Edição01 | Medo
d` ZINE
Editorial De conversas, cervejas e pães de queijo, o tema para a primeira edição do fanzine nasceu e se firmou denso como uma bigorna conceitual caindo em nossas cabeças. Mas podemos dizer que a escolha do tema MEDO foi bastante providencial, já que foi sentindo isso que iniciamos a estruturar tudo necessário para dar corpo ao projeto recém-nascido. Aconteceu de modo semelhante ao que acontece quando o bicho-papão entra no quarto da criança: ou ela se esconde embaixo de lençóis que sequer disfarçam o bater dos dentes de leite, ou ela pega sua espada de papelão e sai lutando por sua vida. Optamos pela segunda opção.
Expediente
CAPA E CONTRACAPA Patrícia Jenny EDITORIAL Carol Magalhães SÍNDROME DO PÂNICO Patrícia Jenny COMIDAS QUE DÃO MEDO Carol Magalhães DESCONHECIDO Luiza Marçal O GATO PRETO Karina Parra
Síndrome do pânico Relatos retirados de entrevista feita com Marilia Campos* As crises de pânico podem surgir a qualquer momento, não preciso estar em uma situação dificil. É como se um limite fosse atingido dentro de mim. A crise de pânico é meu jeito de explodir algo que me fez mal, algo que as vezes nem sei o que é. *Marilia Campos é um nome fictício, pessoa não quis se identificar.
Normalmente de noite eu sou bem mais criativa.
Meu coração dispara, me sinto como se estivesse sufocando, zonza, Ê normal quase sempre desmaiar.
As vezes, tenho a sensação de sair do meu corpo, e talvez atÊ sentir que consigo observar a mim mesma.
Fico imaginando os desastres que podem acontecer. Com uma simples chuva e alguns trov천es, ja penso em raios caindo na rua, ela rachando, pessoas caindo e telhados sendo arrancados e voando.
Minha imaginação funciona a mil e em menos de um segundo eu montei uma história fenomenal.
Depois acontece, eu fico muito mal, me sentindo louca e me perguntando quando isso vai acabar.
comidas que dão medo
Sabores ditos inigualáveis, mas que podem matar. Dependendo do se colocar no prato, a próxima refeição poderá ser também a última. Certos alimentos ao redor do mundo são como um jogo de roleta-russa, perigosos e apreciados justamente por isso. Selecionamos alguns alimentos, todos provenientes do meio aquático, e ficamos um tanto perplexos: como pode ser tão atrativo ao homem quebrar barreiras biológicas e provar um prato que, em vez de promover a vida de quem o consome o joga mais perto da morte?
Baiacu
Próximo ao seu aparelho digestivo o peixe possui uma bolsa que armazena um veneno letal para os humanos. Se as víceras forem retiradas de maneira errada essa bolsa ser rompida, o veneno pode se espalhar por toda a carne. Em casos de contaminação os sintomas são paralisia muscular, afetamento da fala, redução da pressão arterial, convulsões, arritmias, deficiência mentar e morte dentro de 4 a 6 horas. O Baiacu, chamado de fugu nas comunidades orientais, é muito apreciado na culinária japonesa e só chefes experientes podem prepará-lo com permissão. Os melhores restaurantes - e mais caros também - deixam parte do veneno para causar efeito de amortecimento na boca de quem consome.
Sannakji
Prato coreano feito com filhote de polvo, que é cortado e temperado ainda vivo. As partes continuam se retorcendo quando o prato é servido e os tentáculos, ainda em funcionamento, podem grudar na garganta de quem o consome. É altamente recomendado mastigar bem antes de engolir para não correr o risco de sufocamento, mas os apreciadores mais fervorosos gostam de sentir o movimento da comida dentro de suas bocas e, muitas vezes, a engolem sem mastigar o suficiente.
