Alba Costa Maciel Iara Costa Strobel
Uma Riqueza Inestimável Fragmentos de lembranças da família Abreu Costa.
1ª Edição Abraão | Ilha Grande Eco Editora Ilha Grande 2014
ECO Editora Ilha Grande
Endereço: Rua Amâncio Felício de Souza, 110. Abraão 23968000- Ilha Grande: Angra dos Reis - RJ Tel. 00-55 (024) 3361.5094 E mail: oecojornal@gmail.com Capa: Iara Costa Strobel Diagramação: Karen Garcia Fotos: albuns de família Desenhos: Iara Costa Strobel Revisão: Silvia Anderson
M152r Maciel, Alba Costa Uma riqueza inestimável : fragmentos de lembranças da família Abreu Costa/ Alba Costa Maciel ; Iara Costa Strobel. -- 1. ed. -- Angra dos Reis (Abraão, Ilha Grande) : Eco, 2014. 150 p. : il. ; 16 x 24 cm
1. Memórias de família 2. Paranaguá, Paraná – História I. Strobel, Iara Costa II. Título CDD 981.62
Vá em busca do teu povo; Ame-o; Aprenda com ele; Planeje com ele; Sirva-o; Comece com aquilo que ele sabe; Construa sobre aquilo que ele tem. KWAME n’KRUMAH
APRESENTAÇÃO História, historinha, de D. Mariquinha e do Pedro Marquez, quer que conte outra vez? Esta história começou com uma conversa do Júnior (Alcides Antônio) num dos nossos frequentes encontros em Ituverava. Ele me disse: - Alba, por que você, que gosta tanto de escrever, não conta a história da nossa família. Meus filhos desconhecem totalmente essas nossas raízes. Creio que você, que é a mais velha das netas da Vó Baby, seria a pessoa mais indicada, pelas lembranças mais nítidas e mais antigas da família. Este gatilho desencadeou um turbilhão de lembranças que foram passadas para o papel (lepinho), do jeito que surgiam em minha memória, sem a preocupação de “ passar à limpo”. Quando o primeiro jorro ficou pronto enviei para a Iara, a segunda das netas de vovó que, de pronto, apaixonou-se pela idéia e incorporou-se maravilhosamente ao texto, enriquecendo nosso passado. Além do mais, nossa artista plástica abriu o leque da iconografia familiar, resgatando imagens maravilhosas, entremeando-as à escrita. Como conseguimos tudo isso? Lógico que não foi nenhuma metodologia, pois a formalidade não caberia na emoção, mas houve um esforço disciplinado na busca do nosso passado. Vamos lá. Enquanto existiu a casa de Matinhos, todo ano íamos, eu e Cristina, passar uma semana com as tias, antes delas subirem para Curitiba. Nessas ocasiões, eu anotava o que a tia Lúcia contava sobre os “ causos” da família. Casos saborosíssimos, totalmente desconhecidos da gente e, também, episódios marcantes, que poderiam figurar – e figuram – na história do Paraná. Como boa pesquisadora que é, nossa Iara garimpou na Internet, na Genealogia Paranaense e em outras fontes, tais como os Anais da Província de São Paulo e do Senado Federal, já na República, a comprovação de alguns dados, vindo mesmo, a descobrir outros. Um fato que enriqueceu sobremaneira nossos escritos foram as cartas trocadas entre os familiares que foram guardadas por meu pai e entregues a mim em passado longínquo. Nunca tive co-
ragem para lê-las, só agora, que elas iriam tornar-se vida, eu me arrisquei. Procurei estar só, lá na Ilha Grande, tendo o mar e os pássaros por testemunha e mergulhei nelas. Lógico que na primeira noite tive uma enxaqueca desabante, mas continuei, entremeando as leituras com banhos de mar, para aguentar o tranco... Estão, agora, ilustrando a vida de muitos dos nossos queridos personagens e estão comigo, para quem quiser vê-las e, lógico, chorar bastante. Nessa lida, descobrimos características dos nossos pais e tios, que os primos jovens não saberiam mesmo, muito menos a nova geração, formada por meus netos, netos de Iara, da Iva, do Junior e os vindouros... Para mim, restou a satisfação de recuperar pedaços das vidas, realmente vividas pelos nossos queridos ancestrais. Não foi um texto composto racionalmente, como já perceberam, foi a transcrição de muitas emoções, contextualizadas em imagens marcantes, com muitas cores, sabores e, até, fundo musical. Começamos a escrever, em Matinhos(PR), continuamos em Ituverava (SP), Niterói (RJ), Ilha Grande (RJ), Londrina (PR), Posse (GO) e concluímos em Curitiba (PR). Passeamos bastante, para ter contato direto com os familiares/ personagens da nossa história. O intuito sempre foi a busca da veracidade dos fatos e o calor de todas as vidas retratadas. Espero que o meu irmão e todos os nossos queridos primos e descendentes se encantem com esses retalhos da nossa história. Tudo foi feito para eles, temperado com muito cuidado e amor. Acho que eu e a Iara fizemos a contento o “ dever de casa.”
DEDICATÓRIA
Aos nossos avós, pais, mães, tios, personagens vivos dessa história, hoje representados pela querida Marilú. Aos descendentes, que já são muitos, e a todos aqueles que direta ou indiretamente participaram deste trabalho, lembrando que um olhar para o passado constrói com mais firmeza nossa própria individualidade.
AGRADECIMENTOS
Este Trabalho mexeu muito com a gente. Precisaríamos da Roberta em muitas ocasiões. No intuito de realizá-lo, andejamos muito por esse Brasil. Usufruímos do carinho dos Costa Maciel, em Ituverava (SP), fomos parar nas veredas dos Costa Anderson, na Chapada dos Veadeiros (GO). Nosso ponto de apoio não foi fixo. Fomos orvalhadas pelo mar e montanhas da Ilha Grande (RJ), onde contamos com todo o apoio de Nelson Palma e da Eco Editora Ilha Grande; recebemos lufadas dos ares progressistas de Londrina (PR) e o eterno aconchego do berço curitibano. Quanto aos protagonistas e figurantes desta saga, sintam todos, em seus corações, o nosso agradecimento. Este livro é uma forma de homenageá-los, assim como de brindar e conservar, com muito amor, as vidas dos nossos ancestrais. ALBA E IARA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 13
A CASA
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NOSSOS AVÓS: BABY E SINHOCA
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NOSSOS PAIS E TIOS
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A CHEGADA DOS NETOS
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ARQUEOLOGIA FAMILIAR 107
FINALIZANDO, POR ENQUANTO
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REFERÊNCIAS 125
APÊNDICE 1: CRONOLOGGIA
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APÊNDICE 2: ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES
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ANEXO 1: ÁLBUNS DE FAMÍLIA E OUTROS GUARDADOS
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A CASA Era um sobrado antigo, meio amarelo-manteiga, com uma grande porta de entrada, pesada, um tanto descascada e vincada de muitas pinturas – a pátina natural do tempo - e quatro grandes janelas com vidros quadrados e venezianas marrons. Davam para a rua. Ainda da rua, estando de frente para a casa, via-se gateiras, tapadas por grades bem fechadas e, no segundo andar, uma sacada de ferro batido trabalhado em curvas graciosas. Um muro alto e um portão, também de ferro, protegiam um quintal enorme.
Por lá passavam pessoas bem vestidas, os homens invariavelmente de chapéu e vendedores de tudo. O que mais marcava eram as grandes carroças de altos toldos balouçantes. Vendiam verduras, ovos, mel, leite, galinhas e outras mil coisas. Havia pregões interessantes anunciando os produtos da terra: “merdabéia
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iolovendo...”1 Na maioria italianas, de Santa Felicidade, tinham freguesia certa. Os sucos de uva eram feitos com “Tercy e Bergerac”, compradas em cestas . Seguiam seus caminhos oferecendo “mio, fissón, patata, óvo”, estalando os chicotes à frente para apressar os cavalos, para trás para espantar a molecada ávida por uma fruta... Os carroções eram completamente diferentes das carrocinhas da minha terra, (Igarapava) que não tinham toldo e eram puxadas por um único cavalo. Uma vez passou por lá um grupo de belos homens jovens a cavalo, em uniformes. Conversavam com minhas tias e faziam manobras arriscadas com os belos animais, as ferraduras batiam como castanholas na calçada. Soube que um deles era primo e se chamava João Carlos. Bem defronte à casa ficava o consulado da Polônia. O cônsul devia ser um naturalista, pois havia vitrines com bichos estranhos, como uma enorme tarântula que, diziam, tinha sido apanhada em Paranaguá. Uma pele de tigre com cabeça escancarada de dentes, estendia-se na sala principal, para minha curiosidade e estranheza. Havia uma moça bonita, bem loura de olhos bem azuis, amiga das tias Maria e Iva. Era a Krisha. Apesar de filha de cônsul era bem simples. Vestia-se com mais modéstia do que minhas tias. Meu pai havia morado naquele casarão quando estudante.
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Mel da abelha, eu vendo...
Fig.1 - Antigo Consulado da Polônia
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À época aquela grande casa era um pensionato de estudantes. Para nossa lembrança e nostalgia, o casarão ainda está bem inteiro. Sobreviveu. Mas, nem tudo era maravilha naqueles tempos. Para mim, a mais terrível lembrança era o dia da “carrocinha”. Homens impiedosos (na nossa cabeça), apanhavam os cachorros soltos na rua com uma espécie de puçá reforçado. Diziam que faziam sabão com os coitados e nós tremíamos de indignação ficando uma sensação amarga de impotência e revolta... Outro fato muito significativo para uma cabeça de criança eram as noites de Black-out. Os adultos diziam que serviam para preparar-nos para uma eventual guerra. Difícil era ficar no escuro absoluto! Sabíamos, também, nas entre conversas, de famílias de alemães sendo perseguidos, principalmente em S. Catarina. Dentro da casa, tudo era beleza e bondade. Um clima de sonho. Adentrávamos no corredor após subir dois largos degraus. Aparentava-se larguíssimo e acho que era mesmo. Desembocava, depois de um correr de muitos metros, numa grande sala de jantar. Lá, era o centro da casa, onde ficava, além da grande mesa e de um lindo louceiro, também a máquina de costura da Vó. À esquerda, localizava-se a cozinha e, à direita, o banheiro. Mas, antes de chegar à sala de jantar, passava-se pelos quartos e pela sala de visitas. O quarto da Vó era o primeiro à esquerda, mobiliado como todos conhecem– hoje os móveis estão com Fernando Oswaldo e Virgínia – lindos como no primeiro dia. À direita ficava a sala de visitas. Eu me encantava! Era aberta raramente. Tinha um lustroso e coleante gramofone cromado dentro de um belo móvel cor de pinhão. Abria por cima. Na parede de frente ficava o piano, um Essenfelder de imbuia. Tinha presos, candelabros e a madeira trabalhada em arabescos sobre fundo vermelho. Da venda dele surgiu a casa da praia... há mais de cinquenta anos. Completava a sala belo conjunto de cadeiras com e sem braços, conversadeira ou namoradeira e mesinhas ovais altas no meio e nas laterais. As janelas davam direto para a rua. O que fascinavam eram alguns buracos de rato nos rodapés escuros. Imaginava-se um mundo paralelo a
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partir deles, fato incensado pela imaginação da Tia Maria, contando histórias de camundonguinhos simpáticos que lá moravam. Uma espécie de avant-première das matinadas com Tom e Jerry que todos nós adorávamos, sempre acompanhados da tia Maria, alguns anos mais tarde. O piso de toda a casa, com exceção da cozinha e do banheiro, era de largas taboas escuras onde os saltos dos sapatos faziam um ruído característico para cada pessoa. Ninguém usava chinelos. Amanhecia-se vestido e bem vestido. Pelo som do salto no assoalho adivinhava-se a pessoa que chegava. Dessa sala saía-se para um outro quarto meio escondido. Lembro-me que era das tias Zilda e Maria e, um dos alumbramentos de infância que tive foi, um dia, ao abrir a janela ver, brotando do chão, lindíssimas papoulas vermelhíssimas, bem delicadas em um tapete verde donde surgiam daqui e dali morangos silvestres. Não se tratava de hibiscos, não, eram papoulas mesmo! Nunca mais vi iguais, só na internet! Deste último quarto podia-se ver um tanque rasteiro. Bem baixinho, com uma torneira comprida. O Sheik bebia água ali. Avistava-se, também, pequena horta. Lembro-me de comer “azedinha”, uma espécie de trevo que tia Iva arrancava e me ensinava a comer. Couve também comíamos crua e sem lavar. Ninguém morreu por isso! Da sala de jantar saía o banheiro, à direita, equipado com uma grande banheira branca de ferro (ágata) com o fundo descascado, bem preto e um pouco áspero. A água do banho era amornada pela serpentina do fogão à lenha. Era o único da casa e dava para todo o mundo. Ouvíamos o tio Fernando cantar, quando tomava banho, com sua bela voz: “Canta, Maria, a melodia singela, canta que a vida é um dia, que a vida é bela minha Maria...” E eu, pensava que ele se dirigia à tia Maria... 2À esquerda havia a cozinha com armários de tela e fogão à lenha. Era diferente dos de Igarapava pois era curto, tinha portinhas e usava lenha bem cortadinha, achas curtas, “boca” pequena. Não tinha “rabo” como os nossos, que usavam lenha bem com2 De Ary Barroso
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prida – quase 1m de tamanho. Acho que os curitibanos sofriam a influência estrangeira. Acho não, tenho certeza. Havia portinhas para tudo: para forno, para cinza, etc. A chapa cobria todo o fogão estendendo-se o calor conforme a proximidade da “boca” e, era contornada por um cano de metal de um latão especial, amarelado, creio eu. Vovó fazia para as filhas bonequinhas de achas de lenha bem pequenas, colocando lenço na “cabeça” e enrolando-as em panos. As filhas adoravam essas bruxinhas. Nos nossos fogões, os paulistas, podíamos sentar no rabo do fogão para bater papo e esquentar um pouco no inverno. Tomar leite queimado quando tínhamos tosse e fazer pipoca. Ao lado da cozinha havia um cômodo meio escuro, não sei porquê, acho que não tinha janelas, onde guardava-se um pilão
e sacos de mantimentos dentre outras coisas. Fig.2 - Pilão Havia um gancho dependurado atrás da porta para “puxar” balas de coco, o que era magistralmente feito por tia Diva, alta e forte, com a pele fina e cor de rosa do rosto, o que levava as irmãs a chamá-la de “polaca”. Parecia, mesmo, uma estrangeirinha. A medida de seu tamanho era a medida da sua doçura e da sua dedicação. As balas de coco eram feitas de coco de verdade, ralados e espremidos no pano bem limpo, para se tirar o leite que depois de misturado ao açúcar e levado
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ao fogo para apurar deveria ser “batido” e puxado utilizando-se o gancho. Uma trança meio mole, quente, grossa e transparente surgia e, aos poucos, enquanto era “puxada” ia, como mágica, tornando-se bem branquinha. Neste momento devia-se esticá-la e transformá-la em longas tiras. Essas tiras eram colocadas rapidamente sobre uma toalha bem branca sobre a mesa da sala e, deviam ser cortadas em pedacinhos bem pequenos, ainda quentes, antes que açucarassem, por tesouras “Ramos Pinto” (brinde da famosa marca de Vinho do Porto). Essa bala ajudou muito a família, era vendida nas bombonières chics da Rua XV (Maçon). Em carta de setembro de 40, tia Lúcia narra para vovó, que estava em Igarapava para o meu primeiro aniversário. “A fábrica continua em franca atividade, mas ainda não conseguimos economizar. No saco que compramos não tinha um só coco estragado, pagamos 40.000, mas ficamos com cocos escolhidos. Fiz um jogo com o auxílio da Diva que esmerou-se no ponto paris. Não fazem ideia o quanto sentimos não passar o dia 23 aí. A senhora está aí, não podíamos ter melhor representante.” Uma vez, tia Lúcia nos contou que a receita da bala foi trazida por papai de Igarapava. Acredito, pois na minha terra sempre houve doceiras fabulosas, como até hoje, uma tradição um tanto mineira, aliás, eu e Junior, incluindo os descendentes dele, somos bastante mineiros. No final do corredor, antes da sala de jantar, a esquerda, havia uma escada bem íngreme que levava ao sótão. Ali ficava o quarto da tia Lúcia e foi onde eu dormi no ano em que passei com a Vó, na grande cama de ferro que hoje está com a Iara.
Fig.3- Cabeceira da cama
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Misteriosíssimo quarto! Rodeado de paredes de madeira que tinham, bem camuflada, uma entrada para um ambiente de outra dimensão: malas, objetos antigos, uma espátula, berço, móveis desmontados, enfim, tudo o que fazia brilhar a imaginação de uma criança. Amava aquele sótão. Uma vez, brincando de médico, coloquei na barriga da Iara um pesado trépano. Não sei como ela não reclamou! Além de tudo isso havia a sacada, que já foi vista anteriormente. Funcionava como uma proteção de ferro desenhado, por onde entravam galhos de um lindo plátano. Minha vontade suprema, mas nunca concretizada, era descer da sacada pelos galhos do plátano até a rua. Talvez matasse minha avó de susto! Soube que, uma vez, tia Iva e uma prima (Ilka) cuspiram na cabeça das pessoas lá de cima e quase apanharam! Desse quarto no sótão, saía uma porta para um quarto pequeno que tinha uma grande janela. Tio Fernando ficava neste quarto e tinha o hábito de dormir com a cabeça no sereno, isso em Curitiba, lembre-se! Acordava cedo e fazia uma corrida até a rua Chile, na altura do Hospício ( Hospital Nossa Senhora da Luz). Hábitos de atleta, sempre, desde jovem. Na grande sala de jantar fazíamos todas as refeições. Esta mesa, hoje, está na minha casa e, quando passo por ela, murmuro sempre um agradecimento ao acariciar aquela madeira macia que presenciou e participou de tantos eventos, alegres e tristes da nossa família. No ano de 2012 foi aberta muitas vezes para celebrar aniversários de pessoas muito queridas como João, meu neto, que já tem uma princesa – Manuela Yumi-, ou seja, aquela mesa serviu a seis gerações. No dia 13 de fevereiro foi novamente aberta para o aniversário do meu amado filho João Luiz, em Niterói, com a presença do Junior e Cristina. Obrigada, minha querida Maricota por me dar essa preciosidade e obrigada, também a todos os primos, que concordaram com isso! Obrigada a meu filho João Luiz, que fez uma grande e exaustiva viagem, acompanhado de Fernando Oswaldo para resgatar estas preciosidades antes da venda da casa da praia antes que, muito provavelmente, desaparecessem da nossa família, do nosso zelo
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e do nosso encanto. Numa retrospectiva registro, após conversa com Marilú, que, ao redor dessa mesa, na década de 30, reuniam-se os amigos do meu pai – Virgílio, Cangerê, Ivan Maldonado, Mancini e outros – todos estudantes da, hoje, Universidade Federal do Paraná . Às vezes tomavam o café da manhã com a família que os adotava temporariamente. Adoravam o Vô Sinhoca que, nesta época, tinha uma rinha de galos que os divertia bastante. Cuidavam dos galos, afiavam suas esporas, colocavam azul de metileno nos machucados (bobas). Tia Diva também ajudava a curar os galos, esfregando álcool com mentruz nas pernas e pescoços, para endurecer a pele.
Fig. 4- Vovô Sinhoca tratando galo
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A toalha que era usada na mesa para o café da manhã era diferente daquela usada para o almoço e jantar, tradição obedecida pelas tias Lúcia e Maria mesmo na praia, em Matinhos. O zelo que sempre tiveram em preservar os costumes da Vó lembrava-me um poema do Juan Ramon Jimenes: “Que fique a seu jeito a sua lembrança...”
