrando evidência de instabilidade e surtos mentais. Enfim, em 323, enquanto planejava uma expedição para a Arábia, Alexandre repentinamente morreu. Ele tinha apenas 32 anos, e as circunstâncias de sua morte permanecem controversas. Alguns argumentam que ele sucumbiu ao excesso de bebida, enquanto outros dizem que ele foi envenenado. Ainda outros dizem que Alexandre morreu dos efeitos de longo prazo do ferimento que trazia da batalha anterior. Independente das circunstâncias precisas, o comportamento autodestrutivo de Alexandre sem dúvida teria trazido um fim a sua impressionante carreira. Enquanto a morte de Alexandre provavelmente foi um alívio para aqueles próximos a ele, isso jogou todo o mundo grego em um período de instabilidade e disputas. O jovem macedônio tinha conquistado muito, mas organizado pouco, deixando praticamente nenhuma


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infraestrutura ou burocracia para estabilizar seus vastos domínios. As cartas privadas de Alexandre mostram que ele tinha intenção de unir o norte da África com o oeste da Europa e a Pérsia, e colocar todas sob uma grande classe governante de macedônios e persas. Sua morte prematura impediu a realização até do início de seus grandes planos, mas a personalidade ambiciosa montou o palco para o tipo de reis e líderes que viriam depois dele. Ele se tornou o assunto de lendas romantizadas e imortalizando um homem de ação que capturava perfeitamente o ápice de todo o grandioso período grego. Seus comandantes, refletindo seu modelo, gastaram os 20 anos seguintes em sangrentas disputas pelo poder nas quais os enormes domínios do jovem macedônio foram contestados e reconfigurados com selvageria. Os eventos que seguiram os cinquenta anos seguintes são muito difíceis de ser reconstruídos. Talvez o fator mais complicado tenha sido a falha de Alexandre em apontar um sucessor, embora isso em si pudesse não ter afetado os eventos seguintes de qualquer maneira. Logo após a sua morte, o único filho de Alexandre nasceu, Alexandre IV, mas, como infante, o jovem príncipe mal estaria em posição de exercer alguma influência. Alexandre também tinha um meio irmão, Filipe Arrideu, mas esse irmão também era jovem e incapaz de exercer uma liderança efetiva. O candidato mais provável a assumir a responsabilidade pelos domínios de Alexandre era Pérdicas, o comandante de seu exército. Pérdiscas chegou a assumir o controle depois da morte de Alexandre, aparentemente tentando organizar um governo de auxiliares que governaria em nome do filho de Alexandre e seu meio-irmão. Ele queria dividir o império entre os generais mais importantes de Alexandre, apontando cada um como governador para servir sob sua autoridade. A tentativa pode ter sido bem-intencionada, mas não demorou para que o conflito e a inveja ameaçassem o acordo, e então foi formada uma aliança contra Pérdicas que resultou em seu assassinato em 321. Com a morte de seu comandante, qualquer possibilidade realista de manter um império grego unificado estava perdida. Os eventos complexos que seguiram a morte de Pérdicas serão analisados no Capítulo 9, com os detalhes do processo pelo qual os domínios de Alexandre foram, gradualmente, helenizados, de forma a transformar a visão do jovem conquistador em realidade.


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Capítulo 8

Oeste do Mediterrâneo (Roma, Siracusa, e Cartago) (750 a 330 a.C.)

Enquanto os acontecimentos descritos nos capítulos anteriores se desenrolavam no oriente, um drama separado se desenvolvia no ocidente, envolvendo as três grandes cidades do Oeste Mediterrâneo, Roma, Siracusa, e Cartago. Embora os acontecimentos e personalidades examinados aqui não sejam relacionados diretamente à história bíblica, eles contribuíram fortemente para o pano de fundo do chamado Período Inter Testamentário e da era do Novo Testamento, e assim são dignos de um breve exame. Todas as três cidades mostradas aqui são importantes, mas Roma viria exceder em muito às outras, e por esse motivo, a ênfase inevitavelmente recairá sobre a grande capital. Deve-se ter em mente, no entanto, que, por muitos anos, Roma era um entre vários centros notáveis na Itália e Sicília, e seu marcante destino não era de modo algum aparente durante esses anos iniciais. E, ainda assim, acabou por se tornar o mais poderoso e extenso dos antigos impérios, finalmente dominando todo o Oriente Próximo e deixando uma marca indelével nos capítulos culminantes da história bíblica. Iniciaremos com um resumo das origens de Roma, posteriormente incorporando as histórias de Siracusa e Cartago, na medida em que elas se


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tornem pertinentes para o desenvolvimento do Império dos Césares. Roma: O início de Roma (1200 a 753): Como a maioria das civilizações de que tratamos, o início de Roma está envolto em obscuridade, com camadas de lendas e mitos refletindo alguma medida de realidade, a primeira dando origem à última apenas com o passar do tempo. O relato tradicional da fundação de Roma envolve a história de Enéas, um príncipe troiano que escapou durante a Guerra de Troia. Enéas desempenhou um papel modesto na Ilíada e Odisseia de Homero, mas o poeta Virgílio suplementou a história de modo substancial, provendo um relato definitivo de suas aventuras subsequentes em A Eneida. De acordo com Virgílio, Enéas escapou com seu filho Ascânio e seu pai Anquises, assim como com alguns de seus amigos, embora a esposa de Enéas não tenha sobrevivido à guerra e seu pai tenha morrido pouco depois da fuga. Enéas acreditava que os deuses o tinham guiado para encontrar uma nova Troia, e inspirado por essa visão, ele viajou com seus companheiros pelo Mediterrâneo, posteriormente aportando em Cartago, onde ele encontrou Dido, a rainha fundadora do posto avançado fenício. No conto de Virgílio, a mãe de Enéas era a deusa Vênus, e por causa da preocupação com o bem-estar de seu filho, ela fez Enéas e Dido se apaixonarem perdidamente, mas, ainda assim, ele se recusou a permanecer com ela, acreditando ser sua missão continuar a busca pelo estabelecimento de uma nova Troia. Dido ficou devastada e fora de si quando Enéas a abandonou, e pronunciou uma grande maldição sobre ele quando este partiu, e depois disso cometeu suicídio. A maldição de Dido sobreviveu, e posteriormente explicava o


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relacionamento conflituoso entre Roma e Cartago, que culminou com as Guerras Púnicas. Enéas e seus companheiros navegaram para o norte, até que finalmente encontraram a costa oriental da Península Itálica, onde, de acordo com Virgílio, Enéas visitou o submundo, e ouviu a profecia de seu falecido pai de que os descendentes de Enéas fundariam ali uma grande cidade, que um dia dominaria o mundo. Encorajado por tal predição, Enéas se estabeleceu, entrando em acordo com Latino, o rei da cidade italiana de Lácio. Os dois sagraram seu acordo por meio de um casamento, no qual Latino deu sua filha Lavínia a Enéas. Logo depois de Enéas e Lavínia estabelecerem uma cidade no Lácio, e nos anos seguintes, Enéas defendeu heroicamente a colônia, logo ganhando renome como herói lendário. Ele morreu quarenta anos depois, e foi posteriormente deificado e adorado como Enéas Indiges, “o nativo”. Enquanto a história de Enéas pode ter alguma base em fatos, ela levanta problemas cronológicos desafiadores, o mais aparente deles envolve a discrepância entre a data presumida da Guerra de Troia (c.1200 a.C.), e a data da fundação de Cartago, que é geralmente posta em 800. Assumindo que Enéas não viajou pelo Mediterrâneo por 400 anos antes de chegar à colônia fenícia, várias explicações para a discrepância têm sido sugeridas. Alguns levaram a sério a inconsistência e repensaram a cronologia da Guerra de Troia, propondo colocá-la mais próxima de 1000 ou de 900 a.C., assim dividindo a chamada “idade das trevas” da história do Antigo Oriente Próximo. Outros têm argumentado que a data de fundação de Cartago poderia ser ajustada, e outros ainda relegam todo o relato de Virgílio como pura fantasia heroica. Os problemas cronológicos são complicados ainda mais pelas origens um tanto misteriosas dos etruscos, um povo que apareceu na Península Itálica em cerca de 900. Eles parecem ter chegado ao norte do Tibre e se movido gradualmente para o interior, de forma que em meados de 700 eles já tinham vindo a dominar a maior parte da Itália central. Ao contrário da população nativa relativamente sem sofisticação, os etruscos eram altamente civilizados, exibindo uma ligação com a música e a dança, atitude guerreira, alta habilidade no comércio, e uma respeitável expertise em mineração de metais, especialmente ferro. O alfabeto dos etruscos mostrava uma incrível similaridade com o dos gregos de Eubeia, embora suas comunidades fossem organizadas em torno de clãs invés de no estilo das cidades-estado gregas. Uma


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conspícua influência grega ainda assim aparece em sua cultura, arte, religião, e arquitetura, e suas pinturas retrataram um estilo de vida pacífico, quase à maneira minoica. De onde vieram os etruscos? Embora ainda haja debate, muitos estudiosos acreditam que eles migraram da Ásia Menor, mostrando um pouco de influência grega, mas também mantendo algo de sua própria cultura distinta. Em suma, há razões válidas para acreditar que os etruscos tenham vindo de Troia e das cidades circunvizinhas, possivelmente migrando depois da devastadora derrota na guerra com micenas. Se os etruscos vieram de Troia e suas imediações, isso dá mais peso aos relatos dados por Virgílio, Lívio e outros historiadores romanos. Na verdade, é bem possível que não apenas Enéas, mas muitos outros tenham migrado de sua terra natal após a grande guerra, logo chegando à Itália, onde esperavam reestabelecer um pouco da civilização que tinham perdido. Embora a questão permaneça enigmática na melhor das hipóteses, com certeza havia uma população etrusca significativa na Península Itálica por volta do século 9 a.C., com grandes colônias em Veii, Tarquínia (Tarchna), Vulci (Velch), e Cerveteri (Curtun). Por enquanto, os problemas cronológicos permanecerão em aberto, em especial quando ligados a Guerra de Troia, vis-a-vis fundação de Cartago, e a data da chegada dos etruscos à Itália, mas assumiremos o relato tradicional para o propósito atual. Lívio traça a história dos descendentes de Enéas, começando com seu filho Ascânio, que se mudou alguns quilômetros para o interior e estabeleceu uma nova cidade, Alba Longa, deixando Lácio sob o comando de sua madrasta. Várias gerações depois, o rei de Alba Longa, Numitor, foi deposto por seu irmão mais novo, e enviado para o exílio. Amúlio então assassinou os filhos de Numitor e capturou sua única filha, Reia Sílvia, fazendo dela uma Virgem Vestal 85, 85 Uma Virgem Vestal servia à deusa Vesta com um voto de castidade. A penalidade por quebrar esse voto era ser enterrada viva.


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prevenindo-a de dar à luz qualquer criança que pudesse ameaçar sua reivindicação ao trono. Apesar do voto, Reia Sílvia ficou grávida, alegadamente do deus Marte, e deu à luz gêmeos, Rômulo e Remo, a quem Amúlio prontamente ordenou que fossem postos em um cesto e jogados no rio Tibre. Como o rio estava em cheia naquele tempo, o comandado apenas deixou o cesto flutuando na água rasa próxima à fonte, mas antes que os gêmeos pudessem ser levados pelo rio, uma loba ouviu o choro dos bebês e começou a cuidar deles. Depois, um pastor de um rebanho real chamado Fáustulo, encontrou os garotos e os levou para casa, fazendo-os se comprometerem a cuidar de sua esposa, Larência. Conforme os dois garotos cresciam, eles se tornaram cada vez mais famosos por sua força, coragem, e ousadia, todas mostradas através de suas conquistas aventureiras juvenis. Outros jovens seguiram os dois, e juntos eles caçaram bestas selvagens sem medo, e até mesmo ocasionalmente privaram ladrões de seus despojos, distribuindo-os entre seus companheiros pastores. Houve uma vez durante um festival, em que certos ladrões, irritados por terem perdido seu saque, emboscaram os gêmeos. Rômulo conseguiu escapar, mas Remo não, e os ladrões o levaram ao rei Amúlio., afirmando que os irmãos tinham penetrado em terra real, incluindo a terra pertencente ao exilado Numitor. Amúlio não tinha interesse em lidar com o assunto, e enviou Remo a Numitor para punição, mas quando Remo apareceu diante do rei exilado, Numitor começou a suspeitar que Remo e seu irmão gêmeo eram seus netos. Tendo confirmado as origens sobrenaturais dos jovens, ele alistou sua ajuda em um golpe que resultou na morte de Amúlio, e a restauração de Numitor ao trono. Os gêmeos então decidiram construir um novo assentamento a certa distância de Alba Longa, e escolheram um local no Tibre, próximo ao local em que tinham sido abandonados. Por que eram gêmeos, não era possível provar quem era o mais velho, com o desejo natural de governar a nova cidade, os irmãos decidiram resolver a questão por augúrios, uma prática que buscava por sinais de aprovação ou desaprovação dos deuses ao se atentar para o comportamento das aves. Remo ficou sobre a colina do Aventino com seus apoiadores, e Rômulo sobre a Palatina com os seus, cada um procurando por sinais. Remo logo avistou seis corvos, e Rômulo viu doze, e cada um tomou o que viu como um sinal confirmando a própria reivindicação. A discussão que se seguiu se tornou violenta, e no conflito, Rômulo matou Remo.


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A nova cidade então recebeu o nome do irmão sobrevivente, que se tornou seu rei e nomeou a cidade em seu próprio nome, fundando Roma na data tradicionalmente celebrada de 21 de abril de 753. O Período dos Reis Romanos (753 – 509): O primeiro ato de Rômulo como rei foi fortificar o Palatino, o local de sua ascensão, e elevar sua própria posição. Ele apontou doze “lictores” 86, e também abriu as portas da cidade para pessoas das comunidades ao redor independente de sua posição social, esperando aumentar seu tamanho. Rômulo também criou o Senado, um conselho de 100 anciãos, que vieram a ser chamados de patrícios (pais). O povo comum, que não era membro das famílias patrícias, era chamado de Plebe. Em seguida, Rômulo enviou emissários para as cidades e vilas ao redor, buscando negociar relações que permitissem o casamento entre seus vizinhos. Dado que a população de Roma era quase totalmente masculina. Quando os vizinhos se recusaram a entrar em acordo, Rômulo adotou uma estratégia mais desonesta, organizando uma grande celebração na cidade, e convidando todas as cidades vizinhas para virem e visitá-los. Muitos do reino de Sabina e de outros lugares, curiosos com a nova cidade, aceitaram o convite e trouxeram suas famílias para as festividades. Em um momento combinado, os homens da cidade apareceram e capturaram algumas das jovens solteiras, as tomando como esposas à força. A celebração foi interrompida em pânico e indignação, e o incidente veio a ser chamado de “o rapto das sabinas”. A despeito da infelicidade das circunstâncias, Rômulo e os outros homens de Roma tentaram aliviar o golpe sobre as vítimas mulheres com promessas de amor e bom tratamento, e com o passar do tempo, as mulheres começaram a esquecer seu ressentimento e aceitar sua nova situação. Seus pais, no entanto, não tinham tanto perdão. Eles colocaram pressão sob o rei Sabino, Tito Tácio, insistindo que ele agisse contra os romanos. Depois de um planejamento cuidadoso, Tito invadiu a cidade por traição, tomou a cidadela, e por um tempo submeteu os romanos em luta. Rômulo, no entanto, juntou suas forças e expulsou os invasores, levando os dois exércitos a se colocarem em posição para a batalha final. No momento em que eles se encaravam, as esposas dos romanos, que também eram as filhas dos sabinos, entraram no campo entre os dois adversários e clamaram por paz, lamentando verem a morte tanto de seus pais quanto de seus maridos. O efeito foi profundo e imediato, e 86 Os lictores eram um grupo de oficiais romanos menores cujo dever principal era carregar a “fasces” como símbolo da autoridade, abrindo caminho para o rei ou chefe magistrado conforme se movia em público. As fasces eram um conjunto de gravetos contendo um machado com uma lâmina projetada. A palavra fasces é a raiz da palavra “fascista”.


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os adversários vieram a entrar em acordo, e daquele tempo em diante eles foram unidos em um só povo. Os romanos fizeram dos sabinos cidadãos de sua cidade, e dividiram Roma em 30 cúrias, ou seja, subdivisões das tribos romanas, cada uma delas nomeada para cada uma das 30 mulheres sabinas. Rômulo reinou sobre Roma por 40 anos, a maior parte destes sendo pacífica, embora ele tenha sido forçado a defender a cidade de pequenos ataques vez ou outra. Seu sucesso como governante serviu para confirmar Rômulo como um líder divino, e durante os anos de seu reinado, não apenas Roma, mas a maior parte da Península Itálica cresceu e se desenvolveu, em parte por causa do crescimento populacional, e em parte devido à migração. Os gregos, em particular, começaram a chegar ao sul da Itália e Sicília em número considerável, se estabelecendo como parte do movimento dos gregos a partir de sua península, como vimos no capítulo anterior. A colônia mais famosa fundada pelos gregos durante esses anos foi Siracusa, estabelecida pelos coríntios na Sicília em 733, mas os gregos também estabeleceram colônias principais em duas regiões da Itália, uma na Campânia, e outra no Mar Jônico, e baseados no comércio com suas cidades mãe, muitos desses colonos se tornaram fabulosamente ricos. Rômulo supostamente subiu aos céus em 716, e logo depois, um senador romano chamado Júlio Próculo afirmou que tinha sido visitado por Rômulo e que este lhe dissera que os romanos estavam destinados a se tornaram os governantes do mundo. O povo acreditou na história de Júlio, e como resultado, começou a enfatizar a arte da guerra acima de tudo em seu sistema educacional. Foi a partir dessa época que a reputação da proeza militar romana começou a se desenvolver. A perda de Rômulo provocou uma crise de natureza diferente, que não podia ser resolvida com facilidade. Rômulo não tinha deixado claro quem seria seu sucessor, e por cerca de um ano, a responsabilidade pela liderança passou pelas mãos de vários senadores. Enfim, o povo ficou frustrado com a falta de liderança clara, e para responder a essa frustração, o Senado propôs que um rei deveria ser eleito pelo povo, sujeito à ratificação do Senado. O povo, no entanto, enviou a questão de volta ao Senado, e disse que eles aceitariam a decisão daquele órgão sobre quem seria o próximo rei.


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Havia entre os romanos um homem sabino distinguido por seu aprendizado e sabedoria cujo nome era Numa Pompílio, e depois de extenso debate, ele finalmente foi nomeado pelo Senado, e após a confirmação divina ele foi nomeado. Numa imediatamente começou a inculcar no povo uma compreensão da influência estabilizadora da lei e da religião invés da guerra e conquista. Ele afirmava ter se encontrado com a deusa Egéria à noite, e ter recebido dela as leis e ritos que os romanos deveriam praticar. Numa estabeleceu o calendário religioso, designou uma casta sacerdotal, incluindo sacerdotisas virgens, e apontou como pontífice 87, o senador Numa Marcius. Ele também estabeleceu um corpo de leis que trazia muito mais previsibilidade e estabilidade para as transações públicas, e tudo isso ajudou a afastar o foco da sociedade romana da violência, e ir em direção à ordem, e isso por outro lado fez com que Roma passasse a ser vista mais como um centro da fé do que como de força. É dito que o primeiro rei de Roma fez dela grande na guerra, e o seu segundo rei fez dela grande na paz. Numa morreu em 673, e depois de um segundo interregno, Túlio Hostílio foi eleito o terceiro rei de Roma. Depois de tantos anos de paz, Túlio desejava restaurar a reputação romana pelo valor militar, e começou a imaginar modos de provocar batalhas com seus vizinhos. Ele então fez acusações infundadas contra a cidade de Alba, dizendo que haviam roubado gado, exigindo que reparações fossem feitas, exigências que foram rejeitadas pelo rei de Alba. Ambos os lados começaram a se preparar para a guerra, mas antes que o conflito irrompesse, o rei de Alba, Métio, sugeriu um modo alternativo de resolver a disputa. Temendo que os inimigos etruscos de ambos os lados apenas se beneficiassem de uma guerra entre Roma e Alba, ele propôs que a questão fosse resolvida em um combate único entre os melhores guerreiros de cada acampamento, com o acordo de que o lado vitorioso se tornaria o mestre. A proposta foi aceita por Roma, e juramentos foram feitos para solenizar o acordo. No dia apontado, os dois lados se reuniram para observar a disputa. Os romanos enviaram três irmãos, um trio conhecido nas lendas como, os Horácios. Alba também enviou adiante seu trio, os Curiácios. Cada lado lutou bravamente, mas depois de uma batalha ferrenha, dois dos romanos tinham sido mortos, e parecia que os albenses prevaleceriam. Porém, três dos albenses já haviam sido feridos, enquanto o romano restante, Horácio, permanecia ileso. Ele fugiu dos três albenses o mais rápido que pôde, esperando que eles o seguissem, como fizeram, mas por causa de seus ferimentos, cada um seguiu em um ritmo diferente do outro. Depois de acabarem separados uns dos outros, 87 O representante religioso máximo ou sumo-sacerdote.


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Horário retornou repentinamente e correu de volta para eles, matando cada um sucessivamente antes que o próximo pudesse chegar. Assim ele conseguiu a vitória, e com seu triunfo, os romanos se tornaram os mestres. Horácio retornou à Roma em glória, mas conforme ele entrou na cidade, sua irmã o encontrou, coberta de tristeza, já que um dos albenses mortos tinha sido prometido em casamento a ela. Horácio ficou tão furioso com o luto dela que a matou em um acesso de fúria, e por esse motivo ele foi acusado de traição, mas o sentimento popular foi em sua ajuda e ele foi liberto mais tarde. Depois da derrota, Métius retornou para casa, onde ele encarou um sentimento muito negativo por parte do povo albense. Buscando um modo de escapar do tratado, Métius, de modo calmo e bem-sucedido, encorajou a hostilidade contra Roma entre seus vizinhos, buscando a oportunidade para juntar-se em um ataque em que ele não fizesse o primeiro ataque. Quando as forças se juntaram à Roma, Túlio convocou Métius para vir e juntar-se, pois a defesa era exigência do acordo. Métius chegou com seu exército, e por um tempo agiu como se estivesse lutando ao lado de Roma, mas quando a batalha estava em seu ápice, Métius se retirou, antecipando que Roma seria derrotada. Quando Túlio viu os albenses se retirando, ele temeu que suas próprias forças ficariam desmotivadas, e anunciou em alta voz que a retirada era parte de um plano orquestrado no qual Métius atacaria o inimigo pela retaguarda, enquanto os romanos atacariam pela frente. Túlio então convocou Métius, e o sentenciou a morte por afogamento e esquartejamento, e depois disso transferiu toda a população de Alba para Roma, fazendo deles cidadãos, mas destruindo completamente sua cidade. Túlio reinou até 642, e foi sucedido pelo quarto rei de Roma, Anco Márcio, um neto de Numa Márcio, que combinava o fervor religioso de Numa e o espírito guerreiro de Túlio. Sua maior crise veio quando uma coalizão de tribos latinas circundantes desafiaram Anco, o forçando a declarar guerra contra eles, um ato que ele sacramentou jogando sua lança por sobre a fronteira. Anco prosseguiu atacando a cidade latina de Politório, e depois de conseguir conquistá-la, deportou seu povo de volta para Roma, os estabelecendo sobre a “terceira colina” da cidade, a Aventina. Seguindo esse sucesso, ele tomou a cidade mais desafiadora de Medúlia, e de modo similar, levou seus habitantes para Roma e fez da população conquistada cidadãos da cidade. Além dessas batalhas, Anco também estabeleceu a cidade de Óstia, construindo ali um grande templo para a deusa Roma no Fórum de Óstia. No fim do reinado de Anco, mais ou menos no ano 620, um homem chamado Lucumo chegou à Roma com sua esposa Tanaquil, vindo da cidade etrusca de Tarquínia. Eles eram ricos, brilhantes e ambiciosos, e tinham esperanças de conseguir se aproveitar das oportunidades do rápido avanço social na vida política da cidade. Ao chegar, Lucumo tomou o nome Lúcio Tarquínio Prisco, mas ficou mais conhecido como Tarquínio. Ele


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rapidamente conseguiu se agraciar com a sociedade romana, e dentro de poucos anos tinha se tornado confidente de Anco, e guardião de seus filhos. Seguindo a morte do rei em 616, Tarquínio enviou os filhos de Anco em uma caçada, e então conseguiu apoio para ser eleito sucessor do trono, se tornando assim o quinto rei de Roma, e governando até 579. Os filhos de Anco ficaram profundamente ressentidos pela maneira como Tarquínio os havia posto de lado, mas Tarquínio era tão popular que eles eram incapazes de fazer algo sobre isso. Tarquínio imediatamente apontou para o Senado cem novos membros que estavam comprometidos a apoiá-lo. Esses novos senadores vieram a ser chamados de “homens do rei”, e contando com a sua ajuda, Tarquínio fez várias campanhas contra os latinos e sabinos, que foram enfim derrotados ou se renderam, deixando o lugar em completa paz. Tarquínio retornou para Roma com grande despojo, que ele usou para inaugurar suntuosos jogos e festividades para a cidade. Ele construiu muitas instalações públicas, incluindo o templo de Júpiter, e o Circo Máximo. Ele também obteve com grande custo os livros sibilinos, os quais se dizia serem muito úteis na predição do futuro. Lívio relata um estranho acontecimento ocorrido alguns anos mais tarde. Um jovem escravo da casa de Tarquínio, Sérvio Túlio, estava dormindo, quando pareceu que sua cabeça “queimara em chamas”, embora o garoto não tenha se ferido ou ficado perturbado com o acontecimento. Tanaquil mais tarde disse a seu marido que ela acreditava que o garoto fora divinamente ungido para ter um futuro especial para a glória de Roma. Tarquínio concordou, e desse tempo em diante Túlio foi trazido à família do rei, criado como um filho do rei, educado nos mais refinados treinamentos, e mais tarde dado em casamento à filha de Tarquínio. Quando Tarquínio se aproximava do fim de seu reinado, os filhos de Anco, que ainda estavam ressentidos com o modo como Tarquínio usurpara seu trono, estavam ainda mais alarmados com os prospectos de que o trono seria entregue a um ex-escravo. Conspirando para assassinar Tarquínio e retomar a cidade à força, eles contrataram um casal de pastores para pedir uma audiência ao rei na pretensão de resolver uma disputa. Conforme eles faziam os procedimentos, eles atacaram de surpresa e feriram a Tarquínio, atacando-o com uma de suas ferramentas. Imediatamente se seguiu um pandemônio, e Tanaquil, que correu para o lado de seu marido moribundo, apelou a Túlio que assegurasse o trono e vingasse o assassinato. Conforme a notícia se espalhou sobre a tentativa de assassinato, ela subiu para a janela aberta do palácio e garantiu às multidões que Tarquínio se recuperaria, mesmo assim, naquela hora ele já


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estava morto. Ela instou às multidões que reconhecessem Túlio como regente temporário, e por alguns dias Túlio agiu como se Tarquínio estivesse apenas se recuperando, embora em todo o tempo estivesse assegurando sua posição ao trono. Quando os filhos de Anco viram que tinham sido superados, eles se retiraram para o exílio. Ao mesmo tempo, os filhos de Tarquínio, Lúcio e Arruno, que também estavam irritados em ver o trono ser entregue a Túlio, se encontravam incapazes de desafiar o engenhoso novo monarca. Túlio tomou o trono em 579, se tornando o sexto rei de Roma, e uma vez tendo assegurado-o, ele implementou uma das mais importantes reformas da vida romana, a organização de sociedade plebeia em classes que refletiam seus interesses de propriedade. Essas classes continuaram a ser importantes por toda da história de Roma, e se tornaram a base para a organização militar da qual a classe dos equestres (cavaleiros) se tornou o principal locus de poder político. Túlio também organizou o primeiro censo de Roma, e incorporou mais três colinas à cidade, o que deu origem às famosas “sete colinas” da metrópole. Túlio buscou unificar Roma com seus vizinhos latinos ao financiar a construção de um grande templo para Diana, que se tornaria um centro de adoração famoso, similar ao templo à mesma deusa que já havia sido construído em Éfeso. Embora Túlio tenha desfrutado um sucesso geral e um reinado próspero, os filhos de Tarquínio, Lúcio e Aruns, continuaram a nutrir ressentimento pelo modo como ele tomara o trono após o assassinato de seu pai, e então eles criaram um plano para recuperar o governo. Lúcio, que queria ele próprio ser rei, começou a espalhar rumores sobre Túlio, focando em seu baixo status de nascimento e pela maneira questionável pela qual ele tinha se tornado rei. Ele conseguiu apoio de um pequeno círculo de seguidores, incluindo Túlia, sua cunhada, e a esposa de Aruns. Quando Lúcio e Túlia perceberam o quanto eles tinham em comum, ambos concordaram em matar seus respectivos cônjuges e se casar um com o outro em um elaborado complô para retomar o trono. Lúcio matou sua esposa, e Túlia seu marido, e depois disso ambos se casaram. Eles continuaram a conspirar contra o rei, lentamente conseguindo apoio ao subornar as famílias patrícias mais importantes até que eles sentissem ter apoio suficiente para fazer sua jogada. Em um momento pré-planejado, Lúcio se sentou no assento real na Casa do Senado e ordenou que


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os senadores o reconhecessem como “Rei Tarquínio”. Temendo represálias, os senadores não se atreveram a enfrentá-lo, mas com a sua chegada, Lúcio difamou Túlio e sua maneira de tomar o trono. Quando Túlio ouviu sobre o golpe, ele se apressou para a Casa do Senado exigindo o significado das ações de Lúcio. Na confusão, Lúcio se levantou de seu assento, levantou o velho Túlio, e o jogou violentamente pelos degraus de pedra Senado abaixo para a rua, onde assassinos o apunhalaram, e sua própria filha, Túlia, esposa de Lúcio, usou uma carruagem para passar por cima de seu corpo mutilado. Túlio reinou por quarenta e quatro anos, e foi lembrado como um rei bom e moderado, mas o mesmo não podia ser dito de seu sucessor, e sétimo e último rei de Roma, que tomou o trono em 534. Lúcio, que foi chamado Tarquínio, estabeleceu o padrão como o mais impiedoso e perverso monarca da grande cidade. Posteriormente chamado “Tarquínio, o Soberbo”. por causa de seu desdém por qualquer forma de freios e contrapesos governamentais, ele usurpou a autoridade de forma tirânica e totalitária, governando brutal e arbitrariamente, e espalhando ódio por toda Roma. Com relação a melhorias públicas, Lúcio fez pouco, embora ele geralmente tivesse sucesso através da guerra, e quando não o tinha, através do subterfúgio. Em uma ocasião ele enviou seu filho Sexto à cidade etrusca de Gabii fingindo que tinha sido exilado das graças de Tarquínio. Os homens de Gabii receberam Sexto, acreditando em sua história, e Sexto gradualmente se insinuou na política da cidade, ganhando sua confiança, e até mesmo conseguindo alguns sucessos aparentes em batalhas contra as possessões romanas, mas tudo isso aconteceu sob o conselho de Tarquínio, que tinha mantido uma comunicação secreta com seu filho. Finalmente, Sexto começou uma vagarosa campanha de acusações e deposições dos líderes da cidade, até que ele foi capaz de entregá-la nas mãos de seu pai sem maiores conflitos. Ao final de seu reinado, Tarquínio criou um novo local especial de adoração a Júpiter (Zeus), esperando celebrar a grandeza e a permanência de Roma. Baseado em prenúncios favoráveis, Tarquínio se tornou cada vez mais ambicioso em seus planos, levantando muitos fundos para o projeto do templo, e também para as melhorias da cidade. Porém, Tarquínio ficou alarmado quando ele viu uma serpente deslizar para fora de uma rachadura em um pilar de madeira de seu palácio, e tomando isso como um sinal de infortúnio, ele enviou seus dois filhos Tito e Aruns, imediatamente, junto com seu sobrinho, Lúcio Júnio Bruto, para inquirir sobre o significado do sinal ao Oráculo de Delfos. Bruto, que era considerado um tanto estúpido e sem inteligência, foi enviado primariamente na viagem para cuidar da bagagem e servir às necessidades de seus irmãos. Na verdade, ele era um jovem brilhante, mas tinha escondido seu talento, não desejando se distinguir diante do tirânico Tarquínio.


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Quando Tito e Aruns chegaram ao Oráculo, eles fizeram as perguntas que tinham sido enviadas por seu pai, mas eles também aproveitaram a oportunidade de fazer algumas outras perguntas, incluindo a mais importante de todas, “Quem será o próximo rei de Roma?” Da maneira típica, o Oráculo respondeu de maneira inesperada, dizendo que o primeiro que beijasse sua mãe seria o próximo rei. Tito e Aruns tomaram a mensagem literalmente, mas Bruto de forma astuta entendeu que ela poderia ter algum outro sentido, e enquanto o trio partia do templo, Bruto fingiu escorregar e cair, e quando estava no chão ele beijou a terra, a “mãe de todas as coisas.” De volta a Roma, Tarquínio se preparava para atacar a cidade vizinha de Ardea, esperando saquear a cidade e distribuir o despojo para o povo de Roma, desse modo amolecendo sua atitude cada vez mais negativa em relação às suas maneiras tirânicas. Seu ataque inicial falhou, mas ao colocar a cidade sob sítio, ele antecipava que ela inevitavelmente cederia à pressão da fome. Durante o sítio, Lívio afirmou que certos oficiais romanos começaram a debater qual deles tinha a esposa mais fiel. Um dos oficiais, Colatino, insistiu que sua esposa Lucrécia era a mais virtuosa. Os outros falaram de forma similar de suas esposas, até que todos fizeram apostas sobre o assunto. Ao retornarem a Roma, cada comandante checou o comportamento de sua esposa, e de todas elas, Lucrécia foi tida como a mais fiel e pura. Quando os oficiais vieram à casa de Colatino e Lucrécia eles foram receberam graciosamente, mas durante a refeição, Sexto Tarquínio, o filho de Tarquínio, o Soberbo, se tornou inflamado de desejo por ela. Mais tarde naquela noite, todos os oficiais voltaram a seus acampamentos, mas Sexto voltou para a casa de Colatino e exigiu que ela se submetesse aos seus avanços, e quando ela se recusou, ele a forçou. No dia seguinte, Lucrécia escreveu cartas ao seu pai e ao seu marido, dizendo que viesse a ela e trouxessem com eles amigos de confiança. Colatino trouxe Bruto e chegou em casa com os outros, e assim Lucrécia lhes revelou a situação que tinha ocorrido, e insistiu com eles que vingassem a sua honra. Todos ficaram furiosos, mas insistiram com Lucrécia dizendo que ela era inocente de qualquer mal. Ainda assim, ela pulou sobre uma faca, e a afundou em seu coração. Cheio de fúria, Bruto imediatamente declarou sua intenção de vingar a honra de Lucrécia perseguindo Tarquínio, o Soberbo, sua esposa cruel Túlia, e todos os seus filhos, até que Roma estivesse completamente livre deles. Surpresos pela aparente transformação de Bruto,


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os outros juraram aliança a ele no local. Levando o corpo de Lucrécia para a praça pública, Bruto falou à multidão de forma enérgica do grande mal que acompanhara o governo de Tarquínio, e declarou que chegara o tempo da revolta. O efeito foi imediato, conforme todos os que escutavam Bruto eram movidos pelo seu apelo e o seguiam até o palácio, onde o povo exigia a deposição da autoridade do rei e o exílio de Tarquínio e sua família. Sexto foi capturado e executado por seus crimes, depois do que Bruto juntou forças e marchou para Ardea, onde Tarquínio estava cercando a cidade. Quando Tarquínio soube do golpe, ele tentou voltar a Roma, mas encontrou os portões fechados, assim terminando seus 25 anos de reinado, e sendo forçado ao exílio. A Fundação da República Romana: A era da monarquia romana durou 244 anos, mas com o fim do reinado de Tarquínio, o povo havia ficado tão enojado com o governo real que eles juraram nunca mais permitir que apenas uma pessoa tivesse o controle novamente. A decisão foi tomada em 509, e com ela o período da República Romana começou. Naquela época, Roma controlava modestos 1300 quilômetros quadrados de terra, mas nessa data crucial, Roma embarcou em sua mais distinta busca política, mudando do princípio do “governo dos homens” para o “governo da lei”. Tal mudança não poderia, é claro, ter se iniciado imediatamente, dada a diversidade da população que constituía a sociedade romana. De início, as famílias aristocráticas assumiram o controle, mas eles buscaram fazer um arranjo de divisão de autoridade no governo que prevenisse o poder de se concentrar em apenas uma pessoa. Para alcançar isso, a autoridade política foi investida em dois magistrados a quem seria permitido servir por não mais do que um ano por vez. Juntos, eles eram chamados imperium e cada cargo individual, de cônsul. Esses oficiais eram imunes à prossecução durante seu tempo em ofício, e seu poder era absoluto, embora cada um tivesse autoridade de veto sobre o outro. Logo, a decisão tinha de ser tomada por ambos para ser efetivada. Os cônsules concorreriam ao cargo, embora votos lançados por pessoas de classes mais altas (aristocratas mais ricos ou poderosos) tivessem um peso maior do aqueles lançados por classes mais pobres. Os primeiros homens eleitos ao cargo de cônsul foram, sem surpresa, Bruto e Colatino, mas Colatino foi forçado a resignar porque seu nome completo, Lúcio Tarquínio Colatino, era ofensivo ao povo romano, que ainda reagia negativamente ao nome de Tarquínio. Bruto não ficou feliz pelo fato de Colatino ser forçado a renunciar, e prometeu que ele não sofreria nenhuma perda por isso, convencendo-o a fazê-lo apenas pelo bem de Roma. Colatino, mesmo sendo um homem honrado, foi exilado, e seu substituto foi instalado, um homem chamado


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Públio Valério. Somados a esses cônsules, outros cargos também foram incorporados à organização da República Romana. Os censores, por exemplo, tinham a responsabilidade de levar o censo à população romana, e isso, por sua vez, avaliava a riqueza de uma pessoa, e assim sua capacidade de ser eleito à membresia do Senado. Os questores estavam no comando do tesouro, e era geralmente era nomeado para auxiliar um cônsul ou um pretor. O edil estava no comando da infraestrutura e estradas, e também supervisionava pesos e medidas. Somado a isso, ele tinha o dever de fornecer entretenimento público, e às vezes pagaria por isso do próprio bolso para avançar em sua carreira política. Anos mais tarde um outro cargo foi criado, o tribuno, que era responsável pela proteção do povo comum (plebeus), e tinha o poder de veto sobre qualquer ação do governo. O cargo de ditador também foi criado depois, tendo virtualmente autoridade ilimitada, mas apenas por um tempo limitado, geralmente seis meses, e apenas durante períodos de crise extraordinária. Era costumeiro no governo romano uma pessoa avançar “subindo pelos cargos”,se movendo de cargos relativamente menores para posições de autoridade e dignidade maior. O caminho desse avanço ficou conhecido como Cursus Honorum, e geralmente começava com a posição de questor, indo para edil, então pretor, até cônsul, e finalmente, censor. Além dos cargos governamentais individuais, também haviam as chamadas “assembleias populares”, isso é, corpos maiores agindo com capacidade representativa. A Comitia Centuriata, por exemplo, era uma assembleia de homens romanos em idade de serviço militar que elegeriam magistrados, aprovariam leis recomendadas pelo Senado, declarariam guerra, e ouviriam o apelo dos cidadãos condenados à morte. Outros envolviam os sacerdotes, que tinham cargos religiosos de vários níveis para supervisionar a adoração estatal. E, finalmente, o mais importante de todos, o Senado, que tinha originalmente sido povoado pelas famílias aristocráticas de Roma, mas com o tempo, passara a incluir aqueles que possuíam cargos públicos e, então, se moviam para uma posição de semiaposentadoria. Ainda assim, era muito importante que as ações dos ocupantes dos cargos fossem aprovadas pelo Senado. O princípio do “estado de direito” foi posto à prova pela primeira vez quando um grupo de jovens aristocratas, financiados pelos privilégios da nobreza, iniciaram uma conspiração com os Tarquínios exilados para ajudá-los a retornar ao poder. Dois dos jovens conspiradores eram ninguém menos do que filhos do próprio Bruto, mas quando a conspiração foi descoberta por um escravo, os jovens, incluindo os filhos de Bruto, foram capturados e aprisionados. Bruto, o campeão do regime de lei, foi forçado a pedir a execução de seus próprios filhos, e então


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presidir sobre os procedimentos pelos quais eles seriam desnudados, açoitados e decapitados. O escravo que traiu a conspiração foi, por outro lado, liberto, e recebeu a cidadania. Quando Tarquínio viu que a tentativa de retomar ao trono fora frustrada, ele se comprometeu a tomar uma estratégia mais direta. Buscando o apoio das cidades etruscas, especialmente Veii e Tarquínia, ele reuniu um exército e lançou um ataque contra sua antiga cidade. Os romanos marcharam para desafiá-lo, liderados por Bruto e Valério, mas quando os exércitos se encontraram, Aruns, o filho de Tarquínio, atacou Bruto, e na violência do encontro, ambos foram mortos. Ainda assim, os romanos saíram vitoriosos, e Valério marchou para Roma de volta em triunfo, enquanto Bruto recebeu o funeral de um herói. Gregos e Fenícios: No momento em que os romanos fundaram sua República, eles ainda tinham de se tornar o poder dominante no oeste do Mediterrâneo, uma posição que era ocupada por outras duas cidades, Siracusa e Cartago. Os gregos, que fundaram Siracusa na costa leste da Sicília, não apenas controlavam metade da ilha, mas também tinham um território de tamanho considerável no sul da Itália, tudo como resultado das migrações dos últimos dois séculos. Cartago, que foi fundada pelos fenícios por volta do ano 800, controlava a metade ocidental da Sicília, assim como Córsega e Sardenha, e tinha uma grande quantidade de postos avançados ao longo da costa do Mediterrâneo. Cartago dominava o comércio marítimo por todo o Oriente Próximo, e tinha se tornado o maior poder naval e centro comercial do mundo. Embora no início os fenícios tenham sido os mestres incontestes do mar, o crescimento da presença grega na Itália e na Sicília provocou o aumento de um estado de tensão já no início do quinto século. Na verdade, marinheiros intrépidos do mundo grego já tinham ido tão longe quanto a Espanha, onde competiam diretamente com os fenícios na venda de produtos similares a preços reduzidos. Os gregos deram aos fenícios um golpe ainda maior quando, em cerca de 600, eles fundaram a cidade de Messalia (Marselha) na costa sul da França, de onde eles tomaram o controle sobre o vale do Reno, dominando o comércio entre a Espanha e o leste.


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Quando os fenícios tentaram prevenir o estabelecimento da cidade, eles foram destruídos totalmente em uma batalha naval. De forma gradual, os postos avançados fenícios em outras partes do Mediterrâneo começaram a sentir a ameaça, em especial em locais onde eles tinham alguns soldados estacionados, cuja tarefa era proteger os interesses comerciais fenícios. A questão chegou a ponto de crise em cerca de 580, quando os gregos de Siracusa fizeram sua primeira grande tentativa de expulsar totalmente os fenícios da Sicília. Os colonos fenícios provavelmente teriam buscado ajuda de sua terra natal, mas, na época, Nabucodonosor tinha tomado o controle das cidades principais, e tinha submetido Tiro a um conhecido cerco de 13 anos. Sem esperança de ajuda do lar, os fenícios, cercados da Sicília apelaram a Cartago, que tinha construído com o passar dos anos, metodicamente, seu próprio poderio militar. Embora Cartago tenha se tornado poderosa o suficiente para assumir uma postura protecionista no Oeste do Mediterrâneo, ela se recusou a ajudar nessa situação, temendo um confronto precipitado com os poderosos gregos. No entanto, eles alertaram os siracusanos de que não iriam mais tolerar qualquer nova tentativa de expulsar os fenícios da Sicília. Do ponto de vista cartaginês, a Sicília possuía uma importância estratégica gigantesca, situada no meio do Mediterrâneo, e dando aos seus donos uma influência regional dominante. Vendo que o conflito parecia cada vez mais inevitável, Cartago começou a formar alianças estratégicas com outros que também estavam preocupados, em especial, os etruscos. O teste crítico da nova aliança veio alguns anos mais tarde quando os gregos, que tinham estabelecido uma ponta de lança tanto na França quanto em Córsega, organizaram um ataque em Sardenha com no objetivo de estabelecer uma colônia grega ali. O ataque representava uma afronta direta a Cartago, que tinha por muito tempo controlado aquele local, e na batalha que se seguiu, sessenta navios gregos foram desafiados por cinquenta embarcações etruscas e cinquenta cartaginesas. Na batalha, os gregos lutaram de forma mais efetiva que seus oponentes, mas, ainda assim, perderam para o vasto número do lado adversário, e foram deixados sem meios de continuar sua campanha. Eles não apenas perderam sua chance em Sardenha, mas pior, foram desalojados de Córsega, que foi posteriormente ocupada pelos etruscos. A batalha por Sardenha foi a primeira campanha conjunta de dois poderes não-gregos no oeste mediterrâneo, e teve tanto sucesso que fez surgir uma relação muito mais próxima entre eles. Sem dúvida, as raízes dessa aliança tratavam de muito mais que defesa mútua, dado que os cartagineses e os etruscos tinham ambos se originado na Ásia Menor, e provavelmente possuíam uma memória cultural e religiosa em comum. Ambas tinham civilizações muito mais antigas que os “recém-chegados” gregos e ambas eram arqui-inimigas da última. Ambas também tinham sido expulsas de seu lar por um poder combinado dos micênios e dos Povos do Mar, e por esse e outros motivos, um relacionamento de confiança e ajuda mútua começou a se desenvolver.


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De forma prática, o laço entre cartagineses e etruscos trazia muitos benefícios importantes. Os etruscos, por um lado, precisavam de um parceiro comercial confiável, porque eles em si eram fazendeiros e não mercadores ou donos de navios. Cartago, por outro lado, precisava de aliados no norte para ajudar em sua competição militar com os gregos. O estranhamento entre os dois refletia a tensão crescente em todo o Oriente Próximo, e que veio a englobar os maiores centros fenícios longínquos, assim como a Pérsia. Desse ponto em diante, os confrontos greco-cartagineses não seriam mais apenas escaramuças locais, mas expressões de uma “guerra mundial” Mediterrânea, como os gregos a descreveram. Esse era o balanço de poder precário na época da fundação da República Romana. A Colisão dos Poderes Ocidentais: O Crescimento Inicial da República: Logo após a fundação da sua República, Roma também fez um tratado com Cartago, em paralelo aos tratados etruscos. Para Cartago, um acordo com Roma tinha importância limitada, dado que a cidade ainda não era um poder significativo e que continuava a enfrentar importantes desafios à própria sobrevivência. Na verdade, a mudança para uma forma republicana de governo acabou exacerbando suas dificuldades, com a perda de um forte líder monárquico também havia a perda na habilidade de responder às crises de forma rápida e decisiva. Além disso, os romanos encaravam múltiplas ameaças: na terra natal pelos etruscos e gauleses no norte, os Aequi e os Sabinos no leste, e os poderosos samnitas, latinos, volsci, para não falar dos gregos, ao sul. As ameaças externas de Roma foram agravadas pelas ameaças internas, que eram na maior parte fruto da opressão dos aristocratas que se aproveitaram da perda de um rei, impondo suas próprias práticas de exploração. O Senado exigia que o povo comum servisse no exército sem pagamento “pelo bem de Roma”, e muitos senadores aristocratas disponibilizariam um alto crédito para cobrir o custo da ausência desses soldados no lar e no campo. Porém, quando a guerra acabava, eles impunham pesados termos de pagamento, reduzindo lentamente o povo a ao nível praticamente de escravos. Conforme a hostilidade e ressentimento entre credores e devedores se tornava mais generalizada, o povo comum começou a recusar lutar por uma Roma que não dava auxílio àqueles que arriscavam tanto. A tensão alcançou um ponto de ebulição em 494, quando a cidade foi novamente atacada e o povo comum iniciou uma greve, se recusando a defender a cidade. Reconhecendo a situação desesperadora, o Senado apontou como ditador um homem muito respeitado entre os plebeus, Mânlio Valério. O novo líder imediatamente iniciou um edito garantindo o alívio do débito para aqueles que serviam no exército, e como resultado, o povo se alistou em maior número do que antes, mais


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uma vez derrotando seus invasores. Valério retornou à Roma em triunfo, e então exigiu que o Senado garantisse o alívio que tinha prometido. Porém, o Senado voltou atrás e se recusou, fazendo com que Valério se indignasse e resignasse do cargo. Indignado, o povo comum se retirou para o Monte Sagrado, ficando lá e se recusando a prestar qualquer serviço até que a questão fosse resolvida. Temeroso da alarmante situação, o Senado enviou um homem de confiança do povo, Menênio Agripa, para tentar negociar a paz. Seus esforços foram bem-sucedidos, e como resultado um novo cargo foi criado na República Romana, chamado “tribuno da plebe”, alguém que estaria acima da lei, e que protegeria o povo dos cônsules e aristocratas. Os tributos seriam sacrossantos, e nenhum homem da classe patrícia poderia ser um tribuno. Nos anos seguintes, os plebeus continuaram a desafiar o poder do Senado, e gradualmente houve um declínio no poder patrício conforme a plebe se tornava mais importante em questões políticas e legais, com alguns poucos deles se infiltrando nas classes dominantes de Roma. No entanto, o processo culminou quando os tribunos conseguiram pôr um fim ao que o Senado e os cônsules estavam fazendo. O uso mais dramático do poder de veto ocorreu em 445, quando os tribunos exigiram uma lei que permitisse aos plebeus concorrerem ao cargo de cônsul. Os patrícios contestaram agressivamente o projeto, mas os tribunos apenas vetaram cada ação do Senado até que os patrícios, enfim, desistiram e permitiram a criação de um novo tipo de magistrado, o “tribuno militar com poder consular”. Esse novo cargo estava aberto para os plebeus, e isso deu ao povo comum o cônsul que eles estavam buscando. Outro desenvolvimento importante que mudou o balanço de poder na República Romana foi a redução das leis à escrita. A tradição conta que três romanos foram enviados à Atenas para estudar as leis de Sólon, e quando voltaram, eles publicaram leis similares sobre doze pedras, chamadas Doze Tábuas. Apenas fragmentos dessas leis permaneceram, mas eles geralmente proviam o devido processo da lei, enquanto padronizavam as penalidades para vários tipos de crimes. As Leis das Doze Tábuas formaram a base para a lei civil romana, ou seja, as leis que diziam respeito aos cidadãos. Essa lei cresceu em importância com o tempo, pois conforme o império se expandiu, ela se aplicou naturalmente a todos os seus domínios. Na Idade Média, estudiosos redescobriram a lei romana e a usaram, em combinação com os conceitos bíblicos de jurisprudência, como base para a maior parte da lei dos países europeus, fazendo assim da Lei Romana um dos componentes mais importantes no desenvolvimento da civilização ocidental.


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A Batalha pela Sicília: Conforme Roma lutava para estabilizar sua forma republicana de governo, uma crise diferente começou a fermentar na ilha da Sicília, onde um ditador chamado Hipócrates subiu ao poder em Gela, uma cidade grega alguns quilômetros a oeste de Siracusa. Formando uma aliança com certos líderes gregos, Hipócrates lançou um ataque sobre Siracusa, tomando o controle da cidade, e se estabelecendo como o mais poderoso governante da ilha. Hipócrates tinha ambições maiores do que apenas Siracusa, enquanto imagiva “libertar” toda a Sicília do controle de Cartago, e colocá-la totalmente sob controle grego. Uma vez estabelecido o seu governo sobre Siracusa, ele lançou uma campanha contra os postos avançados cartagineses no oeste da ilha. Hipócrates, porém, encarou desafios significativos, primeiro porque a própria Cartago tinha há muito previsto a possibilidade de um ataque pelos gregos, e já tinha comissionado um de seus mais famosos generais, Amílcar, para recrutar um exército capaz de repeli-los. Além disso, os tiranos de três grandes cidades da ilha, Selina, Ímera e Régio, recusaram ajudar Hipócrates, e na verdade, se aliaram com os cartagineses contra ele. A guerra estourou em 491, mas Hipócrates foi morto em batalha, e o governo de Siracusa passou para Gelo, seu comandante militar, que fundou a chamada Dinastia Dinomênida, nomeada por causa de seu pai, Dinómenes. Enquanto isso, a Grécia Continental e a Jônia estavam presas em um conflito com a Pérsia, Gelo fez de Siracusa a maior cidade, a mais rica, formidável, e com mais cultura grega no mundo. Ao mesmo tempo, ele manteve a política de seu predecessor para com Cartago, se esforçando por expulsá-los da Sicília, mas por Cartago possuir poder suficiente para resistir a um ataque direto, ele sabiamente evitou declarar uma guerra aberta. Invés disso, Gelo buscou ajuda de Esparta, esperando organizar um ataque conjunto contra os postos avançados fenícios. Esparta se recusou a ajudar, encarando a possibilidade de outra Guerra Persa, e Gelo teve de desistir do projeto por um tempo. Ainda assim, ele continuou a construir o poderio militar de Siracusa, antecipando um conflito futuro.


