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CASAS NOTURNAS DO PLANO PILOTO Karine Cruvinel Franรงa
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Casas Noturnas do Plano Piloto
Universidade de Brasília! Faculdade de Arquitetura e Urbanismo! Ensaio Teórico em Arquitetura e Urbanismo E-mail: karine.cruvinelf@gmail.com Orientadora: Maribel Aliaga Fuentes! Banca Avaliadora: Maribel Aliaga Fuentes; Paulo Marcos Paiva de Oliveira; Rosana Stockler Campos Climaco.
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Ensaio Teórico apresentado ao programa de Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção de título em Graduada em Arquitetura e Urbanismo.
! 01 DE OUTUBRO DE 2014
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Resumo
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Este trabalho constitui uma análise acadêmica sobre as Casas Noturnas de Brasília segundo um ponto de vista social, econômico, legislativo, arquitetônico e urbano. O resultado desta análise é a estruturação de diretrizes que viabilizem a melhor implantação destes estabelecimentos na capital. Este estudo enfoca uma abordagem multidisciplinar - no intuito de explorar os diferentes condicionantes que interferem na configuração e funcionamento dos mesmos.
This work is a scholarly analysis of the nightclubs in Brasilia based on a, economic, social, architectural and urban point of view. The result of this analysis are guidelines that enables a better deployment of these establishments in the capital. This study focuses on a multidisciplinary approach - in order to explore the different conditions that interfere with the setup and functioning of these establishments.
Palavras Chave: Casas Noturnas, Brasília, Arquitetura, Sociedade, Diversões.
Keywords: Nightclubs, Brasilia, Architecture, Society, Diversion.
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Índice 1. Introdução__5
5. Análise de Estudos de Caso___52
1.1 Justificativa __5
5.1 Velvet Pub - 102 Norte___52
1.2 Área de Recorte - Objetos de Estudo__8
5.2 Asiático Disco Club - Setor Comercial Norte___59
1.3 Objetivos__9
5.2 Gate’s Pub - 408 Sul___62
1.4 Metodologia de Pesquisa__12 2. O Lazer Noturno__13
6. Parâmetros de Análise Arquitetônica das Casas Noturnas de Brasília___64
2.1 Princípios do Lazer Moderno__13
6.1 Aspectos Térmicos___64
2.2 Surgimento do Lazer Noturno__17
6.3 Conforto Lumínico___74
2.2.1 O Lazer Noturno no Brasil___20 3. Casas Noturnas no Brasil___23
6.2 Conforto Acústico___69 6. Diretrizes - A Guisa de conclusão para a melhor implantação de Casas Noturnas no Piloto - Contexto Urbano Contemporâneo___77
3.1 Surgimento e Consolidação das Boates Brasileiras___23
8. Bibliografia___81
3.2 Legislação Vigente para Casas Noturnas no Brasil___26
ANEXO - Boate Kiss___83
3.3 Legislação Vigente para Casas Noturnas em Brasília___27 3.4 Especificidades em Relação ao Plano Piloto___30 4. Casas Noturnas no Plano Piloto___33 4.1 A vida noturna no Plano Piloto___33 4.2 O Relatório do Plano Piloto de Brasília e o Centro de Diversões___37 4.3 Surgimento das Casas Noturnas do Plano Piloto___43
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1. Introdução 1.1 JUSTIFICATIVA
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Com a disseminação de princípios relacionados a cidadania na atualidade, o entendimento sobre a questão do lazer se difundiu amplamente no âmbito das necessidades sociais. É de senso comum a idéia de que a diversão, a folga e o relaxamento são pilares básicos para a sustentação de uma sociedade trabalhadora e produtiva. A recreação atua como um catalisador para a renovação física e mental da comunidade - que é responsável pelo progresso dentro das grandes cidades e pela construção de seus princípios sociais, culturais e econômicos. A busca e a oferta por serviços pautados no entretenimento exercem grande significância no contexto financeiro de regiões fortemente urbanizadas. Em 2008, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) alçou o Plano Piloto1 à condição de metrópole nacional juntamente com São Paulo e Rio de Janeiro, classificando a região como um dos maiores centros urbanos do Centro-Oeste. Dado este posicionamento, é natural que, atualmente, a cidade se mostre amplamente provida de espaços destinados ao lazer público configurados pelos condicionantes arquitetônicos próprios de sua linguagem urbana. Atualmente, parques, praças, clubes e edifícios compõem um cenário característico da identidade do entretenimento brasiliense2 e da vida fora das limitações habitacionais - cenário, este, determinado tanto pelos usos diurnos quanto noturnos. !1 Segundo o decreto 10 829/87, a região do Plano Piloto é delimitada pelo lago Paranoá, a leste; pelo córrego Vicente Pires, ao sul; pela Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA), ao oeste; e pelo córrego Bananal, ao norte. (ADMINISTRAÇÃO DE BRASÍLIA; 2014) 2
Ao utilizar o termo brasiliense, esta sentença se refere ao Plano Piloto, enquanto região principal excluindo, portanto, as cidades satélites participantes do conglomerado urbano total da cidade de Brasília.
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Figura 1. Orla do Lago Paranoá. (Fonte: http://soumaisbrasilia.com/)
O lazer no Plano Piloto é intensamente explorado durante o dia. Os principais pontos de atração para os cidadãos nos fins de semana e feriados são os locais públicos mantidos pelo governo - como as áreas comunitárias da orla do Lago Paranoá (Figura 1) e o Parque Nacional de Brasília. Empreendimentos particulares da cidade como restaurantes e cinemas também constituem boa parte das vivências urbanas do dia relacionadas ao desfrute popular. Entretanto, é no período noturno que a predominância dos negócios privativos sobre os espaços públicos se acentua - como restaurantes, bares e boates. A maioria dos espaços ministeriais de lazer público encerram suas atividades após o horário comercial diurno, o que abre espaço para o destaque destes recintos. O planejamento prévio estabelecido por Lúcio Costa para a instalação de locais voltados para o entretenimento noturno na capital encontra grandes divergências em relação a configuração atual de implantação destes lugares - em que comerciais locais e edifícios de caráter essencialmente empresarial passam a abrigar, cada vez mais, estas tipologias. Posteriormente, será tratado neste trabalho como essa diferença influencia nas ocupações urbanas do Plano Piloto e em sua mobilidade e acessibilidade noturna.
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Figura 2. Pontão do Lago Norte. (Fonte: http://soumaisbrasilia.com/)
No campo dos estudos arquitetônicos relacionados ao Plano Piloto, existe uma carência de redações acadêmicas acerca dos tipos edifícios de uso noturno e seu diálogo com a estrutura social e urbana da cidade principalmente aqueles voltados para o entretenimento, para o uso coletivo e para os encontros gregários. Estes locais são de grande importância para a região, uma vez que incentivam a movimentação noturna e e a dinâmica estrutural do comércio. A grande movimentação de indivíduos em busca de locais no período noturno representa, cada vez mais, uma parcela significativa do comércio e dos serviços das cidades metropolitanas.3
No intuito de redigir uma avaliação acerca de uma tipologia situada neste contexto, este trabalho propõe estudar as Casas Noturnas da região. Estes estabelecimentos foram definidos como objeto de estudo deste ensaio teórico por apresentarem um caráter altamente entusiástico para o lazer noturno do Plano Piloto, além de possuírem características que representam fatores sociais e arquitetônicos significativos para as vivências noturnas recreacionais.
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RECKZIEGEL, D, Lazer Noturno: Aspectos Configuracionais e Formais e sua Relação com a Satisfação e Preferência dos Usuários, 2009, p. 19
1.2 ÁREA DE RECORTE / OBJETOS DE ESTUDO
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Mostrou-se necessário delimitar a área de estudo onde se situa o contexto analítico deste trabalho. A área geográfica do Plano Piloto engloba diversas zonas territoriais da cidade de Brasília, e que concentram o principal interesse de estudo desta proposta - porém, certas áreas periféricas da cidade foram excluídas dos limites previstos como uma forma de obter dados mais precisos durante o diagnostico qualitativo das Casas Noturnas da região.
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Figura 3. Vista da Ponte JK. (Fonte: http://fotosbrasilia.com.br/)
Vale ressaltar que a área delimitada nesta proposta foi escolhida por concentrar os maiores condicionantes arquitetônicos e urbanos que caracterizam as tipologias do projeto urbanístico de Brasília e suas tendências. Desta forma, é possível identificar problemáticas comuns aos estudos de caso abordados posteriormente na avaliação dos critérios de edificação das Casas Noturnas da cidade. Com o intuito de defender princípios de regimento e lei, primeiramente foram exclusos desta área de pesquisa as Casas Noturnas brasilienses que apresentam registro de violação de domicílio deflagrado por lei ao autorizar trabalho de menor, caracterizando crime. Também foram desconsiderados espaços como clubes e galpões, que comumente comportam atividades similares no Plano Piloto. Conceituando especificamente quais os demais estabelecimentos que se enquadram no conceito de Casa Noturna desta pesquisa, temos: Empreendimentos comerciais com funcionamento no período de 18h as 6h alojados em qualquer tipologia edilícia da área de estudo delimitada e que ofertam serviços de bar e/ou restaurante, salão de danças e palco para atrações DJ`s, músicos e artistas performáticos. Para fins de variação textual na terminologia do objeto de
estudo, estes espaços definidos como Casas Noturnas também podem ser identificados como boates, danceterias, casas de show ou PUB’s. É necessário frisar que todos os ambientes mencionados nesta pesquisa são regulamentados pela Lei 4.611/11, que rege o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas, empresas de pequeno porte e microempreendedor individual de que trata a Lei Complementar Federal nº 123, de 14 de dezembro de 2006, conhecida com a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, além da Desburocratizarão para Registro e Autorização de Funcionamento para qualquer empresa - incluindo Casas Noturnas. […] Esses espaços de lazer proporcionam aos indivíduos o “ver e ser visto”, a circulação, os encontros e desencontros, a ligação e os vínculos de sociabilidade, completamente diferentes da vivência nos espaço da residência, escola ou trabalho.4
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Ibid., p. 75, p. 26.
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1.3 OBJETIVOS O trabalho pretende encontrar encontrar subsídios teóricos no contexto urbano da área delimitada que teorizem como essas tipologias se inserem no cenário do entretenimento público atual e com o Plano Piloto - ou seja, quais seus níveis de atração comunitária, quem são os seus usuários mais recorrentes, como elas interferem nas ocupações públicas, de que forma elas estão tipologicamente inseridas na região e quais seus principais problemas. Estruturar uma análise de todos estes aspectos permite a esta pesquisa redigir diretrizes básicas para o melhor aproveitamento da implantação de Casas Noturnas no Plano Piloto, atendendo desde princípios de qualidade e segurança nas edificações até mobilidade e movimentação urbana noturna.
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1.4 METODOLOGIA DE PESQUISA Apesar de atualmente existirem muitas Casas Noturnas no Plano Piloto, o processo de surgimento destes locais encontrou diversos empecilhos instaurados por diferentes contextos históricos, políticos e sociais. Por isso, este trabalho pretende estruturar, primeiramente, um parecer histórico relevante deste processo. Este parecer enfoca desde o surgimento da vida noturna relacionada ao lazer coletivo nos primeiros anos de Brasília até a formação da identidade juvenil que inaugurou as primeiras boates da capital. Os dados foram coletados por pesquisa virtual e acadêmica. Partindo desta análise, é possível levantar um questionamento mais sólido sobre a conjuntura social e urbana em que se inscrevem as Casas Noturnas atuais da cidade - pontuando aspectos como legislação vigente e linguagem urbana. Após o levantamento histórico, a metodologia sustentada neste trabalho se baseia em uma apuração das propriedades estruturais das Casas Noturnas Brasilienses. Para isso, adotou-se no método de pesquisa deste estudo um processo de sintetização sobre conceitos relacionados a arquitetura, segurança e cenografia em boates - conceitos, estes, colocados em comparação com a realidade das construções Brasilienses e seus princípios estruturais. Todas as informações foram levantadas com auxílio de livros, artigos e publicações virtuais. Por fim, o trabalho propõe uma avaliação de estudos de caso estabelecidos no recorte da região delimitada através da observação pessoal e análise dos mesmos.
