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DOCUMENTO 120 A AUTO-OUTORGA DE MICHAEL EM URÂNTIA Designado por Gabriel para supervisionar a reconstituição da narrativa da vida de Michael, quando da sua vinda a Urântia, à semelhança da carne mortal, eu, Melquisedeque, diretor da comissão reveladora a quem essa tarefa foi confiada, estou autorizado a apresentar a narrativa de certos eventos imediatamente anteriores à vinda do Filho Criador a Urântia, durante a qual ele assumiu a última etapa da sua experiência de auto-outorgas nos universos. Viver vidas idênticas àquelas que ele impõe aos seres inteligentes da sua própria criação; e assim autooutorgar a si próprio, à semelhança das suas várias ordens de seres criados, é parte do preço que cada Filho Criador deve pagar para ter a soberania plena e suprema do universo de coisas e seres, criado por ele próprio. Antes dos eventos que passarei logo a relatar, por seis vezes Michael de Nebadon havia-se outorgado, à semelhança de seis diferentes ordens de seres inteligentes da sua criação. E então, ele preparou-se para descer até Urântia, à semelhança da carne mortal, na sua mais baixa ordem de criaturas de vontade inteligente e, como um humano do reino material, executar o ato final no drama da aquisição da soberania do universo; de acordo com os mandatos dos Governantes divinos do universo dos universos, no Paraíso. No curso de cada uma das auto-outorgas precedentes, Michael não apenas adquiriu a experiência finita de um grupo de seres criados por ele, como também adquiriu uma experiência essencial, em cooperação com o Paraíso, que iria, em si e por si mesma, contribuir posteriormente para constituí-lo como soberano do universo criado por ele próprio. Em qualquer momento no tempo passado do universo local, Michael poderia haver assumido a soberania, como Filho


Criador; e, como um Filho Criador, poderia haver governado o seu universo segundo a maneira que escolhesse. Se assim tivesse sido, Emanuel e os Filhos do Paraíso coligados haveriam abandonado o universo dele. Michael, porém, não queria governar Nebadon de forma isolada, e meramente fundamentada no seu direito de Filho Criador. Ele desejava ascender, por meio da experiência factual, em subordinação cooperativa com a Trindade do Paraíso, até aquela posição, de alta elevação no universo, na qual estivesse qualificado para governar o seu universo e administrar os assuntos dele, com a mesma Pág. 1324 perfeição de discernimento e a sabedoria de execução, que chegará, em algum tempo, a ser a característica do governo excelso do Ser Supremo. A sua aspiração não era a perfeição de governo, como Filho Criador, mas a supremacia administrativa, com a incorporação da sabedoria universal e da experiência divina do Ser Supremo. Por conseguinte, Michael tinha um propósito duplo ao realizar essas sete auto-outorgas, nas várias ordens das suas criaturas universais. Em primeiro lugar, ele estava completando a experiência de entendimento das criaturas, que é requerida de todos os Filhos Criadores, antes de assumirem totalmente a soberania. Um Filho Criador pode governar o seu universo, em qualquer tempo, pelo seu próprio direito, mas, como representante supremo da Trindade do Paraíso, ele governará apenas após passar, doado como criatura, pelas sete auto-outorgas nos universos. Em segundo lugar, ele estava aspirando ao privilégio de representar a autoridade máxima da Trindade do Paraíso, que pode ser exercida na administração pessoal e direta, em um universo local. E, dessa forma, durante a experiência de cada uma das suas auto-outorgas no universo, Michael subordinou-se, voluntária e perfeitamente, às vontades,


variavelmente constituídas, das diversas associações de pessoas da Trindade do Paraíso. E isso significa que, na sua primeira autooutorga, ele submeteu-se à vontade combinada do Pai, do Filho e do Espírito; na segunda, à vontade do Pai e do Filho; na terceira, à vontade do Pai e do Espírito; na quarta, à vontade do Filho e do Espírito; na quinta, à vontade do Espírito Infinito; na sexta, à vontade do Filho Eterno; e durante a sétima auto-outorga, a final, em Urântia, submeter-se-ia à vontade do Pai Universal. Michael, por conseguinte, na sua soberania pessoal, combina a vontade divina das sete fases dos Criadores universais, com a experiência de compreensão das criaturas, do seu universo local. Assim, a sua administração ter-se-á tornado representativa do maior poder e autoridade possíveis; e ainda despojada de todo pressuposto arbitrário. O seu poder é ilimitado, pois é derivado da associação experienciada com as Deidades do Paraíso; a sua autoridade é inquestionável, pois adquirida pela experiência factual à semelhança das criaturas do seu universo; a sua soberania é suprema, pois incorpora, ao mesmo tempo, os pontos de vista sétuplos da Deidade do Paraíso e os pontos de vista da criatura do tempo e do espaço. Estando determinada a época da sua auto-outorga final, e havendo selecionado o planeta onde esse extraordinário evento teria lugar, Michael teve a costumeira conferência de pré-outorga com Gabriel e, então, apresentou-se perante o seu irmão mais velho do Paraíso, o seu conselheiro Emanuel. Todos os poderes da administração do universo que não haviam sido previamente conferidos a Gabriel, agora Michael transferia-os à custódia de Emanuel. E, momentos antes da partida de Michael, para a encarnação em Urântia, Emanuel, aceitando a custódia do universo, durante o período dessa outorga em Urântia, procedeu ao aconselhamento, que serviria como


guia da encarnação, para Michael, quando este crescesse em Urântia como um mortal do reino. Em relação a isso, deve-se ter em mente que Michael havia escolhido cumprir a sua auto-outorga à semelhança da carne mortal, sujeitando-se à vontade do seu Pai do Paraíso. O Filho Criador não necessitava de instruções de ninguém, para efetivar a sua encarnação, caso estivesse fazendo-o pelo simples propósito de realizar por completo a sua soberania; mas ele havia embarcado em um programa de revelação do Supremo, que envolvia o funcionamento cooperativo das diversas vontades das Deidades do Paraíso. Dessa forma, a sua soberania, quando final e pessoalmente conquistada, seria de fato Pág. 1325 todo-incluidora da vontade sétupla da Deidade; o que culmina na vontade do Supremo. Havia ele, portanto, por seis vezes recebido as instruções dadas pelos representantes pessoais das várias Deidades do Paraíso e das suas associações; e, naquela oportunidade, ele havia sido instruído pelo União dos Dias, embaixador da Trindade do Paraíso, no Universo local de Nebadon, agindo em nome do Pai Universal. Havia vantagens imediatas e grandes compensações, resultantes da vontade com a qual esse poderoso Filho Criador, uma vez mais subordinava a si próprio, voluntariamente, à vontade das Deidades do Paraíso; dessa vez, à vontade do Pai Universal. Em vista da decisão de efetivar essa subordinação associativa, Michael experimentaria, nessa encarnação, não apenas a natureza do homem mortal, mas também a vontade do Pai de todos, no Paraíso. E, além disso, ele entraria nessa auto-outorga singular com a inteira segurança, não apenas de que Emanuel exerceria a plena autoridade do Pai do Paraíso, na administração do seu universo, durante a sua


ausência para aquela autodoação em Urântia; mas também com o conhecimento confortador de que os Anciães dos Dias do superuniverso haviam decretado a segurança completa do seu reino durante todo o período da sua auto-outorga. E, pois, essa era a situação preparada para a ocasião especial em que Emanuel apresentava-o ao seu sétimo compromisso de autooutorga. E dessa encomenda de outorga de Emanuel, ao governante do universo, que posteriormente se tornou Jesus de Nazaré (Cristo Michael) em Urântia, é-me permitido apresentar as seguintes passagens: 1. O SÉTIMO COMISSIONAMENTO DE AUTO-OUTORGA “Meu irmão Criador, estou à beira de testemunhar a tua sétima e última auto-outorga no universo. Tu perfizeste as seis missões anteriores com grande fidelidade e perfeição; e não mantenho outro pensamento, a não ser o de que serás igualmente triunfante nessa que é a tua auto-outorga terminal para a soberania. Até esse momento, tu apareceste, nas esferas das tuas outorgas, como um ser plenamente desenvolvido, da ordem da tua escolha. Agora, estás para aparecer em Urântia, o planeta desordenado e turbulento da tua escolha, não como um mortal já plenamente desenvolvido, mas como um indefeso recém-nascido. Será para ti, camarada, uma experiência nova e ainda não provada. Estás na iminência de alcançar o preço total das auto-outorgas e à beira de experimentar o esclarecimento completo, que vem da encarnação de um Criador, à semelhança de uma criatura. “Em cada uma das tuas auto-outorgas anteriores, tu escolheste sujeitar-te voluntariamente à vontade das três Deidades do Paraíso, e às interassociações divinas Delas. Das sete fases da vontade do Supremo, tu te submeteste a todas, nas tuas autooutorgas anteriores; faltando submeter-te apenas à vontade


pessoal do teu Pai do Paraíso. Agora, que elegeste submeter-te integralmente à vontade do teu Pai, na tua sétima auto-outorga, eu, como representante pessoal do nosso Pai, assumo a jurisdição irrestrita do teu universo, durante o tempo da tua encarnação. “Para o ingresso na tua auto-outorga de Urântia, tu te despojaste de todo o apoio extraplanetário e de toda assistência que te pudesse ser dada, por qualquer criatura da tua própria criação. Como os teus filhos criados de Nebadon são inteiramente dependentes de ti, para o salvo-conduto, na carreira deles, através do universo; da mesma forma, agora deves tornar-te plena e irrestritamente dependente do teu Pai do Paraíso, para o teu salvoconduto durante as vicissitudes da tua vindoura carreira mortal. E, quando houveres terminado essa experiência, de autodoação, saberás, com profunda verdade, o significado pleno e o rico sentido dessa confiança Pág. 1326 de fé, que tu, tão invariavelmente exiges que todas as tuas criaturas tenham como parte da relação íntima contigo, como Criador local e Pai universal delas. “Na tua outorga, em Urântia, tu necessitas preocupar-te com uma coisa apenas: a comunhão ininterrupta entre ti e o teu Pai do Paraíso. E será por meio da perfeição desse relacionamento que o mundo da tua auto-outorga e mesmo todo o universo da tua criação, obterão uma revelação nova e mais compreensível do teu Pai e meu Pai, o Pai Universal de todos. Tua preocupação, portanto, deverá ser somente com a tua vida pessoal em Urântia. Eu serei, plena e eficazmente, responsável pela segurança da continuidade da administração do teu universo, desde o momento da tua renúncia voluntária, a essa autoridade, até que tu retornes para nós como o Soberano do Universo, confirmado pelo Paraíso e até que recebas


de volta, das minhas mãos, não a autoridade de vice-regente, que agora passas a mim, mas, sim, o poder supremo e a jurisdição do teu universo. “E que saibas, com certeza, que eu tenho o poder de fazer tudo o que estou prometendo agora (sabendo plenamente que sou eu a certeza dada, por todo o Paraíso, de que a minha palavra cumprirse-á fielmente), eu anuncio que me foi enviado um mandato dos Anciães dos Dias de Uversa precavendo Nebadon contra qualquer perigo espiritual, durante o período integral da tua outorga voluntária. Desde o momento no qual deixares de estar consciente, no começo da encarnação mortal, até que retornes a nós, como soberano supremo e incondicional deste universo de tua própria criação e organização, nada de importância maior pode acontecer em todo Nebadon. Nesse ínterim, durante a tua encarnação, eu manterei as ordens, dos Anciães dos Dias, comandando irrestritamente a extinção instantânea e automática de qualquer ser culpado de rebelião, ou que presuma instigar a insurreição no universo de Nebadon, enquanto tu estiveres ausente para essa auto-outorga. Meu irmão, em face da autoridade do Paraíso, inerente à minha presença e implementada pelo mandato judicial de Uversa, o teu universo e todas as suas leais criaturas estarão seguras durante a tua auto-outorga. Podes prosseguir com a tua missão, com um pensamento apenas: a intensificação da revelação do nosso Pai, aos seres inteligentes do teu universo. “Como foi em cada uma das tuas auto-outorgas anteriores, devo lembrar-te de que exercerei a jurisdição do teu universo, como irmão e fiel comissionado. Em teu nome exercerei toda autoridade e poder. Funcionarei como o nosso Pai do Paraíso e de acordo com o teu pedido explícito de que eu atue assim no teu lugar. E, sendo esses os fatos, toda essa autoridade delegada é tua de novo, para que a exerças, em qualquer momento que julgues adequado requerê-


la de volta. A tua auto-outorga é, na sua totalidade, plenamente voluntária. Como um mortal encarnado no reino, tu estarás desprovido de dons celestes, mas todo o teu poder abandonado pode ser recuperado, a qualquer momento em que decidires reinvestir-te da autoridade universal. Se tu escolheres reinstalarte no poder e na autoridade, lembra-te de que será unicamente por razões pessoais, já que eu sou o compromisso vivo cuja presença e promessa garantem uma administração segura ao teu universo de acordo com o desejo do teu Pai. A rebelião, tal como aconteceu por três vezes em Nebadon, não pode ocorrer durante a tua ausência de Salvington, para essa outorga. Durante o período da tua outorga de Urântia, os Anciães dos Dias decretaram que a rebelião em Nebadon seja investida com a semente automática da sua própria aniquilação. “Pelo tempo que ficares ausente, nessa outorga final e extraordinária, comprometo-me (com a cooperação de Gabriel) com uma administração fiel do teu universo; e, ao comissionar-te para que assumas esse ministério de revelação divina e para que passes pela experiência do entendimento humano perfeccionado, eu atuo em nome do Pág. 1327 meu e teu Pai e te ofereço os conselhos seguintes, que devem guiarte enquanto viveres a tua vida terrena, e à medida que tu te tornes progressivamente autoconsciente da tua missão divina, na tua permanência na carne”: 2. AS LIMITAÇÕES DA AUTO-OUTORGA “1. De acordo com os costumes e em conformidade com a técnica de Sonarington – cumprindo os mandatos do Filho Eterno do Paraíso –, eu tomei todas as providências para a tua imediata entrada nessa


auto-outorga mortal, em harmonia com os planos formulados por ti e entregues a mim por Gabriel. Tu crescerás em Urântia como uma criança do reino, completarás a tua educação humana – submetido todo tempo à vontade do teu Pai do Paraíso –, viverás a tua vida em Urântia, como tu determinaste, completarás a tua estada planetária e te prepararás para a ascensão ao teu Pai, para receber Dele a soberania suprema do teu universo. “2. Independentemente da tua missão na Terra e da tua revelação ao universo, mas como uma conseqüência advinda disso, Eu aconselho-te, depois que estiveres suficientemente autoconsciente da tua identidade divina, que assumas a tarefa adicional de dar por finda, tecnicamente, a rebelião de Lúcifer, no sistema de Satânia; e que faças tudo isso como o Filho do Homem e como uma criatura mortal do reino, na fraqueza tornada poderosa pela submissão-fé à vontade do teu Pai; eu sugiro que realizes tudo aquilo que, repetida e arbitrariamente tu te declinaste de executar, pela via do poder e da força de que eras dotado à época em que essa rebelião pecaminosa e injustificada ainda estava incipiente. Eu consideraria um ápice adequado, à tua auto-outorga mortal, que tu retornasses a nós, como o Filho do Homem, Príncipe Planetário de Urântia, tanto quanto Filho de Deus, soberano supremo do teu universo. Como homem mortal, o mais baixo tipo de criatura inteligente de Nebadon, enfrenta e faze o julgamento das pretensões blasfemas de Caligástia e Lúcifer e, no teu assumido estado de humildade, dê um fim, para todo o sempre, às representações errôneas e às falsidades vergonhosas desses filhos caídos da luz. Já que tu te negaste, firmemente, a desacreditar esses rebeldes, por meio do exercício das tuas prerrogativas de criador, seria próprio, agora na semelhança da mais baixa criatura da tua criação, que tu tirasses das mãos desses Filhos caídos o domínio, de modo que todo o teu universo local reconheça, para sempre, de forma clara, a justiça do teu ato, feito enquanto tu estiveste no papel de mortal na carne;


que é o de efetuar coisas que a tua misericórdia admoestou-te que não fizesses por meio do poder de uma autoridade arbitrária. E, havendo assim estabelecido, com a tua outorga, a possibilidade da soberania do Supremo em Nebadon, tu irás, com efeito, trazer um encerramento para os assuntos, não julgados ainda, de todas as insurreições precedentes, não obstante o lapso de tempo, maior ou menor, que seja gasto para a realização dessa tarefa. Com esse ato, as dissidências pendentes no teu universo, serão liquidadas, em essência. E, com o subseqüente dom da soberania, que terás no teu universo, os desafios semelhantes à tua autoridade não poderão nunca ser recorrentes, em qualquer parte da tua grande criação pessoal. “3. Quando obtiveres o êxito de terminar com a secessão de Urântia, que sem dúvida irás ter, eu aconselho-te a aceitar que Gabriel confira a ti o título de “Príncipe Planetário de Urântia”, em reconhecimento eterno, da parte do teu universo, à tua experiência final de auto-outorga; e que, daí em diante, faças todas e quaisquer coisas consistentes com o propósito da tua outorga, e que possam servir aos seres de Urântia, como compensação pelo sofrimento e confusão produzidos ali, pela traição de Caligástia e a subseqüente falta Adâmica. Pág. 1328 “4. De acordo com o teu pedido, Gabriel, e todos aqueles que estiverem envolvidos cooperarão contigo na realização do desejo expresso de culminar a tua outorga em Urântia, com o pronunciamento de um juízo dispensacional desse reino, acompanhado pelo encerramento de uma era, com a ressurreição dos mortais sobreviventes adormecidos, e com o estabelecimento da dispensação do Espírito da Verdade, a ser concedido.


“5. No que concerne ao planeta da tua outorga e à geração imediata de homens, vivendo contemporaneamente à tua autodoação mortal, eu aconselho-te que funciones predominantemente no papel de mestre. Dê atenção, primeiro, à libertação e à inspiração da natureza espiritual do homem. Em seguida, que tu ilumines o obscurecido intelecto humano, alivies as almas dos homens e emancipes as suas mentes de temores ancestrais. E então, com a tua sabedoria mortal, que atendas ao bem-estar físico e ao alívio das condições materiais dos teus irmãos na carne. Vivas a vida religiosa ideal, para inspiração e edificação de todo o teu universo. “6. No planeta da tua outorga, liberes espiritualmente o homem segregado pela rebelião. Em Urântia, dê mais uma contribuição à soberania do Supremo, estendendo, assim, o estabelecimento dessa soberania até os amplos domínios da tua criação pessoal. Nessa, que é a tua outorga na matéria, à semelhança da carne, tu irás experimentar o esclarecimento final de um Criador no tempoespaço, a experiência dual de trabalhar de dentro da natureza humana, com a vontade do teu Pai do Paraíso. Na tua vida temporal, a vontade da criatura finita e a vontade do Criador Infinito estão para tornar-se uma, da mesma forma que também estão unindo-se, na Deidade evolutiva do Ser Supremo. Derrame, por sobre o planeta da tua auto-outorga, o Espírito da Verdade e, assim, faze com que todos os mortais normais daquela esfera isolada tornem-se imediata e plenamente acessíveis ao ministério da presença distinguida do nosso Pai do Paraíso, o Ajustador do Pensamento dos reinos. “7. Para tudo o que puderes realizar no mundo da tua outorga, tem sempre em mente que estás vivendo uma vida para instrução e edificação de todo o teu universo. Que tu estás autodoando-te nesta vida de encarnação mortal em Urântia, mas que irás viver essa vida para a inspiração espiritual de todas as inteligências


humanas e supra-humanas que já viveram, que existem agora ou que ainda possam viver, em todos os mundos habitados já formados, que ora se formam, ou que ainda possam vir a se formar, como parte da vasta galáxia do teu domínio administrativo. A tua vida na Terra, na semelhança da carne mortal não será, dessa forma, vivida para constituir-se apenas em um exemplo para os mortais de Urântia, nos dias da tua permanência na Terra, nem apenas para qualquer geração subseqüente de seres humanos, em Urântia ou em qualquer outro mundo. A tua vida na carne, em Urântia, será mais que tudo, a inspiração para todas as vidas, sobre todos os mundos de Nebadon, para todas as gerações nas eras que estão para vir. “8. A tua grande missão, a ser realizada e experienciada na encarnação mortal, é abrangida pela tua decisão de viver uma vida dedicada, de todo coração, a fazer a vontade do teu Pai do Paraíso e assim revelar a Deus, o teu Pai, na carne, e especialmente às criaturas da carne. Ao mesmo tempo, tu irás também interpretar, com uma nova força de engrandecimento, o nosso Pai, para os seres supramortais de todo Nebadon. Da mesma forma, com esse ministério de nova revelação e interpretação ampliada do Pai do Paraíso, para o tipo de mente humana e supra-humana, tu funcionarás de modo a fazer, também, uma nova revelação do homem para Deus. Demonstra, na tua curta vida na carne, de forma nunca antes vista em todo o Nebadon, as possibilidades transcendentes daquilo que pode ser atingido por um ser humano sabedor de Deus, durante a tua curta carreira na existência mortal; e faze uma interpretação iluminadora Pág. 1329 e nova do homem e das vicissitudes da sua vida planetária, para todas as inteligências supra-humanas de todo Nebadon, para todo o sempre. Tu estás à beira de descer até Urântia, na semelhança da carne mortal, e de viver como um homem do teu tempo e geração e,


assim, irás tu funcionar para mostrar ao teu universo inteiro o ideal da técnica perfeccionada, do engajamento supremo, no cuidado dos assuntos da tua vasta criação: o êxito que tem Deus, na Sua busca do homem, encontrando-o; e o fenômeno do homem procurando Deus e encontrando-O; e tu farás tudo isso, para satisfação mútua e o farás em um curto período de vida na carne. “9. Recomendo-te que tenhas sempre em mente, ainda que de fato estejas para tornar-te um humano comum do reino, que tu permanecerás sendo um Filho Criador do Pai do Paraíso, em potencial. Durante esta encarnação, ainda que tu estejas vivendo e agindo como um Filho do Homem, os atributos criadores da tua divindade pessoal acompanhar-te-ão, de Salvington até Urântia. Sob a decisão da tua vontade estará sempre o poder de dar por terminada a encarnação, a qualquer momento, após a chegada do teu Ajustador do Pensamento. Antes da chegada e da recepção do Ajustador, garantirei eu a integridade da tua personalidade. Contudo, após a chegada do teu Ajustador e concomitantemente com o teu progressivo reconhecimento da natureza e da importância da tua missão de outorga, tu deverás abster-te da formulação de qualquer vontade, realização ou poder supra-humano, tendo em vista o fato de que as tuas prerrogativas de criador permanecerão associadas à tua personalidade mortal, em vista da inseparabilidade entre esses atributos e a tua presença pessoal. Nenhuma repercussão supra-humana acompanhará, porém, a tua carreira na Terra, fora da vontade do Pai do Paraíso; a menos que, por um ato de vontade consciente e deliberada, tu tomes a decisão cabal que culmine em uma opção pela tua personalidade total.” 3. CONSELHOS E EXORTAÇÕES ADICIONAIS “E agora, meu irmão, deixando-te enquanto te preparas para partir para Urântia e após haver-te aconselhado a respeito da conduta geral, na tua outorga, permita-me apresentar certos conselhos, que


me ocorreram quando em consulta com Gabriel e que dizem respeito a aspectos menores da tua vida mortal. Sugerimos, pois, ainda: “1. Que, na busca do ideal da tua vida mortal na Terra, também dês alguma atenção à realização do exemplo de algumas coisas práticas e de ajuda imediata para os teus semelhantes mortais. “2. No que diz respeito às relações familiares, dê precedência aos costumes consagrados de vida familiar, do modo como os encontrares estabelecidos, nos dias e na geração da tua autooutorga. Vive a tua vida de família e de comunidade, de acordo com as práticas dos povos entre os quais elegeste aparecer. “3. Nas tuas relações com a ordem social, aconselhamos que dirijas os teus esforços mais à regeneração espiritual e à emancipação intelectual. Evite quaisquer entrelaçamentos com a estrutura econômica e com os compromissos políticos dos teus dias. Mais especificamente, devota-te a viver a vida religiosa ideal em Urântia. “4. Em nenhuma circunstância e nem mesmo quanto ao menor detalhe, deverias interferir na ordem da evolução progressiva e normal das raças de Urântia. No entanto, essa proibição não deve ser interpretada como limitadora dos teus esforços de deixar, atrás de ti, um sistema duradouro e melhorado de ética religiosa positiva. Pág. 1330 Como um Filho dispensacional, são concedidos a ti certos privilégios, no que concerne ao avanço do status espiritual e religioso dos povos daquele mundo. “5. Na medida em que considerares adequado, poderás identificarte com movimentos espirituais e religiosos existentes, da forma como puderem ser encontrados em Urântia; mas procura, de todas


as maneiras possíveis, evitar o estabelecimento formal de um culto organizado, de uma religião cristalizada, ou de um agrupamento ético de seres mortais que se segregue. A tua vida e os teus ensinamentos estão destinados a transformar-se na herança comum de todas as religiões e de todos os povos. “6. Com a finalidade de que não contribuas, desnecessariamente, para a criação de sistemas subseqüentes estereotipados de crenças em Urântia, ou outros tipos de lealdades a religiões que possam não progredir, aconselhamos-te ainda que: Não deixes documentos escritos para trás de ti, no planeta. Exima-te de deixar escritos feitos em materiais permanentes; conclama os teus semelhantes a não criarem imagens ou outras figuras da tua figura, como encarnado. Assegura-te de que nada potencialmente idólatra seja deixado no planeta, à época da tua partida. “7. Embora vá viver a vida normal social comum no planeta, como um indivíduo do sexo masculino, possivelmente não terás relações matrimoniais, as quais seriam inteiramente honrosas e consistentes com a tua outorga; mas devo lembrar-te de que um dos mandatos de Sonarington, que regem a encarnação, proíbe que seja deixada descendência humana, de um Filho do Paraíso, em qualquer planeta da sua auto-outorga. “8. Com respeito a qualquer outro detalhe da tua outorga vindoura, nós te encomendamos ao guiamento do Ajustador residente, aos ensinamentos do sempre presente espírito divino que guia os humanos, e ao julgamento da razão da tua mente humana de dotação hereditária. Esta associação de atributos, de criatura e Criador, segundo cremos, capacitar-te-á a viver a vida perfeita do homem nas esferas planetárias; não perfeita, necessariamente, do ponto de vista de um homem específico, em um mundo determinado (muito menos o de Urântia), mas plena e supremamente completa, se


avaliada pelos mundos mais altamente perfeccionados, e em via de perfeccionamento, do teu vasto universo. “E agora, possa o teu Pai e meu Pai, que sempre nos apoiou nos nossos trabalhos anteriores, guiar-te, sustentar-te e estar contigo a partir do momento em que nos deixes e realizes a rendição da tua consciência de personalidade, até o teu gradual retorno ao reconhecimento da tua identidade divina, encarnada na forma humana; e também, então, por todo o período da tua experiência de auto-outorga em Urântia, até a tua liberação da carne e a tua ascensão à mão direita da soberania do nosso Pai. Quando, de novo, eu te vir em Salvington, saudaremos o teu retorno a nós, como o soberano supremo e incondicional deste universo de tua própria criação, do teu serviço e da tua plena compreensão. “Em teu lugar, eu reino agora. Assumo a jurisdição de todo o Nebadon, como soberano ativo, durante o ínterim da tua autooutorga, a sétima e mortal, em Urântia. E a ti, Gabriel, comissiono a salvaguarda do Filho do Homem, que está prestes a vir, até o momento em que ele haja retornado, pleno de glória e poder, a mim, como o Filho do Homem e como o Filho de Deus. E, Gabriel, sou eu o vosso soberano até que Michael assim retorne.” Então, imediatamente, na presença de toda Salvington reunida, Michael retirou-se do nosso meio; e nós não o vimos mais no seu lugar de costume, Pág. 1331 até o seu retorno como governante supremo e pessoal do universo, após o cumprimento da sua carreira de auto-outorga em Urântia. 4. A ENCARNAÇÃO – FAZER DE DOIS, UM


E, pois, certos filhos indignos de Michael estavam a ponto de ser silenciados, aqueles que haviam acusado o seu Pai-Criador de buscar egoisticamente o governo; e que se atreveram a insinuar que o Filho Criador se estava mantendo no poder, arbitrária e autocraticamente, em virtude da lealdade nada razoável de um universo iludido, de criaturas subservientes; para sempre haviam sido deixados em confusão e desilusão, em vista de uma vida de doação e serviço e auto-esquecimento, na qual o Filho de Deus entraria como Filho do Homem – submetendo-se sempre à “vontade do Pai do Paraíso”. Contudo, que vós não cometais nenhum engano; Cristo Michael, ainda que sendo um ser de origem dual, nunca teve uma personalidade dupla. Ele não foi Deus, em associação com o homem, mas foi, sim, Deus encarnado no homem. E ele foi sempre, precisamente, esse ser combinado. O único fator de gradação, em tal relação incompreensível, foi o entendimento e o reconhecimento, de autoconsciência gradativa (da sua mente humana), desse fato, de ser Deus e homem. Cristo Michael não se tornou gradativamente Deus. E Deus não se tornou homem, em algum momento vital, na vida terrena de Jesus. Jesus foi Deus e homem – sempre e para sempre. E esse Deus e esse homem foram e são, agora, Um; do mesmo modo que a Trindade do Paraíso, de três seres, na realidade, é uma Deidade. Nunca percais de vista o fato de que o propósito supremo da autooutorga de Michael foi o de acentuar e engrandecer a revelação de Deus. Os mortais de Urântia têm conceitos variáveis sobre o miraculoso, mas, para nós, que vivemos como cidadãos do universo local, há poucos milagres e, entre todos, os mais intrigantes são, de longe, as outorgas de encarnação dos Filhos do Paraíso. O surgimento, no


vosso mundo, de um Filho divino, por processos aparentemente naturais, é visto por nós como um milagre – o efeito de leis universais, para além da nossa compreensão. Jesus de Nazaré foi uma pessoa miraculosa. Nessa experiência extraordinária, e por meio dela, Deus, o Pai, escolheu manifestar-Se a Si próprio, como Ele sempre faz – do modo habitual –, pela via normal, natural e confiável, da ação divina. DOCUMENTO 121 A ÉPOCA DA AUTO-OUTORGA DE MICHAEL Atuando sob a supervisão de uma comissão de doze membros da Irmandade Unida dos Intermediários de Urântia, promovida conjuntamente pelo presidente da nossa ordem e o Melquisedeque relator; eu sou o intermediário que esteve outrora destinado ao apóstolo André, e estou autorizado a colocar neste registro a narrativa dos atos de Jesus de Nazaré, do modo como foram observados pela minha ordem de criaturas terrenas e como foram posteriormente registrados, de uma maneira parcial, pelo indivíduo humano que esteve sob a minha guarda temporal. Sabendo o quanto o seu Mestre evitava, tão escrupulosamente, deixar registros escritos atrás de si, André recusou-se firmemente a multiplicar cópias da sua narrativa escrita. Uma atitude semelhante da parte dos outros apóstolos de Jesus atrasou bastante a redação dos evangelhos. 1. O OCIDENTE, NO PRIMEIRO SÉCULO DEPOIS DE CRISTO Jesus não veio a este mundo durante uma idade de decadência espiritual. Na época do seu nascimento, Urântia estava passando por um renascimento do pensamento e da vivência religiosos, como não havia conhecido em toda a sua história anterior pós-Adâmica, nem conheceria em qualquer era, desde então. Quando Michael


encarnou em Urântia, o mundo apresentava a mais favorável condição para a auto-outorga do Filho Criador, entre todas as que haviam prevalecido anteriormente, ou que haviam sido geradas, desde então. Durante os séculos imediatamente anteriores a essa época, a cultura e a língua gregas haviam-se espalhado pelo Ocidente e pelo Oriente próximo, e os judeus, sendo de uma raça levantina de natureza meio ocidental e meio oriental, estavam, pois, eminentemente qualificados para utilizar esse quadro cultural e lingüístico na disseminação eficaz de uma nova religião, tanto para o leste quanto para o oeste. Tais circunstâncias ficaram ainda mais favoráveis com o governo dos romanos, politicamente tolerante para com o Mundo Mediterrâneo. Toda essa combinação de influências mundiais é bem ilustrada pelas atividades de Paulo, que, tendo a cultura religiosa de um hebreu entre os hebreus, proclamou o evangelho de um Messias judeu, na língua grega, enquanto ele próprio era um cidadão romano. Nada como a civilização da época de Jesus foi visto no Ocidente, antes ou depois daquela época. A civilização européia foi unificada e coordenada sob uma extraordinária influência tríplice: 1. O sistema político-social dos romanos. 2. A língua e a cultura gregas – e, em uma certa medida, a filosofia grega. 3. A influência, de veloz expansão, da religião e dos ensinamentos morais judeus. Quando Jesus nasceu, todo o Mundo Mediterrâneo era um império unificado. Boas estradas interligavam muitos dos maiores centros, pela primeira vez na História Pág. 1333


do mundo. Os mares estavam isentos de piratas, e uma grande era de comércio e de viagens estava rapidamente avançando. A Europa não gozou novamente de um período como esse, de viagens e de comércio, até o século dezenove depois de Cristo. Não obstante a paz interna e a prosperidade superficial do mundo greco-romano, uma maioria de habitantes do império definhava em uma miséria sórdida. A classe superior, pouco numerosa, era rica; uma classe inferior miserável e empobrecida abrangia a massa da Humanidade. Não havia, naqueles dias, uma classe média feliz e próspera, essa classe mal havia começado a surgir na sociedade romana. As primeiras lutas entre os Estados de Roma e da Pártia haviam sido concluídas, em um passado recente, deixando a Síria nas mãos dos romanos. Nos tempos de Jesus, a Palestina e a Síria estavam gozando de um período de prosperidade, de paz relativa e de grandes relações comerciais com as nações do Oriente e do Ocidente. 2. O POVO JUDEU Os judeus eram uma parte da raça semítica mais antiga, que também incluía os babilônios, os fenícios e os inimigos mais recentes de Roma, os cartagineses. Durante o início do primeiro século depois de Cristo, os judeus eram, dentre os povos semitas, o grupo de maior influência, e aconteceu que eles ocuparam uma posição geográfica peculiarmente estratégica no mundo, que, naquela época, era governado e organizado para o comércio. Muitas das grandes estradas ligando as nações da antigüidade passavam pela Palestina, que se tornou assim um ponto de confluência ou onde se cruzavam as estradas de três continentes. Os viajantes, o comércio e os exércitos da Babilônia, da Assíria, do


Egito, da Síria, da Grécia, da Pártia e de Roma atravessaram a Palestina sem cessar. Desde tempos imemoriais, muitas frotas de caravanas do Oriente passavam por alguma parte dessa região, indo para os poucos portos marinhos da extremidade oriental do Mediterrâneo, de onde os barcos carregavam as suas cargas para todo o Ocidente marítimo. E mais da metade desse tráfego de caravanas passava por dentro ou próximo da pequena cidade de Nazaré, na Galiléia. Embora a Palestina fosse a terra da cultura religiosa judaica e o local de nascimento do cristianismo, os judeus estavam espalhados pelo mundo, morando em muitas nações e fazendo comércio em todas as províncias dos Estados de Roma e da Pártia. A Grécia contribuiu com uma língua e uma cultura, Roma construiu as estradas e unificou um império, mas, com as suas mais de duzentas sinagogas e comunidades religiosas bem organizadas, espalhadas aqui e ali, em todo o mundo romano, a dispersão dos judeus forneceu os centros culturais nos quais o novo evangelho do Reino do céu teve a sua recepção inicial, e dos quais, subseqüentemente, ele espalhou-se até os confins do mundo. Cada sinagoga judaica tolerava uma faixa à parte de crentes gentios, de homens “devotos” ou “tementes a Deus”, e foi nessa faixa de prosélitos que Paulo fez a maior parte dos seus primeiros convertidos ao cristianismo. Até mesmo o templo em Jerusalém possuía uma área especial decorada para os gentios. Havia uma ligação muito estreita entre a cultura, o comércio e o culto, entre Jerusalém e a Antióquia. Na Antióquia, os discípulos de Paulo foram chamados de “cristãos” pela primeira vez. A centralização do culto no templo judaico em Jerusalém constituía não apenas o segredo da sobrevivência do monoteísmo deles, mas


também a promessa da manutenção e da disseminação, para o mundo, de um conceito novo e ampliado daquele único Pág. 1334 Deus de todas as nações e Pai de todos os mortais. O serviço, no templo em Jerusalém, representava a sobrevivência de um conceito cultural religioso em face da queda da sucessão de suseranos nacionais gentios e de perseguidores raciais. O povo judeu dessa época, embora sob a suserania dos romanos, desfrutava de um grau considerável de autogoverno. E, pois, relembrando os então recentes atos de heroísmo de libertação executados por Judas Macabeus e pelos seus sucessores imediatos estavam vibrantes com a expectativa da aparição imediata de um libertador ainda mais magnífico, o Messias há tanto tempo esperado. O segredo da sobrevivência da Palestina, o reino dos judeus, como um Estado semi-independente, estava entregue à política externa do governo romano, que desejava manter o controle sobre as estradas na Palestina e que a ligavam à Síria e ao Egito, bem como aos terminais ocidentais das rotas das caravanas entre o Oriente e o Ocidente. Roma não queria nenhuma potência, surgindo no Levante, que pudesse restringir a sua expansão futura naquelas regiões. A política da intriga, que tinha por objetivo colocar a Síria seleucida e o Egito ptolomaico um contra o outro, necessitava de que se fortalecesse a Palestina como um Estado separado e independente. A política romana, a degeneração do Egito e o enfraquecimento progressivo dos seleucidas, diante da emergência do poder da Pártia, explicam por que, durante muitas gerações, um grupo, assim pequeno e sem poder, de judeus houvesse sido capaz de manter a sua independência, apesar de ter contra si os seleucidas ao norte e os ptolomaicos ao sul. Essa liberdade e essa


independência fortuitas dos governos políticos dos povos vizinhos mais poderosos eram atribuídas pelos judeus ao fato de que eles eram o “povo escolhido”, e à interferência direta de Yavé. Tal atitude de superioridade racial tornou mais difícil, para eles, resistirem à suserania romana, quando, finalmente, ela se abateu sobre a terra deles. Contudo, mesmo nessa hora triste, os judeus recusaram-se a compreender que a sua missão no mundo era espiritual, não política. Os judeus achavam-se extraordinariamente apreensivos e suspeitosos, durante a época de Jesus, porque eles estavam então sendo governados por um estrangeiro, Herodes, o idumeu, que havia trazido a si a suserania da Judéia, pois ele se insinuara espertamente por entre os governantes romanos. E, embora Herodes professasse lealdade às observâncias cerimoniais dos hebreus, ele continuava a erigir templos para muitos deuses estranhos. As relações amistosas de Herodes com os governantes romanos permitiam que os judeus viajassem com segurança pelo mundo, e assim abriram caminho para a penetração crescente dos judeus, até mesmo nas partes distantes do império romano, e em nações estrangeiras com as quais Roma mantinha tratados, levando o novo evangelho do Reino do céu. O reino de Herodes também contribuiu muito para a fusão ulterior das filosofias hebraica e helênica. Herodes construiu o porto de Cesaréia, que, mais tarde, ajudou a transformar a Palestina em um ponto de confluência das estradas do mundo civilizado. Ele morreu no ano 4 a.C., e o seu filho, Herodes Antipas, governou a Galiléia e a Peréia durante a juventude e o ministério de Jesus, até o ano 39 d.C. Antipas, como o seu pai, era um grande construtor. Ele construiu muitas das cidades da Galiléia, incluindo o importante centro comercial de Séforis.


Os galileus não tinham muito prestígio junto aos líderes religiosos, nem junto aos mestres rabinos de Jerusalém. A Galiléia era mais dos gentios do que dos judeus, quando Jesus nasceu. 3. ENTRE OS GENTIOS Embora as condições sociais e econômicas do Estado Romano não fossem da ordem mais elevada, reinava uma paz doméstica bem disseminada, e a prosperidade era propícia Pág. 1335 para a auto-outorga de Michael. No primeiro século depois de Cristo, a sociedade do Mundo Mediterrâneo consistia de cinco substratos bem definidos: 1. A aristocracia. As classes superiores, com dinheiro e poder oficial, os grupos governantes privilegiados. 2. Os grupos de negócios. Os príncipes mercadores e os banqueiros, os negociantes – os grandes importadores e exportadores – os mercadores internacionais. 3. A pequena classe média. Embora esse grupo fosse de fato pequeno, era muito influente e constituiu a coluna dorsal da igreja cristã inicial, pois encorajava tais grupos a continuar nos seus vários ofícios e comércios. Entre os judeus, muitos dos fariseus pertenciam a essa classe de comerciantes. 4. O proletariado livre. Esse grupo tinha um status social baixo ou nulo. Embora orgulhosos da sua liberdade, eles estavam em grande desvantagem, porque eram forçados a competir com o trabalho escravo. As classes altas dedicavam-lhes um certo desdém, pois consideravam que eram inúteis, exceto para os “propósitos da reprodução”.


5. Os escravos. Metade da população do Estado Romano era de escravos; muitos eram indivíduos superiores e rapidamente abriram o seu caminho para o livre proletariado, e mesmo para o comércio. A maioria ou era medíocre, ou muito inferior. A escravidão, mesmo a de povos superiores, era um aspecto das conquistas militares romanas. O poder do senhor sobre o seu escravo era irrestrito. A igreja cristã inicial compunha-se, em grande parte, das classes mais baixas e desses escravos. Os escravos superiores muitas vezes recebiam salários e, por meio de economias, tornavam-se capazes de comprar a sua liberdade. Muitos desses escravos emancipados alcançaram altas posições no Estado, na Igreja e no mundo dos negócios. E foram exatamente tais possibilidades que tornaram a igreja cristã inicial tão tolerante com essa forma modificada de escravidão. Não havia nenhum problema social generalizado no império romano, no primeiro século depois de Cristo. A maior parte da população considerava-se como pertencente àquele grupo no qual a sorte as levara a nascer. Havia, sempre aberta, uma porta através da qual os indivíduos talentosos e capazes poderiam ascender do substrato inferior ao superior da sociedade romana; mas o povo, em geral, era de pessoas contentes com a sua posição social. Elas não possuíam consciência de classe, nem consideravam essas distinções de classe como sendo injustas ou erradas. O cristianismo não foi, em nenhum sentido, um movimento econômico, tendo como propósito melhorar as misérias das classes oprimidas. Embora a mulher gozasse de mais liberdade em todo o império romano do que na sua posição restrita na Palestina, a devoção familiar e a afeição natural dos judeus ultrapassavam em muito as do mundo gentio.


4. A FILOSOFIA DOS GENTIOS Os gentios eram, de um ponto de vista moral, um pouco inferiores aos judeus, mas havia, presente nos corações dos gentios mais nobres, um solo abundante de bondade natural e de potencial de afeição humana no qual era possível à semente do cristianismo germinar e produzir uma abundante colheita de caráter moral e de realização espiritual. Então, o mundo gentio estava dominado por quatro grandes filosofias, todas derivadas mais ou menos do platonismo anterior dos gregos. Essas escolas de filosofia eram: 1. A epicuriana. Essa escola de pensamento dedicava-se à busca da felicidade. Os melhores epicurianos não eram dados a excessos sensuais. Ao menos Pág. 1336 essa doutrina ajudou a livrar os romanos de uma forma mais nefasta de fatalismo, pois ensinou que os homens poderiam fazer alguma coisa para melhorar o seu status terrestre. E combateu, com eficácia, as superstições ignorantes. 2. A estóica. O estoicismo era a filosofia superior das classes melhores. Os estóicos acreditavam que um controle do DestinoRazão dominava toda a natureza. Ensinavam que a alma do homem era divina; que estava aprisionada no corpo mau da natureza física. A alma do homem alcançava a liberdade, vivendo em harmonia com a natureza, com Deus; assim, a virtude tornava-se a sua própria recompensa. O estoicismo elevou-se até uma moralidade sublime, a ideais nunca transcendidos por qualquer sistema puramente humano de filosofia. Embora os estóicos professassem ser “a progênie de Deus”, eles não tiveram êxito em conhecê-Lo e, portanto, falharam em encontrá-Lo. O estoicismo permaneceu como uma filosofia; nunca se transformou em uma religião. Os seus seguidores


buscaram sintonizar as suas mentes com a harmonia da mente Universal, mas deixaram de ver-se como os filhos de um Pai amoroso. Paulo inclinou-se fortemente para o estoicismo, quando escreveu: “Eu aprendi que, em qualquer estado em que me encontre, devo estar contente”. 3. A cínica. Embora a filosofia dos cínicos remonte a Diógenes de Atenas, eles tiraram uma boa parte da sua doutrina dos ensinamentos remanescentes de Maquiventa Melquisedeque. O cinismo havia sido, anteriormente, mais uma religião do que uma filosofia. Ao menos, os cínicos fizeram da sua religião-filosofia algo democrático. Nos campos e nas praças dos mercados eles pregavam continuamente a sua doutrina, segundo a qual “o homem podia salvar a si próprio, se quisesse”. Eles pregavam a simplicidade e a virtude, e estimulavam os homens a enfrentar a morte destemidamente. Esses pregadores cínicos itinerantes muito fizeram para preparar a população, espiritualmente faminta, para os missionários cristãos posteriores. O seu plano de pregação popular estava bastante de acordo com o modelo e com o estilo das Epístolas de Paulo. 4. A cética. O ceticismo afirmava que o conhecimento era falacioso, e que a convicção e a certeza eram impossíveis. Era uma atitude puramente negativa, e nunca se tornou difundida de um modo geral. Essas filosofias eram semi-religiosas; elas eram, muitas vezes, revigorantes, éticas e enobrecedoras, mas, em geral, estavam acima da gente comum. Com exceção possivelmente do cinismo, eram filosofias para o forte e o sábio, não eram religiões de salvação, nem para o pobre, nem para o fraco. 5. AS RELIGIÕES DOS GENTIOS Durante as idades precedentes, a religião havia sido, principalmente, um assunto da tribo ou da nação; e, dificilmente, um


assunto de preocupação do indivíduo. Os deuses eram tribais ou nacionais, não pessoais. Tais sistemas religiosos proporcionavam pouca satisfação para as aspirações espirituais individuais da pessoa comum. Nos tempos de Jesus, as religiões do Ocidente incluíam: 1. Os cultos pagãos. Estes eram uma combinação da mitologia helênica e latina, de patriotismo e de tradição. 2. O culto ao imperador. Essa deificação do homem como símbolo do Estado era muito seriamente ressentida pelos judeus e os primeiros cristãos, e desembocou diretamente nas perseguições amargas a ambas as igrejas pelo governo romano. Pág. 1337 3. A astrologia. Essa pseudo-ciência da Babilônia desenvolveu-se como uma religião por todo o Império Greco-Romano. Mesmo o homem do século vinte ainda não se libertou totalmente dessa crença supersticiosa. 4. As religiões dos mistérios. Nesse mundo de tanta fome espiritual, uma enchente de cultos misteriosos irrompeu: eram religiões novas e estranhas do Levante que seduziam a gente comum e que prometiam a salvação individual. Essas religiões rapidamente tornaram-se as crenças aceitas pelas classes mais baixas do mundo greco-romano. E fizeram muito para preparar o caminho para a disseminação rápida dos ensinamentos vastamente superiores do cristianismo, que apresentavam às pessoas inteligentes um conceito majestoso da Deidade associado a uma teologia excitante e uma oferta generosa de salvação de todos, incluindo os homens comuns ignorantes, mas espiritualmente famintos, daqueles dias.


As religiões dos mistérios marcaram o fim das crenças nacionais e resultaram no nascimento dos inúmeros cultos pessoais. Os mistérios eram muitos, mas eram todos caracterizados por: 1. Alguma lenda mítica, um mistério – daí o seu nome. Em geral, esse mistério dizia respeito à história da vida, à morte e à ressurreição de algum deus, como ilustrado nos ensinamentos do mitraísmo, que, durante um certo tempo, foi contemporâneo e competidor do culto cristão crescente de Paulo. 2. Os mistérios eram não nacionais e inter-raciais. Eram pessoais e fraternais, dando surgimento a irmandades religiosas e a inúmeras sociedades sectárias. 3. Eles eram, nos seus serviços, caracterizados por cerimônias elaboradas de iniciação e por sacramentos espetaculares de adoração. Os seus ritos e rituais secretos algumas vezes eram horríveis e revoltantes. 4. Não importando a natureza das suas cerimônias, nem o grau dos seus excessos, esses mistérios invariavelmente prometiam a salvação aos seus devotos, “a libertação do mal, a sobrevivência depois da morte e uma vida duradoura em reinos abençoados além deste mundo de tristezas e de escravidão”. Não cometais, contudo, o erro de confundir os ensinamentos de Jesus com os dos mistérios. A popularidade dos mistérios revela a busca do homem pela sobrevivência, retratando, assim, a fome e a sede real de religião pessoal e de retidão individual. Embora os mistérios hajam fracassado em satisfazer adequadamente a essa aspiração, eles prepararam o caminho para o surgimento posterior de Jesus, que verdadeiramente trouxe a este mundo o pão e a água da vida.


Paulo, em um esforço de aproveitar a adesão ampla dos tipos melhores das religiões dos mistérios, fez certas adaptações dos ensinamentos de Jesus, de modo a torná-los mais aceitáveis para um número maior de convertidos em potencial. No entanto, os ensinamentos de Jesus (o cristianismo), mesmo com as concessões de Paulo, eram superiores ao melhor dos mistérios, porque: 1. Paulo ensinou uma redenção moral, uma salvação ética. O cristianismo abriu o caminho de uma nova vida e proclamou um novo ideal. Paulo abandonou os ritos mágicos e as cerimônias de encantamento. 2. O cristianismo apresentava uma religião que atacava o problema humano com soluções finais, pois não apenas oferecia a salvação da tristeza e mesmo da morte, mas também prometia a libertação do pecado, seguida da graça de um caráter reto de qualidades de sobrevivência eterna. Pág. 1338 3. Os mistérios eram edificados sobre mitos. O cristianismo, como Paulo o pregava, fundava-se em um fato histórico: a auto-outorga de Michael, o Filho de Deus, doando-se à humanidade. A moralidade entre os gentios não era necessariamente relacionada nem à filosofia nem à religião. Fora da Palestina, nem sempre ocorria às pessoas que um sacerdote de uma religião deveria levar uma vida moral. A religião judaica e, subseqüentemente, os ensinamentos de Jesus e, mais tarde o cristianismo em evolução, de Paulo, foram as primeiras religiões européias a colocar uma mão na moral e outra na ética, insistindo em que os religiosos dessem alguma atenção a ambas.


E foi em uma tal geração de homens, dominada por sistemas tão incompletos de filosofia e em meio à perplexidade, por causa de cultos religiosos complexos, que Jesus nasceu na Palestina. E a essa mesma geração ele posteriormente deu o seu evangelho de religião pessoal – de filiação a Deus. 6. A RELIGIÃO DOS HEBREUS Ao final do primeiro século antes de Cristo, o pensamento religioso de Jerusalém havia sido fortemente influenciado e um tanto modificado pelos ensinamentos culturais gregos e mesmo pela filosofia grega. Na longa divergência entre as visões da escola de pensamento hebreu do Ocidente e do Oriente, Jerusalém e o restante do Ocidente e do Levante, em geral, adotaram a visão judaica oriental ou o ponto de vista helenista modificado. Nos dias de Jesus, três línguas predominavam na Palestina: o povo comum falava algum dialeto do aramaico; os sacerdotes e os rabinos falavam o hebreu; as classes educadas e o substrato melhor dos judeus em geral falavam o grego. As primeiras traduções das escrituras dos hebreus para o grego em Alexandria foram responsáveis, em uma grande medida, pela predominância subseqüente da ramificação grega na cultura e na teologia judaicas. E os escritos dos educadores cristãos estavam para surgir, em breve, nessa mesma língua. A renascença do judaísmo data da tradução, para o grego, das escrituras dos hebreus. Isso foi uma influência vital que determinou, mais tarde, a tendência do culto cristão de Paulo de ir na direção do Ocidente, em vez de ir na direção do Oriente. Embora as crenças judaicas helenizadas fossem pouco influenciadas pelos ensinamentos dos epicurianos, elas foram bastante afetadas, materialmente, pela filosofia de Platão e pelas doutrinas de autoabnegação dos estóicos. A grande invasão do estoicismo é


exemplificada pelo Quarto Livro dos Macabeus; a influência tanto da filosofia platônica quanto das doutrinas estóicas é demonstrada na sabedoria de Salomão. Os judeus helenizados trouxeram, para as escrituras dos hebreus, uma interpretação de tal modo alegórica que eles não encontraram nenhuma dificuldade em conformar a teologia dos hebreus à filosofia aristotélica reverenciada por eles. Tudo isso, porém, levou a uma confusão desastrosa, até que tais problemas fossem encampados pela mão de Filo de Alexandria, que harmonizou e sistematizou a filosofia grega e a teologia dos hebreus em um sistema compacto e bastante consistente de crenças e práticas religiosas. Era esse ensinamento ulterior da filosofia grega, conjugado com a teologia dos hebreus, que prevalecia na Palestina, enquanto Jesus viveu e ensinou, e que Paulo utilizou como fundação sobre a qual construir o seu culto cristão, mais avançado e iluminado. Filo era um grande educador; desde Moisés, nenhum homem vivera que houvesse exercido uma influência tão profunda sobre o pensamento ético e religioso do mundo ocidental. Na questão da combinação dos melhores elementos dos sistemas contemporâneos Pág. 1339 de ensinamentos éticos e religiosos, houve sete educadores humanos que se destacaram: Setard, Moisés, Zoroastro, Lao-tsé, Buda, Filo e Paulo. Muitas, mas não todas, inconsistências de Filo, resultantes do esforço de combinar a filosofia mística grega e as doutrinas estóicas dos romanos com a teologia legalista dos hebreus, Paulo identificou-as e eliminou-as, sabiamente, na sua teologia básica précristã. Filo franqueou a Paulo um caminho amplo para restaurar o conceito da Trindade do Paraíso, que havia muito estava adormecido na teologia dos judeus. Apenas em um ponto Paulo deixou de se


manter à altura de Filo ou de transcender os ensinamentos desse rico e educado judeu da Alexandria, e esse foi o da doutrina da expiação; Filo ensinava a necessidade da libertação da doutrina de que o perdão não seria obtido senão pelo derramamento de sangue. Ele possivelmente visualizou a realidade e a presença dos Ajustadores do Pensamento mais claramente do que o conseguiu Paulo. Contudo, a teoria de Paulo sobre o pecado original, as doutrinas da culpa hereditária e do mal inato e da sua redenção eram parcialmente de origem mitraica, tendo pouco em comum com a teologia hebraica, com a filosofia de Filo ou com os ensinamentos de Jesus. Alguns aspectos dos ensinamentos de Paulo acerca do pecado original e da expiação eram originários dele próprio. O evangelho de João, a última das narrativas da vida terrena de Jesus, foi endereçado aos povos ocidentais e apresenta a sua história sobremaneira à luz do ponto de vista dos cristãos tardios de Alexandria, que eram também discípulos dos ensinamentos de Filo. Por volta da época de Cristo, uma estranha reviravolta de sentimentos para com os judeus ocorreu em Alexandria e desse antigo bastião dos judeus surgiu uma onda virulenta de perseguição estendendo-se até Roma, de onde muitos milhares deles foram banidos. Todavia, essa campanha de deturpação dos fatos não se prolongou; logo o governo imperial restaurou total e amplamente as liberdades dos judeus em todo o império. Em todo o vasto mundo, não importando por onde os judeus se encontrassem dispersados, por causa do comércio ou da opressão, eles mantinham, de comum acordo, os seus corações centrados no templo sagrado de Jerusalém. A teologia judaica sobreviveu do modo como foi interpretada e praticada em Jerusalém, não obstante haver sido, por muitas vezes, salva do esquecimento por intervenções oportunas de certos educadores babilônios.


Cerca de dois milhões e meio desses judeus dispersados tinham o hábito de vir a Jerusalém, para a celebração dos festivais nacionais religiosos. E, não importando as diferenças teológicas ou filosóficas entre os judeus do Oriente (os babilônios) e os do Ocidente (os helênicos), todos eles estavam de acordo sobre Jerusalém ser o centro do seu culto e sobre terem sempre esperança na vinda do Messias. 7. JUDEUS E GENTIOS Na época de Jesus, os judeus haviam chegado a um conceito estabelecido sobre a sua origem, história e destino. Haviam construído um muro rígido de separação entre eles próprios e o mundo gentio; e encaravam todos os hábitos gentios com um extremo desprezo. O seu culto seguia a letra da lei e eles entregavam-se a uma forma de hipocrisia baseada no orgulho falso da sua descendência. Eles haviam formado noções preconcebidas a respeito do Messias prometido, e a maioria dessas expectativas visualizava um Messias que viria como parte da sua história nacional e racial. Para os hebreus daqueles dias, a teologia judaica estava irrevogavelmente estabelecida, fixada para sempre. Os ensinamentos e práticas de Jesus a respeito da tolerância e da bondade iam contra a atitude bem antiga dos judeus para com os outros povos, Pág. 1340 que eles consideravam pagãos. Durante gerações, os judeus haviam nutrido uma atitude para com o mundo exterior que tornou impossível a eles aceitarem os ensinamentos do Mestre sobre a irmandade espiritual dos homens. Eles não estavam dispostos a compartilhar Yavé em termos de igualdade com os gentios e, do


mesmo modo, não se dispunham a aceitar, como sendo Filho de Deus, um homem que ensinava doutrinas tão novas e estranhas. Os escribas, os fariseus e o sacerdócio mantinham os judeus em uma escravidão terrível de ritualismo e de legalismo, uma escravidão muito mais real do que a do governo político romano. Os judeus da época de Jesus não eram mantidos apenas sob o jugo da lei, mas estavam igualmente presos às exigências escravizadoras das tradições, que envolviam e invadiam todos os domínios da vida pessoal e social. Essas regulamentações minuciosas de conduta perseguiram e dominaram todos os judeus leais, e não é estranho que rejeitassem prontamente qualquer um dentre eles que presumisse ignorar as suas tradições sagradas e que ousasse desprezar as suas regras de conduta social já havia tanto tempo honradas. Dificilmente poderiam eles ver favoravelmente os ensinamentos de um homem que não hesitava em se contrapor aos dogmas que eles consideravam como tendo sido ordenados pelo próprio Pai Abraão. Moisés havia dado a eles as suas leis e eles não se comprometeriam em concessões. À época do primeiro século depois de Cristo, a interpretação oral da lei feita pelos educadores reconhecidos, os escribas, havia-se transformado em uma autoridade mais alta do que a própria lei escrita. E tudo isso tornou mais fácil para alguns líderes religiosos dos judeus predispor o povo contra a aceitação de um novo evangelho. Tais circunstâncias tornaram impossível para os judeus realizar o seu destino divino como mensageiros do novo evangelho de liberdade religiosa e de liberdade espiritual. Eles não podiam quebrar as cadeias da tradição. Jeremias dissera sobre a “lei a ser escrita nos corações dos homens”, Ezequiel falara sobre um “novo espírito que viveria na alma do homem”, e o salmista orara para que Deus viesse “criar um coração interior limpo e um espírito reto


renovado”. Quando, porém, a religião judaica das boas obras e da escravidão à lei caiu como vítima da estagnação da inércia tradicionalista, o movimento de evolução religiosa deslocou-se para o Ocidente, para os povos europeus. E assim, um povo diferente foi convocado a levar ao mundo uma teologia avançada, um sistema de ensinamentos que incorporava a filosofia dos gregos, a lei dos romanos, a moralidade dos hebreus e o evangelho da santidade da personalidade e da liberdade espiritual; como fora formulado por Paulo, com base nos ensinamentos de Jesus. O culto cristão de Paulo tinha, na sua moralidade, um sinal judeu de nascimento. Os judeus consideravam a história como conseqüência da providência de Deus – do trabalho de Yavé. Os gregos trouxeram ao novo ensinamento os conceitos mais claros da vida eterna. As doutrinas de Paulo foram influenciadas, na teologia e na filosofia, não apenas pelos ensinamentos de Jesus, mas também por Platão e Filo. Na ética, ele se inspirou não apenas em Cristo, mas também nos estóicos. O evangelho de Jesus, como foi incorporado no culto do cristianismo da Antióquia de Paulo, tornou-se um amálgama dos ensinamentos seguintes: 1. O raciocínio filosófico dos prosélitos gregos do judaísmo, incluindo alguns dos seus conceitos da vida eterna. 2. Os atraentes ensinamentos dos cultos dos mistérios que prevaleciam, especialmente as doutrinas mitraicas da redenção, da expiação e da salvação, por meio do sacrifício feito a algum deus. 3. A robusta moralidade da religião judaica estabelecida. Pág. 1341


O império romano do Mediterrâneo, o reino Pártio e os povos adjacentes da época de Jesus alimentavam, todos, idéias imaturas e primitivas a respeito da geografia do mundo, da astronomia, da saúde e das doenças; e, naturalmente, eles ficaram impressionados com os pronunciamentos novos e surpreendentes do carpinteiro de Nazaré. As idéias da possessão pelos espíritos bons e maus aplicavam-se, não apenas a seres humanos, mas até mesmo às rochas e às árvores, e muitos viam-nas como sendo possuídas por espíritos. Essa foi uma idade encantada, e todos acreditavam em milagres como acontecimentos bastante comuns. 8. OS REGISTROS ESCRITOS ANTERIORES Tanto quanto possível, e consistentemente com o nosso mandato, nós nos esforçamos para utilizar e coordenar, em uma certa medida, os arquivos existentes, que são relacionados com a vida de Jesus em Urântia. Embora tenhamos desfrutado do acesso aos registros perdidos do apóstolo André, e nos hajamos beneficiado da colaboração de uma vasta hoste de seres celestes que esteve na Terra durante a época da auto-outorga de Michael (e, especialmente do seu Ajustador, agora Personalizado), tem sido o nosso propósito também fazer uso dos assim chamados evangelhos de Mateus, de Marcos, de Lucas e de João. Esses registros do Novo Testamento tiveram a sua origem nas circunstâncias seguintes: 1. O evangelho segundo Marcos. João Marcos escreveu o primeiro registro (excetuando-se as notas de André), o mais breve e o mais simples, da vida de Jesus. Ele apresentou o Mestre como um ministro, como um homem entre os homens. Embora Marcos fosse um jovem, evoluindo em meio às muitas cenas que ele retrata, o seu registro é, na realidade, o evangelho segundo Simão Pedro. Inicialmente, ele fora mais ligado a Pedro, e, mais tarde, a Paulo.


Marcos escreveu esse registro estimulado por Pedro e por um pedido sincero da igreja de Roma. Sabendo quão consistentemente o Mestre havia-se recusado a escrever os seus ensinamentos, quando na Terra e na carne, Marcos, como os apóstolos e outros discípulos importantes, hesitava em colocá-los por escrito. Pedro, porém, sentiu que a igreja de Roma, requisitava a assistência dessa narrativa por escrito, e Marcos consentiu em prepará-la. Ele fez muitas notas antes de Pedro morrer, no ano 67 d.C. e, de acordo com as linhas gerais aprovadas por Pedro e pela igreja em Roma, ele começou a escrevê-los logo depois da morte de Pedro. O evangelho ficou pronto lá pelo final do ano 68 d.C. Marcos escreveu-o inteiramente de memória e a partir das memórias de Pedro. Esse registro, desde então, tem sido alterado consideravelmente; inúmeras passagens foram retiradas e algumas, mais tarde, foram acrescentadas, com a finalidade de repor o último quinto do evangelho original, que foi perdido do primeiro manuscrito antes de haver sido jamais copiado. Esse registro, feito por Marcos, em conjunção com as anotações de André e as de Mateus, foi a base escrita de todas as narrativas subseqüentes dos Evangelhos que procuraram retratar a vida e os ensinamentos de Jesus. 2. O evangelho de Mateus. O chamado evangelho segundo Mateus é o registro da vida do Mestre que foi escrito para a edificação dos cristãos judeus. O autor desse registro procura continuamente mostrar que, na vida de Jesus, muito do que ele fez foi para que “pudesse ser cumprido aquilo que foi dito pelo profeta”. O evangelho de Mateus retrata Jesus como um filho de Davi, apresentando-o como se houvesse tido um grande respeito pela lei judaica e pelos profetas. O apóstolo Mateus não escreveu esse evangelho. Foi escrito por Isador, um dos seus discípulos, que teve, no seu trabalho, a ajuda não apenas da lembrança pessoal de Mateus


Pág. 1342 desses acontecimentos, mas também um certo registro que este último havia feito sobre as palavras de Jesus, exatamente depois da sua crucificação. Esse registro de Mateus foi escrito em aramaico; Isador escreveu-o em grego. Não houve a intenção de enganar, ao creditar-se a obra a Mateus. Era costume, naqueles dias, que os discípulos prestassem assim homenagem aos seus mestres. O registro original de Mateus foi editado e recebeu aditamentos no ano 40 d.C., pouco antes de ele haver deixado Jerusalém para entrar em pregação evangelizadora. Era um registro particular, havendo a última cópia sido destruída pelo incêndio de um monastério sírio, no ano 416 d.C. Isador escapou de Jerusalém no ano 70 d.C., depois da invasão da cidade pelos exércitos de Tito, levando consigo para Pela uma cópia das notas de Mateus. No ano 71 enquanto vivia em Pela, Isador escreveu o evangelho segundo Mateus. Ele também tinha consigo os primeiros quatro quintos da narrativa de Marcos. 3. O evangelho segundo Lucas. Lucas, o médico da Antióquia em Pisídia, era um gentio convertido por Paulo, e ele escreveu uma história totalmente diferente da vida do Mestre. Ele começou a seguir Paulo e a aprender sobre a vida e os ensinamentos de Jesus no ano 47 d.C. Lucas preserva muito da “graça do Senhor Jesus Cristo” no seu registro, pois ele reuniu esses fatos de Paulo e de outros. Lucas apresenta o Mestre como “o amigo de publicanos e pecadores”. Ele transformou em evangelho muitas das suas anotações, somente depois da morte de Paulo. Lucas escreveu-o no ano 82 d.C., em Acáia. Ele planejou três livros tratando da história de Cristo e da cristandade, mas morreu no ano 90 d.C. pouco antes de terminar o segundo desses trabalhos, os “Atos dos Apóstolos”.


Para material de compilação desse evangelho, Lucas primeiro usou da história da vida de Jesus, como Paulo a relatara a ele. O evangelho de Lucas é, portanto, de algum modo, o evangelho segundo Paulo. Lucas, no entanto, tinha outras fontes de informação. Ele não apenas entrevistou dezenas de testemunhas oculares dos inúmeros episódios da vida de Jesus, que ele registrou, mas também ele tinha consigo uma cópia do evangelho de Marcos, isto é, os primeiros quatro quintos da narrativa de Isador, e um breve registro feito no ano 78 d.C., em Antióquia, por um crente chamado Cedes. Lucas também possuía uma cópia mutilada e muito modificada de algumas notas que supostamente teriam sido feitas pelo apóstolo André. 4. O evangelho de João. O evangelho segundo João relata grande parte do trabalho de Jesus na Judéia e perto de Jerusalém, que não consta em outros registros. Esse é o assim chamado evangelho segundo João, o filho de Zebedeu, e embora João não o haja escrito, ele o inspirou. Desde a primeira vez que foi escrito, foi editado várias vezes, de modo a fazê-lo parecer ter sido escrito pelo próprio João. Quando esse registro foi feito, João estava de posse dos outros Evangelhos, e viu que muita coisa havia sido omitida; e, desse modo, no ano 101 d.C., ele encorajou o seu discípulo, Natam, um judeu grego de Cesaréia, a começar a escrevêlo. João forneceu o seu material de memória, e sugeriu que ele se baseasse nas referências feitas nos três registros já existentes. João nada tinha que houvesse sido escrito por ele próprio. A epístola conhecida como “Primeira de João” foi escrita pelo próprio João, como uma carta de apresentação para o trabalho que Natam executara sob a sua direção. Todos esses escritores apresentaram retratos honestos de Jesus como eles o viam, lembravam ou haviam aprendido dele, e como os conceitos que eles tinham desses acontecimentos distantes foram


afetados pela sua posterior adoção da teologia cristã de Paulo. E esses registros, imperfeitos como eram, foram suficientes para mudar o curso da história de Urântia por quase dois mil anos. Pág. 1343 [Esclarecimentos: Ao cumprir a minha missão de reconstituir os ensinamentos, e de recontar a história dos feitos de Jesus de Nazaré, eu lancei mão livremente de todas as fontes de registro e de informações do planeta. A minha motivação principal foi preparar um documento que fosse esclarecedor, não apenas para a geração de homens que agora vive, mas que também pudesse ser de bastante proveito para todas as gerações futuras. Do vasto estoque de informações que se tornou disponível para mim, eu escolhi tudo que seria mais adequado à realização desse propósito. Tanto quanto possível eu retirei as minhas informações de fontes puramente humanas. Apenas quando tais fontes demonstravam ser insuficientes é que recorri aos arquivos supra-humanos. Sempre que as idéias e os conceitos da vida e dos ensinamentos de Jesus houverem sido expressos de um modo aceitável por uma mente humana, eu terei dado preferência, invariavelmente, a tais modelos de pensamentos aparentemente humanos. Embora tenha procurado ajustar a expressão verbal para que ela melhor se conformasse ao nosso conceito da significação real e da verdadeira importância da vida e dos ensinamentos do Mestre, eu me ative, tanto quanto possível, aos conceitos factuais e ao modelo de pensamento humano, em todas as minhas narrativas. Sei muito bem que os conceitos que tiveram origem na mente humana serão mais aceitáveis e de maior ajuda para todas as outras mentes humanas. Sempre que não me foi possível encontrar os conceitos necessários nos registros humanos, nem nas expressões humanas, em seguida, eu lancei mão dos recursos de memória da minha própria ordem de criaturas da Terra, os intermediários. E sempre que essa fonte secundária de


informação se mostrou inadequada, eu recorri, sem hesitar, às fontes supra-planetárias de informação. Os memorandos que eu reuni, e, a partir dos quais preparei esta narrativa da vida e dos ensinamentos de Jesus – independentemente do registro escrito da memória do apóstolo André –, abrangem preciosidades do pensamento e conceitos superiores dos ensinamentos de Jesus, reunidos por mais de dois mil seres humanos que viveram na Terra desde os dias de Jesus até a época da elaboração destes textos de revelação, ou, mais corretamente dizendo, de restabelecimentos deles. Recorreu-se à permissão para fazer revelações apenas quando os registros humanos e os conceitos humanos falharam em fornecer um modelo adequado de pensamento. A minha missão de revelar proibiu-me de recorrer a fontes extra-humanas, fosse de informação, fosse de expressão, antes do momento em que eu pudesse atestar que havia fracassado nos meus esforços de achar a expressão conceitual exigida, por intermédio de fontes puramente humanas. Conquanto eu haja feito esta narrativa de acordo com o conceito que tenho de uma seqüência efetiva para a sua organização, e em resposta à minha escolha imediata de expressão, e contando com a colaboração dos meus onze companheiros intermediários agregados, e sob a supervisão do Melquisedeque relator, todavia, a maioria das idéias e mesmo das expressões efetivas que eu utilizei, desse modo, tiveram a sua origem nas mentes dos homens de muitas raças que viveram na Terra, durante as gerações sucessivas até aquelas que ainda viviam, na época deste trabalho. Na realidade, eu tenho servido mais como um colecionador e como um editor do que como um narrador original. Eu me apropriei, sem hesitar, daquelas idéias e conceitos, preferivelmente humanos, que me capacitaram a criar o retrato mais eficiente da vida de Jesus e que me qualificaram para restabelecer os seus ensinamentos sem par, por meio de um estilo


de frases que fosse de mais proveito e mais universalmente elucidativo. Em nome da Irmandade dos Intermediários Unidos de Urântia, desejo expressar gratidão a todas as fontes de registros e conceitos que foram aqui utilizados para a elaboração destes nossos restabelecimentos da vida de Jesus, na Terra.] Pág. 1344 DOCUMENTO 122 O NASCIMENTO E A INFÂNCIA DE JESUS Dificilmente será possível esclarecer de modo pleno sobre as muitas razões que levaram à seleção da Palestina como a terra para a auto-outorga de Michael; e especialmente sobre a razão pela qual a família de Maria e José devesse ter sido escolhida como o núcleo imediato para a vinda desse Filho de Deus em Urântia. Após o estudo da informação especial sobre as condições dos mundos segregados, preparado pelos Melquisedeques em conselho com Gabriel, Michael finalmente escolheu Urântia como o planeta onde cumprir a sua auto-outorga final. Em seguida a essa decisão Gabriel fez uma visita pessoal a Urântia e, como resultado do seu estudo dos grupos humanos e da sua pesquisa das características espirituais, intelectuais, raciais e geográficas do mundo e dos seus povos, ele decidiu que os hebreus possuíam aquelas vantagens relativas que garantiam a sua seleção como a raça para a autooutorga. Depois que Michael aprovou essa decisão, Gabriel destacou a Comissão Familiar dos Doze – selecionada dentre as mais elevadas personalidades deste universo – e despachou-a para Urântia, encarregando-a da tarefa de efetuar uma investigação sobre a família judaica. Quando essa comissão terminou os seus trabalhos, Gabriel estava presente em Urântia e recebeu o informe que designava três casais com a perspectiva de poderem ser, na opinião


dessa comissão, as famílias igualmente favoráveis à auto-outorga em prospecto, para a encarnação projetada de Michael. Dos três casais apontados, a escolha pessoal de Gabriel recaiu sobre José e Maria; em seguida ele fez a sua aparição pessoal a Maria, ocasião em que comunicou a ela as boas-novas de que tinha sido ela a escolhida para tornar-se mãe terrena do menino autooutorgado. 1. JOSÉ E MARIA José, o pai humano de Jesus (Joshua ben José), era um hebreu entre os hebreus, embora trazendo muitos traços hereditários não judeus, que vinham sendo adicionados à sua árvore genealógica, de tempos em tempos, pela linhagem feminina dos seus progenitores. A linhagem ancestral do pai de Jesus remontava aos dias de Abraão e, através desse venerável patriarca, remetia-se até as linhas mais antigas de hereditariedade, que se ligavam aos sumérios e noditas e, através das tribos meridionais dos antigos homens azuis, até Andon e Fonta. Davi e Salomão não estavam na linha direta dos antepassados de José, nem a linhagem de José ia diretamente até Adão. Os ancestrais imediatos de José eram trabalhadores em artefatos – construtores, carpinteiros, pedreiros e forjadores. José, ele próprio, era carpinteiro e mais tarde foi um empreiteiro. A sua família pertencia a uma longa e ilustre linhagem notável da gente comum, acentuada, aqui e ali, pelo aparecimento de indivíduos incomuns, que de algum modo se tinham distinguido, e que foram ligados à evolução da religião em Urântia. Pág. 1345 Maria, a mãe terrena de Jesus, era descendente de uma longa linhagem de ancestrais singulares, que abrangia muitas das mulheres mais notáveis na história das raças de Urântia. Se bem


que Maria fosse uma mulher comum dos seus dias e geração, dona de um temperamento bastante corriqueiro, ela contava entre os seus antepassados com mulheres bem conhecidas como Anon, Tamar, Rute, Betsabá, Ansie, Cloa, Eva, Enta e Ratta. Nenhuma mulher judia daquela época era de linhagem mais ilustre de progenitores em comum, e nenhuma remontando a origens mais auspiciosas. A linha dos ancestrais de Maria, como a de José, era caracterizada pela predominância de indivíduos fortes mas comuns, e na qual despontavam aqui e ali várias personalidades que se destacaram na marcha da civilização e da evolução progressiva da religião. Do ponto de vista racial, não seria próprio considerar Maria como judia. Na cultura e na crença, ela era judia mas, nos dons hereditários ela era mais uma composição de sangue sírio, hitita, fenício, grego e egípcio, de modo que a sua herança racial era mais geral do que a de José. De todos os casais que viviam na Palestina por volta da época da auto-outorga projetada de Michael, José e Maria possuíam a combinação ideal de parentescos raciais abertos e de dons de personalidade acima do normal. Era plano de Michael aparecer na Terra como um homem comum, de modo que a gente comum o entendesse e o recebesse; e por isso é que Gabriel tinha selecionado pessoas como José e Maria para tornarem-se os progenitores nessa auto-outorga. 2. GABRIEL APARECE PARA ISABEL O trabalho da vida de Jesus em Urântia, na verdade, foi iniciado por João Batista. Zacarias, o pai de João, era um sacerdote judeu, enquanto a sua mãe, Isabel, era membro do ramo mais próspero do mesmo grande grupo familiar ao qual também pertencia Maria, a mãe de Jesus. Zacarias e Isabel, embora estivessem casados há muitos anos, não tinham filhos.


