TFG FAU USP - De dormências e arrebatamentos

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De dormĂŞncias e arrebatamentos



DE DORMÊNCIAS E ARREBATAMENTOS: A Cidade da Bahia em Quincas Berro Dágua

Exemplar revisado e alterado em relação à versão original, sob responsabilidade da autora e anuência do orientador.

Karina Vicente Silva Orientador: Prof. Dr. Luis Antônio Jorge Trabalho Final de Graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Junho 2018



Ao Luis Antônio Jorge, por fazer das reuniões de orientação uma prosa e por clarear quando eu me perdia. Aos meus pais, por sempre acreditarem, e à minha família, por toda alegria que só eles sabem ter. À Nidia, pela generosidade e por nossa caminhada juntas, nosso passado, presente e futuro. A Jorge Amado, Carybé, Pierre Verger, Dorival Caymmi e tantos outros ancestrais, pela companhia nessa trajetória. À FAU por tudo o que em mim modificou.


Resumo Esse trabalho é uma interpretação sobre as diferentes cidades que compõe a cidade de Salvador a partir da leitura de A morte e a morte de Quincas Berro Dágua de Jorge Amado., uma interpretação através do imaginário construído em torno da vida e personagens do autor. O livro conta a história de Joaquim Soares da Cunha, um homem de boa família que ao chegar na meiaidade, sem fazer alardes abandona a todos, se desfaz de regras e condutas e vai viver na Ladeira do Tabuão, se fartando de farras, cachaça e amigos nas ruas da cidade baixa de Salvador, transformando-se em Quincas Berro Dágua, rei dos vagabundos da Bahia. Um dia, quando encontrado morto, a família de Joaquim anseia dar-lhe um enterro decente, na tentativa de apagar a imagem esfarrapada de Quincas. Porém, a imaginação e bebedeira de seus novos amigos, fala mais alto que os ritos católicos do velório. e acredutando que Quincas está vivo, saem para fartarem-se na noite carregando o morto. Após farra nas ladeiras do Pelourinho, descem até o cais para uma noite de cachaça e moqueca no saveiro,

quando são pegos por um temporal e Quincas se atira no mar escolhendo sua morte livre nas águas da Baía de todos os santos. Fica claro na trama do livro, a coexistência de diferentes cidades que ora parecem entrar em embate, ora sobrevivem juntas em uma mesma Salvador. A oposição entre a família puritana e a vida vagabunda de Quincas Berro Dágua, se espacializa quando deixa clara a repulsa da família católica por determinados aspectos presentes e vivos na cidade baixa, sejam os prostíbulos, os bares, as festas nos saveiros ou a bagunça das feiras. A primeira leitura versa sobre a cidade genérica: um misto entre o contemporâneo e as heranças portuguesas, determinada pela lógica do trabalho incessante, da vida cristã e dos hábitos corretos. A segunda trata de lugares vividos e descritos por Jorge Amado na Bahia. A terceira, por fim, é a cidade de Quincas Berro Dágua, espaço da vida de boemia e liberdade na cidade baixa. Palavras-chave: Jorge Amado - Bahia Salvador - Cidades brasileiras


Abstract This work is an interpretation on the different cities that compose the city of Salvador from the reading of Quincas Berro Dágua’s death and death by Jorge Amado, an interpretation through the imaginary built around the life and characters of the author. The mentioned book tell the history of Joaquim Soares da Cunha, a good and worker men that decides to leave everything he has and go to live at the historical and poor downtown of Salvador, now being called as Quincas Berro Dágua, the king of Bahia’s tramps.

it makes clear the repulsion of the catholic family by certain aspects present and alive in downtown. The first reading deals with the generic city: a mix between the contemporary and the Portuguese inheritances, determined by the logic of incessant work, Christian life and correct habits. The second deals with places lived and described by Jorge Amado in Bahia. The third, finally, is the city of Quincas Berro Dágua, space of life, bohemia and freedom.

One day, when found dead, Joaquim's family yearns to give him a decent burial in an attempt to erase Quincas's tattered image. However, the imagination and drunkenness of his new friends speaks louder than the Catholic rites of the wake. and believing that Quincas is alive, they go out to get fed up in the night carrying the dead. After a spree on Pelourinho, they goes down to the pier for a night party, when they are caught by a storm and Quincas shoots himself at the sea choosing to have a free and magical death. It is clear at the book, the coexistence of different cities that somentimes seems to come into conflict and sometimes survive together . The opposition between the Puritan family and the vagabond life of Quincas Berro Dágua, is spatialized when

Keywords: Jorge Amado - Bahia - Salvador - Brazilian cities.



Índice PARTE 01 Que catedrais tendes no pensamento? Como encontrei Jorge no caminho

p. 4 p. 8

PARTE 02 De beleza e sofrimento Baiano é um estado de espírito Três cidades em uma

p. 21 p. 27 p. 33

A cidade genérica A Bahia de Jorge A Bahia de Quincas

p. 36 p. 44 p. 53

Conclusão Bibliografia

p. 60 p. 62


PARTE 01 “Mas se queres ver tudo, na ânsia de aprender e melhorar, se queres realmente conhecer a Bahia, então vem comigo e te mostrarei as ruas e os mistérios da cidade do Salvador, e sairás daqui certa de que este mundo está errado e que é preciso refazê-lo para melhor.” 1



Imagem 01 na página anterior: Frame do filme Barravento de Glauber Rocha, 1961.

1. AMADO, 1981, p. 13 2.Trecho extraído da aula inaugural pronunciada na FAUUSP por Vilanova

Artigas, em 1967. Publicado pela Revista do Instituto de Estudos Brasileiros em 1968. (ARTIGAS, 1968, p.32)

3. Grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Que catedrais tendes no pensamento?2 A ideia para este trabalho tardou a ficar pronta, amadurecia no pensamento, ao mesmo tempo em que se desenvolvia na prática. O pontapé inicial para formular quais seriam minhas intenções com esse fechamento de ciclo, foi justamente o questionamento do que nele faltou e o que me formou até aqui. Nos primeiros anos de FAU entramos em contato com os princípios de cada disciplina, tanto em termos de desenvolvimento histórico, quanto os fundamentos que regem sua aplicação: história da arte e arquitetura, desenho técnico, geometria, noções de programação visual e fundamentos de projeto. Somos também apresentados a algumas propriedades de materiais, ao desenvolvermos nossos primeiros projetos, maquetes e trabalhos em canteiro, atrelados à teoria da sala de aula. Conforme o curso se desenvolve, avançamos em aprendizados mais técnicos e formais, seja na área de projeto, seja nas disciplinas da Escola Politécnica, seja nos estudos de planejamento urbano. O mais importante desse processo foi, para mim, a contradição que nele começou a se desenvolver: enquanto nas aulas de projeto os professores bradavam que “arquitetura não é mera resolução de problemas”,

nas aulas de planejamento urbano era exatamente isso que eu nos via fazer. Se desde que entrei na FAU, ouvi que nela mais se aprende nas rampas e corredores, conforme o curso foi passando, mais essa tese se comprovava. Foram as experiências práticas em diferentes estágios, a participação ativa no grupo político-cultural Coro de Carcarás, e a atuação no movimento estudantil como integrante do GFAU3 que me fizeram “colocar a mão na massa”, aprender a desenvolver formas de comunicação em diferentes suportes e escalas, descobrir a FAU como um edifício-cidade e entender os desafios da realidade política de nossa atuação enquanto arquitetos. Além disso, foi nos arquivos e nas conversas com veteranos no GFAU que entrei em contato com artistas de vanguarda tanto das artes visuais e literatura quanto da arquitetura: Décio Pignatari, os irmãos Campos, Hélio Oiticica, Flávio Império, Lina Bo Bardi, Sérgio Ferro, Lygia Pape, Maiakóvsky, Lissitsky, entre outros. Portanto, enquanto na sala de aula os estudos seguiam caminhos burocráticos e formais, fora dela, eu mantinha


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contato muito próximo com aqueles que, em seu tempo, questionavam estruturas e pensavam novas formas de vida, de arte e de cidade. Foi assim que, olhando minha formação, ficou claro que juntar cultura, arte e técnica na busca de uma visão mais poética e menos tecnicista da cidade, assim como tratar de anseios e de saberes populares, seria o caminho certo para encerrar meu ciclo na FAU. Vilanova Artigas, principal idealizador do Edifício da FAUUSP, em palestra para os estudantes ingressantes dessa Faculdade em 1967, evidencia o devir da técnica como expressão dos anseios humanos: O conflito entre a técnica e a arte prevalece ainda hoje. Ele desaparecerá na medida em que a arte for reconhecida como linguagem dos desígnios do homem. (ARTIGAS, 1968, p.32)

As questões sobre instrumentos gráficos e manifestações culturais como uma expressão de projeto, intenções e linguagem do povo sempre me encantaram. Por isso, atrelar o olhar da cidade a um saber técnico pareceu fundamental para expressar meu trabalho final.