Fig. 5- Tias bordando Em torno dessa mesa também acontecia a roda de leitura de livros (Max Du Vésur, Mme. Dely e outros do gênero), em voz alta, por uma das tias, em especial, quando estavam bordando o enxoval de algumas delas que ia se casar. Inesquecíveis as sopas, servidas antes do café com leite tradicional dos curitibanos. Algumas vinham com um grande osso na sopeira. Eram deliciosas, lembro-me, em especial da de mandioquinha (batatinha salsa ou baroa em outras partes do Brasil). Fumegavam, no começo das noites frias de Curitiba. Por que será que hoje em dia não vemos osso nas sopas? Seria um costume do sul? No almoço, o feijão era sempre do preto, diferente do paulis-
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ta e do mineiro - mulatinho, mas igualzinho ao dos cariocas... Voltando à casa, ou melhor, à cozinha, dali se estendia o quintal, que, na verdade, era uma chácara. Logo ao descer a escada, havia o tronco escuro e as raízes retorcidas da famosa magnólia, árvore belíssima de folhas verde-escuro-lustrosas e flores enormes e brancas. Soube que, uma vez, a primeira esposa do Augusto Scherer (nosso primo querido que já mora no céu) , colocou uma dessas flores no cabelo para ir a um casamento. Original, a moça! Tio Alcides costumava ameaçar a tia Maria com os sabugos da magnólia para que ela dissesse que gostava dele. Vovó interferia, dizendo que era judiação fazer isso com a menina, mas ela era apaixonada por ele. Chegou a fugir de casa e ir de pijaminha até a estação de trens para acompanha-lo a Igarapava. Um pé de amoras enfeitava o fundo do quintal , e salpicou de roxo toda a frente de um vestidinho de cambraia branca, numa escapulida gulosa pelas frutas maduras. Algumas pereiras davam uns frutos duros que só davam para fazer doce - sopa de pêra. Nêsperas – ameixa amarela-, meio azedas, também existiam no quintal. Na parede, ao lado da casa havia uma planta que dava uns crocotós que, esfregados no chão produziam uma gosma esverdeada: titica de galinha, é claro! O chão da cozinha da casa da Vó tinha um assoalho de tijolos, alguns já furados de tanto uso.3 Era um lugar mágico com o fogão à lenha crepitando no inverno curitibano, a trempe, velha conhecida dos que frequentaram o Recanto Praiano, com as panelas brilhando, os cheiros de comida gostosa. A chapa do fogão servia para secarmos o ossinho do peito de frango para tirarmos a “sorte”. Fazíamos um pedido e cada um dos dois participantes do jogo quebrava o osso ao meio. Aquele que ficasse com a maior parte iria ser agraciado com o pedido. Ninguém podia saber qual era, senão não vingava! Havia, também, um forno de tijolos e barro, do lado de fora, mas nunca vi ninguém acender ou fazer pão ou biscoitos nele, o que era comum em Igarapava. 3
O piso da área dos fundos da fazenda do Nuno em Goiás é igualzinho!
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Fig. 6- Iara e Júnior em frente ao forno
No entanto, tia Marilú conta que quem usava este forno era um casal, que morou por um tempo no depósito que havia no quintal. A Lula, muito amiga da mamãe ( Diva) fazia pães e roscas e sempre dava algumas para a vovó. Já fora de uso, em sua boca tinha um depósito de lenha e embaixo, um cantinho abrigado para o Sheik. Este cachorro tornou-se uma espécie de animal mágico para mim. Não é da minha época, mas as histórias de suas peripécias me encantavam. Subia no pé de vime, trazia ovos dos ninhos sem os quebrar deixando-os na porta da cozinha, acompanhava as crianças em todas as brincadeiras. Fazia parte da turma! Certa vez, voltou sozinho desde a fábrica de vidro, no Abranches, até a André de Barros. Só conheci a Retrós4, uma pequinês que depois de muitas peripécias como até um atropelamento por um caminhão, foi parar na casa da minha avó Bertha. Bem no final do terreno corria um regatinho rodeado de 4 Ela ficou com o olho fora da órbita e tia Diva empurrou-o para dentro. Ela viveu muito bem com o olho implantado até morrer..
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“copos de leite”. Não é saudosismo de infância não, é pura verdade, tudo era muito lindo! Não se pode esquecer a casinha da D. Cota, vizinha dos fundos, da qual nunca vi a cara. O que via eram as grandes e gordas galinhas que fugiam para o quintal da vó e estragavam a horta. Tio Fernando ficava fulo e ameaçava fazer uma canja com elas. Havia também, uma cerca de tábuas presas só por cima, dançavam as de baixo. Separava a casa da vó da casa do Dráusio Lobo. Tias Zilda e Maria, certa vez brigaram por causa de uma caixa de giz colorido. Depois da briga, tia Zilda picou todo o giz e jogou tudo por cima da cerca, de raiva! Numa carta da tia Lúcia, em 48, lia-se: “Agora a pouco apareceu um coelhinho cinzento no quintal. Só vendo a folia que as tias Zilda e Iva fizeram,” Coloquem-se neste ambiente e, imaginem, então, um fundo musical: o piano da vó que, com seu talento e ouvido apurado tocava belas melodias de seu tempo. Músicas aprendidas de ouvido a partir de sua mãe: vovó Luz e de seus irmãos, que possuíam os mesmos dons. Lembro-me da “Casa das três Meninas”, que, hoje, adoraria ouvir novamente, pois é a marca da minha casa ( tenho, graças a Deus, Vitória, Lis e Yumi, minhas três meninas da novíssima geração, nascidas em 2012). Mazurcas alegres, xotis e a “Marcha da Princesa Isabel” soavam pela casa, esta última, ao que parece, foi composta para a própria e gravada pelos ouvidos dos irmãos, nossos tios avôs e captada pela vó, ainda menina. Ainda tenho a melodia na cabeça. Uma vez ela me confessou que seu sonho era sentar-se ao piano e tocar, pela partitura, as valsas de Strauss... Ela não lia música!.. , mas tocava, como tocava.. As partituras nunca lhe fizeram falta e ela não sabia... O natal era sempre festejado e o que ficou na minha lembranca como comemoração central, era uma reunião festiva, alegre, a árvore linda e iluminada, coberta por flocos de neve o velhinho carregando um grande saco vermelho cheio de presentes, mesa com frutas secas, castanhas e outros pratos típicos da festa. O pinheirinho era enfeitado com muito carinho, comprado na porta, cultivado por camponeses durante parte do ano justa-
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mente para o natal. Na casa da Vó era uma araucária, na casa de D. Berta era pinheiro europeu, cada um mais lindo do que o outro. Marcou-me muito mais como uma grande festa da família do que festa religiosa. Em Igarapava acontecia de modo diferente. Minhas primas primavam na organização do presépio, que tinha laguinhos de espelho com patinhos de celuloide nadando, forrado de capim e enfeitado com muito papel crepom para envolver de carinho o menino Jesus, sua sagrada família e os reis magos. Bichos havia dos mais diversos bois, cavalos, galinhas e tudo o mais que existia em nosso entorno. Falava-se na Missa do Galo, não havia velhinho mas, sim, troca de presentes e muita comida mineira na mesa, como, por exemplo leitões assados inteiros, cabritos, carneiros, arroz de forno e bolos de natal. Era também festa de família, mas havia um clima de religiosidade suspenso no ar. E não havia pinheirinho, só mais tarde os igarapavenses aderiram, também à árvore, que hoje, com a globalização, é universal.
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NOSSOS AVÓS: BABY E SINHOCA
Fig. 7- Nossos avós Baby e Sinhoca
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BABY A casa girava em torno da vó Baby, que tudo comandava com doçura e sem grandes exigências. Balançava-se em sua cadeira e assoviava sempre músicas melodiosas, algumas de carnaval que ela adaptava ao seu ritmo mas, a grande maioria eram as mesmas que tocava ao piano. Estendia a perna direita, muito branca e completamente sem manchas, para auxiliar o embalo da cadeira, aquela, que todos conhecem e que tem uma argolinha de madeira como enfeite que, todos nós, adorávamos fazer girar... Sempre fazia alguma coisa com as mãos, de preferência crochê e bordados. Também consertava e cerzia roupas, pregava e reforçava botões. Segundo a tia Maria, dizia que roupa tratada desta maneira durava mais dez anos. Existe até um ditado popular “ conserta seu pano que ele dura mais um ano”. Um dia me disse que gostaria muito de aprender um ofício ligado à moda. Queria fazer chapéus, desde a moldagem da copa e abas até os enfeites que lhes davam vida, mas a ideia não prosperou, pois uma moça de “família” devia se ocupar das coisas da casa e das necessidades da prole e do marido... Cortava e costurava roupas para todos. Hoje diz-se “modelagem”, mais chic. Quando era necessário usava com perícia, a máquina “Singer” de pés de ferro à semelhança de uma aranha. Marcava as costuras com as unhas, fazendo um ruído característico que eu adorava nas dobras marcadas. Tinha unhas bonitas e bem tratadas, de vez em quando, pintadas de rosa-antigo. Tinha sempre um lencinho bordado enfiado na manga, meio escondido, era para enxugar as lágrimas que minavam de seus olhos frequentemente. A mesma coisa acontece comigo, hoje. Quem não me conhece pergunta se estou chorando... A Vó usava sempre um camafeu ou broche no decote e um belo anel de brilhante que ganhou do pai no dia de seus quinze anos. Quando o sol
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batia nessa pedra emitia um arco-íris que me impressionava pela beleza. Eu movia o dedo dela e brincava com o arco-íris... Não era muito amante da cozinha e chegava a me criticar quando me pilhava mexendo panelas ou experimentando receitas... “- Isso não é serviço para você, dizia ! Mas, para todo o resto, era uma mestra!” Fazia bolos para o lanche. Lembro como se fosse hoje do cheiro, do gosto e do som da colher de pau batendo na tigela. Cena parecida com a ilustração da capa do livro da “Dona Benta”. Às vezes acertava, muitas, não. Não seguia receitas, então quando o bolo ficava bom, não conseguia repeti-lo... Adorava doces e frutas, não ficava sem sobremesa, que era tão frequente quanto o arroz e o feijão. As frutas, comia com garfo e faca. Até hoje, de vez em quando, por nostalgia ou para não perder o hábito, ainda descasco laranja com garfo e faca... Bordava como ninguém. A quase totalidade das nossas roupas era ela que fazia. Até as combinações e calcinhas... Pijamas de pelúcia, camisolinhas enfeitadas com bordado inglês, vestidinhos com casa de abelha, ponto russo, sinhaninha, maiôs, enfim, era, no seu tempo uma modista para toda a família e tinha muito bom gosto. Ousava nas combinações de cores, crochetando boleros, capas de óculos, porta níqueis, cintos e um sem fim de invenções. 5 Reciclava muito também! Calças masculinas viravam saias, roupas de adulto transformavam-se em vestidinhos de boneca, de criança, brinquedos recheados de muito carinho! Fazia, pedindo moldes para amigos e parentes, bichinhos de pelúcia para os netos, coelhos de páscoa, ovos enfeitados para o natal! Ah! O natal! Este vai merecer capítulo a parte. Além de tudo, Vó Baby fazia tudo quanto é brinquedo artesanal que se possa imaginar, mesmo imaginários. Achas de lenha embrulhadas em panos viravam bonecas e eram motivo de muita tristeza quando iam parar no fogão, carretéis ganhavam vida como trenzinhos, fazia “bruxas” (era como se chamavam as bonecas de pano) de crochê. Diva tinha uma que era linda! Seu 5 Até o João Alberto vai usar manta feita por ela e parece-me que uma das últimas peças que fez foi uma colcha para Juliana, Linda!
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brinquedo preferido, guardado com muito carinho! Foi parar, por obra das tias Maria e Iva na malhação de Judas, imolada em um sábado de Aleluia.. Lembro-me muito bem dos bichos de pano recheados: eram peixinhos, dromedários, coelhos, cavalinhos, focas, macacos e tudo o mais. Ficavam durinhos, em pé, ninguém se lembra do que eram recheados, se serragem, paina, cortiça ou outra coisa. O arremate era feito em ponto caseado, numa cor diferente para evidenciarem-se os contornos. Para mim e Iara, já maiorezinhas, vários brinquedos eram bolados, hoje, sei que existem com variações, por todo o Brasil, com nomes e materiais diferentes conforme a região mas, igualmente divertidos. Atualmente vêm da China... que pena! .Em carta da tia Lúcia para Igarapava, vê-se: “Como é então? A vó Baby dança a “Escandalosa” com você! Achei isso ótimo, sinal que a vovó está em forma. Cuide bem da nossa velhinha”. 6 Vejam bem, a Vó teria 59 anos somente e já era a “velhinha” da família. Penso no que os meus netos dizem hoje de mim!
Fig. 8- As cinco marias
Voltando aos brinquedos, lembramos, em especial, de uns saquinhos de Piquet branco, todos iguais, recheados com grãos de arroz. Cabiam juntos na palma da mão. Serviam para jogarmos as Cinco Marias. Eu, já conhecedora do jogo, que jogava com pedrinhas catadas na rua em Igarapava, tinha a maior facilidade em manejá-los, ainda mais tratando-se de saquinhos, que 6
Há uma gravação atual desta rumba com Maria Betânia e Omara Portuondo.
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tornavam o jogo muito mais fácil pois eram mais aderentes do que as pedrinhas. Iara, muito pequena, não tinha como realizar a façanha: jogar um saquinho para cima enquanto se cata rapidamente outro e apanha no ar o que foi jogado. Eu procurava adestrá-la ensinando os movimentos necessários, mas era difícil para ela. Apesar do meu carinho e paciência, era difícil. Em compensação, eu achava as proezas da Iara, anos mais tarde, verdadeiramente de circo: ela patinava na calçada como uma artista olímpica eu, nem ousava olhar para os patins, com horror prévio dos tombos. A Vó Baby usava uns ditados populares bem típicos dela e umas frases, cheias de sabedoria, que ficaram na nossa história. Garimpo na minha memória alguns. “O que está na moda não incomoda.” “Um pouco de vaidade só faz bem, é capricho; demais é exagero” ( e citava o exemplo de tia Alice, irmã dela, que de tanto tirar as sobrancelhas ficou sem e tinha que desenhá-las à lápis). “Alcides “trabalha como um mouro”. “Cada terra tem seu uso, cada roca tem seu fuso.” “Quem não se enfeita, por si se enjeita...” “Cada macaco no seu galho”. Quando alguém soluçava: “Seu Nicola me abandonou”. Isso, por causa da Dona Ana, que tinha um botequim e depois das bebedeiras do marido soluçava, repetindo este refrão. “São Brás de Mourão, afogai os homens, as mulheres não”. (Havia variação de gênero, dependendo de quem estivesse engasgado...) “O que aperta segura, o que arde cura”, quando a gente reclamava dos curativos. “Calcinha e bunda, cada um lava a sua...” “Que se lasquem os torpedos do Almirante Faragot”. “Anjo de candura amarrado pela cintura”, para se referir à molecada travessa. No embalo da cadeira de balanço cantava: Bão ba lá lão, sinhô capitão, espada na cinta e barrete na mão. Tutú Marambaia sai de cima do telhado, deixa o menininho dormir sono
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sossegado... Tutú Marambaia que vem do Rocio, coberto de areia tremendo de frio”...7 Acredito que sua sabedoria estava implícita em sua capacidade de adaptação. Por mais difícil que fosse a situação ou o desafio, ela encarava tudo com naturalidade e sem grandes amarguras. É lógico que essas existiam, mas a gente não percebia. Lembro-me que todo esse clima que envolvia a família nos primórdios, continuava nos pequenos apartamentos em que morou posteriormente e, mesmo na casa de Matinhos. Era sempre o embalo da cadeira de balanço, livro na mão ou bordado e uma aura de muita doçura e sabedoria. Até hoje sentimos sua presença no apartamento das tias, tudo rescende a ela. Herdou, provavelmente da mãe, o gosto pelos jogos de adivinhação, de tabuleiro e cartas. Divertia-se com as amigas, sobrinhas, filhas, netos e bisnetos jogando crapô, buraco, escopa, mico, burro em pé, burro deitado e muitos outros. Esses últimos faziam nossa alegria, pois invariavelmente saíamos de cara pintada de rolha queimada ou de negro de fumo, colhido da chama de uma vela sobre o fundo de um prato. Sabia jogar gamão, que praticava com os pais e irmãos num tabuleiro branco e vermelho de madrepérola.8 A mim ensinou parlendas e trovas para jogar. “-Sinhazinha Pindá - Abra a mão pra me dar - Adivinhe quanto está” , e se a outra criança adivinhasse ganhava os pinhões que a desafiante tinha escondidos na mão. MUTUS DEDIT NOMEN COCIS Este texto em latim indica a solução da adivinhação. Observem que as quatro linhas de cinco letras cada, tem pares de 7 Muito mais tarde soube que o Tutu Marambáia ou Tutu Marambá era o filho da mãe preta que servia como ama de leite da criança branca, e a letra da música, além de fazer sentido, adquiriu uma proporção social que eu nunca tinha imaginado. Antes, para mim era só uma entidade tipo “ bicho papão”. 8 Tenho dúvidas se o tabuleiro, ou as peças seriam de madrepérola.
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letras que só aparecem uma vez. Assim, com duplas de cartas de baralho, a pessoa indica em que linhas estão as cartas, permitindo ao “adivinhador” localizá-las. Seu companheiro constante de tabuleiro era o Ruy Sérgio. Ele deve se lembrar com carinho das horas que compartilharam em intermináveis partidas de xadres. Lembro de uma mesa, cujo tampo era um tabuleiro, com gaveta para as peças, que tinha na casa da André de Barros. As peças brancas eram de marfim e as pretas de ébano. Vovó contava que a Vó Luz, sua mãe, andava com um baralho no bolso, não perdendo a oportunidade de convidar as pessoas para “um baralhinho”. Tio Doca, seu filho, complementava a receita da casa trabalhando como croupier no Cassino. Tio Augusto era presença constante na sala de jogos do Clube Curitibano e se divertia nos contando alguns hábitos de companheiros, como por exemplo aquele que raspava todas as mesas, não dando chance aos outros. Até nós adquirimos o hábito de chamar parceiros assim de “Maria Fatuch”.
Fig. 9- Alba, Vera e Iara fantasiadas
Sua generosidade mostrava-se na alegria e participação com que fazia nossas fantasias de carnaval: holandesa, havaiana, guarda de trânsito, cow boy, ou melhor, cow girl! E como amava acompanhar-nos nos bailes. Ficava no balcão do primeiro andar do Curitibano observando-nos e vibrando com nossa alegria!
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Fig. 10- Alba e Daniel no carnaval do Curitibano Não se pode esquecer das histórias que contava aos netos: A Moura Torta; Dona Sapa; O Macaco e as Bananas da Velha; O Papagaio da Limo Verde, A menina enterrada pela madrasta, entre muitas outras. A Vó Baby foi a maior contadora de histórias que conhecemos e tivemos a suprema ventura de desfrutar como ouvintes assíduas, maravilhadas e aterrorizadas!... Um universo paralelo de princesas e príncipes, castelos encantados, purungos ( cabaças ou coités no resto do Brasil) que guardavam lindas moças que se alimentavam de muita água e murchavam quando não havia água suficiente; pássaros encantados de cujas penas brotavam pedras preciosas quando se banhavam em bacias de prata, vinganças e ciúmes terríveis que faziam com que rainhas traídas por suas sogras fossem enterradas até a cintura e cuspidas pelos súditos por crimes que não cometeram, crimes tais, cujos autores, quando revelados, eram punidos com amarrações em cavalos desembestados com a bunda cheia de piche quente!; e o capim que, ao vento, cantava melodias reveladoras sobre uma menina enterrada pela madrasta, por causa de alguns figos bicados por passarinhos. E a D. Sapa, que morava num banhado e estava prometida a um príncipe, preso por sua palavra de honra? E a multidão de sapos – súditos da D. Sapa - invadindo o palácio do
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rei, pai do príncipe que quase morria de desgosto com a escolha do filho! E o macaco? Terrível, levadíssimo, comedor descontrolado de bananas, que renascia quando picado a faca, comido e cagado pela velha dona do sítio! Isso não é nada perto da miríade de contos e histórias do “arco da velha” mesmo, que ela nos brindava, a gente de boca aberta sentada na cama ou no chão da sala. Só esta característica já valia um outro registro como este nosso. Meu bisneto, Pedro Henrique, larga o vídeo game ou qualquer outro joguinho de computador para ficar ouvindo essas mesmas histórias e não se conforma quando terminam, quer sempre mais... Sempre bem humorada, a Vó espalhava simpatia onde estivesse. Adorava provocações, respondendo sempre com agilidade e espírito. Uma vez papai (Kurt) estava arreliando a respeito do seu “Sangue azul”, e ela mais que depressa perguntou: Gato que nasce no forno é gato ou é pão? O bom humor e esta leveza de espírito, a disponibilidade, a solidariedade que conhecemos nela eram a embalagem de uma mulher extraordinária, que conheceu extremos. Frequentou a escola em Paranaguá, tinha aulas de música, morou, acompanhando o pai Senador, seis meses em Paranaguá e seis no Rio de Janeiro ( em Laranjeiras). Conviveu, em sua própria casa de menina com escravos que, após a abolição, optaram por continuar com a família. Perdeu o pai cedo e para ajudar a sustentar a casa, costurava sacaria com a família para embalar o sal. Os irmãos traziam os panos dos armazéns do porto. Casou-se e viveu bem por alguns anos. Vovô, trabalhando nos engenhos dos Mäder, que tinham sido do pai dele, proporcionava à família uma vida tranquila, até que um desentendimento com o Hugo Mäder o colocou em uma posição desfavorecida. A casa que estava sendo construída para ele, perto do terminal Guadalupe, acabou ficando para um dos rapazes Mäder ( Dido), que se casara. Os preceptores das filhas mais velhas e as aulas de piano cessaram. Ele fazia política, com os partidários de Afonso Camargo e tinha começado a trabalhar como titular em um Cartório, mas a revolução de 30 (a famigerada ditadura Vargas) e
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a intervenção no governo do Estado usurparam-lhe o cartório. A esta altura, a doença já tinha se manifestado. Vovó provou mais uma vez ser capaz de trabalhar e organizar a família para enfrentar a adversidade. Costurava, bordava e fazia balas de coco, com a ajuda dos filhos. Enfrentou a dor da perda de Alba, ainda bebê, do Francisco e da Odetinha, ainda crianças e de Alice. Quando enviuvou, alguns parentes se dispuseram a criar as meninas menores, opção imediatamente rejeitada por ela. Tudo isso não é fantasia de netas amorosas, é verdade! Vovó nasceu agraciada de uma enorme nobreza de espírito e não perdeu a fidalguia mesmo quando posta à provas muito difíceis! Gato que nasce no forno...