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Em uma espécie de reviravolta irônica, Esparta e as outras cidades gregas apelaram para Gelo alguns anos mais tarde, esperando por ajuda contra o exército de Xerxes que se aproximava. Gelo poderia ter ido em sua ajuda, mas eles encaravam sua própria crise envolvendo a cidade grega de Ímera, no norte da ilha. Amílcar tinha invadido, e se preparava para um ataque à cidade estratégica, forçando Gelo a reunir suas forças para defender-se. Heródoto registra que a batalha em Ímera aconteceu no mesmo dia da Batalha de Salamina, provavelmente para criar o drama de que os gregos tiveram vitória em ambas. Enquanto Temístocles derrotou os persas para o horror de Xerxes, Gelo teve sucesso em defender a cidade de Siracusa, e o próprio Amílcar morreu em batalha. Como resultado dessa vitória, Gelo ganhou imensa fama e prestígio, e por um tempo foi considerado o homem mais poderoso do mundo grego. Gelo morreu apenas alguns anos mais tarde, e foi sucedido em 478 por Hierão I, que tinha sido o ditador de Gela. Hierão estava determinado a continuar a política de crescente proeminência grega, tanto militar quanto culturalmente. Enquanto investia em um exército ainda mais poderoso, ele também buscou a ajuda de poetas e escritores gregos, como Píndaro, Baquílides, e Simônides, para trazer o melhor da civilização grega à sua cidade. Os cartagineses viam tudo isso com pouco entusiasmo, e começaram a renovar suas alianças com os etruscos na intenção de resistir ao crescimento do poder grego. Os etruscos tinham estado em constante conflito com os gregos pela Itália continental desde o sexto século, mas se juntando aos cartagineses em 474, eles lançaram um ataque feroz contra Cumas, uma cidade grega há poucos quilômetros ao sul da costa de Roma. Hierão juntou suas forças para proteger o porto, enviando uma grande frota que expulsou o ataque, e assegurou sua posição contra os etruscos e cartagineses nos anos seguintes. Hierão morreu em 467, e no ano seguinte, o seu irmão, Trasíbulo, tentou sucedê-lo, mas Siracusa e muitas outras cidades da Sicília tinham se movido em direção a um governo mais democrático, em grande parte por causa da influência de Péricles, governante de Atenas na época. Os siracusanos expulsaram Trasíbulo, se unindo a muitos outras cidades da Sicília que tinham igualmente trazido um fim a suas ditaduras, e substituído-as por assembleias de estilo ateniense. A Ascensão do “Império” de Siracusa: Cartago também experimentou o governo constitucional por um tempo, levando ao


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exílio a família mais poderosa, os magônidas, que incluía Amílcar e seus dois filhos, Hano e Gisgo, assim como o filho de Gisgo, Aníbal. Todos eles foram forçados a se mudar para a Sicília, onde eles se estabeleceram em Selino, uma cidade grega mais tarde destruída por Aníbal. O experimento cartaginês com o governo republicano não durou muito, e apenas alguns anos depois Aníbal retornou, e rapidamente reinstalou o nome de sua família. Não está claro se ele foi capaz de mobilizar apoiadores na cidade, ou se foi apenas o sentimento anti-magônida que simplesmente esfriou, mas, de qualquer forma, Cartago ficou presa em uma controvérsia entre os tradicionalistas que advogavam um estilo de política “mercantil”, e os novos líderes que achavam que Cartago deveria ser um poder militar como os seus vizinhos. Os tradicionalistas preferiam uma rede de rotas navais independentes conectadas por postos comerciais, mas os outros exigiam uma estrutura mais imperial, com possessões territoriais, e um forte exército. Aníbal e a família magônida apoiavam a última. Aníbal e seus seguidores prevaleceram, embora não haja dúvidas de que o próprio Aníbal também estivesse motivado pessoalmente por um desejo de se vingar pelas perdas sofridas em 480 por seu avô Amílcar, em Ímera. Uma vez tendo assegurado uma posição de controle na política de Cartago, ele imediatamente se preparou para renovar um ataque contra os gregos na Sicília, mas naquele exato momento, ele encontrou uma ajuda inesperada de uma fonte que o surpreendeu. Teve início em 428, quando os atenienses enviaram um esquadrão de vinte navios para a Sicília, supostamente para defender uma de suas cidades contra um ataque das forças aliadas a sua arqui-inimiga, Esparta. Os atenienses voltaram em 416, trazendo uma frota maior com navios de guerra em sua expedição contra Siracusa. Conforme Atenas continuou a pressionar Siracusa com um cerco, a cidade apelou para Esparta pedindo ajuda, e, em resposta, eles enviaram uma pequena força sob o comando de um brilhante almirante espartano, Gílipo, sob o comando de quem os atenienses foram expulsos em 414, como visto no capítulo anterior. A despeito dos eventuais sucessos de Siracusa, o ataque tinha abalado sua confiança, e Aníbal decidiu testar sua confiança em 409 quando levou o exército cartaginês à Sicília. Primeiro, ele tomou a cidade de Selino, onde ele fora exilado anteriormente, e então marchou para o nordeste e destruiu a cidade de Ímera. A estratégia de Aníbal era simples, mas muito eficaz, já que ele contava menos com o valor de seus homens, e mais com a expertise técnica. Ele trouxe torres de cerco enormes, como as que os fenícios tinham visto os assírios usarem, e as enviaram direto aos muros, e no topo delas ele colocou arqueiros e atiradores de funda para limpar a cidade de qualquer um que ousasse aparecer. Os gregos não tinham armas com as quais resistir a essas fortalezas em movimento, e eles ficaram tão horrorizados com a visão desses


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monstros que, como em Ímera, apenas fugiram da cidade pela porta dos fundos e navegaram para longe. Depois de tomar Ímera, Aníbal liderou suas forças para a rica cidade grega de Ácraga, mas lá sua sorte mudou. A cidade era naturalmente defensável, com profundas ravinas ao norte e o rio Hispas protegendo o acesso pelo sul. Quando Aníbal tentou se aproximar pelo norte, ele perdeu duas de suas grandes máquinas de cerco nos abismos protetores que bloqueavam o caminho. Seu único acesso possível era pelo sul, mas isso requeria preencher o leito do rio. Embora suas tropas relutassem em obedecer, eles esperavam com expectativa que os deuses se revoltariam contra tal sacrilégio, e veio a ocorrer que seus medos se justificaram. Logo após a dessacração, um relâmpago partiu uma das tumbas roubadas, e embora Aníbal visse o sinal com desdém, seus soldados pensavam de forma diferente, em especial quando uma epidemia estourou apenas alguns dias depois varrendo centenas, incluindo o próprio Aníbal. Apesar de no fim ele ter sido derrotado, o ataque de Aníbal produziu um efeito dramático nas cidades da Sicília, que por alguns anos tendiam para uma forma de governo mais democrática. A ameaça cartaginesa ensinou que uma liderança forte e eficiente era essencial, e que a democracia era muito lenta para lidar com o desafio e crise imediatas. Era hora de um forte ditador, e em 405, Dionísio, o genro de Hermócrates, conseguiu ganhar a eleição como ditador de Siracusa e comandante das forças militares. Ele reuniu mercenários de todos os cantos, roubando os tesouros dos templos para pagá-los, mas ao mesmo tempo manteve um forte elemento pessoal em seu governo, nunca permitindo ser chamado de rei, mas sempre mantendo a aparência de democracia. Ao mesmo tempo ele investiu pesadamente no aparado de guerra, desenvolvendo máquinas sofisticadas, e aperfeiçoando estratégias anfíbias e defensivas. Depois da morte de Aníbal, o comando do exército de Cartago caiu sobre um homem chamado Himilcão, que continuou a nutrir o sonho de que toda a Sicília poderia ser submetida ao domínio cartaginês. Ele liderou uma segunda campanha agressiva para tomar a ilha, marchando primeiro para Gela, onde eles derrotaram a força complementar de Siracusa. De lá eles partiram contra a cidade vizinha de Carnarina, enfim voltando seus olhos em direção à Siracusa, o maior assentamento grego, e a única cidade que poderia disputar pela posse da ilha. Sua campanha tem sido considera um consistente sucesso, e parecia ser apenas uma questão de tempo antes que Siracusa também caísse. Porém, por motivos que permanecem obscuros, Himilcão não trouxe suas grandes armas de cerco contra Siracusa, mas, de forma inesperada, envio emissários aos muros da cidade propondo uma trégua com Dionísio. Historiadores continuam intrigados pelos seus motivos, embora alguns acreditem que, novamente, a “ira dos


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deuses” caiu sobre os cartagineses, sendo eles atingidos por outra epidemia. Dionísio rapidamente concordou com a oferta, e provavelmente foi salvo de uma catástrofe ao fazê-lo. O tratado resultante garantia para Cartago a possessão de praticamente todas as cidades que tinha tomado, o que correspondia a quase dois terços da ilha. Dionísio pode ter perdido seu cargo no processo, mas tinha, de forma sagaz, incluído no tratado uma cláusula sobre seu governo absoluto sobre Siracusa, que continuava sendo a mais poderosa de todas as cidades gregas. Acontece que essa provisão custaria aos cartagineses muito sangue, suor e dinheiro pelos próximos 100 anos, já que Dionísio estava determinado a vingar sua própria honra lançando uma nova campanha para banir Cartago da ilha. Ele lançou uma campanha de propaganda pintando Cartago como a maior inimiga da Grécia, e insistindo que expulsá-los da ilha era o principal objetivo nacional. Cartago suportou a afronta ao seu tratado por alguns anos, mas finalmente retaliou em 398, atacando a Sicília novamente sob o comando de Himilcão. Dionísio a princípio repeliu a invasão, tendo alguns sucessos espetaculares, mas, finalmente, Himilcão o rechaçou com uma série de ataques rápidos. Dionísio se viu mais uma vez cercado em sua própria cidade, mas então, quando parecia que Siracusa sucumbiria, os deuses furiosos pareceram intervir novamente, infligindo sobre Cartago uma epidemia similar à malária ou tifo. Dionísio aproveitou a oportunidade, atacando e destruindo os cartagineses quando eles estavam com sua maior baixa. O próprio Himilcão estava entre os poucos que escaparam, mas quando ele voltou para casa em Cartago, ele imediatamente começou a parar de comer até a morte em remorso pela sua derrota. O sucessor de Himilcão, Mago, fez outra tentativa na ilha em 392, mas novamente seu sucesso foi limitado. Enfim, uma trégua entre Siracusa e Cartago deixou esta última com cerca de um terço do território ao oeste, enquanto Siracusa controlava o resto. Dionísio foi, por alguns anos, o maior entre todos os governantes do mundo grego. Ele despachou uma grande delegação aos Jogos Olímpicos em 388, ao mesmo tempo em que atacou e devastou uma grande parte do território no sul da Itália, derrotando até mesmo uma força de coalizão liderada pelos romanos, que tinha sido organizada para resistir ao avanço. Dionísio continuou a pressionar para o norte, tomando Régio depois de onze meses de cerco, e de lá estabelecendo colônias tão longe quanto os Bálcãs, derrotando o governante mais poderoso da região, Rei Alcetas de Molóssia. O crescimento do poder de Dionísio não causou menos preocupação em Atenas, em grande parte porque Dionísio parecia exibir um viés distintamente pró-espartano, no mesmo momento em que Atenas estava lutando para se libertar dos efeitos das perdas na Guerra do Peloponeso. Esperando influenciar Dionísio, Atenas enviou o filósofo Platão em uma missão diplomática para a cidade de Taras (mais tarde chamada Taranto) em 387. Taras nessa época era governada por um líder pró-


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Ateniense chamado Arquitas, e ele vinha lentamente transformando Taras em um centro de cultura grega. Ele era tão amado por seu povo, que fora eleito por sete vezes, e tinha se distinguido como um homem de elevada moral, gentil bondade, autocontrole e rigoroso asceticismo. Arquitas estava entre os mais proeminentes e capazes membros da escola filosófica nomeada por Pitágoras, e era ele mesmo um matemático de distinta habilidade, assim como um mestre em acústica e teoria musical. Acima de tudo, Arquitas era um profundo admirador de Platão, e recebeu o filósofo em sua corte com toda a cortesia e honra. Da sua parte, Platão ficou muito impressionado com Arquitas, tanto que alguns argumentam que a visão de Platão de um rei-filósofo ideal, representado na República, provavelmente foi inspirada pelo seu reconhecimento de Arquitas. Platão certamente fez uso de Arquitas em alguns de seus escritos matemáticos, e pode ter sido Arquitas quem aconselhou Platão a fundar a sua Academia em Atenas alguns anos mais tarde. A razão principal para Platão visitar Taras não era, entretanto, apenas para participar de admiração mútua com Arquitas, mas principalmente para tentar influenciar Dionísio em direção a uma política mais parecida com algo pró-ateniense. Arquitas planejou apresentar Platão para Dionísio e à sua corte em Siracusa, e o relato sobre isso está registrado na Sétima Carta de Platão. Platão fez o maior esforço possível para influenciar Dionísio, mas as negociações pareceram ter um sucesso limitado, na medida em que Dionísio era impaciente demais para levar a sério o que ele considerava serem teorias não práticas e excessivamente espirituais da parte de Platão. Dionísio continuou sendo muito mais utilitário e militarista, determinado a continuar suas guerras de conquista e expansão. Platão retornou para casa, em certa desgraça, mas como veremos, ele pode ter tido um impacto maior sobre o pensamento de Dionísio do que ele estava sabia no momento. Dionísio continuou sua campanha de expansão e conquista, lançando outro ataque contra os cartagineses em 383, Mago I foi morto em batalha, mas cinco anos mais tarde, o próprio Dionísio sofreu uma derrota esmagadora pelas mãos do filho de Mago na Batalha de Crônio. A perda representava um grande revés para o governante siracusano, e como resultado, ele foi forçado a pagar grandes reparações a Cartago, a retratar suas fronteiras, e a desistir do território siciliano a oeste do Rio Alico, que formava a fronteira natural da ilha. Apenas dois anos depois, Atenas derrotou a marinha espartana em Naxos, e como resultado imediato, cerca de 70 cidades-estado se revoltaram contra o domínio espartano.


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Esparta pediu ajuda para Dionísio, desesperada, mas ele tinha sido tão enfraquecido pelas perdas para Cartago que não pôde responder de imediato. Finalmente, em 373, ele enviou a ajuda que pôde, mas Esparta era incapaz de recuperar seus territórios mesmo com ajuda. O próprio Dionísio mudou de lado para Atenas em 369, e isso resultou em uma melhora dramática na relação entre as duas cidades, tanto que os atenienses conferiram a Dionísio o título honorário de “Arconte da Sicília”. As duas cidades fizeram um tratado em 368, e no ano seguinte, Dionísio foi capaz de realizar um de seus maiores sonhos, sendo reconhecido como um poeta trágico, e sua peça O Resgate de Heitor, ganhou o prêmio no festival ateniense de Leneias. Dionísio ficou fora de si de tanta alegria, mas infelizmente a comemoração ficou tão fora de controle de que ele parece ter morrido de tanto beber no ano seguinte, embora alguns historiadores suspeitem que ele pode ter sido envenenado por seu filho e sucessor, Dionísio II. No momento de sua morte, Dionísio estava envolvido em mais uma guerra contra Cartago, a quarta. Ele nunca tinha obtido uma vitória clara contra seu arqui-inimigo, e assim foi incapaz de realizar seus planos ambiciosos na Sicília. Cartago ainda possuía, junto com seu território inicial, as cidades gregas de Selino, Heráclia, Minos e Minera, e grande parte de Acraga. Ainda assim, ele tinha expandido suas possessões de forma impressionante, e na época de sua morte em 366, ele controlava um império que se estendia até Córsega. Dionísio II continuou por pouco tempo a guerra de seu pai, mas ele logo fez paz com Cartago nos mesmos termos que seu pai tinha concordado na terceira guerra. O tratado foi baseado, novamente, na fronteira ao longo do Rio Alico. O principal conselheiro de Dionísio II foi Dião, cunhado de Dionísio I, e grande admirador de Platão. Esperando encorajar Siracusa a ter uma relação mais próxima com Atenas, Dião convidou o grande filósofo para visitar mais uma vez a Sicília, imaginando que um pouco do prestígio de Platão poderia cair sobre Dião, ou até mesmo que Dionísio poderia se tornar outro modelo para o celebrado rei-filósofo de Platão. Platão viajou com relutância para a Sicília uma segunda vez, e começou a tutorar Dionísio, mas o governante de Siracusa provou ser um estudante sem disposição, um que se ressentia muito da insistência de Platão de que os assuntos de estado deviam começar com o estudo da geometria! Dionísio ficou tão desgostoso com que aprendeu sobre os pontos de vista místicos e discipulado não prático de Platão que ele exilou Dião baseado em acusações exageradas de que o conselheiro estivera conspirando com os cartagineses para derrubar Dionísio.


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O exilado Dião se juntou a Platão em sua viagem de retorno à Atenas, e permaneceu lá por cinco anos, ao fim dos quais Platão arriscou uma terceira visita à Sicília baseado nos pedidos de seu amigo, Arquitas, que esperava que Platão pudesse influenciar Dionísio a chamar novamente Dião do exílio e restaurá-lo à sua posição em Siracusa. Platão chegou à Sicília em 361, mas seus esforços novamente não tiveram sucesso, tanto que Dionísio na verdade prendeu e deteu Platão, apenas o libertando quando Arquitas em pessoa interveio em seu favor. Percebendo que ele nunca se reconciliaria com seu antigo mestre, Dião tomou uma rota diferente, lançando uma expedição contra Siracusa em 357. Uma pequena força chegou no momento em que Dionísio fazia uma campanha no sul da Itália, e a cidade prontamente se rendeu a Dião, tendo vindo a se ressentir do estilo de governo despótico de Dionísio. Dionísio não estava em posição de retomar a Siracusa de imediato, e ele permaneceu no sul da Itália, governando a cidade de Locri Epizefiri. Porém, apenas três anos mais tarde, o próprio Dião foi assassinado, tendo governado em um estilo um pouco melhor que o de Dionísio. Após a morte de Dião, Dionísio retornou à Sicília e em 347 ele retomou Siracusa. Apenas dois anos mais tarde, Dionísio encarou outra crise quando os siracusanos rebeldes conseguiram bloqueá-lo no porto quando ele preparava uma curta campanha. Incapaz de escapar, Dionísio apelou pela ajuda de Icetas, o ditador de Leontini, e este, por sua vez, apelou a Cartago, que se viu ajudando o homem contra o qual tinha batalhado por tantos anos. Porém, o interesse de Cartago estava focando em derrubar a cidade de Siracusa e seus líderes atuais, e para esse fim ela estava disposta a ajudar até Dionísio. Quando os rebeldes souberam que eles estavam enfrentando uma missão de resgate de Cartago, eles imediatamente apelaram para Corinto, que por sua vez, enviou um de seus almirantes mais competentes, Timoleão, que tinha liderado suas forças para a Sicília, expulsado Icetas, e mantido Dionísio cercado como um prisioneiro em seu porto. Dionísio enfim foi expulso da Sicília, e levado de volta a Corinto, onde ele permaneceu exilado por muitos anos. Timoleão então estabeleceu um tipo de oligarquia nos moldes espartanos em Siracusa, enquanto ao mesmo tempo lançava um programa de reconstrução social. Ele trouxe 60.000 colonos de outras partes da Sicília, sul da Itália, e Grécia, e lançou uma série de campanhas contra os ditadores remanescentes. O mais proeminente deles era Icetas, que novamente solicitou ajuda de Cartago. Icetas se juntou ao general cartaginês Mago II, e em uma série de campanhas, os dois foram capazes de afastar Timoleão, mas por motivos que permanecem desconhecidos, Mago II abandonou a campanha em 343 e apenas se retirou. Dois anos depois, Cartago fez um ataque final contra Timoleão, enviando Asdrúbal e Amílcar II, com 70.000 homens, 1000 tropas de transporte, e 200 navios, mas estes foram derrotados novamente, embora dessa vez Timoleão tenha sido ajudado por grandes inundações que impediram o avanço dos cartagineses. Timoleão e Cartago assinaram uma trégua em 340, novamente demarcando a linha divisória do Rio Alico. Cartago se retirou para sua fronteira, e Timoleão então continuou sua campanha


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contra os ditadores que foram deixados sem ajuda de Cartago. Entre eles estava Icetas, que finalmente foi capturado e executado junto com sua esposa e família. Nos anos que se seguiram, as ilhas gregas e os cartagineses começaram a trabalhar juntos, e como resultado a Sicília floresceu, com os oligarcas governantes de ambos os lados optando por não prejudicar suas lucrativas relações comerciais com futuros experimentos nacionalistas. Contudo, mais ou menos nessa época, acontecimentos em outros lugares começaram a ter seus efeitos, que fariam o conflito entre Cartago e a Sicília diminuírem em importância. Alexandre, o Grande, partiu para conquistar a Pérsia em 336, e com isso começava a Era Helenística, um tempo que mudou completamente o cenário do Oriente Próximo de maneiras que exploraremos melhor no próximo capítulo. Ao mesmo tempo, Roma começou a flexionar seus músculos de um modo que posteriormente levaria Cartago a um conflito novo e maior, a Primeira e a Segunda Guerra Púnicas, que serão discutidas no próximo capítulo. Roma Começa a Crescer: Durante os anos de conflito entre Cartago e as cidades gregas da Sicília, Roma tinha continuamente crescido em força, embora pelo ano de 400 ela ainda não parecesse muito uma ameaça além de sua vizinhança imediata. Certamente, do ponto de vista de Cartago, a ideia de que Roma um dia se tornaria uma ameaça a suas próprias forças armadas teria sido quase impensável. Quando Aníbal lançou seu primeiro ataque à Sicília, Roma parecia uma modesta cidade no Tibre, mesmo que ela estivesse lentamente expandindo seus domínios. Roma lançou sua campanha mais audaciosa em 406, fazendo cerco à cidade etrusca de Veios, um poderoso centro comercial cerca de 16 quilômetros ao norte. Veios era naturalmente defensável, e era protegida por uma aliança etrusca, que incluía a cidade de Tarquínia. O cerco de Veios alegadamente durou dez anos, mas em 396, a cidade caiu, e com essa vitória, Roma praticamente dobrou de tamanho, e ainda ganhou uma grande quantidade de despojos. Mesmo nessa época, Roma não parecia digna de comparação com as grandes cidades-estado do sul da Itália e Sicília, e Cartago não via razões para se preocupar com tão modesto poder militar. Depois da queda de Veios, a ameaça romana poderia ter ganho maior força não fosse o fato de a cidade ter enfrentado uma grave crise de origem inesperada, o que atrasou de forma significativa sua expansão. Os gauleses, um povo celta que estava migrando para o oeste vindo da Europa Central, varreu toda a Itália perto do ano 390, em um ataque tão veloz e inesperado que os exércitos romanos debandaram. Liderados pelo brilhante chefe gaulês Breno, os gauleses forçaram os romanos a se refugiar na cidadela, na qual eles ficaram sob cerco por sete meses. Durante esse período, muitas cidades vizinhas declararam sua independência de Roma,


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enquanto outras permaneceram leais, finalmente concordando em unir forças sob o general Marco Fúrio Camilo, o herói da Batalha de Veios e o ditador atual de Roma. Lívio registra que em um momento dramático, bem na hora em que os romanos pagavam em ouro um preço acordado por sua própria liberdade, Camilo apareceu, negando que a trégua fosse válida, já que tinha sido feita sem a aprovação do ditador. Ele então atacou e expulsou Breno e os gauleses, depois disso reinstalando o governo romano nas cidades que tinham se revoltado. Enquanto a ameaça gaulesa desacelerou o crescimento romano, a república ainda assim continuou a consolidar sua organização interna pelos 50 anos seguintes, criando o cargo de Pretor em 366, que se tornou o mais proeminente cargo judicial de Roma. O Senado, cada vez mais populado por cônsules aposentados, possuía uma vasta e estabilizante influência, mesmo que não possuísse autoridade oficial. Duas assembleias do povo se formaram nesses ano, ambas eram dominadas por patrícios. A primeira, Comitia Curiata, tinha fundação tribal, enquanto a outra, Comitia Centuriata, refletia o status militar. A plebe também aproveitava de maior reconhecimento, especialmente em 366, quando o tribuno, G. Licínio Estolão se tornou o primeiro plebeu a ser eleito cônsul. A partir desse momento uma tradição se desenvolveu, de que um dos dois cônsules deveria ser sempre plebeu, e que os plebeus também poderiam concorrer ao cargo de Pretor. Em uma série de disputas com os vizinhos samnitas e latinos, Roma gradualmente estendeu suas fronteiras, usando tanto estratégias militares quanto diplomáticas para aumentar sua influência, até que em 338 ela tinha formado uma comunidade de estados que, na verdade, foram incorporados por Roma e receberam limitado poder político. Conforme alguns desses estados vizinhos ganhavam um status de cidadania plena, Roma se expandiu ainda mais e começou a estabelecer colônias, demostrando a incrível flexibilidade que serviria à República de forma tão eficiente nos anos vindouros.


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Capítulo 9

O Mundo Helenista (323 a.C. a 200 d.C.)

Com a morte de Alexandre, o Grande em 10 de junho de 323, o Oriente Próximo mudou para sempre. O “império” de Alexandre era enorme, mas instável. Os antigos regimes do passado não haviam sobrevivido, e o último e grandioso império, Roma, ainda não havia estendido sua autoridade além de suas próprias fronteiras. Por cerca de duzentos e cinquenta anos, todo o mundo mediterrâneo convulsionou através de um complexo período entre a antiga ordem, de um lado, e o mundo romano unificado dos tempos do Novo Testamento, do outro. Da perspectiva bíblica esse período foi silencioso, exceto por certas predições encontradas no livro de Daniel, mas sua importância na criação das condições do pano de fundo para o primeiro século d.C. não pode ser subestimada. Mesmo o leitor casual do Novo Testamento imediatamente é confrontado pela variedade de estruturas sociais, poderes, partidos, e forças, todas com suas raízes no período anterior, que incluía tudo, desde uma autoridade romana generalizada à influência cultural da língua e pensamento gregos, para não dizer a extensa influência religiosa e comercial judaica. Em todas essas áreas, o Novo Testamento traz um constante testemunho dos grandes temas da era precedente. A Era Helenística88 é algumas vezes chamada de Período Intertestamentário por que se estende desde Malaquias até o aparecimento de João Batista. Durante esse tempo, a influência generalizada da cultura grega se espalhou por todo o Oriente Próximo, cortesia de Alexandre, que tinha introduzido o mundo à família da Grécia com dramática eficiência. Em sua morte, os vastos domínios de Alexandre foram divididos entre seus comandantes militares, e embora eles posteriormente se tornassem governantes independentes, eles nunca abandonaram a cultura ou perspectiva grega. Com o passar do tempo, todo o mundo veio a refletir os traços distintos da 88 “Helenística” deriva da palavra grega para Grécia, “Hellen” (ἐλλήν).


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visão grega. Os governantes helenistas não apenas se esforçaram para estender o seu próprio poder, mas eles também davam muita atenção à sua imagem pública, esperando conquistar apoio e a lealdade de seus súditos. Era feito amplo uso do entretenimento público, “pão e circo”, cortes extravagantes, e imenso espetáculo. Em Alexandria, a imponente biblioteca e museu eram peças centrais de cultura grega. Onde quer que novas cidades fossem fundadas, elas apresentavam um distinto desenho grego, e a maior parte deles eram feitos com muito cuidado, empregando detalhes geométricos e sempre destacando o ginásio grego, o mais famoso símbolo do estilo de vida grego. Embora as cidades-estado normalmente mantivessem algum tipo de independência democrática, elas ainda assim estavam sob o domínio de um rei. Na Grécia continental, as cidades se uniam em alianças defensivas, e Atenas continuava a ser um centro de aprendizado e estudo. Outras cidades podiam desenvolver suas formas distintas de culto ao rei, conforme os monarcas começavam a acentuar a relação entre eles e os deuses. Algumas cidades-estado gregas se tornaram extraordinariamente prósperas, como Siracusa e Alexandria. Outras permaneciam estáveis, se não fossem tão prósperas, em parte porque adotavam uma forma de governo mais tradicional, como a oligarquia ou a tirania. O próprio Alexandre favorecera fortemente a democracia, e a estabelecera sempre que possível. Na verdade, de algum modo, o quarto século poderia ter sido um candidato melhor a ser chamado de “era de ouro” do que o quinto com relação à democracia ateniense. Na própria Atenas, o governo popular continuou em bom estado, e por todo o Oriente Próximo, o governo participativo e a crescente interação econômica uniram as cidades helenistas. Grande parte do mundo via a política e cultura gregas como superiores aos duros regimes ditatoriais dos tempos anteriores, e isso facilitava a absorção das ideias gregas conforme os costumes locais davam espaço à aparente sofisticação dos “invasores” helenistas. Os governantes gregos tiveram, de forma previsível, relações complicadas com as populações nativas de seus respectivos domínios. No Egito, por exemplo, muito ressentimento começou a se desenvolver entre os governantes gregos e os egípcios locais, em grande parte porque a cultura helenista tendia a ser elitista, e requeria que uma pessoa assimilasse totalmente a língua e cultura gregas à fim de ganharem a aceitação entre as classes sociais mais altas. Aqueles que abandonavam suas tradições para se tornarem “gregos” eram vistos como traidores por sua família e amigos. Aqueles que permaneciam leais à sua cultura eram vistos como “atrasados”, ou “bárbaros” pelos gregos.


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Enquanto a cultura grega deixava sua marca inconfundível no mundo, não havia como escapar do efeito do mundo sobre a cultura grega, a qual, em suma, se tornava gradualmente “diluída”. A elevada língua grega pouco a pouco se deteriorou em um dialeto menos sofisticado, koiné, “o grego da rua”, a forma utilizada no Novo Testamento. A arte também se tornava mais “terrena” e seu conteúdo sexual mais livre. O novo foco era inevitavelmente mais humanista e individual, com peças e literatura cada vez mais preocupados com a família e romance do que com os grandes temas da política e estado. O foco prático do período despertou as grandes realizações da ciência, na medida em que alguns dos pensadores mais imponentes da história exploravam as fronteiras do conhecimento humano. A geometria de Euclides e a física de Arquimedes deixaram marcas indeléveis na ciência subsequente, embora em muitos casos o trabalho teórico tenha excedido a capacidade confirmatória, como visto por Aristarco de Samos, que cerca de mil anos antes de Copérnico tinha sugerido que a Terra girava ao redor do Sol. O astrônomo mais importante da época era, é claro, Apolônio, que trabalhou para elaborar um sistema geocêntrico, em grande parte expandido e seguido e por Ptolomeu (c. 83 – 161 d.C.), cujas observações permaneceram sendo boa ciência até Copérnico. Ao dar prioridade à observação em lugar da razão, o progresso prático era alcançado em disciplinas como medicina, com trabalhos, por exemplo, de Herófilo de Calcedônia e Erasístrato de Coé, que fazia dissecação em pessoas vivas (criminosos) e expandiu em grande parte o conhecimento médico. Muito do seu trabalho pavimentou o caminho para Galeno, o maior dos médicos gregos, no século segundo d.C., que escreveu de forma extensa baseado na dissecação de animais e no tratamento de gladiadores feridos. Na religião, a atitude cética também se estabeleceu, conforme muitos começavam a duvidar da realidade do panteão grego, trocando os deuses do Olimpo por “religiões de mistério” mais místicas e esotéricas, que descartavam qualquer verdade religiosa transcendental. Na filosofia, muitos foram influenciados pelo cinismo de Diógenes, que desdenhava da sociedade e cultura, e vivia a vida de um eremita em uma busca constante por “um homem honesto”. Os epicureus encontraram o único significado para a vida no nível dos prazeres, enquanto o Estoicismo arrazoava pelo equilíbrio emocional e inabalável virtude. Tudo isso compartilhava um tema comum, ou seja, todas as grandes buscas antigas da Grécia deviam se deter sobre temas mais corriqueiros, conforme a cultura dos grandes filósofos da história interagia com o mundo mais urbano e limitado daqueles a quem Alexandre conquistara. O Oriente: Os primeiros cinquenta a setenta anos que seguiram a morte de Alexandre têm sido muito difíceis de reconstruir pelos historiadores, embora o período certamente tenha tido um impacto significativo nos acontecimentos posteriores. A complicação primordial desses anos iniciais foi a própria falha de Alexandre em nomear um sucessor. Muitos têm debatido a influência que esse fato teve no fim das contas, mas, sem dúvida ele criou confusão, principalmente a curto prazo.


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Os problemas começaram quando Pérdicas, o principal comandante de Alexandre, assumiu a autoridade total dos vastos domínios logo após a sua morte. Agindo ostensivamente em nome dos dois herdeiros de Alexandre, seu filho Alexandre IV, e seu meio-irmão, Filipe III Arrideu, Pérdicas causou considerável hostilidade entre os outros generais, provavelmente porque seus motivos pessoais eram claramente ambiciosos. Veio a ocorrer que Pérdicas foi assassinado apenas um ano depois de assumir o comando enquanto tentava tomar o Egito das mãos de Ptolomeu, outro general de Alexandre. Depois da morte de Pérdicas, o vasto império de Alexandre começou a se fragmentar, com várias regiões caindo sob o controle de um diminuto número de seus mais proeminentes generais. Macedônia e Grécia permaneciam sob o controle de Antípatro, um regente que o próprio Alexandre apontara antes de iniciar sua campanha persa. A Trácia era governada por seu general, Lisímaco, embora quando confrontado com rebeldes locais ele tenha sido forçado a se comprometer de forma reduzir o seu poder. A Ásia Menor e a Anatólia eram governadas por Antígono, enquanto Laomedonte governava a Síria, e Meleagro, a Fenícia. As vastas regiões da Mesopotâmia e Índia foram dadas a Seleuco, que tinha sido o tenente em chefe do general mais brilhante de Alexandre, Ptolomeu, o homem que se tornou o governante do Egito. As relações entre esses comandantes eram, geralmente, complicadas e violentas, e os efeitos de longo prazo dessas disputas foi de importância extraordinária para a formação do mundo do Novo Testamento. Por propósitos de conveniência, a história de cada uma dessas regiões será delineada de forma separada. Macedônia e Grécia: Antípatro I (323 – 317): O lar de Alexandre na Macedônia, junto com os seus domínios na Grécia, caiu para Antípatro, um general a quem Alexandre apontara como regente de seus herdeiros. O governo de Antípatro foi desafiado antes mesmo da morte de Alexandre, quando ele foi forçado a lidar com várias pequenas revoltas entre os gregos, em especial com Atenas. O orador mais famoso daquela cidade, Demóstenes, continuava a fomentar um forte sentimento democrático contra seus senhores macedônios, tanto que mesmo o idoso filósofo Aristóteles foi forçado a deixar a cidade por causa de suas conexões anteriores com Alexandre, e sua longa amizade com Antípatro.89 Apesar da influência considerável de Demóstenes, a revolta anti-macedônica estava destinada a falhar. Quando a rebelião enfim culminou na Guerra de Lâmnia em 323, as forças revolucionárias de Demóstenes foram derrotadas, e depois disso Antípatro puniu os atenienses instalando uma oligarquia próMacedônia, e forçou os atenienses a condenarem Demóstenes à morte. O grande orador morreu à maneira de Sócrates ao tomar a fatal cicuta. 89 Aristóteles foi acusado de impiedade, assim como Sócrates havia sido, mas evitando o destino de Sócrates, ele se mudou, confiando a seu discípulo Teofrasto a supervisão do Liceu. Aristóteles foi morar em Cálcis, na Eubeia, mas morreu no ano seguinte, com uma saúde ruim.


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Percebendo que sua própria saúde falhava, Antípatro apontou um sucessor como regente em 319, mas ao fazê-lo, ele ignorou seu próprio filho, Cassandro, e nomeou um oficial mais velho, Poliperconte. Cassandro ficou indignado com a atitude. Quando Antípatro morreu apenas dois anos mais tarde, a mãe de Alexandre, o Grande, Olímpia, tomou o controle da Macedônia, ao que parece, na intenção de assegurar o governo da região ao seu neto, Alexandre IV. Poliperconte fugiu para a Grécia onde ele tentou reunir apoio contra Olímpia, abolindo as oligarquias próMacedônia e reinstalando a democracia. Embora alguns tenham apoiado Poliperconte, ele foi incapaz de ganhar apoio suficiente para derrubar os regimes oligárquicos já estabelecidos, ainda mais para lutar em uma guerra contra a Macedônia. Cassandro (316 – 298) Logo que Olímpia tomou o poder, ela matou o meio-irmão de Alexandre, Filipe III, planejando assegurar o controle do governo até que o jovem Alexandre IV atingisse a maturidade. Cassandro, no entanto, tinha seus próprios planos, e com a ajuda de Antígono, Lisímaco e Ptolomeu, ele atacou Olímpia no outono de 317, sitiando-a na cidade de Pidna. Na primavera seguinte ele conseguiu tomar o controle da Macedônia, condenando e executando Olímpia, e apontando um novo governador sobre Atenas, chamado Demétrio de Faleros. Alguns anos mais tarde Cassandro condenou o jovem Alexandre IV à morte, fazendo dele o governante inconteste da antiga terra natal de Alexandre. Cassandro encarou a maior ameaça ao seu governo em 309, quando Antígono se voltou contra ele e lançou seu próprio ataque ao sul da Grécia, enviando seu filho Demétrio em uma campanha com a intenção de “liberar” Atenas do controle macedônico. Demétrio conseguiu depôr Demétrio de Faleros e restaurar a democracia, esperando assim conseguir o apoio e a lealdade da família de Antígono. Ptolomeu I do Egito viu o movimento de expansão de Antígono com alarme, e no ano seguinte ele enviou seu próprio ataque ao Peloponeso, tomando o controle das cidades gregas de Sicião e Corinto. Ele esperava que o povo da península grega o viesse como um libertador contra o governo antigônio, e para cimentar sua reivindicação ele propôs casamento a uma descendente da família de Alexandre ainda viva, sua irmã Cleópatra. Ela aceitou a proposta, mas foi assassinada por Antígono em 308 enquanto viajava para o Egito por Sardes.


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O assassinato de Cleópatra marcou o fim de qualquer traço dos ideais originais de Alexandre. Um a um, os antigos generais se declararam reis, e cada declaração exigia a negação de legitimidade dos outros. Conforme Cassandro anunciou ser o rei da Macedônia, Antígono fez uma afirmação similar quanto à Ásia Menor. No Egito, Ptolomeu, agora com 63 anos, se proclamou Ptolomeu I Soter (Salvador), assim fundando uma linha de reis macedônios que governariam o Egito até a morte de Cleópatra VII, cerca de 300 anos depois. Seleuco tomou o título Seleuco I Nicátor (Conquistador), e estabeleceu a Dinastia Selêucida na Mesopotâmia e Síria. Assim as linhas foram traçadas entre os homens que tinham sido colegas militares. Ptolomeu manteve sua campanha grega apesar da morte de Cleópatra, mas em 306 Demétrio o derrotou na batalha naval perto de Salamina. O governante egípcio poderia ter persistido, mas ele achou que o povo do Peloponeso o havia dado apenas uma recepção morna, enquanto Antígono e Demétrio eram considerados, ambos, reis. Os atenienses até honraram os dois com estátuas de ouro, adicionando duas novas tribos à assembleia já existente, nomeandoas Antígono e Demétrio, respectivamente, e aumentaram a participação de membros na boulé de 500 para 600. Tudo isso convenceu Ptolomeu que seus planos no Peloponeso eram pouco promissores, e ele entrou em um tratado para apoiar Cassandro contra os Antígonos. Seguindo o sucesso no sul da Grécia, Antígono continuou sua expansão em 305, dessa vez enviando Demétrio contra Rodes na esperança de que ele pudesse leva-los à submissão. Ptolomeu novamente surgiu para resistir ao ataque, provendo suprimentos e manutenção para a cidade em batalha, o que deixou Demétrio sem alternativa a não ser abandonar a campanha, mas no ano seguinte, Demétrio capturou Cálcis, na Eubeia, conseguindo a ajuda da Liga Boécia. Com o suporte dessas vitórias, Antígono reinstalou a Liga Helenista em Corinto, baseada na liga organizada por Filipe da Macedônia em 338. Ele instalou Demétrio em seu próprio trono, esperando estabelecer uma área de onde pudesse tomar o controle do restante da Grécia. A sorte de Antígono e sua família mudou em 301, quando na idade de 81 anos ele foi derrotado e morto pelo exército combinado de Cassandro, Lisímaco e Seleuco. A batalha ocorreu em Ipsos, na Frígia, e representou uma grande mudança na política da Ásia Menor. Demétrio foi forçado a abandonar seus planos para a Grécia e retornar para casa, onde ele encarou ataques simultâneos da parte dos três. Por algum tempo, Demétrio lutou para manter o controle dos vastos domínios de seu pai, mas seus esforços, na maior parte, não tiveram sucesso, e desse tempo em diante, a Ásia Menor foi dividida entre múltiplos reclamantes cujas sortes subiam e se apagavam com o passar dos anos seguintes. O próprio Demétrio finalmente abandonou a região e retornou para o sul da Grécia, onde ele continuou a ser aceito como rei.


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Antípatro II (294 – 293) Cassandro morreu em 298, deixando sua viúva, Tessalônica, como regente de seus três filhos mais novos, Filipe IV, Antípatro II, e Alexandre V. Filha de Filipe II e meia-irmã de Alexandre, o Grande, Tessalônica era uma mulher de considerável competência, mas que ainda assim enfrentava grandes dificuldades, retendo o controle do reino de seu marido, e seus três filhos não ajudavam. Filipe, o mais velho, morreu logo após seu pai, e com sua morte os outros dois começaram a competir pela sucessão. Finalmente, em 294, Antípatro deu um golpe, assassinando sua mãe e expulsando Alexandre, seu irmão. Alexandre fugiu para a Grécia, onde ele buscou ajuda de Demétrio, ele próprio buscando uma desculpa para lançar uma campanha na Macedônia. Ele concordou em ajudar Alexandre, mas este logo descobriu que Demétrio o tinha enganado e tomado a Macedônia para si. Pego em uma situação insustentável, Alexandre se reconciliou com seu irmão, mas antes que pudesse retornar para casa, Demétrio o assassinou, alegando falsamente que Alexandre planejava derrubá-lo. Demétrio então prosseguiu com seu próprio ataque sobre a Macedônia, e Antípatro, temendo se encontrar com o poderoso invasor diretamente, fugiu para a Trácia, onde ele se refugiou com Lisímaco. O governante trácio tomou o controle para si, mas mais tarde o matou, permitindo a Demétrio que prosseguisse desimpedido com sua invasão da Macedônia. Demétrio foi proclamado rei da Macedônia em 293. Demétrio (293 – 288) Demétrio consolidou seu poder na Macedônia e Grécia por cerca de cinco anos, mas então decidiu que tentaria recuperar suas possessões perdidas na Ásia Menor. Deixando seu filho, Antígono II Gónatas, no controle da Macedônia, ele cruzou o Helesponto com seu exército para desafiar Seleuco, que tinha se tornado a presença mais dominante lá após a morte de Antígono. Demétrio foi capturado e aprisionado, e pelos próximos 11 anos, ele lentamente se embebedou até morrer. Com Demétrio fora do caminho, Lisímaco se aliou com Pirro de Épiro para invadir e dividir a Macedônia entre eles. Juntos eles atacaram e expulsaram Antígono II, que fugiu para o sul, na Grécia. Só então Pirro recebeu um apelo da cidade grega de Taras, no sul da Itália, para ajudar a defendê-los contra os romanos. Ele imediatamente partiu com seu exército, esperando estender seus domínios no oeste do Mediterrâneo. Ele foi ajudado pelo filho mais velho de Ptolomeu I, Ptolomeu Cerauno, que tinha sido deserdado por seu pai no ano anterior.


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Lisímaco (288 – 284) Tendo assegurado a Macedônia, Lisímaco deixou Cerauno no comando, e lançou sua própria campanha na Ásia Menor em um segundo desafio ao poderoso Seleuco. Depois de uma série de confrontos sangrentos, o próprio Lisímaco foi morto em 284 no campo de batalha de Corupédio, na Lídia. Ptolomeu Cerauno (284 – 279) A morte de Lisímaco provocou uma disputa pelo trono da Macedônia, e Cerauno trabalhou para manter o controle contra um ataque de Seleuco a partir do oriente e de Antígono II do sul. Com pouca esperança de sucesso em uma luta em duas frentes, Cerauno se rendeu para Seleuco, mas em setembro do mesmo ano, assassinou o governante sírio e se reassegurou sobre a Macedônia. Cerauno manteve sua posição até 279, mas ele finalmente foi expulso por Antígono, e dessa época até as Guerras Macedônicas no segundo século, a família Antígona governou sobre a Macedônia. Antígono II (279 – 239) Antígono fez sua própria tentativa de invasão da Ásia em 278, mas foi forçado a se retirar antes de prosseguir muito por causa de grandes ataques dos gauleses que estavam invadindo seu país pelo norte. Antígono os derrotou em uma batalha próxima à cidade de Lisimaqueia, na Trácia, mas apenas três anos depois, se viu atacado por Pirro, que tinha retornado de quase dez anos de guerra na Itália e estava tentando recuperar seu controle sobre a Macedônia. Embora Pirro tenha capturado uma grande área do domínio de Antígono, ele morreu só um ano depois em uma guerra contra os espartanos. Nos anos seguintes, Antígono se viu em batalhas constantes pelo controle da Grécia e Macedônia, a primeira das quais emergiu em 268, quando o sul da Grécia se rebelou, sob a liderança de Atenas. Esparta se juntou à revolta, assim como um grande número de outras cidades do Peloponeso, e até Ptolomeu II do Egito deu sua assistência aos rebeldes. No conflito que se seguiu, que veio a ser chamado de Guerra Cremonidiana, Antígono pouco a pouco reassegurou sua autoridade, e em 263, as forças de Ptolomeu tinham sido expulsas e o controle macedônio do continente, assegurado. Para prevenir problemas futuros, Antígono nomeou um ditador com mão de ferro sobre Atenas, um homem chamado Demétrio de Faléros, que era neto de governante de mesmo nome. Por oito anos Atenas padeceu sob o seu regime totalitário, mas finalmente negociou a reinstalação de uma democracia limitada em 255, quando Demétrio foi deposto.


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Duas vezes mais Ptolomeu desafiou Antígono em batalhas navais, mas em ambas as vezes os esforços não tiveram sucesso. Em 244, no entanto, uma revolta mais séria irrompeu quando certas cidades do Peloponeso, lideradas por Ágis IV (244-241), de Esparta, novamente tentou depor o governo macedônio. Ágis aparentemente tinha motivos genuínos por causa dos pobres da sua terra que estavam sendo explorados pelos ricos macedônios latifundiários. Ele expulsou o outro rei espartano, Leônidas, leal à Macedônia, e cessou o pagamento de tributos espartanos para Antígono. Aproximadamente no mesmo momento, um outro grupo de cidades da península grega se organizavam em uma coalizão conhecida como Liga da Acaia. Eles se juntaram a uma rebelião paralela sob seu líder, Arato, que atravessou a Ática em 242 esperando retirar Atenas do julgo de Antígono, e aliar-se à Liga. Antígono foi capaz de se aproveitar das divisões entre os gregos e reter o controla de Atenas e da maior parte dos seus domínios. Ele então retaliou enviando forças da Etólia para lutar em seu nome tanto na Acaia quanto no Peloponeso. Depois de uma dura luta, Antígono finalmente conseguiu recuperar o sul da Grécia, executando Ágis e reinstalando Leônidas, o pró-Macedônio, ao seu cargo de rei. Porém, Leônidas parece ter feito um sério erro tático, quando ele deu a esposa de Ágis em casamento ao seu filho, Cleômenes. Quando Cleômenes mais tarde se tornou rei de Esparta, ele refletiu muito do espírito de reforma de Ágis pela influência de sua esposa. Demétrio II (239 – 229): Antígono morreu em 239, o que trouxe seu filho Demétrio ao trono. A mudança de regime provocou uma renovação nas rebeliões no sul, e Demétrio tinha toda a sua atenção ocupada nas guerras com a Acaia e o Peloponeso. Sua situação se complicou ainda mias quando um antigo aliado, Etólia, se juntou à rebelião, e para piorar, quando os acarnânios, junto com outras cidades do norte, também atacaram o novo rei. Demétrio revidou com agressividade, e em 237 tinha tomado posse da Beócia e Mégara. Ele sofreu um revés quando em 231, Épiro se juntou à oposição. No ano seguinte, Demétrio foi derrotado pelos dardânios, e ele morreu logo em seguida, deixando a Macedônia em uma posição de grande fraqueza. Antígono III Dóson (229-222) Quando Demétrio III morreu, seu filho mais novo, Filipe V sucedeu ao trono, mas o governo foi temporariamente confiado ao primo de Filipe, Antígono III Dóson. Antígono imediatamente mostrou uma brilhante capacidade estratégica lidando com as invasões dos dardânios, etólios, e tessálios, e conseguiu não apenas superar esses desafios, mas também em trazer essas regiões de volta ao controle da Macedônia. Por meia dessa grande demonstração, Antígono foi coroado rei, embora o jovem Filipe tenha permanecido como seu filho adotivo e herdeiro. Uma consequência inesperada de sua campanha resultou do seu contrato com mercenários ilírios para desestabilizarem a navegação comercial no Adriático. Como veremos, ao fazê-lo, ele inadvertidamente convidou Roma à grande teia das disputas políticas macedônicas, uma consequência que mudaria para sempre a forma do mundo grego.


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O único outro desafio significativo encarado por Dóson foi despertado por Arato, que ainda era o líder da Liga Aqueia. Arato estava em uma situação difícil, tendo perdido a batalha contra Esparta e encarando uma crescente hostilidade de Atenas, que também tinha declarado sua independência da Macedônia. A Liga poderia se dissolver, mas em desespero, Arato apelou para Dóson, o que era irônico, dado que a inspiração para a formação inicial da Liga era a esperança de libertar a Grécia do domínio macedônio. Antígono Dóson respondeu de maneira favorável, revivendo a Liga Helênica de Filipe II e Demétrio I, e trazendo-a para dentro dos estados da Grécia Central assim como às cidades da Liga. Apenas Atenas e Esparta permaneceram independentes. Atenas ignorou as requisições macedônias com desdém, insultando-os ao assegurar a Ptolomeu III do Egito honras maiores que aquelas que tinham sido acordadas com a família de Antígono, e adicionando o nome de Ptolomeu ao panteão ateniense. No momento, Dóson ignorou Atenas e focou-se em Esparta e seu rei, Cleômenes. Depois de lutar várias batalhas inconclusivas, Dóson finalmente atacou os espartanos pela retaguarda em Selásia em 222, trazendo o Peloponeso totalmente sob o controle Macedônio. Ele desfez as reformas de Cleômenes e Ágis, e restaurou a constituição ancestral de Esparta exceto pela diarquia. Cleômenes fugiu para o Egito e apelou para Ptolomeu III para reinstalá-lo, mas Ptolomeu, apenas alguns meses depois, sucedido pelo jovem Ptolomeu IV Filópator (221 – 205). Os conselheiros do jovem Filópator desencorajaram qualquer desafio à Dóson, e o Egito negou ajuda a Cleômenes. O rei espartano mais tarde tentou um golpe, esperando derrubar Ptolomeu, mas foi morto no processo, e a revolta não deu em nada. Demétrio também morreu no mesmo ano, o que trouxe Filipe V ao trono. Filipe V (222-179) Filipe V ascendeu ao trono com a idade de 17 anos, e passou os quarenta anos seguintes tentando recriar a antiga supremacia macedônia, embora seus esforços tenham sido infrutíferos, em grande parte por causa do aumento da dominância romana no mundo grego. Quando ele ascendeu ao trono, Filipe foi desafiado por seus súditos gregos em um conflito que foi chamado de A Guerra Social (220-217), chamada assim porque envolvia seus aliados, os etólios, espartanos, e eleus. O conflito continuou sem conclusão por mais alguns anos, mas em 217, a sua carreira mudou completamente. Filipe recebeu uma correspondência alertando que Aníbal, que invadira a Itália em 218, tinha obtido uma vitória dramática sobre os romanos no Lago Trasimeno.


