NÂş1
perspectivas contemporânea em arquitetura e urbanismo
dezembro de 2019
entrevista completa com a arquiteta e urbanista
SIMONE MENDES
A Revista Contemporânea é uma publicação feita por alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estácio na cidade de Fortaleza – Ceará, campus Centro. Produzida para a disciplina de Perspectivas Contemporânea em Arquitetura e Urbanismo, ministrada pela Professor Anastacio Braga Nogueira
Editorial A Revista Contemporânea foi feita para apresentar a entrevista com a Arquiteta e Urbanista Simone Mendes, que contou pra gente um pouco sobre sua vida pessoal e também sobre sua carreira de sucesso, vamos conhecer um pouco mais sobre essa profissional que encontrou na Arquitetura e Urbanismo sua verdadeira paixão. Equipe.
Cidade: Fortaleza Campus: Centro Curso: Arquitetura e Urbanismo Coordenadora: Aline Cancela Professor: Anastacio Braga Nogueira Disciplina: Perspectivas Contemporânea em Arquitetura e Urbanismo Equipe: Aryane Mota Izabely Lopes Karla de Aquino Projeto gráfico e diagramação: Karla de Aquino Fotos: Créditos nas respectivas páginas, ao longo da edição.
ENTREVISTA - CAPA
“...quando eu acordo domingo de manhã, eu acordo muito cedo, tomo meu café, meu banho, e eu não vou à praia. Eu sento no meu escritório e vou fazer qualquer coisa relativa às disciplinas. Eu vou pesquisar, eu vou estudar, eu vou escrever, desenvolver algum trabalho. Toda vez faço coisas diferentes, e isso me dá vitalidade.”
Entrevista com
Simone Mendes O acaso aproximou Simone Mendes da área
eu acordo muito cedo, tomo meu café, meu
da arquitetura. Quando mais nova, resolveu
banho, e eu não vou à praia. Eu sento no
acompanhar uma amiga na inscrição na
meu escritório e vou fazer qualquer coisa
Escola Técnica - hoje IFCe - e se encantou
relativa às disciplinas. Eu vou pesquisar, eu
com as instalações do local. Lá mesmo,
vou estudar, eu vou escrever, desenvolver
decidiu também participar do processo
algum
seletivo
diferentes, e isso me dá vitalidade.”
e,
alinhando
seu
gosto
por
desenhos, o curso escolhido foi o de edificações. Começava então a trajetória que a levaria a posição que, hoje, ela ocupa com
enorme
prazer,
a
de
professora
Simone. “...quando eu acordo domingo de manhã,
trabalho.
Toda
vez
faço
coisas
Vamos conhecer um pouco mais dessa professora que descobriu um grande prazer em ensinar e encara a profissão como uma oportunidade conhecimentos.
de Confira
compartilhar a
completa nas próximas paginas:
03
entrevista
ENTREVISTA - CAPA
ESSA METAMORFOSE DE VÁRIOS PROCESSOS QUE EU PASSEI NA VIDA PROFISSIONAL Simone e a amiga Regina. Arquivo pessoal.
CULMINARAM NO
Entrevistadora: A sua infância foi aqui em
AUTOCONHECIMENTO.
Fortaleza. Em algum bairro especifico? Simone Mendes: Eu morava na Padre Valdevino, onde hoje é a Polilustres, uma
Entrevistadora: Então, primeiro Simone,
casa de polimento, de lustre, de adobes, de
gostaria que você falasse sobre a sua família,
bronze, faz banho de ouro, pertinho da
memórias de infância e juventude.