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VÔ SINHOCA
Vô Sinhoca nasceu em Paranaguá. Perdeu o pai muito cedo, aos 14 anos. Estudou em Itú (SP), no Colégio S. Luiz, famoso por formar celebridades. Depois da morte do pai, morou com sua irmã Chiquinha que era casada com Nicolau Mäder. Auxiliava na administração do engenho de mate da família até que um atrito com Hugo Mäder fez com que o Vô se desligasse do trabalho no engenho. Todos os bens da família ficaram com os Mäder, o Vô não ficou com nada que era do seu pai, nosso bisavô Cândido, portanto seu, de direito. Reagiu, fez um concurso e, como tinha boa formação, ficou com o quarto Tabelião de Curitiba. Com a revolução de 30 - já lembrada - e seu envolvimento em política, perdeu o cartório, que era vitalício, para um gaúcho. A mão da ditadura do Getúlio caindo pesadamente sobre a família. Era partidário do PRP – Partido Republicano Paranaense da ala de Afonso Camargo, avô do atual. Ficou seis anos doente vindo a falecer em 1936 de endocardite (informação do Junião). Fumava cigarros Liberty e gostava muito de briga de galos, como já foi mencionado antes. Vô Sinhoca faleceu novo. Não o conheci e, se eu (Alba) não o conheci, nenhum dos netos também. Infelizmente! As histórias que soubemos do seu temperamento alegre e amoroso ficaram para sempre. E da sua sabedoria e politicagem, também. Sua linhagem é especialmente abordada na “arqueologia familiar”. Vale a pena ser lida. Tinha uma boa formação educacional. Estudou em Itú, no colégio, dito, dos presidentes. Itú, como se sabe, é uma cidade histórica do interior de São Paulo, palco de grandes reformas políticas, berço das últimas reuniões que prepararam a República Brasileira. De temperamento muito alegre (Maricota, Junior e Vera são herdeiros), Vô Sinhoca transformava situações difíceis em
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brincadeiras para os filhos. Tia Diva relata, como exemplo, um natal que tinha tudo para ser um desastre. A falta de dinheiro aboliu presentes e mesa farta. Vô Sinhoca então propôs sabiamente, à filharada uma grande faxina. As crianças, de início relutantes, logo se entregaram à tarefa. Limpar a casa todinha. Varrer, escovar, espanar e lustrar! Tudinho! O que elas não imaginavam é que este seria o “natal inesquecível”. Logo depois das primeiras vassouradas... chuá: um baldão de água em plena sala!. Vovô transformou a tarefa em uma grande farra. Água para todo lado. Lavaram vidros e chão. Ele e vovó chefiaram uma grande guerra, em que toda a criançada lavou a alma! Depois do armistício, roupas secas e um bom chocolate quente aqueceram os sonhos daquela criançada feliz! Junho e julho era a época de fazer e soltar balões. Vô Sinhoca era mestre em confeccioná-los e adorava o ofício! Todos participavam, era uma alegria geral. E eram grandes. Um deles, um coelho de papel de seda cor de rosa, era tão grande que, para poder sustentá-lo e acendê-lo tiveram que subir na janela do sótão! Tinha mais de uma tocha. Essas eram feitas de estopa recheada de breu e embebidas em querosene ou gasolina. Esse tal coelho, de tão grande, não subiu. Pegou fogo logo no chão. Mas muitos outros subiram, para alegria geral! Entre seus princípios estava a proibição a quem deixasse algum resto no prato às refeições, isso ele não admitia. Esse hábito perdurou em toda a família e chegou até aos netos que nem o conheceram. Sustentabilidade!
Fig. 11- Balão feito pelo Vô Sinhoca
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Vovô gostava de reunir amigos para festejar ocasiões especiais, ou para um dedo de prosa, no final da tarde, para um chimarrão. Mamãe ( Diva) abastecia o grupo com a água quente, que regava as rodadas de mate. O Odilon Mäder, frequentador assíduo da roda, costumava brincar com ela, reclamando da temperatura da água. Ela então “caprichou” e entregou a cuia preparada para ele, que queimou os beiços e nunca mais reclamou.
Fig. 12- Sinhoca no bar com amigos. Importante mencionar, como marca registrada da família que, enquanto vovó tocava polcas, valsas e mazurcas ao piano, Vô Sinhoca ensinava as filhas a dançar. Elas pisavam nos pés dele, as cabecinhas encostadas em sua barriga e assim acompanhavam o pai. Uma ocasião, Lurdinha Mäder confessou-me que era uma das casas mais felizes que ela jamais havia visto.
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De fato, a casa vivia cheia de primos e primas. O hábito das irmãs de chamarem todos de primos – mesmo os mais distantes - quando nos apresentavam, orgulhosas, a um parente distante, deve vir daí. Todos os filhos do Odilon, Nenezinha, Erasmo, Cândido (Dido), Cilá e Fani Mäder frequentavam a casa dos nossos avós. Lourdinha contava que todas as crianças na hora de ir embora estavam tão sujas que alguns motoristas dos carros de praça se recusavam a leva-los. A ligação das tias e do tio Fernando com as primas Costa e Abreu era muito estreita. Era apaixonado por futebol, tanto que foi um dos fundadores do Clube Atlético Paranaense, o que deixou marcas na maioria dos netos e netas, torcedores fanáticos. Foi, também, segundo tia Lúcia, fundador do Britânia, que fundiu-se com outros clubes, tais como O Ferroviário. Depois que o Vô Sinhoca faleceu, nossa avó e família ficaram em situação financeira bastante precária, foi quando contaram com a ajuda dos primos citados acima. O Othon, chegou a abrir uma conta, em nome dele, numa padaria próxima para o fornecimento de pão e acompanhamentos para o café da manhã. Olívia, sua esposa, presenteava as tias com vestidos e sapatos novos, não usados, como era o costume. Sabemos que outros primos, como Fanny, também ajudaram, mas não conseguimos precisar exatamente como e com o quê. As filhas do tio Aluísio, quando vinham a Curitiba se hospedavam na casa do vovô. Em contrapartida, nas visitas a Paranaguá todos ficavam na casadelas. As primas eram sonâmbulas, o que fazia a diversão das curitibanas. A casa do tio Alípio também tinha seus encantos, seus filhos levavam-nas a passear de barco ou mesmo canoas furadas pelo rio Itiberê. Claro que cabia a elas a tarefa de tirar a água da canoa com uma latinha. Tia Diva participou de uma viagem inaugural de um barco grande feito no estaleiro do tio Alípio. Foram até Guaraqueçaba. Ela ficou impressionada com o aspecto doentio dos caiçaras de lá, todos pálidos de pele amarelada.
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Todos nós conhecemos a simpatia da Acácia, Violeta, Memê (Mercedes Angélica) filhas da tia Neca, elas e os irmãos com nomes de flores. Não conheci o Lírio e o Mirtho. Moravam em São Paulo. Diva conta que eram vizinhos do Monteiro Loba-
Fig. 13- Reunião de primas
to, ela chegou a vê-lo sempre na janela, com suas sobrancelhas grossas e sorriso afável. Os quinze anos de tia Lúcia foram comemorados no quintal, não se sabe muito bem se com caranguejada ou feijoada ( a caranguejada da Vó era sempre acompanhada de feijão preto), mas tia Lúcia se lembrava que ele reuniu todos os seus amigos, muitos políticos importantes da época, para a comemoração. Sempre gostou de política e a perda do cartório deu-se em função de suas atuações, o que o deixou muito abalado, deprimido, diríamos hoje.Em 1931 viajou até S. Paulo com tia Lúcia e mamãe (Alice), foram surpreendidos pela Revolução Constitucionalista cujos participantes proibiram a saída e entrada de qualquer pessoa da cidade. Hospedavam-se na casa do tio Amaral, marido da tia Neca, no bairro da Aclimação e por lá ficaram até o fim da proibição.
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Apesar do contratempo, minha mãe e tia Lúcia se lembravam com saudades desse tempo de convívio com as simpáticas primas e primos. Ouviam da varanda grupos passando cantando a bela “Fita Amarela” do Noel em paródia contextualizada: Quando eu morrer; Não quero choro nem missa; Quero uma fita paulista; Constitucionalista!
Fig. 14- Alice, Lúcia e primas em São Paulo (1931)
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NOSSOS PAIS E TIOS
Fig.15 - Família Abreu Costa
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LÚCIA TIA LÚCIA, a mais velha, era autoritária em tudo principalmente com ela mesma. Nunca me esqueço dela de uniforme azul -marinho, blusa branca, meias finas, sapatos pretos, valise e, na lapela, uma cruzinha vermelha, que indicava a sua profissão de enfermeira-visitadora. Uma prática verdadeiramente eficaz,mesmo revolucionária, que hoje, não existe em Brasil nenhum. Alguma exceção se pode fazer para alguns programas de “médicos de família”. Acordava cedo, pegava bonde e ônibus e saía pelos subúrbios ministrando o BCG para os bebês, ensinando as mães a fazer e esterilizar mamadeiras, até a trocar fraldas e banhar crianças. Lidava, às vezes, com gente bem ignorante, quando ficava brava e exigia tudo com energia. Quanta criança deve ter sido salva por ela!...Eu gostava de acompanhá-la (Alba). Tinha orgulho dela, mas ficava acanhada quando ela, brava, chamava a atenção das pessoas. Pisávamos na grama molhada e fria das periferias curitibanas até a hora do almoço, quando voltávamos para casa. A primeira coisa que ela fazia era tirar o uniforme, dependurá-lo, escová-lo e limpar os sapatos para o dia seguinte. Iara, certa vez, ao acompanhá-la, pensou que ela pedia esmolas de casa em casa... Enviava-me postais lindos, parece-me que eram modelos para artistas plásticos e, certa vez, um baralho: mico preto, que eu adorava jogar. Os sobrinhos mais velhos, com certeza, se lembram dos bolos de goma em forma de jacaré, com os olhos de feijões; de mimos de feltro de ela bordava, de lencinhos e um sem fim de gentilezas com que ela nos brindava até bem pouco tempo. Tinha um orgulho enorme de pertencer a uma família de tradição, lia tudo sobre a nossa ascendência e guardava uma ilustração do brasão da família. Admirava e contava para nós a vida dos nossos bisavós retratados magnificamente naqueles quadros famosos que ilustraram nossa infância e hoje moram na
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casa da Maricota. Muitas dessas lembranças figuram hoje neste livro. Toda essa nobreza não a impedia de trabalhar e muito. Nos anos 50 acumulava suas atividades na “Saúde” ao trabalho, como assistente social na fábrica Fiat Lux. Ajudou a todo mundo, irmãos e sobrinhos. Era só precisar dela que ela estava lá, firme, auxiliando em tudo o que podia e até no que não podia. Vacinava-nos contra a varíola, em casa e bem no alto da coxa para não aparecer no biquíni, era a aplicadora oficial de injeções. Quando fui operar a garganta exigi que a injeção do pré-operatório fosse feita por ela. Insisti tanto que a enfermeira cedeu... Foi tia Lúcia a primeira pessoa a me ensinar a rezar, antes mesmo, que minha mãe. Rezávamos sentadas na cama, as mãos juntas, a Ave Maria e a oração do Anjo da Guarda. As demais, aprendi com mamãe e no livrinho de missa com capa de madrepérola. Gostava de tudo menos do Cristo crucificado. Horrorizava-me! Bem mais crescidinha, me descabelei para aprender a rezar o “confiteor”. Haja! Era obrigatório para a primeira comunhão, cujo vestido, todo em ponto de sombra, foi feito por vovó e minha mãe.
Fig.16 - Comunhão Alba
Quando minha mãe faleceu, foi ela que ficou com a gente, a pedido de papai, para que não se alterasse a rotina da casa e para que não sentíssemos tanto a sua falta – como se isso fosse possível. Esses dois anos que passou com a gente prejudicaram
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sua aposentadoria, pois teve que trabalhar por mais dois anos. Ficava com os sobrinhos quando os pais precisavam de alguém de confiança para domá-los. Assim foi com a trupe da tia Zilda quando tio Oswaldo foi a um congresso em Belém. Diga-se de passagem que o trio estava com catapora... Alicinha também ficou com as tias quando os Anderson se transferiram de Ituverava para São Paulo, na década de 60 do século passado. Quando os filhos do Nuno nasceram foi ela que ficou com a Vera Maria auxiliando nos primeiros dias do bebê. Passou uma temporada em Caiobá com vovó, tia Maria e Alicinha na casa da tia Diva quando não havia ainda luz. De madrugada Alicinha começou a fazer um barulho estranho como se estivesse com a garganta obstruída. À luz de velas, não conseguiu examinar direito a menina. Rezou para Nossa Senhora do Rocio e, segundo ela, pela única vez na vida fez uma promessa: se estivesse tudo bem, iria a Paranaguá assistir missa e acender vela. Amanheceu e ela pode constatar que Alicinha tinha posto alguma coisa no nariz, daí a respiração ruidosa! E lá se foi a tia Lúcia a Paranaguá pagar a promessa ( lembre-se que naquela época não havia transporte regular..) A “xerife” , como papai (Kurt) a chamava, era uma mulher valente. Além de ter enfrentado, como mais velha, todos os dissabores e tristezas pelas quais nossa família passou com coragem e determinação, quando mocinha protagonizou uma aventura. Todos já estavam dormindo na casa da André de Barros; ela sentiu a janela do seu quarto ser forçada e um homem entrar, não podia avisar nem pedir socorro pois, o ladrão estava entre ela e o quarto dos pais. Sentiu ele se movimentar pelo térreo e continuou fingindo que estava dormindo; quando ele foi acender um fósforo bem junto a ela, esperou o sujeito se curvar e com um berro saltou da cama. O homem saiu correndo pela janela com um chute certeiro da nossa heroína no traseiro! Tia Lúcia teve participação ativa e carinhosa na doença da tia Zilda. Ficou à sua cabeceira por muito tempo chegando a dar alguns palpites muito oportunos em relação à sua alimentação, que deram à querida tia alguns anos a mais.
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Fig.17 - Recanto praiano
A aquisição da casa da praia o “Recanto Praiano”, em Matinhos, teve um significado muito especial, um enriquecimento para todos da família. Atrevo-me a dizer, porque isso ocorre hoje comigo, com a casa da Ilha Grande. Aquele pedaço de paraíso trouxe anos de vida saudável a mais para aqueles que usufruíram dele. Tia Lúcia contava que, a primeira vez em que foi ver a casa com o intuito de comprá-la, encontrou um verdadeiro chiqueiro ou galinheiro, com ninhos dentro da privada, porcos andando pela casa, morcegos, ninhos no teto, sabe Deus do quê. Uma imundície e um abandono só, mas a construção era supersólida, com paredes largas, de tijolo deitado e uma situação privilegiada. Ela aprovou! Venderam o piano da vó e mais algumas coisas das quais não me lembro e fecharam o negócio. A proximidade com a casa do tio Fernando, que era de frente para o mar, também influenciou muito a decisão das tias e, pode-nos confirmar Vera, parece que foi ele que descobriu o grande negócio .
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Inesquecível casa para muitos de nós, principalmente os mais jovens. Não me esqueço da “viagem” ate lá, pela praia, uma verdadeira aventura, dos grandes espaços que a cercavam. Avistava-se a serra pela porta da frente na linha do horizonte e a linda restinga entremeada de Mata Atlântica que se estendia até suas bordas. Da porta da cozinha, sobre os degraus, via-se o mar. As ruas não existiam e, sim, caminhos de areia cobertos de vegetais rasteiros espinhentos, as rosetas, e o problema é que andávamos descalços, pois não havia, na época as sandálias havaianas.
Fig.18 - Casa do tio Fernando na praia
A lua cheia prateava o mar e o nascer do sol era um espetáculo que tia Maria fazia questão de assistir e nos tirar da cama de madrugada para apreciá-lo. A água era bombeada à mão para qualquer uso que se fizesse necessário. Cinquenta bombadas para um banho, cem bombadas para lavar a louça! Haja músculos, mas todos, até os mais miúdos, adoravam o exercício! A geladeira era a querosene, assim como a iluminação a lampião. Foi substituída, quando chegou a luz, por uma elétrica, que dava tremendos choques nos desavisados.... Muita maldade foi feita pelos que conheciam as manhas da geladeira sobre outros que não a conheciam... Na medida em que este memorial for se desenrolando voltarão episódios e características muito interessantes que envolviam o uso da casa da praia, pontilhando a vida de todos que a conheceram e a amaram. Só como referência para a nova geração que, talvez, ignore alguns detalhes: a chegada até a
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casa do tio Fernando e das tias dava-se pela praia, ou seja, só com a maré baixa, de carro, para quem tivesse coragem. Não havia estrada nenhuma nem linha de ônibus, muito menos energia elétrica, como já foi dito. Era pura aventura! Uma vez, fazendo este percurso, pulou do barranco um cavalo sobre o capô do carro do tio Fernando. Vera conta que ele consertou o estrago calafetando o radiador furado com banana verde, colhida na beira da estrada!
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FERNANDO
Tio Fernando era muito alegre, vivia cantando e fazendo graças. Não me lembro dele estudando, mas, sim, trabalhando. Era o “homem da casa” e todas as tias diziam que ele se sacrificara para ajudar a toda a famíliadepois da morte do Vô Sinhoca, o que aconteceu quando ele tinha apenas 22 anos. Muitas vezes subia na magnólia e cantava lá de cima: -“Ouve esta canção que eu mesmo fiz pensando em ti, é uma revelação Nanci”-. Só que em vez de Nanci ele dizia Paulina. Era bem claro e não muito alto. Chamava o meu pai de “Grandão”. Lembro-me dele num automóvel chamado gasogênio, que fazia um barulho danado. Ele morria de rir. Era época da Segunda Grande Guerra. Namorava Tia Paulina, moça muito linda, professora do Grupo Xavier da Silva. Foi uma noiva lindíssima. Nunca vi tantas flores quanto em seu casamento. Eram cascatas de flores e corbeilles! Ele a conquistou fazendo serenatas quando cantava “a lua vem surgindo cor de prata...” Quando jovem foi internado em Castro para estudar, como era costume na época. De lá escrevia cartas molhadas de lágrimas... clamando por voltar! Soube-se recentemente por Vera que as lágrimas eram, nada mais nada menos, que água borrifada por ele mesmo! Pulava a janela do colégio para um muro largo e fugia para a noite. Costumava também, assaltar a dispensa do colégio onde abria a caixa de goiabada cortando o doce do fim para o começo, fechando a caixa cuidadosamente. Marchavam até o rio que passava por perto, cedinho, quebrando o gelo da grama com os pés descalços. Tomavam aquele banho congelado e se alguém tossisse ou espirrasse todos entravam no chá de limão com mel. Então, ai de quem piasse! Maria Homem era a diretora severíssima deste “campo de concentração”, como dizia. Trabalhou na “Água e Esgoto”, emprego arrumado pelo pri-
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Fig.19 - Fotos Fernando
mo Odilon Mäder. Conta-se que, uma vez, ele pegou uma banana de cima da mesa de um chefe, que reclamou. No dia seguinte, o mesmo encontrou um grande cacho de bananas sobre a mesa... Era muito severo com as irmãs, implicava e proibia os namoros. Vera herdou a tradição, quando mocinha. Certa vez, soube que havia um pedreiro que dizia gracinhas para tia Diva quando ela ia para o Lactário às 6 da manhã. Ele disse para ela “baixar a sombrinha” no pedreiro e completou a surra quebrando-lhe os dentes. Pegou fama de violento, coisa que era comentário entre
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os vizinhos e parentes da tia Paulina. Pelo jeito, ela não ligou... Em 1954 foi campeão de salto em altura montando Rajá, um cavalo persa – argentino que adorava. Saltou 2,1 m! Quebrou a clavícula em um refugo do cavalo, o osso estando visível sob a pele, assim como, o dedo mindinho, que ficou torto para sempre. Quando a prova hípica contava “tempo” ele e o Rajá formavam uma dupla cúmplice tão ágil que o apelido dele era “marcha lenta” tão calmoso (!) que era... Num dos longos passeios a cavalo pela cidade mamãe ( Diva) abriu a janela do quarto pela manhã e deu de cara com o Rajá, curioso que espiava para dentro. Inesquecível foi o tempo do Dessoto, um carro que, por muitos anos levava este aventureiro e todos nós por estradas “nunca dantes navegadas...”. Ficávamos, muitas vezes, encalhados e sem gasolina, diz Vera, nossa prima querida. Batia de propósito em qualquer carro que o xingasse, mesmo não tendo razão, motivo para brigas constantes entre os motoristas. Já com uns 75 anos comprava Mercedes Benz dos consulados em S. Paulo e os revendia, o que deixava tia Paulina maluca. Numa dessas viagens, na casa do tio Oswaldo enfrentou dois ladrões armados e os rendeu pondo-os para correr, isso enquanto tio Oswaldo subia as escadas para procurar um revolver. Venceu, já com idade avançada, todos os campeonatos paranaenses e brasileiros de natação na categoria “master”. Era o único concorrente com mais de 80 anos. Já sem carteira de habilitação fugia de casa para visitar os amigos, como Fernando Camargo e o Comendador Humberto Scarpa e também a tia Iva e, depois do falecimento desta, o tio Fábio. Saía, lógico que de carro, e nem se lembrava de voltar nem avisar. Amava a liberdade de ir e vir e dizia frequentemente: - Ah! Paulina, volto antes da meia noite!!! Aos 82, arrumou a mala e informou à tia que iria a Campinas com o amigo Scarpa, de 90, para visitarem a irmã deste, dirigindo, é lógico! Sua casa no Balneário Flórida, que precedeu o “Recanto Praiano” , hospedou toda a família. Sempre cabia mais um. A hospitalidade da tia Paulina, que atendia com muito carinho a todo aquele batalhão é uma das nossas lembranças queridas.