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! O Lazer Noturno 2. 2.1 PRINCÍPIOS DO LAZER MODERNO
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A questão do lazer nas sociedades atuais é comumente entendida como um dos parâmetros de maior influência na renovação física, psicológica e espiritual das pessoas. O homem ocidental, em épocas que careciam de leis trabalhistas5, se estabelecia como um ser prioritariamente voltado para o trabalho. Hoje, é comum que qualquer trabalhador disponha de tempo livre para exercer suas atividades recreativas - instigadas pela espontaneidade de cada indivíduo. As evidências encontradas nas fontes estudadas indicam que o ponto de partida para a configuração social do lazer não foi desencadeado somente a partir do advento mundialmente conhecido como Revolução Industrial.6
É difícil precisar cronologicamente o surgimento do lazer. O entretenimento é um fato que data de manifestações e práticas culturais já existentes nas épocas mais antigas da história humana - portanto, não podemos interpretá-lo como um um fato exclusivo da modernidade.7 Porém, apesar de não ser possível precisar o exato surgimento do lazer, é possível apontar fatores que propiciaram a definição de seu conceito atual. Para alguns filósofos da antiguidade clássica, como Aristóteles, o tempo livre constituía um direito à liberdade do homem.8 Para estes pensadores, iniciativa expontânea propiciava a elevação intelectual do espírito. 5
No século X0X, no ocidente, a causa jurídica relacionada ao trabalho surge com as reuniões européias para reivindicar melhores condições de trabalho - como menores jornadas (que na Inglaterra era de 12 a 16 horas diárias), fim da exploração de mulheres e menores e direito ao tempo livre. (CALAZANS; 2010) 6
WERNECK, C., Significados de recreação e lazer no Brasil: Reflexões a partir da Análise de Experiências Institucionais, 2003, p. 20. 7
GOMES, C., Lazer Urbano, Contemporaneidade E Educação das Sensibilidades, 2004, p. 3.
8
MENOIA, Lazer: História, Conceitos e Definições, 2000, p. 7.
No final do século XIV, um novo contexto social estrutura a realidade do ocidente - contexto, este, marcado pela redescoberta das referências culturais clássicas, que nortearam as mudanças deste período rumo a um ideal humanista. O filósofo e ensaísta inglês Francis Bacon publica, então, o tratado Instauratio Magna - onde encontramos menções à importância do tempo livre na sociedade renascentista. Segundo Bacon, este tempo possibilitaria a dedicação à filosofia das obras, a aplicação do intelecto nas escolhas cotidianas e o progresso individual.9 As revoluções científicas que surgem no século XIX trazem a substituição da força motora humana pela força industrial, o que otimiza a produção dos indivíduos nas fábricas. Desta forma, os países industrializados passam a cultivar um forte pensamento coletivo sobre a supremacia do trabalho. A camada proletária, vítima de uma carente reflexão acerta da necessidade das horas de lazer, se submetia a jornadas de trabalho intensas e exploradoras. A partir de então, começam a surgir as primeiras manifestações que colocam o tempo livre como um direito básico da comunidade. No final do século XIX, Paul LaFargue (1842-1911), genro de Karl Marx (1818-1883), publica o manifesto “O direito à Preguiça”, onde critica o excesso de trabalho dos operários e levanta um questionamento acerca do direito do ser humano - que trabalha e contribui para a sociedade - ao tempo de lazer. […] Para o direito ao tempo livre, é necessário, antes, que os operários percebam que para haver trabalho para todos, é necessário racioná-lo como se faz com a água num navio em perigo.10
Com a modernidade, por fim, surgem grandes inovações nas áreas da física, da psicologia, das artes e da 9
GALVÃO, Sobre as Afinidades entre a Filosofia de Francis Bacon e o Ceticismo, 2007, p. 31
10
LAFARGUE, Instauratio Magna, 1883, p. 16.
14
literatura. Nesta sociedade pós-industrial do século XX, encontramos um grande enfoque nos valores imateriais como afetividade e criatividade - e a qualidade de vida também passa a ser priorizada. Com respeito à sociedade industrial, a pós-industrial privilegia a produção de idéias, o que por sua vez exige um corpo quieto e uma mente irrequieta. Exige aquilo que chamo de “ócio criativo”. As máquinas trabalharão num ritmo sempre mais acelerado, mas os seres humanos terão sempre mais tempo para refletir e para “bolar”, idear, entreter e evoluir.11
As discussões sociais acerca do lazer tomaram proporções cada vez maiores, até alcançar a grande repercussão que têm nos dias de hoje. Exemplos destes debates são evidenciados em outras documentações teóricas, como cartas e manifestos. O dia de descanso é realmente vivificador. Não se deve abandonar a população às desgraças múltiplas das ruas. O emprego fecundo das horas livres forjará uma saúde e um espírito verdadeiro aos habitantes das cidades.12
Podemos dizer, portanto, que o surgimento do lazer moderno está associado à necessidade do cidadão de compensar as tensões resultantes da consolidação das jornadas de trabalho advindas das reformas trabalhistas pós-industriais. Estas reformas passam a fixar o tempo livre como um período específico no cotidiano popular, próprio para o desfrute da espontaneidade e do ócio entendido como uma definição particular do aproveitamento do lazer. Ressalta-se que a discussão conceitual sobre lazer está ligada ao conceito de ócio. […] o ócio representa mais do que descanso, diversão e desenvolvimento. Ele está no âmbito do liberatório,
11
DE MASI, Ócio Criativo, 2001, p. 188
! IPHAN, Carta de Athenas, 1933. p. 5. 12
15
do gratuito, do hedonismo e do pessoal, sendo estes fatores não condicionados inteiramente pelo social e sim pelo modo de viver de cada um, relacionado com o prazer da experiência. Sua função está ligada ao aspecto psicológico, relacionando-o ao descanso, diversão e desenvolvimento; ao aspecto social, pois contribui para a integração social, através da socialização, ao, simbolismo, uma vez que oferece a percepção de identidade, além do aspecto terapêutico, pois ajuda na manutenção da saúde física e mental; e finalmente, a função econômica, ligada ao consumo de atividades ligadas ao lazer.13
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SILVA, Tempo de Trabalho e Tempo de Lazer, 2005, p 4.
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2.2 SURGIMENTO DO LAZER NOTURNO
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Atualmente, sabe-se o quão importante para a saúde física e mental das pessoas é prover de tempo livre para o descanso, para o entretenimento e para o desenvolvimento, tanto pessoal quanto coletivo. Entretanto, a contemporaneidade impõe sobre a comunidade horários muito padronizados em relação aos deveres civis. [...] o lazer da sociedade contemporânea pode ser definido como um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda, para desenvolver sua informação […] sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar- se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.14
É comum, neste cenário, que as pessoas optem por alternativas de lazer que compatibilizem com seu tempo ocioso - no caso, o lazer noturno se mostra a melhor possibilidade, pois existe uma supremacia do horário comercial diurno sobre o noturno nas sociedades atuais. Com as grandes demandas do período diurno, é natural que o lazer empregado nas noites tenha se expandido tanto e se consolidado como uma das formas mais procuradas de entretenimento. […] grande parcela da população que pratica alguma forma de lazer prefere o período noturno para realizar tais atividades - devido a diferentes fatores, como horário, clima, disponibilidade, entre outros. Assim, o mercado de lazer noturno acaba por englobar uma parte significativa das ofertas de lazer, com diferentes opções de entretenimento.15
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REQUIXA; AQUINO; MARTINS, Ócio, Lazer e Tempo Livre na Sociedade do Consumo e do Trabalho, 2007, p 482. 15
GRAVENA, E., Lazer e Entretenimento Noturno. 2012, p 12.
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Figura 5. Rua de bares na Vila Madalena, em São Paulo. Fonte: (http://saopaulotur.wordpress.com)
Empreendimentos particulares como bares e restaurantes (Figura 5) ganham cada vez mais destaque na realidade econômica do Século XXI, e o mercado do entretenimento noturno é um dos grandes impulsionadores destes negócios. Podemos observar que, hoje em dia, a cultura das elites urbanas está muito marcada pela busca de serviços que oferecem atrativos como a música e o álcool. Nas grandes cidades, principalmente, é notável a forma como estabelecimentos noturnos crescem e se expandem - concentrando, por vezes, boa parte da preferência pública em comparação com os espaços de lazer diurnos. […] o espetáculo é, ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência.16
Guy Debord (1931-1994) define o “espetáculo" como as experiências originadas das condições modernas de produção e hábitos das massas. A difusão do lazer noturno na sociedade atual aparece como um exemplo dessas experiências, a partir do momento que retrata um comportamento social extremamente vinculado ao prazer, ao consumo, a exposição e ao contato social.
16
DEBORD, G., A Sociedade do Espetáculo, 1967, Página 25.
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Figura 6. Casa Noturna em Goiânia. Fonte: (http://acieg.org.br/)
Observamos essa tendência do “espetáculo" ao analisar as grandes cidades contemporâneas, em que a sociabilização noturna - impulsionada por recreativos como a música e o álcool - exerce grande influências nas formas de diversão de hoje em dia. Este aspecto se associa com o prazer emocional, imprimido no indivíduo ao estar na companhia de outras pessoas por escolha própria - livre de compromisso obrigatório. Com a consolidação da economia moderna, o estilo de vida das regiões urbanizadas é intensamente estimulado por esse apreço a sociabilidade das noites. O consumismo também incentiva essa realidade - uma vez que estabelece um quadro comercial urbano especialmente articulado com a vida recreativa. Verifica-se uma forte conexão entre esse contexto e a produção de determinados bens de lazer, como eletrônicos produtores de som e iluminação. Esses bens se popularizaram dado o processo de industrialização dos lazeres, ocasionando na concepção de ambientes como Casas Noturnas (Figura 6).
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2.2.1 O LAZER NOTURNO NO BRASIL
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No Brasil, as preocupações com o lazer da população já se aplicavam nos discursos de engenheiros e sanitaristas responsáveis pelas reformas urbanas típicas da modernidade que despontava nesta época. Mas foi efetivamente no século XX que a problemática relacionada ao lazer comunitário se evidenciou. Nesta época, as discussões sobre tempo livre, ócio e lazer ganharam força no Brasil, principalmente a partir dos estudos realizados por sociólogos deste período como Dumazedier (1999), Requixa (1976) Marcellino (1983) e Camargo (1989). A partir destas novas discussões, além das reivindicações relacionadas a exploração trabalhista no Brasil, o país vive o estabelecimento da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, que garantem o salário mínimo, a regulamentação das férias e da aposentadoria e a legalização das 8 horas de jornada de trabalho. Com a estabilização e legalização das horas livres, a importância econômica do mercado do entretenimento brasileiro cresceu. O lazer noturno, no Brasil, se tornou uma das formas de recreação mais procuradas - dada a jornada de trabalho nacional, que se aplica prioritariamente durante o dia. Esta visão repercute no modo como as áreas comerciais brasileiras têm mantido seu funcionamento até horas avançadas da madrugada, com intensa concentração de ambientes funcionando, desde aqueles que antigamente continham apenas usos diurnos - como parques (Figura 7), praças e espaços livres - até aqueles que se consagraram como ícones do horário tardio; teatros, bares, restaurantes e boates. A aplicação da vivência urbana nas noites é um elemento estimulador da polaridade comercial Brasileira e dos investimentos privados. Esta visão repercute no modo
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Figura 7. Parque de Ponta Negra, Manaus. Fonte: (http://acritica.uol.com.br/)
como as áreas comerciais brasileiras têm mantido seu funcionamento até horas avançadas da madrugada nos dias de hoje, com intensa concentração de bares, restaurantes e boates. Eis que chega o momento, no país, de se refletir ante um problema que deveria ser’estudado, e com grande empenho resolvido, para o bem de todos, de modo a consultar os grandes interesses do futuro da Pátria: O do uso bom das horas de lazer.17
Tendo se consolidado como uma das formas de lazer mais procuradas pelos brasileiros, os ambientes que abrigam os usos noturnos para entretenimento também são alvo de críticas acerca de suas estruturas funcionais, principalmente por conta de problemas relativos a segurança e funcionamento, que são comumente relatados pela clientela desses locais. Na conjuntura contemporânea do ano 2014, nota-se uma necessidade de se elevar os padrões arquitetônicos e comerciais dos estabelecimentos que nele se enquadram. Não somente porque estes normalmente carecem de estruturas adequadas, mas também porque o próprio público que os frequenta têm apresentado exigências cada vez maiores em relação a fatores como 17
WERNECK, C., Significados de Recreação e Lazer no Brasil. : Reflexões a partir da Análise de Experiências Institucionais, 2003, p. 119.
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cenografia, atendimento e saneamento, essenciais aos bons neg贸cios e a qualidade do lazer oferecido.
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! ! Casas Noturnas no Brasil 3. 3.1 SURGIMENTO E CONSOLIDAÇÃO DAS BOATES BRASILEIRAS ! A cidade do Rio de Janeiro constitui um dos principais pólos de surgimento das Casas Noturnas no Brasil. Autores como Ruy Castro18 fazem menção a essa realidade ao descreverem eventos históricos no Brasil que giraram em torno da realidade da vida noturna e do entretenimento musical.