Barão de Studart. Saindo de lá, eu fui morar
Simone Mendes:
Minha
família,
meus
parentes não são daqui, são da Paraíba. Meus pais se separaram quando eu tinha uns onze anos, aí a família diminuiu mais ainda né. Ficou só eu, minha mãe e minha irmã de um lado, meu pai casou novamente e teve mais dois filhos. Mas foi tranquilo, minha infância foi aqui. Eu também não sou daqui, sou paraibana, mas eu cheguei aqui em Fortaleza com uns seis anos de idade
perto da Pontes Vieira, foi o período mais ou menos que eu estava adolescente e fui estudar na escola técnica. Engraçado é que eu fazia a oitava série e tinha uma amiga que tinha um irmão que estudava na escola técnica, e os pais dela queriam que ela fosse também para lá. Ela me convidou para fazer companhia, eu fui, quando cheguei lá achei tão legal as instalações, o prédio muito bacana, diferente do colégio pequeno que
04
ENTREVISTA - CAPA
eu estudava. Aí eu disse: vou fazer também!
eu tomei ali dentro fez com que eu fosse
Escolhi lá um curso que se afinava com
reprovada
meus
era
porque era muita liberdade com quinze
edificações, que eu gostava de desenhar.
anos. Era muito bom. Eu passei de um
Passei e minha amiga não passou. Passei a
exemplar
estudar na escola técnica, que era a coisa
recuperação para aluna que reprovou três
mais próxima do paraíso que eu conhecia
matérias, assim de cara, logo no primeiro
naquela época. Eu vinha de um colégio
semestre, porque eu não assistia aula,
particular pequeno, onde os pais assinavam
porque
a agenda todo dia, tinha boletim e o diretor
ambiente que eu colocava meus livros em
estava lá para controlar até se você fosse ao
cima da carteira e descia. Ficava na beira da
banheiro. De repente cheguei para estudar
piscina com os amigos tocando violão,
na escola técnica e era um sistema bem
cantando,
parecido com faculdade. Não tem papai e
menos estudando. Mas foi bom que eu
mamãe para tomar conta, você pode sair da
aprendi logo de cara, que se eu não
aula a hora que quiser ninguém vai lhe
estudasse eu não passaria, igual como eu
reprimir. Aquele choque de liberdade que
estava acostumada.
interesses,
que
no
caso
logo
que
era
no
primeiro
nunca
tão
tinha
semestre,
ficado
maravilhoso
paquerando,
de
aquele
fazendo
tudo
Simone e a amiga Regina. Arquivo pessoal.
Mas
O restante do curso foi bem, digamos que
Entrevistadora:
eu aprendi da forma mais dura que eu tinha
arquitetura já surgiu aí?
que estudar realmente. O interessante é porque foi absolutamente ao acaso que eu fui parar ali, mas eu me identifiquei com o curso. Nesse curso tinha, vamos dizer, uns vinte rapazes e eu e mais duas moças. Todos os meus colegas foram fazer engenharia civil e só eu fui fazer arquitetura.
o
interesse
da
Simone Mendes: Porque na verdade no curso de edificações a gente mexe muito com construção e desenho arquitetônico, como dizia um professor lá: “Vocês estão sendo habilitados para serem desenhistas de arquitetura, não vão pensar que vocês sabem fazer arquitetura não. ” Então aquilo
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ENTREVISTA - CAPA
me instigava, eu quero fazer arquitetura, não
o vestibular três vezes, eu tinha dezenove
quero ser só desenhista. Aí fui fazer o
anos e todos os meus colegas não tinham
vestibular, como a escola técnica na época,
dezoito anos, faziam dezoito ao longo do
hoje é o IFCE, a gente não fazia o segundo
ano e praticamente 60% deles tinham
grau completo, a gente fazia apenas o
carros, mesmo sem ter dezoito anos. Eu não
primeiro semestre, tinha as matérias que
tinha carro, não era rica e já era a mais velha,
correspondiam ao primeiro ano cientifico e
então tinha uma diferença de universos.
