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EDITORIAL PERNAMBUCO, IMOTAL, IMORTAL ! Ser pernambucano antes de tudo, não é uma condição geográfica, é um estado de espírito. Vai além de um alter ego absurdo e sem nexo, é ter orgulho de seu estado em forma de suas belezas naturais, de sua cultura e de seu povo. Por todo o estado tem caboclinhos, pastoris, desafios de violeiros e repentistas. Na zona da mata, cortejos de maracatus, toadas de cavalos marinho, cirandas. Não podemos esquecer, é claro, da famosa missa do vaqueiro, e dos carnavais ao som das orquestras populares que descem as ladeiras de Olinda arrastando multidões, do Galo da Madrugada (maior bloco do mundo) e os Papagús de Bezerros, dentre várias outras manifestações. Na Literatura de Cordel há referências como grande nome Manoel Monteiro e J. Borges, no repente Ivanildo Vila Nova. Como pólo de artesanato existe o Alto do Moura (Caruaru). Em seu território nasceram e se criaram artísticas e culturais ilustríssimas como: Luiz Gonzaga, Virgolino Ferreira (o Lampião), Lenine, Chico Science, Mestre Vitalino, o velho guerreiro Chacrinha, Alceu Valença, Joaquim Nabuco, Francisco Brennand, Gilberto Freyre, Dominguinhos e tantos outros nomes que só vem a enriquecer e abrilhantar mais ainda a cultura desse exuberante estado e contribuir para a história do Brasil
Marcilo Ramos - Editor chefe, Historiador e entusiasta da cultura pernambucana
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SUMÁRIO MARÇO - 2016
ARTESÃO EM FOCO 06 | Manuel eudócio - O legítimo representante da geração do mestre Um pouco sobre sua vida e obra. 08 | Algumas das peças do mestre: Uma pequena amostra das obras do mestre Manuel Eudócio.
MERCADO 10 | Artesanato contribui com desenvolvimento do turismo no País O artesanato como representação da cultura de cada região do Brasil. 10 | Conheça o que pode ser encontrado nas cinco regiões do Brasil: Uma amostra do artesanato de cada região brasileira.
REFLEXÃO 12 | A arte e o artesanato no Brasil O surgimento do artesanato e a sua importância para a cultura nacional.
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EM DESTAQUE 14 | J. Borges - O artista que une xilogravura e literatura de cordel e ganha renome internacional O início da carreira, e o alcance do reconhecimento internacional. 16 | Entrevista com J. Borges Entrevista exclusiva.
NOTÍCIAS 8 | Artesanato de Pernambuco possui um centro de comercialização e vitrine permanente Informações sobre o melhor lugar para conhecer a arte popular de Pernambuco.
FEIRAS E EVENTOS 20 | Programação Fenearte 2016 Recife – Feira Nacional de negócios do artesanado Informações sobre a edição de 2016 da maior feira de artesanato da América Latina.
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Artesão em Foco
Manuel eudócio - O legítimo repre mestre Vitalino um dos maiores ceramistas da comunidade de Alto do Moura, próxima à cidade de Caruaru, ele criou dezenas de tipos que são marca registrada de seu consagrado trabalho.