Figura 8. Dancon’Days, de Gilberto Braga. Fonte: (G2))
Apesar de tijucano, da classe de 1927, Antonio Carlos Jobim nunca pôs os pés no Sinatra- Farney, […] Em 1949, quando o clube foi fundado, Tom completara 22 anos, acabara de casar-se com Teresa Hermanny, sua namorada de infância, e já começara a "apostar corrida com o aluguel" — o que o obrigava a varar madrugadas ao piano de todas as boates e puteiros da Zona Sul.19
Na virada dos anos 60 para os anos 70, no Rio de Janeiro, boates como a Little Club e a Ma Grife inauguraram o que seria uma intensa vida noturna na capital. Importantes Casas Noturnas que vieram a seguir consagraram a popularização desses estabelecimentos nas culturas urbanas - como a discoteca Dancin’ Days, de Nelson Motta (Figura 8). O nome foi rapidamente simplificado para Beco das Garrafas, muito mais nobre, mas continuou se referindo ao irritante hábito dos moradores dos seus edifícios de alvejar com garrafas vazias os freqüentadores das boates lá embaixo[…] Em 1961, de dentro do Beco para fora, essas boates eram, pela ordem, o Little Club, o Baccara, o Bottle's Bar e o Ma Griffe. Dos quatro, só o Ma Griffe se dedicava primordialmente à prostituição, embora também contivesse um piano que, no passado recente, chegara a estar a cargo de Newton Mendonça. As outras três apresentavam simplesmente a melhor 18
Jornalista e escritor brasileiro, autor de títulos de reconstituição histórica e colunista.
19
CASTRO, R., Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa Nova, 2001, p. 106.
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música que se podia ouvir ao sul da baía de Guanabara.20
A discoteca Dancin’Days foi mantida pelo produtor musical Nelson Motta durante quatro meses, no ano de 1976. Com o final da década, a TV Globo lançou a novela brasileira de mesmo nome - que veio a disseminar nas mídias brasileiras uma nova discussão dos valores da classe média e da alta sociedade urbana, marcados pela temática das danceterias e das Casas Noturnas. Esta discoteca foi inserida no enredo com o apoio do sucesso que fazia no Rio de Janeiro, e também, com o suporte da temática que envolvia o filme "Os Embalos de Sábado à Noite", exibido na época. Com Dancin’Days, a cultura das discotecas e danceterias se espalha rapidamente pelo cenário econômico do lazer brasileiro, principalmente nas grandes cidades brasileiras. As Casas Noturnas surgem, neste contexto, como locais de grande expectativa, pois são ambientes de entretenimento voltados para os grandes encontros coletivos, que oferecem diversão, música ambiente, dança, shows, comida e bebida. A profusão de Casas Noturnas no Brasil, a partir de então, se acentuou, dada essa repercussão dos prazeres noturnos incentivados pela mídia e pelos encontros sociais. Atualmente, estas tipologias consagram o que identificamos mais facilmente como os principais locais de atração para o entretenimento à noite. As evoluções das tecnologias voltadas para o entretenimento, como a microeletônica musical, a iluminação artificial e os efeitos cenográficos aparecem como orientadores para o layout e para a arquitetura das novas Casas Noturnas, juntamente com a idéia de espaços amplos para dança e camarotes diferenciados. Hoje em dia, no Brasil, podemos podemos dizer que
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CASTRO, R., Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa Nova, 2001, p. 106.
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Figura 9. Danceteria em Maresias, Manaus. Fonte: (http://musicaparamusica.com.br/)
existe uma cultura das danceterias (Figura 5) principalmente nas grandes cidades. A procura por estes estabelecimentos ĂŠ constante, pois estes se consagraram como grandes impulsionadores do comĂŠrcio noturno e da vivĂŞncia recreativa. Assim, boates se mostram cada vez mais atraentes aos olhos de empreendedores particulares.
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3.2 LEGISLAÇÃO VIGENTE PARA CASAS NOTURNAS NO BRASIL
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Atualmente, não existe uma Lei Federal que regulamente o funcionamento de boates e casas de show no Brasil. A Lei no 12.608, de 10 de abril de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) e o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC) também não trata especificamente sobre a segurança contra incêndios nestes locais. A regulamentação é feita pelos municípios, através da NR- 23- Proteção contra Incêndio. Segundo esta normal, o Corpo de Bombeiros local ou Defesa Civil do próprio município libera ou detém o alvará para funcionamento desses estabelecimentos. A falta de atenção com os parâmetros de segurança estabelecidos pelos municípios gerou, no Brasil, juntamente com a cultura das danceterias, a perigosa questão das inaugurações desenfreadas de boates. Outro ponto que contribui para este descuido é que, muitas vezes, as normas redigidas por municípios são feitas em um contexto e época determinados e acabam desatualizadas, não condizendo com as novas demandas para eventos noturnos ou com a capacidade dos mesmos. Existem, genericamente, carências acerca da seriedade com que deveriam ser tratadas Casas Noturnas no Brasil, que são estruturas responsáveis por abrigar altos contingentes de cidadãos que procuram a oferta de um serviço de qualidade - principalmente por estarem expostos a fatores de risco como incêndios e compressão espacial.
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3.3 LEGISLAÇÃO VIGENTE PARA CASAS NOTURNAS EM BRASÍLIA
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Em 2013, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que tratava de novas regras - ainda em estágio de aprovação pelo Senado Brasileiro - para a implementação de boates no Brasil. Entre as novas regras está aquela que estabelece que nos municípios onde não houver vistoria no estabelecimento pelo Corpo de Bombeiros, a emissão do laudo ficará a cargo da equipe técnica da prefeitura e a que define que os estados, o Distrito Federal e os municípios deverão adaptar suas legislações às normas técnicas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) relacionadas à prevenção e ao combate a incêndio e desastres em estabelecimentos.21
Outras regras previstas neste projeto de lei dizem respeito, por exemplo, a obrigação dos donos de boates de permitir a entrada de bombeiros e outros agentes do Poder Público para vistoria nos locais e a contratação de seguro de acidente pessoal em nome dos clientes e usuários do local. A proposta proíbe o sistema de comandas - ainda em funcionamento em, praticamente, todas as boates brasilienses - para pagamento de entrada e consumo. O uso de materiais não inflamáveis também deverá ser priorizado na construção das Casas Noturnas. Atualmente, tanto as instâncias governamentais responsáveis pelos alvarás - como os estabelecimentos de Brasília são obrigados a seguir as normas técnicas previamente certificadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e pelo Inmetro. A AGEFIS (Agência Nacional de Fiscalização) deve verificar se os estabelecimentos estão em dia com as demandas burocráticas e administrativas - como posse de alvará de funcionamento regular. O Corpo de Bombeiros é responsável por avaliar se as boates apresentam 21
Entrevista concedida a Revista Abril em 2011.
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estrutura adequada para prevenir incêndios, assim como o plano de fuga em caso de acidentes. Em 2012, a AGEFIS (Agência Nacional de Fiscalização) do Distrito Federal interditou 250 boates brasilienses por falta de alvará. O órgão também notificou outros 650 estabelecimentos por descumprimento de regras administrativas.22 Segundo Mauro Sérgio de Oliveira23, chefe da comunicação social do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, antes que a Administração Regional conceda o alvará, todos os estabelecimentos noturnos precisam por inspeção de segurança e de controle de incêndio. Durante a vistoria, extintores de incêndio, portas de entrada e saída, entre outros itens previstos na legislação local e em regras estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas são averiguados. Porém, na maior parte das vezes, a fiscalização é falha e estabelecimentos fora dos padrões comumente funcionam apesar de não respeitarem as pré determinações de segurança. Segundo a Norma Técnica número 001/2002-CBMDF, que dispõe sobre as Exigências de Sistemas de Proteção contra Incêndio e Pânicos das edificações do Distrito Federal, vários fatores são imprescindíveis para a liberação de funcionamento de boates. Estes fatores estão intimamente relacionados a estratégias de fuga e prevenção de acidentes. Segundo a Norma, sistemas de iluminação de emergência são obrigatórios em todas as rotas de saída de Casas Noturnas - principalmente aquelas comportadas em ambientes fechados. Sistemas de proteção por chuveiros automáticos também são obrigatórios para danceterias e casas de jogos com área
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Matéria publicada pelo Correio Braziliense, 2012.
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Entrevista concedida a revista virtual Gazeta de Taguatinga
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superior a 500 metros quadrados e número de pavimentos superior a 2. No caso de centros comerciais como Shoppings - que possuem chuveiros automáticos, boates locadas dentro do edifício também devem prover deste sistema. Nenhum corredor de acesso às saídas de Casas Noturnas pode apresentar largura inferior a 1m10cm. A largura é calculada de forma que em cada corredor comporte a passagem de duas filas de pessoas, cada uma ocupando 55 centímetros em largura. Nessas condições, conforme a norma, 60 a 100 pessoas podem deixar o local numa emergência a cada minuto. A norma também prevê que Casas Noturnas no Brasil tenham, no mínimo, duas saídas, em lados opostos, para o caso de o fogo começar em uma das portas e bloquear esta saída. Também recomenda-se que ambas contem com barras antitravamento, que permitem a rápida evacuação. Em qualquer emergência, deve ser acionado no local um sistema de alarme. O aviso deve ser coordenado, com comunicação de rádio entre os seguranças.
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3.4 ESPECIFICIDADES EM RELAÇÃO AO PLANO PILOTO
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Segundo o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) do Distrito Federal, José Leme Galvão Júnior, as limitações impostas pelo tombamento do plano urbanístico do Plano Piloto limitam-se às dimensões gerais dos imóveis. Segundo ele, fazer alterações internas ou na fachada do prédio não tem problema. O empresário pode abrir quantas saídas e colocar quantas escadas quiser.24
A região delimitada no recorte analítico deste estudo, por englobar a zona tombada do Plano Piloto, apresenta certas especificidades na forma como as estratégias de atendimento a legislação são aplicadas. Apesar das restrições impostas pela arquitetura do Plano Piloto, estudantes da preservação da ordem urbanística da capital asseguram que existem diversas possibilidades de se atender as normas de segurança.25 Porem, estes fatores também dependem da configuração dos edifícios em que os comércios são instalados. Nos blocos comerciais da Asa Norte e da Asa Sul, por exemplo, encontramos tipologias diferenciadas. Na Asa Sul, a grande maioria dos blocos não apresenta subsolos e quase todas as lojas contam com frente e fundos, o que possibilita facilmente a adequação de portas de emergência. Na Asa Norte, é extremamente comum a presença de blocos comerciais com quatro fachadas e três pavimentos: Subsolo, térreo e primeiro andar. Esta propriedade constitui um fator problemático para a abertura de saídas alternativas. Muitos empreendedores, comumente, se valem dos fatores arquitetônicos dos edifícios já construídos para
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Entrevista concedida ao Correio Braziliense, 2013.
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Pesquisa realizada pelo Correio Braziliense, 2013.
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justificar a falta de adequações mais intensas e próprias para o atendimento da normalização técnica de boates em Brasilia. Porém, a legislação não impede a intensificação dos diversos recursos de segurança contra incêndio, que podem, muitas vezes, compensar a carência de proteções estruturais. O tombamento não restringe, por exemplo, a utilização de equipamentos como escadas de emergência, rampas e sistemas de ventilação. Estes dispostos são facilmente adaptáveis para alcançar todo o espaço comercial nos mais diversos tipos arquitetônicos. O problema que gira em torno dessa exploração de recursos maquináveis é o fator financeiro, pois estes equipamentos são caros. Muitos comerciais, então, optam por aderir a meios mais baratos - que nem sempre condizem com a norma técnica. O titular da 4ª Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público do DF e Territórios, Paulo José Leite Farias, declarou que o problema de muitos estabelecimentos não é a norma, e sim a escolha de espaços impróprios para determinadas atividades.26
As boates do Plano Piloto são comumente instaladas em espaços indevidos, desrespeitando o zoneamento urbano previsto pelo plano urbanístico da capital - tratado posteriormente neste trabalho - e gerando conseqüências preocupantes para a segurança do público que os frequenta. É corriqueiro que empresários do Plano Piloto retirem alvarás de licenciamento para bares e restaurantes no intuito de inaugurar, na verdade, Casas Noturnas. Este comportamento é inconsequente uma vez que estes setores não abarcam os mesmos riscos e as mesmas imposições de boates. Por isso, é de extrema importância que a Agência de 26
Entrevista concedida ao Correio Braziliense, 2013.
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Fiscalização, os Corpos de Bombeiros e a Administração de Brasília estejam em congruência no processo de fiscalizar e qualificar estabelecimentos noturnos na área do Plano Piloto.