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Filipe viu o acontecimento inesperado como uma oportunidade para bem mais do que o mero domínio sobre a Grécia. Primeiro, ele mostrou a carta para seu conselheiro de confiança, Demétrio de Pharos, que tinha chegado à corte de Filipe dois anos antes, quando os romanos tinham derrotado-o na Segunda Guerra Ilíria. Demétrio o encorajou fortemente a aproveitar os problemas de Roma, invadindo tanto a Ilíria quanto a Itália, embora Demétrio tenha sido motivado primeiro pelo seu próprio desejo de recuperar seu reino perdido. Ele aconselhou o jovem rei a fazer a paz baseado nos melhores termos possíveis da Guerra Social, e então voltar a sua atenção para algo mais importante em algum outro lugar. Políbio cita a fala de Demétrio: Pois a Grécia já é toda obediente a você, e permanecerá assim: os aqueus por afeição genuína; e etólios pelo terror que seu desastre na presente guerra lhes trouxe. A Itália, e sua entrada nela, é o primeiro passo para adquirir um império universal, a quem ninguém possui melhor reivindicação do que você mesmo. E agora é o momento de agir, quando os romanos sofreram um revés. (Histórias, 5:101) Filipe foi facilmente persuadido, e começou então a negociar com os etólios, se reunindo com seus líderes em Naupacto, e concluindo um tratado no mesmo ano. No início de 216 Filipe corajosamente invadiu a Ilíria, ocupando a cidade de Epidamno, e desafiando diretamente a autoridade romana na região. Conforme Demétrio presumira, a luta de Roma com Aníbal a preveniu de comprometer suas tropas limitadas, resistindo à agressão de Filipe. A situação de Filipe pareceu melhorar ainda mais quando Aníbal deu a Roma outra grande derrota no mesmo ano em Canas. Por sugestão de Demétrio, Filipe enviou embaixadores para o acampamento italiano de Aníbal para negociar uma aliança, e no verão de 215, os dois fizeram um acordo no qual juravam suporte e defesa mútuos. O tratado também tornava claro que qualquer tratado que Aníbal negociasse com Roma incluiria Filipe, e também exigia que Roma desistisse de suas possessões na Ilíria, e “restaurasse a Demétrio de Pharos todos aqueles seus amigos que agora se encontravam sob o domínio de Roma.” Quando retornavam da Macedônia, os emissários de Filipe foram capturados pelo comandante da frota romana que patrulhava a costa sul da Itália, Públio Valério Flaco. Ele encontrou a carta do acordo entre Aníbal e Filipe, e a enviou a Roma, onde notícias da aliança causaram pânico imediato. Roma autorizou imediatamente vinte e cinco navios de guerra a serem enviados para se juntarem à frota de Flaco em Tarento. O Senado também ordenou que Flaco protegesse o Adriático e prevenisse Filipe de invadir, mesmo que tivesse que cruzar para a Macedônia e lutar contra Filipe em seu próprio terreno.


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Em mais um esforço para prevenir Filipe de ajudar Aníbal, os romanos foram em busca de aliados na Grécia, que pudessem se juntar a eles em uma aliança anti-Macedônia. Os emissários romanos se aproximaram da Liga Etólia em 212, e tentaram “vender a imagem” da crescente sorte de Roma, destacando a sua recente captura de Siracusa e Cápua na Segunda Guerra Púnica, e oferecendo uma aliança a eles contra Filipe. Como vimos antes, os etólios tinham feito paz com Filipe em 217, mas agora a “facção da guerra” entre eles dominava, e eles se prepararam mais uma vez para pegar em armas contra seu antigo inimigo. Em 211 um tratado foi assinado, no qual os etólios concordavam em conduzir a operação em terra, enquanto os romanos o fariam pelo mar. Sob o acordo, Roma manteria qualquer escravo e despojo que fosse tomado, enquanto a Etólia teria o controle de qualquer território que adquirisse. O tratado também permitia a inclusão de outros aliados, em especial, Egito, Rodes, Bizâncio, as cidades peloponésias de Élis, Esparta, e Messênia, e a cidade jônica de Pérgamo, que era governada por Átalo I. O conflito que se seguiu, que veio a ser chamado de Primeira Guerra Macedônica, foi travada com pouca dedicação da parte de Roma, dados seus problemas contínuos com Aníbal. A maior parte das lutas mais pesadas ocorreu com os etólios, e quando eles cansaram de esperar pela ajuda de Roma, eles negociaram uma paz em separado com Filipe em 206. Sem a ajuda dos etólios, Roma não estava disposta a levar a guerra muito adiante, e enfim concluíram seu próprio tratado na “Paz da Fenícia” em 205. Como parte do acordo, Filipe reteve a maior parte dos territórios que ele tinha conquistado no noroeste da Grécia, embora Átalo e os espartanos tenha permanecido aliados à Roma. A paz deu um pouco de descanso do conflito para Filipe, mas acabou por solidificar a influência crescente de Roma no mundo grego. Como que para testar Roma, Filipe atacou a Trácia e certas cidades aliadas a Rodes e Pérgamo em 204. Nesse momento ele até atacou a própria Pérgamo, embora ele rapidamente tenha se retirado diante da formidável defesa montada por Átalo. Rodes e Pérgamo rapidamente retaliaram, declarando guerra à Filipe e lutando uma grande batalha marítima que terminou inconclusa. Contando com o Tratado da Fenícia, Rodes e Pérgamo apelaram a Roma por ajuda, e embora os romanos estivessem exaustos por anos de guerra com Aníbal, eles também estavam preocupados que Filipe pudesse considerar um alinhamento com Antíoco III da Síria, e com ele um ataque à Itália. A República então concordou em declarar guerra a Filipe de novo, enviando seus exércitos para a Grécia em 200, e iniciando o conflito chamado Segunda Guerra Macedônia. Os detalhes do conflito serão discutidos no próximo capítulo.


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Egito e Síria: O quarto século foi igualmente tumultuada no oriente, enquanto o Egito e a Síria lutavam por supremacia em uma disputa que pressionava Israel entre as duas superpotências. Por as histórias dos dois reinos serem tão conectada, lidaremos com elas juntas. Ptolomeu I (322 – 285): Ptolomeu provavelmente foi o mais competente dos generais de Alexandre, e suas habilidades marcantes se tornaram evidentes conforme ele assumiu a posição de governo na terra dos faraós. Alexandre tinha tomado o Egito dos persas em 332, mas diferente dos persas, Alexandre tratou os egípcios com grande benevolência, aparecendo para eles como um adorador de seus deuses, e se apresentando como um salvador das tiranias passadas. Tudo isso o agraciou profundamente com o antigo povo, e o elevou ao status de herói popular, libertador, e um verdadeiro Faraó. Quando Alexandre deixou o Egito no ano seguinte, ele apontou como governador um homem chamado Cleómenes de Náucratis, que governou sem incidentes até a morte de Alexandre. Ptolomeu foi instalado como sátrapa em 322, e desse ponto em diante, a tensão começou a crescer conforme Ptolomeu se dizia o legítimo sucessor de Alexandre ao trono egípcio. Ptolomeu astutamente alegou sua reivindicação por trazer o corpo de Alexandre de volta para o Egito para a cerimônia funerária, se conformando desse modo à tradição religiosa egípcia por agir como Hórus com seu predecessor Osíris. Cleómenes sem dúvidas pensou que ele deveria ser elevado à posição suprema, e imediatamente apelou à Pérdicas, que concordou em ajudá-lo, embora seus verdadeiros objetivos provavelmente fossem mais egoístas. Cleómenes foi executado posteriormente por sua cumplicidade na questão, deixando Ptolomeu como único governante. Ele governou o Egito até 285, estabelecendo a mais longa dinastia entre todos aqueles que seguiram Alexandre.


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Seleuco I Nicátor (321 – 284): Seleuco serviu como tenente principal de Ptolomeu sob Alexandre, e Ptolomeu o ajudou a arquitetar a indicação de seu antigo oficial como sátrapa da Mesopotâmia depois da morte de Alexandre. No entanto, Seleuco enfrentou problemas imediatos da parte do ambicioso Antígono, que esperava estender seu domínio sobre toda a Ásia Menor até a Síria e além. O ataque de Antígono foi tão feroz que Seleuco fugiu para o Egito em 315, encontrando refúgio em seu antigo comandante e amigo. Ptolomeu partiu para a guerra contra Antígono em 312, e conseguiu reinstalar Seleuco em seus territórios. Seleuco não estava feliz em permanecer na Mesopotâmia, mas imediatamente lançou um ataque nas regiões ao leste do Eufrates, na intenção de se proteger de ataques futuros de Antígono ou de qualquer outro. No processo ele removeu Laomedonte da Síria, e Meleagro da Fenícia, e assim veio a dominar todo um território que excedia o de seu mentor Ptolomeu. Na verdade, Seleuco viria a se tornar o mais poderoso de todos os sucessores de Alexandre, e desse modo, a profecia anterior de Daniel foi visualmente cumprida: “O rei do Sul [Ptolomeu] será forte, como também um de seus príncipes [Seleuco]; este [Seleuco] será mais forte do que ele, e será grande o seu domínio.” (Dn 11:5). No ano seguinte um tratado de paz foi reconhecido de forma implícita entre os governantes sobreviventes, e foi essa compreensão que fez surgir a tão famosa divisão quádrupla do Império de Alexandre. Por esses termos, Cassandro era reconhecido como o governante da Grécia e Macedônia, Antígono da Ásia Menor, Seleuco da Síria e Mesopotâmia, e Ptolomeu do Egito. Lísimaco continuava a governar na Trácia, mas seu poder gradualmente diminuía, e ele sucumbiria futuramente diante dos outros quatro.


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O livro de Daniel faz repetidas referências à divisão do império de Alexandre entre esses quatro. Por exemplo, “Depois disto, continuei olhando, e eis aqui outro, semelhante a um leopardo [Alexandre], e tinha nas costas quatro asas de ave; tinha também este animal quatro cabeças, e foi-lhe dado domínio.” (Dn 7:6). De forma similar, “Estes grandes animais, que são quatro, são quatro reis que se levantarão da terra.”(Dn 7:17). Em Daniel 8, uma descrição vívida da conquista da Pérsia sob Alexandre se lê como se segue, “O bode [Alexandre] se engrandeceu sobremaneira; e, na sua força, quebrou-se-lhe o grande chifre, e em seu lugar saíram quatro chifres notáveis, para os quatro ventos do céu” (Dn 8:8). Mais tarde, no mesmo capítulo, “o ter sido quebrado, levantando-se quatro em lugar dele, significa que quatro reinos se levantarão deste povo, mas não com força igual à que ele tinha”(Dn 8:22). Um dos textos mais importantes de Daniel, a passagem introduz todo o período em discussão, e aponta os eventos que levaram à sua divisão em quatro partes: Agora, eu te declararei a verdade: eis que ainda três reis se levantarão na Pérsia [Cambises, Pseudo-Esmerdis, Dario], e o quarto [Xerxes] será cumulado de grandes riquezas mais do que todos; e tornado forte por suas riquezas, empregará tudo contra o reino da Grécia [Segunda Guerra Persa]. Depois, se levantará um rei poderoso [Alexandre] que reinará com grande domínio e fará o que lhe aprouver. Mas, no auge, o seu reino será quebrado e repartido para os quatro ventos do céu [a divisão quádrupla do império de Alexandre]; mas não para a sua posteridade, [não para seus herdeiros naturais] nem tampouco segundo o poder com que reinou [os seus sucessores não reinaram de forma unificada], porque o seu reino será arrancado e passará a outros fora de seus descendentes [seus comandantes militares invés de seus herdeiros naturais]. (Dn 11: 2-4) Como notado antes (p. 9-6), Antígono foi morto na Batalha de Ipso em 301 quando encarou um ataque combinado de Cassandro, Lisímaco, e Seleuco. Talvez o mais beneficiado pela batalha tenha sido Seleuco, que tinha estado em constante batalha contra Antígono pelo controle da Síria, desde que ele tomou o controle em 311. Seleuco foi imediatamente capaz de adicionar ao seu controle o inconteste controle da Síria, assim como uma considerável parte da Anatólia. Ele obteve a Fenícia através de um tratado, e adicionou a isso a rica região da Celessíria, o fértil vale entre a Fenícia e o deserto da Síria. Conforme Seleuco também se expandiu para o oeste através da Armênia e do sul da Capadócia, ele veio a adquirir virtualmente toda a terra conquistada por Alexandre com a exceção da Grécia, Egito e partes da Ásia Menor. Seleuco foi, de fato, o governante de tudo que fora o Império Persa.


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Embora Ptolomeu também esperasse se beneficiar da morte de Antígono, ele estava ainda mais preocupado com o rápido crescimento do império de Seleuco. Para lidar com ambos os problemas, ele esperava estabelecer um “estado tampão” que pudesse isolar seu Egito da Síria de Seleuco ao tomar parte da Celessíria, uma região que incluía Jerusalém e a Palestina. Ele também tomou o controle da ilha de Chipre quando lançou um ataque no sudeste da Ásia Menor, estabelecendo a sua presença nas regiões que tinham pertencido a Antígono. Ptolomeu II Filadelfo (285 – 246): O filho mais velho e provável sucessor de Ptolomeu I era Ptolomeu Cerauno, mas em 285 Ptolomeu o exilou, e elevou seu filho mais jovem, Ptolomeu Filadelfo, ao trono do Egito, rebaixando a si mesmo ao status de um guarda do palácio. Como já vimos (pág. 9-7), Cerauno fugiu para a Trácia, onde ele obteve a ajuda de Lisímaco em um ataque à Macedônia. Ptolomeu I morreu em 283, e foi enterrado com todas as honras de um faraó no estilo clássico, e Ptolomeu II continuou a reinar. Ele marcou o início de seu reinado fazendo um grande desfile em Alexandria, no qual imagens das divindades, tanto da Grécia, quanto do Egito foram levadas em procissão. Como parte da celebração inaugural, ele casou-se com Arsinoë (I), a filha de Lisímaco, que morreria pelas mãos de Seleuco no ano seguinte. O próprio Lisímaco tinha se casado com a irmã de Ptolomeu II, que também era chamada Arsinoë (II). Ela era uma mulher de considerável ambição, e quando seu marido morreu em 284, ela retornou ao Egito e à corte de seu irmão. Não demorou muito para que ela inventasse uma falsa acusação de traição contra a esposa de seu irmão, resultando no banimento de Arsinoë I para Coptos onde ela mais tarde morreria. Arsinoë II se casou com Ptolomeu II em 281, mesmo que ele fosse seu irmão biológico. O arranjo era considerado incesto sob a lei grega, mas era permitido no Egito. O casamento não produziu filhos, mas durou até a morte de Arsinoë em 269. Através do casamento, Ptolomeu ganhou a maior parte do Egeu do falecido Lisímaco. Pela maior parte de seu longo reinado, Ptolomeu II desfrutou de relativa estabilidade, conforme a reputação cultural de Alexandria ascendia à altura espetacular. Ele somou às suas posses no Egeu uma importante base naval em Samos, e depois de um conflito com Antíoco II, conhecido como Primeira Guerra Síria, em 274, ele também conseguiu territórios na Ásia Menor. Ele foi o primeiro governante egípcio a firmar contato com Roma, o resultado da recusa de Ptolomeu em ajudar o rei grego Pirro em sua campanha contra Roma nos anos anteriores (discutida mais à frente). O tratado formal foi estabelecido em 271. e solenizado quando Ptolomeu enviou congratulações ao Senado Romano depois da derrota de Pirro. O tratado entre Roma e Egito seria de grande benefício para Roma nos 60 anos seguintes, quando Aníbal arrasou o interior italiano forçando Roma a depender do grão egípcio.


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Ptolomeu foi envolvido em ainda outra guerra contra a Grécia em 268 (pág. 9-8), quando uma coalizão liderada por Atenas e Esparta se revoltou contra seus senhores macedônios. Ele ajudou os estados gregos na Guerra Cremonídea, mas sofreu derrotas significativas, e como resultado, perdeu o controle de boa parte de seus recursos no Egeu. Por volta de 263 a revolta tinha sido abafada, Ptolomeu tinha se retirado, e Antígono II tinha apontado Demétrio de Falero e sua mão de ferro para o governo de Atenas. Antíoco I Sóter (289 – 261): Seleuco foi assassinado por Ptolomeu Cerauno em 284, e isso trouxe o filho de Seleuco, Antíoco, ao trono dos vastos domínios sírios. Antíoco já tinha servido como corregente por vários anos, e a transição para seu governo solo foi relativamente tranquila. Exceto por algumas pequenas rebeliões em algumas cidades da Síria, inspiradas por Ptolomeu II, o governo de Antíoco foi razoavelmente estável e seguro. Antíoco II Teos (261 – 246): Antíoco foi sucedido por seu filho, Antíoco II, mas diferente de seu pai, o jovem Antíoco se viu quase imediatamente preso em um conflito renovado com seu vizinho ao sul. Aproveitando a mudança de regime da Síria, Ptolomeu lançou uma campanha em 260 para conseguir território na Ásia Menor e no Egeu, disparando um conflito que ficou conhecido como Segunda Guerra Síria. Em retaliação, Antíoco tomou alguns dos territórios de Ptolomeu na Jônia, junto com a ilha de Samos, e certas áreas costeiras na região da Cilícia, Traqueia, e Panfília. A guerra se arrastou por 12 anos, mas finalmente terminou quando os dois antagonistas negociaram um tratado em 248. Para selar o tratado, Ptolomeu deu sua filha Berenice em casamento a Antíoco. O casamento apresentava um problema para Antíoco, por que a lei grega não permitia a poligamia, e ele já estava casado com Laodice (a quem ele nomeara a cidade de Laodiceia). Para se casar com Berenice, Antíoco se viu obrigado a se divorciar de sua esposa, um insulto pelo qual a rainha nunca o perdoaria. Antíoco prosseguiu para se casar com a princesa egípcia, e logo depois ela lhe gerou um filho.


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Ptolomeu III Evérgeta (246 – 222): Como veio a se tornar claro, a paz entre o Egito e a Síria teria vida curta. Ptolomeu II morreu apenas dois anos mais tarde, levando seu filho, Ptolomeu III, ao trono. Ptolomeu III era o irmão biológico de Berenice, mas mostrava pouco interesse em manter uma relação pacífica com seu cunhado, Antíoco. Ele imediatamente começou a colocar pressão territorial na Síria, usando o casamento de Antíoco como alavanca. Antíoco não era alguém com quem se pudesse brincar, e logo, repudiou seu casamento com Berenice. Ele restaurou Laodice ao trono da rainha, embora ela não estivesse muito satisfeita com o retorno. Na verdade, pouco tempo depois, ela envenenou Antíoco, motivada em parte pela amargura de seu insulto anterior, e em parte pelo desejo de manobrar seu filho mais jovem, Seleuco II Calínico, ao trono, um golpe que fez dela regente durante a juventude de seu filho. Seleuco II Calínico (246 – 226): O divórcio de Antíoco era tudo o que Ptolomeu precisava para justificar um ataque total sobre a Síria, e assim foi inaugurada a chamada Terceira Guerra Síria (246-241). A campanha de Ptolomeu foi ostensivamente direcionada a vingar a honra de sua irmã, mas ele também esperava assegurar o trono sírio para o filho mais novo de Berenice. Quando Laodice soube do ataque, ela assassinou tanto Berenice quando seu filho, assim removendo qualquer obstáculo para a sucessão de Seleuco II. Os acontecimentos descritos acima foram incluídos como parte das profecias de Daniel: “Mas, ao cabo de anos, eles [Ptolomeu II e Antíoco II] se aliarão um com o outro; a filha do rei do Sul [Berenice] casará com o rei do Norte [Antíoco], para estabelecer a concórdia; ela, porém, não conservará a força do seu braço [ela foi deposta], e ele não permanecerá [Antíoco], nem o seu braço, porque ela será entregue [ela foi envenenada], e bem assim os que a trouxeram [seus defensores na corte síria], e seu pai [o tratado de Ptolomeu II foi repudiado], e o que a tomou por sua naqueles tempos [provavelmente se refere a Ptolomeu III, que tentou resgatá-la].” (Dn 11:6). Apesar do contratempo, Ptolomeu continuou sua invasão, vingando a morte de Berenice ao sentenciar Laodice à morte, e levando suas forças até a Babilônia. Ao final, ele ganhou o território da Cilícia, Panfília e Jônia. Na descrição de Daniel da invasão: “Mas, de um renovo da linhagem dela [o irmão de Berenice, Ptolomeu III] um se levantará em seu lugar [no lugar de Ptolomeu II], e avançará contra o exército do rei do Norte, e entrará na sua fortaleza, e agirá contra


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eles, e prevalecerá.” (Dn 11:7). Ptolomeu IV Filopáter (222 – 205): Ptolomeu III morreu em 222, deixando uma família real corrupta e uma instabilidade à beira do colapso. O filho de Ptolomeu, Ptolomeu IV Filpáter, tinha cerca de 25 anos quando ascendeu ao trono, mas ele estava sob a influência total de um cortesão grego, Sosíbio, que buscava implementar suas próprias ambições encorajando Ptolomeu a desfrutar totalmente do lado violento e licencioso de sua natureza. Sosíbio proveu uma senhora para ele, Agatoclia, a quem ele instruiu que “sugerisse” à Ptolomeu que ele depusesse sua mãe e corregente, Berenice II. A sugestão se baseava em uma suspeita de que Berenice estaria pensando em instalar seu filho mais novos, Magas, no lugar de Ptolomeu. O jovem rei foi facilmente persuadido, e mandou matar tanto Berenice quanto Maga. Vendo no fraco Ptolomeu uma oportunidade para sua própria expansão, Antíoco III invadiu e tomou o controle da Palestina em 219, e de lá ele pressionou em direção ao Egito. Ptolomeu, acompanhado por sua irmã, Arsinoë III, cruzou a Península do Sinai com uma cavalaria de 5000, a maior destes sendo mercenários da Macedônia e Tessália. Ele também levou uma infantaria de 65.000 soldados, metade deles eram egípcios nativos, e o restante eram cretenses, trácios, persas, líbios e gauleses. Essa força, junto com 73 elefantes africanos, se encontrou com o exército de Antíoco em 217, em Rafia, que era uma fortaleza egípcia na Palestina. Antíoco tinha 10.000 homens a menos na infantaria, mas um número superior em cavalaria e elefantes indianos, animais que eram menores que os africanos, e mais amigáveis ao treinamento. Antíoco foi terminantemente derrotado em Rafia, permitindo que Ptolomeu recuperasse suas possessões perdidas na Palestina. Ptolomeu celebrou seu sucesso se casando com sua irmã, mas o conflito na Síria não terminou, e nos próximos anos, uma Quarta Guerra Síria (219 – 211) manteve os dois lados em uma batalha constante. Prevendo esses acontecimentos, Daniel declarou: “Os seus filhos [os filhos de Seleuco II, Seleuco III e, em especial, Antíoco III] farão guerra e reunirão numerosas forças; um deles virá apressadamente, arrasará tudo e passará adiante [Antíoco tomou o controle da Palestina]; e, voltando à guerra, a levará até a fortaleza do rei do Sul. Então, este se exasperará [Ptolomeu IV reuniu um grande exército como descrito acima], sairá e pelejará contra ele, contra o rei do Norte [Batalha de Rafia]; este porá em campo grande multidão, mas a sua multidão será entregue nas mãos daquele [Antíoco foi derrotado em Rafia].” (Dn 11:10-11). Ptolomeu fez paz com Antíoco em 211, mas tanto 3º Macabeus quanto Josefo indicam que quando ele voltava para o Egito, ele parou em Jerusalém na intenção de ostentar a sua vitória entrando no Templo, um ato que era, é claro, uma afronta ao povo judeu, e contrário à lei judaica. O sumo sacerdote na época, Simão II, também chamado de Simão, o Justo, confrontou Ptolomeu enquanto este tentava entrar, e por isso Ptolomeu retaliou cruelmente contra toda a nação, fazendo com o que povo judeu se tornasse fortemente pró-Síria. A profecia de Daniel também lê: “A multidão será levada, e o coração dele [Ptolomeu IV] se exaltará; ele derribará miríades [perseguição ao povo judeu em Jerusalém], porém não prevalecerá.” (Dn 11:12).


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O motivo pelo qual Ptolomeu não “prevaleceu” no fim é atribuída primariamente a sua incompetência. Ele pode ter se aproveitado do sucesso em Ráfia para se tornar um dos governantes mais poderosos e influentes do Egito, em grande parte porque a sua vitória foi um grande estímulo ao orgulho e nacionalismo egípcios. Esses egípcios nativos acreditavam corretamente que o sucesso de Ptolomeu tinha sido alcançado em maior parte graças à sua própria coragem e habilidade. Invés de reconhecê-los e recompensá-los por sua vitória, porém, Ptolomeu os tratou com desprezo e os deu pouco crédito pela vitória. Aumentando sua impopularidade, Ptolomeu começou a impor um duro sistema de impostos aos egípcios, o que levou naturalmente a uma série de revoltas, que culminaram em uma insurreição por toda a nação. Coroando tudo isso, uma série de baixas no Nilo levaram à fome, na qual os egípcios esperavam que Ptolomeu os salvasse como seu pai fizera no passado. Invés disso, ele preferiu deixar os egípcios à própria sorte, uma política desastrosa que logo levou à escassez e ainda maiores instabilidades. Nos últimos três anos de seu reinado (208 – 205) o alto Egito caiu diante dos reis núbios, e embora Ptolomeu tenha ordenado represálias violentas pela rebelião, ele foi incapaz de trazer a nação de volta à linha. Ptolomeu V Epífanes (205 – 180): Ptolomeu IV foi assassinado em 205, com a idade de 39 anos, uma vítima de sua própria devassidão. Seu filho, Ptolomeu V, era apenas uma criança de quatro anos quando subiu ao trono. Sosíbio, o cortesão que tinha encorajado os modos irresponsáveis de Ptolomeu IV, tentou e falhou em se tornar o regente do jovem rei. Com a morte de Ptolomeu V, rebeliões irromperam nas ruas de Alexandria, nas quais estavam Agatóclia, a dama de Ptolomeu, Agatócles seu irmão, e sua mãe, Oenante, que foram despedaçados por uma multidão alexandrina. Um homem chamado Tlepólemo foi apontado regente de Alexandria, mas a maior parte do Egito restante permaneceu instável e em rebelião. Enquanto Ptolomeu IV vinha desperdiçando suas oportunidades no Egito, Antíoco perseguia uma linha de ação muito diferente. Depois de um tratado de paz em 211, ele montou uma ambiciosa campanha por boa parte do norte e leste da Anatólia. Por causa de suas grandes habilidades táticas e bom julgamento, ele ganhou cada vez mais poder, finalmente reunindo um vasto exército apoiado por um vasto território. Ele assegurou o controle do norte da Armênia, e exigiu tributos de seus governantes. Prosseguindo para o leste, ele embarcou em uma campanha extensa que continuou até 205. Durante essa expedição ele restaurou a suserania selêucida nas satrapias orientais, recuperando terra e territórios que seus antepassados tinham perdido. Logo após a morte de Ptolomeu IV, Antíoco fez um acordo com Filipe V da Macedônia, no qual eles concordavam em fazer guerra contra o Egito e dividir os lucros. Antíoco tinha planos para os domínios egípcios na Celessíria, e também para partes das Ásia Menor, e até para o próprio Egito, que estava vulnerável sob o jovem Ptolomeu V. Filipe por outro lado desejava a Trácia, as ilhas do Egeu e Pérgamo. Em 202 os dois lançaram um ataque conjunto aos territórios egípcios pelo mundo mediterrâneo, um conflito que ficou conhecido como a Quinta Guerra Síria (202 – 197). Os detalhes dessa campanha serão discutidos no próximo capítulo.


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O Oeste Mediterrâneo:

do

Agátocles (317 - 289): Enquanto todos esses acontecimentos ocorriam no oriente, o Oeste do Mediterrâneo se movia em direção ao grande conflito conhecido como as Guerras Púnicas, que trouxe Roma a um confronto direto com o norte da África, ou Púnica, as forças de Cartago. Ambas as regiões tinham escapado das conquistas de Alexandre, e na época de sua morte, Cartago ainda era considerada como uma colônia independente da Fenícia. Alexandre tinha planejado atacar Cartago logo após a queda de Tiro, mas veio a ocorrer que Cartago era a única parte do Império Persa que não sucumbiu à sua campanha, provavelmente por causa de sua morte prematura. Entre os sucessores de Alexandre, apenas Ptolomeu I fez algum esforço para tomar Cartago, enviando um oficial chamado Ophellas para Túnis, que ficava há 1400 quilômetros de distância através do Deserto da Líbia. Ophellas trilhou o caminho em 310, com um exército de 10.000, levando apenas três meses para cruzar o deserto escaldante, mas no caminho ele deixou um grande número de mortos, homens que sucumbiram à sede e à insolação. Quando o exército sobrevivente chegou em Túnis, ele juntou forças com Agátocles, o governante de Siracusa, que tinha pedido a ajuda, e que na verdade tinha sido o instigador de todo o plano. Agátocles tinha convocado Timoleão, cuja administração tinha representado um grande momento na história de Siracusa, mas que foi forçado a se aposentar em 337 por causa de uma doença nos olhos. Depois de Timoleão desaparecer da atenção pública, suas reformas políticas foram varridas por uma revolução que colocou 600 oligarcas no poder. A cidade sofreu sob seu governo tirânico até 317, quando Agátocles deu um golpe. Uma vez no poder, ele trabalhou para expulsar os outros tiranos, depois ele se moveu para o oeste, cruzando Álico e ameaçando as possessões cartaginesas. Cartago respondeu recrutando um exército e o colocando sob o comando de um general chamado Amílcar, neto de Hano. Amílcar cruzou o Canal da Sicília em 310 com apenas quatro mil homens, marchando para o norte da Sicília para confrontar o exército de Agátocles na foz do rio Ímera. Amílcar desviou as forças de Agátocles, enviando-o de volta para Siracusa e o colocando sob cerco. Em seu desespero, Agátocles concebeu um dos planos mais arriscados já concebidos por um general. Ele decidiu escapar de Siracusa pelo mar, navegar para o Norte da África, e lá lançar um ataque direto à cidade de Cartago.


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Apesar de ser um plano arriscado, de algum modo ele deu certo. Agátocles conseguiu escapar do porto sem ser notado, e então velejou para o sul por seis dias, aportando a oeste do Cabo Bon, muito próximo do promontório onde Cartago estava localizada. Abandonando impetuosamente seus navios ele os deixou queimando atrás de si e marchou imediatamente para a cidade do Norte da África, onde os habitantes estavam totalmente despreparados para um ataque tão ousado, e observaram com surpresa e desalento enquanto a frota siciliana se estabelecia fora de suas muralhas. Em frenesi eles nomearam dois comandantes, com quarenta mil soldados de infantaria, mil cavaleiros e duas mil carruagens de guerra, para encarar a força invasora que trazia não mais que catorze mil homens. Apesar das impossibilidades esmagadoras, Agátocles foi triunfante, deixando três mil cartagineses mortos no campo de batalha ao final do primeiro dia. Mesmo que agora ele ocupasse todo o campo de Cartago, ele sabia que não havia chances de tomar a cidade em si, nem conseguiria privar Cartago de seus suprimentos pelo mar, em grande medida porque ele tinha sido precipitado e queimado seus próprios navios. É provável que Agátocles não tivesse esperado chegar tão longe, mas apenas que seu cerco de Cartago forçasse Amílcar a abandonar o cerco de Siracusa e voltar para casa. Porém ocorreu que Amílcar manteve sua posição, e o cerco continuou, com tanto Siracusa quanto Cartago cercadas por seus respectivos inimigos. Tudo se resumia agora à questão de quem vacilaria primeiro. Enfim, os cartagineses perderam a coragem. Eles interpretaram a mudança de situação como a ira dos deuses, e assumiram que era sua própria culpa. Parecia que Baal e Tanit não tinham recebido vítimas nobres o suficiente nos últimos anos. Duzentas crianças das famílias mais nobres foram forçadas a “passar pelo fogo” e mais trezentas foram oferecidas voluntariamente por seus pais. Enquanto isso Agátocles aumentava sua força, formando alianças com os príncipes nativos enquanto construía um grande e fortificado acampamento. Ele logo possuía todo o leste da Tunísia e suas cidades. Foi nessa época que ele fez um acordo com Ptolomeu do Egito, que enviou as dez mil tropas mencionadas antes. Dentro de Cartago, por outro lado, haviam ferimentos fatais na cidade. Se Agátocles tivesse somente mantido a pressão, ele poderia ter conseguido realizar seu objetivo de forçar Amílcar a retornar e defender sua terra natal. Mas veio a acontecer que Agátocles superestimou sua força no norte da África, pensando, de forma errada, que poderia deixá-la por um tempo e retornar para Siracusa para depor Amílcar lá. Enquanto ele realmente forçou Amílcar a se retirar, ele perdeu completamente a iniciativa em Túnis, e os cartagineses atacaram o exército sem líder, praticamente os aniquilando. Agátocles rapidamente voltou para o Norte da África com reforços, mas encontrou uma situação desesperadora. Suas próprias tropas tinham perdido a confiança nele, e sentiam que tinham sido privados dos despojos que ele prometera. Muitos foram para o lado de Cartago, forçando Agátocles a fugir escondido para salvar sua própria vida e sua posição na terra natal. Com nada para dar em troca do fiasco, Agátocles se contentou em governar Siracusa até sua morte em 289.


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As Guerras Pírricas (280 – 275): Enquanto esses conflitos fervilhavam no sul, os romanos estavam lutando para expandir seus próprios domínios na Península Itálica, agindo por uma política que eventualmente os levaria a um conflito direto com as forças de Cartago, estourando nas Guerras Púnicas. No ano 290, Roma tinha tido sucesso em uma série de batalhas sangrentas chamadas Guerras Samnitas, nas quais eles tinham derrotado não apenas os samnitas, mas também os latinos e os principados restantes dos etruscos na Itália. Logo, eles tinham se espalhado por toda a península italiana, o que passou a ameaçar as cidades gregas que tinham sido estabelecidas no sul anos antes. A mais proeminente e rica dessas cidades era Taras, famosa por sua posição estratégica na “bota” da península, e um alvo muito suscetível a uma agressão romana. Quando confrontados pela ameaça romana, a cidade de início apelou para Agátocles, mas foi bem nessa época que o famoso governante de Siracusa faleceu. A cidade se voltou em seguida para o mais famoso dos reis do mundo grego, Pirro de Épiro, que tinha parentesco com a família de Alexandre, o Grande e era um poder dominante no mundo mediterrâneo. Quando Pirro concordou em trazer suas forças para o conflito, Roma estava pela primeira vez cara a cara com os famosos guerreiros que conquistaram todo o mundo oriental sob Alexandre. Os romanos estavam compreensivelmente preocupados sob sua sorte nesse conflito, e eles não eram os únicos alarmados com a chegada do poderio grego. Longe, ao sul, os cartagineses também viam a chegada do exército grego com preocupação, e começaram a se preparar para suas próprias lutas contra os poderes que aumentavam sua presença no sul da Itália. Da sua parte, Pirro entrou nos conflitos no sul da Itália com ambições que iam muito além de uma mera intervenção em um conflito regional. Vendo a si mesmo como um novo Alexandre, Pirro esperava realizar seus sonhos de estender um império grego por todo o sul da Itália e Sicília. Foi esse plano em particular que preocupou Cartago, e com boas razões. Quando Pirro aportou em Taras no início de 280, o povo da região viu um espetáculo de proporções inacreditáveis. Vinte e cinco mil soldados saíram de seus navios com Pirro no comando. Ainda mais impressionante eram os vinte elefantes de guerra, representando uma arma recémdescoberta pelos macedônios na Índia, pisando em solo italiano.


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Pirro atacou e derrotou os romanos em Heracleia, uma cidade na província romana da Lucânia, mas ele o fez a um custo enorme para o seu exército. Em 279, ele novamente derrotou os romanos na Batalha de Ásculo, uma cidade na província de Apúlia, mas novamente, a vitória teve um custo excessivo em número de forças. É dito que Pirro disse depois da sua segunda vitória: “Se derrotarmos os romanos em mais uma batalha dessas, estamos totalmente destruídos!”, o que deu origem à expressão “vitória pírrica”. Veio a acontecer então, que eles não tiveram de enfrentar os romanos novamente, pois começaram a discutir termos de paz, uma discussão que Pirro estava bem-disposto a ter. Em Cartago, o diálogo entre romanos e gregos aumentou o nível de ansiedade, fazendo com que os líderes da cidade começassem a pensar em como prevenir Pirro de ganhar uma posição tática na Itália da qual ele pudesse lançar um ataque sobre a própria Cartago. Como notado no capítulo anterior, Cartago tinha feito um terceiro tratado com Roma em 340, pelo qual eles concordavam em respeitar as fronteiras um do outro. Sob esse arranjo, os romanos não tentariam estabelecer cidades na Sardenha ou na Córsega, nem tentariam atacar a costa espanhola, mas Cartago permitiria que os romanos se abrigassem em portos de Cartago quando necessário. Quando Pirro começou a negociar com Roma, Cartago temeu perder suas relações com a República Italiana, e em 279 enviou embaixadores com cerca de 120 navios com ricos presentes, esperando assim persuadir o Senado a resistir às investidas do jovem rei grego. Apesar de seus generosos presentes, o máximo que Cartago podia fazer era um acordo pelo qual os romanos prometiam vir em ajuda da cidade norte-africana caso essa fosse atacada. Logo depois, como os cartagineses tinham temido, os romanos fizeram um acordo de paz com Pirro, e quase imediatamente, o rei grego voltou seus olhos para a Sicília. Na intenção de livrar as suas cidades da influência cartaginesa, ele atacou e expulsou seus inimigos, tomando o controle de toda a ilha, exceto a cidade fortificada de Lilibeum (atual Marsala, no extremo oeste da Sicília). Pirro demonstrou uma atitude tão despótica para com as cidades que ele tinha “libertado”, que o povo grego na ilha logo começou a se ressentir da sua presença, e invés de gastar mais recursos sujeitando os súditos irrequietos, Pirro apenas perdeu interesse na ilha, e voltou para o sul da Itália em 276. No ano seguinte Pirro foi derrotado pelos romanos sob Mânio Cúrio Dentato na grande Batalha de Benevento, na província romana de Sâmnio. Enquanto se recuperava de sua derrota, Pirro foi pego de surpresa por um selvagem ataque marítimo dos cartagineses, que afundaram setenta dos seus 110 navios e deixaram-no sem capacidade de manter sua campanha italiana. Logo depois, Pirro abandonou a região, e sem outras opções, Taras se rendeu à Roma, permitindo que seu nome fosse mudado para Tarento. Desse tempo em diante, Roma dominou todo o sul da Península Itálica.


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Pirro retornou à Grécia em 275, trazendo consigo apenas um terço de sua força inicial. Como já vimos anteriormente, ele atacou e derrotou Antígono II Gônata em 273, e assim, temporariamente obteve a posse de uma grande parte da Macedônia, mas menos de um ano mais tarde, Pirro perdeu uma guerra com os espartanos. Ele fugiu para Argos, onde ele foi morto em uma briga de rua. A falha da expedição grega deixou apenas dois poderios disputando por controle no Oeste Mediterrâneo. Roma controlava toda a Itália, e mantinha a sua vantagem com um misto de conquista, alianças militares, construção de estradas, e estabelecimento de colônias governadas por oligarcas que tinham interesse em manter o status quo. Cartago, por outro lado, controlava seus próprios domínios no Norte da África, e metade da ilha da Sicília. A outra única cidade grande que não estava sob o controle de nenhuma das duas, era Siracusa. Não é de surpreender que os acontecimentos que levaram ao primeiro grande conflito entre Roma e Cartago, a Primeira Guerra Púnica, tenham girado em torno dessa cidade. A Primeira Guerra Púnica (265 – 241): Como visto anteriormente, Agátocles, o governante de Siracusa, morreu em 289. No decorrer dos anos, ele tinha mantido uma poderosa presença militar na Sicília e tinha sido responsável por uma extensa campanha contra Cartago. Para levar à frente seus objetivos, Agátocles tinha dependido fortemente de mercenários da península italiana, mas depois da sua morte, Siracusa mudou por um tempo para um regime oligárquico de governo e libertou os mercenários. Sem nenhum outro emprego, esses soldados contratados começaram a vagar pela ilha fazendo invasões de pilhagem nos vilarejos e cidades, às vezes até atacando as beiras de Siracusa e deixando toda a Sicília oriental insegura. Os ex-mercenários se chamavam Mamertinos (filhos de Marte), e posteriormente tomaram Messana, uma cidade localizada diretamente sobre os estreitos da Itália. Os mamertinos lançaram um reino de terror sobre os cidadãos, confiscando propriedades e abusando dos cidadãos. O domínio mamertino em Messana e seu terrorismo no norte da Sicília continuou até 265, quando o povo frustrado de Siracusa finalmente substituiu o governo oligárquico por um novo rei forte chamado Hiero, que foi eleito baseado na promessa de livrar a Sicília do incômodo mamertino. Logo após tomar o poder ele lançou um violento ataque contra os antigos mercenários, esperando expulsá-los de Messana e também da Sicília. Quando os mamertinos viram que estavam cercados por uma força militar superior, eles apelaram por ajuda tanto para Roma, no norte, quanto para Cartago, no sul. Ao convocar esses dois grandes poderes ao mesmo campo de batalha, os mamertinos inadvertidamente dispararam o maior conflito que aquela região já tinha visto.


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CONTEXTO HISTÓRICO E CRONOLÓGICO DA BÍBLIA________6-363

Logo que Cartago recebeu a convocação, ela imediatamente lançou uma expedição militar na região, vendo o convite dos mamertinos como uma oportunidade para estabelecer um posto avançado estratégico em Messana, que poderia resistir ao poder de Roma. O Senado, por outro lado, ainda preocupado com o conflito depois das batalhas com Pirro, debateu muito se deveria participar em um novo conflito. Quando Roma soube que Cartago estava a caminho, no entanto, ela decidiu enviar suas próprias tropas, temendo que se falhassem, a própria Cartago poderia ameaçar invadir. Um dos cônsules daquele ano, Ápio Cláudio Cáudice, liderou uma força de romanos à região, e assim, pela primeira vez, Roma e Cartago foram levadas ao seu primeiro contato militar direto. Quando o comandante cartaginês soube que os romanos se aproximavam, ele imediatamente resignou do cargo, um ato pelo qual ele foi posteriormente executado. Naquela época, entretanto, ele pode ter pensado que seu ato era necessário pelo acordo do tratado mútuo de defesa que Cartago tinha assinado com Roma em 279, no início das Guerras Pírricas. O tratado acabou por ser só tinta em um papel, e a relação entre Roma e Cartago mudou abruptamente quando da chegada de Cláudio Cáudice. Pelas suas ações, o cônsul deixou muito claro que Roma tinha a intenção não somente de defender Messana, mas de estabelecer uma guarnição permanente na cidade, um ato visto por Cartago como uma quebra clara do tratado. Cartago rapidamente trocou de lado, se juntando a Hiero em um esforço para expulsar não somente os mamertinos, mas também os romanos. No conflito que se seguiu, Cartago e Siracusa foram derrotadas de forma humilhante pela superioridade militar romana, forçando Cartago a abandonar a campanha e voltar para casa. Tendo assegurado Messana, Roma retirou o grosso de seu exército, mantendo na cidade siciliana apenas forças suficientes para mantê-la sob controle. Embora a escaramuça em Messana tenha sido um assunto menor, ela serviu como prólogo para um conflito muito maior que surgiu baseado nos diferentes pontos de vista sobre o que tinha acontecido. Os romanos viam a expedição de Messana como um sucesso modesto, uma mera extensão da influência que eles já exerciam sobre o sul da Itália depois da guerra contra Pirro. Cartago, por outro lado, estava enfurecida e humilhada, acreditando que Roma tinha traído seu tratado, no qual eles tinham proibido Roma de expandir-se em direção à Sicília do mesmo modo que Cartago estava proibida de se expandir para a Itália. Cartago enviou uma delegação ao Senado para protestar oficialmente contra a invasão, mas confrontados com o fato, os romanos apenas disseram que Cartago não tinha compreendido o tratado corretamente.


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Enquanto a interpretação correta do tratado tenha permanecido em debate até hoje, Cartago certamente tomou a presença romana na Sicília como uma ameaça a seus interesses comerciais. Usando a alegada desobediência como justificativa, eles começaram a atacar portos marítimos romanos na costa oeste da Itália, e também enviaram um grande exército a Agrigento, uma província no oeste da Sicília. Embora Hiero tivesse sido aliado de Cartago contra Roma, ele viu a invasão alarmado, temendo que os fenícios quisessem tomar toda a ilha em suas redes. O rei de Siracusa desafiou imediatamente sua lealdade, se unindo a Roma em um esforço para resistir aos invasores. Os dois lados se encontraram em uma grande batalha em Agrigento, e novamente Cartago sofreu uma derrota humilhante e foi forçada a trazer novos reforços apressadamente. Pelos três anos seguintes, Cartago se deu um pouco melhor, mas em 261, nenhum dos dois lados tinha conseguido muita vantagem. Embora claramente superior na terra, Roma começou a perceber que só poderia vencer os experientes marinheiros cartagineses se pudesse derrotá-los em seu próprio terreno, nos mares abertos do Mediterrâneo. Usando um navio cartaginês capturado como modelo, os romanos construíram 100 quinquerremes, embarcações com vinte e cinco a trinta remos de cada lado, cada reme levado por cinco homens. Os navios eram enormes pelos padrões antigos, mas eram muito manobráveis nas mãos de um capitão habilidoso. Até aquele momento, as únicas nações que tinham produzido tais navios eram Grécia e Cartago, e assim parecia que Roma tinha, enfim, se elevado ao status dos principais poderes navais. Porém, ela encarou um grande problema, na medida em que a sua abundância de navios era balanceada pela falta de comandantes experientes. Roma descobriu que era muito mais fácil construir navios do que navegá-los efetivamente em batalha. Sempre práticos, os romanos superaram sua desvantagem introduzindo uma modificação em suas embarcações, que era chamada de “corvo”. Era um dispositivo simples, mas engenhoso, que consistia em uma ponte curta e pesada de cerca de dez metros de comprimento e um metro de largura com um grande espinho em sua ponta. O corvo era suspenso em um ângulo de quarenta e cinco graus sobre a lateral do navio, e quando o capitão manobrava ao lado da embarcação inimiga, essas pesadas tábuas desciam com tudo, permitindo que a ponta penetrasse fundo no deque do navio inimigo. Assim o corvo unia os dois barcos, formando uma ponta sólida que permitia que os soldados romanos cruzassem a pé e entrassem em um combate direto, no qual a habilidade romana era claramente superior.


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O corvo foi usado pela primeira vez em 260, quando Gaio Duílio, um dos cônsules romanos, ouviu que os cartagineses estavam pilhando a área de Mileia, uma cidade na ponta sudeste da Sicília (moderna Milazzo). Ele liderou uma frota de 143 navios contra uma frota cartaginesa igualmente forte, que estava sob o comando de um homem chamado Aníbal. O almirante púnico esperava pelo sucesso normal de uma batalha no mar, e em seu excesso de confiança ele mal preparou as duas embarcações para uma batalha apropriada, avançando sobre os romanos apenas com uma formação livre. Quando as duas frotas se encontraram, as “rampas de agarrar” dos corvos repentinamente desceram sobre os deques dos navios cartagineses, permitindo uma infantaria naval mergulhar por sobre eles. Cerca de trinta navios foram tomados antes mesmo que os cartaginenses entendessem o que estava acontecendo. Aníbal sinalizou uma retirada imediata, mas era tarde demais. Sua armada invencível tinha sido estrondosamente derrotada e a reputação cartaginesa de poderio naval fora gravemente manchada. Os romanos mantiveram o impulso, e em 257, eles estavam preparados para lançar um ataque direto sobre Cartago. Reunindo uma frota de 350 navios, eles navegaram diretamente até a cidade inimiga no início da primavera de 256 sob o comando dos cônsules romanos, Mânlio Vulsão e Atílio Régulo. Mesmo que os comandantes romanos tivessem menos experiência que seus adversários cartaginenses, o ataque foi um sucesso, e na Batalha do Ecnomo, na costa africana, a marinha cartaginesa não pôde impedir Régulo e seu exército de aportar. Os romanos arrasaram o interior livremente, forçando Cartago a pedir termos de paz. Roma exigiu termos duros demais, que Cartago não podia aceitar como trégua e apenas continuou a lutar. Em seu desespero, Cartago apelou à Esparta, e a cidade grega enviou um brilhante mercenário chamado Xapinto, que tomou controle imediato do exército e começou a levantar o moral dos cidadãos. Ele atualizou o exército cartaginês nas mais novas estratégicas militares, e então desafiou os romanos a uma batalha no lado de fora dos muros da capital norte-africana. Régulo aceitou, embora talvez tivesse sido sábio não fazê-lo. A cavalaria cartaginesa, fazendo pesado uso de elefantes africanos, provou ser demais para as tropas de Régulo. Eles foram cercados, pisoteados e dizimados, e o próprio Régulo foi feito prisioneiro. Com essa vitória, a maré virou por um momento, e Cartago foi capaz de recuperar sua força e se reorganizar. Triunfante com sua vitória, Cartago novamente buscou fazer um tratado com Roma, e dessa vez ela enviou como negociador chefe ninguém menos do que o próprio Régulo, que tinha jurado pelos deuses romanos que retornaria a Cartago depois de se endereçar ao Senado. Cartago naturalmente assumiu que Régulo imploraria pela paz para salvar sua própria pele, mas Régulo de forma inesperada chamou os romanos à luta, sabendo que tortura e a morte o esperavam em Cartago. Inspirados pelo corajoso apelo de Régulo, os romanos estavam determinados a continuar lutando no conflito, embora eles suportassem pesadas perdas em constantes batalhas.


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As batalhas seguintes foram travadas na Sicília ocidental, que estava presa há anos em um cabo-de-guerra. Cartago despachou um de seus mais brilhantes comandantes militares, Amílcar Barca, para ver se algo poderia ser salvo da ilha para Cartago. Barca, o pai do famoso Aníbal, provavelmente ficou impressionado quando chegou, e viu que apenas duas das bases púnicas, Lilibaeum e Drepanum (Trapani), ainda resistiam contra os romanos, que tinham expulsado Cartago do restante da Sicília. Para Barca, não parecia provável que a situação pudesse ser desfeita, mesmo em uma batalha total. Ele apenas se contentou em batalhar sozinho para reorganizar as tropas cartaginesas desmoralizadas, e lançar um ataque do tipo guerrilha de uma base que ele estabeleceu a oeste da cidade púnica perdida de Panormus (Palermo). Ele tentou suprimir seus inimigos por três anos, e poderia ter tido sucesso se não fosse pela sua linha de suprimentos ser constantemente interrompida pelo contínuo uso dos “corvos” dos romanos. Enfim, Cartago foi forçada a aceitar a derrota. Roma tinha derrubado a cidade de seu trono como “rainha” do mar, e Barca foi obrigado a negociar uma trégua com o Senado, embora o máximo que ele pudesse obter ainda envolvesse abrir mão de toda a Sicília. Para piorar a situação, Roma demandava uma soma astronômica como reparação, uma quantia que chegava a 3200 talentos de prata a serem pagos nos próximos dez anos. Para finalizar, Cartago foi forçada a encarar o enorme custo de dizer que Roma tinha rompido seu tratado em 279. Vidas incontáveis tinham sido perdidas, todo o território siciliano conquistado com dificuldade tinha sido perdido, a reputação cartaginesa de maior poder naval no Oeste Mediterrânico tinha evaporado, e para coroar isso, Cartago encarava um esmagador fardo de pagar seu débito de guerra. Os romanos não ficaram muito felizes com o resultado também. Embora agora estivessem em seu caminho para se tornaram um grande poderio, o preço tinha sido exorbitante. Um censo feito no final da guerra mostrou que o número de homens adultos romanos tinha sido reduzido em cinquenta mil durante o conflito. Enquanto ambos os lados pesavam as implicações de sua experiência, os cartagineses já haviam começado a pensar em termos de um conflito renovado, Cartago precisaria de uma força terrestre muito mais formidável para fazer frente ao poderio da infantaria romana. Foi Amílcar Barca, com seu filho, o grande Aníbal, que finalmente testaria essas teorias novamente. Mas antes de fazê-lo, ele deveria ele próprio obter o poder.


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A Expansão Romana e as Guerras Ilíricas (238 – 220): Como parte de um tratado que finalizava a Primeira Guerra Púnica, Roma permitiu que Cartago mantivesse Córsega e Sardenha. Ela violou seu acordo em 238, capturando as ilhas e estabelecendo postos avançados para servir ao seu domínio expansionista. Embora Cartago tenha ficado ultrajada, ela não estava em posição de retaliar porque causa de sua condição enfraquecida após a Primeira Guerra Púnica. O norte da África nutriu um ressentimento que esperava por uma oportunidade de vir à superfície, o que como veremos, se apresentou nos eventos que levaram à Segunda Guerra Púnica. Tendo adicionado Córsega e Sardenha, Roma encarou demandas organizacionais que requeriam certos ajustes administrativos. Seu método para fazê-lo envolveu o estabelecimento de “províncias”, uma inovação que teria uma importância duradoura no futuro da Roma Imperial. Roma esperava lealdade de suas províncias, mas, ainda assim, dava considerável independência local. Autoridade provincial era investida em um Pretor, e em 227 o número desses oficiais aumentou de dois para quatro. Um dos novos pretores foi enviado ao governo da Sicília, e outro foi enviado para supervisionar Córsega e Sardenha. Roma também se expandiu para o norte, sobretudo devido à ameaça dos gauleses, que era uma fonte constante de problemas. Depois de perder uma batalha pra eles, os romanos retornaram em 225 para derrotá-los em Telamon, na Etrúria, assim ganhando controle sobre Vale do Rio Pó. Para prevenir os gauleses de causar problemas novamente, os romanos ocuparam o norte da Itália por todo o caminho até os Alpes, construindo a famosa Via Flamínia, e estabelecendo colônias romanas por todo o Rio Pó. Roma também se viu cada vez mais presa nos negócios da Grécia, um envolvimento disparado involuntariamente pelo rei macedônio, Antígono Dóson (229 – 222), que começou a recrutar mercenárias da Ilíria para pressionar as embarcações comerciais da Etólia e Aqueia operando no Adriático (cf. p.10). Em troca de tão generoso pagamento, a rainha ilíria, Teuta, contratou “corsários” para se envolverem em pirataria aberta com sua sanção oficial. Partindo das ilhas na costa ilíria, eles atacaram e saquearam as embarcações mercantis vulneráveis, interrompendo as rotas marítimas e dificultando fazer comércio, ou tornando-o impossível. Porém, em alguns desses ataques, os piratas saquearam embarcações comerciais romanas, e quando Roma não retaliou imediatamente, Teuta ao que parece se sentiu encorajada a desafiar a autoridade romana ainda mais abertamente. Ela finalmente cruzou a linha quando fez sítio a uma cidade grega que era aliada através de um tratado com Roma.