as demais matérias do curso eram de
Tanto é que eu não fiz muitas amizades na
formação
fui
faculdade, fiz uma grande amiga que
preparada para o vestibular, que na época
depois se tornou minha sócia. Fora isso eu
não era Enem, então eu fiz vestibular três
não me identificava muito com as pessoas,
vezes para passar em arquitetura. Quando
eu
eu finalmente passei, foi uma vitória, porque
interesses socioculturais, porque apesar de
era muito difícil, só tinha o curso na UFC,
eu não ser rica eu tinha uma formação
tinha a prova de avaliação específica que era
cultural muito sólida, minha mãe e meu pai
desenho, mas, enfim consegui né. Na época
liam muito e aí eu tinha o hábito de ler,
o curso era altamente elitizado, em virtude
meu vocabulário era diferente, já era um
da dificuldade em passar, quem passava
vocabulário mais elaborado, eu tinha o bom
eram
escola
domínio da escrita, tinha uma cultura geral
particular. Eu vinha da escola pública, da
mais sólida que meus colegas que ainda
escola técnica e realmente foi muito difícil
eram adolescentes. Eu vinha da escola
passar e as pessoas que passavam eram de
técnica e boa parte das disciplinas eu já
um cacho privilegiado, tanto que na minha
sabia, já sabia fazer instalações hidro
primeira turma tinha uns vinte alunos, dos
sanitárias,
vinte eu era a mais velha, porque tinha feito
arquitetônico.
técnica.
pessoas
que
Então
eu
vinham
não
de
Simone e a amiga Regina. Arquivo pessoal.
06
via
uma
diferença
topografia,
cultural
e
de
desenho
ENTREVISTA - CAPA
Entrevistadora: Como foi esse período na
limpo. Mas, eu não estagiei em escritório de
UFC?
arquitetura, então tudo que eu aprendi foi
Simone Mendes: Poderia ter sido melhor se
apanhando muito na prática, na vida real.
eu não fosse uma pessoa tão tímida, eu sou
Entrevistadora: Trabalhar com publicidade,
muito tímida e eu era muito mais quando
foi uma das atividades paralelas, ou a única?
era
Teve outras atividades que não tinha a ver
adolescente.
Essas
diferenças
socioculturais realmente me faziam ficar isolada, então eu poderia ter aproveitado melhor se eu tivesse me entrosado com as pessoas, porque assim, apesar de existir essa diferença, eu acho que a barreira está mais dentro da gente. Entrevistadora:
Quando
com a arquitetura? Simone
Mendes:
Não,
eu
dava
aula
particular durante todo o período da faculdade para me manter, mas, de estágio mesmo considerado foi na agência de publicidade, quando eu entrei ali, eu não
já
estava
na
queria
saber
nada
de
escritório
de
faculdade, já iniciou estágio na área, porque
arquitetura,
já tinha essa experiência?
universo e só saí de lá porque a agência
Simone Mendes: Durante a época da faculdade eu fui em busca de estágio, mas apareceu uma oportunidade de estagiar em uma agência de publicidade, aí eu fui estagiar na AJU, ela funcionava no Planalto Center, onde hoje funciona a PGM, na Santos Dumont. Lá eu me encantei com aquele universo, mexia muito com desenho,
passou
por
me
um
encantei
período
com
aquele
muito
difícil
financeiramente, eles dispensaram muita gente, inclusive eu que era estagiária. Fiquei muito chateada com aquilo, porque eu era muito novinha eu não sabia diferenciar ainda o pessoal do profissional, encarei aquilo quase como uma ofensa pessoal, porque eu fazia um bom trabalho.
com arte a questão de acabamento, então
Entrevistadora: O clima em agência é bem
tive uma experiência bastante privilegiada
diferente, eu nunca trabalhei em escritório
nesse ponto, de trabalhar com artes gráficas
de
e não estagiei em escritório de arquitetura.
publicidade sim. É totalmente diferente do
Isso foi horrível para mim por um lado,
que você entende por emprego, porque é
porque quando eu terminei a faculdade eu
muito mais livre.