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! ! Casas Noturnas no Plano Piloto 4. 4.1 SURGIMENTO DA VIDA NOTURNA NO PLANO PILOTO
Figura 10. Brasília, Regimo Militar. (Fonte: Arquitvo Público do Distrito Federal)
Nas primeiras décadas da existência de Brasília, a vida urbana era marcada por uma cena cultural fortemente vinculada ao cenário político atuante. Na virada dos anos 70 para os 80, o Brasil era tomado pelo regime militar (Figura 10) e a necessidade de uma válvula de escape para a juventude se tornava cada vez maior. Este contexto envolvia uma eminente miscigenação gerada pelas Embaixadas e pelo grande contingente de imigrantes que vinham morar na nova cidade. Nos primeiros anos, era nítida a carência de uma vida noturna comprometida com o lazer. Essa demanda crescia junto com a necessidade de se consagrar uma identidade juvenil nas noites de Brasília. Muitos jovens boa parte filhos de diplomatas e de professores moradores de Brasília - se viam cercados pelas influências do punk inglês e pelos ideias revolucionários apregoados na Universidade de Brasília (UnB) da época (Figura 11). Estes jovens começavam a se reunir nas noites dos fins de semana para disseminar suas ideias em torno da música, da dança e das festividades. Estes eventos eram realizados, muitas vezes, em locais públicos protegidos, como territórios pertencentes a Embaixadas, onde a lei Brasileira estruturada pelo
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Figura 11. Protesto na Universidade de Brasília, 1968, (Fonte: Arquitvo Público do Distrito Federal)
militarismo era inoperante. Ao mesmo tempo, também despontavam nas camadas jovens da sociedade aquelas parcelas que proviam de alto poder aquisitivo e ficavam conhecidas como os “playboys” da juventude. A partir daí, Brasília começava a conhecer uma profusão de tribos heterogêneas que viriam a consagrar a diversidade das opções noturnas de lazer e entretenimento. Com a chegada dos anos 80, Brasília conheceu aquela que ficou marcada na história da cidade como uma das épocas mais efervescentes da cultura local. A mente da "Geração Coca-Cola" construía um ambiente propício a experimentações, cheio de espaços amplos e céu aberto onde a juventude brasiliense - que, nesta década, ficou marcada pelo gênero musical do rock e do punk - descia dos blocos e se amontoava em eventos noturnos sob os pilotis, dedicados a convulsão musical que tomava o cenário. Uma nova classe insurgia no Plano Piloto - a dos artistas consagrados pelo gênero rock’n roll. Essa classe aparecia como uma nova incentivadora da vida noturna, pois bares, boates e porões do Plano Piloto abrigavam frequentemente concertos amadores e pequenos festivais. Nesta época, o trabalho autoral era bastante reconhecido e a proliferação de público era cada vez maior.
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Figura 12. Festa em Brasília, anos 70, (Fonte:Correio Braziliense, 2014)
Um dos grandes cantos-hinos de Brasília é a música ˜Faroeste Caboclo” redigida e cantada por Renato Russo, vocalista do Legião Urbana, uma das principais bandas emergentes neste cenário multi-cultural brasiliense. Nesta música, Renato fala sobre a “Rockonha”, festa que realmente aconteceu em Brasília nos anos 80 e foi interrompida pelo militarismo, porém, foi um marco para o surgimento da vida noturna de Brasília. Além do próprio Renato, os irmãos Flávio e Fê Lemos (Capital Inicial), outras figuras marcantes da geração noturna, também foram presos por uma noite em um quartel por conta deste evento, programado em um sítio próximo a Sobradinho. Em 2011 estreou no Brasil o filme Rock Brasília (Figura 13), com direção de Vladimir Carvalho, documentário que trata da questão da cena do Rock na capital federal nos anos 80. A filmagem também aborda os grandes artistas que se consagraram na cena musical Brasiliense desta época. Entre eles, Legião Urbana - banda popularizada pela voz de Renato Russo - Capital Inicial e Plebe Rude. Esta profusão de artistas incentivou fortemente a cena do entretenimento noturno de Brasília em um dos períodos mais entusiásticos do lazer juvenil. Brasília, tendo passado por tantos processos de formação de identidade no âmbito juvenil e reacionário, atualmente apresenta uma realidade no âmbito do lazer
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Figura 13. Filme Rock Brasília, de Vladimir Carvalho.(Fonte: http://estacaolhameu.blogspot.com/)
noturno que consagra a concentração pontual desta movimentação. As pessoas, hoje, ainda encontram empecilhos relacionados a estrutura urbana e ao transporte público da cidade que dificultam intensamente a mobilidade a noite. Com o passar dos anos, o Plano Piloto se desenvolveu e consagrou sua própria identidade urbana e multiplicidade de tribos adeptas ao lazer associado à música, às festas e às noites. Economicamente, o crescimento urbano favoreceu a intensa oferta comercial de estabelecimentos noturnos. Casas Noturnas são as principais tipologias associadas a essa mobilização da vida noturna brasiliense, abarcando, prioritariamente, as camadas sociais propensas ao consumo - o que enquadra estes lugares, na capital de hoje, como intensamente elitistas.
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4.2 O RELATÓRIO DO PLANO PILOTO DE BRASÍLIA E O SETOR DE DIVERSÕES
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A região do Plano Piloto definida neste trabalho como principal zona de estudo das Casas Noturnas aqui debatidas conta com toda a área projetada por Lúcio Costa ao idealizar o pensamento urbanístico internacional dos anos 50 - traduzido nos princípios da Carta de Atenas de 1933. O restante do conjunto urbanístico de Brasília, que engloba o Lago Sul - também incluso na zona de estudo deste trabalho - e as demais regiões periféricas da capital surgiram a partir da construção do Plano Piloto, formando o que hoje constitui toda a área urbanizada da cidade. O Plano Piloto, porém, possui a particularidade de ter sido projetado especificamente segundo o Relatório do Plano Piloto de Lúcio Costa - que apontava as principais diretrizes do projeto viário da cidade e da setorização prevista por Lúcio para as edificações da capital. Ao analisar as Casas Noturnas do Plano Piloto atualmente, nos deparamos com um contexto de inserção urbana bastante divergente da proposta inicial do projetista para a locação destes estabelecimentos. Para tanto, é necessário entender a conjuntura na qual Lúcio Costa inseriu este tipo de estabelecimento em seu projeto. O Plano Piloto possui dois eixos bem definidos no Relatório de Lúcio Costa - o Eixo Monumental e o Eixo Rodoviário - dispostos em forma de cruz, enlaçados pelo Lago Paranoá e por uma área verde. No Eixo Monumental encontramos a sede do Governo Federal e Distrital, a Catedral Metropolitana, a Biblioteca Nacional, a Esplanada dos Ministérios a Praça dos Três Poderes. Nesta área, seguindo a setorização prevista por Lúcio, temos os setores bancários, de escritórios e comerciais Sul e Norte.
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Figura 14. Teatro Nacional de Brasília, setor de Difusão Cultural Norte. .(Fonte: Correio Braziliense, 2012))
O que foi definido por Lúcio Costa como o Setor de Difusão Cultural do lado norte, ou SDCN, contém nos dias de hoje o consagrado Teatro Nacional (Figura 14) de Oscar Niemeyer (1907-2012). O Setor de Difusão cultural do lado sul - SDCS - abriga a Biblioteca Nacional e Museu Nacional (Figura 15).
Figura 15. Teatro Nacional de Brasília, setor de Difusão Cultural Sul. .(Fonte: Correio Braziliense, 2012))
No cruzamento dos dois principais eixos da cidade – o rodoviário e o monumental – temos a atual estação rodoviária da cidade, disposta em uma “grande plataforma liberta do tráfego que não se destine ao estacionamento ali”27. O Centro de Diversões, segundo os desenhos de Lúcio Costa (Figura 16), seria constituído pelas extremidades locadas nesta plataforma central. A previsão era de que esta área (Figura 16) abrigaria os cinemas, teatros e 27
COSTA, L., Relatório do Plano Piloto de Brasília, elaborado pelo CODEPLAN DePHA, Brasília, GDF, 1991, p. 7.
restaurantes e - seguindo a lógica - os estabelecimentos para diversão noturna da cidade, incluindo Casas Noturnas. Para Lúcio Costa, esta região seria uma mistura de “Piccadilly Circus, Times Square e Champs Elysées”28.
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Figura 16. Ilustração da Plataforma Rodoviária. (Fonte: COSTA, 1957)! 1 – Eixo monumental; ! 2 – Eixo rodoviário; ! 3 – Centro de diversões; ! 4 – Setor central do centro de diversões, no qual o térreo estaria liberado para os pedestres pelos pilotis (o croqui portanto, representa uma área de circulação pedestrerizada); ! 5 – Local destinado ao “pavilhão de pouca altura” destinado a “restaurante, bar ou casa de chá”, segundo o Relatório; ! 6 – Local destinado à Ópera; ! 7 – Saguão da Estação Rodoviária do Plano Piloto; ! 8 - Retornos e área para as “praças” e estacionamento, o que indica trânsito de caráter local.!
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Na parte frontal deste centro, Lúcio Costa propunha que se concentrassem os cinemas e teatros, de gabarito “baixo e uniforme, constituindo assim, o conjunto deles um corpo arquitetônico contínuo, com galeria, amplas calçadas, terraços e cafés”29. O centro de diversões, portanto, foi inspirado em um repertório que mistura locais de forte centralidade, identidade e urbanidade. Mesmo que externamente pretenda aparentar um conjunto uniforme - como um grande edifí cio único e baixo - internamente apresenta uma configuração diversa, que reproduz unidades morfológicas e elementos edilícios encontrados em cidades tradicionais – como travessas, vielas e pátios. 28
COSTA, L., Relatório do Plano Piloto de Brasília, elaborado pelo CODEPLAN DePHA, Brasília, GDF, 1991, p. 7. 29
COSTA, L., Relatório do Plano Piloto de Brasília, elaborado pelo CODEPLAN DePHA, Brasília, GDF, 1991, p. 8.
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Figura 17. Conic, Brasília.(Fonte: Correio Braziliense, 2012)
Podemos presumir, de acordo com a expressividade pela qual Lúcio Costa propunha agregar os serviços de entretenimento da cidade neste núcleo, que o projetista visava uma área específica para a concentração da diversão comunitária do Plano Piloto. Hoje em dia, Casas Noturnas são comumente consideradas negócios locais, que podem ser instaladas em quaisquer áreas comerciais. Porém, é de entendimento comum que estes estabelecimentos concentram a grande maioria dos usos noturnos relacionados ao entretenimento no Plano Piloto. Portanto, seguindo uma logística favorável ao acesso e ao encontro noturno, era de se esperar que a concentração destes estabelecimentos no Setor de Diversões previsto por Lúcio Costa fosse predominante em relação aos comércios locais na Asa Sul, Asa Norte e Lago Sul. A ideia era, justamente, que a localização deste centro de Diversões fosse "fácil".30
Porém, não é esta a realidade com a qual nos deparamos ao analisar as Casas Noturnas da área de estudo delimitada neste ensaio teórico. Atualmente, a área do Centro de Diversões que constitui o Setor de Diversões Norte (SDN) é endereço do Shopping Conjunto Nacional,
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Entrevista concedida por Suellen Fernandes Dantas, bibliotecária da seção de pesquisa do Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF).
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Figura 18. Conic, Brasília.(Fonte: Correio Braziliense, 2012)
e, no Setor de Diversões Sul, encontramos o edifício do Conic (Figura 17). Nenhuma destas edificações oferece - na íntegra - os grandes usos para os quais Lúcio Costa definiu a região do setor de diversões. Os teatros, bares, cafés e restaurantes previstos pelo urbanista deram lugar, nos corredores do Conic, a lojas de tatuagem, camiseterias, clínicas odontológicas e barbearias. Analisando esta região, encontramos pouquíssimas ou quase nulas referências ao entretenimento noturno do Plano Piloto. A Boate Espaço Galeria (Figura 18), uma vez famosa e intensamente frequentada, é um dos poucos locais que servem de exemplo para a diversão noturna neste setor - porém, a movimentação no Espaço Galeria é pouca hoje em dia. É possível explicar este fato ao perceber que a falta de outros serviços próximos caracteriza esta Casa Noturna como um local inóspito, distante e isolado do restante dos movimentados centros locais da cidade que abrigam a maioria destes lugares. É interessante perceber que, uma vez que a pretensão de Lúcio costa não atingiu completamente seu objetivo inicial, a área do Setor de Diversões acabou por se tornar um local abandonado a noite. É comum que, no imaginário popular dos habitantes do Plano Piloto, esta região seja considerada, inclusive, perigosa para quem pretende passar por ela a noite.