Por tanto estudar São Paulo nas disciplinas de planejamento urbano e pela enorme quantidade de trabalhos sobre essa cidade, entendi que seria mais interessante trabalhar com outro estado brasileiro. A escolha do Estado da Bahia veio primeiro. Não posso negar que as heranças negras e sabedorias africanas, tão explícitas naquela terra, me arrepiam sem que de forma racional eu saiba o porquê. Essa escolha veio também porque, por possuir um distanciamento em relação às cidades baianas, eu poderia fazer um trabalho que não estivesse contaminado por premissas de estudos urbanísticos, mas que se baseasse na ideia de um imaginário da cidade e sua expressão popular. Já a escolha de Jorge Amado foi um dos últimos passos para a composição desse trabalho. Nele, encontrei um olhar poético, que narra a vida baiana, com suas tradições de negros e brancos e uma forma leve de tratar as contradições e incertezas da vida, além de entrelaçar seus personagens aos espaços em que vivem nas cidades. A riqueza iconográfica e sensorial trazida pela leitura de Jorge Amado, e aquela já produzida em torno do imaginário e da poética da Cidade de


Imagem 02 na página ao lado: Ex-votos na Galeria Estação - São Paulo. Foto: Beta Germano para Casa Vogue.Agosto de 2017.

Salvador são tão fortes e presentes que esse trabalho não se bastaria na forma de texto e, por isso, se desdobra em três estandartes de tecido que, através de formas e desenhos, buscam traduzir o olhar narrado aqui. Sei que a identidade do povo baiano narrada por Jorge Amado já não prevalece nas ruas e nos hábitos do povo de Salvador. Sei também dos diversos movimentos e artistas atuais que buscam superar a figura da Bahia provinciana, da alegria irremediável, evidenciando as contradições existentes na cidade. Porém, ainda que em outro tempo, Jorge Amado e seus personagens foram elementos importantes ao evidenciar a cultura afrobrasileira e sua miscigenação com o branco português que estava moldando a Bahia de então. Além disso, observando antigas grades curriculares da FAU, percebo um distanciamento atual cada vez maior entre academia e cultura popular brasileira, talvez até influenciado pelo uso intensivo de softwares para projetar. Desconhecemos hábitos populares, costumes e tradições, e também nos afastamos das técnicas artesanais antes valorizadas e estudadas por alguns arquitetos que utilizavam desse conhecimento, traduzindo-o para as

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diferentes áreas da arte, arquitetura e design de mobiliário. Por isso, mesmo entendendo que a Bahia não se limita aos elementos trabalhados aqui, achei importante resgatar ícones e símbolos poéticos produzidos por artistas que contribuíram para o reconhecimento da cultura brasileira em um passado não tão distante de nós.


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Como encontrei Jorge no caminho Iniciei meu caminho nesse TFG acreditando que conseguiria tratar sobre as técnicas e saberes populares com os quais tive contato ao longo dos últimos anos e que formaram meu olhar até aqui. Queria falar da língua do povo e não dos livros, queria falar das propriedades de matérias primas e da conexão entre os ofícios manuais e a fé popular. Não sabia como especificar um assunto nem para qual região brasileira olhar. A vastidão de saberes populares espalhados pelo Brasil, como lista Lina Bo Bardi no prefácio da revista Habitat n. 01, sugere uma infinidade de elementos a serem trabalhados e estudados. A beleza imaginativa de uma floresta, de uma cabana de pau-a-pique, de um pote marajoara, de uma igreja barroca, o aleijadinho, os ourives da Bahia, os moveleiros manuelinos de Recife, os epígonos da missão francesa, os arquitetos do teatro de Manaus e os do Ministério da Educação e Saúde do Rio, os pintores caipiras e os artistas de renome, ceramistas, os gameleiros do litoral, indígenas, africanos, descendentes de conquistadores, emigrantes... (BARDI, 1950, prefácio)

Gritava, porém, a necessidade de buscar nos saberes primitivos elementos da formação da nossa cultura, que permitem ter base para imaginar e criar um futuro. É necessário recomeçar pelo princípio, partir de onde a arte funde-se com a antropologia e grita ou reprime sua indignação. (BARDI, 1994, p.48)

Foi então, que como tática de trabalho, determinei que encontraria algum mito ou história popular que me guiaria no sentido de indicar um roteiro ou técnica com o qual eu pudesse trabalhar. Em um primeiro momento, devido a viagens recentes e experiências pessoais, imaginando que pudesse falar da sabedoria negra tão presente no estado da Bahia, me debrucei sobre os textos de Roger Bastide e Reginaldo Prandi. Bastide, etnólogo francês do início do século XX, foi um dos primeiros autores acadêmicos a registrar em livros as tradições e histórias do candomblé e da umbanda no Brasil. Reginaldo Prandi, sociólogo, professor da FFLCH-USP, é até hoje um dos maiores autores sobre a mitologia do candomblé, tendo


4. CASCUDO, 1965, p.1

mapeado os diversos terreiros em São Paulo e registrado os mitos passados oralmente pelas Mães de Santo sobre as origens, histórias e sabedoria dos Orixás. A riqueza dos mitos formadores dessas duas religiões é muito grande, não somente pela quantidade e pelos muitos elementos míticos existentes, mas também pela riqueza material e técnica vinda com os povos africanos escravizados no Brasil. Existe assim, uma infinidade de representações visuais sobre os Orixás, com particularidades em cada estado brasileiro e em cada Terreiro religioso. Com os textos desses dois autores, percebi que o mundo da cultura religiosa afrobrasileira não poderia ser estudado por mim somente através de livros. Isso iria contra as premissas do saber popular, no qual a expressão material e visual de aspectos culturais religiosos são reflexos da vida e da realidade do povo que vive essa fé. Além disso, o olhar da antropologia não me trazia, nesse caso, muita liberdade para interpretação e imaginação, tendo em vista a precisão e o importante caráter de registro documental do trabalho desses dois autores.

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Foi então que parti em busca de uma narrativa nos livros sobre as tradições orais brasileiras registradas por Luís da Câmara Cascudo. Sem conhecer com profundidade as obras do autor, me debrucei sobre duas delas: Tradição: cultura do povo e Made in África. Em Tradição: cultura do povo, Câmara Cascudo lista uma série de termos populares que designam fenômenos naturais tais como as chuvas, as nuvens, e os ventos, divagando sobre as similaridades e diferenças de cada termo em regiões como o sertão e o nordeste brasileiros e em regiões de Portugal. Já em Made in África, parte em busca de verificações para suas já existentes investigações sobre origens e trocas culturais do saber popular brasileiro. Como homem observador, declarou no prefácio da edição de 1965 que quase todos os estudos desse livro, realizados nas cidades, aldeias e acampamentos africanos, foram iniciados “sob a poderosa sugestão temática ao alcance dos olhos” 4. O autor não somente averigua a origem toponímica de frutas e animais, mas também verifica a origem de certos costumes, músicas e trejeitos


5.Como se autodescreveu Elomar em concerto na cidade de São Paulo no ano de 2015.

brasileiros trazidos pelos negros africanos: hábitos como cafuné, o rebolado e as crenças populares. Em seus livros, Câmara Cascudo deixa de lado o modo acadêmico regrado de escrever. Escreve como pensa, em um desencadear de ideias que mais parecem divagações, assim como o faz a língua do povo. Diversas das suas investigações misturam o saber científico com crenças tradicionais e fantásticas do povo brasileiro, não precisando de comprovação científica para que os saberes observados se deem como verdades entre as pessoas e ao longo da história. Por se tratar da oralidade do povo, foi necessário que eu lesse os livros em voz alta, já que minha cabeça, acostumada às leituras acadêmicas, mal conseguia acompanhar o sentido das frases. O som transformou a leitura em uma prosa, como se ouvisse o autor me contar sobre suas observações. Os estudos de Câmara Cascudo são tão detalhados que me perdi, mais uma vez, na vastidão de temas, culturas e ofícios sobre os quais eu poderia tratar. Acreditando, porém, que ainda encontraria uma narrativa pronta como

Imagem 03 na página ao lado: Elomar Figueira Mello em sua fazenda em Vitória da Conquista (BA). Fonte: acervo da Fundação Casa dos Carneiros.

escopo para o trabalho me lembrei de Elomar Figueira Mello, cantador que conheci por meio da minha mãe e cujas canções instigavam meu imaginário sobre a vida e os recursos do sertão brasileiro. Saindo da cultura negra da Bahia, fui parar no saber do homem sertanejo, do “criador de cabras, bodes e estrelas”5 e romances pitorescos. A obra de Elomar Figueira Mello, arquiteto de formação, é extremamente erudita, tanto em suas melodias como no modo de contar histórias e canções. Mistura contos da terra seca do sertão com amores mágicos de princesas, castelos e cantadores. Lá dentro no fundo do sertão Tem uma estrada das areias de ouro E contam que em noites De lua pela estrada encantada Uma linda sinhazinha Vestida de princesa Perdida sozinha vagueia Pelas areias Guardando o ouro De seu pai, seu senhor Aquele fidalgo que o tempo levou Pras banda do mar de pó E hoje que tudo passou A linda sinhazinha Encantada ficou (Na estrada das areias de ouro. Elomar Figueira Mello, 1973)


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Imagem 04 na página ao lado: Exposição Bahia de Lina Bo Bardi no Pavilhão Brasil da Bienal de arte, no Ibirapuera. 1959. Fonte:

Instituto Lina Bo e P.M. Bardi

Em Elomar, me sentia ouvindo as histórias de um velho sério e sábio, cuja fuga da vida dura do sertão estava no sonhar. Mas o que eu procurava era a figura de uma velha negra, sábia e de sorriso malicioso, contando sobre as travessuras da vida, justificando os dias difíceis de pesca e sol como aventuras dos Orixás. Respirei fundo e fui buscar em Lina Bo Bardi um possível recorte temático, sabendo previamente de seu envolvimento com a arte popular brasileira e de seu precioso trabalho de arquitetura e mobiliário modernos, influenciados pelo modo de fazer do povo. Estabelecida no Brasil desde 1947, Lina Bo Bardi, renomada arquiteta ítalo-brasileira, ao ser convidada para uma conferência na Universidade Federal da Bahia, iniciou e manteve estreita relação com esse estado entre os anos de 1958 e 1964. A partir daí, aprofunda seu envolvimento com a descoberta e valorização do que denominaria no futuro de pré-artesanato brasileiro, uma expressão de arte e sobrevivência do povo. Em um período no qual na política, desenvolvimentismo e nacionalismo

