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ACONTECEU EM CASA
ACONTECEU EM CASA Acreditar – Orar – Perdoar
Para que o Humano na Humanidade prevaleça
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por Vidal B. Silva | Pai de Ex-aluno e Membro do Conselho da EWFA
No curso de nossa existência surgem numerosas oportunidades de melhorarmos quanto seres humanos. O relato a seguir tentará expor uma possível reflexão sobre o momento de Pandemia em que nos encontramos. É também um breve registro de um fato sentido por quem passou pela experiência de internar, sepultar um familiar com Covid19 e, mesmo tomando todos os cuidados possíveis para evitar o contato com o intangível, passou pela profunda experiência de ter sobrevivido aos efeitos dessa doença multifacetada para a qual há uma série de possibilidades com as quais os profissionais da saúde têm que trabalhar e encontrar alternativas seguras para a superação desta, que não é uma simples gripe.
Não foi fácil a tarefa que o Universo determinou que eu desempenhasse. No entanto, é fundamental registrar que sem o apoio da família, dos irmãos e daqueles irmãos que nos acolhem e acolhemos no decurso de nossa jornada terrena, dos amigos de longa data que contribuíram para e na formação de quem sou e da Comunidade da Escola Waldorf Francisco de Assis, esse processo de superação poderia ter sido mais pesado. Comecei ter febre dias após a internação de meu pai, que tinha várias comorbidades e que depois ser alocado no hospital fora transferido de um quarto para outro onde havia suspeitos de Covid19. Ele partiu no dia em que fiz o exame que detectou o Covid19 e o tratamento começou com acompanhamento à distância. Dias após o sepultamento de meu pai, os sintomas começaram a ser intensos, evoluindo para a internação. Foram um dia e meio de intubação, oito dias de UTI e onze dias em quarto hospitalar; tive alta para dar continuidade do tratamento em casa. Existem sequelas e são distintas. Para cada caso há diferentes resultados ou consequências, como todos nós temos ouvido e lido.
Às vezes, as experiências pelas quais passamos na vida nos ajudam a rever certas posições que podem nos levar a acreditar ou desacreditar do irmão que está à nossa frente. Temia ir para um hospital. Todavia, quando o médico que cuida de mim há aproximadamente 21 anos disse que se o remédio indicado não funcionasse meu destino seria o hospital, fora primordial a confiança. Assim, minha família providenciou a transferência, por meio de uma ambulância, pois a situação, apesar de parcialmente controlada, era bem grave naquele instante. Entregarme ao desconhecido foi algo temeroso, mas com um sopro de coragem pude fazê-lo. Não temo a morte, entretanto acredito que tenho algumas missões nessa existência.
Numa cama, entubado, com a respiração artificial e sem ter as condições de responder a quaisquer questionamentos... Não havia alternativa: ou acreditava que seria possível reverter o quadro ou não acreditava... Não era possível dimensionar as consequências do caminho para o qual poderia enveredar toda aquela situação. Depositar minha existência nas mãos de outros seres humanos não foi uma ação simples; precisei confiar.
Muitas vezes vacilamos na fé. Certa ocasião em que uma amiga da família se encontrava internada eu fora fazer-lhe uma visita. Ela me chamou a atenção, porque num outro momento da vida, em que passei por uma experiência que deveria ter compartilhado e pedido a força da oração, não o fizera. – Orar com a alma é o alicerce para evoluirmos – a energia que recebemos permite-nos crescer na fé, no amor e na fraternidade.
Já consciente e melhorando no quarto da UTI, numerosos pensamentos afloraram. Os médicos autorizaram que meu celular me fosse entregue para que pudesse falar com familiares e amigos. Fiz leituras quando não me encontrava sedado ou fazendo exercícios de fisioterapia e “fisioterapia pulmonar”; também escrevi textos poéticos reflexivos. Num desses registrei: “Perdoar é caminho para a liberdade... Perdoar com o fundo da alma é tarefa do lapidador de diamantes e cada um de nós é o seu próprio lapidador.” Perguntava-me: Será que já perdoei de verdade? Talvez tenha encontrado uma resposta que precisará ser lapidada a cada dia... Sempre fui muito exigente comigo mesmo e com quem estava à minha volta. Ou ficava ao meu lado ou não. Demorava para perdoar meus próprios deslizes. Depois de várias experiências estou convicto de que preciso perdoar a mim mesmo, sou um ser em evolução... Contudo, devo ser responsável e não me permitir cair em banalidades que não me consintam crescer como ser humano.
Acreditar, Orar, Perdoar... penso que sejam as pedras preciosas que devo carregar no cofre de minha alma para que possa superar as adversidades que surgem em minhas veredas. E, essas estradas, planas ou sinuosas, com certeza podem me permitir evoluir, irmanar e contribuir para construir meu autoconhecimento. “Autoconhecer-se é fundamental; um caminho é respeitar os limites que aparecem na vida: num período em que interiorizar-se é profundamente primordial” para que o Humano na Humanidade prevaleça.
Foto: Arquivo Pessoal