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ALICE
Minha mãe foi outra que começou a trabalhar muito cedo, logo após a formatura. O prédio onde ela estudou existe e está bem conservado até hoje, o Instituto de Educação. Foi oradora da turma. Seu discurso falava que todos deveriam ser como abelhas, sempre trabalhando e produzindo maravilhas... Começou novinha, como professora alfabetizadora de um bairro de poloneses, bem distante do centro. Recebia presentes bem significativos no final do ano. Um deles chegou até a mim: era um requintado livro de receitas: “Rosa Maria”. Havia uma linda dedicatória em letra infantil e uma lista enorme de nomes incompreensíveis, todos com consoantes e sem vogais. Em menina cheguei a fazer sorvetes com as receitas. O bairro chamava-se Uberaba e, hoje, situase nos arredores do aeroporto Afonso Pena. Ela chegou a me contar que, no inverno, bem cedo, caminhava sobre gelo. Daí, ela foi transferida para o Tiradentes (não tenho certeza absoluta), mais perto da sua casa. Dava para ir a pé. Já nesta época, ela sofria com as varizes, tinha “puxado” do vô Sinhôca. Tinha que usar meias elásticas e tudo. Acho que foi nesta época que ela conheceu o meu pai. Era a mais morena da família, tinha cabelos castanhos bem escuros assim como os olhos. Tinha paixão por estudos, por leituras, por conhecimento e arte, em especial a música. Transcrevo trecho de carta dela pra mim, quando eu morava em Curitiba. “Minha filha querida, parabéns pela nota que alcançou. O coração de sua mãe sofre muita saudade, mas é com alegria que vejo você aproveitar o tempo estudando com alegria e alcançando boa colocação. Seja esforçada, meu bem, o lucro é só seu. Já tenho lhe ensinado que o único tesouro que de fato possuímos e levamos sempre conosco é este: o SABER! Quanto mais você souber, mais riqueza terá, maior será seu valor.” Datada de 26.04.50.
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Fig. 20- Fotos Alice Minha mãe era realmente, uma ótima professora. Avanço um pouco no tempo para contar um fato significativo: quando eu retornei de Curitiba após um ano com aVó e as tias, fiz o exame de admissão e passei em primeiro lugar. O mérito, obviamente não foi meu, foi da tia Iva. A notícia correu, como tudo corria em Igarapava, daí, as mães e responsáveis por adolescentes, que ti-
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nham grandes dificuldades em passar por aquele exame, pediram a minha mãe que organizasse um curso preparatório para a garotada – no meio deles, vários primos . E isso foi feito. Não só ela, mas também outras boas professoras se animaram e programaram o que seria, hoje, um curso intensivo, gratuito, para quem quisesse. Mamãe dava matemática. Nunca me esquecerei de vê-la, diante do quadro, escrevendo com giz: indivisibilidade. E brincava: - Viram quantos iiiis tem esta palavra? Mas não é isso que é importante...e prosseguia...A quase totalidade dos alunos passou! Tinha um hábito formidável: pendurar mapas nos cômodos da casa: no quarto de hóspedes, no meu quarto (que era também do Junior), no laboratório do meu pai. O resultado foi que desenvolvi uma paixão por mapas que dura até hoje. Sabia localizar, ainda bem criança, a cordilheira do Himalaia sobre a Índia, corria o dedo sobre o rio Mississipi, na América do Norte e, principalmente, adorava observar o Amazonas com um orgulho daquela maravilha acontecer e se expandir em imensa rede no nosso Brasil. Mas, voltemos.
Fig. 21- Noivado Alice e Alcides
Meu pai se aproximou de minha mãe – contava tia Lúcia – por conta de uns bichinhos que deveria apresentar em uma aula – de biologia? : o tatu-bola. Cheguei a ver muitos pelo quin-
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tal da vó, creio que pela umidade que existia nos fundos. Eram pequenininhos e mais pareciam insetos, totalmente diferentes dos tatus-bola do cerrado, que são mamíferos e bem grandinhos. Daí nasceu o namoro. Não é por se tratar de meu pai, mas foi o homem mais bonito que já vi. É só olhar a foto de formatura dele que qualquer um vai ver que não é corujice de filha. Chegou a fazer uma grande amizade com o Vô Sinhoca e, no final, quando o Vô estava para morrer, dormia com ele na mesma cama. O Vô teve endocardite, o que, naquela época foi fatal. Antes da doença, provocada em grande parte por envolvimentos políticos, perda de emprego e outros problemas, ele era muito alegre, como já foi lembrado neste memorial. Gostava de reuniões, festas e comemorações, de fazer barreado para a família; quando se abria a panela, soltava foguetes! Penso que a alegria natural da Maricota, da Vera e do meu irmão devem-se a ele e ao ambiente alegre dessa casa. Quando meu pai começou a se firmar na profissão, o que aconteceu bem rápido, ele ganhava dos clientes e amigos muita coisa maravilhosa, como feijão novo, café recém colhido, frutas , doces e muita coisa mais. Minha mãe encaixotava algumas dessas preciosidades e enviava, pela Mogiana (estrada de ferro) para Curitiba. Lembro-me nitidamente de uma ocasião em que ela ganhou uma quantidade enorme de mangas de um nosso primo muito querido – o Joãozinho Maciel – e as encaixotou para enviar a tio Kurt e goiabada para tia Diva. Nunca chegaram! Mas muita coisa chegou, lembro-me bem da festa que as tias faziam quando chegavam os sacos e caixotes. Embora tenha convivido pouco com tia Alice e Alcides, tenho deles ótimas recordações! Eram a visita esperada com ansiedade na época do natal. Eles com Albinha e Júnior e a turma do tio Oswaldo e da tia Zilda. Lembro que uma vez briguei com o Júnior, nem sei por que, mas fui toda exibida, contar para a tia Alice o que ele tinha feito. Ela estava desarrumando as malas, no apartamento da Hermelino de Leão, e fingiu uma brabeza enorme! Então me pediu para ajudá-la a procurar um sapato para dar uma surra no Júnior. Eu ajudei com imenso prazer, mas cada
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sapato que achava tinha um defeito: prego na sola, não podia, pois machucava; muito macio, não dava nem para fazer cosquinha; muito preto, ia manchar; salto alto, fazia buraco na bunda dele... Uma vez ficou hospedada lá em casa. Eu grudava nela. Adorava! Muito elegante, gostava de se arrumar. Baixinha, subia num banquinho para alcançar o espelho do banheiro, e eu, borboleteando em volta, observando o penteado e o batom, especulando tudo.
Fig. 22 - Alice e Júnior no alpendre.
Em outro natal, quando eu tinha seis anos, em uma casa que a Vó mudou antes da Ermelino de Leão, tio Fernando era o Papai Noel. Eu tinha ganho um leque branco, de plástico. Fazia calor e a fantasia do Papai Noel era um camisolão vermelho. “ Papai Noel” sentado de perna aberta, levantava a saia e tio Alcides abanava para refrescar o velhinho. Ainda lembro das gargalhadas da tia Lúcia com a cena! Em Igarapava fui ainda bebê! A diversão do tio era me dar um pão inteiro só para ver a lambança! Quem me ensinou a subir e descer escadas foi a tia Alice, para minha proteção. A casa tinha uma escada grande nos fundos e ela achou muito mais prudente me ensinar do que ficar correndo o tempo todo para fechar a porta da cozinha. Quando voltei a Igarapava com a tia Lúcia, Albinha e eu demos algum trabalho para ela. Tio Alcides subiu do consultório
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perguntando a ela onde estávamos! Ela não tinha se dado conta de que brincávamos no telhado! Em visita à tia Zilda, em Ituverava, escapávamos da vigilância atrás dos montes de palha de arroz da máquina do seu Bandiera. Foi ainda desta vez que a roda dentada do Rotary Clube de Igarapava rolou pela praça, lembra Júnior?
Fig. 23 - Júnior e Maurício na “Roda do Rotary”
Minha mãe (Alice) vivia ocupada, ou com a casa, lendo e costurando ou com tarefas que inventava para ela, tais como ajudar papai a fazer exames de laboratório. Sim, naquela época não havia biomédicos. Lembro-me perfeitamente dela com grandes sapos na mão injetando não sei o que nos bichos para testes de gravidez. Eu adorava fazer girar os tubinhos da centrífuga que era usada para exames de urina. Ela colocava minúsculos bichinhos no microscópio para que eu examinasse e tivesse ideia da sua função. Minha mãe tinha espírito de cientista, era apaixonada pela vida e obra da Mme. Curie e de Florence Nigthingalle a pioneira enfermeira inglesa. Comprou essas biografias e me fazia
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ler dizendo que devíamos nos dedicar ao bem da humanidade. Incentivava o meu dom natural para leitura comprando contos: “Maravilhas do Conto Russo, Alemão, Tcheco etc.” Fui abduzida pela coleção de Monteiro Lobato, chegava a saber de cor alguns trechos de sua obra. Quando minha mãe percebeu que eu era uma devoradora de livros, como até hoje, se preocupava de que eu me desviasse da chatice dos estudos rotineiros, o que de fato acontecia muitas vezes. Quando Mariana, minha sobrinha, foi cursar Enfermagem lembrei-me muito dela e da Florence, a dama da lanterna... A neta seguindo uma trilha apontada por ela tantos anos antes... Outra característica de minha mãe era o patriotismo ou brasilidade. Além de antenada com a realidade social e política do país (lia dois jornais por dia, um do Rio ( O Jornal) e outro de São Paulo ( O Estadão), procurava me inserir na realidade do momento. Um exemplo comprovado por fotografia é o do carnaval de 44. Eu só pensava em fantasia e na festa, lógico, tinha 4 anos.
Fig. 24 - Alba de havaiana em 1944
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Fig. 25 - Baile de Formatura
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Então, ela me explicou que do outro lado do mundo muitas crianças estavam sendo vítimas de uma guerra terrível e que nós não poderíamos comemorar nada. Quando muito, ela faria uma fantasia para eu brincar em casa. Ela e Vovó desfiaram um saco de aniagem (estopa) e amarraram nos fios pequenas flores feitas de retalhos, fizeram um cós de crochê e colares, também de retalhos e eu brinquei em casa mesmo, feliz da vida. Não fui ao grêmio, nem senti falta... Tocava piano tanto por partitura quanto de ouvido. Era mestra nos chorinhos de Zequinha de Abreu – Tico-tico no fubá, Pintinhos no Terreiro. Chegou a estudar com minha professora para tocar Chopin e conseguiu. Dizia, em carta para mim de 01.05.50. “Quando sinto falta de você o que mais me distrai é tocar piano. Acho mesmo que os outros afazeres não me completam tanto. Estou tocando “Em um mercado persa”. Já estou estudando a terceira valsa de Chopin. Achei mais bonita a de número 9. A “ Canção Russa” de Sydney Smith já tirei todinha, acho linda. Já terminei as “ Sonatinas” de Clementi. Tocava lá da sala, o “Vem cá Bitú” para o meu pai escutar, lá embaixo, do consultório, e vir nos fazer companhia no almoço. Sua preocupação com educação refletia-se em tudo o que fazia. Era presidente da Caixa Escolar – naquele tempo não havia merenda escolar. Registro sua alegria expressa em uma carta de agosto de 50. “Hoje visitei o Grupo Escolar, gostei de ver o gabinete dentário, já funcionando. Por esses dias começará a funcionar também o Jardim da Infância, seus primos vão frequentar. É interessante notar que os particulares, quando solicitados, auxiliam as Caixas Escolares. Aqui os Grupos têm recebido arroz, lenha e muito mais.” Minha mãe faleceu muito cedo, grávida, apesar das preocupações do meu pai. Uma perda brutal e inestimável para toda a família. Tinha somente 39 anos. Fiquei com um buraco no coração até hoje.
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DIVA
Tia Diva era a mais alta. Tinha cabelos castanho-claros levemente ondulados. Trabalhava no lactário que, felizmente, era perto de casa. Depois do lactário, limpava a cozinha do almoço o que causou sua antipatia a fogões à lenha, e ia para a casa do Tio Augusto, fazer tricô com a tia Alba que tricotava por encomendas. 9 Sua característica mais marcante era a doçura. “Protegia” a gente das exigências da tia Lúcia e da tia Iva. Um dia presenteou-me (Alba) com um broche que mostrava, no meio, S. Terezinha e, nas laterais umas asinhas de prata. Usava-o somente nas festas, pois sabia muito bem o quanto ele deveria ter custado a ela. Quase morri de desgosto no dia em que este broche sumiu... Fui daminha do seu casamento. Tio Kurt era muito reservado, mas extremamente atencioso. Tia Diva foi a noiva mais apaixonada que vi. Estava radiante no dia do casamento. Os dois, depois de casados e mesmo depois do nascimento da Iara, levavam-me para muitos lugares interessantes: casa da D. Berta, também com um quintal incrível e um barracão onde se adivinhava maravilhas. A chácara (será que ainda existe?) onde vi a primeira macieira da minha vida e brincava com uma menina bonitinha, sardentinha, de laços de fita no cabelo.10 Ainda vou lembrar-me do seu nome. Um dia ela apontou para uma taturana loura e bem peluda e me disse: - este é um bicho - cachorrinho, não se pode encostar nele pois queima como fogo! Na casa deles aprendi a gostar de gengibirra, para mim, até hoje, o melhor refrigerante do Brasil. A tia fazia tudo o que é conserva, doce ou salgada. Aprendeu com D. Berta, sua sogra. Cozinhava muito bem, fazia tortas doces ou salgadas maravilhosas e até sucos das frutas da fazenda. 9 As agulhas, na fase de aprendizado, eram improvisadas a partir da reciclagem dos raios das rodas de bicicletas. 10 A chácara do Boqueirão foi loteada e vendida quando a cidade chegou perto demais.
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Fig. 26- Casa da Ângelo Sampaio
Tia Diva e tio Kurt construíram uma bela casa lá pelos idos de 1955 no bairro da Água Verde. Esta casa substituiu a da André de Barros para a grande parte da criançada que estava nascendo. Era linda e muito bem planejada. O piso era desenhado lindamente em parquet, a sala grande e aberta era iluminada naturalmente por grandes vidros. A cozinha moderna “americana”, foi a primeira que vi neste estilo, que perdurou por muito tempo. O quintal tinha horta, morangos e parreiras, pés de maçã, laranja e gavirova. Ainda deve estar na boca de cada um, o gosto dos almoços e jantares da tia Diva, com saladas e temperos do quintal; das frutas do centro de mesa da ceia de natal, saboreadas na manhã do dia 25. Tio Oswaldo adorava as ameixas e tigelas de uvas colhidas na hora, com cubos de gelo que as faziam brilhar como joias! Uma calçada comprida de retângulos coloridos de cimento arrematava a frente da casa. Ali, andávamos de bicicleta, perna de pau, patins e disputávamos muitas partidas de futebol com os meninos! Lugar perfeito para reuniões , enquanto os grandes matavam as saudades na sala, nós matávamos a grama do jardim com intermináveis correrias. A cada fim de ano o gramado na frente da casa era refeito. Os filhos da tia Iva, Zilda e mesmo o Junior têm, desta casa,
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a mesma imagem onírica e ideal que eu tenho da André de Barros. Alicinha, Bosco e Tunga com certeza se lembram da noite em que resolveram acampar no canil, junto com o Chopp e o Moustache (um pequinês e um caniche), e depois , já noite, foram voltando para dentro, carregando as cobertas... Lá fora estava muito escuro! Tempos depois, tio Kurt comprou uma chácara maravilhosa em Campo Largo da qual lembro as frutas. Havia também uma inesquecível sauna, que pertencia à cerâmica de que ele era sócio. A churrasqueira, o lago e o campo de futebol foram cenário de várias festas de família! Posteriormente adquiriu uma fazenda na Lapa. Lembro-me dos pêssegos, caquis e outras frutas maravilhosas. Papai sempre gostou da terra (Iara). Quando criança costumávamos fazer passeios aos domingos. Saíamos meio sem rumo por estradas vicinais e quando achávamos algum lugar agradável, parávamos para um piquenique. Coisa de farofeiro (e que farofa de frango aquela da Dona Diva)11. Explorávamos os arredores de Curitiba, ou íamos até a chácara do Boqueirão. Mais tarde, veio a fazenda da Lapa, a chácara das frutas, o pomar e a Chácara das Magnólias, xodó da mamãe. Lá as orquídeas de canteiro12, os limões, caquis, pêssegos, milho e delícias da horta, ovos e leite fresquinhos alimentaram o paladar de muita gente. Paisagem escolhida a dedo, o chalé proporcionava uma ampla vista do vale da Contenda até a guirlanda da serra circundante, com o fogo da refinaria de Araucária brilhando à noite. Todos que provaram gostaram muito. Ainda ouço a algazarra dos netos tomando banho de esguicho, do “bom dia” muito bem humorado da Raquel, criancinha, da mamãe cantando na cozinha 11 Certa vez, voltava eu de Curitiba, rumo a S. Paulo, de fusca, quando parei, como sempre, no Petropen, Logo abri um guardanapo no colo para comer rezando a farofa da tia Diva. Meus filhos, correram para o bar, creio que com vergonha da farofeira. Um homem se aproximou do carro e perguntou se eu conhecia Alcides Maciel. Quando eu me identifiquei ele disse: venha me dar um abraço, sou seu primo Nicoláu! 12 Continuam lindas lá na Ilha Grande!
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e das batidas da bota do papai na soleira da porta para tirar a poeira das caminhadas. Mamãe, grande contadora de histórias como a mãe dela, usou este cenário em muitas histórias que nos permitiram todas essas lembranças.
Fig. 27- Chácara das magnólias
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Fig. 28- Fotos Diva
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ZILDA
Tia Zilda era muito bonita e elegante. Tinha uma postura de quem, hoje, faz pilates. Os cabelos castanho-claros eram crespos, acho que os mais crespos das irmãs. Quando garota, tinha fama de filar a comida do prato dos outros. Mamãe contou que uma vez, tio Fernando tinha comido um ovo quente. Para não grudar, pôs água no copo e mexeu com a colher, deixando em cima da mesa. Quando ela entrou na copa, logo se interessou pela bebida. Tio Fernando, adivinhando a cena, disse que era suco de caju, e continuou a refeição sem tocar no copo. Foi descrevendo as delícias da fruta até que ela, num golpe, tomou tudo de uma vez! Só foi perceber a brincadeira quando já tinha engolido tudo, para diversão dos irmãos! Quando criança teve uma doença que mamãe chamava de Doença de São Guido ou de São Vito, que provocava tremores pelo corpo. Custou um tempo a passar. Não era arteira como as irmãs menores. Ajudava na arrumação da casa. Todos, aliás, tinham tarefas que eram determinadas pela Vó Baby. Quando cabia a ela organizar os quartos, exigia ordem e asseio. Caso encontrasse coisas fora do lugar, jogava tudo pela janela. Ciente da tarefa de ajudar a vovó a dar conta da meninada, fazia as irmãs manterem o quarto em ordem. Uma vez deu prazo para a tia Maria e a tia Iva arrumarem as coisas e elas não ligaram! Quando se deram conta, as roupas das duas, que estavam espalhadas no quarto estavam todas no quintal! Tinham voado pela janela! Ainda estudava nesta época de lembranças e namorava tio Oswaldo que fazia o CPOR. Tudo meio às escondidas. Ele vinha, de farda, namorá-la, para desgosto do tio Fernando que achava-o, penso eu, muito novo. Mas ele era uma graça de pessoa, sempre divertido. Pegava-me no colo (Alba), encostava bem os
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seus olhos nos meus e dizia: - olha a coruja! E eu só via um grande olho me espiando! Logo depois da formatura, tia Zilda também começou a trabalhar no Grupo Escolar Júlia Vanderley. Saía de casa sempre muito bem vestida e aprumada. Creio que não precisou ir tão longe como minha mãe. Trabalhava na cidade. Chamava a atenção dos rapazes quando passava! Numa temporada que passou em Igarapava fui sua madrinha de crisma. Não sei como o bispo deixou, pois eu era uma menininha de 6 anos...Em carta para Vó Baby (10.07.48) escreve: “Mamãe, Oswaldo há dias escreveu-me perguntando se eu acho bom marcarmos o casamento para 22 de outubro. Já havíamos combinado quando ele esteve aqui. Que tal? O que a senhora acha? A nomeação dele deve sair este mês e acho que nessa data a Alice, o Alcides e família poderão vir. Está de acordo?”.