Imagem 05 na página ao lado: Rascunhos de Lina bo Bardi para a exposição Bahia. Fonte: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi

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eram as palavras de ordem, o florescimento da arte e arquitetura se deram de forma a repensar o caráter e cultura brasileiros. Lina traz então, como bagagem de sua relação com uma Itália devastada pela guerra, o discurso de que era necessário olhar para a iconografia primitiva e original de um país, buscando possibilitar o desenvolvimento de técnicas e de modo de vida futuros. Como já indicava sua atuação na revista Habitat, durante o período como Diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia e posteriormente na revitalização do Conjunto Solar do Unhão, Lina propôs um profunda valorização da arte popular. Foi olhando para os saberes do povo baiano que Lina defendeu os espaços expositivos como espaços que servissem não somente à Arte, aquela com letra maiúscula, de obras primas e renomados artistas, mas também à arte, com letra minúscula, associada à intima necessidade de expressão de um povo. Em 1959, a exposição Bahia, realizada no Ibirapuera, foi um importante movimento no sentido de valorizar os ícones dessa cultura popular. Reunindo aparatos e objetos, explorando formas e cores das tradições, Lina, ao trazer para espaços expositivos e formais


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Imagem 06 na página ao lado: Bahia Amada Amado. Foto: Maureen Bisilliat

a arte e cultura baianas, colocou em xeque a clara separação entre intelectualismo e saber popular persistente no meio artístico e acadêmico no Brasil. Nessas leituras, não encontrei o recorte poético que procurava, mas aprofundei a necessidade de observar as origens de nossa cultura, de nosso desenho, design e desígnio. Lina fez ficar mais clara a necessidade de trazer o saber popular para a minha formação acadêmica. Ao longo desse processo, algumas referências visuais também se fizeram importantes. Os livros Bahia Amada Amado e A João Guimarães Rosa, produzidos pela fotógrafa Maureen Bisilliat, trazem com força e sensibilidade a tradução fotográfica do universo das obras de Jorge Amado e João Guimarães Rosa, respectivamente. Neles, Bisilliat retrata os corpos, os ofícios, e os aspectos religiosos da Bahia e do sertão mineiro tão presentes nesses dois autores. O filme Barravento, dirigido por Glauber Rocha, também aparece como uma referência estética. Apesar se ser uma narrativa que criticava a paralisia social que a fé poderia trazer, o filme, retratando a vida dos homens pretos em uma vila na praia de Itapuã, mostra

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o profundo entrelaçamento entre o sagrado e o profano, entre a necessidade de sobrevivência econômica e a esperança do milagre pela natureza, tão fortes na cidade de Salvador. Capta a força e o movimento da vida e dos corpos, abordando elementos culturais como a pesca de xaréu, o candomblé, o samba, e a roda de capoeira. Tanto Glauber, como Bisilliat, com suas imagens em preto e branco, evidenciam a força do negro da Bahia e o movimento de seus costumes. Depois de um semestre debruçada nessas referências, me veio à cabeça um livro que havia lido no verão de 2017. Não era um livro técnico, era uma novela cheia de graça e leveza que li para descansar durante o período de férias. Lembro-me de tê-lo lido com um sorriso no rosto, como se estivesse ouvindo uma velha senhora me contar aquela história, cheia de travessuras, onde a mentira e a verdade por ora se confundiam. Esse livro é A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, escrito por Jorge Amado em 1959. Depois de todos os estudos feitos ao longo do semestre, o livro de Jorge,


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que era apenas um passatempo, encheu-se de sentido. Nele, eu podia ver todas as dualidades que gostaria de utilizar nesse trabalho. O certo e o errado, o culto e o popular, o sagrado e o profano, a festa e a morte, os deveres e os quereres estavam todos colocados e o enredo pareceu, então, cair como uma luva para mim. Sem que a princípio eu soubesse, quase todos os autores citados acima tiveram, de alguma forma, relação pessoal ou acadêmica com Jorge Amado, o que evidenciou não só os acertos das escolhas feitas até aqui, como a unidade em torno de um universo com o qual eu queria trabalhar. Deu-se aí o início da minha busca, guiada pelas aventuras de Quincas Berro Dágua e pela vida de Jorge Amado, por uma leitura sobre a cidade de Salvador.


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PARTE 02


Imagem 07 na página anterior: a cidade baixa e a Baía de todos os santos vistas do Solar do Unhão. Foto: Nidia Paiva. 22/07/2017.

Nota: Em alguns momentos desse trabalho não utilizarei o nome atual da cidade de Salvador, utilizarei, sim, Cidade da Bahia, como um nome afetivo e popular usado por Jorge Amado. Não trato aqui sobre leis, dados e estatísticas que façam eu me ater ao nome oficial. Me importam os ícones, as estórias e a imaginação. Os nomes das cidades não resultam da discussão acalorada dos graves senhores acadêmicos. Podem eles perderem o tempo que quiserem, podem encher colunas de jornais com maçudos e maçantes artigos, escrever grossos volumes que ninguém lê, xingar e esbravejar, o povo continua chamando sua cidade pelo doce nome de Bahia. Esta é a cidade da Bahia. Assim a trata o povo de suas ruas desde a sua fundação a 1º de Novembro de 1549. (AMADO, 1981, p. 25)

É sobre essa Cidade da Bahia, a cidade da língua do povo, que versam as relações estabelecidas aqui.

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6. AMADO, 2003, p. 6 7. Ibidem, p. 31 8. PAES, 1992, p.40

De beleza e sofrimento Pensei esse trabalho como uma tradução visual e iconográfica sobre a vida e a cidade de Salvador. Essa tradução se dá através do enredo do livro A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, escrito por Jorge Amado, e através do imaginário construído em torno da vida e personagens de Jorge. A morte e a morte de Quincas Berro Dágua conta a história de Joaquim Soares da Cunha, um homem de classe média, “de boa família, exemplar funcionário da Mesa de Rendas Estadual, de passo medido, barba escanhoada, paletó negro de alpaca, pasta sob o braço, ouvido com respeito pelos vizinhos, opinando sobre o tempo e a política, jamais visto num botequim, de cachaça caseira e comedida.”6 Um homem de bem, que ao chegar na meia-idade, sem fazer alardes abandona a todos, se desfaz de regras e condutas e vai viver na Ladeira do Tabuão, se fartando de farras, cachaça e amigos nas ruas da cidade baixa de Salvador, transformando-se em Quincas Berro Dágua, “cachaceiro supremo, rei dos vagabundos da Bahia.”7 Um belo dia, quando encontrado morto em sua pocilga miserável, a família de Joaquim anseia dar-lhe um enterro decente, na tentativa de apagar a imagem

esfarrapada que tanto os envergonhara. Porém, Quincas, já muito estimado pelos amigos de aventuras, não poderia mais ser Joaquim e a imaginação e bebedeira de seus novos amigos, incrédulos com tão infame morte, fala mais alto que os ritos católicos do velório. Os amigos de Quincas o dizem vivo e saem para fartarem-se em noite tão especial carregando o morto. Após toda a farra nas ladeiras do Pelourinho, descem até o cais para uma noite de cachaça e moqueca no saveiro de Mestre Manuel e Maria Clara. Ao serem pegos por um temporal, Quincas se liberta e se atira no mar, dando para sua morte um caráter espetacular, livre nas águas da Baia de todos os santos. O livro é considerado por muitos um destaque na obra de Jorge Amado. Não por seu tom político ideológico típico de suas primeiras obras como Seara Vermelha ou Jubiabá, mas um destaque por seu engajamento “mais lírico do que ideológico”8, versando sobre o modo de vida do povo da Bahia e evidenciando as diferenças morais que constituem a cidade. Escrito em 1959, primeiramente na forma de uma novela de 12 capítulos


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9.Depoimento em exibição na Casa do Rio Vermelho. Visto em julho de 2017.

publicados semanalmente na revista carioca Senhor, foi ovacionado por diversos autores e poetas: Enquanto Vinícius de Moraes a considerava “a melhor novela da literatura brasileira”, Sérgio Porto aproveitava para saudá-la também com muito humor: “Que beleza, Jorge Amado! Que história linda para um lindo filme! O filme que talvez fosse a redenção do cinema pátrio, vitima do pitoresco, do samba, do rádio, da Emilinha Borba e dos Lulus de Barros. (Nota do editor na sobrecapa da 89ª edição de A morte e a morte de Quincas Berro Dágua da Editora Record).