Em uma outra conjuntura hipotética, por tanto - caso a adaptação de usos para o entretenimento noturno no Setor de Diversões se consolidasse - é possível dizer que o local, talvez, se consagrasse como um grande centro urbano noturno. Podemos imaginar que o acesso facilitado pela rodoviária e a centralidade urbana previstas por Lúcio Costa tenham sido vítimas da realidade econômica atual - pautada na apropriação de usos voltados para o varejo e na inauguração desenfreada de Casas Noturnas em áreas não previstas pelo projeto inicial do Plano Pitolo.
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4.3 SURGIMENTO DAS CASAS NOTURNAS DO PLANO PILOTO
Figura 18. Comerciais das quadras 700, 1065.(Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal)
No início da década de 60, no Plano Piloto, as pessoas buscavam as primeiras formas de usufruir do lazer noturno na capital - que ainda estava em processo de edificação. Trabalhadores participavam de reuniões festivas em barracões de madeira nos acampamentos das empresas construtoras, instaladas principalmente na região da atual Vila Planalto, enquanto engenheiros e seus familiares costumavam se divertir no Piano Bar do Brasília Palace Hotel. Historicamente, o Piano Bar pode ser considerado a primeira Casa Noturna de Brasília. Passaram por este local artistas consagrados da música popular brasileira, como Tom Jobim e Vinicius de Moraes - que tocaram ali, pela primeira vez, a clássica composição da Bossa Nova chamada “Água de Beber”, inspirada na queda d’água existente no Palácio do Catete. Com o tempo, o lugar passou a exercer, prioritariamente, a função de danceteria. Nestes primeiros anos da vida urbana da capital, a cultura das comerciais locais do Plano Piloto (Figura 19) ainda não exibia a intensa movimentação que exibe nos dias de hoje. O contexto urbano situava Brasília como uma cidade ainda inóspita, com carência de mobilização comercial e vivências públicas. A difusão de estabelecimentos voltados para o lazer coletivo começou com um processo pontual de
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Figura 19. Shalako, Gilberto Salomão, 1977.(Fonte: Correio Braziliense, 1980)
inaugurações que incentivos particulares sustentavam. Dada esta questão da iniciativa privada, é natural que o processo de formação das primeiras Casas Noturnas do Plano Piloto tenha sido marcado por uma conjuntura elitista no comércio do entretenimento noturno. O surgimento das primeiras boates da capital - guiadas pelo contexto soturno da cidade que ainda caminhava para encontrar sua identidade noturna recreativa começou com as inaugurações efetivadas no Centro Comercial Gilberto Salomão, no Lago Sul. Inclusive, este é um dado que suporta a inclusão da região do Lago Sul no contexto de análise das Casas Noturnas do Plano Piloto. O Lago Sul, ""elitizado" desde o princípio da formação urbana brasiliense, exibia, nesta época, um caráter atrativo em comparação com a "fria e abandonada” região do Plano Piloto e suas comerciais entre as décadas de 60 e 80. Em 1976, com este despontar dos estabelecimentos noturnos no Gilberto Salomão, a região do Lago Sul passou a concentrar uma inédita experiência da vivência urbana noturna em uma região muito próxima ao Plano Piloto. Neste Centro, foram instaladas importantes e pioneiras Casas Noturnas da cidade: A Kako, de Roberto Levy, e a Shalako (Figura 19), de Márcio Bayard. De imediato, ambas transformaram-se nos principais pontos de encontro noturno da juventude de então. Mário
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Figura 20. Vias do Plano Piloto, 1981.(Fonte: http://skyscrapercity.com/)
Beethoven, um dos primeiros DJs de Brasília, que tocou nas duas casas, diz que "As noites eram embaladas pela MPB de Jorge Ben, Tim Maia, Wilson Simonal, Mutantes, a soul music de Stevie Wonder e Supremes, além do rock de bandas como Credence Cleawater Revival.” A Kako e a Shalako eram boates de alta receita, onde a bebida e as entradas eram caras. Os jovens que as frequentavam eram, prioritariamente, parte das camadas mais providas da sociedade que aflorava na capital muitos deles vieram a se tornar empresários ou políticos populares na atualidade. Esta tendência pontua uma observação importante sobre as formações coletivas noturnas no contexto urbanístico brasiliense dos anos 80. Brasília acomodava altos contingentes de pessoas que não podiam arcar com os custos de um veículo próprio. Para estas pessoas, sair de casa a noite era difícil, e o recente sistema de transporte público ainda apresentava altas carências. Para estas camadas, a coletividade noturna ainda era uma questão muito complicada, uma vez que a cidade ainda não favorecia os encontros locais em bares ou estabelecimentos próximos. Além disso, ser pedestre a noite não era uma posição muito vantajosa no Plano Piloto dos anos 80 - a configuração urbanística recente era árida, com longos espaços vazios e pistas largas (Figura 20), o que dificultava as aglomerações naturais da
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Figura 21. Sunshine, em Brasília, 1982.(Fonte: Correio Braziliense, 1990)
vivência urbana e o acesso aos “points" existentes na região do Lago Sul. A incidente cultura das baladas era de caráter intimamente elitista, pois exigia altas possibilidades de consumo. Na antiga Kako, essa tendência ao alto poder aquisitivo dos usuários era bastante acentuada. Personalidades como Nelson Piquet, Paulo Octávio e Fernando Collor frequentavam o espaço. Embora na Shalako ainda se encontrassem jovens menos abastados, ainda assim era possível distinguir as duas Casas como ambientes elitistas. Aqueles que não podiam ou não concordavam em pagar os altos preços dessas boates, faziam festas em locais mais baratos. Nota-se, aqui, que apesar de o lazer noturno ser um resultado da livre escolha, nem sempre o arbítrio é suficiente para cobrir esta necessidade, pois a mesma está condicionada por fatores socioeconômicos também. Essa época foi dominada pelo cenário musical constituído da Disco Music e esses dois espaços estavam constantemente lotados. No Gilberto Salomão surgiu, posteriormente, a conhecida Sunshine (Figura 21), primeira Casa Noturna de Brasília no estilo das grandes discotecas, que reunia uma capacidade de até duas mil pessoas. Também no local, foi inaugurado o Cine Espacial, cuja sala era redonda tal qual um planetário. Posteriormente,
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Figura 22. Boate Zoom, em Brasília, 1984.(Fonte: Correio Braziliense, 1990)
este deu lugar aquela que ficou conhecida como uma das principais Casas Noturnas pioneiras de Brasília - a Zoom (Figura 22 e Figura 23). A Zoom foi a boate que consagrou as noites brasiliense no cenário das danceterias oitocentistas. Ela foi inaugurada em Maio de 1986 e constituiu uma das Casas Noturnas mais frequentadas e ativas de Brasília, recebendo personalidades como Pelé, Luíza Brunet, Xuxa e Roberta Close, além de se tornar palco para shows de grandes artistas da cena musical da época como Plebe Rude e Kid Abelha. Ainda nos anos 80, Brasília vivia uma proliferação de diversas tribos heterogêneas e uma onda de inaugurações de novos estabelecimentos que funcionavam como Casas Noturnas. Podem ser citados vários nomes de boates que ficaram conhecidas na época, como a Machine, no Venâncio 2000. A New Aquarius foi a primeira voltada especificamente para o público homossexual da cidade, o que era impressionante, considerando o contexto de intensa repressão que envolvia o auge do regime militar nos anos 80. Juntamente com a inauguração da Machine, vieram outras como a Nepenta e a Sherezade, no 9º andar e térreo do Torre Palace no Setor Hoteleiro Norte.
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Figura 23. Boate Zoom, em Brasília, 1984.(Fonte: Correio Braziliense, 1990)
!Em 1982, surgiu a Corte Clube Privé, instalada no subsolo do St. Paul Hotel no Setor Hoteleiro Sul, onde antes funcionava um dos estacionamentos do edifício. Interessante notar como a readequação de espaços préexistentes - que antes abrigavam funções distintas como estacionamentos e lojas varejistas - para comportar Casas Noturnas no Plano Piloto desponta já nas primeiras décadas do surgimento das mesmas. Lojas em edifícios e espaços destinados a comércios e atividades empresariais são, atualmente, comumente adquiridos por empreendedores particulares para serem transformados em boates - o que veremos, posteriormente, como um fator que muitas vezes atua no comprometimento arquitetônico desses ambientes. Situando esta tendência no contexto urbano da época em que ela surgiu,era notável como estas readequações propiciaram a distribuição de Casas Noturnas pelo Plano Piloto de forma mais ampla, atingindo desde as comerciais locais da Asa Sul e Norte até os grandes edifícios dos Setores Centrais e áreas periféricas. Apesar do grande contingente de Casas Noturnas fundadas nesta época, é com o início da década de 90 que temos a inauguração de destaques na lembrança da sociedade brasiliense atual, como as Casas Saramouche no Lago Sul; Hyppo’s e Tequila Rock, no Gilberto Salomão.
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Figura 24. Café Cancun, Liberty Mall, 2007. (Fonte: http://obaoba.com.br/)
Já na segunda metade da década, o eixo de diversões noturnas se transfere para cidades satélites do Plano Piloto, principalmente Taguatinga. Cabe ressaltar que o parecer histórico é importante para o levantamento dos contextos que envolvem o surgimento das Casas Noturnas também fora da área delimitada para os estudos de caso que serão tratados posteriormente neste estudo. Concluindo esta retomada histórica, já no final dos anos 90, temos o eixo das Casas Noturnas concentrando-se novamente na região do Plano Piloto, com o surgimento praticamente simultâneo de conhecidos espaços como o Farol (Pier 21), Basic Club (413 Sul) e do Fashion Club e do Café Cancun (Liberty Mall). Porém, Casas Noturnas não costumam durar muito tempo no Plano Piloto. A maioria delas comumente são desativadas e reativadas com outro nome, em outros espaços ou mesmo completamente extintas. O Café Concun (Figura 24) é um caso que mostra essa fragilidade que cerca a estabilidade financeira e comercial das boates de Brasília. Ele persistiu por mais de 15 anos mas foi desativado em Dezembro de 2009. Muitas Casas que surgiram depois também encerraram suas atividades inclusive antes do Café Cancun, como a Nix (Lago Sul), a Canal Street (403 Sul) e a Macadâmia (Setor de Clubes Sul).
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Figura 25. Noir Club, Lago sul, 2013. (Fonte: http://obaoba.com.br/)
Atualmente, no início dos anos 2000, encontramos um novo e energizado cenário urbano envolvido pelas Casas Noturnas em funcionamento. As regiões do Lago Sul e Norte abrigam conhecidos estabelecimentos como a boate Caribeño, o Deck Lounge o Noir Club (Figura 25). Esses espaços em específico mostram como o mercado de projetos de arquitetura de Casas Noturnas desponta em Brasília, uma vez que, na região tombada do Plano Piloto, dificilmente se registram Casas inteiramente construídas com auxílio de projeto. Na região circundante do Plano, encontramos muitos espaços que estão sendo readequados para comportar Casas Noturnas, como a conhecida Casa Victoria Haus (Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte). Porém, mais nítida é a readequação que acontece nos espaços comerciais da região do Plano propriamente dita, principalmente nos blocos que compõe as quadras da Asa Norte e da Asa Sul. Hoje, temos como exemplo dessas readequações os PUB’s de Brasília - que se encaixam no conceito de Casa Noturna aqui adotado. A grande maioria destes estabelecimentos aparecem nas quadras comerciais da Asa Norte e Asa Sul, como o Gate’s Pub (403 Sul), o O’rilley Pub (409 Sul), o UK Pub (411 Sul) e o Velvet Pub (102 Norte). Além destes exemplos, temos aqueles concentrados nos espaços readequados - ou seja, espaços pré existentes
que foram adaptados para comportar danceterias - dos Setores de Diversão, Bancários e Comerciais como o La Ursa (Setor Bancário Norte), o Calaf (Figura 29) (Setor Bancário Sul) e o Asiático Café & Design (Setor Comercial Norte).
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Atualmente, é possível notar a diferença entre a configuração das Casas Noturnas da área de estudo atualmente e a proposta prevista para a locação das mesmas feita por Lúcio Costa. No Mapa abaixo, percebemos a grande concentração de boates na Asa Sul, Asa Norte, Lago Sul e perímetro da região em comparação com o Setor de Diversões de Brasília - que abriga apenas a boate Espaço Galeria no edifício do Conic.
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!5. Análise de Estudos de Caso ! 5.1 VELVET PUB - 102 NORTE
Figura 26. 102 Norte, Brasília.