Fig. 29- Fotos em Campinas
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Quando casou, foi morar em Campinas, numa pensão de construção muito bonita (art déco). Foi onde fiquei, com mamãe e Junior, quando fui operada de garganta. Pouco depois, adquiriram uma casa muito boa no Bairro Guanabara. Era fácil chegar lá de bonde, muito divertido. A linha férrea passava perto dessa casa. A mobília da sala era linda, de madeira escura trabalhada em entalhes. Se não me engano era de família e hoje está na casa do Nuno. Em Campinas, na nova casa, nasceram os dois primeiros filhos do casal. Anos depois, transferiram-se para Ituverava por influência do meu pai. Tio Oswaldo era um excelente cirurgião. Quando havia um caso mais complicado em Igarapava, ele vinha ajudar. Comentavam que era bonito vê-lo operando, pois usava ambas as mãos, era ambidestro. Quando precisei de cirurgia, foi ele que me operou. Quando João Bosco nasceu, ele estava junto a mim, segurava minhas mãos! Nunca esquecerei! Quando vinham jantar conosco, minha mãe mandava preparar lombo de porco, que ele adorava. Tinha o hábito de tomar uma cervejinha às refeições: antárctica pilsen extra, que tinha um
Fig.30 - Casa de Ituverava
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rótulo listrado. Aliás, a primeira cerveja que tomei na minha vida foi com ele. Os descendentes conservaram o hábito e o expandiram geometricamente... exageradamente, para meu gosto e para delícia deles... Tia Zilda tinha com todos nós um carinho de mãe. Tivemos, eu e Junior, sorte de morar em cidades próximas. Eu, quando ia para Ituverava, devorava todos os livros de literatura policial de tio Oswaldo: Sherlock, Arsène Lupin, Poirot, onde estarão eles? Ainda no tempo de minha mãe pegávamos carona com Peralta, um primo muito querido que trabalhava no Banco do Brasil de Ituverava e passávamos o dia com a tia Zilda, voltávamos com ele, de tardinha. Tia Zilda tinha a capacidade de dormir sentada nas longas vindas para Curitiba ou outras paragens. E, parece-nos, que dormia de verdade, sem perder a classe, aprumada como sempre. Mudaram-se para S. Paulo no início dos anos 60. Meu pai trabalhava como Secretário de Municipalidades do Governo Carvalho Pinto, conseguiu para ele um trabalho no Hospital da Polícia Militar. Como ele era de muita competência, logo acumulou este trabalho com o Hospital Samaritano e, mais recentemente, dirigia o Banco de Sangue do mesmo hospital. Moraram de início, em Pinheiros, depois, na Vila Madalena enquanto construíam uma linda casa na mesma rua do estádio do Morumbi. Nascia ali mais um eixo familiar que iria ficar famoso.
Fig. 31- Uma linda motorista
Quando eu me mudei para S. Paulo, tia Zilda foi uma verdadeira mãe para todos os da minha família. Os domingos e fe-
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riados em sua casa, já no Morumbi, eram memoráveis. A piscina e os petiscos que preparava para todos nós eram deliciosos, o humor inteligente do tio animava o convívio. Tio Oswaldo vinha todo dia almoçar em casa embora o hospital fosse distante e o trânsito já meio congestionado. Sua presença era um brilho para todos nós. As refeições tinham muito mais sabor com sua presença. Estar perto deles compensava, para mim, a falta de paisagem característica de S. Paulo. Era o calor familiar que me alimentava naquela época. Certa vez, tio Oswaldo tirou uns poucos dias de férias e, como gostava, foi descansar em Curitiba, na casa dos tios Diva e Kurt. Ao voltar, fui visitá-los e perguntei sobre o seu breve descanso. Respondeu-me:- Dormia depois do almoço e só acordava com o aprazível ruído dos talheres de encontro às louças vindo de uma mesa sendo arrumada para o lanche. Diga-se, o lanche da casa da Diva! Entendeu? Eu entendi perfeitamente. Presença obrigatória nas festas de fim de ano, minha “ tia Zilda do Rio de Janeiro” e sua família passavam o natal na casa da Ângelo Sampaio e o resto do verão na casa de Caiobá. Sua chegada era esperada com ansiedade. Marcava uma temporada de muitas brincadeiras e convivência com a família. A casa virava quartel general de todos: nós, nossos hóspedes e todos os outros que vinham passar o dia. De certa forma, repetia-se a convivência da André de Barros, enriquecida dos netos e até bisnetos. Tia Zilda, sempre solícita e atenciosa, ajudando mamãe e distribuindo gentilezas. Rainha da paciência cuidava para que todos estivessem confortáveis. Atendia aos filhos sem esquecer as preferências de cada um. O casal sempre se deu muito bem com papai e mamãe. Viajavam juntos, faziam programas e terminavam as tardes gostosas sempre com uma cervejinha gelada e algum quitute da mamãe e da tia.. Os Anderson, eram presença constante nos natais em Curitiba. Ela, sempre elegante, usava uma cruz de prata no pescoço. A elegância de tia Zilda aliada à sua nobreza de atitudes eram características marcantes. As refeições eram quase rituais: todos arrumados, de cara e mãos lavadas, cabelos penteados, copeira
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de uniforme, pratos saborosos, alguma disciplina, o bom humor do tio e muito, muito amor.
Fig.32 - Fotos Zilda
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MARIA
Maricota era a mais alegre das irmãs! Irradiava luz, como, aliás, deveria ter sido o seu nome! Maria da Luz! O Erasmo Mäder, que foi fazer o registro é que trocou por Maria, simplesmente. Tia Maria, quando pequena tinha fama de chorona! Apaixonada por tio Alcides vivia pendurada nele. Cada vez que ela chorava ele cantava para ela: O meu boi morreu, Que será de mim, Manda buscar outro, oh! maninha,
Lá no Piauí... Fugia de casa para “visitar” tio Alcides na república onde ele morava. Num início de férias quando ele foi pegar o trem para Igarapava, ela se pôs, de pijaminha, na escada da estação de
Fig.33 - Maria menina trem, aos prantos. O chefe da estação levou-a para casa! Também era muito arteira. Jogava, com as primas, pedrinhas nas pessoas que passavam na rua, ou enfiava cabo de vassoura pelas frestas das gateiras da casa para fazê-las tropeçar! Formava, com a tia Iva, uma dupla digna de respeito! Iam e voltavam juntas da escola. Numa dessas voltas, um garoto de bicicleta provocou a tia Iva. Ela enfrentou a briga, derrubou menino
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e bicicleta e quebrou-a. Sujou o uniforme e ralou o joelho, mas pôs o menino para correr! Brincando de embalar um nenê no carrinho, daqueles de rodas grandes, elas estavam no corredor da casa empurrando-o de uma para a outra. A que estava mais perto da porta da entrada se distraiu e entrou na sala. O carrinho, com bebê e tudo, foi parar na calçada da André de Barros! Tia Iva e tia Maria quando meninas costumavam aprontar juntas! Marilu vivia rindo, falava alto, me levava a grandes passeios – Paranaguá – e menores, Passeio Público e matinadas inesque-
Fig.34 - Maria dos cabelos dourados
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cíveis (Alba). Eu era apaixonada por ela. Perto dela tudo virava festa, até um simples lanche. Quando era um sorvete na confeitaria Schaffer, então!!! Tinha um cabelo lindíssimo, longo, ondulado com reflexos dourados e um sorriso de dentes perfeitos! Marilu era, como tia Zilda, muito elegante, aliás, muitas vezes vi pessoas confundirem as duas: dirigiam-se a Maricota como se fosse tia Zilda e vice versa. A vó Baby fazia vestidos lindos para ela. A missa dos domingos era sempre no Bom Jesus, às 11 horas. Nessa igreja casaram-se nossas mães e também as tias. Maricota ia sempre linda à missa. Minha mãe dizia em carta que queria fazer “soutien” para ela, mas que o molde estava em Curitiba e o “cotil” em Igarapava. “O que seria cotil?13” A tia tinha o hábito de buscar o “pãozinho de S. Antonio”, para a família, na Igreja do Bom Jesus. Bem jovem, começou a trabalhar na “Saúde”, como dizia. Tio Doca que arranjou esta colocação. Ficava perto da Escola Normal da minha mãe. Cheguei a ir algumas vezes com ela até lá. Depois a “Saúde” transferiu-se para o prédio da Rua Barão onde funciona até hoje. Foi uma beleza, pois era pertinho da André de Barros. Eu adorava fazer confete com o furador da sua seção. Marilú também tocava piano, lembramos do “Brejeiro” inesquecível criação de Ernesto Nazaré- , xotes, sambas e valsi-
Fig.35 - A charmosa Maria 13
Tecido de algodão ou linho muito fino, segundo o Aurélio.
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nhas. Ela ainda abria a tampa do piano para os sobrinhos verem os martelinhos em correria sonora! Fascinante! Maricota teve muitos namorados, mas não se casou. Para nossa sorte ficou morando com a Vó e tia Lúcia em diferentes endereços após a legendária André de Barros, até adquirir o apartamento em que vive até hoje, um encanto para seus sobrinhos-bisnetos. A casa de Matinhos para ela foi uma experiência de vida muito valiosa: mexia com mudas, fazia composto orgânico, era amiga de toda a vizinhança que a adorava. Nos últimos tempos, passava desde o natal – que fazia questão cerrada de comemorar com os sobrinhos-, até o mês de abril ou maio nessa preciosa casa. A primeira providência ao acordar era alimentar os pássaros (hoje faço a mesma coisa, meus netos que o digam). Estes, de tão acostumados, chamavam por ela quando ela demorava. Quantas vezes ela foi a Matinhos simplesmente para comprar alpiste! Sempre comunicativa, logo fez amizade com toda a vizinhança. Ia para todo o canto de bicicleta. Só desistiu quando um tombo feio bem na porta de casa e algumas quedas de bicicleta a obrigaram a sossegar. O “Recanto Praiano” vivia cheio de hóspedes, que as tias e a Bivó recebiam com carinho. Todos nós temos gratas lembranças das temporadas passadas lá. Os “triliches” nos quartos multiplicavam as acomodações e, no velho estilo de compartilhar, todos colaboravam para uma estadia agradável. Esse memorial, também, deve-se a encontros na casa de Matinhos, acontecidos todos os anos no mês de abril, antes delas subirem para Curitiba. Inicialmente, eu e Cris, cada qual saindo de suas cidades nos encontrávamos na Rodoviária de Curitiba, tomávamos o café da manhã com tia Diva e seguíamos para Matinhos. Muitas vezes, o tio Kurt nos dava maravilhosa carona, almoçavam com as tias e retornavam a Curitiba, deixando-nos lá. Nas últimas vezes, Iara aderiu ao grupo, vinha de Londrina e se encontrava com a gente. Trazia mil traquitanas de fazer artesanato para aprendermos e nos distrair – e às tias - . Nessas ocasiões, eu anotava muitas coisas que aparecem aqui, narradas principalmente por tia Lúcia sobre histórias da família.
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Fig.36 - Recanto, lateral da casa. Com certeza, a perda dessa casa representou a perda de motivações importantes para a vida da Marilú, mas não havia outro jeito, mesmo. Os horizontes já não eram mais o mar e a montanha, a vizinhança já se encostava no muro, com seus ruídos invasivos e incomodativos, encobrindo o canto dos pássaros. Como acontece em todo o Brasil, o litoral estava povoando-se e, o pior, desfigurando-se, para tristeza de todos nós. Muitos dos primos - lembramos especificamente do Luiz Augusto - choraram quando viram a casa, antes tão florida e acolhedora, espremida entre construções novas. Que tipo de progresso é este???
Fig.37 - Fotos Maria
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IVA
Tia Iva era a estudiosa mais aplicada da família. Lembro-me dela ainda de azul e branco, na Escola Normal estudando em voz alta, fechada na sala de visitas. Nossa Vó colocava o dedo indicador nos lábios fechados para pedir silêncio a nós. Tinha os “olhos marcantes da Vó Luz”, como dizia Vó Baby. Sua intensidade aumentava quando ela ficava brava ou feliz. Tinha os cabelos escuros e levemente ondulados, poucas sardinhas no rosto rosado e era namoradeira, consigo lembrar de um –Juju ou bem Padilha, que era arrenegado pela família, não me lembro do nome. Bem no final da Escola Normal, ela namorou tio Fábio que, à época, eu achava um “gato”.
Fig.38 - Iva e Fábio dançando Ainda adolescente, teve osteomielite. Foi operada e salva pelo Mário Abreu, que virou o guru da família. Ficou com uma cicatriz profunda no braço. Usava sempre blusas e vestidos com mangas.
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Transcrevo trecho de uma carta escrita por ela para Vó, que estava em Igarapava durante o nascimento do Junior. “Sábado passado a mãe do Fábio esteve aqui com a Maria, senhora do Sumy(sic). Cada vez acho-a mais simpática. As meninas (nossas tias) também gostaram muito dela. A Lúcia fez aquele doce que a Paulina faz, estava ótimo. Neste domingo eu e a Maria fomos lá e eu fiquei mais encantada do que a primeira vez. Só vendo, me tratam como se eu já fosse da família. As crianças só me chamam de tia Iva. Conheci Lenora, parece que vamos nos dar muito bem.” “Já estou em férias. Felizmente fiz boas provas e tirei boas notas. Fiquei louca da vida com a nota de metodologia -6,0-, acho que a professora estava azeda quando corrigiu.” “Fernando e Paulina dormiram aqui no sábado, domingo e segunda. Vera está um amor. Eles já tem uma porção de perús e dois cavalos, mas ainda não montei nem vi nenhum. Estou fazendo o tal regime para ver se engordo”.
Fig.39 - Casamento Iva e Fábio
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Numa carta de minha mãe, logo após o casamento dela, aparece: “Como passa a nossa futura mãezinha? É o que dá essa carinha redonda e esse arzinho teimoso! Arranjou nenê!” “Achei um encanto as fotos de noiva da nossa caçula! Ótimas, ótimas. Também tenho gostado das da Iara.” Eu, também, faço a descrição: “Bateram retrato da tia Iva de todo jeito, ajoelhada com aquele pano de padre na mão e também quando saiu de carro com o Mário. Aparecem você e o papai ao lado dela no casamento civil”. As fotografias ficaram ótimas. Isso, transcrevi de uma carta antiga, sem data. “Tia Iva chegou ontem de viagem, ficou encantada com a beleza do Rio. Foi a Paquetá e Petrópolis, ficou encantada com o museu. Ela disse que no dia que ela foi a praia tinha morrido uma moça afogada e tinham pegado um polvo e ela nem se incomodou e foi para o mar. Acho que ela aproveitou mais que tia Zilda. ”Data: 09.01.50. Tia Iva nunca parou de estudar. Dirigiu uma escola para crianças especiais e se apaixonou, tanto pelo trabalho quanto pelas crianças. Chegou a levar um grupo (imaginem a responsabilidade e ousadia!) para Matinhos para as crianças curtirem a praia. Lógico que deliraram! Certa vez, eu estava com ela a pé, passando perto dessa escola quando uma das crianças a avistou. Veio correndo desabaladamente atravessando a rua ignorando o perigo só para atirar-se nos braços dela! Especializou-se em Psicologia e veio fazer um curso no Rio de Janeiro por volta de 1979. Nessa época, soube que meu pai tinha uma doença incurável. Quase enlouqueci. Ela que me consolou. Pouco depois a Vó ficou de cama, grave, também. Este ano foi terrível para a família, duas perdas irreparáveis. Tia Iva era uma eterna aprendiz, vivia estudando, queria sempre se aprimorar, pouco antes de sofrer o acidente fatal montou uma clínica e estava eufórica com o trabalho que planejava. O casal Baby e Sinhoca tiveram outros filhos que não conhecemos porque faleceram muito novinhos: Alba, xará minha
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e da Vó, que faleceu com um aninho apenas, era a mais velha; Odete, que, segundo tia Lúcia era muito loura e linda e Francisco. Ambos entre as tias Zilda e Maria. Odetinha faleceu de Crupe e Francisquinho afogou-se na banheira. Vovó foi atender à porta e deixou a empregada cuidando dele... Houve ainda uma criança que nasceu morta. Não nos lembramos de outros.
Fig.40- Fotos Iva A família de sete filhos que eu, Iara e todos vocês conhecemos era composta de um homem, três mulheres pequenas e fortes e três mulheres altas e igualmente fortes. Expandiram-se em torno de uma mulher rara e de um homem feliz. Não perderam a garra nem a fé nem mesmo com a perda de filhos, como Alba, Odete e Francisco. Enfrentaram grandes tempestades financeiras sem perder a sobranceria e, principalmente, sem perder a alegria e o incomensurável potencial de amar. Uma família magnífica onde tivemos o privilégio de nascer, uma riqueza inestimável!
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Fig.41 - Família reunida em aniversário
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A CHEGADA DOS NETOS Eu fui a primeira, custei 24h para nascer. Quando já se falava em fórceps eu resolvi aparecer, justamente às 6 h. do dia 23 de setembro de 39. Minha avó estava lá. Para chegar a Igarapava viajava-se de trem desde Curitiba, com várias baldeações. Demorava-se três dias! A correspondência dava-se exclusivamente por cartas e, quando urgentes, telegramas abreviados. Quando criança eu não os entendia e ficava zangada com aqueles códigos. Dei muita sorte em nascer nessa família: a primeira neta, a primeira sobrinha de mulheres ultra-amorosas que se desmanchavam em carinhos e atenções comigo. Tia Lúcia enviava-me postais lindíssimos para compensar alguma besteira que eu fazia e tinha superado, como, por exemplo, roer as unhas. Este fato ela “curou” com cocô do Tabajara, um cachorro magnífico, negro, com patas brancas, fila brasileiro e muito bravo. Anos depois, ela me contou que, na verdade, o que ela lambuzava nos meus dedos era lama de Araxá...que, como tinha cheiro de enxofre, era fácil de engambelar a sobrinha.. E deu certo... Tive pneumonia aos dez meses. Quase morri, mesmo. Meus pais quase enlouqueceram e minha avó também. Receberam a lúgubre notícia ainda em Curitiba e ela e tia Lúcia tomaram o primeiro trem para Igarapava sem a menor esperança de me encontrarem viva. Repetia-se a história da tia Iva – não havia penicilina, ainda, no mercado farmacêutico. Chegou às minhas mãos um papel com anotações da minha mãe, de hora em hora, da minha temperatura naquela fase. Nem sei como me curei, só sei, que numa foto da época eu parecia uma mortinha. Um tio do meu pai – tio Totonho – ofereceu-se para custear minha transferência para
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Ribeirão Preto. Meus pais ficaram eternamente agradecidos. Acho, até hoje, que o nome do Antonio Augusto (meu sobrinho) deve-se, ancestralmente, a este fato. Este deveria ter sido o nome do meu irmão que era esperado por minha mãe quando ela faleceu.
Fig.42 - Alba após pneumonia
Quando fiz um ano, recebi dezenas de congratulações, destaco uma: “Se essa sua terra não fosse tão quente eu teria imenso prazer em lhe fazer uma camisola de tricot, pois de costura eu não compreendo nada. Diga a sua mãe que lhe dê o porquinho para você brincar, pois foi para isso que eu mandei, que ela deixe de guardar seus brinquedos.” Carta da tia Diva (23.09.40) Eu, até hoje, não sei como minha mãe me mantinha toda arrumada naquela época com aquela poeira que é característica da região: vestidinhos fofíssimos cobertos por avental de babados (deveria ser moda em Curitiba) meias e sapatos. Coitada de mim! Quanto calor deveria passar!
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Fig.43 - Fotos Alba
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Iara nasceu num dia mágico: 1 de janeiro! Fui, com minha mãe e tias, visitá-la na casa de saúde S. Francisco . Tia Diva, que sempre foi cheinha, nem aparentava gravidez. Só as varizes, triste herança genética, a faziam sofrer. O dia estava tranquilo, as ruas um tanto desertas para um dia de festa. Acho que foi a primeira a nascer em maternidade, pois até o Junior, que veio depois, nasceu em casa. Iara era bem branquinha e alourada, como até hoje. Muito delicada, o que era aprimorado pelos vestidinhos fofos e embabadados, de entremeios e estampas bem miúdas.
Fig.44- Iara entre babados e rendas
Tia Lúcia escreveu em julho de 47: “A Iara hoje passou a tarde aqui, está cada vez mais forte e fogueta. Gosta muito da papinha e come bananas que nem macaquinho. Já imita o que os grandes fazem. Hoje, a Iva tossia brincando com ela e, no mesmo instante, ela imitava tanto que até se afogava. Quando fez seis meses tirou umas fotografias que, pelas provas, devem ficar ótimas.” E, em 48: “A Iara esteve dois dias com febre, a mesma encrenca de
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garganta. Está cada vez mais gata arranhando e mordendo as tias, principalmente a Iva. Sempre chama por você.” Numa outra, maio de 50, eu é que conto: “Tia Diva mandou a empregada embora e a Iara ficou aqui, então eu e a tia Iva inventamos de levá-la para o Jardim de Infância. No primeiro dia ela não conversou com ninguém, ficou quieta. Agora, no segundo dia ela pintou o bode e o engraçado é que ela brincou mais com meninos do que com meninas”. “Iara hoje comeu bem. Ela trouxe uma caixa de sapato quase cheia de caramujos para dar-me.” Carta minha para minha mãe, de 15.09.50. Tia Zilda, em carta de 48, por ocasião do nascimento do Junior lembrou lá de Curitiba: “ Hoje a Iara está fazendo um ano e meio. Beijinhos a ela, mãe e pai.” E é verdade, bem no aniversário do Junior a Iara faz meio aniversário. Em todas as minhas cartas para Igarapava pergunto com carinho por Elzira, Odete e Enedina.