não tinha experiência prática, eu já tinha experiência de desenho, porque vinha da escola técnica e eu fazia trabalhos assim para os colegas que estavam se formando, eles desenvolviam o projeto e eu passava a
arquitetura,
mas,
em
agência
de
Simone Mendes: Tinha pessoas muito talentosas, eu admirava muito, artistas, gente que trabalhava com layout, escritores, acho que eu só não mudei de curso porque não tinha curso de marketing nem de
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ENTREVISTA - CAPA
publicidade naquela época. O que eu fiquei
imaginou como isso vai se sustentar? Qual é
fascinada na época foi a publicidade, mas,
a estrutura que a gente vai usar aqui? ” Era
foi bom porque não me desviei do caminho.
um casamento perfeito, porque eu era a
Aprendi muito.
criadora e ela era a racional, outra coisa que
Entrevistadora:
Com
a
formação
na
faculdade veio a vida profissional em si. Já
Simone Mendes: Já, mais ou menos um ano antes de me formar comecei a perceber que minha vida ia mudar e comecei a me angustiar com o fato de achar que ia cair no mercado de trabalho e não sabia fazer nada, na minha cabeça era pouco o que a faculdade estava me dando, aí eu comecei a me angustiar e entrar em parafuso. Meu pai e minha mãe viram isso. Ele tinha um escritório de representação e resolveu me oferecer uma sala para eu montar o meu escritório, mal sabia ele o que significava montar um escritório de arquitetura, eu também não fazia ideia. A única amiga que eu tinha feito na faculdade de arquitetura que era a Regina, então propus de a gente trabalhar juntas e ela encarou de forma muito otimista, me deu muita força. É minha amiga até hoje, a gente não é mais sócia, porque não temos mais o escritório, mas, a amizade ficou para a vida. A Regina é pessoa
extremamente
objetiva,
enquanto eu sempre fui uma avoada total, então assim eu sempre fui a parte da criação do escritório e ela era pé no chão. Eu começava
a
fazer
uma relação muito objetiva com o dinheiro e
iniciou logo na área?
uma
a Regina me ajudou muito é que ela tinha
umas
coisas
bem
fantasiosas, ela olhava para mim e dizia: “Mas, isso aí vai ficar em pé como? Você já
eu
nunca
tive,
eu
sempre
fui
desorganizada com dinheiro, não sei se é mal de aquariano? (Risos). Mas assim, eu ganhava o dinheiro do meu estágio, o que eu dava aula e ia gastar do jeito que dava. Comprava o que dava, eu não fazia planos. Já Regina era extremamente racional com dinheiro, então quando a gente ia ter esse contato com o cliente, ela que determinava quanto
seria
cobrado,
quais
eram
os
critérios que íamos seguir. Eu morria de vergonha de cobrar e ela me forçava a não desistir de cobrar. Em uma determinada ocasião
logo
no
começo
dos
nossos
trabalhos, fomos num sitio para fazer a área de deck, churrasqueira, da piscina. Fizemos as medidas, mas por inexperiência não cobramos o valor antes, fomos só fazendo. Na hora de cobrar, apresentamos a conta para cliente, e ela olhou pra Regina e disse: “Nunca pensei que você fosse cobrar de mim, eu sou sua amiga, como é que você cobra de mim? “ A Regina com toda sua maestria disse: “Eu cobro até da minha mãe, pois isso aqui é nosso trabalho e vivemos disso. Já fizemos nosso trabalho, você agora vai ter que pagar. Mas isso foi bom pois eu aprendi com a Regina a dar valor ao dinheiro, ao meu trabalho, a
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ENTREVISTA - CAPA
mensurar o meu trabalho, pois ela muito sensata sempre valorizou. Nos infelizmente não trabalhamos mais juntas, mais a amizade permanece, e é preciosa.
inicialmente no setor de normatização, só esclarecendo duvidas nas leis, depois eu fui trabalhar
em
negócios
urbanos
e
finalmente eu fiz parte da equipe técnica.