Era já o final do mês de junho, do ano 8 a.C., cerca de três meses após o casamento de José e Maria, quando Gabriel, certo dia, apareceu para Isabel, ao meio-dia, tal como mais tarde se apresentaria perante Maria. E Gabriel disse a ela: “Enquanto o teu marido, Zacarias, está diante do altar em Jerusalém, e enquanto o povo reunido ora pela chegada do libertador, eu, Gabriel, vim para anunciar que tu irás dentro em pouco conceber um filho que será o precursor do seu divino mestre, e chamarás de João, ao teu filho. Ele crescerá dedicado ao senhor seu Deus e, quando chegar à maturidade, ele alegrará ao teu coração porque conduzirá muitas almas para Deus, e também irá proclamar a vinda do curador de almas do vosso povo e o libertador do espírito de toda a humanidade. A tua prima Maria será a mãe desse menino prometido, e eu também aparecerei diante dela”. Essa visão amedrontou grandemente a Isabel. Depois da partida de Gabriel ela repassou a experiência, revirando-a na sua mente, ponderando longamente sobre as palavras do majestoso visitante, mas não falou da revelação a ninguém, exceto ao seu marido, até que posteriormente visitasse Maria, em princípios de fevereiro do ano seguinte. Durante cinco meses, contudo, Isabel guardou aquele seu segredo até mesmo do marido. Quando contou a ele, sobre a visita de Gabriel, Zacarias permaneceu cético e por semanas duvidou de toda a experiência, só consentindo em acreditar na visita de Gabriel à sua esposa, e sem maior entusiasmo, quando não mais podia duvidar de que ela esperava uma criança. Zacarias ficou muito perplexo com a Pág. 1346


maternidade próxima de Isabel, mas não duvidava da integridade da sua esposa, apesar da idade avançada dele. E, apenas seis semanas antes do nascimento de João, é que Zacarias, em conseqüência de um sonho impressionante, tornou-se plenamente convencido de que Isabel estava para tornar-se a mãe de um filho do destino, aquele que iria preparar o caminho para a vinda do Messias. Gabriel apareceu para Maria por volta de meados de novembro, do ano 8 a.C., no momento em que ela estava trabalhando na sua casa em Nazaré. Mais tarde, após Maria ter sabido que era certo que estava para ser mãe, ela persuadiu José a deixá-la viajar à cidade de Judá, a sete quilômetros a oeste de Jerusalém, nas montanhas, para visitar Isabel. Gabriel tinha informado a cada uma dessas duas futuras mães sobre a sua aparição à outra. Naturalmente elas estavam ansiosas para encontrar-se, para compartilhar as suas experiências, e para falar sobre os prováveis futuros dos seus filhos. Maria permaneceu com a sua prima distante por três semanas. Isabel fez muito para fortalecer a fé de Maria na visão de Gabriel, de modo que ela voltou para a sua casa mais plenamente dedicada ao chamado de ser mãe do menino predestinado, a quem ela, muito em breve, iria apresentar ao mundo como um bebê indefeso, uma criança comum e normal deste reino. João nasceu na cidade de Judá, aos 25 de março, do ano 7 a.C. Zacarias e Isabel rejubilaram-se grandemente com o fato de que um filho tivesse vindo para eles como Gabriel tinha prometido; e, ao oitavo dia, quando apresentaram a criança para a circuncisão, eles o batizaram formalmente como João, exatamente como se lhes tinha sido ordenado. E logo um sobrinho de Zacarias partiu para Nazaré, levando até Maria a mensagem de Isabel, proclamando o nascimento de um filho cujo nome seria João. Desde a mais tenra infância os pais inculcaram em João a idéia de que ele cresceria e tornar-se-ia um líder espiritual e um mestre


religioso. E o solo do coração de João sempre foi sensível a essas sementes sugestivas. Ainda quando criança, encontravam-no freqüentemente no templo durante os ofícios do serviço do seu pai; e ele ficava imensamente impressionado com o significado de tudo aquilo que via. 3. O ANÚNCIO DE GABRIEL FEITO A MARIA Uma tarde, por volta do cair do sol, antes que José tivesse retornado ao lar, Gabriel apareceu a Maria, ao lado de uma mesa baixa de pedra e, depois que ela se recompôs, ele disse: “Venho a pedido daquele que é o meu Mestre, a quem tu irás amar e nutrir. A ti Maria, eu trago alegres novas e, pois, anuncio que a concepção em ti foi ordenada pelo céu e que, no tempo devido, tu te tornarás a mãe de um filho; tu o chamarás Joshua; e ele irá inaugurar o Reino do céu na Terra e entre os homens. Nada digas disso a ninguém, exceto a José e a Isabel, a tua parente, a quem também eu apareci e que deve também agora conceber um filho, cujo nome será João e que será aquele que preparará o caminho para a mensagem de libertação que o teu filho irá proclamar aos homens com uma grande força e uma convicção profunda. E não duvides tu de minha palavra, Maria, pois esse lar foi escolhido como o habitat mortal do menino predestinado. A minha bênção recai sobre ti, e os poderes dos Altíssimos irão fortalecer-te; e o Senhor de toda a Terra acobertar-te-á na Sua sombra”. Maria ponderou sobre essa visitação, secretamente, no seu coração, por muitas semanas, antes de ousar abrir-se com o marido a respeito desses acontecimentos inusitados, Pág. 1347 até que estivesse certa de que carregava em si uma criança. Quando José escutou sobre tudo isso, se bem que tivesse grande


confiança em Maria, ele ficou muito perturbado e não pôde dormir por muitas noites. A princípio José tinha dúvida sobre a visita de Gabriel. Depois, quando ele estava quase se persuadindo de que Maria tinha realmente ouvido a voz e visto a forma do mensageiro divino, ele torturava-se ao pensar sobre como poderiam ser essas coisas. Como a progênie de seres humanos, poderia ser um filho com destino divino? E José não podia nunca reconciliar essas idéias conflitantes até que, depois de várias semanas de muito pensar, ambos, ele e Maria, chegaram à conclusão de que tinham sido escolhidos para tornarem-se os pais do Messias; ainda que o conceito judeu não fosse, nem um pouco, o de que o libertador aguardado era para ser de natureza divina. Ao chegarem a essa importante conclusão, Maria apressou-se a partir para uma visita a Isabel. Quando retornou, Maria foi visitar os seus pais, Joaquim e Ana. Os seus dois irmãos e duas irmãs, bem como os seus pais, sempre foram muito céticos sobre a missão divina de Jesus, embora nesse momento, claro, eles nada soubessem da visitação de Gabriel. Mas Maria confidenciou à sua irmã Salomé que ela achava que o seu filho era destinado a tornar-se um grande mestre. O anúncio que Gabriel fez a Maria aconteceu no dia seguinte à concepção de Jesus e foi o único evento de ocorrência sobrenatural ligado a toda a experiência de Maria de conceber e trazer consigo o menino da promessa. 4. O SONHO DE JOSÉ José não se reconciliou com a idéia de que Maria estivesse para tornar-se a mãe de uma criança extraordinária, até que teve a experiência de um sonho de forte impressão. Nesse sonho um mensageiro celestial brilhante aparecia a ele e, entre outras coisas, disse: “José, apareço sob o comando Daquele que agora reina nas


alturas; e tenho o mandato de instruí-lo a respeito do filho que Maria irá gerar e que se tornará uma grande luz para o mundo. Nele estará a vida; e a sua vida tornar-se-á a luz da humanidade. Ele virá primeiro para o seu próprio povo, todavia eles mal o receberão; mas a quantos o receberem, a esses será revelado que eles são os filhos de Deus”. Depois dessa experiência José deixou totalmente de duvidar da história de Maria sobre a visita de Gabriel e sobre a promessa de que a criança que estava para nascer tornar-se-ia um mensageiro divino para o mundo. Em todas essas aparições nada foi dito sobre a casa de Davi. Nada jamais deixou transparecer que Jesus tornar-se-ia um “libertador dos judeus”, nem mesmo que ele era o Messias há muito esperado. Jesus não era um Messias tal como os judeus haviam antecipado, mas ele era o libertador do mundo. A sua missão não era apenas para um povo, era para todas as raças e povos. José não era da linhagem do Rei Davi. Maria tinha mais ancestrais na linha de Davi do que José. Bem verdade é que José fora a Belém, cidade de Davi, para ser registrado no censo romano, mas isso aconteceu porque, seis gerações antes, o ancestral de José, naquela geração, sendo um órfão, tinha sido adotado por um certo Zadoc, que era descendente direto de Davi; por isso José podia ser também contado como sendo da “casa de Davi”. A maioria das chamadas profecias messiânicas do Antigo Testamento foi feita para ser aplicada a Jesus, muito tempo depois que a sua vida na Terra tinha sido vivida. Por séculos, os profetas hebreus haviam proclamado a vinda de um libertador, e essas promessas tinham sido elaboradas por gerações sucessivas, e referiam-se a um governante judeu que iria assentar-se no trono de Davi e que, por meio dos métodos miraculosos Pág. 1348


de Moisés, estabeleceria os judeus na Palestina como uma nação poderosa, livre de toda dominação estrangeira. Novamente, muitas das passagens figurativas encontradas nas escrituras dos hebreus foram posteriormente aplicadas de modo distorcido à missão da vida de Jesus. Muitos dos dizeres do Antigo Testamento foram deformados de modo a parecerem adequar-se a algum episódio da vida do Mestre na Terra. Jesus certa vez negou publicamente, ele próprio, qualquer ligação com a casa real de Davi. Mesmo aquela passagem “uma jovem dará à luz um filho”, foi lida como sendo: “uma virgem dará à luz um filho”. Isso também é verdade sobre muitas das genealogias feitas, tanto de José quanto de Maria, e que foram elaboradas depois da carreira de Michael na Terra. Muitas dessas linhagens contêm bastante da linha ancestral do Mestre, mas no todo elas não são genuínas e não são confiáveis como sendo reais. Os primeiros seguidores de Jesus, muito freqüentemente, sucumbiam à tentação de fazer com que todas as velhas expressões proféticas parecessem encontrar a sua realização na vida do seu Senhor e Mestre. 5. OS PAIS TERRENOS DE JESUS José era um homem de maneiras suaves, era extremamente consciente e, de todos os modos, fiel às convenções e práticas religiosas do seu povo. Ele falava pouco, mas pensava muito. A condição sofrida do povo judeu causava a José muita tristeza. Na sua juventude, entre os seus oito irmãos e irmãs, ele tinha sido mais alegre, mas nos primeiros anos da sua vida de casado (durante a infância de Jesus) ele esteve sujeito a períodos de leve desencorajamento espiritual. Essas manifestações do seu temperamento foram bastante atenuadas, um pouco antes da sua morte prematura, depois que a situação econômica da sua família melhorou, por causa do seu progresso, quando passou, de carpinteiro, à posição de um próspero empreiteiro.


O temperamento de Maria era completamente oposto ao do marido. Ela era geralmente alegre, muito raramente ficava abatida e possuía uma disposição sempre ensolarada. Maria permitia-se dar livre e freqüente vazão à expressão dos seus sentimentos e emoções e nunca se vira afligida, até a súbita morte de José. E mal se recuperara desse choque quando teve de enfrentar as ansiedades e perplexidades que se lançaram sobre ela, por causa da carreira extraordinária do seu filho mais velho, que se desenrolou muito rapidamente diante do seu olhar atônito. Mas durante toda essa experiência inusitada Maria manteve-se calma, corajosa e bastante sábia no seu relacionamento com o seu estranho e pouco compreendido primogênito e com os irmãos e irmãs ainda vivos dele. Muito da doçura especial de Jesus, e da sua compreensão compassiva da natureza humana, ele herdara do seu pai; o dom de ser um grande mestre e a sua imensa capacidade de indignar-se, por retidão, ele herdou da sua mãe. Nas reações emocionais ao meio ambiente, na sua vida de adulto, Jesus era também como o seu pai: meditativo e adorador, o que algumas vezes deixava transparecer tristeza; mas, mais freqüentemente, ele conduzia-se da maneira otimista e com a disposição determinada da sua mãe. No conjunto, a tendência era de que o temperamento de Maria dominasse a carreira do filho divino, durante o seu crescimento e nos passos decisivos da sua carreira adulta. Jesus era uma mistura dos traços dos seus pais, em algumas das suas atitudes; em outras ele demonstrava mais as características de um deles do que as do outro. De José, Jesus tinha a educação estrita nos usos dos cerimoniais judeus e o seu conhecimento excepcional das escrituras dos hebreus; de Maria, ele trazia um ponto de vista mais amplo da vida religiosa e um conceito mais liberal da liberdade espiritual pessoal. Pág. 1349


As famílias de ambos, José e Maria, eram bem instruídas para a sua época. José e Maria foram educados muito acima da média da sua época, considerando a sua situação social. Ele era um homem de muito pensar e ela era uma mulher que planejava, dotada de adaptabilidade e prática na execução imediata. José era moreno, de olhos negros; e Maria era do tipo quase louro, de olhos castanhos. Tivesse José vivido e ter-se-ia tornado, indubitavelmente, um crente firme na missão do seu filho mais velho. Maria alternava-se, ora acreditando ora duvidando, sendo grandemente influenciada pela posição tomada pelos seus outros filhos e pela dos seus amigos e parentes, mas sempre era fortificada na sua atitude final pela memória da aparição de Gabriel a ela, imediatamente depois que a criança foi concebida. Maria era uma hábil tecelã e de uma habilidade acima da média na maioria das artes caseiras da época; era uma boa dona-de-casa e muito caprichosa no forno. Tanto José quanto Maria eram bons educadores e cuidaram para que os seus filhos fossem bem versados nos ensinamentos da época. Quando José era rapaz, ele tinha sido empregado do pai de Maria no trabalho de construir uma extensão da sua casa, e foi quando Maria trouxe a José um copo de água, durante a refeição do meiodia, que realmente aqueles dois, que estavam destinados a ser os pais de Jesus, começaram a fazer a corte um ao outro. José e Maria casaram-se de acordo com os costumes judeus, na casa de Maria nas proximidades de Nazaré, quando José tinha vinte e um anos de idade. Esse casamento concluiu um noivado normal que durou quase dois anos. Pouco depois eles mudaram-se para a casa em Nazaré, que tinha sido construída por José com a ajuda de dois dos seus irmãos. A casa situava-se ao pé de uma elevação que dominava, de modo encantador, a paisagem do campo. Nessa casa,


especialmente preparada, esses jovens pais, na expectativa de dar as boas-vindas ao menino prometido, não sabiam que o evento memorável para o universo estava para acontecer enquanto eles estivessem fora de casa, em Belém, na Judéia. A parte maior da família de José convertera-se aos ensinamentos de Jesus, mas pouquíssimos, entre os da gente de Maria, acreditaram nele, antes que ele partisse desse mundo. José inclinava-se mais para o conceito espiritual de um Messias esperado, mas Maria e a sua família, especialmente o seu pai, ativeram-se à idéia de que o Messias era um libertador temporal e um governante político. Os ancestrais de Maria tinham identificado-se manifestamente com as atividades dos Macabeus ainda recentes naqueles tempos. José apegou-se vigorosamente ao ponto de vista oriental, ou Babilônico, da religião judaica; Maria inclinava-se fortemente para a interpretação ocidental, ou helenista, mais liberal e aberta, da lei e dos profetas. 6. O LAR EM NAZARÉ A casa de Jesus não ficava longe da alta montanha, na parte norte de Nazaré, a uma certa distância da nascente de água da cidade, que era na parte leste da mesma. A família de Jesus morava nos arredores da cidade, e isso facilitou para ele, posteriormente, as suas caminhadas no campo e subidas à montanha próxima, a mais alta de todas, na parte sul da Galiléia, exceto pela cadeia do monte Tabor, a leste, e o monte Naim, Pág. 1350 que tinham aproximadamente a mesma altitude. A casa deles localizava-se um pouco ao sul e a leste da parte sul do promontório


desse monte e a cerca do meio caminho entre a base dessa elevação e a estrada que vai de Nazaré a Caná. Além de subir o monte, o passeio favorito de Jesus era seguir uma trilha estreita que serpenteava desde a base da montanha, indo na direção nordeste, até um ponto onde se juntava à estrada de Séforis. A casa de José e Maria era feita de estrutura de pedra e tinha um cômodo com um teto plano e uma construção adjacente para abrigar os animais. A mobília consistia de uma mesa baixa de pedra, utensílios de barro e pratos e potes de pedra, um tear, uma lamparina, vários bancos pequenos e esteiras para dormir sobre o chão de pedra. No quintal ao fundo, perto do anexo dos animais, ficava o abrigo que protegia o forno e o moinho para moer os grãos. Eram necessárias duas pessoas para operar esse tipo de moinho, uma para provê-lo de grãos e outra para moer. Quando era ainda menino, Jesus muitas vezes cuidava de dosar os grãos no moinho, enquanto a sua mãe girava o moedor. Quando, mais tarde, a família cresceu, eles agrupar-se-iam todos em volta da mesa de pedra, que foi aumentada, para desfrutar das suas refeições, servindo-se de alimento em um prato comum, ou potiche. Durante o inverno, na refeição noturna, a mesa estaria iluminada por uma lâmpada pequena e achatada de terracota, cheia de óleo de oliva. Após o nascimento de Marta, José construiu uma outra acomodação, um quarto grande, que era usado como carpintaria durante o dia e como quarto de dormir à noite. 7. A VIAGEM A BELÉM No mês de março do ano 8 a.C.(mês em que José e Maria casaramse), César Augustus decretou que todos os habitantes do império romano fossem contados; que deveria ser feito um censo de modo a poder ser usado para uma cobrança mais eficiente dos impostos. Os judeus sempre tiveram muita prevenção contra qualquer tentativa


de “enumerar o povo” e isso, além das dificuldades domésticas com Herodes, rei da Judéia, tinha conspirado para causar o adiamento, por um ano, na concretização desse censo, no reino dos judeus. Em todo o império romano esse censo ficou registrado no ano 8 a.C., exceto no reino de Herodes, na Palestina, onde foi feito um ano mais tarde, no ano 7. a.C. Não era necessário que Maria fosse a Belém para fazer esse registro – José estava autorizado a fazer o registro por toda a sua família –, mas Maria, sendo uma pessoa dinâmica e dada a aventuras, insistiu em acompanhá-lo. Ela temia que, sendo deixada sozinha, a criança nascesse enquanto José estava ausente e, Belém não sendo longe da cidade de Judá, Maria previu a possibilidade de uma agradável visita à sua parenta Isabel. José praticamente proibiu Maria de acompanhá-lo, mas foi inútil; quando a comida estava sendo empacotada para a viagem de três ou quatro dias, ela preparou rações duplas e aprontou-se para a viagem. E, antes que eles saíssem de fato, José estava já acostumado com a idéia de Maria ir junto e então, alegremente, eles partiram de Nazaré ao alvorecer do dia. José e Maria eram pobres e, como tivessem apenas um burro de carga, Maria cavalgava no animal, estando já adiantada na gravidez, junto com as provisões, enquanto José caminhava guiando o animal. A construção e a manutenção de uma casa tinha sido um grande peso para José, pois ele tinha também de contribuir para a sobrevivência dos seus pais, já que o seu pai recentemente tinha-se tornado incapacitado para tal. E assim o casal judeu partiu da sua humilde casa, na manhã de 18 de agosto, do ano 7 a.C., para a sua viagem a Belém. Pág. 1351


No seu primeiro dia de viagem eles contornaram os contrafortes ao sopé do monte Gilboa, onde passaram a noite, acampados à margem do Jordão. Ali, eles muito perguntaram a si próprios sobre a natureza do filho que nasceria deles; José aderindo ao conceito de um mestre espiritual e Maria sustentando a idéia de um Messias judeu, um libertador da nação hebraica. Cedo, na brilhante manhã de 19 de agosto, José e Maria estavam de novo a caminho. Eles tomaram a sua refeição do meio-dia junto ao pé do monte Sartaba, que domina o Vale do Jordão, e continuaram a viagem, chegando a Jericó à noite, onde pararam em uma hospedaria na estrada nos arredores da aldeia. Depois da refeição da noite e depois de muita discussão sobre a opressão do governo romano e sobre Herodes, sobre os registros do recenseamento e a influência relativa de Jerusalém e de Alexandria como centros da cultura e do ensino judeus, os viajantes de Nazaré retiraram-se para o repouso noturno. Bem cedo, pela manhã do dia 20 de agosto, retomaram a sua viagem e alcançaram Jerusalém antes do meio-dia. Visitaram o templo e tomaram, de novo, o seu caminho para chegar a Belém bem no meio da tarde. O albergue estava superlotado e José então procurou um alojamento entre os parentes distantes, mas todos os quartos em Belém estavam repletos. Ao retornarem à praça à frente do albergue, ele foi informado de que os animais dos estábulos das caravanas, feitos nos flancos do rochedo e situados exatamente abaixo do albergue, tinham sido retirados e que tudo estava limpo exatamente para receber os hóspedes. Deixando o asno na área à frente do albergue, José colocou os sacos de roupas e provisões sobre os seus ombros e desceu com Maria os degraus de pedra, para os alojamentos de baixo. Viram-se instalados naquilo que era uma sala de estocagem de grãos, na frente dos estábulos e das


manjedouras. Cortinas de tendas tinham sido dependuradas e eles se deram por muito felizes de terem alojamentos tão confortáveis. José tinha pensado em registrar-se logo em seguida, mas Maria estava cansada; estava bastante extenuada e suplicou-lhe que permanecesse com ela, e ele ficou ali. 8. O NASCIMENTO DE JESUS Durante toda essa noite Maria estivera inquieta, de forma que nenhum dos dois dormiu muito. Ao amanhecer, as pontadas do parto já estavam bem evidentes e, no dia 21 de agosto do ano 7 a.C., ao meio-dia, com a ajuda e as ministrações carinhosas de mulheres viajantes amigas, Maria deu à luz um pequeno varão. Jesus de Nazaré havia nascido para o mundo; e estava enrolado nas roupas que Maria tinha trazido consigo, para essa possível contingência, e deitado em uma manjedoura próxima. Da mesma forma que todos os bebês tinham vindo ao mundo até então e viriam desde então, nasceu o menino prometido e, no oitavo dia, conforme a prática judaica, foi circuncidado e formalmente denominado Joshua (Jesus). No dia seguinte ao nascimento de Jesus, José fez o seu registro. Encontrando-se então com um homem com quem tinham conversado há duas noites atrás em Jericó, José foi levado por ele até um amigo abastado que tinha um quarto na pousada e ele disse que trocaria de quartos, com prazer, com o casal de Nazaré. Naquela tarde eles se mudaram para a pousada, onde ficaram por quase três semanas, até que encontraram hospedagem na casa de um parente distante de José. Ao segundo dia, após o nascimento de Jesus, Maria enviou uma mensagem a Isabel dizendo que o seu filho tinha chegado e recebeu em resposta um convite feito a José, para ir a Jerusalém, a fim de


falar de todos os assuntos com Zacarias. Na semana seguinte José foi a Jerusalém para conversar com Zacarias. Zacarias e Isabel achavam-se ambos sinceramente convencidos de que Jesus estava destinado a se tornar o libertador Pág. 1352 judeu, o Messias, e que João, o filho deles, seria o seu principal colaborador, o braço direito no seu destino. E, já que Maria compartilhava dessas mesmas idéias, não foi difícil convencer José a permanecer em Belém, a cidade de Davi, para que Jesus pudesse crescer e se tornar o sucessor de Davi no trono de todo Israel. Desse modo, permaneceram eles em Belém por mais de um ano, tendo José se dedicado ao seu ofício de carpinteiro durante esse tempo. No dia do nascimento de Jesus, ao meio-dia, os serafins de Urântia, reunidos com os seus diretores, cantaram hinos de glória sobre a manjedoura de Belém, mas esses cânticos de glória não foram escutados por ouvidos humanos. Nenhum pastor, nem quaisquer outras criaturas mortais vieram prestar a sua homenagem ao menino de Belém, até o dia da chegada de certos sacerdotes de Ur, que tinham sido enviados de Jerusalém por Zacarias. A esses sacerdotes da Mesopotâmia tinha sido contado, há algum tempo atrás, por um estranho professor religioso, do seu país, que tivera um sonho no qual havia sido informado de que a “luz da vida” estava a ponto de aparecer sobre a Terra, na forma de um menino, entre os judeus. E os três sacerdotes partiram, pois, em busca dessa "luz da vida". Após muitas semanas de procura infrutífera em Jerusalém, estavam para voltar a Ur, quando conheceram Zacarias que lhes confiou sobre a sua crença de que Jesus era o objeto da procura deles e os enviou a Belém, onde eles encontraram o menino e deixaram as suas oferendas com Maria, a sua mãe terrena. A


criança estava então com quase três semanas de idade à época da visita deles. Esses sábios homens não viram nenhuma estrela a guiá-los para Belém. A belíssima lenda da estrela de Belém originou-se desta forma: Jesus nasceu aos 21 de agosto, ao meio-dia, de 7 a.C. Em 29 de maio do mesmo ano houve uma extraordinária conjunção entre Júpiter e Saturno na constelação de Peixes. E é um acontecimento astronômico marcante que conjunções semelhantes tenham ocorrido aos 29 de setembro e aos 5 de dezembro do mesmo ano. Com base nesses acontecimentos extraordinários, mas inteiramente naturais, os bem-intencionados zelotes das gerações que sucederam, com o seu zelo de crentes, elaboraram a lenda atraente da estrela de Belém e dos Reis Magos adoradores que foram conduzidos pela estrela à manjedoura para contemplar e adorar o recém-nascido. As mentes orientais e do meio-oriente deleitam-se com fábulas e inventam constantemente belos mitos sobre a vida dos seus dirigentes religiosos e dos seus heróis políticos. Na falta de uma imprensa, quando a maior parte do conhecimento humano se transmitia pela palavra saída da boca, de uma geração a outra, era muito fácil que os mitos se tornassem tradição e que as tradições eventualmente fossem aceitas como fatos. 9. A APRESENTAÇÃO NO TEMPLO Moisés tinha ensinado aos judeus que todos os filhos primogênitos pertenciam ao Senhor e que, em lugar do seu sacrifício, como era costume entre as nações pagãs, esse filho poderia viver desde que os seus pais o redimissem com o pagamento de cinco moedas a qualquer sacerdote autorizado. Também existia uma regulamentação mosaica que dizia que uma mãe, após um certo período de tempo, devia apresentar-se ao templo, para a purificação (ou ter alguém que fizesse o sacrifício adequado em lugar dela). Era costumeiro que ambas as cerimônias ocorressem ao


mesmo tempo. Desse modo, José e Maria foram ao templo de Jerusalém, pessoalmente, para apresentar Jesus aos sacerdotes e efetivar a sua redenção e também fazer o sacrifício apropriado para assegurar a Maria a purificação cerimonial da suposta impureza do dar à luz. Pág. 1353 Nas cortes do templo estavam freqüentemente presentes duas figuras dignas de nota, Simeão, um cantor, e Anna, uma poetisa. Simeão era da Judéia e Anna era da Galiléia. Esses dois estavam quase sempre juntos e ambos eram íntimos do sacerdote Zacarias, que tinha confiado o segredo de João e Jesus a eles. E tanto Simeão quanto Anna ansiavam pela vinda do Messias, e a sua confiança em Zacarias os levara a acreditar que Jesus era o libertador esperado do povo judeu. Zacarias sabia para que dia era esperado que José e Maria aparecessem no templo com Jesus, e acertou com Simeão e Anna, antecipadamente, que indicaria, com a saudação da sua mão levantada, qual, na procissão das crianças recém-nascidas, era Jesus. Para essa ocasião Anna tinha escrito um poema que Simeão passou a cantar, para surpresa de José, de Maria e de todos os que estavam reunidos nos pátios do templo. E o hino deles, para a redenção do filho primogênito, foi assim: Abençoado seja o Senhor, Deus de Israel, Que nos visitou e trouxe a redenção ao seu povo; A trombeta da salvação, Ele fez soar por todos nós Na casa do seu servo Davi.


Assim como falou da boca dos seus sagrados profetas –Salvação dos nossos inimigos e da mão de todos aqueles que nos odeiam; Para mostrar misericórdia para com os nossos pais, na lembrança da Sua santa aliança –, O juramento que fez a Abraão, nosso pai, De conceder-nos que nós, sendo libertados da mão dos nossos inimigos, Pudéssemos servir a ele sem temores, Em santidade e retidão perante ele, por todos os nossos dias. E que tu, sim, menino prometido, sejas chamado de Profeta do Altíssimo; Porque irás, diante do semblante do Senhor, estabelecer o seu Reino; Dar conhecimento da salvação a seu povo Em remissão dos seus pecados. Regozijemos com a doce misericórdia do nosso Deus, porque a aurora do alto veio nos visitar Para resplandecer sobre aqueles que estão nas trevas e na sombra da morte; Para guiar os nossos pés nos caminhos da paz.


E, pois, deixemos agora o Vosso servo partir em paz, Ó Senhor, conforme a Vossa palavra, Pois os meus olhos viram já a Vossa salvação, Que por Vós foi preparada diante da vista de todos os povos; Luz que resplandece para esclarecimento até dos gentios E para glória do nosso povo de Israel. De volta a Belém, José e Maria permaneceram em silêncio – confusos e intimidados. Maria estava muito perturbada pelas palavras de despedida de Anna, a poetisa anciã, e José não se sentia em harmonia com aquele esforço prematuro de fazer de Jesus o Messias prometido do povo judeu. 10. OS ATOS DE HERODES Mas os informantes de Herodes não estavam inativos. Quando reportaram a ele sobre a visita dos sacerdotes de Ur a Belém, Herodes convocou esses caldeus a Pág. 1354 aparecerem diante dele. E diligentemente ele inquiriu a esses homens sábios sobre o novo “rei dos judeus”, mas eles deram pouca satisfação a ele, explicando que o menino nascera de uma mulher que viera a Belém com o seu marido para comparecerem ao censo. Herodes, não satisfeito com essa resposta, despediu-os, dando-lhes uma bolsa de dinheiro, e mandou-lhes que encontrassem a criança de forma a que ele também pudesse ir lá e adorá-la, pois eles tinham declarado que o Reino dela devia ser espiritual, não temporal. Todavia, quando os sábios não voltaram, Herodes ficou com suspeitas. E enquanto pensava nisso, os seus informantes


voltaram e lhe fizeram um relato completo das ocorrências recentes no templo, trazendo-lhe uma cópia de partes da canção de Simeão, que tinha sido cantada nas cerimônias de redenção de Jesus. Mas não seguiram José e Maria, e Herodes ficou irado com eles quando viu que não podiam dizer para onde o casal tinha levado a criança. Então, ele despachou espiões para localizar José e Maria. Sabendo que Herodes perseguia a família de Nazaré, Zacarias e Isabel permaneceram longe de Belém. O menino ficou escondido com uns parentes de José. José estava com medo de procurar trabalho, e as suas poucas economias estavam desaparecendo rapidamente. Mesmo na época das cerimônias de purificação no templo, José considerava-se pobre o suficiente para limitar em dois pequenos pombos a sua oferta para Maria, como Moisés tinha mandado, para a purificação das mães, entre os pobres. Quando, depois de mais de um ano de buscas, os espiões de Herodes não tinham achado Jesus; e em vista da suspeita de que a criança ainda estava escondida em Belém, ele preparou uma ordem que comandava que fosse feita uma busca sistemática em todas as casas de Belém, e que todos os bebês meninos de menos de dois anos fossem mortos. Desse modo Herodes esperava certificar-se de que essa criança que devia tornar-se o “rei dos judeus” fosse destruída. E assim pereceram, em um só dia, dezesseis bebês meninos em Belém da Judéia. Mas a intriga e o assassinato, mesmo na sua família imediata, eram acontecimentos comuns na corte de Herodes. O massacre desses infantes aconteceu em meados de outubro, do ano 6 a.C., quando Jesus tinha pouco mais de um ano idade. Mas havia crentes no Messias vindouro, até mesmo no séquito da corte de Herodes, e, um desses, sabendo da ordem de assassinar as crianças meninos de Belém, comunicou-se com Zacarias, que por sua


vez despachou um mensageiro até José; e, na noite anterior ao massacre, José e Maria partiram com a criança, de Belém para Alexandria, no Egito. Para evitar atrair a atenção, eles viajaram sozinhos para o Egito com Jesus. Eles foram para Alexandria com o dinheiro providenciado por Zacarias, e lá José trabalhou no seu ramo, enquanto Maria e Jesus alojaram-se com parentes abastados da família de José. Eles permaneceram em Alexandria por dois anos inteiros, não retornando a Belém senão depois da morte de Herodes. Pág. 1355 DOCUMENTO 123 A PRIMEIRA INFÂNCIA DE JESUS Devido às incertezas e ansiedades da sua estada em Belém, Maria não desmamou a criança até que tivessem chegado com segurança em Alexandria, onde a família era capaz de estabelecer-se em uma vida normal. Eles viveram com parentes, e José foi bastante capaz de sustentar a sua família, pois conseguiu trabalho logo depois de chegarem. Esteve empregado como carpinteiro por vários meses quando, então, foi promovido à posição de feitor de um grupo grande de trabalhadores empregados de um dos prédios públicos, então em processo de construção. Esta nova experiência deu-lhe a idéia de se transformar em um empreiteiro e construtor, depois que eles voltassem para Nazaré. Durante todos esses primeiros anos da infância, em que Jesus era ainda uma criança indefesa, Maria manteve uma vigília longa e constante para que nada acontecesse ao seu filho, que pudesse ameaçar o seu bem-estar ou que de algum modo interferisse com a sua futura missão na Terra; nenhuma mãe foi mais devotada ao seu filho. Na casa onde Jesus estava havia duas outras crianças


aproximadamente da mesma idade, e entre os vizinhos mais próximos havia ainda seis outras cujas idades eram suficientemente próximas da dele o que os tornavam companheiros adequados nas brincadeiras. A princípio Maria estava disposta a manter Jesus bem perto de si. Ela temia que algo pudesse acontecer a ele se lhe fosse permitido brincar no jardim com as outras crianças, mas, com a ajuda dos seus parentes, José conseguiu convencê-la de que se fosse assim Jesus ficaria privado da experiência útil de aprender como se ajustar às crianças da sua própria idade. E Maria, compreendendo que um programa de proteção incomum e exagerada poderia levá-lo a tornar-se artificial e de um certo modo egocêntrico, afinal deu o seu consentimento ao plano de permitir à criança prometida crescer como qualquer outra criança; e, embora ela tenha obedecido a essa decisão, ela encarregou-se de estar sempre vigilante, enquanto os pequeninos estavam brincando perto da casa ou no jardim. Apenas uma mãe afeiçoada pode saber o peso que Maria carregava no seu coração, pensando na segurança do seu filho durante esses anos da sua primeira infância e da sua meninice. Durante os dois anos em que permaneceram em Alexandria, Jesus desfrutou de boa saúde e continuou crescendo normalmente. Afora uns poucos amigos e parentes não se contou a ninguém sobre Jesus ser um “filho prometido”. Um dos parentes de José revelou isso a alguns amigos em Mênfis, descendentes distantes de Iknaton, e eles, com um pequeno grupo de crentes de Alexandria, reuniram-se na casa palaciana dos parentes benfeitores de José, pouco tempo antes do retorno à Palestina, para dar os melhores votos à família de Nazaré e para prestar os seus respeitos à criança. Nessa ocasião os amigos reunidos presentearam a Jesus com uma cópia completa da tradução grega das escrituras dos hebreus. Essa cópia das escrituras sagradas dos judeus, porém, não foi colocada nas mãos de José até que tivessem ambos, ele e Maria, finalmente recusado o convite dos amigos de Mênfis e Alexandria para que


permanecessem no Egito. Esses crentes insistiram que a criança predestinada seria capaz de exercer sobre o mundo uma influência muito maior, como residente de Alexandria do que em qualquer outro lugar da Palestina. Pág. 1356 Essas persuasões atrasaram a partida deles para a Palestina, por algum tempo, depois de terem recebido a notícia da morte de Herodes. José e Maria partiram finalmente de Alexandria em um barco pertencente a Esdraseon, amigo deles, rumo a Jopa, chegando àquele porto no fim de agosto do ano 4 a.C. Eles foram diretamente para Belém, onde passaram o mês inteiro de setembro aconselhando-se com os seus amigos e parentes para saber se deviam permanecer lá ou se retornavam para Nazaré. Maria nunca tinha abandonado completamente a idéia de que Jesus devesse crescer em Belém, a cidade de Davi. José não acreditava de fato que o filho deles devesse tornar-se um rei libertador de Israel. Além disso, ele sabia não ser, ele próprio, realmente um descendente de Davi; que ele fosse reconhecido como sendo da progênie de Davi era devido ao fato de um dos seus ancestrais ter sido adotado em uma família da linha davídica de descendência. Maria julgava, é claro, que a cidade de Davi fosse o local mais apropriado para se criar o novo candidato ao trono de Davi, mas José preferiu tentar a sorte com Herodes Antipas a intentá-la com Arquelau, o irmão dele. José alimentava um grande temor pela segurança da criança em Belém ou em qualquer outra cidade na Judéia, e supunha que Arquelau estaria mais inclinado a continuar as políticas ameaçadoras do seu pai, Herodes, do que Antipas, na Galiléia. E além de todas essas razões, José estava falando francamente ao dar a sua preferência pela Galiléia como um local


melhor para criar e educar o menino, mas foram necessárias três semanas para superar as objeções de Maria. Por volta de primeiro de outubro, José tinha convencido Maria e a todos os amigos de que era melhor que eles voltassem para Nazaré. Assim, no princípio de outubro, de 4 a.C., eles foram de Belém para Nazaré, passando por Lida e Sitópolis. Eles partiram cedo, em um domingo pela manhã, Maria e o menino montados no burro de carga recém-comprado, enquanto José e cinco parentes acompanhavamnos a pé; os parentes de José recusaram a permitir-lhes fazer a viagem a Nazaré sozinhos. Eles temiam ir para a Galiléia por Jerusalém e pelo Vale do Jordão, e as estradas do oeste não eram de todo seguras para dois viajantes sozinhos com uma criança de tenra idade. 1. DE VOLTA A NAZARÉ No quarto dia da viagem, o grupo chegou ao seu destino em segurança. Eles vieram sem anunciar, à casa de Nazaré, que tinha sido ocupada durante mais de três anos por um dos irmãos casados de José, que ficou realmente surpreso ao vê-los; tão em silêncio eles tinham feito tudo que nem a família de José nem a de Maria sabiam, nem mesmo que eles tinham deixado Alexandria. No dia seguinte o irmão de José mudou-se com a sua família, e Maria, pela primeira vez desde o nascimento de Jesus, estabeleceu-se com a sua pequena família para desfrutar da vida na sua própria casa. Em menos de uma semana, José arranjou trabalho como carpinteiro e eles ficaram extremamente felizes. Jesus tinha cerca de três anos e dois meses de idade, na época em que eles voltaram para Nazaré. Ele havia passado muito bem em todas essas viagens, era dono de uma saúde excelente e estava cheio de brincadeiras infantis e de exultação por ter uma


propriedade onde pudesse correr e se divertir. Mas sentia muita falta da companhia dos seus amigos de Alexandria. A caminho de Nazaré, José tinha persuadido Maria de que seria pouco prudente fazer com que todos os seus amigos e parentes da Galiléia soubessem que Jesus era uma criança prometida. E concordaram em refrear-se de mencionar essa questão a todos. E ambos permaneceram muito fiéis em manter essa promessa. Pág. 1357 Todo o quarto ano de Jesus foi um período normal de desenvolvimento físico, mas de uma atividade mental inusitada. Nesse meio tempo ele tinha estabelecido uma amizade muito forte com um garoto da sua idade, na vizinhança, chamado Jacó. Jesus e Jacó estavam sempre felizes com as suas brincadeiras e eles cresceram como grandes amigos e companheiros leais. O próximo acontecimento de importância na vida dessa família de Nazaré foi o nascimento do segundo filho, Tiago, nas primeiras horas da manhã de 2 de abril, do ano 3 a.C. Jesus ficou emocionado com a idéia de ter um irmão bebê, e mantinha-se por perto todo o tempo só para observar as primeiras atividades do bebê. Em meados do verão desse mesmo ano, José construiu uma pequena oficina perto da fonte da cidade e do ponto de parada das caravanas. Depois disso, fez pouquíssimo trabalho de carpinteiro durante o dia. Ele tinha como sócios dois dos próprios irmãos e vários outros trabalhadores, a quem ele enviava para trabalhar enquanto permanecia na loja fazendo juntas de bois e arados e outros trabalhos em madeira. Ele também fazia algum trabalho em couro, com cordas e lona. E Jesus, depois de crescido, quando não estava na escola, dividia o seu tempo igualmente entre ajudar a sua mãe com os afazeres domésticos e observar o seu pai trabalhando


na oficina e, nesse meio tempo, escutava a conversa e os mexericos dos condutores das caravanas e dos passageiros dos quatro cantos da Terra. Em julho desse ano, um mês antes de Jesus completar quatro anos, uma epidemia de problemas intestinais graves espalhou-se por toda Nazaré, vinda do contato com os viajantes das caravanas. Maria ficou tão alarmada com o perigo de Jesus ficar exposto a essa epidemia, que arrumou as malas de ambos os seus filhos e fugiu para a casa de campo do seu irmão, a muitos quilômetros ao sul de Nazaré, na estrada de Megido, perto de Sarid. E eles não voltaram a Nazaré durante mais de dois meses; Jesus teve muito prazer nessa que foi a sua primeira experiência em uma fazenda. 2. O QUINTO ANO (2 a.C.) Pouco mais de um ano depois do retorno a Nazaré, o menino Jesus chegou à idade da sua primeira decisão moral pessoal sincera; e um Ajustador do Pensamento veio residir nele, uma dádiva divina do Pai do Paraíso, que tinha há algum tempo atrás servido com Maquiventa Melquisedeque, ganhando assim a experiência de funcionar em ligação com a encarnação de um ser supramortal, vivendo à semelhança da carne mortal. Esse acontecimento deu-se aos 11 de fevereiro, do ano 2 a.C. Jesus não esteve mais consciente da vinda do Monitor divino do que ficam os milhões e milhões de outras crianças que, antes e depois desse dia, têm, do mesmo modo, recebido esses Ajustadores do Pensamento para residir nas suas mentes e trabalhar pela espiritualização definitiva de tais mentes e pela sobrevivência eterna das suas almas imortais. Nesse dia de fevereiro, terminou a supervisão direta e pessoal dos Governantes Universais, no que estava relacionado à integridade da encarnação infantil de Michael. A partir desse dia, durante todo o desenvolvimento humano da encarnação, a guarda de Jesus estava


destinada a permanecer sob a confiança desse Ajustador residente e dos serafins guardiães agregados, suplementada de tempos em tempos pela ministração dos intermediários designados à execução de certas tarefas definidas de acordo com a instrução dos seus superiores planetários. Jesus tinha cinco anos de idade em agosto desse mesmo ano, e nós iremos, por isso, referir a ele como o seu quinto (no calendário) ano de vida. Nesse ano, o ano 2 a.C., pouco mais de um mês antes do seu quinto aniversário, Jesus ficou muito feliz com a vinda da sua irmã Míriam, que nasceu na noite de 11 de julho. Durante Pág. 1358 a noite do dia seguinte, Jesus teve uma longa conversa com o seu pai a respeito da maneira pela qual vários grupos de coisas vivas nascem neste mundo, como indivíduos separados. A parte mais valiosa da educação inicial de Jesus proveio dos seus pais, nas respostas às suas perguntas pensativas e profundas. José nunca deixou de cumprir todo o seu dever e, a duras penas, passava o tempo respondendo às numerosas perguntas do menino. Desde o momento em que Jesus tinha cinco anos de idade até ter dez anos, ele foi um ponto de interrogação contínuo. Embora José e Maria não pudessem sempre responder às suas perguntas, nunca deixaram totalmente de falar algo sobre as averiguações dele e de ajudá-lo, de todos os outros modos possíveis, nos seus esforços para alcançar uma solução satisfatória sobre a questão que a sua mente alerta estava sugerindo. Desde que retornaram a Nazaré eles vinham tendo uma vida familiar bastante intensa e José estivera especialmente ocupado, construindo a sua nova loja e fazendo com que o seu negócio funcionasse novamente. Tão ocupado que não achara tempo de fazer um berço para Tiago, mas isso foi corrigido muito antes que Míriam


nascesse, de modo que ela teve um de grades altas bastante confortável, no qual se aninhar, enquanto a família a admirava. E o Jesus menino entrou de coração em todas essas experiências naturais e normais. Ele gostava bastante do seu irmão pequeno e da sua irmã bebezinha e foi de grande ajuda para Maria, cuidando deles. Havia uns poucos lares no mundo gentio daqueles dias, que podiam dar a uma criança uma educação intelectual, moral e religiosa melhor do que os lares judeus da Galiléia. Esses judeus tinham um programa sistemático de criar e de educar as suas crianças. Eles dividiam a vida de uma criança em sete estágios: 1. A criança recém-nascida, do primeiro até o oitavo dia. 2. A criança de peito. 3. A criança desmamada. 4. O período de dependência da mãe, durando até o fim do quinto ano. 5. O princípio da independência da criança e, para os filhos homens, o pai assumindo a responsabilidade pela sua educação. 6. Os jovens e as jovens adolescentes. 7. Os jovens homens, as jovens mulheres. Era hábito dos judeus da Galiléia que a mãe ficasse com a responsabilidade pela instrução da criança até o quinto aniversário e, então, se a criança fosse um menino, o pai ficaria responsável pela educação dele, daquela época em diante. Nesse ano, portanto, Jesus passaria ao quinto estágio da carreira de uma criança judia na


Galiléia e, desse modo, em 21 de agosto do ano 2 a.C., Maria formalmente o entregaria a José, para a sua instrução posterior. Embora José estivesse agora assumindo a responsabilidade direta pela educação intelectual e religiosa de Jesus, a sua mãe ainda tinha cuidados com a instrução dele em casa. Ela ensinaria a ele como conhecer e cuidar das uvas e das flores que cresciam nas paredes do jardim que rodeavam completamente o terreno da casa. Ela também colocava no terraço da casa (o quarto de verão) caixas rasas com areia, nas quais Jesus fazia mapas e grande parte das suas primeiras práticas em escrever o aramaico, o grego e, mais tarde, o hebreu, e assim em pouco tempo ele aprendera a ler, a escrever e a falar fluentemente essas três línguas. Jesus parecia ser uma criança quase perfeita, física e mentalmente, e emocionalmente continuava a fazer progressos normais. Ele teve um leve distúrbio digestivo, a sua primeira doença benigna, na segunda metade desse seu quinto ano (segundo o calendário). Pág. 1359 Embora José e Maria conversassem freqüentemente sobre o futuro do seu filho mais velho, caso vós estivésseis lá, vós iríeis ter apenas observado o crescimento, no seu tempo e na sua época, de um menino normal, saudável, despreocupado, contudo excessivamente ávido de conhecimentos. 3. OS ACONTECIMENTOS DO SEXTO ANO (1 a.C.) Com a ajuda da sua mãe, Jesus já tinha dominado o dialeto da língua aramaica da Galiléia; e agora o seu pai começava a ensinar-lhe o grego. Maria falava mal o grego, mas José falava fluentemente tanto o aramaico quanto o grego. O manual para o estudo da língua grega era a cópia das escrituras dos Hebreus – uma versão


completa da lei e dos profetas, incluindo os Salmos –, que tinha sido presenteada a eles ao deixarem o Egito. Havia apenas duas cópias completas das escrituras em grego em toda a Nazaré, e a posse de uma delas pela família do carpinteiro fez da casa de José um local muito procurado e proporcionou a Jesus, à medida que crescia, conhecer uma procissão quase sem fim de estudantes e de buscadores sinceros da verdade. Antes que esse ano terminasse, Jesus havia assumido a custódia desse manuscrito de valor inapreciável, tendo sido dito, no seu sexto aniversário, que o livro sagrado havia sido um presente dado a ele pelos amigos e parentes de Alexandria. E dentro de pouco tempo ele poderia lê-lo correntemente. O primeiro grande choque de Jesus, na sua vida de menino, ocorreu quando ele não tinha ainda seis anos. Queria parecer ao menino que o seu pai – ou, ao menos, o seu pai e a sua mãe, juntos – tudo soubessem. E imaginem, pois, a surpresa desse garoto inquisitivo quando, ao perguntar ao seu pai sobre a causa de um pequeno terremoto que acabara de ocorrer, escutou de José: “Meu filho, eu realmente não sei”. Assim começou aquela longa e desconcertante desilusão de Jesus ao descobrir que os seus pais terrenos não eram todo-sábios nem todo-conhecedores. O primeiro pensamento de José foi dizer a Jesus que o terremoto havia sido causado por Deus, mas uma reflexão momentânea aconselhou-o que essa resposta iria imediatamente provocar outras perguntas ainda mais embaraçosas. Mesmo em uma idade tão tenra era muito difícil responder às perguntas de Jesus sobre os fenômenos físicos ou sociais, dizendo a ele sem pensar que Deus ou que o diabo eram responsáveis. Em harmonia com as crenças predominantes do povo judeu, Jesus estava disposto a aceitar a doutrina dos bons e dos maus espíritos como explicação possível dos fenômenos mentais e espirituais, mas, muito cedo, ele começou a


duvidar de que essas influências não visíveis fossem responsáveis pelos acontecimentos físicos do mundo natural. Antes que Jesus tivesse seis anos de idade, no começo do verão do 1º ano a.C., Zacarias, Isabel e João, o filho deles, vieram visitar a família de Nazaré. Jesus e João tiveram um momento feliz durante esse que foi o seu primeiro encontro, segundo as suas memórias. Embora os visitantes só pudessem ficar por alguns dias, os parentes conversaram sobre muitas coisas, inclusive sobre os planos futuros para os seus filhos. E, enquanto se ocuparam com isso, os pequenos brincaram com blocos na areia, na parte de cima da casa, e divertiram-se de muitas outras maneiras, ao verdadeiro modo dos meninos. Tendo conhecido João, que viera de perto de Jerusalém, Jesus começou a demonstrar um interesse inusitado sobre a história de Israel e a perguntar, com detalhes profundos, sobre o significado dos ritos de sábado, dos sermões na sinagoga e sobre as festas repetidas de comemorações. Seu pai explicou-lhe o significado de todas essas celebrações das estações. A primeira festa, a da iluminação festiva do meio do inverno, durava oito dias, Pág. 1360 começando com uma vela na primeira noite e adicionando uma nova a cada noite; e comemorava a consagração do templo depois da restauração dos serviços mosaicos por Judas Macabéu. Em seguida vinha a do princípio da primavera, a celebração de Purim, a festa de Ester e da libertação de Israel por intermédio dela. Logo viria a Páscoa solene, que os adultos celebravam em Jerusalém, quando possível, enquanto em casa as crianças lembrar-se-iam de que nenhum pão fermentado deveria ser comido durante toda a semana. Mais tarde vinha a festa das primeiras frutas, a entrada da colheita; e afinal, a mais solene de todas, a festa do ano novo, o dia


das expiações e propiciações. Embora algumas dessas celebrações e observâncias fossem difíceis para a jovem mente de Jesus entender, ele as ponderou seriamente e então aderiu à alegria da Festa de Tabernáculos, a estação anual de férias de todo o povo judeu, o tempo em que eles acampavam em tendas frondosas e entregavam-se à alegria e aos prazeres. Durante esse ano José e Maria tiveram um problema com as orações de Jesus. Ele insistia em falar ao seu Pai celeste do mesmo modo que ele falava a José, o seu pai terreno. Esse relaxamento do modo mais solene e reverente de comunicação com a Deidade era um tanto desconcertante para os seus pais, especialmente para a sua mãe, mas nada o persuadiria a mudar; ele diria as suas preces exatamente como lhe fora ensinado, depois do que ele insistia em ter “só uma pequena conversa com o meu Pai no céu”. Em junho desse ano José cedeu a loja de Nazaré para os seus irmãos e, formalmente, começou o seu trabalho como empreiteiro. Antes que terminasse o ano, a renda da família tinha mais do que triplicado. Nunca mais, até a morte de José, a família de Nazaré sentiu o aperto da pobreza. A família cresceu e ficou cada vez maior, e eles gastaram muito dinheiro com a educação e as viagens complementares, mas a renda crescente de José manteve-se no ritmo crescente das despesas. Nos poucos anos seguintes, José fez uma quantidade considerável de trabalho em Caná, Belém (da Galiléia), Magdala, Naim, Séforis, Cafarnaum e En-dor, bem como muitas construções na região de Nazaré. À medida que Tiago crescia o suficiente para ajudar a sua mãe no trabalho da casa e para cuidar das crianças mais novas, Jesus fazia viagens freqüentes com o seu pai para essas cidades e vilas vizinhas. Jesus era um observador aguçado e ganhou muito conhecimento prático nessas viagens para longe de casa; ele estava


assiduamente acumulando conhecimentos a respeito do homem e do modo como todos viviam na Terra. Nesse ano, Jesus fez grandes progressos ajustando os seus fortes sentimentos e os seus impulsos vigorosos às demandas da cooperação com a família e da disciplina do lar. Maria era uma mãe amorosíssima, mas bastante exigente como disciplinadora. De muitos modos, contudo, José exercia um controle maior sobre Jesus, pois era hábito seu assentar-se com o menino e explicar-lhe tudo sobre as razões reais pelas quais havia a necessidade de disciplinar os desejos pessoais em deferência ao bem-estar e à tranqüilidade de toda a família. Depois de explicada a situação a Jesus, ele ficava, de um modo inteligente, sempre disposto a cooperar com os desejos dos seus pais e com as regras da família. Grande parte do seu tempo disponível – quando a sua mãe não precisava da sua ajuda na casa – ele passava estudando as flores e plantas, de dia, e as estrelas à noite. Ele demonstrou uma tendência inconveniente de deitar de costas e ficar olhando contemplativamente para o céu estrelado até muito depois da hora de dormir no seu bem ordenado lar em Nazaré. Pág. 1361 4. O SÉTIMO ANO ( 1 d.C.) Esse foi, sem dúvida, um ano movimentado na vida de Jesus. No início de janeiro, uma grande tempestade de neve aconteceu na Galiléia. A neve caiu até sessenta centímetros de espessura; foi a neve mais pesada que Jesus viu durante a sua vida e uma das maiores de Nazaré em cem anos. As distrações das crianças judias nos tempos de Jesus eram bastante limitadas; muito freqüentemente as crianças distraíam-se


com as coisas mais sérias que observavam os mais velhos fazendo. Elas brincavam muito em casamentos e funerais, cerimônias que elas tanto presenciavam e que eram tão espetaculares. Elas dançavam e cantavam, mas havia poucos jogos organizados, como as crianças atuais tanto gostam. Jesus, na companhia de um garoto vizinho e mais tarde com o seu irmão Tiago, deliciava-se de brincar na esquina afastada da loja de carpintaria da família, onde eles divertiam-se com a serralha e os blocos de madeira. Sempre difícil para Jesus era compreender o mal contido em certos tipos de brincadeiras proibidas no sábado, mas ele nunca deixou de cumprir os desejos dos seus pais. Ele possuía uma capacidade de humor e de brincar que tinha pouca oportunidade de expressão nos ambientes daqueles dias e da sua geração, e, até a idade de quatorze anos, ele foi alegre e bem humorado a maior parte do tempo. Maria mantinha um pombal no topo do estábulo, adjacente à casa, e eles usavam os lucros da venda dos pombos como um fundo especial de caridade, que Jesus administrava depois que tirava o soldo e o entregava ao oficial da sinagoga. O único acidente real que Jesus teve até essa época foi uma queda na escada do fundo, que levava até o quarto coberto de lona. Aconteceu em julho, durante uma tempestade de areia inesperada vinda do leste. Os ventos quentes, levando rajadas de areia fina, via de regra sopravam durante a estação das chuvas, especialmente em março e abril. Era extraordinário que se tivesse esse tipo de tempestade em julho. Quando a tempestade surgiu, Jesus estava no andar de cima da casa, brincando, como era o seu hábito, pois, durante grande parte da estação seca, era lá o seu local preferido. Ele ficou cego pela areia quando descia as escadas, e caiu. Depois desse acidente José construiu uma balaustrada em ambos os lados da escada.


De nenhum modo esse acidente poderia ter sido impedido. Não era de se acusar as criaturas intermediárias, guardiãs temporais dele, de negligência; um intermediário primário e um secundário haviam sido designados para cuidar do menino; nem o serafim guardião podia ser acusado. Simplesmente não podia ter sido evitado. Mas esse leve acidente tendo ocorrido enquanto José estava ausente, em En-dor, causou uma ansiedade tão grande na mente de Maria, que ela, agindo de um modo pouco sábio, tentou manter Jesus excessivamente perto de si durante alguns meses. Os acidentes materiais, acontecimentos comuns de natureza física, não sofrem a interferência arbitrária das personalidades celestes. Sob circunstâncias normais, apenas as criaturas intermediárias podem intervir nas condições materiais para a salvaguarda pessoal dos homens e das mulheres do destino e, mesmo em situações especiais, esses seres só podem atuar assim em obediência a mandatos específicos dos seus superiores. E esse foi apenas um, de um sem número de tais acidentes menores, que sobrevieram na vida desse inquisitivo e aventureiro jovem. Se vós visualizardes a meninice média de um menino e de um jovem bastante ativo, vós tereis uma idéia bastante boa da juventude de Jesus, e sereis capazes de imaginar a ansiedade que ele causou aos seus pais, particularmente à sua mãe. Pág. 1362 O quarto membro da família de Nazaré, José, nasceu numa quartafeira pela manhã, 16 de março do ano 1 d.C. 5. OS DIAS DE ESCOLA EM NAZARÉ Jesus agora tinha sete anos, aquela idade em que se espera que as crianças judias comecem a sua instrução formal nas escolas das


sinagogas. E, assim, em agosto desse mesmo ano, ele iniciou a sua movimentada vida escolar em Nazaré. Esse menino era um leitor já fluente e até escrevia e falava duas línguas, o aramaico e o grego. Estava agora para ambientar-se com a tarefa de aprender a ler, escrever e falar a língua hebraica. E estava realmente ávido pela nova vida escolar que tinha diante de si. Durante três anos – até que completasse os dez – ele freqüentou a escola elementar da sinagoga de Nazaré. Nesse período de três anos, estudou os rudimentos do Livro da Lei como estava registrado na língua hebraica. Durante os três anos seguintes estudou na escola avançada e memorizou, pelo método de repetir em voz alta, os ensinamentos mais profundos da lei sagrada. Ele graduou-se nessa escola da sinagoga durante o seu décimo terceiro ano de vida e foi entregue aos seus pais pelos chefes da sinagoga como um instruído “filho do mandamento” – e, doravante, um cidadão responsável, da comunidade de Israel, o que lhe impunha assistir à Páscoa em Jerusalém; e, conseqüentemente, ele participou da sua primeira Páscoa naquele ano, em companhia do seu pai e da sua mãe. Em Nazaré, os alunos assentavam-se no chão em um semicírculo, enquanto o professor, o chazam, um oficial da sinagoga, assentavase de frente para eles. Começando com o Livro do Levítico, passavam a estudar os outros livros da lei, seguindo-se o estudo dos Profetas e dos Salmos. A sinagoga de Nazaré possuía uma cópia completa das escrituras em hebreu. Apenas as escrituras e nada mais era estudado antes do décimo segundo ano. Nos meses de verão, as horas da escola eram abreviadas em muito. Muito cedo Jesus tornou-se um mestre em hebreu e, enquanto jovem, quando acontecia que nenhum visitante proeminente estava de permanência em Nazaré, era-lhe muitas vezes solicitado que lesse as escrituras em hebreu para os fiéis reunidos na sinagoga nos serviços regulares de sábado.


Essas escolas das sinagogas, evidentemente, não tinham livros curriculares. Ao ensinar, o chazam pronunciaria uma afirmação enquanto os alunos repeti-la-iam em uníssono, em seguida. Pelo fato de ter acesso aos livros escritos da lei, o estudante aprendia a sua lição lendo em voz alta e pela repetição constante. Em seguida, além da sua escolaridade mais formal, Jesus começou a ter contato com a natureza humana dos quatro cantos da Terra, pois homens de muitos locais entravam e saíam da loja de reparos do seu pai. Já com um pouco mais de idade, circulava livremente em meio às caravanas, enquanto os seus membros permaneciam perto da fonte para um descanso e para alimentar-se. Por falar fluentemente o grego, ele não tinha problemas em conversar com a maioria dos viajantes e condutores das caravanas. Nazaré era um ponto de parada no caminho das caravanas e uma encruzilhada para as rotas, e tinha uma grande população de gentios; ao mesmo tempo em que era bastante conhecida como um centro de interpretação liberal da lei tradicional dos judeus. Na Galiléia os judeus misturavam-se com os gentios, mais livremente do que era a prática comum na Judéia. E de todas as cidades da Galiléia, os judeus de Nazaré eram os mais liberais na sua interpretação das restrições sociais baseadas nos medos da contaminação pelo contato com Pág. 1363 os gentios. E essas condições deram origem a um ditado em Jerusalém, que era: “Pode algo de bom vir de Nazaré?” Jesus recebeu a sua educação moral e a sua cultura espiritual principalmente na sua própria casa. Grande parte da sua educação intelectual e teológica ele adquiriu do chazam. Mas a sua real educação – aquele aparato da mente e do coração para a luta real


com os difíceis problemas da vida – ele obteve misturando-se aos seus irmãos homens. Foi essa associação íntima com os seus irmãos humanos, jovens e velhos, judeus e gentios, que lhe proporcionou a oportunidade de conhecer a raça humana. Jesus era altamente educado, no sentido em que, aos humanos, ele os entendia profundamente e os amava com devoção. Durante os seus anos na sinagoga ele tinha sido um estudante brilhante, tendo uma grande vantagem, pois era fluente em três línguas. O chazam de Nazaré, na ocasião em que Jesus terminou o curso na sua escola, observou a José que temia que ele próprio “tivesse aprendido mais com a busca nas perguntas de Jesus” do que tinha “tido a oportunidade de ensinar ao pequeno”. Durante o correr dos seus estudos Jesus aprendeu muito e se inspirou grandemente nos sermões regulares do sábado na sinagoga. Era costumeiro pedir aos visitantes ilustres, que passavam o sábado em Nazaré, que tomassem a palavra na sinagoga. À medida que Jesus cresceu, ele escutou muitos grandes pensadores de todo o mundo judeu expondo os seus pontos de vista, e muitos também que eram judeus pouco ortodoxos, pois a sinagoga de Nazaré era um centro avançado e liberal do pensamento e da cultura hebraica. Ao entrar para a escola, aos sete anos (nessa época os judeus tinham acabado de inaugurar uma lei de educação compulsória), era costume que os alunos escolhessem o seu “texto de aniversário”, uma espécie de regra dourada a guiá-los durante os seus estudos, e sobre a qual eles tinham, certamente, de dissertar quando da sua graduação aos treze anos de idade. O texto que Jesus escolheu era do Profeta Isaías: “O espírito do Senhor Deus está comigo, pois o Senhor me ungiu; ele me enviou para trazer boas-novas aos meigos, para consolar os aflitos, para proclamar a liberdade aos cativos e para dar a liberdade aos prisioneiros espirituais”.


Nazaré era um dos vinte e quatro centros de sacerdócio da nação hebraica. Mas o sacerdócio da Galiléia era mais liberal, na interpretação das leis tradicionais, do que os escribas judeus e os rabinos. E em Nazaré, eles também eram mais liberais com respeito à observância do sábado. Era então costume de José levar Jesus para passear nas tardes de sábado e uma das caminhadas favoritas deles era subir o alto morro perto da casa, de onde eles podiam ter uma vista panorâmica de toda a Galiléia. A noroeste, em dias claros, eles podiam ver a longa cumeeira do monte Carmelo correndo até o mar; e muitas vezes Jesus ouviu o seu pai relatar a história de Elias, um dos primeiros daquela longa linhagem de profetas hebreus, que reprovou Arrab e que desmascarou os sacerdotes de Baal. Ao norte do monte Hermom subia o seu pico nevado, em um esplendor majestoso, que monopolizava a linha do céu, quase a mil metros de altura; as suas escarpas mais elevadas resplandecendo com o branco das neves perpétuas. Ao longe, a leste, eles podiam divisar o vale do Jordão e ainda mais longe os rochosos montes de Moabe. E também ao sul e a leste, quando o sol brilhava sobre os seus paredões de mármore, eles podiam ver as cidades greco-romanas da Decápolis, com os seus anfiteatros e templos pretensiosos. E, quando eles voltavam-se para o pôr-do-sol, a oeste, podiam distinguir os barcos velejando no Mediterrâneo distante. Pág. 1364 De quatro direções Jesus podia observar os grupos das caravanas enquanto seguiam os seus caminhos, entrando e saindo de Nazaré e, ao sul ele podia ver a planície larga e fértil dos campos de Esdraelon, estendendo-se na direção do monte Gilboa e da Samaria. Quando não escalavam os cumes para ver a paisagem distante, eles passeavam pelos campos e estudavam a natureza e os seus humores variados, de acordo com as estações. O primeiro aprendizado de


Jesus, à parte aqueles dentro do próprio lar, teve a ver com um contato de reverência e de simpatia com a natureza. Antes dos oito anos de idade, ele era conhecido de todas as mães e de todos os jovens de Nazaré, que o haviam encontrado e falado com ele na fonte, que não ficava longe da sua casa e que era um dos centros sociais de contato e de mexericos de toda cidade. Nesse ano Jesus aprendeu a tirar o leite da vaca da família e a tomar conta dos outros animais. Durante esse ano e no ano seguinte ele também aprendeu a fazer queijo e a tecer. Quando tinha dez anos de idade, ele era já um experiente operador do tear. E foi nessa época que Jesus e Jacó, o menino vizinho, tornaram-se grandes amigos do ceramista que trabalhava perto da fonte corrente; e enquanto eles observavam os dedos ágeis de Natam moldando a argila sobre a roda, muitas vezes ambos escolhiam ser ceramistas quando crescessem. Natam queria muito bem aos garotos e sempre lhes dava argila para brincar; buscando estimular a sua imaginação criativa, ele sugeria que fizessem competições de modelagem de vários objetos e animais. 6. O SEU OITAVO ANO ( 2 d.C.) Esse foi um ano interessante, na escola. Embora Jesus não fosse um estudante fora do comum, ele era um aluno aplicado e pertencia ao primeiro terço mais avançado da classe, fazendo o seu trabalho tão bem que era dispensado de estar presente por uma semana a cada mês. Essa semana ele usualmente passava ou com o seu tio pescador, nas praias do Mar da Galiléia, perto de Magdala, ou na fazenda de um outro tio (irmão da sua mãe) a oito quilômetros ao sul de Nazaré. Embora a sua mãe tivesse ficado excessivamente ansiosa com a sua saúde e segurança, gradualmente ela acostumou-se com essas viagens para fora de casa. Os tios e as tias de Jesus, todos o


amavam muito e aconteceu entre eles uma disputa viva para assegurar a sua companhia nessas visitas mensais, nesse ano e nos anos imediatamente seguintes. A sua primeira semana de estada na fazenda do seu tio (desde a infância) foi em janeiro desse ano; a sua primeira semana de pescaria no Mar da Galiléia aconteceu no mês de maio. Nessa época, Jesus conheceu um professor de matemática de Damasco e, aprendendo algumas técnicas novas com os números, ele consagrou muito do seu tempo às matemáticas, durante vários anos. Ele desenvolveu um senso muito depurado para lidar com os números, distâncias e proporções. Jesus começou a apreciar muito o seu irmão Tiago e, lá pelo fim desse ano, ele tinha começado a ensinar-lhe o alfabeto. Nesse ano, Jesus fez arranjos para trocar produtos de leite por lições de harpa. Tinha um gosto excepcional por tudo da música. Mais tarde, de tudo ele fez para promover o interesse pela música vocal entre os seus camaradas mais jovens. Na época em que tinha onze anos de idade, ele era um harpista hábil e tinha muito prazer em entreter a família e os amigos com as suas interpretações extraordinárias e os seus belos improvisos. Pág. 1365 Ao mesmo tempo em que Jesus continuava a fazer progressos invejáveis na escola, as coisas não eram muito fáceis nem para os pais nem para os professores. Ele continuava a fazer muitas perguntas embaraçosas a respeito da ciência e da religião, e particularmente a respeito da geografia e da astronomia. Ele insistia especialmente em saber por que havia uma estação seca e uma estação chuvosa na Palestina. Repetidamente buscou a explicação para a grande diferença entre as temperaturas de


Nazaré e as do Vale do Jordão. Ele simplesmente nunca parou de fazer tais perguntas inteligentes, mas desconcertantes. O seu terceiro irmão, Simão, nasceu em uma sexta-feira à noite, no dia 14 de abril desse que foi o ano 2 d.C. Em fevereiro, Nahor, um dos professores de uma academia dos rabinos em Jerusalém, veio a Nazaré para observar Jesus, depois de ter cumprido uma missão semelhante na casa de Zacarias, perto de Jerusalém. Ele veio a Nazaré por uma sugestão do pai de João. Ao mesmo tempo em que, a princípio, ficou um tanto chocado com a franqueza de Jesus e sua maneira pouco convencional de se relacionar com as coisas da religião, ele atribuía isso à distância da Galiléia dos centros do ensino e da cultura hebraica e aconselhou a José e Maria que lhe permitissem levar Jesus consigo a Jerusalém, onde ele poderia ter as vantagens da educação e da instrução do centro da cultura judaica. Maria ficou um pouco persuadida a consentir; ela estava convencida de que o seu primogênito devia transformar-se no Messias, o libertador judeu; José estava hesitante, mas também convencido de que Jesus devia crescer e tornar-se um homem do destino, contudo, achava-se profundamente incerto quanto a qual devia ser esse destino. No entanto ele nunca realmente duvidou de que o seu filho devia cumprir alguma grande missão na Terra. Quanto mais ele pensava sobre o conselho de Nahor, mais ele punha em dúvida se era sábio fazer esse estágio, como era proposto, em Jerusalém. Por causa dessa diferença de opinião entre José e Maria, Nahor pediu permissão para colocar toda a questão para Jesus. Jesus escutou com atenção, conversou com José, com Maria e com um vizinho, Jacó, o pedreiro, cujo filho era o seu companheiro favorito e, então, dois dias mais tarde, ele concluiu que, mesmo havendo uma tal divergência de opinião entre os seus pais e os conselheiros, desde que ele não se sentia competente para assumir a


responsabilidade por uma tal decisão, por não se sentir tão inclinado nem para uma decisão nem para a outra, em vista de toda a situação, finalmente ele decidiu “conversar com o meu Pai que está no céu”; e, enquanto não estivesse absolutamente certo quanto à resposta, ele sentiu que deveria permanecer em casa “com o meu pai e a minha mãe”, e acrescentou: “eles que tanto me amam devem ser capazes de fazer mais por mim e guiar-me de um modo mais seguro do que estranhos, que podem apenas ver o meu corpo e observar a minha mente, mas que dificilmente podem me conhecer de verdade”. Todos ficaram maravilhados, e Nahor tomou o seu caminho de volta para Jerusalém. E se passaram muitos anos antes que a questão de Jesus ir para longe de casa de novo voltasse a ser levada em consideração. Pág. 1366 DOCUMENTO 124 A SEGUNDA INFÂNCIA DE JESUS Embora Jesus pudesse ter desfrutado, em Alexandria, de melhores oportunidades para estudar, do que na Galiléia, ele não teria tido um ambiente tão esplêndido para trabalhar nos problemas da sua própria vida, com um mínimo de orientação educacional e, ao mesmo tempo, para desfrutar da grande vantagem de estar em contato constante com um número tão vasto de todas as espécies de homens e mulheres, vindos de todas as partes do mundo civilizado. Tivesse ele permanecido na Alexandria, e a sua educação teria sido dirigida pelos judeus e conduzida ao longo de uma linha exclusivamente judaica. Em Nazaré, ele assegurou uma educação e recebeu uma instrução que o preparou mais aceitavelmente para compreender os gentios, e que deu a ele uma idéia melhor e mais equilibrada dos méritos relativos das visões da teologia hebraica oriental, ou da babilônica, e da ocidental ou helênica.


1. O NONO ANO DE JESUS (3 d.C.) Embora de fato não possa ser dito que Jesus tenha estado doente seriamente, ele teve algumas das doenças mais leves da infância nesse ano, junto com os seus irmãos e a sua irmã bebê. Continuou na escola e era ainda um aluno favorecido, tendo uma semana livre a cada mês, e continuou a dividir o seu tempo igualmente entre as viagens às cidades da vizinhança com o seu pai, as permanências na fazenda do seu tio no sul de Nazaré e as excursões de pescaria em Magdala. O problema mais sério, a acontecer ainda, na escola, ocorreu no final do inverno quando Jesus ousou desafiar o chazam a respeito do ensinamento de que todas as imagens, as pinturas e os desenhos eram idólatras, pela sua natureza. Jesus deliciava-se em desenhar paisagens tanto quanto em modelar uma grande variedade de objetos em cerâmica. Tudo, nesse sentido, era estritamente proibido pela lei judaica, mas até esse momento ele tinha conseguido desarmar as objeções dos seus pais de um modo tal que eles lhe haviam permitido continuar com essas atividades. Mas o problema foi novamente levantado na escola, quando um dos alunos mais atrasados descobriu Jesus fazendo, a carvão, um desenho do professor no chão da sala de aula. Lá estava, claro como o dia; e muitos dos anciães tinham visto aquilo antes que o comitê fosse chamar José para exigir que algo fosse feito para acabar com o incumprimento da lei por parte do seu filho primogênito. E, embora não tenha sido essa a primeira vez que as reclamações chegavam a José e Maria, sobre as coisas que o seu versátil e ativo menino fazia, era essa a mais séria de todas as acusações que até então tinham sido lançadas contra ele. Jesus escutou a acusação, sobre os seus esforços artísticos, durante algum tempo, assentado que estava em uma grande pedra no lado de fora da porta dos


fundos. Ele ressentira-se de que eles tivessem culpado o seu pai pelos erros que alegavam que ele cometia; e assim ele avançou, destemidamente, para confrontar-se com os seus acusadores. Os anciães ficaram confusos. Alguns Pág. 1367 estavam inclinados a ver o episódio com humor, enquanto um ou dois pareciam pensar que o menino era um sacrílego, se não até blasfemo mesmo. José estava perplexo e Maria indignada, mas Jesus insistia em ser ouvido. E ele teve a palavra e, corajosamente, defendeu o seu ponto de vista com o consumado e amplo autocontrole e anunciou que se conformaria à decisão do seu pai, nessa, como em todas as outras questões controvertidas. E o comitê dos anciães partiu em silêncio. Maria fez um esforço para influenciar José a permitir que Jesus modelasse a argila em casa, desde que ele prometesse não fazer nenhuma dessas atividades questionáveis na escola, mas José sentia-se compelido a impor que a interpretação rabínica do segundo mandamento devesse prevalecer. E, assim, Jesus não mais desenhou nem modelou à semelhança de nada, daquele dia em diante, durante todo o tempo em que viveu na casa do seu pai. Mas ele não estava convencido de que havia erro naquilo que tinha feito; e abandonar esse passatempo favorito constituiu-se em uma das maiores provações da sua vida enquanto jovem. Na segunda metade de junho, Jesus, na companhia do seu pai, pela primeira vez, escalou o cume do monte Tabor. Era um dia claro e a vista era estupenda. Parecia, a este garoto de nove anos, que ele estava realmente contemplando o mundo inteiro, exceto a Índia, a África e Roma.