Fig.45 - Fotos Iara
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Por essa época, tio Fernando morava numa imensa chácara. A casa era a mais linda que eu jamais havia visto. Tinha uma banheira de mármore rosa que parecia as das termas que a gente via nos livros. Foi a primeira vez que vi plantação de trigo, as espigas douradas ondulando, lindo, lindo! Vera Sueli era lindinha: cabelos crespos e louros bem curtos, olhos vivíssimos, sorriso aberto como até hoje. Tia Paulina morria de medo dos ímpetos da filha em sair correndo naquele paraíso. Era ultra assustada com as peraltices da filha que era levadíssima. Lembro-me do tio fazendo planos para uma granja. Não sei o que aconteceu depois, só sei que nunca mais voltei lá. Infelizmente. Minha mãe era encantada com o nome dela: Vera Sueli. Escolheu este nome para quem solicitava dela uma sugestão para nome de menina, muitas vezes, afilhadas. Achava o máximo da delicadeza!
Fig.46 - A linda Vera Sueli
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Voltei inúmeras vezes para visitar os tios, só que na casa da rua Dr. Muricy. Tinha, e acho que ainda tem, uma grande escada de madeira e a porta de entrada acionada por uma cordinha de lá de cima do sobrado, o que eu achava o máximo da engenhosidade. Tia Paulina cozinhava maravilhosamente bem e era muito delicada comigo. De vez em quando me levava para brincar com um menino, muito mimado, chamado Mamoel Heitor. Lembro-me, também, de um quadro na parede da sala da frente: retratava uma árvore vermelhíssima. Tio Fernando achava impossível haver tal árvore, implicava com a irrealidade do quadro, minha mãe contestava, até o dia em que ele viu um flambloyant de verdade, dos vermelhos, na minha terra. Dali em diante passou a acreditar no quadro... A gravidez da minha mãe transcorreu sem problemas, com exceção das varizes que ficaram enormes. Meu pai não queria mais filhos. Quando eu pedia um irmão, ele apontava o quintal, que era enorme e, na época, cheio de árvores e dizia: - olha suas irmãs aí! (será que era uma previsão?). Já minha mãe era o contrário. Acho, ou melhor, tenho certeza, que ela engravidou de propósito. Ela só falava no Alcides Antonio, com tanta convicção como se já existissem, na época, os exames de imagem. Não engordou quase, só a barriga. Junior nasceu às 14h do dia 30 de junho de 1948. Eu brincava na praça em frente de casa, tinha ficado na casa da tia Lourdes. Uma semana antes havia chegado tia Diva – a madrinha- com a Iara. Na véspera do nascimento chegou tio Kurt, por isso diziam que ele foi a cegonha... As pessoas, algumas simplórias, outras idiotas mesmo, me diziam: - Vai cair do galho! - Acabou a festa para você! Eu, felizmente não atinava com o significado das palavras, só pensava no meu lindo irmão que nascera. E era Alcides Antonio mesmo! O parto, diziam, foi muito fácil, só duas contrações, completamente diferente de quando eu nasci. Veio de ski, como dizia minha mãe, que amamentou-o até aos oito meses. O cartãozinho de participação do nascimento era muito bonitinho: um bebê, de paraquedas caindo de um avião. O Junior foi uma criança muito linda e sadia. Muito claro, louro e forte. As tias que ficaram em Curitiba ficaram
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pra morrer de ansiedade, queriam saber detalhes do “primeiro neto da vó”, existem dezenas de cartas perguntando de tudo, desde a cor dos olhos, o peso além da tia Maria com vontade de “abrir a boca” de emoção. Milhares foram as felicitações dos parentes e amigos, vindas de todo o canto. Destaco algumas. “E vós, pequeno Alcides que não sabeis o que tendes como guia e protetor nosso, um dia, já no futuro, sabereis que tivestes e tendes duas estrelas no roteiro de vossa vida, a iluminar a larga estrada de ouro, segura, que para nós são tesouros: nossos pais!” “Alcides Antonio, seja nobre na grandeza e grande na nobreza”.
Fig.47 - Júnior criança
Junior fazia o orgulho dos pais. Felizmente existem fotos lindas deles. Minha mãe, muito antes de virar moda, era uma excelente fotógrafa. Fotografou as cataratas do Iguaçu como uma profissional. Tomava Malzbier no almoço para aumentar o leite. Quando o Junior fez um ano e meio eu fui morar em Curitiba. Morria de saudades dele, acho mesmo que era de quem eu sentia mais saudades. Mas, apesar das saudades, o ano de 1950 foi decisivo na minha vida. Minha mãe sabia o que fazia.. e me escrevia, na volta de uma das viagens entre Curitiba e Igarapava.
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“O nosso amorzinho enjoou duas vezes. Em Capão Bonito ele almoçou uma canja com bastante disposição e o resto da viagem veio fogueteando. Usou convenientemente o urinolzinho, não fez desastre nenhuma vez. Em Campinas, chegamos queimados de sol. Eu e o filhão tomamos banho, jantamos e deitamos acordando às 4 da manhã para prosseguir viagem. Zilda é que providenciou tudo. Aqui em casa todos com saúde e em ordem. Elzira nos esperou com maionese, lombo de porco, macarronada e empada de galinha, de sobremesa, bananada (presente da Guilhermina), para o lanche ainda havia bolo.” “Seu irmão dormiu sozinho. Vive com a cabeça molhada de suor. A pijama ontem à noite estava pingando. Agora está dormindo pelado.”
Fig.48 - Fotos Júnior
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O ANO DE 1950
O ano de 1950 foi realmente decisivo na minha vida, imprescindível para o traçado dessas escrevinhações, pois permaneci o ano todo com minha avó e tias. Dessa vivência é que ficaram e se reforçaram tantas lembranças... O curso primário em Igarapava estava muito fraco, eu estava ficando burrinha e preguiçosa. Minha mãe não teve dúvidas, com toda a saudade que significaria, para todas as partes, resolveu que eu cursaria o quarto ano em Curitiba. A decisão foi reforçada pelo fato da tia Iva ser professora de uma escola muito boa – Lisímaco Costa - e da professora da quarta série – a que eu teria que cursar - ser excepcional. Realmente era. Foi a melhor professora que tive neste nível de formação. Tia Iva era uma carrasca em termos de exigências e eu, de medo, obedecia calmamente. Minha mãe recomendou uma professora particular – D. Haidée Nicleves -, excelente. Além de fazer os deveres de casa com ela e a filha, que era minha colega na escola e da mesma sala, ministrava, também noções de francês. Essa dureza toda valeu muito para mim. Em pouco tempo tirava as melhores notas da sala, melhores, inclusive, do que minha amiga Regina, filha da D. Haidée. Venci uma maratona de matemática, pode??? Tudo graças à tia Iva. Para encurtar a história, quando voltei a Igarapava para o exame de admissão ao ginásio (sim, existia isso!), passei em primeiro lugar e “peguei” fama de inteligente, o que me valeu por alguns anos.
Fig.49 - A escola em que Alba estudou em Curitiba
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Que maravilhosa oportunidade eu tive nesse ano de 1950! Inclusive conviver mais de perto com toda a família! Tio Kurt era meu aliado contra os excessos da tia Iva: combinava secretamente comigo botarmos fogo no piano e nos cadernos. Acho que ele achava excessivas as exigências, mas não eram não! Era puro amor e desejo de sucesso para a sobrinha! Eu, também, secretamente, sabia disso! No final de 49, em dezembro, nasceu Solange. Vários nomes foram cogitados, mas permaneceu Solange, tão sonoro, Sol dos Anjos, felizmente! Praticamente “adotei” a tia Diva. Como morava bem perto da maternidade – Paciornik - ia, o dia todo, fazer companhia a ela, levar encomendas e trazer recados. Fiquei encantada com a sala de parto: tinha um painel de azulejos representando um brejo coberto de tabôas e cheio de cegonhas com criancinhas nos bicos. Tão diferente das salas de parto que vi posteriormente... Solange parecia uma gringuinha, como até hoje e tinha lindos cabelos avermelhados, como até hoje. Era bem diferente da irmã.
Fig.50 - Solange com buquê
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Neste emblemático ano de 1950 nasceram muitos netos para a Baby. Oswaldo Junior em abril, Ruy Sérgio em setembro e Solange, um pouco antes, em dezembro de 49. Quanto ao nascimento de Nuno, em Campinas, existe uma carta linda escrita por tio Oswaldo para meus pais, que eram os padrinhos, contando todo o nascimento do filho. Emanava orgulho! Entreguei esta carta ao Nuno não faz muito tempo. Espero que ele a tenha guardado. Tornou-se, rapidamente, uma criança bonita e forte, os cabelos bem lisos e espetados, ombros largos e levadíssimo. Cheguei a dar-lhe papinhas caprichadas feitas pela tia e regadas a caldo de feijão. De uma carta do Junior, logicamente escrita por minha mãe, transcrevo um trecho. “Meu primo é forte, grande e mansinho. Eu era bem carinhoso e delicado com ele embora todos tivessem grande receio de que eu lhe fizesse algum dano”. Do Ruy, lembro-me da barriga da tia Iva e do fazer carinhoso de todo o enxoval, uma partilha entre toda a família. Foi a primeira vez que ouvi a menção da cor rosa- salmon. Tia Iva tricotava um casaquinho dessa cor para o bebê. O quarto da vó Baby foi arrumado para tia Iva logo após seu casamento. Eles morariam conosco até seu apartamento ficar pronto. Faço um parênteses para narrar um fato um tanto angustiante não fora a intervenção da tia Diva: Tia Iva, que fazia o enxovalzinho do Ruy, pediu-me que comprasse uns novelos de linha numa loja – armarinho muito grande - que havia na Rua Marechal e deu-me o dinheiro que à época era o equivalente a 50,00 reais – penso eu.... era muito dinheiro! Coloquei-o no bolso e lá fui pela André de Barros. Quando fui pagar, cadê o dinheiro?! Desesperei-me, não sabia o que
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fazer... Daí, estava perto da casa da tia Diva e lá fui eu contar minhas mazelas quase chorando, antevendo a braveza da tia Iva. A santa Diva deu-me o dinheiro integralmente e creio que nem contei a proeza para ninguém... Lembro-me, enevoadamente, que eu e Maricota fomos fazer uma grande faxina no apartamento antes da tia Iva se transferir. Imagine-se a beleza da limpeza que foi feita... Ruy já nasceu muito bonito, com traços delicados e, com o passar dos meses ficava cada vez mais bonito. Foi uma linda criança, porém, um pouco nervosa: mordia os braços como faz o meu bisneto Rafael. O bracinho ficava roxo... Isso passou com o tempo. Espero que o mesmo se passe com Rafael. Em 1951 nasceu o impagável Maurício, exatamente no mesmo dia do seu irmão! Não era e custou muito a ficar bonito, em compensação tinha um mau gênio que ficou famoso na família. Se o contrariavam, batia com força a cabeça na parede! Tinha que usar um tapa-olho, o que era um desespero para todos, para fazer exercícios óticos. Se houvesse algum machucado em função de alguma brincadeira, ele blasfemava contra o anjo da guarda:- Bosta de anjo que não me cuida!!! Fica dormindo e não me cuida! Para comer, era um suplício! Bem diferente do Nuno. Tia Zilda era a mãe da paciência! Em 1952 nasceu Paulo Roberto. Logo, logo, tornou-se um bebê muito lindo e gordinho. Foi , mais ou menos nessa época, que a vó Baby teve que entregar a casa da André de Barros. Eu já havia entreouvido conversas sobre o fato. A família não estava revoltada, pelo contrário, mostrava-se agradecida pelo fato do proprietário (Ego Mueller) ter permitido que morassem naquela casa tão preciosa por tanto tempo com um aluguel
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bem razoável – parece-me que por 36 anos. E o argumento era que ele precisava da casa para construir uma loja ou fábrica, qualquer coisa que não me lembro. De fato, hoje tem uma construção horrorosa que nem se sabe para o que serve... Nossos pais e tios evitavam falar em frente das crianças fatos que poderiam causar algum desagrado, por isso não sabíamos de nada. Fui criada como Sidarta – o Buda – alheia a todo o mal que havia no mundo! É verdade! Como exemplo posso citar o fato de nunca ter visto matar um frango, minha mãe não permitia. Certa vez, na fazenda do meu avô Benzinho, na Limeira, houve uma correria de netos: iam matar uma vaca. No meio da agitação, lá fui eu acompanhando os primos até o curral. Nunca vi coisa mais horrorosa! E havia um bezerrinho, feto, dentro da barriga dela. Brincavam com a bexiga do bicho como se fosse uma bola. Diferenças culturais... Diversão para uns, pavor para outros... Retornei de Igarapava, já com 12 anos, minha avó não morava mais na André de Barros, depois de uma passagem pela Rua José Loureiro mudou-se para a Hermelino de Leão. Felizmente não vi a mudança. A garra da família era tanta que o clima de positividade permaneceu o mesmo embora o entorno físico fosse completamente diferente: um apartamento relativamente pequeno. O fato das tias, em sua maioria já estarem casadas e, cada uma com sua casa, amenizou um pouco a situação. Para mim começou uma fase diferente: a de muitas leituras, partilhadas com minha avó. Líamos o dia inteiro. Ela em sua cadeira de balanço eu, empencada em qualquer móvel, as tias trabalhando muito. Uma sugeria leituras para a outra. Não sei onde a vó encontrava tantos romances: Coleção Cor de Rosa, M. Delly, Condessa de Ségur, Max du Veusit, livros históricos e biográficos. Numa carta de Curitiba, em maio de 50 eu pedia a minha mãe: “mande-me livros, mãe, tenho uma vontade louca de ler! Depois da lição da escola, à noite, vou para cima (sótão) para ler livros na cama”. Achava o máximo que, o que para mim era um prazer, ser estimulado como estudo. Não entendia direito, mas como adorava! Um hábito que ficou na minha história de vida para sempre, creio que até a próxima encarnação. Tento
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passar esse hábito maravilhoso para minha própria família, mas ninguém é igual! Só o Junior, meu irmão, é parecido. Iara retruca que, também ela, lê muito, tanto quanto nós. Nesta época, como já foi lembrado, nasceu Paulo Roberto, uma criança linda. Fazia uma duplinha muito bonita com Ruy Sérgio, para alegria dos pais. Eu vinha, logo que terminavam as aulas, para Curitiba: era o meu sonho. Agora de avião. Uberaba – Curitiba. As tias me esperavam no aeroporto. Não me lembro de quando tia Maricota saiu da Saúde para ser secretária do governador, não me lembro mesmo. Conversando com ela, soube que enquanto todos os funcionários subiam de posto ela ficava no mesmo patamar. Sentindo a injustiça, ela foi diretamente falar com o Mugiatti, na época chefe de gabinete do Lupion. Contou sua história e, na sala ao lado, o governador escutou tudo. Ela disse ao governador que não tinha votado nele, pois seu candidato era seu primo Othon Mäder. Ele disse que sabia de tudo e, mesmo assim, solicitou sua transferência para o Palácio Iguaçú. Tia Maria fez vários cursos sobre administração pública para ambientar-se no novo posto, chegou à oficial de gabinete. Ficou no palácio até sua aposentadoria. Foram mais de quarenta anos de trabalho. Em 1954 a bela notícia que tivemos foi a do nascimento do Fernando Oswaldo. Os tios esperavam, desde sempre, uma Amanda Elizabeth, que era o nome da avó amada do tio Oswaldo, e quem o criou. Mas não foi desta vez. Lembro-me da minha mãe, chegada de Ituverava, muito feliz, entrar em casa cantarolando uma melodia do carnaval da época: “o terceiro homem, este é que é o tal”, assim soube do nascimento do Fernando. Os tios, nesta época já moravam em Ituverava. Fernando era e sempre foi uma graça, um prêmio para toda a família. É uma das pessoas mais admiráveis que conheço, pela garra , pela bondade e pela dedica-
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ção ao trabalho e à família. E ainda deu a sorte de encontrar uma fada como companheira... Para nossa suprema desventura foi, também neste ano, que faleceu minha mãe. Isso me faz sofrer tanto até hoje que prefiro não falar nada, mesmo após um século, mesmo até a próxima encarnação. Tia Iva nos daria mais um nenê. Mamãe (Diva) costumava visitar a irmã com frequência, acompanhando a gravidez. Naquele sábado ensolarado do mês de junho, tinha festa no colégio Sion. Quadrilha, pau de fita, barraquinhas de guloseimas e jogos e estalos de salão e fósforos de cor! Nos preparamos com trajes típicos, ansiosas para ir à festa. Como a casa da tia Iva era perto do colégio, saímos antes para dar uma passadinha lá. Mal chegamos notei uma movimentação estranha, tia Maria, animada como sempre, levou toda a criançada para brincar na Praça Espanha, a duas quadras dali. Nos divertimos pra valer, nos balanços e gangorras e em correrias pelo gramado. Na volta paramos na frente da casa da Vó Cordélia ( mãe do tio Fábio) e tia Maria ficou conversando com as irmãs do tio Fábio que estavam no jardim. Quando finalmente voltamos para a casa da tia Iva, havia um Fábio Antonio novinho em folha na família. Diferente dos irmãos, era loiro, de cabelos cacheados e olhos muito vivos! Muito ativo, foi o único nenê que eu vi assobiar. Fazia biquinho e respirava pela boca! Quando riamos e fazíamos festa para a gracinha, assobiava mais ainda! Foi uma criança muito esperta, sempre inventando estripulias e deixando a mãe de cabelo em pé. Destemido, enfrentava qualquer desafio, mas morria de medo de grilos e de galinhas. Os irmãos valiam-se disso para detê-lo!14 Voltando à minha vida no tempo – 1955-, o ano posterior à morte da minha mãe iniciei, a partir desta época uma batalha de estudos. Fazia dois cursos simultaneamente: o científico, que era 14 Era o herói preferido dos meus filhos (Bosco e Tunga) tal a audácia de suas brincadeiras. Na chácara do tio Kurt aprontava todas e deixava os tios apavorados com suas peraltices. No casamento da Iara, no Jockey Club, foram, creio que nas baias, atazanar os animais, soltaram os bichos, pintaram o bode, totalmente!.