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Ofendidos por essa contínua provocação, o Senado enviou embaixadores à Teuta, exigindo que ela ordenasse o fim da pirataria e abandonasse o sítio. Teuta deu uma resposta evasiva, e quando um dos embaixadores romanos insistiu no assunto de forma clara e ameaçadora, a rainha o fez ser sumariamente executado. O Senado Romano não podia ignorar tal desafio, e em 229 ele resolveu fazer uma ação militar contra a rainha imprudente. Os romanos foram motivados não apenas pela necessidade de manter as aparências, mas também para proteger seus interesses econômicos no Adriático, e em ajudar seus aliados gregos. Ainda mais importante, Roma tinha graves suspeitas sobre o ambicioso Antígono, que parecia estar se preparando para um possível ataque por terra e mar sobre as possessões romanas. No conflito, que foi chamado de Primeira Guerra Ilírica, Roma enviou uma força naval esmagadora contra os piratas, capturando suas ilhas e destruindo suas operações. A campanha foi breve, porém efetiva, já que várias cidades gregas foram libertas, e o controle romano foi estabelecido sobre as ilhas de Faros e Córcira, e também sobre as cidades de Apolônia e Epidamno. O Senado instalou um governador grego, Demétrio de Faros, como governador das novas possessões, mas ocorreu que ele era independente demais, posteriormente se desassociando de Roma para montar sua própria coalizão independente. Ele reverteu a política regional de Roma ao estabelecer relações diplomáticas tanto com a Ilíria quanto com a Macedônia, e então se uniu com os ilírios e Antígono em um ataque bem-sucedido a Esparta em 222. Dois anos depois ele se juntou em um outro ataque ao Peloponeso, perturbando os etólios e acaios, ao mesmo tempo ajudando Filipe V na sua Guerra Social (220-217, p.10). Os romanos viam as ações de Demétrio como traição, e enviaram outro exército para a Ilíria em um conflito chamado de Segunda Guerra Ilírica. Quando os romanos chegaram, Demétrio fugiu para a Macedônia, onde, como já vimos, ele exerceu considerável influência sobre o jovem Filipe V (p.11). A Segunda Guerra Púnica (219 – 202): Ainda mais ominosos para Roma eram os problemas que cresciam na Espanha, cortesia dos inimigos eternos de Roma, os cartagineses. Depois da Primeira Guerra Púnica, Cartago ficou à beira da guerra civil por causa de uma crise de liderança entre duas famílias aristocráticas. Uma liderada por Hano, o Grande, um rico aristocrata que tinha várias conexões políticas e comerciais, mas via poucas vantagens em empreendimentos militares longínquos e arriscados, que pareciam incapazes de trazer qualquer lucro para a cidade ou seus mercadores. A outra família, liderada por Amílcar Barca, apoiava fortemente a guerra, e tinha instigado de forma consistente Cartago a retornar à Sicília e desafiar o controle romano de suas antigas possessões.


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O conflito entre as duas famílias alcançou o ápice ao final da Primeira Guerra Púnica, quando em 244 Hano persuadiu o Senado de Cartago a retirar a poderosa marinha cartaginesa da guerra, uma estratégia contra a qual Amílcar Barca protestou grandemente, alegando que isso daria a Roma a vantagem de tempo para reconstruir sua própria marinha. Se tornou claro que Amílcar estava certo, e com sua frota reconstruída, Roma foi capaz de finalmente derrotar Cartago em 241, e trazer a guerra ao fim pelos termos romanos. Os vitoriosos impuseram uma pesada reparação de pagamentos sobre Cartago, e por esse motivo Hano instigou o Senado a recusar pagar para os muitos mercenários que tinham sido contratados por Amílcar. Sob a liderança de um homem chamado Mato, os mercenários irados se revoltaram, e o próprio Hano tomou o controle da marinha de Cartago em uma tentativa de derrotá-los. Ele falhou, e finalmente cedeu o controle do exército de volta para Amílcar, que tinha sido capaz de abafar a rebelião, e executou Mato por crucificação em 237. Como resultado da perda e consequente rebelião, Hano foi desgraçado e caiu em obscuridade, enquanto Barca se tornou o comandante supremo de toda força cartaginense. Como um verdadeiro rei, Amílcar pretendia reunir novamente toda energia militar possível para lutar contra seu grande inimigo no norte. Tomando controle político total, ele e seu genro Asdrúbal, estabeleceram um partido poderoso no senado cartaginês, e convenceram a cidade a ter dois objetivos: primeiro, retificar a humilhação sofrida por Cartago na Primeira Guerra, e segundo, encontrar um substituto para Sicília, Córsega, e Sardênia, que tinham sido anexadas ilegalmente à Roma. Dirigindo ambas as políticas estava um ódio pela República, construído por orgulho ferido, patriotismo frustrado e ambição desmedida. Amílcar estava bem ciente de que seus objetivos de longo prazo não poderiam ser cumpridos durante sua vida, e assim ele lutou para inspirar em seus três filhos um ódio similar por Roma. Um desses filhos, Aníbal, alegadamente disse a Antíoco III anos mais tarde, que Amílcar o fizera jurar que ele nunca viveria em amizade com Roma. Aníbal cumpriu sua promessa. Em 237, quando Aníbal tinha nove ou dez anos, ele viajou para a Península Ibérica com seu pai Amílcar, e seu meio-irmão, Asdrúbal. Eles esperavam estabelecer um novo centro comercial para Cartago na Espanha, e com isso, um novo império. Em 228, Amílcar tinha invadido e anexado grande parte da região e subjugado seus habitantes pelo caminho. Ele provavelmente teria feito mais se não tivesse sido morto em batalha naquele ano. Asdrúbal tomou a causa em suas mãos, fundando Carthago Nova (Nova Cartago), e se estabelecendo como realeza. Ele casou com princesas nobres, e ordenou que moedas fossem cunhadas com a sua imagem nelas. Embora esse tipo de prática fosse inconsistente com as origens cartaginesas, havia pouca reclamação porque Asdrúbal mantinha um constante fluxo de prata fluindo de volta para a mãe Cartago.


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Os romanos viam a presença de Asdrúbal com preocupação crescente, e finalmente fizeram uma visita para ele na Península Ibérica em 226 para prevenir uma expansão adicional. Asdrúbal os assegurou de que não faria mais incursões, e os dois lados solenizaram um tratado que até parecia bom no papel. Porém, enquanto negociavam, Aníbal cruzou os dedos, observando os romanos de perto em silêncio. Pouco sabiam eles que o maior gênio militar que eles veriam estava bem ali estudando-os, e lideraria os exércitos de Cartago ao seu lar em meros cinco anos. Asdrúbal honrou o tratado com Roma por alguns anos, mas em 221 Aníbal começou a pressionar as possessões romanas na Espanha em uma campanha que posteriormente levou ao início da Segunda Guerra Púnica. O primeiro teste ao progresso de Aníbal veio quando ele se aproximou de Sagunto, uma aliada de Roma. Despertado pela provocação, o Senado enviou outra delegação com um duro aviso de que Aníbal não deveria prosseguir mais em sua expansão para o norte. Aníbal poderia ter dito à delegação que Sagunto estava há 180 quilômetros ao sul do Rio Ebro, e estava assim muito longe dos domínios romanos. Os romanos poderiam ter respondido para Aníbal que eles estavam enganados, e que o rio adequado para formar a fronteira entre eles era o Rio Túria, que estava ao sul de Sagunto. Independente de quem estivesse certo, a negociação com Aníbal falhou, e a delegação romana decidiu levar suas reclamações diretamente à capital cartaginesa. Navegando da Espanha para o norte da África, a embaixada ofereceu uma reclamação similar diante do Senado Cartaginês. Eles não foram tratados muito melhor, sendo informados de que Aníbal era o responsável por todas as políticas ligadas à Espanha. Os romanos ficaram ultrajados pela atitude cartaginesa, e, basicamente “lançaram o desafio” em frustração. Lívio declara que o cônsul Gaio Lutálio colocou a sua toga em uma bolsa durante o encontro e disse, “Nós trazemos paz ou guerra; escolham qual vão levar.” Ao que os cartagineses responderam, “Que ele dê o que quiser.” Lutálio tirou sua toga e disse que lhes dava a guerra, ao que eles responderam que aceitavam o desafio. A maior parte dos historiadores marcam o início da Segunda Guerra Púnica a partir dessa interação.


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Da sua parte, Aníbal abandonou qualquer pretenso respeito pelo tratado em questão. Ele levantou cerco a Sagunto em 219, mas enquanto esperava a sua queda, ele prosseguiu com a maior parte de suas forças para as margens do Ebro. Ele estava apostando alto quando “cruzou o Rubicão”, mas ele estava bem preparado para a aposta. Ele sabia que só poderia ferir mortalmente o inimigo se pudesse surpreendê-lo em seu próprio terreno. Quando ele partiu, suas forças tinham apenas metade do número daquela da Primeira Guerra Púnica, mas, ainda assim, ele contava com cerca de cinquenta mil soldados bem treinados e nove mil de cavalaria. Essas, junto com seus trinta e sete elefantes africanos, criaram rumores aterrorizantes e pânico durante sua chegada. Conforme eles avançavam em território romano, o Senado gritou em protesto, mas Aníbal não tinha intenção de voltar. Sua campanha italiana, junto com a campanha persa de Alexandre, foi uma das mais arriscadas e ousadas de toda a história militar antiga. Aníbal se moveu com rapidez surpreendente, cruzando os Pirineus e o Reno, seguindo o rio até se juntar ao Isar. De lá ele prosseguiu subindo a montanha e enfim virou para o leste no vale do Arco. Ele seguiu esse rio da montanha até que ele de alguma forma cruzou o Monte Cenis, no topo dos Alpes. De lá ele atravessou Turim até a beira da alta planície italiana. Aníbal conseguiu um grande feito, mas não sem um custo. Dezessete dos elefantes morreram na trilha de dezoito dias, e as forças militares de Aníbal sofreram pesadas perdas. O próprio Aníbal perdeu a visão de um olho devido ao frio terrível. Ele alcançou o território inimigo com apenas vinte mil soldados de infantaria e seis mil cavaleiros. Para manter uma chance crível de sucesso, Aníbal teve de alistar pelo menos catorze mil novas tropas entre os gauleses da alta Itália, que estavam dispostos a se juntar ao ataque aos seus tradicionais inimigos.


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Aníbal passou o inverno em Bolonha durante os meses iniciais de 218, treinando seus novos recrutas mercenários. Enquanto esperava a primavera ele recebeu notícias de outras frentes, dificilmente animadoras. Os romanos estavam conduzindo suas próprias invasões no norte da Espanha, e tinham cercado seu representante Hano em uma batalha. Para piorar, o esquadrão da marinha cartaginesa tinha sido destruído em Lilibeu, na Sicília, e para coroar isso tudo, a ilha de Malta, uma das mais antigas e ricas colônias fenícias, acabara de ser conquistada pelos romanos. Em suma, a única esperança que sobrara de Cartago contra Roma era o próprio Aníbal, e suas forças foram momentaneamente impedidas de ter qualquer ajuda ou suprimento da terra natal. Quando os romanos souberam da marcha de Aníbal, eles enviaram o cônsul, Púbio Cornélio Cipião, para se encontrar com ele antes que ele pudesse deixar a Espanha. Enquanto marchavam naquela direção, ele ficou impressionado ao descobrir que ele já tinha chegado na Itália. Os romanos foram imediatamente colocados na defensiva, e rapidamente se voltaram para enfrentar os invasores em seu próprio terreno. Seu primeiro encontro ocorreu no início de 218, no Rio Ticino, um tributário do Rio Pó perto de Pavia. Os romanos foram cercados, e o próprio Cipião foi ferido, e só sobreviveu porque foi resgatado por seu filho de 17 anos, Cipião Africano, que posteriormente seria creditado com a derrota de Aníbal em Cartago em 202. A segunda batalha aconteceu em dezembro de 218, dessa vez no rio Trébia, outro tributário do Pó. O próprio Cipião não queria se envolver, mas o outro cônsul, Semprônio Longo, insistiu em encontrar os invasores de forma direta. Em uma estratégia de mestre, Aníbal enganou os romanos, fazendo-os cruzar o rio de águas gélidas na altura do pescoço. Enquanto as tropas de Aníbal esperavam pacientemente do outro lado, aquecidas e descansadas, os romanos cruzaram a passagem gelada. Depois de a cruzarem, Aníbal atacou as tropas geladas, frias, e famintas, com uma força devastadora. Quando Aníbal usou sua famosa técnica de circular as tropas pela primeira vez, os romanos estavam com tanto frio que mal podiam levantar suas armas. Quando a carnificina acabou, Roma tinha perdido 30.000 homens. Semprônio quase não foi capaz de escapar com vida, e o resto do exército fugiu para o sul através da neve e da névoa. O terceiro encontro, conhecido como Batalha do Lago Trasimeno, aconteceu em 24 de junho de 217, e foi igualmente devastadora para os romanos. Seu comandante Gaio Flamínio, levara as tropas romanas para o sul depois das duas perdas anteriores, esperando preparar uma defesa perto da própria Roma. Aníbal partiu em perseguição, mas se moveu muito mais rápido que Flamínio tinha previsto, passando o exército romano antes que esse chegasse ao seu destino. Flamínio foi forçado a aumentar a velocidade da marcha na esperança de forçar Aníbal a batalhar antes de chegar à capital. Encarando a possibilidade assustadora de um ataque sobre a própria Roma, a cidade enviou outra força sob um comandante chamado Servílio, que supostamente deveria se juntar a Flamínio na defesa da cidade. Aníbal decidiu atacar Flamínio antes que os reforços pudessem chegar.


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Aníbal escolheu um ponto onde a Estrada de Malpasso rodeava ao longo do Lago Trasimeno. Logo ao norte da estrada estava uma série de colinas de mata fechada onde as forças de Aníbal se esconderam esperando que os romanos passassem logo abaixo. Ele enviou um pequeno número de tropas para o norte para acender fogueiras que descem a impressão de que os cartagineses estavam muito mais longe do rio. Na manhã seguinte, as tropas romanas se aproximaram da estrada, sem suspeitar que o inimigo estava próximo. Aníbal lançou um ataque surpresa da floresta próxima. Pegos de surpresa, os romanos foram incapazes de entrar em uma formação de batalha apropriada. As tropas ao fundo foram forçadas a entrar no lago, enquanto o centro, lutando sob Flamínio, foi posteriormente separado pelos gauleses de Aníbal depois de três horas de combate pesado. O corpo de Flamínio nunca foi encontrado. A linha de frente viu apenas um rápido combate, mas quando o desastre na retaguarda ficou óbvio, eles fugiram pela floresta e escaparam. Dos mais de 25.000 soldados romanos em cena, é estimado que pelo menos 15.000 foram mortos. A Itália agora estava aberta para Aníbal e suas forças. Ele poderia marchar pela terra sem qualquer impedimento, em parte porque o novo comandante-em-chefe romano esperava evitar quaisquer encontros diretos com o estrategista brilhante até que ele pudesse manobrá-lo de modo favorável. Aníbal também queria evitar novas batalhas por um tempo, esperando que pudesse juntar apoio entre as cidades e vilas da Itália, se oferecendo para “libertá-las” da opressão romana. No meio tempo, Aníbal não podia se dar ao luxo de perder nenhum número das boas tropas com encontros desnecessários. Os dois lados então começaram a jogar o jogo de gato e rato subindo e descendo a Península Itálica. Em Roma, as três vitórias impressionantes de Aníbal geraram pânico. O Senado apontou um ditador, Quinto Fábio Máximo, para assumir o comando, mas Fábio estava inclinado a agir com cautela, fazendo de tudo para privar Aníbal de seus recursos necessários, mas recusando a enfrentá-lo diretamente em batalha. De início, Fábio perdeu popularidade por suas táticas lentas, de modo que o Senado finalmente dividiu o exército entre Fábio e seu maior crítico, Minúcio. O novo general lançou um ataque direto a Aníbal, mas foi quase destruído na tentativa, sobrevivendo só porque Fábio veio em socorro. Minúcio deu o comando de seu exército para Fábio, que continuou a manter uma estratégia defensiva até que a ditadura acabasse, depois disso o consulado foi dado a L. Emílio Paulo e G. Terêncio Varrão.


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Agora Aníbal tomara Roma pelo pescoço, mas ele ainda tinha um longo caminho para conquistar o que queria, e ele estava bem ciente de sua própria vulnerabilidade. Os cartagineses sabiam que para derrotar os romanos com um exército relativamente pequeno, ele precisavam obter ajuda da população não romana no interior, fazendo tratados com os príncipes locais. Eles também encontraram um problema de logística, tendo que alimentar as tropas diretamente do que a terra possuía, com poucas chances de a frota cartaginesa trazer suprimentos para eles pelo mar. Aníbal marchou ao leste de Roma, e entrou no sul da Itália, onde ele finalmente se estabeleceu no verão de 216 em um local chamado Canas, logo abaixo da “bota” da Itália. Em Canas, Aníbal venceu a última e mais brilhante de suas grandes batalhas. Ele foi atacado em agosto pelo cônsul Varrão, que partiu sem nem consultar o outro cônsul. Aníbal novamente usou suas técnicas circulares em uma ampla e reta planície, dispondo suas forças em uma formação de semicírculo, com infantaria celta e espanhola no centro, infantaria cartaginesa na retaguarda, e cavalaria nos flancos. O ataque foi pesado, como esperado, mas o centro de Aníbal esperou enquanto os cavaleiros circularam e atacaram por trás. Os romanos foram completamente cercados e visivelmente ceifados, perdendo cerca de trinta e cinco mil homens, dois terços deles foram mortos e um terço tomado prisioneiro. O líder romano, Terêncio Varrão, quase não escapou com vida. Com quatro grandes batalhas em seu crédito, Aníbal merecia sua reputação como um dos grandes gênios militares de todos os tempos. Apesar de seu sucesso, entretanto, Aníbal tinha pouca vantagem. O sucesso em Canas só daria frutos se os samnitas, sabinos, úmbrios, e lucanos, junto com um grande número de outros povos italianos, passasse para o lado de Aníbal, fazendo o estado romano se desintegrar. Isso não ocorreu. Cápua, uma cidade próspera na planície da Campânia, e algumas outras cidades menores, receberam Aníbal, mas a maioria das cidades italianas permaneceu leal, se anunciando prontos a pagar altas taxas de guerra se isso fosse o necessário para expulsar os norte-africanos. Sem uma vitória política, a vitória militar de Aníbal não valia muito. Ele começou a encarar o problema de manter o moral e a disciplina dos mercenários gauleses que ele tinha tomado mais tarde em sua campanha. Ele passou o inverno em Canas, mas a cidade estava decadente, e depois de alguns meses a disposição de luta de seus homens ficou menos afiada.


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Em Roma, a disciplina foi mantida, mas a situação se tornou cada vez mais crítica, para dizer o mínimo. A cidade enviou representantes para o Oráculo de Delfos, incluindo o senador Quinto Fábio Pictor, que depois escreveu a primeira história de Roma. Em resposta às questões, o Oráculo deu a típica resposta ambígua, mas os romanos ainda assim começaram a se preparar e com o tempo, os italianos foram capazes de fazer Aníbal recuar. Enquanto isso, Roma ganhava vantagens em outras frentes, em especial na Espanha, onde Públio Cornélio Cipião conduziu grandes investidas militares contra os cartagineses, e foi capaz de recuperar o controle lá. Embora os romanos tenham recusado enfrentar Aníbal novamente em batalhas diretas, eles gradualmente começaram a recuperar as cidades do sul que tinham sido capturadas por ele. Ainda assim, pelos treze anos seguintes, o general caolho marchou para cima e para baixo pela Itália, em certo momento tomando Tarento e todo o “dedão” da Península Itálica. Com o passar dos anos, Aníbal se envolveu em mais algumas pequenas escaramuças, mas depois dos quatro primeiros encontros, nunca mais foi capaz de derrotar os romanos de forma decisiva. Como vimos anteriormente, Filipe V da Macedônia fez um tratado com Aníbal em 215, mas Filipe estava ocupado com a Primeira Guerra Macedônica, e ou não foi capaz ou não estava disposto a enviar ajuda significativa para a causa cartaginesa (p.11) De pouco em pouco, os romanos ganharam força, em grande parte por causa do sucesso de seu famoso general, Marcos Cláudio Marcelo, que tinha sido eleito cônsul pela primeira vez em 222, depois de uma vitória espetacular sobre os gauleses. Seguindo a derrota dos romanos em Canas, ele tomou o comando do restante do exército, e embora fosse incapaz de prevenir que Cápua caísse para Aníbal, ele salvou Nola e o sul da Campânia. A Sicília se revoltou em 214, vendo o sucesso de Aníbal como uma oportunidade muito aguardada de escapar do braço romano. Marcelo imediatamente levou uma frota para a ilha, primeiro recuperando a cidade de Leontini, e então o restante da ilha, finalmente colocando Siracusa, a capital e cidade mais problemática, sob cerco. Porém, durante dois anos, Marcelo foi incapaz de penetrar a resiliente fortaleza, em grande parte por causa da habilidade de Arquimedes, o gênio da matemática que manteve toda a frota romana em cheque com suas engenhosas máquinas de guerra. A mais conhecida delas era a “Garra”, uma grande grua que era capaz de passar por cima da água e jogar pedras nos navios, ou levantá-los e jogá-los na terra. Ele também desenvolveu catapultas que jogavam grandes rochas sobre os romanos com uma precisão assustadora. Marcelo finalmente penetrou Siracusa em 211. Arquimedes foi imediatamente morto


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quando se recusou a acompanhar um soldado romano até que pudesse resolver um problema matemático. Marcelo poupou a vida da maioria dos habitantes, embora ele tenha levado muito da sua preciosa arte para Roma. Ele então retornou à Itália e pelos próximos anos manteve os movimentos de Aníbal sob controle. Ele e outro general romano, G. Cláudio Nero, atacaram Aníbal perto da cidade de Venúsia em 209. A batalha foi acirrada, mas Aníbal foi finalmente expulso. Marcelo fugiu para a cidade, mas foi morto no ano seguinte em um ataque surpresa. Embora suas vitórias tenham sido exageradas por Lívio, o nome mais tarde dado a Marcelo, a “espada de Roma” lhe servia bem, na medida em que ele foi muito efetivo em parar o crescimento do poder de Aníbal. Enquanto Aníbal estava lutando com seus desafios na Itália, sua linha de suprimentos para a Espanha estava sendo posta sob pressão. Os dois Cipiões de Roma, Gneu Cornélio, e seu irmão Públio Cornélio, tinham trabalhado para cortar a linha de provisões de Aníbal, embora ambos tenham sido mortos em 211, e nesse tempo os espanhóis voltaram para ajudar Cartago. Os romanos então elegeram Públio Cornélo Cipião, o jovem (filho de Públio, o velho, e depois chamado de Cipião Africano), para substituir os dois generais mortos. Embora ele tivesse apenas 24 anos de idade, ele continuou de forma brilhante a campanha espanhola, derrotando Asdrúbal em 209, e saqueando a Nova Cartago. Porém, mais importante que isso, ele começou a fazer alianças com a população local para apoiar Roma invés de Cartago, e isso o ajudou a cortar de forma efetiva a linha de suprimentos de Aníbal. De grande significado foi a gentileza especial com que Cipião tratou um príncipe africano que tinha sido forçado a acompanhar os cartagineses à Espanha. Cipião retornou o jovem ao seu tio, um grande chefe na África chamado Massinissa. O governante africano mais tarde seria uma ajuda inestimável para Cipião quando ele se deparou com Aníbal pela última vez na Batalha de Zama em 202. Enfrentando reviravoltas na Itália, Sicília, e agora, na Espanha, Cartago desistiu de manter um império na Península Ibérica, e ordenou Asdrúbal a retirar o resto de suas forças para a Itália para ajudar Aníbal. Asdrúbal começou sua marcha em 208, e ao ouvir sobre isso, os romanos enviaram Marcos Lívio para enfrentar os invasores. G. Cláudio Nero, que tinha acabado de lutar ao lado de Cláudio Marcelo em Venúsia, também levou, em segredo, metade de seu exército para ajudar Lívio. Mas Aníbal e Asdrúbal foram enganados. O exército de Asdrúbal foi totalmente derrotado antes que pudesse adentrar o território italiano, e o próprio Asdrúbal foi morto. Todo o exército de Nero retornou, com a cabeça de Asdrúbal, e a jogou no acampamento de Aníbal. Apesar das perdas de Aníbal, ele permaneceu sendo uma grande ameaça, e Cipião começou a argumentar que a única esperança de realmente derrotar os cartagineses requeria que eles atacassem a própria Cartago, forçando a cidade a pedir ajuda de Aníbal. Muitos se opunham à ideia, mas o Senado ainda assim deu uma aprovação desanimada. Cipião aportou no norte da África em 202, e com a ajuda de apoiadores locais, em especial Massinissa, ele foi capaz de causar uma grande derrota aos cartagineses, forçando-os a apelar para Aníbal.


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Aníbal partiu com dificuldade da Itália, e retornou para o Norte da África para enfrentar Cipião em Zama, ao sul de Cartago. A luta final da Segunda Guerra Púnica aconteceu em 202, e naquele momento, os romanos conquistaram duas vitórias difíceis, das quais Aníbal escapou e exigiu que seu governo requeresse a paz. Roma impôs termos mais exigentes já infligidos sobre um povo derrotado, requerendo que eles desistissem de qualquer reivindicação à Espanha, assim como dos territórios numídios do Norte da África, os quais seriam todos dados a Massinissa. De Cartago foi exigido que entregasse todos os seus navios de guerra, exceto dez trirremes, e pagasse uma indenização à Roma, a astronômica soma de dez mil talentos de prata em cinquenta parcelas. Cartago ficou proibida de travar qualquer guerra fora da África, e foi proibida de fazer qualquer ação militar na África sem o consentimento de Roma. Para simplificar, Cartago foi humilhada. Roma, por outro lado, tinha agora se tornado uma potência mundial. Ela tinha conquistado seu único grande rival no Oeste do Mediterrâneo, ao mesmo tempo em que tinha conquistado a Espanha. Em seu esforço por interromper as linhas de abastecimento de Aníbal na Espanha, Roma tinha tomado posse da maior parte do sul da Gália, transformando-a nas províncias romanas de Hispania e Gália Cisalpina. Roma também tinha feito uma campanha bem-sucedida contra Filipe, prevenindo-o de prover qualquer assistência na Guerra Púnica, e essas campanhas também levaram à expansão romana na Grécia e até na Ásia Menor. Em suma, a derrota de Cartago impulsionou Roma a uma posição de proeminência mundial da qual ela não sairia pelos próximos setecentos anos. Aníbal permaneceu em sua terra natal depois da sua derrota na Segunda Guerra Púnica, mas diferente de qualquer outro general que tivesse perdido grandes batalhas, os cartagineses fizeram dele um sufete (magistrado ou juiz), tratando-o como um herói nacional apesar de sua derrota. Para os cartagineses, Aníbal tinha se tornado quase uma instituição moral, fatigado, rigoroso, austero, vestido severamente em preto, e se levantando acima de qualquer um de seus conterrâneos. De acordo com Lívio, quando os cartagineses ocasionalmente reclamavam de sua indenização de guerra, Aníbal previu que eles um dia veriam esses pagamentos como um “problema pequeno” em comparação com a opressão que Roma imporia no futuro. Seu desafeto por Roma, obviamente, nunca passou. Alguns anos mais tarde, Aníbal esperava ter encontrado um novo aliado na pessoa de Antíoco III, em especial quando soube o plano sírio de desafiar Roma na Ásia Menor e na Grécia. Aníbal enviou emissários para a Síria esperando induzir Antíoco a levar sua campanha até a Itália. Quando os romanos souberam das ações de Aníbal, eles exigiram que ele fosse preso e enviado para eles. Por ter inimigos políticos em Cartago, que estavam mais que dispostos a executar esse comando, ele fugiu para Tiro, e de lá para a corte do próprio Antíoco. De acordo com Lívio, Aníbal disse a Antíoco sobre o juramento que seu pai o fizera tomar, e adicionou:


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“se você estiver pensando em fazer guerra contra Roma, me escolha como seu conselheiro e eu vou lhe servir com todo meu poder.” Antíoco ficou impressionado, mas ele mal teria como justificar um ataque contra a longínqua Itália, embora, como veremos, ele confiasse nos conselhos de Aníbal em seus esforços para causar problemas ao domínio romano no mundo grego.


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Capítulo 11

Os tempos de Jesus (44 a.C. a 45 d.C.)

A era do Novo Testamento se estende do nascimento de Cristo, aproximadamente em 6 a.C. até a destruição de Jerusalém em 70 d.C. Certamente alguns têm datado alguns documentos no cânon do Novo Testamento em uma época posterior, mas no presente momento, o ano 70 marcará o encerramento apropriado do período, finalizando as práticas de adoração do judaísmo tradicional, as ofertas de sacrifícios, o serviço dos levitas, tudo isso mudando de forma fundamental e permanente o caráter religioso do Judaísmo. O ano 70 marcou o fim do que Jesus chamou várias vezes de, “essa geração” e assim iniciou a Era Messiânica, a era cristã, de forma que a partir do ano 70 em diante, a disciplina acadêmica da “História da Igreja” deve lidar com a história do povo de Deus, e a disciplina da História Bíblica chega a sua conclusão. Capítulos anteriores desse livro descreveram os complexos acontecimentos que levaram ao ano do nascimento de Jesus de Nazaré. Três tradições políticas e culturais convergiram em Israel, todas elas existindo sob um equilíbrio instável na época da natividade. Dominando o cenário político, Roma dominava a nação, tendo tomado o controle de Israel sob Pompeu no ano 63 a.C., de forma que a autoridade dos Césares era claramente visível por toda Jerusalém e países ao redor. Ao mesmo tempo, as influências helenistas tinham diminuído pouco, apesar da Revolta dos Macabeus (c. 165 a.C.), com claras expressões da cultura grega evidente por toda a cidade. Além dessas duas, a tradição hebraica permaneceu sendo a influência mais importante e formativa. O partido dos saduceus mantinha laços políticos estreitos com Roma, enquanto os radicais instigavam revoltas violentas. Os fariseus buscavam manter uma tradição de pureza religiosa dentro da comunidade, enquanto os essênios buscavam sua distinta forma de pureza se separando e isolando.


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Essas e outras forças criaram o “contexto” do Novo Testamento, mas é provável que seja mais conveniente organizar um resumo a partir da perspectiva do mundo romano, e essa discussão se inicia com o exame do primeiro verdadeiro imperador romano, Augusto. Augusto César (31 a.C. - 14 d.C.): Caio Júlio César Otaviano, nasceu em 23 de setembro de 63 a.C., e morreu em 19 de agosto de 14 d.C. Ele é geralmente considerado o maior imperador de Roma, preservando a forma externa de uma república, mas, na verdade, governando de forma autocrática por mais de 40 anos. Ele encerrou um século de guerras civis, e deu a Roma uma era de paz, prosperidade e grandeza imperial sem precedentes. Ele adquiriu o título “Augusto” (digno de reverência) em 27 a.C. mas, antes disso, ele era conhecido como “Otávio”, ou Otaviano. Seu pai, Caio Otávio, foi governador da Macedônia até sua morte em 58 a.C., e sua mãe, Átia, era tia do maior líder militar e comandante romano, Júlio César. Por César não ter herdeiros, ele adotou Otaviano no ano 46, e apesar das calúnias de Marco Antônio, que alegava que ele tinha ganho sua adotação por causa de favores sexuais, a maior parte dos historiadores acredita em uma afeição paterna real entre C. Júlio César e Otaviano. Quando César foi assassinado em 44, Otaviano estava com as forças romanas em Apolônia (atual Albânia). Embora tivesse apenas 18 anos de idade, ele não perdeu tempo para buscar apoio político, enfatizando seu status de herdeiro de César. Ele cruzou a Itália recrutando uma força militar cujo corpo principal era constituído por veteranos do exército de César, chegando a Roma para encontrar a cidade dominada pelos assassinos de César, Marco Júnio Bruto e Caio Cássio, ambos tradicionalistas que pediam pelo retorno do poder senatorial. Depois de um tenso impasse, Otaviano fez uma aliança instável com Marco Antônio e Marco Lépido. Antônio (Marcus Antonius) tinha por muito tempo apoiado Júlio César, servindo tanto como comandante militar e administrador sob seu reinado. Lépido (Marco Emílio Lépido) também fora um importante apoiador de César, tendo iniciado sua carreira como pretor em 49 a.C., e ganhando o consulado em 47. Os três homens, Otaviano, Antônio e Lépido, formaram uma aliança que ficou conhecida como Segundo Triunvirato e lançaram um expurgo em Roma, matando ou expulsando os aliados dos assassinos.


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Tendo assegurado Roma, Antônio e Otaviano deixaram Lépido no comando da capital, e marcharam contra Bruto e Cássio, que fugiram com suas forças para o leste. Eles derrotaram os assassinos no ano 42 em Filipos, onde tanto Bruto quanto Cássio cometeram suicídio. Otaviano retornou para Roma, enquanto Lépido assumiu a responsabilidade pela Espanha e África, Antônio prosseguiu para o Egito, onde ele se aliou com Cleópatra VII, a mãe do filho infante de César, Cesárião. Posteriormente, Lépido foi forçado a se aposentar da vida política, e foi deixado com o seu título religioso, Pontifex Maximus. Os domínios romanos foram então divididos entre Otaviano com o oeste e Antônio com o leste. Enquanto Antônio estava ocupado em algumas campanhas militares e em seu romance com Cleópatra, Otávio construiu uma rede de aliados em Roma, consolidando seu poder, e espalhando propaganda que implicava que Antônio tinha se tornado menos romano por causa de sua preocupação com os assuntos e tradições egípcios. A situação se tornou cada vez mais tensa, e finalmente, em 32, Otaviano declarou guerra. As frotas dos dois se encontraram na batalha de Áccio, na costa oeste da Grécia, e embora ambos tenham tido perdas significativas, Otaviano emergiu vitorioso enquanto Antônio fugiu para o Egito onde tanto ele quanto Cleópatra cometeram suicídio. Embora agora fosse o governante inconteste de todo o mundo romano, Otaviano ainda encarava desafios assustadores. Anos de guerra civil tinham deixado o estado romano à beira da anarquia, e com pouca vontade de aceitar o controle de um déspota. Porém, Otaviano foi notadamente astuto politicamente, e escolheu uma linha de ação que a história mais tarde provaria ser evidência de seu gênio político. Depois de debandar seus exércitos, ele fez eleições pelas quais foi escolhido como cônsul, e com a autoridade desse cargo, ele retornou o poder ao Senado em 27, assim oferecendo desistir de suas forças militares no Egito. O Senado, de modo agradecido pela retificação de seu status, não apenas recusou sua oferta, como, na verdade, estendeu seus poderes, dando a ele o controle da Hispania, Gália, e Síria, as províncias com o maior número de tropas.


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Foi nesse momento que o Senado romano conferiu a Otávio o nome “Augusto”, um título que trazia à mente um sentimento religioso de antiguidade, que se acreditava derivar de auctoritas, a prática de augúrios. O título parecia simbolizar uma autoridade que excedia qualquer definição constitucional de seu status, enquanto ao mesmo tempo, separando seu governo benigno como imperador de seu reino de terror como Otaviano. Embora fosse anormal para o Senado Romano, suas ações não surpreendem, dado que Otaviano e Antônio tenham antes expurgado o órgão de elementos suspeitos e semeado-os com partidários leais. Nos muitos anos que se seguiram, Augusto estendeu de forma definitiva seu poder, que se baseava amplamente em títulos novos e redefinidos. Ele renunciou ao seu cargo como cônsul em 23, tomando então o título de tribuno (tribunicia potestas), um cargo tradicionalmente associado ao povo comum, assim o título “imperial” (imperium proconsulare maius, ou poder maior que o de qualquer governador), o que dava a ele autoridade suprema em todas as questões relativas a governança territorial. E foi assim que nesse ano Augusto na verdade assumiu o manto de imperador, embora ele costumeiramente preferisse a designação cívica, Princeps, ou “Primeiro Cidadão”. Depois da morte de Lépido em 13 a.C., ele adicionou a si o título Pontifex Maximus, o que fez dele também, o principal sacerdote da religião romana. Augusto governou com grande prudência, mantendo seu poder quase absoluto por 40 anos de paz e prosperidade cívicas, celebradas como a Pax Romana. Ele reformou o sistema financeiro e tributário de Roma. Ele criou o primeiro exército e marinhas permanentes e colocou suas legiões por todas as fronteiras do império onde eles pudessem manter a segurança de Roma e não se envolver na política. Ele colocou uma guarnição da elite militar em Roma, a Guarda Pretoriana, cujo dever era proteger a pessoa do imperador. Em suma, ele trouxe estabilidade, previsibilidade, e equidade ao mundo romano, e sob sua extensa influência o grande império prosperou.


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Augusto não travou grandes guerras, embora tenham havido alguns conflitos menores no norte da Espanha, Gália, e Germânia. No leste, ele ficou satisfeito com o estabelecimento do poder romano sobre a Armênia e a Transcaucásia, isolando a Pártia. Nos assuntos internos, ele canalizou grande parte do seu enorme poder e riqueza para o exército, mantendo-o feliz com generosos pagamentos, enquanto alegrando os habitantes de Roma ao embelezar a capital e criar magníficos jogos. Havia verdade na sua alegação de que ele “encontrou uma Roma de tijolos e a fez de mármore.” Ele construiu uma nova casa para o Senado, a Cúria, e erigiu templos a Apolo, e ao Divino Júlio, próximo ao Circo Máximo. Está registrado que ele construiu tanto o Templo Capitolino quanto o Teatro de Pompeu, mas modestamente se recusou a colocar seu nome neles. Ele fundou o Ministério dos Transportes, que construiu uma extensa rede de estradas, melhorando a comunicação, o comércio e o correio. Somado a tudo isso, Augusto também criou a primeira brigada de incêndio, e criou o corpo de polícia regular de Roma. Na questão cultural, Augusto também teve influência significativa. Ele ajudou fortemente a adoração dos deuses romanos, em especial, Apolo, e retratou a derrota romana do Egito como a vitória das divindades romanas sobre os deuses daquela nação. Ele patrocinou a Eneida de Virgílio na esperança de aumentar o orgulho pela herança romana. Augusto também lançou uma cruzada pela moralidade, promovendo o casamento, a família, e a criação de filhos, enquanto desencorajava a luxúria, os “casamentos mistos”, a sexualidade irrestrita (incluindo prostituição e homossexualidade), e o adultério, embora esses esforços tenham sido em grande parte malsucedidos. Ele fez muitos favores aos poetas, artistas, escultores e arquitetos, de forma que seu reinado foi considerado a Era de Ouro da literatura romana. Horácio, Lívio, Ovídio, e Virgílio floresceram sob sua proteção, mas, em compensação, eles deveriam pagar tributo ao seu gênio e aderir aos seus padrões. No tempo do nascimento de Cristo, a Roma Imperial tinha se tornado desenfreada em sua conferência de títulos a Augusto, designando-o “pai dos pais” (Pater Patriae) no ano 2 a.C., quando se diz que ele chorou muito. Tais títulos anteciparam tais nomenclaturas como Duce ou Führer, e virtualmente representavam honras divinas, o que ironicamente coincidia com a adoração que os pastores e magos estavam oferecendo para honrar o rei que nascia em periferias, mas que estava destinado a moldar o mundo de formas que excederiam grandemente a Augusto.


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Um dos últimos grandes desafios encarados por Augusto foi nomear um sucessor, um costume que tinha sido abandonado e ridicularizado por Roma desde a fundação da República, mas que agora parecia essencial para a estabilidade do império. Augusto tinha se casado duas vezes, mas nenhum dos casamentos produzira um herdeiro masculino. De seu primeiro casamento ele tinha tido uma filha, Júlia Cesária. Em 39 a.C., ele se casou novamente, dessa vez com Lívia Drusila, a filha de Marco Lívio Druso Claudiano, que tinha cometido suicídio em Filipos junto com Cássio e Bruto, depois do assassinato de Júlio César. Esse casamento também falhou em produzir um herdeiro adequado ao trono. Lívia tinha sido casada anteriormente com Tibério Cláudio Nero, seu primo patrício, de quem ela tinha dois filhos. Embora o marido de Lívia se opusesse a Otávio durante a guerra civil, sua família sobreviveu aos julgamentos e se reconciliou com ele em 39. Nessa época, Lívia já tinha um filho, o futuro imperador Tibério, e estava grávida de um segundo, Druso, o Velho. Reza a lenda que Otaviano e Lívia imediatamente se apaixonaram no primeiro encontro, e se casaram no dia seguinte a finalização de seus divórcios. O marido de Lívia aparentemente concordava em deixá-la ir e estava até presente no casamento. Otaviano e Lívia ficaram casados por 52 anos, e apesar de não terem filhos, Lívia sempre desfrutou do status de privilegiada conselheira de seu marido. Sem filhos próprios, o candidato principal à sucessão de Augusto era seu sobrinho Marcelo, que tinha se casado com sua filha Júlia Cesária, mas Marcelo morrera por comida envenenada em 23 a.C. Depois de sua morte, Augusto entregou Júlia a seu mão direita, Marco Agripa, em um casamento que produziu três filhos e duas filhas: Caio César, Lúcio César, Vipsania Júlia, Agripa o Velho, Druso, e Agripa Póstumo. Augusto também mostrou favor a seus dois filhos adotivos, Tibério e Druso, depois de terem conquistado grande parte da Germânia e, posteriormente, fez deles seus herdeiros, adotando-os. Marco Agripa morreu em 12 a.C., depois do que Augusto pressionou Tibério a se divorciar de sua esposa e se casar com Júlia. Tibério serviu na corte de Augusto por um tempo, mas se aposentou em 4 a.C. O irmão de Tibério, Druso morreu em 9 a.C., e os filhos adotivos de Augusto, Caio e Lúcio, morreram ambos antes de 5 d.C. Assim, Augusto tinha perdido a maior parte de seus sucessores ao trono, e chamando Tibério de volta a Roma, ele começou a treiná-lo para a sucessão. Em 19 de agosto de 14 d.C., Augusto morreu. Agripa Póstumo e Tibério foram nomeados herdeiros no testamento de Augusto, mas Agripa tinha sido banido, e foi sentenciado a morte na mesma época. Não se sabe quem ordenou a sua morte, mas o caminho estava livre para Tibério assumir o ofício imperial, assim como o poder que seu padrasto tinha exercido. Augusto foi deificado logo após sua morte, e tanto seu sobrenome, César, quanto seu título, Augusto, se tornaram títulos permanentes para os governantes de Roma pelos 400 anos que se seguiram, e ainda eram usados em Constantinopla catorze séculos após a sua morte, enquanto os títulos derivados “Kaiser” e “Tsar” seriam usados até o início do século 20. O culto do Divino Augusto continuou até que Constantino, o Grande, converteu a religião estatal de Roma no Cristianismo no século 4.


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Herodes, o Grande: Sob o reinado de Augusto, o “rosto” de Roma para a nação judaica era visto na dinastia de Herodes, começando com seu famoso fundador, Herodes o Grande (c. 74 – 4 a.C.). Enquanto Herodes tem sido obviamente visto como um dos maiores vilões da história, ele na verdade foi um governante razoavelmente competente, exibindo um comportamento não muito diferente daquele de muitos outros déspotas orientais, ou até de monarcas celebrados como Henrique VIII ou Luís XIV, ambos os quais cometeram alguns dos mesmos crimes que Herodes, exceto é claro, os ataques intencionais ao Messias. Herodes, de certo, podia ter uma crueldade irracional, como foi o caso de muitos monarcas autocráticos, mas ele também se tornou muito famoso por suas grandes amostras de riqueza e por ter criado muitos projetos públicos impressionantes. Herodes nasceu em uma família proeminente da Idumeia, uma região ao sul de Israel conhecida no Antigo Testamento como Edom, que fora estabelecida por Esaú e seus descendentes durante a época dos patriarcas. Embora Esaú fosse o irmão de Jacó, os edomitas foram os inimigos tradicionais do povo judeu, e frequentemente participaram em ataques contra Israel, enquanto celebravam outros que destruíssem seu povo e propriedades (cf. Sl 137:7). Na verdade, o profeta hebreu Obadias pronunciou o julgamento contra os edomitas, e o último livro do Antigo Testamento começa com a lembrança de que Edom era “odiado” por Deus apesar de sua conexão familiar (Ml. 1:1-3). A luta duradoura entre as duas nações parecia ter sido enfim vencida por Israel quando em 130 a.C., apenas alguns anos depois da Revolta dos Macabeus, João Hircano conquistou de forma decisiva a Idumeia. Ele infligiu especial punição a esse povo, exigindo que os idumeus se “convertessem” à religião judaica e se submetessem à lei judaica, ou enfrentassem a deportação e o exílio. Obviamente a maior parte dos idumeus se converteu, mas isso apenas aprofundou o ressentimento para com seus conquistadores, e isso levou a motivos religiosos pouco sinceros em sua adoração. João Hircano criou assim o clima religioso e político que viria a produzir um personagem como Herodes, que, na verdade, via a si mesmo como um judeu e um praticante da fé judaica, enquanto, ao mesmo tempo demonstrava um paganismo aprofundado por toda a sua carreira. Ele fez caríssimas contribuições com sua riqueza para a construção de monumentos e tributos celebrando a religião judaica, incluindo, é claro, o impressionante e lindo templo em Jerusalém. Mas, como um Cavalo de Troia, ele também avivou algumas das mais claras expressões de secularismo, idolatria, e culto a César, já vistas por seu povo. De muitas maneiras, Herodes foi o símbolo culminante da batalha de séculos entre Jerusalém e “Babilônia”, um conflito que no passado fora mais político do que religioso, mas agora a “Babilônia” permeava Jerusalém, ameaçando-a de dentro, e essa Babilônia era alimentada por Roma, e guiada pelo centro e símbolo romano, o Rei Herodes.


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Herodes foi o segundo filho de um governante idumeu chamado Antípatro, que alguns consideram o verdadeiro fundador da dinastia herodiana. Antípatro se casara com Cipros, uma princesa da vizinha Nabateia, que tinha como sua capital Petra. A família de Antípatro era muito rica, e ele próprio era ligado a alguma das grandes figuras de Roma, incluindo Pompeu e Cássio. No ano 47, o Senado indicou Antípatro como procurador sobre a Judeia, e logo depois instalou o seu filho Herodes como governador da Galileia. Na época da indicação de Antípatro, os asmoneus continuavam sendo os governantes oficiais, tendo governado Israel desde a Revolta dos Macabeus. Embora o poder asmoneu tenha sido fortemente circunscrito, a família funcionava como a “nobreza” de facto de Israel, estabelecendo uma certa relação de mediação entre Israel e o governo romano. Os asmoneus flertavam uma relação ainda mais próxima com Roma do que Antípatro, sua principal ligação, mas problemas surgiram em 43 quando Antípatro foi assassinado, diz-se, por um coletor de impostos local. Com a morte de seu pai, Herodes sucedeu ao ofício de procurador da Judeia e Galileia com 25 anos de idade. Para trocar favores com o novo governante, os asmoneus ofereceram a ele sua bela filha de 16 anos, a princesa asmoneia chamada Mariana. O acordo foi visto como politicamente benéfico para Israel, mas Herodes também viu o casamento como desejável para sua carreira. Ele baniu sua primeira esposa, Dóris, junto com seu filho de três anos, Antípatro, casando com Mariana no ano 43. Herodes viu sua primeira grande crise cerca de três anos mais tarde quando Antígono, o governante da Ásia Menor, liderou um exército de partas contra ele. Herodes fugiu para Roma e buscou ajuda de Marco Antônio, que estava governando sob a administração do Segundo Triunvirato. Ao que parece, Herodes apenas requisitou uma reinstalação, mas Antônio o deu mais do que ele pediu, conferindo ao príncipe idumeu o título, “Rei da Judeia”, um status que foi então confirmado pelo Senado. Herodes e Antônio retornaram a Jerusalém com forças romanas, e recuperaram a Judeia em 37, depois de uma guerra de dois anos, após a qual Antígono foi executado e Herodes coroado.


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No ano seguinte, Herodes apontou seu cunhado de 17 anos, Aristóbulo (irmão de Mariana) como Sumo Sacerdote em Jerusalém. Nessa época, o ofício sacerdotal tinha se tornado mais político do que religioso, e embora os asmoneus tivessem-no controlado por muitos anos, agora a indicação requeria a sanção de Roma. Aristóbulo veio a se tornar muito popular, e Herodes começou a temer que o jovem sacerdote poderia disputar sua afeição com ele a afeição da nação. O problema desapareceu quando Aristóbulo misteriosamente se afogou em uma festa no jardim. Houve suspeita de que Herodes planejara o acidente, mas os historiadores concordam que há evidência insuficiente para conectá-lo a isso com total certeza. Herodes encarou outra série de desafios no ano 32, começando com uma rebelião no minúsculo estado da Nabateia, o lar da mãe de Herodes. Herodes decidiu remediar o problema pela força, e depois de uma guerra de um ano e meio, conseguiu trazê-la sob seu controle. Mais ou menos na mesma época, ele se viu diante de uma crise muito maior envolvendo seu amigo Marco Antônio e a guerra civil com Otaviano. Pagando a ajuda dada anteriormente por Antônio, o idumeu o ajudou na Batalha de Áccio. Quando Antônio foi sobrepujado, Herodes percebeu que seu próprio destino político se afundaria de forma considerável se ele mantivesse a lealdade ao velho amigo, e ele habilmente trocou de lado em ajuda a Otaviano, que em compensação mostrou grande favor a Herodes, confirmando a designação dada antes por Marco Antônio, como “Rei dos Judeus”. Logo depois, Herodes começou a ficar envolto em uma paranoia que desempenharia um papel cada vez maior ao longo de sua carreira. De acordo com Josefo, isso começou quando Herodes passou a suspeitar da infidelidade de Mariana, quando ela, temendo por sua segurança, recusou-se a dormir com ele. Isso só aumentou suas suspeitas, o que o levou a acusá-la formalmente do crime, levando-a a julgamento no ano 29. A testemunha principal no caso de Mariana foi a irmã de Herodes, Salomé e a própria mãe de Mariana, Alexandra, que ao que parece era a próxima na lista de execuções de Herodes, e esperando salvar a sua própria vida, condenou Mariana, mas esta estava impassível e calma enquanto encarava a execução, com a idade de 25 anos. Ela tinha dado à luz a quatro crianças sobreviventes em seus sete anos de casamento com o rei da Judeia, Alexandre, Aristóbulo, Salampsio, e Cipro. Depois da morte de Mariana, Herodes se casou pela terceira vez com uma mulher também chamada Mariana, e dela ele teve seu quarto filho, Herodes Filipe I.


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Logo após a execução, a mãe de Mariana I, cheia de remorso por ter tido parte na morte dela, publicamente acusou Herodes de ser mentalmente incapaz de governar e que deveria ser deposto, e que ela deveria governar em seu lugar como regente. Seu diagnóstico de Herodes poderia estar correto, mas ela não tinha a influência política para removê-lo, ainda mais para se instalar como rainha. Herodes a executou no mesmo ano, e apenas alguns meses mais tarde, ele também executou seu cunhado, Kostabar, sob suspeita de conspiração. Kostabar era o marido da irmã de Herodes, Salomé, e pai de sua sobrinha, Berenice. Nesse caso, há motivos para suspeitar de que Kostabar era culpado do crime, e na verdade, Herodes escapou por pouco de uma tentativa de assassinato ainda mais suspeita no ano seguinte. Apesar da crescente preocupação com sua estabilidade, Herodes ainda assim conseguiu manter um programa impressionante de construção e embelezamento de Jerusalém e suas imediações. Ele deu um grande festival em Jerusalém no ano 28, e como parte da celebração construiu um teatro e anfiteatro espetaculares que refletiam o melhor da arquitetura contemporânea grega e romana. Logo depois disso, ele reconstruiu Samaria, e em honra a Otávio, a renomeou “Sebaste”, uma derivação de “Augusto”. Ele até mostrou um lado humanitário quando, em 25, ele baixou um terço dos impostos, e importou grandes carregamentos de grão do Egito como parte de um programa de alívio para ajudar o povo em desespero que sofria de uma dura seca em Israel e na Síria. Para a sua terceira esposa, Mariana, ele construiu um belo palácio em Jerusalém, enquanto ao mesmo tempo completava sua famosa fortaleza judaica, o Heródio. Ele colocou vasta soma na reconstrução de Cesareia, nomeada em homenagem a César Augusto, concentrando-se especialmente em seu porto. Os romanos ficaram tão impressionados com a produtividade de Herodes que lhe deram o governo sobre as regiões de Traconites, Bataneia, e Auranítide, todos esses territórios localizados a leste do Rio Jordão e ao sul de Damasco.