Casal de noivos, cerâmica policromada, reproduçao fotográfica Galeria Pontes, São Paulo, SP
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anuel Eudócio Rodrigues, o mestre Eudócio, nasceu na comunidade do Alto do Moura, bairro da cidade de Caruaru-PE, no dia 28 de janeiro de 1931, membro de uma família de ceramistas que trabalhava na produção de peças utilitárias, como panelas, jarros, potes, etc. Foi assim, no seio de sua família, seu primeiro contato com o barro, que naquela época era usado por ele para fazer seus próprios brinquedos, um costume muito comum entre as crianças do interior. Foi em 1948 que Manuel Eudócio conheceu o mestre Vitalino, quando este se mudou de Sítio Campos para o Alto do Moura. Manuel Eudócio tornou-se então discípulo do mestre Vitalino e juntamente com seu cunhando Zé Caboclo começou a produzir esculturas em barro natural. Sempre fez todo tipo de peça: Lampião, Maria Bonita, cangaceiros, médico operando doente, casamento na roça, dentista extraindo dente etc., mas nunca escondeu sua preferência pelo boi, uma das primeiras peças feitas pelo mestre; o boi se tornou ao longo dos anos um ícone da sua obra. Além dessas peças individuais, Manuel Eudócio naquela época já reproduzia no barro os folguedos populares da regiao, como o maracatu e o bumba-meu-boi, que o mestre também denomina reisado ou cavalo-marinho. O mestre Eudócio aos 79 anos, possuia mais de 200 figuras diferentes; ele se manteve pacientemente dedicado ao ofício de transformar o barro com a mesma simplici-
POR FÁBIO HENRIQUE
Foto: Drailton Gomes
sentante da geração do
dade que herdou da sua família e dos ensinamentos do seu mestre Vitalino. “(...) Gosto de trabalhar, todos os dias. Se não estou pegando no barro, preciso fazer alguma coisa. Não sei ficar parado”. Manuel Eudócio é o único artista vivo remanescente da primeira geração da cerâmica figurativa do Alto do Moura, reconhecido pela Unesco como maior centro de arte figurativa das Américas. As peças de Manuel Eudócio depois de manipuladas em barro úmido eram queimadas em um forno a lenha que ele mantinha no quintal de sua casa, depois eram decoradas com tinta a óleo, brilhosa ou fosca. Dos nove filhos de Manuel Eudócio, dois deles – Carlos e José Ademildo trabalham na arte de moldar o barro. Seu trabalho alcançou um grande reconhecimento nacional, especialmente nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e
Bahia, além de Pernambuco. No exterior, conquistou clientes alemães, franceses, portugueses e norte-americanos. Foi uma peça sua, Família de retirantes, que o presidente Lula escolheu para presentear o Papa Bento XVI em uma visita que fez com a primeira dama ao Vaticano.
Em agosto de 2005, o artista foi homenageado com uma exposição individual – Manuel Eudócio: Patrimônio Vivo, realizada na Sala do Artista Popular do Museu do Folclore do Rio de Janeiro e neste mesmo ano foi homenageado na FEBRARTE (Feira Brasileira de Artesanato) no Recife com uma exposição intitulada – Manuel Eudócio, um cronista do seu tempo.
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Algumas das peças do mestre:
Boi, cerâmica policromada. Acervo do Museu Casa do Pontal, Rio de Janeiro, RJ
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Cavalo marinho e boi (do conjunto do bumba-meuboi), cerâmica policromada, coleçao pessoal
Pau de Arara, cerâmica policromada, reproduçao fotográfica do catalogo da exposiçao Manuel Eudócio - um cronista do seu tempo, Governo de Pernambuco, Recife-PE, 2005
Lampiao e Maria Bonita, cerâmica policromada, Reprodução fotográfica autoria desconhecida
“Dotor”, cerâmica policromada, Reprodução fotográfica autoria desconhecida
Maracatu, cerâmica policromada reproduçao fotográfica Galeria Pontes, São Paulo, SP
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Mercado
Artesanato contribui com desenvolvimento Trabalho de milhares de artesãos aquece a do turismo no País economia local e atrai turistas brasileiros e POR RODRIGO RANGEL
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artesanato no Brasil é um dos mais expressivos ao redor do mundo e se manifesta de várias maneiras. Esta modalidade artística começa junto com a nossa própria história. Os produtos artesanais eram a necessidade de atribuir praticidade ao cotidiano, os bens utilizáveis para facilitar a vida no dia-a-dia, além de serem uma opção barata para obter o que se desejava. Com o tempo, o artesanato ultrapassou os limites da necessidade e se encaixou na esfera da expressão artística. A história do artesanato no Brasil é riquíssima, sendo um dos mais expressivos
estrangeiros pela diversidade dos produtos países nesta arte ao redor do mundo. Cada região mantém seu estilo e sua técnica específica. De Norte a Sul, de Leste a Oeste, podemos verificar uma imensa variedade no artesanato brasileiro, por causa de nossa vasta e rica diversidade cultural. No nordeste temos os trabalhos de carrancas, em barro, madeira, areia e em cerâmica de caruaru. No Sudeste temos os trabalhos com rendas e em tecidos. No sul temos os tapetes artesanais e as peças em madeira e argila. Os trabalhos da região centro-oeste lembram a caça, as lendas, danças e folclore.
Conheça o que pode ser encontrado nas cinco regiões do Brasil: Região Norte: A população da região Norte é bem miscigenada, fator que contribui para a diversidade cultural Por isso, o artesanato regional ganha várias formas. Os trabalhos são produzidos com fibras, coquinhos, cerâmica, pedra-sabão, barro, couro, madeira, látex, entre outros.