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Fig.51 - Os Costa Silva
bem pesado, pela manhã e o normal (Escola Normal) por sugestão do meu pai, à noite, este era bem mais fácil. Nessa época tia Lúcia morava com a gente. Em 56, no final do ano, meu pai ofereceu-me um prêmio: eu escolheria o que quisesse se passasse nos dois cursos. Escolhi ir para a Argentina. Fui com tia Iva que tinha o Fábio Antonio ainda bebê - 6 meses -. Ela morria de saudades dele o tempo todo, mas aproveitou demais as maravilhas da viagem. Como é linda a Argentina! Como tenho medo de voltar e achar tudo diferente, como acontece hoje com localidades paradisíacas que viraram um inferno, a meu ver: Búzios, Cabo Frio, Araruama e principalmente Macaé. Ao voltar dessa maravilhosa
Fig.52 - Alba na neve
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viagem ainda dançamos animadamente o carnaval curitibano: a vó participando de tudo, fazendo inclusive, as fantasias minhas e de Maricota. Arranjei um namorado lindo. Chamava-se Daniel e era pianista. Soubemos, quando voltamos da viagem que, finalmente a Amanda havia chegado para os Anderson. Quando eu cheguei de Curitiba fui visitá-la, muito lourinha, de olhos bem escuros. Minha tia estava apaixonada pela filha. Estavam animados, também, por conta de uma casa muito bo-
Fig.53 - Amanda Elisa e Zilda
nita que estavam construindo. Sempre que vinha para Curitiba a “princesinha” desfilava toda faceira os vestidinhos rendados. A cabeleira loira cacheada era cultivada com muito zelo. Em 57 nasce Iva Maria. Tia Iva, que esperava por uma filha há séculos, se encantou. Ela escolhia do bom e do melhor para a filha, desdes as roupas até os colégios. Certa vez, a princesa da família levou um cocô de plástico para o Sion. Confiscado pela professora, foi devolvido pela freira à tia Iva, durante uma reunião solene de pais, alunos e professores, o que resultou em um acesso de riso na tia. Era a princesa da família. Quando mocinha, era tanta a afinidade entre mãe e filha que havia transmissão de pensamentos sobre qualquer coisa que houvesse a
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decidir: a decisão sempre coincidia. Nessa fase, com 17 para 18 anos, eu (ALBA) já namorava o João Luiz, que meses depois seria meu marido. Do conhecer ao casar passaram-se apenas 6 meses. Foi a oportunidade que tive de viver uma paixão enlouquecida. Carmas!!! Teve uma influência bífida em minha vida. Por um lado, uma pessoa inteligente e sensível, que gostava de literatura e música, cantor e orador brilhante, personalidade múltipla e encantadora, por outro lado, extremamente vaidoso e egocêntrico exigia toda a minha atenção a todo instante. Desviava-me até dos meus filhos e eu não percebia nada, completamente cega! Com o passar dos anos fui ficando, partida ao meio, distanciada da família, exaurida ao extremo, desconhecida para mim mesma. Sem ego. Após quatorze anos, sentindo que ia me apagando, me separei. Intempestivamente, não houve outro jeito. Sofri muito, mas nunca me arrependi de nada. “Tudo vale a pena se a alma...” e ficaram três homens maravilhosos na minha vida. Valeu, mesmo! Tudo o que nos acontece deve ser aceito, pois, mais cedo ou mais tarde, a gente vai entender o porquê de tudo o que se vive. Desses três filhos vieram pessoas que, atualmente são algumas das minhas grandes motivações e esperanças, em termos de gente: os meus netos e bisnetos, tataranetos e tetranetos de Baby e Sinhoca... Fernando Júnior surpreendeu a família! Tia Paulina quase não aparentou a gravidez nos primeiros meses. Esperamos sua chegada com entusiasmo! Nasceu pequeno e foi acolhido pela vó Baby e as tias. Tio Fernando, tia Paulina e Verinha se mudaram para a Treze de Maio para receber o carinho e os cuidados delas até que o nenê crescesse e ganhasse peso. Nós íamos visita-los na casa da vó, a sala da frente transformada em quarto. Na casa e no coração daquelas três, sempre cabia mais um! O menino engordou e eles puderam voltar para casa. No entanto, mais uma prova esperava o garotinho. Foram para a praia e quando voltaram ele teve problemas. Estávamos todos na festa de aniversário de quinze anos da Regina, filha da Stael. No meio da festa um alvoroço! A turma da Vó Baby, inclusive eu (IARA), saiu às pressas! Fernando Júnior estava com convulsões. Entre
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chamar médico, correr com ele para o hospital, levar os outros para casa, tudo se resolveu num instante! Nem sei como fui parar em casa. No dia seguinte fomos visitá-lo no Nossa Senhora das Graças, já tratado e fora de perigo. Que susto! Cresceu lindo e forte, companheiro dos pais, torcedor, como grande parte da família, do Clube Atlético Paranaense. Usurfruiu a vida inteira do carinho e da atenção da irmã que, generosa como sempre, lhe proporcionou todas as condições para progredir. Eu já tinha o Bosco quando nasceu Alice, na casa dos Anderson. Como era a “raspa do tacho” virou o dengo da família. Era completamente diferente da irmã: moreninha de cabelos pretos e lisos. Alegre e risonha fazia a alegria da família toda. Pulava no colo da tia. Em seu aniversário de 1 ano, eu fui com minha família de Kombi: Tunga com 1 mês e pouquinho. Coloquei Bosco no berço para dormir logo ao chegar, mas ele estava acostumado com outro tipo de berço, de grades altas. Quando eu entro no quarto para vê-los, peguei o Bosco no ar, virando por cima da grade, que era bem mais baixa. Quase morri de susto! Um anjo deve ter me avisado! Mas a Alicinha de anjo não tinha nada! Menina sapeca e divertida fazia a alegria de todos os que conviviam com ela. Passou uma temporada em Curitiba quando os pais se transferiram para São Paulo. Veio jantar em nossa casa, em alguma comemoração de casamento. Foi sorrateira até a cozinha e arrematou alguns goles de aperitivo que sobraram nos copos. Divertiu todos à mesa.. Aliás, mamãe contava de um caso parecido com a Alba no nascimento do Júnior. Na casa da André de Barros, ofereciam às visitas que vieram conhecer o menino o famoso “Leite de tigre”, mistura de licor de cacau e leite condensado, parece-me que era receita do Tio Augusto.. Ela adorou beber o que sobrou naqueles copinhos lindos da licoreira, que
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enfeitam até hoje a sala da tia Maria. Alice, já adolescente, adorava brincar com meus filhos pois eram da mesma idade. Principalmente jogar futebol que jogavam, na rua da tia Zilda, em terrenos baldios – sim, existia isso naquele lugar! A rua do estádio do Morumbi! Havia até chácaras, onde comprávamos frangos e ovos frescos. Meus filhos e Alice se amavam! Alice é, desde sempre, uma pessoa muito especial, inteligente e amorosa. Fico muito feliz quando, hoje, recebo a visita dela e da Luzia na minha casa. Esperando o quinto filho, Tio Fábio e tia Iva fizeram uma reforma na casa em Curitiba. . Ampliaram a parte de baixo e construíram mais um andar. Quem já fez reforma sabe que preços e prazos costumam ultrapassar as previsões. Os tios fizeram milagre para morar e conviver com a movimentação de pedreiros e tijolos, cimento e poeira, umidade e entulho! Já estava chegando a hora do nenê nascer e a construção estava longe de acabar. Foi então que a mamãe (Diva) tomou a decisão: propôs à tia Iva que se mudasse lá para casa com a Iva Maria, ainda pequena, enquanto tio Fábio permanecia em casa com os meninos. As refeições seriam feitas lá em casa. Dito e feito. Luis Augusto nasceu lindo e forte, na maternidade Vitor do Amaral, pertinho lá de casa. De lá foi direto para a Ângelo Sampaio e nós brincávamos de boneca o dia inteiro, aproveitando para arreliar a Ivinha. Por um bom tempo nossa casa ficou bem movimentada. Os meninos, quando a mamãe impunha disciplina à mesa, batiam continência para ela...
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Fig.54 - Cais do ItiberĂŞ
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ARQUEOLOGIA FAMILIAR Convidamos os nossos leitores: irmãos, primos, filhos, netos, noras, genros e agregados a recuarem bastante no tempo até o finalzinho do século XIX. Paranaguá devia ser uma pacata cidadezinha do litoral onde todos se conheciam. Os meninos brincavam nos quintais e saíam pelas ruas explorando esquinas, espiando pelas grades dos portões, pulando cercas e roubando frutas. As meninas ficavam em casa espiando das janelas por detrás das cortinas, a vida palpitando lá fora. Aprendiam a bordar desde cedo, assim como a ler, a tocar piano e a falar francês. Quando garoto, uma das aventuras mais frequentes do Vô 15 Arthur , pai da Vó Baby era a pescaria no Itiberê, observando a sombra das árvores no rio. Da pescaria para a água era só um pulo! Era tirar a roupa e mergulhar! Só dava problema quando o Vô Manuel16 (nada mais, nada menos do que o Visconde de Nácar) chegava de mansinho para pescar as roupas com a bengala e as levar pra casa. Todo mundo nu na água, sem ter o que vestir para voltar. Era um problema! Dar uma chegada ao cais e espiar os escravos abastecendo ou descarregando os navios era um hábito. As negras, com grandes saias rodadas, carregavam cestos de sal na cabeça. Trabalhavam em fila indiana, como formigas. De vez em quando interrompiam o trabalho para descansar na sombra das mangueiras. Como não havia sanitário na época, escondiam-se atrás das árvores, afastavam as pernas, puxavam as saias para cima para 15 Cel. Arthur Ferreira de Abreu 16 Manoel Antonio Guimarães.
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evitar que molhassem, quando faziam xixi, em pé. A molecada gostava de espiar, as meninas também, por detrás das cortinas da janela da frente.17
Fig.55- Visconde de Nacar
Vovó Baby costumava brincar, quando criança, na casa do Visconde, na época já falecido, sendo a casa de propriedade do Tio Guilherme, filho do barão. Ela, ao contrário de muitas meninas da época que não frequentavam a escola, tinha pais esclarecidos que reconheciam a importância da educação. Ia à escola, onde aprendia noções de história, geografia, além do “ ler e escrever e contar” . A tabuada, por exemplo, eles apren17 Relatos da Vó Baby em uma tarde fria. Ela, na cadeira de embalo e eu, no chão, fazendo a barra de um vestido. A menina em questão era ela mesma que, por sinal nasceu dois dias antes da abolição.
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diam cantando e balançando o corpo: - Um vezes um, um, noves fora nada; Dois vezes um ,dois ,noves fora nada... E assim por diante. Tio Augusto18 contou que uma vez ele ia levar uns bolos de palmatória do professor, na frente de toda a classe, que incluía a namoradinha. Decidido a não passar pela humilhação, estendeu a mão, mas retirou-a a tempo de evitar a palmada e aplicou um tapa no professor! Claro que saiu correndo... A economia local girava em torno do porto, hoje o segundo do Brasil em importância. As notícias andavam à velocidade das tropas de mulas que subiam e desciam a serra e dos barcos que chegavam de toda a parte. Jornais também eram recebidos, logicamente com vários dias de atraso. Vovó Luz19 lia diariamente todos os que chegavam. Teve preceptores na infância e adolescência. Tocava piano magnificamente bem.
18 19
Fig.56 - Bivó Maria da Luz
Augusto Ferreira de Abreu. Maria da Luz Santos Abreu.
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Certa vez, um vidro pesado de alguma janela caiu sobre uma de suas mãos seccionando os tendões de dois dedos. Ficaram rígidos. Mesmo assim, com os dedos esticados, continuava a tocar muito bem, até bem velhinha. Tinha olhos escuros e muito vivos e marcantes e estatura mediana. Casou-se com Vô Arthur, único despachante do Porto de Paranaguá à época, um rapaz muito elegante, que usava sempre terno, gravata borboleta, camisas engomadas, colete e chapéu, como era o costume. Maricota conta que suas camisas tinham botões - ou seriam abotoaduras?-, incrustrados de brilhantes. Aquele anel de brilhantes da vó Baby foi feito de um dos botões do plaustro do vovô. Outro anel igual foi dado à tia Alice20. Isso quem me contou foi a vovó. Há também um alfinete de gravata de topázio, que, posteriormente, virou anel, hoje com Mariana, minha sobrinha.
20
Fig.57 - Biso Arthur e amigos
Alice Abreu Santa Rita
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Biso Arthur chegou a Senador pelo Paraná na nascente República brasileira e teve grande influência na construção da estrada de ferro Curitiba – Paranaguá, orgulho da engenharia nacional e, hoje, conhecido caminho turístico. Com zelo e competência desempenhou vários cargos, entre eles: Cônsul da Espanha, Vereador da Câmara Municipal de Paranaguá, tendo sido presidente desta casa legislativa, Juiz de Paz, Constituinte Estadual em 1891, Deputado Estadual entre 1892 e 1894 e Senador da República de 1895 a 1897.Tomou parte da Revolução Federalista ao lado das forças legais (Pica paus). Recebeu como justo prêmio de sua destacada atuação o título de Coronel Honorário do Exército. Lembramos, com reverência, sua coragem ao abrigar amigos, mesmo sendo “Maragatos”. Nossa avó, filha deles, Baby (Alba), passou parte da infância viajando de vapor entre Paranaguá e Rio de Janeiro, acompanhando os pais. Comentava admirada sobre um inesquecível sorvete verde, muito gostoso, que serviam nesta época. Custei a identifica-lo como sorvete de pistache. O gelo chegava até ele, vindo da Europa, em barras, envolvidas em serragem.21
Fig.58 - Vó Baby menina, pais e irmãos
21 Custei a acreditar nisso até que li a mesma coisa num livro da Isabel Allende.
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Os irmãos da Vó Baby eram: Augusto, Alice, Arthur, Ascênsio, Alcídio (Doca), Aluysio, Maria da Luz e José Mathias (Juca). Muitos morreram em criança, de febre amarela como os tios Agenor, Astolfo, Anísio, Arnaldo e Aline. Os que chegamos a conhecer eram pessoas formidáveis, alguns intelectuais, como tio Aluysio, outros, de um humor inesquecível, como tio Augusto, imponentes, como tia Alice (que morava no mesmo prédio em que hoje organizam-se as belas festas de natal de Curitiba) e Ascênsio, que tinha tanta ascendência moral sobre o grupo onde trabalhava (Presídio de Piraquara) que nunca houve nenhuma rebelião, e quem fazia a sua barba à navalha era um presidiário, finalmente, o doce tio Doca, que sempre tinha um presentinho para a gente. Numa viagem a Paranaguá, durante um dos inesquecíveis “abris” que passava em Matinhos, juntamente com Cristina e também Iara, soubemos por tia Lúcia que a Vó pretendia casar-se no mesmo dia que tia Alice, na Igreja do Rosário – aquela do galinho lá em cima - , quando disseram a elas que não dava sorte o fato de duas irmãs casarem-se no mesmo dia: uma “tirava a sorte da outra”. Pelo sim, pelo não, desistiram do intento e casaram-se, na-
Fig.59 - Joaquina e José Mathias
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quela mesma igreja, em dias separados. Os pais de Vovó Luz chamavam-se José Antonio dos Santos e Francisca Santos; os pais do Vô Arthur, José Mathias Ferreira de Abreu e Joaquina Correia Guimarães Ferreira de Abreu. Ele – José Mathias -, era deputado provincial por São Paulo, (é bom lembrar que à época o Paraná pertencia a São Paulo). Consta que ele teria colaborado no processo de emancipação política do Paraná, embora não tenha comparecido à sessão em que o projeto foi votado. Eram irmãos da Vovó Luz: Narcisa, Guilhermina, José (Juca), Francisco, Antonio e Francisca. Irmãos do Vô Arthur: Porca, Mucio, Elfriede e Maria Clara. O Coronel Arthur Ferreira de Abreu, nosso biso, viajava bastante entre Curitiba e Paranaguá. E em alto estilo. Fez por merecer! Tinha seu próprio vagão, com certeza com todos os confortos que a modernidade e o posto ofereciam no século XIX. Certa vez, lá pela altura de Morrentes, precisou ir ao toilete. Aliviado, descobriu que tinham esquecido de colocar papel (ou seja lá o que se usava na época), sem alternativas, usou o próprio lenço, descartando a peça “carimbada” nos trilhos. Alguns dias mais tarde, para grande surpresa do Coronel, aparece à porta de sua casa uma senhora com um pequeno embrulho. Como não conhecesse a visita, abriu o pacote intrigado. Lá estava um imaculado lenço de linho bordado com as iniciais AA....Pois é...Arthur Ferreira de Abreu era mais conhecido do que imaginava..22 Biso Arthur tinha o hábito de colocar uma moeda de ouro no primeiro banho dos filhos, para que não lhes faltasse a fortuna. Comentava a respeito, sorrindo, a Vó Baby: parece que isso não deu certo, ninguém ficou rico! O casal Maria da Luz e Arthur aparece retratado em tela a óleo em famoso quadro pintado por Alfredo Andersen. Todos da família os conhecem, pois, sempre morou com a Vó e as tias. Parece que ele pintou também o bisô Cândido. Diz Maricota que este último ficou debaixo da escada da casa de tia Néca, 22
Essa passagem foi contada por tia Lúcia numa tarde lá em Matinhos.
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seu destino ela não se lembra. Quando estava fazendo o levantamento da obra do Andersen fui com a mamãe na casa da Violeta localizar o quadro. Segundo informações de catálogos, eles tinham inclusive um auto retrato de Andersen. O Museu Alfredo Andersen também não tem um levantamento competente das suas obras. A história deste pintor que, através de sua arte ficou também na nossa história merece ser lembrada. Ao que parece o Vovô Arthur auxiliou o pintor Alfredo Andersen, cujo navio aportou em Paranaguá para reparos, providenciando-lhe um lugar para morar. Ele radicou-se na cidade, e se casou com uma caiçara. Pintou, além dos retratos familiares de vovô e de vovó Luz, várias outras personalidades parnanguaras. Este gênero lhe proporcionou meios de subsistir. Pintou, um retrato do Vovô Cândido que está no Museu Histórico de Paranaguá. Sua pintura é realista com forte tendência academicista quando pinta retratos. É de se compreender, pois provavelmente fazia dessa atividade seu principal ganha pão. Já nas paisagens revela-se um excelente impressionista, com pinceladas largas e fluidas. Possui algumas marinhas muito interessantes. Nelas demonstra intimidade com a pintura impressionista, com que teve contato quando esteve em Paris, antes de embarcar para a América. Depois de algum tempo em Paranaguá mudou-se para Curitiba, onde teve muitos alunos e pintou cenas domésticas e paisagens. Alguns de seus alunos também são nomes proeminentes da nossa pintura, como é o caso de Maria Amélia Assumpção, que apesar de ser mulher conseguiu sair da mesmice de pintar naturezas mortas floridas. Outro pintor que foi seu aluno é Theodoro De Bonna, cuja obra pode ser admirada em nossos museus e na igreja de Morretes, pois ele ofereceu à sua comunidade uma via sacra. Há muitos outros alunos seus que por algum tempo influenciaram a maneira de pintar no Paraná. O casal que nos fez surgir neste mundo era de ascendência nobre, ele sendo neto do Visconde de Nácar: Manoel Antonio Guimarães, o maior comerciante e exportador de mate do Paraná. Político, líder do Partido Conservador de 1850 a 1889.
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Fig.60 - Piquenique na Ilha do Mel
Nossos avós e bisavós estavam sempre bem informados dos usos e costumes das capitais e mesmo do exterior. Divertiam-se em saraus e bailes, passeios, apresentações teatrais e reuniões com amigos. É conhecida da família uma fotografia antiga mostrando o Vô Arthur, ainda bem jovem, de chapéu e gravata borboleta, num piquenique na Ilha do Mel. Soubemos que levava até uma vaca para que não faltasse o leite para os filhos. Tia Lúcia contava-nos, também, que não faltava vinho em taças de cristal. Pode??? O pai de Vovô Sinhoca chamava-se Cândido Melchíades Pereira da Costa e tinha um temperamento turbulento em todos os sentidos: amorosamente e políticamente. Uma figuraça! Era muito namorador, vivia desde bem moço com Mariquinha Mendes e tinha três filhos com ela. Ela era carioca. Conheceram-se nas muitas idas e vindas dele ao Rio de Janeiro. A nossa bisavó Ritinha (a oficial), foi levada para a casa dele bem mocinha porque tinha perdido os pais. A própria Mariquinha Mendes fez o ca-
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samento dos dois: Bivô Cândido e Bivó Ritinha, antes que o pior acontecesse e eles tivessem que se casar à força... Posteriormen-
Fig.61 - Biso Cândido e Bisa Ritinha
te, ela mesma, Mariquinha, fez os partos da vó Ritinha. Com a Bivó Ritinha, o bivô Cândido teve o nosso Vô Sinhoca, Francisca (Chiquinha Mäder), Sinhá ( Saturnina), Mercedes (Neca) e Nato. Com Mariquinha Mendes teve o tio Alípio. Com este tio houve uma história bizarra: casou-se com D. Brasília, ela, no dia do casamento postou-se em cima de um guarda-roupa e não saiu de lá. Não quis nenhuma gracinha com ele, que nunca mais a procurou. Daí, meteu-se com a empregada – Silvana – e com ela teve cinco filhos homens. Essas crianças foram registradas como filhas de Brasília para não ficarem como filhos naturais. Tio Alípio morava em Paranaguá e trabalhava em um estaleiro. Com Silvana seus filhos eram: Ivo – que foi prefeito de Guaraqueçaba -, Alfredo, Mário, Nei e Dedeco. Lembro-me que o meu primeiro passeio no mar foi no colo da minha mãe (Alice) na lancha do Ivo, jamais vou esquecer a sensação de passar a mão na água enquanto a lancha desliza-
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Fig.62 - Barco do tio Alípio
va. Daí pode ter surgido a minha paixão pelo mar... Biso Cândido era maragato, – rebeldes contra o Mal. Floriano – lutavam por maior independência dos estados em relação ao poder central e eram adeptos do parlamentarismo (1893-95). Ia ser fuzilado juntamente com o Barão do Cerro Azul, mas o chefe dos pica-paus – partidários do governo central - decidiu que não valia gastar munição com ele, pois o próprio já estava mais morto do que vivo! Pelo fato de ser maragato, esteve preso muito tempo no Teatro São Teodoro, durante e após a revolução de 1893 (Federalista). Faleceu na casa do Dr. João Cândido Ferreira. Soubemos que tia Neca tinha cartas dele escritas da prisão. Foi um dos mais aguerridos maragatos do Paraná.