Entrevistadora: E foi nesse escritório que
Lá eu participei de equipes que falavam do
você começou a trabalhar com urbanismo?
código da cidade, equipe técnica que
Simone Mendes: Não, a minha sociedade
escreveu varias leis, então eu tive varias
com a Regina durou alguns anos, e em
experiências, todas relacionadas as franjas
decorrência
da atividade do urbanismo, por isso que
da
minha
falta
de
amadurecimento, pegamos uma briga por
considero
coisas pequenas, e eu simplesmente disse a
diferenciada, porque eu passei por várias
ela: então acabou a sociedade, e ela fez
coisas para chegar lá. É como se eu tivesse
isso. E nos acabamos a sociedade, a
me preparado em vários cargos, em vários
amizade, tipo separação litigiosa sabe, e
setores de uma empresa.
isso me deixou arrasada, porque eu e ela
Entrevistadora: Aí que o urbanismo entrou
nos formamos juntas, tínhamos a mesma
na sua vida de vez?
experiência profissional, ela sendo segura e eu não. Surgiu uma oportunidade de trabalhar na prefeitura, então fiquei lá e no meu escritório, e através do contato que eu tive nesse novo trabalho, passei a pegar alguns trabalhos de urbanismo. E assim
que
tenho
experiência
Simone Mendes: É, o urbanismo como teoria e como prática, e prática legislativa também, porque até então eu tinha feito projetos urbanos, mais não tinha lidado com legislação. Entrevistadora: Foi daí que veio a vontade
começou meu interesse por urbanismo, na época da faculdade eu odiava essa área, fiz
de ensinar?
várias cadeiras, mesmo não gostando eu
Simone Mendes: Foi, porque na SEUMA me
aprendi os conceitos e tirava boas notas.
dei muito bem com os estagiários, então
Mas, como surgiu a oportunidade de fazer
sempre que chegavam estagiários novos,
alguns projetos urbanísticos, como praça,
meu chefe sabendo disso, encaminhava
resolvi fazer mesmo não gostando tanto.
para mim, para eu tirar as dúvidas, treinar,
Depois
ensinar aquela pessoa, e com o passar do
chegaram
alguns
projetos
de
loteamento para fazer que eu gostei muito,
tempo
a gente aplicava todos os conceitos de
encaminhavam seus funcionários novos
planejamento urbano, fui me interessando
para eu treinar, porque eles diziam: “ Vai lá
e tendo afinidade com essa área. Eu
que a Simone tem paciência para te
comecei a trabalhar na SEUMA,
explicar.” Então eu chegava a explicar coisas
09
todos
os
setores
da
SEUMA
ENTREVISTA - CAPA
para os funcionários novos que não tinha
Porque eu já ouvi outros professores
nada a ver com meu trabalho, mais que eu
falarem da sua metodologia de ensino.
já havia passado e sabia como resolver. Assim passei a ser referencia na secretaria porque todo mundo passava por mim. Começou
o
pessoal
da
SEINF
ser
encaminhado também para eu preparar, e eu comecei a perceber que as pessoas entendiam o que eu dizia, e disse que poderia ser interessante uma carreira de professora. E eu fui fazer o mestrado, e antes de
terminar
o
mestrado
eu
consegui
trabalhos na ATENEU, FAMETRO e ESTÁCIO mesmo sem ter experiência nenhuma como professora. Desde o primeiro dia de aula eu percebi que era aquilo mesmo que eu queria fazer, e comecei a desenvolver técnicas diferentes que ninguém fazia, porque eu gosto de acompanhar, sou uma pessoa organizada, metódica, então tudo meu é assim, muito preparado, estudado.
Simone Mendes: Pois é, eu fico me perguntando o que posso fazer diferente, pesquiso, me referencio por semestres anteriores, não repetindo os locais de projetos. Então fico pensando o que posso fazer diferente, que motive, que traga dinamicidade
sabe?
Eu
gosto
dessa
proximidade com aluno, de conhecer pelo nome, eu acho muito ruim no primeiro dia de aula que eu olho todo mundo e não sei o nome de ninguém sabe? Eu acho péssimo, me sinto perdida, então eu faço questão de me aproximar. E tem muito professor que diz assim: ” Você dá seu telefone
pro
aluno?