Região Nordeste Para elaborar os artesanatos, os nordestinos utilizam vários materiais oriundos da flora e da fauna nativas. Ganham destaque as peças feitas em palha, juta, cipó de bambu, taquara, cipó, sementes de plantas nativas, vime, areia colorida, tinta de casca de árvore, pedra, concha; barro, madeira, sucata, entre outros elementos.
Região Centro-Oeste O artesanato da região Centro-Oeste é rico e utiliza matéria-prima da natureza, onde peças decorativas de flores e acessórios de moda são produzidas com fibras de capim colonial, buriti, flores e sementes diversas, além de gemas e joias. Outras peças decorativas e acessórios variados são produzidos com recursos do cerrado, como argila, pedra, madeira e couro.
Região Sudeste O artesanato da região Sudeste, principalmente em Minas Gerais, trabalha com couro, madeira e tapetes arraiolo. Além de artesanato em pedra sabão, tear, madeira, capim dourado, joias e gemas entre outros. A matéria-prima utilizada para fabricação das peças são conchas, renda de bilro e palha de bananeira, além das panelas de barro, vime, mármore e granito, bordados, crochês e arte em cuia. Região Sul O artesanato da região Sul tem como principais matérias-primas a cerâmica, produtos de fibras naturais à base de fios e linhas com iconografia guarani e do lago. Também tem o artesanato em couro, lã, utensílios para chimarrão, encilhas de cavalo e bijuterias com escamas de peixe.
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Reflexão
A ARTE E O ARTESANATO NO BRASIL POR SILVIA FARIAS
Uma reflexão sobre o artesanato, a arte popular no Brasil e a sua contribuição para a cultura nacional.
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artesanato começou com o próprio homem, um ser que sempre teve a necessidade de confeccionar objetos para o próprio uso. Um ser que precisou usar a criatividade para sobreviver. E o artesanato começa junto com a nossa própria história. Os produtos artesanais era a necessidade de atribuir praticidade ao cotidiano, os bens utilizáveis para facilitar a vida no dia-a-dia, além de serem uma opção barata para obter o que se desejava. Com o tempo, o artesanato ultrapassou os limites da necessidade e se encaixou na esfera da expressão artística, sendo uma prática para produzir adornos e trabalhos artisticamente expressivos. O artesanato tem as mãos dadas com a História da Arte e a necessidade do homem de se expressar artisticamente. Segundo estudos, os primeiros artesãos surgiram ainda no período neolítico (6.000 a.C)- período em que o homem aprende a polir a pedra, a fabricar cerâmica e a tecer fibras animais e vegetais. No Brasil, a comunidade indígena é considerada o primeiro grupo de artesãos, com a utilização de
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pigmentos naturais para tingir seus trabalhos de tecelagem e cerâmica, bem como instrumentos musicais e para uso doméstico e na caça. O artesanato também possui seus gêneros, como o erudito, o popular e o folclórico, utilizando-se de variadas técnicas e materiais como: cerâmica, funilaria, trabalhos em couro e chifre, trançados e tecidos de fibras vegetais e animais, tintura, trabalhos com a farinha de mandioca, monjolo de pé de água, engenhocas, madeira, barro, argila, pedra, comida como a farinha de mandioca e o miolo de pão, massa de açúcar e o milho. Os trabalhos variam de bijuterias à colchas, de bolsas à esculturas em madeira, de renda à cerâmica, de pinturas à utilitários domésticos. O artesanato brasileiro, como já se sabe, é riquíssimo e um dos mais famosos ao redor do mundo, pela sua variedade e sua representação folclórica. Este é um trabalho amplamente praticado no Brasil e gera o sustento de muitas famílias.
A importância do artesanato no Brasil não é somente histórica, mas também social, pois, gera renda e promove a sustentabilidade, com diversas técnicas de aproveitamente de materiais. O Brasil possui uma vasta cultura e uma rica influência artística folclórica, um dos motivos é a grande variedade de materiais disponíveis naturalmente no país, sendo um dos povos que mais explora a arte criativa no mundo, principalmente no campo turístico. Hoje, o artesanato é valorizado como sendo um produto exclusivo com uma mao de obra única. Uma arte original e de alto valor cultural.