Fig.63 - Casa do Biso Cândido em Paranaguá
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CARNAVAL
O carnaval nessa época era bastante divertido, os grupos de amigos e conhecidos travavam batalhas de água de cheiro ou se organizavam em times rivais que, à fantasia, “se enfrentavam” pela cidade. Vó Baby contava que os preparativos duravam semanas e incluíam laranjinhas de cera, que eram feitas com a forma das próprias frutas espetadas em varetas e mergulhadas inicialmente em cera quente depois, resfriadas em gelo, cortadas ao meio e depois coladas, também com cera, onde colocavam perfumes e outros líquidos, nem tanto recomendáveis, para jogar nos rivais. Tio Augusto contou que uma vez estava a cavalo, fantasiado, emboscando algum rapaz do grupo rival. De repente escutou o tropel de outro cavaleiro se aproximando. Preparou-se para golpeá-lo – não disse como – quase acertou o Vô Sinhoca que era do mesmo time, que fazia a mesma coisa. Contou também que em um carnaval eles passaram dias preparando carros alegóricos. Deu uma trabalheira danada, mas depois do mutirão, os carros ficaram lindos! Imagino que a decoração era feita com papel, pano, fitas e pinturas. Acontece que choveu para valer o carnaval inteiro. Os carros todos presos no barracão ficaram impedidos de desfilar. Todo o esforço para nada! Na quarta-feira de cinzas amanheceu um dia lindo, sol pleno. As janelas das casas já ostentavam cortinas escuras ou as venezianas fechadas, como era costume durante a quaresma. Uma pena... Mas, Vô Sinhoca e sua turma não tiveram dúvida: desfilaram os carros pelas ruas, brilhando ao sol da quarta-feira de cinzas! A façanha lhes rendeu uma bela bronca do bispo e companhia. Mas que desfilaram, desfilaram!!! Provocar os padres era parte da diversão! Uma das modinhas que cantavam era: Padre João foi dizer missa Na capela do Belém Em vez de dizer oremos Disse: ai Marica, meu bem.
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Ai, ai, meu Deus Esse diabo Tem coração arrenegado Ai, ai, meu Deus Esse diabo Tem coração arrenegado. Outra tradição carnavalesca de Paranaguá e, provavelmente de todo o litoral paranaense é, até hoje, o barreado. Servido durante todo o carnaval e, em especial, na quarta de cinzas é um prato à base de carne cozida lentamente em panela de barro e fogão à lenha. Corta-se a carne em cubos; forra-se a panela de barro com tiras de toicinho, muita cebola, tomate, alho, uma colher de sobremesa de cominho e sal. A tampa da panela é “barreada”, lacrada, com uma mistura de farinha de mandioca, água e cinza, vedando-a como a uma panela de pressão. Tudo é cozido o mais lentamente possível, pois o único líquido é o contido nos próprios ingredientes. Vô Sinhoca passava a noite inteira alimentando o fogo com pouca lenha de cada vez. A turma ia para o baile de carnaval e ele ficava cuidando do fogo. O barreado só ficava pronto no dia seguinte, para o almoço. Segundo o costume da época a abertura da panela era uma festa, acompanhada de foguetório. Como se trata de uma mistura bastante concentrada e muito cozida, aguenta alguns dias sem estragar, daí ser consumida no carnaval. Não havia geladeira nessa época. Não havendo muito trabalho no preparo da comida todos os dias, sobrava tempo para farrear... Contavam que era comum chegarem ao cais dos Valadares (Paranaguá), canoas com caiçaras passando muito mal em busca de socorro. A mistura deste prato concentrado com a pinga (cachaça) que acompanhava a folia resultava em um choque de proteína23 naqueles que estavam acostumados a uma dieta frugal de peixe, farinha e frutas. 23
Informação do tio Oswaldo referendada pelo Alcides Junior.
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FINALIZANDO, POR ENQUANTO... O clã Baby e Sinhoca deixou muita gente por este mundo de Deus, aqui e alhures. A maioria ficou aqui mesmo pelo Brasil, seguindo os passos dos pais, alguns, nem tão rentes, outros, bem espalhados e distantes. Tem gente com o mesmo sangue no Canadá, Estados Unidos e Colômbia e, por aqui, na “terra brasilis”, em Goiás, São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Rio de Janeiro, por enquanto... Partindo dos filhos do casal primevo, temos, em ordem cronológica, de Fernando e tia Paulina, a Vera Sueli – uma das criaturas mais generosas e empreendedoras da família - e o Fernando Junior. Estes se desdobraram na Viviana e na Fernandinha, um dos dengos mais gostosos da família. Vivi e Marcelinho já têm uma supersucessora: a belíssima Mariah. De Alice e Alcides (meus pais) vieram a Alba – que escreve essas mal traçadas, e o Alcides Antonio: o Alcidão ou Junião, pai de todos nós, até dos meus bisnetos, paixão de toda a família. Da Alba e do João Luiz vieram o João Bosco, meu americano guerreiro, o João Luiz – o admirável e amoroso Tunga e o João Carlos, meu querido músico. Esses três se multiplicaram em um monte de gente linda: Carolina, Joãozinho, Alice, Luísa, Ana Clara, João Pedro, João Lucas e João Augusto. Desses últimos, veio a sexta geração e encantam hoje nossas vidas o Pedro Henrique, o Rafael, a Vitória, a Lis e a Yumi, cada qual mais lindo, sem corujice. Do Junior e Cristina vieram a super Juliana, a linda Mariana, o Alcides Neto – intelecto da família - e o Antonio Augusto: o “colírio” de Ituverava e, agora, para a alegria de todos, o João Alberto, da Juliana e do Alberto, primeiro neto do Junior e da Cris. De Diva e Kurt (meus pais), surgiram Iara, nossa artista maior e também escritora deste memorial e a generosíssima Solange,
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estas duas se desdobraram, a primeira, juntamente com Renato Camargo, nas belas Renata, Gabriela e Brunna, a segunda, com a participação do Luiz Heitor, nos rapazes Bernardo, André e Felipe. Gabriela nos presenteou o original Renato e, com o Ivonei, a linda Bianca, a menina do gelo; Renata e o simpático Dânton legaram-nos o belo Henrique e a especialíssima Júlia; Brunna e Fernando vieram os lindos Dario e Luísa. Eduardo, de Bernardo e Cristina nasceu agorinha mesmo e, segundo a vó Solange, é uma graça. De Zilda e Oswaldo vieram todos os Anderson: Oswaldo Junior, nosso advogado-fazendeiro, o herói do cerrado, Maurício, economista e meio médico, Fernando Oswaldo, aquele em que a gente não vê defeitos, Amanda Elisa e Alice, nossa amada médica. Do Nuno e da Vera Maria surgiram o Oswaldo Neto – outro que é o bem amado da família – casado com a linda Roberta, médica dos notáveis e a intelectual helenista Silvinha; a Joyce e o simpático Jason chegaram através do Maurício e da Diane, lá do Canadá. Do Fernando Oswaldo e da maravilhosa Virgínia nos alegram as belas Rachel e Beatriz. Da tia Iva e do tio Fábio vieram o Ruy Sérgio, filósofo e ermitão, o doce Paulo Roberto, Fábio Antonio, a especialíssima Iva Maria: o capricho em pessoa como diziam as tias e o Luiz Augusto, distante no espaço mas não no cyber espaço e nos nossos corações. Da Ivinha vieram duas criaturas admiráveis: o Rafael e o Ricardo e do primeiro a Gabrielinha, paixão da vó Ivinha. A competente Carolina e o simpático Rodrigo foram a bela herança do Fábio Antonio e da Denise. Importante falar, também, dos colaterais que propiciaram toda essa gente querida: os maridos e as esposas de toda essa gente. Não há como esquecer pessoas que se integraram e, hoje, fazem parte visceral da família, mencionamos tanto aqueles cujo convívio é direto e constante quanto os que estão distantes: Maria Cristina, Virgínia, Vera Maria, Renato Camargo, Solange Santos, Diane, Denise, Thiago (Mariana) Rejane Costa, Maria (Bosco), Tereza Paula (mãe de João e Alice), Danton, Ivonei (Gabriela), Fernando (Bruna), Luzia, Roberta (Oswaldo Neto), Marcelo (Vivi),
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Yoko(João), Bruno(Carolina), Luciana (mãe dos meus príncipes João Pedro, João Lucas e João Augusto), Jonny (marido de Alice e pai da linda Lis). “Entrou por uma porta e saiu pela outra, quem quiser que conte outra...” Contando nos dedos chegam a 70 ou mais, os descendentes do casal Baby e Sinhoca, gente muito interessante, de todos os tipos e vocações, desde artistas a anacoretas, de médicos à músicos, de urbanos à panteístas, mecânicos e motoristas, tradutores, escritores, vendedores, executivos, dentistas, arquitetos, assistentes sociais, advogados, turismólogos, administradores de hotéis, nutricionistas, e logo, logo, antropólogo, cineastas, marinheiros e muito mais. Parece que vai surgir, para minha surpresa, um outro médico(!). Tudo isso, gente que se ama e se ajuda e se apoia, que festeja, briga e também que chora junto, eu que o diga.
Fig.64 - Cinco gerações em reunião de família
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Que os espíritos de luz desses que já estão no plano do pleno amor protejam e velem por todos nós. Esperamos que a leitura desta saga familiar traga muita coragem àqueles que estão na luta do dia-a-dia, como a maioria de nós e, também, muito orgulho, por terem em suas veias o mesmo sangue dessa gente maravilhosa que nos fez surgir. O título “Finalizando, por enquanto”... deve-se à expectativa de que este trabalho continue, desdobrando-se e ampliandose, com o mesmo amor e tenacidade que foram investidos por nós, Alba e Iara. “Entrou por uma porta e saiu pela outra, quem quiser que conte outra...”
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REFERÊNCIAS ASSEMBLEA geral legislativa: 9. legislatura. Rio de Janeiro : L. A. Boulanger, 1853. 2 v. Disponível em: < http://www2.senado.gov. br/bdsf/item/id/182906>. Acesso em: fev. 2014. CARNEIRO, David. O cerco da Lapa e seus heróis. Rio de Janeiro: Ravarq, s.d. DIÁRIO OFFICIAL. Capital Federal, [Rio de Janeiro], ano 31, 4º da República, n. 96, 07 abr. 1892. p. 2. Disponível em: <http://www. jusbrasil.com.br/diarios/1626846/pg-1-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-07-04-1892/pdfView>. Acesso em: fev. 2014. NEGRÃO, Francisco. Genealogia Paranaense. Curitiba: Impressora Paranaense, 1929. VARGAS, Túlio. A última viagem do Barão do Serro Azul. Curitiba: Juruá Editora, 2003. 148p.
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CRONOLOGIA 1812 15/2 nasce Manoel Antonio Guimarães, (Visconde de Nácar), filho do Capitão Joaquim Antonio Guimarães e de sua mulher Dª. Anna Maria da Luz Guimarães1 1830 Manoel A. Guimarães inicia sua carreira comercial 10/12 nasce Cândido Melchiades Pereira da Costa, em Biguassú, SC., filho do Capitão Francisco Pereira da Costa e Francisca dos Santos Pereira da Costa. Segundo de quinze filhos: João Nepomuceno, Cân- dido, Saturnino, José, Hermes, Francisco, Clara, Rosa, Leopoldina, Narciza, Carolina, Maria, Candida, Fran- cisca e Saturnina2 1833 primeiro casamento de Manoel Antonio Guimarães, com Maria Clara Correia Guimarães. 1849 13/6 Falecimento de Maria Clara Correia Guimarães, cuja segunda filha é Joaquina Guimarães Ferreira de Abreu, casada com o Dr. José Mathias Ferreira de Abreu. Filhos: Maria Clara, Arthur (vovô Arthur), Por cia, Ottom, Mucio, Zulma, Elfrida 1850 23/2 segundo casamento de Manoel A. Guimarães, com sua cunhada Rosa Correia Guimarães 8/7 nasce Arthur Ferreira de Abreu, em Paranaguá, 1 Fonte: folhas esparsas em fotocópias, provavelmente de alguma genealogia, guardadas pela tia Lúcia Abreu Costa. 2 Fonte: folhas esparsas fotocopiadas, com o título de Genealogia Paranaense, título Santos, pág. 221 a 224.
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casado com Maria da Luz Santos Ferreira de Abreu. Filhos: José Mathias, casado com Domitila Scherer; Arthur, casado com Maria Elysa Faria; Augusto, casa do com Alba; Ascanio; Alcidio, casado com sua pri ma Hilda; Alice, casada com Antônio Santa Rita; Alba, casada com Francisco ( Sinhoca); Arnaldo, Astolpho e Aline, falecidos crianças; Aluisio, casado com Evangelina em primeiras núpcias e Noêmia em segundas núpcias; Anísio, falecido criança; Maria da Luz, casada com Hugo Mäder; Agenor, falecido criança. 1855 por volta de 1855 nasce Rita Pereira da Costa, filha de João Francisco Pereira da Costa e Jacinta Maria das Neves Lopes. ( Por falta de dados, estimou-se o ano de nascimento, a partir da data de casamento) com Cândido Melchiades da Costa, datado de 1870)3 Da mesma forma estima-se o nascimento de Maria da Luz Santos, filha de José Antonio dos Santos e de Francisca Maria da Luz Santos4 1870 Coronel Candido Melchiades da Costa, abastado comerciante em Paranaguá, casado em Morretes com Rita Pereira da Costa, filha de João Francisco Pereira da Costa, e de sua mulher Jacintha Maria das Neves Lopes5. Filhos do casal Candido e Rita: Fran- cisca da Costa Mäder, casada com Nicolau Mäder; Mercedes da Costa Amaral, casada com o cirurgião dentista Dr. José Gomes do Amaral; Francisco Pereira da Costa, casado com Alba de Abreu Costa; Nato Pereira da Costa, casado com Erwina Von Linsingen Costa, Saturnina da Costa Brandão, casada com o Dr. Victor Moreira Brandão. 1876 31/6 Manoel A. Guimarães recebe o título de Barão de Nacar, mais tarde elevado a Visconde 3 Idem, ibidem. 4 Pais de Maria da Luz Santos Ferreira de Abreu, constam no batisterio de Alba Ferreira de Abreu Costa. 5 Genealogia Paranaense, título Santos, folhas fotocopiadas, 223.
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1881 2/5 nasce Francisco Pereira da Costa ( Vo Sinhoca) 1888 11/5 nasce Alba Santos Ferreira de Abreu, (Vó Baby) em Paranaguá 13/5 Abolição da escravatura. 25/5 falecimento de Rosa Correia Guimarães 1889 15/11 Proclamada a República no Brasil, com a de- posição e exílio da família imperial. 1891 25/2 promulgada a constituição da República e elei- to o primeiro Presidente: Generalíssimo Manoel Deo- doro da Fonseca, tendo como vice Floriano Peixoto. 23/11 Renúncia do Marechal Deodoro “Assino o decreto de alforria do último escravo do Brasil”, assumindo Floriano Peixoto, seu vice e adversário. Deodoro morre nove meses depois sendo seu desejo expresso ser enterra do em trajes civis, dispensadas as honras militares. Não foi atendido. 1892 7/4 O tenente-coronel Candido Melchiades da Cos- ta é demitido do exercício de comandante do 3º Batalhão da reserva da Guarda Nacional da Comarca de Paranaguá, no Estado do Paraná6. Arthur Ferreira de Abreu, além de desempenhar as funções de cônsul da Espanha, despachante da al- fândega, vereador e juiz de paz em Paranaguá, é eleito Deputado estadual, exercendo mandato de 1892 a 1894. 16/8 Morre Manoel Antonio Guimarães 1894 Fevereiro a 24 de abril tropas Federalistas (Maraga tos) vindas do Rio Grande do Sul tomam Paranaguá, Curitiba e a Lapa) “Começara outro regime de terror, sob a chancela oficial da legalidade. Muitos Maragatos, refugiaram- se no Uruguai, outros na Argentina, alguns esconde- ram-se nos sertões, outros preferiram confiar na justi- ça republicana. As prisões dos quartéis não bastavam. 6
Diário Oficial, 7/4/1892
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Improvisaram-se outras, no Teatro São Teodoro, por exemplo, superlotadas de simpatizantes da causa fe deralista”7. Cândido Melchiades da Costa era um dos prisionei ros. Conta a tia Lúcia que ele estaria destinado ao fuzila- mento, mas devido ao seu precário estado de saúde foi poupado. Há ainda referencia a um diário que teria escrito na prisão. 5/5 Barão do Serro Azul é mantido em prisão domiciliar, transferido depois para o quartel ( dia 18). 20/5 Morre o Gal. Carneiro, comandante das tropas legalistas sediadas na Lapa 24/5 Ildefonso Correia, Barão do Serro Azul é fuzilado no Km. 65 da Estrada de Ferro Curitiba Paranaguá8. 1895 Arthur Ferreira de Abreu é eleito Senador, exercendo o mandato até 1897, na 23ª e 24ª legislaturas. Neste período dividia seu tempo entre Paranaguá e o Rio de Janeiro, onde morava com a família, por seis meses ao ano. 1897 8/11 falece Candido Melchiades da Costa, em Curitiba, na casa do Dr. João Candido Ferreira, o mesmo mé- dico que assistiu ao Gal. Carneiro, na Lapa. 1900 4/12 Falece Arthur Ferreira de Abreu, em Curitiba 1912 14/8 nasce Lúcia de Abreu Costa 1913 24/10 nasce Fernando de Abreu Costa 1916 4/8 nasce Alice Abreu Costa Maciel 1917 27/12 nasce Diva de Abreu Costa Strobel 1920 21/6 nasce Zilda de Abreu Costa Anderson 1926 24/8 nasce Maria de Abreu Costa 1927 29/9 falece Maria da Luz Santos Abreu 30/11 nasce Iva de Abreu Costa Silva 1936 15/10 falece Francisco Pereira da Costa 1954 6/10 falece Alice de Abreu Costa Maciel 1979 12/10 falece Alba de Abreu Costa 1987 5/4 falece Iva de Abreu Costa Silva 1990 2/1 falece Zilda Abreu Costa Anderson 7 8
Vargas, Tulio A última viagem do Barão do Serro Azul, pag. 137 Idem, pág. 163 130
2002 4/5 falece Fernando de Abreu Costa 2008 25/6 falece Diva de Abreu Costa Strobel 2010 9/2 falece LĂşcia de Abreu Costa
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APÊNDICE 1 - LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIG. 1 - Antigo Consulado da Polônia 16 FIG. 2 - Pilão 19 FIG. 3 - Cabeceira da cama dos bisavôs 20 FIG. 4 - Vovô Sinhoca com galo 22 FIG. 5 - Tias bordando 23 FIG. 6 - Iara e Júnior em frente ao forno 25 FIG. 7 - Nossos avós Baby e Sinhoca 28 FIG. 8 - As “cinco marias” 31 FIG. 9 - Alba, Iara e Vera fantasiadas 34 FIG. 10 - Alba e Daniel no carnaval do Curitibano 35 FIG. 11 - Balão feito pelo Vô Sinhoca 39 FIG. 12- Sinhoca no bar com amigos 40 FIG. 13 - Reunião de primas 42 FIG. 14 - Alice, Lúcia e primas em São Paulo(1931) 43 FIG. 15 - Família Abreu Costa 44 FIG. 16 - Primeira Comunhão Alba 46 FIG. 17 - Recanto Praiano 48 FIG. 18 - Casa do tio Fernando na praia 49 FIG. 19 - Fotos Fernando 52 FIG. 20 - . Fotos Alice 55 FIG. 21 - Noivado Alice e Alcides 56 FIG. 22 - Alice e Junior no alpendre 58 FIG. 23 - Junior e Maurício na roda do Rotary 59 FIG. 24 - Alba, de havaiana em 1944 60 FIG. 25 - Baile de formatura 61 FIG. 26 - Casa da Ângelo Sampaio 64 FIG. 27 - Chácara das Magnólias 66 FIG. 28 - Fotos Diva 67
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FIG. 29 - Fotos em Campinas 69 FIG. 30 - Casa de Ituverva 70 FIG. 31 - Uma linda motorista 71 FIG. 32 - Fotos Zilda 73 FIG. 33 - Maria menina 74 FIG. 34 - Maria dos cabelos dourados 75 FIG. 35 - A charmosa Maria 76 FIG. 36 - Recanto Praiano, lateral da casa 78 FIG. 37 - Fotos Maria 78 FIG. 38 - Iva e Fábio dançando 79 FIG. 39 - Casamento Iva e Fábio 80 FIG. 40 - Fotos Iva 82 FIG. 41 - Família reunida em aniversário 83 FIG. 42 - Alba após pneumonia 86 FIG. 43 - Fotos Alba 87 FIG. 44 - Iara entre babados e rendas 88 FIG. 45 - Fotos Iara 89 FIG. 46 - A linda Vera Suely 90 FIG. 47 - Junior criança 92 FIG. 48 - Fotos Junior 93 FIG. 49 - A escola em que a Alba estudou em Curitiba 94 FIG. 50 - Solange com buquê 95 FIG. 51 - Os Costa Silva 101 FIG. 52 - Alba na neve 101 FIG. 53 - Amanda Elisa e Zilda 102 FIG. 54 - Cais do Itiberê 106 FIG. 55 - Visconde de Nacar 108 FIG. 56 - Bivó Maria da Luz 109 FIG. 57 - Biso Arthur e amigos 110 FIG. 58 - Vó Baby menina, pais e irmãos 111 FIG. 59 - Joaquina e José Mathias, nossos tataravós 112 FIG. 60 - Piquenique na Ilha do Mel 115 FIG. 61 - Biso Cândido e Bisa Ritinha 116 FIG. 62 - Barco do tio Alípio 117 FIG. 63 - Casa do Biso Cândido em Paranaguá 117 FIG. 64 - Cinco gerações em reunião de família 123
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ANEXO 1: ÁLBUNS DE FAMÍLIA E OUTROS GUARDADOS
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