Alguns dizem que a história de Quincas Berro Dágua realmente aconteceu e não seria novidade ver uma história do povo narrada em um livro de Jorge. Não à toa a escrita desse livro e de outros do autor aproximam-se do tom da linguagem e das narrativas orais. De acordo com Lilia Schwartz9 e Ilana Goldstein (2009), tanto a estrutura do título quanto o tom da novela se aproximam das histórias da literatura de cordel, que, no geral, são contadas pelo povo e possuem uma escrita de fácil entendimento. O título, por exemplo, antecipa e resume a narrativa para

o leitor. Aqui, sabemos que o personagem principal irá morrer e isso não é um problema. Versos de sete sílabas — a redondilha característica do cordel e das modinhas populares —, constantes reviravoltas, heroísmo, maniqueísmo, palavrão e linguagem das ruas, longos títulos, são todos ingredientes caros a Jorge Amado. (GOLDSTEIN, 2009, p. 68)

Outra característica dos livros de Jorge, é a mistura entre vida real e ficção. Um exemplo disso é que além de criar personagens fictícios e repeti-los em diversas obras como se fossem reais – é o caso do Mestre Manuel dos saveiros e Maria Clara – o autor também utiliza personagens da vida real, é o caso de Pierre Verger, por exemplo, citado durante a narrativa de Quincas. Até o ano atual, o livro já possui mais de 90 edições nacionais, tendo sido traduzido para mais de 20 línguas e ilustrado por diversos artistas. Além disso, inspirou a produção de um Balé com música de Francisco Mignone (1979), figurinos e cenários desenhados por Carybé e registrados em um livro10 sobre o processo de criação. Foi realizada também uma minis-


10. FURRER, Bruno (Ed.). Balé Quincas Berro Dágua. Baneb: Desenbanco: Salvador, 1981. 120 p. Apresenta 32 pranchas gráficas em aquarela

em página inteira com cenografia e trajes de Carybé, reprodução do programa oficial da temporada de 1980 do Ballet Brasileiro da Bahia, e reprodução

série para a TV Globo em 1978, adaptada por Valter Mancini; e um filme em 2010, com direção de Sérgio Machado, com vultoso orçamento e diversos atores consagrados na história da televisão brasileira. No teatro, Quincas Berro Dágua, já teve pelo menos quatro diferentes adaptações. Toda a obra de Jorge Amado é permeada pela ideia da mestiçagem. Defende esta como a característica mais peculiar e importante da cultura brasileira, levando adiante a opinião de que o melhor antídoto para o racismo e discriminação é a mistura de culturas e povos existente aqui, o que evidenciaria “o nosso humanismo e a lição que teríamos a dar para o resto do mundo”.11 Essa mistura aparece em todos os seus livros não somente através da miscigenação de cores, mas também do sincretismo religioso e cultural com o claro exemplo da cultura baiana tão conectada, ao mesmo tempo, à Igreja Católica e ao Candomblé. No livro A morte e a morte de Quincas Berro Dágua está contemplada, e de certa maneira condensada, toda a arquitetura de Amado, com seus mulatos boêmios, prostitutas doces, cozinheiras solidárias, pescadores e marinheiros mancomunados, o compadrio da pobreza, a avareza dos grupos

da partitura da orquestra.

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11. SCHWARCZ, 2009, p. 37

mais abonados e o largo mar. O mar que distingue e socializa. (SCHWARCZ, 2009, p. 36)

Assim, se fica clara na trama do livro de Quincas, a coexistência entre a religião católica e o candomblé, a moral cristã e a vagabundice, as mulheres recatadas e as prostitutas, passa a ser necessário também evidenciar a coexistência de duas diferentes cidades que ora parecem entrar em embate, ora sobrevivem juntas em uma mesma Salvador. A oposição entre a família puritana e a vida vagabunda de Quincas Berro Dágua, se espacializa quando deixa clara a repulsa da família católica por determinados aspectos presentes e vivos na cidade baixa, sejam os prostíbulos, os bares, as festas nos saveiros ou a bagunça das feiras. Enquanto a cidade vivida pela família se localiza distante do mar, no bairro operário de Itapagipe, próximo à Igreja do Bonfim, com casas de classe média e homens que trabalham em instituições públicas, a cidade vivida por Quincas está localizada no centro histórico de Salvador, ou mais especificamente, nas ladeiras que conectam o Pelourinho à cidade baixa. Nesse


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espaço, vivem homens que dependem do mar para sobreviver, mulheres que sobem e descem as ladeiras com seus rebolados carregando balaios na cabeça, vivem também as magias do candomblé e os mistérios das noites de lua. Todo esse cenário narrado nessa novela fictícia possui muito em comum com as descrições do Bahia de Todos os Santos: Guia de ruas e mistérios, um livro não fictício, também escrito por Jorge, o que incitou a busca por outras obras e outros elementos da vida do autor. Jorge Amado nasceu no distrito de Itabuna em 1912 e logo se estabeleceu junto com sua família no município de Ilhéus. Viveu Salvador e outras cidades da Bahia ao longo de quase todo o século XX, acompanhando suas grandes mudanças estruturais, políticas e, consequentemente, de modo de vida. Da cidade provinciana, com grandes casarões, conventos e igrejas, recém libertada de um período de tráfico negreiro, até a cidade com estrutura modernizada de shoppings e grandes edifícios existente quando morreu em 2001.

Passando por períodos de grande agitação e instabilidade política no Brasil, Jorge Amado criou seus personagens e enredos sempre embasados em sua vivência junto ao povo local. Com suas obras, ao mesmo tempo em que descreve a vida dos homens baianos, também dá ênfase para o imaginário e o misterioso das ruas da Bahia, oferecendo ao povo um novo jeito de se olhar e reconhecer. Em seus livros, o brasileiro se vê e ao mesmo tempo se cria. Ao se inventar como escritor, Jorge Amado reinventou o Brasil. A partir dele não podemos mais pensar em nosso país sem as cores e o sensualismo, a mestiçagem e o sincretismo, a fibra e a alegria que norteiam suas narrativas. (CASTELLO, 2009, p.19)

Acompanhando seu engajamento político como membro do Partido Comunista Brasileiro12, seus primeiros livros apresentam caráter fortemente determinados pela linha do partido, compromissados com a luta política e reestruturação do país, bem como a necessidade de evidenciar contradições estruturais no modo de vida do povo. É o caso de obras como Cacau, Suor, Jubiabá, Mar Morto, Capitães da Areia, ABC de Castro Alves, Seara Vermelha e alguns outros.


de expressão religiosa, permitindo, assim, o culto do candomblé no Brasil, até então duramente perseguido.

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Afastado do Brasil durante período de exílio em 2 momentos, Jorge viveu mundo afora estabelecendo importantes relações com diversos artistas e autores, ao mesmo tempo que entrava em contato com a realidade política da luta comunista.

nizações e modificações da cidade da Bahia, foi atualizado cinco vezes pelo próprio autor, que acrescentou e retirou capítulos conforme sua pertinência. Sua última atualização foi realizada na edição de 1986.

12. Foi eleito deputado federal, em 1945, com o slogan “romancista do povo”. Foi Jorge quem regulamentou, em uma emenda da constituição de 1946, a liberdade

Após decepção com notícias sobre os massacres de Stalin na então União Soviética, se afasta, desiludido, do Partido Comunista Brasileiro e da ideia de internacionalização própria da teoria comunista, se aproximando cada vez mais de um olhar sobre a realidade brasileira e se dedicando mais à literatura. É nesse momento, libertando-se um tanto do compromisso revolucionário, que Jorge passa a desenvolver uma nova fase literária. Seus livros não deixam de possuir, porém, o olhar politizado do autor, envolvendo e evidenciando as contradições sociais, mas permitem utilizar de fontes como as religiões afrobrasileiras como instrumentos de inspiração para ficções e mistérios. Bahia de Todos os Santos: Guia de ruas e mistérios, é um livro publicado em 1945, apenas dois anos após os exílios de Jorge Amado na Argentina e no Uruguai. Acompanhando as moder-

Ao tecer espaços cotidianos matizados por um “batalhão de detalhes”, o escritor baiano, embora não queira representar a cidade à exaustão, acaba por agenciar uma poderosa mimese que mistura beleza e sofrimento, fartura e fome, risos álacres e lágrimas doloridas [...]. O passeio por ruas seculares, igrejas, mercados, trapiches e praias conduz o leitor também ao lado obscuro da cidade, diferentemente dos guias turísticos e prospectos oficiais. (BARBERENA, 2013, p. 107-108)

O livro pode ser considerado um guia afetivo, dos mais bonitos de se ler, e por vezes parece fazer parte das narrativas fictícias do autor, deixando-nos curiosos em busca da realidade das ruas da cidade. Nele, o feio e o bonito, o profano e o sagrado, o candomblé e o catolicismo, o negro e o português, a cidade alta e a cidade baixa são igualmente descritos. Completa Barberena (2013): “uma cartografia lírica do sentir, do amar, do respirar, do andar, do festejar baiano.” (p. 103 )


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Através do Guia não descobrimos as histórias dos edifícios ou os grandes acontecimentos históricos datados nos guias e mapas dos centros de informações para turistas, descobrimos as histórias do povo, os pequenos fatos e costumes cotidianos. É possível conhecer os mercados e feiras locais, onde não há espaço para luxo, mas onde há ricas figuras, tradicionais em seus ofícios, esperando para nos encantar. É possível conhecer a cidade através de seus sabores e de seus cheiros, de seus homens, e de suas contradições. Incita-nos a reconhecer nas ruas alguns Quincas, outras Gabrielas, encontrar os Capitães da areia, ir atrás da moqueca de arraia, procurar as histórias nas rampas do mercado, comprar de chinelo a bodes vivos para trabalho do candomblé na Feira de São Joaquim, reconhecer os bêbados e andarilhos das ladeiras da cidade baixa, ir em busca da benção de Mãe Stella de Oxóssi no Terreiro do Opô Afonjá e encontrar a ternura no Terreiro do Gantois.


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13. Extraído de AMADO, 1981. Título do capítulo referente ao baianos nascidos fora da Bahia, como Verger, Karl Hansen, José Calazans, entre outros.

