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VIAJEM As cavernas, cachoeiras e mata fechada do Petar Relato Prepare-se para cobras sorrateiras, cachoeiras dentro de cavernas, rochas pontiagudas, atoleiros e David Bowie. Leia por sua conta e risco. Após este texto, você se verá hipnotizado a montar no carro e partir. Não digam que não avisei. Aconteceu comigo e acontecerá com vocês. Lá vamos nós:

Chego no Petar, 350km depois da cidade de São Paulo, e sou recebido na Pousada da Diva pelo Junior. Ele me avisa que no jantar será servido no restaurante em frente a pousada, o Mangarito. Estalando de fome e com as malas ainda no carro, vou direto para a pratada. Chegando lá, sou tomado de assalto por uma agitada excursão escolar se esbaldando de panquecas. Duelo com um gordinho pulador para pegar meus talheres, tasco quatro panquecas no prato e vou me sentar.

irrompe pelo salão aberto: “A Tati acabou com a vida dela, vai ficar sozinha pra sempre!!”. Aparentemente a Tati trairou as amigas ao se sentar na mesa do grupo rival. A treta estava plantada enquanto minha mesa e eu, invisíveis, acompanhávamos tudo no meio dos dois grupos. Engraçado lembrar da sensação de fim do mundo que as brigas de colégio nos passavam. Acompanho a batalha mais um pouco e percebo o único desatento à movimentação, o gordinho pulador, entretido com uma calda sei-lá-de-quê que ele tinha sacado da mochila para lambuzar a panqueca. Ah, gordinho ligeiro!

Recupero visão e audição depois da segunda pratada e me dou conta do quão simpático é o lugar, aberto no meio do mato, com luzinhas rodeando as madeiras. Me surpreendo ao ouvir “Changes”, do Bowie, tocando ao fundo, quando, de supetão, um grito agudo

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Volto para a pousada. Amanhã será o primeiro dos três dias que passarei no Parque.

O Petar abriga a maior área de preservação da Mata Atlântica do Brasil. É patrimônio da humanidade pela UNESCO e conta com mais de 300 cavernas e dezenas de cachoeiras. A trilha do Betari é considerada a mais bonita do Parque e, embora seja uma boa pernada (8km no total), é relativamente fácil, contanto que se tenha atenção. Chegamos às oito da manhã e em 10 metros de caminhada recebemos as boas vindas desta cobra (a primeira das duas que cruzamos). Parece alarmante, mas, se olhar onde pisa e apoia, nada demais acontecerá. As cobras não são más, amigo. Pense em como reagiria se um monstro com trinta vezes o seu peso pisasse em cima de você. Pois então, o monstro nesse caso é você, parça. Além da vista, uma das partes mais bacanas desta trilha é que ela não é nada monótona. Andamos no mato, empoleiramos numa escadinha, cruzamos rio por ponte e por água, tudo isso já dispondo de uma vista incrível.

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Na foto abaixo, lá estava eu, feliz como pinto no lixo, num pedacinho do caminho que não dava pé, em uma das pequeninas piscinas que as pedras formam. Eu ficaria alguns meses ali sentadão, só curtindo, mas o Hudison – meu guia sangue bom – me alertou que ainda tinha muito chão para conhecer. E lá fomos nós.

Eis que encontramos a primeira queda, a Cachoeira das Andorinhas, com 35 metros de altura e paredões de pedra ao lado. É impossível não se apequenar diante dela. Uma plaquinha logo avisa, ficar embaixo dela é correr risco de vida. A queda é muito volumosa, mas isso não nos impede de chegar extremamente perto, num pequeno amontoado de rochas que cria uma piscina natural que te permite boiar ou até sentar-se enquanto aprecia a fúria do lugar. Cem metros depois encontramos a Cachoeira do Beija-Flor, com 45 metros de altura, mas menos intensa em volume de água. Ficar embaixo dela rende uma boa massagem.

Lembra do aviso para olhar onde colocamos a mão? Atento que sou, rastreei, antes de tocar, uma aranha fina e feroz, pronta para o bote e alertei no mesmo instante o guia. Eis que ele me avisa que o feroz animal é realmente um aracnídeo, mas fala também que ele é menos ameaçador que uma formiga. Na verdade, sua defesa é semelhante a da Maria Fedida, apenas solta um cheiro desagradável ao se sentir ameaçada. Escapei dessa com vida. Chegamos na primeira caverna, a Cafezal, ótima iniciação. Curtinha, deu para andar até um ponto onde não se via mais nada. Parece bobagem, mas quando no meio do dia a sua vista é esta aqui, você fica um tanto surpreso: A coisa vai esquentando e chegamos na próxima, a Caverna Água Suja, dona de salões gigantescos que, mais de um quilômetro adentro depois, nos recompensam com um banho surreal de cachoeira na total escuridão, algo inesquecível e diferente de tudo que eu já tinha experimentado.