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O mais impressionante e ambicioso projeto de construção empreendido por Herodes foi o templo de Jerusalém. Ele expandiu grandemente o modesto “Segundo Templo” completado sob os persas em 516. Herodes erigiu uma estrutura comparável em grandeza ao Templo de Salomão, pela qual esperava se agraciar perpetuamente com a alma judaica. O trabalho do templo começou em cerca de 20 a.C. e continuou pelos próximos dez anos. No ano 18, Herodes viajou para Roma, negociando mais favores e exceções para o povo judeu. Ele também estendeu seus majestosos trabalhos públicos na Ásia Menor e Norte da África, mas para a nação de Israel ele estendeu o maior favor, conquistando prosperidade tal que em 14 a.C., ele aliviou um quarto dos impostos da nação. O templo de Jerusalém foi completado de forma substancial no ano 10, e a cerimônia de dedicação foi celebrada com elaboradas festividades e espetáculos. No ano seguinte, Herodes inaugurou Cesareia Marítima, uma elaborada instalação portuária em Cesareia que era como uma versão antiga de um parque aquático, com entretenimento que ficou famoso por todo o Mediterrâneo. Apesar dessas conquistas, Herodes continuou a lutar com dificuldades familiares. Depois de uma amarga briga com seus filhos, Alexandre e Aristóbulo, ele passou seu filho primogênito Antípatro à posição de primazia. Seguindo essa retirada, Herodes começou a suspeitar que Aristóbulo e


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Alexandre estivessem conspirando seu assassinato, e depois de acusá-los de conspiração, ele os levou à cidade de Aquileia para serem julgados. O próprio Augusto interveio e mediou a reconciliação dos três. Ele logo gracejaria que, “Era melhor ser o porco de Herodes do que um filho dele.” Tendo ocorrido isso, ele ajustou novamente seu testamento, dessa vez colocando Alexandre e Aristóbulo em segundo e terceiro lugar depois de Antípatro, o que os pareceu deixar satisfeitos por um tempo. Herodes se casou pela quarta vez, com uma mulher chamada Máltice, e com ela ele teve dois filhos, Arquelau e Antipas. Logo após isso, ele se divorciou de Máltice e se casou com Cleópatra de Jerusalém, de quem ele teve Herodes Filipe II. No ano 10, Herodes novamente se viu lidando com uma dura rebelião na Nabateia. O resultado não foi bom, e no ano seguinte, Herodes começou a cair em desgraça com Augusto por sua inabilidade de esmagar a resistência. Tais circunstâncias sempre faziam Herodes ser tocado pelo medo por sua própria segurança. E novamente ele começou a suspeitar de que seus filhos, Alexandre e Aristóbulo estavam planejando matá-lo. Ele trabalhou ferrenhamente para recuperar o favor de Augusto, e assim no ano seguinte sentiu que sua posição com Roma estava assegurada o suficiente com Roma para agir com suas suspeitas para com seus filhos. Ele acusou-os de alta traição no ano 8, depois do que eles foram julgados e condenados em uma corte romana em Berytos (Beirute) na Fenícia. Depois de suas mortes, Herodes novamente mudou seu testamento, deixando Antípatro como único sucessor ao trono, mas nomeou Herodes Filipe II o próximo sucessor depois de Antípatro. Augusto fez da Judeia uma província romana em 6 a.C., e para recalcular a base de impostos na região ordenou um censo. Se exigiu que as famílias se registrassem em suas cidades ancestrais, e por essa razão um homem chamado José, que era descendente de Davi, da autêntica nobreza judaica, veio a Belém, a cidade de Davi, para se registrar com sua noiva, Maria. Enquanto estavam lá, ela deu à luz a um filho, e o chamou Jesus (ou seja, Josué, que significa YAH salva). Em um texto repleto de ironia, Lucas registra que os mensageiros angelicais anunciaram o nascimento do maior rei da nação a alguns poucos homens que representavam as pessoas da profissão menos estimada, pastores, e eles foram honrados como os primeiros a contemplar esse evento marcante. O infante foi circundado oito dias depois como costumeiro sob a lei de Israel. Quando ele foi apresentado no templo, um ancião chamado Simeão encontrou José e Maria, e deu um anúncio profético relativo ao destino da criança. Ao mesmo tempo, Ana, uma mulher fiel de Israel, se aproximou e adorou-o. De acordo com o evangelho de Mateus, Herodes descobriu sobre o nascimento pelos “Magos” que chegaram em Jerusalém vindo do oriente. Muitas perguntas não respondidos cercam essas Magos, um termo usado por Heródoto para descrever ou membros das tribos medas ou sacerdotes astrólogos zoroastrianos. No uso grego posterior, a palavra podia se referir a astrólogos, adivinhos, interpretadores de sonhos, leitores de augúrios, charlatões ou enganadores. Pelo fato do texto de Mateus implicar que eles apenas observavam as estrelas, muitos têm concluído que Mateus tinha “astrólogos zoroastrianos” em mente, somando-se a isso o termo “vindos do Oriente”, sugerindo que eles vieram da Pérsia.


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Mateus também relata o horrendo “massacre dos inocentes” sob o comando de Herodes. Não há referência específica a esse incidente fora do Novo Testamento, embora Josefo mencione que Herodes lançou uma campanha política brutal contra o partido dos fariseus porque eles tinham anunciado que o nascimento do Messias necessariamente significava o fim do reinado de Herodes. Isso aconteceu em 6 a.C., e no geral coincide com a data do nascimento de Jesus. No relato bíblico, Herodes, requisitado em uma visita pelo Magos, consultou os especialistas judeus para determinar quando seria o nascimento do Messias. Avisado de que o nascimento ocorreria em Belém, ele ordenou que todos os meninos de dois anos para baixo fossem mortos. A paranoia de Herodes não diminuiu no ano seguinte quando ele fez acusações ao seu filho mais velho, Antípatro, alegando que ele planejava o assassinato de Herodes. Antípatro foi condenado e sentenciado a ser executado, embora a sentença não pudesse ser aprovada sem a autorização de Augusto. Enquanto esperava a aprovação, Herodes mudou seu testamento mais uma vez, dizendo que Antipas, seu segundo filho com Máltice, seria seu sucessor. Conforme Herodes continuava a esperar,, ele caiu sob uma grave doença. Foi nesse tempo que alguns “estudantes da Torá”, ou seja, jovens zelosos por manter a lei judaica, invadiram o templo recém-completado de Herodes e esmagaram a águia romana dourada que estava afixada na entrada. Seus professores eram os fariseus, e tinham ensinado que a águia era um sacrilégio e não havia lugar para ela nos recintos sagrados. Herodes ordenou que os jovens fossem presos e executados mais ou menos no momento que ele recebeu a aprovação para executar seu filho Antípatro. Com a morte de Antípatro, Herodes foi forçado a mudar novamente seu testamento. Dessa vez ele apontou Arquelau, seu filho mais velho do casamento com Máltice, para governar sobre toda a região, enquanto Antipas, o jovem filho de Máltice, e Filipe, seu filho com Cleópatra, governariam como tetrarcas sobre a Galileia e a Pereia, junto com Galanítide (Golã), Traconite, Bataneia e Pãnia. A data precisa da morte de Herodes permanece incerta, mas provavelmente foi em março ou abril de 4 a.C. Os domínios de Herodes foram divididos entre seus três filhos: Arquelau, Antipas, e Herodes Filipe II. Herodes já tinha executado três de seus filhos, Alexandre e Aristóbulo em 7 a.C., e Antípatro em 4 a.C. Herodes Filipe I, filho de Mariana II, aparentemente se retirou para a vida privada depois da morte de seu pai. Pouco se sabe do sexto filho de Herodes, Fasael, que nasceu de sua sexta esposa, Palas. Aristóbulo teve um filho antes de sua morte, Agripa, que se tornou o perseguidor da igreja citado por Lucas em Atos 12. Agripa I também teve um filho, Agripa II, diante de quem o apóstolo Paulo enfrentou julgamento. A dinastia de Herodes assim, de modo geral, é considerada como tendo tido sete governantes (ou “cabeças” cf. Apoc. 12:1 em diante).


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As profecias de Daniel e a Carreira de Herodes: Embora a questão permaneça altamente controversa, alguns tem argumentado que a referência de Daniel ao chamado “rei arrogante” que agiria com presunção e com grande maldade, pode se referir a Herodes e sua dinastia. Daniel escreve: “Este rei fará segundo a sua vontade, e se levantará, e se engrandecerá sobre todo deus; Contra o Deus dos deuses falará coisas incríveis e será próspero, até que se cumpra a sua indignação; porque aquilo que está determinado será feito.” (Dn 11:36). A “indignação” mencionada aqui começa com a “abominação da desolação” mencionada no versículo 31, e termina com a vinda do Messias. Foi um tempo de julgamento e disciplina para a nação judaica, que culminou com o advento do Messias. De muitas maneiras, tanto Daniel quanto o Novo Testamento lançam luz sobre a tensão entre o verdadeiro Messias e Herodes, o usurpador messiânico. Exceto por Jesus, o único homem chamado de “Rei dos Judeus” no Novo Testamento é Herodes, junto com seus filhos. Quando Pilatos afixou o título “Rei dos Judeus” na cruz de Jesus, isso foi um ato de significado político representando um desafio direto à autoridade de Herodes, que tinha sido conferida pelo próprio Senado Romano, como reconhecido pelo próprio Herodes quando ele mostrou de modo proeminente a águia no templo judaico. Seu massacre dos inocentes também foi um ataque consciente ao Messias, de acordo com a predição de Daniel de que ele pronunciaria “coisas incríveis contra o Deus dos deuses.” A descrição de Daniel continua com a nota: “Não terá respeito aos deuses de seus pais, nem ao desejo de mulheres, nem a qualquer deus, porque sobre tudo se engrandecerá.”(Dn 11:38). Os idumeus tinham abraçado oficialmente o judaísmo sob João Hircano, mas mais importante, eles eram descendentes de Abraão e Isaque, e irmãos de Jacó. Como edomita por raça, e judeu por religião, pode-se dizer que Herodes tinha o Deus de Israel como o Deus de seus pais. Alguns sugerem que o “desejo de mulheres” pode referir ao Messias (ver Gn 3:15; Ag 2:7), mas mais provavelmente se refere ao massacre dos inocentes, onde ele não demonstrou se importar com a angústia das mães daquele vilarejo, um fato que Mateus registra com grande sentimento, conectando o incidente à “Raquel chorando por seus filhos” (Jr 32:51; Mt 2:17,18). “Mas em lugar dos deuses, honrará o deus das fortalezas; a um deus que seus pais não conheceram, honrará com ouro, com prata, com pedras preciosas e coisas agradáveis.” Herodes aparentemente não honrou ou temeu qualquer deus pessoalmente, mas como era da disposição de qualquer déspota, ele honrou a si mesmo, seu poder, suas fortalezas, entregando ricos presentes aos aliados romanos que compartilhavam de sua filosofia. “Com o auxílio de um deus estranho, agirá contra as poderosas fortalezas, e aos que o reconhecerem, multiplicar-lhes-á a honra, e fá-los-á reinar sobre muitos, e lhes repartirá a terra por prêmio.” (Dn 11:39). A referência críptica ao “deus das fortalezas e um deus estranho”, pode apontar para o vasto programa de construção pública de Herodes, incluindo a fortaleza Antônia, que ficava adjacente ao templo, assim como às fortificações em Jerusalém e Jericó. Além dessas ele construiu a fortaleza de Massada,


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Maquero, o Heródio próximo a Jerusalém, o Heródio próximo à fronteira nabateia, e o Alexândrio. Ele colocou vasta riqueza na construção de cidades como Antípatris, Fasaelis, Agripeio, Sebaste (antiga Samaria), e Cesareia. Ele construiu templos e edifícios públicos em Atenas, Esparta, Rodes, e outras cidades, e é claro, quando ele construiu templos pagãos, eles eram adornados com estátuas pagãs. Daniel continuou: “No tempo do fim, o rei do Sul lutará com ele, e o rei do Sul arremeterá contra ele, e o rei do Norte arremeterá contra ele com carros, cavaleiros e com muitos navios, e entrará nas suas terras, e as inundará, e passará.”(Dn. 11:40). Embora esse verso seja normalmente traduzido como está acima, uma leitura estrita do hebreu sugere que o rei do Sul irá para a batalha “com” ele (ver. Tradução Literal do Antigo Testamento de Young), e o rei do Norte inundaria “a ele”. A distinção sugere que o Rei se aliaria com o Sul contra o Norte. Isso, é claro, ocorreu nos eventos que levaram à Batalha de Áccio. Herodes primeiro apoiou Marco Antônio contra Otaviano, e a batalha aconteceu, como mencionado aqui, com carros, cavaleiros, e muitos navios. Também ocorreu que Otaviano superou e “passou” por toda a região. De acordo com Daniel: “Entrará também na terra gloriosa, e muitos sucumbirão, mas do seu poder escaparão estes: Edom, e Moabe, e as primícias dos filhos de Amom.”(Dn. 11:41). Otaviano entrou na Palestina depois de sua vitória sobre Antônio, nesse momento, Herodes mudou de lado e se aliou com ele. Herodes se juntou a Otaviano enviando uma expedição a Edom, Moabe, e Amom sob Élio Gallo, mas a expedição não foi bem-sucedida. “Estenderá a mão também contra as terras, e a terra do Egito não escapará.” (Dn 11:42). Otávio ainda assim tomou outros países, em especial o Egito, quando Antônio e Cleópatra cometeram suicídio. “Apoderar-se-á dos tesouros de ouro e de prata e de todas as coisas preciosas do Egito; os líbios e os etíopes o seguirão.” (Dn 11:43). Otávio tomou o controle das grandes riquezas do Egito, e sob Cornélio Balbo, Roma partiu para conquistar a Líbia e a Etiópia. Mudando o foco de volta para o chamado “rei arrogante”,90 Daniel continuou: “Mas, pelos rumores do Oriente e do Norte, será perturbado e sairá com grande 90 Tudo a partir do versículo 40 descreve as ações do “rei do norte” (Otávio) conforme ele adentrou os países, inundando, e passando por eles. O versículo 42 continua o mesmo pensamento, conforme “ele” conquistou o Egito, e tomou o controle da riqueza egípcia, enquanto conquistava terras ao sul do Egito. Em outras palavras, era tudo uma progressão de pensamento, uma longa campanha militar. Assim, tudo isso é uma “sentença” sobre o rei do Norte, depois da qual o texto volta a falar do “rei arrogante”.


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furor, para destruir e exterminar a muitos.” (Dn. 11:44). A última crise da vida de Herodes envolveu rumores do oriente, provavelmente se referindo à visita dos Magos, que perturbaram tanto Herodes que ele mandou matar os bebês em Belém. Também foi mais ou menos nessa época que Herodes viu a execução de seus dois filhos, Aristóbulo e Alexandre, depois disso ele também acusou e executou seu filho mais velho, Antípatro. O jovem que derrubou a águia romana no templo foi queimado vivo. Daniel conclui: “Armará as suas tendas palacianas entre os mares contra o glorioso monte santo; mas chegará ao seu fim, e não haverá quem o socorra.” (Dn. 11:45). Esse final pode se referir ao fato de que Herodes construiu para si um palácio no templo assim como outro na cidade alta. O palácio do templo sugere outro exemplo de como Herodes tentou usurpar o lugar do Messias. Porém, no fim, Herodes morreu odiado universalmente, tendo assassinado membros de sua própria família vez após outra, tendo matado muitos judeus, e sendo repudiado até pelos romanos. Os Sucessores de Herodes: Herodes foi sucedido por seus três filhos, Arquelau, Antipas, e Filipe. Arquelau recebeu o governo da Judeia no testamento de seu pai, e o exército romano na Judeia imediatamente o proclamou “Rei dos Judeus” na morte de Herodes. Porém, Arquelau recusou o título, até que ele fosse para Roma e submetesse essa reivindicação a Augusto. Antes de partir, ele esmagou com grande crueldade uma revolta entre os fariseus, matando cerca de 3000 deles. Quando ele chegou a Roma, ele foi resistido por seu irmão Antipas, assim como por muitos judeus, que temiam sua crueldade. Augusto ainda assim deu o título a ele de etnarca (“governador provincial”) em 4 a.C., e deu a ele uma grande parte do reino de seu pai: Judeia, Samaria, Itureia. Arquelau se casou com Glafira, a viúva de seu irmão de Alexandre, embora sua própria esposa e a de seu segundo marido, Juba, rei da Mauritânia, ainda estivessem vivos. A violação da lei mosaica e sua crueldade contínua provocaram os judeus, e eles reclamaram amargamente a Augusto, que finalmente o depôs em 6 d.C. e o baniu para Viena, na França. A data de sua morte é desconhecida. Arquelau é mencionado em Mateus para explicar a decisão de José de não voltar à Judeia, mas para Nazaré, que estava na Galileia, fora da jurisdição de Arquelau (Mt. 2:22). Alguns também acreditam que a parábola de Jesus sobre as dez minas, contada em Lucas, pode se referir à jornada de Arquelau a Roma (19:11-27).


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O filho de Herodes, Antipas, foi feito tetrarca (um entre quatro governantes conjuntos) da Galileia e da Pereia, regiões ao norte da Judeia. Seu filho, Herodes Filipe II, herdou a parte nordeste do reino de seu pai, região conhecida como Itureia e Traconites. Ele é brevemente mencionado na Bíblia em conexão à execução de João Batista, como será visto adiante. Tibério César (14 - 37 d.C.) Augusto morreu em 14 d.C., sem deixar filhos vivos, e apenas um filho adotivo, Tibério, o filho de Lívia por um casamento anterior. O Novo Testamento menciona Tibério pelo nome apenas uma vez, quando Lucas diz que João Batista entrou em seu ministério público no décimo quinto ano de seu reinado, provavelmente 27 ou 28 d.C. (Lucas 3:1). Por ter sido durante o seu reinado que Jesus pregou, muitas das referências à “César” no Novo Testamento, na verdade, se referem a Tibério. O novo imperador tinha servido bem a Augusto, liderando campanhas militares na Germânia e no Danúbio, mas o preparando para a possível sucessão, Augusto decidiu em 12 a.C. fortalecer as conexões de Tibério com a família governante forçando-o a se divorciar de sua primeira esposa, Vipsânia, e se casar com a filha do próprio Augusto, Júlia, cujo marido tinha acabado de morrer. O marido de Júlia, Marco Agripa, tinha servido como um conhecido político e general romano, assim como um amigo próximo de Augusto. Ele era, na verdade, o principal responsável pelos maiores triunfos militares de Augusto, incluindo a vitória em Áccio. Sua morte deixou Júlia viúva, e seus dois filhos restantes, Caio e Lúcio, sem um pai. Tibério não ficou satisfeito com a exigência de Augusto de se casar com Júlia. Ele amava sua esposa, Vipsânia, que também era a filha do mesmo Marco Agripa. Se divorciar de Vipsânia e se casar com Júlia significaria que Tibério estava tomando sua meia-irmã (já que ele era genro de Augusto) e sua madrasta (já que ele era casado com a filha de Marco Agripa) como esposa! Ainda assim Augusto insistiu, embora o divórcio tenha vindo a ser devastador tanto para Tibério quanto para Vipsânia. Ela estava grávida na época, e com o choque, ela perdeu seu bebê. Também se diz que Tibério também lamentou por muito tempo a perda de sua esposa, e quando em uma ocasião ele a viu de relance, ele a seguiu até sua casa chorando, o que levou a futuras


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precauções para evitar tais encontros embaraçosos. Não é de surpreender que seu casamento com Júlia não tenha dado certo, e Tibério então partiu para um exílio autoimposto na ilha de Rodes. Alguns anos depois, porém, depois da morte dos filhos de Júlia, Augusto chamou Tibério novamente de sua aposentadoria e fez dele seu filho adotivo e herdeiro. Augusto então passou a treinar Tibério nas questões de estado, preparando-o para a sucessão, apesar do fato de Tibério ter pouco interesse no cargo. Quando Augusto morreu, o Senado implorou que Tibério tomasse o trono, e com a idade de 54 ele assumiu o governo sobre um vasto império, aceitando uma posição que ele nunca tinha desejado, mas tendo vontade de cumprir o dever invés de seus desejos. O primeiro desafio de Tibério ocorreu quase que imediatamente quando algumas das forças romanas no Reno se revoltaram, exigindo que o trono deveria ir para o popular general, Germânico, que fora considerado por Augusto como um possível sucessor. Germânico era um comandante brilhante que tinha sido apontado pelo Senado para liderar as forças na Germânia, mas Augusto nomeou Tibério no lugar dele por causa de sua conexão familiar, embora Augusto tenha insistido que Tibério adotasse e nomeasse Germânico seu próprio sucessor. Quando chegou a notícia às as tropas sob Germânico que a sucessão tinha ido para Tibério, eles irromperam em protesto, mas Germânico escolheu honrar a escolha de Augusto e colocar um fim ao motim. Ele continuou a servir com grande distinção e sucesso e era muito popular entre os cidadãos de Roma, que celebraram com entusiasmo todas as suas vitórias. Depois de realizar seus objetivos na Germânia, Germânico foi enviado para a Ásia, onde no ano 18 ele derrotou os reinos da Capadócia e Comagena, fazendo delas províncias romanas. No ano seguinte, porém, ele foi assassinado na cidade de Antioquia por Piso, o governador sírio. Especulação cercou a morte de Germânico, de que Tibério tinha orquestrado o assassinato, e embora Piso tenha sido executado pelo crime, Suetônio sugeriu que o ciúme e medo de Tibério de a popularidade e poder de seu filho adotivo poderiam ter sido o motivo. Historiadores posteriores viram a alegação com considerável ceticismo. Por essas e outras razões, Tibério foi, no geral, impopular durante seus primeiros anos. Ele parecia melancólico, quieto, e de personalidade desconfiada, tudo isso fazia um afiado contraste com seu pomposo antecessor. Esses problemas foram complicados pelo fato bem conhecido de que Augusto não gostava de Tibério tanto assim, e o via como um último recurso para a sucessão. Mesmo os historiadores romanos tendem a tratá-lo desfavoravelmente, Tácito o descreve de modo cínico, e Suetônio o chama de lento, suspeito, impopular, e dado a execuções.


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Apesar de todas essas dificuldades, Tibério governou por 23 anos com razoável competência administrativa. Ele parece ter sido um homem de genuína modéstia, que construiu muitas estruturas públicas importantes, mas, em geral, se recusava a ter seu nome escrito nelas. Seu governo foi competente e justo, embora sua frugalidade também tenha causado certa impopularidade entre as massas por que ele se recusava a pagar os jogos, circos, e caças aos animais selvagens. Tibério tentou revigorar algo do estilo republicano ao devolver o poder aos cônsules e ao Senado, instituições que tinham virado nada mais que bajuladores de Augusto. Durante os últimos anos de seu reinado, o envelhecido Tibério parece ter se tornado cada vez mais paranoico em seu estado mental, e enfim, no ano 26, ele se retirou para outro exílio autoimposto na ilha de Capri, um belo refúgio situado a poucas milhas de Nápoles. Ele deixou Roma sob os cuidados de Sejano, o líder da Guarda Pretoriana, e um homem de ambição implacável que tinha enchido Tibério de medo de conspirações contra sua vida e o persuadiu a deixar Roma e permanecer em uma vida relativamente segura na pequena ilha. Enquanto controlava de perto o acesso ao imperador, Sejano começou a se portar como seu sucessor, usando seu poder sobre a Guarda Pretoriana para se livrar de inimigos políticos. Ele até mesmo exilou a viúva de Germânico, que era a neta do próprio Augusto, Agripina (a Velha), enviando-a para a morte com seu filho mais velho, Júlio Nero. Sejano também supervisionou a eliminação do filho de Tibério, Druso, depois do que ele prosseguiu com a esposa de Druso, Lívila, que também era sobrinha de Tibério. Para muitos parecia que Sejano tinha mais poder que Tibério. A tentativa de Sejano de tomar o controle do império poderia ter tido sucesso se não tivesse sido por Antônia, cunhada de Tibério, que alertou o imperador desses planos. Ao receber as notícias, Tibério agiu com rapidez, mandando executar Sejano no ano 31, junto com Lívila, que conspirou com este. Despertando para o infeliz fato de que Sejano tinha eliminado a maior parte de seus potenciais sucessores, Tibério convocou Caio, seu sobrinho-neto e filho de Germânico, e começou a treinálo para a cargo imperial. Caio, que veio a ser chamado de Calígula, era popular com o exército romano, e quando Tibério morreu em 16 de março de 37, o Senado de imediato o confirmou como novo imperador.


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A Família de Herodes durante o Reinado de Tibério: A dinastia de Herodes continuou a dominar o cenário político de Israel durante a administração de Tibério, embora a própria Judeia tenha caído sob o domínio romano após Augusto depor Arquelau em 6 d.C. Antipas reteve a Galileia e a Pereia, uma região a leste do Mar Morto, e forma geral, ele seguiu os passos de seu pai como construtor, edificando Séforis (Zippori) na Galileia e Lívia na Pereia. Sua realização mais notável foi a construção de Tiberíades como sua capital na margem ocidental do Mar da Galileia, que se tornou por muito tempo uma grande escola e centro de aprendizado judaico. Ele nomeou a cidade em honra a seu patrono, e também deu o nome de César ao mar da Galileia, que então passou a ser chamado de Mar de Tiberíades (ver João 6:1,23). Antipas se casou com Fasaélis, que era filha de Aretas IV, rei da Arábia, mas mais tarde se divorciou dela, e se casou com Herodias, esposa de seu meio-irmão Herodes Filipe II. Por esse motivo ele e Herodias foram condenados por João Batista e criticados por Flávio Josefo (Antiguidades Judaicas, XVIII, v.). Tanto Mateus quanto Marcos relatam que Herodias pediu a cabeça de João Batista por sua crítica pública de seus atos. Como veio a ficar claro, a união com Herodias quase trouxe a ruína à Antipas, pois o envolveu em uma guerra com Aretas IV, seu antigo sogro, e nesse conflito ele perdeu seu exército. Josefo assevera que a perda veio como: … um castigo de Deus, por causa de João, cognominado Batista, que era um homem de grande piedade, e que exortava os judeus a abraçar a virtude, a praticar a justiça e a receber o batismo. (Antiguidades Judaicas, XVIII, v. 2). Antipas é mencionado posteriormente como o Herodes diante de quem Jesus apareceu durante o julgamento, que esperava que Jesus fizesse um “milagre” ou dois para seu entretenimento. (Lucas 23:7-13). Antipas foi exilado por Calígula para Lion, na Gália, no ano 39, de acordo com Josefo que diz, porém, em Guerras dos Judeus (II, ix, 16), “Depois ele fugiu para a Espanha com sua mulher e lá morreu.”


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O meio irmão de Antipas era o tetrarca Herodes Filipe II, filho de Herodes o Grande e Cleópatra de Jerusalém, a quinta esposa de Herodes. Filipe herdou de seu pai a Itureia e Traconites, a parte nordeste do reino de Herodes, como mencionado por Lucas (3:1), que também alude à conexão de Antipas com a execução de João Batista. Marco Júlio Agripa, conhecido como Agripa I (ou Agripa o Grande), nasceu em cerca de 10 a.C. e morreu em 44. d.C. Ele era filho de Aristóbulo e Berenice, e neto de Herodes o Grande. De acordo com Josefo, Agripa foi enviado por Herodes à corte imperial em Roma depois da morte de seu pai, e enquanto estava lá, o futuro Tibério César, que era então comandante do exército romano, ficou muito interessado em Agripa, e o tinha próximo a seu próprio filho Druso, que tinha cerca de três anos a mais que ele, e que também o tinha por amigo. Agripa permaneceu em Roma até a morte de Druso em 23 d.C., cerca de nove anos depois de Tibério se tornar César. Druso provavelmente foi envenenado por Sejano, que estava tendo um caso com Lívila, esposa de Druso, e que nesse tempo estava influenciando a administração de Tibério. Diante da morte de seu amigo e da hostilidade de Sejano, Agripa, que tinha sido irresponsavelmente extravagante, decidiu que seria inteligente deixar Roma. Depois de um breve isolamento, ele voltou aos domínios de seu tio Antipas, que fez dele Supervisor dos Mercados, compensando-o generosamente. Agripa era tão indisciplinado, porém, que Antipas posteriormente ficou impaciente com seu sobrinho e o demitiu. Agripa viajou sem rumo e chegou à Antioquia, mas depois de descobrir sobre a morte de Sejano, ele voltou à Roma, onde foi bemvindo por Tibério e se tornou companheiro constante de Calígula. Porém, em um de seus momentos descuidados, Agripa expressou o desejo pela morte de Tibério e a subida de Calígula ao trono, e quando isso chegou aos ouvidos de Tibério, o imperador lançou Agripa na prisão e o deixou lá até a morte de Tibério no ano 37. Eventos do Novo Testamento sob Tibério:


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Lucas relata que no 15º ano de Tibério, ou seja, 27 ou 28 d.C., João Batista apareceu ao longo do Rio Jordão, pregando arrependimento e preparação, e anunciando o iminente advento do Messias. Dirigindo sua mensagem às mais diferentes pessoas, ele exortou a honestidade e a vida justa diante da iminente crise que traria julgamento e renovação. Quando questionado pelos líderes políticos, João negou ser o Messias, dizendo invés disso que era “a voz que clama no deserto…” preparando o caminho para “aquele que é maior”, como predito por Isaías. Muitos buscaram traçar um paralelo entre João e a comunidade Essênia, notando entre outras similaridades o estilo de vida ascética, o banho ritual, e a expectativa escatológica. Se João era realmente associado aos essênios permanece sendo uma questão aberta e complexa. Jesus se submeteu ao batismo por João, explicando que era necessário “para cumprir toda a justiça”. Pouco tempo depois, Antipas lançou João na prisão. Enquanto isso Jesus se retirou para 40 dias no deserto da Judeia, um tempo de provação antecipando a missão messiânica. Ele começou seu ministério de pregação e cura, estabelecendo seu quartel-general em Cafarnaum depois de ter sido rejeitado em sua cidade natal, Nazaré. Ele chamou seus primeiros discípulos dentre os pescadores. A grande popularidade de Jesus parece ter ocorrido pelos anos de 28 ou 29, quando ele enviou seus discípulos, dando a eles o poder de curar, e autorizando-os a anunciar a vinda do tão aguardado Reino de Deus. Enquanto Antipas temia que Jesus fosse, na verdade, o retorno de João Batista dentre os mortos, o próprio Jesus dava sinais irrefutáveis de sua identidade messiânica, alimentando e curando miraculosamente as pessoas, expulsando demônios, e pregando as boas novas do reino e liberdade vindouras. Para seus seguidores mais próximos, Jesus explicou que sua missão messiânica exigia que ele sofresse, morresse, e ressuscitasse dos mortos, um destino incompreensível para eles. Conforme a reputação de Jesus se espalhava por Jerusalém, a crescente hostilidade dos líderes religiosos se tornou cada vez mais evidente, em especial quando ele dirigia cada vez mais críticas afiadas à sua hipocrisia e profissionalismo. As parábolas de Jesus, que descreviam em termos arrebatadores a forma do reino, começou a soar mais como espadas, conforme ele penetrava as aparências de seu elitismo religioso e expunha o núcleo de corrupção dos maiores


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responsáveis pela integridade da vida religiosa de Jerusalém. Histórias como a Grande Ceia, a Ovelha Perdida, a Dracma Perdida, e o Filho Pródigo, todas diziam sem ambiguidade que aqueles que pareciam estar no centro seriam deixados de fora, e os excluídos compartilhariam da abundância da bênção de Deus. Conforme Jesus antecipava o ponto culminante de seu ministério em Jerusalém durante a semana santa da Páscoa, ele tornou cada vez mais claras a sua missão e identidade aos seus seguidores. Ao ressuscitar Lázaro dos mortos, ele ofereceu a maior das provas de seu poder, mas ironicamente isso apenas inflamou ainda mais os líderes religiosos em seu zelo insano de se livrar dele. Era verdade que muitos dos seguidores de Jesus pensaram que ele se declararia O Messias de forma imediata, e lideraria uma revolta para recuperar o reinado independente de Israel. Caifás, representando a liderança religiosa e política estabelecida, favorecia a presença romana, e temendo a possibilidade de perder “nosso lugar e nossa nação”, sem querer profetizou que um homem deveria morrer para impedir a nação de perecer. Ele mal poderia compreender a profundidade de suas palavras. Jesus adentrou Jerusalém na forma de um Triunfo em abril de 30 d.C. Seu “Triunfo”, porém, tinha a peculiaridade de celebrar a vitória sobre uma batalha que ainda não fora travada, ele não tinha cativos para mostrar, e ele veio “humilde e sobre um jumentinho”, invés de sobre um magnífico garanhão real. Ainda assim ele foi reconhecido pelas multidões como o tão esperado Filho de Davi da realeza, e eles o receberam com a clássica expressão messiânica: “Bendito o que vem em nome do Senhor!”. A multidão que celebrava esperava que Jesus desafiasse o poder de Roma, recuperando a independência judaica que fora perdida quando Pompeu ocupara Jerusalém em 63 a.C., e por isso antecipavam a vitória celebrada na “Entrada Triunfal”. Do ponto de vista do Novo Testamento, Jesus foi recebido como um rei por direito naquele dia, e ele realmente travaria uma batalha, e teria uma grande vitória. Sua batalha, porém, tinha objetivos infinitamente maiores que


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a mera conquista de Roma. Jesus estava se preparando para travar guerra contra o maior inimigo da raça humana, o poder satânico do próprio Inferno. Ninguém presente no modesto Triunfo no Domingo de Ramos poderia ter compreendido isso exceto o Messias. Conforme Jesus se aproximava da cidade, ele chorava, sabendo que sua vitória certa beneficiaria todos os que fielmente se juntassem a ele, mas também sabendo que a maior parte daqueles que estavam celebrando sua chegada, além daqueles hostis a ele, o rejeitariam. Ele também sabia que a velha ordem, organizada ao redor da política e religião do estado judaico, logo se encerraria. Ele sabia que o grande templo, reconstruído com grande beleza por Herodes, o santuário central da fé de Israel, seria logo desmantelado e retirado para sempre, e ele sabia que todos que se agarrassem aos “panos velhos” com certeza pereceriam com ele. Daí o seu lamento, “Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto agora está oculto aos teus olhos. Pois sobre ti virão dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras e, por todos os lados, te apertarão o cerco; e te arrasarão, e aos teus filhos dentro de ti; não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste a oportunidade da tua visitação.” (Lucas 19:4244). O primeiro ato de Jesus ao entrar na cidade foi sua visitação, ou seja, sua inspeção do Templo, onde ele determinaria se a adoração estava sendo levada de acordo com o modo que lhe fora confiada. Não estava. A nação sacerdotal de Israel deveria manter a “casa de oração para todas as nações”, mas tinha se tornado um “esconderijo de ladrões”. A atmosfera carnavalesca de comprar e vender gado, comprar souvernirs, e trocar dinheiro, tinha invadido os recintos sagrados, e Jesus, como Senhor do Templo, lançou-os fora com violência. Jesus deixou a cidade em polvorosa ao final do primeiro dia, mas retornou na terça para entregar sua opinião judicial sobre o estado da nação, seu templo, e seus líderes. Como uma figueira com suas “folhas” de atividade religiosa, mas sem “fruto” de genuína devoção, essa cidade, seus líderes, e até mesmo o templo, estavam amaldiçoados. Os líderes afrontados exigiam saber com que autoridade Jesus fazia tais pronunciamentos, mas ele se recusou a honrálos com uma resposta direta, escolhendo em vez disso pronunciar um afiado julgamento e parábolas sem ambiguidade. Ele trovejou que “… coletores de impostos e prostitutas entrariam no reino de Deus diante deles.” Comparando os líderes a vinhateiros malignos, ele declarou, “...o reino de Deus será tirado de vocês e dado a uma nação que traga frutos dele.” Ele então


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solenemente pronunciou sua perdição: “Amarrem-nos pelas mãos e pés, e os joguem fora, para as trevas de fora; lá haverá choro e ranger de dentes.” Jesus então lançou o mais terrível de seus discursos, pronunciando um oráculo de ais “em sete partes”, condenando como tumbas caiadas os escribas, fariseus, e com eles toda a instituição religiosa da qual a nação judaica tinha tanto orgulho. Agora, depois de uma longa espera, a “taça da ira” estava cheia até o topo. Toda a culpa acumulada das gerações passadas, “Para que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o santuário e o altar” viria sobre “esta geração”. Finalizando de forma impressionante, Jesus concluiu, “Veja, sua casa será deixada desolada.” (Mt. 23). Quando Jesus se voltou dos impressionados e silenciados objetos de sua ira, os seus discípulos deram voz a suas declarações inacreditáveis. Incrédulo, “disse-lhe um de seus discípulos: Mestre! Que pedras, que construções!” (Mc 13:1). Outros “falavam (…) a respeito do templo, como estava ornado de belas pedras e de dádivas…” (Lucas 21:5). Nenhum deles podia acreditar que a estrutura colossal um dia ficaria desolada. O choque dos discípulos era compreensível, já que o templo de Herodes era uma maravilha do mundo antigo. Josefo menciona que o general romano Tito ficou surpreso com o tamanho enorme das pedras e blocos de mármore, alguns dos quais tinham quarenta cúbitos (dois metros) de comprimento por dez cúbitos (quatro metros e meio) de altura, pesando toneladas. Haviam também majestosas ofertas, coroas, escudos, vasos de ouro e prata, que tinham sido oferecidos por príncipes e outros que visitavam a santa casa. Tácito o chama apenas de “um templo com vasta riqueza” (Hist. 5:8). Quando os discípulos ouviram que a grande casa ficaria “desolada”, eles pensaram que não haviam entendido-o. Eles esperavam que Jesus estivesse falando sobre os líderes corruptos e da restauração do templo, não de destruí-lo! Ainda assim Jesus insistiu que em pouco tempo “não ficaria pedra sobre pedra”. Conforme eles


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perguntaram mais, Jesus deu mais detalhes em seu discurso no Monte das Oliveiras, do lado de fora de Jerusalém. Em seu discurso, Jesus solenemente predisse que logo haveria um crescente caos entre as nações, e que logo, exércitos cercariam a própria Jerusalém. Ele alertou que aqueles que estivessem na cidade deveriam fugir para o deserto quando vissem os sinais iminentes da queda de Jerusalém. Usando a linguagem típica dos profetas de outrora, ele descreveu o colapso de corpos celestes (ver e.g., Is 13), se referindo à remoção da ordem política existente. Ele alertou de forma dramática que todos esses cataclismos ocorreriam naquela geração, e assim o foi. Na quinta-feira, a celebração da Páscoa se aproximava, e Jesus deu instruções acerca da sua celebração da ceia com seus discípulos. A chamada Última Ceia, que foi a última observância verdadeira da Páscoa, se tornou ao mesmo tempo a “Ceia do Senhor”, estabelecendo a nova aliança entre o Antigo e o Novo, e assim servindo para lembrar o povo de Deus por toda a história das raízes profundas na religião do Antigo Testamento. Enquanto estavam na sala superior, Jesus deu a seus discípulos prolongadas instruções finais, advertindo-os contra as medidas humanas e terras de grandeza, mas prometendo honra no reino futuro. Pedro, a “pedra” nos primeiros dias da igreja primitiva, seria testado com especial força, e seria levado a negar seu relacionamento com Cristo três vezes. Enquanto a madrugada de quinta-feira se tornava sexta, Jesus levou seus discípulos ao jardim chamado de Getsêmani, e lá ele começou a orar antecipando a provação porvir. Não demorou, e as autoridades judaicas, guiadas por Judas, apareceram com a guarda do templo e prenderam Jesus. Ele foi trazido primeiro a Anás, um encontro registrado apenas por João (18:19-23). Anás não era o atual sumo sacerdote, embora ele tivesse assumido o ofício de 7 a 14 d.C. O sumo sacerdote oficial, Caifás, era o genro de Anás como legítimo sumo sacerdote, porque sob a lei mosaica o ofício de sumo sacerdote era pela vida toda (Nm 3:10). Anás tinha sido deposto pelo procurador romano, mas posteriormente foi feito presidente do Sinédrio. Por essa razão ele também foi chamado de sumo sacerdote (Lucas 3:2), e foi diante dele que Pedro e João foram trazidos (Atos 4:6). Depois de um breve


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questionando por Anás, Jesus foi enviado para Caifás, onde alguns membros do Sinédrio se encontraram, e conduziram o primeiro “julgamento”. (Mt 26:57-68). Pedro seguiu a assembleia até a casa de Caifás, e foi lá que Pedro, esperando no pátio da corte de uma rica residência, foi questionado três vezes sobre se era um dos discípulos de Jesus. Como Jesus previra, Pedro negou, até mesmo chamando maldição sobre sua cabeça. Quando ele ouviu o galo cantar, porém, suas ações o afetaram, e Pedro partiu noite adentro, chorando amargamente. Na casa de Caifás, Jesus foi questionado em um espancamento intermitente. Quando ele anunciou aos que o testavam que eles logo O veriam “assentado à direita do Todo-Poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu.” eles concluíram que tinham ouvido o bastante, acusando-o de blasfêmia, e enviando-o ao governador romano, Pôncio Pilatos. Pôncio Pilatos: Pilatos tinha sido apontado governador da Judeia em 26, e serviu no cargo até 36. Os detalhes biográficos de sua vida são obscuros, mas as lendas dão considerável detalhe, incluindo o nome de sua esposa, Prócula, uma mulher posteriormente canonizada pela Igreja Ortodoxa. A melhor informação que temos de Pilatos vem de Josefo, que diz que entre outras coisas que ele mostrava uma considerável falta de apreço pelos costumes judaicos. Por exemplo, Pilatos colocou os estandartes de batalha romanos de maneira premeditada para despertar a hostilidade entre os judeus. Nas palavras de Josefo: Dias depois, à noite, fez entrar em Jerusalém umas bandeiras onde estava o retrato do Imperador. As tropas entraram de noite, e por isso apenas no dia seguinte é que se percebeu. Imediatamente os judeus foram em grande número procurar Pilatos em Cesareia e durante vários dias rogaram-lhe que removesse aqueles estandartes. Durante cinco dias e cinco noites ele se recusou a ouvi-los, No sexto dia ele compareceu ao tribunal que mandara erguer, ordenando que os soldados o rodeassem por todos os lados, e disse que mandaria os matar, se se negassem a receber aquela bandeira. Os judeus lançaram-se por terra, e apresentaramlhes a garganta, dizendo que preferiam ser mortos a consentir na violação de suas leis.


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Pilatos, não querendo matar a tantos, ordenou no mesmo instante que levassem as bandeiras para fora de Jerusalém. (Guerras dos Judeus 2:169-174; Antiguidades dos Judeus 18:55-59). Filo registra outra ocasião em que Pilatos dedicou alguns escudos foliados no palácio de Herodes em honra ao imperador. Esses escudos não traziam imagens proibidas, apenas a inscrição do nome de Pilatos, assim como o nome de Tibério, em cuja honra eles foram dados. Os judeus pediram que eles fossem removidos, e quando Pilatos recusou, eles apelaram ao próprio Tibério. O imperador enviou uma ordem para que os escudos fossem removidos para Cesareia (Legatio ad Caium, 38). Em ainda outra ocasião, Pilatos se apropriou dos tesouros do Templo para construir um aqueduto: … [Pilatos] usou o tesouro sagrado do templo, chamado corbã (qorban), para pagar para trazer água para a Jerusalém por um aqueduto. A multidão se juntou e clamou contra ele; mas ele tinha feito alguns homens vestidos como soldados se misturarem aos civis na multidão, e em um dado momento eles caíram sobre os que protestavam e os espancaram de forma tão severa com bastões que a multidão foi reprimida. (Guerras dos Judeus 2.175-177; Antiguidades 18.60-62) Aproximadamente no ano 36 d.C., Pilatos usou de prisões e execuções para esmagar um levante religioso samaritano. Reclamações foram apresentadas aos romanos da Síria, e como resultado Pilatos foi chamado de volta a Roma. Embora se acredite comumente que Pilatos morreu por suicídio, não há evidências claras de que ele o tenha feito. A verdadeira história de Pilatos foi suplementada em 1961, quando um bloco de mármore foi encontrado em um teatro de Cesareia, a capital romana da Judeia. Ela trazia uma dedicatória danificada de Pilatos a Tiberieum. A dedicação afirmava que Pilatos era prefectus (ou praefectus), ou seja, governador, da Judeia. A palavra Tiberieum parece se referir a uma estrutura, talvez um templo, construído em honra a Tibério. Esse artefato está atualmente exposto no Museu de Israel, em Jerusalém. Um conjunto de ficções se desenvolveu cedo na história da Igreja, muito da qual é apresentada por Eusébio (História Eclesiástica livro ii: 7). Ele cita alguns relatos apócrifos primitivos não nomeados de que Pilatos caiu sob infortúnios no reinado de Calígula, e foi exilado para a Gália, onde depois cometeu suicídio. Outros detalhes vêm de fontes menos confiáveis. Seu corpo, de acordo com o Mors Pilati (“Morte de Pilatos”), primeiro foi jogado no Tibre, mas as águas foram tão agitadas por maus espíritos que seu corpo foi levado a Viena e jogado no Reno. Um monumento em Viena, chamado Tumba de Pilatos, ainda pode ser visto. As águas do Reno também rejeitaram o corpo de Pilatos, e ele foi removido novamente e jogado em um lago em Lausane. Se alega que o local final de descanso é uma profunda e solitária


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fenda, a qual, de acordo com tradições posteriores, estava em uma montanha ainda chamada Pilatos (na verdade, pileatus ou “coberta de nuvens”), em Lucerna. De acordo com o mito, toda Sexta Feira Santa o corpo emerge das águas e lava as mãos. Crucificação e Ressurreição: De acordo com Lucas, Pilatos inicialmente determinou que Jesus era da Galileia, e decidiu evitar o problema enviando Jesus a Antipas, que tinha jurisdição sobre o norte. Antipas tinha, é claro, estado a par da carreira de Jesus por algum tempo, em um momento acreditando que Jesus era a reencarnação de João Batista, a quem ele degolara. Leal à forma, Antipas tinha pouco interesse em Jesus, esperando apenas que o acusado desse um pouco de entretenimento barato. Jesus não estava disposto sequer a responder ao governante, ainda mais dar algum show. Ele encarou sua zombaria com o simples silêncio, e Antipas, enojado e desapontado, enviou Jesus de volta a Pilatos. A questão principal de Pilatos relativa a Jesus era se ele se considerava “Rei dos Judeus”. João relata que Jesus afirmou que ele “...viera ao mundo … para dar testemunho da verdade.” e que “...todos os que estivessem ao lado da verdade ouviriam a sua voz”, ao que Pilatos respondeu cinicamente, “O que é a verdade?” Mantendo a tradição associada com a Páscoa, Pilatos ofereceu libertar um prisioneiro para a multidão, ou Barrabás, um notório assassino, ou Jesus, “Rei dos Judeus”. Pilatos provavelmente pouco se importava com o conflito entre Jesus e os líderes religiosos, ou até com a execução de Jesus. Porém, ele não via o “reino” de Jesus como nenhum tipo de ameaça à Roma, e por esse motivo ele mal poderia sustentar uma punição capital sob a lei romana. De acordo com Mateus, depois de condenar Jesus à morte, Pilatos lavou suas mãos diante da multidão, insistindo que ele era “...inocente do sangue desse homem. Vejam por si mesmos.” Jesus foi crucificado às cerca das 9 a.m., fora de Jerusalém, entre dois ladrões. Por cerca de três horas, houve escuridão sobre a terra, representando a maldição e a ira lançadas


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sobre Jesus. Depois de sua morte, seu corpo foi tomado por um homem rico de Arimateia chamado José, um membro do Sinédrio que não tinha consentido com a morte de Jesus. Na manhã de domingo, a tumba na qual Jesus fora enterrado foi encontrada vazia por certas mulheres que imediatamente correram e contaram aos discípulos. Maria Madalena ficou para trás e ela ao que parece foi a primeira a ver o Cristo ressurreto. Pedro e João correram para a tumba ao ouvir as notícias, mas encontraram apenas as roupas fúnebres. Mais tarde, no mesmo dia, Jesus andou com dois discípulos na estrada de Emaús, e revelou-Se a eles. Esses discípulos retornaram a Jerusalém e contaram aos outros, mas enquanto faziam isso, Jesus apareceu em seu meio. Quarenta dias depois da crucificação, Jesus anunciou a seus discípulos a Sua conquista dos poderes satânicos que tinham usurpado a autoridade sobre a raça humana. O primeiro Adão, que tinha sido instalado como rei sobre a criação, tinha voluntariamente cedido seu poder a Satanás, fazendo do Maligno o “príncipe” deste mundo. O último “Adão” tinha travado guerra contra esse usurpador, como antecipado no Domingo de Ramos. Sua vitória permitiu que Ele pudesse declarar que “toda autoridade” agora tinha sido dada a Ele. Ele comandou a seus discípulos ir pelo mundo, e levar as nações à Sua disciplina real, batizando-os e ensinandoos então a lei do Messias, o novo legislador cósmico. Jesus alertou seus discípulos de que eles não deveriam partir na missão de imediato, mas que deveriam esperar em Jerusalém pela “promessa do Pai”, se referindo à segurança estabelecida há tempos ao povo de Deus de que um tempo viria em que Deus derramaria “o Espírito do Senhor”, sobre todo o Seu povo (Joel 2). Essa unção (ou batismo) empoderaria o povo de Deus para a grande tarefa apresentada na grande comissão de Cristo. Jesus então “ascendeu” à sua coroação, onde Ele foi coroado rei dos reis, se assentou à posição de domínio cósmico, e naquele momento “o reino


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desse mundo se tornou o reino de nosso Deus e de Seu Cristo.” (Apoc. 11:15). Satã foi destronado, e a Era Messiânica teve início. O Início da Igreja: A festa judaica de Pentecostes foi celebrada cinquenta dias depois da Páscoa. Jerusalém estava repleta de observadores do feriado judaico que tinham chegado de todo o mundo romano. Naquele dia, o pequeno grupo de seguidores de Jesus estava orando reunidos, como haviam feito todos os dias desde a Sua ascensão. De repente, o Espírito de Deus veio sobre cada um deles, como Jesus prometera, e a igreja primitiva foi empoderada para sua grande tarefa de ser testemunha do reino de Cristo por todo o mundo. O fenômeno da glossolalia (falar em línguas) simbolizou dramaticamente esse fato, trazendo consigo uma mensagem dupla das boas novas do reino do Messias que agora se estenderia a todo o mundo, não mais restrito geograficamente, mas também o julgamento que logo cairia sobre Jerusalém e a nação judaica (Is 28:11-12; 1 Co 14:21), como o próprio Jesus advertira. Pedro deu ambas as interpretações à multidão maravilhada no primeiro “sermão cristão” no qual 3.000 foram adicionados ao número da igreja. Dentro de poucos dias do Pentecostes, Pedro e João estavam indo ao grande Templo na costumeira hora da oração, cerca de 3 p.m. Enquanto o faziam, eles encontraram um homem “aleijado de nascimento” e o curaram em nome de Jesus. Isso trouxe uma oportunidade para pregar à multidão curiosa, e Pedro confiantemente declarou que aquele homem tinha sido curado pelo poder de Jesus, que tinha sido crucificado apenas dois meses antes. Pedro anunciou que Jesus era o tão esperado Messias, e que agora era a hora do arrependimento para que o povo se voltasse a ele, “tempos de refrigério”, ou seja, as bênçãos da Era Messiânica, poderiam começar a ser dadas. Enquanto Pedro ainda pregava, as autoridades do Templo prenderam tanto ele quanto João por se envolverem em proclamação não autorizada nas proximidades do templo. Ele foram mantidos sob custódia aquela noite, e na manhã seguinte, apresentados a Anás, Caifás e ao Sinédrio, que fizeram aos dois apóstolos a mesma pergunta que tinha sido feita ao próprio Jesus dois meses antes: “Porque qual autoridade vocês fazem essas coisas?” Pedro corajosamente anunciou que eles agiam sob a autoridade de Jesus de Nazaré, e provavelmente olhando diretamente nos olhos de Caifás, os lembrou de forma afiada de que eles tinham pessoalmente requerido de Pôncio Pilatos a execução desse mesmo Jesus. Impressionados com a


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coragem e persistência dos seguidores de Jesus, mas cegos pelo ódio e medo, os líderes recusaram reconhecer seus pecados, invés disso ordenaram que Pedro parasse de pregar em nome de Jesus. Pedro deixou a assembleia com uma pergunta retórica se era melhor obedecer a Deus ou aos homens, e retornou à comunidade da fé contando tudo que ocorrera, o que levou à oração e louvor a Deus. Até o apedrejamento de Estêvão dois ou três meses mais tarde (Atos 7), os cristãos permaneceram em Jerusalém, voluntariamente compartilhando de uma vida “comunal” com aqueles que não tinham posses, dispostos a vendê-las com aqueles que estavam visitando Jerusalém para as festas religiosas, e que permaneciam com sua recém-encontrada comunidade de fé depois de sua conversão, mas não tendo empregos, eles dependiam temporariamente dos fiéis que viviam em Jerusalém e que tinham meios de apoiálos. Ligado a isso, estava o alto padrão de integridade e santidade estabelecido pela terrível morte de Ananias e Safira. Durante as semanas do verão, a cidade de Jerusalém foi eletrizada pela marcante pregação e poderosos sinais que aconteciam sob as mãos dos apóstolos. Enfim, em furiosa frustração, o sumo sacerdote novamente prendeu alguns dos apóstolos e os aprisionou, exigindo uma audiência na manhã seguinte. Durante a noite um anjo milagrosamente os libertou da prisão, e no dia seguinte eles novamente foram vistos pregando como de costume. Os líderes ficaram intrigados pelo escape, mas, ainda assim, levaram os apóstolos a um segundo julgamento sem violência diante do Sinédrio. Depois de um breve confronto, os apóstolos foram levados, e o sábio fariseu Gamaliel deu um conselho de que seria sábio deixar esses homens em paz, assinalando que se seu movimento fosse falso ele morreria, mas se não, os líderes judeus poderiam se ver lutando não com homens, mas com o próprio Deus. Os apóstolos foram espancados e soltos, se regozijando que a eles tinha sido concedida a honra de sofrer em nome de Jesus. Enquanto isso, o número dos discípulos continuava a crescer, e com os números crescentes, a logística de provar alimentos diários à sociedade comunal se tornou mais difícil. Com os acontecimentos que se seguiram, os judeus helenistas (falantes de grego), em especial as viúvas, estavam sendo negligenciados no serviço diário, e provavelmente em agosto ou começo de setembro, eles reclamaram sobre isso com os apóstolos. Não aceitando lidar com a questão


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pessoalmente, os apóstolos propuseram que sete “homens cheios do Espírito Santo e de sabedoria” fossem escolhidos para supervisionar a administração das mesas. Os sete, cumprindo o papel, vieram a ser chamados “diáconos”, sendo escolhidos pela comunidade, e confirmados pelos apóstolos, refletindo um estilo de governo representativo que gradualmente se desenvolveu na igreja. Entre aqueles escolhidos estava um homem chamado Estêvão, que já tinha se distinguido como um poderoso pregador e defensor da fé para a igreja, e que também tinha sido dotado com a habilidade de fazer milagres e sinais. Ele falava diariamente com poder que Jesus era o Messias, e muitos foram persuadidos por seus argumentos claros e irrefutáveis. Conforme a proeminência e influência de Estêvão crescia, ele foi enfim preso e levado diante do Sinédrio, possivelmente no começo de outubro. Então ele pregou um notável sermão, que fazia um resumo da história do povo de Deus, e mostrava que, sem exceção, todos os profetas antigos tinham sido perseguidos por causa de sua mensagem. Ele argumentou que sua execução tinha culminado com o assassinato do próprio Messias pelas mãos do mesmo povo a quem Estêvão tinha se dirigido. Quando os líderes ouviram suas palavras, ele “enfureciam-se no seu coração e rilhavam os dentes contra ele” (Atos 7:54). Furiosos, eles arrastaram Estêvão para fora da cidade e o apedrejaram até a morte. O jovem tição ardente que presidia sobre o assassinato de Estêvão era um dos jovens mais brilhantes e enérgicos de Jerusalém, Saulo de Tarso. Ele tinha nascido como um cidadão judeu romano em um dos principais centros comerciais, não muito longe da Baía de Issus, no Mediterrâneo, e era de uma família abastada que seguia a forma mais estrita da religião judaica. Desde a tenra idade Saulo tinha sido enviado para Jerusalém e recebido a melhor educação disponível, culminando com o estudo na escola de Gamaliel, um dos mais respeitados rabinos e estudiosos no mundo. Gamaliel era muito famoso, não apenas pela qualidade de seu ensino na religião judaica e filosofia, mas também pelo seu interesse liberal e vasto da cultura clássica. Logo, Saulo foi exposto ao melhor da filosofia e literatura grega e romana, junto com um excelente treinando no estudo hebreu. Saulo se formou como o melhor da classe, possuindo tanto um gênio acadêmico distinto quanto um zelo apaixonado pela forma mais estrita da fé e prática judaica. Mesmo quando jovem ele era conhecido, e tinha se distinguido como uma excepcional “estrela em ascensão” no mundo judaico. Desde o dia da morte de Estêvão, Saulo voltou suas forças para a tarefa de livrar Jerusalém e as regiões vizinhas dessa nova e perigosa seita. Os esforços de Saulo


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e de outros como ele foram tão severos que os cristãos foram no geral expulsos de Jerusalém e das áreas ao redor. O apóstolo Paulo notaria a ironia disso anos depois, pois foi seu próprio ódio pela causa cristã que a espalhou, pois para qualquer lugar que esse povo da fé viajasse, eles pregavam o evangelho de Cristo (ver Rm 11:11-12). O próprio Saulo conseguiu cartas do sumo sacerdote com a permissão de Roma, e partiu para a cidade de Damasco, a capital da Síria, com o objetivo de prender qualquer um que fosse seguidor da nova religião. Com tropas autorizadas a ajudá-lo a cumprir a tarefa, ele se aproximou da cidade, mas foi confrontado de forma dramática pelo próprio Jesus, que questionou “...porque Me persegues?” Saulo foi ao mesmo tempo convertido e comissionado a ser um apóstolo de Cristo. Isso aconteceu no fim do outono do ano 30 d.C.91 e como Paulo mais tarde relataria em sua carta aos gálatas, ele permaneceu nas imediações de Damasco por três anos, parte do tempo na cidade, e outra parte nas regiões desertas ao leste da cidade. Depois de três anos Saulo retornou à Jerusalém. Nesse ponto, muitos outros cristãos tinham voltado à cidade também, presumindo que a perseguição tinha terminado. Quando Saulo tentou se juntar a esses discípulos cristãos, eles naturalmente tiveram suspeitas, e recusaram qualquer contato com ele. Porém Barnabé interveio e apresentou Saulo aos apóstolos, que depois o estenderam a “destra de sua irmandade”. Saulo partiu de Jerusalém depois de apenas quinze dias, viajando para sua cidade natal em Tarso. Lucas relata que pelos próximos três ou quatro anos, a igreja primitiva experimentou um tempo de paz, provavelmente devido ao fato de que o principal perseguidor da igreja, Saulo de Tarso, tinha sido “neutralizado”. Pedro continuou a viajar de cidade em cidade pela Palestina, mais tarde terminando em Jafa na costa do Mediterrâneo. Enquanto a igreja aproveitava o tempo de relativa tranquilidade, o próprio mundo romano fora jogado em um turbilhão por um governante que se mostrava em grande contraste com seus antecessores por seus modos indisciplinados e extravagantes. Apesar de seu reinado 91 Comentaristas divergem se a conversão de Paulo ocorreu em 30 d.C., ou alguns anos mais tarde, possivelmente em 33 ou 34 d.C. Para os propósitos presentes, seguiremos a cronologia “curta”.