Hakarl
O prato de odor intenso e enauseante aos desacostumados, é feito com a carne do tubarão da Groenlândia, que é extremamente venenosa. Antes do consumo ele é cortado em cubos e enterrado por um período de 6 a 12 meses e passa por diversos processos de congelamento e descongelamento garantindo seu apodrecimento antes de chegar ao prato do cidadão. Como o consumo de hakarl é associado à força e robustez, é muito comum os homens comerem grandes quantidades da carne, tradicionalmente acompanhada de aguardente. E ela já possui grandes concentrações de uma substância que causa efeitos semelhantes ao do álcool, os apreciadores tem sintomas de embriaguez profunda enquanto comem e correm risco de envenenamento se ingerirem essa substância em grandes quantidades.
o desconhecido
Quando não há experiências anteriores, o fato de termos que nos arriscar tentando novas experiências sem garantias de que vai dar certo pode parecer aterrorizador, e realmente o é. Isso porque quando temos que lidar com algo que desconhecemos existe a chance da decepção, da frustração, de fazer a escolha errada e mesmo que essas chances possam ser pequenas, só os fatos delas serem possíveis já causa um enorme desconforto. O desconhecido pode chegar em diversas situações: em relacionamentos, em escolhas como carreira, faculdade, lagar um emprego, na morte, uma mudança para outra cidade, outro país e a vinda de um filho. No entanto como crescer sem arriscar? Como crescer sem dar esse pulo no escuro? Quando os portugueses partiram com suas caravelas em busca de novas terras, eles não sabiam o que esperar, não sabiam que o planeta Terra era redondo, nem que não haviam monstros no oceano. Todavia sem essa decisão Portugal não teria condições de se tornar uma potência e descobrir enormes riquezas em terras remotas. Se pararmos para pensar, cada pequena escolha é um pouco no escuro. Não sabemos o que vai acontecer amanhã ou no próximo instante, sempre há fatos que independem de nossas decisões e alteram a nossa realidade da mesma maneira. Então o que há para ser feito para amenizar esse medo? Muitas pessoas procuram um motivo, uma causa maior para encontrar reconforto, seja na religião, na fé pura em acreditar que as coisas vão dar certo ou optam por não pensar sobre isso. Porque o desconhecido é inevitável e sua beleza é justamente essa.
Medo e extremismo Com trechos do conto “O Gato Preto” de Edgar Allan Poe.
“Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final. O vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de violentar sua própria natureza, de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me levou a continuar e, afinal, a levar a cabo o suplício que infligira ao inofensivo animal. Uma manhã, a sangue frio, meti-lhe um nó corredio em torno do pescoço e enforquei-o no galho de uma árvore. (...) Enforquei-o porque sabia que ele me amara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me voltasse contra ele. ”
Perversidade
noite, ao voltar a casa, muito embriagado, Atrocidade“Certa de uma de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, e ele, assustado ante a minha violência, me feriu a mão, levemente, com os dentes. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. Dirse-ia que, súbito, minha alma abandonara o corpo, e uma perversidade mais do que diabólica, causada pela genebra, fez vibrar todas as fibras de meu ser. Tirei do bolso um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta e, friamente, arranquei de sua órbita um dos olhos! Enrubesço, estremeço, abrasome de vergonha, ao referir-me, aqui, a essa abominável atrocidade.”
órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas Impulso “A não parecia mais sofrer qualquer dor. Passeava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à minha aproximação. Restava-me ainda o bastante de meu antigo coração para que, a princípio, sofresse com aquela evidente aversão por parte de um animal que, antes, me amara tanto. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então, como para perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano - uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las?” “Mal o eco das batidas mergulhou no silêncio, uma voz me respondeu do fundo da tumba, primeiro com um choro entrecortado e abafado, como os soluços de uma criança; depois, de repente, com um grito prolongado, estridente, contínuo, completamente anormal e inumano. Um uivo, um grito agudo, metade de horror, metade de triunfo, como somente poderia ter surgido do inferno, da garganta dos condenados, em sua agonia, e dosdemônios exultantes com a sua condenação.”
Resposta
Assombro “No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes, com exceção de
uma apenas, tinham desmoronado. Essa única exceção era constituída por um fino tabique interior, situado no meio da casa, junto ao qual se achava a cabeceira de minha cama. O reboco havia, aí, em grande parte, resistido à ação do fogo - coisa que atribuí ao fato de ter sido ele construído recentemente. Densa multidão se reunira em torno dessa parede, e muitas pessoas examinavam, com particular atenção e minuciosidade, uma parte dela, As palavras “estranho!”, “singular!”, bem como outras expressões semelhantes, despertaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma corda em tomo do pescoço do animal. Logo que vi tal aparição - pois não poderia considerar aquilo como sendo outra coisa - , o assombro e terror que se me apoderaram foram extremos.”
