Super interessante de novembro

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SUJEIRA TEM LIMITE

Edição 395 novembro 2018

A Anvisa define níveis de tolerância para “matérias estranhas” em alimentos e bebidas P. 19

Diga-me o que comes e te direi quem és

Diga-me o que comes e te direi quem és Descubra o que rola na culinária brasileira e no mundo. Nesta edição, mostramos como, há séculos, a alimentação humana sofre influência da cultura e dos costumes locais. Será que isto pode ser modificado?

1-Como uma simples refeição 2- Formas de criação de insetos 3- Os métodos de criação e valores pode se tornar uma experiência didática. P.10

pode ser facilmente aplicada no dia a dia das comunidades brasileiras. P.13

nutricionais de insetos variam de acordo com cada espécie. P.19


PRIMEIRA PÁGINA A OS LEITORES DA SUPER Você já ouviu falar em antropoentomofagia?

Esse é um tema que vem se expandido, gerando muita polêmica e curiosidade em razão de sua peculiaridade. Desperta várias dúvidas e muitos acreditam que se trata de um assunto exótico, devido aos nossos hábitos culturais. Antropoentomofagia é nome dado ao consumo de insetos por seres humanos. E aí, vai encarar? Pode não parecer, mas a prática já está presente em algumas regiões do Brasil de forma tradicional ou experimental. Embora seja pouco conhecido pela população, em razão da falta de hábito e predominância de preconceito cultural, vale enfatizar que há registros históricos datados desde a pré-história, quando a dieta com essas espécies já desempenhava papel significativo. Diante da perspectiva focalizada no âmbito cultural, a intenção proposta nesta edição é apresentar um novo olhar em virtude do seu aspecto, inserção e aos benefícios que a prática promove. Os insetos podem ser uma alternativa sustentável e ecologicamente correta, pois são recursos consideráveis e disponíveis na natureza. A Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que a antropoentomofagia é capaz de suprir a desnutrição global devido ao alto teor de proteína e seu cultivo fácil, sendo alternativa de alimento e renda para muitas comunidades. Segundo dados da edição de 2017 do Relatório Global sobre Crises Alimentares, apoiada pela ONU, a crise atinge 51 países do mundo, afetando 124 milhões de pessoas, Novembro 2018 | SUPER 2

a maioria localizada na região da África e no Oriente Médio. No Brasil, a fome é realidade para milhares de pessoas e obter o alimento adequado todos os dias é uma utopia distante. Mesmo com os avanços sociais e tecnológicos, o país ainda vive em crise desde 2014, com cerca de 12,7 milhões de brasileiros desempregados, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Considerando os atuais problemas, é provável que este cenário não possua melhoras caso o desenvolvimento global permaneça com os atuais paradigmas, já que segundo dados publicados no ano de 2017 pela ONU, em 2050, estima-se que a população mundial deva atingir aproximadamente 9 bilhões de pessoas. Já a previsões de escassez de terras agrícolas, recursos hídricos, florestais, pesqueiros e de biodiversidade, sendo assim, é necessário explorar outras fontes alimentícias, incluindo – por que não? - consumir insetos, pois são ricos em nutrientes, fonte de cálcio, zinco, ferro, vitaminas e proteínas. O propósito desta edição da Super, portanto, tem como objetivo instruir de forma acessível e educativa, apresentando a importância de recursos disponíveis de forma abundante na natureza. Usufruir desta dieta, de forma a estabelecer a inclusão de insetos na alimentação humana e animal, é uma perspectiva futura visando a segurança alimentar e ambiental. E podemos dizer que, talvez, seja uma opção bem mais próxima de se tornar realidade do que imaginamos a princípio.

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Cardápio Pg. 6

Explore Seu Paladar

Pg. 10 Não considere nenhuma prática como imutável.

Pg. 11 Infográfico “ paises e seus insetos.

Pg.15 A Grande vantagem da inserção da Antropoentomofagia

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Capa Evandro Fernandes (illustração)


Pg.15 Para regularizar, é um passo de cada vez...

Pg.19

Primeiro o estomago depos a moral

Pg.17 Sujeira Tem Limite

Pg.20

Saindo da bolha

illustração: Keila Lima

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Cultura

UMA IMAGEM...