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relativamente curto, ele conseguiu fazer considerável estrago ao prestígio do cargo imperial. Seu nome era Caio Júlio César Germânico, mas ele ficou conhecido universalmente por seu apelido, Calígula, “botinhas”. Calígula (37 – 41): Tibério morreu em 37, enquanto Pedro permaneceu em Jafa e Saulo em Tarso. Ele foi sucedido por seu filho Germânico, cujo curto reinado durou menos de quatro anos, mas que para muitos, durou tempo demais. O novo imperador era conhecido por sua extravagância, excentricidade, e por seu cruel despotismo rotineiro, o que levou ao seu assassinato em 41 pelas mãos de muitos de seus próprios guardas. Calígula nasceu em 31 de agosto de 12 d.C., o filho do mais popular general romano do exército. Sua mãe, Agripina, também era uma conhecida filha de Augusto César, e ela era considerada um modelo da mulher romana. Quando ele tinha dois ou três anos de idade, ele se tornou o mascote do exército de seu pai, e sua mãe fez para ele uma miniatura do uniforme militar romano, junto com a réplica vinham as botas. Os soldados se divertiram tanto com a visão que deram a ele o apelido “Calígula”, latim para “botinhas”, e o viram como um bom mascote da sorte. Apenas dois anos após o nascimento de Calígula, notícias da morte de Augusto varreram todo o Império. Os soldados servindo sob Germânico queriam que seu líder sucedesse ao cargo imperial, e eles quase se revoltaram quando Tibério foi apontado em seu lugar. Diante de um possível motim, Germânico enviou Agripina e Calígula para longe para sua própria segurança, e tentou acalmar seus homens. Os soldados, supersticiosos, temeram tanto perder o mascote da sorte que eles prometeram aceitar a nova liderança sem reclamar se Calígula voltasse para o seu posto avançado. O próprio Tibério buscou acalmar a tempestade política que cercava sua indicação ao fazer de Germânico seu filho adotivo. É bem conhecido que Tibério não apenas era afeito a Germânico, e quando o famoso militar foi assassinado por Antíoco em 10 de outubro de 19 d.C., muitos suspeitaram que Tibério tinha idealizado a conspiração. Germânico, na verdade, fora envenenado por Cneu Calpúrnio Pisão, governador da Síria, mas se ele agiu sob mando de Tibério permanece sendo um mistério. O próprio Piso foi executado logo após o assassinato, e o segredo foi com ele para o túmulo, mas Suetônio fortemente sugere que o medo e ciúme de


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Tibério por seu filho adotivo, com sua popularidade e crescente poder, podem ter sido os motivos verdadeiros para seu crime. A própria Agripina também suspeitava, e em alto e bom som acusou Tibério de fazer pouco para assegurar a justiça pela morte de seu marido. Depois da morte de Germânico, Calígula, com sete anos e suas três irmãs, Agripina a Jovem (posterior mãe de Nero), Drusila, e Júlia Lívila, foram viver com sua avó, Lívia (viúva de Augusto César, e mãe de Tibério César). Quando Lívia faleceu em 27, Calígula tinha 15 anos de idade e, e ele e suas irmãs foram morar com sua outra avó, Antônia Lívia ou Antonia. As quatro crianças receberam pouca atenção além da educação, seja de Lívia ou de Antônia, e como Suetônio detalhe com alguma extensão, o relacionamento entre os quatro irmãos se tornou doentio e incestuoso. Ao fim do reinado de Tibério, Calígula estava em perigo constante. Como vimos antes, Sejano, o líder da Guarda Pretoriana, era muito ambicioso e poderoso. Fazendo tudo que podia para controlar Tibério, ele encheu o imperador de temerosa paranoia por sua própria segurança, e o persuadiu a se retirar para a ilha de Capri. Isso deixou Sejano relativamente livre para agir na capital, e ele usou dessa liberdade para remover muitos de seus oponentes políticos. Seu método favorito para fazê-lo eram os “julgamentos por traição”, nos quais Sejano acusava falsamente seus inimigos de deslealdade a Roma, e os fazia ser executados. Sejano tinha um interesse especial em remover os membros da casa de Germânico, e assim, com pouca idade, Calígula começou a aprender a vigiar por sua própria segurança. Ele parecer ter tido uma grande habilidade para evitar o perigo quando outros membros da família não tiveram. Sua mãe, Agripina, foi banida para a pequena ilha de Pandataria, onde ela posteriormente morreu de inanição. Seu irmão mais velho, Nero, foi banido para a ilha de Ponza, onde ele morreu, o seguinte em idade, Druso, foi encontrado trancado em uma masmorra com o enchimento de seu colchão em sua boca para aliviar as dores da fome. Porém, enquanto outros pereciam, Calígula de algum modo sobreviveu, e antes que Sejano pudesse alcançá-lo, este próprio foi julgado e executado baseado na informação dada a Tibério por Antônia. Depois da morte de Sejano, Tibério convocou Calígula para Capri para ficar com ele em uma das muitas villas da bela ilha. De acordo com Suetônio, Tibério tinha se afundado em uma vida de beberragem e perversão desavergonhada, embora alguns duvidem de Suetônio nessa questão. De qualquer maneira, há poucas dúvidas de que Calígula se agraciara a Tibério durante aqueles anos. Ele certamente tinha alguma habilidade administrativa e ganhou a


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aprovação de Tibério ao cumprir muitas de suas tarefas. Tibério deu a Calígula o cargo de questor em 33, e continuou a treiná-lo para a sucessão ao trono romano. Porém, de noite, Calígula infligia torturas aos escravos e via sangrentos jogos de gladiadores com prazer. Tibério morreu em 16 de março de 37, e diz-se que o povo de Roma se regozijou com a notícia. Suetônio alega que o guarda de Calígula, Macro, sufocou Tibério com um travesseiro, mas é mais provável que ele tenha morrido de causas naturais. No dia seguinte, o Senado confirmou Calígula como o novo imperador. Ele veio a ter uma vasta fortuna quando subiu ao cargo, resultado de anos de economia pelo estilo de vida simples de Tibério. Primeiro, Calígula exibiu uma capacidade administrativa decente, dando bônus em dinheiro à Guarda Pretoriana, declarando que julgamentos por traição eram coisa do passado, chamando os exilados de volta, e ajudando aqueles que tinham sido prejudicados pelo opressivo sistema tributário de Roma. Ele logo se tornou muito popular, tanto por seu entretenimento público generoso quanto pela sua impressionante árvore genealógica. Uma grande mudança no caráter de Calígula ocorreu alguns meses depois que ele se tornou governante, provavelmente como resultado de uma doença muito séria que pode ter danificado sua mente. Suetônio descreve a doença de Calígula como “febre no cérebro”, enquanto Filo de Alexandria ignora isso como apenas um colapso nervoso causado pelas pressões do cargo. Durante sua doença, Roma esperou e orou para que seu amado imperador se recuperasse, mas quando ele o fez, ele parecia ser uma versão muito diferente de si mesmo. O historiador britânico Howard Hayes Scullard acentuou que depois de sua doença, Calígula “emergiu como um monstro lascivo e de crueldade diabólica.” Ele se tornou sanguinário e imprevisível, excedido apenas por Nero em seus excessos de insanidade e violência. A popularidade de Calígula minguou rapidamente conforme a megalomania tomou conta de sua vida. Ele via a si mesmo como um deus imortal, e ordenou que estátuas de si mesmo fossem erigidas em locais de proeminência religiosa, incluindo no templo de Jerusalém, uma cidade considerada por muitos como a capital do mundo religioso. Felizmente, seu amigo Herodes Agripa o persuadiu a desistir do plano. Em outra demonstração espetacular, ele ordenou que uma ponte flutuante temporária fosse construída usando navios como pontões, que se estendiam por cerca de três quilômetros do balneário de Baia até o porto vizinho de Pozzuoli. Ele então prosseguiu em marcha pela ponte, vestindo a couraça de Alexandre o Grande. Ele fez isso em desafio a predição de um famoso astrólogo de que Calígula “tinha menos chances de se tornar imperador do que marchar com um cavalo cruzando o Golfo de Baia.” Ele também


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executou o filho mais novo de Tibério, Gemelo, e seu padrasto, Silano, em sua determinação de proteger sua posição. Antônia, a vó de Calígula, vendo a dramática mudança nos acontecimentos, cometeu suicídio mais ou menos na mesma época. A questão de se Calígula era louco ou não continua sem resposta. Filo afirma que o imperador não era nada além de um pregador de peças, embora tentativas de psicólogos modernos tenham diagnosticado Calígula como delirante, e possivelmente sofrendo de uma desordem de personalidade antissocial como resultado de sua infância traumática. De qualquer forma, há muitas histórias famosas atestando o comportamento bizarro do imperador. Por exemplo, ele tentou fazer de seu amado cavalo, Incitatus, um cônsul, embora isso possa ter sido mais uma declaração política relativa a essa incumbência. Havia a persistente afirmação de que ele mantinha relacionamentos incestuosos com suas irmãs (Drusila, em especial). Diz-se que Calígula uma vez montou em seu palácio um bordel com representações das esposas de senadores proeminentes. De acordo com Suetônio, Calígula “dava ordens de buscar homens que ele secretamente assassinara, mas que ele pensava ainda estarem vivos, e dizia depois de alguns dias, sem embaraço, que eles deviam ter cometido suicídio.” Embora a validade dessas afirmações tenha sido questionada, historiadores tendem a concordar que, com certeza, Calígula não estava qualificado para ser imperador. Calígula governou por três anos, dez meses, e oito dias. Em 24 de janeiro de 41, quando ele estava sozinho em um corredor, ele foi morto como resultado de uma conspiração entre a Guarda Pretoriana. Ele morreu com a idade de 28 anos pelas mãos de Cássio Quereia, um coronel da guarda com uma posição de distinção. Ele conhecera Calígula desde a infância e tinha sido um dos melhores oficiais de Germânico. Ainda assim Calígula abusara de Cássio por anos dizendo que ele era efeminado, e essa afronta a sua honra finalmente teve sua paga. Cássio então se juntou a outro coronel ofendido, Cornélio Sabino, e eles partiram para matar a esposa de Calígula, Cesônia, e sua filha pequena, Júlia Drusila. O pandemônio tomou conta por um breve tempo, mas logo o velho tio de Calígula, Cláudio, foi feito imperador pela Guarda Pretoriana. Acontecimentos do Novo Testamento durante o Reinado de Calígula: Durante o reinado de Calígula, Agripa I foi capaz de manobrar a uma posição de poder proeminente sobre Jerusalém e seus arredores. Como visto no capítulo anterior, a carreira de Agripa até aquele momento fora extravagante, senão instável. Ele tinha residido em Roma durante a maior parte do reinado de Tibério, algumas vezes favorecido, outras em desgraça, algumas vezes como prisioneiro e outras como convidado da corte imperial. Alguns meses antes de sua morte, Tibério aprisionara Agripa por uma colocação indiscreta, mas depois de Calígula ascender ao governo, ele libertou Agripa e o apontou governador da Bataneia e Traconítide, que tinha sido a tetrarquia de Herodes Filipe II, que morrera em 34. Logo depois, Agripa recebeu a tetrarquia de Lisânias, junto com o título de rei. Agripa retornou a Roma em 39, e persuadiu Calígula a banir Herodes Antipas, e dar ele a tetrarquia de Agripa também. Herodes Antipas foi exilado na Espanha, onde ele viveu o resto de seus anos. Em seu favor, Agripa preveniu Calígula de colocar uma estátua de si mesmo no templo de Jerusalém, mostrando que por mais questionável que fosse seu caráter, ainda assim entendia o povo judeu bem o suficiente para saber que tal ato provocaria uma extraordinária reação e rebelião entre as massas judaicas na


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Judeia. No Novo Testamento, sem dúvidas o acontecimento mais importante que ocorreu durante o reinado de Calígula foi a conversão do centurião romano, Cornélio, que tinha sido alocado em Cesareia, a capital política da Judeia. É dito por Lucas que Cornélio tinha sido do Regimento Italiano (ou coorte). Naquele tempo, havia algumas cortes de militares “italianos” no mundo romano, chamadas assim porque os soldados eram romanos invés de alistados dentre os locais. Por causa da importância da segurança de Cesareia, e do clima um tanto tumultuado na Judeia, essas forças de segurança eram, sem dúvida, algumas das melhores em toda a Roma. Cornélio é chamado de “centurião”, ou seja, comandante sobre 100 homens, mas o termo era usado em sentido amplo, e ele pode ter tido o comando sobre até 1.000 tropas. Como vimos anteriormente, Pedro estava em Jope, uma cidade a cerca de 30 quilômetros de Cesareia. Enquanto estava lá, alguns homens se aproximaram dele requisitando que fossem acompanhados de volta a Cesareia a pedido do centurião. Pedro pode não ter concordado, exceto por ele ter tido uma visão que mostrava que a distinção da Antiga Aliança de “puro” e “impuro” tinha sido abolida. Pedro estava agora sendo enviado para o local mais impuro que poderia imaginar, a casa de um gentio. Enquanto pregava lá, o Espírito de Deus encheu os ouvintes gentios, assim como havia enchido os ouvintes judeus no dia de Pentecostes. Pedro corretamente inferiu que não havia mais justificativas para uma distinção contínua entre judeu e gentio, e a esses não devia ser negada a membresia na comunidade da fé, ou seja, entre o povo de Israel. Os outros líderes da igreja não ficaram felizes em saber que Pedro entrara na casa de um gentio e trouxeram isso à tona. Pedro contou o que ocorrera, e depois de ouvirem, eles concluíram com certa surpresa, “Que Deus também tinha concedido aos gentios arrependimento para a vida.” A conversão de Cornélio é enfatizada por Lucas pois foi a primeira conversão de um verdadeiro gentio. O dia do Pentecostes tivera apenas judeus. O ministério de Filipe em Samaria era para “judeus misturados”. A conversão do eunuco etíope envolvia um prosélito judeu. Até depois da morte de Estêvão, cristãos judeus viajaram pelo mundo mediterrâneo, mas pregavam o Evangelho “apenas para os judeus” (Atos 11:19). Com a conversão de Cornélio, no entanto, um gentio fora trazido à fé, e isso acontecera com Pedro como testemunha, um ponto que se tornou crucial alguns anos mais tarde no Concílio de Jerusalém, onde esse assunto foi questão de controvérsia. Uma discussão desse acontecimento impactante é discutida no capítulo


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final dessa obra.

(Página intencionalmente deixada em branco)


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Capítulo 12

Até o fim do mundo (41 a 70 d.C.)

Jerusalém caiu para os romanos em 70 d.C.. Foi o fim de uma era, os "últimos dias" da Antiga Aliança, mas, ao mesmo tempo, era um momento de crise para própria Roma. A morte de Nero no ano 68, e a instabilidade associada ao posterior "ano dos quatro imperadores", deixou muitos duvidando da própria sobrevivência de Roma. Tácito lamenta que as ruas da grande cidade tinham se tornado palco de anarquia, e que a antiga ordem parecia desvanecer para sempre. O pior de tudo, porém, era a sorte daqueles presos em Jerusalém durante seu último cerco.. Eram, no uso bíblico do termo, dias de "grande tribulação.” Porém, dessa tribulação, emergiu uma "inumerável multidão", de cada nação, tribo, e língua (Apoc. 7:9), pois, como Eusébio asseverou, os cristãos levaram a sério a predição de Jesus no discurso do Monte das Oliveiras. Com certeza, muitos cristãos enfrentaram uma cruel perseguição por um tempo nas mãos dos romanos, mas eles também emergiram desses dias terríveis em um número maior, e com uma fé mais vibrante do que antes. No fim do primeiro século, o movimento cristão tinha se enraizado em cada setor da sociedade romana, e esse crescimento e progresso inevitáveis asseguraram que o comando final de Jesus, de que o evangelho fosse proclamado "até o fim do mundo" certamemente se cumpriria.


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O capítulo final desse livro busca traçar a história desse notável momento de transição começando, novamente, com um resumo das maiores personalidade no mundo romano. Cláudio(41-54): Tibério Cláudio Nero César Druso nasceu em 1º de agosto de 10 a.C., e morreu em 13 de outubro de 54 d.C. Ele se tornou imperador em 24 de janeiro de 41, logo após a morte de Calígula. Ele nasceu em Lugduno, na Gália (moderna Lyon), de Druso e Antônia Menor. Ele era assim, irmão do popular general, Germânico, foi o primeiro imperador a nascer fora da Itália, e o primeiro a tomar o nome "César" sem ter ligação legal com a família para tal título. Cláudio era considerado um sucessor improvável ao governo de Roma. Alega-se que ele caminhou com grande manquidão durante toda a sua vida e falava com a língua presa, possivelmente devido a um tipo de paralisia cerebral. Sua família tinha tanta vergonha de suas enfermidades que praticamente o excluiu dos cargos públicos. Ele se tornou cônsul em 37, quando seu sobrinho Calígula foi feito imperador. É possível que sua deficiência o tenha salvo do destino de muitos outros nobres romanos durantes os expurgos de Tibério e Calígula. A exclusão da vida pública não incomodou o jovem nobre, que era por natureza inclinado a buscas mais acadêmicas do que políticas. Mais ou menos na época que o jovem Cláudio propôs uma reforma do alfabeto romano adicionando três novas letras, ele começou a escrever a história romana a partir do assassinato de Júlio César. Esse projeto de uma vida acabou por se tornar uma série de quarenta e três livros, a qual ele somou mais vinte volumes sobre história etrusca e oito sobre a história de Cartago. Infelizmente, nenhum deles sobreviveu. Embora Cláudio tivesse pouco interesse em se tornar imperador, ele basicamente foi forçado pela Guarda Pretoriana, que o achou se escondendo atrás de uma cortina depois do assassinato de Calígula. Como irmão do amado Germânico, ele era o favorito, e foi imediatamente proclamado imperador pela Guarda, um anúncio confirmado em seguida pelo Senado. Os pretorianos provavelmente imaginaram que o isolado estudioso seria complacente com o exército romano, e de certo modo estavam certos.


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Porém, para os pretorianos ele era mais do que um cão em sua coleira. Na verdade, logo que subiu ao cargo, ficou claro que ele era um grande estrategista político cujo detalhado estudo da história romana ajudou a ter uma rica compreensão das tarefas de estado e estratégia militar. Em seus dias no ofício, Cláudio compreendeu bem sua vulnerabilidade política, dada sua falta de uma base de apoio, tanto no Senado, no exército ou no povo. Para ganhar a aprovação popular ele embarcou em desenvolver políticas públicas benéficas, dando atenção de forma especial às leis civis e à condição dos escravos. Em uma ação controversa, ele permitiu a compra de cidadania romana a qualquer pessoa qualificada, o que foi a base para a observação feita pelo comandante romano ao apóstolo Paulo em Jerusalém. Cláudio também empreendeu vários projetos públicos ambiciosos, um deles sendo a expansão do porto romano de Ostia, que veio se tornar a cidade de Porto. Para obter apoio do exército, ele liderou várias campanhas bem-sucedidas, a mais famosa delas sendo na Britânia. Cláudio supervisionou pessoalmente a invasão, que teve grande sucesso, e levou a um amplo reconhecimento em Roma. A Britânia se tornou uma província romana em 47, e permaneceu parte do império pelos próximos 350 anos, enquanto Cláudio celebrou seu triunfo nomeando seu filho

Britânico,

em

41.

Durante seu reinado, Cláudio adquiria vasta riqueza, enquanto o poder e o prestígio do Senado diminuíram. A expansão de Roma levou a uma crescente necessidade por comida e cuidado, que em grande parte foram dados pelo próprio Cláudio. O imperador certamente foi criticado por alguns comentaristas, especialmente Sêneca, por causa de suas políticas caras e pelo modo como se tornou imperador, mas ele em geral teve a aprovação do povo, em contaste com seus antecessores. Cláudio se casou quatro vezes. Sua primeira esposa foi Pláucia Urgalanila, com quem ele se casou no ano 9, quando tinha 18 anos de idade. Ela deu à luz um filho, Cláudio Druso, e uma filha, Cláudia. De acordo com Suetônio, o jovem Cláudio acabara de se tornar noivo de Júnila, filha de Sejano, quando ele sufocou até a morte com uma pera que ele tinha jogado para cima e pego com a boca.


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Quanto a Cláudia, o imperador mantinha algumas dúvidas sobre a paternidade de Britânico, e ele posteriormente a repudiou, se divorciando de Plautia nessa ocasião. O segundo casamento de Cláudio foi com Élia Pecina, no ano 28, e com ela ele teve uma filha, Cláudia Antônia, nascida em 30. Esse casamento também terminou em divórcio no ano 31, o mesmo ano em que Sejano foi tirado do poder. Ele se casou com sua terceira esposa, Valéria Messalina, no ano 38, e com ela teve uma filha Cláudia Otaviana, no ano 40, e Britânico no ano 41. Messalina tinha uma reputação notória por sua desavergonhada promiscuidade, mas, na verdade, foi sentenciada a morte no ano 48 quando foi associada a uma tentativa de assassinato de Cláudio. A última esposa de Cláudio e a mais conhecida foi sua sobrinha, Júlia Vipsânia Agripina, às vezes chamada de Agripina Menor ("a jovem"). Ela era filha de Germânico e Agripina Maior, e irmã de Calígula, e sobrinha-neta de Tibério. Seu primeiro casamento fora com Cneu Domício Enobarbo, com quem ela teve Lúcio Domício Enobarbo, mais tarde chamado de Nero. Cneu morreu em janeiro de 40 d.C., mas quando ainda estavam casados, Agripina participou abertamente da corte decadente de Calígula, se prostituindo no bordel do palácio. Como vimos antes, sua vida imoral tinha começado anos antes quando, supostamente, ela e suas irmãs, tinham tido envolvimentos sexuais com seu irmão Calígula. Em janeiro de 41 ela se casou novamente, dessa vez com Caio Salústio Crispo Passieno. Ele morreu entre 44 e 47, deixando todo o seu patrimônio para sua esposa. Houve muita suspeita de que Agripina poderia tê-lo envenenado, mas a acusação nunca se confirmou. Novamente viúva, ela começou a cortejar seu tio, Cláudio, e logo se tornou sua consorte favorita. Eles se casaram no Ano Novo de 49, pouco depois da execução de Messalina. Agripina, então, persuadiu Cláudio a adotar seu sobrinho Nero, o colocando à frente de Britânico, e


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como primeiro na linha de sucessão. Cláudio posteriormente se retratou publicamente dessa decisão, e Agripina, aparentemente, não teve medo de usar o assassinato para vencer essa batalha, envenenando Cláudio no ano 54, e fazendo de Nero imperador. O Governo da Judeia sob Cláudio: Como vimos em um capítulo anterior, Agripa I havia recebido poder estendido durante o reinado de Calígula, mas depois do assassinato do imperador em janeiro de 41, Agripa apoiou Claúdio no Senado Romano, e como recompensa por esse auxílio, Cláudio adicionou aos seus domínios o governo da Judeia e Samaria, reafirmando seu título como Rei dos Judeus.. Agripa começou então a se tornar um dos maiores príncipes do oriente, e voltou para a Judeia governando de uma maneira que satisfez grandemente os líderes judeus. Apesar de seus laços de proximidade com as personalidades romanas, ele exibiu um zelo tanto público quanto privado pela religião judaica. Josefo relata que Agripa era "muito cuidadoso na observância das leis de seu país, não permitindo que se passasse um dia sem que fosse feito o sacrifício exigido .” Como já vimos, ele tinha dado prova de seu forte sentimento judaico ao usar toda a sua influência contra Calígula para impedi-lo de colocar uma estátua de si mesmo no santo dos santos do templo. Foi essa forte lealdade à tradição religiosa judaica que inspirou Agripa a perseguir a Igreja, um esforçou que culminou no ano 44 quando, logo antes da Páscoa, Agripa executou o apóstolo Tiago, filho de Zebedeu e irmão do apóstolo João. Quando Agripa viu que suas ações eram populares entre os apoiadores do judaísmo, ele ordenou que o líder da Igreja, o próprio Pedro, fosse preso e executado. Pedro, é claro, escapou através do auxílio angelical. Logo após a Páscoa, Agripa viajou para Cesareia, onde ele patrocinou os jogos e entretenimento público em honra a Cláudio. De acordo com Lucas, Agripa desfilou com uma aparência impressionante, e se dirigiu à multidão no estádio. Enquanto ele falava a multidão clamou que ele falava com "voz de deus e não de homem" Por Agripa não os ter repreendido por tal adoração, como requerido pela lei judaica, "um anjo do Senhor o golpeou", e ele morreu pouco depois, "devorado por vermes" Josefo confirma de forma substancial o relato de Lucas, mas adiciona alguns detalhes chamativos:


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E, no terceiro ano de seu reinado, celebrou na cidade de Cesareia […] jogos solenes em honra ao imperador […] No segundo dia dos espetáculos, Agripa chegou bem cedo pela manhã ao teatro. Usava uma veste trabalhada com muita arte, cujo forro era de prata, e, quando o sol o iluminava com os seus raios, emitia tão vivos reflexos de luz que não se podia olhar para ele sem se sentir tomado por um respeito misto de temor. Então alguns mesquinhos bajuladores, com palavras melífluas […] começaram a dizer que até então haviam considerado o rei um simples homem, porém dali em diante o iriam reverenciar como a um deus, rogando-lhe que se lhes mostrasse favorável, pois parecia que ele não era como os demais, de condição mortal. Agripa tolerou essa impiedade, que deveria ter sido castigada com muito rigor. E logo ele levantou os olhos e viu uma coruja por sobre a sua cabeça, pousada numa corda estendida no ar, e lembrou-se de que aquela ave era agora um presságio de sua desgraça, tal como outrora havia sido o prenúncio de sua prosperidade. Soltou então um profundo suspiro, ao mesmo tempo que começou a sentir as entranhas roídas por uma dor horrível. E, voltando-se para os seus amigos, disse-lhes: “Aquele que pretendeis fazer acreditar que é imortal está prestes a morrer. A providência divina veio desmascarar a vossa mentira. Mas é preciso aceitar as determinações de Deus, apesar de eu ter sido muito feliz, a ponto de não haver príncipe de quem eu invejasse a felicidade”. Dizendo essas palavras, ele sentiu que as dores aumentavam. Levaram-no ao palácio, e a notícia de que ele estava prestes a exalar o último suspiro espalhouse imediatamente. Logo, todo o povo, com a cabeça coberta por um saco, segundo o costume de nossos pais, fez orações a Deus pela sua saúde, e todo o ar ressoava com os gritos e lamentações. O príncipe, que estava no quarto mais alto do palácio, vendo-os de lá prostrados em terra, não pôde reter as lágrimas. As dores, porém, continuaram por cinco dias a fio e o levaram desta vida, aos cinquenta e quatro anos de idade e sete de reinado.”


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(Antiguidades Judaicas 19.343-350). A História Bíblica durante o Reinado de Cláudio: A Visita da Fome Mais ou menos na mesma época da morte de Agripa, Lucas relata que um profeta cristão chamado Ágabo veio de Jerusalém para Antioquia predizendo que uma fome varreria a Judeia em um futuro próximo. Tácito confirma que tal fome começou aproximadamente no ano 44, e durou cerca de três a quatro anos. Os cristãos de Antioquia se comprometeram a enviar um auxílio financeiro aos crentes que viviam em Jerusalém, pelas mãos de Paulo e Barnabé. Paulo não tinha visitado Jerusalém desde sua breve visita em 34, e viu isso como uma oportunidade não apenas para entregar o presente em dinheiro da Igreja de Antioquia, mas para consultar os líderes apostólicos acerca de seu ministério distinto aos gentios. A "visita da fome" é mencionada em Gálatas: Catorze anos depois [o ano 44, catorze anos depois da conversão de Paulo em 30 d.C.], subi outra vez a Jerusalém com Barnabé, levando também a Tito. Subi em obediência a uma revelação e lhes expus o evangelho que prego entre os gentios, mas em particular aos que pareciam de maior influência, para, de algum modo, não correr ou ter corrido em vão. Contudo, nem mesmo Tito, que estava comigo, sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se. … Quando viram que o evangelho da incircuncisão me fora confiado, como a Pedro o da circuncisão (pois Aquele que operou eficazmente em Pedro para o apostolado da circuncisão também operou eficazmente em mim para os gentios) e, quando conheceram a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram reputados colunas, me estenderam, a mim e a Barnabé, a destra de comunhão, a fim de que nós fôssemos para os gentios, e eles, para a circuncisão. (Gl 2:1-10). Embora alguns argumentem que o texto acima se refira ao “Concílio de Jerusalém”, isso parece improvável pois em Gálatas Paulo não faz referência ao resultado mais importante do concílio, a carta aos gentios (Atos 15:23 em diante), e isso teria sido muito útil para ele. Tal visão também faria de Paulo um enganador, pois mostraria que Paulo omitiu inteiramente a referência à visita da fome na Carta aos Gálatas, mesmo que ele tenha dito aos gálatas que estava detalhando cada contato que ele tivera com os apóstolos em Jerusalém. A primeira viagem de Paulo:


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Depois de Paulo e Barnabé retornarem a Antioquia, eles foram comissionados a começar a pregar o evangelho às cidades gentias. A "primeira viagem missionária" provavelmente começou na primavera de 46, e durou entre dois e três anos. Levando João Marcos consigo, eles provavelmente viajaram ao longo do Rio Orontes de Antioquia até o porto próximo de Selêucia. De lá eles navegaram até a ilha de Chipre, aportando no porto oriental de Salamina. Eles viajaram por toda a extensão da ilha, chegando enfim à cidade de Pafos em sua parte ocidental. Pafos era uma cidade costeira no sudoeste de Chipre, o lugar mítico do nascimento da deusa grega do amor, sexo e beleza, Afrodite. Nos tempos greco-romanos era a capital da ilha, e até os dias de hoje é famosa por abrigar o que sobrou do palácio do governador romano, onde seus grandes mosaicos são uma das maiores atrações turísticas. A pregação de Paulo chamou a atenção do procônsul de Pafos, cujo nome era Sérgio Paulo. Procônsules romanos geralmente serviriam por um mandato de três anos, e então voltariam para a capital. Sérgio estava no último ano de seu mandato, e voltou para Roma em 47 d.C. Uma pedra de fronteira posta por Cláudio foi descoberta no ano de 1887, e menciona especificamente Sérgio Paulo, e registra sua indicação em 47 para curador dos bancos e do canal do rio Tibre. Lucas também registra que um "falso profeta", um judeu chamado Bar-Jesus ou Elimas, tentou alertar Sérgio Paulo contra a fé cristã, e Paulo pronunciou um julgamento sobre esse homem enviando uma cegueira temporária por sua impiedade. De Chipre, Paulo e seus companheiros navegaram para o norte, aportando em Perga, a capital da província de Panfília. Hoje uma ruína chamada Eski Kalessi, a cidade ficava nas margens do rio Cestro, e na época era um lugar de importância comercial. Lucas registra que João Marcos abandonou Paulo e Barnabé em Perga e voltou para casa por motivos não mencionados, e tal abandono obviamente trouxe dúvidas à mente de Paulo sobre a capacidade de Marcos para futuros trabalhos. De Perga, eles viajaram para o norte por cerca de 130 quilômetros até maior cidade da região, Antioquia da Pisídia. A cidade fora fundada durante os últimos anos do terceiro século a.C. por Antíoco I Sóter como uma base militar para conter os ataques dos gauleses, pois ficava situada na fronteira entre a Pisídia e a Frígia. Ao que parece, a cidade teve uma cultura clássica já desde uma


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época anterior, porém, Paulo pregou em uma sinagoga, tendo uma recepção favorável dos gentios tementes a Deus, mas a resistência e hostilidade dos judeus da comunidade judaica enfim forçaram os dois companheiros a partir. De Antioquia, Paulo e Barnabé prosseguiram para Icônio (moderna Cônia ou Cónia), localizada aos pés dos Montes Tauros, cerca de duzentos quilômetros do Mediterrâneo, no planalto central da Anatólia. Icônio era outra grande cidade onde várias rotas comerciais se interconectavam. Era uma das principais cidades na região sul da província romana da Galácia, e provavelmente pertencia à “região da Frígia” mencionada em Atos 16:6. Cláudio conferiu sobre Icônio o título Claudicônio, que apareceu então em moedas e inscrição pela cidade, e mostrava evidência de que o imperador elevara a cidade ao escalão de colônia romana. Quando Paulo visitou Icônio, ela era ainda era uma cidade helênica, mas com uma forte tendência pró-romana. Os pregadores pegaram primeiro na sinagoga, e Lucas registra que “uma grande multidão tanto de judeus quanto de gregos creu.” Porém, novamente, os judeus incrédulos instigaram os gentios levando a uma ameaça de agressão, e Paulo e Barnabé foram novamente obrigados a deixar a cidade para sua própria segurança. Paulo e Barnabé viajaram então para Listra, uma cidade povoada e um tanto pouco sofisticados Licônios, uma guarnição romana, e alguns gregos e judeus. Enquanto Paulo pregava, ele também curou um aleijado, impressionando tanto os nativos que eles o confundiram com Mercúrio (ou Hermes), pois ele era o “orador principal” e Barnabé foi confundido com Júpiter (Zeus), provavelmente por causa de sua aparência imponente. Na famosa história de Ovídio, as mesmas divindades apareceram a Baucis e Filêmon na vizinha Frígia. Os licônios nativos começaram a fazer sacrifícios quando Paulo fortemente a sua atenção para a verdadeira origem de todas as bênçãos. Não muito depois, os judeus hostis tanto de Antioquia quanto te Icônio chegaram e inspiraram animosidade nas multidões com o objetivo de apedrejar Paulo, arrastando-o da cidade, e dando-o como morto. Listra era a cidade natal de Timóteo, que mais tarde se tornou companheiro de viagem de Paulo. Pode ser que ele tenha sido uma testemunha ocular desses acontecimentos, e se foi o caso, isso explicaria a menção por Paulo para Timóteo de que ele tem “seguido, “de perto”, o meu ensino, procedimento, propósito, fé, longanimidade, amor, perseverança, as minhas perseguições e os meus


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sofrimentos, quais me aconteceram em Antioquia, Icônio e Listra, – que variadas perseguições tenho suportado!” (2 Tm 3:10-11). De Listra, os dois seguiram viagem para Derbe, uma pequena cidade na região oriental da planície da Licônia, cerca de 30 quilômetros de Listra. Era a cidade natal de Caio, um dos companheiros posteriores de Paulo (Atos 20:4). Ao que parece, Paulo não sofreu perseguição em Derbe, dado que ele a deixa de fora da lista enumerada em 2 Tm 3:11. Derbe estava localizada perto da passagem conhecida como “Portões Cilícios”, que conectava a planície da Cilícia com o planalto do interior da Anatólia. Paulo e Barnabé provavelmente passaram o inverno de 46-47 em Derbe, e então voltaram pelo mesmo caminho para visitar as cidade de Listra, Icônio e Antioquia, chegando enfim a Perga onde eles também pregaram o evangelho. De Perga, eles velejaram para Antioquia, provavelmente retornando ao lar no outono de 47, e Lucas registra que eles permaneceram lá “por um longo tempo”. A Questão dos Convertidos Gentios: Nos vários anos que se seguiram, a igreja com o principal dos desafios internos que encarou no primeiro século, ou seja, em como lidar com os convertidos gentios. A questão, é claro, vinha se desenvolvendo desde o início. No dia de Pentecostes, todos aqueles convertidos eram judeus ou prosélitos do judaísmo. Conforme o evangelho foi levado para outros lugares, a igreja de Jerusalém naturalmente se tornou a “igreja mãe” e era tida como a líder e autoridade moral entre as outras igrejas que começavam a se estabelecer. A igreja de Jerusalém era liderada por Tiago, o irmão de Jesus, um homem de credenciais judaicas impecáveis, e era também o lar dos apóstolos, especialmente daqueles que eram os “pilares” (Gl 2:9), Pedro, Tiago e João. Conforme o evangelho se espalhou, veio a superfície a questão de como os convertidos não judeus deveriam ser assimilados, um problema que veio a tona pela controversa pregação de Filipe aos samaritanos, e da pregação ainda mais controversa de Pedro a Cornélio e sua casa. Paulo estava, é claro, no centro dessa controvérsia, embora ele tivesse sido reconhecido como “o apóstolo para os gentios” pelos outros apóstolos durante a visita da fome. Apesar disso, muitos em Jerusalém estavam relutantes em abraçar uma atitude tão liberal, e até mesmo o bispo Tiago permaneceu menos que certo sobre esse assunto. Para a mente judaica mais conservadora, Jesus era primeiro e mais importante, o Messias de Israel. Ele era o cumprimento de todas as promessas à nação judaica, e assim, parecia que apenas o povo inicial de Deus era capaz de apreciar, e desfrutar de Suas bênçãos. Dessa perspectiva, os gentios permaneciam como estrangeiros e “impuros” e não podiam ser bem recebidos na


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comunidade cristã se primeiro não aceitassem a religião judaica, em especial a circuncisão. Resumindo, um homem tinha que se tornar um bom judeu antes de se tornar um bom cristão. Paulo rejeitou sumária e enfaticamente a noção de que havia qualquer distinção aos olhos de Deus entre um judeu e um gentio. Conforme ele insistiria,… “porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus”. (Rm 3:22-23). Ainda mais incrível, Paulo insistia que “...não é judeu quem o é apenas exteriormente…” (Rm 2:28). Na verdade, Paulo insistia que uma pessoa só estaria qualificada a ser chamada de “semente de Abraão”(Rm 4:1617; Gl 3:29), ou um “verdadeiro judeu” (Rm 2:28-29), ou “verdadeiro Israel” (Rm 9:6), por fé. Aqueles que diziam ser judeus baseando-se no nascimento, ou na circuncisão, ou no status legal, estavam terrivelmente enganados. Pior que isso era o esforço mal orientado para requerer que os gentios se tornassem “judeus” antes que eles pudessem se tornar cristãos. Paulo argumentava que uma pessoa se tornava membro da comunidade de Israel só através da fé ( Ef 2:12,19), e que seu batismo cristão incorporava o significado completo da circuncisão (Cl 2:11,12). O conflito emergiu dramaticamente quando, no ano 48, Pedro visitou a igreja altamente gentia de Antioquia. Em um dado momento durante sua estadia, um confronto um tanto tenso entre Paulo e Pedro emergiu, quando Paulo acusou Pedro sobre seu modo de ver os crentes gentios: Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe face a face, porque se tornara repreensível. Com efeito, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, comia com os gentios; quando, porém, chegaram, afastou-se e, por fim, veio a apartar-se, temendo os da circuncisão. E também os demais judeus dissimularam com ele, a ponto de o próprio Barnabé ter-se deixado levar pela dissimulação deles. Quando, porém, vi que não procediam corretamente segundo a verdade do evangelho, disse a Cefas, na presença de todos: se, sendo tu judeu, vives como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus? Nós, judeus por natureza e não pecadores dentre os gentios, sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado. (Gl. 2:11-16).


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Enquanto aparentemente Paulo tenha ganhado o debate com Pedro, o problema não foi embora. No ano seguinte, Paulo soube que as próprias igrejas que ele fundara em sua primeira viagem92,também tinham sido invadidas por certos homens que exigiam que eles se submetessem à circuncisão como parte de sua conversão cristã. Esses chamados “judaizantes” provavelmente se apresentavam como representantes da igreja de Jerusalém que permaneciam fieis a autêntica mensagem do Messias. É provável que eles alegassem representar a liderança apostólica, o bispo Tiago, e as crenças fundamentais da verdadeira fé cristã. Sem dúvida eles não consideravam Paulo como um apóstolo legítimo, e pensavam que ele tinha desviado para uma forma “antinomiana” da fé cristã Logo que Paulo soube das dificuldades na Galácia, ele escreveu a primeira de suas cartas do Novo Testamento, na qual ele criticou os recém-convertidos de forma marcante e enérgica. Tendo enfatizado que sua compreensão do evangelho tinha vindo direto de Cristo, Paulo argumento que aqueles que possuíam a fé em Cristo eram a verdadeira semente de Abraão, e os verdadeiros herdeiros das promessas de Abraão (Gl 3:29). Para ilustrar, ele alegorizou a história dos dois filhos de Abraão, Isaque e Ismael, que ele representou como sendo as duas alianças, uma das obras, e outra da fé. A antiga aliança correspondia a cidade presente de Jerusalém, mas Deus traria uma “nova Jerusalém” para substituir a antiga (ver Apoc 21:1 em diante), uma Jerusalém povoada por aqueles da fé. Repreendendo duramente aqueles que estavam trazendo problemas à igreja, Paulo alertou os jovens cristãos que eles não deveriam se orgulhar da circuncisão, mas apenas na cruz de Cristo, e que eles deveriam rejeitar aqueles que exigiam a submissão à lei judaica. Ele alertou que se um homem fosse circuncidado, Cristo não receberia nada, mas que ele na verdade colocaria todo o peso da lei sobre as suas costas, e que isso não poderia terminar em nada além da condenação. Conforme as igrejas da Galácia digeriam a carta de Paulo, o problema alcançou uma proporção ainda mais dramática, dessa vez na própria cidade de Antioquia. Lucas relata que “...alguns indivíduos que desceram da Judeia ensinavam aos irmãos: Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos. Tendo havido, da parte de Paulo e Barnabé, contenda e não pequena discussão com eles, resolveram que esses dois e alguns outros dentre eles subissem a Jerusalém, aos apóstolos e presbíteros, com respeito a essa questão.” (Atos 15:1-2). O “Concílio de Jerusalém” aconteceu em 50 d.C. e é descrito por Lucas em Atos 15. Nesse concílio, os participaram a questão dos convertidos gentios extensamente, e depois de ouvir o testemunho de Pedro, que descreveu a conversão de Cornélio, e 92 A identificação precisa das igrejas da “Galácia” permanece controversa. Resumindo, a teoria chamada de “Galácia do sul” é presumida, o que identificar essas igrejas com aquelas que Paulo ministrara durante sua primeira viagem missionária, em especial, Icônio, Listra e Derbe.