Uma maneira de melhor entender o contexto de inserção e funcionamento das Casas Noturnas de Brasília é analisar alguns exemplos existentes na cidade atualmente. Um estudo de caso interessante para tratar os aspectos relacionados ao diálogo urbano das Casas Noturnas das comerciais locais na Asa Norte e sua qualidade arquitetônica é o Velvet Pub. O conhecido Velvet foi inaugurado em Setembro de 2009 pelo produtor Gustavo Guimarães na quadra comercial 102 da Asa Norte (Figura 26). Atualmente, este estabelecimento é uma referência no cenário das festas de Brasília e uma das boates mais conhecidas do bairro. A localização da boate exemplifica uma das maiores tendências que acontece em torno do acesso e uso de Casas Noturnas no Plano Piloto - a elitização, já tratada neste trabalho no estudo referente ao parecer histórico formativo dessas tipologias em Brasília. O Velvet Pub, por estar localizado em uma quadra comercial local da Asa Norte possui um acesso noturno dificultado pela rota do transporte público, cujos pontos alcançam a proximidade máxima do estabelecimento pelas vias ERW - Norte e W3 Norte. Dificilmente encontramos pessoas pessoas que pretendem ir ao local de ônibus.
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Sendo assim, nota-se a esmagadora predominância de usuários com veículo nas noites do Velvet. Aqueles que porventura conseguem ir ao estabelecimento a pé são, majoritariamente, moradores da super quadra local 102 Norte. A questão do estacionamento surge como um ponto importante no diálogo entre Casas Noturnas situadas nas comerciais locais do Plano Piloto e a estrutura urbana da cidade. Em noites movimentadas, estacionar é difícil, e as vagas das quadras habitacionais são tomadas por estes veículos. A noite, esses carros formam bolsões de estacionamento por onde se considera perigoso passar sozinho - além de incentivarem atividades ilícitas nos pequenos becos que se formam nestes aglomerados veiculares. O Velvet Pub, a princípio, funcionava na loja número 8 do Bloco B da 102 Norte, loja de esquina, com uma fachada cega virada para a rua comecial. O modelo arquitetônico do bloco impedia, então, que o estabelecimento mantivesse mais de uma saída. A porta de entrada e
Modelo Esquemático 1. Planta do Pavimento Térreo - Velvet Pub Pré-reforma.!
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saída, mesmo tendo 1,6 metro de largura e possibilitando a passagem de até três pessoas ao mesmo tempo, era insuficiente para a demanda do local, que apresentava também, uma única escada de acesso ao subsolo, com largura preocupante de 1,2 metros (Modelo Esquemático 1). Figura 27. Antigo subsolo do Velvet Pub.
Figura 28. Fachada Reformada do Velvet Pub.
Além disso, o subsolo único era apertado (Figura 27), o que impedia a circulação confortável - além de oprimido pelo pé direito natural do bloco comercial, de 2,40 metros - e não apresentava uma boa qualidade de renovação do ar ou do som. Todas essas condições lembravam bastante os problemas que ocasionaram o acidente trágico da boate Kiss, em Santa Maria (RS), presente em anexo neste trabalho. Em 2013, porém, o Pub alugou, também, a loja ao lado 32 - e o espaço arquitetônico foi reformado e a fachada principal recebeu mais uma porta (Modelo Esquemático 2). Esta medida favoreceu a necessidade prioritária de se instalar mais uma porta de saída (Figura 42) - também com
1,6 metros de largura - no estabelecimento mais uma Modelo Esquemático 2. Planta do Pavimento Térreo - Velvet PubePós-reforma.!
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escada de acesso ao subsolo, aumentando a capacidade de evasão do local. Porém, este acesso vertical também apresenta a largura de 1,2 metros, o que não favorece uma retirada de emergência. A parede que separava as duas lojas no térreo foi mantida, e a conexão entre os dois ambientes foi amarrada pelo subsolo. Esta parede, provavelmente, foi mantida por questões econômicas e por dividir melhor os espaços de entrada e de saída. No novo espaço térreo de entrada, as pessoas se identificam e adquirem o cartão de comanda do Velvet. Alguns poucos metros quadrados são destinados a bancos para espera e dois novos banheiros foram criados neste ambiente também. No espaço que antes abrigava todo o térreo da boate foram mantidas quase todas as estruturas do layout. Dois banheiros, balcão para pagamento e um dos bares continuaram neste ambiente - a diferença principal foi a reforma da área onde antes existia uma pequena cabine para fumo e que agora comporta uma pequena área de estar (Figura 29). Com a Lei Antifumo decretada pelo Ministério da Saúde em 2014, que entra em vigor a partir de Dezembro do mesmo ano, os bares e boates de Brasília foram proibidos de comportar espaços deste tipo, os chamados “fumódromos" dentro do estabelecimento. A única área para fumantes que o Velvet Pub disponibiliza atualmente é o gradil externo que contém a porta de saída (Figura 30).
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Figura 29. Área reformada do antigo fumódromo. Velvet Pub Pós-reforma.!
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Figura 30. Área destinada para fumantes no gradil externo. Velvet Pub Pós-reforma.!
A conexão entre os dois ambientes do térreo (Modelo Esquemático 3), agora, se dá apenas pelo subsolo (Modelo Esquemático 4). Esta configuração arquitetônica compromete, em parte, a capacidade de evasão que a reforma pretendeu aumentar, pois a divisão do térreo confunde o fluxo de pessoas dentro do local, que, ao subirem do subsolo para o pavimento acima, não podem percorrer todo o andar térreo livremente.
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Modelo Esquemático 3. Velvet Pub Pós-reforma.!
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Modelo Esquemático 4. Velvet Pub Pós-reforma.!
O espaço do Velvet Pub, apesar de apresentar melhorias substanciais após a reforma de 2013, ainda apresenta fatores comprometedores quanto aos parâmetros estruturados nesta pesquisa para a análise de Casas Noturnas Brasilienses. O local é quente, com ventilação insuficiente ocasionada pela falta de aberturas, dutos de ventilação, por sistemas elétricos de refrigeração eficientes ou outras estratégias de desconcentração do calor. Acusticamente, o espaço também apresenta problemas na medida em que a contenção do palco no subsolo gera uma quantidade intensa de som e ruídos neste pavimento, tornando a comunicação praticamente impossível - o que é ilógico, considerando que boa parte deste andar é destinado a mesas para estar. O Velvet Pub ilustra bem a tendência das inaugurações de Casas Noturnas adaptadas a arquitetura do Plano Piloto definida para as comerciais locais, onde problemas de estruturas prévias se evidenciam ao tratar
equivocamente das estratÊgias de melhoria dos espaços destinados a boates durante uma reforma.
! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! Figura 31. Subsolo - Velvet Pub, 102 Norte. (Fonte: http://velvetpub.com.br/)
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5.2 ASIÁTICO DISCO CLUB - SETOR COMERCIAL NORTE
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Figura 32.Asiático disco Club.
Figura 33. Vista interna - ambiente de Estar. Asiático disco Club. (Fonte: http://asiaticodiscolclub.com.br/)
Figura 34. Vista interna - pavimento superior. Asiático disco Club. (Fonte: http://asiaticodiscolclub.com.br/)
O Asiático Disco Club funciona hoje em dia onde, antes, existia o famoso espaço Garota Carioca, no Setor Comercial Norte, Quadra 3, Bloco C, em frente ao Liberty Mall (Figura 31). A escolha deste estabelecimento como estudo de caso se deve ao fato deste ser um dos poucos exemplos que encontramos na região do Plano Piloto em que a Arquitetura, juntamente com o ambiente interno, foram pensados para comportar especificamente uma Casa de Shows. O galpão foi projetado no ano 2000, e funciona desde 2006 como um dos estabelecimentos noturnos mais famosos da cidade. O Asiático Disco Club é um dos maiores estabelecimentos noturnos de Brasília. Comporta até 2.000 pessoas em uma noite e reflete uma forte tendência das Casas Noturnas da capital, que é a cenografia tematizada. A ambientação de espaços comerciais, principalmente de boates, envolve aspectos cenográficos que vão desde a iluminação até o mobiliário. No caso do Asiático, o tema condiz com o próprio nome do local. O Setor Comercial Norte, em Brasília, é um local intensamente movimentado durante o dia. A noite, os prédios comerciais que compõe o setor encerram suas atividades e a oferta de serviços neste horário é muito pouca. Isso contribui para permanências ilícitas e para a sensação de perigo do lugar durante as noites. Com a inauguração do espaço, as noites continuam movimentadas na área que comporta o Asiático Disco Club - a experiência urbana é icentivada e a intimidação do tráfego no horário noturno é minimizada. Um aspecto importante sobre este local é que, dada a imponência da arquitetura e sua viabilidade comercial, o uso diurno também é amplamente explorado. Durante o dia, o Asiático Disco Club abriga funções como salão de beleza, cozinha japonesa e café. A receita deste estabelecimento é alta, e a grande maioria dos usuários
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que o frequentam são jovens das camadas mais providas da sociedade Brasiliense.
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O Asiático possui apenas um acesso, que funciona tanto como entrada quanto saída. Apesar deste acesso apresentar 3,0 metros de largura, permitindo a evacuação de até 30 pessoas por minuto em situações de pânico, o mesmo não está em conformidade com as regras de segurança (Modelo Esquemático 5). Porém, o local minimiza este risco para a com o uso de esquadrias nas vedações da fachada principal ao invés de alvenaria cega. O pé direito do estabelecimento chega até 3,50 metros, o que facilita a renovação do ar, a refrigeração interna e o conforto individual. O estabelecimento possui um pavimento superior (Modelo Esquemático 6) onde funcionam 2 camarotes, denominados Camarote Jacarta e Camarote Bali. O andar superior também adota esquadrias em uma duas das vedações, o que contribui para a necessidade de retirada do andar superior em caso de compressão do térreo.
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Modelo Esquemático 5. Asiático Disco Club, Térreo.!
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Modelo Esquemรกtico 6. Asiรกtico Disco Club, segundo pavimento.!
Figura 35. Asiรกtico Disco Club. (Fonte: http://guiadasemana.com.br/)
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5.3 GATE’S PUB - 403 SUL
Figura 36. Gate’s Pub, Brasília, entrada. (Fonte: http://gatespub.com.br/)
O Gate's Pub é uma das casas noturnas mais antigas do Plano Piloto, inaugurada no final da década de 70ca comercial 408 da Asa Sul. Assim como o Velvet Pub na Asa Norte, esta casa noturna foi adaptada em uma comercial local. Porém, a Casa funciona desde sua inauguração em apenas uma loja - o que faz com que ela apresente problemas que o Velvet Pub minimizou com a reforma que sofreu em 2008. Uma diferença entre o Gate's Pub é o Velvet Pub é que o primeiro conta com três andares, sendo o térreo principal a área de atendimento ao público, contando balcão, caixa e depósitos; o segundo andar abriga os banheiros, a cozinha e área para fumantes; e o subsolo contém a administração e a área de shows, dança, mesas e bar. O pé direito máximo do local é de 2.38 metros - inferior ao pé direito do Velvet Pub e mais desconfortável. A configuração arquitetônica de disposição dos ambientes possui tanto vantagens quanto desvantagens em termos de segurança e localização. Dentre as vantagens, o local conta com o fato de se inserir em uma comercial movimentada da asa sul - o que propicia o encontro e a identificação no âmbito da linguagem urbana. A área para fumantes, no andar superior, é aberta e contribui para a evacuação de emergência no
pavimento e para evitar incêndios e outros acidentes com fogo. Porém, o Gate’s comumente recebe cerca de 250 pessoas por noite. Este fator é preocupante uma vez que o local apresenta, por pavimento, cerca de 50 metros quadrados. O estabelecimento possui apenas uma porta de acesso e saída, o que não atende as condições de segurança.
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Figura 35. Gate’s Pub, subsolo. (Fonte: http://gatespub.com.br/)
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6. Parâmetros de Análise Arquitetônica das Casas Noturnas de Brasília 6.1 ASPECTOS TÉRMICOS
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No Plano Piloto, é comum que Casas Noturnas sejam consideradas ambientes fechados, com poucas aberturas, abafados e quentes. Esta crença se evidencia na forma como estes estabelecimentos se organizam em espaços comprimidos e de pouca circulação, principalmente na região do Plano Piloto - como lojas das quadras comerciais da Asa Norte e Asa Sul e outros espaços locados em edifícios e grandes construções, como nos Setores Bancários e Comerciais. A taxa de renovação de ar - ou o número de trocas de ar num ambiente, considerando seu volume - recomendada para Casas Noturnas (Tabela 1) é dificilmente alcançada, porém, esta tendência é natural uma vez que, para fins de isolamento acústico, Casas Noturnas necessitam de aspectos isolantes mais intensificados - que barram a entrada do ar.