Cultura Na página anterior: tenébrio molitor,conhecido como besuro da farinha em sua fase de larva.

Explore Seu

Paladar

É

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Como a alimentação considerada exótica, torna-se uma ação sustentável e benéfica para a saúde humana.

PO R Le tic ia Wols k i

É muito comum acreditar que, além de boas recomendações, um local arejado e de boa aparência pode nos proporcionar a qualidade alimentar desejada. Agora, imagine alguém entrando em um estabelecimento que atende a esses critérios. Ele observa e encontra a mesa bem-posta, talheres e pratos de cerâmica brancos, com detalhes pintados em azul que embelezam a mesa. Todos simetricamente alinhados em formas harmônicas. Ao sentar, se depara com o menu “Salada sortida de soja e tenébrios + Bolo simples com assimilis”. O nome desperta curiosidade e ele decide fazer o pedido, afinal, pretende sair da rotina e arriscar algo novo. Enquanto o pedido não chega, se encanta com beleza e o charme que o ambiente proporciona, tudo bem iluminado e agradável aos olhos. Al-


guns minutos se passaram e finalmente o prato está sobre a mesa. Aparentemente, nada estranho. Ao degustar, sente a variedade de sabores e textura a cada garfada levada à boca. Embora o prato esteja saboroso, não há nada que difere do paladar habitual, mas ao notar com devida atenção, se depara com pequenas larvas. É isso mesmo? Bom, é isso mesmo. E não, ele não escolheu o pior lugar para comer. Esta é uma realidade comum em estabelecimentos de diversos locais ao redor do mundo. A larva servida no prato refere-se a uma das fases mais nutritivas do besouro do gênero Tenébrio, cujo nome científico é Tenebrio molitor. O assimilis, nome científico do grilo preto, usado na confecção da massa do bolo é triturado junto a ingredientes já conhecidos. Estes são alguns dos insetos mais comuns no cardápio de cerca de 2 bilhões de pessoas ao redor do mundo. Utilizados também como ingredientes por chefs

Foto: Leticia Wolski

na gastronomia ou como farelo na produção de ração para determinadas espécies animais. Se depender de José Carlos Casé de Oliveira, fundador da Associação Brasileira dos Criadores de Insetos (ASBRACI), biólogo com especialização em antropoentomofagia e bug chef (ou cozinheiro de insetos), a alimentação com insetos será comum em todo o território brasileiro. “A melhor forma de introduzir os insetos no mercado brasileiro é através de alimentos como barras de proteínas para atletas, pois o mercado de academias é o que mais precisa.” Existem aproximadamente 33 biofábricas com padrão estabelecido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao redor do país. Algumas são destinadas ao público esportivo, como é o caso da Hakkuna, que surgiu com o intuito de oferecer novas opções de alimentos proteicos para atletas. Contudo, empresas como Nutrinsecta, uma das mais conhecidas do ramo, elaboram produtos indicados ao mercado de pets, aves e humanos. Para Ana Paula Gelezoglo, gastróloga, técnica em nutrição e segurança de tecnologia em alimentos, um

modo de inserir de forma concebível os insetos na rotina dos brasileiros seria por meio das indústrias alimentícias através de massas para bolo, biscoito e misturas derivadas. A colaboração com outros pesquisadores da área tornou possível o desenvolvimento de um bolo de chocolate confeccionado a partir da farinha da larva do tenébrio. “Não é indicado utilizar somente a farinha de inseto. Devido ao gosto forte e residual, um tanto metálico, é necessário equilibrar com a farinha de trigo branca, uma vez que não é para ressaltar a farinha do inseto e sim incrementar com minerais, vitaminas, proteínas e nutrientes”. Gelezoglo completa importância da conscientização do uso e exemplifica que principal fator que gera repugnância é o psicológico e emocional, podendo ser vencido promovendo novas experiências.