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Paulo, que descreveu sua primeira viagem missionária, o próprio Tiago fez o pronunciamento final. Em uma decisão em favor de Paulo, a assembleia determinou que os gentios não precisavam se submeter às cerimônias religiosas judaicas, como prérequisitos, porém, os gentios foram instados a se abster de “coisas oferecidas aos ídolos, de sangue de animais estrangulados, e da imoralidade sexual [prostituição cultual].” Depois da conferência, Paulo e Barnabé retornaram à Antioquia, anunciando a decisão e continuando seu ministério. A Segunda Viagem Missionária de Paulo: A carta encíclica pelo Concílio de Jerusalém deu a Paulo e Barnabé motivos para embarcar em uma segunda viagem, o que permitiria a eles entregar o documento às igrejas da Galácia e confirmar as instruções de Paulo encontradas na epístola aos gálatas. Barnabé desejava embarcar novamente com João Marcos, mas Paulo recusou devido ao seu abandono deles na primeira viagem. Eles não conseguiram concordar, e se separaram. Paulo tomou um homem chamado Silas (ou, Silvano) como companheiro de viagem e partiu para a Anatólia, enquanto Barnabé partiu com Marcos a caminho de Chipre. Paulo e Silas prosseguiram para as imediações da Baía de Issus, e depois pelos Portões Cilícios, chegando às igrejas da Galácia, Derbe, Listra, e Icônio. Ele entregou uma cópia da igreja de Jerusalém para cada igreja, enquanto encorajou-os a permanecerem fiéis na fé. Em Listra, Paulo encontrou Timóteo, um jovem que tinha uma mãe judia convertida e um pai gentio. Paulo queria que Timóteo substituísse João Marcos, mas para isso Timóteo deveria primeiro ser circuncidado. Alguns viram isso como uma inconsistência da parte de Paulo, dada sua forte objeção à circuncisão expressa na carta aos Gálatas. Porém, Paulo sempre levava o evangelho “primeiro aos gentios”, e ele nunca se opôs a observar o costume judaico entre o povo judeu. Sua objeção era dirigida a impôr a lei judaica aos crentes gentios, ou fazer dos ritos judaicos um pré-requisito para


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se tornar membro da Igreja Cristã. Paulo e seus companheiros viajaram pela Anatólia até chegarem na cidade portuária de Trôade, provavelmente chegando lá no verão de 51. Trôade era uma importante cidade portuária no Mar Egeu, construída pouco depois da época de Alexandre, o Grande, e localizada no noroeste da Ásia Menor, logo ao sul da antiga cidade de Troia. Enquanto estava em Troas, Paulo teve uma visão de um homem da Macedônia pedindo-o que viesse e o ajudasse. Paulo tomou isso como uma orientação do Espírito Santo, e o mais rápido possível navegou pelo Egeu para ir a Europa, entrando na província romana da Macedônia. Os viajante aportaram em Neápolis, um porto na cidade costeira da Macedônia, e de lá seguiram para Filipos, a maior cidade da região. Nomeada em homenagem a Filipe II, Filipos estava situada não muito longe dos pés do Mt. Orbelos (moderno Mt. Lekani), na fronteira norte de um pântano que cobria toda a planície na antiguidade, separando-a das colinas de Pangaio ao sul. Quando os romanos destruíram a dinastia de Antígono em 167 a.C., eles dividiram a Macedônia em quatro estados diferentes, e fizeram de Anfípolis, não de Filipos, a capital do estado oriental da Macedônia. Pouco se sabe sobre a cidade de Filipos durante esse período, mas ela reaparece depois do assassinato de Júlio César, quando Marco Antônio e Otaviano confrontaram os assassinos, Bruto e Cássio, na Batalha de Filipos em outubro de 42 a.C. Depois de Otaviano se tornar imperador, ele renomeou a cidade Colonia Iulia Philippensis, e depois de receber o título de Augusto em 27 a.C., Colonia Augusta Iulia Philippensis. Os romanos modificaram o plano da cidade apenas ligeiramente, mantendo as muralhas macedônias, mas construindo um fórum m pouco ao leste da ágora grega. Filipos foi considerada uma “Roma em miniatura” sob a lei municipal da república, e era governada por dois oficiais militares, os duumviri, que eram indicados diretamente pelo Senado. Filipos tinha um tamanho modesto, mas desfrutava de uma grande riqueza pela sua proximidade com as minas de prata vizinhas. Não havia sinagogas judaicas em Filipos, provavelmente por que a cidade não cumpria o requisito mínimo de dez homens para estabelecer uma. Ainda assim Paulo prosseguiu para o rio ao lado da cidade no sábado. Paulo apresentou ali o evangelho, e como resultado uma comerciante da Ásia Menor chamada Lídia veio à fé em Cristo, o que fez dela a primeira crente na Europa. Ela convidou os viajantes para ficar em sua casa, e por algum tempo eles permaneceram em Filipos


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pregando o evangelho. Em dado momento, Paulo expulsou um demônio de uma oráculo escravizada, irritando tanto seus donos que Paulo e Silas foram publicamente acusados, espancados e jogados na prisão. Durante a noite um terremoto abriu as portas da prisão, mas quando os prisioneiros não aproveitaram a oportunidade de fugir, o carcereiro filipense caiu em si e também veio à fé em Cristo. Paulo e Silas foram libertados depois, e depois em um encontro final com a nova igreja em Filipos, prosseguiram em seu caminho. A próxima cidade visitada por Paulo e seus companheiros foi Tessalônica, que tinha sido fundada por Cassandro depois da morte de Alexandre o Grande. Cassandro tinha nomeado a cidade com o nome de sua esposa, Tessalônica, irmã de Alexandre, que tinha recebido o nome de seu pai, Filipe II, para comemorar sua vitória (nike) sobre os tessalonicenses no dia em que ela nasceu. Tessalônica se tornou parte do Império Romano depois da queda da Macedônia em 146 a.C. Ela era um importante centro comercial, e logo se tornou a capital de um dos quatro distritos romanos da Macedônia. Por causa grande importância comercial da cidade, os romanos construíram um amplo porto, o famoso Porto Seguro. Tessalônica tinha uma considerável população judaica, e se orgulhava de ter a maior sinagoga da Macedônia. Como de costume, Paulo pregou primeiro na sinagoga, onde muitos vieram à fé em Cristo, embora outros tenham se tornado hostis e incitado uma resistência. Logo Paulo e seus companheiros foram forçados a fugir de noite para sua própria segurança. O ministério foi deixando inacabado, o que fez necessária a escrita por Paulo das primeira e segunda cartas aos tessalonicenses, que foram escritas em Corinto alguns meses mais tarde. Depois de partir de Tessalônica, os viajantes prosseguiram para Bereia (atual Veria), onde Paulo novamente pregou primeiro à comunidade judaica. Lucas registra que os bereanos eram “mais nobres” que aqueles de Tessalônica, porque “examinavam as Escrituras” para ver se as palavras de Paulo eram consistentes com o texto sagrado. Ainda assim, Paulo foi forçado a deixar a cidade quando judeus hostis vieram a Tessalônica e incitaram resistência contra ele e sua mensagem. Nessa ocasião, Paulo deixou Silas e Timóteo para trás com instruções para segui-lo logo que possível, e ele viajou sozinho


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por mar até Atenas. Enquanto Paulo aguardava em Atenas, ele passou um tempo andando na Ágora, o mercado da famosa cidade. Tendo sido ensinado por Gamaliel, Paulo era muito familiar à herança e cultura de Atenas, assim como ao pensamento de muitos filósofos e poetas que chamavam Atenas de lar. Ele também tinha familiaridade com os filósofos céticos que eram comuns em Atenas, os mais notáveis deles sendo os estoicos e epicureus. O estoicismo foi fundado em 300 a.C. por um filósofo chamado Zenão de Eleia (Chipre). Ele comumente ensinava em uma das famosas “stoa poikile” (pórticos pintados) de Atenas, e daí o termo “Estoico” foi derivado. Zenão acreditava que todos os eventos no mundo externo eram causados pelos “destinos” (fatalismo), isso é, forças invisíveis e irresistíveis. Assim era impossível controlar ou até entender as circunstâncias da vida, apenas a resposta interna àquelas circunstâncias. Assim, o estoicismo não tentava responder as grandes questões metafísicas que tinham preocupado o pensamento de filósofos como Platão e Aristóteles. De acordo com Zenão, autocontrole, uma indiferença à dor ou ao prazer, e um firme desapego das emoções, eram o mais importante. Apenas desse modo uma pessoa podia ter clareza, equilibrada, e sem preconceitos em seu pensar. O estoicismo pretendia empoderar o indivíduo com virtude, sabedoria, força, enquanto permitia que ele resistisse às corrupções e tentações. Os filósofos gregos como Cleantes, Crisipo, e mais tarde pensadores romanos como Cícero, Sêneca o Jovem, Marco Aurélio, e Epiteto, foram grandemente influenciados pelo estoicismo. Em contrante com a filosofia de Zenão, o epicurismo oferecia uma solução muito diferente aos mesmos problemas. A escola de pensamento fundada por Epicuro quase na mesma época do Estoicismo, e ensinada como “materialismo atomista”, seguia a filosofia de Demócrito. De acordo com essa perspectiva, toda a realidade consistia de matéria, e ideias como “espírito”, ou “deuses”, ou “intervenção divina”, eram mera superstição. Epicuro acreditava que o maior bem podia ser sintetizado na busca pela tranquilidade, libertação do medo através do conhecimento. Essas podiam ser melhor


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obtidas pela busca de amizades, de viver uma vida de virtude e temperança, e buscar o entendimento. Contrário a visão popular sobre Epicuro, ele louvava o desfrute de prazeres simples, pelo que ele implicava se abster de prazer corpóreos como o sexo e os apetites. Alguns até entenderam sua visão como asceticismo. Ele argumentou que quanto alguém comece, não deveria fazê-lo com muitos gastos, pois uma pessoa poderia pensar que no futuro não poderia pagar tais iguarias. Do mesmo modo, o sexo levava a um aumento da lascívia e da insatisfação com o parceiro sexual. Tanto o Estoicismo quanto o Epicurismo eram humanísticos, terrenos, pragmáticos, e céticos em relação a respostas definitivas. Ambas pensavam que a principal preocupação da vida de qualquer pessoa deveria ser meramente ter uma vida “feliz”. Elas diferiam sobre a sua compreensão de como esses objetivos deveriam ser cumpridos. A vida intelectual de Atenas tinha então caído de forma claramente de um tempo de buscas mais majestosas que ocupavam as mendes dos pensadores da cidade. Somada a essa falência intelectual e espiritual na cultura, a cidade estava cheia de altares, templos, e outras evidências de superstição de adoração pagã. Em suma, a cidade dava um relance do evidente vazio do mundo greco-romano do primeiro século, e Paulo se viu profundamente enquanto via a cidade. Conforme Paulo andava pela Ágora, ele começou uma conversa com alguns atenienses, e logo sua visão singular do Deus transcendente com as respostas definitivas chamou a atenção dos filósofos, todos eles amavam passar o tempo ouvindo coisas novas. Eles levaram Paulo à Colina de Marte, o local favorito para a discussão de questões filosóficas, e lá eles pediram que ele desse uma visão mais geral de suas ideias. Paulo começou apelando para os sentimentos religiosos do povo ateniense, desorientados como eram, mencionando o fato de que em sua cidade tinha encontrado um altar dedicado à adoração do “deus desconhecido”. Tais altares eram bem comuns no mundo antigo, mas Paulo usou o santuário para introduzir a ideia de que esse “deus” que eles adoravam na ignorância era, na verdade, o verdadeiro Deus, o criador do céu e da terra, aquele que tinha enviado seu filho ao mundo, e aquele que vindicara seu filho levantando-o dos mortos. A resposta dos atenienses foi, no melhor, mista, mas há pouca evidência de que a mensagem que Paulo trouxe tenha criado raízes na comunidade, e o Novo Testamento não dá indicação de uma igreja sendo fundada em Atenas.


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Enquanto Paulo esperava em Atenas, ele posteriormente se juntou a Timóteo, com quem ele partiu junto a Silas para Bereia. Paulo estava tão preocupado com o bem-estar da igreja de Tessalônica, em especial por ter sido forçado a deixar a cidade de forma abrupta, que de imediato enviou Timóteo de volta à Macedônia para visitar a igreja e dar a ela o encorajamento e instrução Paulo. Vendo-se sozinho novamente, Paulo partiu de Atenas, e prosseguiu para a cidade de Corinto, cerca de 80 quilômetros ao oeste. Corinto está localizada logo ao oeste do Golfo de Corinto, no istmo que une o Peloponeso à Grécia Continental. Essa cidade desempenhou um papel proeminente na história grega, embora ela tenha sido saqueada e destruída pelos romanos sob Lúcio Múmio em 146 a.C. Júlio César refundou a cidade em 44, pouco antes do seu assassinato. De acordo com o historiador Apião, os novos assentados de Corinto foram tomados dentre os libertos de Roma, e a cidade se tornou o assento de governo da província da Acaia. Corinto tinha uma muito misturada de romanos, gregos, e judeus. Era uma próspera cidade portuária, e era famosa pelos hábitos luxuriosos e imorais de seu povo. Corinto também estava repleta de impressionante evidência da religião pagã. Se orgulhava do famoso templo de Apolo, o deus da sabedoria, beleza, ordem, e simetria. Outro templo honrava Afrodite, a deusa do amor, sexo, e fertilidade, onde mais de mil prostitutas cultuais que eram empregadas para facilitar a “adoração”. Na verdade, o templo era tão famoso na Grécia antiga, uma “garota coríntia”


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também era um apelido para uma prostituta. É possível que a divindade mais conhecida de Corinto, fosse, no entanto, o deus grego Dionísio (o romano Baco), o deus do vinho. A adoração de Dionísio era caracterizada pela intoxicação para o propósito da comunhão mística com a divindade. Como deus da desordem e do caos, Dionísio se destacava contra Apolo, e foi a influência dionísia na igreja de Corinto que deu origem à dura crítica por sua prática indisciplinada, como vemos na carta aos coríntios, escrita três ou quatro anos depois de a igreja ter sido fundada. Paulo chegou a Corinto no outono de 51, quando Gálio, o irmão de Sêneca, era procônsul. Paulo residiu em Corinto por dezoito meses, formando uma amizade íntima com Áquila e Priscila, um casal de judeus que tinha sido expulso de Roma por Cláudio. De acordo com Suetônio, o imperador tinha forçado os judeus a deixar Roma por causa de uma querela interna conectada com um homem chamado “Crestos”, que alguns acreditam ser Cristo mal pronunciado. O conflito pode ter resultado da pregação do evangelho e da reação negativa da comunidade judaica. De qualquer forma, Cláudio resolveu o problema banindo os judeus, incluindo, e assim Áquila e Priscila acabaram em Corinto. A amizade de Paulo com o casal em parte foi resultado de eles compartilharem da mesma profissão de fazedores de tendas. Pode-se inferir, na verdade, que eles formaram uma parceria comercial, ou que Paulo trabalhou em sua oficina para se manter durante os meses em que esteve em Corinto. Paulo posteriormente se juntou a Silas e Timóteo, que tinham terminado seu trabalho na Macedônia, e que trouxeram um relatório favorável quando ao bom estado da Igreja em Tessalônica. Porém, como vimos antes, aquela igreja precisava de clarificação em certos pontos doutrinais, e como resultado, Paulo escreveu sua carta, chamada de Primeira aos Tessalonicenses, na primavera de 52, enviando-a através de um mensageiro não nomeado. Na carta ele parabenizou a igreja por sua constância na fé, e ele encorajou os crentes a serem fortes diante da contínua perseguição que eles enfrentavam por instigação dos judeus hostis. Enquanto os encorajava a seguirem uma vida pura e ordenada, ele também clarificou certos aspectos do seu ensino relacionados ao retorno de Cristo, um ponto que estava obviamente confuso em seu pensamento. Alguns meses depois, Paulo escreveu a Segunda aos Tessalonicenses, que tinha a intenção de clarificar mais alguns maus entendidos relacionados ao retorno de Cristo. Alguns na igreja viam o advento de Cristo como imediatamente iminente, e estavam largando seus empregos ou até uma ética irresponsável baseada em sua escatologia desorientada. Paulo os lembrou que certos acontecimentos deveriam acontecer necessariamente antes de Seu retorno, inclusive a grande apostasia e a ascensão do chamado “homem do pecado”, provável referência a Nero. Paulo esperava inculcar um entendimento mais balanceado, o que ele esperava que posteriormente os levasse a uma ética de trabalho mais responsável entre os jovens e entusiasmados cristãos tessalonicenses.


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Na primavera de 53, Paulo partiu para Corinto com Áquila e Priscila, mas ao que parece deixou Silas e Timóteo para trás para manter o ministério na igreja. Paulo parou brevemente em Éfeso em sua viagem para casa, e deixou Áquila e Priscila lá com instruções para começar uma irmandade cristã na importante cidade. O próprio Paulo prosseguiu para Jerusalém, e de lá de volta para Antioquia, completando sua segunda viagem na primavera de 53. Nero (53 – 68 d.C.): Nero Cláudio César Augusto Germânico nasceu em 15 de dezembro de 37 d.C.,alguns dias depois de Calígula ter se tornado imperador. Nero seria o último governante da chamada Dinastia JúlioClaudiana. Entre todos os imperadores, Nero se tornou o mais conhecido por seus atos gratuitos e ultrajantes de violência, sem falar do fato de que ele foi o primeiro imperador romano a lançar uma perseguição oficial à Igreja cristã, que foi instigada pelo incêndio em Roma durante o verão de 64. Nero nasceu em Antium (atual Anzio) de uma família de linhagem impressionante. Ele era o filho único de Cneu Domício Enobarbo e Agripina, a Jovem, que era irmã e suposta amante de Calígula. Nero era o bisneto de Marco Antônio e Otávia por sua filha Antônia Maior. Ele também era o neto de Germânico. Na época de seu nascimento, ninguém esperava que Nero jamais sucederia ao trono. Calígula tinha apenas 25 anos de idade, e pela experiência inicial parecia que seu reino duraria pelos próximos 40 ou 50 anos, o que daria muito tempo para produzir uma prole. Somado a isso, o status da família de Nero era, no mínimo, perigoso, em especial na medida que Calígula se tornava cada vez mais instável. Quando Nero ainda era uma criança, Calígula exilou sua mãe Agripina, e dois anos depois, o pai de Nero, Lúcio morreu de hidropsia fazendo do garoto um órfão. Contudo, sua sorte mudou no ano seguinte, quando Calígula, junto com sua esposa Milônia Cesônia, e sua jovem filha Júlia Drusila, foram ambas assassinadas em uma conspiração liderada por Cássio Quereia. Cláudio sucedeu ao trono, e logo depois ele chamou Agripina do exílio.


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Depois do seu retorno, Agripina se casou com o rico Caio Salústio Crispo Passieno, mas ele morreu em algum momento entre 44 e 47, ao que parece, envenenado por sua esposa. Agripina e seu filho de dez anos herdaram uma vasta fortuna, mas, ainda assim, parecia improvável que Nero um dia subiria ao trono. O imperador Cláudio já tinha tido dois filhos, o mais velho deles era Britânico, nascido em 41, que parecia ser o mais adequado na sucessão de seu pai. Porém, as coisas mudaram quando Cláudio executou sua terceira esposa, Messalina, sob acusação de conspirar contra seu marido. A ambiciosa Agripina imediatamente fez esforços para substituir sua falecida tia, e em 1º de janeiro de 49, ela se tornou a quarta esposa de Cláudio. Sob forte pressão de Agripina, Cláudio adotou Nero em 25 de fevereiro do ano seguinte, e por ele ser mais velho que Britânico, ele se tornou de fato o sucessor do trono naquele momento. De início, Cláudio estava orgulhoso de seu talentoso e promissor filho adotivo, e encontrou muitos modos de honrá-lo. Ele proclamou-o um adulto quando tinha só 14 anos, e o indicou como procônsul, o que deu a ele o direito de se endereçar ao Senado Romano. Cláudio fez muitas aparições públicas com Nero, até mesmo o representando nas moedas romanas. Ele entregou sua filha Otávia em casamento a Nero no ano 53, quando ela tinha 15 anos. Nos meses que se seguiram, porém, Cláudio começou a ter dúvidas sobre a estabilidade de Nero, e gradualmente voltou a favorecer seu próprio filho Britânico, ao que parece o treinando como provável candidato à sucessão imperial. Agripina ficou alarmada ao ver seu filho perder o status de favorito, e em 13 de outubro de 54, ela assassinou Cláudio com cogumelos envenenados, abrindo caminho para a sucessão de Nero. Ele tinha só 17 anos de idade, o mais jovem governante de Roma. De início Nero era mais um governante figurativo. Ele deixava as decisões para sua mãe, assim como para o prefeito pretoriano, Sexto Afrânio Burro, e Sêneca, um dos mais famosos e respeitados filósofos e estadistas em Roma. Sêneca tinha estabelecido uma carreira bem-sucedida anos antes como um advogado nas cortes romanas, embora ele quase tenha sido morto no ano 37 quando ele entrou em conflito com Calígula. Ele não morreu apenas porque Calígula acreditava que Sêneca estava tão doente que não sobreviveria por muito tempo. Messalina, esposa de Cláudio, persuadiu Cláudio a banir Sêneca para a Córsega no ano 41 sob a forçada acusação de ter cometido adultério com Júlia Lívila. Ele passou o seu exílio em estudos filosóficos e naturais, e escreveu uma de suas obras mais famosas, Consolação a Márcia, naquela época, a nova esposa de Cláudio, Agripina, chamou Sêneca de volta para Roma em 49 para ser o tutor de seu filho Nero. Quando Nero se tornou imperador, Sêneca continuou a tutorar e aconselhar o jovem governante. Sob a influência de conselheiros tão experientes, Nero governou sabiamente em seus primeiros cinco anos. Questões imperiais tendiam a ser lidadas com eficácia e o Senado desfrutou de uma influência renovada em assuntos de estado. Porém, não demorou muito para


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os problemas envolvendo a vida pessoal de Nero começarem a aparecer, enquanto ele gradualmente exercia uma atitude cada vez mais competitiva em relação à Agripina e os outros dois conselheiros. Os problemas começaram quando Nero ficou insatisfeito com seu casamento com Otávia, e começou a ter um caso com Cláudia Acte, uma escrava liberta. Agripina tentou intervir a favor de Otávia no ano 55, exigindo que seu filho dispensasse Acte. Burro e Sêneca, por outro lado, decidiu que a luta não valia a pena, e escolheram apoiar a decisão de seu encarregado. Da sua parte, Nero se tornou cada vez mais ressentido com a interferência de sua mãe em seus assuntos pessoais, e começou a se distanciar de sua influência. Quando ela percebeu que estava perdendo sua posição como rainha de facto, ela mudou de lado para Britânico, que tinha quinze anos, que legalmente ainda era um menor, mas que se aproximava da idade adulta. Como Britânico era o herdeiro mais provável de Nero, Agripina esperava fortalecer sua própria posição ao assegurar sua influência sob o jovem. Porém, Britânico morreu em 12 de fevereiro de 55, apenas um dia depois de ele ter chegado a idade adulta. O timing era suspeito, para dizer o mínimo, e geralmente se considera que Burro foi o responsável pelo assassinato, mas que agiu sob o comando do imperador., O caráter duvidável de Nero se tornou mais evidente conforme ele começou a se cercar de um círculo questionável de “favoritos”, a maior parte dos quais eram nada além de bandidos. Enquanto Sêneca e Burro tentavam manter o controle sobre as questões de estado, Nero começou a passar as noites bêbedo em festas e vandalismo, isento de acusações porque ele era, afinal de contas, o imperador. Entre seus amigos próximos estava um homem chamado Marco Sálvio Otão, que serviria brevemente como imperador depois da morte de Nero. Otão era tão dissoluto quanto Nero, mas tinha se tornado seu amigo mais próximo, e em muitos relatos, seu parceiro sexual. Otão introduziu Nero à Popeia Sabina, com quem Otão já fora casado, e que mais tarde se casaria com o próprio Nero. Ela era uma mulher de grande beleza, charme, e perspicácia, e de acordo com Tácito e outros,


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os três se tornaram um famoso triângulo amoroso. Quando Nero a elevou à posição de favorita, Otão foi removido da corte imperial, e enviado para ser governador da Lusitânia. Era o ano 58. A carreira de Nero teve algumas mudanças importantes quando ele chegou ao início dos seus 20 anos, e levando isso em consideração, isso marcou o momento quando seu reinado começou a se desfazer. Seu ressentimento crescente com sua mãe enfim culminou no ano 59, quando ou ele ou Popeia planejaram seu assassinato. O Senado ficou indignado com o matricídio, tanto que até o eloquente Sêneca foi incapaz de convencer a assembleia que Agripina merecia morrer. O dano irreparável à reputação de Nero piorou em 62 quando Burro morreu e Sêneca se aposentou, ambos sendo substituídos por um homem de má reputação, Caio Ofônio Tigelino. Calígula tinha exilado Tigelino anos antes sob acusação de ter cometido adultério tanto com Agripina quanto com Livila, mas ele fora posteriormente chamado de volta por Cláudio. Tigelino conseguiu se tornar mais um dos favoritos de Nero, assim como outro de seus amantes. Um dos primeiros atos de Tigelino foi introduzir uma série de leis contra traição, sob as quais numerosas sentenças capitais foram conduzidas, incluindo dois dos parentes restantes de Nero, Caio Rubélio Blando e Fausto Cornélio Sula Félix. A reputação de Nero continuou se desintegrando como resultado de seu impopular divórcio e novo casamento. Ele tinha agora vinte e cinco anos de idade, tinha reinado por oito anos, e ainda tinha de produzir um herdeiro. Quando Popeia ficou grávida, Nero decidiu que era hora de se casar com outra dama, mas para fazê-lo ele tinha que terminar seu casamento com Otávia. Primeiro ele a acusou de adultério, mas essa acusação não significava muito dada a reputação do próprio Nero por suas imoralidades, e a virtude bem conhecida de Otávia. Na verdade, mesmo sob tortura, a empregada de Otávia recusou-se a acusar sua senhora de qualquer imoralidade. Depois disso Nero alegou que Otávia era infértil, mas antes que a acusação pudesse ser avaliada, ela morreu repentinamente em 9 de junho de 62, presumivelmente assassinada por Nero. O incidente levantou gritos de protesto público, mas, ainda assim, Nero se casou com Popeia, que deu à luz a uma filha no ano 63, mas a criança morreu apenas quatro anos mais tarde, deixando Nero ainda sem sucessor. Na noite de 18 de julho de 64, um grande incêndio irrompeu em certas áreas densamente povoadas de Roma que estavam repletas de residências com estruturas de madeira de três ou quatro andares de altura. Nero estava de férias na cidade natal de Ânzio nesse momento, mas com as notícias do ocorrido ele veio apressadamente para a capital. O incêndio durou por uma semana, momento no qual tanto Tácito quanto Suetônio alegam que ele tocou uma lira e cantou no topo do Monte Quirinal. 93 Os mesmos historiadores registram que Nero tentou se agraciar com os romanos ao abrir seu palácio para prover abrigo para os sem-teto, e fazendo com que suprimentos de alimento fossem entregues para prevenir a fome entre os sobreviventes. Porém, ele perdeu sua chance de redimir sua reputação quando imediatamente 93 A lenda de que Nero tocou lira enquanto Roma queimava é impossível já que a “lira” não fora inventada.


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após incêndio ele fez planos para reconstruir Roma em um estilo monumental e extravagante. Os planos foram publicados tão rapidamente que a maioria dos estudiosos não pode deixar de inferir que Nero foi o responsável pelo fogo. Se espalharam rumores de que Nero queria imortalizar seu nome ao renomear Roma, “Nerópolis”. Para evitar a acusação, Nero encontrou um bode expiatório no que ele pensava ser uma pequena seita da religião judaica chamada Cristãos. Ele ordenou que cristãos famosos fossem lançados aos leões em arenas, enquanto outros foram crucificados em grande número. De acordo com Tácito: Então, para se livrar desses rumores, Nero culpou e puniu com a mais refinada crueldade uma classe odiada por suas abominações, que era comumente chamada de Cristãos. O pode expiatório de Nero era a escolha perfeita pois isso aliviava temporariamente a pressão de vários rumores que se espalhavam por Roma. Christus, de quem seu nome deriva, foi executado pelas mãos do procurador romano Pôncio Pilato no reinado de Tibério. Abafada por um tempo, essa perniciosa superstição irrompeu novamente, não apenas na Judeia, a fonte desse mal, mas até em Roma….devidamente, se fez a prisão primeiro entre aqueles que confessaram; então, por outras evidências, uma imensa multidão foi condenada, não tanto por causa do incêndio, mas por causa de [seu] ódio pela raça humana. Antes de serem condenados à morte eles serviram como objeto de espetáculo; eles eram vestidos como animais e lançados à morte aos cães; outros eram crucificados, outros incendiados serviam para iluminar a noite quando a luz do dia acabava. Nero abrira terreno para a exibição, e estava exibindo o espetáculo como um circo, onde ele se misturava ao povo vestido como um cocheiro ou desfilando em sua carruagem. Tudo isso levantou um sentimento de pena, mesmo em relação a homens cuja culpa exigia a mais exemplar das punições; pois se sentia que eles estavam sendo destruído não para o bem público, mas para a gratificar a crueldade de um indivíduo. Anais (xv.44). O povo cristão perseguido se espalhou de Roma para todo o império, levando aos posteriores martírios tanto dos apóstolos Pedro e Paulo, o exílio do Apóstolo João na Ilha de Patmos,94 e até as Guerras Judaicas que culminaram com a destruição de Jerusalém em 70 d.C. Nero estava envolvido em ainda outro escândalo no ano 65, quando ele começou a 94 A data do exílio de João e da escrita do Livro de Apocalipse têm sido questões controversas, mas para o propósito do livro, presumiremos a datação posterior.


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aparecer em entretenimentos públicos como animador, ator, cantor, e músico. Animadores eram considerados socialmente inferiores aos respeitáveis cidadãos romanos, e isso era considerado vergonhoso para pessoas de status político e social assumirem tal papel. O espetáculo de Nero se exibindo publicamente, parecia a respeitável sociedade romana um insulto intencional ao orgulho e dignidade do cargo, e deixou Nero ainda mais isolado da aprovação de seu povo. A solidão e isolamento de Nero ficaram ainda mais severas em 65 quando ele descobriu a Conspiração de Pisão, nomeada por causa de Caio Calpúrnio Pisão, que queria assumir o lugar de Nero. A conspiração tinha muitos dos amigos de Nero, entre eles o próprio Sêneca, e outros de seus antigos apoiadores. Nero ordenou que Sêneca cometesse suicídio, e ele o fez junto com sua esposa, Pompeia Paulina, que Tácito afirma ter seguido voluntariamente seu marido até a morte. No ano seguinte, outro homem recebeu ordens para cometer Cneu Domício Córbulo, um general militar popular e valoroso. Sua sentença de morte foi baseada na suspeita de conspiração, e isso foi suficiente para levar os comandantes militares de Roma agirem, tanto localmente como nas províncias, e começaram a planejar uma revolução. Também foi nessa época que Nero ordenou pessoalmente a crucificação do apóstolo Pedro, e logo depois, o degolamento do apóstolo Paulo. Mais tarde, no ano 66, Popeia morreu, ao que parece pelas mãos do próprio Nero. O imperador partiu para a Grécia no início de 67, e lá entreteve as multidões com suas performances artísticas. Enquanto estava longe, Ninfídio, que fora um colega de Tigelino e que estava tomando o lugar de um dos conspiradores de Pisão, conseguiu apoio dos pretorianos e senadores para levantar uma revolta. Quando Nero voltou à Roma, ele se viu encarando uma hostilidade sem precedentes. Caio Júlio Víndice, um proeminente governador romano, rebelouse, e isso fez Nero partir em uma busca paranoica por ameaças. Ele ordenou a eliminação de qualquer patrício suspeito de ter tais ideias. Seu outrora fiel servo, Galba, governador da Península Ibérica, era um dos nobres mais perigosos, então ele ordenou que ele cometesse suicídio. Galba declarou sua lealdade ao Senado e ao povo de Roma, mas anunciou que ele não reconhecia mais o poder de Nero. Ele então começou a organizar sua própria campanha para o exército. Logo depois, Lúcio Clódio Macer, legionário da legião africana, se revoltou e parou de enviar os grãos a Roma. A guarda imperial se voltou contra Nero sob a promessa de recompensar financeira por Galba. O Senado enfim depôs Nero em 8 de junho de 68 d.C., e ele cometeu suicídio no dia seguinte. Logo antes de se apunhalar no pescoço, diz-se que ele pronunciou, “Que artista esse mundo perde hoje!” Com sua morte, Roma foi jogada em um período de caos e instabilidade civil que muitos duvidavam de que ela sobreviveria. História Bíblica Durante o Reinado de Nero A Terceira Viagem Missionária de Paulo: Na primavera de 54, Paulo lançou sua terceira viagem missionária.


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Seu principal interesse era retornar à Éfeso, uma cidade que ele tinha visitado brevemente apenas seis meses mais cedo. A congregação judaica lá tinha demonstrado um interesse na mensagem de Paulo, e encorajado por tal recepção, Paulo estava determinado a retornar na esperança de ajudar a estabelecer uma igreja ali. O interesse de Paulo em Éfeso refletia sua consistente estratégia de ver igrejas cristãs estabelecidas nos maiores centros comerciais e políticos do mundo mediterrâneo. Desses centros Paulo previa que o evangelho se espalharia para as comunidades menores e mais rurais. Éfeso era apenas uma dessas cidades, uma das mais importantes da Ásia Menor. Ela tinha sido fundada na Lídia pelos Micenos em uma localidade estratégica onde o rio Caístro fluía para o Egeu. Muitos acreditam que seu nome original era Apasa (ou Abasa), uma cidade mencionada em fontes hititas como a capital de Arzawa (ver capítulo 3). Grande riqueza de cerâmica micênica foi escavada no local, embora o grande templo de Ártemis (Diana), colocado entre uma das sete maravilhas do mundo antigo, tenha poucas evidências restantes. Éfeso, porém, permaneceu uma das maiores atrações turísticas até hoje, em especial para o povo que chega ao oeste da Turquia pelo porto próximo de Kusadasi. Durante a época da República Romana, Éfeso foi a capital da província da Ásia, que cobria a parte ocidental da Ásia Menor, levando o título, “a primeira e maior metrópole da Ásia”. Além do Templo de Ártemis, a cidade era distinta por seu anfiteatro, o maior no mundo, com capacidade para 50.000 expectadores. Aqui brutal entretenimento era dado aos expectadores do primeiro século, incluindo lutas com animais selvagens, e lutas entre homens e animais (ver 1 Co


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15:32, embora muitos acreditem que tal alusão de Paulo seja figurativa). A cidade fora belamente traçada, com grandes ruas de mármore e grandes pilares. Tinha uma população de 350.000 a 500.000 pessoas na época da visita de Paulo, fazendo dela uma das maiores cidades do mundo antigo. Conforme Paulo fazia sua jornada cruzando a Anatólia até Éfeso, um drama separado se desenrolava na cidade que logo viria a traria o apóstolo a um dos maiores desafios de seu ministério. Ele envolvia a recente chegada de um jovem chamado Apolo, que apesar de seu nome grego foi descrito por Lucas como “um judeu de Alexandria” e um homem que era “eloquente e poderoso nas escrituras”. As raízes alexandrinas de Apolo fizeram dele um dos mais intrigantes personagens da igreja do Novo Testamento. A grande cidade egípcia tinha sido por muitos anos o lar de uma considerável comunidade judaica e um centro do saber judaico, uma posição que começara com o próprio Alexandre, que tinha considerável simpatia pelo povo de Israel. Foram os estudiosos de Alexandria que produziram a tradução Septuaginta (LXX) do Antigo Testamento, e que em muitos casos tinham em muitas ocasiões levado ao máximo o esforço de encontrar um “território comum” entre a religião de Israel e a filosofia do mundo grego. No século primeiro, o mais famoso exponente de tais esforços foi o pensador judeu Filo, um mestre que certamente deve ter tido influência na educação de Apolo. Filo tinha dedicado sua carreira à tarefa de sintetizar a religião judaica com a filosofia platônica, e nesse processo tinha trabalhado em um vocabulário distinto, junto com uma leitura alegórica do Antigo Testamento. Estudiosos há muito notaram que livro neotestamentário de Hebreus utilizava muitos termos de Filo, e de muitas maneiras apresenta uma crítica à filosofia de Filo. Isso levou à teoria de que Apolo pode ter sido o autor de Hebreus, escrevendo para corrigir judeus cristãos que poderiam ter sido influenciados excessivamente por suas ideias desorientadas. Apolo tinha deixado Alexandria e partido em direção à Éfeso, chegando lá após a breve visita de Paulo. De acordo com Lucas, Apolo defendia publicamente “o caminho do Senhor”, embora ele “conhecesse apenas o batismo de João”. Há evidências de que um chamado “culto” de João Batista tinha seguidores não só na Judeia, mas por muitas partes do mundo judaico, incluindo Alexandria. Apolo, ao que parece, abraçou inteiramente a mensagem, mas


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não tinha uma compreensão completa do evangelho. Quando os amigos de Paulo, Priscila e Áquila, ouviram o discurso de Apolo, eles o chamaram de lado e o educaram totalmente no evangelho que tinham aprendido de Paulo. Apolo aceitou sua instrução com fervor, desenvolvendo assim uma compreensão muito maior do significado de Jesus como Messias. Logo após a chegada de Paulo a Éfeso, Apolo ouviu que a igreja recém-fundada por Paulo em Corinto tinha uma grande necessidade de liderança. Tinha se passado menos de um ano desde a partida de Paulo, mas os coríntios ainda assim enfrentavam dificuldades, refletindo tanto o paganismo da cultura coríntia, quando a imaturidade de muitos dos novos crentes na irmandade. Para piorar a situação, os cristãos em Corinto estava lutando com uma contínua pressão e perseguição instigada por forças judaicas hostis na cidade. A igreja tinha uma necessidade crescente por uma forte guia pastoral, e Apolo cria que Deus o estava chamando exatamente para essa tarefa. Tomando consigo uma apresentação da igreja de Éfeso, Apolo cruzou o Egeu, e de acordo com Lucas, “Tendo chegado, auxiliou muito aqueles que, mediante a graça, haviam crido; porque, com grande poder, convencia publicamente os judeus, provando, por meio das Escrituras, que Cristo é Jesus.”(Atos 18:27-28). Conforme Apolo instalava seu ministério em Corinto, Paulo chegava a Éfeso, provavelmente no meio do verão de 54. Logo após chegar, ele encontrou alguns dos crentes gentios que tinham certa familiaridade com o batismo de João, possivelmente refletindo a influência de Apolo. Depois de Paulo ter explicado o evangelho a eles, eles foram batizados e receberam o Espírito Santo, falando em línguas como uma nova evidência de que o evangelho estava realmente entre os gentios. O ministério de Paulo em Éfeso começou, como normalmente o fazia, entre as sinagogas judaicas. Depois de cerca de três meses, ele foi forçado a mover sua base um salão de palestras alugado que era parte da escola de Tirano. Ele continuou a pregar por mais de dois anos, do outono de 54 à primavera de 57. Como nós vimos, esse era um período de relativa calma no império romano, enquanto Nero era contido em grande medida por sua mãe e seus conselheiros. Nessa época, Paulo ministrou com grande eficácia, e muitos foram persuadidos pelo evangelho de Cristo e se juntou a primeva igreja de Éfeso. De acordo com Lucas, o ministério de Paulo teve tal efeito que posteriormente o comércio da cidade foi afetado. Como vimos anteriormente, Éfeso era famosa por sua adoração à Ártemis, conhecida no mundo romano como Diana, que era filha de Zeus e Leto, e irmã gêmea de Apolo. Ela era celebrada como a deusa virgem lunar da caça, animais selvagens, cura, das terras selvagens, castidade, e, ironicamente, da gravidez. Ela era adorada como a deusa da


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fertilidade e da maternidade na maioria das cidades porque em sua mitologia ela ajudou sua mãe no parto de seu gêmeo. Originalmente ela foi identificada com Hecate, a deusa feroz primitiva pré Olímpica, mas mais tarde ela foi associada, e posteriormente suplantou Selena como a deusa da lua para complementar sua identificação com Hélios, o deus sol. Ártemis não era adorada na maior parte da Grécia Continental, mas na Ásia Menor ela era a principal divindade, com o seu maior centro de adoração sendo Éfeso. Ela era adorada grandemente em Roma no Monte Tifata, perto de Cápua e nos chamados bosques sagrados, onde vivia sua sumo sacerdotisa. Jovens meninas eram iniciadas no culto de Ártemis na puberdade. Antes de se casarem, o que geralmente ocorria logo depois, delas se exigia que dedicar todos os itens de sua virgindade, ou seja, brinquedos, bonecas, cachos de seu cabelo, etc., em um altar à Ártemis. O templo de Ártemis era tão imenso, que pode ser dito ser a maior estrutura criada pelo homem no mundo antigo. Em várias alusões míticas, a imagem de Ártemis caiu do céu, e posteriormente se tornou um “objeto sagrado” de seu templo em Éfeso. De acordo com Lucas, o lucro dos ourives de Éfeso foi negativamente impactado pela pregação de Paulo, e motivados principalmente pelo medo da perda dessa receita, sua guilda provocou um protesto em sua defesa. A multidão se juntou no grande Anfiteatro de Éfeso gritando “Grande é Ártemis dos efésios!” Paulo desejou se dirigir à multidão, mas seus amigos cristãos o proibiram, temendo que Paulo pudesse ser esquartejado. Depois disso um funcionário da cidade acalmou a multidão e os mandou ir embora. 1 Coríntios: Em algum momento do ano 56, Apolo deixou a igreja de Corinto, provavelmente sob circunstâncias desagradáveis. Em sua imaturidade e orgulho, eles tinham se tornado profundamente divididos apesar dos esforços de Apolo de guiar a igreja em direção a uma fé mais estável. Seus conhecidos problemas tinham feito Paulo escrever uma carta para eles, embora essa correspondência tenha sido perdida (ver 1 Co 5:9). Nessa carta, Paulo advertiu os coríntios a evitarem contato com as “pessoas imorais”, instruções que parecem ter sido


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confundidas pelos coríntios, e apenas fez crescer os problemas. Os coríntios provavelmente ficaram abalados pela partida de Apolo, e tendo perdido sua liderança, se voltaram novamente para Paulo em busca de orientação. Paulo ainda estava em Éfeso nessa época, e foi relativamente fácil enviar um questionamento ao apóstolo sobre certas questões que continuavam sendo fonte de contendas entre eles. Eles enviaram sua lista de perguntas para ele pelas mãos de uma família proeminente na igreja, e essa pequena série de perguntas se tornou a base para a extensa carta de Primeira Coríntios. Ali ele tratava não apenas das questões dos coríntios, mas de um conjunto muito maior de problemas, todos relacionados a arrogância e divisão. Ele mostrou como suas atitudes eram inconsistentes com o evangelho, que era “tolice” para o mundo, mas através dos olhos de uma fé simples, era a própria sabedoria de Deus. Paulo lembrou os coríntios de sua própria presença humilde entre os coríntios, “em fraqueza, medo, e muito temor.”, contrastando com sua pompa e arrogantes orgulho. Paulo criticou afiadamente as brigas e divisões de alguns que diziam estar alinhados com Apolo e de outros que diziam ser leais a Paulo, notando que ainda outros tomavam partido de Pedro ou até do próprio Cristo. Paulo os lembrou que seu novo status como templo vivo de Deus, o novo lugar santo, era totalmente inconsistente com esse comportamento. Ele notou a ironia de como os coríntios celebravam os apóstolos como heróis, mas eram ao mesmo tempo completamente diferentes deles, que eram “loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo!” Com sarcasmo brutal Paulo pontuou, “nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres, e nós, desprezíveis.” Em uma discussão ampla e prática, Paulo abordou casamento e divórcio, alimentos dedicados ao sacrifício pagão, decoro na igreja, os sacramentos, e outros assuntos. Ele criticou de forma especial a atmosfera pagã que cercava suas reuniões, implicando que seu comportamento lembrava mais os festivais dionísicos do que a adoração cristã. Ele também atacou o generalizado ceticismo grego que ele tinha visto abrir caminho dentro da igreja, negando a ressurreição e com isso, o aspecto sobrenatural do evangelho cristão. Apesar de sua forte crítica em sua carta, Paulo concluiu afirmando seu afetuoso amor para com esses jovens crentes. Ele deu instruções quanto à contribuição financeira que os


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coríntios tinham concordado em providenciar para os judeus cristãos atingidos pela pobreza em Jerusalém. Ele os assegurou que ele partiria de Éfeso no começo daquele ano (57), e depois de visitar a Macedônia, ele os visitaria novamente, e passaria o inverno com eles, como de fato ocorreu, mas também disse que Apolo permaneceu indisposto a retornar à comunidade. 2º Coríntios: Mais ou menos na época em que os coríntios receberam sua primeira carta., um grupo de estrangeiros também chegou à igreja, e eles provaram ser uma fonte de considerável pesar para os coríntios. Os recém-chegados eram provavelmente judaizantes, e enquanto faziam muita críticas negativas a Paulo, eles ao mesmo tempo se gabavam de si mesmos. Eles diziam que Paulo era desleal e mentiroso, e que mesmo quando ele parecia agir de modo não egoísta, na verdade ele estava apenas se preparando para pegar o dinheiro deles através de seus subordinados, de modo que ele estava tomando o melhor dos coríntios através de astúcia (2 Cr 12:16). Eles diziam que Paulo não tinha o poder de um verdadeiro apóstolo porque ele era fraco na aparência pessoal e ineficaz e obscuro como orador (2 Cr 4:3), mesmo que ele escrevesse cartas pomposas (2 Co 10:10). Eles acusaram Paulo de se gabar de experiências místicas pessoais que ninguém podia verificar (2 Co 12:1), mas que na verdade ele era instável e indigno de confiança. De si mesmos, os intrusos diziam ser judeus de ascendência pura que professavam a verdadeira fé em Cristo (2 Co 11:22,23). Eles insistiam que eles eram verdadeiros apóstolos (2 Co 11:13), mas que Paulo não era. Os intrusos vieram a Corinto trazendo impressionantes “cartas de recomendação” de outras igrejas (2 Co 3:1), embora seja improvável que eles de fato viessem de Jerusalém, ou de Tiago, ou de qualquer outro apóstolo de lá. Eles certamente não mostravam interesse nas necessidades dos crentes empobrecidos em Jerusalém dado que a ajuda dada por Paulo tinha sido interrompida sob sua influência (2 Co 8-9). Eles por outro lado aceitavam prontamente apoio financeiro e na verdade insistiam em fazê-lo (2 Co 11:12). Sua vida autocentrada era evidência de seu desejo de subverter e desalojar Paulo (2 Co 10:12), e para tomar crédito pelo trabalho feito por outros (2 Co 10:15-16). Não tendo um coração pastoral, eles eram arrogantes, gananciosos, e brutais (2 Co 11:20), servos de Satã (2 Co 11:1315), pregando um evangelho diferente (2 Co 11:4). Esses judaizantes tinham tido algum sucesso em minar a reputação de Paulo, não apenas por causa de sua impressionante capacidade retórica, mas também porque eles não eram poucos entre os coríntios que nutriam ressentimento por Paulo, um ressentimento que tinha provavelmente sido exacerbado por sua carta mais recente. Um grande número tomou partido com os intrusos, e por um tempo, a igreja de Corinto se revoltou contra seu fundador. Um


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membro em particular da igreja apoio especialmente a ruptura com Paulo e se tornou algo como o líder entre aqueles que resistiam ao seu ministério. Pode ser que esses indivíduos tivessem insultado pessoalmente Timóteo e outros dos companheiros de Paulo quando eles visitaram os coríntios no outono de 56 (1 Co 16:10,11). Paulo ficou consciente dos infelizes acontecimentos em Corinto, e finalmente fez uma rápida visita à cidade no início da primavera de 57. Tais viagens do porto de Éfeso até o porto de Cencréia no Istmo de Corinto eram bem comuns na época e eram feitas com facilidade. Paulo alude à visita em 2 Coríntios 13:1, mas implica que ela não foi boa, e que, na verdade, foi feita “em tristeza” (2 Co 2:1). Ao que parece, na época em que Paulo chegou, a rebelião tinha se tornado tão generalizada que o próprio Paulo foi incapaz de reverter sua evolução, e o líder cristão deve ter insultado publicamente Paulo e o tratado com desprezo. Paulo deixou a igreja sem sucesso, mas prometendo que logo completaria seu ministério em Éfeso e retornaria para ficar por mais tempo para colocar as coisas em ordem. Pouco tempo depois de seu retorno à Éfeso, Paulo enviou Tito de volta a Corinto com uma carta que tinha, ao que parece, foi perdida. Ela é comumente chamada de “carta severa”, e era tão carregada que até os oponentes de Paulo tiveram de admitir que foi efetiva (2 Co 10:10). Ele a escreveu em grande agitação e lágrimas (2 Co 2:4), esperando trazer à razão os coríntios, e renovar sua obediência a ele (2 Co 2:9), para lembrá-los do amor e profunda preocupação que tinha por eles (2 Co 2:3-4), e para exigir que ele disciplinasse o membro que estava liderando a oposição (2 Co 2:6). Ele também denunciou os judaizantes, embora houvesse pouco que ele pudesse fazer pois eles não eram membros da igreja. Paulo invés disso focou em recuperar seus seguidores, e por sua vez deixar com que eles cuidassem dos intrusos. Tito podia estar relutante em voltar à Corinto, dada a gravidade da situação, e o fato de Timóteo já ter sido maltratado lá na última visita. Ainda assim ele tinha alguma familiaridade com a igreja, já tendo visitado-a em conexão com a coleta dos santos de Jerusalém. Paulo venceu as desculpas de Tito, encorajando-o a partir e expressando sua confiança de que os coríntios seriam capazes de agir melhor (2 Co 7:13-14). Quando Tito partia, Paulo deu instruções a ele para que lesse a carta severa, e passe algum tempo lá para que os coríntios compreendessem e aplicassem a mensagem. Paulo então disse a Tito para prosseguir para Corinto em uma rota pré planejada para a Macedônia, e se Tito não encontrasse o apóstolo lá, que ele prosseguisse pelo Helesponto e o encontrasse em Trôade. Paulo então abandonou seu plano de retornar imediatamente a Corinto conforme expresso quando ele estava com eles (2 Co 1:16), e voltou ao plano original de prosseguir para o norte de Éfeso em direção a Trôade, e de lá para a Macedônia (1 Co 16:8-9), deixando sua viagem para


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Corinto para mais tarde quando, esperava, as coisas já tivessem melhorado (2 Co 1:23), Paulo não queria fazer outra visita infeliz à igreja problemática, comentando “Isto deliberei por mim mesmo: não voltar a encontrar-me convosco em tristeza. Porque, se eu vos entristeço, quem me alegrará, senão aquele que está entristecido por mim mesmo?” (2 Co 2:1-2). Quando Paulo chegou a Trôade, ele não encontrou Tito, nem soube nada de como sua carta tinha sido recebida. Ele anotou mais tarde seu desapontamento “...quando cheguei a Trôade para pregar o evangelho de Cristo, e uma porta se me abriu no Senhor, não tive, contudo, tranquilidade no meu espírito, porque não encontrei o meu irmão Tito; por isso, despedindo-me deles, parti para a Macedônia.” (2 Co 2:12-13). Mesmo o evangelho tendo tido uma resposta positiva em Trôade, a preocupação de Paulo pelos coríntios foi maior, e ele se retirou, prosseguindo para a Macedônia na esperança de encontrar Tito lá. Paulo visitou as igrejas que tinha estabelecido em Filipos, Tessalônica, e Bereia, novamente encontrando dificuldades como na vez passada. Ele foi, porém, muito encorajado a encontrar Tito e de ouvir a resposta positiva de Corinto à sua carta mais recente. Embora dizendo “em tudo fomos atribulados…”, ele foi confortado “...com a chegada de Tito; e não somente com a sua chegada, mas também pelo conforto que recebeu de vós, referindo-se a vossa saudade, o vosso pranto, o vosso zelo por mim, aumentando, assim, meu regozijo.” (2 Co 7:5-7). Embora a carta de Paulo tenha entristecido profundamente os coríntios, a situação lá tinha melhorado notavelmente. A linguagem rígida de Paulo os tinha chocado, como fora pretendido, e eles foram enchidos de uma profunda e verdadeira determinação de se purificarem. Implicando que sua consciência já poderia ter sido perturbada antes da chegada de Tito, Paulo nota que eles o receberam “com temor e tremor” (2 Co 7:15), e tendo escutado a carta e o apelo através de Tito, sua rebelião sucumbiu a tristeza que vem de Deus (2 Co 7:9-10). Os amigos mais constantes de Paulo entre os coríntios receberam um tratamento mais favorável, enquanto os rebeldes desistiram de sua atitude. A igreja expulsou os judaizantes e infligiu punição ao membro que tinha liderado a oposição (2 Co 2:5-11). A severidade de tal punição imposta pela “maioria” permanece incerta, embora isso provavelmente envolvesse a repreensão e exclusão da congregação. Na mente de Paulo, a disciplina provavelmente era mais pesada do que o necessário, e Paulo temeu que o ofensor pudesse ser levado a se desesperar. Na verdade, ele advertiu-os contra serem severos demais, insistindo que a punição infligida pela maioria era “suficiente”, e instando a igreja que perdoasse o ofensor, agora arrependido, assegurando-os que aquele que eles perdoaram, Paulo


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também perdoava. “ Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor. E foi por isso também que vos escrevi para ter prova de que, em tudo, sois obedientes. A quem perdoais alguma coisa, também eu perdoo; porque, de fato, o que tenho perdoado (se alguma coisa tenho perdoado), por causa de vós o fiz na presença de Cristo; para que Satanás não alcance alguma vantagem sobre nós, pois não lhe ignoramos os desígnios.”(2 Co 2:8-11). Paulo provavelmente desejava prosseguir imediatamente para Corinto, mas vários fatores o detiveram na Macedônia. Primeiro, ele assumiu que essa poderia ser a última vez que ele veria os cristãos macedônios, dado que seus planos atuais o levariam em uma jornada para a Itália e de lá para a Espanha. Ele não queria apressar essa oportunidade final de ter um ministério entre eles. Além disso, ele desejava dar ampla oportunidade à igreja de Corinto de preparar sua prometida contribuição financeira, e ele esperava poupá-los de qualquer embaraço, em especial pelo progresso na coleta que tinha sido impedida pela rebelião recente. Antecipando esse atraso em algumas semanas ou até meses, Paulo escreveu Segunda Coríntios, sua “carta de agradecimento”. Nela ele expressou sua alegria com as notícias de seu arrependimento. Ele expressou o profundo encorajamento que ele tinha recebido pela notícia de Tito. Ele os lembrou que a graça só podia ser encontrada no evangelho, distinta da pobreza da teologia impingida sobre eles pelos judaizantes. Ele os encorajou a prepararem diligentemente sua contribuição, especialmente porque Paulo já tinha contado sobre a generosidade dos macedônios. Ele assegurou que sua decisão de não vir imediatamente depois da partida de Éfeso não era por instabilidade ou falta de amor da sua parte, mas sim para poupá-los de mais tristeza. “Ora, determinando isto, terei, porventura, agido com leviandade? Ou, ao deliberar, acaso delibero segundo a carne, de sorte que haja em mim, simultaneamente, o sim e o não? Antes, como Deus é fiel, a nossa palavra para convosco não é sim e não. Eu, porém, por minha vida, tomo a Deus por testemunha que, para vos poupar, não tornei ainda a Corinto.” (2 Co 1:17,23). O último dos quatro capítula de Segunda Coríntios se afasta muito em tom das nove primeiras. Isso levou muitos a adotar uma hipótese plausível de que esses capítulos representam um trecho da “carta severa” de Paulo, que teriam sido colocadas mais tarde como um apêndice à “carta de agradecimento” de Paulo. Quer esse seja o caso, que não, os capítulos dez até o treze de Segunda Coríntios dão uma profunda clareza em relação à personalidade de Paulo, sua paixão pelo evangelho, sua afeição para com os coríntios, sua habilidade usar em sátira e sarcasmo, mas acima de tudo, sua determinação em proteger a pureza do evangelho, e evitar qualquer tentativa de comprometer sua clareza. Romanos:


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Depois de completar sua visita à Macedônia, Paulo viajou para o sul, para a província da Acaia, alcançando Corinto no outono de 57, na intenção de passar o inverno ali. Ele foi recebido por Gaio, que também é mencionado em 1º Coríntios 1:14. Durante sua estadia de três meses, Paulo escreveu sua carta aos romanos, a maior de suas produções teológicas. Ele ofereceu esse trabalho à igreja na capital imperial antecipando sua visita, um plano que ele expressou enquanto ainda estava em Éfeso (Atos 19:21). Ele talvez estivesse compondo a carta por um tempo, mas os três meses em Corinto deram a ele o respiro necessário para escrevê-la. Ele então a enviou à Roma através de Febe, uma comerciante de Corinto. Paulo parece ter estado ciente do conflito dentro da igreja romana entre convertidos judeus e gentios, e entre outras coisas, ele expõem a questão do relacionamento apropriado entre as duas comunidades. A questão de como veio a existir uma igreja em Roma permanece assunto de especulação. Certamente a igreja não foi fundada por Paulo, que nunca tinha estado em Roma, e conhecia a igreja apernas por sua reputação. Eusébio cita uma tradição de que Pedro fundara a igreja (Hist. Ecle., 2:14) depois de ir a Roma durante o segundo ano do reinado de Cláudio, e tinha permanecido lá por vinte anos. Há dificuldades imensuráveis com essa hipótese, para não dizer o fato de Paulo não fazer referência a Pedro em sua carta, e certamente ele o teria feito se o grande apóstolo estivesse vivendo entre eles nessa época. Alguns têm sugerido que um dos outros apóstolos fundou a igreja, mas, novamente, isso parece improvável porque Paulo não menciona nenhum outro apóstolo, e há uma completa falta de evidência histórica conectando a igreja de Roma a qualquer outro apóstolo além de Pedro e Paulo, ambos sendo martirizados lá. A questão permanece um mistério, embora haja várias hipóteses plausíveis. Pode ser que entre aqueles presentes no dia de Pentecostes estivessem indivíduos de Roma que foram