A forte presença de turistas em mercados de artesanato em todo o país, faz a movimentação crescer e os negócios aumentarem Foto: Sílvio Rocha
O bolo de rolo, um dos símbolos da gastronomia pernambucana e de sua cultura, que pela Lei 13.436 de 2008, foi reconhecido como patrimônio imaterial de Pernambuco. Foto: Guilherme Jófili
Anjos de Nicola, que é um escultor pernambucano e representante da arte erudita no seu estado. Seus trabalhos são talhados em madeira ou pedra calcaria. Anjos e santos são predominantes em suas obras. Dono de apuro técnico e de grande sensibilidade artística, suas esculturas se espalharam pelo Brasil e pelo exterior. Nicola também utiliza outros materiais para produzir suas obras, como o granito, a pedra sabão, o concreto e o marfim. As peças do artista apresentamse com uma forte influência da estética barroca. Foto: Galeria Artenata
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Em Destaque
J. Borges - o Artista QUE une xilog ganha renome internacional POR RODRIGO RANGEL
J.Borges une essas duas técnicas e é reconhecido no mundo inteiro pela sua arte. No sertão do Nordeste, ELE aprendeu sozinho a entalhar na madeira, para produzir xilogravuras e assim poder ilustrar os seus livretos de cordel
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osé Francisco Borges, mais conhecido como J. Borges é um dos mestres do cordel, um dos artistas folclóricos mais celebrados da América Latina, e o xilogravurista brasileiro mais reconhecido no mundo. Ele nasceu em 20 de dezembro de 1935 em Bezerros, Pernambuco. Filho de agricultores, ele começou a trabalhar aos dez anos de idade na roça, e negociava nas feiras da região, vendendo colheres de pau que ele mesmo fabricava. Autodidata, o gosto pela poesia fez encontrar nos folhetos de cordel um substituto para os livros escolares. Em 1964 começou a escrever folhetos de cordel; foi quando fez “O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina”, xilogravada por Mestre Dila, que vendeu mais de cinco mil exemplares em dois meses. Animado com o resultado, escreveu o segundo chamado “O Verdadeiro Aviso de Frei Damião Sobre os Castigos que Vêm”, que o conduziu pela primeira vez à xilogravura. Como não tinha dinheiro para pagar um ilustrador, J. Borges resolveu fazer ele mesmo: começou a entalhar na madeira a fachada da igreja de Bezerros, que usou no seu segundo folheto de cordel. Desde então, começou a fazer matrizes por encomenda e também para ilustrar os mais de 200 cordéis que lançou ao longo da vida. Hoje essas xilogravuras são impressas em grande quantidade, em diversos tamanhos, e vendidas a intelectuais, artistas e colecionadores de arte. A divulgação do seu trabalho como gra-
vurista iniciou-se em 1972, quando os pintores cariocas, Ivan Marquetti e José Maria de Souza, em visita a Bezerros, encomendaram gravuras em tamanhos maiores do que os usados normalmente no cordel. Pelas mãos desses pintores, essas gravuras chegaram ao escritor Ariano Suassuna e, com o seu incentivo, Borges passou a ser conhecido como o “melhor gravador do Nordeste”. Em pouco tempo, os seus trabalhos já participavam de exposições na França, Alemanha, Suíça, Itália, Venezuela e Cuba. Os temas mais solicitados em seu repertório são: o cotidiano do pobre, o cangaço, o amor, os castigos do céu, os mistérios, os milagres, crimes e corrupção, os folguedos populares, a religiosidade, a picardia, enfim todo o universo cultural do povo nordestino. Para o artista, dentre todas as xilogravuras que já fez, a sua preferida é “A chegada da prostituta no céu”, feita em 1976. J. Borges tem recebido vários prêmios e distinções, entre os quais se destacam os concedidos pela Fundação Pró-Memória (Brasília, 1984), pela Fundação Joaquim Nabuco (Recife, 1990), pela V Bienal Internacional Salvador Valero (Trujilo/Venezuela, 1995), a comenda da Ordem do Mérito Cultural (Ministério da Cultura, 1999), recebeu o prêmio UNESCO na categoria Ação Educativa/Cultural. Em 2002, foi um dos treze artistas escolhidos para ilustrar o calendário anual das Nações Unidas, com a xilogravura “A Vida na Floresta”. Em 2006, foi tema de reportagem no The New York Times. Hoje, J. Borges continua trabalhando com seus filhos no seu atelier em Bezerros, a Casa da Cultura Serra Negra, no km 106
Foto - Francisco Moreira da Costa
ravura e literatura de cordel e
J. Borges, A chegada da prostituta no céu, xilogravura
da BR 232, onde máquinas tipográficas dividem espaço com centenas de matrizes, gravuras e folhetos de cordel.