Cultura

Não considere nenhuma prática como imutável Embora seja possível introduzir em alimentos habituais, uma das propostas do Chef Rossano Linassi é mostrar o inseto propriamente dito, como uma forma de valorizar a prática entomofágica. Linassi teve sua primeira experiência ainda na infância, quando era escoteiro. Afirma que devido ao contexto foi uma experiência natural. “O gostoso ou o comestível, ao meu ver ocorre a partir de diversos fatores podendo citar alguns como os históricos, geográficos ou socioculturais, entre outros. O que é aceitável para alguns não é para outros. E tudo depende das referências e costumes, como por exemplo: O consumo de ostras, muito aceito no litoral, mas repulsivo no interior do estado. A língua de gado, saborosíssima para alguns e proibida ou nojenta para outros.”. A alimentação humana expressa representações e imaginários de uma pessoa ou grupo, de forma que identifique o sujeito ao ambiente em que está inserido. O ato da alimentação vai além do fator biológico, sendo capaz de identificar a “cozinha” de cada região, desNovembro 2018 | SUPER 8

de sua escolha, modo de produzir o alimento, até a finalização do prato. A cultura alimentar do Brasil é uma das mais diversificadas, resultado de influências indígenas, portuguesas e africanas, que estão expressas na história da culinária brasileira. Entretanto, há inúmeras culturas inseridas através dos imigrantes italianos, espanhóis, alemães, árabes, dentre outros. Que desempenharam um papel significativo na construção desta multiculturalidade. Não há dúvidas que com toda essa variedade, o preconceito seja eminente. A falta de informação e correlação de que determinada comida possa ser inapropriada, uma vez que o paladar é construído socialmente, dificulta a disseminação de outros alimentos, pois, depende da referência e do costume. “A verdade é que insetos são repletos de estigmas. Historicamente era comida regular de tribos, populações ribeirinhas e outros povos primitivos, sendo umas das principais fontes de proteínas na alimentação humana. Com a sedentarização e a criação de animais, foram sendo pouco a pouco

deixados de lado, começaram a ser relegados a transmissores de doenças e sujeiras que geram asco e que devem ser eliminados. Com as guerras ou mesmo a escassez de alimentos, diversos povos foram obrigados a incluir novamente insetos em suas dietas, com a globalização, facilidade de acesso as carnes ditas “normais” e as lembrança de tempos menos prósperos, mais uma vez foram relegados ao segundo plano, muitas vezes tendo essa alcunha de alimento de pobres.” diz Rossano Linassi. Pode não parecer, mas no Brasil a prática também é comum no interior de São Paulo, Nordeste do país e na Amazônia. No estado do Ceará ocorre todo ano o Festival da Tanajura Içás, capturadas no período de chuva, sendo uma tradição culinária. Também são con-


sumidos de maneira comum o bicho da larva de coco e o grilo preto. A proposta da inserção de insetos é inclui-los aos poucos na culinária brasileira, transformando algo considerado exótico em alimentação regular “Quanto mais chefs, cozinheiros e entusiastas usarem o inseto como alimento, mais rápida será sua aceitação e difusão a diversas camadas da sociedade, são alguns exemplos em que demonstram que talvez esse seja um caminho sem volta, é uma tendência é mundial e não será mais uma comida da guerra ou de pobres, mas sim mais uma opção de alimento saudável, sustentável e por que não dizer saboroso para todas as classes sociais.” completa Linassi. Cerca de 2 bilhões de pessoas ao redor do mundo consomem insetos, sendo comum e cultural em diversos países, como E.U.A, México, China, África, Tailândia, Austrália. Embora pareça um tema novo, o consumo de insetos por seres humanos, chamado de Antropoentomofagia, oriundo de três palavras gregas: Anthropos = ser humano, Entomon = inseto e Phagein = comer é um fenômeno historicamente geográfico proveniente dos primeiros hominídeos. Em 2016, através de um estudo de fósseis do Instituto Catalão de Pesquisas Avançadas, por meio da análise da arcada dentária e dos isótopos de carbono de uma mandíbula, pertencente a uma espécie de hominídeos de 1,2 milhões de anos, encontrada no sítio arqueológico Sima El Elefante, na Espanha, alguns cientistas foram capazes de encontrar nos dentes desses ancestrais fragmentos como asa de borboleta ou pernas de determinados insetos. A evolução do homem passa por diversas fases de ilustração: Keila Lima

aperfeiçoamento. Desde os pongíde-eos, que deram origem às espécies de primatas que conhecemos hoje, existem vestígios que provam que os insetos sempre fizeram parte da dieta dos nossos antecessores. Os primeiros hominídeos se separaram em Australopitecos, datados de aproximadamente três milhões de

anos e se alimentavam de frutos, sementes, raízes, pequenos mamíferos e insetos; e Homo, que originou outras espécies como o Homo habilis, Homo erectus e o Homo sapiens.