Marta, a segunda irmã de Jesus, nasceu em uma quinta-feira à noite, 13 de setembro. Três semanas depois da chegada de Marta, José, que estivera em casa por um período, iniciou a construção de uma extensão da casa, uma combinação de oficina e de quarto de dormir. Uma pequena bancada de trabalho foi construída para Jesus e, pela primeira vez, ele possuiu ferramentas que lhe pertenciam. Nas horas vagas, durante muitos anos, ele trabalhou nessa bancada e tornou-se altamente perito em fazer juntas. Esse inverno e o próximo foram, por muitas décadas, os mais frios em Nazaré. Jesus tinha visto a neve nas montanhas e, muitas vezes, ela tinha caído em Nazaré, permanecendo no chão apenas por pouco tempo; mas, nunca antes desse inverno, ele tinha visto o gelo. O fato de que a água podia ser um sólido, um líquido e um vapor – ele tinha já ponderado muito sobre o vapor que escapava das panelas ferventes – levou o pequeno a pensar bastante sobre o mundo físico e a sua constituição; e, todavia, a personalidade corporificada nesse jovem em crescimento era, durante todo esse tempo, a do verdadeiro criador e organizador de todas essas coisas, em todo um vastíssimo universo. O clima de Nazaré não era severo. Janeiro era o mês mais frio, a temperatura média girando em torno de 10ºC. Durante o mês de julho e agosto, os meses mais quentes, a temperatura variava entre 24 e 32 graus Celsius. Das montanhas até o Jordão e o Vale do Mar Morto, o clima da Palestina variava desde o frígido até o tórrido. E, assim, de um certo modo, os judeus estavam preparados para viver em todo e qualquer dos climas variáveis do mundo. Mesmo durante os meses do verão mais quente, em geral, uma brisa fresca vinda do mar soprava do oeste, das dez da manhã até por volta das dez da noite. Mas, de quando em quando, terríveis ventos quentes do deserto sopravam do leste por toda a Palestina. Essas rajadas quentes vinham, em geral em fevereiro e março, perto da


estação chuvosa. Nesses dias, de novembro a abril, a chuva caía em pancadas refrescantes, mas não chovia sem parar. Havia apenas duas estações na Palestina, o verão e o inverno, a estação seca e a estação chuvosa. Em janeiro, as flores começavam a florescer e, no fim de abril, toda a terra era um vasto jardim florido. Em maio desse ano, na fazenda do seu tio, pela primeira vez, Jesus ajudou na colheita dos cereais. Antes que tivesse treze anos, ele tinha conseguido descobrir alguma coisa sobre praticamente tudo com que os homens e as mulheres trabalhavam em Nazaré, Pág. 1368 exceto o trabalho em metal, e ele passou vários meses em uma oficina de ferreiro quando ficou mais velho, depois da morte do seu pai. Quando o trabalho e as viagens das caravanas estavam em baixa, Jesus fez muitas viagens com o seu pai, por prazer ou para negócios, até perto de Caná, En-dor e Naim. Mesmo sendo um menino, ele visitava Séforis freqüentemente, a apenas pouco mais de cinco quilômetros a noroeste de Nazaré, e que fora, do ano 4 a.C. até cerca de 25 d.C., a capital da Galiléia e uma das residências de Herodes Antipas. Jesus continuou a crescer, física, intelectual, social e espiritualmente. As suas viagens para longe de casa muito fizeram para dar a ele um entendimento melhor e mais generoso da sua própria família e, nessa época, mesmo os seus pais estavam começando a aprender dele, do mesmo modo como lhe ensinavam. Jesus era originalmente um pensador e era hábil para ensinar, mesmo quando ainda muito jovem. Ele entrava em constante desacordo com a chamada “lei transmitida oralmente”, mas sempre procurou adaptar-se às práticas da sua família. Dava-se bastante


bem com as crianças da sua idade, mas freqüentemente ficava desencorajado com a lentidão das suas mentes. Antes de ter dez anos de idade, ele havia se transformado no líder de um grupo de sete garotos, que constituíram uma sociedade para a promoção dos quesitos do amadurecimento – físico, intelectual e religioso. Entre esses meninos, Jesus teve êxito em introduzir muitos novos jogos e vários métodos aperfeiçoados de recreação física. 2. O DÉCIMO ANO (4 d.C.) Era 5 de julho, o primeiro sábado do mês, quando Jesus, enquanto passeava com o seu pai pelos campos no interior, pela primeira vez, deu expressão aos sentimentos e idéias que indicavam que ele estava tornando-se autoconsciente da natureza inusitada da missão da sua vida. José escutou atento as palavras importantes do seu filho e fez poucos comentários, não contribuindo com nenhuma informação. No dia seguinte Jesus teve uma conversa semelhante, mas mais longa, com a sua mãe. Maria, do mesmo modo escutou os pronunciamentos do garoto, mas também ela não quis adiantar nenhuma informação. Quase dois anos depois é que Jesus novamente falou aos seus pais sobre a revelação que crescia dentro da sua própria consciência a respeito da natureza da sua personalidade e do caráter da sua missão na Terra. Ele entrou na escola avançada da sinagoga em agosto. Na escola, estava constantemente gerando impasses com as perguntas que continuava fazendo. E, cada vez mais, ele mantinha toda Nazaré em uma espécie de efervescência. Aos seus pais repugnava a idéia de proibir que ele fizesse esses questionamentos inquietantes, e o seu professor principal estava bastante intrigado pela curiosidade do jovem, pelo seu discernimento interior e pela sua fome de conhecimento.


Os companheiros de Jesus nada viam de sobrenatural na sua conduta; pela maioria dos seus modos ele era exatamente como eles. O seu interesse nos estudos era de um certo modo acima do normal, mas não inteiramente inusitado. Na escola ele fazia mais perguntas do que os outros na sua sala de aula. Talvez a sua característica mais incomum e destacada fosse a sua pouca disposição de lutar pelos direitos próprios. Posto que ele era um garoto tão bem desenvolvido pela sua idade, parecia estranho aos seus companheiros que ele não estivesse inclinado a defenderse sequer das injustiças, nem quando submetido a abuso pessoal. Como quer que fosse, ele não sofria muito em vista dessa sua característica, por causa da sua amizade com Jacó, o garoto vizinho, que era um ano mais velho. Ele era filho de um pedreiro, sócio de José nos negócios. Jacó era um grande admirador de Jesus, e tomou a si a tarefa de fazer com que a ninguém fosse permitido impor-se a Jesus, às custas da aversão que ele tinha Pág. 1369 ao combate físico. Muitas vezes jovens mais velhos e mais rudes atacaram Jesus, confiando na sua reputação de docilidade, mas eles sofriam sempre uma retribuição, rápida e certa, das mãos do seu auto-apontado campeão e defensor sempre disposto, Jacó, o filho do pedreiro. Jesus era geralmente o líder aceito dos meninos de Nazaré que tinham os ideais mais elevados daqueles dias e da sua geração. Era realmente amado pelos jovens do seu círculo, não apenas por ser justo, mas também por ser dono de uma simpatia rara e compreensiva que revelava amor e beirava uma compaixão discreta. Nesse ano ele começou a demonstrar uma preferência marcante pela companhia de pessoas mais velhas. Ele deliciava-se em


conversar sobre as coisas culturais, educacionais, sociais, econômicas, políticas e religiosas com as mentes mais amadurecidas; e a sua profundidade de raciocínio e agudeza de observação tanto encantava aos seus amigos adultos que eles estavam sempre mais do que dispostos a dialogar com ele. Antes que ele se tornasse responsável por sustentar a casa, os seus pais estavam constantemente buscando conduzi-lo para que ele se ligasse àqueles da sua própria idade, ou mais próximos da sua idade, de preferência, aos indivíduos mais velhos e mais bem informados, pelos quais ele evidenciava certa predileção. Mais tarde, nesse ano, ele teve, com muito êxito, uma experiência de pescaria, durante dois meses, com o seu tio no Mar da Galiléia. Antes de transformar-se em um homem adulto, era já um pescador de grande habilidade. O seu desenvolvimento físico continuou; ele era um aluno adiantado e privilegiado na escola; em casa dava-se bastante bem com os seus irmãos e irmãs todos mais jovens, tendo a vantagem de ser três anos e meio mais velho do que o mais velho deles. Ele era bem tido em Nazaré, menos pelos pais de alguns dos meninos mais obtusos, que sempre se referiam a Jesus como sendo muito atrevido, como não tendo a devida humildade e a reserva devida de um jovem. Ele manifestava uma tendência crescente de orientar as atividades das brincadeiras e dos jogos dos seus amigos jovens em uma direção mais séria e mais refletida. Ele nascera para ensinar e simplesmente não podia refrear-se de agir assim, mesmo quando supostamente empenhado em brincar. José começou muito cedo a ensinar a Jesus os diversos meios de ganhar a vida, explicando as vantagens da agricultura sobre a indústria e o comércio. A Galiléia era um distrito mais belo e mais próspero do que a Judéia, e lá se gastava cerca de um quarto do que se gastava para viver em Jerusalém e na Judéia. Era uma província


de aldeias agrícolas e de cidades industriais adiantadas, contendo mais de duzentas cidades com população de mais de cinco mil, e trinta de mais de quinze mil habitantes. Quando da sua primeira viagem, com o seu pai, para observar a indústria de pesca no Lago da Galiléia, Jesus tinha acabado de se decidir por ser um pescador; mas a convivência estreita com a vocação do seu pai o levou mais tarde a tornar-se carpinteiro, enquanto, mais tarde ainda, uma combinação de influências levou-o à escolha final por tornar-se o instrutor religioso de uma nova ordem de coisas. 3. O DÉCIMO PRIMEIRO ANO ( 5 d.C.) Durante esse ano o rapaz continuou a fazer viagens para longe de casa com o seu pai, mas ele também visitava freqüentemente a fazenda do seu tio e, ocasionalmente, ia a Magdala para sair em pescaria com o tio que morava perto daquela cidade. José e Maria muitas vezes se viram tentados a demonstrar algum favoritismo especial por Jesus ou a revelar o conhecimento de que ele era uma criança prometida, Pág. 1370 um filho do destino. Mas eram ambos extraordinariamente sábios e sagazes para todas essas questões. Nas poucas vezes que, de qualquer modo, eles demonstraram alguma preferência por ele, mesmo no mais leve grau, o jovem foi logo rejeitando uma tal consideração especial. Jesus passava um tempo considerável na loja de suprimentos para caravanas e, conversando com os viajantes de todas as partes do mundo, ele acumulou um volume incrível de informações sobre assuntos internacionais, considerando a sua idade. Esse foi o último


ano no qual ele desfrutou de bastante tempo livre para as alegrias da juventude. Dessa época em diante, as dificuldades e as responsabilidades multiplicaram-se rapidamente na vida desse jovem. À noite, na quarta-feira, 24 de junho do ano 5 d.C., nasceu Judá. O nascimento dessa criança, a sétima, acarretou complicações. Maria ficou tão doente, por várias semanas, que José permaneceu em casa. Jesus ficou muito ocupado, cuidando de tarefas para o seu pai e dos muitos deveres ocasionados pela doença séria da sua mãe. Nunca mais a esse jovem foi possível voltar à atitude juvenil dos seus anos anteriores. Desde o tempo da doença da sua mãe – pouco antes dele fazer onze anos de idade – ele tinha sido compelido a assumir as responsabilidades do primogênito, e de fazê-lo, um ou dois anos antes que essas cargas caíssem normalmente sobre os seus ombros. O chazam passava uma noite a cada semana com Jesus, ajudando-o a dominar profundamente as escrituras hebraicas. Ele estava muito interessado no progresso do seu aluno que era uma promessa; e, assim, estava disposto a ajudá-lo de muitos modos. Esse pedagogo judeu exerceu uma grande influência sobre aquela mente em crescimento, mas nunca foi capaz de compreender por que Jesus ficava tão indiferente a todas as suas sugestões concernentes ao projeto de ir para Jerusalém e continuar a sua educação com os doutos rabinos. Em meados do mês de maio o jovem acompanhou o seu pai em uma viagem de negócios a Sitópolis, a principal cidade grega da Decápolis, a antiga cidade hebraica de Betsean. No caminho, José contou grande parte da antiga história do rei Saul, dos filisteus e dos eventos subseqüentes da história turbulenta de Israel. Jesus ficou tremendamente impressionado com a aparência de limpeza e de ordem dessa cidade tida como pagã. E maravilhou-se com o


teatro a céu aberto e admirou-se com a beleza do templo de mármore, dedicado à adoração dos deuses “pagãos”. José ficou bastante perturbado com o entusiasmo do jovem e tentou contrabalançar essas impressões favoráveis exaltando a beleza e a grandeza do templo judeu de Jerusalém. Muitas vezes Jesus havia contemplado, com curiosidade, essa magnífica cidade grega da montanha de Nazaré e tantas vezes perguntara sobre os seus extensos edifícios públicos ornados, mas o seu pai sempre procurara evitar responder a essas perguntas. Agora estavam face a face com as belezas dessa cidade gentia, e José não podia ignorar gratuitamente as perguntas de Jesus. E aconteceu, exatamente naquele momento, que estavam em andamento os jogos competitivos anuais e as demonstrações de preparo físico entre as cidades gregas da Decápolis, no anfiteatro de Sitópolis, e Jesus insistiu para que o seu pai o levasse para ver os jogos, e foi tão insistente que José hesitou em negar-lhe aquilo. O jovem ficou entusiasmado com os jogos e entrou muito sinceramente no espírito das demonstrações do desenvolvimento físico e da habilidade atlética. José estava inexplicavelmente chocado de ver o entusiasmo do seu filho, diante daquelas exibições de vaidade “pagã”. Depois que os jogos terminaram, Pág. 1371 José teve a surpresa da sua vida quando ouviu Jesus expressar a sua aprovação a eles e sugerir que seria bom para os jovens de Nazaré se eles pudessem ser beneficiados desse modo por aquelas atividades físicas ao ar livre. José falou honesta e longamente com Jesus sobre a natureza má de tais práticas, mas ele bem sabia que o filho não se convencera. A única vez que Jesus viu o seu pai com raiva dele foi naquela noite no quarto deles, na estalagem, quando, no decorrer da discussão, o


jovem, então esquecido dos preceitos judeus, chegou a sugerir que, ao voltarem para casa, eles trabalhassem na construção de um anfiteatro em Nazaré. Quando José ouviu o seu primogênito expressando sentimentos tão pouco judeus, ele esqueceu o seu comportamento calmo de costume e, tomando Jesus pelo ombro, furiosamente exclamou: “Meu filho, que eu não ouça nunca mais você exprimir um pensamento tão mau, enquanto você viver”. Jesus ficou assustado com a demonstração que o seu pai fizera de emoção; nunca antes tinha sido levado a sentir a indignação pessoal do seu pai, e ficara atônito e chocado, para além do exprimível. Ele apenas respondeu: “Está bem, meu pai, assim será”. E, nunca mais o jovem fez a mais leve alusão, de qualquer modo, aos jogos e outras atividades atléticas dos gregos, enquanto o seu pai viveu. Posteriormente, Jesus viu o anfiteatro grego em Jerusalém e ficou sabendo o quanto essas coisas podem ser odiosas do ponto de vista judeu. Contudo, durante a sua vida, ele esforçou-se para introduzir a idéia da recreação saudável nos seus planos pessoais e, até onde a prática judaica permitiu, no programa de atividades regulares para os seus doze apóstolos. Ao final desse décimo primeiro ano de vida, Jesus era um jovem vigoroso, bem desenvolvido, moderadamente bem-humorado e bastante alegre, mas, desse ano em diante, ele tornava-se, cada vez mais, dado a períodos peculiares de meditação profunda e de contemplação circunspecta. Era dado a pensar sobre como devia levar as suas obrigações para com a sua família e, ao mesmo tempo, ser obediente ao chamado da sua missão para com o mundo; e ele já concebia que o seu ministério não deveria ser limitado a melhorar o povo judeu. 4. O DÉCIMO SEGUNDO ANO ( 6 d.C.)


Esse foi um ano cheio de acontecimentos na vida de Jesus. Ele continuou a fazer progressos na escola e foi infatigável no seu estudo da natureza, e, cada vez mais firmemente, prosseguia nos seus estudos dos métodos pelos quais o homem ganha a vida. Começou a fazer um trabalho regular na carpintaria de casa e lhe foi permitido manipular os seus próprios ganhos, um arranjo muito inusitado para uma família judia. Nesse ano, também aprendeu como é sábio manter esses assuntos como um segredo de família. Estava tornando-se consciente de que tinha causado problemas na cidade e, doravante, tornar-se-ia cada vez mais discreto, escondendo tudo o que pudesse levá-lo a ser considerado como diferente dos seus companheiros. Durante esse ano ele vivenciou muitos períodos de incerteza, para não dizer de dúvida real, a respeito da natureza da sua missão. A sua mente humana, em desenvolvimento natural, ainda não captava plenamente a realidade da sua natureza dual. O fato de que tivesse uma única personalidade tornava difícil para a sua consciência reconhecer a dupla origem dos fatores que compunham a natureza ligada àquela mesma personalidade. Dessa época em diante ele teve mais êxito em lidar com os seus irmãos e irmãs. Cada vez tinha mais tato, era sempre mais compassivo e atento ao bem-estar e à felicidade deles, e teve um bom relacionamento com eles Pág. 1372 até o começo da sua ministração pública. Para ser mais explícito: ele dava-se de um modo excelente com Tiago, Míriam, e com as duas crianças mais jovens (ainda não nascidas, então), Amós e Rute, e sempre muito bem com Marta. Todo o problema que ele tinha em casa surgia, quase sempre, de atritos com José e Judá, particularmente este último.


Foi uma experiência de provação, para José e Maria, realizar a formação dessa combinação sem precedentes de divindade e de humanidade; e eles merecem um grande crédito por desincumbiremse tão fielmente e com tanto sucesso das suas responsabilidades de progenitores. Os pais de Jesus iam compreendendo cada vez mais que havia algo de supra-humano residindo neste seu filho mais velho, mas eles nunca, sequer de longe, sonhariam que esse filho de promessa era de fato e na verdade o criador verdadeiro deste universo local de coisas e de seres. José e Maria viveram, e morreram, sem jamais saber que o seu filho Jesus realmente era o Criador do Universo, encarnado na carne mortal. Nesse ano Jesus deu mais atenção do que nunca à música, e continuou a ensinar aos seus irmãos e irmãs na escola de casa. E foi por volta dessa época que o jovem tornou-se mais claramente consciente da diferença entre os pontos de vista de José e Maria a respeito da natureza da sua missão. Ele ponderava muito sobre as opiniões divergentes dos seus pais, muitas vezes ao ouvir as suas discussões, quando eles julgavam que ele estava dormindo em um sono profundo. Mais e mais se inclinava para a visão do seu pai, de um tal modo que a sua mãe estava destinada a sensibilizar-se com a percepção de que o seu filho estava gradualmente rejeitando a sua orientação para as questões que tinham a ver com a carreira da sua vida. E, à medida que os anos passaram, essa lacuna de compreensão ampliou-se. Menos e menos Maria compreendia o significado da missão de Jesus, e crescentemente essa boa mãe ressentia-se com o fato de que o seu filho favorito não correspondesse às expectativas acalentadas por ela. José alimentava uma crença, cada vez maior, na natureza espiritual da missão de Jesus. E, à parte outras razões mais importantes, parece uma pena de fato que ele não pudesse ter vivido para ver o cumprimento da sua noção da auto-outorga de Jesus na Terra.


Durante o seu último ano na escola, quando tinha doze anos de idade, Jesus contestou perante o seu pai o costume judeu de tocar o pedaço de pergaminho, pregado no portal, todas as vezes que se entra ou que se sai da casa, em seguida sempre beijando o dedo que tocou o pergaminho. Como uma parte desse ritual, era costumeiro dizer: “O Senhor preservará o nosso sair e o nosso entrar, desta vez em diante e para sempre”. José e Maria tinham reiteradamente instruído a Jesus quanto às razões para não fazer imagens ou desenhar figuras, explicando que essas criações poderiam ser usadas com propósitos idólatras. Embora Jesus não compreendesse inteiramente as proscrições contra as imagens e figuras, ele tinha um conceito elevado de consistência lógica e, assim sendo, ele destacou para o seu pai a natureza essencialmente idólatra dessa obediência habitual, quanto ao pergaminho do portal. E José retirou o pergaminho, depois que Jesus assim argumentara com ele. Com o passar do tempo, Jesus fez muita coisa para modificar as práticas das formalidades religiosas dos seus pais, tais como as preces familiares e outros costumes. E foi possível fazer muitas dessas coisas em Nazaré, pois a sua sinagoga estava sob a influência de uma escola liberal de rabinos, representada por José, o renomado instrutor de Nazaré. Durante esse ano e os dois seguintes, Jesus sofreu um grande desgaste mental por causa do esforço constante de ajustar a sua visão pessoal das práticas religiosas e das amenidades sociais às crenças estabelecidas dos seus pais. Ele atormentava-se com o conflito entre o desejo de ser leal às suas próprias convicções Pág. 1373 e a exortação da sua consciência ao dever de ser submisso aos seus pais; o seu conflito supremo era entre os dois grandes comandos predominantes na sua mente jovem. Um era: “Seja leal aos ditames


das tuas convicções mais elevadas sobre a verdade e a retidão”. O outro era: “Honrar o teu pai e a tua mãe, pois eles te deram a vida e te alimentaram desde então”. Contudo, ele nunca deixou de lado a responsabilidade de fazer os ajustamentos cotidianos necessários entre esses domínios: o da lealdade às convicções pessoais e o do dever para com a família. E ele alcançou a satisfação de saber fundir de um modo cada vez mais harmonioso as convicções pessoais e as obrigações familiares em um conceito magistral de solidariedade grupal, baseado na lealdade, na justiça, na tolerância e no amor. 5. O SEU DÉCIMO TERCEIRO ANO (7 d.C.) Durante esse ano, o jovem de Nazaré passou da juvenilidade para o começo da sua juventude como homem; a sua voz começou a mudar, e outros traços da sua mente e do seu corpo evidenciaram o estado iminente da sua maturidade. No domingo à noite, 9 de janeiro do ano 7 d.C., o seu irmão Amós nasceu. Judá não tinha ainda nem dois anos de idade, e a irmã Rute, estava ainda para vir; e assim pode-se ver que Jesus tinha uma família bastante numerosa, de pequenas crianças, sob os seus cuidados, quando o seu pai encontrou a sua morte acidental no ano seguinte. Foi por volta do meio do mês de fevereiro que Jesus teve a certeza humana de que estava destinado a cumprir, na Terra, uma missão para a iluminação do homem e para a revelação de Deus. Decisões fundamentais, combinadas a planos de longo alcance, estavam sendo formulados na mente desse jovem que era, para efeitos externos, um jovem judeu dentro da média de Nazaré. A vida inteligente de todo o Nebadon contemplava fascinada e maravilhada a tudo que começava a se desenvolver no pensamento e na ação do filho do carpinteiro, agora adolescente.


No primeiro dia da semana, 20 de março, do ano 7 d.C., Jesus graduou-se no curso de instrução, da escola local ligada à sinagoga de Nazaré. Esse era um grande dia na vida de qualquer família judaica ambiciosa, o dia em que o filho primogênito era pronunciado um “filho do mandamento” e o primogênito resgatado do Senhor Deus de Israel, uma “criança do Altíssimo” e servo do Senhor de toda a Terra. Na sexta-feira da semana anterior, José tinha retornado de Séforis, onde estivera encarregado dos trabalhos de um novo edifício público, para estar presente a essa ocasião festiva. Com muita confiança, o professor de Jesus acreditava que esse aluno diligente e aplicado estava destinado a alguma carreira de proeminência, a alguma missão distinguida. Os decanos, não obstante todo o problema que tinham tido com as tendências inconformistas de Jesus, estavam bastante orgulhosos do jovem e tinham já começado a tecer planos para capacitá-lo a ir para Jerusalém e continuar a sua educação nas renomadas academias hebraicas. Quando via esses planos sendo discutidos, de tempos em tempos, Jesus ficava ainda mais certo de que nunca iria a Jerusalém para estudar com os rabinos. Ele mal sonhava, todavia, com a tragédia iminente e que iria obrigá-lo a abandonar todos esses planos, que o levaria a assumir a responsabilidade do sustento e da direção de uma grande família, em breve consistindo já de cinco irmãos e três irmãs, bem como da sua mãe e dele próprio. Jesus teve uma experiência maior e mais longa, criando essa família, do que a que teve José, o seu pai; e demonstrou estar à altura do padrão que subseqüentemente estabeleceu para si próprio: o de tornar-se um mestre Pág. 1374


e um irmão mais velho sábio, paciente, compreensivo e eficiente para uma família – a sua família – assim tão subitamente tocada pela dor de uma perda inesperada. 6. A VIAGEM A JERUSALÉM Jesus, tendo agora atingido o limiar da vida adulta, e estando já graduado formalmente nas escolas da sinagoga, estava qualificado para ir a Jerusalém com os seus pais e participar com eles da celebração da sua primeira Páscoa. A festa da Páscoa desse ano caía em um sábado, 9 de abril, do ano 7 d.C. Um grupo numeroso (cento e três pessoas) preparou-se para partir de Nazaré, na segunda-feira, 4 de abril, pela manhã, rumo a Jerusalém. Eles viajaram para o sul, rumo a Samaria, mas ao chegar em Jezreel, tomaram a direção leste, rodeando o monte Gilboa até o Vale do Jordão, para evitar passar por Samaria. José e a sua família teriam querido ir passando por Samaria, pelo caminho do poço de Jacó e de Betel, mas, posto que os judeus desgostavam de lidar com os samaritanos, decidiram ir com os seus vizinhos pelo caminho do Vale do Jordão. O muito temido Arquelau tinha sido deposto, e eles pouco tinham a temer ao levar Jesus a Jerusalém. Doze anos eram passados, desde que o primeiro Herodes havia tentado destruir a criança de Belém; e ninguém agora pensaria em associar aquele caso com esse obscuro jovem de Nazaré. Antes de chegar na encruzilhada de Jezreel, à medida que caminhavam para frente, muito em breve, à esquerda, eles passaram pela antiga aldeia de Shunem, e Jesus outra vez escutou a história da virgem mais bela de toda a Israel, que certa vez viveu lá; e também sobre as fantásticas obras que Eliseu havia realizado ali. Ao passar por Jezreel, os pais de Jesus contaram sobre a façanha de Ahab e de Jezebel e sobre a bravura de Jehu. Passando ao


redor do monte Gilboa muito eles falaram sobre Saul, que tinha tirado a sua própria vida nos penhascos dessa montanha; do Rei Davi e de outros acontecimentos desse local histórico. Ao passar pela periferia de Gilboa, os peregrinos puderam ver a cidade grega de Sitópolis à direita. Eles olharam as estruturas de mármore à distância e não foram perto da cidade gentia para não se sujarem, pois assim eles não poderiam participar das cerimônias solenes sagradas dessa Páscoa em Jerusalém. Maria não pôde compreender por que nem José nem Jesus falavam de Sitópolis. Ela não sabia da controvérsia que tinham tido no ano anterior, pois eles nada revelaram a ela desse episódio. A estrada agora descia imediatamente até o vale tropical do Jordão e, logo, Jesus colocava o seu olhar de admiração sobre o tortuoso e sempre sinuoso Jordão, com as suas águas resplandecentes e ondulantes à medida que fluía para o Mar Morto. Eles colocaram de lado os seus agasalhos enquanto viajavam para o sul nesse vale tropical, desfrutando dos campos luxuriantes de cereais e das belas oleáceas cobertas de flores rosadas, enquanto o maciço do monte Hermom, com a sua calota de neve, levantava-se ao longe no lado norte, dominando majestosamente o vale histórico. A pouco mais de umas três horas de viagem, de Sitópolis, eles chegaram a uma fonte borbulhante, e acamparam ali durante a noite, sob o céu estrelado. No seu segundo dia de viagem passaram por onde o Jabok, vindo do leste, flui para o Jordão e, olhando para leste no vale desse rio, eles recordaram-se dos dias de Gideão, quando os medianitas invadiram essa região para ocupar suas terras. No final do segundo dia de viagem acamparam perto da base da montanha mais alta, que domina o Vale do Jordão, o monte Sartaba, cujo Pág. 1375


cume foi ocupado pela fortaleza alexandrina onde Herodes manteve presa uma das suas esposas e enterrou os seus dois filhos estrangulados. No terceiro dia, passaram por duas aldeias que tinham sido recentemente construídas por Herodes e notaram a sua arquitetura evoluída e os seus belos jardins de palmeiras. Ao cair da noite alcançaram Jericó, onde permaneceram até o dia seguinte. Naquela noite José, Maria e Jesus caminharam, por cerca de três quilômetros, até o local antigo de Jericó, onde Joshua, cujo nome foi dado a Jesus, tinha realizado as suas renomadas façanhas, de acordo com a tradição judaica. No quarto e último dia de viagem, a estrada era uma contínua procissão de peregrinos. Agora eles começavam a escalar as colinas que levavam até Jerusalém. Ao chegarem ao topo podiam ver, ao fundo e ao sul do Vale do Jordão, as montanhas sobre as águas quietas do Mar Morto. Na metade do caminho até Jerusalém, Jesus pôde ver, pela primeira vez, o monte das Oliveiras (a região que se transformaria em uma parte da sua vida subseqüente), e José indicou para ele que a Cidade Santa estava pouco além dessa crista, e o coração do garoto bateu mais depressa em uma antecipação da alegria que seria contemplar, em breve, a cidade e a casa do seu Pai celeste. Nos declives a leste das Oliveiras eles fizeram uma pausa para descansar às margens de uma pequena aldeia chamada Betânia. Os aldeões hospitaleiros puseram-se a oferecer os seus préstimos aos peregrinos e aconteceu que José e a sua família tinham parado perto da casa de um certo Simão, que tinha três filhos com idades próximas da de Jesus – Maria, Marta e Lázaro. Eles convidaram a família de Nazaré para entrar e refrescar-se e uma amizade, que haveria de durar toda uma vida, floresceu entre as duas famílias.


Muitas vezes, depois disso, na sua vida cheia de acontecimentos, Jesus passou por essa casa. Logo se puseram a caminho, e logo chegaram ao alto do monte das Oliveiras, e Jesus viu pela primeira vez (pela sua memória) a Cidade Santa, os palácios pretensiosos, e os templos inspiradores do seu Pai. Em nenhuma época da sua vida, Jesus provou uma experiência de emoção tão puramente humana como esta que nesse momento o tomou completamente, quando ele parou ali nessa tarde de abril no monte das Oliveiras, sorvendo a sua primeira vista de Jerusalém. E nos anos posteriores, nesse mesmo local, ele deteve-se e chorou sobre a cidade que estava a ponto de rejeitar um outro profeta, o último e o maior dos seus mestres celestes. Mas, apressados, eles tomaram o caminho de Jerusalém. Agora já era quinta-feira à tarde. Ao chegar na cidade, eles passaram pelo templo, e nunca Jesus tinha visto uma tal multidão de seres humanos. Ele meditou profundamente sobre como esses judeus tinham reunido-se ali, vindos das partes mais distantes do mundo conhecido. Pouco depois chegaram ao local previsto, onde iriam acomodar-se durante a semana da Páscoa a casa ampla de um parente abastado de Maria e que, por intermédio de Zacarias, conhecia algo do início da história de João e de Jesus. No dia seguinte, o Dia da Preparação, eles aprontaram-se para a celebração própria do sábado de Páscoa. Embora toda Jerusalém estivesse ocupada com as preparações da Páscoa, José encontrou tempo para levar o seu filho a fim de dar uma volta e visitar a academia onde tinha sido arranjado para ele continuar a sua educação, dois anos mais tarde, tão logo alcançasse a idade necessária de quinze anos. José ficou de fato perplexo ao


observar o pouco interesse evidenciado por Jesus por todos aqueles planos feitos tão cuidadosamente. Jesus ficou profundamente impressionado com o templo e com todos os serviços e as outras atividades ligadas ao mesmo. Pela primeira vez desde que tinha quatro anos de idade, estava ele ocupado demais com as próprias meditações a ponto de não fazer tantas perguntas. E ainda assim ele fez ao seu pai várias perguntas embaraçosas (como tinha feito em ocasiões anteriores), tais como por que o Pai celeste exigia o sacrifício de tantos Pág. 1376 animais inocentes e desamparados. E o seu pai sabia muito bem, pois lia na expressão do rosto do jovem, que as suas respostas e tentativas de explicação eram insatisfatórias para aquele jovem filho, de pensamentos tão profundos e de raciocínio preciso. No dia anterior ao sábado da Páscoa, uma torrente de iluminação espiritual atravessou a mente mortal de Jesus e preencheu o seu coração humano, até transbordar de piedade e compaixão afetuosa pelas multidões espiritualmente cegas e moralmente ignorantes que se reuniam para celebrar a Páscoa, na antiga comemoração. Esse foi um dos dias mais extraordinários que o Filho de Deus passou na carne; e, durante a noite, pela primeira vez na sua carreira terrena, apareceu para ele um mensageiro especial de Salvington, enviado por Emanuel, que disse: “É chegada a hora. Já é tempo de começares a cuidar dos assuntos do teu Pai”. E, assim, antes mesmo de que as pesadas responsabilidades da família de Nazaré caíssem sobre os seus jovens ombros, agora surgia esse mensageiro celeste para relembrar a este jovem, que ainda não tinha treze anos de idade, de que a hora era chegada, de começar a retomar as responsabilidades de um universo. Esse foi o


primeiro ato de uma longa seqüência de acontecimentos que culminaram finalmente na consumação completa da auto-outorga do Filho, em Urântia, e na restituição do “governo de um universo aos seus ombros humano-divinos”. Com o passar do tempo, o mistério da encarnação tornou-se cada vez mais insondável para todos nós. Dificilmente poderíamos compreender que este jovem de Nazaré fosse o criador de todo o Nebadon. Ainda hoje, não compreendemos como o espírito deste mesmo Filho Criador e o espírito do seu Pai, do Paraíso, estão relacionados às almas da humanidade. Com o passar do tempo, pudemos ver que a sua mente humana, enquanto ele vivia a sua vida na carne, discernia cada vez mais que, em espírito, a responsabilidade de um universo repousava nos seus ombros. E assim termina a carreira do jovem de Nazaré; e começa a narrativa sobre o adolescente – o ser divino humano cada vez mais autoconsciente – que agora começa a contemplação da sua carreira no mundo, ao mesmo tempo em que luta para integrar o propósito, em expansão, da sua vida, com os desejos dos seus pais e com as suas obrigações para com a sua família e para com a sociedade do seu tempo e idade. Pág. 1377 DOCUMENTO 125 JESUS EM JERUSALÉM Nenhum episódio, em toda a movimentada carreira de Jesus na Terra, foi mais atraente e mais humanamente emocionante do que essa que foi a sua primeira visita relembrável a Jerusalém. Ele estava especialmente estimulado pela experiência de comparecer sozinho às discussões no templo, e isso se destacou durante muito


tempo na sua memória como o grande acontecimento da sua segunda infância e do começo da sua adolescência. Essa era a sua primeira oportunidade de aproveitar de uns poucos dias de vida independente, da alegria de ir e de vir sem constrangimento nem restrições. Esse breve período de vida sem imposições, durante a semana que veio depois da Páscoa, foi a primeira completamente livre de responsabilidades que ele jamais havia gozado. E muitos anos decorreriam antes que ele tivesse novamente um período livre de todo o senso de responsabilidade, ainda que fosse por um tempo curto. As mulheres raramente iam à festa de Páscoa em Jerusalém; não lhes era exigido que estivessem presentes. Jesus, entretanto, virtualmente recusou-se a ir, a menos que a sua mãe pudesse acompanhá-los. E quando a sua mãe decidiu ir, muitas outras mulheres de Nazaré foram levadas a fazer a viagem, de modo que o grupo da Páscoa de Nazaré tinha, proporcionalmente ao de homens, o maior número de mulheres a terem ido à Páscoa. De quando em quando, a caminho de Jerusalém, eles cantavam o Salmo 130. Desde o momento em que deixaram Nazaré, até que tivessem alcançado o monte das Oliveiras, Jesus vivenciou uma longa tensão de expectativa antecipada. E, durante toda uma infância alegre, ele tinha reverentemente ouvido falar de Jerusalém e do seu templo; agora, ele iria em breve contemplá-los na realidade. Do monte das Oliveiras e do lado de fora, em uma vista de mais perto, o templo era tudo e até mais do que Jesus esperava; mas, tão logo ele entrou nos seus portais sagrados, a grande desilusão começou. Em companhia dos seus pais Jesus passou pelos recintos do templo, para reunir-se ao grupo de novos filhos da lei que estava para ser consagrado como cidadãos de Israel. Ele ficou um pouco desapontado pelo comportamento geral das multidões no templo, mas o primeiro grande choque do dia veio quando a sua mãe os


abandonou no intuito de ir para a galeria das mulheres. Nunca tinha ocorrido a Jesus que a sua mãe não iria acompanhá-lo às cerimônias de consagração, e ele estava profundamente indignado com o fato de ter sido ela levada a sofrer essa discriminação injusta. Enquanto ele ressentia-se fortemente disso, à parte alguns poucos comentários de protesto feitos ao seu pai, ele nada disse. Mas pensou, e pensou profundamente, como exatamente ficou demonstrado quando fez suas perguntas aos escribas e aos professores uma semana mais tarde. Ele participou dos rituais da consagração, mas ficara decepcionado com a natureza superficial e rotineira deles. Ele perdera aquele interesse pessoal que caracterizava as cerimônias da sinagoga de Nazaré. E então retornou para saudar a sua mãe e preparar-se para acompanhar o seu pai na sua primeira volta pelo Pág. 1378 templo e suas várias praças, galerias e corredores. Os recintos do templo podiam acomodar mais de duzentos mil adoradores ao mesmo tempo, e a vastidão desses prédios – em comparação com qualquer outro que ele antes tinha visto – impressionou muito a sua mente; no entanto ele ficara mais curioso em observar a significação espiritual das cerimônias e cultos do templo. Embora muitos dos rituais do templo hajam tocado o seu senso do belo e do simbólico, ele ficara decepcionado sempre com a explicação dos sentidos reais dessas cerimônias, que os seus pais ofereceram em resposta às suas muitas perguntas perspicazes. Jesus simplesmente não aceitava as explicações da adoração e da devoção religiosa que envolviam a crença na ira de Deus ou na braveza atribuída ao Todo-Poderoso. Numa discussão posterior dessas questões, depois de concluírem a visita ao templo, quando o seu pai insistiu com suavidade para que ele declarasse aceitar as


crenças ortodoxas judaicas, Jesus voltou-se subitamente para os seus pais e, olhando com apelo dentro dos olhos do seu pai, disse: “Meu pai, não pode ser verdade – o Pai nos céus não pode tratar assim os seus filhos que erram pela Terra. O Pai celeste não pode amar os seus filhos menos do que tu me amas. E eu sei bem, não importa quão pouco sábio seja o que eu possa chegar a fazer, tu não irias jamais derramar a tua ira sobre mim, nem expandir a tua raiva em mim. Se tu, meu pai terreno, possuis esses reflexos humanos do divino, quão mais pleno de bondade não deve ser o Pai celeste e transbordante de misericórdia. Eu me recuso a acreditar que o meu Pai nos céus me ame menos do que o meu pai na Terra”. Quando José e Maria ouviram essas palavras vindas do seu primogênito, eles voltaram à paz. E nunca mais novamente procuraram mudar a sua opinião sobre o amor de Deus e a misericórdia do Pai nos céus. 1. JESUS VISITA O TEMPLO Em todos os lugares em que ia, nos pátios do templo, Jesus ficava chocado e enojado com o clima de irreverência que observava. Considerava a conduta da multidão no templo como sendo inconsistente com a presença deles na “casa do seu Pai”. E o grande choque da sua jovem vida veio quando o seu pai o acompanhou à praça dos gentios, onde se ouvia um jargão espalhafatoso, um vozerio alto, um praguejar, e tudo isso misturado indiscriminadamente aos berros de ovelhas e ao murmúrio ruidoso que denunciava a presença de tomadores de dinheiro e de vendedores de animais para o sacrifício e diversas outras mercadorias comerciais. Acima de tudo, pois, o seu senso de conveniência sentiu-se ultrajado quando ele viu as cortesãs frívolas circulando nesse recinto do templo, mulheres tão pintadas como as que ele tinha visto


recentemente, quando em visita a Séforis. Essa profanação do templo alevantou totalmente a sua jovem indignação, e ele não hesitou em expressar tudo isso livremente a José. Jesus admirava o sentimento e o serviço do templo, mas estava chocado com a feiúra espiritual que via nas faces de tantos dos adoradores irrefletidos. Eles passavam agora pela praça dos sacerdotes, abaixo da saliência da rocha, em frente do templo, onde o altar ficava, e observavam a matança de manadas de animais e a lavagem do sangue das mãos dos sacerdotes que oficiavam a chacina, na fonte de bronze. A calçada manchada de sangue, as mãos dos sacerdotes intumescidas de sangue, e os grunhidos dos animais que morriam eram mais do que este jovem amante da natureza podia suportar. A visão terrível deixou doente este jovem de Nazaré; ele agarrou o braço do seu pai e implorou fosse levado embora dali. Eles voltaram pela Pág. 1379 praça dos gentios e, mesmo em meio ao riso grosseiro e aos gracejos profanos que eram ouvidos ali, tudo era um alívio para a visão que havia acabado de ter. José viu como o seu filho ficara enojado ao ver os ritos do templo e sabiamente o levou para ver a “porta da beleza”, a porta artística feita de bronze coríntio. Jesus, todavia, já tinha visto o suficiente para essa sua primeira visita ao templo. Eles voltaram para a praça superior em busca de Maria e caminharam ao ar livre e afastaramse da multidão durante uma hora, vendo o palácio Asmoneano, a casa governamental de Herodes e a torre dos guardas romanos. Durante essa caminhada, José explicou a Jesus que só aos habitantes de Jerusalém era permitido testemunhar os sacrifícios diários no templo, e que os habitantes da Galiléia vinham três vezes por ano


para participar do culto do templo: na Páscoa, na festa de Pentecostes (sete semanas depois da Páscoa) e na Festa de Tabernáculos, em outubro. Essas festas tinham sido instauradas por Moisés. E então eles conversaram sobre essas duas últimas festas estabelecidas, a da consagração e a de Purim. Em seguida foram para os seus alojamentos e se prepararam para a celebração da Páscoa. 2. JESUS E A PÁSCOA Cinco famílias de Nazaré e os seus amigos foram convidados pela família de Simão, da Betânia, para a celebração da Páscoa; Simão havia comprado o cordeiro pascal para todo o grupo. A matança desses cordeiros, em quantidades tão enormes, era o que tinha afetado tanto a Jesus, na sua visita ao templo. O plano, para a Páscoa, era de comer com os parentes de Maria, mas Jesus persuadiu os seus pais a aceitarem o convite para irem a Betânia. Naquela noite eles reuniram-se para os ritos da Páscoa, comendo a carne tostada com o pão sem levedura e as ervas amargas. A Jesus, sendo ele um novo filho da aliança, lhe foi pedido que contasse sobre a origem da Páscoa, e isso ele fez muito bem, mas deixou os seus pais desconcertados, de uma certa maneira, ao incluir várias observações que refletiam, com suavidade, as impressões causadas na sua mente jovem, mas profunda, pelas coisas que ele havia visto e ouvido tão recentemente. Esse era o começo das cerimônias dos sete dias da festa da Páscoa. Mesmo ainda tão jovem, Jesus, embora não tivesse dito nada sobre essas questões aos seus pais, havia começado a se perguntar sobre como seria celebrar a Páscoa sem a matança de cordeiros. Ele sentiu-se seguro no seu próprio pensamento de que o Pai no céu não estava contente com esse espetáculo de ofertas de sacrifícios e,


com o passar dos anos, ele tornou-se cada vez mais determinado a estabelecer a celebração de uma Páscoa sem sangue, algum dia. Jesus pouco dormiu naquela noite. O seu descanso foi bastante perturbado por sonhos revoltantes, de matanças e de sofrimentos. A sua mente estava perturbada e o seu coração dilacerado por causa das inconsistências e dos absurdos da teologia de todo o sistema judaico de cerimônias. Os seus pais do mesmo modo dormiram pouco. Eles estavam bastante desconcertados pelos acontecimentos do dia que terminara. Tinham os seus corações completamente perturbados pela atitude determinada e, para eles, estranha do jovem. Maria ficou nervosamente agitada durante a primeira parte da noite, mas José permaneceu calmo, embora estivesse igualmente intrigado. Ambos temiam falar francamente com o jovem sobre esses problemas, embora Jesus, muito prazerosamente, teria querido conversar com os seus pais, caso eles tivessem ousado encorajá-lo. Os serviços do dia seguinte, no templo, foram mais aceitáveis para Jesus e em muito colaboraram para aliviar as memórias desagradáveis do dia anterior. Na manhã Pág. 1380 seguinte o jovem Lázaro tomou Jesus pela mão, e começaram uma exploração sistemática de Jerusalém e dos seus arredores. Antes que o dia tivesse acabado, Jesus descobriu os diversos locais perto do templo nos quais havia conferencistas a ensinar e a responder perguntas; e, à parte umas poucas visitas ao santo dos santos, nas quais ele se perguntara com espanto o que estava realmente por trás do véu da separação, ele passou a maior parte do seu tempo perto do templo, nessas conferências de ensino.


Durante a semana da Páscoa, Jesus se manteve no seu lugar junto com os novos filhos do mandamento, e isso significava que ele devia assentar-se do lado de fora da grade que separava todas as pessoas que não eram cidadãos completos de Israel. Assim, sendo obrigado a tomar consciência da sua juventude, ele absteve-se de fazer as muitas perguntas que iam e vinham na sua mente; ao menos ele se conteve até que as celebrações da Páscoa tivessem chegado ao fim e, pois, com isso, também as restrições aos jovens recémconsagrados ficavam suspensas. Na quarta-feira da semana da Páscoa, foi permitido a Jesus ir para casa com Lázaro e passar a noite na Betânia. Nessa noite, Lázaro, Marta e Maria ouviram Jesus falar sobre coisas temporais e eternas, humanas e divinas e, daquela noite em diante, todos os três passaram a amá-lo como se fosse um irmão deles. No fim da semana, Jesus viu menos a Lázaro, pois este não tinha o direito de ser admitido nem no círculo mais externo das discussões do templo, embora fosse a algumas palestras públicas dadas nas praças externas. Lázaro era da mesma idade que Jesus, mas, em Jerusalém, os jovens raramente eram admitidos à consagração dos filhos da lei antes que tivessem treze anos completos de idade. Durante a semana da Páscoa, os seus pais encontrariam Jesus muitas vezes assentado a sós com as mãos na cabeça jovem, pensando profundamente. Eles nunca o tinham visto comportar-se daquela maneira e estavam sentidamente perplexos, não sabendo o quão confusa estava a sua mente nem quais problemas havia no seu espírito por causa da experiência pela qual ele estava passando; e eles não sabiam o que fazer. Ficaram contentes com o final da semana da Páscoa, pois almejavam ter de volta em Nazaré, a salvo, aquele filho de atitudes tão estranhas.


Dia após dia, Jesus pensava em todos os questionamentos. Ao final da semana ele tinha feito já muitas adequações; mas, quando chegou a hora de voltar para Nazaré, a sua mente jovem ainda fervilhava de perplexidades e era ainda assaltada por um bando de perguntas não respondidas e questões por resolver. Antes que tivessem deixado Jerusalém, em companhia do professor de Jesus em Nazaré, José e Maria tomaram as providências definitivas para que Jesus voltasse, quando ele tivesse a idade de quinze anos, para começar o seu longo curso de estudos, em uma das mais conhecidas academias dos rabinos. Jesus acompanhou os seus pais e o seu professor nas visitas à escola, mas eles ficaram aflitos demais ao observarem o quão indiferente ele pareceu a tudo o que disseram e fizeram. Maria estava profundamente atormentada com as suas reações à visita a Jerusalém, e José profundamente perplexo com as observações estranhas do jovem e com a sua conduta inusitada. Afinal, a semana de Páscoa tinha sido um grande acontecimento na vida de Jesus. Ele desfrutara da oportunidade de encontrar um grande número de rapazes da sua própria idade, companheiros candidatos à consagração, e utilizara desses contatos como meio de aprender sobre o modo de vida do povo na Mesopotâmia, Turquestão e Pártia, tanto quanto nas províncias do extremo oriente de Roma. Ele estava já bastante familiarizado com o modo com o qual os jovens do Egito e de outras regiões perto da Palestina eram criados e cresciam. Havia milhares de meninos em Jerusalém nessa época, e o jovem de Nazaré conheceu pessoalmente, e entrevistara, mais ou menos prolongadamente, mais de cento e cinqüenta deles. Ele estava particularmente interessado naqueles que provinham dos países Pág. 1381


do extremo ocidente e do oriente mais remoto. Como resultado desses contatos o jovem começou a alimentar um desejo de viajar pelo mundo com o propósito de aprender como os vários grupos dos seus irmãos trabalhavam para viver. 3. A PARTIDA DE JOSÉ E MARIA Tinha sido arranjado para que o grupo se reencontrasse perto do templo, no primeiro dia da semana seguinte, no meio da manhã, depois que o Festival da Páscoa tivesse terminado. E eles fizeram isso, e iniciaram o retorno a Nazaré. Jesus tinha ido ao templo para ouvir as discussões, enquanto os seus pais esperavam pela reunião dos outros viajantes. Em breve, o grupo preparou-se para partir, os homens indo em um grupo e as mulheres noutro, como era o seu costume ao viajar para os festivais de Jerusalém. Jesus tinha ido para Jerusalém em companhia da sua mãe e das outras mulheres. E, sendo agora um jovem homem da consagração, supunha-se que ele viajasse de volta para Nazaré em companhia do seu pai e dos outros homens. Mas, tão logo o grupo de Nazaré movimentou-se, na direção da Betânia, Jesus estava completamente absorto na discussão sobre os anjos, no templo, ficando totalmente esquecido de que passara o momento da partida dos seus pais. E ele só percebeu que tinha sido deixado para trás na hora da interrupção das conferências do templo, ao meio-dia. Os viajantes de Nazaré não sentiram a falta de Jesus porque Maria supunha que ele viajava com os homens, enquanto José pensava que ele viajava com as mulheres, pois tinha vindo a Jerusalém com elas guiando o jumento de Maria. Eles não descobriram a sua ausência senão quando chegaram a Jericó e se prepararam para passar a noite. Depois de perguntarem aos últimos grupos que chegaram a Jericó e, verificando que nenhum deles tinha visto o seu filho, eles passaram uma noite sem dormir, remoendo nas suas mentes o que poderia ter acontecido a ele, relembrando as suas inúmeras reações


inusitadas aos acontecimentos da semana da Páscoa e, com suavidade, repreendendo-se um ao outro por não terem feito com que ele estivesse no grupo antes que partissem de Jerusalém. 4. O PRIMEIRO E O SEGUNDO DIA NO TEMPLO Nesse meio tempo, Jesus tinha permanecido no templo durante a tarde, ouvindo às discussões e desfrutando de uma atmosfera a mais quieta e decorosa, pois as grandes multidões da semana da Páscoa tinham já praticamente desaparecido. Depois da conclusão das discussões da tarde, de uma das quais Jesus participara, ele partiu para a Betânia, chegando exatamente na hora em que a família de Simão fazia-se pronta para tomar a refeição da noite. Os três jovens estavam cheios de alegria de estarem com Jesus e ele permaneceu na casa de Simão naquela noite. Ele pouco conversou durante a noite, passando grande parte do tempo a sós, no jardim, meditando. Cedo, no dia seguinte, Jesus estava de pé e a caminho do templo. No topo do monte das Oliveiras, ele parou e as lágrimas derramaram-se dos seus olhos por causa da vista que contemplavam – um povo espiritualmente empobrecido, tolhido pelas tradições e vivendo sob a vigilância das legiões romanas. Bem cedo, pela manhã, ele encontrava-se já no templo com a sua mente pronta para tomar parte nas discussões. Enquanto isso, José e Maria também estavam, já bem cedo, de pé e com a intenção de retomar o caminho até Jerusalém. Primeiro, eles se apressaram a ir até a casa dos seus parentes, onde se tinham alojado como uma família durante a semana da Páscoa, mas ficou claro o fato de que ninguém tinha visto Jesus. Depois de procurarem todo o dia e não encontrarem nem um vestígio dele, eles voltaram para a casa dos seus parentes para passarem a noite. Pág. 1382


Na segunda conferência, Jesus tinha ousado fazer umas perguntas e, de uma maneira muito surpreendente, ele participara das discussões no templo mas sempre de um modo consistente com a sua juventude. Algumas vezes as suas perguntas incisivas eram um tanto embaraçosas para os doutos professores da lei judaica, mas ele evidenciava um tal espírito de honestidade cândida, combinada a uma fome evidente de conhecimento, que a maioria dos professores do templo se viu disposta a tratá-lo com toda a consideração. Quando, no entanto, ele presumiu perguntar sobre a justiça que seria condenar à morte um gentio bêbado que tinha vagado pelo lado de fora da praça dos gentios e que, inadvertidamente, entrara nos recintos proibidos e reputadamente sagrados do templo, um dos mais intolerantes professores ficou impaciente com as críticas implícitas do jovem e, olhando furiosamente para ele, perguntou quantos anos tinha. Jesus respondeu: “treze anos menos pouco mais de quatro meses”. “Então”, retomava o professor agora irado, “porque estás aqui, desde que não tens a idade de um filho da lei?” E quando Jesus explicou que tinha recebido a consagração durante a Páscoa, e que era um estudante das escolas de Nazaré, que tinha completado os seus estudos, os professores em um acorde único retorquiram com ironia: “Deveríamos ter sabido; ele é de Nazaré”. Mas o líder insistiu que Jesus não devia ser inculpado, se os dirigentes da sinagoga em Nazaré tinham-no graduado, tecnicamente, quando ele tinha doze anos de idade em vez de treze; e, não obstante vários dos seus caluniadores terem levantado e deixado o recinto, a regra era de que o jovem devesse participar sem ser perturbado, como um aluno, nas discussões do templo. Quando esse seu segundo dia no templo terminou, novamente Jesus foi para a Betânia, passar a noite. E, novamente, ficou no jardim para meditar e orar. Evidentemente a sua mente estivera preocupada na contemplação de problemas graves.


5. O TERCEIRO DIA NO TEMPLO O terceiro dia de Jesus com os escribas e os professores no templo testemunhou a reunião de muitos espectadores que, tendo ouvido falar desse jovem da Galiléia, vieram para usufruir a experiência de ver um jovem confundir os homens sábios da lei. Simão também veio da Betânia, para ver o que o menino ia fazer. Durante esse dia, José e Maria continuaram a sua procura ansiosa por Jesus, indo mesmo, por várias vezes, até o templo, mas nunca pensando em escrutinar os vários grupos de discussões, embora, houvessem tido a impressão, certa vez, de terem ouvido a voz fascinante dele à distância. Antes que o dia houvesse terminado, toda a atenção do principal grupo de discussão do templo focalizara-se nas perguntas feitas por Jesus. Entre as suas muitas perguntas ouvira-se: 1. O que realmente existe no santo dos santos, atrás do véu? 2. Por que as mães deviam ser segregadas dos adoradores masculinos do templo? 3. Se Deus é um Pai que ama os seus filhos, por que toda essa matança de animais para ganhar o favor divino – teriam os ensinamentos de Moisés sido mal interpretados? 4. Se o templo é dedicado à adoração do Pai no céu, é coerente permitir a presença daqueles que estão empenhados nas trocas seculares e no comércio? 5. O esperado Messias irá ser um príncipe temporal a assentar-se no trono de Davi, ou irá ele funcionar como a luz da vida para o estabelecimento de um Reino espiritual? Pág. 1383


E, durante todo o dia, aqueles que o escutaram, maravilharam-se com essas perguntas, e ninguém estava mais atônito do que Simão. Durante mais de quatro horas, esse jovem de Nazaré pressionou os instrutores judeus com perguntas que provocavam o pensamento e que sondavam o coração. Ele fazia poucos comentários sobre as respostas dos mais velhos. E passava o seu ensinamento por meio das perguntas que fazia. Com a frase hábil e sutil de uma pergunta, ao mesmo tempo ele desafiava o ensinamento deles e sugeria o seu próprio. Pelo seu modo de formular uma pergunta havia uma atraente combinação de sagacidade e de humor que o tornavam querido até mesmo por aqueles que mais ou menos se ressentiam da sua juventude. Ele era sempre eminentemente justo e cheio de consideração, pelo modo como fazia as perguntas penetrantes. Nessa tarde memorável, no templo, ele demonstrou aquela mesma relutância em tirar vantagem injusta de um oponente, coisa que caracterizou toda a sua ministração pública subseqüente. Enquanto jovem, e mais tarde como um homem, ele parecia estar totalmente isento de todo o desejo egoísta de vencer uma discussão para experimentar meramente um triunfo lógico sobre os seus semelhantes, estando interessado supremamente apenas em uma coisa: em proclamar a verdade perene e assim efetuar uma revelação mais completa do Deus eterno. Quando o dia terminou, Simão e Jesus dirigiram-se para a Betânia. Durante a maior parte do caminho, o homem e o menino permaneceram em silêncio. De novo parou no cume do monte das Oliveiras, mas enquanto via a cidade e o seu templo Jesus não chorou; apenas inclinou a sua cabeça em uma devoção silenciosa. Depois da refeição da noite, na Betânia, novamente ele declinou-se de juntar-se ao círculo feliz e em vez disso foi para o jardim, onde se demorou noite adentro, empenhando-se em vão em encontrar algum plano definido de abordagem da questão do trabalho da sua


vida e de como decidir o que de melhor fazer para revelar aos seus irmãos, espiritualmente cegos, um conceito mais belo do Pai celeste e, desse modo, libertá-los da sua terrível servidão à lei, ao ritual, ao cerimonial e à tradição obsoleta. Mas a luz clara não veio ao jovem buscador da verdade. 6. O QUARTO DIA NO TEMPLO Jesus, estranhamente, estava esquecido dos seus pais terrenos; mesmo no desjejum, quando a mãe de Lázaro observou que os seus pais deviam estar em casa naquele momento, Jesus não pareceu compreender que eles deveriam estar de algum modo preocupados por ter ele ficado para trás. Novamente caminhou até o templo, mas não parou para meditar no topo do monte das Oliveiras. Durante as discussões da manhã, grande parte do tempo foi devotada à lei e aos profetas, e os instrutores ficaram espantados por Jesus estar tão familiarizado com as escrituras em hebreu, quanto em grego. Mas eles estavam mais estupefatos com a sua pouca idade do que com os seus conhecimentos da verdade. Nas palestras da tarde, mal eles tinham começado a responder a sua pergunta relacionada ao propósito da prece, quando o líder convidou o jovem a adiantar-se e, assentando-se ao seu lado, instouo a falar sobre a sua própria visão a respeito da prece e da adoração. Na noite anterior, os pais de Jesus haviam ouvido falar sobre um estranho adolescente que tão primorosamente argumentava com os comentadores da lei, mas não lhes ocorrera que fosse o filho deles. Tinham decidido ir até a casa de Zacarias, pois pensavam que Jesus poderia ter ido até lá para ver Isabel e João. Pensando que


Zacarias pudesse talvez estar no templo, pararam lá a caminho da cidade de Judá. E, ao passar pelas praças do Pág. 1384 templo, imaginai a surpresa deles e o assombro quando reconheceram a voz do jovem desaparecido e viram-no assentado entre os instrutores do templo. José ficou incapaz de falar, mas Maria deu vazão à sua emoção, há tanto contida, de medo e ansiedade e, correndo até o jovem, agora de pé para saudar os seus pais atônitos, ela disse: “Meu filho, porque nos trataste desse modo? Já faz mais de três dias que o seu pai e eu procuramos desesperadamente por ti. O que te deu para nos abandonar?” Foi um momento tenso. Todos os olhos estavam voltados para Jesus, para ouvir o que ele diria. O seu pai olhou para ele em reprovação, mas sem dizer nada. Deve ser lembrado que era de se esperar que Jesus fosse já um jovem homem. Ele havia acabado a escola regular de um menino, tinha sido reconhecido como um filho da lei e recebera a consagração como cidadão de Israel. E, ainda assim, a sua mãe, mais do que levemente o repreendera perante todo o povo reunido, bem no meio do esforço mais sério e sublime da sua jovem vida, conduzindo, assim, para um fim inglório uma das maiores oportunidades que jamais lhe seriam concedidas para atuar como um instrutor da verdade, um pregador da retidão, um revelador do caráter de amor do seu Pai no céu. Mas o jovem mostrou-se à altura das circunstâncias. Se vós levardes em justa consideração todos os fatores que se combinaram para criar essa situação, estareis mais bem preparados para penetrar a sabedoria da resposta do jovem à censura sem intenção da sua mãe. Depois de pensar por um momento, Jesus


respondeu à sua mãe, dizendo: “Por que me procuraste por tanto tempo? Tu devias esperar encontrar-me na casa do meu Pai, já que é chegado o momento no qual eu devo cuidar dos assuntos do meu Pai?” Todos ficaram surpreendidos com a maneira do jovem falar. Silenciosamente todos se retiraram e deixaram-no de pé sozinho, com os seus pais. Em breve o jovem rapaz aliviou a todos os três de um embaraço ao dizer calmamente: “Venham cá, meus pais, ninguém fez nada senão aquilo que supunha ser o melhor. O nosso Pai nos céus determinou estas coisas; voltemos para a casa”. E partiram em silêncio, chegando em Jericó para passar a noite. Apenas uma vez pararam, e foi no cume do monte das Oliveiras, quando o jovem levantou o seu bastão para o alto e, agitando o corpo da cabeça aos pés sob a onda de uma intensa emoção, disse: “Ó Jerusalém, Jerusalém, e os seus habitantes, que escravos sois – subservientes ao jugo romano e vítimas das vossas próprias tradições –, mas eu voltarei para purificar o templo e para libertar o meu povo dessa servidão!” Durante os três dias de viagem a Nazaré, Jesus pouco falou; nem os seus pais disseram muito na sua presença. Eles ficaram realmente sem entender a conduta do seu primogênito; mas guardaram nos seus corações o que ele dissera, ainda que não pudessem compreender plenamente o seu significado. Ao chegarem em casa, Jesus fez uma breve declaração aos seus pais, assegurando a sua afeição por eles e deixando implícito que não necessitavam temer, pois ele não daria de novo oportunidade para que sofressem ansiedades por causa da sua conduta. E concluiu essa declaração significativa dizendo: “Embora eu deva cumprir a vontade do meu Pai no céu, eu serei também obediente ao meu pai na Terra. Aguardarei a minha hora”.


Embora, na sua mente, por muitas vezes, Jesus fosse recusar a consentir nos esforços bem intencionados, mas mal orientados, dos seus pais, não aceitando que eles ditassem o andamento do seu pensamento ou que estabelecessem o plano do seu trabalho na Terra, ainda assim, e de um modo totalmente consistente com a sua dedicação a fazer a vontade do seu Pai do Paraíso, ele conformouse, com toda a graça, aos desejos do seu pai terreno e aos costumes da sua família Pág. 1385 na carne. E, mesmo quando não podia consentir, tudo de possível ele faria para conformar-se. Ele era um artista para a questão do ajustamento da sua dedicação ao dever para com as suas obrigações de lealdade à família e de serviço ao semelhante. José estava confuso, mas Maria, refletindo sobre essas experiências, ficou confortada, finalmente, considerando aquela elocução, no monte das Oliveiras, como sendo profética da missão messiânica do filho dela, como o libertador de Israel. Ela se pôs a trabalhar com energia renovada, para orientar os pensamentos de Jesus nos canais patrióticos e nacionalistas e recorreu aos esforços do seu irmão, o tio favorito de Jesus; e de todos os outros modos a mãe de Jesus dedicou-se à tarefa de preparar o seu primeiro filho para assumir a liderança daqueles que iriam restaurar o trono de Davi e para sempre retirá-lo da servidão política e do jugo dos gentios. Pág. 1386 DOCUMENTO 126 OS DOIS ANOS CRUCIAIS


De todas as experiências de Jesus, na sua vida na Terra, o décimo quarto e o décimo quinto anos foram os mais cruciais. Esses dois anos, após ele ter-se tornado autoconsciente da divindade e do seu destino e antes do momento em que ele começou a se comunicar, de um modo amplo, com o seu Ajustador residente, foram os anos de maior provação da sua movimentada vida em Urântia. É esse período de dois anos que deveria ser chamado de a grande prova, a tentação real. Nenhum ser humano jovem, passando pelas primeiras confusões e ajustamentos aos problemas da adolescência, jamais experimentou um teste mais crucial do que aquele pelo qual Jesus passou durante a sua transição da infância para a adolescência. Esse período importante de desenvolvimento, na juventude de Jesus, começou com a conclusão da visita a Jerusalém e o retorno a Nazaré. A princípio, Maria estava feliz com o pensamento de que, uma vez mais, tinha o seu garoto de volta, que Jesus tinha voltado para casa para ser um filho dócil – não que ele tivesse sido de um outro modo – e que ele seria, daí em diante, mais sensível aos planos que ela tinha feito para a sua vida no futuro. Mas não seria por muito tempo que ela iria aquecer-se ao calor desse sol de ilusão maternal e de orgulho familiar inconsciente; logo ela iria desiludirse quase completamente. Cada vez mais o jovem permanecia em companhia do seu pai, e menos ele chegava até ela trazendo os seus problemas, mas, ao mesmo tempo, ambos não conseguiam compreender as freqüentes alternâncias dele, entre os assuntos desse mundo e a contemplação da sua relação com os assuntos do seu Pai celeste. Francamente, eles não o compreendiam, mas certamente o amavam. À medida que Jesus crescia, a piedade e o amor que ele tinha pelo povo judeu aprofundavam-se, mas, com o passar dos anos, desenvolveu-se na sua mente um justo ressentimento pela presença, no templo do seu Pai, de sacerdotes politicamente escolhidos. Jesus


tinha um grande respeito pelos fariseus sinceros e pelos escribas honestos, mas tinha pelos fariseus hipócritas e pelos teólogos desonestos um grande desprezo; olhava com desdém a todos os líderes religiosos que não eram sinceros. Quando examinava minuciosamente a conduta dos dirigentes de Israel, algumas vezes ele ficava tentado a ver favoravelmente a possibilidade de tornarse o Messias segundo a expectativa dos judeus, mas nunca cedeu a tal tentação. A história das suas façanhas diante dos sábios do templo em Jerusalém foi gratificante para toda Nazaré, especialmente para os seus antigos professores na escola da sinagoga. Por um certo tempo, o elogio de Jesus estava em todos os lábios. Toda a aldeia relatava a sabedoria da sua infância e a sua conduta meritória, e predizia que ele estava destinado a tornar-se um grande líder de Israel; finalmente um grande mestre estava para sair de Nazaré, na Galiléia. E eles todos se rejubilavam antecipadamente com a época em que Pág. 1387 ele iria fazer quinze anos de idade, e que lhe fosse permitido ler regularmente as escrituras na sinagoga no sábado. 1. O SEU DÉCIMO QUARTO ANO ( 8 d.C.) Este é, no calendário, o ano 8 d.C., o ano do seu décimo quarto aniversário. Ele tinha transformado-se em um fabricante de cangas e trabalhava bem com a lona e com o couro. Havia-se tornado também logo um hábil carpinteiro e marceneiro. E nesse verão ele fizera viagens freqüentes ao alto da colina a noroeste de Nazaré para oração e para meditação. Estava gradativamente ficando mais autoconsciente da natureza da sua auto-outorga na Terra.


Essa colina havia sido, há pouco mais de cem anos, “o ponto alto de Baal”, e agora era o local da tumba de Simeão, um renomado homem santo de Israel. Do topo dessa colina de Simeão, Jesus podia ver toda Nazaré e o campo à sua volta. Divisava Meguido e lembrava-se da história do exército egípcio tendo a sua primeira grande vitória na Ásia; e de como, mais tarde, outro exército derrotara Josias, o rei judeu. E, não muito ao longe, Jesus podia ver Tanac, onde Débora e Barak derrotaram Sisera. E, ainda à distância, podia ver as colinas de Dotan, onde lhe tinha sido ensinado que os irmãos de José venderam-no, como escravo, aos egípcios. E, ao voltar a sua vista para Ebal e Gerizim, rememorava-se das tradições de Abraão, de Jacó, e de Abimeleque. E assim se relembrava e, na sua mente, ele revirava os acontecimentos históricos e tradicionais do povo do seu pai José. Ele continuava com os seus cursos avançados de leitura, sob a orientação dos mestres da sinagoga, e também prosseguia dando a instrução aos seus irmãos e irmãs, em casa, quando atingiam as idades apropriadas. No princípio desse ano, José arranjou um modo de reservar a renda das suas propriedades de Nazaré e de Cafarnaum, para pagar o longo curso de Jesus em Jerusalém, tendo sido planejado que ele iria para Jerusalém em agosto do próximo ano, quando fizesse quinze anos de idade. Quando começou esse ano, tanto José quanto Maria alimentavam freqüentes dúvidas quanto ao destino do seu primogênito. Ele era de fato uma criança brilhante e adorável, mas era tão difícil de entender, tão duro de penetrar e, por outro lado, nada de extraordinário ou miraculoso jamais acontecia. Quantas vezes a sua orgulhosa mãe havia aguardado, em uma antecipação quase sem fôlego, à espera de ver o seu filho executar algum feito suprahumano ou miraculoso, mas as suas esperanças eram sempre


desfeitas em uma decepção cruel. E tudo isso a deixava desencorajada e mesmo abatida. O povo devoto daqueles dias acreditava, de verdade, que os profetas e os homens prometidos sempre manifestariam a sua missão e estabeleceriam a sua autoridade divina realizando milagres e coisas prodigiosas. Mas Jesus não fazia nenhuma dessas coisas; por isso a confusão dos seus pais crescia com o passar do tempo, quando eles contemplavam o futuro dele. A condição econômica melhorada da família de Nazaré refletia-se, de muitos modos, na casa e especialmente no grande número de tábuas brancas lisas que eram usadas como quadros para escrever, as letras sendo feitas com carvão. Jesus também podia retomar as suas aulas de música; ele gostava muito de tocar harpa. Durante todo esse ano, pode-se dizer, em verdade, que Jesus “cresceu no favorecimento dos homens e de Deus”. As perspectivas da família pareciam boas; o futuro era resplandecente. Pág. 1388 2. A MORTE DE JOSÉ Tudo ia bem até aquela terça-feira fatal, 25 de setembro, quando um mensageiro de Séforis trouxe a esse lar em Nazaré a trágica notícia de que José tinha sido gravemente ferido pela queda de um mastro, enquanto trabalhava na residência do governador. O mensageiro de Séforis tinha parado na oficina, a caminho da casa de José, informando a Jesus sobre o acidente do seu pai, e eles foram juntos até a casa para levar as tristes notícias a Maria. Jesus desejara ir imediatamente até onde estava o seu pai, e Maria não escutaria nada, não queria senão apressar-se para ficar ao lado do seu marido. Ela decidiu que Tiago, então com dez anos de idade, iria acompanhá-la a Séforis, enquanto Jesus permaneceria em casa


com as crianças mais novas, até que ela retornasse, pois não sabia quão seriamente José estava ferido. Mas José morreu por causa dos ferimentos, antes de Maria chegar até ele. Trouxeram-no para Nazaré e, no dia seguinte, foi enterrado junto aos seus pais. Logo naquele momento, em que as perspectivas eram boas e o futuro parecia prometedor, uma mão aparentemente cruel abatia-se sobre o pai dessa família de Nazaré. Os assuntos da casa ficaram interrompidos, e todos os planos para Jesus e a sua instrução foram por terra. Esse jovem carpinteiro, agora com pouco mais de quatorze anos de idade, despertou para a compreensão de que não apenas tinha de cumprir a missão do seu Pai celeste, de revelar a natureza divina na Terra e na carne, mas que seria necessário que a sua jovem natureza humana assumisse, também, a responsabilidade de tomar conta da sua mãe viúva e de sete irmãos e irmãs – e de um outro mais, que estava para nascer. Este jovem de Nazaré, agora, tornava-se o único esteio e conforto dessa família tão subitamente enlutada. Assim, pois, foram permitidos que ocorressem esses fatos de ordem natural em Urântia, fatos que forçariam este jovem homem do destino a assumir tão cedo responsabilidades tão pesadas, mas altamente educativas e disciplinadoras, de tornar-se o dirigente de uma família humana, de tornar-se pai dos seus próprios irmãos e irmãs, de sustentar e proteger a sua mãe, de funcionar como guardião do lar do seu pai, o único lar que conheceria enquanto neste mundo. Jesus aceitou de bom grado as responsabilidades tão subitamente confiadas a ele e assumiu-as fielmente até o fim. Pelo menos um grande problema e uma dificuldade, que se antecipavam em sua vida, tinham sido tragicamente resolvidos – não seria agora esperado que ele fosse para Jerusalém, para estudar com os rabinos. E continuaria verdadeiro que Jesus “não seria acólito de ninguém”. Ele estava sempre à disposição, para aprender, mesmo da mais humilde


das criancinhas, mas jamais retirou de fontes humanas a autoridade para ensinar a verdade. E, contudo, ele nada sabia da visita de Gabriel à sua mãe, antes do seu nascimento; ele soube disso, por meio de João, só no dia do seu batismo, no começo da sua ministração pública. Com o passar dos anos, esse jovem carpinteiro de Nazaré avaliava mais aprimoradamente as instituições da sociedade e o uso de cada religião, por meio do invariável teste: O que ela faz pela alma humana? Ela traz Deus ao homem? Leva o homem a Deus? Conquanto este jovem não negligenciasse os aspectos recreativos e sociais da vida, cada vez mais ele devotava o seu tempo e as suas energias a dois propósitos apenas: cuidar da sua família e preparar-se para cumprir, na Terra, a vontade celeste do seu Pai. Pág. 1389 Nesse ano, tornou-se costume os vizinhos virem durante as tardes de inverno, para ouvir Jesus tocar a harpa, para escutar as suas histórias (pois o jovem era mestre em contar histórias), e para escutá-lo lendo partes das escrituras gregas. Os assuntos econômicos da família continuavam a correr tranqüilamente, pois havia uma boa soma de dinheiro à mão, no momento da morte de José. Jesus, muito cedo, demonstrou possuir tino e sagacidade para os negócios financeiros. Ele era liberal, mas com simplicidade; era econômico, mas generoso. Revelou-se um administrador sábio e eficiente dos bens do seu pai. Contudo, a despeito de tudo o que Jesus e os vizinhos de Nazaré pudessem fazer para trazer alegria àquela casa, Maria, e mesmo as crianças, estavam cheios de tristeza. José tinha partido; ele tinha sido um marido e um pai excepcionais, e todos sentiam sua falta.