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Área Funcional
Taxa de Renovação do Ar (Trocas/Hora)
Hospitais
8 - 12
Auditórios
10 - 20
Igrejas
15 - 25
Ginásios
5 - 30
Bibliotecas
15 - 25
Escritórios
6 - 20
Residências
5 - 20
Lojas Varejistas
18 - 22
Danceterias
10 - 30
Tabela 1. Critérios sugeridos para projetos gerais de ventilação de ambientes. (Fonte: ASHRAE – American Society of Heating Refrigerating and Air Conditioning Engineering, Guide an Data Book).!
Porém, a questão do layout influencia nesta perspectiva, pois Casas Noturnas que prezam por ambientes para fumantes com estruturas a céu aberto e saídas para o estar do lado de fora propiciam a divisão de ambientes tanto fechados - para pistas de dança e efeitos lumínicos - quanto abertos, e pequenas estratégias como essas já são capazes de minimizar o isolamento térmico completo destes locais.
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A adequação da temperatura em ambientes com muitas pessoas e pouco espaço - como comumente ocorre nas botes brasilienses - é um item que disserta acerca das necessidades econômicas dentro destes estabelecimentos. Aparelhos de ar condicionado simples são muitas vezes escolhidos em vez de aparelhos split (Figura 36) para locais com muitas pessoas por serem mais baratos, porém, estes são ineficientes e, muitas vezes, mal locados.
Figura 36. Noir Club, Brasilia. (Fonte: http://obaoba.com.br/)
A falta de informação acerca de alternativas arquitetônicas acessíveis para o condicionamento de ambientes confortáveis termicamente é um dos maiores fatores que levam os empresários a descartar reformas em prol deste aspecto. Porém, o mercado oferece diversas estratégias de proteção e bloqueamento térmico no âmbito das vedações de aberturas - que, além de
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propiciarem iluminação natural no período diurno, validando o uso dos estabelecimentos de dia - constituem opções econômicas a longo prazo. Outro fator que pode ser apontado como condicionante do conforto térmico em danceterias e analisado no caso daquelas existentes em Brasília é a altura do pé direito. Um pé direito baixo contribui para a sensação térmica de sufocamento e clausura em boates, enquanto um pé direito mais alto propicia as trocas térmicas internas e a refrigeração por sistemas elétricos ou naturais. No Plano Piloto, como a maioria das lojas que abrigam boates possuem uma arquitetura dimensionada de acordo com as tipologias usuais do comércio, o pé direito normalmente se mantém entre 2,45 e 3 metros dependendo de onde elas se situam. Nas comerciais locais do Plano Piloto, por exemplo - onde a padronização do bloco infere bastante nas baixas alturas do pé direito interno - temos casos como o do já citado do Gate’s Pub, na Asa Sul (Figura 37). Este é um agravante da adequação de espaços comerciais padronizados para o uso de danceterias. Comparando este ambiente com aqueles locados em outras regiões como Setores Centrais, Sudoeste ou Lago Sul (Figura 38), encontramos grande diferença na sensação de conforto individual. Isso acontece porque, nessas regiões, a padronização das construções comerciais não é tão fixa quanto na região central e existem muitos lotes a venda para empreendimentos comerciais - enquanto no centro estes lotes estão estão saturados pelo adensamento e tombamento urbanístico. Estes fatores contribuem para projetos de inserção e reforma de boates nesta região e, consequentemente, para a presença de pés direitos mais altos.
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! 67 ! ! ! ! ! Figura 37. Gate’s Pub - Pé Direito Interno
Figura 38. Boate Caribeño, no Lago Sul - Pé Direito Interno
Um outro fator que influencia nos aspectos térmicos das Casas Noturnas do Plano Piloto é a qualidade do ar nestes locais. A lei Distrital Antifumo, mencionada anteriormente neste trabalho, foi decretada em Brasília com base em uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde - que mostra como o ar respirado em bares, boates e restaurantes em Brasília chega a ser parecido com o de um túnel engarrafado. Em ambientes totalmente fechados, a concentração de monóxido de carbono no ar chega a atingir cinco partes por milhão31. A baixa qualidade do ar nestes estabelecimentos é dada prioritariamente pela fumaça dos cigarros - mas, também, é causada pela ineficácia dos sistemas de ventilação, pela toxidade de sistemas cenográficos como gelo seco32 e pela baixa renovação das taxas dentro destes locais.
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Pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, 2013.
Nome popular para o dióxido de carbono solidificado ao ser resfriado a uma temperatura inferior a -78 °C. Ao ser aquecido na pressão atmosférica torna-se imediatamente gás de dióxido de carbono, sem passar pelo líquido, gerando a fumaça utilizada em muitos eventos para cenografia e ambientação.
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É importante perceber como a baixa qualidade do ar em Casas Noturnas do Plano Piloto que são ambientadas em locais sem um mínimo de ventilação e sem preocupação com sistemas eficazes de refrigeração podem gerar, nas pessoas que as ocupam, sintomas como dor de cabeça, crises alérgicas, cansaço, tonturas, palpitação e falta de ar. Estes sintomas, associados com o uso do álcool e o exercício físico das danças, agridem os usuários destes locais e podem ser perigosos a saúde dos mesmos. A chamada síndrome do edifício doente, portanto, é recorrente neste tipo de estabelecimento no Plano Piloto. A baixa qualidade do ar em Casas Noturnas fechadas principalmente aquelas adaptadas nas comerciais locais propicia, também, a ação de bactérias, fungos, e ácaros. Essa situação - além de causar agressão física - resulta em uma queda da produtividade dos funcionários de Casas Noturnas e na permanência de seus frequentadores. Basicamente, o conforto térmico se torna uma variante preocupante dentro das Casas Noturnas de Brasília na medida em que os proprietários estão limitados pelas condições econômicas e arquitetônicas dos locais ou mais frequentemente - é ignorada a real capacidade do local e o desconforto que a falta de dimensionamento pode gerar na satisfação dos usuários.
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6.2 CONFORTO ACÚSTICO
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Um som é, muitas vezes, a única informação possível para aquilo que acontece fora do nosso campo visual. No entanto, podemos desviar o olhar ou fechar os olhos para evitar uma visão desagradável ou um desconforto. Mas impossível selecionar – de forma precisa – o que alcança nossa audição. A audição complementa a visão na identificação dos elementos externos do entorno, principalmente em boates.! Um dos principais fatores para a qualificação de uma Casa Noturna, principalmente em Brasília, é o conforto acústico que a mesma fornece tanto para aqueles que estão dentro do estabelecimento quanto para aqueles que estão fora. A música, a conversa e o som da movimentação são características inatas aos ambientes noturnos que comportam bares e danceterias. ! Da mesma forma que os sons podem ser grandes incentivadores do entretenimento e do prazer, eles também podem tornar-se desagradáveis. Dependendo de sua amplitude, frequência e duração, os sons podem se tornar, até, indesejáveis. A um som desagradável, denominamos ruído (VIEIRA, 2009). ! O ruído, muito comum em Casas Noturnas, é atualmente abordado com grande descaso - tanto por parte dos proprietários quanto dos legisladores. A falta de informação aos frequentadores sobre os níveis de pressão sonora, a falta de medidas de proteção para os que trabalham nestes locais e a carência de fiscalizações contribui diretamente para os danos acústicos tanto fora quanto dentro destes locais.! Machado (2003) afirma que uma das principais fontes causadoras de poluição sonora no nosso dia a dia são os estabelecimentos voltados para o entretenimento coletivo. Este é um grande problema dos centros urbanos, principalmente para Brasília, onde vigora a Lei do Silêncio
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(lei nº 4.092/08) desde 2008, que estabelece os limites de barulho para a cidade: Áreas residenciais: 50 decibéis (Db) de dia e 45 dB à noite; Áreas comerciais: 60 dB dia e 55 dB à noite; Áreas industriais: 70 dB durante o dia e 60 dB a noite; Próximo a hospitais e escolas: 50 dB durante o dia e 60 dB à noite; Áreas rurais: 40 dB durante o dia e 35 dB durante a noite. A pena mais aplicada por violação da Lei do Silêncio é a advertência. Porém, o descumprimento também é passível de multa entre R$ 200 e R$ 20.000. Os estabelecimentos que descumprem a Lei do Silêncio podem ainda ser embargados, interditados ou ter a licença de funcionamento e alvará caçados. Violar a Lei do Silêncio é um problema para os empreendedores que exercem comércios como Casas Noturnas em Brasília. Muitas vezes, a área delimitada pela arquitetura é insuficiente par a distribuição de mesas, cadeiras e espaços para fumar - por exemplo - e isso leva, por vezes, os gerentes destes locais a autorizarem o transpasse do limite arquitetônico da Casa Noturna e a apropriação das calçadas públicas imediatas do entorno - favorecendo o barulho. Desta forma, é imprescindível que, na revisão de um projeto arquitetônico ou de uma reforma, os ambientes destinados a abrigar danceterias prevejam a questão da dispersão de som alto nas regiões vizinhas. O som dentro de ambientes fechados como danceterias e casas de show é emitido pela fonte até incidir sobre todas as superfícies do ambiente paredes, tetos e barreiras. Um quarto do som incidente é refletido novamente para o local, duas partes se dissipam na superfície e a última parte termina por atravessar e alcançar o lado de fora […] três energias atuam no som propagado em Casas Noturnas: A energia dissipada, a absorvida e a transmitida (Figura 39).33
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BISTAFA, Acústica aplicada ao Controle de Ruído, 2011, p. 111.
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Figura 39. Esquema de dissipação, absorção e transmitância do som em superfície.!
Para a melhor absorção do som em Casas Noturnas, a escolha de materiais para paredes e barreiras do tipo fibrosos - lã de vidro, lã de rocha - ou porosos - espumas de poliuretano - é a melhor. A característica básica dos materiais fibrosos e porosos é que estes absorvem melhor os ruídos, permitindo que o ar no interior da estrutura do material movimente-se com a propagação do som e o retenha por mais tempo.34 No Plano Piloto, o isolamento acústico é obrigatório por lei em ambientes com incômodo sonoro ou perturbação ao sossego. Porém, esta atenção com o tratamento acústico dentro de boates é comumente deixada de lado por fatores econômicos. Em Brasília, é comum encontrar estabelecimentos que utilizam apenas placas de isopor ou até espumas do tipo caixa de ovo para obter comodidade sonora e minimizar os efeitos dos ruídos. Porém, estes materiais possuem alto potencial inflamável, e precisam ser revestidos - cuidado não observado em muitos lugares. No caso do acidente ocorrido na boate Kiss em Santa Maria (RS) - tratado no anexo presente neste trabalho - a negligência para com o tratamento adequado da questão acústica foi um dos motivos para a tragédia. O produto que revestia o teto para isolamento do local era feito à base de poliuretano, componente que pega fogo facilmente e que gera pingos incandescentes - que, em contato com a pele, podem provocar queimaduras graves. A fumaça tóxica liberada por este material restringiu o campo de visão e bloqueou as vias 34
BISTAFA, Acústica aplicada ao Controle de Ruído, 2011, p. 244.
respiratórias de muitas vítimas naquela noite. Caso o material houvesse recebido aplicação de retardantes a chamas, que também controlam a emissão de gases e fumaça, o incêndio poderia ser evitado - ou a evacuação pela contenção da fumaça poderia ser favorecida. Não é apenas a questão do isolamento acústico altamente influente para o cumprimento da Lei do Silêncio em Brasília - que se mostra importante na análise qualitativa de Casas Noturnas da cidade. Outro ponto relevante no âmbito do conforto sonoro nestes locais é o problema relacionado a extravagância dos níveis de som que ficam contidos dentro do espaço - e que gera impacto no público que o frequenta. Segundo Vieira (2009) é considerada perda de audição qualquer redução na sensibilidade auditiva. De acordo com o autor, essa perda auditiva ocorre quando os níveis de exposição são elevados por um longo período de tempo. Determinam em comprometimentos tanto na vida social como em distúrbios mentais do indivíduo (MEDEIROS). Observa-se que, em boates, os níveis médios de ruídos são os mais agravantes de todas as atividades voltadas para o entretenimento, chegando a alcançar entre 89 e 97dB. Estes agravos representam danos ao aparelho auditivo das pessoas que estão dentro do estabelecimento. Dificilmente estes locais apresentam zonas de descompressão do som ou estratégias de propagação e reverberação que minimizem o impacto causado pelos altos níveis de ruído. Para as pessoas que trabalham nestes ambientes, a comunicação é importantíssima. Portanto, a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) poderia atrapalhar. As pessoas que frequentam as Casas como clientes também não sustentam a possibilidade de utilizar estes equipamentos. A melhor resolução do problema seriam medidas de proteção coletiva associadas a arquitetura e a engenharia.