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Cultura EUA Algumas comunidades norte-americana conservam o hábito indigena de comer incetos. Cigarras grilos e besouros estão entre as iguarias

México Fritos, os “chapilín” (gafanhotos) incrementam receitas típicas. Ovas de formiga também são apreciadas por lá, chamadas de “caviar mexicano”

Colômbia São Feitos Salgadinhos bem crocantes nativa de formigas enormes.

Brasil fritas m gurdura de porco, as formigas içás são tradicionais de SP e PE. A larva do bicho-do-coco, que tem sabor adocicado, é apreciada na Amazônia.

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Iustração Keila Lima


China É comum encontrar espetinhos de grilos, cigarras e centopeias, assados em brasa, nas barracas de comida de rua. O bicho-da-seda dá sustancia a sopas.

Tailândia A porção de grilos fritos, bem crocantes e salgadinhos, estão entre as iguarias menos excêntricas. Aranhas e escorpiões também são utilizados.

Austrália Para adoçar a boca, algumas comunidades des espremem o abdõmen de formigas aperárias para degustar o mel que carregam no organismo.

África Com boa quantidade de no abdômen. Aranhas caranguejeiras são nuito apreciadas em países africanos.

Fonte: Eraldo Medeiros Costa Neto professor da Universidade Estadual de Santana, especializado em antropoentomofagia (consumo de insetos por humanos)

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Cultura

A Grande

vantagem da inserção da An t r o p o e n t o m o f a g i a Um olhar novo para a natureza. Novos meios de aproveitamento de matéria prima em prol do meio ambiente.

A

Organizações das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) afirma que incluir insetos na alimentação é uma alternativa sustentável e ecologicamente correta. São recursos consideráveis, disponíveis na natureza e capazes de suprir a desnutrição global devido ao seu alto teor de proteína. Ricos em nutrientes, são fontes de cálcio, zinco, ferro e vitaminas e de fácil cultivo em comparação a criadouros de gado, sendo alternativa de alimento e renda para muitas comunidades. A ONU afirma que em 2050 a população mundial deve atingir quase 10 bilhões de pessoas. O relatório prevê o crescimento principalmente nos países em desenvolvimento. Mas será que o planeta Terra conseguirá sustentar essa superpopulação sem que haja maiores danos ao ecossistema? Estamos cada vez mais explorando de forma irracional os recursos na naNovembro 2018 SUPER 15

tureza, ignorando o fato de que são finitos. A carne bovina é um dos principais problemas ambientais. O Brasil é o maior exportador de carne bovina no mundo, mercado este que move a economia brasileira gerando emprego a cerca de 1,6 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2016.

sil, em razão da sua extraordinária diversidade desde a fauna até a flora, reflete a importância da preservação ambiental. Ainda que existam programas de conservação, a região perdeu cerca de 20% de seu território. Na década de 1970, a floresta estava quase intacta, desde então uma porção equivalente ao tamanho da França desapareceu, pois cerca de 66% virou pasA floresta amazônica, conhecida tagem. O desmatamento ilegal em como coração ou pulmão do Bra- grandes proporções causa efeitos 76% Proteína

Iustração Keila Lima

16% Gordura

12% Carboidrato

X


X

irreversíveis ao bioma, afetando a vida de inúmeras espécies de animais, além de provocar o aumento do efeito estufa levando ao aquecimento global. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) desenvolveu monitoramentos específicos para medir o nível de degradação florestal, como o Degrad e o projeto TerraClass. Eraldo Costa Neto, biólogo e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), com pós-doutorado em etnobiologia, ressalta as vantagens da criação de insetos. “Conservação das áreas florestais é um dos maiores benefícios, uma vez que na atualidade grandes regiões são desmatadas para plantação de pasto para alimentação bovina. Para criação de insetos, é necessário pouco espaço e menor gasto energético, sendo capaz de produzir toneladas de ‘carne’ de insetos”.