Parecia ainda mais trágico pensar que o seu pai morrera antes que eles pudessem falar com ele, e antes de receberem uma bênção de despedida. 3. O DÉCIMO QUINTO ANO ( 9 d.C.) Em meados do seu décimo quinto ano – e estamos considerando o tempo de acordo com o calendário do século vinte, não pelo ano judeu –, Jesus tinha, sob as suas mãos firmes, a direção da sua família. Antes que esse ano tivesse passado, contudo, as economias deles haviam desaparecido e eles estavam enfrentando a necessidade de dispor de uma das casas de Nazaré, a qual José possuía em sociedade com o seu vizinho Jacó. Na quarta-feira, 17 de abril do ano 9 d.C., à noite, Rute, o bebê da família, nasceu. E, com a sua melhor disposição, Jesus tentou ficar no lugar de seu pai, confortando e ministrando à sua mãe durante essa provação difícil e peculiarmente triste. Por quase vinte anos (até ele começar o seu ministério público) nenhum pai poderia ter amado e cuidado de uma filha com mais afeição e fidelidade do que Jesus cuidou da pequena Rute. E ele foi um pai igualmente bom para todos os outros membros da sua família. Durante esse ano Jesus formulou, pela primeira vez, a oração que posteriormente ensinou aos seus apóstolos e que, para muitos, tinha tornado-se conhecida como o “O Pai nosso”. Num certo sentido, ela foi como uma culminância do altar familiar; pois eles tinham muitas formas de louvar e várias preces formais. Depois da morte do seu pai, Jesus tentou ensinar às crianças mais velhas como se expressar individualmente na prece – do modo como ele tanto gostava de fazer –, mas elas não podiam compreender o seu pensamento e, inevitavelmente, voltavam às suas preces memorizadas. E, nesse esforço de estimular os seus irmãos e irmãs maiores a dizer preces individuais, Jesus tentaria conduzi-los por meio de frases


sugestivas e, em breve, sem intenção da parte dele, acontecia que acabavam todos usando uma forma de oração que era construída, em grande parte, a partir daquelas linhas sugestivas que Jesus lhes tinha ensinado. Finalmente Jesus desistiu da idéia de ter todos os membros da família fazendo preces espontâneas e, em uma noite de outubro, ele assentou-se perto da pequena lâmpada, junto à mesa baixa de pedra e, com um pedaço de carvão, ele escreveu em uma tábua quadrada lisa de cedro, de uns quarenta e cinco centímetros de lado, a oração que, desde aquele momento, tornou-se a oração modelo da sua família. Nesse ano Jesus foi muito atormentado por reflexões confusas. As responsabilidades familiares tinham, de um modo eficaz, apagado todos os pensamentos de cumprir imediatamente qualquer plano que dizia respeito ao que a visitação de Jerusalém lhe mandava, no sentido de que ele “cuidasse dos assuntos do seu Pai”. Jesus raciocinou, acertadamente, que cuidar da família terrena do seu pai Pág. 1390 devia ter precedência sobre todos os deveres; que sustentar a sua família devia tornar-se a sua primeira obrigação. No decorrer desse ano, Jesus encontrou uma passagem no chamado Livro de Enoch, que o influenciou na sua adoção futura do termo “Filho do Homem” como designação para a sua missão de autodoação em Urântia. Ele tinha considerado cuidadosamente a idéia do Messias judeu e estava firmemente convencido de que ele não seria aquele Messias. Almejava ajudar o povo do seu pai, mas jamais levando os exércitos judeus a livrarem a Palestina do domínio estrangeiro. Ele sabia que jamais se assentaria no trono de Davi, em Jerusalém. E também não acreditava que a sua missão fosse a de


um libertador espiritual, nem a de um educador moral apenas, para o povo judeu. Em nenhum sentido, portanto, a missão da sua vida poderia ser a satisfação das aspirações intensas e das supostas profecias messiânicas das escrituras hebraicas; pelo menos, não como os judeus entendiam essas predições dos profetas. Do mesmo modo estava ele certo de que nunca apareceria como o Filho do Homem descrito pelo profeta Daniel. Mas quando chegasse a hora de sair como um pregador, para o mundo, como iria chamar-se a si mesmo? Que nome reivindicaria para a sua missão? Por qual nome seria ele chamado pela gente que acreditava nos seus ensinamentos? Enquanto repassava todas essas questões na sua mente, ele encontrou, na biblioteca da sinagoga, em Nazaré, entre os livros apocalípticos que ele havia estudado, esse manuscrito chamado “O Livro de Enoch”; e, embora estivesse certo de que não tinha sido escrito pelo Enoch de outrora, o livro em muito o deixou intrigado, e ele o leu e releu muitas vezes. Havia uma passagem que particularmente o impressionara, uma passagem na qual esse termo “Filho do Homem” aparecia. E o escritor, desse chamado Livro de Enoch, contava sobre esse Filho do Homem, descrevendo o trabalho que ele faria na Terra e explicando que esse Filho do Homem, antes de descer a esta Terra para trazer a salvação à humanidade, tinha percorrido as cortes da glória dos céus, com o seu Pai, o Pai de todos; e que ele tinha dado as costas a toda essa grandeza e glória para descer à Terra e proclamar a salvação aos mortais necessitados. À medida que Jesus lia essas passagens (entendendo muito bem que grande parte do misticismo oriental, que tinha sido mesclado a esses ensinamentos era equivocada), ele respondeu, no seu coração, e reconheceu na sua mente que, de todas as predições messiânicas das escrituras dos hebreus e de todas as teorias sobre o libertador judeu, nenhuma estava tão próxima da verdade quanto


essa história, relegada a um segundo plano, nesse Livro de Enoch apenas parcialmente acreditado; e então, ali mesmo, ele decidiu adotar “Filho do Homem” como o seu título inaugural. E isso foi feito por ele quando, subseqüentemente, começou o seu trabalho público. Jesus tinha uma inequívoca capacidade de reconhecer a verdade, e jamais hesitou em abraçar a verdade, não importava de que fonte ela emanasse. Nessa época, ele tinha já muito cuidadosamente estabelecido diversas coisas sobre o seu trabalho vindouro para o mundo, mas nada disse sobre essas questões à sua mãe, que ainda se apegava ferrenhamente à idéia de que ele seria o Messias judeu. A grande confusão dos dias da juventude de Jesus aflorava agora. Tendo estabelecido algo sobre a natureza da sua missão na Terra, “de como proceder ao cuidar dos assuntos do seu Pai” – de mostrar a natureza amorosa do seu Pai a toda a humanidade –, ele começou ponderando, novamente, sobre as muitas afirmações, nas escrituras, que se referiam à vinda de um libertador nacional, de um mestre ou um rei judeu. A quais acontecimentos essas profecias referiam-se? Seria ele um judeu? Ou não seria? Era ou não era da casa de Davi? A sua Pág. 1391 mãe afirmava que ele era; o seu pai julgava que ele não fosse. Ele decidiu que não era. Mas teriam os profetas confundido a natureza e a missão do Messias? Afinal, seria possível que a sua mãe estivesse certa? Na maioria das questões, quando surgiram divergências de opinião no passado, ela estivera certa. Se ele fosse um novo mestre e não o Messias, então como poderia ele reconhecer o Messias judeu, caso este aparecesse em Jerusalém durante o tempo da sua missão na Terra; e, além


disso, qual deveria ser a sua relação com esse Messias judeu? E qual deveria ser a sua relação com a sua família, depois que embarcasse na missão da sua vida? E, também, com a comunidade e a religião judaica, com o império romano, com os gentios e as suas religiões? Todas essas questões relevantes, iam sendo revolvidas na mente desse galileu jovem e seriamente ponderado, enquanto ele continuava a trabalhar na bancada de carpinteiro, ganhando a vida laboriosamente para si próprio, para a sua mãe e para oito outras bocas famintas. Antes do fim desse ano, Maria viu as economias da família diminuírem. E confiou a venda dos pombos a Tiago. Em breve eles compraram uma segunda vaca e, com a ajuda de Míriam, iniciaram a venda de leite para os vizinhos de Nazaré. Os seus profundos períodos de meditação, as suas idas freqüentes ao topo da colina para orar, e as muitas idéias estranhas que Jesus anunciava de tempos em tempos, alarmavam profundamente a sua mãe. Algumas vezes ela pensava que o jovem estava fora de si, e então controlava os seus medos lembrando-se de que era, afinal, um filho prometido e, de muitos modos, diferente dos outros jovens. Mas Jesus estava aprendendo a não falar de todos os seus pensamentos, a não apresentar todas as suas idéias ao mundo, nem mesmo à sua própria mãe. Desse ano em diante, as divulgações que Jesus fazia sobre o que se passava na sua mente diminuíram visivelmente; isto é, ele falava menos e menos sobre as coisas que uma pessoa mediana não entenderia, e que o levariam a ser considerado como peculiar ou diferente da gente comum. Para todos os efeitos, ele tornou-se um jovem comum e convencional, embora almejasse achar alguém que pudesse entender os seus problemas. Ele desejava ter um amigo fiel e digno de confiança, mas os seus problemas eram complexos demais para os seus semelhantes


humanos compreenderem. A singularidade dessa excepcional compeliu-o a carregar o seu fardo sozinho.

situação

4. O PRIMEIRO SERMÃO NA SINAGOGA Com a vinda do seu décimo quinto aniversário, Jesus podia oficialmente ocupar o púlpito da sinagoga, no dia de sábado. Muitas vezes antes, na ausência de oradores, havia sido pedido a Jesus que lesse as escrituras; mas agora tinha chegado o dia em que, de acordo com a lei, ele podia conduzir os serviços. E, por isso, no primeiro sábado, depois do seu décimo quinto aniversário, o chazam arranjou para que Jesus conduzisse o serviço da parte da manhã, na sinagoga. E, quando todos os fiéis de Nazaré estavam reunidos, o jovem homem, tendo feito a sua seleção das escrituras, levantou-se e começou a ler: “O espírito do Senhor Deus está em mim, pois o Senhor me ungiu; Ele enviou-me para trazer boas-novas aos mansos, medicar os que tiverem o coração alquebrado, proclamar a liberdade aos prisioneiros e libertar os aprisionados espiritualmente; para proclamar o ano da graça e o dia do ajuste com o nosso Deus; para confortar todos os afligidos, dar a eles a beleza em lugar de cinzas, o óleo da alegria no lugar do luto, uma canção de louvor em vez do espírito da tristeza, para que sejam chamadas de árvores da retidão, as que foram plantadas pelo Senhor, e com as quais Ele poder ser glorificado. Pág. 1392 “Buscai o bem e não o mal, para que possais viver e para que assim o Senhor, o Deus das hostes, possa estar convosco. Odiai o mal e amai o bem, estabelecei o julgamento à entrada da porta. Talvez o Senhor Deus conceda a Sua graça aos remanescentes de José.


“Lavai-vos, purificai-vos; afastai o mal dos vossos atos diante dos Meus olhos; cessai de fazer o mal e aprendei a fazer o bem; buscai a justiça; aliviai os oprimidos. Defendei o órfão e pedi pela viúva. “Com o que me apresentarei perante o Senhor para inclinar-me diante do Senhor de toda a Terra? Deverei eu chegar perante Ele com ofertas de holocaustos e com bezerros de um ano? Será que o Senhor ficará satisfeito com milhares de carneiros, com dezenas de milhares de ovelhas, ou com rios de óleo? Deveria eu dar o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu corpo pelo pecado da minha alma? Não! Pois o Senhor mostrou-nos, ó homens, o que é bom. E o que o Senhor espera de vós a não ser que sejais justos, que ameis a misericórdia, e que caminheis humildemente junto com o vosso Deus? “A quem, então, comparareis o Deus que domina o círculo da Terra? Levantai os vossos olhos e contemplai Aquele que criou todos os mundos, que cria as suas hostes pelo seu número e as chama a todas pelos nomes. Ele faz todas essas coisas, graças à grandeza do Seu poder e, porque Ele é forte em poder, nenhuma delas falha. Ele dá poder aos fracos e, àqueles que estão exauridos, Ele aumenta a força. Não temais, pois Eu estou convosco; não desanimeis, pois Eu sou o vosso Deus. Eu fortalecer-vos-ei e ajudar-vos-ei; sim, Eu sustentar-vos-ei com a mão direita da minha retidão, pois Eu sou o Senhor, vosso Deus. E Eu segurarei a vossa mão direita, dizendo a vós, não temais, pois Eu ajudar-vos-ei. “E sois, pois, as Minhas testemunhas, diz o Senhor, e os Meus servidores, a quem Eu escolhi para que todos saibam e acreditem em Mim e compreendam que Eu sou o Eterno. Eu, sim, Eu sou o Senhor, e além de Mim não há nenhum salvador”. E quando terminou essa leitura, Jesus assentou-se, e o povo foi para as suas casas, pensando nas palavras que tinha tão


graciosamente lido para eles. Nunca o povo da sua cidade o tinha visto tão magnificamente solene; nunca eles tinham ouvido a sua voz mais honesta e sincera; nunca eles o tinham visto tão maduro, decisivo e com tanta autoridade. Nesse sábado à tarde Jesus subiu a colina de Nazaré com Tiago e, quando eles retornaram à casa, escreveu os dez mandamentos em grego, com carvão, em duas tábuas de madeira polida. Mais tarde, Marta coloriu e decorou essas tábuas, e durante muito tempo elas ficaram dependuradas na parede, sobre o pequeno banco de trabalho de Tiago. 5. A LUTA FINANCEIRA Gradualmente, Jesus e a sua família retornaram à vida simples dos seus anos anteriores. As suas roupas e mesmo a sua comida tornaram-se mais simples. Eles tinham bastante leite, manteiga e queijo. Desfrutavam dos produtos do seu jardim, durante as estações próprias, mas, cada mês que passava, obrigava-os à prática de uma frugalidade maior. O desjejum deles era bem simples, deixavam a sua comida melhor para a refeição da noite. Contudo, entre os judeus, a falta de riqueza não implicava inferioridade social. Esse jovem tinha quase já toda a compreensão de como os homens viviam nos seus dias. E os seus ensinamentos posteriores mostram como ele tinha entendido bem a vida no lar, no campo e nas oficinas; e esses ensinamentos revelam, de modo bastante completo, a intimidade do seu contato com todas as fases da experiência humana. O chazam de Nazaré continuou na crença de que Jesus devia tornar-se um grande mestre, provavelmente o sucessor do renomado Gamaliel, em Jerusalém.


Pág. 1393 Aparentemente, todos os planos de Jesus, para a sua carreira, estavam frustrados. Do modo como as questões agora estavam, o futuro não parecia muito brilhante. Mas ele não vacilou e não se desencorajou. Continuou a viver o dia a dia, fazendo bem os deveres do momento e fielmente desempenhando-se das responsabilidades imediatas daquele período da sua vida. A vida de Jesus é o consolo eterno de todos os idealistas desapontados. O salário de um dia de trabalho de um carpinteiro comum estava diminuindo aos poucos. Ao fim desse ano Jesus podia ganhar, trabalhando desde cedo pela manhã e até o fim da tarde, apenas o equivalente a cerca de vinte e cinco centavos de dólar por dia. No próximo ano, eles acharam difícil pagar os impostos civis, sem mencionar as contribuições para a sinagoga e os impostos de meio siclo para o templo. Nesse ano, o coletor de impostos tentou extorquir mais dinheiro de Jesus, ameaçando até mesmo levar a sua harpa. Temendo que o exemplar das escrituras gregas pudesse ser descoberto e confiscado pelos coletores de impostos, Jesus, no seu décimo quinto aniversário, apresentou-o à biblioteca da sinagoga de Nazaré como uma oferta da sua maturidade ao Senhor. O grande choque do seu décimo quinto ano de idade veio quando Jesus foi a Séforis, para receber a decisão de Herodes a respeito do apelo feito a ele sobre a disputa quanto ao montante do dinheiro devido a José, na época da sua morte acidental. Jesus e Maria estavam esperando receber uma soma considerável de dinheiro, quando o tesoureiro de Séforis ofereceu a eles uma soma irrisória. Os irmãos de José tinham feito o apelo ao próprio Herodes, e agora Jesus estava no palácio e ouviu Herodes decretar que nada era devido ao seu pai na época da sua morte. E, por essa decisão injusta,


Jesus nunca mais confiou em Herodes Antipas. Não é de se surpreender que uma vez ele tenha aludido a Herodes como “aquela raposa”. O trabalho assíduo, na bancada de carpinteiro, durante esse ano e nos seguintes privou Jesus da oportunidade de entrar em contato com os passageiros das caravanas. O suprimento da dispensa da família tinha já sido feito pelo seu tio, e Jesus trabalhava na oficina da casa todo o tempo, onde podia ficar por perto para ajudar Maria com a família. Nessa época ele começou a enviar Tiago à parada de camelos para colher informações sobre os acontecimentos do mundo, e assim ele buscava estar em contato com as notícias atuais. À medida que cresceu até a idade adulta, ele atravessou todos esses conflitos e confusões pelos quais passa a média das pessoas jovens de épocas anteriores e posteriores. E a experiência rigorosa de sustentar a sua família foi uma salvaguarda segura contra a possibilidade de ter tempo de sobra para pensamentos ociosos ou para permitir-se tendências místicas. Esse foi o ano em que Jesus arrendou um terreno de tamanho considerável, ao norte da casa, que foi dividido como um jardim e uma horta da família. Cada uma das crianças maiores tinha uma horta individual, e eles entraram em competição viva nos seus esforços de agricultores. O seu irmão mais velho passava algum tempo com eles no jardim, todos os dias, durante a estação de cultivo dos vegetais. Quando Jesus trabalhava com os seus irmãos e irmãs mais novos na horta, muitas vezes ele alimentava o desejo de que eles fossem todos morar em uma fazenda no interior, onde podiam gozar da independência e da liberdade de uma vida sem entraves. Mas eles não se viam crescendo no campo; e Jesus, sendo um jovem bastante prático, bem como um idealista, enfrentava os problemas de um modo enérgico e inteligente e como eles se


apresentavam, e fazia tudo dentro do seu poder e do da sua família para ajustar-se às realidades da situação e para adaptar-se à sua condição, de modo a terem todos a mais alta satisfação possível dentro das suas aspirações individuais e coletivas. A um dado momento, Jesus esperou vagamente que pudesse ser capaz de juntar meios suficientes, desde que tivesse sido possível receber a soma considerável de dinheiro devida ao seu pai, Pág. 1394 pelo trabalho no palácio de Herodes, de modo a garantir a compra de uma pequena fazenda. Ele tinha realmente dado uma séria atenção ao plano de mudar com a sua família para o campo. Mas quando Herodes recusou-se a lhes pagar qualquer fundo devido a José, eles deixaram de lado a ambição de possuir um lar no interior. E então, do modo como ficaram as coisas, eles encontraram o meio de desfrutar, em muito, da experiência de uma vida de fazenda, já que agora eles tinham três vacas, quatro ovelhas, uma criação de galinhas, um burro e um cão, além dos pombos. Mesmo os menores tinham os seus deveres regulares para fazer, dentro do esquema bem controlado de organização que caracterizava a vida do lar dessa família de Nazaré. Ao fim desse décimo quinto ano, Jesus tinha acabado de atravessar aquele período perigoso e difícil, da existência humana, aquele tempo de transição entre os anos mais complacentes da infância e os da consciência da aproximação da idade adulta, de responsabilidades acrescidas e de oportunidades de conquista de experiência avançada no desenvolvimento de um caráter nobre. O período de crescimento da mente e do corpo tinha terminado, e agora começava a verdadeira carreira desse jovem homem de Nazaré.


Pág. 1395 DOCUMENTO 127 OS ANOS DA ADOLESCÊNCIA À medida que entrava nos seus anos de adolescência, Jesus viu-se como o dirigente único de uma grande família e como o seu único suporte. Uns poucos anos depois da morte do seu pai, todas as suas propriedades tinham sido perdidas. E, com o passar do tempo, mais consciente ele ficava da sua preexistência; ao mesmo tempo ele começou a compreender mais plenamente que estava presente na Terra e na carne com o propósito expresso de revelar o seu Pai do Paraíso aos filhos dos homens. Nenhum adolescente que tenha vivido ou que irá jamais viver neste, ou em qualquer outro mundo, teve ou terá problemas mais graves a resolver ou dificuldades mais intrincadas para desembaraçar. Nenhum jovem de Urântia jamais será convocado a passar por conflitos mais angustiantes e por provas mais duras do que Jesus, durante esses árduos anos entre os seus quinze e os vinte anos de idade. Tendo, pois, conhecido a experiência real de viver esses anos da adolescência em um mundo assediado pelo mal e atormentado pelo pecado, o Filho do Homem adquiriu todo o conhecimento sobre a experiência de vida dos jovens de todos os reinos de Nebadon e assim, para sempre, ele tornou-se o refúgio de compreensão para os adolescentes angustiados e perplexos de todas as idades e em todos os mundos do universo local. Lentamente, mas com segurança e por meio de uma experiência real, esse Filho divino está conquistando o direito de tornar-se o soberano do seu universo, o dirigente supremo e inquestionável de


todas as inteligências criadas em todos os mundos do universo local, e o refúgio de compreensão para todos os seres, de todas as idades e graus de dons pessoais e de experiência. 1. O DÉCIMO SEXTO ANO (10 d.C.) O Filho encarnado passou pela meninice e experimentou uma infância sem nada de extraordinário. Então, emergindo daquele período de transição cheio de provações, entre a infância e a juventude, tornou-se o Jesus adolescente. Nesse ano, ele alcançou a sua estatura física definitiva. Era um jovem formoso e viril. Tornou-se cada vez mais sóbrio e circunspecto, mas era compassivo e amável. Os seus olhos eram doces, mas inquisidores; o seu sorriso era sempre simpático e calmo. A sua voz era musical, mas autoritária; a sua saudação cordial, mas sem afetação. Sempre, mesmo no mais comum dos contatos, parecia evidenciar-se uma natureza dupla, a humana e a divina. E, sempre, ele demonstrava a combinação da compaixão do amigo com a autoridade do mestre. E esses traços de personalidade cedo se tornaram manifestos, mesmo nos anos adolescentes. Esse jovem forte e robusto fisicamente também teve o crescimento pleno do seu intelecto humano; não a experiência total do pensamento humano, mas a plenitude da capacidade para o desenvolvimento intelectual. Ele possuía um corpo saudável e bem proporcional, uma mente penetrante e analítica, uma disposição simpática e gentil, Pág. 1396 um temperamento flutuante, de um certo modo, mas ativo, e tudo isso estava tornando-se organizado em uma personalidade forte, tocante e atraente.


Com o tempo, tornou-se mais difícil para a sua mãe e para os seus irmãos compreendê-lo; eles tropeçavam no que ele dizia e interpretavam mal o que ele fazia. Não estavam preparados para compreender a vida do irmão mais velho, porque a sua mãe havia dado-lhes a entender que ele estava destinado a transformar-se no libertador do povo judeu. Depois que essas indicações foram dadas por Maria como uma confidência de família, imaginai a confusão deles quando Jesus negava francamente todas essas idéias e intenções. Nesse ano, Simão entrou para a escola, e eles foram obrigados a vender outra casa. Tiago, agora, encarregava-se de ensinar as suas três irmãs, duas das quais tinham já idade suficiente para começar a estudar seriamente. Tão logo Rute cresceu, foi confiada às mãos de Míriam e de Marta. Comumente as meninas das famílias judias recebiam pouca educação, mas Jesus era da opinião (e a sua mãe concordava) de que as meninas deviam ir à escola como os garotos e, já que a escola da sinagoga não as receberia, nada havia a fazer senão dar aulas especiais em casa para elas. Durante esse ano, Jesus ficou confinado à sua bancada de trabalho. Felizmente tinha bastante trabalho; e o que fazia era de uma qualidade tão superior que nunca ficava sem ter o que fazer, não importa quão escasso ficasse o trabalho naquela região. Às vezes tinha tanta coisa para fazer que Tiago lhe ajudava. Lá pelo fim desse ano ele tinha já decidido que, depois de criar todos e de vê-los casados, iniciaria publicamente o seu trabalho de mestre da verdade como um revelador do Pai celeste ao mundo. Ele sabia que não iria tornar-se o esperado Messias judeu, e concluiu que era quase inútil discutir essa questão com a sua mãe; e decidiu permitir a ela alimentar as idéias que quisesse, pois tudo o que ele tinha dito no passado pouco ou nenhum efeito tivera sobre ela, além do que se lembrava de que o seu pai nunca tinha sido capaz de dizer


nada que mudasse a opinião dela. Desse ano em diante, ele passou a falar cada vez menos com a sua mãe e com todos os outros, sobre os seus problemas. A sua missão era tão singular que nenhum ser vivo na Terra podia dar-lhe conselhos sobre como cumpri-la. Ainda que muito jovem, ele era um pai real para a família; passava cada hora possível com os mais jovens e, de fato, eles o amavam. A sua mãe afligia-se de vê-lo trabalhando tão duramente; lamentava que ficasse, dia após dia, labutando na bancada de carpinteiro, ganhando a vida para a família, em vez de estar, como eles tão carinhosamente planejaram, em Jerusalém estudando com os rabinos. Mesmo havendo tanta coisa no seu filho que Maria não conseguia entender, ela o amava, e apreciava profundamente a boa vontade com a qual ele assumia a responsabilidade da casa. 2. O DÉCIMO SÉTIMO ANO (11 d.C.) Foi nessa época que houve uma considerável agitação, especialmente em Jerusalém e na Judéia, uma rebelião contra o pagamento de impostos a Roma. Estava surgindo um forte partido nacionalista, que logo seria chamado de zelote. Os zelotes, contrariamente aos fariseus, não estavam querendo esperar pela vinda do Messias. Eles propunham gerar uma crise, por meio da revolta política. Um grupo de organizadores, de Jerusalém, chegou na Galiléia e estava obtendo êxito até que se apresentou em Nazaré. Quando vieram para ver Jesus, ele Pág. 1397 escutou-os com atenção e fez muitas perguntas, mas se recusou a aderir ao partido. Não quis revelar as razões que tinha, para não aderir, e a sua recusa teve o efeito de manter à parte também muitos dos seus companheiros jovens de Nazaré.


Maria tudo fez para induzi-lo a aderir, mas ela não conseguiu levá-lo a ceder em nada. Ela chegou mesmo a insinuar que a recusa, de ceder ao pedido dela, de abraçar a causa nacionalista, era insubordinação dele, uma violação da sua promessa, feita quando voltaram de Jerusalém, de que ele seria obediente aos seus pais; mas, em resposta a essa insinuação, ele apenas colocou gentilmente a mão no ombro dela e, olhando em seu rosto, disse: “Minha mãe, como podes?” E Maria retratou-se. Um dos tios de Jesus (Simão, irmão de Maria) tinha já aderido a esse grupo, tornando-se depois oficial na divisão da Galiléia. E, durante vários anos, houve algo como um estranhamento entre Jesus e o seu tio. Mas muitas encrencas estavam acontecendo em Nazaré. A atitude de Jesus, nessas questões, tinha gerado uma cisão entre os jovens judeus da cidade. Cerca da metade estava ligada à organização nacionalista, e a outra metade começou a formar um grupo de oposição, de patriotas moderados, esperando que Jesus assumisse a liderança. Eles ficaram estupefatos quando Jesus recusou a honra que lhe havia sido oferecida, dando como desculpa as suas pesadas responsabilidades familiares, coisa que todos admitiram. Mas a situação ficou ainda mais complicada quando, pouco depois, um judeu abastado, Isaac, que emprestava dinheiro aos gentios, adiantou-se, concordando em sustentar a família de Jesus, se ele deixasse as suas ferramentas e assumisse a liderança desses patriotas de Nazaré. Jesus, então, mal tendo completado dezessete anos de idade, encontrou-se frente a uma situação das mais delicadas e difíceis do princípio da sua vida. As questões de patriotismo, especialmente quando complicadas por uma opressão estrangeira de coleta de impostos, são sempre difíceis de lidar, para os líderes espirituais e,


sem dúvida foi assim nesse caso, já que a religião judaica estava envolvida em toda essa agitação contra Roma. A posição de Jesus tornou-se ainda mais difícil porque a sua mãe e o tio, e até mesmo Tiago, o seu irmão mais jovem, todos, pressionaram-no para unir-se à causa nacionalista. Os melhores judeus de Nazaré haviam sem exceção aderido, e aqueles jovens todos, que não tinham aderido ao movimento, alistar-se-iam no momento em que Jesus mudasse de idéia. E ele não tinha senão um conselheiro sábio, em toda Nazaré, e esse era o seu velho professor, o chazam; que lhe aconselhou sobre a sua resposta ao comitê dos cidadãos de Nazaré, quando eles viessem perguntar-lhe sobre a sua resposta ao apelo público que tinha sido feito. Em toda a jovem vida de Jesus essa era, de fato, a primeira vez que ele recorria conscientemente a uma manobra estratégica. Até então, ele contara sempre com uma exposição franca da verdade, para esclarecer as situações, mas agora não podia declarar toda a verdade. Não podia dar a entender que fosse mais do que um homem; não podia desvelar a idéia da missão que o esperava, até que alcançasse uma idade mais madura. A despeito de todas essas limitações, a sua fidelidade religiosa e a sua lealdade nacional estavam diretamente em jogo. A sua família estava em tumulto, os seus amigos de juventude divididos, e todo o contingente judeu da cidade estava em ebulição. E pensar que era ele o responsável por tudo aquilo! E quão inocente ele fora quanto à intenção de causar quaisquer complicações e, menos ainda, uma conturbação daquela espécie. Algo tinha de ser feito. Devia reafirmar a sua posição, e foi o que ele fez, brava e diplomaticamente, para a satisfação de muitos, mas não de todos. Manteve-se nos termos do seu argumento inicial, sustentando que o seu primeiro dever era para com a sua família, que uma mãe viúva e oito irmãos e irmãs necessitavam de algo mais


do que o dinheiro poderia comprar – as necessidades físicas da vida –, que eles tinham direito aos cuidados e ao apoio de um pai, e que ele não podia, em sã consciência, eximir-se da obrigação que um acidente cruel tinha colocado nos seus ombros. Pág. 1398 Elogiou a sua mãe e o seu irmão de mais idade, por terem a boa vontade de liberá-lo, mas, reiterava que a sua lealdade a um pai morto o proibia de deixar a família, não importava quanto dinheiro viesse a ser dado para o sustento material deles, fazendo a inesquecível afirmação de que “o dinheiro não pode amar”. No decorrer da sua fala, Jesus fez várias referências veladas à sua “missão de vida”, explicando que, independentemente de ser ela compatível ou não com as idéias de militância, esta, como tudo o mais na sua vida, tinha sido deixada de lado para que ele pudesse ser capaz de desincumbir-se fielmente do seu compromisso com a família. Todos em Nazaré sabiam bem que ele era um bom pai para a sua família, e essa questão ficava tão próxima do coração de todos os judeus nobres, que o pretexto de Jesus encontrou uma reação de boa apreciação nos corações de muitos dos seus ouvintes; e alguns daqueles que estavam com essa predisposição ficaram desarmados por um discurso feito por Tiago o qual, ainda que não estando no programa, foi pronunciado nesse momento. Naquele mesmo dia o chazam tinha ensaiado esse discurso com Tiago, mas isso era um segredo deles. Tiago declarou que ele estava certo de que Jesus ajudaria a libertar o seu povo, se ele (Tiago) tivesse idade suficiente para assumir a responsabilidade pela família, mas, que, caso apenas eles consentissem que Jesus permanecesse “conosco, sendo o nosso pai e mestre, então eles teriam não só um líder na família de José, mas em breve cinco leais nacionalistas, pois não há cinco de nós rapazes prontos para crescer e, sob a liderança do nosso pai-irmão, servir a


nossa nação?” E assim o menino trouxe um final bem feliz a uma situação bastante tensa e ameaçadora. A crise chegara ao fim, pelo momento, mas esse incidente nunca foi esquecido em Nazaré. A agitação perdurou; não mais Jesus estava nas graças de um favorecimento universal; a divisão dos sentimentos nunca foi totalmente superada. E, agravada por outras ocorrências subseqüentes, foi essa uma das razões principais pelas quais ele mudou-se para Cafarnaum, anos depois. Daí em diante, Nazaré manteve os seus sentimentos divididos em relação ao Filho do Homem. Tiago diplomou-se na escola, nesse ano, e começou a trabalhar em período integral na oficina de carpintaria em casa. Tornara-se um trabalhador inteligente com as ferramentas e, agora, estava encarregado de fazer os balancins e as juntas de arados enquanto Jesus começou a ocupar-se mais com os serviços de acabamento interior e os trabalhos mais delicados de marcenaria. Nesse ano, Jesus fez um grande progresso na organização da sua mente. Gradualmente, vinha ele conseguindo harmonizar as suas naturezas divina e humana, e conseguiu toda essa organização do seu intelecto por força das suas próprias decisões e apenas com a ajuda do seu Monitor residente, exatamente o mesmo Monitor que todos os mortais normais, em todos os mundos de pós-outorga, têm dentro das suas mentes. Até então, nada de supranatural tinha acontecido, na carreira desse jovem, excetuando-se a visita de um mensageiro que certa vez aparecera para ele durante a noite em Jerusalém, despachado por Emanuel, o seu irmão mais velho. 3. O DÉCIMO OITAVO ANO (12 d.C.) Durante esse ano, todas as propriedades da família, exceto a casa e o jardim, foram liquidadas. A última peça de propriedade, em


Cafarnaum (exceto parte de uma outra), que já estava hipotecada, foi vendida. O que receberam foi usado nos impostos, na compra de algumas novas ferramentas para Tiago, e no pagamento de uma dívida devido à posse da loja de suprimento e reparos, que há muito servia à família, perto da parada das caravanas, e que Jesus agora propunha comprar de volta, já que Tiago tinha idade suficiente para trabalhar na oficina da casa e ajudar Maria com o lar. Pág. 1399 Com a pressão financeira assim aliviada momentaneamente, Jesus decidiu levar Tiago à Páscoa. Eles foram a Jerusalém um dia antes, para ficarem a sós, passando por Samaria. Foram caminhando, e Jesus contou a Tiago sobre os locais históricos do percurso, do modo como o seu pai tinha ensinado a ele durante uma viagem semelhante, cinco anos antes. Ao passarem por Samaria, viram muitos espetáculos estranhos. Nessa viagem eles falaram de muitos dos problemas pessoais, familiares e nacionais. Tiago era um tipo de jovem bem religioso e, embora não concordasse plenamente com a sua mãe a respeito do pouco que sabia sobre os planos para o trabalho da vida de Jesus, ele esperava ansiosamente que chegasse o momento em que fosse capaz de assumir a responsabilidade pela família, para que Jesus pudesse começar a sua missão. Ele apreciava muito que Jesus o estivesse levando à Páscoa e, mais abertamente do que nunca, conversaram sobre o futuro. Jesus pensou muito enquanto atravessavam a Samaria, particularmente em Betel, e quando bebiam do poço de Jacó. Ele e o seu irmão conversaram sobre as tradições de Abraão, Isaac e Jacó. Jesus empenhou-se muito em preparar Tiago para aquilo que este devia testemunhar em seguida em Jerusalém, procurando assim minimizar o impacto que ele próprio experimentara na sua primeira


visita ao templo. Mas Tiago não era tão sensível a algumas dessas cenas. Ele comentou sobre o modo superficial e duro com o qual alguns dos sacerdotes executavam os seus deveres, mas no todo ele gostou muito da sua permanência em Jerusalém. Jesus levou Tiago à Betânia para a ceia Pascal. Simão tinha falecido e descansava ao lado dos seus pais, e Jesus ocupou o lugar do chefe da família na cerimônia Pascal, tendo trazido o cordeiro pascal do templo. Depois da ceia de Páscoa, Maria assentou-se para conversar com Tiago, enquanto Marta, Lázaro e Jesus conversaram até bem tarde da noite. No dia seguinte eles foram aos serviços no templo, e Tiago foi recebido na comunidade de Israel. Naquela manhã, quando pararam no cume do monte das Oliveiras, para ver o templo, enquanto Tiago expressava a sua admiração, Jesus contemplou Jerusalém em silêncio. Tiago não podia compreender o comportamento do seu irmão. Naquela noite, novamente, eles retornaram a Betânia e teriam partido para casa no dia seguinte, mas Tiago insistiu para que fossem de novo visitar o templo dizendo que queria escutar os mestres. E, se bem que isso fosse verdade, secretamente no seu coração, o que ele queria mesmo era ver Jesus participar das discussões, como ele tinha ouvido a sua mãe contar. Assim, foram ao templo e ouviram as discussões, mas Jesus não fez nenhuma pergunta. Tudo aquilo pareceu pueril e insignificante por demais para aquela mente de Deus e de homem que despertava – ele conseguia apenas sentir piedade deles. Tiago estava decepcionado, porque Jesus nada dissera. E, às perguntas do irmão, Jesus apenas respondeu: “Minha hora ainda não chegou”. No dia seguinte, viajaram para casa pelo caminho de Jericó e pelo Vale do Jordão, e Jesus contou muitas coisas no caminho, inclusive falou sobre a sua viagem anterior pela mesma estrada, quando tinha treze anos de idade.


Ao retornar a Nazaré, Jesus começou a trabalhar na velha loja de reparos da família e estava muito contente por estar sendo capaz de se encontrar com tanta gente, de todos os cantos do país e dos distritos vizinhos, que vinham todos os dias. Jesus amava o povo verdadeiramente – toda a gente comum. E todos os meses ele fazia o pagamento da loja e, com a ajuda de Tiago, continuava a manter a família. Várias vezes por ano, sempre que não havia visitantes para desempenhar essa função, Jesus continuava a ler as escrituras aos sábados na sinagoga e, muitas vezes, oferecia comentários sobre a leitura, mas usualmente ele selecionava as passagens para as quais os comentários seriam desnecessários. Ele era hábil, e arranjava a ordem de leitura Pág. 1400 das várias passagens, de modo que uma iluminaria a outra. Ele nunca deixou, quando o tempo permitia, de levar os seus irmãos e irmãs nas tardes de sábado, para os seus passeios junto à natureza. Nessa época o chazam inaugurou um clube de jovens para uma discussão filosófica, que se reunia nas casas de diferentes membros e, muitas vezes, na sua própria casa, e Jesus tornou-se um membro proeminente desse grupo. Assim, pois, ele capacitava-se a recuperar um pouco do seu prestígio local, perdido na época das recentes controvérsias nacionalistas. A sua vida social, ainda que restrita, não estava de todo negligenciada. Ele tinha muitos amigos calorosos e admiradores fervorosos, tanto entre os jovens rapazes, quanto entre as moças de Nazaré.


Em setembro, Isabel e João vieram visitar a família em Nazaré. João tendo perdido o seu pai, tinha a intenção de voltar para as colinas da Judéia e ocupar-se da agricultura e cuidar de rebanhos, a menos que Jesus o aconselhasse a permanecer em Nazaré para tornar-se carpinteiro ou para fazer alguma outra espécie de trabalho. Eles não sabiam que a família de Nazaré estava praticamente sem nenhum dinheiro. Quanto mais Maria e Isabel conversavam sobre os seus filhos, mais ficavam convencidas de que seria bom para os dois jovens homens trabalharem juntos e verem um pouco mais um ao outro. Jesus e João tiveram várias conversas; e falaram sobre muitas questões íntimas e pessoais. Quando terminaram esse encontro, decidiram não mais se ver, até que se encontrassem no ministério público depois que “o Pai celeste chamasse” a ambos para os seus trabalhos. João estava tremendamente impressionado por aquilo que vira em Nazaré; e, pois, devia retornar à casa e trabalhar para sustentar a sua mãe. Estava convencido de que seria uma parte da missão da vida de Jesus, mas percebeu que Jesus deveria ocuparse, por muitos anos ainda, com a criação da sua família; e assim, pois, ele ficava mais contente ainda por retornar à sua casa e estabelecer-se, cuidando da pequena fazenda deles e atendendo às necessidades da sua mãe. E nunca mais João e Jesus se viram, até o dia em que o Filho do Homem apresentou-se para o batismo, no Jordão. No dia 3 de dezembro desse ano, um sábado, à tarde, pela segunda vez, a morte atingiu essa família de Nazaré. O pequeno Amós, o irmão bebê, morreu depois de ficar doente por uma semana, com uma febre alta. Depois de passar o tempo da tristeza, tendo o seu primogênito como único apoio, Maria afinal, no sentido mais pleno, reconheceu Jesus como sendo realmente o chefe da família; e ele estivera realmente sendo digno de sê-lo.


Por quatro anos o padrão de vida deles declinou de fato; ano após ano eles sentiram o aperto crescente da pobreza. No final desse ano enfrentaram uma das mais difíceis experiências de todas as suas árduas lutas. Tiago não tinha ainda começado a ganhar bem, e as despesas de um funeral, somadas a todo o restante, vinha consterná-los ainda mais. Jesus, todavia, diria apenas à sua mãe, ansiosa e triste: “Mãe Maria, a tristeza não vai nos ajudar; estamos todos dando o melhor de nós, e o sorriso da mãe bem que poderia nos inspirar a fazer ainda melhor. Dia a dia somos fortalecidos para essas tarefas, pela nossa esperança de dias melhores que virão”. O seu otimismo sólido e prático era verdadeiramente contagiante; todas as crianças viviam em uma atmosfera de antecipação de tempos melhores e de coisas melhores. E a coragem esperançosa de Jesus contribuiu poderosamente para o desenvolvimento de caráteres fortes e nobres, a despeito da pobreza deprimente que atravessavam. Jesus possuía a capacidade de mobilizar efetivamente todos os seus poderes da mente, da alma e do corpo, para a tarefa imediatamente à mão. Ele podia concentrar a sua mente em profundos pensamentos, no problema que queria resolver, e isso, junto Pág. 1401 com a sua paciência inexaurível, fazia-o capaz de resistir serenamente às provações de uma existência mortal difícil – de viver como se estivesse “vendo Aquele que é Invisível”. 4. O DÉCIMO NONO ANO (13 d.C.) Nessa época, Jesus e Maria estavam entendendo-se muito melhor. Ela considerava-o menos como um filho; ele tinha transformado-se mais em um pai para os filhos dela. A vida de cada dia estava


repleta de dificuldades práticas e imediatas. Eles falavam menos freqüentemente da obra da sua vida, com o passar do tempo, e o pensamento de cada um deles estava devotado de ambas as partes ao sustento e à criação da família de quatro garotos e três meninas. No começo desse ano, Jesus tinha conquistado totalmente a aceitação da sua mãe para os seus métodos na educação das crianças – o estímulo positivo para que fizessem o bem, em lugar do velho método judeu de proibir de fazer o mal. Na sua casa, e em toda a sua carreira de ensinamento público, Jesus invariavelmente empregou a forma positiva de exortação. Sempre, e em todos os lugares, ele dizia: “Tu devias fazer isso – deverias fazer aquilo”. Ele nunca empregava o modo negativo de ensinar, que se derivava de tabus antigos. Ele evitava colocar ênfase no mal, proibindo-o, e ao mesmo tempo exaltava o bem por exigir que ele fosse feito. A hora da prece no seu lar era a ocasião para discutir toda e qualquer coisa relativa ao bem-estar da família. Jesus tão sabiamente disciplinou os seus irmãos e irmãs, desde a mais tenra idade, que pouca ou quase nenhuma punição jamais se fazia necessária para assegurar a obediência pronta e sincera deles. A única exceção era Judá, a quem, em diversas ocasiões, Jesus julgou necessário impor penalidades, pelas suas infrações às regras da casa. Em três ocasiões, quando era considerado sábio punir Judá por violações deliberadas e confessas das regras de conduta da família, a sua punição era fixada por decisão unânime dos irmãos mais velhos e era consentida pelo próprio Judá, antes de ser ministrada. Ao mesmo tempo em que Jesus era muito metódico e sistemático, em tudo o que fazia, havia também, em todas as suas decisões administrativas, uma elasticidade benevolente de interpretação e uma individualidade de adaptação que impressionavam muito a todas as crianças, pelo espírito de justiça com que atuava o seu pai-irmão.


Ele nunca disciplinava os seus irmãos e irmãs arbitrariamente, e essa equanimidade uniforme e essa consideração pessoal faziam com que Jesus fosse muito querido por toda a sua família. Tiago e Simão cresceram tentando seguir o plano de Jesus, de aplacar os seus companheiros belicosos, e, algumas vezes irados, pela persuasão e pela não-resistência, no que haviam tido bastante êxito; mas José e Judá, ao mesmo tempo em que consentiam nessa educação em casa, apressavam-se em defender a si próprios, quando atacados pelos seus camaradas; Judá em particular era culpado de violar o espírito desses ensinamentos. A não-resistência, porém, não era uma regra da família. Nenhuma penalidade estava relacionada à violação dos ensinamentos pessoais. Em geral, todas as crianças, e particularmente as meninas, consultavam Jesus sobre os problemas da sua infância e confiavam nele exatamente como teriam feito com um pai afeiçoado. Tiago crescia como um jovem bem equilibrado e de bom temperamento mesmo, mas ele não era inclinado, como Jesus, para a espiritualidade. Ele era um estudante melhor do que José, que, ainda que sendo um trabalhador fiel, tinha uma mente ainda menos espiritualizada. José era laborioso e não tinha aptidões intelectuais, no mesmo nível das outras crianças. Simão era um menino bem intencionado, mas muito sonhador. Ele foi lento para se estabelecer na vida e era a causa de uma ansiedade considerável para Jesus e Maria. Mas Pág. 1402 foi sempre um menino bom e bem intencionado. Judá era um pavio de fogo. Possuía o mais alto dos ideais, mas tinha um temperamento pouco estável. Apresentava toda a determinação e o dinamismo da


sua mãe, e mais ainda, mas faltava-lhe o senso da proporção e a discrição dela. Míriam era uma filha bem equilibrada e de cabeça sensata, com uma apreciação aguçada das coisas nobres e espirituais. Marta era lenta de pensamento e ação, mas uma criança muito confiável e eficiente. O bebê Rute era o raio de sol da casa; embora impensada para falar, era muito sincera de coração. Ela simplesmente adorava o seu irmão maior e pai. Mas eles não a estragaram com mimos. Ela era uma criança linda, mas não tão formosa quanto Míriam, que era a beleza da família, se não da cidade. Com o passar do tempo, Jesus fez bastante para liberalizar e modificar a educação e as práticas da família, no que dizia respeito à observação do sábado e em muitos outros aspectos da religião e, para todas essas mudanças, Maria deu um consentimento sincero. Jesus tinha-se transformado, nessa época, no chefe inquestionável da casa. Nesse ano, Judá começou a ir à escola e foi necessário que Jesus vendesse a sua harpa, com o intuito de fazer frente a essas despesas. E assim desapareceu o último dos seus prazeres de recreação. Ele gostava muito de tocar harpa quando estava com a mente cansada e o corpo exaurido, mas consolou-se com o pensamento de que ao menos a harpa estaria a salvo de ser apreendida pelo coletor de impostos. 5. REBECA, A FILHA DE ESDRAS Embora Jesus fosse pobre, o seu nível social em Nazaré não era de forma nenhuma prejudicado. Ele era um dos jovens mais destacados da cidade e era altamente considerado pela maioria das moças. Posto que Jesus era um espécime tão esplêndido de robustez física e de desenvolvimento intelectual masculino, e, considerando a sua


reputação de líder espiritual, não era de se estranhar que Rebeca, a filha mais velha de Esdras, o abastado mercador e comerciante de Nazaré, descobrisse que, aos poucos, estava apaixonando-se por esse filho de José. Inicialmente ela confessou o seu afeto a Míriam, irmã de Jesus, e Míriam por sua vez falou sobre isso com a sua mãe. Maria ficou bastante transtornada. Estaria a ponto de perder o seu filho, logo agora que se tornara o chefe indispensável da família? Será que os problemas nunca acabariam? O que mais poderia acontecer? E, então, ela parou para pensar sobre o efeito que o casamento teria na carreira futura de Jesus; lembrava-se, não freqüentemente, mas algumas vezes pelo menos, do fato de Jesus ser um “filho prometido”. Depois que ela e Míriam haviam conversado sobre essa questão, decidiram fazer um esforço para acabar com aquilo, antes que Jesus soubesse e foram diretamente a Rebeca, colocando toda a história diante dela, dizendo honestamente sobre a crença que tinham de que Jesus era um filho do destino; de que ele deveria tornar-se um grande líder religioso, talvez o Messias. Rebeca escutou bastante atenta; e ficara fascinada com o que lhe diziam e, mais do que nunca, determinada a tentar a sorte com esse homem da sua escolha e compartilhar com ele a sua carreira de liderança. Ela argumentou (para si própria) que um homem, por ser assim, necessitaria, ainda mais, de uma esposa fiel e eficiente. Ela interpretou os esforços que Maria fizera para dissuadi-la como uma reação natural pelo medo de perder o único apoio e o chefe da família; mas, sabendo que o seu pai aprovava a sua atração pelo filho do carpinteiro, ela reconheceu que era justo que ele tivesse a satisfação de poder suprir a família com uma renda suficiente para compensar plenamente a perda dos ganhos de Jesus. Quando o seu pai concordou com esse plano, Rebeca teve outras conversas com Maria e Míriam e, quando viu que não


Pág. 1403 conseguiria o apoio delas, ela tomou coragem para ir diretamente a Jesus. E o fez, com a cooperação do seu pai, que convidou Jesus à sua casa para a comemoração do décimo sétimo aniversário de Rebeca. Jesus ouviu atenta e compassivamente a exposição daquelas coisas, feita primeiro pelo pai, e depois pela própria Rebeca. Ele respondeu gentilmente que, com efeito, nenhuma soma de dinheiro poderia tomar o lugar da sua obrigação de criar pessoalmente a família do seu pai, de “cumprir o mais sagrado de todos os encargos humanos – a lealdade à sua própria carne e sangue”. O pai de Rebeca ficou profundamente tocado pela devoção de Jesus à família e retirou-se da conversa. A única observação que fez a Maria, a sua esposa, foi: “Não podemos tê-lo como filho; ele é nobre demais para nós”. E então começou aquela conversa extraordinária com Rebeca. Até então, na sua vida, Jesus fizera pouca distinção na sua relação com os meninos e as meninas, com os jovens e as moças. Tinha estado muito ocupado com a premência das questões terrenas e práticas, e a sua mente estivera intrigada demais com a contemplação da sua carreira eventual “de cuidar dos assuntos do seu Pai”, para que ele pudesse chegar a considerar com seriedade a consumação de um amor pessoal, em um casamento humano. Agora, no entanto, ele estava frente a frente com mais um desses problemas com os quais todos os seres humanos comuns têm de confrontar-se e optar. De fato foi ele “testado, sob todos os aspectos, como vós o sois”. Depois de escutar com atenção, ele agradeceu sinceramente a Rebeca, pela admiração que exprimira, acrescentando, “isso irá alegrar-me e confortar-me por todos os dias da minha vida”. E explicou que não era livre para, com qualquer mulher, ingressar em relações, a não ser aquelas de uma consideração de irmandade


simples e de pura amizade. Deixou claro que o seu primeiro e mais importante dever era criar a família do seu pai, que ele não poderia considerar o casamento até que o seu dever estivesse cumprido; e, então, acrescentou: “Se sou um filho predestinado, não devo assumir obrigações que durem toda uma vida; até o momento em que o meu destino se torne manifestado”. Rebeca ficou com o coração partido. Não aceitou ser consolada e insistiu com o seu pai para que se mudassem de Nazaré, até que finalmente ele consentiu em mudar-se para Séforis. Nos anos que se seguiram, aos muitos homens que queriam a sua mão em casamento, Rebeca não tinha senão uma resposta. Vivia para um só propósito: o de aguardar a hora em que aquele, que para ela era o maior homem que jamais vivera, começasse a sua carreira como um mestre da verdade viva. E ela seguiu-o com devoção durante os seus anos memoráveis de trabalho público, estando presente (sem que Jesus a percebesse) naquele dia em que ele chegou triunfalmente em Jerusalém; e ela permaneceu “entre as outras mulheres”, ao lado de Maria, naquela tarde fatídica e trágica em que o Filho do Homem estava na cruz, pois, para ela, bem como para mundos incontáveis no alto, ele era “o único digno do amor total e o maior entre dez mil”. 6. O SEU VIGÉSIMO ANO (14 d.C.) A história do amor de Rebeca por Jesus foi sussurrada em toda Nazaré e, mais tarde, em Cafarnaum, de um modo tal que, se bem que nos anos que viriam muitas mulheres tivessem amado a Jesus, como os homens o amaram, ele não teria novamente que rejeitar a oferta pessoal da devoção de outra mulher de bem. Dessa época em diante o afeto humano por Jesus pertencia mais à natureza da adoração e da consideração cultuadora. Tanto os homens quanto as mulheres o amavam com devoção e pelo que ele era, não com qualquer intenção de satisfação própria nem com desejo de posse


por afeto. Mas, durante muitos anos, sempre que a história da personalidade humana de Jesus era contada, a devoção de Rebeca seria relatada. Pág. 1404 Míriam, sabendo plenamente sobre o caso de Rebeca e sabendo como o seu irmão tinha renunciado, mesmo, ao amor de uma bela moça (não compreendendo o fator da sua carreira futura de destino), veio a idealizar Jesus e a amá-lo com a afeição tocante e profunda que se dedica a um pai bem como a um irmão. Ainda que não tivesse condições para tal, Jesus teve um estranho desejo de ir a Jerusalém para a Páscoa. A sua mãe, sabendo da sua recente experiência com Rebeca, sabiamente o encorajou a fazer tal viagem. Ele não estava consciente disso, mas o que mais queria era uma oportunidade de conversar com Lázaro e de estar com Marta e Maria. Depois da sua própria família, era a esses três que ele mais amava. Ao fazer essa viagem a Jerusalém, ele foi pelo caminho de Meguido, Antipátris e Lida, em parte seguindo pela mesma rota pela qual tinha passado quando, do seu retorno do Egito, havia sido trazido de volta a Nazaré. Gastou quatro dias para ir à Páscoa e refletiu bastante sobre os acontecimentos passados, que tinham tido lugar em Meguido e nos seus arredores, campo de batalha internacional da Palestina. Jesus passou por Jerusalém, parando apenas para olhar o templo e as multidões de visitantes. Teve uma aversão estranha e crescente por esse templo construído por Herodes, com o seu sacerdócio designado politicamente. Ele queria mais que tudo ver Lázaro, Marta e Maria. Lázaro tinha a mesma idade de Jesus e agora era o chefe da casa; na época dessa visita, a mãe de Lázaro havia morrido


também. Marta era um ano e pouco mais velha que Jesus, enquanto Maria era dois anos mais nova. E Jesus era o ideal, idolatrado por todos os três. Nessa visita ocorreu uma dessas manifestações periódicas de rebelião contra a tradição – a expressão do ressentimento por aquelas práticas cerimoniais que Jesus considerava representarem mal o seu Pai do céu. Não sabendo que Jesus estava vindo, Lázaro tinha arranjado para celebrar a Páscoa com amigos, em uma aldeia vizinha, na estrada de Jericó. Jesus então propôs que celebrassem a festa onde eles estavam, na casa de Lázaro. “Mas”, disse Lázaro, “não temos um cordeiro pascal”. E então Jesus começou uma dissertação prolongada e convincente, para mostrar que o Pai no céu não estava verdadeiramente interessado nesses rituais infantis e sem sentido. Depois de uma prece solene e fervorosa, eles levantaram-se e Jesus disse: “Deixai que as mentes pueris e obscuras do meu povo sirvam ao seu Deus como Moisés mandava; é melhor que o façam, mas nós, que vimos a luz da vida, cessemos de aproximar-nos do nosso Pai pelo caminho escuro da morte. Sejamos livres, no conhecimento da verdade do amor eterno do nosso Pai eterno”. Naquele anoitecer, à hora do crepúsculo, esses quatro assentaramse e partilharam a primeira festa da Páscoa jamais celebrada por devotos judeus sem o cordeiro pascal. O pão sem levedo e o vinho tinham sido preparados para essa Páscoa e, esses símbolos aos quais Jesus chamou de “o pão da vida” e “a água da vida”, ele os serviu aos seus companheiros e eles comeram, adequando-se solenemente aos ensinamentos que acabavam de ser ministrados. Jesus passou então a ter o hábito de fazer esse ritual de sacramento quando, depois disso, ele fazia visitas a Betânia. Quando voltou para casa, ele contou tudo isso à sua mãe. Ela ficou chocada, inicialmente, mas gradualmente conseguiu compartilhar daquele ponto de vista;


entretanto, ficou muito aliviada quando Jesus assegurou-lhe que não tinha a intenção de introduzir essa nova idéia da Páscoa na própria família. Em casa, com as crianças, ele continuou, ano após ano, a comer durante a Páscoa “segundo a lei de Moisés”. Foi durante esse ano que Maria teve uma longa conversa com Jesus sobre o casamento. Ela perguntou-lhe francamente se ele se casaria, caso ficasse livre das suas Pág. 1405 responsabilidades com a família. Jesus explicou a ela que, desde que o dever imediato proibia o seu casamento, ele não tinha pensado muito nisso. Ele expressara-se como se duvidasse de que jamais fosse chegar ao estado de ter de casar-se; e disse que essas coisas deviam esperar “a minha hora”, o momento em que “o trabalho do meu Pai deve começar”. Tendo já estabelecido na sua mente que não seria pai de crianças na carne, ele tinha pensado pouquíssimo sobre essa questão do casamento humano. Nesse ano, ele retomou a tarefa de fundir mais ainda as suas naturezas mortal e divina, em uma individualidade humana única e efetiva. E continuou a crescer em estatura moral e em compreensão espiritual. Se bem que todas as propriedades de Nazaré (exceto a casa deles) tivessem sido já liquidadas, nesse ano eles receberem uma pequena ajuda financeira, da venda de uma pequena participação em uma propriedade em Cafarnaum. Essa era a última de todas as propriedades imobiliárias de José. Esse negócio imobiliário em Cafarnaum foi feito com um construtor de barcos de nome Zebedeu.


José graduou-se na escola da sinagoga, nesse ano, e preparou-se para começar a trabalhar na pequena bancada na oficina de carpinteiro da casa. Apesar de as propriedades do pai deles haverem acabado, surgia a perspectiva de poderem lutar com êxito contra a pobreza, já que três deles agora trabalhavam regularmente. Jesus rapidamente estava tornando-se um homem feito, não apenas um jovem homem, mas um adulto. Aprendeu a suportar a responsabilidade; e sabia já como perseverar na presença de decepções. Ele comportava-se bravamente, quando os seus planos eram contrariados e os seus propósitos temporariamente derrotados. Aprendeu como ser equânime e justo, mesmo, diante da injustiça. Ele estava aprendendo como ajustar os seus ideais de vida espiritual às demandas práticas da existência terrena. Estava aprendendo como planejar a realização de uma meta mais elevada e distante, de idealismo, enquanto labutava honestamente para a realização de um fim de alcance mais imediato, por necessidade. Estava adquirindo com desenvoltura a arte de ajustar as suas aspirações às demandas banais da condição humana. Já praticamente conquistara a mestria da técnica de utilizar a energia do impulso espiritual para fazer girar o mecanismo da realização material. Estava lentamente aprendendo como viver a vida celeste, enquanto continuava a sua existência terrena. Mais e mais ele acolhe o direcionamento último do seu Pai celeste, enquanto assume o papel paterno de guiar e direcionar as crianças da sua família terrena. Tornava-se experiente em arrancar a vitória do âmago da própria mandíbula da derrota; estava aprendendo como transformar as dificuldades do tempo, nos triunfos da eternidade. E assim, com o passar dos anos, este jovem homem de Nazaré continuava experienciando a vida como é vivida na carne mortal, nos mundos do tempo e do espaço. Ele viveu uma vida plena,


representativa e repleta em Urântia. E deixou esse mundo já amadurecido e tendo a experiência, pela qual as suas criaturas passam durante os curtos mas árduos anos da primeira vida delas, a vida na carne. E toda essa experiência humana é uma posse eterna do Soberano do Universo. Ele é o nosso irmão compreensivo, o amigo compassivo, o soberano experiente e o pai misericordioso. Quando criança, ele acumulara um vasto corpo de conhecimentos; enquanto jovem ele ordenou, classificou e correlacionou essas informações; e agora, como homem deste reino, ele começa a organizar essas posições mentais, preparatórias que eram, para utilizá-las nos seus ensinamentos posteriores, na ministração e no serviço em prol dos seus irmãos mortais deste mundo e de todas as outras esferas habitadas do universo inteiro de Nebadon. Nascido no mundo como um menino do reino, ele viveu a sua infância e passou pelos estágios sucessivos da adolescência e da juventude; e agora ele está no umbral da plena idade madura, enriquecido com a experiência de uma vida de homem, repleta Pág. 1406 do entendimento da natureza humana, e plena de compaixão pelas fragilidades dessa natureza. Ele está transformando-se em um especialista na arte divina de revelar o seu Pai do Paraíso, para todas as idades e estágios de criaturas mortais. E agora, como um homem plenamente desenvolvido – um adulto deste reino –, ele prepara-se para continuar a sua missão suprema de revelar Deus aos homens e de conduzir os homens a Deus. Pág. 1419 DOCUMENTO 129


A VIDA ADULTA DE JESUS Jesus havia-se separado plena e finalmente da administração dos assuntos domésticos da família de Nazaré e da participação imediata na orientação a cada um dos seus membros. Ele continuou até o evento do seu batismo a contribuir com as finanças da família e manteve um grande interesse pessoal nos assuntos espirituais de cada um dos seus irmãos e irmãs. Estava sempre pronto para fazer tudo o que lhe fosse humanamente possível para o conforto e a felicidade da sua mãe enviuvada. O Filho do Homem tinha agora feito toda a preparação para separar-se permanentemente do lar de Nazaré; e isso não tinha sido fácil para ele. Jesus amava naturalmente a sua gente; amava a sua família, e o seu afeto natural tinha sido tremendamente aumentado pela sua extraordinária devoção a eles. Quanto mais profundamente nos entregamos aos nossos semelhantes, tanto mais chegamos a amá-los; e, posto que Jesus se tinha dado tão plenamente à sua família, ele amava-os com uma afeição grande e calorosa. Toda a família tinha despertado gradualmente para a compreensão de que Jesus estava preparando-se para deixá-los. A tristeza da separação que se avizinhava, era atenuada apenas pela maneira gradativa de prepará-los para o anúncio da sua intenção de partir. Havia mais de quatro anos que eles percebiam que ele vinha planejando essa separação final. 1. O VIGÉSIMO SÉTIMO ANO (21 d.C.) Em janeiro do ano 21, em uma manhã chuvosa de domingo, Jesus despediu-se sem maiores cerimônias da sua família, explicando apenas que estava indo para Tiberíades e depois para uma visita a


outras cidades próximas do Mar da Galiléia. E assim ele os deixou, para nunca mais ser um membro regular daquele lar. Ele passou uma semana em Tiberíades, a nova cidade que iria em breve suceder a Séforis como capital da Galiléia; e, pouco encontrando que o interessasse, continuou sucessivamente passando por Magdala e Betsaida até Cafarnaum, onde parou para fazer uma visita a Zebedeu, o amigo do seu pai. Os filhos de Zebedeu eram pescadores; ele próprio era um construtor de barcos. Jesus de Nazaré era um especialista tanto em projetar como em construir; era um mestre em trabalhar com madeira; e Zebedeu há muito tempo sabia da habilidade do artesão de Nazaré. Zebedeu acalentava, havia muito tempo já, a idéia de construir melhores barcos; e agora ele colocou os seus planos diante de Jesus, convidando o carpinteiro visitante para juntar-se a ele na empresa; e Jesus consentiu prontamente. Jesus trabalhou com Zebedeu apenas durante pouco mais do que um ano, mas durante esse tempo ele criou um estilo novo de barcos e estabeleceu métodos inteiramente novos para a fabricação dos mesmos. Por meio de uma técnica superior e métodos bastante desenvolvidos de trabalhar as pranchas com o vapor, Pág. 1420 Jesus e Zebedeu começaram a construir barcos de um tipo bastante superior, pois ofereciam muito mais segurança para navegar no lago do que os tipos mais antigos. Por vários anos Zebedeu teve mais trabalho, produzindo esses barcos com um novo estilo, do que o seu pequeno estabelecimento podia produzir; em menos de cinco anos praticamente todos os barcos no lago tinham sido construídos na oficina de Zebedeu em Cafarnaum. Jesus tornou-se bem conhecido dos pescadores da Galiléia como o projetista dos novos barcos.


Zebedeu estava moderadamente bem de vida; as suas oficinas de construção de barcos ficavam no lago, ao sul de Cafarnaum, e a sua casa estava situada na margem do lago perto do centro de pescaria de Betsaida. Jesus viveu na casa de Zebedeu durante a sua permanência de mais de um ano em Cafarnaum. Ele já havia trabalhado por bastante tempo sozinho no mundo, isto é, sem um pai, e desfrutou muito desse período de trabalho com um pai-sócio. A mulher de Zebedeu, Salomé, era parente de Anás, que tinha sido o sumo sacerdote de Jerusalém e que ainda exercia muita influência sobre o grupo saduceu, tendo sido deposto há apenas oito anos. Salomé tornou-se uma grande admiradora de Jesus. Ela amava-o como amava os seus próprios filhos, Tiago, João e Davi, enquanto as suas quatro filhas consideravam Jesus como um irmão mais velho. Jesus saía sempre para pescar com Tiago, João e Davi, e eles concluíram logo que Jesus era um pescador experimentado tanto quanto era um perito construtor de barcos. Por todo esse ano Jesus enviou dinheiro, todos os meses, para Tiago. Jesus voltou a Nazaré em outubro para comparecer ao casamento de Marta; e não voltou a Nazaré por mais de dois anos, até que o fez um pouco antes do casamento duplo de Simão e Judá. Durante esse ano Jesus construiu barcos e continuou a observar como os homens viviam na Terra. Freqüentemente ia até a estação da caravana, pois Cafarnaum ficava na rota direta de Damasco para o sul. Cafarnaum era um forte posto militar romano, e o oficial comandante da guarnição era um crente gentil de Yavé, “um homem devoto”, como os judeus tinham o hábito de designar tais prosélitos. Esse oficial pertencia a uma rica família romana, e tomou para si a tarefa de construir uma bela sinagoga em Cafarnaum, a qual fora presenteada aos judeus um pouco antes de Jesus ter vindo viver com Zebedeu. Durante esse período, Jesus conduziu os serviços nessa nova sinagoga por mais de meio ano, e algumas das pessoas


das caravanas, que tiveram a oportunidade de vê-lo, lembravam-se dele como o carpinteiro de Nazaré. Quando veio o pagamento de impostos, Jesus registrou-se como um “artesão habilitado de Cafarnaum”. Desse dia em diante até o fim da sua vida terrena ele ficou conhecido como residente em Cafarnaum. E nunca alegou nenhuma outra residência legal, embora por várias razões, ele tenha permitido a outros designar a sua residência como sendo Damasco, Betânia, Nazaré e mesmo Alexandria. Na sinagoga de Cafarnaum ele encontrou muitos novos livros nas estantes da biblioteca, e passava pelo menos cinco tardes por semana em estudos intensos. Uma noite ele devotava à vida social com os mais velhos, e uma noite ele passava com a gente jovem. Havia alguma coisa de muito graciosa e inspiradora na personalidade de Jesus, que invariavelmente atraía a gente jovem. Pois sempre os fez sentirem-se à vontade na sua presença. Talvez o seu grande segredo em dar-se bem com eles consistisse nos dois fatos seguintes: que estivesse sempre interessado no que faziam, e que raramente lhes oferecia conselho, a menos que o pedissem. A família de Zebedeu adorava quase a Jesus, e nunca deixou de estar presente às conversas, com perguntas e respostas, que ele conduzia todas as noites após Pág. 1421 o jantar, antes de ir até a sinagoga para estudar. Os vizinhos mais jovens também vinham freqüentemente para essas reuniões depois do jantar. Nessas pequenas reuniões Jesus dava instruções variadas e avançadas, tão avançadas quanto pudessem compreender. Falava bastante livremente com eles, expressando as suas idéias e ideais sobre política, sociologia, ciência e filosofia, mas nunca


pretendia falar com autoridade final, exceto se se tratasse de religião – a relação do homem com Deus. Uma vez por semana Jesus fazia uma reunião com todo o pessoal da casa, da loja e dos canteiros de trabalho, pois Zebedeu tinha muitos empregados. E entre esses trabalhadores é que Jesus, pela primeira vez, foi chamado “o Mestre”. Todos eles amavam-no. E Jesus gostava dos seus trabalhos com Zebedeu em Cafarnaum, mas sentia saudade das crianças brincando ao lado da oficina de carpinteiro de Nazaré. Dos filhos de Zebedeu, Tiago era o mais interessado em Jesus como professor e como filósofo. João gostava mais dos seus ensinamentos religiosos e das suas opiniões. Davi respeitava-o como um artesão, mas dava pouca importância aos seus ensinamentos filosóficos e à sua visão religiosa. Freqüentemente Judá vinha no sábado para ouvir Jesus falar na sinagoga e ficava para conversar com ele. E quanto mais Judá via o seu irmão mais velho, mais convencido ficava de que Jesus era verdadeiramente um grande homem. Nesse ano Jesus fez grandes progressos quanto à mestria ascendente da sua mente humana e alcançou níveis novos e altos de contato consciente com o seu Ajustador do Pensamento residente. Esse foi o último ano estável da sua vida. Nunca mais Jesus passou um ano inteiro em um mesmo lugar ou em um mesmo empreendimento. Os dias das suas peregrinações terrenas estavam aproximando-se rapidamente. Os períodos de atividade intensa não estavam muito longe no futuro, mas, entre a sua vida simples mas intensamente ativa do passado e o seu ministério público ainda mais extenuante, restavam agora uns poucos anos de longas viagens e de atividades pessoais altamente diversificadas. O seu aprendizado,


como um homem do reino, tinha de ser completado antes que ele pudesse entrar na sua carreira de ensinamentos e de pregação como o Deus-homem perfeito das suas fases divinas e pós-humanas, na sua auto-outorga em Urântia. 2. O VIGÉSIMO OITAVO ANO (22 d.C.) Em março do ano 22 d.C., Jesus despediu-se de Zebedeu e de Cafarnaum. Pediu uma pequena soma de dinheiro para cobrir as suas despesas a fim de ir a Jerusalém. Enquanto trabalhava com Zebedeu tinha retirado apenas pequenas somas de dinheiro, que a cada mês ele enviava à família em Nazaré. Um mês José viria a Cafarnaum buscar o dinheiro; no mês seguinte Judá viria a Cafarnaum, pegar o dinheiro com Jesus e levar para Nazaré. O ponto de pescaria de Judá distava apenas uns poucos quilômetros de Cafarnaum, ao sul. Quando deixou a família de Zebedeu, Jesus concordou em permanecer em Jerusalém até a época da Páscoa, e eles todos prometeram estar presentes para aquele acontecimento. Até mesmo arranjaram para celebrar juntos a ceia de Páscoa. E todos se entristeceram quando Jesus os deixou, especialmente as filhas de Zebedeu. Antes de deixar Cafarnaum, Jesus teve uma longa conversa com o seu recente amigo e companheiro muito ligado, João Zebedeu. Disse a João que esperava viajar muito, até que “a minha hora chegue”, e pediu-lhe para ocupar o seu lugar na questão de enviar algum dinheiro para a família de Nazaré todo mês, Pág. 1422 até que acabassem os fundos que lhe eram devidos. E João fez a ele esta promessa: “Meu Mestre, vai cuidar dos teus assuntos, faze o


teu trabalho no mundo; eu tomarei o teu lugar nessa ou em qualquer outra questão, e velarei pela tua família do mesmo modo como cuidaria da minha própria mãe e das minhas irmãs e meus irmãos. Usarei as tuas economias, que o meu pai mantém, exatamente como tu instruíste e do modo que se fizerem necessárias e, quando o teu dinheiro tiver sido gasto, se não receber mais de ti, e se a tua mãe estiver necessitada, então partilharei das minhas próprias economias com ela. Siga o teu caminho em paz. Estarei no teu lugar para todas essas questões”. Assim sendo, depois que Jesus havia partido para Jerusalém, João consultou o seu pai, Zebedeu, a respeito do dinheiro devido a Jesus, e ficou surpreso, pois era uma soma bastante grande. Como Jesus tinha deixado a questão inteiramente nas mãos deles, eles concordaram que o melhor plano seria investir esse fundo em propriedades e usar a renda para a assistência à família em Nazaré; e como Zebedeu sabia de uma pequena casa em Cafarnaum que estava hipotecada e à venda, ele mandou que comprasse essa casa com o dinheiro de Jesus e que guardasse para o seu amigo o título de propriedade. E João fez como o seu pai lhe aconselhara. Por dois anos o aluguel dessa casa foi aplicado na hipoteca e, isso, aumentado por uma certa soma grande que Jesus logo enviou a João, para ser usada pela família conforme necessário, quase igualava o total dessa obrigação; e Zebedeu arcou com a diferença, de modo que João pagou o restante da hipoteca no tempo devido, assegurando com isso um título livre a essa casa de dois cômodos. Desse modo Jesus tornou-se o proprietário de uma casa em Cafarnaum, mas isso não lhe tinha sido dito. Quando a família em Nazaré soube que Jesus tinha partido de Cafarnaum, e não sabendo desse arranjo financeiro com João, eles acreditaram que chegara a hora deles passarem sem qualquer ajuda de Jesus. Tiago lembrou-se do seu contrato com Jesus e, com a


ajuda dos seus irmãos, assumiu daí em diante a responsabilidade total pela família. Voltemo-nos, contudo, para observar Jesus em Jerusalém. Por quase dois meses ele passou a maior parte do seu tempo ouvindo as discussões no templo, com visitas ocasionais às várias escolas dos rabinos. A maior parte dos dias de sábado ele passava na Betânia. Jesus tinha levado consigo, para Jerusalém, uma carta de Salomé, a esposa de Zebedeu, apresentando-o ao antigo alto sacerdote, Anás, como “um que é como o meu próprio filho”. Anás passou muito tempo com ele, pessoalmente levando-o para visitar as muitas academias dos mestres religiosos de Jerusalém. Enquanto inspecionava a fundo essas escolas e cuidadosamente observava os seus métodos de ensino, Jesus nunca fazia uma pergunta sequer em público. Embora Anás considerasse Jesus um grande homem, estava indeciso quanto a que conselho dar-lhe. Ele reconhecia a tolice de sugerir que entrasse para qualquer das escolas de Jerusalém como estudante e, por outro lado, sabia muito bem que a Jesus nunca seria concedido o status de um mestre regular, pois ele não tinha sido educado naquelas escolas. O momento da Páscoa aproximava-se e, junto com as multidões que vinham de todos os locais, Zebedeu e a sua família inteira chegaram em Jerusalém, vindos de Cafarnaum. E todos ficaram na casa espaçosa de Anás, onde celebraram a Páscoa como uma família feliz. Antes do término desse fim de semana de Páscoa, aparentemente por acaso, Jesus conheceu um rico viajante e o seu filho, um rapaz de dezessete anos. Esses viajantes vinham da Índia e, estando a caminho de visitarem Roma e vários outros pontos no Mediterrâneo, tinham arranjado para chegar em Jerusalém Pág. 1423


durante a Páscoa, esperando encontrar alguém que pudessem ter como intérprete para ambos e como tutor para o filho. O pai estava insistindo para que Jesus consentisse em viajar com eles. Jesus lhe contou sobre a sua família e que não era justo que permanecesse longe deles por quase dois anos, sendo que durante esse tempo eles poderiam achar-se em alguma necessidade. Como esse viajante do Oriente propôs adiantar os salários de um ano a Jesus, de modo que ele pudesse confiar esses fundos aos seus amigos para a salvaguarda da sua família em caso de necessidade, Jesus concordou em fazer a viagem. Jesus remeteu essa grande soma para João, filho de Zebedeu. E vós já sabeis que João aplicou esse dinheiro na liquidação da hipoteca da propriedade de Cafarnaum. Jesus contou sobre toda essa viagem ao Mediterrâneo a Zebedeu, mas fê-lo prometer não dizer a ninguém, nem mesmo à sua carne e sangue, e Zebedeu nunca revelou o que sabia sobre o paradeiro de Jesus, durante esse longo período de quase dois anos. Antes que Jesus voltasse dessa viagem, a família em Nazaré havia presumido então que estivesse morto. Apenas as certezas dadas por Zebedeu, que fora a Nazaré com o seu filho João em várias ocasiões, mantinha viva a esperança dentro do coração de Maria. Durante esse tempo, a família de Nazaré dava-se muito bem; Judá tinha aumentado consideravelmente a sua cota e manteve essa contribuição até o seu casamento. Não obstante a pouca assistência de que eles necessitavam, era costume de João Zebedeu levar presentes todos os meses para Maria e Rute, segundo as instruções de Jesus. 3. O VIGÉSIMO NONO ANO ( 23 d.C.) Todo o vigésimo nono ano de Jesus foi passado completando a viagem pelo Mundo Mediterrâneo. Os eventos principais dessas


experiências, até onde nos foi permitido revelar, constituem matéria para as narrativas que vêm imediatamente em seguida a este documento. Durante essa viagem ao mundo romano, por muitas razões, Jesus ficou conhecido como o Escriba de Damasco. Em Corinto e noutras escalas da viagem de volta ele ficou conhecido, contudo, como o Preceptor judeu. Esse foi um período movimentado na vida de Jesus. Ainda que nessa viagem ele tenha feito muitos contatos com os seus semelhantes humanos, essa foi uma experiência da qual ele nunca revelou nada a nenhum membro da sua família, nem a nenhum dos apóstolos. Jesus viveu a sua vida na carne e partiu deste mundo sem que ninguém (salvo Zebedeu de Betsaida) soubesse que ele tinha feito essa longa viagem. Alguns dos seus amigos pensaram que ele tinha voltado para Damasco; outros pensaram que ele tivesse ido para a Índia. A sua própria família estava inclinada a acreditar que ele estivera em Alexandria, pois eles sabiam que ele tinha sido convidado certa vez a ir até lá para tornar-se um chazam assistente. Quando retornou à Palestina, Jesus nada fez para mudar a opinião da sua família de que ele tinha ido de Jerusalém para Alexandria; e possibilitou-lhes continuarem na crença de que, todo o tempo de sua ausência da Palestina, ele o tinha passado naquela cidade de conhecimento e de cultura. Apenas Zebedeu, o construtor de barcos de Betsaida, conhecia os fatos sobre essas questões, e Zebedeu nada contou a ninguém. Em todos os vossos esforços para decifrar o significado da vida de Jesus em Urântia, deveis ter sempre em mente os motivos da autooutorga de Michael. Se quiserdes compreender o significado de muitos dos seus feitos aparentemente estranhos, deveis discernir o


propósito da estada dele no vosso mundo. Ele tinha a preocupação constante de não erigir Pág. 1424 uma carreira pessoal superatraente e que absorvesse por demais as atenções. E não queria exercer apelos de poderes inusitados sobre os seus semelhantes humanos. Estava doado ao trabalho de revelar o Pai celeste aos seus semelhantes mortais e, ao mesmo tempo, estava consagrado à tarefa sublime de viver a sua vida mortal terrena submetendo-se constantemente à vontade desse mesmo Pai no Paraíso. Será sempre de muita ajuda, para compreender-se a vida de Jesus na Terra, se todos os mortais que estudarem essa auto-outorga divina lembrarem-se de que, enquanto ele viveu essa vida de encarnação em Urântia, ele a viveu para todo o seu universo. Para todas as esferas habitadas, em todo o universo de Nebadon, algo de especial e de inspirador ficou associado à vida que ele viveu na carne de natureza mortal. O mesmo é verdade, também, para todos aqueles mundos que se tornaram habitados posteriormente às épocas movimentadas da sua permanência em Urântia. E, do mesmo modo, isso será igualmente verdade para todos os mundos que possam vir a tornar-se habitados, pelas criaturas de vontade, em toda a história futura deste universo local. O Filho do Homem, durante o tempo e as experiências dessa viagem pelo mundo romano, praticamente completou o seu contato de aperfeiçoamento educacional com os povos diversificados do mundo nos seus dias e na sua geração. À época do seu retorno a Nazaré, por intermédio dessa viagem de aprendizado, ele já conhecia praticamente como o homem vivia e construía a sua existência em Urântia.