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Os preços da implantação de um projeto acústico para Casas Noturnas variam de acordo com os materiais especificados e com conhecimento técnico - em Brasília, a alta do mercado de materiais isolantes contribui para o descaso de muitos estabelecimentos com o tratamento acústico.
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6.3 CONFORTO LUMÍNICO
Figura 40. Victoria Haus, em Brasília. (Fonte: http://victoriahaus.com.br/)
A principal forma de iluminação explorada dentro das Casas Noturnas é a iluminação artificial (Figura 40). O conforto luminoso ambientado na questão das boates de Brasília, antes de mais nada, é intensamente tratado como uma vertente das cenografias exploradas pelas estratégias de marketing e impacto visual dos ambientes. Nos endereços eletrônicos de divulgação destes estabelecimentos, é comum encontrar fotografias dos mesmos com notável apelo ao aspecto lumínico. A luz, em danceterias, influi na forma como os usuários se sentem confortáveis ou desconfortáveis no âmbito da exposição, do incentivo físico e do incentivo psicológico ao usufruir de seus serviços. Dada essa significância, o ramo comercial de iluminação para casas de show evoluiu intensamente nos últimos anos. Não só em Brasília como na maioria das cidades brasileiras, foram deixados de lado recursos antigamente muito entusiásticos para Casas Noturnas, como globos espelhados, refletores, moving lights, luzes negras e lasers - muito populares nos anos 70 e 90. Estes efeitos não desapareceram por completo, porém, deram lugar a sistemas mais sofisticados, como placas de LED - material flexível e que consome menos energia do que as lâmpadas e possui alta variância luminosa - e projetores que lançam imagens em alta definição sobre as superfícies dos ambientes.
Arquitetos, designers e outros profissionais de iluminação encontram na área da cenografia noturna um campo de atuação bastante inovador. Atualmente, as Casas Noturnas recentes de Brasília mostram uma preocupação real com a atmosfera dos locais nos horários de funcionamento - atmosfera, esta, instaurada principalmente pelos recursos lumínicos. A iluminação interna também funciona como uma divisora de ambientes em boates. As pistas de dança são comumente tomadas por jogos de luz com uso de lasers e multipontos que se movimentam por programação automática ou por sensores acústicos, esferas ou placas de LED, luzes negras e estrobos. Estes sistemas normalmente ficam limitados aos ambientes para dança, enquanto locais de espera, estar ou específicos para fumantes costumam apresentar iluminação mais suave. Também é comum encontrar em boates algum tipo de ambiente com iluminação direta, clara e básica para emergências, ligações e resolução de problemas internos do estabelecimento. Um problema que por vezes acontece na configuração lumínica de ambientes em Casas Noturnas de Brasília é a predominância do aspecto cênico sobre o aspecto prático e confortável. A iluminação do local, baseada nas estratégias de atração e conquista sensorial, quando aplicada exageradamente pode dificultar o contato imediato e incomodar os sentidos oculares. A iluminação também é importante para a segurança de um estabelecimento noturno. Segundo a norma para boates em Brasília e na maioria das cidades brasileiras, em casos de incêndio, a primeira coisa a se fazer é cortar a energia do local. Por isso, a iluminação de emergência é um item de segurança básica. Esta iluminação deve funcionar à bateria, em todas as portas de saída e emergência são item de segurança básica luzes de emergência, que funciona à bateria, em todas as portas de saída e emergência são item de segurança básica
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No processo de projeto de iluminação artificial para Casas Noturnas, é importante obter, primeiramente, um levantamento das atividades do local - de suas dimensões fí sicas, de seu layout, dos materiais utilizados e das características da rede elétrica presente.
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7. Diretrizes para a Melhor Implantação de Casas Noturnas em Brasília !
A Guisa de conclusão para a melhor implantação de Casas Noturnas no Piloto Contexto Urbano Contemporâneo
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De acordo com os parâmetros identificados, estudados e analisados neste trabalho em relação às Casas Noturnas do Plano Piloto, este capítulo constitui uma redação de diretrizes para a melhor implantação de Casas Noturnas na área de recorte deste estudo. Relacionando os diversos aspectos citados nesta análise até o momento, estas diretrizes são: Quanto a Inserção Urbana: Prezar por locais onde o acesso seja facilitado pela rota dos transportes e pela centralidade urbana - que constituem, portanto, áreas de identidade urbana e atrativos públicos, como os Setores Centrais da cidade, principalmente o Setor de Diversões, atendendo a premissa estabelecida pelo Relatório do Plano Piloto de Lúcio Costa. Quanto a Segurança e Normatização: Prezar pelas estratégias de atendimento a legislação vigente para Casas Noturnas no Plano Piloto detalhadas neste ensaio - larguras, alturas, saídas, trajetos e dispositivos de alarme e proteção. Quanto ao Conforto Individual relacionado aos aspectos térmicos: Prezar pelas estratégias de refrigeração eficientes e pelo desenho de layout que propicie ambientes abertos e fechados no mesmo edifício, que favoreçam tetos abertos - com o intuito de isolar acústicamente pelas paredes - e isolem de forma mais intensa apenas os ambientes mais específicos.
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Quanto ao Conforto Individual relacionado aos aspectos lumínicos: Prezar pelo uso dos sistemas de iluminação corretos e adequados a situações de emergência, além de favorecer aqueles sistemas que constituam o menor dano a saúde ocular das pessoas que frequentam o local. Quanto ao Conforto Individual relacionado aos aspectos sonoros: Prezar pelos materiais mais adequados ao isolamento acústico, não-inflamáveis ou inflamáveis isolados, prezar pela contenção sonora que favoreça, ao máximo, tanto o conforto acústico interno e saudável ao usuário quanto ao atendimento a Lei do Silêncio em áreas muito próximas a zonas habitacionais e aos limites estabelecidos comercialmente para o estabelecimento - evitando a apropriação de áreas externas que influenciam na propagação indevida do barulho.
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8. Conclusão !
A Guisa de conclusão para a melhor implantação de Casas Noturnas no Piloto - Contexto Urbano Contemporâneo !
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O Plano Piloto é uma área com alto potencial de abarcar uma vida noturna dinâmica e incentivadora das diferentes vivências urbanas. Porém, nota-se que a cidade enfrenta situações que dificultam essa iniciativa. A atual estruturação viária, os problemas de mobilidade urbana de Brasília e a aplicação de políticas de transporte público são fatores que, notadamente, interferem na oferta de serviços noturnos que alcancem as parcelas mais variadas da sociedade. Casas Noturnas, no Plano Piloto, se estruturaram como ambientes elitizados na época de seu surgimento e continuam como tais na conjuntura da capital de hoje em dia. Os preços de mercado de produtos como o álcool, a bebida e a música industrial são altos, e nem todos podem pagar pelos mesmos - as altas receitas dos estabelecimentos Brasilienses colaboram com essa perspectiva e instauram um "saber social” de que boates são locais para pessoas com dinheiro, jovens e expositivas. Ao mesmo tempo que as boates do Plano Piloto cobram caro pelos seus serviços, a grande maioria das mesmas não apresenta uma condição estrutural que justifique essa cobrança. O desinteresse por parte dos empreendedores e a falta de informação por parte dos usuários levam as pessoas a pagarem altas quantias de dinheiro por um entretenimento locado em estruturas decadentes, em desacordo com as regras de segurança e altos índices de desconforto individual. Conclui-se, com este estudo, que a cidade necessita de iniciativas urbanas a favor da mobilidade noturna, da
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dinâmica dos horários e do comércio noturno. Da mesma forma, Brasília também carece de incentivos ao lazer noturno em áreas centrais. Também podemos tirar deste estudo o descaso com que as normas estabelecidas para a Arquitetura de Casas Noturnas são tratadas não apenas em Brasília, mas no Brasil todo. É necessário um processo intenso de revisão e fiscalização destes estabelecimentos, com o objetivo de melhor atender suas especificidades e a satisfação e segurança dos usuários que os frequentam.
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9. Biliografia RECKZIEGEL, D., Lazer noturno: Aspectos Configuracionais e Formais e sua Relação com a Satisfação e Preferência dos Usuários, 2009 WERNECK, C., Significados de recreação e lazer no Brasil: Reflexões a partir da Análise de Experiências Institucionais, 2003 GOMES, C., Lazer Urbano, Contemporaneidade E Educação das Sensibilidades, 2004 MENOIA, Lazer: História, Conceitos e Definições, 2000 GALVÃO, Sobre as Afinidades entre a Filosofia de Francis Bacon e o Ceticismo, 2007 DE MASI, Ócio Criativo, 2001 LAFARGUE, P., Instauratio Magna, 1883 IPHAN. Carta de Athenas.1933 SILVA, Tempo de Trabalho e Tempo de Lazer, 2005. REQUIXA; AQUINO; MARTINS, Ócio, Lazer e Tempo Livre na Sociedade do Consumo e do Trabalho, 2007 GRAVENA, E., Lazer e Entretenimento Noturno, 2012 DEBORD, G., A Sociedade do Espetáculo, 1967 WERNECK, C., Significados de Recreação e Lazer no Brasil. : Reflexões a partir da Análise de Experiências Institucionais, 2003 CASTRO, R., Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa Nova, 2001 COSTA, L., Relatório do Plano Piloto de Brasília, elaborado pelo CODEPLAN DePHA, Brasília, GDF, 1991 Publicações - Correio Braziliense. Brasília.
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Publicações - Diário Gaúcho. Publicações - Gazeta de Taguatinga. Arquivo Público do Distrito Federal FROTA, A., Manual de Conforto Térmico, 2009 BISTAFA, S., Acústica aplicada ao Controle de Ruído, 2011 REIS; CAVICHIOLLI; STAREPRAVO, A Ocorrência Histórica do Lazer: Reflexões a partir da perspectiva Configuracional, 2009.
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ANEXO ! O CASO DA BOATE KISS, EM SANTA MARIA (RS) ! ! O coordenador de mestrado em Defesa e Segurança Civil da Universidade Federal Fluminense (UFF), Airton Bodstein de Barros, explica que os proprietários de Casas Noturnas frequentemente desatentam para questões de segurança estrutural em seus estabelecimentos. Esta desatenção acontece porque, na maior parte das vezes, estes proprietários têm mais preocupação em evitar a evasão de receita - ou seja, que as pessoas saiam sem pagar - do que com a proteção da clientela. Este lapso para com a segurança constitui uma atitude grave nas tendências comerciais brasileiras, pois normas básicas de segurança costumam ser deixadas de lado em prol do aspecto econômico. Um exemplo que temos no país foi o caso específico da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), que sofreu um incêndio durante uma noite, em Janeiro de 2013. Esta tragédia poderia ter sido evitada caso a boate tivesse mais do que apenas uma porta funcionando como entrada e saída.
Boate Kiss, em Santa Maria (RS), 26 de Janeiro de 2013, noite do incêncio. (Fonte: Diário Gaúcho, 2013)
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Boate Kiss, em Santa Maria (RS), após o incêndio. (Fonte: Diário Gaúcho, 2013)
Esquema arquitetônico da Boate Kiss. (Fonte: Diário Gaúcho, 2013)
Segundo a mídia brasileira, o incêndio na Kiss ocasionou a morte de 242 pessoas. O fogo e a fumaça se alastraram pelo ambiente de forma muito rápida. De acordo com os relatórios divulgados após a tragédia, as causas fundamentais para a ocorrência do incêndio foram a realização de show com componentes pirotécnicos em associação ao uso de material
de revestimento acústico inflamável, localizado na zona do palco. Além disso, a falha no acionamento dos extintores, assim como a dificuldade de evacuação, a ausência de um sistema para drenagem de fumaça e utilização de materiais inadequados também influenciaram na propagação das chamas que tomaram o estabelecimento. Este fato chama a atenção para questões históricas e culturais do Brasil – a negligência das autoridades, a impunidade - que apontam o descaso com a segurança arquitetônica de muitos estabelecimentos noturnos. Após o caso da Boate Kiss e sua intensa repercursão, a segurança passou a ser revista em muitas boates brasileiras, inclusive no Distrito Federal, pois o acidente serviu de alerta para boa parcela da comunidade, principalmente aquela que frequenta danceterias. Vários estabelecimentos foram fechados por não atender a regulamentação básica e outros passaram por reformas para, ao menos, eliminar as deficiências mais preocupantes. A falta de legislação federal específica para o funcionamento de Casas Noturnas não constitui, entretando, um impedimento para uma implementação correta de condicionantes de segurança dentro destes locais - relacionadas, principalmente, a sua arquitetura. Posteriormente, será tratado nesta pesquisa como esses condicionantes podem atuar de forma efetiva quando associados a um bom projeto.
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