Descrição dos projetos Comidas que dão medo Caroline Magalhães Apresenta três pratos típicos de certas regiões que têm como atrativo o risco de morte ao serem ingeridos. O desafio ficou na hora de se estabelecer a tradução visual entre as comidas e o impresso, sempre levando em conta a utilização de uma técnica diferente. A exploração visual culminou na utilização da técnica da aquarela, através do gancho estabelecido entre a viscosidade e a origem marinha de todos os ingredientes e a tradução destes elementos por meio de “splashs” de cores vibrantes e diagramação mais espaçada - também se relacionando com a origem marinha. Esse tipo de estabelecimento e tradução visual de significados nunca foi explorado em nenhuma disciplina do curso, apesar de ser bastante cobrado como competência primordial para um bom designer gráfico, já que é justamente a natureza do trabalho executado pela profissão. Como optou-se por uma técnica manual aliada a digital, a primeira etapa consistiu na fabricação e digitalização dos splashs, feitos à mão com aquarela. A segunda etapa foi o tratamento das imagens geradas de modo que permitissem a diagramação posterior.
Medo e extremismo - Karina Parra A matéria foi baseada no conto “O Gato Preto” de Edgar Allan Poe. As ilustrações feitas em giz pastel seco preto sobre papel, e posteriormente fotografadas. A técnica de recorte também foi utilizada, para simular o efeito do olho arrancado do gato pelo personagem. A escolha do giz pastel seco se deu pois a primeira ideia de ilustração envolvia a cena da parede queimada no incêndio que ficou com a imagem do gato, cena esta que marcou o conto, incluindo o sobrenatural na história. O pastel seco permitiu dar a textura de parede queimada no papel, e o desenho borrado do gato na parede também foi possível com essa técnica. A partir disso, as outras ilustrações fora elaboradas com a mesma técnica para manter a unidade gráfica. Foram também utilizadas letras em stencil para compor o nome do conto.
O desconhecido - Luiza Marçal Quando estávamos conversando sobre o tema escolhido “medo” elencamos alguns desdobramentos e um desses foi o medo do desconhecido por ser universal. Assim surgiu a matéria “o desconhecido”. Quando pensei no desconhecido pensei na escuridão já que a luz é normalmente usada com o conhecimento e por contradição a escuridão é o desconhecido. Para dar um efeito de medo, foram usados pregos espetados no papel pluma. As fotos inicialmente eram para ser em preto e branco, utilizando sombras, no entanto as fotos não passaram o que eu queria o prego ficou muito aparente e muito claro. Fiz outro teste com a luz apagada com a televisão ao fundo, o que deu o efeito das cores atrás. Como o desconhecido tem aspectos positivos, há fotos também sem os pregos.
Sindrome do pânico - Patricia Jenny Fiz uma entrevista informal com uma amiga que tem a síndrome para que ela pudesse me explicar melhor o que sente e pensa nos momentos em que sofre com a síndrome do pânico e de crise de pânico. A partir das informações da entrevista, resolvi explorar a técnica do light stencil, algo que sempre tive vontade de experimentar, porém nunca havia parado um tempo para me dedicar. A garota na foto e os objetos ao seu redor representam a realidade, enquanto os desenhos luminosos representam a imaginação. Comecei pelos desenhos vetoriais no Illustrator, procurando não fazê-los de modo muito figurativo mas deixando que as linhas que os compõe indicassem volume. Então, para que não fosse necessário cortar um papel opaco como em um stencil comum e para conseguir um nível maior de detalhamento, imprimi os desenhos em papel vegetal. O primeiro teste de impressão não teve sucesso pois imprimi em preto e branco, 100% de preto que deixou transparente a parte escura da impressão, que deveria ficar opaca. Conversei com o Tiago de nossa turma e ele me explicou que eu deveria calçar o preto com ciano pois, pela origem das tintas, o preto não conseguiria sozinho deixar de ser transparente. O próximo passo foi procurar tutoriais que explicassem melhor sobre o funcionamento do light stencil. Para a montagem, devemos encapar todo o interior da caixa com papel alumínio, abrir uma das faces no tamanho dos desenhos e fazer um orifício para que o flash portátil seja colocado e então, quando acionado, reflita em todas as paredes da caixa e proporcione uma luz homogênea ao desenho. Por fim, fizemos o ensaio fotográfico utilizando alta exposição da câmera fotográfica, a caixa montada com o flash e os desenhos posicionados e uma lanterna para a iluminação da Luiza Marçal, que foi fotografada.