O propósito real da sua viagem, pela Bacia do Mediterrâneo, foi conhecer os homens. E ele aproximou-se, muito de perto, de centenas de seres humanos, nessa viagem. Conheceu e amou a todas as espécies de homens, ricos e pobres, poderosos e miseráveis, negros e brancos, educados e não educados, cultos e incultos, embrutecidos e espiritualizados, religiosos e irreligiosos, morais e imorais. Nessa viagem pelo Mediterrâneo, Jesus conseguiu grandes avanços na sua tarefa humana de mestria sobre a sua mente material e mortal, e o seu Ajustador residente fez um grande progresso de ascensão e de conquista espiritual desse intelecto humano. Ao final dessa viagem, Jesus virtualmente sabia – com toda a certeza humana – que era um Filho de Deus, um Filho Criador do Pai Universal. O Ajustador, mais e mais, tornava-se capaz de trazer à mente do Filho do Homem algumas memórias nebulosas da sua experiência no Paraíso, em associação com o seu Pai divino, bem antes mesmo de partir para organizar e administrar este universo local de Nebadon. Assim o Ajustador, pouco a pouco, trouxe à consciência humana de Jesus aquelas memórias necessárias da sua existência anterior divina, nas várias épocas do passado quase eterno. O último episódio da sua experiência pré-humana a ser trazido à luz pelo Ajustador foi a sua conversa de adeus com Emanuel de Salvington, pouco antes de abandonar a sua personalidade consciente para embarcar na encarnação de Urântia. E a imagem dessa memória final da sua existência pré-humana tornou-se clara na consciência de Jesus, no mesmo dia em que foi batizado por João no Jordão. 4. O JESUS HUMANO Para as inteligências celestes do universo local que o observavam, essa viagem pelo Mediterrâneo foi a mais cativante de todas as experiências terrestres de Jesus, pelo menos na sua carreira antes


do evento da sua crucificação e do fim da sua vida mortal. Esse período foi o mais fascinante do seu ministério pessoal, em contraste com a época que viria logo em seguida de ministração pública. Esse período singular ficava ainda mais apaixonante porque, durante essa época, ele era ainda o carpinteiro de Nazaré, o construtor de barcos de Cafarnaum, o Escriba de Damasco; era ainda o Filho do Homem. Ele não tinha ainda alcançado Pág. 1425 a mestria completa sobre a sua mente humana; o Ajustador ainda não tinha gerado totalmente a contraparte da sua identidade mortal. Ele era ainda um homem entre os homens. A experiência religiosa puramente humana – o crescimento pessoal espiritual – do Filho do Homem quase atingiu o apogeu da sua realização durante esse que foi o seu vigésimo nono ano. Essa experiência de desenvolvimento espiritual foi de um crescimento consistentemente gradativo, desde o momento da chegada do seu Ajustador do Pensamento até o dia em que se completou e confirmou-se a relação humana natural e normal entre a mente material do homem e a dotação mental do espírito – o fenômeno de fazer dessas duas mentes uma única; experiência esta que o Filho do Homem atingiu, de modo completo e em finalidade, como um mortal encarnado do reino, no dia do seu batismo no Jordão. Durante esses anos, ainda que pareça que não se tenha empenhado em tantos períodos de comunhão formal com o seu Pai no céu, ele aperfeiçoou de modo crescente os métodos efetivos de comunicação pessoal com a presença espiritual residente do Pai do Paraíso. Ele viveu uma vida real, uma vida plena e uma vida verdadeiramente normal, natural e comum, na carne. Ele conheceu, pela via da experiência pessoal, o equivalente, na realidade, à soma


e à essência total da vida levada pelos seres humanos, nos mundos materiais do tempo e do espaço. O Filho do Homem experimentou aquelas vastas gamas de emoções humanas, que vão desde a alegria magnífica à tristeza profunda. Ele tinha sido uma criança alegre e um ser de um bom humor raro; do mesmo modo foi um “homem de tristezas e ambientado com o sofrimento”. Num sentido espiritual, ele passou pela vida mortal de alto a baixo, do começo ao fim. De um ponto de vista material, poderia parecer ter ele escapado de viver os dois extremos sociais da existência humana, mas intelectualmente ele tornou-se totalmente familiarizado com a experiência, inteira e completa, da humanidade. Jesus conhece os pensamentos e os sentimentos, as premências e os impulsos dos mortais evolucionários e ascendentes dos reinos, do nascimento à morte. Pois viveu a vida humana desde o início da tomada de consciência física, intelectual e espiritual – passando pela infância, a meninice, a juventude e a vida adulta –, inclusive a experiência humana da morte. Não apenas ele passou por esses períodos humanos usuais e familiares de avanço intelectual e espiritual, como experimentou, com plenitude, aquelas fases mais elevadas e mais avançadas de conciliação entre o homem e o Ajustador, que tão poucos mortais urantianos chegam a alcançar. E assim ele experimentou a vida plena do homem mortal, não apenas como é vivida no vosso mundo, mas também como é vivida em todos os outros mundos evolucionários do tempo e do espaço, e mesmo nos mais elevados e mais avançados entre todos os mundos estabelecidos em luz e vida. Embora essa vida perfeita que ele viveu, na semelhança da carne mortal, possa não ter recebido a aprovação universal e irrestrita dos seus semelhantes mortais, aqueles a quem aconteceu serem seus contemporâneos na Terra, ainda assim a vida que Jesus de


Nazaré viveu na carne, em Urântia, recebeu a aceitação plena e irrestrita do Pai Universal, constituindo-se a um tempo, e ao mesmo tempo, em uma mesma vida-personalidade, a plenitude da revelação do Deus eterno para o homem mortal e a apresentação da personalidade humana aperfeiçoada para a satisfação do Criador Infinito. E foi este o seu verdadeiro e supremo propósito. Ele não desceu até Urântia como um exemplo, perfeito nos detalhes, especialmente para qualquer criança ou adulto, homem ou mulher, em uma idade ou em uma outra. A verdade de fato é que, na sua vida plena, rica, bela e nobre, podemos todos encontrar muita coisa que é exemplar de um modo raro e divinamente inspirador, mas isso se dá porque ele viveu uma vida verdadeira e genuinamente humana. Jesus não Pág. 1426 viveu a sua vida na Terra com o fito de estabelecer um exemplo para todos os outros seres humanos copiarem. Ele viveu essa vida na carne por meio da mesma ministração de misericórdia pela qual todos vós podeis viver as vossas vidas na Terra; e viveu ele a sua vida mortal nos seus dias e como ele foi, e assim ele estabeleceu o exemplo para todos nós assim vivermos as nossas vidas, nos nossos dias e tais como nós somos. Vós podeis não aspirar viver a vida dele, mas vós podeis resolver viver as vossas vidas como ele viveu a dele e pelos mesmos meios. Jesus pode não ser o exemplo técnico e detalhado para todos os mortais, de todas as idades, em todos os reinos deste universo local, mas ele é, para sempre, a inspiração e o guia de todos os peregrinos que vão para o Paraíso, vindos dos mundos da ascensão inicial, atravessando um universo de universos, e passando por Havona, indo até o Paraíso. Jesus é o caminho novo e vivo do homem até Deus, do parcial ao perfeito, do terreno ao celeste, do tempo para a eternidade.


Ao fim do vigésimo nono ano, Jesus de Nazaré tinha virtualmente acabado de viver a vida que é esperada que os mortais vivam, enquanto permanecem na carne. Ele veio à Terra trazendo a plenitude de Deus para manifestar-se ao homem; e agora ele transformava-se quase na perfeição de homem, aguardando a ocasião de tornar-se manifesto para Deus. E tudo isso ele fez antes de completar trinta anos de idade. DOCUMENTO 130 A CAMINHO DE ROMA As viagens pelo mundo romano consumiram a maior parte do vigésimo oitavo ano e o vigésimo nono ano inteiro da vida de Jesus na Terra. Jesus e os dois oriundos da Índia – Gonod e seu filho Ganid – deixaram Jerusalém em um domingo, dia 26 de abril do ano 22 d.C., pela manhã. Fizeram a sua jornada de acordo com o programado e Jesus despediu-se do pai e do filho na cidade de Charax, no Golfo Pérsico, no décimo dia de dezembro do ano seguinte, 23 d.C. De Jerusalém eles foram para Cesaréia, pelo caminho de Jopa. Em Cesaréia pegaram um barco para Alexandria. De Alexandria navegaram até Lasea em Creta. De Creta navegaram para Cartago, com escala em Cirene. Em Cartago tomaram um barco até Nápoles, parando em Malta, Siracusa e Messina. De Nápoles eles foram a Cápua, de onde viajaram pela Via Ápia até Roma. Após a estada em Roma eles foram por terra até Tarento, de onde içaram velas para Atenas, na Grécia, parando em Nicópolis e Corinto. De Atenas foram para Éfeso, via Troas. De Éfeso velejaram para Chipre, parando em Rodes no caminho. Em Chipre permaneceram um tempo considerável visitando lugares e descansando e então velejaram até Antióquia, na Síria. De Antióquia


seguiram para o sul até Sidom e dali para Damasco. De lá viajaram em caravana para a Mesopotâmia, passando por Tapsacos e Larissa. Passaram algum tempo na Babilônia, visitaram Ur e outros lugares e então foram para Susa. De Susa continuaram até Charax, de onde Gonod e Ganid embarcaram para a Índia. Foi durante o período de trabalho de quatro meses em Damasco, que Jesus aprendeu os rudimentos da língua falada por Gonod e Ganid. Enquanto esteve lá ele trabalhou durante grande parte do seu tempo em traduções do grego para um dos idiomas da Índia, tendo sido assistido por um homem oriundo do distrito natal de Gonod. Nessa viagem pelo Mediterrâneo, Jesus passava cerca de meio dia ensinando a Ganid e como intérprete de Gonod, durante as suas reuniões de negócios e nos contatos sociais. O restante de cada dia, que lhe sobrava, Jesus dedicava para fazer contatos pessoais com os seus semelhantes, em ligação estreita com os mortais deste reino, coisa que tão bem caracterizou as suas atividades durante esses anos que precederam o seu ministério público. Jesus, por observação direta de primeira mão e contato próximo, ambientou-se com a mais elevada civilização do Ocidente e do Levante, material e intelectualmente; de Gonod e do seu brilhante filho, ele aprendeu muito sobre a civilização e a cultura da Índia e da China, pois Gonod, cidadão da Índia, tinha feito três longas viagens ao império da raça amarela. Ganid, o jovem, aprendeu muito de Jesus durante essa longa e estreita ligação. Eles desenvolveram um grande afeto mútuo e o pai do garoto, Pág. 1428


muitas vezes, tentou persuadir Jesus a ir com eles para a Índia, mas Jesus sempre recusou, alegando que era necessário retornar para a sua família na Palestina. 1. EM JOPA – O DISCURSO SOBRE JONAS Durante a sua estada em Jopa, Jesus conheceu Gádia, intérprete filisteu que trabalhava para Simão, curtidor de couro. Os agentes de Gonod na Mesopotâmia tinham feito muitas transações com esse Simão; por isso Gonod e o seu filho queriam visitá-lo no seu caminho para Cesaréia. Durante essa visita a Jopa, Jesus e Gádia tornaramse bons amigos. Esse jovem filisteu era um buscador da verdade. Jesus era um provedor da verdade; ele foi a verdade para aquela geração em Urântia. Quando um grande buscador da verdade e um grande provedor da verdade encontram-se, o resultado é um esclarecimento grande e liberador que surge da experiência da nova verdade. Certo dia, após a refeição da noite, Jesus e o jovem filisteu passeavam pela orla do mar, e Gádia, não sabendo que este “Escriba de Damasco” era tão versado nas tradições dos hebreus, apontou para Jesus o ancoradouro do qual, supostamente, Jonas tinha embarcado na sua desafortunada viagem a Tarses. E quando concluiu as suas observações, fez a Jesus esta pergunta: “Mas tu crês que o grande peixe de fato engoliu Jonas?” Jesus percebeu que a vida desse jovem homem tinha sido tremendamente influenciada por essa tradição e que a contemplação desse episódio inculcara nele a idéia disparatada de fugir ao dever; Jesus então não disse nada que fosse destruir subitamente o fundamento da motivação atual de Gádia para a vida prática. Jesus disse, em resposta a essa questão: “Meu amigo, todos nós somos Jonas, com vidas para viver de acordo com a vontade de Deus e, sempre que tentamos fugir do dever que se nos apresenta, escapando em direção a tentações alheias colocamo-nos sob o controle imediato


de influências que não são dirigidas pelos poderes da verdade, nem pelas forças da retidão. A fuga do dever é o sacrifício da verdade. Escapar do serviço à luz e à vida, só pode resultar nesses conflitos exaustivos, com as difíceis baleias do egoísmo, que levam finalmente à obscuridade e à morte, a menos que esses Jonas, que abandonaram a Deus, voltem os seus corações, mesmo que estejam nas profundezas do desespero, à procura de Deus e da sua bondade. E quando essas almas, tão desencorajadas, procuram sinceramente a Deus – em fome de verdade e sede de retidão –, nada há que as mantenha presas em cativeiro. Seja qual for a profundidade na qual se tenham mergulhado, quando procuram a luz, de todo coração, o espírito do Senhor Deus dos céus vai libertá-las do seu cativeiro; as circunstâncias malignas da vida as arrojarão na terra firme, plena de oportunidades frescas, de serviço renovado e de vida mais sábia”. Gádia comoveu-se muito com o ensinamento de Jesus e eles conversaram longamente, noite adentro, junto à orla do mar e, antes que fossem para os seus alojamentos, eles oraram juntos e um pelo outro. Esse era o mesmo Gádia que escutou a pregação posterior de Pedro, convertendo-se em um profundo crente de Jesus de Nazaré, e que manteve um debate memorável com Pedro, certa noite na casa de Dorcas. E Gádia muito teve a ver com a decisão final de Simão, o abastado mercador de couros, de abraçar o cristianismo. (Nesta narrativa do trabalho pessoal de Jesus com os seus semelhantes mortais, na sua viagem pelo Mediterrâneo, nós iremos, de acordo com a permissão recebida, traduzir livremente as suas palavras no estilo moderno usado em Urântia na época desta apresentação.) Pág. 1429


O último encontro de Jesus e Gádia teve a ver com a discussão sobre o bem e o mal. Esse jovem filisteu estava bastante conturbado por um sentimento de injustiça, que lhe era produzido pela presença do mal junto com o bem, no mundo. Ele dizia: “Como pode Deus, se é infinitamente bom, permitir que soframos as penas do mal; afinal, quem cria o mal?” Naquele tempo, muitos ainda acreditavam que Deus cria tanto o bem como o mal, mas Jesus nunca ensinou tal erro. Para responder a essa questão, Jesus disse: “Meu irmão, Deus é amor e, portanto, Ele deve ser bom e a Sua bondade é tão grande e real que não pode conter as coisas pequenas e irreais do mal. Deus é tão positivamente bom que não há absolutamente nenhum lugar Nele para o mal negativo. O mal é a escolha imatura e o passo impensado daqueles que são resistentes à bondade, que rejeitam a beleza e que são desleais com a verdade. O mal é apenas a desadaptação da imaturidade ou a influência dissociativa e de distorção que a ignorância tem. O mal é a escuridão inevitável que persegue os passos da pouca sabedoria, que rejeita a luz. O mal é aquilo que é escuro e inverdadeiro e, quando conscientemente abraçado e adotado, voluntariamente, transformase em pecado.” “O teu Pai no céu, ao dotar-te com o poder de escolha entre a verdade e o erro, criou o potencial negativo do caminho positivo da luz e da vida; mas tais erros do mal são realmente inexistentes, até o momento em que uma criatura inteligente opta pela sua existência, quando escolhe de modo errado o seu caminho de vida. Então, esses tais males são potencializados até a categoria do pecado, pela escolha consciente e deliberada de uma criatura obstinada e rebelde. É por isso que o nosso Pai no céu permite que o bem e o mal estejam juntos até o fim da vida, da mesma forma que a natureza permite ao trigo e ao joio crescerem um ao lado do outro até a colheita”. Gádia tinha ficado plenamente satisfeito com a resposta de Jesus à sua pergunta, após as subseqüentes discussões,


quando então ficaram claros na sua mente os significados reais dessas importantes afirmações. 2. EM CESARÉIA Jesus e seus amigos ficaram em Cesaréia mais tempo do que o esperado, pois foi descoberto que um dos imensos remos da embarcação, em que pretendiam viajar, estava em perigo de quebrar-se. O capitão decidiu permanecer no porto, enquanto um novo estava sendo feito. Havia escassez de carpinteiros hábeis para essa tarefa e assim Jesus colocou-se como voluntário para ajudar. Durante as noites, Jesus e os seus amigos caminhavam ao longo de uma bela muralha, que servia de passeio, em volta do porto. Ganid apreciou grandemente as explicações de Jesus, sobre o sistema de águas da cidade e sobre a técnica pela qual as marés eram utilizadas para lavar as ruas e esgotos da cidade. Esse jovem da Índia ficou muito impressionado com o Templo de Augusto, situado em uma elevação e encimado por uma estátua colossal do imperador romano. Na segunda tarde em que permaneceram lá, os três assistiram a uma sessão no enorme anfiteatro, onde podiam assentar-se vinte mil pessoas e, naquela mesma noite, foram a uma peça grega no teatro. Esses eram os primeiros espetáculos dessa modalidade que Ganid presenciara e fez muitas perguntas a Jesus sobre os mesmos. Na manhã do terceiro dia fizeram uma visita formal ao palácio do governador, pois Cesaréia era a capital da Palestina e residência do procurador romano. Na mesma pousada deles, estava também um mercador da Mongólia, e como esse homem do Oriente longínquo falava grego bastante bem, Jesus teve várias e longas conversas com ele. Esse homem ficou muito impressionado com a filosofia de vida de Jesus e nunca esqueceu as suas palavras de sabedoria a respeito “de viver a vida celeste, enquanto estamos na Terra,


Pág. 1430 por meio de uma submissão diária à vontade do Pai celestial”. Esse mercador era taoísta e havia-se tornado um forte crente da doutrina de uma deidade universal. Quando retornou à Mongólia, começou a ensinar essas verdades avançadas aos seus vizinhos e aos seus sócios nos negócios e, como resultado direto de tais atividades, o seu filho mais velho decidiu tornar-se um sacerdote taoísta. Esse jovem homem exerceu uma grande influência a favor da verdade avançada por toda sua vida e foi sucedido por um filho e um neto que, da mesma forma, foram devotos leais da doutrina do Deus Único – O Legislador Supremo do Céu. Enquanto o ramo oriental da primitiva igreja cristã, tendo a sua sede em Filadélfia, ateve-se com mais fé aos ensinamentos de Jesus, do que os seus irmãos de Jerusalém, lamentável é que não tivesse havido ninguém como Pedro, para ir à China, ou como Paulo, para ir à Índia, quando então o solo espiritual lá estava tão favorável ao plantio da semente do novo evangelho do Reino. Esses mesmos ensinamentos de Jesus, à medida que foram sustentados pelos filadelfianos, teriam tido um apelo tão imediato e efetivo para as mentes dos povos asiáticos, cheias de fome espiritual, como tiveram os sermões de Pedro e Paulo no Ocidente. Um dos jovens que, por um dia, trabalharam com Jesus no remo, tornou-se um grande interessado nas palavras que, de hora em hora, brotavam dele enquanto trabalhavam no estaleiro. Quando Jesus sugeriu que o Pai no céu estava interessado no bem-estar dos seus filhos na Terra, esse jovem grego, Anaxando, disse: “Se os Deuses estão interessados em mim, então por que eles não removem esse capataz cruel e injusto dessa oficina?” Ele se surpreendeu quando Jesus replicou: “Já que tu sabes como ser amável e valorizas a justiça, talvez Deus tenha colocado esse homem equivocado, perto de ti, para que o conduzas a um caminho melhor. Talvez tu sejas o


sal que irá fazer com que esse irmão se torne mais agradável a todos os outros homens; isto é, se tu não tiveres perdido o teu sabor. Assim como estão as coisas, esse homem é o teu amo, porque os seus modos malvados têm uma influência desfavorável sobre ti. Por que não afirmar o teu domínio sobre o mal pela virtude do poder da bondade e assim tornar-te tu o mestre de todas as relações entre ambos? Posso predizer que o bem em ti pode vencer o mal nele, se tu deres ao bem uma boa e justa oportunidade. Não há aventura mais apaixonante, no curso da existência mortal, do que o regozijo de atuar como um sócio da vida material que se une à energia espiritual e à verdade divina, em uma das suas lutas triunfantes contra o erro e o mal. É uma experiência maravilhosa e transformadora, tornar-se o canal vivo da luz espiritual, para os mortais que estão na escuridão espiritual. Se fores mais abençoado, no conhecimento da verdade, do que esse homem, a necessidade dele devia desafiar-te. Certamente não és o covarde que ficaria na praia vendo perecer um semelhante que não sabe nadar. Quão mais valiosa é a alma daquele homem que se debate nas trevas, se comparada ao seu corpo afundando na água!” Anaxando ficou muito emocionado com as palavras de Jesus. Ele contou em seguida, ao seu superior, o que Jesus lhe havia dito e, naquela mesma noite, ambos procuraram o aconselhamento de Jesus, para o bem-estar das suas almas. E, mais tarde, depois que a mensagem cristã tinha sido proclamada em Cesaréia, aqueles dois homens, um grego e outro romano, creram na pregação de Filipe e se tornaram membros proeminentes da igreja que ele fundou. Posteriormente esse jovem grego foi designado ordenança de um Centurião romano, Cornélio, que se tornou um crente por meio da ministração de Pedro. Anaxando continuou a ministrar a luz àqueles que estavam nas trevas, até o dia do aprisionamento de Paulo, em Cesaréia, quando pereceu por acidente, na grande matança de vinte mil judeus, enquanto socorria aos que sofriam e morriam.


Pág. 1431 Ganid estava, nessa época, começando a perceber como o seu tutor gastava o seu tempo de lazer em um ministério pessoal, pouco comum, para com os seus semelhantes, e o jovem indiano decidiu descobrir o motivo dessas atividades incessantes. E perguntou: “Por que tu te ocupas tão continuamente em falar com estranhos?” E Jesus respondeu: “Ganid, nenhum homem é estranho para aquele que conhece a Deus. Na experiência de encontrar o Pai no céu, tu descobres que todos os homens são irmãos teus; e como pode parecer estranho que alguém se regozije com o encontro de um irmão descoberto recentemente? Tornarmo-nos amigos de irmãos e irmãs e saber dos seus problemas e aprender a amá-los é a suprema experiência da vida”. Essa foi uma conversa que durou até tarde da noite, no curso da qual o jovem homem pediu a Jesus que lhe contasse sobre a diferença entre a vontade de Deus e o ato humano da escolha, que é também chamado de vontade. Em essência, Jesus disse: “A vontade de Deus é o caminho de Deus, é compartilhar da escolha de Deus em face de qualquer alternativa potencial. Fazer a vontade de Deus, portanto, é a experiência progressiva de tornar-se mais e mais como Deus; e Deus é a fonte e o destino de tudo o que é bom, belo e verdadeiro. A vontade do homem é o caminho do homem, a soma e a essência daquilo que o mortal escolhe ser e fazer. A vontade é a escolha deliberada de um ser autoconsciente, que toma a decisãoconduta baseada na reflexão inteligente”. Naquela tarde, ambos, Jesus e Ganid, divertiram-se em brincar com um cão pastor muito inteligente e Ganid queria saber se o cachorro tinha uma alma, se tinha vontade e, em resposta às suas perguntas, Jesus disse: “O cão tem uma mente que pode conhecer o homem material, o seu mestre, mas não pode conhecer a Deus, que é espírito; por isso o cão não possui uma natureza espiritual e não


pode desfrutar de uma experiência espiritual. O cão pode ter uma vontade derivada da natureza e aumentada pelo aperfeiçoamento, contudo tal poder de mente não é uma força espiritual, nem pode ser comparada à vontade humana, porque não é reflexiva – não é o resultado do discernimento entre os significados morais mais elevados, nem da escolha dos valores espirituais e eternos. É a posse de tais poderes, de discernir o que é espiritual e de escolher a verdade, que faz do homem mortal um ser moral, uma criatura dotada com os atributos de responsabilidade espiritual e com o potencial de sobrevivência eterna”. Jesus continuou a explicar que é a ausência de tais poderes mentais, no animal, que torna para sempre impossível, para o mundo animal, desenvolver uma linguagem no tempo ou experimentar qualquer coisa equivalente à sobrevivência da personalidade na eternidade. Como resultado da instrução desse dia, Ganid nunca mais cultivou a crença na transmigração das almas dos homens para os corpos de animais. No próximo dia, Ganid falou sobre tudo isso a seu pai e, em resposta à questão de Gonod, Jesus explicou: “As vontades humanas que estão inteiramente ocupadas em tomar apenas decisões temporais, sobre questões materiais da existência animal, estão condenadas a perecer no tempo. Aqueles que tomam decisões morais de todo o coração e que fazem escolhas espirituais incondicionais estão assim identificados progressivamente com o espírito divino que neles reside; e, portanto, transformam-se cada vez mais nos valores da sobrevivência eterna – a interminável progressão do serviço divino”. Foi nesse mesmo dia que, pela primeira vez, ouvimos a verdade crucial que, colocada em termos modernos, significaria: “A vontade é aquela manifestação da mente humana que capacita a consciência subjetiva a expressar a si mesma objetivamente e a experimentar o fenômeno de aspirar a ser semelhante a Deus”. E é nesse mesmo


Pág. 1432 sentido que todo ser humano reflexivo e de mente espiritual pode tornar-se criador. 3. EM ALEXANDRIA A estada em Cesaréia tinha sido cheia de acontecimentos e, quando o barco ficou pronto, Jesus e os seus dois amigos partiram, ao meio-dia, para Alexandria no Egito. A travessia foi extremamente agradável para os três. Ganid estava encantado com a viagem e manteve Jesus ocupado, respondendo suas perguntas. Quando se aproximaram do porto da cidade, o jovem ficou emocionado com o grande Farol de Faros, localizado na ilha, que Alexandre tinha unido à terra firme por meio de um quebra-mar, criando assim dois magníficos portos e, conseqüentemente, fazendo de Alexandria a linha marítima comercial para a África, Ásia e Europa. Esse grande Farol era uma das sete maravilhas do mundo e era o precursor de todos os faróis que sobrevieram. Eles levantaram-se cedo pela manhã, para ver essa esplêndida construção do homem para salvar vidas e, em meio às exclamações de Ganid, Jesus disse: “E tu, meu filho, serás como esse farol quando retornares à Índia, até mesmo depois que o teu pai se for, tu irás tornar-te como a luz da vida, para aqueles que se assentam contigo no escuro, mostrando a todos, que assim desejarem, o caminho seguro de encontrar o porto da salvação”. E Ganid apertou a mão de Jesus e disse: “Serei, sim”. De novo, sublinhamos o fato de que os mestres da religião cristã cometeram um grande erro, quando voltaram a sua atenção mais exclusivamente para a civilização ocidental do mundo Romano. Os ensinamentos de Jesus, da forma como foram sustentados pelos


fiéis da Mesopotâmia, no primeiro século, teriam sido prontamente recebidos por grupos variados de religiosos da Ásia. Lá pela quarta hora, após desembarcar, eles estavam já instalados perto da extremidade oriental da longa e larga avenida, de trinta metros de largura e oito quilômetros de comprimento, que se estendia até os limites orientais dessa cidade de um milhão de habitantes. Após o primeiro reconhecimento das principais atrações da cidade – a universidade (o museu), a biblioteca, o mausoléu real de Alexandre, o palácio, o templo de Netuno, o teatro e o ginásio –, Gonod passou a dedicar-se aos seus negócios, enquanto Jesus e Ganid foram à biblioteca, a maior do mundo. Ali estavam colecionados aproximadamente um milhão de manuscritos, de todo o mundo civilizado: Grécia, Roma, Palestina, Partia, Índia, China e até Japão. Nessa biblioteca, Ganid viu a maior coleção de literatura indiana, de todo o mundo; e eles passaram algum tempo lá, a cada dia da sua permanência em Alexandria. Jesus contou a Ganid que a tradução das escrituras hebraicas, para o grego, tinha sido feita ali. E eles conversaram, de novo e de novo, sobre todas as religiões do mundo; Jesus esforçou-se para apontar, a essa mente jovem, a verdade em cada uma, e ia acrescentando: “Mas Jeová é o Deus que foi desenvolvido das revelações de Melquisedeque e do pacto de Abraão. Os judeus foram a progênie de Abraão e, subseqüentemente, ocuparam a mesma terra em que Melquisedeque viveu, ensinou e da qual ele enviou mestres a todo o mundo; e a religião deles finalmente retratava um reconhecimento do Senhor Deus de Israel, como o Pai Universal no céu, mais claro do que qualquer outra religião do mundo”. Sob a direção de Jesus, Ganid fez uma coleção dos ensinamentos de todas as religiões do mundo que reconheciam uma Deidade Universal, ainda que pudessem também dar um reconhecimento maior ou menor a deidades secundárias. Após muita argumentação,


Jesus e Ganid decidiram que os romanos não tinham nenhum Deus real na sua religião, que a religião deles era pouco mais do que um culto ao imperador. Os gregos, Pág. 1433 concluíram eles, tinham uma filosofia, mas dificilmente uma religião, com um Deus pessoal. Os cultos dos mistérios foram descartados por eles, por causa da confusão da sua multiplicidade e porque os seus variados conceitos de Deidade pareciam derivados de outras religiões mais antigas. Ainda que essas traduções tivessem sido feitas em Alexandria, Ganid afinal não arranjou essas seleções e acrescentou as suas próprias conclusões pessoais até quase o final da permanência deles em Roma. Ficou muito surpreso ao descobrir que, entre os melhores autores de literatura sagrada do mundo, todos, mais claramente, ou menos, reconheciam a existência de um Deus eterno e estavam bastante de acordo, com respeito ao caráter e relações Dele com o homem mortal. Jesus e Ganid passaram muito do seu tempo no museu, durante a sua estada em Alexandria. Esse museu não era uma coleção de objetos raros, mas, antes, uma universidade de belas artes, ciência e literatura. Professores eruditos, ali, faziam diariamente conferências e, naqueles tempos, era ali o centro intelectual do Mundo Ocidental. Dia após dia, Jesus interpretava as conferências para Ganid; certo dia, durante a segunda semana, o jovem exclamou: “Mestre Joshua, tu sabes mais do que esses professores; tu devias levantar-te e falar a eles sobre as grandes coisas que me ensinaste; eles estão obscurecidos por pensarem demais. Vou falar com o meu pai e pedir-lhe que arranje isso”. Jesus sorriu, dizendo: “Tu és um aluno admirativo, mas esses professores não estão predispostos a que tu e eu os instruamos. O orgulho da erudição não espiritualizada


é uma coisa traiçoeira na experiência humana. O verdadeiro professor mantém a sua integridade intelectual, continuando para sempre em seu aprendizado”. Alexandria era a cidade da fusão das culturas do Ocidente e, depois de Roma, a maior e mais magnífica do mundo. Ali estava localizada a maior sinagoga judaica do mundo, assento do governo do sinédrio alexandrino, constituído dos setenta anciães dirigentes. Entre os muitos homens, com quem Gonod tinha as suas transações de negócios, estava um certo banqueiro judeu, Alexandre, cujo irmão, Filo, era um filósofo religioso famoso daquela época. Filo estava empenhado na tarefa louvável, mas extremamente difícil, de harmonizar a filosofia grega com a teologia hebraica. Ganid e Jesus tinham conversado muito sobre os ensinamentos de Filo e esperavam comparecer a algumas das suas conferências, mas, durante a permanência deles em Alexandria, esse famoso helenista judeu esteve adoentado e de cama. Jesus recomendou a Ganid muita coisa da filosofia grega e das doutrinas estóicas, mas imprimiu no jovem a verdade de que esses sistemas de crença, como os ensinamentos indefinidos de alguns dentre os do seu próprio povo, eram religiosos apenas no sentido de que conduziam o homem a encontrar Deus e a desfrutar de uma experiência viva de conhecer o Eterno. 4. O DISCURSO SOBRE A REALIDADE Na noite antes de partirem de Alexandria, Ganid e Jesus tiveram uma longa conversa com um dos professores reitores da universidade, que fazia conferências sobre os ensinamentos de Platão. Jesus atuou como intérprete para o sábio mestre grego, mas sem inserir nenhum dos seus próprios ensinamentos, em refutação à filosofia grega. Gonod estava fora, a negócios, naquela noite; assim,


depois que o professor tinha ido embora, o Mestre e o discípulo tiveram uma longa e sincera conversa sobre as doutrinas de Platão. Ao mesmo tempo em que Jesus prestou a sua qualificada aprovação a alguns ensinamentos gregos, que tinham a ver com a teoria de que as coisas materiais do mundo são reflexos ou sombras das realidades espirituais invisíveis, mas mais substanciais; procurava ele estabelecer fundamentos mais fidedignos, Pág. 1434 para o pensamento daquele jovem; e, dessa forma, começou uma dissertação a respeito da natureza da realidade do universo. Em essência e com frases modernas, Jesus disse a Ganid: A fonte da realidade do universo é Infinita. As coisas materiais da criação finita são as repercussões no tempo-espaço do Modelo do Paraíso e da Mente Universal do Deus eterno. A causação no mundo físico, a autoconsciência no mundo intelectual e o eu progressivo no mundo espiritual – essas realidades projetadas em uma escala universal, combinadas em uma relação eterna e experienciadas em perfeição de qualidade e divindade de valor – constituem a realidade do Supremo. Mas, mesmo em um universo sempre em mudança, a Personalidade Original da causação, da inteligência e da experiência do espírito, é imutável e absoluta. Todas as coisas, mesmo em um universo eterno de valores ilimitados e qualidades divinas, podem mudar e, muitas vezes, mudam, exceto os Absolutos e tudo aquilo que atingiu o status físico, a abrangência intelectual ou a identidade espiritual, que sejam absolutos. O nível mais elevado até o qual uma criatura finita pode progredir é o reconhecimento do Pai Universal e a consciência do Supremo. E, mesmo então, tais seres com o destino da finalidade, continuam a experimentar mudanças nos movimentos do mundo físico e nos seus fenômenos materiais. Da mesma forma permanecem eles sabedores


da progressão do eu, na sua contínua ascensão no universo espiritual, e da consciência crescente e aprofundada das suas apreciações do cosmo intelectual e em resposta a ele. Apenas na perfeição, na harmonia e na unanimidade de vontade, pode a criatura chegar a tornar-se una com o Criador; e tal estado de divindade é atingido e mantido apenas quando a criatura, mantendo a continuidade de vida no tempo e na eternidade, conforma consistentemente a sua vontade pessoal finita, à vontade divina do Criador. E o desejo de cumprir a vontade do Pai deve ser sempre supremo na alma, e predominante na mente do filho ascendente de Deus. Uma pessoa, de apenas um olho, nunca pode esperar visualizar a profundidade em perspectiva. Nem pode o cientista materialista, de um único olho, nem o místico e o alegorista espirituais, também cegos de um lado, visualizar corretamente e adequadamente compreender a profundidade verdadeira da realidade do universo. Todos os valores verdadeiros da experiência da criatura estão ocultos na profundidade do reconhecimento. A causação sem mente não pode desenvolver o refinado e o complexo a partir do cru e do simples; nem pode, a experiência desprovida de espírito, desenvolver as características divinas da sobrevivência eterna a partir das mentes materiais dos mortais do tempo. O atributo do universo que, tão exclusivamente, caracteriza a Deidade infinita é a interminável dotação criadora da personalidade, que pode sobreviver, no alcance progressivo da Deidade. A personalidade é aquele dom cósmico, aquela fase da realidade universal que pode coexistir com a mudança ilimitada e, ao mesmo tempo, manter a sua identidade em presença de todas essas mudanças; e ainda para sempre.


A vida é uma adaptação da causação cósmica original às demandas e possibilidades das situações do universo e passa a existir pela ação da Mente Universal e pela ativação da chama espiritual de Deus, que é espírito. O significado da vida é a sua adaptabilidade; o valor da vida está na possibilidade de progresso – até às alturas máximas do conhecimento de Deus. A má adaptação da vida autoconsciente ao universo, resulta em desarmonia cósmica. A divergência final entre a vontade da personalidade e as tendências do universo, termina no isolamento intelectual e na segregação da personalidade. À perda da chama piloto Pág. 1435 do espírito residente, sobrevém a cessação da existência espiritual. A vida inteligente e progressiva então se torna, em si e por si mesma, uma prova incontroversa da existência de um universo pleno de propósitos, que expressa a vontade do Criador divino. E essa vida, no todo, luta na direção de valores mais elevados, tendo por meta final o Pai Universal. Apenas em questão de grau o homem possui mente acima do nível animal, à parte as ministrações mais elevadas e quase-espirituais de intelecto. Portanto, os animais (não sabendo adorar nem possuindo sabedoria) não podem experimentar a supraconsciência, ou a consciência da consciência. A mente animal somente é consciente do universo objetivo. O conhecimento é a esfera da mente material ou discernidora dos fatos. A verdade é o domínio do intelecto espiritualmente dotado, que é cônscio de poder conhecer a Deus. O conhecimento é demonstrável; a verdade é experimentada. O conhecimento é uma posse da mente; a verdade uma experiência da alma, o eu em


progresso. O conhecimento é uma função de nível não espiritual; a verdade é uma fase do nível da mente-espírito dos universos. O olho da mente material percebe um mundo de conhecimento factual; o olho do intelecto espiritualizado discerne um mundo de valores verdadeiros. Esses dois pontos de vista, sincronizados e harmonizados, revelam o mundo da realidade, no qual a sabedoria interpreta os fenômenos do universo, em termos da experiência pessoal progressiva. O erro (o mal) é a penalidade da imperfeição. As qualidades da imperfeição, ou os fatos da má-adaptação, revelam-se no nível material, pela observação crítica e pela análise científica; e no nível moral, pela experiência humana. A presença do mal se constitui em prova das imprecisões da mente e da imaturidade do eu em evolução. O mal é, portanto, também uma medida da imperfeição de interpretação do universo. A possibilidade de cometer erros é inerente à aquisição da sabedoria: o esquema de progredir do parcial e do temporal até o total e eterno, do relativo e imperfeito ao final e perfeito. O erro é a sombra do incompleto-relativo, que deve necessariamente cair sobre a senda ascendente do homem no universo, até a perfeição do Paraíso. O erro (o mal) não é uma qualidade real do universo; é simplesmente a observação de uma relatividade, na inter-relação entre a imperfeição do finito incompleto e os níveis ascendentes do Supremo e do Último. Embora Jesus tenha dito tudo isso em uma linguagem adequada à compreensão de Ganid, no final da argumentação o jovem tinha as pálpebras pesadas e logo caíra num cochilo. Eles levantaram cedo, na manhã seguinte, para irem a bordo do barco que tinha o destino de Lasea, na Ilha de Creta. Mas, antes de embarcarem, o jovem tinha ainda perguntas a fazer sobre o mal, ao que Jesus replicou: O mal é um conceito de relatividade. Surge da observação das imperfeições que sobressaem na sombra projetada por um universo


finito de coisas e seres, à medida que tal cosmo obscurece a luz viva da expressão universal, das realidades eternas do Único Infinito. O mal potencial é inerente ao estado, necessariamente incompleto, da revelação de Deus, como uma expressão da infinitude e da eternidade, quando limitadas no tempo e no espaço. O fato do parcial em presença do todo completo constitui a relatividade da realidade, cria a necessidade da escolha intelectual e estabelece níveis de valor, para o reconhecimento e resposta espiritual. O conceito finito e incompleto do Infinito, que é mantido pela mente temporal e limitada da criatura é, em si e por si mesmo, o mal potencial. Contudo, o erro, que se propaga e se amplia, cometido por causa da deficiência injustificada, Pág. 1436 de se fazer uma retificação espiritual razoável, para essas desarmonias intelectuais e insuficiências espirituais, originalmente inerentes, é equivalente à realização do mal factual. Todos os conceitos estáticos, mortos, são potencialmente malignos. A sombra finita, da verdade relativa e viva, está em contínuo movimento. Os conceitos estáticos invariavelmente atrasam a ciência, a política, a sociedade e a religião. Os conceitos estáticos podem representar um certo conhecimento, mas são deficientes de sabedoria e desprovidos de verdade. No entanto, não permitas que o conceito de relatividade te desguie a ponto de falhares no reconhecimento da coordenação do universo, que se dá sob o guiamento da mente cósmica, por causa do seu controle estabilizado, pela energia e pelo espírito do Supremo. 5. NA ILHA DE CRETA


Os viajantes não eram possuídos senão de um propósito ao ir a Creta, que era o de se distraírem, de andar pela ilha e de escalar as montanhas. Os cretenses daquela época não desfrutavam de uma reputação invejável, entre os povos vizinhos. Entretanto, Jesus e Ganid conquistaram muitas almas, para os níveis mais elevados de pensamento e vida e, assim, lançaram as bases para uma recepção mais rápida dos ensinamentos futuros, que viriam quando os primeiros pregadores de Jerusalém chegassem. Jesus amava os cretenses, não obstante as duras palavras com que Paulo mais tarde falou a respeito deles quando, subseqüentemente, enviou Tito à ilha, para reorganizar as suas igrejas. Nas montanhas de Creta Jesus teve a sua primeira longa conversa com Gonod a respeito de religião. O pai ficou muito bem impressionado e disse: “Não me admiro que o jovem acredite em tudo que tu dizes a ele, mas nunca soube que tinham tal religião em Jerusalém e muito menos em Damasco”. Foi durante a permanência na ilha, que Gonod propôs pela primeira vez a Jesus que fosse com eles de volta à Índia, e Ganid ficou contente com o pensamento de que Jesus poderia consentir em tal arranjo. Um dia, quando Ganid perguntou a Jesus por que não tinha ele se devotado ao trabalho de ensinar publicamente, ele disse: “Meu filho, tudo deve esperar a chegada da sua hora. Tu nasces no mundo, mas nenhuma quantidade de ansiedade e nenhuma manifestação de impaciência irão ajudar-te a crescer. Tu deves, em todos esses assuntos, esperar pela ação do tempo. Só o tempo amadurecerá a fruta verde na árvore. Estações seguem-se umas às outras e o pôr-do-sol vem depois do nascer do sol, apenas com o passar do tempo. Estou agora a caminho de Roma, contigo e com o teu pai, e isso é suficiente por hoje. O meu amanhã está inteiramente nas mãos do meu Pai no céu.” E então ele contou a


Ganid a história de Moisés e os quarenta anos de espera vigilante e contínua preparação. Uma coisa aconteceu, durante uma visita a Portos-Belos, da qual Ganid nunca esqueceu; e a lembrança desse episódio sempre o levava a querer poder fazer alguma coisa, para mudar o sistema de castas na sua Índia natal. Um degenerado bêbado estava atacando uma jovem escrava na via pública. Quando viu o apuro da jovem, Jesus correu até eles, resgatando a jovem do ataque do louco. Enquanto a menina amedrontada se agarrava a ele, Jesus segurava o homem enfurecido a uma distância segura, com seu poderoso braço direito estendido, até que o pobre homem tivesse exauridas as suas forças, de tanto bater no ar com os seus golpes raivosos. Ganid sentiu um forte impulso de ajudar Jesus a cuidar daquilo, mas o seu pai o proibiu. Apesar de não falarem a língua da garota, ela pôde entender o ato de misericórdia e manifestou a gratidão da sua alma, à medida que os três a levavam para casa. Esse foi, provavelmente, um confronto dos mais diretos, com um semelhante, ao qual Jesus chegou pessoalmente, em toda a sua vida encarnada. Mas teve uma tarefa difícil naquela noite, tentando explicar a Pág. 1437 Ganid por que ele não havia esmurrado o homem bêbado. Ganid achava que aquele homem deveria ter sido golpeado pelo menos tantas vezes quantas havia golpeado a garota. 6. O JOVEM QUE TINHA MEDO Enquanto estavam nas montanhas, Jesus teve uma longa conversa com um jovem que estava atemorizado e abatido. Não tendo conseguido encontrar consolo e coragem na relação com os seus semelhantes, esse jovem tinha ido buscar a solidão das colinas; tinha ele crescido com um sentimento de desamparo e


inferioridade. Essas tendências naturais tinham sido aumentadas por inúmeras circunstâncias difíceis com que o garoto se tinha deparado à medida que crescia, especialmente a perda do seu pai, aos doze anos de idade. Quando se encontraram, Jesus disse: “Salve, meu amigo! Por que tão abatido em um dia tão belo? Se alguma coisa aconteceu que te aflija, talvez eu possa de algum modo oferecer-te ajuda. De qualquer forma para mim é um prazer oferecer os meus préstimos”. O jovem não estava inclinado a falar e então Jesus fez uma segunda aproximação de alma, dizendo: “Entendo que tenhas vindo a estas colinas para escapar das pessoas; assim, está claro, não queres falar comigo, mas eu gostaria de saber se tu estás familiarizado com estas montanhas, se sabes a direção destas trilhas? E se, por acaso, podes informar-me sobre o melhor caminho para Fênix?” Pois bem, esse jovem estava bem ambientado com as colinas e ficou muito interessado em dizer a Jesus qual o caminho até Fênix, tanto que marcou no chão todas as trilhas e explicou minuciosamente cada detalhe. Surpreendeu-se, contudo, e se fez curioso quando Jesus, após despedir-se e agir como se estivesse indo embora, subitamente voltou-se para dizer: “Bem sei que tu gostarias de ser deixado a sós, com o teu desconsolo; mas não seria nem amável nem justo, da minha parte, receber tão generosa ajuda de ti para saber o melhor caminho para Fênix e então, sem titubear, afastar-me de ti sem sequer fazer o menor esforço para responder ao teu evidente apelo, por ajuda e orientação, com respeito ao melhor caminho para a meta do destino que o teu coração busca, enquanto tu te deténs aqui nas colinas. Da mesma forma que tu conheces tão bem o caminho para Fênix, tendo passado por ele muitas vezes, também eu conheço bem o caminho para a cidade das tuas esperanças desapontadas e ambições frustradas. E, posto que tu me pediste ajuda, eu não te desapontarei”. O jovem estava quase vencido, todavia, conseguiu balbuciar: “Mas,...eu não te pedi nada”. E


Jesus, colocando a mão suavemente no seu ombro, disse: “Não, filho, não por palavras, mas pela expectativa do teu olhar, que me chegou até o coração. Meu filho, para quem ama o seu semelhante é fácil perceber quando há um pedido de ajuda na expressão de desencorajamento e desespero no seu semblante. Assenta-te a meu lado, enquanto eu te conto sobre os caminhos do serviço e as estradas da felicidade que conduzem, do sofrimento do ego, às alegrias das ações do amor, na fraternidade dos homens e no serviço do Deus que está no céu”. A essa altura, o jovem já desejava muito conversar com Jesus e caiu a seus pés, implorando a Jesus que o ajudasse, que lhe mostrasse o caminho de saída do seu mundo de pena e derrota pessoal. Disse Jesus: “Meu amigo, levanta-te! Fiques de pé como um homem! Tu podes estar cercado de pequenos inimigos e estar sendo retardado por muitos obstáculos, mas as coisas grandes e as coisas reais deste mundo e do universo estão do teu lado. O sol levanta-se a cada manhã para saudar-te, exatamente como faz com os homens mais poderosos e prósperos da Terra. Vê –, tens um corpo forte e músculos poderosos; a tua dotação física é melhor que a comum. E, está claro, é inútil ficares assentado aqui nas montanhas Pág. 1438 lamentando-te dos infortúnios, reais ou imaginários. Entretanto, poderias fazer grandes coisas com o teu corpo se te apressasses a ir para onde as grandes coisas esperam para ser feitas. Tu estás tentando fugir do teu ego infeliz, mas isso não pode ser feito. Tu e os teus problemas de vida são reais; não podes escapar deles enquanto viveres. No entanto, pensa outra vez, tua mente é clara e capaz. O teu corpo robusto tem uma mente inteligente para dirigilo. Ponha a tua mente a trabalhar para resolver os problemas dele; ensine o teu intelecto a trabalhar para ti; recuse ser dominado, por mais tempo, pelo medo, como um animal que não pensa. A tua mente


deveria ser a tua aliada corajosa na solução dos teus problemas na vida, em vez de seres tu, como tens sido, um escravo abjeto do medo e servo fiel da depressão e da derrota. O mais valioso de tudo, porém, o teu potencial de êxito real, é o espírito que vive dentro de ti e que irá estimular e inspirar a tua mente a controlar a si mesma e a ativar o corpo; basta que tu a liberes dos males do medo, capacitando assim a tua natureza espiritual para começar a tua libertação dos males da inação, por meio do poder-presença da fé viva. E então, imediatamente, essa fé vencerá o medo dos homens, pela presença premente de um novo e todo-dominante amor pelos teus semelhantes, que logo irá preencher a tua alma, até o extravasamento, mediante a consciência que nasceu no teu coração de que és um filho de Deus. “Nesse dia, meu filho, renascerás restabelecido como homem de fé, coragem e serviço devotado ao homem, para glória de Deus. E quando tu te tornares, assim, reajustado à vida dentro de ti, tornar-te-ás também reajustado ao universo; e terás nascido de novo – nascido em espírito – e, daí em diante, toda a tua vida irá transformar-se em uma única realização vitoriosa. Os problemas apenas te revigorarão; o desapontamento incentivar-te-á a ir para a frente; as dificuldades desafiar-te-ão e os obstáculos irão estimular-te. De pé, jovem rapaz! Diga adeus à vida de terrores humilhantes e de covardia evasiva. Apressa-te, de volta ao dever; e viva a tua vida na carne como um filho de Deus, um mortal dedicado ao enobrecedor serviço do homem na Terra e destinado ao soberbo e eterno serviço de Deus na eternidade.” E esse jovem, Fortunato, posteriormente tornou-se o líder dos Cristãos em Creta e íntimo associado de Tito, no seu labor pela elevação dos fiéis cretenses. Os viajantes sentiam-se realmente descansados e refrescados quando se fizeram prontos, lá pelo meio-dia, certa ocasião, a fim de


zarparem para Cartago no norte da África, parando por dois dias em Cirene. Foi ali que Jesus e Ganid prestaram os primeiros socorros a um rapaz de nome Rufo, que tinha sofrido ferimentos quando da quebra de um carro de bois pesado e cheio. Eles carregaram-no até a casa da sua mãe; e o seu pai, Simão, jamais poderia sonhar que o homem, cuja cruz ele iria carregar no futuro, por ordem de um soldado Romano, era aquele estranho que certa vez tratara o seu filho com amizade. 7. EM CARTAGO – O DISCURSO SOBRE O TEMPO E O ESPAÇO Na maior parte do tempo da viagem até Cartago, Jesus conversou com os seus companheiros de viagem sobre temas sociais, políticos e comerciais; dificilmente uma palavra sobre religião foi dita. Pela primeira vez Gonod e Ganid descobriam que Jesus era um bom contador de histórias e mantiveram-no ocupado narrando pequenos acontecimentos sobre a sua infância na Galiléia. Eles também souberam que ele se criara na Galiléia e não em Jerusalém nem em Damasco. Quando Ganid perguntou o que se devia fazer para ter amigos, tendo notado que a maioria das pessoas com quem se encontravam, por casualidade, sentiam-se atraídas para Jesus, Pág. 1439 o Mestre disse: “Torna-te interessado pelos teus semelhantes; aprende a amá-los e aguarda a oportunidade de fazer algo por eles, algo de que tu estejas seguro de que eles queiram que seja feito”, e então citou um velho provérbio judaico: “Um homem que gostaria de ter amigos, deve mostrar-se amistoso”.


Em Cartago, Jesus teve uma longa e memorável conversa com um sacerdote mitraísta, sobre a imortalidade, sobre o tempo e a eternidade. Esse persa tinha sido educado em Alexandria e realmente desejava aprender com Jesus. Em essência, e em palavras atuais, respondendo às muitas perguntas, disse Jesus: O tempo é a corrente que flui, dos eventos temporais percebidos pela consciência da criatura. Tempo é um nome dado ao arranjosucessão por meio do qual os eventos são reconhecidos e diferenciados. O universo do espaço é um fenômeno relacionado com o tempo, como é visto de qualquer posição interior, fora da morada fixa do Paraíso. O movimento do tempo é revelado apenas em relação a algo que, como um fenômeno no tempo, não se move no espaço. No universo dos universos, o Paraíso e as suas Deidades transcendem a ambos, ao tempo e ao espaço. Nos mundos habitados, a personalidade humana (residida e orientada pelo espírito do Pai do Paraíso) é a única realidade, do mundo físico, que pode transcender à seqüência material dos eventos temporais. Os animais não percebem o tempo como o homem o sente; e, mesmo para o homem, pelo motivo da sua visão seccional e circunscrita, o tempo surge como uma sucessão de eventos; mas à medida que o homem ascende e que progride interiormente, a visão amplificada dessa sucessão de eventos é tal que ele pode discerni-la, cada vez mais, na sua totalidade. Aquilo que, anteriormente, surgia como uma sucessão de eventos, então será visto como um círculo inteiro e perfeitamente relacionado; desse modo, a simultaneidade circular irá, de forma crescente, deslocar a consciência daquilo que se foi, na seqüência linear de eventos. Há sete diferentes concepções de espaço, enquanto ele é condicionado pelo tempo. O espaço é medido pelo tempo; não o tempo pelo espaço. A confusão do cientista cresce a partir do fracasso em reconhecer a realidade do espaço. O espaço não é


meramente um conceito intelectual da variação na relação entre os objetos do universo. O espaço não é vazio; e a única coisa que o homem conhece e que, mesmo parcialmente, pode transcender o espaço é a mente. A mente pode funcionar independentemente do conceito de relação espacial dos objetos materiais. O espaço é relativa e comparativamente finito, para todos os seres com status de criatura. Quanto mais a consciência aproxima-se do conhecimento das sete dimensões cósmicas, tanto mais o conceito de espaço potencial aproxima-se da ultimidade. Mas o potencial do espaço é uma ultimidade verdadeiramente, apenas no nível absoluto. Deve ser evidente que a realidade universal tem um significado expansivo e sempre relativo, nos níveis ascendentes e perfeccionantes do cosmo. Em ultimidade, os mortais sobreviventes realizam a sua identidade em um universo de sete dimensões. O conceito de tempo-espaço, para uma mente de origem material, está destinado a passar por sucessivas ampliações, à medida que a personalidade consciente e pensante ascende nos níveis do universo. Quando o homem alcançar a mente que sabe intervir entre os planos material e espiritual da existência, as suas idéias sobre o tempoespaço serão enormemente expandidas, quanto à qualidade de percepção e quanto à quantidade da experiência. As concepções cósmicas, em expansão, de uma personalidade espiritual em avanço, são devidas ao aumento tanto da profundidade de visão interior quanto do escopo da consciência. E à medida que a personalidade continua, para cima e para dentro, e passa para os níveis transcendentais semelhantes ao da Deidade, o conceito de tempoespaço irá, de modo crescente, aproximar-se dos conceitos, fora de tempo e de espaço, dos Absolutos. Relativamente e conforme se vai conseguindo Pág. 1440


alcançar o transcendental, esses conceitos no nível do absoluto hão de ser presenciados pelos filhos do destino último. 8. A CAMINHO DE NÁPOLES E ROMA A primeira parada a caminho da Itália foi na Ilha de Malta. Ali Jesus teve uma conversa longa com um jovem desalentado e desencorajado chamado Cláudio. Esse companheiro tinha cogitado em tirar a própria vida, mas depois de conversar com o Escriba de Damasco, ele disse: “Vou enfrentar a vida como um homem; chega de fazer o papel de covarde. Vou voltar para a minha gente e começar tudo de novo”. Em pouco tempo ele se convertera em um pregador entusiasta dos cínicos e, mais tarde ainda, juntou as mãos com Pedro, na proclamação da cristandade em Roma e Nápoles e, após a morte de Pedro, foi para a Espanha pregar o evangelho. Mas nunca soube que o homem que o havia inspirado em Malta era o mesmo Jesus, a quem posteriormente ele proclamaria como o Libertador do mundo. Em Siracusa passaram uma semana inteira. O evento notável dessa escala foi a reabilitação de Esdras, o judeu desencaminhado, que era o taberneiro do lugar onde Jesus e os seus companheiros hospedaram-se. Esdras encantou-se com a aproximação de Jesus e lhe pedira para ajudá-lo a voltar à fé de Israel. Expressou a sua desesperança dizendo: “Eu quero ser um verdadeiro filho de Abraão, mas não consigo encontrar a Deus”. Disse-lhe Jesus: “Se tu queres realmente encontrar Deus, esse desejo é por si mesmo a evidência de que já o encontraste. O teu problema não é que não consigas encontrar a Deus, pois o Pai já te encontrou; o teu obstáculo é simplemente que ainda não conheces a Deus. Ainda não leste no profeta Jeremias que: ‘Me buscarás e Me encontrarás, quando Me buscares com todo o teu coração’? E de novo, esse mesmo profeta não diz: ‘E Eu te darei um coração para que Me conheças, que Eu sou o Senhor e, pois, pertencerás ao Meu povo e


serei o teu Deus?’ E também não leste nas escrituras, onde é dito: ‘Ele olha para os homens e se alguém disser: Eu pequei e perverti aquilo que era o certo e isso não me trouxe proveito; e então Deus libertará a alma daquele homem da escuridão, e ele verá a luz’?” E Esdras encontrou Deus, para a satisfação da sua alma. Posteriormente, esse judeu, em associação com um próspero prosélito grego, construiu a primeira igreja cristã em Siracusa. Em Messina pararam por apenas um dia, mas foi o suficiente para mudar a vida de um pequeno garoto, um vendedor de frutas, de quem Jesus comprou frutas e a quem, em troca, alimentou com o pão da vida. O garoto nunca esqueceu as palavras de Jesus e o olhar bondoso que veio junto com elas quando, colocando a mão no ombro dele, Jesus disse: “Adeus, meu pequeno, sê valente enquanto cresces até ficar homem e depois de ter alimentado o corpo aprenda como alimentar também a alma. E o meu Pai no céu estará contigo e te guiará”. O pequeno transformou-se em um devoto da religião mitraísta e mais tarde se converteu à fé cristã. Por fim chegaram a Nápoles e sentiram que não estavam longe do seu destino, Roma. Gonod tinha muitos negócios para cuidar em Nápoles e, à parte o período em que Jesus foi requisitado como intérprete, ele e Ganid passaram o seu tempo de lazer visitando e explorando a cidade. Ganid estava tornando-se um adepto de distinguir aqueles que pareciam necessitar de ajuda. Encontraram muita pobreza nessa cidade e distribuíram muitas esmolas. Mas Ganid nunca entendeu o significado das palavras de Jesus quando, após ter dado uma moeda a um pedinte de rua, recusou-se a parar e falar com ele para confortá-lo. Disse Jesus: “Por que gastar palavras com quem não quer perceber o Pág. 1441


sentido daquilo que tu vais dizer? O espírito do Pai não pode ensinar e salvar àquele que não tem capacidade de ser filho Seu”. O que Jesus quis dizer é que aquele homem não tinha uma mente normal; que lhe faltava a capacidade de corresponder à condução espiritual. Em Nápoles, não houve nenhuma experiência digna de destaque; Jesus e o jovem percorreram cuidadosamente a cidade e espalharam bons augúrios, com muitos sorrisos, a centenas de homens, mulheres e crianças. Dali eles foram para Roma pelo caminho de Cápua, fazendo uma parada de três dias em Cápua. Na Via Ápia andaram a passos largos, junto aos seus animais de carga, em direção a Roma, todos os três estavam ansiosos para ver a prima-dona do império, aquela que era a maior cidade de todo o mundo. DOCUMENTO 131 AS RELIGIÕES DO MUNDO Durante a permanência de Jesus, Gonod e Ganid na Alexandria, o jovem gastou boa parte do seu tempo e uma alta soma do dinheiro do seu pai fazendo uma coleção dos ensinamentos das religiões do mundo, sobre Deus e as suas relações com o homem mortal. Ganid empregou mais do que sessenta tradutores fazendo um apanhado geral das doutrinas religiosas do mundo a respeito das Deidades. E aqui deve ficar claro que todos esses ensinamentos, retratando o monoteísmo, derivaram-se, direta ou indiretamente, sobretudo das pregações dos missionários de Maquiventa Melquisedeque, que saíam da sua sede em Salém para disseminar a doutrina de um Deus – o Altíssimo – até os confins da Terra. Neste documento está apresentada uma síntese dos manuscritos de Ganid, que ele preparou em Alexandria e Roma, e que ficou


guardado na Índia por centenas de anos depois da sua morte. Ele colecionou esse material sob dez títulos, como segue: 1. O CINISMO Os ensinamentos residuais dos discípulos de Melquisedeque, excetuando-se aqueles que perduraram na religião judaica, foram mais bem preservados nas doutrinas dos cínicos. A seleção feita por Ganid abrange o seguinte: “Deus é supremo, ele é o Altíssimo dos céus e da Terra. Deus é o círculo tornado perfeito da eternidade; e ele governa o universo dos universos. Ele é o criador único dos céus e da Terra. Quando ele decreta alguma coisa, aquela coisa passa a ser. O Nosso Deus é um único Deus, e ele é compassivo e misericordioso. Tudo o que é elevado, sagrado, verdadeiro e belo é semelhante ao nosso Deus. O Altíssimo é a luz do céu e da Terra; ele é o Deus do leste, do oeste, do norte e do sul. “Ainda que a Terra desaparecesse, a face resplandecente do Supremo residiria na majestade e na glória. O Altíssimo é o primeiro e o último, o começo e o fim de tudo. Não há senão este Deus único e o seu nome é Verdade. Deus existe por si próprio, e ele é desprovido de qualquer ódio e inimizade; ele é imortal e infinito. O nosso Deus é onipotente e bondoso. Se bem que ele tenha muitas manifestações, nós adoramos apenas o próprio Deus. Deus a tudo conhece – os nossos segredos e as nossas proclamações; ele também sabe o que cada um de nós merece. O seu poder é o mesmo sobre todas as coisas. “Deus é um provedor de paz e um protetor fiel de todos os que o temem e nele confiam. A salvação, ele a dá a todos que o servem. Toda a criação existe no poder do Altíssimo. O Seu amor divino brota da santidade do seu poder,


Pág. 1443 e a afeição nasce do poder da Sua grandeza. O Altíssimo decretou a união do corpo e da alma e dotou o homem com o próprio espírito dele. O que o homem faz deve chegar a um fim, mas o que o Criador faz continua para sempre. Ganhamos o conhecimento da experiência do homem, mas extraímos a sabedoria da contemplação do Altíssimo. “Deus derrama a chuva sobre a terra, ele faz o sol brilhar sobre o grão que germina e nos dá a colheita abundante das coisas boas dessa vida e a salvação eterna do mundo que está por vir. O nosso Deus goza de grande autoridade; o seu nome é Excelente, e a sua natureza é insondável. Quando vós estiverdes doentes, é o Altíssimo quem vos cura. Deus é pleno de bondade para com todos os homens; nenhum amigo é como o Altíssimo. A sua misericórdia preenche todos os espaços e sua bondade abraça todas as almas. O Altíssimo é imutável; e é ele que nos ajuda toda vez que se faz necessário. Para onde quer que vos volteis para orar, ali está a face do Altíssimo e o ouvido atento do vosso Deus. Vós podeis escondervos dos homens, mas não de Deus. Deus não está a uma grande distância de nós; ele é onipresente. Deus preenche todos os lugares e vive no coração do homem que teme o seu santo nome. A criação está no Criador, e o Criador na sua criação. Nós buscamos o Altíssimo e então nós o achamos no nosso coração. Ide perguntar a um amigo querido, e então o descobrireis dentro da vossa alma. “O homem que conhece a Deus vê todos os homens como iguais; eles são os seus irmãos. Aqueles que são egoístas, aqueles que ignoram os seus irmãos na carne, apenas têm o cansaço como recompensa. Aqueles que amam os seus semelhantes e que têm o coração puro verão a Deus. Deus nunca se esquece da sinceridade. Ele guiará o honesto de coração para a verdade, pois Deus é a verdade.


“Nas vossas vidas repudiai o erro, superai o mal pelo amor da verdade viva. Em todas as vossas relações com os homens, fazei o bem em troca do mal. O Senhor Deus é pleno de misericórdia e de amor; ele perdoa. Amemos a Deus, pois ele nos amou primeiro. Por meio do amor de Deus e da sua misericórdia nós seremos salvos. Os homens pobres e os ricos são irmãos. Deus é o seu Pai. O mal que não quiserdes que seja feito a vós, não o façais aos outros. “Em todas as circunstâncias chamai o seu nome e, na mesma medida que vós acreditardes no seu nome, a vossa prece será ouvida. Que grande honra é adorar o Altíssimo! Todos os mundos e os universos adoram o Altíssimo. E em todas as vossas preces, agradecei – elevais-vos para adorar. A prece da adoração evita o mal e proíbe o pecado. Louvemos o nome do Altíssimo a todo momento. O homem que toma abrigo no Altíssimo oculta os seus defeitos do universo. Quando vós vos apresentais diante de Deus com o coração puro, vós vos tornais mais destemidos de toda a criação. O Altíssimo é como um pai e uma mãe cheios de amor; ele realmente nos ama, os seus filhos da Terra. O nosso Deus nos perdoará e guiará os nossos passos nos caminhos da salvação. Ele nos levará pela mão e nos conduzirá até ele. Deus salva àqueles que confiam nele; ele não obriga o homem a servir no seu nome. “Se a fé no Altíssimo entrou no vosso coração, então permanecereis sem medo durante todos os dias da vossa vida. Não vos lamenteis por causa da prosperidade dos ímpios; não temais aqueles que tramam o mal; apartai a vossa alma do pecado e ponde toda a vossa confiança no Deus da Salvação. A alma fatigada do mortal errante encontra o descanso eterno nos braços do Altíssimo; o homem sábio tem fome do abraço divino; o filho da Terra almeja a segurança dos braços do Pai Universal. O homem nobre busca aquele estado elevado em que a alma do mortal se funde com o espírito do


Supremo. Deus é justo: O fruto que plantarmos neste mundo e que não colhermos aqui, colheremos no próximo”. Pág. 1444 2. JUDAÍSMO Os quenitas da Palestina mantiveram grande parte dos ensinamentos de Melquisedeque e dos registros dos mesmos, como foram preservados e modificados pelos judeus, Jesus e Ganid fizeram a seguinte seleção: “No começo Deus criou os céus e a Terra e todas as coisas neles. E, pois, tudo o que ele criou era muito bom. O senhor é Deus; não há ninguém ao lado dele nos céus acima nem sobre a Terra abaixo. E por isso vós amareis o Senhor, vosso Deus, com todo o vosso coração e com toda a vossa alma e com toda a vossa força. A Terra estará cheia do conhecimento do Senhor à medida que as águas cobrem os mares. Os céus declaram a glória de Deus, e o firmamento mostra o trabalho das suas mãos. Os dias falam uns após outros; e a noite mostra o conhecimento, noite após noite. Não há discurso ou língua em que a voz dele não seja ouvida. O trabalho do Senhor é grande e, na sabedoria, ele fez todas as coisas; a grandeza do senhor é insondável. Ele sabe o número das estrelas; ele as chama a todas pelos seus nomes. “O poder do Senhor é grande e a sua compreensão é infinita. Diz o Senhor: ‘Como os céus são mais altos do que a Terra, também os meus caminhos são mais altos do que os vossos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos’. Deus revela as coisas secretas e profundas porque a luz reside nele. O Senhor é misericordioso e pleno de graça; ele é paciente e abundante em bondade e verdade. O Senhor é bom e reto; aos mansos ele guiará ao julgamento. Provais e vede que o Senhor é bom! Abençoado é o


homem que confia em Deus. Deus é a nossa força e o nosso refúgio, e uma ajuda muito presente nas dificuldades. “A misericórdia do Senhor perdura, da eternidade, sobre todos aqueles que o temem e a sua retidão estende-se aos filhos dos nossos filhos. O Senhor é pleno de graça e repleto de compaixão. O Senhor é bom para todos, e as suas ternas graças recaem sobre toda a sua criação; ele cura os corações alquebrados e medica as suas feridas. Onde me esconderia da presença de Deus? Para onde eu fugiria da presença divina? Aquele Altíssimo e Sublime que habita a eternidade, e cujo nome é Santo, diz: ‘Eu resido no local elevado e santo; e também resido naquele que tem um coração contrito e um espírito humilde!’ Ninguém pode esconder-se do nosso Deus, pois ele preenche o céu e a Terra. Que os céus fiquem felizes e que a Terra se rejubile. Deixai todas as nações dizerem: O Senhor reina! Dai graças a Deus, pois a sua misericórdia perdura para sempre. “Os céus declaram a retidão de Deus, e todo o povo viu a sua glória. Foi Deus que nos fez a nós, e não nós próprios; somos o povo dele, as ovelhas do seu pasto. A sua misericórdia é eterna, e a sua verdade resiste a todas as gerações. O nosso Deus governa entre as nações. Que a Terra fique repleta da sua glória! Ó homens, louvai ao Senhor pela sua bondade e pelas suas dádivas maravilhosas aos filhos dos homens! “Deus criou o homem um pouco aquém do divino e o coroou com amor e misericórdia. O senhor conhece o caminho da retidão, mas o caminho daquele que é mau perecerá. O temor ao Senhor é o começo da sabedoria; conhecer o Supremo é compreendê-lo. O Senhor Todo Poderoso diz: ‘Caminhai comigo e sede perfeitos’. Não esqueçais de que o orgulho vem antes da destruição e que a arrogância de espírito vem antes da queda. Aquele que governa o seu próprio espírito é mais poderoso do que aquele que se apodera


de uma cidade. Diz o Senhor Deus, o Santo: ‘Quando retornardes ao vosso repouso espiritual, sereis salvos; na calma e na confiança estará a vossa força’. Aqueles que servem ao senhor renovarão a sua força; eles elevar-se-ão com asas como águias. Eles correrão Pág. 1445 e não ficarão cansados; eles caminharão e não se esmorecerão. O senhor dar-vos-á o alívio para os vossos medos. Diz o senhor: ‘Não temais, pois estou convosco. Não desanimais, pois eu sou o vosso Deus. Eu fortalecer-vos-ei, eu ajudar-vos-ei e, sim, eu apoiar-vos-ei com a mão direita da minha justiça’. “Deus é o nosso Pai; o Senhor é o nosso redentor. Deus criou as hostes do universo, e ele as preserva a todas. A sua retidão assemelha-se às montanhas e o seu julgamento ao grande abismo. Ele nos faz beber do rio dos seus prazeres, e na sua luz nós veremos a luz. É bom agradecer ao Senhor e cantar louvores ao Altíssimo; demonstrar amor e bondade pela manhã e a devoção da fé toda noite. O Reino de Deus é eterno, e o seu domínio resiste a todas as gerações. O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Graças a ele eu repouso na grama verde; ele me conduz em águas tranqüilas. Ele restaura a minha alma. E me conduz ao caminho da retidão. Sim, embora eu caminhe no vale das sombras da morte, eu não temerei a nenhum mal, pois Deus está comigo. Decerto a bondade e a misericórdia me acompanharão todos dias da minha vida, e eu habitarei para sempre na casa do Senhor. “Yavé é o Deus da minha salvação; portanto colocarei a minha confiança no nome divino. De todo o meu coração eu confiarei no Senhor; eu não me apoiarei na minha própria compreensão. Em todos os meus caminhos eu o reconhecerei e ele dirigirá os meus passos. O Senhor é fiel; ele mantém a sua palavra para com aqueles que o servem; o justo viverá pela sua fé. Vós não fazeis o bem porque o


pecado está junto à porta; os homens colhem o mal que plantam e o pecado que semeiam. Não vos lamurieis por causa dos que fazem o mal. Se vós aceitardes a iniqüidade no vosso coração, o Senhor não vos escutará; se pecardes contra Deus, também errareis contra a vossa própria alma. Deus levará o trabalho de todos os homens a julgamento e junto às coisas mais secretas, sejam boas ou más. Assim como o homem pensa no seu coração, assim ele é. “O Senhor está próximo de todos aqueles que o chamam com sinceridade e com verdade. O pranto pode durar uma noite, mas o júbilo vem pela manhã. Um coração feliz faz tanto bem quanto um medicamento. Deus não recusará nada de bom àqueles que caminham na retidão. Temei a Deus e respeitai os seus mandamentos, pois apenas esse é o dever do homem. Assim diz o Senhor criador dos céus e formador da Terra: ‘Um Deus justo e um salvador, não há outro Deus além de mim. Em todos os confins da Terra, voltai-vos para mim e sejais salvos. Se me procurardes, encontrar-me-eis contanto que me busqueis de todo o coração’. Os mansos herdarão a Terra e deleitar-se-ão na abundância da paz. Aquele que semear a iniqüidade colherá a calamidade; aqueles que semearem ventos colherão tempestades. “‘Vinde agora, pensemos juntos’, diz o Senhor: ‘Embora os vossos pecados sejam escarlates, eles ficarão brancos como a neve. Ainda que sejam vermelhos carmesim, eles ficarão claros como a lã’. Mas não há paz para os perversos; os vossos próprios pecados afastarão de vós as boas coisas. Deus é a saúde no meu rosto e a alegria na minha alma. O Deus eterno é a minha força; ele é a nossa morada, e os seus braços eternos nos sustentam. O Senhor está próximo daqueles que têm o coração alquebrado; ele salva todos que têm o espírito de criança. Muitas são as aflições do homem reto, mas o senhor o livra de todas elas. Entregai o vosso caminho ao Senhor –


confiai nele – e ele vos levará até o fim. Aquele que reside no lugar secreto do Altíssimo habitará à sombra do Todo Poderoso. “Amai o próximo como a vós mesmos; não guardeis rancor de nenhum homem. Não façais a ninguém aquilo que abominais. Amai o vosso irmão, pois o Senhor disse: ‘Eu amarei os meus filhos livremente’. O caminho do justo é como uma luz resplandecente que brilha mais e mais, até o dia perfeito. Aqueles que são sábios resplandecerão com o brilho do Pág. 1446 firmamento e aqueles que conduzirem muitos para a justiça brilharão como as estrelas, para todo o sempre. Que o homem mau abandone o seu caminho de pecado e o homem injusto os seus pensamentos rebeldes. Diz o Senhor: ‘Que eles retornem para mim e eu terei misericórdia para com eles; e os perdoarei totalmente’. “Diz o Senhor, criador do céu e da Terra: ‘Que os que amam a minha lei tenham uma grande paz. Os meus mandamentos são: Vós amarme-eis de todo o coração; não tereis outros deuses diante de mim; não tomareis o meu nome em vão; lembrai-vos de manter santo o dia de sábado; honrai o vosso pai e a vossa mãe; não matareis; não cometereis adultério; não roubareis; não dareis testemunho falso; não cobiçareis’. “E a todos os que amam o Senhor supremamente e ao seu próximo como a si próprios, o Deus do céu diz: ‘Eu vos resgatarei do túmulo; eu vos redimirei da morte. Serei grato para com os vossos filhos, tanto quanto justo. Pois eu não disse das minhas criaturas na Terra, vós sois os filhos do Deus vivo? E eu não vos amei com um amor eterno? E não vos convoquei para vos tornardes semelhantes a mim e para residirdes para sempre comigo no Paraíso?’”