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ENTREVISTA COM J. BORGES
POR ELTON MAGALHÃES
Mestre J. Borges, em primeiro lugar, gostaria de saber como o senhor prefere se definir: como cordelista ou xilogravador? Olha, Elton, eu prefiro me definir pelos dois lados. A xilogravura nasceu em mim a partir da necessidade de ilustrar o cordel. O cordel foi o meu início em tudo e eu devo muito a ele. Criei minha família trabalhando com a Literatura de Cordel. Hoje a gravura me alimenta mais, ganhei mais visibilidade com ela, mas não desprezo o cordel. Como diz o provérbio popular: “uma mão lava a outra”. Como se sente voltando a Salvador e sendo uma das principais figuras desse Festival? Estou muito alegre porque fui muito bem recebido aqui e, além disso, Salvador é um lugar que eu gosto muito. Faz trinta anos que eu estive aqui e encontrei a cidade muito diferente. O progresso, assim como chegou nas outras grandes cidades, chegou por aqui também. Ela está muito mais organizada, também com muito mais automóveis, muito movimento, três vezes maior do que quando vim aqui nos anos 70. Estou feliz por participar dessa Jornada cultural e espero que o povo fique satisfeito com o meu trabalho. De onde partiu o seu interesse pela literatura de cordel? Quando começou isso? Eu morava no sítio, quando criança, e lá não tínhamos acesso ao jornal, à revistas, não tínhamos rádio e ainda nem se fala em televisão. A única diversão que
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Foto: Francisco Moreira da Costa
Durante os dias 14 e 17 de abril de 2015 a cidade do Salvador recebeu o II Festival de Ilustração e Literatura da Bahia. Um dos convidados ilustres foi o poeta e xilogravador J. Borges. Na ocasião, eu tive o privilégio de entrevistar o mestre, que é considerado por muitos o maior xilogravador do Brasil, além de ter recebido o título de patrimônio vivo do estado de Pernambuco.
existia era com a Literatura de Cordel, que era lida nos feriados, nos dias santos e na boca da noite. O tempo que hoje o povo gasta assistindo novela era a hora que se assistíamos os dois romances que o meu pai lia e eu gostava muito. Eu me apaixonei por isso e quando cheguei aos 20 anos entendi de comprar, vender e trabalhar com o Cordel, até que escrevi o primeiro. Daí em diante não parei mais. A partir do segundo folheto, precisei ilustrar, pois não tinha quem fizesse isso. Aí eu peguei um pedaço de madeira e tentei fazer. Deu certo. Me fale um pouco do seu contato com Ariano Suassuna. Em 1970 o Ariano pegou o meu trabalho e disse que eu era o melhor ilustrador do Nordeste na opinião dele. Aí o povo acreditou e eu me dei muito bem com isso. Desde então eu procurei fazer jus à opinião dele, trabalhando dentro da minha linha e do meu traço, com os temas da nossa região, que é muito rica em
cultura popular, e por isso eu continuo fazendo os dois – Cordel e gravuras. O senhor tem alguma técnica específica, algo que o senhor mesmo acrescentou à xilogravura? Tenho sim. Quando eu comecei a fazer gravuras, só fazia em preto e branco. Eu inovei fazendo a gravura colorida, mas de uma outra forma. Pra se fazer a gravura colorida tem que ser cada cor numa matriz diferente. Aí eu tentei pintar a matriz e deu certo. Hoje 80 por cento do meu trabalho eu faço em cores, pois o povo gosta mais. Foi aí que eu inovei. Quando se trata de impressão eu tenho feito diferente dos outros.
do fim dos cordelistas de praça e de feira… Quase ninguém vendia mais. Por conta das escolas, das universidades, dos turistas e dos colecionadores o cordel recuperou um pouco da sua força. Não totalmente, porque se for comparar com a produção dos anos 50 sua produção hoje ainda não é tão grande. O problema é que os cordéis que são produzidos hoje são muitos de má qualidade. Lá (Pernambuco) tem um monte desses tais poetas urbanos que escrevem muita porcaria. Eu mesmo nem leio. Fazem um monte de livretos no formato e dizem que é cordel, mas de cordel não tem é nada.