Baiano é um estado de espírito13 A Bahia de Jorge Amado não é uma Bahia que se faz sozinha. É a Bahia da gente, do povo que nela habita, dos encontros, do estado permanente de poesia, do olhar amigo. A vida de Jorge foi profundamente permeada pelos encontros e amigos que dela fizeram parte. Em sua casa no bairro do Rio Vermelho, onde vivia com sua esposa Zélia Gattai, são muitos os objetos, detalhes e lembranças que identificam cada uma dessas convivências e amizades. Nela, passaram artistas como Mario Cravo, Glauber Rocha, Pablo Neruda, Simone de Beauvoir, Jean Paul Sartre e Dorival Caymmi. Dentre essa imensidão de relações, destaco aqui a amizade de dois artistas estrangeiros que renasceram e se reinventaram em Salvador, fazendo dessa cidade sua obra e sua morada. E que com seus olhares, foram capazes de elucidar uma visão mestiça do Brasil e divulgar as tradições de origem africana, como o candomblé, para além da Bahia. Hector Julio Páride de Barnabó, o Carybé, argentino de nascimento, passou por Salvador em 1938. Na época, como jornalista, se esbaldou ao longo de 6 meses nos bares, nas rodas de

capoeiras e nas ladeiras do Pelourinho. Mas foi somente no início dos anos 1950 que voltou de vez, junto com sua esposa Nancy, para ali se estabelecer. De acordo com Jorge, Carybé é o mais baiano de todos os baianos e plantou raízes tão profundas como nenhum outro baiano o fez, pois viveu da Bahia o que nela há de mais profundo: sua religiosidade, seus mistérios, sua magia, e sua verdade simples Carybé era gravurista, pintor, ilustrador, e desenhista. Suas obras se espalham e se misturam com a paisagem de Salvador. Está dentro de museus, em gradis de praças, nas ilustrações de livros e em murais de edifícios. Quando nada mais restar de autêntico, quando tudo já se fizer apenas representação, mercadoria e transformar-se em dinheiro na sociedade de consumo, a memória perdurará pura, pois o filho de Oxóssi e de Oxum, o Obá de Xangô, guardou a verdade íntegra na criação de uma obra sem igual pela autenticidade, pela beleza, feita com as mãos o talento e o coração. (AMADO, 1981. p. 173)

Não somente presente na cidade da Bahia, sua obra é reconhecida no mundo todo, principalmente aquela


14.Fatumbi, palavra de origem yorubá, significa renascido no Ifá, título dado a Pierre Verger após profundo estudo e aprendizado.

O Ifá ou Orumilá, é o deus da adivinhação, e seu jogo é privilégio de babalaôs e confere acesso aos saberes orais africanos.

15. “Egun quer dizer alma e os adeptos desse culto se transformam, ao morrer, em eguns num complicado processo de iniciação.” (AMADO,

1981, p. 158). São raros os candomblés dedicados puramente ao culto de eguns e da mesma forma, em Benin, é muito sagrado e restrito.

que mais exigiu sua experiência e sabedoria: O Mural dos Orixás. Nela, Carybé, então presidente dos Obás de Xangô no Ilê Axé Opô Afonjá, estuda as características de cada orixá nos seus pormenores, e desenvolve formas de representação de cada elemento, criando no nosso imaginário traços de reconhecimento de cada um deles.

livre e curioso, que já havia rodado o mundo trabalhando seu olhar e sua fotografia. Atraído pela cultura afrobrasileira descrita na edição francesa do livro Jubiabá, instigado pelas aulas de Roger Bastide, e tendo conhecido Carybé no Rio de Janeiro em 1946, foi incitado a seguir para a Bahia em busca dessa cultura.

A destreza técnica da execução do mural também é notável. Com entalhes na madeira, Carybé atinge níveis de detalhamentos precisos, inclusive criando volumes com efeitos de transparência e texturas de folhas, palhas e tecidos. Quando, ao visitar o museu afrobrasileiro da UFBA, se alcança a sala do mural, é difícil não se emocionar com o quente do seu verniz e suas grandiosas dimensões.

Antes de fazer de Salvador sua morada em 1951, rodou por Recife e Belém, fotografando os maracatus e cultos de Xangô. Em 1948, conheceu Mãe Senhora, Ialorixá no Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, que o iniciou nos ritos do Candomblé e o incentivou a viajar para o continente africano em busca de similaridades e trocas dos cultos religiosos africanos e afrobrasileiros. Passou a ser porta-voz de Mãe Senhora em seus mais de 17 anos de viagens, encontrando e estabelecendo conexões entre ela e seus ancestrais africanos.

Era amigo íntimo de Jorge Amado, desses que viviam sempre na Casa do Rio Vermelho e possuíam muitas histórias pra contar. Nos livros de Jorge, não são raras as ilustrações de Carybé, assim como são presentes textos de Jorge nas publicações do amigo. Pierre Fatumbi Verger, nascido Pierre Verger e rebatizado no Daomé, atual República do Benin, como Fatumbi14, era um fotógrafo e etnólogo francês,

Verger passou a ser figura de forte magia e de importância documental para os ritos e saberes do povo africano vindo para o Brasil, isso porque, além de conhecer diretamente na fonte africana e dominar o saber dos Orixás, eguns15 e do jogo do Ifá, conseguiu documentar e estabelecer conexão entre os negros herdeiros da


16.A edição francesa é de 1968. 17. AMADO, 1981, p. 26 18. Ibidem, p. 27

19. Ibidem, p. 184 20.Jorge Amado, Carybé e Dorival Caymmi eram três dos doze Obás de Xangô no Ile Axé Opô

cultura africana no Brasil e os negros da África. Com diversos livros publicados, entre eles Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Baía de todos os Santos (1987)16, Orixás (1981) e Ewé (1995), Verger retratou e publicou sobre o tráfico negreiro no Brasil, os Orixás e cultos do candomblé na Bahia e no Benin, e em sua ultima obra, Ewé, organizou e identificou o saber sobre quase 1100 plantas sagradas do culto dos orixás. Era um homem misterioso e um tanto recluso, talvez por carregar tamanha sabedoria, mas não menos amigo. Hoje, nas duas pontas da praia da Barra, fortes históricos abrigam museus dedicados a esses dois grandes artistas: o espaço Carybé das artes, no Forte de São Diogo; e o Espaço Pierre Verger da fotografia baiana, no Forte de Santa Maria. Verger, “sábio de Paris, feiticeiro da África, baiano dos melhores”17; Carybé, “o mais baiano de todos os baianos”18; Jorge; assim como o amigo Dorival Caymmi, “cantor das graças da Bahia”,19 cada um com sua expressividade, leem os hábitos, olhares e raízes da

Afonjá. Obá significa ministro e é o mais alto título civil do candomblé, auxiliando a mãe de santo nas mais importantes decisões do terreiro.

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cultura baiana, tomados pelos valores e pela vida na cidade de Salvador e se cruzam principalmente em seu papel político-artístico e atuação nos cultos do candomblé.20 Carybé está por todas as partes, Caymmi é o que se canta caminhando nas praias de Salvador, Verger elucida o sagrado como ninguém e Jorge conta as histórias, eternizando o tom imaginativo e o modo de falar do povo.




Na página anterior Imagem 08: Da esquerda para a direita: Pierre Verger, Jorge Amado e Carybé. Foto:

Acervo Fundação Pierre Verger. Imagem 09: Parte dos paineis do Mural dos Orixás, de Carubé. Exposto no Museu

Afro Brasileira da UFBA. Fonte: <http:// museubrasil.org/ pt/museu/museuafro-brasileiro-daufba>. Acesso em 11/06/2018.

Imagem 10: Filha de Santo no Candomblé de Joãozinho da Goméia em Salvador (BA). Foto: Acervo Fundação Pierre Verger.

Três cidades em uma: Esse trabalho é uma interpretação sobre as diferentes cidades que compõem a cidade de Salvador a partir das narrativas de A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, de Bahia de Todos os Santos: Guia de ruas e mistérios, e da vida de Jorge Amado. A primeira leitura versa sobre a lógica da cidade genérica: um misto entre o contemporâneo e as heranças portuguesas, determinada pela lógica do trabalho incessante, da vida cristã e dos hábitos corretos. A segunda trata de importantes lugares vividos e descritos por Jorge Amado dentro da cidade da Bahia. A terceira, por fim, é a cidade de Quincas Berro Dágua, espaço da vida de boemia e liberdade na cidade baixa. Apesar de em um primeiro momento a cidade genérica parecer se opor à Bahia de Quincas, ou de existir uma clara tendência pessoal de defender a cidade da liberdade e dos prazeres, todas as versões aqui narradas são verdades existentes nessa mesma cidade, verdades que compõem a história de um povo e que coabitam a cidade vivida por Jorge Amado. Aqui, a observação de Lina Bo Bardi se faz precisa: “Existe uma Bahia para

cada um. Mil Bahias. Bastará sabê-las encontrar...” (BARDI, 1952, p. 42) Foi a realização de uma viagem para Salvador, durante o andamento desse trabalho, que incitou o estudo de elementos iconográficos da Bahia, isso porque a presença visual de Jorge, Carybé e Verger é de tal dimensão que me surpreendeu. É justamente por essa vastidão de imagens e ícones presentes e que versam sobre a cidade, sejam as esculturas e pinturas de Carybé, seja o olhar mágico de Pierre Verger, os filmes de Glauber Rocha, as canções de Dorival Caymmi ou os elementos populares como os ex-votos, entre muitos outros, que esse trabalho não se bastaria de textos teóricos e seguiu o rumo do “fazer com as mãos”. Sendo assim, cada parte interpretada se desdobra em um estandarte gráfico que ilustra a narrativa desenvolvida. A ideia de ilustrar o trabalho através de imagens em painéis de tecido dialoga também com a vontade de ter como resultado um objeto, para além do caderno ou prancha, que tivesse como pano de fundo a escala do edifício da FAU e a importância de seus espaços comuns.