3. BUDISMO Ganid ficou chocado ao descobrir quão perto o budismo chegara de ser uma religião grande e bela, sem Deus, sem uma Deidade pessoal e universal. Contudo, ele encontrou algum registro de certas crenças anteriores, que refletiam algo da influência dos ensinamentos dos missionários de Melquisedeque os quais continuaram seu trabalho na Índia, até os tempos de Buda. Jesus e Ganid coletaram os seguintes trechos da literatura budista: “De um coração puro a alegria brotará para o infinito; todo o meu ser está em paz com esse júbilo supramortal. A minha alma está cheia de contentamento, e o meu coração extravasa com bênçãos de confiança pacífica. Eu não tenho medo; estou liberto das ansiedades. Eu resido na segurança, e os meus inimigos não podem me alarmar. Estou satisfeito com os frutos da minha confiança. Encontrei como me aproximar do Imortal por meio de um acesso fácil. Oro para que a fé me sustente durante a longa jornada; sei que a fé do além não me falhará. Sei que os meus irmãos prosperarão se eles ficarem imbuídos da fé do Imortal, e mesmo da fé que gera a modéstia, a retidão, a sabedoria, a coragem, o conhecimento e a perseverança. Abandonemos a tristeza e rejeitemos o medo. Que nos mantenhamos, pela fé, na verdadeira justiça e na virilidade genuína. Aprendamos a meditar sobre a justiça e a misericórdia. A fé é a verdadeira riqueza do homem; é o dom da virtude e da glória. “A injustiça é indigna; e o pecado é desprezível. O mal é degradante, seja ele forjado em pensamentos ou nos atos. A dor e a tristeza seguem o caminho do mal como o pó segue o vento. A felicidade e a paz da mente seguem o pensamento puro e a vida virtuosa, como a sombra segue a substância das coisas materiais. O mal é fruto do pensamento dirigido de um modo errado. É errado ver o pecado onde não há pecado; e não ver pecado onde está o


pecado. O mal é o caminho das doutrinas falsas. Aqueles que evitam o mal, vendo as coisas como elas são, ganham o júbilo por abraçarem a verdade assim. Dai um fim à vossa miséria, abominando o pecado. Quando olhardes Aquele que é Nobre, afastai-vos do pecado com todo o vosso coração. Não façais apologia do mal; não crieis desculpas para o pecado. Pelos próprios esforços de emendar-vos dos pecados passados, vós adquiris a força para resistir à tendência futura para eles. A resistência ao mal vem do arrependimento. Não deixeis de confessar nenhuma das vossas faltas para com Aquele que é Nobre. Pág. 1447 “A alegria e o contentamento são as recompensas pelos feitos do bem e para a glória do Imortal. Nenhum homem pode roubar a liberdade da vossa própria mente. Quando a fé da vossa religião tiver emancipado o vosso coração, quando a mente, como uma montanha, estiver estabelecida e inamovível, então a paz da alma fluirá tranqüilamente como um rio de água. Aqueles que estiverem certos da salvação estão para sempre livres da luxúria, da inveja, do ódio e das ilusões da riqueza. Embora a fé seja a energia para a vida melhor, contudo, deveis trabalhar para a vossa própria salvação, com perseverança. Se vós estiverdes certos da vossa salvação final, então certificai-vos de que buscais sinceramente cumprir toda a retidão e justiça. Cultivai a certeza do coração que nasce de dentro e que assim vem para desfrutar do êxtase da salvação eterna. “Nenhum religioso pode esperar alcançar a iluminação da sabedoria imortal se persistir sendo preguiçoso, indolente, fraco, impudente e egoísta. Mas quem for prudente, previdente, reflexivo, fervoroso e sincero – até mesmo enquanto ainda viver na Terra – pode alcançar a iluminação suprema da paz e da liberdade da sabedoria divina. Lembrai-vos, cada ato terá a sua recompensa. O mal resulta em tristeza e o pecado termina em dor. O júbilo e a felicidade advêm


de uma vida de bondade. Mesmo o pecador desfruta de uma temporada de graça, antes do total amadurecimento dos seus feitos no mal, mas inevitavelmente a colheita plena deve advir do mal. Que nenhum homem pense no mal com leveza, dizendo ao seu coração: ‘A punição do erro não virá para mim’. O que fizerdes será feito a vós, no julgamento da sabedoria. A injustiça feita aos vossos irmãos retornará para vós. A criatura não pode escapar do destino dos seus feitos. “O tolo diz para o seu coração: ‘o mal não me tomará’. Mas a segurança é encontrada apenas quando a alma aceita a reprovação e a mente busca a sabedoria. O homem sábio é uma alma nobre que permanece amiga diante dos seus inimigos, tranqüila em meio à turbulência e generosa entre os ambiciosos. O amor do ego é como as ervas daninhas em um campo do bem. O egoísmo leva à tristeza; a inquietude perpétua mata. A mente domesticada traz a felicidade. O maior dos guerreiros é o que vence e domina a si próprio. A contenção em todas as coisas é boa. Apenas aquele que estima a virtude e observa o seu dever é uma pessoa superior. Que a raiva e o ódio não sejam os vossos mestres. Não faleis duramente de ninguém. O contentamento é a maior riqueza. O que é dado sabiamente é bem poupado. Não façais aos outros as coisas que não quiserdes sejam feitas a vós. Pagai com o bem pelo mal; vencei o mal com o bem. “Uma alma reta é mais desejável do que a soberania de toda a Terra. A imortalidade é a meta da sinceridade; a morte, o fim de uma vida impensada. Aqueles que são honestos não morrem; os impensados já estão mortos. Abençoados são aqueles que têm o discernimento do estado imortal. Aqueles que torturam os vivos, dificilmente encontrarão a felicidade depois da morte. Os generosos vão para os céus, onde se rejubilam na bênção da liberalidade infinita e continuam a crescer na sua nobre


generosidade. Todo mortal que pensa com justiça, que fala nobremente e age sem egoísmo não apenas desfrutará da virtude aqui, durante esta breve vida, mas também, depois da dissolução do corpo, continuará a desfrutar das delícias do céu”. 4. HINDUÍSMO Os missionários de Melquisedeque levaram consigo, para onde viajaram, os ensinamentos de um único Deus. Grande parte dessa doutrina monoteísta, junto com outros conceitos anteriores, incorporou-se aos ensinamentos posteriores do hinduísmo. Jesus e Ganid selecionaram os seguintes excertos: Pág. 1448 “Ele é o grande Deus, supremo em todos os sentidos. Ele é o Senhor que abrange todas as coisas. Ele é o criador e o controlador do universo dos universos. Deus é um só Deus; ele é único e existe por si próprio; ele é o único. E esse Deus único é o nosso Criador e o destino último da alma. O Supremo brilha mais do que se pode descrever; é a Luz das Luzes. Todo coração e todo mundo estão iluminados por essa luz divina. Deus é o nosso protetor – ele está ao lado das suas criaturas – e aqueles que aprendem a conhecê-lo tornam-se imortais. Deus é a grande fonte de energia; ele é a Grande Alma. Ele exerce a soberania universal sobre tudo. Este único Deus é cheio de amor, é glorioso e adorável. O nosso Deus é supremo em poder e reside na morada suprema. Essa verdadeira Pessoa é eterna e divina; ele é o Senhor primordial dos céus. Todos os profetas o têm louvado, e ele tem revelado a si próprio para nós. Nós o adoramos. Ó Pessoa Suprema, fonte dos seres, senhor da criação e governante do universo, revelai para nós, criaturas vossas, o poder pelo qual vós permaneceis imanente! Deus fez o sol e as estrelas; ele é luminoso, puro e auto-existente. O seu conhecimento eterno é divinamente sábio. O Eterno é impenetrável ao mal. Porque


o universo saiu de Deus, ele o governa apropriadamente. Ele é a causa da criação, e, pois, todas as coisas estão estabelecidas nele. “Deus é o refúgio seguro de todo homem bom que necessita dele; o Único Imortal cuida de toda a humanidade. A salvação de Deus é forte e a sua bondade é graciosa. Ele é um protetor amante, um defensor abençoado. Diz o Senhor: ‘Eu resido nas suas próprias almas como uma lâmpada de sabedoria. Eu sou o resplendor do esplêndido e a bondade do bom. Onde dois ou três reúnem-se, lá também eu estou’. A criatura não pode escapar da presença do Criador. O Senhor chega a contar as piscadelas dos olhos de todos os mortais; e nós adoramos esse Ser divino como o nosso companheiro inseparável. Ele prevalece acima de tudo, é magnânimo, onipresente e infinitamente bom. O Senhor é o nosso governante, o nosso abrigo e o controlador supremo e o seu espírito primordial reside na alma mortal. Testemunho Eterno do vício e da virtude, ele reside no coração do homem. Meditemos longamente sobre o Vivificador adorável e divino; que o seu espírito dirija totalmente os nossos pensamentos. Deste mundo irreal conduzi-nos ao real! Da escuridão conduzi-nos à luz! Da morte guiai-nos à imortalidade! “Com os nossos corações purgados de todo ódio, adoremos o Eterno. O nosso Deus é o Senhor da prece; ele escuta o choro dos seus filhos. Que todos os homens submetam as suas vontades a ele, o Resoluto. Deliciemo-nos na liberalidade do Senhor da prece. Fazei da prece o vosso amigo interior e adorai o suporte da vossa alma. ‘Se apenas me adorardes com amor’, diz o Eterno, ‘eu dar-vos-ei a sabedoria para alcançar-me, pois adorar-me é a virtude comum a todas as criaturas’. Deus é o iluminador dos melancólicos e a força daqueles que estão abatidos. Se Deus é o nosso amigo forte, não mais temos medo. Louvamos o nome do Conquistador nunca conquistado. Nós o adoramos porque ele é o apoio fiel e eterno do homem. Deus é o nosso líder seguro e guia infalível. Ele é o grande


Pai do céu e da Terra, que possui energia ilimitada e sabedoria infinita. O seu esplendor é sublime e a sua beleza divina. Ele é o refúgio supremo do universo e o guardião imutável da lei eterna. O nosso Deus é o Senhor da vida e o Confortador de todos os homens; ele ama a humanidade e ajuda àqueles que estão aflitos. Ele nos deu a vida e é o Bom Pastor dos rebanhos humanos. Deus é o nosso pai, irmão e amigo. E nós ansiamos por conhecer esse Deus no nosso ser interno. “Nós aprendemos a ganhar a fé pelo desejo dos nossos corações. Nós alcançamos a sabedoria pela reclusão dos nossos sentidos, e com a sabedoria nós experimentamos a paz no Supremo. Aquele que está cheio de fé adora verdadeiramente quando, no seu eu interior, tem o intento de Deus. O nosso Deus usa os céus como um manto; ele também reside nos outros Pág. 1449 seis universos em grande expansão. Ele é supremo acima de tudo e em tudo. Nós suplicamos o perdão do Senhor por todos os nossos abusos contra os nossos semelhantes; e nós perdoamos o nosso amigo pelo erro que ele cometeu contra nós. O nosso espírito abomina todo o mal; portanto, ó Senhor, libertai-nos de toda mancha de pecado. Oramos a Deus como o confortador, protetor e salvador – como aquele que nos ama. “O espírito do Sustentador do Universo entra na alma da criatura simples. Sábio é aquele homem que adora o único Deus. Aqueles que se esforçam pela perfeição devem de fato conhecer o Senhor Supremo. Aquele que conhece a segurança abençoada do Supremo nunca teme, pois o Supremo diz àqueles que o servem: ‘Não temais, pois eu estou convosco’. O Deus da providência é o nosso Pai. Deus é verdade. E o desejo de Deus é que as suas criaturas devam compreendê-lo – que cheguem a conhecer plenamente a verdade. A


verdade é eterna; ela sustenta o universo. O nosso desejo supremo será a união com o Supremo. O Grande Controlador é o gerador de todas as coisas – tudo evolui dele. E esse é todo o dever: Que nenhum homem faça a outro o que seria repugnante para ele próprio; não alimenteis nenhuma malícia, não batais naquele que bater em vós, vencei a raiva com a misericórdia, e triunfai sobre o ódio pela benevolência. E tudo isso devemos fazer porque Deus é uma espécie de amigo e um pai cheio de graças que redime todas as nossas ofensas terrenas. “Deus é o nosso Pai, a Terra é a nossa mãe e o universo o nosso local de nascimento. Sem Deus a alma é uma prisioneira; conhecer a Deus liberta a alma. Pela meditação em Deus, pela união com ele, vem a libertação das ilusões do mal e a salvação última das prisões materiais. Quando o homem puder enrolar o espaço como um pedaço de couro, então virá o fim do mal porque ele terá encontrado a Deus. Ó Deus, salvai-nos da tríplice ruína do inferno – o desejo, a ira e a avareza! Ó alma, reforça-te para a luta espiritual da imortalidade! Quando o fim da vida mortal vier, não hesites em abandonar esse corpo por uma forma mais própria e mais bela e para despertar-te nos reinos do Supremo e Imortal, onde não há nenhum medo, tristeza, fome, sede ou morte. Conhecer a Deus é cortar as cordas da morte. A alma que conhece a Deus eleva-se no universo, como o creme paira sobre o leite. Nós adoramos a Deus, o artesão de tudo, a Grande Alma que está sempre assentada no coração das suas criaturas. E aquele que sabe que Deus está entronizado no coração do homem está destinado a tornar-se como ele – imortal. O mal deve ser deixado para trás nesse mundo, mas a virtude segue com a alma para o céu. “Apenas os perversos dizem: o universo não tem nem verdade nem governante; ele foi feito para os nossos prazeres. Essas almas são enganadas pela pequenez dos seus intelectos. Assim abandonam-se


ao gozo da sua luxúria e privam as próprias almas do júbilo da virtude e dos prazeres da retidão. O que pode ser maior do que experimentar a salvação do pecado? O homem que tiver visto o Supremo é imortal. Os bens da carne não podem sobreviver à morte; só a virtude caminha ao lado do homem enquanto ele viaja sempre adiante na direção dos campos cheios de alegria e sol do Paraíso”. 5. ZOROASTRISMO Zoroastro esteve, ele próprio, em contato direto com os descendentes dos primeiros missionários da missão Melquisedeque, e a sua doutrina do Deus único tornou-se um ensinamento central na religião que ele fundou na Pérsia. À parte o judaísmo, nenhuma religião daquela época continha um teor tão alto dos ensinamentos de Salém. Dos registros dessa religião Ganid retirou as seguintes citações: Pág. 1450 “Todas as coisas vêm do Deus Único e pertencem a ele – onisciente, bom, justo, santo, resplandecente e glorioso. Esse nosso Deus é a fonte de toda a luminosidade. Ele é o Criador, o Deus de todos os propósitos, e o protetor da justiça do universo. O curso sábio da vida é agir em consonância com o Espírito da Verdade. Deus a tudo vê, e ele percebe tanto os feitos errados dos maus quanto as boas obras dos justos; o nosso Deus observa todas as coisas com um olho reluzente. O seu toque é o toque da cura. O Senhor é o benfeitor Todo Poderoso. Deus estende a sua mão benéfica tanto para o justo quanto para o perverso. Deus estabeleceu o mundo e ordenou as recompensas para o bem e para o mal. O Deus onisciente prometeu imortalidade às almas pias, que pensam com pureza e agem com justiça. E como desejardes supremamente, assim será. A luz do sol é como a sabedoria para aqueles que discernem Deus no universo.


“Louvai a Deus procurando o prazer do Único Sábio. Adorai o Deus da luz trilhando alegremente os caminhos ordenados pela sua religião revelada. Não há senão um Deus Supremo, o Senhor das Luzes. Nós adoramos aquele que fez as águas, as plantas, os animais, a Terra e os céus. O nosso Deus é o Senhor, o mais beneficente. Nós adoramos o mais formoso, o generoso Imortal, dotado com a luz eterna. Deus está muito distante de nós e ao mesmo tempo ele está bem perto de nós, pois reside dentro das nossas almas. O nosso Deus é o espírito mais divino e mais santo do Paraíso, e ainda mais amigo do homem do que a mais amiga de todas as criaturas. Deus é de uma grande ajuda para nós, na maior de todas as tarefas: o conhecimento dele próprio. Deus é o nosso mais adorável e justo amigo; ele é a nossa sabedoria, a vida e o vigor da alma e do corpo. Através dos nossos bons pensamentos o sábio Criador capacitar-nos-á a cumprir a sua vontade, alcançando assim a realização de tudo o que é divinamente perfeito. “Senhor, ensinai-nos como viver esta vida na carne enquanto nos preparamos para a próxima vida do espírito. Falai-nos, Senhor, e faremos o que nos mandardes. Ensinai-nos os bons caminhos, e nos conduziremos pelo bom caminho. Concedei-nos alcançar a união convosco. Sabemos que a religião que leva à união com a retidão está certa. Deus é a nossa natureza sábia, o melhor pensamento e o ato justo. Possa Deus conceder-nos a união com o espírito divino e a imortalidade nele próprio! “Esta religião do Único Sábio purifica o crente de todo mau pensamento e dos feitos pecaminosos. Me curvo diante do Deus do céu em arrependimento, caso eu vos tenha ofendido em pensamentos, palavras ou atos – intencionalmente ou não –, e eu ofereço orações em agradecimento e a louvação pelo perdão. Sei que quando eu me confesso, se me propuser a não cometer de novo o pecado, ele será removido da minha alma. Sei que o perdão remove


os laços do pecado. Aqueles que fazem o mal receberão a punição, mas aqueles que se conduzirem segundo a verdade desfrutarão da bênção de uma salvação eterna. Tomai-nos por intermédio da graça e ministrai o poder salvador às nossas almas. Nós clamamos por misericórdia porque aspiramos alcançar a perfeição; nós poderíamos ser como Deus”. 6. SUDUANISMO ( JAINISMO) O terceiro grupo de crentes religiosos que preservaram a doutrina de um Único Deus na Índia – a sobrevivência dos ensinamentos de Melquisedeque – era conhecido naqueles dias como os suduanistas. Mais recentemente esses crentes ficaram conhecidos como seguidores do jainismo. Eles ensinaram: “O Deus do Céu é supremo. Aqueles que cometem pecados não ascenderão ao alto, mas aqueles que caminharem nas trilhas da justiça encontrarão um lugar no céu. A vida posterior nos é assegurada se conhecermos a verdade. A alma do homem pode ascender Pág. 1451 ao céu mais elevado, para lá desenvolver a sua verdadeira natureza espiritual, até alcançar a perfeição. O estado celeste libera o homem das cadeias do pecado e o introduz às beatitudes últimas; o homem justo já experimentou um fim dos pecados e de todas as misérias a ele ligadas. O ego é o inimigo invencível do homem, e manifesta-se como as quatro maiores paixões do homem: a raiva, o orgulho, o engano e a cobiça. A maior vitória do homem é a conquista de si próprio. Quando o homem volta-se a Deus pelo perdão, e quando ele ousa desfrutar dessa liberdade, por meio disto ele libera-se do medo. O homem deveria passar pela vida tratando as criaturas semelhantes suas como ele gostaria de ser tratado”.


7. XINTOISMO Havia pouco tempo que os manuscritos dessa religião do Oriente distante tinham chegado à biblioteca de Alexandria. Era a única religião do mundo de que Ganid nunca tinha ouvido falar. Essa crença também continha remanescentes dos primeiros ensinamentos de Melquisedeque, como nos é mostrado no seguinte resumo: “Diz o senhor: ‘Vós todos sois recipientes do meu poder divino; todos os homens desfrutam da minha ministração de misericórdia. Eu tenho um grande prazer na multiplicação dos homens justos pelas terras. Tanto nas belezas da natureza quanto nas virtudes dos homens, o Príncipe dos Céus busca revelar a si próprio e mostrar a sua natureza reta. Já que os povos antigos não sabiam o meu nome, eu me manifestei nascendo no mundo como uma existência visível e me submeti a uma tal humilhação para que os homens não esquecessem o meu nome. Eu sou aquele que fez o céu e a Terra; o sol e a lua e todas as estrelas obedecem à minha vontade. Eu sou o governante de todas as criaturas nas terras e nos quatro mares. Embora eu seja grande e supremo, eu ainda tenho consideração pela prece do homem mais humilde. Se qualquer criatura me adorar, eu ouvirei a sua prece e concederei o desejo do seu coração’. “‘Toda vez que o homem der lugar à ansiedade, ele fica um passo mais longe de deixar o espírito governar o seu coração’. O orgulho esconde Deus. Se vós quiserdes obter a ajuda celeste, ponde o orgulho de lado; cada traço de orgulho intercepta a luz salvadora, como se fosse uma grande nuvem. Se vós não tendes a retidão dentro de vós, inútil é orar àquele que está do lado de fora. ‘Se escuto as vossas preces, é porque vindes a mim com um coração limpo, livre de falsidade e de hipocrisia, com uma alma que reflete a verdade como um espelho. Se quiserdes ganhar a imortalidade, abandonai o mundo e vinde a mim’ ”.


8. TAOISMO Os mensageiros de Melquisedeque penetraram bem a fundo na China, e a doutrina de um único Deus tornou-se uma parte dos primeiros ensinamentos de várias religiões chinesas; a que perdurou por mais tempo e que continha a maior parte da verdade monoteísta foi o taoísmo, e Ganid reuniu o seguinte, dos ensinamentos do seu fundador: “Quão puro e tranqüilo é o Único Supremo e ainda quão forte e poderoso, profundo e insondável! Esse Deus do céu é o honrado ancestral de todas as coisas. Se vós conheceis o Eterno, sois esclarecidos e sábios. Se vós não conheceis o Eterno, então a ignorância manifesta-se em vós como um mal, e assim as paixões do pecado surgem. Esse Ser maravilhoso existia antes que existissem os céus e a Terra. Ele é verdadeiramente espiritual; ele é único e não muda. Ele de fato é a mãe do mundo e toda a criação move-se em torno dele. Esse Grande Ser distribui-se aos Pág. 1452 homens e assim capacita-os a elevarem-se e a sobreviverem. Mesmo se alguém não tem senão poucos conhecimentos, ainda assim pode andar nos caminhos do Supremo; pode conformar-se à vontade do céu. “Todas as boas obras do verdadeiro serviço vêm do Supremo. Todas as coisas dependem da Grande Fonte para viver. O Grande Supremo não exige nada para a dádiva da sua outorga. Ele é supremo em poder, e ainda assim ele permanece escondido dos nossos olhares. Ele transmuta incessantemente os seus atributos ao aperfeiçoar as suas criaturas. A Razão celeste é lenta e paciente nos seus desígnios, mas é certa da sua realização. O Supremo abrange todo o universo e o sustenta por inteiro. Quão grande e poderosa é a sua


influência transbordante e o seu poder de atração! A verdadeira bondade é como a água, pois abençoa a tudo e não fere a ninguém. E, como a água, a verdadeira bondade procura os lugares mais baixos, e mesmo aqueles níveis que os outros evitam e isso porque ela é semelhante ao Supremo. O Supremo cria todas as coisas, nutrindoas na natureza e perfeccionando-as no espírito. E é um mistério como o Supremo sustenta, protege e perfecciona a criatura sem obrigá-la. Ele guia e dirige, mas sem imposições. Ele ministra a progressão, mas sem dominação. “O homem sábio universaliza o seu coração. Um conhecimento pequeno é uma coisa perigosa. Aqueles que aspiram à grandeza devem aprender a humilhar a si próprios. Na criação, o Supremo tornou-se a mãe do mundo. Conhecer a própria mãe é reconhecer a própria filiação. Aquele que considera todas as partes do ponto de vista do todo é um homem sábio. Relacionai-vos com todo homem como se vós estivésseis no lugar dele. Recompensai a injúria com a bondade. Se amardes as pessoas, elas aproximar-se-ão de vós – e vós não tereis nenhuma dificuldade em ganhá-las. “O Grande Supremo a tudo penetra; ele está na mão esquerda e na direita; ele sustenta toda a criação e reside em todos os seres verdadeiros. Vós não podeis achar o Supremo, nem podeis ir a um lugar onde ele não esteja. Se um homem reconhece o mal das suas ações e arrepende-se de coração do pecado, então ele pode buscar o perdão, pode escapar da punição e pode transformar a calamidade em uma bênção. O Supremo é o refúgio seguro para toda a criação; ele é o guardião e o salvador da humanidade. Caso o buscais diariamente, vós o encontrareis. Já que ele pode perdoar os pecados, ele é de fato muito precioso para todos os homens. Lembrai-vos sempre de que Deus não recompensa o homem pelo que ele faz, mas pelo que ele é; portanto, deveríeis estender a vossa


ajuda aos vossos semelhantes sem pensar em recompensa. Fazei o bem sem pensar em benefícios para os vossos egos. “Aqueles que conhecem as leis do Eterno são sábios. A ignorância da lei divina é a miséria e o desastre. Aqueles que conhecem as leis de Deus têm a mente liberal. Se conhecerdes o Eterno, ainda que o vosso corpo pereça, a vossa alma sobreviverá no serviço do espírito. Vós sereis verdadeiramente sábios se reconhecerdes a vossa insignificância. Se habitardes na luz do Eterno, desfrutareis do esclarecimento do Supremo. Aqueles que dedicam o próprio ser ao serviço do Supremo rejubilam-se nessa busca do Eterno. Quando um homem morre, o espírito começa a fazer o seu longo vôo de viagem para o grande lar”. 9. CONFUCIONISMO Até mesmo a religião que menos reconhecia a Deus, dentre as grandes religiões do mundo, aceitou o monoteísmo dos missionários de Melquisedeques e dos seus sucessores persistentes. O sumário que Ganid fez do confucionismo foi: “O que o Céu aponta não contém erro. A verdade é real e divina. Tudo se origina no Céu, e o Grande Céu não comete erros. O Céu destacou muitos subordinados para ajudarem na instrução e na elevação das Pág. 1453 criaturas inferiores. Grande, bastante grande mesmo, é o Único Deus que governa o homem do alto. Deus é majestático em poder e temível no seu juízo. Mas esse Grande Deus conferiu um senso de moral até mesmo a muita gente inferior. A abundância do Céu nunca cessa. A benevolência é o dom mais precioso do Céu para os homens. O Céu conferiu a sua nobreza à alma do homem; as virtudes do


homem são fruto desse dom da nobreza do Céu. O Grande Céu a tudo discerne e vai com o homem em todas as suas ações. E fazemos bem quando chamamos o Grande Céu de nosso Pai e de nossa Mãe. Se somos servos assim dos nossos ancestrais divinos, então podemos fazer uma prece confiante ao Céu. Em todos os tempos e para todas as coisas devemos temer a majestade do Céu. Reconhecemos, Ó Deus, Potentado Mais Alto e soberano, que o julgamento é vosso, e que toda a misericórdia vem do coração divino. “Deus está conosco; e por isso não temos medo nos nossos corações. Se alguma virtude há em mim, é a manifestação do Céu que reside em mim. Mas esse Céu dentro de mim muitas vezes exige muito duramente da minha fé. Se Deus está comigo, eu determinei não ter nenhuma dúvida no meu coração. A fé deve estar muito perto da verdade das coisas, e eu não sei como um homem pode viver sem essa boa-fé. O bem e o mal não acontecem aos homens sem uma causa. O Céu lida com a alma do homem de acordo com o seu propósito. Quando vós encontrardes a vós mesmos no mal, não hesiteis em confessar o vosso erro e em serdes rápidos em emendar-vos. “Um homem sábio ocupa-se com a busca da verdade, não busca viver meramente. Alcançar a perfeição do Céu é a meta do homem. O homem superior é dado ao auto-ajustamento, e está livre das ansiedades e do medo. Deus está convosco; não tenhais dúvidas no vosso coração. Toda a boa ação tem a sua recompensa. O homem superior não murmura contra o Céu, nem guarda rancor contra os homens. Aquilo que vós não gostais que seja feito a vós, não façais aos outros. Que a compaixão seja parte de toda punição; de todo modo tentai fazer da punição uma bênção. Esse é o caminho do Grande Céu. Enquanto todas as criaturas devem morrer e voltar à


terra, o espírito do homem nobre avança para ser exposto no alto e para ascender à luz gloriosa do resplendor final”. 10. “A NOSSA RELIGIÃO” Depois da árdua tarefa de efetuar essa compilação dos ensinamentos das religiões do mundo a respeito do Pai do Paraíso, Ganid estabeleceu para si próprio a tarefa de formular o que ele considerava ser um sumário da crença à qual ele tinha chegado, considerando Deus como um resultado do ensinamento de Jesus. Esse jovem homem tinha o hábito de referir-se a essas crenças como “a nossa religião”. Esta foi a sua exposição: “O Senhor nosso Deus é um Senhor único, e vós deveríeis amá-lo com toda a vossa mente e coração, fazendo o melhor para amardes a todos os seus filhos como vós amais a vós próprios. Esse Deus é o nosso Pai celeste, em quem todas as coisas consistem e que reside, por intermédio do seu espírito, em todas as almas humanas sinceras. E nós, que somos os filhos de Deus, deveríamos aprender a entregar a Ele a guarda das nossas almas, como Criador fiel que é. Para o nosso Pai celeste todas as coisas são possíveis. Já que ele é o Criador, tendo feito todas as coisas e todos os seres, não poderia ser de outra forma. Embora não possamos ver a Deus, podemos conhecê-lo. E vivendo cotidianamente segundo a vontade do Pai no céu, nós podemos revelá-lo para os nossos companheiros. “As riquezas divinas do caráter de Deus devem ser infinitamente profundas e eternamente sábias. Nós não podemos procurar a Deus pelo conhecimento, mas podemos conhecê-lo nos nossos corações pela experiência pessoal. Ainda que não possamos compreender a sua justiça, a sua misericórdia pode ser recebida pelo ser mais humilde na Terra. Se bem que o Pai preencha o universo, Pág. 1454


ele também vive nos nossos corações. A mente do homem é humana, e mortal, mas o espírito do homem é divino, imortal. Deus não é apenas Todo Poderoso mas também onisciente. Se os nossos pais, cujas tendências naturais podem ser más, sabem como amar os seus filhos e conferir boas dádivas a eles, então muito mais o Pai de bondade no céu deverá saber como amar sabiamente os seus filhos na Terra e conferir bênçãos apropriadas a eles. “O Pai nos céus não deixará que um único filho na Terra pereça, se este filho tiver o desejo de encontrar o Pai e se verdadeiramente quiser ser como ele. O nosso Pai ama até mesmo aos maus e é sempre bom e grato para com os ingratos. Se mais seres humanos pudessem apenas saber sobre a bondade de Deus, eles seriam levados a arrependerem-se dos seus atos maus e a abandonarem todos os pecados conhecidos. Todas as coisas boas vêm do Pai da luz, em quem não há variabilidade nem sombra de inconstância. O espírito do verdadeiro Deus está no coração do homem. Ele faz com que todos os homens sejam irmãos. Quando os homens começam a sentir-se buscando a Deus, isso é uma evidência de que Deus os encontrou e de que eles estão à procura de conhecimentos sobre ele. Vivemos em Deus e Deus nos reside. “Eu não mais me sentirei satisfeito de acreditar que Deus é o Pai de todo o meu povo; doravante eu acreditarei que ele é também o meu Pai. Eu sempre tentarei adorar a Deus com a ajuda do Espírito da Verdade, que é a minha ajuda quando eu tiver me transformado realmente em um ser conhecedor de Deus. Mas antes de tudo eu vou praticar a adoração a Deus aprendendo como cumprir a vontade de Deus na Terra, isto é, farei o melhor de mim para tratar a cada um dos meus semelhantes mortais exatamente como eu acho que Deus gostaria que eles fossem tratados. E quando vivemos essa espécie de vida na carne, podemos pedir muitas coisas a Deus, e ele nos concederá o desejo dos nossos corações para que estejamos


mais bem preparados para servir aos nossos irmãos. E todo esse serviço de amor dos filhos de Deus amplia a nossa capacidade de receber e de experimentar as alegrias do céu, o prazer elevado da ministração do espírito do céu. “Eu agradecerei todos os dias a Deus pelas suas dádivas inexprimíveis; eu o louvarei pelos seus trabalhos maravilhosos para os filhos dos homens. Para mim ele é o Todo Poderoso, o Criador, o Poder e a Misericórdia, mas melhor do que tudo, ele é o Pai espiritual e como seu filho terreno eu avançarei sempre para vê-lo. E o meu tutor me disse que ao procurá-lo eu me tornarei como ele. Pela fé em Deus eu alcancei a paz com ele. Essa nossa nova religião é bastante cheia de júbilo, e gera uma felicidade perene. Estou confiante de que serei fiel até a morte, e que eu certamente receberei a coroa da vida eterna. “Estou aprendendo a colocar todas as coisas à prova e a aderir àquilo que é bom. Farei ao meu semelhante o que eu gostaria que fosse feito a mim. Por meio dessa nova fé eu sei que o homem pode tornar-se o filho de Deus, mas algumas vezes eu me aterrorizo ao pensar que todos os homens são meus irmãos, mas deve ser verdade. Não vejo como posso me rejubilar com a paternidade de Deus enquanto eu recusar a aceitar a irmandade dos homens. Todo aquele que chamar pelo nome do Senhor será salvo. Se isso é verdadeiro, então todos os homens devem ser meus irmãos. “Doravante, eu farei as minhas ações para o bem em silêncio; e também orarei mais, quando estiver a sós. Eu não julgarei para que não seja injusto para com os meus irmãos. Aprenderei a amar os meus inimigos; não tenho ainda essa prática sob a mestria de um controle verdadeiro, a prática de ser como Deus. Embora eu veja Deus nessas outras religiões, encontro Deus na ‘nossa religião’ como sendo mais belo, mais cheio de amor, mais misericordioso, mais pessoal e positivo. Mas mais do que tudo, esse grande e glorioso Ser


é o meu Pai espiritual; eu sou o seu filho. E de nenhum outro modo, a não ser pelo meu desejo honesto de ser como ele, eu irei finalmente encontrá-lo e eternamente servir a ele. Pois afinal tenho uma religião com um Deus, um Deus maravilhoso, e um Deus de salvação eterna”. DOCUMENTO 132 A PERMANÊNCIA EM ROMA Posto que Gonod trazia saudações dos príncipes da Índia para Tibério, o governante romano, ao terceiro dia depois da sua chegada em Roma, os dois indianos e Jesus apareceram diante dele. O taciturno imperador estava inusitadamente alegre nesse dia e conversou longamente com os três. E, quando eles tinham saído da sua presença, o imperador, referindo-se a Jesus, observou para o ajudante de pé à sua direita: “Se eu tivesse essa sua postura de rei e as maneiras graciosas dele, eu seria um imperador de fato, não é?” Enquanto estava em Roma, Ganid tinha horas regulares para o estudo e para visitar os lugares de interesse pela cidade. O seu pai tinha muitos negócios para desenvolver e, desejando que o seu filho crescesse para tornar-se um sucessor digno na administração dos seus vastos interesses comerciais, ele julgou chegada a hora de apresentar o rapaz ao mundo dos negócios. Havia muitos cidadãos da Índia em Roma e, freqüentemente, um dos próprios empregados de Gonod acompanhá-lo-ia como intérprete, de modo que Jesus tinha dias inteiros para si próprio; isso deu a ele tempo para conhecer profundamente essa cidade de dois milhões de habitantes. Ele era encontrado freqüentemente no foro, o centro da vida política, legal e dos negócios. Muitas vezes ele ia ao Capitólio e ponderava sobre a servidão da ignorância, na qual os romanos eram mantidos, e ao mesmo tempo contemplava esse


magnífico templo dedicado a Júpiter, Juno e Minerva. Ele também passava muito tempo no monte Palatino, onde estavam localizados a residência do imperador, o templo de Apolo e as bibliotecas grega e latina. Nessa época, o império romano incluía todo o sul da Europa, a Ásia Menor, a Síria, o Egito e o noroeste da África; e os seus habitantes abrangiam os cidadãos de todos os países do Hemisfério Oriental. O seu desejo de estudar e de imiscuir-se nessa agregação cosmopolita dos mortais de Urântia, era a razão principal pela qual Jesus tinha consentido em fazer essa viagem. Jesus aprendeu muito sobre os homens enquanto estava em Roma, mas a mais valiosa de todas as múltiplas experiências da sua permanência de seis meses naquela cidade foi o seu contato com os líderes religiosos da capital do império, e a influência que teve sobre eles. Antes do fim da primeira semana em Roma, Jesus tinha procurado e conhecido os líderes mais qualificados dos cínicos, dos estóicos e dos cultos dos mistérios, em particular o grupo mitraico. Fosse ou não visível para Jesus que os judeus iriam rejeitar a sua missão, ele muito certamente previu que os seus mensageiros deviam em breve vir a Roma para proclamar o Reino do céu; e, pois, ele se pôs, da maneira mais surpreendente, a preparar o caminho para a melhor e mais segura recepção da sua mensagem. E escolheu cinco dos líderes estóicos, onze dos cínicos e dezesseis dos líderes dos cultos dos mistérios e Pág. 1456 passou grande parte do tempo que lhe sobrava, durante quase seis meses, em contato estreito com esses instrutores religiosos. E esse foi o seu método de instrução: nunca, uma vez sequer ele atacou os erros, nem mesmo mencionou as imperfeições dos ensinamentos deles. Em cada caso, ele selecionaria a verdade dentro do que eles


ensinavam e então trabalharia como que para dar beleza e para iluminar essa verdade nas mentes deles, de um tal modo que, em um tempo muito curto, essa elevação da verdade efetivamente expulsava os erros anteriores; e, assim, foram esses homens e mulheres, ensinados por Jesus, preparados para o reconhecimento subseqüente de verdades similares e adicionais nos ensinamentos dos primeiros missionários cristãos. Foi essa pronta aceitação dos ensinamentos dos pregadores do evangelho que deu aquela impulsão poderosa para a difusão rápida do cristianismo em Roma e dali para todo o império. O significado desse feito notável pode ser mais bem compreendido ao reportarmo-nos ao fato de que, desse grupo de trinta e dois líderes religiosos, instruídos por Jesus, em Roma, apenas dois não deram frutos; trinta deles tornaram-se indivíduos fundamentais para a implantação do cristianismo em Roma, e alguns deles colaboraram também para transformar o principal templo mitraico na primeira igreja cristã daquela cidade. Nós, que observamos as atividades humanas por detrás das cenas, e à luz de dezenove séculos de tempo, reconhecemos apenas três fatores como sendo de valor supremo para o pronto estabelecimento do cenário para a disseminação rápida do cristianismo por toda Europa, e esses são: 1. A escolha e a sustentação de Simão Pedro como apóstolo. 2. A conversa, em Jerusalém, com Estêvão, cuja morte levou à conversão de Saulo de Tarso. 3. A preparação preliminar desses trinta romanos para a subseqüente liderança da nova religião em Roma e em todo o império. Durante todas as suas experiências, nem Estêvão nem os trinta escolhidos jamais se deram conta de que tinham certa vez falado


com o homem cujo nome se tornou o tema dos seus ensinamentos religiosos. A obra de Jesus junto a esses trinta e dois escolhidos, originalmente, foi inteiramente pessoal. Nos seus trabalhos para com esses indivíduos o Escriba de Damasco nunca se encontrou com mais do que três de uma só vez, raramente com mais do que dois, e mais freqüentemente ele os instruía individualmente. E ele podia fazer esse grande trabalho de aperfeiçoamento religioso porque esses homens e mulheres não eram presos às tradições; eles não eram vítimas de preconceitos estabelecidos quanto aos desenvolvimentos religiosos futuros. Muitas foram as vezes nos anos que logo se seguiram, nos quais Pedro, Paulo e os outros instrutores cristãos em Roma ouviram sobre esse Escriba de Damasco, que os tinha precedido e que tinha tão obviamente (e, não propositadamente, como eles supunham) preparado o caminho para a vinda deles com o novo evangelho. Embora Paulo nunca realmente tenha suspeitado da identidade desse Escriba de Damasco, pouco tempo antes da sua morte, e por causa da semelhança de algumas descrições pessoais, ele chegou à conclusão de que “o fazedor de tendas da Antióquia” era também o “Escriba de Damasco”. Numa ocasião, enquanto pregava em Roma, Simão Pedro, ao ouvir uma descrição do Escriba de Damasco, conjecturou que esse indivíduo poderia ter sido Jesus, mas rapidamente descartou a idéia, sabendo muito bem (assim ele pensou) que o Mestre nunca tinha estado em Roma. 1. OS VALORES VERDADEIROS Foi com Angamon, o líder dos estóicos, que Jesus teve uma conversa de uma noite inteira, nos primeiros dias da sua estada em Roma. Esse homem subseqüentemente tornou-se um grande Pág. 1457


amigo de Paulo e acabou sendo um dos fortes sustentáculos da igreja cristã em Roma. Em essência, e restaurado em frases modernas, eis o que Jesus ensinou a Angamon: O critério para os verdadeiros valores deve ser buscado no mundo espiritual e nos níveis divinos da realidade eterna. Para um mortal ascendente, todos os padrões inferiores e materiais devem ser reconhecidos como transitórios, parciais e inferiores. O cientista, como tal, está limitado à descoberta da relação entre os fatos materiais. Enquanto cientista, ele não tem o direito de asseverar ser nem materialista nem idealista. Se fizer uma tal escolha, ele estará abandonando a sua posição de cientista verdadeiro; pois qualquer atitude de afirmação assim só cabe à essência mesma da filosofia. A menos que o discernimento moral e o nível da realização espiritual da humanidade sejam elevados proporcionalmente, o avanço ilimitado de uma cultura puramente materialista pode, afinal, tornar-se uma ameaça para a civilização. Uma ciência puramente materialista abriga, dentro de si mesma, a semente potencial da destruição de todo o esforço científico, pois essa mesma atitude pressagia o colapso final de uma civilização que teria abandonado o seu senso de valores morais e que teria repudiado a sua meta de alcance na realização espiritual. O cientista materialista e o idealista extremista estão destinados sempre a estar em extremos opostos. Isso não é verdade para aqueles cientistas e idealistas que estão de posse de um padrão comungado de altos valores morais e de um alto nível de comprovação espiritual. Em todas as épocas, os cientistas e os religiosos devem reconhecer que eles são postos à prova perante o tribunal da necessidade humana. Eles devem abster-se de todo guerrear entre si próprios, enquanto lutam valentes para justificar a sua sobrevivência contínua por meio de uma elevada devoção a


serviço do progredir humano. Se a chamada ciência ou a religião de qualquer época é falsa, então ela ou deve purificar as suas atividades ou então desaparecerá diante do surgimento de uma ciência material ou de uma religião espiritual de uma ordem mais verdadeira e mais condigna. Mardus era o líder reconhecido dos cínicos de Roma, e tornou-se um grande amigo do Escriba de Damasco. Dia após dia, conversava ele com Jesus e, noite após noite, ele escutava os seus ensinamentos supernos. Entre as mais importantes argumentações com Mardus estava aquela destinada a responder à pergunta desse sincero cínico sobre o bem e o mal. Na linguagem deste século, em essência, eis o que Jesus disse: Meu irmão, o bem e o mal são meramente palavras que simbolizam níveis relativos da compreensão humana do universo observável. Se tu és eticamente ocioso e socialmente indiferente, tu podes tomar como o teu padrão de bem tudo o que é do uso social corrente. Se tu és espiritualmente indolente e se não tens aspirações de progresso moral, tu podes tomar como padrões do bem as práticas religiosas e as tradições dos teus contemporâneos. Mas a alma que sobrevive no tempo e que emerge para a eternidade deve fazer uma escolha viva e pessoal entre o bem e o mal, tal como eles são determinados pelos valores verdadeiros dos padrões espirituais estabelecidos pelo espírito divino, que o Pai nos céus enviou para residir dentro do coração do homem. Esse espírito residente é o padrão da sobrevivência da personalidade. A bondade, como a verdade, é sempre relativa e, infalivelmente, contrasta com o mal. É a percepção dessas qualidades de bondade e de verdade que capacita as almas Pág. 1458


em evolução dos homens a tomar aquelas decisões pessoais cujas escolhas são essenciais para a sobrevivência eterna. O indivíduo espiritualmente cego, que logicamente segue os ditames científicos, o uso social e o dogma religioso, permanece no grave perigo de sacrificar a sua liberdade moral e de perder a sua liberdade espiritual. Tal alma está destinada a tornar-se um papagaio intelectual, um autômato social e um escravo da autoridade religiosa. A bondade está sempre ascendendo a novos níveis de liberdade crescente, de auto-realização moral e de realização da personalidade espiritual – a descoberta do Ajustador residente e a identificação com ele. Uma experiência é boa quando ela eleva a apreciação da beleza, aumenta a vontade moral, realça o discernimento da verdade, amplia a capacidade de amar e servir aos semelhantes, exalta os ideais espirituais e unifica os motivos humanos supremos, no tempo, com os planos eternos do Ajustador residente, todos os quais conduzem diretamente a um desejo maior de fazer a vontade do Pai, e isso nutre a paixão divina de encontrar Deus e de ser mais como Ele. À medida que vós ascenderdes na escala do desenvolvimento da criatura no universo, vós encontrareis uma bondade crescente e uma diminuição do mal, em perfeita concordância com a vossa capacidade para a experiência da bondade e o discernimento da verdade. A capacidade de manter o erro ou de experimentar o mal não ficará totalmente perdida, até que a alma humana ascendente alcance níveis espirituais finais. A bondade é viva, relativa, sempre em progressão, uma experiência invariavelmente pessoal e eternamente correlacionada ao discernimento da verdade e da beleza. A bondade é encontrada no reconhecimento dos valores positivos da verdade, no nível


espiritual, que devem, na experiência humana, se contrastar com a sua contraparte negativa – as sombras do mal potencial. Enquanto não alcançardes os níveis do Paraíso, a bondade será sempre mais uma busca do que uma posse, mais uma meta do que uma experiência de realização. No entanto, tendo vós fome e sede da retidão, vós experimentais uma satisfação crescente em alcançar parcialmente a bondade. A presença da bondade e do mal no mundo é, em si mesma, uma prova evidente da existência e da realidade da vontade moral do homem, da personalidade, que assim identifica esses valores e é também capaz de escolher entre eles. À época em que o mortal ascendente alcançar o Paraíso, a sua capacidade para identificar o eu com os verdadeiros valores do espírito ter-se-á tornado tão ampliada que resultará na realização da perfeição na posse da luz da vida. Tal personalidade espiritual, assim aperfeiçoada, torna-se tão integral, divina e espiritualmente unificada com as qualidades positivas e supremas de bondade, de beleza e verdade, que não resta nenhuma possibilidade de que tal espírito reto possa projetar qualquer sombra negativa de mal potencial quando exposto à luminosidade penetrante da luz divina dos Soberanos infinitos do Paraíso. Em todas essas personalidades espirituais, a bondade não mais é parcial, contrastante e comparativa; ela tornou-se divinamente completa e espiritualmente suficiente; ela aproxima-se da pureza e da perfeição do Supremo. Para haver a escolha moral, a possibilidade do mal é necessária, mas não a realidade do mal. Uma sombra é apenas relativamente real. O mal real não é necessário como uma experiência pessoal. O mal potencial atua igualmente bem, como um estímulo para a decisão, nos domínios de progressão moral e nos níveis inferiores do desenvolvimento espiritual. O mal se transforma em uma realidade da experiência pessoal, apenas quando uma mente moral faz dele a sua escolha.


Pág. 1459 3. A VERDADE E A FÉ Nabon era um judeu grego e o primeiro entre os líderes do principal culto dos mistérios em Roma, o mitraico. Ainda que esse alto sacerdote do mitraísmo tenha tido muitas conferências com o Escriba de Damasco, ele foi influenciado de um modo mais permanente pela conversa que eles tiveram, certa noite, sobre a verdade e a fé. Nabon tinha pensado em fazer de Jesus um convertido e chegou mesmo a sugerir que ele retornasse à Palestina como um instrutor mitraico. Ele mal percebera que Jesus o estava preparando para transformar-se em um dos primeiros convertidos ao evangelho do Reino. E, reformulada em uma maneira moderna de dizer, a essência do ensinamento de Jesus é a seguinte: A verdade não pode ser definida com palavras, apenas vivendo-a. Verdade é sempre mais do que conhecimento. O conhecimento é pertinente às coisas observadas, mas, a verdade transcende esses níveis puramente materiais, no sentido em que ela se harmoniza com a sabedoria e abrange coisas imponderáveis tais como a experiência humana e, mesmo, a realidade espiritual e viva. O conhecimento tem origem na ciência; a sabedoria, na verdadeira filosofia; a verdade, na experiência religiosa da vida espiritual. O conhecimento lida com os fatos; a sabedoria, com as relações; a verdade, com os valores da realidade. O homem tende a cristalizar a ciência, a formular a filosofia e a dogmatizar a verdade, porque ele é mentalmente preguiçoso para ajustar-se às lutas progressivas da vida, e ao mesmo tempo ele tem também um medo terrível do desconhecido. O homem natural é lento para dar início às mudanças dos seus hábitos de pensar e das suas técnicas de viver.


A verdade revelada, a verdade pessoalmente descoberta, é o supremo deleite da alma humana; é a criação conjunta da mente material e do espírito residente. A salvação eterna para essa alma que discerne a verdade e que ama a beleza fica assegurada por aquela fome e sede de bondade, que leva esse mortal a desenvolver uma unicidade no propósito de fazer a vontade do Pai, de encontrar Deus e de tornar-se como Ele. Nunca há conflito entre o verdadeiro conhecimento e a verdade. Pode haver conflito entre o conhecimento e as crenças humanas, crenças matizadas pelo preconceito, distorcidas pelo medo e dominadas pelo pavor de encarar os fatos novos da descoberta material ou do progresso espiritual. A verdade, contudo, nunca pode tornar-se uma posse do homem sem o exercício da fé. E isso é verdade porque os pensamentos, a sabedoria, a ética e os ideais do homem nunca se elevarão mais alto do que a sua fé, a sua esperança sublime. E toda essa fé verdadeira é baseada na reflexão profunda, na autocrítica sincera e na consciência moral descomprometida. A fé é a inspiração da imaginação criativa impregnada pelo espírito. A fé atua no sentido de liberar as atividades supra-humanas na chama divina, o germe imortal que vive dentro da mente do homem, e que é o potencial da sobrevivência eterna. As plantas e os animais sobrevivem no tempo pela técnica de passar, de uma geração a outra, partículas idênticas de si próprios. A alma (a personalidade) do homem sobrevive à morte do corpo pela associação de identidade com essa chama residente de divindade, que é imortal e que funciona para perpetuar a personalidade humana em um nível de continuidade mais elevado da existência em progressão no universo. A semente oculta, da alma humana, é um espírito imortal. A segunda geração da alma é a primeira de uma sucessão de manifestações da personalidade, de existências espirituais e progressivas,


terminando apenas quando essa entidade divina alcança a fonte da sua existência, a fonte pessoal de toda a existência, Deus, o Pai Universal. A vida humana continua – sobrevive – porque tem uma função no universo: a missão de encontrar a Deus. A alma do homem, ativada pela fé, não pode parar antes de atingir Pág. 1460 essa meta de destino; e, uma vez atingida essa meta divina, a alma não pode jamais acabar porque se terá tornado como Deus – eterna. A evolução espiritual é uma experiência de escolha crescente e voluntária da bondade, acompanhada de uma diminuição igual e progressiva da possibilidade do mal. Com a realização da finalidade da escolha pela bondade e por uma completa capacidade para a apreciação da verdade, vem à existência uma perfeição de beleza e de santidade cuja retidão inibe eternamente a possibilidade da emergência até mesmo do conceito do mal potencial. Essa alma conhecedora de Deus não projeta nenhuma sombra de dúvida do mal, quando funcionando em um nível tão elevado de bondade divina. A presença do espírito do Paraíso na mente do homem constitui a promessa de revelação e a promessa de fé de uma existência eterna de progressão divina para toda alma que busca encontrar a identidade com o espírito imortal residente, o fragmento do Pai Universal. A característica do progredir no universo é a liberdade cada vez maior da personalidade, porque a liberdade está associada ao alcance de níveis progressivos cada vez mais elevados da autocompreensão, bem como da auto-restrição voluntária conseqüente. O alcançar da perfeição, na auto-restrição espiritual,


iguala-se ao completar da liberdade no universo e à libertação pessoal. A fé encoraja e mantém a alma em meio à confusão dessa orientação inicial, em um universo tão vasto, enquanto a prece transforma-se na grande unificadora das várias inspirações da imaginação criativa e dos impulsos dados pela fé, dentro de uma alma que tenta identificar-se com os ideais do espírito da presença divina residente e solidária. Nabon ficou bastante bem impressionado com essas palavras, como estivera, no mais, com todas as conversas que tinha tido com Jesus. Essas verdades continuaram a queimar dentro do seu coração e ele foi de muita ajuda para os pregadores do evangelho de Jesus, que chegaram posteriormente. 4. A MINISTRAÇÃO PESSOAL Enquanto estava em Roma, Jesus não devotou todo o seu lazer ao trabalho de preparar homens e mulheres para tornarem-se os futuros discípulos do Reino que estava para vir. Grande parte do tempo ele o gastou para ganhar um conhecimento aprofundado de todas as raças e classes de homens que viviam nesta que era a maior e a mais cosmopolita cidade do mundo. Em cada um desses numerosos contatos humanos, Jesus tinha um duplo propósito: desejava conhecer as reações deles à vida que estavam vivendo na carne e estava também com a mente pronta a dizer ou fazer algo que tornasse tal vida mais rica e mais digna de ser vivida. Os seus ensinamentos religiosos, durante essas semanas, não foram diferentes daqueles que caracterizaram a sua vida posterior, como instrutor dos doze e pregador das multidões. A ênfase da sua mensagem era: o fato do amor do Pai celeste e a verdade da misericórdia Dele, combinados com as boas-novas de que o homem é um filho de fé desse mesmo Deus de amor. A tática usual de Jesus para o contato social era levar as pessoas a


conversar com ele, fazendo perguntas a elas. A entrevista começava, via de regra, com ele fazendo perguntas aos semelhantes, e terminava com eles fazendo perguntas a Jesus. Ele era adepto igualmente de ensinar, fosse perguntando, fosse respondendo perguntas. Via de regra, aos que ele ensinava mais, ele tinha dito o mínimo. Aqueles que retiravam um benefício maior da sua ministração pessoal eram os mortais sobrecarregados, ansiosos e tristes que sentiam muito alívio com a oportunidade de descarregar as suas almas sobre um ouvinte simpático e compreensivo, e ele era Pág. 1461 tudo isso e mais. E, quando tais seres humanos desajustados tinham contado a Jesus sobre os seus problemas, ele era sempre capaz de oferecer sugestões práticas e de socorro rápido, visando a correção das reais dificuldades deles, sem esquecer-se da palavra de verdadeiro conforto e de consolo imediato. E, invariavelmente, ele falaria a esses mortais angustiados sobre o amor de Deus e lhes concedia, por vários métodos, informar-lhes que eles eram filhos desse Pai do céu, pleno de amor. Desse modo, durante a permanência em Roma, Jesus pessoalmente teve um contato de afeição e de elevação com mais de quinhentos mortais do reino. Assim, ganhava um conhecimento das diferentes raças da humanidade, que nunca teria adquirido em Jerusalém e mesmo dificilmente em Alexandria. Ele sempre considerou esses seis meses como um período dos mais ricos e mais cheios de informações, entre todos os períodos semelhantes da sua vida terrena. Como poderia ser esperado, um homem tão versátil e ativo não poderia atuar assim por seis meses, na metrópole do mundo, sem ser abordado por numerosas pessoas que desejavam assegurar os


seus serviços para certos assuntos ou, mais freqüentemente, para algum projeto de ensino, de uma reforma social ou de um movimento religioso. Ele recebeu mais de uma dúzia de propostas dessa ordem, e utilizou cada uma como uma oportunidade para transmitir algum pensamento de enobrecimento espiritual por intermédio de palavras bem escolhidas ou pela prestação de algum serviço. Jesus gostava bastante de fazer coisas – ainda que fossem pequenas – para todas as espécies de pessoas. Ele conversou com um senador romano sobre a política e os assuntos do estado, e esse contato com Jesus causou uma tal impressão nesse legislador que este passou o resto da sua vida tentando, em vão, induzir os seus colegas a mudar o curso da política em vigor, da idéia do governo sustentando e alimentando o povo, para aquela do povo sustentando o governo. Jesus passou uma noite com um abastado dono de escravos, falando do homem como um filho de Deus e, no dia seguinte, esse homem, Cláudio, deu liberdade a cento e dezessete escravos. Jesus foi jantar com um médico grego, e disse-lhe que os seus pacientes, além de terem mentes, tinham almas bem como corpos; e assim, ele conduziu esse competente doutor a conseguir ajudar mais abertamente aos seus semelhantes. Ele conversou com todas as espécies de pessoas, em todos os caminhos da vida. O único lugar em Roma que ele não visitou foi o banho público. Ele recusou-se a acompanhar os seus amigos aos banhos, por causa da promiscuidade sexual ali predominante. Para um soldado romano, enquanto caminhavam ao longo do Rio Tibre, ele disse: “Que o teu coração seja tão valente quanto o teu punho. Ousa fazer justiça e ser grande o suficiente para demonstrar misericórdia. Obriga a tua natureza mais baixa a obedecer a tua natureza mais elevada, como tu obedeces aos teus superiores. Reverencia a bondade e exalta a verdade. Escolhe o belo


no lugar do feio. Ama os teus semelhantes e busca a Deus com plenitude de coração, pois Deus é o teu Pai no céu”. Ao orador no fórum, Jesus disse: “A tua eloqüência é aprazível, a tua lógica é admirável, a tua voz é agradável, mas o teu ensinamento dificilmente é verdadeiro. Se tu pudesses apenas gozar da satisfação inspiradora de conhecer a Deus, como o teu Pai espiritual, então tu poderias empregar os teus poderes de oratória para libertar os teus semelhantes da sujeição às trevas e da escravidão da ignorância”. E esse foi o mesmo Marcos que ouviu Pedro pregando em Roma e tornou-se o seu sucessor. Quando eles crucificaram Simão Pedro, foi este homem que desafiou os perseguidores romanos e que corajosamente continuou a pregar o novo evangelho. Pág. 1462 Tendo conhecido um homem pobre que tinha sido falsamente acusado, Jesus foi, com ele, perante o magistrado e, tendo recebido permissão especial para falar em nome dele, fez aquele soberbo discurso em meio ao qual ele disse: “A justiça faz grande uma nação, e quanto maior é uma nação tanto mais solícita será para cuidar de que a injustiça não ocorra, até mesmo ao seu mais humilde cidadão. Infeliz de qualquer nação, quando apenas aqueles que possuem dinheiro e influência possam assegurar-se da pronta justiça perante as suas cortes! É dever sagrado de um magistrado absolver o inocente, bem como punir o culpado. A permanência de uma nação depende da imparcialidade, da justiça e da integridade das suas cortes. O governo civil funda-se na justiça, como a verdadeira religião funda-se na misericórdia”. O juiz reabriu o caso e, quando foram apuradas as evidências, libertou o prisioneiro. De todas as atividades de Jesus, durante esses dias de ministração pessoal, nessa ele chegou a estar o mais próximo de uma intervenção pública.


5. ACONSELHANDO O HOMEM RICO Um certo homem rico, um cidadão romano estóico, tornou-se bastante interessado nos ensinamentos de Jesus, tendo sido apresentado por Angamon. Depois de muitas conversas pessoais, esse cidadão abastado perguntou a Jesus o que ele faria com a riqueza se ele a tivesse, e Jesus respondeu-lhe: “Eu consagraria a riqueza material à elevação da vida material, como também ministraria conhecimentos, sabedoria e serviço espiritual para o enriquecimento da vida intelectual, para o enobrecimento da vida social e o avanço da vida espiritual. Eu administraria a riqueza material como um depositário sábio e eficaz dos recursos de uma geração e para o benefício e enobrecimento das gerações próximas e subseqüentes”. O homem rico, contudo, não ficou totalmente satisfeito com a resposta de Jesus. Ele ousou perguntar de novo: “Mas o que tu pensas que um homem, na minha posição, deveria fazer com a sua riqueza? Deveria eu mantê-la ou distribuí-la?” E quando Jesus percebeu que ele realmente desejava saber mais da verdade sobre a sua lealdade a Deus e o seu dever para com os homens, desenvolveu a sua resposta: “Meu bom amigo, percebo que és um buscador sincero da sabedoria e um amante honesto da verdade; estou, portanto, disposto a colocar diante de ti a minha visão da solução dos teus problemas, no que eles têm a ver com as responsabilidades da riqueza. Faço isso porque pediste pelo meu conselho e, ao dar-te esse conselho, não me ocupo da riqueza de nenhum outro homem rico; estou oferecendo conselho apenas a ti e para a tua orientação pessoal. Se tu desejas honestamente considerar a tua fortuna como uma responsabilidade, se tu queres transformar-te em um administrador sábio e eficiente dos teus bens acumulados, então eu te aconselharia a fazer a seguinte análise das fontes das tuas riquezas: perguntes a ti próprio, e faças


o melhor para encontrar a resposta honesta, de onde veio essa riqueza? E, como ajuda no estudo das fontes da tua grande fortuna, eu sugeriria que tivesses em mente os dez métodos diferentes de acumular a riqueza material: “1. A riqueza herdada – as riquezas que se originam de pais e de outros ancestrais. “2. A riqueza descoberta – as riquezas que vieram dos recursos não cultivados da mãe terra. “3. A riqueza do comércio – as riquezas obtidas pelo lucro justo na troca e no intercâmbio de bens materiais. “4. A riqueza indevida – as riquezas que se derivaram de uma exploração injusta ou da escravização do semelhante. Pág. 1463 “5. A riqueza dos juros – a renda proveniente das justas e honestas possibilidades de ganho do capital investido. “6. A riqueza do gênio – as riquezas provindas de recompensas de dons criativos e inventivos da mente humana. “7. A riqueza acidental – as riquezas que se derivam da generosidade de um semelhante ou que têm origem nas circunstâncias da vida. “8. A riqueza roubada – as riquezas asseguradas pela injustiça, a desonestidade, o roubo, ou a fraude. “9. A riqueza de fundos – as riquezas colocadas nas tuas mãos pelos teus semelhantes para algum uso específico, agora ou no futuro.