48% Gordura

Ao levar em consideração a cultura em que estamos inseridos, o antropólogo Marvin Harris justifica a repulsa por insetos a partir da relação de custo e benefício. De acordo com Harris, há três motivos para um alimento ser repudiado na alimentação humana, sendo eles: quando o alimento se torna custoso para obter e preparar, quando existe um substituto mais nutritivo e barato, e quando incide negativamente sobre o ambiente. Considerando estes fatores, Costa Neto evidencia a importância de trabalhos de divulgação através de eventos de degustação de pratos à base de insetos, acompanhados de informações técnico-científicas para sanar as dúvidas a respeito do tema, o que possibilita a aceitação, instruindo as pessoas a uma nova percepção para uma alternativa alimentar rica em nutrientes, que-

brando estigmas e preconceitos que a prática carrega. “Imaginem a riqueza incrível de sabores e texturas se uma grande parte das espécies fosse de fato levada à mesa dos cidadãos. A inserção da entomofagia na cultura do brasileiro já ocorre em muitas regiões, trazendo grande biodiversidade de insetos. No entanto, torna-se necessário desenvolver estudos que cubram todos os aspectos do uso de insetos como alimento humano e como ração animal, incluindo aspectos de inventário, produção em massa, perfil nutricional, estocagem, segurança alimentar e legislação. Devemos mudar a ideia de que os insetos não podem ser incluídos como itens alimentares da dieta humana”. Mas vale ressaltar que não são todos os insetos comestíveis, pois, os de cores apostemáticas, ou seja, de cores vibrantes são geralmente venenosos.

48% Proteína

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Cultura Primeiro o estômago, depois a moral. Em consequência de uma visão etnocêntrica e a ausência de informações sobre o tema, pensar em comer insetos torna-se algo repugnante. Habitantes de países ou territórios de extrema pobreza dispõem de recursos que os cercam para adquirir alimento necessário para sobreviver, mas os hábitos culturais preestabelecidos, transformam a antropoentomofagia em um grande obstáculo na sociedade em que a pratica não é comum. Divulgar a prática de forma educativa, possibilita uma nova visão diante do desconhecido, visando a segurança alimentar e contribuindo para valorização e conservação ambiental. Para que haja fácil aceitação, os insetos podem ser consumidos inteiros, processados, pasta ou extrato.

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Para regularizar, é um passo de cada vez...

A medida que hábitos alimenta-

res se renovam, tornam-se necessárias regulamentações especificas que inspecionam a procedência e a qualidade do alimento oferecido. Ainda que comer insetos pareça algo distante da realidade de muitos brasileiros, saiba que você consome insetos indiretamente todos os dias. Por exemplo, através de corantes naturais como é o caso da pequena cochonilha ou através de alimentos produzidos pelas abelhas como mel e própolis. A Anvisa, entidade reguladora no Brasil, possui em suas normas a RDC14, regulamento técnico que estabelece os requisitos mínimos para

avaliação de matérias estranhas macroscópicas e microscópicas em alimentos e bebidas e seus limites de tolerância. Embora a Asbraci atue como um meio para respaldar técnica e sanitariamente os criadores, para Casé Oliveira, um dos fundadores da Associação, a regularização tanto por parte da Anvisa quanto pela FAO, com quem mantém contato contínuo, caminha a passos lentos. A lei de alimentação brasileira, sancionada em 1950 não sofreu alterações até o ano de 2017, quando veio à tona o polêmico caso das carnes adulteradas. No entanto, essa revisão não teve nenhuma influência ilustração: Keila Lima