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A forma escolhida (90cm de largura x 140cm de altura) faz alusão aos estandartes dos populares desfiles de reisado, congada e maracatus, tradições remanescentes dos negros africanos, ainda muito presentes em todo o nordeste brasileiro. O uso do algodão cru como base foi uma escolha feita não somente por já ter uma proximidade com o material em estágios na área de cenografia, mas também por ser um material quase “puro”, rústico e cru, que permitisse uma neutralidade em relação à pintura. Para realizar o trabalho de pintura e estamparia, escolhi a técnica da serigrafia pochoir, também conhecida como estêncil. Anterior e mais simples que a serigrafia, por não necessitar de materiais como solventes, fornos, estufas e mesas de luz, permite que com pouco tempo e menos recursos se trabalhem as imagens a serem gravadas e as reproduza com facilidade. Porém, não se adequa a grandes detalhamentos gráficos, tendo em vista que a forma de gravar as imagens na matriz (o acetato) é manual, feita sobretudo com recortes em tesoura e estilete, o que exige, portanto, que as figuras sejam “limpas”, sem muitos grafismos e sem difusão gráfica (Imagens 11, 12, 13 e 14).

O resultado produzido por essa linguagem se aproxima, de certo modo, da simplicidade de outras técnicas de desenho e pintura popular, como as xilogravuras dos livretos de cordel, os carimbos, as pinturas de símbolos nos saveiros e as representações dos orixás. A principio, imaginei a narração gráfica por meio de um painel único (Imagem 15), que iniciasse na ideia da cidade conservadora, passasse pelos símbolos da vida de Jorge Amado e culminasse na cidade de Quincas. Esse formato me parecia trazer, porém, a ideia de evolução e não de coexistência. Por isso, optei por dividir o trabalho em três estandartes diferentes (Imagem 16), evidenciando que a cidade exposta em cada um deles possui um conjunto de elementos que a identifique sozinha, mas que, ao serem vistos juntos, abarcam a complexa narrativa de Salvador.


Imagem 11: Etapa 01 - Desenho de observação sobre a Fundação Casa de Jorge Amado.

Imagem 12: Etapa 02 – Simplificação do desenho, feito apenas com linhas, criando a definição dos espaços negativos e positivos.

Imagem 13: Etapa 03 – Corte manual feito em matriz de acetato.

Imagem 14: Etapa 04 – Gravação da imagem no tecido de algodão.


Imagem 15: Rascunho da ideia inicial em painel Ăşnico.

Imagem 16: Rascunho de proposta estruturada em trĂŞs painĂŠis, cada um com seus elementos representativos.

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A Cidade Genérica

“assim é o mundo, povoado de céticos e negativistas, amarrados, como bois na canga, à ordem e à lei, aos procedimentos habituais, ao papel selado.”21


Imagem 17: Edificios amontoados na cidade baixa. Foto: Karina Vicente

21.AMADO, 2003, p. 2 22.KOOLHAS, Rem. A cidade genérica. In: KOOLHAS, Rem. Três textos sobre a cidade. São Paulo:

Emprestei de Rem Koolhas o termo a cidade genérica22. Em texto homônimo, o autor questiona se todas as cidades estariam se tornando iguais e caminha em busca de identificar o que as torna desprovidas de caráter próprio. As cidades contemporâneas, fruto do desenvolvimento capitalista, com seus viadutos, shopping centers e edifícios de escritórios, tendem a homogeneizar as cidades pelo mundo, tanto morfologicamente, quanto no modo de vida daqueles que a vivem. Os imperativos da vida contemporânea impõem ritmos desenfreados de trabalho, lazer apenas como consumo, e o “subir na vida” como a razão da existência humana, vinculada, claro, à meritocracia. Essa cidade unifica e qualifica os hábitos de suas populações, determina os caminhos certos e os desvirtuados, segue a lógica de que tempo é dinheiro. Nela, as pessoas coabitam o mesmo espaço, mas não se veem. É onde importam apenas as aparências e o que se possui. A cidade genérica não tem história, não aceita manifestações culturais minoritárias e impõe uma cultura massiva. Nela, a rua está morta, todas as necessidades são supridas em um

Gustavo Gili Brasil, 2014. p. 31-65.

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raio de poucos quilômetros dentro dos muros de seus condomínios. A cidade genérica pode ser em qualquer lugar e se multiplica. Nos anos 1980, Jorge Amado já anunciava as transformações por que passava Salvador: [...] tudo se faz na Bahia para degradar a grandeza da cidade, [...] agridem a paisagem a cada momento com espantosos edifícios rompendo a harmonia dos locais mais belos, [...] fazendo da lagoa do Abaeté e da doçura de Itapuã [...] caminhos do lucro imobiliário sem o menor controle [...]. (AMADO, 1981, p. 173)

Hoje, quando se chega a Salvador de avião, vemos claro o que Koolhas chama de cidade-aeroporto: um espaço feito para quem está em trânsito, que possui elementos da cultura mundial e alguns poucos da cultura local. Antes de chegarmos na Salvador do imaginário nacional, passamos por bairros novos que se assemelham a diversos outros no mundo. Poderia ser um bairro em São Paulo ou em qualquer outra cidade grande. Logo, porém, já se adentra na cidade de Salvador mágica e imaginada. Para


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Koolhas, cidades com fortes tradições e intimamente ligadas a sua história, têm uma tendência a resistir por mais tempo à homogeneização. Ribeiro (1995) diferencia bem a sobrevivência de aspectos culturais em Salvador e em São Paulo e Rio de Janeiro: [na] Bahia, [...] a população mantém uma pureza interior maior diante da arte e da Cultura. Há, realmente, uma curiosidade mais genuína por essas atividades humanas. O Rio e São Paulo são grandes metrópoles, em grande parte indiferentes a cultura, suas populações são distraídas, digamos assim, por outros problemas que lhes parecem mais prementes: problemas políticos, problemas de bem estar material [...]. (RIBEIRO, 1995, p. 233)

Porém, as características da cidade genérica não existem somente atreladas à cidade contemporânea, parecem existir também na Bahia de Joaquim Soares da Cunha. É a cidade fruto da herança cultural portuguesa e católica, onde os bons costumes são normatizados. Uma cidade pautada na lógica do trabalho, um trabalho associado à moral, e onde não há tempo para diversão. A cidade do julgamento sobre a vida alheia, onde impera a lógica do

pecado, do certo e errado, e da hipocrisia do perdão. Tanto a cidade do catolicismo ocidental, como a cidade do capitalismo contemporâneo, com suas imposições de hábitos, julgamentos morais, vergonhas e embaraços são contrapontos à Bahia do sol, da preguiça e das delícias e se unem aqui sob a alcunha de cidade genérica.


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23. Saudade da Bahia. Dorival Caymmi, 1957.

A morte de Joaquim Soares da Cunha ou Pobre de quem acredita, na glória e no dinheiro para ser feliz23 Joaquim Soares da Cunha era um homem de caráter exemplar e inquestionável índole, que, do dia para noite, cansado da vida regrada, larga sua família e vai viver nas ladeiras da cidade histórica de Salvador. Esse homem passa anos de farra e bebedeira, sendo notícia de jornal com suas arruaças conhecidas por todo povo, e assim, envergonhando a família. Quando Joaquim Soares da Cunha vai morar na Ladeira do Tabuão, deixa de ser Joaquim e passa a ser Quincas Berro Dágua, encarado morto por sua família. Essa transição pode ser considerada a primeira morte do personagem, uma morte moral. O livro tem início quando Quincas é encontrado realmente morto na pocilga em que vivia. Sua família, avisada pelo Santeiro, sai de Itapagipe, um bairro do subúrbio baiano, e vai até o Pelourinho para fazer um velório cristão, na tentativa de que a boa morte apagasse as memórias e a imagem miserável dos seus tempos de rebeldia. O modo de vida da família de Joaquim e toda sua decência são condizentes com a cidade genérica, isso porque suas atitudes e bons comportamentos são regidos pela lógica do trabalho e

das aparências como definidora do caráter e da moral humana. A família de boa índole, trabalhadora, moradora do subúrbio, que jamais cairia nas tentações e prazeres, se assusta e julga os hábitos malandros da cidade de Salvador (apesar de, com clara ironia, o narrador evidenciar seus hábitos pecaminosos, principalmente no papel da Tia Marocas, que mantém as aparências, mas se farta e delicia com uma peixada no dia do velório e se deixa levar em olhares libidinosos com os malandros amigos de Quincas). Sem deixar transparecer seus problemas, é uma família que nunca se desfaz de seu ar de superioridade e jamais deixa de cumprir as funções sociais e da religiosidade cristã. Entre eles, qualquer sinal de rebeldia era facilmente calado, de tão absurda tal existência. Era composta pela figura santa da Dona Otacília, falecida esposa de olhar acusador e fisionomia azeda; de Tio Eduardo, o irmão de poucos sentimentos que anotava todos os gastos do velório em um caderninho de despesas; da Tia Marocas, a irmã bobalhona chamada pelo morto de “saco de peidos”; de Vanda, a filha envergonhada; e de Leonardo, o genro sem coragem, mu-


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quirana, que se sentia humilhado pelas notícias das travessuras de Quincas na repartição pública onde trabalhava.

É a cidade do não e do comedimento.