“10. A riqueza ganha – as riquezas derivadas diretamente do teu próprio trabalho pessoal, a recompensa justa e honesta dos esforços diários da tua mente e do teu corpo. “E assim, meu amigo, se tu quiseres ser um administrador fiel e justo da tua grande fortuna, perante Deus e a serviço dos homens, tu deves dividir aproximadamente os teus bens nessas dez grandes divisões e, então, continuar a administrar cada porção de acordo com a interpretação sábia e honesta das leis da justiça, da eqüidade, da probidade e da verdadeira eficiência; embora, o Deus do céu não irá condenar-te se algumas vezes tu errares, nas situações duvidosas, quanto à consideração da misericórdia e da generosidade para com a infelicidade das vítimas sofridas em circunstâncias desafortunadas da vida mortal. Quando, em dúvida honesta sobre a eqüidade e a justiça das situações materiais, que as tuas decisões favoreçam aqueles que estão em necessidade, que favoreçam aqueles que sofrem da infelicidade de privações imerecidas”. Após discutirem sobre essas questões, por várias horas e em resposta ao pedido do homem rico, de uma instrução com mais e maiores detalhes, Jesus passou a ampliar o seu conselho, dizendo em essência: “Ao oferecer-te mais sugestões a respeito da tua atitude para com a riqueza, eu deveria admoestar-te a receber o meu conselho como dado a ti e para a tua orientação pessoal. Falo apenas por mim próprio e para ti, como um amigo que me pergunta. E te convoco a não te transformar em um ditador de como os outros homens ricos devem considerar as suas riquezas. E te aconselharia a: “1. Como administrador da riqueza herdada tu deverias considerar as suas fontes. Tu estás sob a obrigação moral de representar a geração passada, na transmissão honesta da riqueza legítima às gerações que se sucedem, depois de subtraíres uma taxa justa, em


benefício da geração atual. Entretanto, tu não és obrigado a perpetuar nenhuma desonestidade ou injustiça envolvida na acumulação injusta da riqueza, por parte dos teus ancestrais. Qualquer porção da tua riqueza herdada que resulta como tendo provindo de fraude ou de injustiça, tu podes desembolsar de acordo com as tuas convicções de justiça, de generosidade e de restituição. O remanescente da tua legítima riqueza herdada tu podes fazer uso com eqüidade e transmitir, em segurança, como curador de uma geração para a outra. A discriminação sábia e o julgamento sadio deveriam ditar as tuas decisões quanto ao legado das riquezas para os teus sucessores. “2. Todo aquele que desfruta da riqueza obtida pela descoberta deveria lembrar-se de que um indivíduo só pode viver na Terra senão por um curto período de tempo e que deveria, por isso, fazer a provisão adequada para o compartilhamento dessas descobertas para o bem do maior número possível de semelhantes seus. Se bem que ao descobridor não deveria ser negada uma recompensa pelos esforços da descoberta, ele não deveria egoisticamente pretender reclamar exclusividade sobre todas as vantagens e bênçãos derivadas da revelação dos recursos acumulados pela natureza. Pág. 1464 “3. Desde que os homens escolham conduzir os negócios por meio do comércio e da troca, eles têm direito a um lucro justo e legítimo. Todo comerciante merece o pagamento pelos seus serviços; o mercador tem direito ao seu salário. A eqüidade no comércio e um tratamento honesto conferido a um semelhante em negócios organizados do mundo criam muitas espécies diferentes de riquezas de lucros, e todas essas fontes de riquezas devem ser julgadas pelos mais altos princípios da justiça, da honestidade e da eqüidade. O comerciante honesto não deveria hesitar em ter o mesmo lucro que, com contentamento, ele daria ao seu companheiro comerciante


em uma transação semelhante. Ainda que essa espécie de riqueza não seja idêntica à renda individualmente ganha, quando os negócios são conduzidos em uma larga escala, ao mesmo tempo, tais riquezas honestamente acumuladas dotam o seu possuidor de uma eqüidade considerável no que diz respeito a ter voz quando da sua subseqüente redistribuição. “4. Nenhum mortal que é sabedor de Deus e busca fazer a vontade divina pode rebaixar-se a se engajar nas opressões da riqueza. Nenhum homem nobre esforçar-se-á para ajuntar riquezas e acumular o poder da riqueza feita com a escravidão ou pela exploração injusta dos seus irmãos na carne. As riquezas são uma maldição moral e um estigma espiritual quando são provenientes do suor de homens mortais sob opressão. Toda essa riqueza deveria ser devolvida para aqueles que assim foram roubados ou para os filhos ou netos deles. Uma civilização perdurável não pode ser construída sobre a prática da espoliação do salário do trabalhador. “5. A riqueza honesta tem direito aos juros. Desde que os homens emprestem e tomem emprestado, aquilo que são os juros justos podem ser recebidos desde que o capital emprestado seja riqueza legítima. Primeiro purifique o seu capital antes de reivindicar os juros. Não seja tão pequeno e ávido a ponto de curvar-se à prática da usura. Nunca permita-te ser tão egoísta a ponto de empregar o poder do dinheiro para ganhar vantagens injustas sobre o teu companheiro que luta. Não cedas à tentação de exigir juros usurários do teu irmão em desespero financeiro. “6. Se por acaso conseguires a riqueza por meio dos arroubos do gênio, se as tuas riquezas provêm de recompensas de dons inventivos, não reivindiques uma parte injusta como remuneração. O gênio deve um pouco, tanto aos seus ancestrais quanto à sua progênie; do mesmo modo ele deve obrigação à raça, à nação e às circunstâncias das suas descobertas inventivas; ele deveria também


lembrar-se de que foi como um homem entre os homens que ele trabalhou e completou as suas invenções. Seria igualmente injusto privar o gênio de todo o aumento da sua riqueza. E será sempre impossível aos homens estabelecer leis e regras aplicáveis igualmente a todos esses casos de distribuição eqüitativa da riqueza. Tu deves primeiro reconhecer o homem como teu irmão, e, se desejares honestamente fazer por ele como gostarias que ele fizesse por ti, os imperativos comuns da justiça, da honestidade e da probidade te guiarão, no estabelecimento justo e imparcial e na liquidação de todo problema que acontecer de recompensa econômica e justiça social. “7. Exceto pelas taxas justas e legítimas ganhas na administração, nenhum homem deveria fazer reivindicação pessoal sobre aquela fortuna que o tempo e o acaso fizeram cair nas suas mãos. As riquezas acidentais deveriam ser consideradas um tanto sob a luz de um depósito a ser gasto para o benefício do próprio grupo social ou econômico. Aos possuidores de uma tal fortuna deveria ser consentida a maior voz ativa na determinação da distribuição sábia e efetiva desses recursos pelos quais não trabalharam. O homem civilizado não deverá sempre considerar tudo o que ele controla como sendo posse pessoal e privada sua. “8. Se alguma parte da tua fortuna é consabidamente proveniente da fraude; se algo da tua riqueza foi acumulado por práticas desonestas ou métodos injustos; se as tuas riquezas são o produto de negociações injustas com os seus semelhantes, apressa-te a restituir todos esses ganhos obtidos de modo desonesto aos seus devidos proprietários. Faça correções completas e assim purifique a tua fortuna de todas as riquezas desonestas. “9. A gestão da riqueza que uma pessoa faz, para o benefício de outrem, é uma responsabilidade solene e sagrada. Não coloque em risco nem em perigo essa gestão. Extraia para ti próprio, ao gerir


qualquer desses bens, apenas aquilo que todos os homens honestos permitiriam. “10. Aquela parte da tua fortuna que representa os ganhos dos teus próprios esforços mentais e físicos – se o teu trabalho tem sido feito com justiça e eqüidade – verdadeiramente te pertence. Nenhum homem pode impugnar o teu direito de manter e usar tal riqueza da forma como tu julgares adequada, desde que o teu exercício desse direito não cause dano aos teus semelhantes”. Quando Jesus tinha terminado de dar-lhe os conselhos, esse abastado romano levantou-se do seu sofá e, despedindo-se por aquela noite, fez a si próprio a promessa: “Meu bom amigo, percebo que és um homem de grande sabedoria e bondade, e amanhã eu começarei a administração de todos os meus bens conforme o teu conselho”. 6. A MINISTRAÇÃO SOCIAL Em Roma também aconteceu aquele acidente comovente em que o Criador de um universo passou várias horas devolvendo uma criança perdida à sua mãe ansiosa. Esse pequeno menino havia-se afastado da sua casa, e Jesus encontrou-o chorando em desespero. Ele e Ganid estavam a caminho das bibliotecas, mas dedicaram-se a levar o menino de volta para casa. Ganid nunca se esqueceu do comentário de Jesus: “Tu sabes, Ganid, a maioria dos seres humanos são como esse menino perdido. Eles passam grande parte do seu tempo chorando de medo e sofrendo na tristeza quando, na verdade, eles estão a uma curta distância da salvação e da segurança, a uma curta distância de casa, como estava esse menino. E todos aqueles que sabem o caminho da verdade e gozam da segurança de conhecer a Deus deveriam considerar um privilégio, não um dever, poder oferecer orientação aos seus semelhantes, nos esforços que eles fazem para encontrar as satisfações da vida. Pois não sentimos nós


uma alegria suprema nesse serviço de devolver a criança à sua mãe? Assim, aqueles que conduzem os homens a Deus, experimentaram a satisfação suprema de servir aos homens”. E, daquele dia em diante, pelo resto da sua vida natural, Ganid permaneceu continuamente na busca de crianças perdidas a quem ele pudesse devolver às suas casas. Havia a viúva com cinco filhos, cujo marido tinha sido morto acidentalmente. Jesus contou a Ganid sobre a perda do seu próprio pai, por um acidente, e eles foram repetidamente confortar a essa mãe e os seus filhos, e Ganid solicitou dinheiro a seu pai para darlhe comida e roupas. Eles não descansaram nos seus esforços enquanto não encontraram um trabalho para o menino mais velho, de modo que ele pudesse ajudar a cuidar da família. Naquela noite, Gonod escutou a narrativa dessas experiências e disse a Jesus, com bonomia: “Eu proponho fazer do meu filho um homem de conhecimento ou um homem de negócios, e agora tu começas a fazer dele um filósofo ou um filantropo”. E Jesus sorridente respondeu: “Talvez nós façamos dele todos os quatro; e então ele poderá desfrutar de uma satisfação quadruplicada na vida, pois o seu ouvido para o reconhecimento da melodia humana será capaz de reconhecer quatro tons em vez de um”. E então Gonod disse: “Percebo Pág. 1465 que tu és realmente um filósofo. Tu deves escrever um livro para as gerações futuras”. E Jesus replicou: “Não um livro – a minha missão é viver uma vida nesta geração e para todas as gerações. Eu...” Mas parou, dizendo a Ganid: “Meu filho, é hora de recolhermo-nos”. 7. AS VIAGENS PARA FORA DE ROMA


Jesus, Gonod, e Ganid fizeram cinco viagens para fora de Roma, até pontos de interesse, em territórios vizinhos. Na sua visita aos lagos italianos, ao norte, Jesus teve a longa conversa com Ganid a respeito da impossibilidade de ensinar a um homem sobre Deus, se o homem não deseja saber de Deus. Eles tinham encontrado casualmente um pagão irrefletido durante essa viagem aos lagos, e Ganid ficou surpreso de que Jesus não seguiu a sua prática usual de atrair o homem para uma conversa que naturalmente conduziria ao discorrer sobre as questões espirituais. Quando Ganid perguntou ao seu Mestre por que ele demonstrara tão pouco interesse nesse pagão, Jesus respondeu: “Ganid, o homem não estava com fome da verdade. Ele não estava descontente consigo próprio. Ele não estava pronto para pedir ajuda, e os olhos da sua mente não estavam abertos para receber luz para a sua alma. Aquele homem não estava maduro para a colheita da salvação; deve ser-lhe dado mais tempo para que as provações e as dificuldades da vida preparem-no para receber a sabedoria e o conhecimento superior. Ou, se pudéssemos tê-lo vivendo conosco, poderíamos, através das nossas vidas, mostrar a ele o Pai no céu, e assim ele ficaria tão atraído pelas nossas vidas, como filhos de Deus, que seria forçado a indagar sobre o nosso Pai. Tu não podes revelar Deus àqueles que não O procuram; tu não podes conduzir almas relutantes às alegrias da salvação. É preciso que as experiências da vida proporcionem ao homem que ele tenha a fome da verdade; ou ele deve estar desejando já conhecer a Deus, em resultado do contato com as vidas daqueles que conhecem o Pai divino, antes que outro homem chegue a poder ser útil em conduzir esse semelhante mortal ao Pai no céu. Se conhecermos a Deus, o nosso trabalho real na Terra é viver de um modo tal que permita ao Pai revelar-se nas nossas vidas a fim de que, assim, todas as pessoas que buscam a Deus vejam o Pai e peçam a nossa ajuda para


melhor conhecerem sobre o Deus que, dessa maneira, se expressa nas nossas vidas”. Foi na visita à Suíça, subindo as montanhas, que Jesus teve uma conversa durante todo o dia com o pai e o filho sobre o budismo. Muitas vezes Ganid tinha feito perguntas diretas a Jesus sobre Buda, mas tinha sempre recebido respostas evasivas de um certo modo. Agora, na presença do filho, o pai fez a Jesus uma pergunta direta sobre Buda, e recebeu uma resposta direta. Disse Gonod: “Eu gostaria realmente de saber o que tu pensas de Buda”. E Jesus respondeu: “O vosso Buda foi muito melhor do que é o vosso budismo. Buda foi um grande homem e, mesmo um profeta, para o seu povo; mas ele foi um profeta órfão. Com isso eu quero dizer que ele perdeu de vista, muito cedo, o seu Pai espiritual, o Pai no céu. A experiência dele foi trágica. Ele tentou viver e ensinar como um mensageiro de Deus, mas sem Deus. Buda guiou a sua nave da salvação diretamente até o porto da salvação, até a entrada do ancoradouro da salvação, para os mortais e, por causa de planos errados de navegação, a boa nave ficou encalhada à deriva. E lá tem permanecido durante muitas gerações, imóvel e quase que desesperadamente encalhada. E, muitos entre os do vosso povo têm permanecido, assim, durante todos esses anos. Eles vivem a uma curta distância das águas seguras do repouso, mas recusam-se a entrar porque a nobre embarcação do bom Buda teve a má sorte de encalhar no fundo, do lado de fora do porto. E Pág. 1466 o povo budista nunca irá entrar nesse porto, a menos que abandone filosoficamente a embarcação do seu profeta e que se apodere do seu nobre espírito. Tivesse o vosso povo permanecido fiel ao espírito de Buda, e vós teríeis já há muito entrado no vosso porto


de tranqüilidade espiritual, de descanso da alma e de segurança de salvação. “Tu vês, Gonod, Buda conhecia Deus em espírito, mas claramente não teve êxito em descobri-lo na mente; os judeus descobriram Deus na mente mas não tiveram êxito em conhecê-lo em espírito. Hoje, os budistas debatem-se em uma filosofia sem Deus, enquanto o meu povo está deploravelmente escravizado ao medo de um Deus, sem uma filosofia salvadora de vida e de liberdade. Vós tendes uma filosofia sem um Deus; os judeus têm um Deus mas estão primariamente sem uma filosofia de vida ligada a esse Deus. Buda, por não ter tido êxito em uma visão de Deus, como espírito e como Pai, não teve êxito ao prover o seu ensinamento com a energia moral e com o poder espiritual impulsor que uma religião deve possuir se quiser mudar uma raça e elevar uma nação”. E então exclamou Ganid: “Mestre, façamos tu e eu uma nova religião que seja boa o suficiente para a Índia e grande o bastante para Roma e, talvez possamos levá-la até os judeus em troca de Yavé”. E Jesus retorquiu: “Ganid, as religiões não são criadas assim. As religiões dos homens levam grandes períodos de tempo para crescer, enquanto as revelações de Deus reluzem sobre a Terra, nas vidas dos homens que revelam a Deus para os seus semelhantes”. Mas eles não compreenderam o significado dessas palavras proféticas. Naquela noite depois que se recolheram, Ganid não podia dormir. Ele conversou durante um longo tempo com o seu pai e finalmente disse: “Sabes, pai, algumas vezes eu penso que Joshua é um profeta”. E o seu pai respondeu, sonolento: “Meu filho, há outros...” Desde esse dia, pelo resto da sua vida natural, Ganid continuou a desenvolver uma religião dele próprio. Ele estava persuadido fortemente, na sua própria mente, pela grandeza de Jesus, pela sua


eqüidade e tolerância. Em todas as conversas que tivera com Jesus, sobre a filosofia e a religião, esse jovem nunca experimentou ressentimentos nem reações de antagonismos. Que cena para as inteligências celestes contemplarem, esse espetáculo do jovem indiano propondo, ao Criador de um universo, que eles elaborassem uma nova religião! E, embora o jovem não o soubesse, eles estavam fazendo uma nova e eterna religião, exatamente ali e naquele momento – um novo caminho de salvação: a revelação de Deus ao homem feita por Jesus, e em Jesus. Aquilo que o jovem mais queria fazer ele estava, inconscientemente, realizando de fato. E assim foi, e é, sempre. Tudo aquilo que a imaginação humana, iluminada, bem refletida e conduzida pelo ensinamento espiritual, está na busca de fazer, de todo o coração e sem egoísmos, e de ser, torna-se comensuravelmente criativo de acordo com o nível da dedicação com que o mortal se põe a fazer divinamente a vontade do Pai. Quando o homem entra em comunhão com Deus, grandes feitos podem acontecer e de fato acontecem. Pág. 1467DOCUMENTO 133 O RETORNO DE ROMA Ao preparar-se para deixar Roma, Jesus não disse adeus a nenhum dos seus amigos. O Escriba de Damasco apareceu em Roma sem anúncio e desapareceu do mesmo modo. Passou-se um ano inteiro até que aqueles que o conheciam e que o amavam desistiram da esperança de vê-lo novamente. Antes do fim do segundo ano, pequenos grupos daqueles que o tinham conhecido viram-se atraídos uns pelos outros e reuniram-se por causa do seu interesse comum, nos ensinamentos dele, e das memórias comuns dos seus bons tempos com ele. E esses pequenos grupos de estóicos, de cínicos e de cultuadores dos mistérios continuaram a manter esses encontros


informais e esporádicos, até o momento em que apareceram em Roma os primeiros pregadores da religião cristã. Gonod e Ganid tinham comprado tantas coisas em Alexandria e em Roma que acabaram enviando na frente todos os seus pertences embalados, por meio de burros de carga, para Tarento, enquanto os três viajantes empreenderam uma viagem a pé, com tranqüilidade, através da Itália, pela grande Via Ápia. Nessa viagem eles encontraram toda a sorte de seres humanos. Muitos cidadãos romanos nobres e colonos gregos viviam ao longo dessa estrada, mas a progênie de um bom número de escravos inferiores começava a aparecer. Um dia, enquanto descansavam à hora do almoço, no meio do caminho de Tarento, Ganid fez uma pergunta direta a Jesus, sobre o que ele pensava do sistema de castas da Índia. Jesus disse: “Embora os seres humanos difiram, sob muitos aspectos, uns dos outros, perante Deus e no mundo espiritual, todos os mortais estão em pé de igualdade. Há apenas dois grupos de mortais aos olhos de Deus: aqueles que desejam cumprir a sua vontade e aqueles que não querem isso. E quando o universo olha para um mundo habitado, do mesmo modo ele discerne duas grandes classes: aqueles que sabem de Deus e aqueles não sabem. Aqueles que não podem conhecer a Deus são reconhecidos entre os animais de qualquer reino. A humanidade pode ser dividida, apropriadamente, em muitas classes, de acordo com diferentes qualificações, segundo o modo de vê-la, fisicamente, mentalmente, socialmente, vocacionalmente, ou moralmente; mas essas diferentes classes de mortais, ao aparecerem diante do tribunal de julgamento de Deus, estão em pé de igualdade; Deus, verdadeiramente, não faz acepção de pessoas. Embora vós não possais escapar do reconhecimento segundo as diferentes habilidades e os dons humanos, nas questões intelectuais, sociais e morais, vós não devíeis fazer nenhuma dessas


diferenciações na irmandade espiritual dos homens quando reunidos para a adoração na presença de Deus”. 1. A MISERICÓRDIA E A JUSTIÇA Um incidente muito interessante ocorreu, em uma tarde, no acostamento da estrada, quando eles se aproximavam de Tarento. Eles viram um jovem rude intimidando brutalmente um outro menor do que ele. Jesus apressou-se a ajudar o jovem atacado e, quando o tinha resgatado, ele permaneceu apenas segurando apertado Pág. 1469 o ofensor até que o menor tivesse escapado. No momento em que Jesus liberou o pequeno brigão, Ganid agarrou o menino e começou a bater nele sonoramente, então, Jesus prontamente interferiu, para espanto de Ganid. Depois que ele tinha contido Ganid e permitido ao menino amedrontado escapar, o jovem homem, tão logo recuperou o fôlego, exclamou excitado: “Eu não consigo entender-te, Mestre. Se a misericórdia exige que tu resgates o menino menor, a justiça não exige a punição do menino maior e que era o ofensor?” Respondendo, Jesus disse: “Ganid, é verdade, tu não entendeste. A ministração da misericórdia é sempre o trabalho do indivíduo, mas justiça na punição é função do social, do governamental ou dos grupos que administram o universo. Como indivíduo sou obrigado a mostrar misericórdia; eu devo livrar o garoto atacado, e com toda a firmeza eu posso empregar a força necessária para conter o agressor. E isso foi exatamente o que eu fiz. Eu realizei a libertação do menino atacado; esse foi o fim da ministração da misericórdia. E, então, à força eu detive o agressor por um período suficiente de tempo para permitir que a parte mais fraca, na disputa, escapasse, após o que eu me retirei do caso. E não continuei, não fiz o julgamento do


agressor, nem repassei o seu motivo – nem julguei tudo o que motivou o seu ataque ao seu companheiro – e não assumi executar a punição que a minha mente podia ditar como a justa compensação pelo erro dele. Ganid, a misericórdia pode ser pródiga, mas a justiça deve ser precisa. Não podes discernir que não há duas pessoas que provavelmente concordem quanto à punição que deveria satisfazer as exigências da justiça? Um imporia quarenta chicotadas, o outro vinte, enquanto outro iria aconselhar ainda o confinamento em solitária como uma justa punição. Não vês que, neste mundo, essas responsabilidades ou deveriam ficar com o grupo ou deveriam ser administradas pelos representantes escolhidos do grupo? No universo, o julgamento é entregue àqueles que conhecem plenamente os antecedentes de todos os erros, bem como as suas motivações. Na sociedade civilizada e em um universo organizado, a administração da justiça pressupõe aplicar uma sentença justa em conseqüência a um julgamento equânime; e essas prerrogativas são dadas aos grupos jurídicos dos mundos e aos administradores todocientes dos universos mais elevados de toda criação”. Durante dias eles conversaram sobre esse problema da manifestação da misericórdia e da administração da justiça. E Ganid, ao menos em uma certa medida, compreendeu por que Jesus não queria entrar em combate pessoalmente. Mas Ganid fez uma última pergunta, para a qual ele nunca recebeu uma resposta totalmente satisfatória; e essa pergunta foi: “Mas, Mestre, se uma criatura mais forte e de temperamento maldoso te atacasse e ameaçasse destruir-te, o que farias? Não farias nenhum esforço para defender-te?” Embora Jesus não pudesse plena e satisfatoriamente responder à pergunta do jovem, porquanto ele não estava querendo revelar-lhe que ele (Jesus) estava vivendo na Terra como a exemplificação do amor do Pai do Paraíso, para um universo que a tudo assistia; ainda assim ele disse o seguinte:


“Ganid, eu posso entender bem o quanto alguns desses problemas te deixam perplexo e eu vou esforçar-me para responder à tua pergunta. Primeiro, em todos os ataques que poderiam ser feitos à minha pessoa, eu determinaria se o agressor seria ou não um filho de Deus – meu irmão na carne – e, se eu achasse que uma tal criatura fosse desprovida de juízo moral e de razão espiritual, eu defenderia sem hesitar a mim próprio com toda a capacidade dos meus poderes de resistência, a despeito das conseqüências para o atacante. Mas, eu não agrediria assim a um irmão que tenha o status de filiação, nem mesmo em autodefesa. Isto é, eu não o puniria adiantadamente e sem julgamento pela sua agressão contra mim. Por todos os meios possíveis eu procuraria impedi-lo e dissuadi-lo de fazer aquele ataque e faria tudo para mitigá-lo no caso em que eu fracassasse Pág. 1470 em evitá-lo. Ganid, eu tenho confiança absoluta no cuidado do meu Pai celeste; eu estou consagrado a fazer a vontade do meu Pai no céu. Eu não acredito que nenhum mal real possa sobrevir a mim, eu não acredito que o trabalho da minha vida possa ser ameaçado por qualquer coisa que os meus inimigos possam desejar que aconteça a mim, e certamente não há nenhuma violência dos nossos amigos a ser temida. Estou absolutamente seguro de que todo o universo é amigável comigo – essa é a verdade todo-poderosa na qual eu insisto em acreditar, com uma confiança de todo coração a despeito de todas as aparências em contrário”. Ganid, todavia, não estava plenamente satisfeito. Muitas vezes eles falaram sobre essas questões, e Jesus contara a ele algo das suas experiências de infância e também sobre Jacó, o filho do pedreiro. Ao saber como Jacó se propusera a defender Jesus, Ganid disse: “Oh, eu começo a perceber! Em primeiro lugar muito raramente qualquer ser humano normal iria atacar uma pessoa tão boa como tu


és e, mesmo se alguém fosse tão impensado a ponto de fazer tal coisa, há de haver muito certamente algum outro mortal à mão que acorrerá em tua proteção, do mesmo modo que tu sempre acorres em defesa de qualquer pessoa que tu percebes estar em aperto. No meu coração, Mestre, eu concordo contigo, mas na minha cabeça eu ainda acho que se eu tivesse sido Jacó, eu teria gostado de punir aqueles irmãos rudes que ousaram atacar-te só porque sabiam que tu não irias defender-te por ti próprio. Eu presumo que tu estás a salvo o suficiente nessa tua jornada pela vida, já que passas grande parte do teu tempo ajudando aos outros e ministrando aos teus semelhantes em desespero – bem, muito provavelmente haverá sempre alguém à mão para defender-te”. E Jesus retorquiu: “Esse teste ainda está para acontecer, Ganid, e quando vier, nós teremos que nos conformar com a vontade do Pai”. E isso foi tudo o que o jovem pôde levar o seu Mestre a dizer sobre essa questão difícil da autodefesa e da não-resistência. Numa outra ocasião ele conseguiu tirar de Jesus a opinião de que a sociedade organizada tinha todo o direito de empregar a força para o cumprimento dos seus mandatos de justiça. 2. O EMBARQUE EM TARENTO Enquanto permaneciam no navio atracado, esperando que o barco fosse descarregado, os viajantes observaram um homem maltratando a sua mulher. Como era do seu costume, Jesus interveio em defesa da pessoa submetida à violência. Ele foi por trás do marido irado e, tocando gentilmente no seu ombro, disse: “Meu amigo, posso falar contigo em particular, por um momento?” O homem em cólera ficou embaraçado com essa abordagem e, depois de um momento de hesitação e embaraço, balbuciou : “É... – por que – Está bem, o que quer comigo?” E, depois de levá-lo para um lado, Jesus disse: “Meu amigo, percebo que algo terrível deve ter acontecido a ti; e desejo muito que me digas o que teria acontecido


a um homem tão forte para levá-lo a agredir a sua mulher, a mãe dos seus filhos, e isso, bem aqui diante dos olhos de todos. Estou seguro de que tu deves sentir que há uma boa razão para esse ataque. O que fez a mulher para merecer esse tratamento do seu marido? Ao olhar para ti, vejo que posso perceber no teu rosto o amor da justiça e até o desejo de mostrar misericórdia. E aventurome a dizer que, se tu me visses atacado por ladrões, tu irias, sem hesitação, acorrer para ajudar-me. Eu ouso dizer que tu já fizestes muitas coisas valentes no curso da tua vida. Agora, meu amigo, digame o que está acontecendo? A mulher fez algo errado, ou terias tu perdido tolamente a cabeça e, sem pensar, agrediu-a?” Não foi tanto o que ele dissera que tocara o coração desse homem, mas foi o olhar de bondade e o sorriso de simpatia que Jesus lhe dirigira quando concluía as suas observações. Disse o homem: “Eu vejo que tu és um sacerdote dos cínicos e estou agradecido por me teres refreado. Pág. 1471 Minha mulher nada fez de muito errado; ela é uma boa mulher, mas o modo pelo qual me provoca em público me irrita, e perco a cabeça. Sinto muito pela minha falta de autocontrole, e prometo tentar viver de acordo com a promessa que fiz outrora a um dos teus irmãos que me ensinou as maneiras certas. Eu te prometo”. E então, despedindo-se dele, Jesus disse: “Meu irmão, sempre te lembra de que o homem não tem autoridade de direito sobre a mulher, a menos que a mulher tenha de propósito e voluntariamente dado a ele essa autoridade. A tua mulher se propôs a viver contigo, a ajudar-te a lutar nas batalhas da vida e a assumir a parte maior na carga de ter e de criar os vossos filhos; e, em troca desse serviço especial, é mais do que justo que ela receba de ti aquela proteção especial que o homem pode dar à mulher, como uma parceira que deve carregar, suportar e nutrir os filhos. O cuidado e


a consideração amorosos que um homem deseja dar à sua esposa e aos seus filhos são a medida da realização daquele homem, nos níveis mais elevados da autoconsciência criativa e espiritual. Sabes tu que esses homens e mulheres são parceiros de Deus, pois eles cooperam para criar seres que crescem e que possuem por si próprios o potencial de terem almas imortais? O Pai no céu trata o Espírito Materno, que é mãe dos filhos do universo, como igual a si próprio. Compartilhar a tua vida e tudo que se relaciona a ela em termos de igualdade com a mãe que tão plenamente compartilha contigo a experiência divina de reproduzir-vos, na vida dos vossos filhos, é ser semelhante a Deus. Se apenas puderes amar aos teus filhos como Deus te ama, tu amarás e acariciarás a tua esposa como o Pai no céu honra e exalta o Espírito Infinito, a mãe de todos os filhos espirituais de um universo vastíssimo”. E quando eles foram a bordo do barco, olharam para trás e viram a cena do casal que permanecia, com lágrimas nos olhos, em um abraço silencioso. Tendo ouvido a última metade da mensagem de Jesus ao homem, Gonod esteve todo o dia ocupado em meditar sobre tudo aquilo, e resolveu reorganizar a sua casa quando voltasse para a Índia. A viagem a Nicópolis foi agradável mas lenta, pois o vento não estava favorável. Os três passaram muitas horas recontando as suas experiências em Roma e relembrando tudo o que lhes tinha acontecido desde que se conheceram em Jerusalém. Ganid estava tornando-se imbuído do espírito do ministério pessoal. Ele começou a auxiliar no navio como camareiro, mas no segundo dia, quando mergulhou mais nas profundas águas da religião, ele chamou Joshua para ajudá-lo. Eles passaram vários dias em Nicópolis, a cidade que Augusto tinha fundado, há uns cinqüenta anos, como a “cidade da vitória”, em comemoração da batalha de Actium, pois fora nesse local que


acampara com o seu exército antes da batalha. Eles alojaram-se na casa de um tal de Jeremias, um prosélito grego de fé judia a quem conheceram a bordo do barco. O apóstolo Paulo passou todo o inverno com o filho de Jeremias na mesma casa durante a sua terceira viagem missionária. De Nicópolis eles velejaram no mesmo barco para Corinto, a capital da província romana de Acáia. 3. EM CORINTO Pela época em que chegaram a Corinto, Ganid já estava ficando bastante interessado na religião judaica e assim não seria estranho que um dia, quando passavam pela sinagoga e viram as pessoas entrando, ele solicitasse a Jesus que o levasse ao serviço. Naquele dia eles ouviram um rabbi erudito discursar sobre “o destino de Israel” e, depois do serviço, encontraram um tal de Crespo, o dirigente mais alto dessa sinagoga. Pág. 1472 Eles voltaram muitas vezes para os serviços na sinagoga, mas sobretudo para encontrar Crespo. Ganid criou uma grande afeição por Crespo, pela sua esposa, e a sua família de cinco filhos. Ele gostava muito de observar como um judeu conduzia a sua vida familiar. Enquanto Ganid estudava a vida familiar, Jesus ensinava a Crespo o melhor caminho para a vida religiosa. Jesus ficou mais do que vinte sessões com esse judeu progressista. E, anos depois, Paulo estava pregando nessa mesma sinagoga e os judeus rejeitaram a sua mensagem e deram o seu voto de proibição a outras pregações na sinagoga. Então ele foi aos gentios, e pois, não foi nenhuma surpresa que esse Crespo e toda a sua família tivessem abraçado a nova religião, e que se tenha tornado um dos principais sustentáculos da igreja cristã que Paulo organizou em seguida em Corinto.


Durante os dezoito meses que pregou em Corinto, sendo que Silas e Timóteo se juntaram a ele mais tarde, Paulo conheceu muitos outros que tinham sido instruídos pelo “tutor judeu do filho de um mercador indiano”. Em Corinto eles conheceram pessoas de todas as raças, vindas de três continentes. Junto com Alexandria e Roma, Corinto era a mais cosmopolita das cidades do império do Mediterrâneo. Havia muita coisa que atraía a atenção das pessoas nessa cidade, e Ganid nunca se cansava de visitar a cidadela que ficava a quase seiscentos metros acima do mar. Ele também passou uma boa parte do tempo que lhe sobrava na sinagoga e na casa de Crespo. A princípio ele ficara chocado e, mais tarde, encantado com o status da mulher no lar judeu; era uma revelação para esse jovem indiano. Jesus e Ganid foram muitas vezes hóspedes em um outro lar judeu, o de Justo, um mercador devoto, que morava ao lado da sinagoga. E, muitas vezes, subseqüentemente, quando o apóstolo Paulo permaneceu nessa casa, ele ouviu as histórias dessas visitas do rapaz indiano e o seu tutor judeu, enquanto ambos, Paulo e Justo, imaginavam o que é que teria acontecido a um instrutor hebreu tão brilhante. Quando em Roma, Ganid observou que Jesus se recusou a acompanhá-los aos banhos públicos. Várias vezes depois disso, o jovem tentou induzir Jesus a dizer mais sobre o que pensava a respeito das relações dos sexos. Embora quisesse responder às perguntas do rapaz, ele nunca parecia disposto a discutir esses assuntos muito longamente. Certa noite, enquanto passeavam em Corinto, perto do local em que a parede da cidadela corria até o mar, eles foram abordados por duas mulheres públicas. Ganid tinha, muito justamente, assimilado a idéia de que Jesus era um homem de altos ideais, e que ele abominava tudo que beirava a impureza ou que tivesse o sabor do mal; e, desse modo, ele falou secamente a essas


mulheres e grosseiramente pediu a elas para se afastarem. Quando Jesus viu isso, ele disse a Ganid: “A tua intenção foi boa, mas tu não devias permitir-te falar assim aos filhos de Deus, ainda que sejam os seus filhos desguiados. Quem somos nós para julgar essas mulheres? Tu conheces todas as circunstâncias que as levaram a recorrer a tais métodos de obter a sobrevivência? Fique aqui comigo enquanto falamos sobre essas questões”. As prostitutas ficaram ainda mais estupefatas do que Ganid com as palavras de Jesus. E enquanto estavam ali sob a luz da lua, Jesus continuou dizendo: “Dentro de todas as mentes humanas vive um espírito divino, a dádiva do Pai no céu. Esse bom espírito esforça-se sempre para levar-nos a Deus, para ajudar-nos a encontrar Deus e a conhecer a Deus; mas também dentro dos mortais há muitas tendências naturais físicas que o Criador pôs ali para servir ao bem-estar individual e da raça. Ora, muitas vezes, os homens e as mulheres tornam-se confusos nos seus esforços para compreender a si próprios e para lutar com as dificuldades múltiplas do ganhar a vida em um mundo Pág. 1473 tão amplamente dominado pelo egoísmo e pelo pecado. Eu percebo, Ganid, que nenhuma dessas mulheres é voluntariamente pecaminosa. Posso ver nos seus rostos que elas passaram por muitas tristezas; que sofreram muito nas mãos de um destino aparentemente cruel; elas não escolheram intencionalmente essa espécie de vida. Elas renderam-se, desencorajadas, de um modo que beira o desespero, à pressão do momento e aceitaram esses meios repugnantes de ganhar a vida como o que de melhor encontraram para sair de uma situação que lhes parecia desesperadora. Ganid, algumas pessoas são realmente perversas de coração; elas escolhem deliberadamente fazer coisas más, no entanto, diga-me, quando


olhas para esses rostos inundados de lágrimas, tu vês algo de mal ou de perverso?” E enquanto Jesus esperava a resposta, a voz de Ganid saiu sufocada quando balbuciou a sua resposta: “Não, Mestre, não vejo. E peço perdão pela minha grosseria para com elas – eu imploro o seu perdão”. E então Jesus disse: “E falando em nome delas, eu digo que já te perdoaram, do mesmo modo que falo pelo meu Pai no céu, pois Ele já as perdoou. Agora, todos vós, vinde comigo até a casa de um amigo, onde encontraremos recolhimento e faremos planos para a vida nova e melhor que temos diante de nós”. As mulheres estupefatas, até esse momento, não haviam dito palavra; entreolharam-se silenciosamente e seguiram o caminho indicado por aqueles homens. Imagine a surpresa da esposa de Justo quando, já tarde da noite, Jesus apareceu com Ganid e essas duas estranhas, dizendo: “Perdoai-nos por chegarmos nessa hora, mas Ganid e eu desejamos comer um pouco, e gostaríamos de compartilhar esse pouco com estas nossas amigas que acabamos de encontrar, elas também estão necessitando de algo para comer; e além de tudo isso, viemos até vós com o pensamento de que estaríeis interessados em aconselharlhes, junto conosco, quanto ao modo de melhor ajudar a estas mulheres a recomeçarem a vida. Elas podem contar-vos a sua história, e eu suponho que elas já tenham tido muitas dificuldades. E a presença delas aqui, no vosso lar, atesta quão sinceramente elas anseiam por conhecer gente de bem, e com quanta boa vontade elas abraçarão a oportunidade de mostrar a todo o mundo – e até mesmo aos anjos dos céus – que elas podem vir a ser mulheres nobres e corajosas”. Quando Marta, a esposa de Justo, dispôs a comida sobre a mesa, Jesus, deixando-os inesperadamente, disse: “Como está ficando tarde e, já que o pai do jovem nos estará esperando, rogamos ser desculpados por deixar-vos juntas aqui – três mulheres – as filhas


bem amadas do Altíssimo. E eu orarei pela vossa orientação espiritual, enquanto fazeis os planos para uma vida nova melhor na Terra e uma vida eterna para o grande futuro”. E assim Jesus e Ganid deixaram as mulheres. Até então as cortesãs nada haviam dito; do mesmo modo Ganid nada dissera. E, por alguns momentos, Marta também nada dissera; mas, em breve, ela despertou para a situação e fez tudo o que Jesus tinha a esperança de que ela fizesse por aquelas estranhas. A mais velha dessas duas mulheres morreu pouco tempo depois, com esperanças vivas de sobrevivência eterna, e a mais jovem trabalhou no local de negócios de Justo e mais tarde tornou-se um membro vitalício da primeira igreja cristã em Corinto. Por várias vezes, na casa de Crespo, Jesus e Ganid estiveram com um certo Gaio, que posteriormente tornou-se um leal sustentáculo de Paulo. Durante esses dois meses em Corinto eles mantiveram conversas pessoais com dezenas de indivíduos que valiam a pena e, em resultado de todos esses contatos, aparentemente casuais, mais do que a metade dos indivíduos envolvidos tornou-se membro da comunidade cristã subseqüente. Quando Paulo foi a Corinto, pela primeira vez, ele não tinha a intenção de fazer uma visita prolongada. Mas ele não sabia quão bem o tutor judeu tinha preparado o caminho para os seus trabalhos. Além disso descobriu que um grande interesse tinha já sido despertado em Áquila e Priscila; Áquila sendo um dos cínicos com quem Jesus tinha entrado em contato quando estivera em Roma. Esse era um casal de refugiados judeus em Roma, Pág. 1474


que rapidamente abraçou os ensinamentos de Paulo. Ele viveu e trabalhou com eles, pois também eles faziam tendas. Foi por causa dessas circunstâncias que Paulo prolongou a sua estada em Corinto. 4. O TRABALHO PESSOAL EM CORINTO Jesus e Ganid tiveram muitas outras experiências interessantes em Corinto. Tiveram conversas íntimas com um grande número de pessoas; e estas tiraram um grande proveito da instrução recebida de Jesus. Ao moleiro ele ensinou como moer os grãos da verdade no moinho da experiência viva, de modo a fazer com que as coisas difíceis da vida divina se tornassem aceitáveis mesmo pelos seus semelhantes mortais fracos e débeis. Disse Jesus: “Dá o leite da verdade àqueles que são ainda bebês na percepção espiritual. Na tua ministração de vida e de amor, sirva o alimento espiritual de uma forma atraente e adequada à capacidade de receptividade de cada um entre aqueles que te fizerem perguntas”. Ao centurião romano ele disse: “Dá a César as coisas que são de César e a Deus as coisas que são de Deus. O serviço sincero a Deus e o serviço leal a César não entram em conflito, a menos que César tenha a presunção de arrogar a si aquela homenagem que só pode ser pretendida pela Deidade. A lealdade a Deus, para aqueles que chegarem a conhecê-Lo, transformá-los-á a todos nos mais leais e fiéis na sua devoção a um imperador condigno”. Ao fervoroso líder do culto mitraico ele disse: “Fazes bem em buscar uma religião de salvação eterna, mas tu te enganas ao buscar uma verdade assim gloriosa entre os mistérios tecidos pelos homens e nas filosofias humanas. Acaso não sabes que o mistério da salvação eterna reside na tua própria alma? Não sabes que Deus no céu enviou o Seu espírito para viver dentro de ti, e que esse


espírito guiará a todos os mortais amantes da verdade e que servem a Deus, na saída desta vida e pelos portais da morte até as alturas eternas da luz, onde Deus espera receber os Seus filhos? E nunca te esqueças: tu que conheces a Deus, serás o filho de Deus se, verdadeiramente, aspirares a ser como Ele”. Ao instrutor epicurista ele disse: “Fazes bem em escolher o melhor e em apreciares o que é bom. Mas estarás sendo sábio ao deixares de discernir as coisas maiores da vida mortal, aquelas coisas que estão incorporadas aos reinos espirituais e que surgem da compreensão da presença de Deus no coração humano? A grande coisa em toda a experiência humana é a tomada de consciência de que tu conheces o Deus cujo espírito vive dentro de ti e que procura conduzir-te avante na jornada longa e quase sem fim, até alcançares a presença pessoal do nosso Pai comum, o Deus de toda a criação, o Senhor dos universos”. Ao empreiteiro e construtor grego ele disse: “Meu amigo, enquanto constróis as estruturas materiais para os homens, desenvolve um caráter espiritual à semelhança do espírito divino dentro da tua alma. Não deixa a tua realização como construtor temporal sobrepor-se à tua realização como filho espiritual do Reino do céu. Enquanto constróis as mansões do tempo para os outros, não negligencies de assegurar, para ti próprio, o teu direito às mansões da eternidade. E lembra-te sempre, há uma cidade cujas fundações são corretas e verdadeiras, e cujo construtor e criador é Deus”. Ao juiz romano ele disse: “Ao julgar os homens, lembra-te de que tu próprio algum dia irás a julgamento, perante o tribunal dos Governantes de um Pág. 1475


universo. Julga com justiça e com misericórdia mesmo, pois tu próprio algum dia irás aguardar pela consideração misericordiosa das mãos do Árbitro Supremo. Julga como tu serias julgado sob circunstâncias semelhantes, sendo assim guiado pelo espírito da lei bem como pela sua letra. E, do mesmo modo que concederes uma justiça dominada pela equanimidade, à luz da necessidade daqueles que forem trazidos diante de ti, do mesmo modo terás o direito de esperar uma justiça temperada pela misericórdia quando, algum dia, te colocares perante o Juiz de toda a Terra”. À proprietária da estalagem grega ele disse: “Ministra a tua hospitalidade como alguém que entretém os filhos do Altíssimo. Eleva o enfadonho da tua lida diária aos níveis elevados das belasartes, por intermédio da compreensão cada vez maior de que tu ministras Deus às pessoas em quem Ele reside, pelo espírito Dele que desceu para viver dentro dos corações dos homens, buscando com isso transformar as suas mentes e guiar as suas almas ao conhecimento do Pai, no Paraíso, de todas essas dádivas outorgadas do espírito divino”. Jesus teve muitas conversas com um mercador chinês. Ao despedirse, Jesus recomendou a ele: “Adora apenas a Deus, que é o verdadeiro ancestral do teu espírito. Lembra-te que o espírito do Pai vive sempre dentro de ti e sempre orienta a tua alma na direção do céu. Se tu seguires as orientações inconscientes desse espírito imortal, estejas certo de continuar no caminho elevado de encontrar a Deus. E quando tu alcançares o Pai no céu, será porque, ao procurá-Lo, tu te tornaste mais e mais como Ele. E então adeus, Chang, mas apenas por uma estação, pois nos encontraremos de novo nos mundos da luz, onde o Pai das almas espirituais providenciou muitos deliciosos pontos de parada para aqueles a quem o Paraíso espera”.


Ao viajante, vindo da Bretanha, ele disse: “Meu irmão, percebo que buscas a verdade e, pois, sugiro-te pensar na possibilidade de que o espírito do Pai de toda a verdade possa residir dentro de ti. Por acaso já tentaste sinceramente conversar com o espírito da tua própria alma? Uma tal coisa é de fato difícil e muito raramente leva a consciência ao êxito; mas toda tentativa sincera, da mente material, de comunicar-se com o seu espírito residente sempre alcança algum êxito, não obstante a maioria dessas magníficas experiências humanas deva permanecer como um registro supraconsciente nas almas desses mortais cientes de Deus”. Ao garoto em fuga, Jesus disse: “Lembra-te de que há duas coisas das quais tu não podes fugir – de Deus e de ti próprio. Para onde quer que possas ir, levar-te-ás contigo a ti próprio e ao espírito do Pai celeste que vive dentro do teu coração. Meu filho, pára de tentar enganar a ti próprio; estabeleça-te na prática corajosa de encarar os fatos da vida, apóia-te firmemente na segurança da filiação a Deus e na certeza da vida eterna, como eu te ensinei. Desse dia em diante proponha-te ser de fato um homem, um homem determinado a encarar a vida com bravura e com inteligência”. Ao criminoso condenado ele disse, no último momento: “Meu irmão, tu caíste no caminho do mal. Tu te perdeste do teu caminho; e te emaranhaste nas malhas do crime. Conversando contigo, eu bem sei que não planejaste fazer as coisas que acabaram por custar-te a tua vida temporal. Mas tu fizeste esse mal, e os teus semelhantes julgaram-te culpado; e determinaram que tu morresses. Tu não podes, e nem eu, negar ao Estado esse direito de autodefender-se da maneira que for da sua própria escolha. Parece não haver nenhum meio humano de escapares da penalidade pelos teus malfeitos. Os teus semelhantes devem julgar-te pelo que fizeste, mas há um Juiz a quem tu podes apelar, pedindo que te perdoe, e que irá julgar-te segundo os teus reais motivos


Pág. 1476 e pelo melhor da tua intenção. Não tens de temer encontrar o julgamento de Deus se o teu arrependimento é genuíno e a tua fé sincera. O fato de que o teu erro traz em si a pena de morte, imposta pelo homem, não prejudica a possibilidade que tem a tua alma de obter a justiça e de desfrutar da misericórdia perante as cortes celestes”. Jesus teve o prazer de ter muitas conversas íntimas com um grande número de almas famintas, grande demais para que tenham todas um lugar nestes registros. Os três viajantes em muito apreciaram a permanência em Corinto. E, à exceção de Atenas, que era mais renomada como um centro educacional, Corinto foi a cidade mais importante da Grécia durante esses tempos romanos; e nos dois meses que eles passaram nesse centro comercial em florescimento tiveram oportunidade, todos os três, de ter experiências bem valiosas. A permanência deles nessa cidade foi a mais interessante de todas as paradas no seu caminho de volta de Roma. Gonod tinha muitos interesses em Corinto, mas finalmente os seus afazeres terminaram, e eles prepararam-se para velejar até Atenas. Viajaram em um pequeno barco que foi carregado por via terrestre de um porto até outro em Corinto, a uma distância de dezesseis quilômetros. 5. EM ATENAS – O DISCURSO SOBRE A CIÊNCIA Em breve eles chegaram ao velho centro grego de ciência e de educação, e Ganid ficou emocionado com o pensamento de estar em Atenas, de estar na Grécia, o centro cultural do antigo império alexandrino, que tinha estendido as suas fronteiras até a sua própria terra, a Índia. Havia pouca coisa a ser tratada lá; e, sendo assim, Gonod passou a maior parte do seu tempo com Jesus e Ganid,


visitando os muitos pontos de interesse e ouvindo as conversas interessantes do rapaz com o seu versátil Mestre. Uma grande universidade prosperava ainda em Atenas, e os três fizeram visitas freqüentes às suas salas de ensino. Jesus e Ganid tinham discutido em profundidade os ensinamentos de Platão, enquanto ouviam as conferências no museu em Alexandria. E todos eles apreciaram muito a arte da Grécia, da qual boas mostras eram ainda encontráveis aqui e ali pela cidade. Tanto o pai quanto o filho deleitaram-se com a discussão sobre a ciência, que aconteceu no albergue, certa noite, entre Jesus e um filósofo grego. Depois desse formalista ter falado por quase três horas e de ter terminado o seu discurso; eis, numa forma moderna, o que Jesus disse: Os cientistas podem medir, algum dia, a energia ou as manifestações da força, da gravitação, da luz e da eletricidade; mas esses mesmos cientistas nunca poderão (cientificamente) dizer-vos o que são esses fenômenos do universo. A ciência lida com as atividades da energia-física; a religião lida com os valores eternos. A verdadeira filosofia surge da sabedoria que faz o seu melhor para correlacionar essas observações quantitativas e qualitativas. Existe sempre o perigo de que o cientista puramente físico possa ser afligido pelo orgulho matemático e o egocentrismo estatístico, sem mencionar a cegueira espiritual. A lógica é válida no mundo material, e a matemática é confiável quando limitada às suas aplicações às coisas físicas; mas nem uma nem a outra devem ser consideradas como totalmente dignas de confiança, nem infalíveis, quando aplicadas aos problemas da vida. A vida abrange fenômenos que não são integralmente materiais. A aritmética diz que, se um homem pode tosquiar uma ovelha em dez minutos, dez homens podem fazê-lo em um minuto. Isso é o que diz


a matemática pura, mas não é a verdade, pois os dez homens não o poderiam fazer; eles entrariam um na frente do outro tão confusamente que o trabalho seria retardado em muito. Pág. 1477 As matemáticas afirmam que, se uma pessoa representa uma certa unidade de valor moral e intelectual, dez pessoas representariam dez vezes esse valor. Mas, ao lidarmos com a personalidade humana, estaríamos mais próximos da verdade se disséssemos que uma tal associação de personalidades é uma soma que se iguala muito mais ao quadrado do número das personalidades, envolvidas na equação, do que à simples soma aritmética. Um grupo social de seres humanos trabalhando em harmonia coordenada representa uma força muito maior do que a soma simples das suas partes. A quantidade pode ser identificada como um fato, transformandose assim em uma uniformidade científica. A qualidade, sendo uma questão de interpretação mental, representa uma estimativa de valores, e deve, por isso, permanecer como uma experiência do indivíduo. Quando tanto a ciência quanto a religião se tornarem menos dogmáticas e mais tolerantes quanto à crítica, a filosofia então começará a unificar-se na compreensão inteligente do universo. Haverá unidade no universo cósmico quando puderdes discernir apenas os seus efeitos nos fatos. O universo real é amigável para com todos os filhos do Deus eterno. O problema real é: como pode a mente finita do homem alcançar uma unidade de pensamento lógica, verdadeira e correspondente? Esse estado mental de consciência do universo só pode ser alcançado concebendo-se que o fato quantitativo e o valor qualitativo têm uma causação comum, no Pai do Paraíso. Tal concepção da realidade leva a discernimentos mais amplos quanto à unidade intencional dos fenômenos universais; e


revela mesmo uma meta espiritual de realização progressiva da personalidade. E esse é um conceito de unidade que pode perceber o pano de fundo invariável para um universo vivo, de relações impessoais continuamente mutáveis e de relações pessoais que evoluem. A matéria, o espírito e o estado intermediário entre os dois são três níveis inter-relacionados e interassociados da verdadeira unidade do universo real. Independentemente de quão divergentes sejam os fenômenos dos fatos e dos valores no universo, pode acontecer que eles estejam, afinal, unificados no Supremo. A realidade da existência material está ligada à energia irreconhecida bem como à matéria visível. Quando as energias do universo são desaceleradas o suficiente, de modo a adquirirem o grau necessário de movimento, então, sob condições favoráveis, essas mesmas energias transformam-se em massa. E não vos esqueçais que a mente que pode, de per si, perceber a presença das realidades aparentes é, ela própria, também real. E a causa fundamental desse universo de energia-massa, de mente e de espírito, é eterna – existe e consiste na natureza e nas reações do Pai Universal e dos seus coordenados absolutos”. Eles ficaram mais do que pasmados com as palavras de Jesus, e o grego quando despediu-se deles, disse: “Afinal, os meus olhos depararam-se com um judeu que pensa em algo além da superioridade racial e que fala em algo além de religião”. E eles recolheram-se para descansar naquela noite. A permanência em Atenas foi agradável e proveitosa, mas não particularmente frutífera de contatos humanos. Muitos dos atenienses daquela época ou eram intelectualmente orgulhosos da sua reputação de outrora ou mentalmente estúpidos e ignorantes, sendo a progênie dos escravos inferiores daqueles períodos


primitivos, quando existia glória na Grécia e sabedoria nas mentes do seu povo. Mesmo então havia ainda muitas mentes perspicazes entre os cidadãos de Atenas. 6. EM ÉFESO – O DISCURSO SOBRE A ALMA Ao deixar Atenas, os viajantes tomaram o caminho de Troas até Éfeso, a capital da província romana da Ásia. Eles fizeram muitas viagens até o famoso templo de Ártemis dos éfesos, a cerca de duas milhas da cidade. Ártemis era a mais Pág. 1478 famosa deusa de toda a Ásia Menor e uma perpetuação da deusa mãe, a mais antiga dos tempos primordiais anatolianos. O ídolo grosseiro exibido no enorme templo dedicado à sua adoração tinha a fama de ter caído do céu. Nem toda a educação que Ganid teve, no sentido de respeitar as imagens como símbolos da divindade, tinha sido erradicada, e ele pensou que seria ótimo comprar um pequeno relicário de prata em honra a essa deusa da fertilidade da Ásia Menor. Naquela noite eles falaram longamente sobre a adoração de coisas feitas pelas mãos humanas. Ao terceiro dia da sua estada, eles caminharam ao longo do rio para observar a dragagem da boca do porto. Ao meio-dia eles falaram com um jovem fenício que estava com saudades de casa e muito desalentado; mas mais do que tudo ele estava com inveja de um outro jovem que tinha sido promovido antes dele. Jesus disse-lhe palavras de conforto e citou o velho provérbio hebreu: “As qualidades de um homem lhe valem o seu lugar e o levam até os grandes homens”. De todas as cidades grandes que eles visitaram nessa viagem pelo Mediterrâneo, o produto do que eles realizaram, ali, foi o de menor


proveito para o trabalho posterior dos missionários cristãos. O cristianismo assegurou seu começo, em Éfeso, em grande parte por intermédio dos esforços de Paulo, que residiu ali por mais de dois anos, produzindo tendas para viver e fazendo palestras sobre religião e filosofia todas as noites na sala principal de audiências da escola de Tirano. Havia ali um pensador progressista ligado a essa escola local de filosofia, e Jesus teve várias reuniões bem proveitosas com ele. Ao longo dessas conversas Jesus tinha usado repetidamente a palavra “alma”. Esse grego erudito finalmente perguntou-lhe o que queria ele dizer com “alma”, e Jesus respondeu: “A alma é aquela parte do homem que reflete o eu, que discerne a verdade e que percebe a parte espiritual do homem, e que, para sempre, eleva o ser humano acima do nível do mundo animal. A autoconsciência, em si e por si mesma, não é a alma. A consciência moral é a verdadeira auto-realização humana e constitui o fundamento da alma humana, e a alma é aquela parte do homem que representa o valor de sobrevivência potencial para a experiência humana. A escolha moral e a realização espiritual, a capacidade de conhecer a Deus e o impulso de ser igual a ele são as características da alma. A alma do homem não pode existir sem o pensamento moral e a atividade espiritual. Uma alma estagnada é uma alma moribunda. Mas a alma do homem é distinta do espírito divino que reside dentro da mente. O espírito divino chega simultaneamente com a primeira atividade moral da mente humana, e essa é a ocasião do nascimento da alma. “A salvação ou a perda de uma alma tem a ver com o fato de a consciência moral alcançar ou não o status de sobrevivência, por intermédio da aliança eterna com a dotação espiritual imortal associada a ela. A salvação é a espiritualização, na auto-realização da consciência moral. Por meio da espiritualização a consciência


moral torna-se possuidora do valor de sobrevivência. Todas as formas de conflitos da alma consistem na falta de harmonia entre a autoconsciência moral, ou espiritual, e a autoconsciência puramente intelectual. “A alma humana, quando amadurecida, enobrecida e espiritualizada, aproxima-se do status celeste, no sentido em que chega bem próximo de ser uma entidade que está entre o material e o espiritual, entre o eu material e o espírito divino. A alma em evolução, de um ser humano, é difícil de descrever e mais difícil ainda de comprovação porque não se a constata pelos métodos seja da investigação material, seja por provas espirituais. A ciência material não pode demonstrar a existência de uma alma, nem o pode uma comprovação puramente espiritual. Não obstante o fracasso tanto da ciência material quanto dos padrões espirituais, em constatar a existência da alma humana, todo Pág. 1479 mortal moralmente consciente conhece a existência da sua alma como uma experiência pessoal real e factual”. 7. A PERMANÊNCIA EM CHIPRE – O DISCURSO SOBRE A MENTE Em breve os viajantes velejaram para Chipre, parando em Rodes. Eles sentiram muita satisfação na longa viagem pela água e chegaram na ilha de destino com o corpo bem descansado, e restaurados de espírito. E estava nos planos deles gozar de um período de repouso e de recreação nessa visita a Chipre, pois a sua viagem pelo Mediterrâneo estava chegando ao fim. Eles aportaram em Pafos e logo começaram a reunir os suprimentos para uma permanência de


várias semanas nas montanhas vizinhas. Ao terceiro dia depois da sua chegada eles partiram para as montanhas com os animais bastante carregados. Por duas semanas deleitaram-se bastante e, então, sem mais nem menos, o jovem Ganid adoeceu súbita e gravemente. Por duas semanas ele sofreu de uma forte febre, muitas vezes delirando; ambos, Jesus e Gonod, mantiveram-se ocupados assistindo o jovem adoentado. Jesus, com habilidade e com afeto, cuidou do rapaz, e o pai ficou impressionado tanto pela bondade quanto pela competência manifestada em toda essa sua ministração ao jovem afligido. Eles estavam longe de habitações humanas, e o rapaz encontrava-se doente demais para ser removido; e, desse modo, eles se prepararam da melhor forma que puderam para cuidar da sua saúde ali mesmo nas montanhas. Durante as três semanas de convalescência de Ganid, Jesus disse a ele muitas coisas interessantes sobre a natureza e as suas várias manias. E, quanto eles se divertiram enquanto caminhavam pelas montanhas, o rapaz sempre fazendo perguntas, Jesus as respondendo e o pai maravilhado com tudo aquilo. Na última semana de permanência deles nas montanhas, Jesus e Ganid tiveram uma longa conversa sobre as funções da mente humana. Depois de várias horas de troca de idéias, o rapaz fez esta pergunta: “Mas, Mestre, o que tu queres dizer quando falas que o homem experimenta uma forma mais elevada de autoconsciência do que os animais mais evoluídos?” E, colocado em uma forma moderna, eis o que Jesus respondeu: Meu filho, eu já lhe contei muito sobre a mente do homem e o espírito divino que vive nela, mas agora eu enfatizarei que a autoconsciência é como uma realidade. Quando qualquer animal torna-se autoconsciente, ele transforma-se em um homem


primitivo. Essa realização resulta de uma coordenação de funções entre a energia impessoal e a mente que recebe o espírito, e é esse fenômeno que garante a dádiva de um ponto focal absoluto para a personalidade humana, o espírito do Pai no céu. As idéias não são simplesmente um registro das sensações; as idéias são as sensações mais as interpretações reflexivas do eu pessoal; e o eu é mais do que a soma das sensações de um ser. Uma individualidade que evolui começa a manifestar-se como algo que se aproxima da unidade e essa unidade surge da presença residente de uma parte da unidade absoluta que ativa espiritualmente essa mente autoconsciente de origem animal. Nenhum mero animal poderia possuir por si a consciência do tempo. Os animais possuem uma coordenação fisiológica entre o reconhecimento e as sensações associadas e a memória correspondente, mas nenhum experimenta um reconhecimento significativo da sensação nem demonstra uma associação propositada dessas experiências físicas combinadas tal como se manifestam nas conclusões das interpretações humanas inteligentes e reflexivas. E o fato da sua existência autoconsciente, associado à realidade dessa experiência Pág. 1480 espiritual subseqüente, faz do homem um filho potencial do universo e prenuncia que ele alcançará finalmente a Unidade Suprema do universo. O eu humano não é meramente a soma dos estados sucessivos de consciência. Sem o funcionamento efetivo de uma consciência que seleciona e associa, não existiria unidade suficiente a garantir a sua designação como uma individualidade. Não sendo unificada, essa mente dificilmente poderia atingir os níveis de consciência do


status humano. Se as associações de consciência fossem meramente um acidente, as mentes de todos os homens, então, exibiriam as associações descontroladas e feitas ao acaso, próprias mesmo de certas fases da loucura mental. Uma mente humana, edificada apenas com a consciência das sensações físicas, não poderia jamais alcançar níveis espirituais; uma espécie assim de mente material seria totalmente desprovida do sentido dos valores morais e estaria sem uma direção espiritual dominante, que é tão essencial para a realização da unidade harmônica da personalidade no tempo e que é inseparável da sobrevivência da personalidade na eternidade. A mente humana começa muito cedo a manifestar qualidades que são supramateriais; o intelecto humano verdadeiramente reflexivo não é de todo tolhido pelos limites do tempo. Os indivíduos diferem pelas suas atuações na vida e isso indica não apenas as dotações variáveis de hereditariedade e as influências diferentes do meio ambiente, mas também o grau de unificação, com o espírito residente do Pai, que pode ter sido alcançado pelo eu, na medida da identificação de um com o outro. A mente humana não suporta bem o conflito da submissão dupla. É uma tensão muito severa para a alma submeter-se à experiência do esforço de servir tanto ao bem quanto ao mal. A mente supremamente feliz, e unificada de um modo eficiente, é aquela dedicada integralmente a fazer a vontade do Pai nos céus. Os conflitos não resolvidos destroem a unidade e podem culminar na ruptura da mente. Todavia, a característica de sobrevivência de uma alma não é fomentada por uma tentativa de assegurar a paz à mente a qualquer custo, rendendo-se às aspirações nobres, e fazendo concessões aos ideais espirituais; essa paz é conseguida antes pela firme afirmação do triunfo daquilo que é verdadeiro, e


essa vitória é alcançada vencendo o mal com a poderosa força do bem. No dia seguinte eles partiram para Salamina, onde embarcaram para a Antióquia, na costa da Síria. 8. EM ANTIÓQUIA Antióquia era a capital da província romana da Síria, e ali o governador imperial possuía a sua residência. Antióquia tinha meio milhão de habitantes; em tamanho, era a terceira cidade do império, mas era a primeira pela baixeza e flagrante imoralidade. Gonod tinha muitos negócios a tratar; e assim Jesus e Ganid ficaram grande parte do tempo por conta própria. Eles visitaram tudo nessa cidade poliglota, exceto o bosque de Dafne. Gonod e Ganid visitaram esse notório santuário da vergonha, mas Jesus recusou-se a acompanhá-los. As cenas lá não eram tão chocantes para os indianos, mas eram repelentes para um hebreu idealista. Jesus tornou-se mais calmo e pensativo ao aproximar-se da Palestina e do final da sua viagem. Ele conversou com poucas pessoas na Antióquia; e, pouquíssimas vezes, ele passeou pela cidade. Depois de muito perguntar por que o seu Mestre manifestava tão pouco interesse pela Antióquia, Ganid finalmente induziu Jesus a dizer: “Esta cidade não está longe da Palestina; talvez eu volte aqui algum dia”. Pág. 1481 Ganid teve uma experiência muito interessante na Antióquia. Esse jovem tinha comprovado ser um aluno capaz e já tinha começado a fazer uso prático de alguns dos ensinamentos de Jesus. Havia um certo indiano ligado ao negócio do seu pai na Antióquia que tinha se tornado tão desagradável e tão descontente que o seu desligamento


estava sendo cogitado. Quando Ganid ouviu isso , colocou-se no lugar do seu pai nos negócios e teve uma longa conferência com esse compatriota seu. Esse homem sentia que tinha sido colocado no negócio errado. Ganid disse a ele sobre o Pai no céu e de muitos modos ampliou a visão que tal homem tinha da religião. Entretanto, de tudo o que Ganid disse, a citação de um provérbio hebreu fez o maior bem, e a palavra de sabedoria foi: “O que quer que a sua mão encontrar para fazer, faça-o com todo o seu poder”. Depois de preparar as bagagens para a caravana de camelos, eles passaram em Sidom e dali foram para Damasco, e depois de três dias estavam prontos para a longa trilha pelas terras do deserto. 9. NA MESOPOTÂMIA A viagem da caravana, atravessando o deserto, não era uma experiência nova para esses homens viajados. Depois que Ganid tinha observado o seu Mestre ajudar a carregar os vinte camelos e de tê-lo visto fazendo-se voluntário para dirigir os animais, ele exclamou: “Mestre, há alguma coisa que tu não consigas fazer?” Jesus apenas sorriu, dizendo: “O mestre com certeza não deixa de ter as suas honras aos olhos de um aluno aplicado”. E assim eles partiram para a antiga cidade de Ur. Jesus estava muito interessado na história inicial de Ur, local de nascimento de Abraão e estava igualmente fascinado com as ruínas e as tradições de Susa, a ponto de Gonod e Ganid estenderem a sua estada nesses locais por três semanas a fim de proporcionar a Jesus mais tempo para conduzir as suas investigações e também para terem a melhor oportunidade de persuadí-lo a ir até a Índia com eles. Foi em Ur que Ganid teve uma longa conversa com Jesus a respeito da diferença entre conhecimento, sabedoria e verdade. E ele ficou


bastante encantado com as palavras do sábio hebreu: “A sabedoria é a coisa principal, portanto adquira sabedoria. Com toda a sua busca por conhecimento, adquira compreensão. Eleve a sabedoria e ela te fará avançar. Ela irá trazer honrarias a ti, desde que tu a ponhas em prática”. Afinal chegou o dia da separação. Todos foram valentes, especialmente o rapaz, mas foi uma dura provação. Eles tinham os olhos cheios de lágrimas, mas o coração pleno de coragem. Ao despedir-se do seu Mestre, Ganid disse: “Adeus, Mestre, mas não para sempre. Quando eu vier de novo a Damasco, eu procurarei por ti. Eu te amo, pois eu creio que o Pai no céu deve ser um pouco como tu; ao menos eu sei que tu és bastante como tudo o que contaste Dele. Eu me lembrarei dos teus ensinamentos, mas mais do que tudo, eu nunca te esquecerei”. E o pai dele disse: “Adeus a um grande Mestre, que nos tornou melhores e que nos ajudou a conhecer a Deus”. E Jesus respondeu: “A paz esteja convosco, e que a benção do Pai no céu possa estar sempre convosco”. E Jesus ficou na praia e contemplou o pequeno barco que os levava até a embarcação ancorada. Assim o Mestre deixou os seus amigos da Índia em Charax, para nunca mais vê-los de novo neste mundo; e também não chegaram nunca a saber, neste mundo, que o homem que mais tarde apareceu como Jesus de Nazaré era esse mesmo amigo a quem eles tinham acabado de deixar – Joshua, o Mestre deles. Na Índia, Ganid cresceu e tornou-se um homem de influência, um sucessor digno do seu eminente pai e disseminou muitas das verdades nobres que tinha Pág. 1482 aprendido de Jesus, o seu amado Mestre. Mais tarde na vida, quando Ganid ouviu sobre o estranho Mestre na Palestina que


terminou a sua carreira em uma cruz, mesmo reconhecendo a semelhança entre o evangelho desse Filho do Homem e os ensinamentos do seu tutor judeu, nunca lhe ocorreu que esses dois fossem de fato a mesma pessoa. Assim terminou aquele capítulo na vida do Filho do Homem que poderia ser chamado de: A missão de Joshua, o Mestre. DOCUMENTO 134 OS ANOS DE TRANSIÇÃO Durante a viagem pelo Mediterrâneo, Jesus tinha estudado cuidadosamente as pessoas que conhecera e os países pelos quais passara e, por volta dessa época, ele chegou à sua decisão final quanto ao restante da sua vida na Terra. Ele havia considerado plenamente, e aprovara finalmente o plano o qual previa que nascesse de pais judeus na Palestina e, pois, deliberadamente voltara à Galiléia para aguardar o começo do trabalho da sua vida como um mestre público da verdade; ele começara a fazer planos para uma carreira pública na terra do povo do seu pai José, e fez isso por sua própria vontade. Jesus tinha descoberto por meio da sua experiência pessoal e humana que a Palestina era o melhor lugar em todo o mundo romano para desenvolver os últimos capítulos, e para as cenas finais, da sua vida terrena. Pela primeira vez ele estava plenamente satisfeito com o programa de manifestar abertamente a sua natureza verdadeira e de revelar a sua identidade divina entre os judeus e os gentios da sua Palestina natal. E decidira definitivamente terminar a sua vida na Terra e completar a sua carreira de existência mortal na mesma terra em que ele entrara na experiência humana, como uma criança indefesa. A sua carreira em Urântia começara entre os


judeus na Palestina, e ele escolhera terminar a sua vida na Palestina e entre os judeus. 1. O TRIGÉSIMO ANO (24 d.C.) Depois de deixar Gonod e Ganid em Charax (em dezembro, do ano 23 d.C.), Jesus retornou, pelo caminho de Ur, para a Babilônia, onde juntou-se a uma caravana do deserto que estava a caminho de Damasco. De Damasco ele foi para Nazaré, parando por apenas umas poucas horas em Cafarnaum, onde fez uma pausa para visitar a família de Zebedeu. Lá ele encontrou-se com o seu irmão Tiago, que tinha vindo já há algum tempo para trabalhar no seu lugar na oficina de barcos de Zebedeu. Depois de falar com Tiago e Judá (que também se encontrava em Cafarnaum, por acaso) e depois de transferir para o seu irmão Tiago a pequena casa que João Zebedeu tinha conseguido comprar, Jesus foi para Nazaré. Ao finalizar a sua viagem pelo Mediterrâneo Jesus tinha recebido dinheiro suficiente para fazer frente às suas despesas, a fim de viver até quase a época do começo da sua ministração pública. Todavia, à parte Zebedeu em Cafarnaum e as pessoas que ele conheceu nessa extraordinária viagem, o mundo nunca soube que ele tinha feito essa viagem. A sua família sempre havia acreditado que passara esse tempo em estudos na Alexandria. Jesus nunca veio a confirmar essas crenças, nem fez nenhuma negação aberta sobre esses mal-entendidos. Durante a sua estada de umas poucas semanas em Nazaré, Jesus conversou com a sua família e com amigos, passou algum tempo na oficina de reparos com o seu irmão José, mas devotou a maior parte da sua atenção a Rute e a Maria. Rute então tinha quase quinze Pág. 1484


anos, e era essa a primeira oportunidade para Jesus ter longas conversas com ela, desde que ela se tinha transformado em uma jovem crescida. Simão e Judá, ambos, durante algum tempo, tinham desejado casar, mas, não gostando da idéia de fazê-lo sem o consentimento de Jesus, haviam adiado o acontecimento, esperando pelo retorno do seu irmão mais velho. Embora todos considerassem Tiago como o cabeça da família, para a maior parte das questões, quando se tratava de casar-se, eles queriam a bênção de Jesus. E assim, Simão e Judá, casaram-se em uma cerimônia dupla no princípio de março desse ano, de 24 d.C. Todos os outros filhos estavam agora casados; apenas Rute, a mais jovem, permanecera em casa com Maria. Jesus conversava com os membros individuais da sua família muito normal e naturalmente, mas, quando eles estavam todos juntos, tão pouco tinha ele a dizer que eles próprios observavam sobre isso entre si. Maria ficava especialmente desconcertada por esse comportamento inusitadamente peculiar do seu primeiro filho. Na época em que Jesus estava preparando-se para deixar Nazaré, o condutor de uma grande caravana que estava passando pela cidade foi tomado por uma doença violenta e Jesus, sendo um conhecedor de línguas, se fez voluntário para ocupar o lugar dele. Já que essa viagem iria requisitar a sua ausência por um ano e, desde que todos os seus irmãos estavam casados e a sua mãe vivia em casa com Rute, Jesus convocou uma reunião familiar na qual propôs que a sua mãe e Rute fossem a Cafarnaum para viver na casa que ele tinha muito recentemente dado a Tiago. E desse modo, uns poucos dias depois que Jesus partiu com a caravana, Maria e Rute mudaram-se para Cafarnaum, onde viveram, pelo resto da vida de Maria, na casa que Jesus tinha provido. José e a sua família mudaram-se para a velha casa de Nazaré.


Esse foi um dos mais inusitados anos da experiência interior do Filho do Homem; um grande progresso foi feito para efetivar uma harmonia de funcionamento entre a sua mente humana e o Ajustador residente. O Ajustador tinha estado ativamente empenhado em reorganizar o pensamento e em treinar a mente para os grandes acontecimentos que pertenciam a um futuro então não muito distante. A personalidade de Jesus estava preparando-se para a sua grande mudança de atitude para com o mundo. Esses eram os tempos de transição, o estágio transitivo entre aquele ser que começara a vida como um Deus, surgindo como um homem, e que agora estava preparando-se para completar a sua carreira terrena como um homem, surgindo como Deus. 2. A VIAGEM DA CARAVANA AO MAR CÁSPIO Era primeiro de abril, do ano 24 d.C., quando Jesus partiu de Nazaré na viagem da caravana à região do Mar Cáspio. A caravana à qual Jesus aderiu como condutor estava indo de Jerusalém, passando por Damasco e pelo Lago da Úrmia, atravessando a Assíria, a Média e a Pártia, indo para o sudeste da região do Mar Cáspio. Demorou um ano inteiro antes que ele retornasse dessa viagem. Para Jesus essa viagem, com a caravana, foi uma outra aventura de exploração e de ministério pessoal. Ele teve uma experiência interessante com a sua família da caravana – passageiros, guardas e condutores de camelos. As várias dezenas de homens, mulheres e crianças que residiam ao longo do trajeto seguido pela caravana, viveram vidas mais ricas devido ao seu contato com Jesus que, para eles, era o extraordinário chefe de uma caravana comum. Nem todos que desfrutaram da sua ministração pessoal nessa ocasião se beneficiaram devidamente dela, mas a grande maioria daqueles que se encontraram e falaram com ele tornaram-se melhores, pelo resto das suas vidas naturais.


De todas as suas viagens pelo mundo, foi essa viagem pelo Mar Cáspio que levou Jesus o mais perto do Oriente e que o capacitou a ter um entendimento melhor dos povos do Extremo Oriente. Pág. 1485 Ele fez contatos cordiais e pessoais com todas as raças sobreviventes de Urântia, excetuando a vermelha. Ele apreciou igualmente prestar o seu ministério pessoal a cada uma dessas várias raças e povos miscigenados, e todas elas foram receptivas à verdade viva que ele lhes trouxe. Os europeus do Extremo Ocidente e os asiáticos do Extremo Oriente, do mesmo modo, deram atenção às suas palavras de esperança e de vida eterna e foram igualmente influenciados pela prática do serviço amoroso e da ministração espiritual que ele tão benevolamente desenvolveu entre eles. A viagem da caravana teve êxito em todos os sentidos. Esse foi um episódio bastante interessante na vida humana de Jesus, pois ele funcionou durante esse ano como um executivo, sendo responsável pelo material confiado ao seu encargo e pelo salvo-conduto dos viajantes que constituíam o grupo da caravana. E ele desincumbiu-se o mais fiel, eficiente e sabiamente possível dos seus múltiplos deveres. No retorno da região do Mar Cáspio, Jesus entregou a direção da caravana no Lago da Úrmia, onde permaneceu por pouco mais de duas semanas. Ele retornou como um passageiro, com uma caravana posterior, até Damasco, onde os donos dos camelos suplicaram-lhe que permanecesse a serviço deles. Ele rejeitou essa oferta e viajou com a caravana para Cafarnaum, chegando no dia primeiro de abril do ano 25 d.C.. Jesus não mais considerava Nazaré como o seu lar. Cafarnaum passou a ser a casa de Jesus, Tiago, Maria e Rute.


Jesus, contudo, nunca mais viveu com a sua família; quando estava em Cafarnaum, ele fazia da casa de Zebedeu o seu lar. 3. OS ENSINAMENTOS NA ÚRMIA A caminho do Mar Cáspio, Jesus tinha parado vários dias para descansar e recuperar-se, na velha cidade persa da Úrmia, nas margens do lado oeste do Lago da Úrmia. Na maior das ilhas de um arquipélago situado a pouca distância das margens, perto da Úrmia, estava localizado um grande prédio – um anfiteatro para conferências – dedicado ao “espírito da religião”. Essa estrutura era realmente um templo da filosofia das religiões. Esse templo da religião tinha sido construído por um rico mercador, cidadão da Úrmia, e pelos seus três filhos. Esse homem chamava-se Cimboitom, e tinha entre os seus ancestrais muitos povos diferentes. As conferências e os debates nessa escola de religião começavam às dez horas da manhã, nos dias da semana. As sessões da tarde começavam às três horas, e os debates da noite eram abertos às oito horas. Cimboitom ou um dos seus três filhos sempre presidiam a essas sessões de ensinamentos, de discussões e de debates. O fundador dessa escola singular de religiões viveu e morreu sem ter jamais revelado as suas crenças religiosas pessoais. Em várias ocasiões Jesus participou dessas discussões e, antes que tivesse deixado a Úrmia, Cimboitom fez um acordo com Jesus, para que ele permanecesse com eles por duas semanas, depois da sua viagem de volta, para então dar vinte e quatro palestras sobre “A Irmandade dos Homens”, e para conduzir doze sessões noturnas de perguntas, de discussões e debates sobre as suas palestras em particular e sobre a irmandade dos homens em geral.


Em cumprimento a esse acordo, Jesus interrompeu a viagem na volta e concedeu as palestras. Esses foram os mais sistemáticos e formais de todos os ensinamentos do Mestre em Urântia. Nunca antes, nem depois, ele disse tanto sobre uma questão única como a que estava contida nessas palestras e discussões sobre a irmandade dos homens. Na realidade essas palestras foram sobre o “Reino de Deus” e os “reinos dos homens”. Pág. 1486 Mais de trinta religiões e cultos religiosos estavam representados na faculdade desse templo de filosofia religiosa. Esses educadores eram escolhidos, sustentados e totalmente acreditados pelos seus respectivos grupos religiosos. Nessa época havia cerca de setenta e cinco instrutores na faculdade, e eles viviam em cabanas, cada uma acomodando cerca de doze pessoas. A cada lua nova esses grupos eram alterados, escolhendo-se pela sorte. A intolerância, o espírito de contenda, ou qualquer outra disposição que interferisse na boa marcha da comunidade, provocaria a deposição pronta e sumária do instrutor causador da ofensa. Ele era dispensado, sem maiores cerimônias, e o que vinha logo atrás dele, imediatamente era colocado em seu lugar. Esses instrutores das várias religiões faziam um grande esforço para mostrar quão semelhantes eram as suas religiões com respeito às coisas fundamentais dessa vida e da próxima. Para que se ganhasse um assento nessa faculdade tinha que ser adotada apenas uma doutrina – cada instrutor devia representar uma religião que reconhecia Deus –, alguma espécie de Deidade suprema. Havia cinco instrutores independentes, na faculdade, que não representavam nenhuma religião organizada, e foi como um instrutor independente que Jesus apareceu perante eles.


[Quando nós, os seres intermediários, preparávamos inicialmente o sumário dos ensinamentos de Jesus, na Úrmia, surgiu um desacordo, entre os serafins das igrejas e os serafins do progresso, questionando quanto à sabedoria de incluir esses ensinamentos nas Revelações de Urântia. As condições do século vinte, que prevalecem tanto na religião quanto nos governos dos humanos, são tão diferentes das que existiam na época de Jesus, que foi realmente difícil adaptar os ensinamentos do Mestre na Úrmia, aos problemas do Reino de Deus e aos reinos dos homens, tais como eles existem neste século. Nós nunca fomos capazes de formular um documento sobre os ensinamentos do Mestre, que fosse aceitável para ambos os grupos desses serafins do governo planetário. Finalmente, o Melquisedeque catedrático da comissão reveladora apontou uma comissão de três, da nossa ordem, para preparar a nossa visão dos ensinamentos do Mestre na Úrmia, de um modo adaptado às condições religiosas e políticas deste século, em Urântia. E desse modo nós, os três seres intermediários secundários apontados, completamos essa adaptação dos ensinamentos de Jesus, restabelecendo os seus pronunciamentos do modo como nós os aplicaríamos à condição do mundo nos dias atuais e, agora, nós apresentamos estes documentos como eles ficaram depois de terem sido editados pelo Melquisedeque catedrático da comissão reveladora.] 4. A SOBERANIA – DIVINA E HUMANA A irmandade dos homens é fundada na paternidade de Deus. A família de Deus deriva-se do amor de Deus – Deus é amor. Deus, o Pai, ama divinamente os Seus filhos, a todos eles. O Reino do céu, o governo divino, é fundado no fato da soberania divina – Deus é espírito. E já que Deus é espírito, este Reino é espiritual. O Reino do céu não é nem material nem meramente intelectual; é uma relação espiritual entre Deus e o homem.


Se as religiões diferentes reconhecem a soberania espiritual de Deus, o Pai, então todas essas religiões permanecerão em paz. Apenas quando uma religião assume que de um certo modo é superior a todas as outras, e que possui autoridade exclusiva sobre outras religiões, é que essa religião ousará ser intolerante com as outras religiões ou atrever-se-á a perseguir outros crentes religiosos. Pág. 1487 A paz religiosa – a irmandade – não pode nunca existir a menos que todas as religiões estejam dispostas a despojar-se completamente de toda autoridade eclesiástica e a abandonar todo conceito de soberania espiritual. Apenas Deus é soberano em espírito. Vós não podeis ter igualdade entre as religiões (liberdade religiosa) sem ter guerras religiosas, a menos que todas as religiões consintam em transferir toda a soberania a algum nível suprahumano, ao próprio Deus. O Reino do céu nos corações dos homens criará a unidade religiosa (não necessariamente a uniformidade), porque todo e qualquer grupo religioso composto de tais crentes religiosos será livre de todas as noções de autoridade eclesiástica – a soberania religiosa. Deus é espírito e Deus dá um fragmento do seu eu espiritual para residir no coração do homem. Espiritualmente, todos os homens são iguais. O Reino do céu é livre de castas, de classes, de níveis sociais e de grupos econômicos. Vós sois todos irmãos. Entretanto, no momento em que vós perdeis de vista a soberania do espírito de Deus o Pai, alguma religião começará a afirmar a sua superioridade sobre outras religiões; e então, em vez de paz na Terra e de boa vontade entre os homens, as desavenças e as


recriminações começarão, e mesmo as guerras religiosas ou, ao menos, as guerras entre os religiosos. Os seres de livre-arbítrio que se consideram como iguais, a menos que mutuamente entendam como sujeitos a alguma supra-soberania, a alguma autoridade sobre e acima deles próprios, mais cedo ou mais tarde serão tentados a experimentar a sua capacidade de ganhar poder e autoridade sobre outras pessoas e grupos. O conceito de igualdade nunca traz a paz, exceto no caso do reconhecimento mútuo de alguma influência supracontroladora da supra-soberania. Os religiosos da Úrmia viveram juntos em relativa paz e tranqüilidade porque eles tinham abandonado completamente todas as suas noções de soberania religiosa. Espiritualmente, todos eles acreditavam em um Deus soberano; socialmente, a autoridade plena e incontestável recaía sobre o presidente deles – Cimboitom. E eles bem sabiam o que aconteceria a qualquer instrutor que ousasse impor-se aos seus companheiros instrutores. Não poderá haver nenhuma paz religiosa duradoura em Urântia até que todos os grupos religiosos abandonem livremente todas as suas noções de favoritismo divino, de povo escolhido e de soberania religiosa. Apenas quando Deus, o Pai, tornar-Se supremo, os homens tornarse-ão irmãos religiosos e viverão juntos em paz religiosa na Terra. 5. A SOBERANIA POLÍTICA [Conquanto os ensinamentos do Mestre a respeito da soberania de Deus sejam uma verdade – complicada apenas pelo surgimento subseqüente de uma religião, entre as religiões do mundo, sobre o Mestre –, as suas apresentações, a respeito da soberania política, são amplamente complicadas pela evolução política da vida das nações durante os últimos dezenove séculos, e até mais. Nos tempos de Jesus havia apenas dois grandes poderes mundiais – o império


romano no Ocidente e o Império Han no Oriente – e estes estavam bastante separados pelo reino Pártio e por outras terras intermediárias, das regiões do Mar Cáspio e do Turquestão. Nós partimos, portanto, na apresentação seguinte, mais da essência dos ensinamentos do Mestre na Úrmia, a respeito da soberania política, ao mesmo tempo tentando descrever a importância de tais ensinamentos, enquanto são aplicáveis ao estágio peculiarmente crítico da evolução da soberania política no século vinte depois de Cristo.] A guerra em Urântia nunca terminará enquanto as nações apegarem-se às noções ilusórias de soberania nacional ilimitada. Há apenas dois níveis de soberania Pág. 1488 relativa em um mundo habitado: o livre-arbítrio espiritual do indivíduo mortal e a soberania coletiva da humanidade, como um todo. Entre o nível do ser humano individual e o nível da humanidade total, todos os agrupamentos e associações são relativos, transitórios e têm valor apenas pelo que podem melhorar no bemestar, na felicidade e no progresso do indivíduo e do planeta, como um grande todo – o homem e a humanidade. Os educadores religiosos devem lembrar-se sempre de que a soberania espiritual de Deus está acima de qualquer lealdade espiritual que possa ser interposta como intermediária. Algum dia os governantes civis aprenderão que os Altíssimos dirigem os reinos dos homens. Essa direção dos Altíssimos nos reinos dos homens não é para o benefício de qualquer grupo especialmente favorecido de mortais. Não existe uma coisa tal com um “povo escolhido”. O governo dos Altíssimos, os supracontroladores da evolução política, é um


governo destinado a fomentar o maior bem ao maior número possível entre todos os homens e durante o maior espaço de tempo. A soberania é poder, e cresce com a organização. Esse crescimento da organização do poder político é bom e próprio, pois tende a abranger segmentos sempre mais amplos do total da humanidade. Contudo, esse mesmo crescimento das organizações políticas cria um problema em cada estágio intermediário entre a organização inicial e natural do poder político – a família – e a consumação final do crescimento político – o governo de toda a humanidade, por toda a humanidade e para toda a humanidade. Começando com o poder parental, no grupo familiar, a soberania política evolui, por organização, à medida que as famílias superponham-se em clãs consangüíneos e se unem, por várias razões, em unidades tribais – agrupamentos políticos supraconsagüíneos. E então, por intermédio dos negócios, do comércio e de conquistas, as tribos tornam-se unificadas como uma nação, enquanto as próprias nações algumas vezes tornam-se unificadas como um império. À medida que a soberania passa dos grupos menores para os maiores, as guerras diminuem. Isto é, as guerras menores, entre as nações menores, ficam mais raras, mas o potencial para as guerras maiores cresce à medida que as nações que exercem a soberania tornam-se cada vez maiores. Em breve, quando todo o mundo tiver sido explorado e ocupado, enquanto poucas são as nações fortes e poderosas, quando essas nações grandes e supostamente soberanas tocam as fronteiras, quando apenas os oceanos as separam, então o quadro estará pronto para as guerras maiores, para os conflitos mundiais. As nações chamadas soberanas não podem acotovelar-se sem gerar conflitos e fazer guerras.