na esfera da criação de insetos para fins industriais. Somente em 2018, o governo federal ratificou uma lei que se refere à confecção de produtos e alimentos artesanais, aplicada a todo território nacional, em que permite a comercialização desses produtos com características e métodos tradicionais próprios, desde que sejam submetidos à fiscalização de órgãos de saúde pública, concedendo o “Selo Arte”. Por tratar-se de um nicho específico, as biofábricas chegam a cobrar até 500 reais o quilo do inseto, podendo variar de acordo com cada espécie. “A principal razão que causa a elevação do preço é o fato de que o volume de produção é ainda baixo. Uma solução seria fracionar em pequenas quantidades, com a finalidade de baixar o preço, e atrair demanda”. Ainda de acordo com Casé Oliveira, chefs que vendem seus pratos entomofágicos com valores elevados impedem a

popularização do conceito. Ao redor do mundo, alguns países já contam com uma legislação mais avançada. Na França e Suíça, grandes mercados oferecem produtos derivados de insetos com preços similares à carne bovina em suas prateleiras. Já na Tailândia, são ofertados insetos nas redes públicas de ensino. No México, ambulantes vendem pelas ruas das cidades. A Coreia do Sul, por exemplo, possui o selo Hazard Analysis and Critical Control Points – Análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP) em uma de suas marcas de bicho da seda enlatado, considerado um dos selos mais raros e bem avaliados do mercado, quando se trata de segurança alimentar e saneamento básico. Pensando nos mercados brasileiros, a associação Asbraci elabora estratégias de marketing em que viabiliza e conscientiza o uso de insetos para alimentação humana.

A grande novidade é que entre os dias 6 a 8 de novembro de 2019 ocorrerá o 1º Congresso Brasileiro sobre Insetos na Alimentação Humana e Animal e o 2º Simpósio Brasileiro de Antropoentomofagia em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. A finalidade é atrair investimentos (privados e federais) para a formação e desenvolvimento de grupos de pesquisa neste campo, estimulando e disseminando esse mercado no país. Além disso, está sendo confeccionado um livro referente a receitas utilizando insetos dos mais variados tipos, no entanto, o organizador do livro, Ramon Santos de Minas, o mesmo organizador de “Antropoentomofagia e entomofagia: Insetos, a salvação da humanidade” (2016) prevê o lançamento para o primeiro trimestre de 2019.

Novembro 2018 SUPER 18 Foto: Leticia Wolski


Cultura

Sujeira

Tem Limite Anvisa define níveis de tolerãncia para ‘matérias estranhas’ em alimentos e bebidas.

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ilustração: Keila Lima


Cafe torrado moido 60 fragmentos de insetos* para casa 25g

Café

Chá

Cha de camomila 5 insetos mortos* em 25g

Geleia de frutas

25 fragmentos de insetos* para cada 100g

Não estão incluídos insetos como baratas, formigas e mosca, por exemplo, que podem causar riscos à saúde humana. Fonte: Anvisa

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Cultura

Mitos da ignorância : compreenda os processos de criação de insetos do início ao fim, desmistificando o preconceito acerca dos insetos Novembro 2018 SUPER 20

ilustração: Keila Lima


S

abemos que a criação bovina requer espaço amplo, com grande utilização de recursos naturais. Mas como funciona o processo de desenvolvimento de insetos, para a alimentação nutricional de animais e humanos? Além da necessidade de menos espaço, os recursos são utilizados em menor escala, reduzindo os custos, tornando a ação ecologicamente sustentável.

Em decorrência da experiência com criadouros de aves silvestres, em que variadas espécies se alimentam de insetos estritamente ou de forma esporádica, o zootecnista Gilberto Schickler tornou-se profissionalmente criador de insetos em 2001, após se formar pela Universidade Federal de Lavras em Minas Gerais. Esclarece “Em 100 metros de área devidamente climatizada, com humidade e luminosidade adequadas, é possível produzir cerca de meia tonelada de insetos por mês, atentando-se as características biológicas de cada espécie”, explica. Para que o inseto se torne alimento, o produto percorre um rígido controle de criação.