Durante o velório, o caráter da família se expressa na sua indignação com a possibilidade de cachaça enquanto o corpo é velado, com a luz do sol pecadora que adentra o quarto e ilumina o caixão, nas contas que faz na ponta do lápis para evitar gastar com o morto, quando levam Tia Marocas e a moça Vanda embora da ladeira do Tabuão para que não se assustem ou fiquem mal faladas, e quando fazem de tudo para não serem associados à imagem vagabunda de Quincas Berro Dágua.

É a cidade do “Deus castiga”.

Na trama, a moralidade se espacializa, tratando as ruas do centro histórico e da cidade baixa como imorais, enquanto a boa família da classe média encontra-se mais afastada, morando em um bairro do subúrbio. É na cidade da família de Joaquim que reside a ordem e as aparências. Em que só vale a morte atestada pelo médico, jamais a morte atestada pelo santeiro. Em que trabalho informal não é considerado trabalho. E que boemia é sinônimo de vagabundice.

É a cidade do pecado e do perdão.

Valha-me Deus!


Imagem 18: Croqui do estandarte feito em nanquim e aquarela

Imagem 19 na página ao lado. Estandarte A cidade genérica.

1. O rosa blush: símbolo da vergonha. Representação do bom comportamento das moças “de família” 2. Os murais de azulejos portugueses 3.A igreja Católica. Representada pela fachada da Igreja do Bonfim de Salvador 4. A cidade moderna 5. As escadarias das igrejas: símbolos do poder divino e de punição, que distanciam o sagrado dos homens comuns

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A Bahia de Jorge

Andei, por andar, andei E todo caminho deu no mar24


Imagem 20 na página anterior: Capas do livro Baía de todos os Santos: Guia de ruas e mistérios. Edição: Karina Vicente

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24. Quem vem pra beira do mar. Dorival Caymmi, 1954.

A Bahia de Jorge Amado é a Bahia de Exu, orixá que guarda os caminhos, postado em todas as encruzilhadas. Protege a cidade dos corações maldosos, da inveja e das perversidades que nela chegam. Para uma boa estadia, é sugerido derramar um gole de cachaça, das boas, para satisfazê-lo e pedir boa passagem.

mesmo santo possui nome cristão e iorubá. Onde até um padre incorpora um orixá.

É aquela de um povo que faz até do trabalho uma grande festa. Que não se entrega às mazelas da pobreza e das dificuldades. Em que o político inquestionado e o pobre vagabundo vivem juntos.

É a Bahia banhada pela Baía de todos os Santos, fonte de alegria para o banho de todo fim do dia, morada de Iemanjá, figura mãe, rainha das águas. De onde vinham os alimentos trazidos pelos saveiros vindos do Recôncavo Baiano, e de onde chegaram e saíram os negros africanos durante o período de tráfico negreiro.

É aquela cidade da conversa lenta, da cultura que entra pelos olhos e pela boca, com culinária impecável de caruru, acarajé, cariri, xinxim de galinha, moqueca e vatapá. Da misteriosa força que entra no corpo e incita a dança. Que ainda não se adaptou inteiramente à velocidade alucinante das cidades. É a Bahia onde o negro mestiço e o branco português convivem em uma mesma pessoa. É da mestiçagem e do sincretismo. É a Bahia do candomblé, uma religião de movimento de corpo, dança, e comida. É também a do catolicismo, uma religião de castidade, devoção e comedimento. Onde um

Nessa Bahia flui um mistério como um óleo, pegajoso, que todos sentem, mas não sabem de onde vem. É um óleo que envolve e escorre pelas ladeiras da cidade.

É a Bahia da resistência da cultura negra, combatida com violência à base do cacete e do batismo, mas que sobreviveu e ainda luta contra ao chicote e a água benta. É a Bahia da música, que chega do mar, do canto dos pescadores, do som dos jogos de búzios, dos atabaques dos candomblés. De Dorival Caymmi, de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa e Gilberto Gil, de Novos Baianos, Antonio Carlos e Jocafi, Elomar e tantos outros.


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Da Lagoa do Abaeté, de águas escuras e areia branca, onde durante o dia estão as lavadeiras e sua árdua tarefa, e à noite, os casais apaixonados e sua tarefa não tão dura assim. É a Bahia de um homem, que mesmo se dizendo ateu, lutou e viveu o candomblé como importante força cultural e expressão de um povo. Essa Bahia não é feita somente de seus símbolos, mas também de todos os lugares em que Jorge viveu e que carregam seu nome. Começamos pela casa do Rio Vermelho, espaço que hoje é ocupado como Fundação Casa do Rio Vermelho e está estruturado como um museu, aberto à visitação. A casa evidencia o viver e o conviver de Jorge Amado e de sua Zélia Gattai, seja contando o amor entre os dois, seja revelando suas crenças. Uma escultura de ferro com a imagem de Exu assegura sua entrada. Assentado no jardim, recebe, hoje, cachaça e outros agrados dos visitantes. Os entalhes nas portas de madeira, os portões de ferro, os azulejos brancos e azuis com a imagem de Iemanjá e do

Ofá (arco e flecha) de Oxóssi e até o sutil acabamento em formato de pássaro nas vigas de madeira são intervenções de Carybé. A casa esbanja sensualidade com os tons terrosos das lajotas, o verniz das madeiras das esquadrias e dos caibros do telhado, e a cor da terra queimada das telhas. Fica na rua Alagoinhas, 33, no mesmo bairro onde hoje o povo da Bahia se reúne em comemoração ao dia de Iemanjá, e é nele, que em um largo movimentado, está a escultura de Jorge e Zélia olhando para a praia cheia de barcos de pescadores. Outro ponto ocupado pelas memórias dos livros de Jorge Amado e Zélia Gattai é a Fundação Casa de Jorge Amado, fundada em 1986. Localizada no Pelourinho em um casarão azul claro, cuida ainda hoje de todo o acervo e produções de Jorge, evitando que ele fosse doado para outras instituições e fazendo com que permanecesse na Bahia, como devia ser segundo Zélia. Caminhamos agora para os espaços religiosos da cidade. Jorge era um dos doze Obás de Xangô, ministro na casa do Ilê Axé Opô Afonjá, assim como


25.Canção de Dorival Caymmi, mais conhecida na voz de Maria Bethânia.

Imagem 21 na página seguinte: A sala da Casa do Rio Vermelho. Foto: Nidia Paiva. Data 26/07/2017.

Carybé e Dorival Caymmi. A casa, fundada em 1910 por Mãe Aninha, é um dos terreiros de candomblé mais antigos de Salvador e continua ainda hoje, no bairro do Cabula, com forte liderança matriarcal, tendo passado de Mãe Aninha para Mãe Senhora e atualmente para Mãe Stella de Oxóssi.

acompanhava sua sabedoria e seus feitos.

Também de grande importância, há a famosa casa de Mãe Menininha do Gantois, o Terreiro Ile Iyá Omi Asé Iyamasé, localizado no Bairro Federação, nos arredores da Universidade Federal da Bahia. O nome de Mãe Menininha e sua relação com artistas do Tropicalismo nos anos 1960 e 1970 tiveram papel fundamental na divulgação do candomblé no Brasil. Afinal, quem nunca cantou “Ah, minha mãe, minha mãe Menininha. Ah, minha mãe, Menininha do Gantois...”25. Jorge cultivou profundo respeito e amizade com Mãe Menininha por mais de 50 anos. Os dois terreiros são importantes espaços que trouxeram a voz do candomblé baiano para o mundo. A morte de Mãe Senhora, por exemplo, arrastou pelas ruas de Salvador não somente os filhos de santo, mas grande parte da população baiana que

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Na cidade baixa, seguimos para as rampas do Mercado Modelo e para o fuzuê da Feira de Água de Meninos, espaço de resistência do povo pobre da Bahia destruído por um incêndio criminoso durante os anos da ditadura militar. Foi substituída pela Feira de São Joaquim, onde se encontra de tudo para o sustento: o camarão seco para o acarajé, as sandálias de couro trabalhadas à mão, as folhas de ervas, roupas de Orixás e os animais vivos para as obrigações religiosas. É nesses espaços à beira mar, onde hoje se encontra o porto de Salvador, que ficavam atracados os saveiros carregados de frutas e fumo. Vemos então que Jorge Amado ainda está vivo na atmosfera da cidade e é fácil encontrá-lo em quase todo lugar. Sua Bahia é feita de todos esses símbolos, que formam o passado de um povo e persistem em nosso imaginário.


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Imagem 22: Croqui do estandarte feito em lápis de cor.

Imagem 23: Colagem feita com papel Color Plus.

1. Exu de Carybé: é quem deve sempre vir primeiro 2. Oxóssi de Carybé: desenho feito em azulejo na Casa do Rio Vermelho 3. O terço da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos 4. O machado de Xangô no Ilê Axé Opô Afonjá 5. A lagoa do Abaeté 6. A cor laranja que preenche o mapa da cidade de Salvador representa “o óleo que escorre nas ruas” citado por Jorge no Guia

Imagem 24 na página ao lado: Estandarte A Cidade de Jorge.

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7. Antiga feira de Água de Meninos 8. O cais dos saveiros em frente ao antigo Mercado Modelo 9.Fundação Casa de Jorge Amado 10. Detalhe do portão do Terreiro Ile Iyá Omi Asé Iyamasé (Terreiro do Gantois) 11: As lajotas e plantas da Casa do Rio Vermelho 12. Iemanjá de Carybé: desenho feito em azulejo na Casa do Rio Vermelho 13. “Andei por andar andei, e todo caminho deu no mar”


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A Bahia de Quincas

Cada qual cuide de seu enterro, impossível não há26


Imagem 25 na página anterior: Capas do livro A morte e a morte de Quincas Berro Dágua. Edição: Karina Vicente

26. “Frase derradeira de Quincas Berro Dágua, segundo Quitéria que estava ao seu lado.” AMADO, 2003. p. 12.