Ele
vai
ficar
te
perturbando. “ Eu digo que não tem problema, que eu gosto, eu faço questão, tem aluno que liga pra mim domingo, sábado, de madrugada. Teve aluno que
Entrevistadora: E é uma referência já.
passou áudio para mim de madrugada,
Capacitação da equipe de revisão do Plano Diretor 2015. Fonte: arquivo pessoal.
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ENTREVISTA - CAPA
lógico que eu não vou responder de
Entrevistadora:
madrugada, mais quando eu acordo 5h da
reencontro com a arquitetura?
manhã eu respondo, aí ele diz: ”Professora a senhora madruga? (Risos). Então é a minha vida. Se tornou a coisa mais importante para mim, hoje. Fechei meu escritório só para dar aula.
Então
foi
um
novo
Simone Mendes: Foi. É impressionante que eu deveria ter feito isso a mais tempo, mas a vida encaminha a gente, e se não fizermos planos ela vai levando a gente. E eu nunca fiz planos, um grande erro. A minha mãe é
Equipe técnica da regulamentação da LUOS Fortaleza. Fonte: arquivo pessoal.
administradora de emprego, e ela dizia:
muito cedo, tomo meu café, banho, e eu
“Minha filha você tem que se planejar.” Eu
não vou para praia, eu sento no meu
sempre
e
escritório e vou fazer qualquer coisa relativa
pensava: deixa a vida me levar. Mas hoje,
as disciplinas, eu vou pesquisar, estudar,
olhando para trás, eu percebo que eu
escrever, desenvolver algum trabalho. Toda
deveria ter feito esses planos muito antes
vez faço coisas diferentes e isso me dá
porque eu teria mais felicidade, mais paz,
vitalidade. Lá em casa o pessoal já sabe, não
mais qualidade de vida. Porque hoje eu
adianta, a minha cachaça está ali no
continuo trabalhando tanto quanto eu
computador. Essa troca de energia com o
trabalhava no meu escritório. Trabalho
aluno que é muito boa. Sempre trabalhei
sábado, domingo, feriado, carnaval, semana
muito e nunca parei pra pensar, eu descobri
santa, mais eu trabalho com prazer, eu
que eu tenho valor, não é que eu não
trabalho porque gosto. Então quando eu
achasse que eu não tivesse, mais eu tenho
acordo domingo de manhã, eu acordo
mais do que eu pensava, porque eu sei
achei
uma
grande
besteira
11
ENTREVISTA - CAPA
Turma do mestrado na UFC. Fonte: arquivo pessoal.
muito e eu tenho interesse em partilhar, e
nada. E eu comecei a estudar e vi que já
quando
sabia
apareceu
a
oportunidade
de
do
assunto,
e
quanto
mais
eu
ensinar planejamento urbano eu fui me
estudava eu via que mais sabia e isso eu
preparar para ser professora de teoria e
posso ensinar porque eu tenho domínio,
história, pois o meu mestrado é nessa área,
então eu tive que me forçar a ver uma coisa
e quando me ofereceram a disciplina de
que eu já deveria ter visto a muito tempo,
planejamento urbano eu disse: QUERO! E
que eu tenho valor e que tenho muito
por dentro eu fiquei: Meu Deus, eu vou ter
conhecimento e que precisa ser dividido.
que estudar muito porque eu não sei de
12
ENTREVISTA - CAPA
Entrevistadora: Isso é bom, é um prazer
hoje é estudar. É o que gosto de fazer hoje
enorme ter recebido esse conhecimento.
em termo de arquitetura, é conhecer, é
Então acho que a docência trouxe esse
escrever, é ler, é quase como se fosse uma
reconhecimento
coleção de conhecimento sabe? E quanto
profissional,
essa
maturidade com a arquitetura né?