O tenébrio em fase adulta, conhecido como besouro da farinha, já citado, são criados em meio a rações a base de trigo, milho e minerais, onde fazem a postura de ovos. Após este processo, os insetos adultos são separados, os ovos eclodem transformando-se em larvas para alimentação. Já a barata cinérea (Nauphoeta cinerea), de origem africana, chegou ao Brasil por meio de transportes de cargas, através de navios desde a época do descobrimento, onde encontraram aqui, ambiente adequado para sobreviver. Schickler relata que são mais de 20 tipos de baratas exóticas brasileiras usadas como alimento humano ou animal,

Foto: Leticia Wolski

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Cultura “Dentro do grupo de baratas existem cerca de 4 mil espécies, mas somente 1% são vetores de doenças, embora detenhamos pouco conhecimento neste sistema de criação em relação ao universo existente. Baratas são proliferas, chegando até 41 filhotes por mês, isentas de qualquer contaminação. Por serem criadas em cativeiro, possuem hábitos diferentes de baratas domésticas”,

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diz. Essas são criadas em uma estrutura de plástico com tela para ventilação, onde são colocadas em alternância pente de ovos e papelão simulando seu ambiente natural. A alimentação é à base de ração e água, similar à criação do grilo preto (Gryllus aessinilis). O grilo, assim como o besouro existe de forma natural no Brasil, mas é considerado cosmopolita, ou seja, de ocorrência mundial, consumidos por todo grupo de animais monogástricos, ou seja, animais ruminantes que apresentam um estômago simples, como: aranhas, peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, agricultores e admiradores de insetos. A partir desta etapa, para que os insetos estejam aptos para o consumo, são deixados aproximadamente 48 horas sem comida, apenas hidratados com água para que eliminem os excrementos. Posteriormente, podendo ser abatidos por fervura ou congelamento, são desidratados em estufas. São indispensáveis as realizações de pesquisas bromatológicas (composição química) análises microbiológicas, celulares, dentre outros, em que verificam se há algum risco nocivo à saúde humana e se atendem aos critérios das normas de qualidade exigida. Existem mais de 2 mil espécies comestíveis catalogadas no mundo, porém, apenas determinadas espécies são destinadas ao consumo no Brasil, devido ao conhecimento limitado desse vasto campo. Como os insetos convertem alimentos ingeridos em biomassa de forma mais rápida em comparação a outros


animais, possuem cerca de 45% a 75% de proteína bruta, isto é, deve-se evitar excessos. Gafanhotos, por exemplo: cinco deles são capazes de substituir um pedaço de bife, sendo equivalente a proteína animal. A FAO aponta a dieta como um mercado promissor, então por que não estimular a produção de insetos comestíveis como um meio para alavancar e inovar o mercado do agronegócio? O cultivo de insetos tornou-se renda para diversas pessoas ao redor do mundo, fornecendo produtividade para pequenos agricultores familiares, em função sua desenvoltura positiva e baixo custo. Considerando este fator, Schickler, além de criador de insetos, realiza trabalhos de planejamento e consultoria para criadores que querem obtenção do registro do “Sife”, selo de inspeção federal avaliado pelo Ministério da Agricultura, no qual obteve em sua empresa pelos insetos. Processo este, iniciado em 2009 “Existem diversas regras para se obter um produto com o selo Sife, desde a qualidade da água, matéria prima, analises

Foto: Acervo Gilberto Shickler

bromatológicas, formas de rastreamento, formas de retorno, inúmeras orientações a seguir”. Além de despertar interesse no âmbito alimentar humano, pesquisadores e empresários utilizam este recurso para fabricação de rações especiais como isca para pesca ou para controle biológico para preservação de lavouras com a intenção de usar menos pesticidas e agredir menos a entomofauna. Minerebanhos, é uma plataforma online do zootecnista em que apresenta consultorias de animais nos quais já trabalhou, como por exemplo: aves,

répteis e mamíferos em que incentiva as pessoas a se tornarem criadores de forma profissional ou amadora, seja para autossuficiência ou retorno lucrativo. Oferecendo o curso “Insetosonline sobre a Criação e Consumo de Insetos Comestíveis” disponível na plataforma Yahoo Grupos direcionado aos empreendedores, estudantes de ciências biológicas e agrárias, fazendeiros, sitiantes, pescadores, agricultores e admiradores de insetos.

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