Como tem sido feita a divulgação do seu trabalho, não só no Brasil como também no exterior? Tem sido divulgado sempre. No Brasil, através das emissoras de tv, nos jornais, na internet. E no exterior de vez em quando sai alguma coisa. Conheço muita gente lá fora, já fui em vários lugares da Europa, Nos Estados Unidos e já fui em várias capitais aqui da América do Sul para dar aulas e palestras. Por conta disso, meu nome é espalhado pelo mundo inteiro.
Não há espaço hoje para a produção de um cordel mais livre sem tanta exigência da rima, da métrica e da oração? Não. O cordel não é assim não. Tem que ter suas regras, suas rimas positivas. O tempero da poesia de Cordel é a rima, o rapaz não pode chegar e rimar tempo com pensamento, isso não é rimar. No tempo em que eu trabalhava nas feiras, 80 por cento do povo era analfabeto. Ficavam todos escutando os versos. Na hora em que se lia uma história e que tinha uma rima quebrada, o matutão que estava lá, com o saco nas costas, parava e gritava na hora: “Cagou!” (Risos). Eles ficavam tão ligados nas rimas que percebiam na hora. Agora o sujeito que vem de universidade chega escrevendo com um monte de rima quebrada e quer que eu diga que está bom (risos).
Tem noção do tamanho da sua produção? Em cordel sim, dá pra contar. Eu geralmente controlo e já escrevi 311 folhetos. Eram 309, mas agora eles deram pra pedir cordel pra casamento, contando a história dos noivos. Aí já sabe, né… eu acabo fazendo por encomenda, pra agradar os amigos, pra dar de prenda a eles. Como o senhor tem visto a produção da LC nos dias de hoje? Tem acompanhado sua vasta produção? O cordel tem sido divulgado no mundo inteiro, e por conta dos movimentos estudantis é que ele não morreu. Isso porque nos anos 90 ele estava com o pé na cova, por conta
“O tempero da poesia de Cordel é a rima, o rapaz não pode chegar e rimar tempo com pensamento, isso não é rimar” Pernambuco Cultural Março 2016 17
Notícias
Artesanato de Pernambuco possui um centro de comercialização e vitrine permanente Governador Eduardo Campos inaugurou o Centro de Artesanato de Pernambuco na terça-feira (25 de setembro de 2012), com acervo de 16 mil peças com o melhor do artesanato e da arte popular do estado POR KESLEY TENÓRIO
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om investimento de R$ 6,5 milhões e uma área construída de 2.511 m², o espaço, considerado o maior do segmento no Brasil, contará com 16 mil peças de 500 artesãos de todas as regiões de Pernambuco para comercialização, auditório climatizado com 120 lugares, área de exposições, mostra permanente de obras premiadas na Feira Nacional de Negócios do Artesanato – Fenearte, setor administrativo, além do Bistrô & Boteco com capacidade para 400 pessoas. O Cape é mais uma ação integrada do Governo do Estado, através da Diretoria de Promoção da Economia Criativa da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco – AD Diper, funcionando como ponto de convergência entre todas as iniciativas do Programa do Artesanato de Pernambuco – PAPE, como a Fenearte, a Unidade Móvel do Artesanato e as diversas feiras realizadas no Brasil. A sua abertura também marcou a primeira etapa concluída do projeto de reforma do Porto do Recife. Segundo o diretor de Promoção da Economia Criativa da AD Diper, Roberto Lessa, além da comercialização, o espaço tem como objetivo estimular a economia pernambucana e valorizar o trabalho dos arte-
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sãos e artistas populares locais. “O Centro de Artesanato proporciona um contato direto entre artesãos e público, criando ocupação e renda para nossos artistas. Além de preservar a cultura da tradição artesanal, o Cape é um importante equipamento de turismo para o Recife e o estado”. Com projeto arquitetônico assinado por Carlos Augusto Lira, o Centro de Artesanato traz também ambientes decorados para que o visitante possa visualizar a utilização de peças artesanais em espaços como estar, sala de jantar, quarto, entre outros, através de um olhar contemporâneo. A fachada voltada para a Torre Malakoff chama atenção com painéis pintados pelo artista grafiteiro Galo de Souza. A área da loja ocupa 1.000 m² e é divida em sete setores: mestres, souvenires, artesanato contemporâneo, cestaria, têxtil, trabalhos manuais e brinquedos populares. Para facilitar a localização, paredes pintadas com cores fortes identificam cada um dos espaços. Na entrada, o destaque fica por conta das peças de importantes mestres artesãos pernambucanos como Manoel Eudócio, Nuca, Ana das Carrancas, Lula Vassoureiro, Marliete, Roberto Vital, Fida, Thiago Amorim, Nado, Miro, José Veríssi-