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A terceira caverna tem um mirante que sacode a gente. A Caverna Morro Preto proporciona uma vista grandiosa e fiquei uns 30 minutos sentado, sem fazer nada, só olhando o contra-luz inundando toda aquela escuridão. Não sei porquê, mas fiquei pensando no Inferno de Dante enquanto olhava aquilo tudo.

sendo massageado nas costas por centenas de litros d´água, dentro de uma piscina natural acolhedora.

No total, a trilha do Betari, com oito quilômetros, começou oito da manhã e só acabou cinco da tarde. Tinha sido um primeiro dia e tanto, agora era hora de se preparar para o que, segundo o HuNo final do passeio, uma última recom- dison, seria o dia realmente puxado. pensa nos esperava. Uma pequena ca- Nove da noite eu já estava capotado, o dia seguinte choeira, com cerca de 6 metros e óti- começaria antes do sol ma intensidade. Foram mais 20 minutos

TEMIMINA Quatro e meia da manhã de pé, comi feito um bezerro desmamado e, depois de um balde de café, era hora de pé na estrada. Saímos às seis, de carro, e chegamos às oito na entrada daquele setor do Parque. Só é permitido adentrar ali das oito até às dez da manhã, pois o trajeto é bem demorado e, entrando depois das dez, a chance de retornar a noite é muito grande. Por mim, depois de estacionar o carro já dava para sair caminhando pelo local, mas fui parado pelo Hudison e alertado que, como aquele era um lugar pouco visitado nesta época, precisaríamos de caneleiras para evitar as cobras. A brincadeira tinha realmente começado. As caneleiras pretas eram de couro com um revestimento interno mais duro. Começavam na base do joelho e se abriam como um leque até o meio dos nossos calçados. Andar o dia todo com aquilo já seria por si só um bom teste de resistência. Finalmente estávamos chegando no mundo perdido!

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O Mundo Perdido Um imenso salão de cerca de cem metros se erguia imponente no meio de lugar nenhum. A caverna havia desmoronado parte de seu teto e o rasgo de céu que a nova claraboia abriu fez com que uma pequena floresta se criasse ali, bem no centro da caverna. Árvores altíssimas não chegavam nem bem na metade do vão de luz, que deveria estar a cerca de 50 metros ou mais do chão. Era lindo, bruto e grandioso. Conforme íamos nos afastando da entrada, ao olhar para trás, eu tinha a nítida sensação que lá no começo tínhamos passado por um tesouro descoberto. Continuamos buraco adentro. Eu podia sentir algo de fantástico mudando no ar e o Hudison me disse para ficar preparado, estávamos prestes a chegar no nosso destino e ver algo realmente impressionante. Nas cavernas, a temperatura cai assim que se entra, mas desta vez foi diferente. Enquanto saímos do pequeno riozinho que nos cobria até os joelhos, pude sentir o calor voltando. Ainda não estava claro, ainda não tinha horizonte em vista. Foi então que, subindo cerca de dez metros de rochas desmoronadas, eu vi. Cara, eu vi.

Daqueles lugares que nos dão respostas sobre a vida apenas por existirem. Meu registro, escrito e fotográfico, com certeza não dará conta nem da mais ínfima parte daquele pedaço de mundo. Rochas reluzindo em azul contrastavam com um branco esverdeado da luz. Uns passos à frente e tudo começava a esquentar e as primeiras notas de amarelo surgiam como que por mágica. Era possível se sentir único apenas por poder dividir a existência com aquele pedaço de terra. Se cada um tem sua religião, aquela com certeza era a minha igreja. Depois de passar cerca de uma hora naquele templo da natureza, era hora de regressar à civilização. Os trovões já podiam ser ouvidos aos montes, a trilha era árdua e íngreme. Tínhamos poucas horas para retornar. Depois de passar cerca de uma hora naquele templo da natureza, era hora de regressar à civilização.