mais eu leio pior fica, porque aí eu fico
Simone Mendes: É, porque antes eu só trabalhava e não tinha tempo de pensar, agora eu trabalho e penso, e reflito, e isso foi muito
bom
para
mim,
do
valor
de
angustiada porque eu sei pouco sobre aquele assunto, aí fico querendo aprofundar mais. Eu acho que hoje se eu tiver oportunidade ainda de fazer os mesmos projetos que eu já fiz pro escritório, a minha
reconhecimento, da gente se valorizar. Entrevistadora: Há inspiração em outros arquitetos, urbanistas?
qualidade
projetual
é
muito
superior,
porque esse conhecimento teórico que a gente adquire, ele ajuda muito na parte
Simone Mendes: Olha é impressionante,
projetual, então acho que hoje eu seria uma
depois que eu passei a estudar história né,
arquiteta de melhor qualidade técnica.
urbanismo, eu desenvolvi uma paixonite enorme pelo Frank Lloyd Wright, mais eu passei a ter uma admiração enorme por ele, e quanto mais eu estudo mais me dá uma frustação enorme, porque quanto mais a gente sabe, mais a gente percebe que sabe pouco, então eu fico com aquela sede, aquele desespero de conhecer, de ler, de ler, de ler... E aprender, então cada aula que eu dou sobre alguma coisa, eu admiro fulano, beltrano, mas o Frank ainda é campeão e
Entrevistadora: Tem algum projeto seu que merece destaque? Simone Mendes: Eu fiz projetos para alguns sindicatos aqui de fortaleza, e o maior dos projetos que ainda hoje está em construção, e que ainda não foi terminado por conta dos problemas nos sindicatos, mas eu fiz um projeto para o sindicato dos comerciários de fortaleza e a sede cultural recreativa de treinamento deles na beira da lagoa do Tabapuá. É um complexo que tem piscina
está na minha cabeça. Entrevistadora: Algo a acrescentar de como é a arquitetura e a vida pessoal hoje?
semiolímpica,
restaurantes,
ginásios
esportivos, tem um pequeno centro de treinamento com auditório e tem também
Simone Mendes: A arquitetura para mim
um prédio de alojamento porque uma das
hoje, é tão integrada, é a minha vida, muito
coisas que eles fazem é ceder para os
mais hoje do que quando eu projetava. Eu
associados se hospedarem lá. É uma obra
não digo que eu enterrei essa parte minha
bonita, mais não está terminada ainda. E
de arquiteta que faz projeto, não é isso,
tem outra também que eu gosto muito, que
porque eu ainda faço. Mas o que eu curto
é uma capelinha bem pequena, dentro da
13
ENTREVISTA - CAPA
Projeto Centro de Formação e Lazer do Sindicato dos Empregados no Come’rcio de Fortaleza - Simone Mendes e Regina Bezerra.
Santana têxtil, lá em horizonte, que eu fiz
se
vários
inclui
metamorfose de vários processos que eu
requalificação dos espaços dos funcionários,
passei na vida profissional culminaram no
uma série de coisas e uma delas foi essa
autoconhecimento. Somente aí que eu pude
capela, e é curioso porque eu nunca
ter sucesso profissional, e eu busco ensinar
consegui fotografar a capela, porque ela é
que primeiro você tem que se dar valor para
no meio de um monte de arvores, um
que as pessoas possam enxergar e segundo
bosque, mais eu tenho um carinho por
se planeje com a vida, e tenha metas, que eu
aquela edificação, ficou muito bonita.
não tive. A minha vida foi um zigue-zague,
serviços
Entrevistadora:
para
E
eles,
para
que
encerrar,
Essa
fase
minha,
essa
tivesse há 30 anos atrás, a minha vida teria
alguma frase que seja um guia para vida? Simone Mendes: Não. Só dizer que eu acho
para os meus filhos, é que a gente tem que
valor.
porque eu não tive planejamento, e se eu
tem
muito importante e procuro dizer sempre
dar
um enfoque totalmente diferente. E a coisa mais importante é estabelecer metas, e persegui-las.
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ENTREVISTA - CAPA
Fotos de arquivo pessoal.
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