A Bahia de Quincas não é a Bahia das leis. É a Bahia das transgressões. Desde que saiu do Partido Comunista Brasileiro, Jorge Amado adentrou cada vez mais ao mundo do que alguns chamariam de realismo grotesco, como afirma José Paulo Paes (2000), ou da união entre o realismo socialista e o realismo mágico, como declara Gramiro de Matos27. Isso porque, ao mesmo tempo em que narra aspectos da realidade baiana, cria e enfatiza momentos de magia e de mistério. No livro que usamos aqui, não são raras as vezes em que acreditamos ouvir o próprio morto falar e, em algumas delas, são tão absurdas as realizações de Quincas morto que não sabemos nem dizer se é mentira o fato contado. No livro, a cidade carnavalizada de Quincas é moldada ao ponto que gera constantes negativas em relação à família cristã, se opondo sempre à cidade onde impera a meritocracia, a decência e o trabalho constante. A Bahia de Quincas é aquela que, mesmo com toda dureza, vive de peitos e braços abertos. No fim de um dia difícil, o mar está sempre ali para aliviar os corações e mentes aflitos, sejam pobres sejam ricos.

27. Em entrevista no filme Jorjamado no Cinema, de Glauber Rocha.

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Não é a Bahia do requinte, dos adornos. É a Bahia das cores, da miséria econômica, do sol, da rua, da cachaça, da comida farta, dos atabaques que soam à noite nas ruas do Pelourinho, das rodas de samba e de capoeira. É ao mesmo tempo a Bahia da boemia noturna, dos casais apaixonados se agarrando nos portais dos casarões do Pelourinho, do meretrício, das pelejas, e dos embates com a polícia. É a Bahia das paixões, das carícias, dos cafunés, aquele cafuné de que fala Câmara Cascudo, herança dos escravos bantos que aqui viveram. “O cafuné é uma ocupação deleitosa de horas de folga, perícia em serviço da preguiça repousada, ávida das pequenas volúpias sem maldades, limpas de intenção erótica prefigurada.” (CASCUDO, 1965, p. 67)

Nela, não há certo e errado. É onde o que importa mesmo é querer viver.


28.É doce morrer no mar. Dorival Caymmi, 1943.

30.Ibidem, p. 51

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31.Ibidem, p. 52

29.AMADO, 2003, p. 31-32.

A morte de Quincas Berro Dágua ou É doce morrer no mar28 A Bahia de Quincas se acomoda no percurso entre a ladeira do Tabuão, que inicia no largo do Pelourinho e faz conexão com a cidade baixa de Salvador, dando por fim no cais dos saveiros. Nas ladeiras da cidade baixa é pungente a fama de Quincas Berro Dágua, “Rei dos vagabundos da Bahia, o cachaceiro-mor de Salvador, o filósofo esfarrapado da rampa do Mercado, o senador das gafieiras, vagabundo por excelência, o patriarca da zona do baixo meretrício”29. Seus amigos respeitavam-no como pai e são tratados com repulsa pela família de Quincas durante seu velório oficial. Curió é propagandista das lojas da Baixa do Sapateiro, “ainda moço, alegrias e tristezas afetavam-no profundamente”.30 Negro Pastinha é ajudante de bicheiros no Largo das Sete Portas, “media quase dois metros, quando estufava o peito semelhava num monumento, tão grande e forte que era [...] era de natural alegre e bonachão”31. Cabo Martim é iludido, vive do amor na casa de Carmela, de conversação nas rampas do Mercado ou de respeitável agilidade no jogo de baralho na Feira de Água de Meninos. E Pé de Vento é caçador de ratos e sapos para laboratórios de exame médico e experiências científicas, e jogador de capoeira às quintas e domingo na roda de Valdemar na Estrada da Liberdade.

Indignados com a “pão-durice” da família no velório e incrédulos com morte tão pífia, após alguns goles de cachaça, acreditam ser a morte mais uma peripécia de Quincas. Desejando vê-lo vivo, oferecem cachaça ao morto e o levam para uma noite de desbunde e comemorações nas ladeiras da cidade baixa, não antes, é claro, de tirar-lhe daqueles trajes comportados que obviamente não o agradavam, e recolocá-lo nos velhos trajes esfarrapados. Em noite de lua tão presente, de ventos vindos do mar, de melodias de violões e vozes de mulheres cantando penas de amor, juntam-se com as damas do bordel de Quitéria do Olho Arregalado, amor de Quincas nos tempos da vagabundagem, lançam-se por botequins e vão em busca da moqueca de arraia, oferecida por Mestre Manuel e Maria Clara no cais. Não poderia ser aquela noite menos memorável. Já no saveiro, entre os cantos apaixonados, o azeite de dendê amarelo que banha a moqueca e muita cachaça, são pegos por um forte temporal. E é aí, ninguém sabe como, que Quincas Berro Dágua põe-se de pé e joga-se do barco, escolhendo sua morte oficial, libertando-se das garras do velório conservador de sua família e terminando sua vida onde bem escolheu, nas livres águas da Baía de todos os santos.


Imagem 26: Croqui do estandarte feito em nanquim e aquarela

Imagem 27: Colagem feita com papel Color Plus.

1. O sol da Bahia

Imagem 28 na página ao lado: Estandarte A Cidade de Quincas

5. Os casarios do Pelourinho e o amontoado de casas das ladeiras

2. A lua das noites de boemia 3. O copo de cachaça

6. O mar, as ladeiras, os cabelos das mulheres

4. O grito que deu nome à Quincas Berro Dágua

7. O saveiro de onde Quincas se atira em busca de uma morte livre

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Conclusão As cidades são complexos espaços formados por suas histórias e diferentes modos de vida. Se a cidade capitalista induz a criação de necessidades e anseios, as particularidades de cada cultura ainda fazem resistência. A cultura descendente do negro africano, ainda tão ameaçada, desprezada e criminalizada, é raiz fundamental da cultura e dos costumes brasileiros. Está na nossa língua e nas nossas gírias, nos nossos hábitos alimentares, nas infinitas músicas que cantamos, tocamos e dançamos, no sincretismo religioso que nos é próprio e nas tradições supersticiosas. Se houve por muito tempo uma política de branqueamento cultural na tentativa de apagar as origens africanas de nossa cultura, hoje o povo negro se levanta, toma seu lugar de fala, e grita por seus direitos, por suas heranças e por seus ancestrais. Sei que a Bahia já não pode se resumir ao olhar narrado por Jorge Amado em seus mais de 40 livros, mas não se pode negar o papel do romancista do povo como divulgador da cultura afrobrasileira, contribuindo para sua sobrevivência. Sua importância se dá não somente por ter lutado diretamente pela liberdade do culto religioso e por

ter registrado aspectos do candomblé, mas também por ter dado ao povo, na literatura e consequentemente nas diversas adaptações para TV e cinema, a possibilidade de se reconhecer e valorizar seus hábitos. Além disso, manteve viva a grandiosa poética e imaginação das histórias das ruas. Dos meus anos de FAU levo, acima de tudo, o aprendizado de olhar as diferentes esferas e escalas da cidade, e não poderia, portanto, encerrar esse ciclo com outra narrativa que não a da cidade que tráz para mim uma ideia de liberdade. Por isso, deixo aqui o meu registro afetivo sobre Salvador, uma cidade que, apesar de todas as durezas e contradições, ainda respira suas sabedorias ancestrais. Uma cidade que oferece a todos os afagos de um banho de mar em dias difíceis. Como falei na introdução desse caderno, existe algo nas heranças africanas que me encanta, sem que eu saiba o porquê. É familiar, é ancestral. Não espero que acreditem que ao chegar na Bahia essa poética toda se escancare, afinal, essa é a Bahia de Jorge Amado, a de Quincas Berro Dágua e é a Bahia da minha imaginação. Há de encontrar o que é a Bahia pra você.


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Imagem 29 na página seguinte: Jorge Amado no Pelourinho. Foto: Acervo Zélia Gattai/ Fundação Casa de Jorge Amado.

32.AMADO, 1981. p. 360

em: <https://www.youtube.com/ watch?v=XZlVHbNP61Y>. Acesso em 11/06/2018. A MORTE e a morte de Quincas Berro Dágua. Direção: Walter Avancini. Rio de Janeiro: Rede Globo de Televisão. 1978. 52’. Minissérie Caso Especial. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=NqzNb6nOKnE>. A partir de 00:59:02. Acesso em 11/06/2018. Visitas em Salvador de 19/07/2017 a 27/07/2017: A casa do Rio Vermelho Espaço Carybé das artes Espaço Pierre Verger da Fotografia Fundação Casa de Jorge Amado Museu Afro Brasileiro da UFBA Praça Dois de Julho Secretaria da Fazenda, Cidade Administrativa da Bahia Terreiro Ile Iyá Omi Asé Iyamasé Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos Feira de São Joaquim Visita em São Paulo Museu Afro Brasileiro Ibirapuera

Imagens da capa: Baía de Todos os Santos vista do Solar do Unhão. Fotos: Nidia Paiva. 22/07/2017

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“Com o que me despeço, dizendo: boa noite pra quem é de boa noite, a benção pra quem é de a benção. Saravá, amén, axé.”32




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