Foto: Acessoria de divulgação do cento de artesanato
mo, Luiz Benício, J. Borges, Nicola, entre tantos outros. Oito consultores de venda bilíngues receberam capacitação em diversas áreas como cultura popular e técnicas de comercialização para bem atender aos visitantes. Inglês, espanhol, francês e italiano são os idiomas dominados pela equipe. Além disso, quatro caixas serão disponibilizados na loja. Ao lado do auditório foi montada uma galeria de arte para exposições temporárias, coordenada pela Secretaria de Cultura do Estado. O Centro também abrigará uma mostra permanente com peças premiadas da Galeria de Reciclados e Salão de Arte Popular da Fenearte, desde 2007. O complexo do Bistrô & Boteco, além de oferecer um cardápio recheado de opções da culinária, também contará com um café e uma sorveteria. O Cape é o segundo Centro de Artesanato de Pernambuco. Há nove anos, Bezerros
conserva um museu e uma loja com acervo de sete mil peças de diversos municípios. Localizado às margens da BR-232, trata-se de um dos mais importantes pontos culturais e turísticos da região Agreste.
O Centro de Artesanato de Pernambuco recebe diariamente muitos turistas e também moradores da cidade, que buscam conhecer mais sobre a cultura o o artesanato locais, alem de adquirir peças de diversos artistas, e consequentemente, aquecendo a economia local.
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Feiras e Eventos
Programação Fenearte 2016 Recife – Feira Nacional de negócios do artesanado a coordenação da feira divulga qual será a temática homenageada em 2016 na maior feira de arte e artesanato da américa Latina
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Fenearte 2016 terá novo evento no Grande Recife. Neste ano, a Feira Nacional de Negócios e Artesanato será realizada entre os dias 07 a 17 de julho, no Centro de Convenções (Olinda). O tema da 17ª Fenearte será “O Artesanato, A Arte Brincante”. Apesar de a programação de atrações e o valor da entrada ainda não terem sido divulgados, algumas novidades já foram apresentadas. O evento terá um espaço montado especificamente para homenagens ao universo de brincadeiras populares. Além disso, contará ainda com a arte santeira de Pernambuco e área exclusiva para food trucks. Em breve, maiores informações deverão ser divulgadas pela organização da Fenearte 2016. No ano passado, a Fenearte realizou a sua 16° edição. A proposta principal do
evento, tanto no ano passado quanto este ano, é a de incentivar a produção cultural e artesanal no estado, e em todo o país. Em 2015, a Feira homenageou o Mestre Nuca de Tracunhaém e “Poeta e cantador, rei dos trocadilhos”, Lourival Batista. SOBRE A FENEARTE:
A Feira Nacional de Negócios do Artesanato é uma das ações que integra o Programa do Artesanato de Pernambuco (PAPE). Tem como objetivo colaborar na estruturação da Cadeia Produtiva do Artesanato, estimulando o aproveitamento das vocações de todas as regiões do Estado, além de buscar a preservação da nossa cultura. A FENEARTE é considerada a maior feira de artesanato da América Latina. Em 2015, atraiu um público de mais de 330 mil pessoas, ocupando uma área de 30 mil m2, com mais de 800 espaços e recebeu 5 mil expositores vindos de todos os estados brasileiros e de 51 países.
Cartaz da edição de 2015, que homenageou o Mestre Nuca e Louro do pajeú
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Foto: Cynthia Myarka
A feira contava com diversas peças em exposição, e também para venda, de seus homenageados Mestre nuca e Louro do Pajeú, dentre elas o famoso leão de barro Foto: Breno Rossano
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Foto: Fellipe Oliveira
O QUE ESTÁ POR VIR
Arte brincante Resgatando o universo dos brinquedos populares, a Fenearte 2016 vem com o tema “Artesanato, a Arte Brincante”, que homenageará os tradicionais brinquedos e brincadeiras populares, que além de encantar e divertir as crianças, fazem parte do folclore brasileiro.
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