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Por fim, chegamos bem na pousada. Ela estava sem luz. Naquela região, isso era comum durante estas tempestades. Meus pensamentos estavam em um só lugar, na tristeza da cozinha escura e na fome que iria me comer até a luz voltar. Mas se o homem já venceu a escuridão milênios atrás, por que não haveria de fazer novamente agora? Sentado à luz de um lampião, vejo duas mulheres passarem pela porta com panelas do tamanho de bacias de bebê. O cheiro de feijão quente inundava a escuridão e só foi rompido pelo terceiro panelaço de linguiças aceboladas quentes e defumadas. Fui dormir logo depois, ouvindo o barulho da água escorrendo pela calha e o ventilador baixinho que me fazia puxar o lençol. Era o fim de um dos finais de semana mais empolgantes que já tive. Hora de fazer as malas e retornar para a capital.

fascinado pela Pousada da Diva, que me abrigou nestes dias. Comida sensacional, ótima localização, acomodações confortáveis e boas camas. Além de me ajudarem a fazer ajustes no roteiro, me cederem o Hudison, o melhor guia que eu já tive. Atencioso, sangue bom, paciente e disposto, me salvou de uns 10 tombos homéricos e me deu uma força gigante nas fotos. Se você for pra lá, avise o Hudison que comprarei um tênis antiderrapante da próxima (gênio, fui com um tênis de futebol de salão. Gênio!). É absurdo ter feito tanta coisa em apenas três dias. Espero que tenham gostado da aventura e que tenham ficado empolgados para viverem as suas por lá! Aqui embaixo nos comentários postarei uma lista de dicas práticas e rápidas que vão ajudar MUITO aos que forem pela primeira vez.

Antes de acabar o texto, preciso fazer um jabá honestíssimo. Fiquei

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LIVROS DE MONTANHA E EXPLORAÇÃO Tão bom quanto curtir o silêncio na montanha é ler um livro que cause sensações de liberdade, paz e aventura. Na minha opinião, livros são verdadeiras ferramentas de estudo e compreensão da vida. E, se bem lidos, podem nos dar boa bagagem de conhecimento – independente do assunto. E claro que o montanhismo se inclui nisso.

pesquisas e também por certo engajamento no mundo do outdoor, mas está longe de ser uma lista completa – e nem tem o objetivo de levantar a bandeira de melhores livros. E preciso dizer que não é uma lista fechada, ainda há uma série de livros que pretendo adquirir. Enfim, se trata apenas de uma relação de títulos que compõem o meu acervo pessoal, que foi construÉ difícil nos limitarmos a ir apenas para ída ao longo dos últimos anos. E que a montanha sem querer mergulhar no deu vontade de dividir com vocês. assunto. Eu, pelo menos, gosto de saber quem foram os pioneiros, o que fi- Muitos desses títulos literários menzeram, como fizeram. Enfim, gosto de cionados abaixo já não existem mais histórias de aventura, principalmente em livrarias, sendo assim estão fora de conhecer os feitos extraordinários, os catálogo e só podem ser encontrados que marcaram época e os que muda- em sebos – entenda-se também Estanram o mundo de alguma maneira. te Virtual. Cabe dizer também que são obras estrangeiras e brasileiras, alguE já faz alguns anos tenho coleciona- mas clássicas e outras nem tanto. Endo livros de montanha e exploração. tão, o objetivo do post é ajudar o leitor Como disse, são temas que gosto bas- a descobrir livros que talvez não cotante e que me faz ficar próximo da nheça e também de abrir espaço para aventura durante o período que não que os leitores do blog possam indicar posso estar. Ou seja, essas obras são obras não citadas. ótimas válvulas de escape para aquietar a alma. E a biblioteca que adquiri ao longos dos tempos foi através de

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A Escalada: A verdadeira história da tragédia do Everest A Morada Dos Deuses: Um repórter nas trilhas do Himalaia A Pior Viagem do Mundo: A última expedição de Scott à Antártica Aconcágua: O cume e depois morrer Annapurna: O primeiro cume de mais de 8 mil metros conquistado pelo homem Em Busca da Alma de meu Pai: A jornada de um Sherpa ao cume do Everest Linha-D’Água: Entre estaleiros e homens do mar Livre: A jornada de uma mulher em busca do recomeço Meditação Andando: Guia para a paz interior Morte e Vida no K2: O relato de um dos maiores desastres na história do montanhismo Na Natureza Selvagem: A dramática história de um jovem aventureiro O Caminho: Uma jornada do espírito O Último Lugar da Terra: A competição entre Scott e Amundsen pela conquista do Pólo Sul Paratii: Entre Dois Polos Transpatagônia: Pumas não comem ciclistas Trilhas: A incrível jornada de uma mulher pelo deserto australiano

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