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convertidos e, após isso retornaram ao seu lar. Na verdade, Lucas menciona especificamente “estrangeiros de Roma” entre aqueles que estavam presentes. Novamente, depois do martírio de Estêvão, havia aqueles que foram “espalhados”, e “partiram a todos os lugares pregando a Palavra”. Seria certamente razoável pensar que esses poderiam terminar em Roma. Em Romanos 16, Paulo saúda Andrônico e Júnia (ou Júnias), dizendo que eles eram “notáveis entre os apóstolos” e tinham se tornado crentes antes do próprio Paulo. Esses devem ter pertencido ao círculo dos fiéis e podem ter sido instrumentais em iniciar a igreja em Roma. Independente de suas origens, na época em que Paulo escreveu sua carta, a igreja era bem conhecida e com uma irmandade bem estabelecida. Paulo reconhece isso quando ele começa elogiando os cristãos romanos por sua grande reputação de fidelidade, enquanto os assegurava-os de sua intenção de visitá-los assim que possível (Rm 1:117). Daí ele iniciou uma longa e marcante delineação do evangelho, começando com a premissa de que a humanidade é universalmente ciente da verdade de Deus, tanto pela natureza quanto pela consciência. Apesar desse conhecimento, todas as pessoas rejeitaram a Deus, recusando reconhecer o que eles sabem ser verdade, e tolamente colocando no lugar de Deus artefatos incomparavelmente inferiores, nada mais do que gravetos e pedra (1:18-23). Por causa disso, Deus os entrega à justiça natural que flui de sua própria rebelião (1:24-32), assim como à justiça eterna de terem de encarar o próprio Deus no dia do julgamento (2:1-16). Essa justiça de Deus é universalmente conhecida e aplicada imparcialmente, independente de a pessoa ter acesso às Escrituras. O povo judeu, porém, com seu conhecimento vastamente superior, é exposto a um perigo maior por falhar em guardar a obediência a lei de Deus de coração (2:17-24). Nem a circuncisão nem qualquer ritual ou observância alivia essa culpa, porque tais rituais representam apenas sinais da obediência invés de desculpas para desobediência (2:25-29). No final das contas, tanto judeus quanto gentios estão sob o peso do pecado e estão expostos à condenação de um Deus santo (3:1-20). Contra esse pano de fundo desolador, Paulo anuncia as maiores notícias da história humana, de que a “justiça” tão desesperadamente necessária para aqueles encarando tal julgamento, e contra a qual estavam completamente falidos, foi dada livremente através do trabalho redentor de Cristo (3:21-31). Em um contraste radical às premissas da época, o presente não foi dado por qualquer mérito humano, virtude, etnicidade, ou qualquer outra distinção, mas através apenas da fé (Rm 4). Essa fé foi exemplificada pelo grande patriarca Abraão, e é o meio pelo qual o crente é justificado, ou seja, declarado justo. Através da fé o crente adquire os vastos


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benefícios da paz com Deus, acesso à Sua graça, e uma esperança e expectativa da glória de Deus (5:1-2). Com isso, porém, vêm desafios intendidos a fortalecer a fé, mas mesmo essas tribulações se mostram a fortiori que Deus nos tem amado, salvado, e reconciliado com Ele mesmo (5:3-11). Toda a raça humana possui a necessidade da graça de Deus porque são descendentes do primeiro Adão, toda a humanidade está afogada em radical pecaminosidade e morte, e apenas através do último Adão uma pessoa pode ser resgatada e trazida para a justiça e a vida (5:12-21). O processo redentor não parou com a mera justificação forense, na verdade, Deus imediatamente inaugura o processo de construir a verdadeira justiça na vida do crente, ou seja, a prática conformidade à Sua lei, que é “santo, justo, e bom”. Esse processo de santificação gradualmente retira uma pessoa de seu velho modo de vida, e faz deles “membros” invés de só instrumentos de seus atos de justiça. Para facilitar o processo, o crente deve adotar a atitude correta, considerando-se morto e não julgado por sua antiga vida, mas energizado vitalmente para a nova (6:1-14). Com submissão apenas a Cristo, o fiel sacrificialmente oferece a si mesmo, não ao pecado, o que seria antinomianismo (6:15-23), ou mesmo à lei, o que seria legalismo (7), mas a Cristo, que através do Espírito Santo o liberta para uma vida na qual “a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.” (8:1-4). O filho de Deus deve focar na vida do Espírito, porque “..somos devedores, não à carne como se constrangidos a viver segundo a carne.”(8:5-12), e deve deixar para trás seus caminhos. Isso requer disciplina, mas nesse labor há alegria, porque “...os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós”, não apenas individualmente, mas também de maneira cósmica (8:13-25). Além de tudo isso, o Espírito de Deus constantemente “ajuda” o fiel, dando efeito sobrenatural até ao seu mais modesto esforço, fazendo todas as coisas levarem inescapavelmente ao bom destino que Deus predestinou os Seus (8:26-30). Na forma de algo como uma rapsódia teológica, Paulo irrompe em uma efervescente afirmação da generosa bondade de Deus para com seus eleitos, reconhecendo que os propósitos de Deus serão certamente cumpridos, que “nada pode nos separar” da amorosa determinação de Cristo de ver seu trabalho glorioso prosseguir apesar dos impedimentos que recaiam sobre ele em seu caminho (8:31-39). Paulo a seguir parte para a questão do relacionamento da Igreja Cristã, que estava se tornando em grande parte gentia, vis-à-vis à nação Judaica, que tinha sido por séculos a “encarregada dos oráculos de Deus” (3:1). Paulo afirma seu afeto por seu “povo de acordo com a carne”, mas não se afasta da radical afirmação de que o status de “semente de Abraão”


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depende não apenas do nascimento de alguém, mas do renascimento de alguém, porque “nem todos de Israel são, de fato, israelitas” (9:1-6). Nascer de novo é, em si, uma questão da soberana escolha divina, e Deus “tem misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz” (9:7-18). A grande promessa do Antigo Testamento à Abraão e sua semente desenvolve o povo de Deus pela fé, seja judeu ou gentio, pois Deus disse: “chamarei povo meu ao que não era meu povo” (9:19-29). Por outro lado, muitos do Israel étnico, independentemente de seu “zelo” justificando a si mesmos, estavam perdidos. Eles caíram sobre a “pedra” colocada por Deus em Sião, o próprio Messias. Eles tropeçaram por que eles contornaram a fé, e buscaram justiça “por obras” (9:30-10:13). E por que eles contornaram a fé? Foi porque eles não ouviram? Afinal de contas, “a fé vem pelo ouvir”. Não, certamente eles ouviram, e certamente eles entenderam. Então porque eles contornaram a fé? Foi porque eles foram “desobedientes e contrários”, ou, para dizer em outras palavras, eles foram “endurecidos” (10:14-21). Esse “endurecimento” do Israel étnico era, porém, não total, pois Deus preservou para Si “um remanescente” por Sua soberana graça, enquanto deixou os outros cegos sob “um espírito de entorpecimento”(11:1-10). Isso também não era permanente. Na providência de Deus esse endurecimento da Israel étnica abriu as portas para que multidões de gentios viessem inundando as fileiros do povo de Deus, e que continuariam a fazê-lo “até que a medida dos gentios tivesse sido contada”. O Israel étnico seria assim, temporariamente, um inimigo do evangelho, mas posteriormente viria para dentro da misericórdia de Deus, assim como os gentios tinham feito, para que assim “toda o Israel fosse salvo” (11:11-32). Tudo isso mostrava um marcante testemunho da sabedoria de Deus, que orquestrou todas as coisas para Sua própria glória (11:33-36). Paulo concluiu sua carta com instruções práticas aos crentes romanos, de como eles deveriam viver vidas dignas de um cristão tanto dentro quanto fora da igreja (12). Ele chamouos a se submeterem a toda autoridade legal, e viver com sobriedade antecipando a agitação que ocorreria apenas alguns poucos anos afrente com o colapso da velha ordem, e inauguração da nova (13). Ele focou de modo especial na tensa relação com os crentes judeus, que tendiam a se apegar às restritivas práticas e observâncias tradicionais judaicas, e os crentes judeus, que consideravam essas práticas sem importância (14). Instando o respeito mútuo, tolerância, amor, ele alertou contra ofender a


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qualquer um cuja fé pudesse ser fraca. Para encerrar, Paulo reiterou seu desejo de visitar Roma depois de um breve retorno à Jerusalém. De Roma, Paulo planejava viajar para a Espanha, estendendo ainda mais as fronteiras de sua missão (15). Concluindo com uma calorosa saudação aos irmãos e irmãs na fé, ele incluiu saudações dos companheiros cristãos em Corinto, Paulo encomendou à igreja de Roma a graça de Deus até o tempo em que ele pudesse visitá-los pessoalmente (16). Retorno para Jerusalém: Enquanto a primavera de 58 se aproximava, Paulo pretendia navegar diretamente de Corinto para a Síria, levando sem atrasado para Jerusalém o presente financeiro coletado na Macedônia e Acaia. Tendo aprendido sobre um plano contra ele, porém, Paulo mudou seus planos na última hora e retornou para a Macedônia, navegando de lá para Trôade. Enquanto estava na cidade, Paulo pregou aos crentes, e em seu última tarde o sermão se estendeu até o fim da noite. Um jovem que não podia aguentar mais o longo discurso de Paulo cochilou e caiu de uma janela no terceiro andar, embora ele tenha sido miraculosamente curado do ferimento. Na manhã seguinte Paulo velejou do porto de Trôade para a costa da Ásia Menor, parando brevemente em Mileto. Lá ele se dirigiu aos anciãos da igreja de Éfeso, se despedindo deles. Paulo tinha estado com aquela igreja mais do que qualquer outra que tinha servido, a afeição mútua levou muitos às lágrimas quando Paulo disse que não achava que os veria novamente nessa vida. Continuando sua jornada pelo mar, Paulo chegou a Tiro, onde o navio deixou sua carga. De lá ele e seus companheiros viajaram para Cesareia onde eles encontraram Filipe, que tinha sido um os dos sete diáconos da igreja de Jerusalém nomeados em Atos 6, e que tinha primeiro pregado aos samaritanos e ao eunuco etíope. Paulo ficou com ele por sete dias, e durante esse tempo foi novamente alertado dos aspectos ameaçadores que o aguardavam em Jerusalém. Paulo, entretanto, não podia ser dissuadido de sua jornada para a Cidade Santa. Paulo em Julgamento: Paulo chegou a Jerusalém no fim da primavera de 58, e depois de saudar os líderes da igreja e entregar a contribuição financeira coletada das igrejas gentias, ele concordou em fazer um voto que mostrasse sua submissão pessoal aos costumes judaicos. Isso consistia na sua própria


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máxima, “...para os judeus me faço judeu.” Porém, certas pessoas de Éfeso reconheceram Paulo enquanto ele orava no templo, e começaram uma confusão que resultou em sua prisão. Enquanto Paulo estava sendo levado para interrogatório, ele pediu e a ele foi concedido se dirigir à multidão confusa. Eles ouviram atentamente ao relato de Paulo sobre os acontecimentos cercando sua conversão e subsequente ministério, mas irromperam em protesto com a mera menção da palavra “gentio”. O comandante romano, que mal poderia ter compreendido as sutilezas dessa interação, ordenou que Paulo fosse levado ao quartel-general e examinado sob tortura. No entanto, ele mudou de ideia quando soube que Paulo era um cidadão romano. No dia seguinte o comandante apresentou Paulo ao Sinédrio para o primeiro de três “julgamentos” registrados por Lucas. A assembleia se dividiu violentamente quando Paulo anunciou que estava diante deles sob a acusação de ser um fariseu, e por acreditar na ressurreição dos mortos. O partido dominante do Sinédrio era de membros liberais e naturalistas do partido saduceu, que não acreditava no sobrenatural. No caos que se seguiu, o comandante ficou temeroso pela segurança de Paulo, e o trouxe de volta em custódia. Antes dos próximos procedimentos legais ocorrerem, o comandante descobriu um plano para tirar a vida de Paulo, e por preocupação com seu bem-estar, ele enviou seu prisioneiro sob custódia armada para Cesareia e ao procurador romano, Marco Antônio Félix. Félix tinha mantido a posição de procurador desde o ano 52. Ele tinha começado sua vida como escravo, mas fora liberto por Cláudio por causa da influência de seu irmão, Marco Antônio Palas, também um liberto e poderoso membro da corte do imperador. Félix recebeu primeiro um cargo militar, mas depois foi feito procurador de Samaria mais o menos na mesma época que Cláudio deu novos territórios para Agripa II depois da morte do pai de Agripa em 44. Alguns anos depois, Félix disputou com sua contraparte na Judeia, Ventídio Cumano e quando os dois requisitaram que Cláudio resolvesse a disputa, Cláudio ficou ao lado de Félix, dando a ele o cargo de procurador da Judeia também. Em sua obra Vida de Cláudio, Suetônio relata que Félix fora casado três vezes, com três princesas, embora o historiador dê os nomes de apenas dois, e ambas se chamavam Drusila. De acordo com Tácito, a primeira Drusila era neta de Marco Antônio e Cleópatra. A segunda era Drusila da Mauritânia, que tinha sido esposa do rei Aziz de Emessa, e era filha de Herodes Agripa I. Seu casamento com Félix foi um anto escandaloso, porque Félix a induziu a abadonar seu rei-marido, e viver com ele como sua esposa. Drusila deu à luz a um filho em 54 cujo nome foi Agripa, mas ele foi morto na erupção do Vesúvio em 79. A crueldade, licenciosidade, e desonestidade de Félix levaram a um notável aumento da criminalidade, enquanto seu governo também foi marcado por


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disputas internas e distúrbios que ele abafou com severidade. Tácito alega que Félix muitas vezes suprimiu cruelmente tumultos em Cesareia, mas seu estilo opressivo serviu apenas para aumentar o ressentimento entre os judeus e acabou aumentando o apelo político por movimentos anti-romanos. Os zelotes, em particular, um partido judaico violento e radical, usaram a notória corrupção de Félix para justificar o aumento de seus atos sanguinários. Movimentos messiânicos se tornaram mais comuns, mesmo que Félix as tenha abafado, usando não apenas as forças convencionais, mas seus próprios capangas cruéis, os sicários (“homens da adaga”), que também foram assassinados pelo sumo sacerdote Jonatã sob o comando de Félix. A Judeia, no geral caiu a uma cultura de “gangues de guerrilha” durante os anos da administração de Félix. Paulo tinha certo conhecimento pela reputação de Félix quando esteve diante dele para seu segundo julgamento no fim a primavera de 58. Os líderes judeus tinham contratado um advogado que usava de lisonjas com o procurador antes de lançar suas acusações, mas Paulo foi contido e modesto em seu elogio ao governador. Quando a audiência terminou, Félix adiou a decisão do caso, mantendo Paulo em custódia pelos dois anos seguintes. Lucas relata que Paulo recebeu oportunidades ocasionais para se dirigir a Félix e Drusila, e ambos parecem ter ficado intrigados e perturbados pela mensagem direta de Paulo sobre pureza e integridade, mas Félix também esperava que Paulo e seus apoiadores pudessem oferecer ao governador algum suborno para libertar Paulo, uma espera pela qual ele foi decepcionado. Na primavera de 60, as reclamações acerca de Félix alcançaram tal ponto que Nero o chamou de volta para a capital, acusado-o, entre outras coisas, de ter tirado vantagem de uma disputa entre os judeus e sírios como uma desculpa para massacrar e saquear os habitantes de ambos os lados. Félix escapou por pouco da punição, em grande parte por causa dos pedidos de seu influente irmão, ele foi substituído no cargo por um homem chamado Pórcio Festo. Pouco se sabe sobre o passado de Festo, embora haja certa indicação de que ele fosse mais competente e honrável do que Félix tinha sido. A Judeia porém estava em grande estado de perturbação quando ele assumiu o cargo, e de acordo com Josefo, Festo achou necessário lançar uma campanha para derrubar os sicários, assim como os ladrões e magos que tinham florescido sob Félix (Ant., 20:8, 10). Em uma ocasião, Festo tomou uma posição política impopular contra os líderes judeus em Jerusalém. Agripa II tinha construído uma sala em seu palácio pela qual ele podia espiar os negócios do Templo. Depois de fazê-lo, certos “homens eminentes de Jerusalém”, como Josefo os chama, construíram um muro para bloquear a linha de visão, mas o


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muro coincidentemente também bloqueava a vista da Fortaleza Antônia que as tropas romanas usavam para policiar a área. Quando Festo soube do muro, ele ficou furioso e exigiu que ele fosse derrubado para que as tropas pudessem manter a ordem na cidade. Porém, Festo levou o pedido dos judeus diretamente para o arbítrio de Nero. Nero tomou o lado dos judeus, em grande parte por causa da influência de sua esposa Popéia que era prosélita do judaísmo. Em outro momento, Festo achou necessário lidar com uma das muitas autoproclamadas figuras messiânicas que “prometia salvação e descanso das tribulações, se eles se dispusessem a seguilo para o deserto” (Ant. 20.8.10). Tanto o “messias” quanto seus seguidores morreram pelas mãos das tropas romanas que o governador enviou para lidar com a rebelião. Festo poderia ter feito muito bem à Judeia, mas ele morreu no verão de 62 depois de ser procurador por menos de dois anos. Josefo relata que Festo era um magistrado tanto justo quanto ativo, mas depois de sua morte houve um pronunciado declínio da ordem civil reforçado pela ascensão das forças da anárquicas, tudo isso levando inevitavelmente às Guerras Judaicas e à destruição de Jerusalém. Quando Festo subiu ao cargo no início de 60, um dos problemas que ele herdou era a questão do que ele faria com o prisioneiro Paulo. Para lidar com isso e outras questões, Festo viajou imediatamente para Jerusalém para consultar os líderes políticos e religiosos locais. Eles propuseram que Paulo retornasse a Jerusalém para julgamento, embora Lucas note que sua verdadeira intenção era assassinar Paulo em route. Festo decidiu manter Paulo em Cesareia, mas convidou os líderes a renovar suas acusações contra ele lá, depois do que Festo decidiria sobre o assunto. Cerca de dez dias depois, Festo retornou para Cesareia, e pouco depois teve uma segunda sessão de julgamento com Paulo, que tinha estado recluso por dois anos. Festo ouviu as acusações e defesa, mas ele então ficou tão frustrado por testemunhas e evidências adequadas não estarem sendo apresentadas, que ele perguntou para Paulo se ele estaria disposto a voltar a ser julgado em Jerusalém. Em parte, Festo tinha interesse em amaciar os líderes judeus, em especial dada a hostilidade que tinha emergido durante os dias anteriores do reinado de Félix. Paulo, porém, reconheceu o perigo de tal jornada, e exerceu seu direito como cidadão romano de apelar diretamente a César. Com certo alívio, Festo respondeu, “Apelas a César? A César irás!” Lucas nota que Festo pareceu considerar Paulo inocente, mas ele sabia que não podia libertá-lo sem arriscar protestos e possíveis danos a Paulo, cuja cidadania romana levantava preocupações adicionais. Para Festo, o apelo de Paulo a César resolvia seus problemas. Paulo seria libertado sob proteção da custódia, aliviando as responsabilidades de Festo com o problemático romano, mas Festo também seria capaz de manter as aparências diante dos líderes judaicos porque ele não tinha responsabilidade por Paulo após o seu apelo.


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Antes que preparações pudessem ser feitas para enviar Paulo de volta a Roma, Agripa II chegou em Cesareia com sua meiairmã Berenice para saudar Festo e parabenizá-lo por sua recente indicação. Agripa foi o sétimo e último rei da família de Herodes, e tinha crescido em Roma na corte de Cláudio. Quando seu tio Antipas morreu em 48, Agripa herdou a supervisão do Templo. Cerca de dois anos antes, Cláudio o indicou tetrarca de Cálcis, mas em 53 Cláudio fez dele governador sobre a tetrarquia de Filipe e Lisânias. De todos os Herodes, Agripa II parece ter sido o mais honrado, embora seu casamento com sua irmã de sangue permanecesse um escândalo para os judeus. Ações posteriores de Agripa sugerem que embora fosse um judeu nominal por filiação religiosa, ele ainda assim era totalmente devoto aos romanos. Depois de Agripa e Berenice terem estado em Cesareia por algum tempo, Festo buscou a opinião do rei sobre a prisão de Paulo. Agripa sem dúvida tinha ouvido sobre Paulo, sem dizer do notório movimento associado a Jesus de Nazaré. Quando Agripa soube do caso de Paulo, ele desejou ouvir o famoso apóstolo por si mesmo, embora tal visita não pudesse em si ser considerada um julgamento, dado que Paulo já tinha apelado para Roma. Paulo foi trazido diante da impressionante assembleia no dia seguinte, e assim, tendo contado novamente a história de seu antigo modo de vida como judeu e fariseu, sua conversão, e subsequente ministério como um apóstolo de Jesus Cristo. Sua erudita defesa fez Festo interrompêlo com a exclamação, “...seu excesso de conhecimento o deixou louco!” Paulo o contrariou dizendo que a história que ele contara era pública e bem conhecida, e até apelou a Agripa em seu favor dizendo que ele conhecia bem os fatos. Agripa fortemente recusou o convite de Paulo para tomar partido com o apóstolo contra Festo, mas quando Agripa partiu, ele disse a Festo que Paulo certamente não era merecedor de morte ou aprisionamento. Não tivesse ele


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apelado a César, Paulo poderia ter sido liberto. Paulo em Roma: Festo assegurou a Paulo um centurião romano chamado Júlio, e eles, junto com os companheiros de viagem de Paulo e alguns outros prisioneiros, partiram para Roma. O navio foi pego no meio de uma tempestade enquanto tentava chegar ao porto de Creta, e demorou cerca de duas semanas até que eles conseguissem chegar à costa oriental de Malta, uma pequena ilha ao sul da Sicília. Os viajantes foram cuidados pelos nativos, e depois de passarem ali o inverno partiram para Roma no início da primavera. Depois de chegar à capital, Paulo enviou cartas aos judeus, e apresentou o evangelho a eles, recebendo uma resposta cordial porém mista. Paulo permaneceu ali em prisão domiciliar por dois anos, da primavera de 61 à primavera de 63, depois do que provavelmente foi libertado. Durante os dois anos que ficou em Roma, Paulo manteve um ministério ativo pregando e ensinando todos que vinham a ele. Ele também escreveu as cartas chamadas de “epístolas da prisão”, que incluem as cartas aos Efésios, Filipenses, e Colossenses, junto com uma carta pessoal a um dono de um escravo cristão chamado Filêmon. Na carta aos efésios, Paulo focou principalmente na ideia da igreja, notando que não havia mais separação entre judeu e gentio, pois esta tinha sido abolida em Cristo. Deus escolheu tanto judeus quanto gentios para povoar a comunidade da fé, os gentios em especial também tinham sido “selados com o Espírito Santo” assim como os judeus haviam sido no Pentecostes. À luz dessa grande verdade, Paulo orou para que seus olhos fossem abertos aos magníficos privilégios que tinham sido conquistados para eles pelo Messias. Paulo lembrou a congregação gentia que era apenas pela graça que tinha os alcançado, os levantando dentre os mortos, e os trazendo à comunidade de Israel apenas pela fé. A mensagem dessa nova “cidadania” fora especialmente encarregada a Paulo, e era, é claro, o aspecto mais controverso de seu marcante ministério. A união teológica de gentios com judeus deveria levar à unidade prática da igreja, com cada um reconhecendo o valor do outro no corpo de Cristo. Daí os outros mandamentos éticos do Novo Testamento fluíam, incluindo os altos padrões do casamento e família cristãs. Finalizando, Paulo chamou a igreja à unidade, e à batalha espiritual pelos cristãos contra “os principados e potestades” para construir o reino de Deus.


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À igreja de Filipos, Paulo escreveu uma carta calorosa e pessoal, encorajando os crentes ali a continuarem na fé, e não permitir que eles ficassem desencorajados por causa da prisão de Paulo. Ele os instou a serem de mente semelhante, seguindo o exemplo de humildade encontrado em Cristo. Ao fazê-lo, eles seriam lâmpadas para o mundo. Paulo expressou sua intenção de enviar Timóteo para eles logo, junto com Epafrodito, que era membro de sua igreja. Ele encorajou seus amigos a continuar sua busca por santificação, oferendo a si mesmo como um modelo de alguém não que tivesse chegado, mas que “prosseguia para alvo.” Paulo também endereçou uma carta à igreja de Colossos, uma cidade a cerca de 160 quilômetros a leste de Éfeso. Paulo nunca tinha visitado a igreja de Colossos, e as circunstâncias pelas quais ela foi fundada permanecem incertas. A igreja tinha sido infectada por uma espécie de estranha filosofia híbrida que combinava elementos de misticismo grego com fábula judaica, possivelmente refletindo uma influência de Filo. A carta de Paulo trazia alguma similaridade à sua epístola aos efésios, mas enfatizando a centralidade de Cristo, insistindo que todos os mistérios e toda suficiente podiam ser encontrados apenas nEle. Ele alertou-os a evitarem qualquer “filosofia” que pudesse tirá-los da rica herança de que eles eram herdeiros em Cristo, e os chamou à pureza e humildade na comunidade da fé, e obediência nas relações familiares. Paulo concluiu enviando saudações pessoais a muitos na igreja, e os entregando a Deus e Sua graça. A carta a igreja colossense foi acompanhada de uma carta pessoal a um de seus membros, um homem chamado Filemon. Paulo escreveu pedindo-os para receber de volta um escravo fugido chamado Onésimo, que tinha fugido para Roma, e vindo sob a influência de Paulo. Este sugeriu fortemente a Filemon que ele deveria libertar Onésimo, chegando próximo a ordená-lo isso. A Quarta Viagem Missionária de Paulo: Enquanto muitos pensam que Paulo foi executado em Roma após sua prisão, alguns testemunhos primitivos sugerem que ele na verdade foi libertado na primavera de 63 e iniciou uma quarta viagem missionária.


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Eusébio, por exemplo, depois de citar as palavras de encerramento de Atos, relata que o apóstolo foi solto após sua primeira defesa, adicionando a isso que Nero foi relativamente gentil nessa época, e ouviu em favor de Paulo. Ele argumenta que Paulo terminou seu trabalho de pregação, mas depois foi preso como parte de uma vasta perseguição aos cristãos lançada pelo imperador depois do incêndio de Roma. Ele nota que Paulo escreveu sua segunda carta a Timóteo enquanto estava na prisão pela segunda vez, e foi finalmente “tornado perfeito” pelo martírio no ano 66 ou 67 (Hist. Ecles., 2.22). Clemente de Roma, escrevendo aos Coríntios em cerca do ano 95, usou uma linguagem que sugere fortemente que Paulo visitou a Espanha, dizendo que o apóstolo viajou “até a última fronteira do Oeste”. Essa referência não poderia ser à Itália, em especial dado que o próprio Clemente vivia em Roma, mas naturalmente isso apontava para o outro grande destino a oeste da Itália, a Península Ibérica, que também era parte do Império Romano. Clemente também declara que sua visita ao oeste imediatamente precedeu o testemunho final de Paulo diante dos governantes do mundo, e sua partida dessa vida. Outras fontes se referem à viagem para a Espanha incluem o Fragmento Muratório, datado de cerca do ano 170, que diz que Paulo viajou para a Espanha depois de seu cativeiro em Roma. Venâncio Fortunato, escrevendo no sexto século, declara especificamente que Paulo foi a Cádis, o maior porto da Espanha. Jerônimo coloca o martírio de Paulo no décimo quarto ano de Nero (67), três ou quatro anos depois de sua libertação de sua primeira prisão. Enquanto a questão permanece controversa, nós assumiremos que Paulo embarcou sim em uma viagem à Espanha, prosseguindo para lá logo após sua libertação na primavera de 63. Ele provavelmente passou dois anos em atividade missionária lá, possivelmente viajando até a Britânia, antes de retornar a Cádis na primavera de 65. A viagem de retorno de Paulo o levou à ilha de Creta, onde ele pode ter estado por cerca de um ano ou dois. Ele deixou Tito na ilha como um ministro da nova igreja, e partiu para o norte para a Ásia Menor, chegando perto de Mileto perto de abril. Enquanto estava lá ele escreveu sua carta pastoral a Tito, dando novas instruções para guiar o jovem pastor nos aspectos práticos de seu ministério, lembrando-o que, “Por esta causa, te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas restantes, bem como, em cada cidade, constituísses presbíteros, conforme te prescrevi” (Tt 1:1213). Paulo então citou as qualificações dos anciãos advertindo sobre o terrível caráter


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das pessoas na ilha, “Foi mesmo, dentre eles, um seu profeta, que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos. Tal testemunho é exato.” Paulo concluiu com uma referência a seus próprios planos. “Quando te enviar Ártemas ou Tíquico, apressa-te a vir até Nicópolis ao meu encontro. Estou resolvido a passar o inverno ali. Encaminho com diligência Zenas, o intérprete da lei, e Apolo, a fim de que não lhes falte coisa alguma. Agora, quanto aos nossos, que aprendam também a distinguir-se nas boas obras a favor dos necessitados, para não se tornarem infrutíferos” (Tt 3:12-14). Paulo pode ter visitado Éfeso durante sua breve estadia em Mileto, mas é mais provável que ele tenha enviado Timóteo para a grande cidade, enquanto ele mesmo prosseguiu para o norte em direção à Macedônia. Enquanto passava pela região, Paulo escreveu sua primeira carta a Timóteo, o lembrando que “Quando eu estava de viagem ruma da Macedônia, te roguei permanecesses ainda em Éfeso para admoestares a certas pessoas, a fim de que não ensinem outra doutrina, nem se ocupem com fábulas e genealogias sem fim, que, antes, promovem discussões sem fim, que, antes promovem discussões do que o serviço de Deus, na fé.” (1 Tm 1:3-5). Paulo instruiu especificamente Timóteo em questões práticas da vida eclesiástica, notando que oração deveria ser feito pelos reis e aqueles de autoridade, e que a vida em família deveria ser bem-ordenada e honrando a Deus. O apóstolo lembrou Timóteo do caráter distinto daqueles que assumem responsabilidade na igreja, incluindo bispos (supervisores, anciãos), e diáconos (servos, ministros). Paulo também alertou que nos próximos poucos anos haveriam tempos de apostasia e dificuldade, e que ele deveria resolutamente se determinar a ensinar e proclamar o evangelho diante da resistência. Ele concluiu relembrando Timóteo do tratamento adequado às viúvas, anciãos, e outros na igreja. Escravos, ele disse, deveriam se submeter a seus mestres, mesmo quando esses mestres fossem eles mesmos fiéis. Veio a ocorrer que Paulo não conseguiu retornar a Éfeso, mas prosseguiu para o sul para Corinto (2 Tm 4:20), e de lá para Nicópolis, a cidade de Épiro no norte da Acaia. Paulo enviou o jovem pastor chamado Ártemas para substituir Tito em Creta, e Tito então se juntou a Paulo em Nicópolis. Muitos outros dos assistentes de Paulo estavam situados lá, como Cresco e Demas. Com a intenção de colocar cada um deles em um ministério no inverno. Paulo então enviou Tito para a Dalmácia, e Crécso para a Galácia. Demas, porém, parece ter


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sido abalado pelo aparecimento de perigo em Nicópolis, e por algum pretexto abandonando Paulo, retornou à nativa Tessalônica (2 Tm 4:9). O próprio Paulo tinha planejado passar o inverno em Nicópolis, mas ao que parece ele foi preso enquanto estava lá, e levado com Lucas a Roma, onde ele provavelmente chegou em agosto ou setembro. A prisão de Paulo derivou da perseguição generalizada de Nero aos cristãos que seguiu ao incêndio de Roma em 64. Sua rota de Nicópolis para Roma teria sido feito de Aulo, um porto na Ilíria, até Brundísio, e de lá iria pela Via Apia para a capital. A primeira audiência de Paulo em Roma provavelmente foi uma acusação, e parece ter ocorrido logo após sua chegada. Paulo mais tarde reclamou gentilmente que todos o tinham deixado naquele tempo (2 Tm 4:16-17). Ele aparentemente não esperava que seu julgamento ocorresse até o início da primavera, e de acordo com isso ele escreveu uma segunda carta a Timóteo, na qual ele instou Timóteo a não ser desencorajado pelas calamidades que caíam sobre a Igreja, ou pela prisão do apóstolo, mas para se preparar para suportar esses tempos como um soldado de Jesus Cristo. Paulo afirmou sua fé inabalável, enquanto alertava Timóteo dos perigos que viriam e enfatizando a necessidade de coragem nas tarefas do ofício pastoral. Ele concluiu com uma diligente pedido, repetido duas vezes, de que Timóteo se juntasse a ele em Roma antes do inverno, mencionando que ele tinha enviado Tíquico para Éfeso, provavelmente com o propósito de aliviar Timóteo de suas responsabilidades lá. Outros documentos do Novo Testamento que parecem ter sido escritos no plano de fundo da perseguição de Nero incluem Primeira Pedro, com uma ênfase em “provações pelo fogo” e Hebreus, que parece pressupor uma perseguição por Nero, e são assim ambas estavam cheias de encorajamento e alertas aos cristãos judeus, dizendo que eles deveriam “se manter firmes” em sua fé, e não retornar às antigas práticas sacrificiais judaicas, o que seria uma blasfema negação do trabalho de Cristo, “envergonhá-lo publicamente”. Hebreus sugere que Timóteo pode ele mesmo ter sido


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preso em seu caminho para Roma, mas mais tarde liberdade (Hb 13:23). Embora detalhes específicos estejam faltando, Paulo aparentemente foi julgado e sentenciado na primavera de 66, resultando em sua execução em 29 de junho do mesmo ano. Não se sabe se Paule e Pedro se encontraram antes ou no tempo de seus respectivos martírios, mas Eusébio declara que ambos sofreram o mesmo destino em Roma durante o décimo terceiro ano de Nero (66). Como cidadão romano, Paulo foi executado por decapitação, enquanto Pedro foi crucificado de cabeça para baixo, de acordo com a tradição. As Guerras Judaicas: Os anos de encerramento da era do Novo Testamento foram caóticos, tanto para a Judeia e Roma. Jerusalém foi colocada sob um sítio terrível por cinco meses no ano 70, seguido da revolta judaica em 66. Em um cumprimento gráfico das previsões de Jesus no Discurso do Monte das Oliveiras e as imagens dramáticas do Livro de Apocalipse, o templo de Jerusalém foi totalmente destruída, e a cidade de Jerusalém devastada. Esses cataclismos marcaram o fim “dessa geração”, como Jesus frequentemente se referia, e o início de uma nova era na história do povo de Deus. Ao mesmo tempo, a própria Roma convulsionava em agitações internas, rebeliões generalizadas, múltiplos césares, guerra civil, e outras disrupções tão severas que muito temiam que o grande império não poderia sobreviver. Veio a ocorrer que o ano 70 marcou uma transição também para Roma, na medida em que o imperador Vespasiano restaurou a estabilidade e abriu um novo capítulo em sua história. As Guerras Judaicas, Josefo se refere ao período, começando no verão de 66 quando a violência estourou entre as duas maiores facções religiosas da nação judaica. Aqueles que permaneceram fiéis ao judaísmo tradicional ficaram presos em um conflito com os helenistas que buscavam se comprometer com o paganismo romano e helenístico. As tensões ultrapassaram qualquer número de abusos feitos pelos romanos em seu tratamento com a nação de Israel. Pela maior parte do século primeiro, houve uma série de abusos pelas mãos dos procuradores romanos, que com pouquíssimas exceções tinham sido notoriamente corruptos, aceitando abertamente subornos, tomando para si sobras das receitas dos impostos, e explorando gananciosamente a pequena nação. Para piorar a situação, Roma assumiu a responsabilidade pela indicação do Sumo Sacerdote, e inevitavelmente instalou uma rica aristocracia simpática ao governo romano, deixando o povo comum com um sentimento generalizado de cinismo sobre seus líderes religiosos. Roma tinha ofendido dramaticamente a sensibilidade judaica quando Calígula declarou que ele era um deus e ordenou que estátuas de si mesmo em todos os templos religiosos do império, incluindo Jerusalém. Uma crise que foi por pouco evitada quando Herodes Agripa I interveio, e dissuadiu Calígula desse desígnio, trazendo perturbação a um fim tenso, porém pacífico.


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Entretanto, a tensão atingiu o ponto de ebulição quando Géssio Floro foi instalado como o último dos procuradores romanos. Durante seus dois anos de governo, ele parecia determinado a instigar a rebelião entre os judeus. Ele roubou uma grande quantidade de dinheiro do tesouro do templo, e de acordo com Tácito, “se envolveu em todo tipo de roubo e violência”. Seu abuso mais escandaloso, porém, aconteceu em 66 quando, começando em maio ele aterrorizou a nação judaica por cinco meses, massacrando 3600 cidadãos pacíficos (Guerras Judaicas, 2:14 em diante). Suas ações ímpias contribuíram muito para o aumento da popularidade dos zelotes e outros revolucionários violentos, alguns dos quais acreditavam que qualquer meio era justificado para obter independência política e religiosa. A verdadeira revolta estourou quando um incidente aconteceu em Cesareia e envolveu a dessacração de uma sinagoga local por certos judeus helenistas no fim do ano 66. Os tradicionalistas apelaram a uma guarnição romana falante de grego para o ato de sacrilégio, mas os romanos não demonstraram qualquer preocupação. Ultrajado, o filho do sumo sacerdote em Jerusalém, Eliézer bem Hananias, interrompeu as orações e sacrifícios pelo Imperador Romano, e subsequentemente levou a um ataque bem-sucedido na guarnição romana lá, levando Agripa II e Berenice a fugir para a Galileia onde eles foram protegidos pelos romanos. Em novembro do mesmo ano, Céstio Galo, o governador romano da Síria, marchou Judeia adentro com uma grande força militar de tropas a cavalo. Ele arrasou o interior antes de chegar aos portões de Jerusalém, onde ele sitiou e pressionou seu ataque por seis dias. Quando parecia que estava prestes a tomar a cidade, porém, ele inesperadamente se retirou. Os insurgentes judeus se encorajaram por essa retirada e o perseguiram, atacando e destruindo quase toda a legião em uma batalha em BeteHorom, alguns quilômetros ao norte de Jerusalém. A vitória pode ter sido o incidente mais importante a transformar a relativamente pequena insurreição judaica em uma vasta guerra. O sucesso desacreditou os moderados e o partido a favor da paz em Jerusalém, e encorajou os insurgentes a organizar toda a população judaica a uma guera de libertação. Embora dificilmente unidos, os judeus “se aprontaram para fazer preparação para a guerra com os romanos.” (Guerras dos Judeus, 2:22:1). Judeus cristãos vivendo em Jerusalém atribuíam grande significado a esse cerco. De acordo com Eusébio (Hist. Ecles., iii.v), eles viram esses acontecimentos precisamente com o alerta de Jesus no Discurso no Monte das Oliveiras: “Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação. Então, os que estiverem na Judeia, fujam para os montes; os que se encontrarem dentro da cidade, retirem-se; e os que estiverem nos campos, não entrem nela. Porque estes dias são de vingança, para se cumprir tudo o que está escrito.” (Lucas 21:20-23). De acordo com Eusébio, quando o breve cerco foi retirado, todos os


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cristãos fugiram de Jerusalém e buscaram refúgio nas cavernas próximas ao sul, no deserto da Judeia. Envergonhado pela falha de Céstio de esmagar a rebelião, Nero enviou um de seus comandantes mais competentes, Vespasiano, para tomar o lugar de governador e lidar decisivamente com o restante dos judeus. O general trouxe uma força 60.000 soldados de elite, e estabeleceu seu quartel-general em Cesareia. Ele começou sua campanha no início da primavera de 67, limpando metodicamente a costa e as regiões ao norte de bolsões de rebelião. Muitas cidades foram cercadas sem resistência, e pelo ano 68, a resistência judaica por todo o norte o norte da Judeia tinha sido completamente esmagada. Enquanto Vespasiano continuava sua campanha, milhares entre o povo judeu fugiram buscando refúgio em Jerusalém, mas lá eles se viram nas garras de uma brutal guerra civil. Os judeus liberais e helenistas defendiam a rendição, mas os tradicionalistas e radicais insistiam em lutar. Os zelotes e sicários foram especialmente cruéis na imposição de sua força bruta, em muitos casos executando sumariamente qualquer um que defendesse a rendição. Vespasiano se preparou para lançar um cerco a Jerusalém, mas seus esforços foram interrompidos pelos abalos na própria Roma que sucederam o suicídio de Nero, um evento que iniciou o chamado “Ano dos Quatro Imperadores”. O Ano dos Quatro Imperadores: O primeiro desses imperadores era Galba, que tinha impressionante histórico e credenciais excepcionais. Galba pertencia a uma família nobre e possuía uma grande riqueza, embora ele não tivesse conexão nem por nascimento nem por adoção com os primeiros seis Césares. Ele tinha sido pretor no ano 20, e cônsul em 33, adquirindo em pouco tempo uma reputação como líder capaz e competente. Quando Calígula morreu, Galba recusou o convite de seus amigos de tomar o trono, escolhendo invés disso servir lealmente sob Cláudio. Quando Nero assumiu o trono, Galba se retirou para a vida privada, mas o imperador o chamou de volta em 61, e conferiu a ele a província de Hispania Tarraconensis. Na primavera de 68, conforme Nero se afundava em situações cada vez mais difíceis, Galba descobriu que o imperador planejava assassiná-lo sob suspeitas de deslealdade. O general considerou liderar uma revolta, mas hesitou até que ouviu que Ninfídio Sabino, o prefeito dos pretorianos, tinha declarado seu apoio a Galba em tal golpe. A morte de Nero simplificou as coisas, permitindo que Galba assumisse o título de César imediatamente, depois disso ele marchou direto para Roma onde Ninfídio tentava manter o controle até sua chegada. Porém, Ninfídio perdeu a lealdade dos pretorianos, e foi morto antes que Galba pudesse intervir.


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Quando o general chegou em outubro, os pretorianos o encontraram com uma lista de exigências, mas Galba respondeu de forma violenta, executando muitos deles. Depois de Galba tomou o cargo, ele voltou sua atenção primeiro para o estado abismal das finanças de Roma que decorreram do exagero e extravagância de Nero. Esperando restaurar algum grau de saúde fiscal, ele tomou um grande número de medidas impopulares, a mais perigosa delas foi sua recusa de pagar os pretorianos a recompensa que Nunfídio tinha prometido em seu nome. O próprio Galba era um homem de caráter e lealdade, e ele escarneceu da ideia de que soldados pudessem ser subornados por apoio. Para piorar a situação, ele enojou a turba romana por seu austero desapreço por pompa ou exibicionismo, ambos em grande contraste com o muito mais interessante Nero. Tudo isso, junto com o avanço da idade de Galba, fez o novo imperador muito impopular. Em primeiro de janeiro de 69, duas legiões na Germânia recusaram jurar lealdade a Galba, derrubando suas estátuas, e exigindo que um novo imperador fosse escolhido. No dia seguinte, os soldados restantes na Germânia também se rebelaram, tomando a questão da sucessão em suas próprias mãos, e proclamaram o governador da província, Vitélio, como imperador. Alarmando por sua evidente impopularidade, Galba imediatamente adotou um jovem senador, Lúcio Calpúrnio Pisão Liciniano, como seu sucessor. Porém, ao fazer isso, ele ofendeu muitas pessoas, uma delas sendo Marco Sálvio Otão, um homem influente e ambicioso que acreditava que a honra deveria ser concedida a ele. Otão pertencia a uma família etrusca antiga e nobre, mas ele apareceu primeiro na história romana como um dos mais irresponsáveis e extravagantes a se ligarem a Nero nos primeiros anos de seu reinado. Como já visto, a amizade de Otão com Nero terminou subitamente em 58 por causa da bela esposa de Otão, Popéia Sabina, a quem ele introduzira ao imperador. Pouco tempo depois, Nero e Popéia tiveram um caso que a fez se divorciar de Otão e enviá-lo para a remota província da Lusitânia. Otão permanecera na Lusitânia pelos dez anos seguintes, administrando a província com uma moderação incomum para aquela época. Quando Galba surgiu em revolta contra Nero, porém, Otão o acompanhou a Roma, ainda ressentido do tratamento que ele tinha tido da parte do imperador, mas também movido pela expectativa de que Galba, velho e sem filhos, escolheria Otão como o sucessor. Galba adotou Lúcio Calpúrnio Pisão Luciniano,


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simplesmente tomando-o aleatoriamente na audiência senatorial. Enraivecido, Otão alistou os serviços de um pretoriano de vinte e três anos para ajudá-lo em um golpe. Na manhã de 15 de janeiro de 69, cinco dias depois de Galba adotar Pisão, Otão pagou seu respeito ao imperador no Monte Palatino como era usual, e então deu uma desculpa, para apressadamente encontrar seus cúmplices. Eles o escoltaram ao acampamento pretoriano, depois de alguns momentos de surpresa e indecisão, ele foi saudado como novo imperador. Ele voltou impondo sua força no Fórum, encontrando o imperador aos pés do Capitólio. Galba já tinha ouvido os rumores da traição, e estava cruzando seu caminho pela densa multidão de cidadãos confusos para o quartel quando a coorte responsável pela sua proteção, de repente, se voltou contra ele. Galba, Pisão, e alguns outros foram brutalmente assassinados pelos pretorianos aos pés do Capitólio. A breve disputa estava encerrada, Otão retornou em triunfo, e no mesmo dia ele foi investido pelo Senado com o nome Augusto, recebendo as outras honras pertencentes ao imperador. Otão também pareceu aceitar a designação de “Nero” conferida a ele pelos gritos do povo, sendo lembrados de seu perdido favorito por sua comparativa juventude e afeminação. As estátuas de Nero foram novamente erguidas, seus homens livres e servos da casa reinstalados, e o término da Casa Dourada de Nero anunciada. Otão também acalmou os cidadãos mais tradicionais de Roma ao professar sua intenção de governar com equidade, assim como por sua clemência para com Mário Celso, cônsul-designado, que era um leal apoiador de Galba. Otão teve poucas oportunidades de implementar suas políticas, já que, por causa das notícias de um poderoso exército na Germânia tinham declarado aliança a Vitélio, comandante das legiões do baixo Reno. Ele estava avançando pela Itália, ajudado pelas melhores legiões de elite do império, composta de veteranos das Guerras Germânicas que ajudariam Vitélio a traçar seu caminho para tomar o poder. Otão esperava evitar outra guerra civil e enviar emissários para propor paz a Vitélio, convidando-o a se tornar filho adotivo de Otão, mas já era tarde demais para fazer tais compromissos. Não vendo esperanças de evitar um conflito armado, Otão começou a se preparar para a guerra com vigor surpreendente. Era tarde demais para adquirir ajuda suficiente das províncias mais remotas, mas legiões próximas se juntaram à sua causa, e a formidável coorte pretoriana de Roma vieram a ser seus mais fortes apoiadores. Otão também tinha uma frota eficiente que dava a ele o domínio completo das mares italianos. Os dois lados se encararam em uma série de batalhas, mas Otão foi decisivamente derrotado na Batalha de Bedríaco. Otão poderia ter fugido e tentando


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um contra-ataque, mas invés disso decidiu pôr um fim ao levante e cometeu suicídio. Ele tinha sido imperador por pouco mais que três meses. Quando notícias da revolta alcançaram Vespasiano na Judeia, seus exércitos imediatamente o proclamaram imperador e marcharam para Roma. O próprio Vespasiano foi para o Egito para assegurar seu estoque crítico de grãos, deixando seu filho Tito Flávio para lidar com a guerra judaica. Na medida em que o exército de Vespasiano marchou através da Ásia, o sentimento em seu favor rapidamente reuniu forças, fazendo de Vespasio o mestre de facto de metade do mundo romano antes mesmo que a primeira batalha tivesse sido travada. Enquanto Vespasiano permanecia no Egito, suas tropas adentraram a Itália sob a liderança de M. Antônio Primo, e derrotou o exército de Vitélio em Bedríaco, matando Vitélio e avançando sobre Roma. Seu exército adentrou a cidade depois de furiosa luta e confusão, deixando a maior parte do capitólio destruída pelo fogo. Enquanto isso Tito liderou o ataque final a Jerusalém, colocando a cidade sob cerco em abril do ano 70. Ele cercou a cidade com três legiões pelo lado ocidental e uma quarta no Monte das Oliveiras ao leste. Ele intensificou brutalmente a pressão sobre os suprimentos de comida e água ao permitir que peregrinos adentrassem a cidade para celebrar a Páscoa, mas então se recusou a permitir sua partida. As coisas pioraram dramaticamente quando o estoque de comida seca na cidade foi queimado intencionalmente por seus defensores militantes, um ato cuja intenção era forçar os habitantes a lutar invés de negociar. Lutar eles lutaram, e na verdade, depois de alguns poucos judeus mataram uma quantidade de soldados romanos, Tito enviou Flávio Josefo, um excomandante judeu, agora leal a Roma, para negociar uma possível paz. A tentativa falhou, e o cerco continuou. No decorrer das semanas seguintes, as condições mais horrendas de sede e canibalismo ocorreram enquanto milhares morriam de inanição e doença. Tito tentou sem sucesso em várias ocasiões romper ou escalar os muros da cidade, mas


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enfim, no fim de agosto seus exércitos irromperam, surpreendendo os guardas zelotes que dormiam e tomaram a Fortaleza Antônia. De lá, um ataque foi planejado contra o próprio templo, a última fortaleza defensável. Enquanto torres de cerco faziam pouco progresso contra o imenso trabalho de pedra de Herodes, a luta acabou por incendiar os muros, para o grande desgosto de Tito. Os romanos não tinham intenção de destruir o templo, provavelmente por causa do imenso investimento feito por Herodes poucas décadas antes. Ele sem dúvida desejava transformar o templo em um santuário pagão dedicado a seu pai, o imperador do panteão romano. Porém, as chamas se espalharam rapidamente, e logo era impossível apagá-las. O templo foi totalmente destruído, e como Jesus tinha predito, “não seria deixada pedra sobre pedra”. As chamas também varreram as áreas residenciais da cidade para que nenhuma resistência judaica pudesse defendê-las. Pelo dia 7 de setembro, a cidade caiu completamente sob o controle romano. Depois de sua tentativa de negociar um acordo falhou, Josefo testemunhou o cerco e sua consequência. Sua visão final de Jerusalém é memorável: Depois que o exército romano, que jamais se cansaria de matar e de saquear, nada mais achou em que saciar seu furor, Tito ordenou que a destruíssem, até os alicerces, com exceção de um pedaço do muro, que está do lado do ocidente, onde ele tinha determinado construir uma fortaleza e as torres de Hípicos, de Fazael e de Mariana, porque, sobrepujando a todas as outras em altura e em magnificência, ele as queria conservar para mostrar a posteridade, quão grandes foram o valor e a ciência dos romanos na guerra, para se apoderarem daquela poderosa cidade, que se tinha elevado a tal nível de glória. Essa ordem foi tão exatamente cumprida que não ficou sinal algum, que mostrasse haver ali existido um centro tão populoso. Tal o fim de Jerusalém, cuja triste sorte só se pode atribuir à raiva daqueles revoltosos que atearam o fogo na guerra. E jamais a terra ficou tão desfigurada. Onde outrora havia bosques e árvores frondosas, jardins deliciosos, não havia agora uma única


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árvore, e não somente os judeus, mas os estrangeiros, que antes admiravam aquela formosa parte da Judeia, agora não seriam capazes de reconhecer, nem ver os maravilhosos arrebaldes daquela grande cidade, convertidos em terrenos abandonados e silvestres, sem que tão deplorável mudança os fizesse derramar lágrimas. Foi assim que a guerra de tal modo destruiu uma região tão favorecida por Deus, que já não lhe restava o menor vestígio de sua beleza antiga e podia-se perguntar em Jerusalém, onde então estava Jerusalém. O famoso Arco de Tito ainda permanece em Roma, mostrando legionários romanos carregando os tesouros do Templo, incluindo a menorá. Alguns bastiões de resistência judaica não foram conquistados até 73, mas esses não afetaram o resultado da guerra. O mais notável era Massada, onde, de acordo com Josefo, 960 defensores preferiram suicídio em massa à rendição. Estima-se que a total de mortes tenha sido entre 600.000 e 1.300.000 judeus. De acordo com Josefo, “não havia espaço para a cruzes e não haviam cruzes para os corpos.” Mais de 100.000 pessoas morreram durante o cerco, e quase 100.000 foram levados para Roma como escravos. Muitos fugiram para escapar da carnificina, incluindo descendentes da linha real de Davi. As moedas inscritas Ivdaea Capta (Judeia Capturada) foram impressas por todo o império para demonstrar a futilidade de possíveis futuras rebeliões. Na moeda, a Judeia foi representada por uma mulher chorando. Supostamente, mais tarde Tito se recusou os louros da vitória, ao dizer que “não há mérito em conquistar um povo abandonado por seu próprio Deus.” (Filostrato, Vita Apollonii).


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