A dificuldade na evolução da soberania política, desde a família até toda a humanidade, repousa na resistência inercial demonstrada em todos os níveis intermediários. As famílias, nessa ocasião, desafiaram o seu clã, enquanto os clãs e as tribos têm, freqüentemente, subvertido a soberania do estado territorial. Cada novo progresso, na evolução da soberania política, é (e tem sempre sido) embaraçado e impedido pelos “estágios-andaimestemporários” dos desenvolvimentos anteriores na organização política. E isso é verdade porque as lealdades humanas, uma vez mobilizadas, são difíceis de mudar. A mesma lealdade que torna possível a evolução da tribo, torna difícil a evolução da supertribo – o estado territorial. E a mesma lealdade (o patriotismo) que torna possível a evolução do estado territorial complica bastante o desenvolvimento evolucionário do governo de toda a humanidade. A soberania política é criada graças ao abandono do autodeterminismo, primeiro da parte do indivíduo dentro da família e, então, pelas famílias e clãs em relação à tribo e aos agrupamentos maiores. Essa transferência progressiva da autodeterminação de organizações pequenas para organizações políticas cada vez maiores tem, geralmente, tido seqüência, sem desaceleração, no Oriente, desde o estabelecimento das dinastias Ming e Mogul. Pág. 1489 No Ocidente, por mais de mil anos, ela prevaleceu até o fim da guerra mundial, quando um desafortunado movimento retrógrado reverteu, temporariamente, essa tendência normal, restabelecendo a soberania política submergida de numerosos grupos pequenos na Europa. Urântia não desfrutará de uma paz duradoura antes que as nações chamadas soberanas coloquem, inteligente e plenamente, os seus


poderes soberanos nas mãos da irmandade dos homens – o governo da humanidade. O internacionalismo – as ligas de nações – nunca pode trazer a paz permanente à humanidade. As confederações das nações, de amplitude mundial, efetivamente impedirão guerras menores e controlarão aceitavelmente as nações menores, mas elas não impedirão as guerras mundiais, nem controlarão três, quatro, ou cinco dos governos mais poderosos. Em face de conflitos reais, um desses poderes mundiais retirar-se-á da liga e irá declarar guerra. Vós não podereis impedir as nações de entrar na guerra, enquanto elas permanecerem infectadas com o vírus enganoso da soberania nacional. O internacionalismo é um passo na direção certa. Uma força policial internacional impedirá muitas guerras menores, mas não será eficaz para impedir as guerras maiores, os conflitos entre os grandes governos militares da Terra. À medida que decrescer o número das nações verdadeiramente soberanas (os grandes poderes), crescerão tanto a oportunidade quanto a necessidade de governo para a humanidade. Quando há apenas uns poucos poderes (grandes), realmente soberanos, ou eles devem lançar-se na luta de vida ou morte pela supremacia nacional (imperial), ou então, pelo abandono voluntário de algumas prerrogativas da soberania, eles devem criar o núcleo essencial do poder supranacional que servirá de começo à soberania real de toda a humanidade. A paz não virá a Urântia até que todas as chamadas nações soberanas coloquem os seus poderes de fazer guerra nas mãos de um governo representante de toda a humanidade. A soberania política é inata aos povos do mundo. Quando todos os povos de Urântia criarem um governo mundial, eles terão o direito e o poder de fazer dele um governo SOBERANO; e quando esse representante, ou poder democrático mundial, controlar as terras


do mundo, o seu ar e as suas forças navais, a paz na Terra e a boa vontade entre os homens poderá prevalecer – mas não antes disso. Para usar uma importante ilustração dos séculos dezenove e vinte: os quarenta e oito estados da União Federal Americana vêm, há muito, desfrutando da paz. Eles não mais tiveram guerras entre si próprios. Eles entregaram a sua soberania ao governo federal e, por meio de um arbitramento, em caso de guerra, abandonaram todas as reivindicações ilusórias de autodeterminação. Enquanto cada estado regular os seus assuntos internos, ele não se preocupará com relações exteriores, tarifas, imigração, assuntos militares ou com o comércio interestadual. Nem os estados individualmente preocupam-se com as questões da cidadania. Os quarenta e oito estados sofrem a devastação da guerra apenas quando a soberania do governo federal é de algum modo ameaçada. Esses quarenta e oito estados, tendo abandonado o duplo sofisma da soberania e da autodeterminação, desfrutam da paz e da tranqüilidade interestadual. Assim, as nações de Urântia começam a gozar da paz, quando elas abandonam livremente as suas respectivas soberanias, colocando-as nas mãos de um governo global – a soberania da irmandade dos homens. Nesse Estado mundial, as pequenas nações serão tão poderosas quanto as grandes, mesmo o pequeno estado de Rode Island tem os seus dois senadores no Congresso americano, do mesmo modo que os populosos estados de Nova Iorque ou o estado imenso do Texas. Pág. 1490 A soberania limitada (do Estado) desses quarenta e oito estados foi criada pelos homens e para os homens. A soberania do supra-Estado (o nacional) da União Federal Americana foi criada pelos treze estados originais, dentre esses, para o seu próprio benefício e para o benefício dos homens. Em alguma época, a soberania supranacional


dos governos planetários da humanidade será similarmente criada pelas nações, para o seu próprio benefício e para benefício de todos os homens. Os cidadãos não nascem para o benefício dos governos; os governos são organizações criadas e legadas para o benefício dos homens. Não pode haver um fim para a evolução da soberania política sem o surgimento do governo da soberania de todos os homens. Todas as outras soberanias são relativas em valor, de significado apenas intermediário e de status subordinado. Com o progresso científico, as guerras tornar-se-ão mais e mais devastadoras, até que se tornem quase racialmente suicidas. Quantas guerras mundiais devem ser lutadas e quantas ligas das nações devem fracassar, antes que os homens estejam dispostos a estabelecer o governo da humanidade e que comecem a gozar das bênçãos da paz permanente e prosperem na tranqüilidade da boa vontade – da boa vontade de âmbito mundial – entre os homens? 6. LEI, LIBERDADE E SOBERANIA Se um homem almeja a independência – a liberdade –, ele deve lembrar-se de que todos os outros homens anseiam pela mesma autonomia. Os grupos desses mortais amantes da liberdade não podem viver juntos em paz sem tornarem-se obedientes a leis, regras e regulamentos tais que concedam a cada uma das suas pessoas o mesmo grau de liberdade, salvaguardando, ao mesmo tempo, um grau igual de liberdade a todos os outros companheiros mortais. Se um homem deve ser absolutamente livre, então um outro deve tornar-se um escravo absoluto. E a natureza relativa da liberdade é, econômica e politicamente, uma verdade social. A liberdade é a dádiva da civilização, tornada possível por força da LEI.


A religião torna espiritualmente possível realizar a irmandade dos homens, mas isso exigirá um governo da humanidade, para regulamentar a questão social, econômica e política, ligada a essa meta de felicidade e de eficiência humana. Enquanto a soberania política do mundo estiver dividida e nas mãos de um grupo de Estados-nações, haverá guerras e rumores de guerras – e nação levantar-se-á contra nação. A Inglaterra, a Escócia e o País de Gales estiveram sempre em luta, uns contra os outros, até que se abdicaram das respectivas soberanias, confiando-as ao Reino Unido. Uma outra guerra mundial ensinará às nações ditas soberanas a formar alguma espécie de federação, criando assim o instrumento para impedir as pequenas guerras, guerras entre as nações menores. Mas as guerras globais continuarão enquanto o governo da humanidade não for criado. A soberania global impedirá as guerras globais – nenhuma outra coisa poderá fazê-lo. Os quarenta e oito estados livres da América vivem juntos em paz. Há entre os cidadãos, desses quarenta e oito estados, todas as raças e as diversas nacionalidades provenientes da Europa que sempre estão em guerra. Esses americanos representam quase todas as religiões, seitas religiosas e cultos de todo o amplo mundo, mas ali na América do Norte eles vivem juntos em paz. E tudo isso se faz possível porque os quarenta e oito estados entregaram a sua soberania e abandonaram todas as noções de supostos direitos de autodeterminação. Não é uma questão de armamento ou de desarmamento. E a questão do recrutamento militar ser voluntário ou obrigatório também não pesa nessa questão de manter a paz mundial. Pág. 1491


Se vós tomardes das mãos das nações fortes todas as formas de armamentos mecânicos modernos e todos os tipos de explosivos, elas irão lutar com os punhos, com pedras e cassetetes, enquanto estiverem aferradas às suas ilusões de direito divino à soberania nacional. A guerra não é a grande e terrível doença do homem; a guerra é um sintoma, um resultado. A doença, de fato, é o vírus da soberania nacional. As nações de Urântia não têm tido a verdadeira soberania; elas nunca tiveram uma soberania que pudesse protegê-las das pilhagens e devastações das guerras mundiais. Na criação do governo global da humanidade, as nações não estão abdicando da sua soberania tanto quanto estão de fato criando uma soberania mundial real, autêntica e duradoura que, daí por diante, será plenamente capaz de protegê-las de toda a guerra. Os assuntos locais serão controlados pelos governos locais; os assuntos nacionais, pelos governos nacionais; os assuntos internacionais serão administrados pelo governo planetário. A paz mundial não pode ser mantida por tratados, pela diplomacia, pelas políticas exteriores, ou alianças, ou pelo equilíbrio dos poderes, nem por qualquer outro tipo de substituto para negociar com as soberanias do nacionalismo. A lei mundial deve vir a existir e deve ser imposta pelo governo do planeta – a soberania de toda a humanidade. O indivíduo gozará de muito mais liberdade sob o governo mundial. Os cidadãos das grandes potências, hoje, são taxados, regulados e controlados quase que opressivamente, e uma boa parte dessa interferência atual nas liberdades individuais desaparecerá quando os governos nacionais estiverem dispostos a confiar a sua


soberania, no que diz respeito aos assuntos internacionais, nas mãos do governo geral do planeta. Sob um governo de todo o globo os grupos das nações terão uma oportunidade real de realizar e de desfrutar das liberdades pessoais genuínas da democracia. E isso porá fim à falácia da autodeterminação. Com a regulamentação para todo o planeta, do dinheiro e do comércio, virá uma nova era de paz mundial. Logo, uma linguagem global poderá vir a evoluir, e haverá pelo menos alguma esperança de que algum dia surja uma religião única global – ou religiões com um ponto de vista planetário. A segurança coletiva nunca proporcionará a paz enquanto a coletividade não incluir toda a humanidade. A soberania política do governo representativo da humanidade trará uma paz perene à Terra, e a irmandade espiritual dos homens assegurará para sempre a boa vontade entre todos os homens. E não há outro modo pelo qual a paz na Terra e a boa vontade entre os homens possam realizar-se. Depois da morte de Cimboitom, os seus filhos tiveram muitas dificuldades em manter a faculdade em paz. As repercussões dos ensinamentos de Jesus teriam sido muito maiores se os educadores cristãos posteriores que se juntaram à faculdade da Úrmia tivessem demonstrado mais sabedoria e praticado mais a tolerância. O filho mais velho de Cimboitom pediu ajuda a Abner, na Filadélfia, mas a escolha que Abner fez dos professores foi infeliz, pois eles mostraram-se inflexíveis e intransigentes. Esses professores buscaram fazer com que a sua religião predominasse sobre as outras crenças. Eles jamais suspeitaram de que as conferências do condutor de caravanas, às quais sempre eles se referiam, tinham sido feitas pessoalmente pelo próprio Jesus.


Como a confusão cresceu na faculdade, os três irmãos retiraram o seu apoio financeiro e, em cinco anos, a escola fechou. Mais tarde foi reaberta para Pág. 1492 ser um templo mitraico e, finalmente, foi incendiada conseqüência de uma das suas celebrações orgíacas.

em

7. O TRIGÉSIMO PRIMEIRO ANO (25 d.C.) Quando Jesus voltou da viagem ao Mar Cáspio, ele sabia que as suas viagens pelo mundo tinham como que acabado. Ele fez apenas uma viagem mais, para fora da Palestina, e que foi para a Síria. Depois de uma breve visita a Cafarnaum, ele foi a Nazaré, parando lá uns poucos dias com o fito de fazer visitas. No meio do mês de abril ele saiu de Nazaré, indo para Tiro. De lá ele viajou para o norte, ficando alguns dias em Sidom, mas o seu destino era a Antióquia. Esse é o ano das peregrinações solitárias de Jesus pela Palestina e pela Síria. Durante esse ano de viagens, ele ficou conhecido por vários nomes em diferentes partes do país: Carpinteiro de Nazaré, Construtor de barcos de Cafarnaum, Escriba de Damasco e Mestre de Alexandria. Em Antióquia o Filho do Homem viveu por mais de dois meses, trabalhando, observando, estudando, conversando, ministrando e, durante todo o tempo, aprendendo como vive o homem, como ele pensa, sente e reage ao ambiente da existência humana. Por três semanas, durante esse período, ele trabalhou como fabricante de tendas. E permaneceu por mais tempo na Antióquia do que em qualquer outro lugar que visitou nessa viagem. Dez anos mais tarde, quando o apóstolo Paulo estava pregando na Antióquia e ouviu os seus seguidores falarem das doutrinas do Escriba de Damasco, ele


mal sabia que os seus alunos tinham ouvido a voz, e escutado aos ensinamentos do próprio Mestre. Da Antióquia Jesus viajou para o sul, pela costa, até Cesaréia, onde ele permaneceu por umas poucas semanas, continuando pela costa até Jopa. De Jopa ele foi em direção ao interior para a Jamnia, Ashdod e Gaza. De Gaza ele tomou a estrada que vai para o interior até Beersheba, onde ele permaneceu por uma semana. Jesus então começou a sua viagem final, como indivíduo, e, particularmente, pelo centro da Palestina, indo de Beersheba, no sul, para Dan, ao norte. Nessa viagem para o norte ele parou em Hebrom, em Belém (onde ele viu o local do seu nascimento), Jerusalém (ele não visitou a Betânia), Beirute, Líbano, Sicar, Sechem, Samaria, Geba, Enganim, En-dor, Madon; passando por Magdala e Cafarnaum, ele viajou para o norte; e, seguindo a leste das Águas de Merom, ele passou também por Carata, indo até Dan, ou a Cesaréia-Filipe. O Ajustador do Pensamento residente a partir de agora conduzia Jesus a deixar de lado os locais onde moram os homens e a dirigirse até o monte Hermom, para que ele pudesse completar o seu trabalho de ter a sua mente humana sob a própria mestria e terminar a tarefa de realizar a consagração plena de si ao remanescente do trabalho da sua vida na Terra. Essa foi uma dessas épocas inusitadas e extraordinárias na vida terrena do Mestre em Urântia. Uma época, de importância similar foi a da experiência pela qual ele passou quando estava só nos montes perto de Pela, pouco depois do seu batismo. Esse período de isolamento no monte Hermom marcou o término da sua carreira puramente humana, isto é, o término técnico da auto-outorga mortal; ao passo que o isolamento posterior demarcou o começo da


fase mais divina da auto-outorga. E Jesus viveu a sós com Deus durante seis semanas nas escarpas do monte Hermom. 8. A PERMANÊNCIA NO MONTE HERMOM Depois de passar algum tempo na vizinhança de Cesaréia-Filipe, Jesus aprontou os seus suprimentos e conseguiu uma besta de carga e um garoto de nome Tiglá, e Pág. 1493 então seguiu pela estrada de Damasco até uma aldeia conhecida como Be-Jenn, ao pé do monte Hermom. Ali, por volta de meados de agosto, do ano 25 d.C., ele estabeleceu o seu acampamento e, deixando o seu suprimento sob a custódia de Tiglá, subiu as escarpas desoladas da montanha. Tiglá acompanhou Jesus, nesse primeiro dia montanha acima, até um determinado ponto a uns 2 000 metros de altitude acima do nível do mar, onde eles construíram um nicho de pedra no qual Tiglá devia colocar comida duas vezes por semana. No primeiro dia, depois de deixar Tiglá, Jesus havia subido a montanha apenas um pouco mais quando parou para orar. Entre outras coisas ele pediu ao seu Pai para enviar o seu serafim guardião para “ficar com Tiglá”. Ele pediu para que lhe fosse permitido subir, para ter a sua última luta a sós com as realidades da existência mortal. E o seu pedido foi-lhe concedido. E foi para a grande prova apenas com o seu Ajustador residente para guiá-lo e dar-lhe apoio. Jesus comeu frugalmente, enquanto estava na montanha; ele absteve-se inteiramente de comida apenas um dia ou dois por vez. Os seres supra-humanos que se confrontaram com ele, nessa montanha, e com quem ele combateu em espírito, e a quem ele


derrotou em poder, eram reais; eram os seus arquiinimigos do sistema de Satânia; não eram fantasmas da imaginação que surgiram das fantasias intelectuais de um mortal enfraquecido e faminto, que não conseguia distinguir a realidade das visões de uma mente perturbada. Jesus passou as três últimas semanas de agosto e as primeiras três semanas de setembro no monte Hermom. Durante essas semanas, ele terminou a tarefa mortal de entrar e passar pelos círculos da compreensão mental e do controle da personalidade. Durante todo esse período de comunhão com o seu Pai celeste, o Ajustador residente também completou os serviços a ele atribuídos. A meta mortal dessa criatura terrena ali então foi alcançada. Apenas a fase final de afinação entre a mente e o Ajustador ficou ainda para ser consumada. Depois de mais de seis meses de comunhão ininterrupta com o seu Pai do Paraíso, Jesus tornou-se absolutamente seguro sobre a sua natureza e certo do seu triunfo sobre os níveis materiais da manifestação tempo-espacial da personalidade. Ele acreditou integralmente na ascendência da sua natureza divina sobre a sua natureza humana e não hesitou em afirmá-la. Perto do final da permanência nas montanhas, Jesus perguntou ao seu Pai se lhe poderia ser permitido manter uma conversa com os seus inimigos de Satânia, como Filho do Homem, como Joshua ben José. Esse pedido lhe foi concedido. Durante a última semana no monte Hermom, a grande tentação, a provação universal, aconteceu. Satã (representando Lúcifer) e Caligástia, o Príncipe Planetário rebelde, estiveram presentes junto a Jesus e foram tornados plenamente visíveis para ele. E, assim, pois, tal “tentação”, essa provação final de lealdade humana em face das exposições falaciosas das personalidades rebeldes, nada tivera a ver com alimentos, nem com pináculos de templos, nem com atos


presunçosos. Nada teve a ver com os reinos deste mundo, teve, sim, a ver com a soberania de um universo poderoso e glorioso. O simbolismo, nas vossas escrituras, foi dirigido a idades anteriores, nas quais o pensamento do mundo ainda era infantil. E as gerações posteriores deveriam compreender quão grande foi a luta pela qual o Filho do Homem passou durante aquele dia memorável no monte Hermom. Às muitas propostas e contrapropostas dos emissários de Lúcifer, Jesus apenas respondeu: “Que prevaleça a vontade do meu Pai no Paraíso, e que a vós, meus filhos rebeldes, possam os Anciães dos Dias julgar-vos divinamente. Eu sou o vosso Pág. 1494 Criador-pai; não posso julgar-vos com justiça; a minha misericórdia vós já a desprezastes. Eu vos entrego ao julgamento dos Juízes de um universo maior”. Quanto a todos os expedientes e acordos sugeridos por Lúcifer, às propostas ilusórias sobre a auto-outorga de encarnação, Jesus apenas fez o comentário: “A vontade do meu Pai no Paraíso seja feita”. E, quando a severa provação chegou ao fim, o serafim destacado para ser o guardião voltou-se na direção de Jesus e levou até ele a sua ministração. Nessa tarde no final do verão, entre as árvores e no silêncio da natureza, Michael de Nebadon conquistou a soberania inquestionável do seu universo. Nesse dia, ele completou a tarefa preestabelecida, para os Filhos Criadores, de viver completamente a vida encarnada à semelhança da carne mortal nos mundos evolucionários do tempo e do espaço. O anúncio, para o universo, dessa memorável realização, não foi feito até o dia do seu batismo, meses depois, mas tudo aconteceu realmente naquele dia na


montanha. E, quando Jesus desceu da sua estada no monte Hermom, a rebelião de Lúcifer em Satânia e a secessão de Caligástia em Urântia estavam virtualmente acalmadas. Jesus havia pago o último preço exigido dele para alcançar a soberania do seu universo, que por si mesma regulamenta sobre o status de todos os rebeldes e determina que todos os futuros levantes (se eles um dia ocorrerem) possam ser tratados sumária e efetivamente. E, desse modo, podese ver que a chamada “grande tentação” de Jesus aconteceu algum tempo antes do seu batismo e não pouco depois daquele evento. Ao final dessa permanência na montanha, quando Jesus estava descendo, encontrou Tiglá subindo no compromisso de levar a comida. Chamando-o para voltar, Jesus apenas disse: “O período de descanso chegou ao fim; devo agora voltar a cuidar dos assuntos do meu Pai”. Tornara-se um homem silencioso e estava muito mudado, quando voltaram para Dan, onde ele deixou o garoto e deu a ele o burro. Então ele prosseguiu para o sul, pelo mesmo caminho que tinha percorrido para chegar em Cafarnaum. 9. O TEMPO DE ESPERA Agora estava próximo o fim do verão; era a época do dia da reconciliação e da Festa de Tabernáculos. Jesus tinha um encontro de família em Cafarnaum durante o sábado e, no dia seguinte, partiu para Jerusalém com João, o filho de Zebedeu, indo para o leste do lago, e por Gerasa, e descendo pelo vale do Rio Jordão. Enquanto visitavam alguns dos seus companheiros, no caminho, João percebeu uma grande mudança em Jesus. Jesus e João pararam para passar a noite na Betânia com Lázaro e as suas irmãs, indo bem cedo na manhã seguinte para Jerusalém. Eles passaram quase três semanas na cidade e nas cercanias, ou pelo menos João passou. Muitas vezes João ia só até Jerusalém,


enquanto Jesus caminhava pelas montanhas vizinhas, para ter muitos períodos de comunhão espiritual com o seu Pai no céu. Ambos estavam presentes aos serviços solenes do dia da reconciliação. João ficou muito impressionado com as cerimônias desses dias de ritual religioso judeu, mas Jesus permaneceu como um espectador pensativo e silencioso. Para o Filho do Homem esse espetáculo foi patético e deplorável. Ele viu tudo como uma falsa representação do caráter e dos atributos do seu Pai no céu. E considerou os acontecimentos daquele dia como uma caricatura dos fatos da justiça divina e das verdades da misericórdia infinita. Ele fervia de desejo de dar expansão à declaração da verdade real sobre o caráter amoroso do seu Pai e sobre a conduta misericordiosa no universo, mas o seu fiel Monitor admoestou-o de que a sua hora não tinha ainda chegado. Contudo, naquela noite na Pág. 1495 Betânia, Jesus fez inúmeros comentários que deixaram João bastante perturbado; e João nunca compreendeu totalmente o significado real do que Jesus dissera na conversa daquela noite. Jesus planejava ficar durante a semana da Festa de Tabernáculos com João. Essa festa era o feriado anual de toda a Palestina; era a época das férias judaicas. Embora Jesus não tenha participado da folia da ocasião, era evidente que lhe causava prazer e proporcionava satisfação ver como jovens e velhos se entregavam à alegria, descontraídos. No meio da semana de celebrações e antes de terminarem as festividades, Jesus despediu-se de João, dizendo que desejava retirar-se para as montanhas, onde melhor poderia comungar com o seu Pai do Paraíso. João teria ido com ele, mas Jesus insistiu para que ele ficasse para as festividades, dizendo: “Não é necessário que


tu carregues o fardo do Filho do Homem; apenas o guardião deve manter-se de vigília enquanto a cidade dorme em paz”. Jesus não voltou para Jerusalém. Depois de quase uma semana a sós nas colinas perto de Betânia, ele partiu para Cafarnaum. A caminho de casa, passou um dia e uma noite a sós nas escarpas de Gilboa, perto do local onde o rei Saul tinha se matado; e, quando chegou a Cafarnaum, ele parecia mais alegre do que quando se despedira de João em Jerusalém. Na manhã seguinte Jesus foi à arca que continha os seus objetos pessoais, que havia deixado no escritório de Zebedeu, colocou o seu avental e apresentou-se para o trabalho, dizendo: “A mim me convém manter-me ocupado enquanto espero que chegue a minha hora”. E trabalhou por vários meses, até janeiro do ano seguinte, na oficina de barcos, ao lado do seu irmão Tiago. Depois desse período de trabalho com Jesus, não importando quais dúvidas viessem ainda a encobrir o entendimento que Tiago tivesse sobre o trabalho da vida do Filho do Homem, ele nunca mais perderia real e totalmente a sua fé na missão de Jesus. Durante esse período final do trabalho de Jesus na oficina de barcos, ele passou a maior parte do seu tempo no seu interior, fazendo o acabamento de alguma embarcação grande. Ele punha um grande cuidado em todo o seu trabalho manual e parecia ter uma grande satisfação de realização humana quando terminava uma peça digna de elogios. Embora gastasse pouco tempo com detalhes pequenos, ele era um artesão paciente quando se tratava da parte essencial de qualquer empreendimento. Com o passar do tempo, chegaram rumores, em Cafarnaum, sobre um tal de João que pregava enquanto batizava os penitentes no Rio Jordão, e João pregava: “O Reino do céu está ao alcance da mão; arrependei-vos e sejais batizados”. Jesus soube dessas informações enquanto João lentamente subia o Vale do Jordão,


partindo do vau do rio, no ponto mais próximo de Jerusalém. Jesus, no entanto, continuou trabalhando, fazendo barcos, até que João tivesse subido o rio até um ponto perto de Pela, no mês de janeiro do ano seguinte, de 26 d.C., quando ele depôs as suas ferramentas, declarando: “É chegada a minha hora” e, em breve, ele apresentouse a João para o batismo. Todavia, uma grande mudança havia acontecido em Jesus. Poucas daquelas pessoas que tinham desfrutado das suas visitas e das suas ministrações, nas suas idas e vindas naquela terra, jamais reconheceriam, posteriormente, no educador público, a mesma pessoa que haviam conhecido e amado anteriormente como um indivíduo particular. E existia uma razão para que aqueles que se haviam beneficiado anteriormente dos seus serviços não o reconhecessem, posteriormente, no seu papel de um educador público cheio de autoridade. Durante longos anos essa transformação de mente e de espírito tinha estado em progresso, completando-se durante aquela temporada memorável no monte Hermom. DOCUMENTO 135 JOÃO BATISTA João Batista nasceu aos 25 de março, do ano 7 a.C., de acordo com a promessa feita por Gabriel a Isabel, em junho do ano anterior. Por cinco meses, Isabel manteve o segredo sobre a visitação de Gabriel; e, quando ela contou ao seu marido, Zacarias, ele ficou muito perturbado, e só acreditou na narrativa dela depois de ter tido um sonho inusitado, seis meses antes do nascimento de João. Excetuando-se a visita de Gabriel a Isabel e o sonho de Zacarias, não houve nada de inusitado ou sobrenatural relacionado com o nascimento de João Batista.


Ao oitavo dia, João foi circuncidado segundo o costume judaico. Ele cresceu como uma criança comum, dia a dia e ano a ano, na pequena aldeia conhecida naqueles dias como a Cidade de Judá, localizada a cerca de seis quilômetros a oeste de Jerusalém. O acontecimento mais notável na primeira infância de João foi a visita, em companhia dos seus pais, a Jesus e à família de Nazaré. Essa visita ocorreu no mês de junho, do primeiro ano a.C., quando ele tinha pouco mais de seis anos de idade. Depois do retorno de Nazaré, os pais de João começaram a educação sistemática do garoto. Não havia nenhuma escola de sinagoga nessa pequena aldeia; contudo, sendo um sacerdote, Zacarias era bastante bem instruído e Isabel tinha muito mais instrução do que o comum das mulheres judias; ela pertencia ao sacerdócio, sendo uma descendente das “filhas de Aarão”. Como João era o único filho, eles despendiam uma boa parte do seu tempo com a preparação mental dele e com a sua educação espiritual. Zacarias tinha apenas curtos períodos de serviço no templo em Jerusalém, de modo que se dedicava longamente a educar o seu filho. Zacarias e Isabel tinham uma pequena fazenda na qual eles criavam ovelhas. Não chegavam a ganhar a vida com essa terra, mas Zacarias tinha um soldo regular que recebia e que provinha da renda dedicada ao sacerdócio no templo, 1. JOÃO TORNA-SE UM NAZARITA Não havia escola em que João pudesse graduar-se na idade de quatorze anos, mas os seus pais tinham escolhido aquele ano como sendo o mais apropriado para que ele fizesse o voto formal de nazarita. E, desse modo, Zacarias e Isabel levaram o seu filho a Engedi, à beira do Mar Morto. Lá era a sede sulina da irmandade


nazarita, e lá o jovem foi devida e solenemente introduzido na vida dentro dessa ordem. Depois dessas cerimônias e de fazer os votos de abstenção de todas as bebidas intoxicantes, de deixar o cabelo crescer e de abster-se de tocar nos mortos, a família rumou para Jerusalém, onde, diante do templo, João completou as oferendas que eram requeridas dos que faziam os votos dos nazaritas. João fez os mesmos votos que tinham sido administrados aos seus ilustres predecessores, Sansão e o profeta Samuel. Um nazarita vitalício era visto como uma personalidade santificada e sagrada. Os judeus encaravam um nazarita quase com o mesmo respeito e a veneração dedicada ao sumo sacerdote, e isso não era de se estranhar já que Pág. 1497 os nazaritas de consagração vitalícia eram as únicas pessoas, além dos altos sacerdotes, a quem era sempre permitido entrar no local santo, dos santos, de um templo. De Jerusalém, João retornou à sua casa, para cuidar das ovelhas de seu pai e cresceu até virar um homem forte e de caráter nobre. Aos dezesseis anos, João, em conseqüência de ter lido sobre Elias, ficou tão fortemente impressionado com o profeta do monte Carmelo, que decidiu adotar a sua maneira de vestir. Daquele dia em diante, João sempre usava uma veste de pele e um cinturão de couro. Aos dezesseis anos, ele tinha mais de um metro e oitenta de altura e estava já quase plenamente desenvolvido. Com os seus grandes cabelos soltos e o seu modo peculiar de vestir-se, ele era de fato um jovem pitoresco. E seus pais esperavam grandes coisas do único filho deles, uma criança prometida e um nazarita para toda a vida.


2. A MORTE DE ZACARIAS Após uma doença de muitos meses Zacarias morreu em julho, no ano 12 d.C., quando João tinha um pouco mais de dezoito anos. Essa foi uma época de grande embaraço para João, pois o voto nazarita o proibia de ter contato com os mortos, ainda que da própria família. Embora João estivesse empenhado em cumprir as restrições do seu voto, a respeito da contaminação por meio dos mortos, ele duvidava que tivesse sido totalmente obediente às exigências da ordem nazarita; portanto, depois que o seu pai tinha sido enterrado ele foi a Jerusalém, onde, no nicho nazarita da praça das mulheres, ele ofereceu os sacrifícios necessários para a sua purificação. Em setembro desse ano, Isabel e João fizeram uma viagem a Nazaré para visitar Maria e Jesus. João estava quase se decidindo a começar o trabalho da sua vida, quando foi exortado, não apenas pelas palavras de Jesus mas também pelo seu exemplo, a retornar à sua casa, a tomar conta da sua mãe, e a esperar a “chegada da hora do Pai”. Após despedir-se de Jesus e Maria, no fim da agradável visita, João não viu Jesus de novo até o evento do seu batismo no Jordão. João e Isabel retornaram para a sua casa e começaram a fazer planos para o futuro. Posto que João recusou-se a aceitar o soldo de sacerdote que lhe era devido dos fundos do templo, no fim de dois anos eles não tinham como manter até a própria casa; e então decidiram ir para o sul levando o rebanho de ovelhas. Conseqüentemente, o verão em que João fez vinte anos testemunhou a mudança deles para Hebrom. No chamado “deserto da Judéia”, João guardava as suas ovelhas ao lado de um riacho, que era o afluente de uma corrente maior que chegava ao Mar Morto em Engedi. A colônia de Engedi incluía não apenas os nazaritas por consagração vitalícia ou de duração determinada, mas numerosos outros pastores ascetas que se congregavam nessa região com os


seus rebanhos e que se confraternizavam com a irmandade nazarita. Eles mantinham-se com a criação de ovelhas e com as doações que os judeus ricos faziam à ordem. À medida que o tempo passava, João retornava menos assiduamente a Hebrom, enquanto fazia visitas mais freqüentes a Engedi. Ele era tão inteiramente diferente da maioria de nazaritas que achou muito difícil confraternizar-se plenamente com a irmandade. Todavia, ele gostava muito de Abner, líder e dirigente reconhecido da colônia de Engedi. 3. A VIDA DE UM PASTOR Ao longo do vale desse pequeno riacho, João construiu nada menos do que uma dúzia de abrigos de pedra e de currais noturnos, consistindo de pedras empilhadas, onde ele podia vigiar Pág. 1498 e guardar os seus rebanhos de ovelhas e cabras. A vida de João como pastor, permitia a ele ter uma boa parte do seu tempo para pensar. Conversava muito com Ezda, um jovem órfão de Betezur, a quem ele tinha de um certo modo adotado e que cuidava dos rebanhos quando ele fazia as suas viagens a Hebrom para ver a sua mãe e para vender ovelhas, bem como quando ele ia até Engedi para os serviços do sábado. João e o jovem viviam com muita simplicidade, sobrevivendo da carne, do leite de cabra, de mel silvestre e dos gafanhotos comestíveis daquela região. Essa sua dieta regular era complementada pelas provisões trazidas de Hebrom e de Engedi, de tempos em tempos. Isabel mantinha João informado sobre os assuntos da Palestina e do mundo; e a sua convicção ficava mais e mais profunda, de que a hora aproximava-se rapidamente, em que a velha ordem teria um


fim; e de que ele próprio estava para tornar-se o arauto da chegada de uma nova idade, “o Reino do céu”. Esse rude pastor tinha uma grande predileção pelos escritos do profeta Daniel. Lera mil vezes a descrição que Daniel fizera da grande imagem que, segundo Zacarias lhe havia contado, representava a história dos grandes reinos do mundo, começando com a Babilônia e, então, a Pérsia, a Grécia e finalmente Roma. João percebia que Roma era já composta de povos e raças de línguas diferentes, que não poderia jamais se tornar um império fortemente embasado e firmemente consolidado. Ele acreditava que Roma, mesmo então, já estava dividida em Síria, Egito, Palestina e outras províncias. E, então, ele lia ainda “nos dias desses reis, o Deus dos céus irá estabelecer um Reino que nunca será destruído; e este Reino não será entregue a outro povo, mas partirá em pedaços e consumirá todos os outros reinos e permanecerá para sempre”. “E foi dado a ele o domínio, a glória e um Reino, de tal modo que todos os povos, de todas as nações e línguas, deveriam servir a ele. O seu domínio é um domínio perene, que não passará, e o seu Reino nunca será destruído”. “E o reino e o domínio e a grandeza do Reino sob todos os céus será dado ao povo dos santos do Altíssimo, cujo reino é um Reino eterno, e todos os domínios servirão e obedecerão a ele.” João nunca foi completamente capaz de elevar-se acima da confusão produzida por aquilo que ele tinha escutado dos seus pais a respeito de Jesus e dessas passagens que lera nas escrituras. Em Daniel ele lera: “Eu vi, nas visões noturnas e eis que alguém como o Filho do Homem veio com as nuvens dos céus, e foi dado a ele o domínio e a glória e um reino”. Mas essas palavras do profeta não se harmonizaram com o que os seus pais tinham ensinado a ele. Nem a sua conversa com Jesus, na época da sua visita quando tinha dezoito anos, correspondia a essas afirmações das escrituras. Apesar dessa confusão, e diante de toda essa perplexidade, a sua mãe asseguroulhe de que o seu primo distante, Jesus de Nazaré, era o verdadeiro


Messias, que tinha vindo para assentar no trono de Davi, e que ele (João) tornar-se-ia o seu arauto avançado e seu principal apoio. De tudo o que ouvira da maldade e do vício de Roma e da devassidão e da esterilidade moral do império, daquilo que ele sabia sobre os atos perversos de Herodes Antipas e dos governadores da Judéia, João estava com a mente pronta a acreditar que o fim da idade era iminente. Parecia a esse nobre e rude filho da natureza que o mundo estava maduro para o fim da idade do homem e para o alvorecer da nova e divina idade – o Reino do céu. Um sentimento cresceu no coração de João, de que seria ele o último dos velhos profetas e o primeiro dos novos. E sentia-se vibrar com o impulso crescente de ir adiante e de proclamar a todos os homens: “Arrependei-vos! Colocai-vos limpos diante de Deus! Estejais prontos para o fim; preparai-vos para o aparecimento de uma ordem nova e eterna de assuntos sobre a terra, o Reino do céu”. Pág. 1499 4. A MORTE DE ISABEL Em 17 de agosto, do ano 22 d.C., quando João tinha vinte e oito anos, a sua mãe subitamente faleceu. Os amigos de Isabel, sabendo das restrições nazaritas a respeito do contato com os mortos, ainda que na própria família, fizeram todos os arranjos para o enterro de Isabel, antes de mandarem buscar João. Quando ele recebeu a comunicação da morte da sua mãe, ele ordenou a Ezda que conduzisse os seus rebanhos até Engedi e partiu para Hebrom. Ao retornar a Engedi, do funeral da sua mãe, entregou os seus rebanhos à confraria e afastou-se do mundo exterior para jejuar e orar. João conhecia apenas os velhos métodos de aproximar-se da divindade; ele conhecia apenas os registros como os de Elias, Samuel e Daniel. Elias era o seu ideal de profeta. Elias era o


primeiro dos mestres de Israel a ser considerado um profeta; e João verdadeiramente acreditava que devia ser, ele próprio, o último dessa longa e ilustre linhagem de mensageiros dos céus. Por dois anos e meio, João viveu em Engedi, e persuadiu a maioria da confraria de que “o fim da idade estava bem próximo”; de que “o Reino do céu estava para se mostrar”. E todos os primeiros ensinamentos que recebera eram baseados na idéia judaica dominante e no conceito do Messias como o libertador prometido, aquele que livraria a nação judaica da dominação dos seus governantes gentios. Em todo esse período, João leu muito os escritos sagrados que encontrou na casa dos nazaritas em Engedi. Estava especialmente impressionado com Isaías e com Malaquias, o último dos profetas até aquela época. Leu e releu os cinco últimos capítulos de Isaías, e acreditava nessas profecias. E então ele leria em Malaquias: “Cuidai, Eu vos enviarei Elias, o profeta anterior à vinda do grande e terrível dia do Senhor; e ele fará os corações dos pais irem contra os filhos e os corações dos filhos irem contra os pais, de medo que Eu venha e golpeie a Terra com uma maldição”. E foi unicamente por causa dessa promessa de Malaquias, de que Elias iria retornar, que João viu-se impedido de sair pregando sobre o Reino vindouro bem como de exortar os seus companheiros judeus a fugirem da ira que viria. João estava amadurecido para a proclamação da mensagem do Reino vindouro, mas essa expectativa da vinda de Elias o deteve por dois anos mais. E sabia que ele não era Elias. O que então Malaquias queria dizer? A profecia seria literal ou figurada? Como poderia ele saber a verdade? Finalmente ousou pensar que, como o primeiro dos profetas era chamado Elias, então o último deveria ser conhecido, finalmente, pelo mesmo nome. Entretanto ele tinha dúvidas, dúvidas suficientes para não se permitir jamais vir a chamar a si mesmo de Elias.


Foi a influência de Elias que levou João a adotar os seus métodos de ataque direto e áspero aos pecados e vícios dos seus contemporâneos. Ele procurou vestir-se como Elias, e esforçava-se para falar como Elias; em todos aspectos externos ele era como o profeta de outrora. Era um filho da natureza, e de tal modo robusto e pitoresco, que era um destemido e ousado pregador da retidão. João não era iletrado, conhecia bem as escrituras sagradas judias, mas não tinha cultura. Sabia como pensar claro, tinha uma fala poderosa, e era um denunciador inflamado. Dificilmente seria um exemplo para a sua idade, mas constituía uma reprovação eloqüente. Finalmente vislumbrou o método de proclamar a nova era, o Reino de Deus; decidiu que ele era quem tornar-se-ia o arauto do Messias; colocou de lado todas as dúvidas e partiu de Engedi, em um dia de março do ano 25 d.C., para começar a sua curta mas brilhante carreira como pregador público. Pág. 1500 5. O REINO DE DEUS Para compreender a mensagem de João, dever-se-ia ter em conta o status do povo judeu na época em que ele surgiu no cenário da ação. Por quase cem anos toda Israel tinha estado diante de um impasse; e todos se perdiam na tentativa de explicar a contínua subjugação a soberanos gentios. E não tinha sido ensinado por Moisés que a retidão era sempre recompensada com a prosperidade e o poder? Não era o povo escolhido de Deus? Por que o trono de Davi estava vazio e abandonado? À luz das doutrinas mosaicas e dos preceitos dos profetas, os judeus achavam difícil explicar a longa e continuada desolação nacional.


Cerca de cem anos antes dos dias de Jesus e João, uma nova escola de educadores religiosos surgiu na Palestina, os apocalípticos. Esses novos educadores desenvolveram um sistema de crença, segundo o qual os sofrimentos e a humilhação dos judeus acontecia por estarem eles arcando com as conseqüências dos pecados da nação. Eles recaíam nas razões bem conhecidas, escolhidas para explicar o cativeiro da Babilônia e de outras épocas ainda anteriores. Contudo, assim ensinavam os apocalípticos, Israel deveria retomar a sua coragem; os dias de aflição estavam quase no fim; a lição do povo escolhido de Deus estava para terminar; a paciência de Deus com os gentios estrangeiros estava quase exaurida. O fim do domínio romano era sinônimo de fim da idade e, em um certo sentido, de fim do mundo. Esses novos pregadores apoiavam-se fortemente nas predições de Daniel, e consistentemente ensinavam que a criação estava para atingir o seu estágio final; os reinos deste mundo estavam a ponto de tornarem-se o Reino de Deus. Para a mente judaica daqueles dias esse era o significado daquela frase – o Reino do céu – que está nos ensinamentos tanto de Jesus quanto de João. Para os judeus da Palestina a frase “o Reino do céu” não tinha senão um significado: um estado absolutamente reto, no qual Deus (o Messias) governaria as nações da Terra na perfeição do poder, exatamente como Ele governava nos céus – “Seja feita a Sua vontade, na terra como no céu”. Nos dias de João, os judeus perguntavam-se com muita expectativa: “Quando, pois, virá o Reino?” Havia um sentimento geral de que o fim do domínio das nações gentias estava próximo. Havia, presente em todo o mundo judeu, uma esperança viva e uma intensa expectativa de que a consumação do desejo das idades ocorreria durante o período de vida daquela geração. Ainda que os judeus divergissem muito nas suas estimativas quanto à natureza do Reino que estava para vir, eles concordavam na sua


crença de que o evento era iminente, palpável mesmo, já batendo à porta. Muitos que liam o Antigo Testamento literalmente aguardavam, com expectativa, por um novo rei na Palestina, por uma nação judaica regenerada, libertada de seus inimigos e presidida pelo sucessor do rei Davi, o Messias, que iria logo ser reconhecido como o governante justo e reto de todo o mundo. Outro grupo de judeus devotos, se bem que menor, sustentava uma visão muito diferente deste Reino de Deus. Ensinavam eles que o Reino que estava para vir não era deste mundo, que o mundo aproximava-se do seu fim certo, e que “um novo céu e uma nova terra” viriam para anunciar o estabelecimento do Reino de Deus; que este Reino era um domínio perene, que o pecado estava para acabar, e que os cidadãos do novo Reino iriam tornar-se imortais no seu gozo dessa bênção sem fim. Todos concordavam que alguma disciplina de purificação fosse estabelecimento do novo Reino na ensinavam aconteceria uma guerra todos aqueles que não acreditavam,

purgação drástica ou alguma necessária para preceder o Terra. Pelo que os literalistas mundial, a qual iria destruir a

Pág. 1501 enquanto os fiéis seriam levados a uma vitória universal e eterna. Os espiritualistas ensinavam que o Reino seria inaugurado por aquele grande julgamento de Deus, que iria relegar os injustos à sua bem merecida punição de destruição final, ao mesmo tempo em que elevaria os santos crentes do povo escolhido aos assentos elevados de honra e autoridade, com o Filho do Homem, que governaria sobre as nações redimidas em nome de Deus. E esse grupo acreditava até mesmo que muitos gentios devotos poderiam ser admitidos na comunidade do novo Reino.


Alguns dos judeus apegavam-se à opinião de que Deus poderia possivelmente estabelecer esse novo Reino por intervenção direta e divina, mas a grande maioria acreditava que Ele iria interpor algum representante intermediário, o Messias. Esse o único significado possível que o termo Messias poderia ter nas mentes dos judeus da geração de João e Jesus. Messias não poderia possivelmente referir-se a alguém que meramente ensinasse a vontade de Deus ou que proclamasse a necessidade do viver reto. A todas essas pessoas sagradas os judeus davam o título de profetas. O Messias devia ser mais do que um profeta; o Messias devia trazer o estabelecimento do novo reinado, o Reino de Deus. Ninguém que falhasse em fazer isso poderia ser o Messias, no sentido judaico tradicional. Quem poderia ser esse Messias? E novamente os educadores judeus diferiam. Os mais velhos aferravam-se à doutrina do filho de Davi. Os mais jovens ensinavam que, já que o novo Reino era um Reino celeste, o novo governante poderia também ser uma personalidade divina, alguém que estivesse há muito à mão direita de Deus nos céus. E por estranho que possa parecer, aqueles que concebiam assim o governante do novo Reino, viam-no, não como um Messias humano, não como um mero homem, mas como “o Filho do Homem” – um Filho de Deus –, um Príncipe celeste, há muito esperado para assim assumir o governo feito novo, da Terra. Esse era o pano de fundo religioso, do mundo judaico, quando João entrou em cena proclamando: “Arrependei-vos, pois o Reino do céu está ao alcance das mãos!” Torna-se, portanto, claro que o anúncio feito por João, do Reino que viria, tinha nada menos do que meia dúzia de significações diferentes, nas mentes daqueles que ouviam a sua pregação apaixonada. Entretanto, qualquer que fosse o significado, atribuído às frases que João empregava, cada um desses vários grupos, que esperavam o advento do reino judaico, estava intrigado pelas


proclamações desse pregador da retidão e do arrependimento, sincero, entusiasta e rudemente expedito, que tão solenemente exortava os seus ouvintes a “escapar da ira que está por vir”. 6. JOÃO COMEÇA A PREGAR No início do mês de março, do ano 25 d.C., João viajou pela costa ocidental do Mar Morto e Rio Jordão acima, do lado oposto de Jericó, na antiga parte rasa sobre a qual Joshua e os filhos de Israel passaram para entrar pela primeira vez na terra prometida; e, atravessando até o outro lado do rio, ele estabeleceu-se próximo da entrada dessa parte rasa e começou a pregar ao povo que atravessava o rio em um sentido e no outro. Essa era a mais freqüentada das travessias do Jordão. Para todos aqueles que ouviam João, ficava claro que ele era mais do que um pregador. A grande maioria daqueles que escutavam aquele homem estranho, vindo do deserto da Judéia, partia acreditando que tinha ouvido a voz de um profeta. Não era de se espantar que as almas desses judeus cansados, mas esperançosos, ficassem profundamente excitadas com esse fenômeno. Nunca, em toda a história dos judeus, Pág. 1502 os filhos devotos de Abraão tinham desejado tanto a “consolação de Israel”, nem tinham, mais ardentemente, antecipado “a restauração do reino”. Em toda a história dos judeus, nunca, a mensagem de João, “o Reino do céu está ao alcance das mãos”, teria podido exercer um apelo tão profundo e universal como na época em que ele apareceu, tão misteriosamente, na margem dessa travessia ao sul do Jordão.


Originalmente era um pastor, como Amós. Ele vestia-se como o Elias de outrora, e fulminava as suas repreensões e dardejava as suas advertências com o “espírito e o poder de Elias”. Não era de surpreender-se que esse estranho pregador criasse uma forte agitação em toda a Palestina, pois os viajantes levavam até longe as novidades que vinham das suas pregações no Jordão. Havia ainda uma outra característica, nova, no trabalho desse pregador nazarita: Ele batizava todos os seus crentes no Jordão “para a remissão dos pecados”. Embora o batismo não fosse uma cerimônia nova entre os judeus, eles nunca tinham visto o batismo ser feito como João o realizava agora. Havia muito que vinha sendo uma prática batizar assim os prosélitos gentios, para admiti-los na comunidade da parte externa da praça do templo, mas nunca tinha sido pedido aos judeus, eles próprios, que se submetessem ao batismo do arrependimento. Apenas quinze meses separavam a época em que João começou a pregar e a batizar, da sua detenção e da sua prisão, instigadas por Herodes Antipas; mas nesse curto período de tempo ele batizou bem mais de cem mil penitentes. João pregou por quatro meses no vau da Betânia antes de partir para o norte, subindo o Jordão. Dezenas de milhares de ouvintes, alguns apenas curiosos, mas muitos, sinceros e sérios, vieram para ouvi-lo de todas as partes da Judéia, da Piréia e da Samaria. Alguns vieram até mesmo da Galiléia. Em maio desse ano, enquanto ele ainda se retinha no vau da Betânia, os sacerdotes e os levitas enviaram uma delegação para inquirir de João se ele pretendia ser o Messias, e pela autoridade de quem ele pregava. A esses inquisidores João respondeu com essas palavras: “Ide e dizei aos vossos senhores que vós escutastes a ‘voz de alguém que grita no deserto’, como anunciou o profeta ao dizer: ‘preparai o caminho do Senhor, fazei uma estrada plana e reta até o nosso Deus. Cada vale deverá ser enchido e cada monte e colina


deverá ser cortado; o chão acidentado deverá tornar-se plano, enquanto os locais encrespados devem tornar-se um vale plano; e toda a carne verá a salvação de Deus’ ”. João era um pregador heróico mas sem tato. Um dia, quando ele estava pregando e batizando, na margem ocidental do Jordão, um grupo de fariseus e alguns saduceus destacaram-se e se apresentaram para o batismo. Antes de levá-los até a água, João, dirigindo-se coletivamente a eles, disse: “Quem vos avisou para partir, como víboras diante do fogo, da ira que virá? Eu batizarei a vós, mas vos previno que vos será necessário produzir os frutos do arrependimento sincero, se quiserdes receber a remissão dos vossos pecados. Não é suficiente dizer-me que Abraão é o vosso pai. Eu declaro que, dessas doze pedras aqui diante de vós, Deus pode fazer surgir filhos dignos para Abraão. E, agora mesmo, o machado já está derrubando as árvores, até as suas raízes. Cada árvore que não dá bom fruto está destinada a ser cortada e jogada ao fogo”. (As doze pedras a que se referia eram as célebres pedras do memorial levantado por Joshua, para comemorar a travessia das “doze tribos” nesse mesmo ponto, quando eles entraram pela primeira vez na terra prometida.) João deu aulas aos seus discípulos, durante as quais ele os instruía sobre os detalhes da nova vida e esforçava-se para responder às suas inúmeras perguntas. Aconselhou aos educadores ensinar sobre o espírito tanto quanto sobre as letras da lei. Ele ensinou os ricos a alimentar os pobres; aos coletores de impostos, ele disse: Pág. 1503 “Extorquir não mais do que o que vos é devido”. Aos soldados, ele disse: “Não cometais a violência e não arrecadais nada de modo indevido – contentai-vos com os vossos soldos”. E ao mesmo tempo a


todos aconselhava: “preparem-se para o fim das idades – o Reino do céu está ao alcance das mãos”. 7. A JORNADA DE JOÃO PARA O NORTE João ainda tinha idéias confusas sobre o Reino que estava para vir e o seu rei. Quanto mais ele pregava, mais confuso tornava-se; mas essa incerteza intelectual, a respeito da natureza do Reino que viria, em nada diminuía a sua convicção da chegada imediata deste Reino. João podia estar confuso na sua mente, mas nunca em espírito. Não tinha dúvida sobre a vinda do Reino, mas estava longe de ter certeza quanto ao fato de que fosse Jesus ou não o soberano daquele Reino. Enquanto João se atinha à idéia da restauração do trono de Davi, os ensinamentos dos seus pais, de que Jesus, nascido na cidade de Davi, seria o tão esperado libertador, parecia consistente; mas naqueles momentos em que se inclinava mais para a doutrina de um Reino espiritual e para o fim da idade temporal na Terra, ele ficava em uma dúvida cruel quanto ao papel que Jesus exerceria em tais eventos. Algumas vezes questionava tudo, mas não por muito tempo. Realmente ele gostaria de poder conversar sobre tudo aquilo com o seu primo, mas isso ia contra o acordo estabelecido entre eles. À medida que João viajava para o norte, mais ele pensava sobre Jesus. Parou em mais de uma dúzia de locais enquanto viajava Jordão acima. E foi no vilarejo de Adão onde primeiro referiu-se a “um outro que está para vir depois de mim”, em resposta à pergunta direta que os seus discípulos fizeram a ele: “Sois vós o Messias?” E ele continuou dizendo: “Depois de mim virá um que é maior do que eu, de cuja sandália não sou digno de afrouxar e desatar as correias. Eu vos batizo com água, mas ele irá batizá-los com o Espírito Santo. E com a sua pá na mão irá cuidadosamente limpar esse chão das ervas daninhas; ele recolherá o trigo no seu celeiro, mas o refugo ele o queimará com o fogo do julgamento”.


Em resposta às perguntas dos seus discípulos João continuou a expandir os seus ensinamentos, acrescentando, dia a dia, mais indicações que servissem de ajuda e de conforto se comparadas à ambigüidade da sua mensagem inicial: “Arrependei-vos e sede batizados”. Nessa época, multidões chegavam da Galiléia e de Decápolis. Dezenas de crentes sinceros permaneciam com o seu adorado mestre, dia após dia. 8. O ENCONTRO DE JESUS E JOÃO Em dezembro do ano 25 d.C., quando João chegou à vizinhança de Pela, na sua caminhada Jordão acima, a sua fama havia sido espalhada por toda a Palestina, e o seu trabalho transformara-se no principal assunto da conversa em todas as cidades em torno do lago da Galiléia. Jesus tinha falado favoravelmente à mensagem de João, e isso havia levado muitos de Cafarnaum a aderir ao culto do arrependimento e do bastismo de João. Tiago e João, os pescadores filhos de Zebedeu, tinham ido até lá em dezembro, pouco depois de João ter assumido a sua postura de pregador, perto de Pela, a fim de se oferecerem para o batismo. Eles iam ver João uma vez por semana e traziam de volta a Jesus notícias frescas e de primeira mão sobre o trabalho do evangelista. Tiago e Judá, irmãos de Jesus, haviam falado em irem até João para o batismo; e agora que Judá tinha vindo a Cafarnaum para os ofícios de sábado, Pág. 1504 ambos, Tiago e ele, depois de ouvirem o discurso de Jesus na sinagoga, decidiram aconselhar-se com ele a respeito dos seus planos. Isso foi no sábado, à noite, aos 12 de janeiro do ano 26 d.C. Jesus pediu a eles que adiassem a conversa até o dia seguinte, quando ele iria dar-lhes a sua resposta. Jesus dormiu pouquíssimo


naquela noite, ficando em comunhão íntima com o Pai nos céus. E preparara tudo para almoçar com os seus irmãos e para aconselhálos a respeito do batismo de João. Naquela manhã de domingo Jesus estava trabalhando como de costume na marcenaria dos barcos. Tiago e Judá tinham chegado com o almoço e estavam esperando por ele no depósito das madeiras, pois não era ainda a hora da pausa do meio-dia e eles sabiam que Jesus era muito pontual nessas questões. Pouco antes do descanso do meio-dia, Jesus deixou de lado as suas ferramentas, tirou o seu avental de trabalho e simplesmente anunciou aos três que trabalhavam com ele: “É chegada a minha hora”. Ele foi até os seus irmãos, Tiago e Judá, e repetiu: “A minha hora chegou – vamos até João”. E então eles partiram imediatamente para Pela, comendo o almoço enquanto viajavam. Isso foi no domingo, 13 de janeiro. Eles pararam à noite no Vale do Jordão e, no dia seguinte, chegaram no local em que João batizava, por volta do meio-dia. João mal tinha começado a batizar os candidatos do dia. Dezenas de arrependidos estavam na fila, à espera da sua vez, quando Jesus e os seus dois irmãos entraram nessa fila de homens e mulheres sinceros que passaram a crer no Reino que viria, segundo a pregação de João. João tinha perguntado aos filhos de Zebedeu sobre Jesus. Ele tinha ouvido falar sobre as observações de Jesus a respeito da sua pregação, e estava, dia após dia, esperando vê-lo entrar em cena, mas não esperava acolhê-lo na fila dos candidatos ao batismo. Absorvido pelos detalhes de um batismo rápido daquele grande número de convertidos, João não levantou os olhos para ver Jesus, até que o Filho do Homem estivesse bem diante dele. Quando João reconheceu Jesus, as cerimônias foram suspensas por um momento, enquanto ele cumprimentava o seu primo na carne e perguntava: “Mas porque vieste até dentro da água para saudar-me?” E Jesus


respondeu: “Para submeter-me ao teu batismo”. João replicou: “Mas sou eu que tenho necessidade de ser batizado por ti. Por que vieste até a mim?” E Jesus murmurou a João: “Sê tolerante comigo agora, pois cabe a nós darmos esse exemplo aos meus irmãos que estão aqui comigo, e para que o povo possa saber que é chegada a minha hora”. Havia um tom de autoridade e de finalidade na voz de Jesus. João estava trêmulo de emoção, no momento em que se preparou para batizar Jesus de Nazaré no Jordão, ao meio-dia daquela segundafeira, 14 de janeiro, do ano 26 d.C. Assim, João batizou Jesus e seus dois irmãos, Tiago e Judá. E quando João tinha já batizado esses três, ele dispensou os outros naquele dia, anunciando que ele iria reassumir os batismos no dia seguinte ao meio-dia. Quando o povo já partia, os quatro homens ainda de pé dentro d’água ouviram um som estranho, e logo surgiu uma aparição momentânea exatamente por sobre a cabeça de Jesus, e eles ouviram uma voz dizendo: “Este é o meu Filho adorado, em quem eu muito me comprazo”. Uma grande mudança produziu-se no semblante de Jesus que os deixou, saindo d’água em silêncio, indo na direção das colinas a leste. E nenhum homem viu Jesus de novo por quarenta dias. João seguiu Jesus até uma distância suficiente para contar a ele a história da visita de Gabriel à sua mãe, antes que ambos nascessem, do modo como por tantas vezes ele havia escutado dos lábios da sua mãe. E permitiu a Jesus continuar o seu caminho depois que disse: “Agora sei com certeza que és o Libertador”. Mas Jesus nada respondeu. Pág. 1505 9. OS QUARENTA DIAS DE PREGAÇÃO


Quando João retornou para os seus discípulos (agora havia uns vinte e cinco ou trinta que moravam com ele constantemente), ele os encontrou em uma sincera conferência, conversando sobre o que tinha acabado de acontecer em relação ao batismo de Jesus. E ficaram todos ainda mais atônitos quando João fez-lhes conhecer a história da visita de Gabriel a Maria, antes que Jesus nascesse, e também que Jesus não lhe disse nem uma palavra, mesmo depois que ele lhe tinha contado sobre isso. Naquela tarde, não houve nenhuma chuva, e esse grupo de trinta ou mais pessoas conversou longamente sob a noite estrelada. Perguntavam-se aonde Jesus tinha ido e quando eles o veriam de novo. Depois da experiência desse dia a pregação de João tinha um novo tom de certeza, nas proclamações a respeito do Reino que estava para vir e do Messias aguardado. Foi um período tenso, aqueles quarenta dias de espera, aguardando pelo retorno de Jesus. João, no entanto, continuou a pregar com grande força, e os seus discípulos começaram, nessa época, a pregar para as multidões transbordantes que se ajuntavam à volta de João no Jordão. No curso desses quarenta dias de espera, muitos rumores espalharam-se pelo campo, indo mesmo até Tiberíades e Jerusalém. Milhares vinham para ver a nova atração no acampamento de João, reputado como sendo o Messias, mas Jesus não estava lá para ser visto. Quando os discípulos de João afirmaram que o estranho homem de Deus tinha ido para as colinas, muitos duvidaram de toda a história. Cerca de três semanas depois que Jesus os tinha deixado, uma nova delegação de sacerdotes e de fariseus, vinda de Jerusalém, chegou na cena de Pela. Eles perguntaram a João diretamente se ele era Elias ou o profeta que Moisés prometeu. E quando João disse: “Não sou”, eles atreveram-se a perguntar-lhe: “Tu és o Messias?” E João respondeu: “Não sou eu”. E então esses homens de Jerusalém


disseram: “Se não és Elias, nem o profeta, nem o Messias, então por que tu batizas o povo e crias todo esse alvoroço?” E João replicou: “Cabe àqueles que me ouviram e que receberam o meu batismo dizer quem eu sou, mas eu vos declaro que, enquanto eu batizo com água, esteve entre nós um que retornará para batizar-vos com o Espírito Santo”. Esses quarenta dias foram um período difícil para João e os seus discípulos. Quais deviam ser as relações entre João e Jesus? Uma centena de perguntas vieram à discussão. A política e as preferências egoísticas começaram a surgir. Discussões intensas surgiram em torno das várias idéias e conceitos do Messias. Tornarse-ia ele um líder militar e um rei davídico? Iria ele aniquilar os exércitos romanos, como Joshua fez com os cananeus? Ou viria para estabelecer um Reino espiritual? João optou por decidir, com a minoria, que Jesus tinha vindo para estabelecer o Reino do céu, ainda que não tivesse claro na sua própria mente o que devia ser incluído nessa missão de estabelecimento do Reino do céu. Esses foram dias árduos na experiência de João, e ele orou pelo retorno de Jesus. Alguns dos discípulos de João organizaram grupos de exploração para ir à procura de Jesus, mas João os proibiu, dizendo: “Os nossos tempos estão nas mãos de Deus nos céus; Ele irá guiar o seu Filho escolhido”. E foi cedo, na manhã de sábado, 23 de fevereiro, que a comitiva de João, ocupada em comer a sua refeição matinal, ao olhar na direção norte avistou Jesus vindo até eles. À medida que Jesus se aproximava deles, João se pôs de pé em uma grande Pág. 1506 rocha e, levantando a sua voz sonora, disse: “Eis o Filho de Deus, o libertador do mundo! Foi sobre ele que eu disse: ‘Depois de mim


haverá um que é o escolhido antes de mim, porque ele veio antes de mim’. Por causa disso, eu saí do deserto para pregar o arrependimento e para batizar com a água, proclamando que o Reino do céu está ao alcance das nossas mãos. E agora vem um que irá batizar-vos com o Espírito Santo. E eu vi o espírito divino descendo sobre esse homem, e ouvi a voz de Deus declarar: ‘Este é o meu Filho adorado em quem Eu muito me comprazo’”. Jesus rogou-lhes que voltassem à sua refeição, enquanto se assentava para comer com João; seus irmãos, Tiago e Judá, tinham voltado a Cafarnaum. Cedo, na manhã do dia seguinte, ele deixou João e os seus discípulos, indo de volta para a Galiléia. Não garantiu nada no que dizia respeito a quando eles iriam vê-lo de novo. Às perguntas de João sobre a sua própria pregação e missão, Jesus apenas disse: “O meu Pai irá guiar-te agora e no futuro, como o fez no passado”. E esses dois grandes homens separaram-se, naquela manhã, nas margens do Jordão, para nunca mais se falarem um ao outro na carne. 10. JOÃO VIAJA PARA O SUL Desde que Jesus tinha ido para o norte da Galiléia, João sentiu-se levado a voltar-se com os seus passos para o sul. Por conseguinte, no domingo de manhã, aos 3 de março, João e o restante dos seus discípulos começaram a sua jornada para o sul. Cerca de um quarto dos seguidores imediatos de João tinham, nesse meio tempo, partido para a Galiléia à procura de Jesus. Havia uma tristeza confusa em torno de João. Nunca mais ele pregou como o tinha feito antes de batizar Jesus. De algum modo ele sentiu que a responsabilidade do Reino por vir não mais estava nos seus ombros. Sentiu que o seu trabalho estava quase acabado; estava


desconsolado e solitário. Contudo, ele pregou, batizou e viajou para o sul. Perto do vilarejo de Adão, João permaneceu por várias semanas e foi lá que ele fez o memorável ataque a Herodes Antipas, por ter tomado ilegalmente a esposa de outro homem. Em junho desse ano (26 d.C.), João estava de volta à travessia do Jordão na Betânia, onde tinha iniciado a sua pregação do Reino vindouro, há mais de um ano. Nas semanas que se seguiram ao batismo de Jesus o caráter da pregação de João gradualmente transformou-se em uma proclamação de misericórdia pela gente comum, enquanto ele denunciava com veemência renovada a corrupção dos governantes políticos e religiosos. Herodes Antipas, em cujo território João tinha estado pregando, ficou alarmado com a idéia de que ele e os seus discípulos começassem uma rebelião. Herodes também se ressentia das críticas públicas de João, sobre os seus assuntos domésticos. Em vista de tudo isso, Herodes decidiu colocar João na prisão. Em conseqüência disso, muito cedo na manhã de 12 de junho, antes que chegasse a multidão para ouvir a pregação e testemunhar o batismo, os agentes de Herodes prenderam João. À medida que as semanas passavam e ele não era libertado, os seus discípulos espalharam-se por toda a Palestina, muitos deles indo até a Galiléia para juntaremse aos seguidores de Jesus. 11. JOÃO NA PRISÃO João teve uma experiência solitária e um tanto amarga na prisão. A poucos dos seus seguidores foi permitido vê-lo. Ele ansiava por encontrar Jesus, mas tinha de contentar-se Pág. 1507


em ouvir os relatos da sua obra através daqueles seguidores seus que se tinham transformado em crentes do Filho do Homem. Muitas vezes era ele tentado a duvidar de Jesus e da sua missão divina. Se Jesus era o Messias, por que nada fez para libertá-lo desse inconcebível aprisionamento? Por mais de um ano e meio esse homem rude de Deus, amante do ar livre, definhou naquela prisão desprezível. E essa experiência foi um grande teste para a sua lealdade e fé em Jesus. De fato, toda essa experiência foi mesmo um grande teste para a fé de João, em Deus. Muitas vezes ele foi tentado a duvidar até mesmo da autenticidade da sua própria missão e experiência. Após ter estado na prisão por muitos meses, um grupo de discípulos seus veio até ele e, após contar sobre as atividades públicas de Jesus, disse: “Então, vejas tu, Mestre, pois aquele que estava contigo no alto Jordão prospera e recebe todos os que vêm a ele. Ele festeja até mesmo com publicanos e pecadores. Tu deste um testemunho corajoso sobre ele, e ainda assim ele nada faz para a vossa libertação”. Mas João respondeu aos seus amigos: “Esse homem nada pode fazer que não tenha sido dado a ele por seu Pai nos céus. Vós vos lembrais bem de que eu disse: ‘Não sou eu o Messias, mas sou um enviado antes para preparar o caminho para ele’. E isso eu fiz. O que possui a noiva é o noivo, mas o amigo do noivo, que está próximo dele e o escuta, rejubila-se grandemente por causa do ruído da sua voz. Essa minha alegria, portanto, cumpriu-se. Ele deve crescer, mas eu devo diminuir. Sou desta Terra e já passei a minha mensagem. Jesus de Nazaré desceu à Terra, vindo dos céus, e está acima de todos nós. O Filho do Homem desceu de Deus, e palavras de Deus ele irá dizer a vós. Pois o Pai nos céus não mede o espírito que dá a seu próprio Filho. O Pai ama o Seu Filho e irá logo colocar todas as coisas nas mãos desse Filho. Aquele que acredita no Filho tem a vida eterna. E essas palavras que eu disse são verdadeiras e perduráveis”.


Esses discípulos ficaram assombrados com o pronunciamento de João, tanto que partiram em silêncio. João estava também muito agitado, pois percebeu que tinha acabado de fazer uma profecia. Nunca mais ele duvidou completamente da missão e da divindade de Jesus. Mas foi um desapontamento sentido, para João, que Jesus não tivesse enviado a ele nenhuma palavra, que não tivesse vindo vêlo e que não tivesse exercido nenhum dos seus grandes poderes para libertá-lo da prisão. Jesus, no entanto, sabia de tudo isso. Tinha um grande amor por João, mas sendo agora conhecedor da sua natureza divina e sabendo plenamente das grandes coisas que estavam em preparação para João quando ele partisse deste mundo e também sabendo que o trabalho de João, na Terra, tinha acabado, ele obrigou-se a não interferir na evolução natural da carreira do grande pregador-profeta. Essa longa espera na prisão estava tornando-se humanamente intolerável. Uns poucos dias antes da sua morte, João novamente enviou mensageiros de confiança a Jesus, perguntando: “O meu trabalho está feito? Por que me enlanguesço na prisão? Sois verdadeiramente o Messias, ou devemos procurar outro?” E quando esses dois discípulos levaram essa mensagem a Jesus, o Filho do Homem respondeu: “Ide a João e dizei a ele que não me esqueci, e que ele deve suportar isso também, pois o conveniente é que cumpramos tudo o que é reto. Dizei a João o que vós vistes e ouvistes – que as boas-novas são pregadas aos pobres – e, finalmente, dizei ao amado precursor da minha missão na Terra, que ele será abundantemente abençoado na idade que está para vir se ele, de mim, não encontrar ocasião para duvidar e cair”. E essa foi a última palavra que João recebeu de Jesus. Essa mensagem confortou-o grandemente e muito fez para estabilizar a sua fé e para prepará-lo para o trágico fim da sua vida na carne, que veio pouco tempo depois dessa ocasião memorável.


Pág. 1508 12. A MORTE DE JOÃO BATISTA De fato, João estava trabalhando no sul da Peréia quando foi preso e levado imediatamente para a prisão da fortaleza de Macaerus, onde foi encarcerado até a sua execução. Herodes governava sobre a Peréia e a Galiléia; nessa época, mantinha residência na Peréia, tanto em Julias, quanto em Macaerus. Na Galiléia a residência oficial tinha sido levada de Séforis para a nova capital em Tiberíades. Herodes temia libertar João por medo de que ele instigasse a rebelião. Temia condená-lo à morte e que a multidão causasse motins na capital, pois milhares de pereianos acreditavam que João era um homem sagrado, um profeta. Portanto, Herodes mantinha o pregador nazarita na prisão, não sabendo o que mais fazer com ele. Muitas vezes João tinha estado perante Herodes, mas nunca concordara em sair dos domínios de Herodes, nem de abster-se de todas as atividades públicas se fosse libertado. E essa nova agitação a respeito de Jesus de Nazaré, que crescia firmemente, serviu de admoestação para Herodes, de que não era a hora de libertar João. Além disso, João era também uma vítima do ódio intenso e amargo de Herodias, a mulher ilegal de Herodes. Em inúmeras ocasiões Herodes falou com João sobre o Reino do céu; ao mesmo tempo em que ficava algumas vezes seriamente impressionado com a sua mensagem, tinha medo de libertá-lo da prisão. Já que, em Tiberíades, grande parte do edifício estava em construção, Herodes passava um tempo considerável nas suas residências pereianas, pois tinha predileção pela fortaleza de Macaerus. Muitos anos passariam antes que todos os prédios


públicos e a residência completamente prontos.

oficial

em

Tiberíades

estivessem

Para celebrar o seu aniversário Herodes fez uma grande festa no palácio em Macaerus, para os seus principais oficiais e outros homens de posição elevada nos conselhos do governo da Galiléia e Peréia. Já que Herodias tinha fracassado em causar a morte de João, por apelo direto a Herodes, ela estabeleceu para si mesma a tarefa de levar João à morte por meio de um plano astuto. No decorrer das festividades e entretenimentos daquela noite, Herodias apresentou a sua filha para dançar diante dos convivas. Herodes estava muito encantado com a dança da donzela e, chamando-a diante de si, disse: “Tu és encantadora. Estou muito satisfeito contigo. Peça a mim, neste meu aniversário, o que desejares, e eu darei a ti, ainda que seja a metade do meu reino”. E Herodes fazia tudo isso sob a influência de muito vinho. A donzela retirou-se e perguntou à sua mãe o que deveria ela pedir a Herodes. Herodias disse: “Vá a Herodes e peça a cabeça de João Batista”. E a jovem donzela, retornando à mesa do banquete, disse a Herodes: “Eu peço que me entregues imediatamente a cabeça de João Batista, em uma bandeja”. Herodes ficou cheio de medo e de tristeza, no entanto, tinha dado a sua palavra diante de todos os que se assentavam para banquetear-se com ele, e por isso não queria negar o pedido. E Herodes Antipas enviou um soldado com a ordem de trazer a cabeça de João. E João teve então a sua cabeça decepada, naquela noite, na prisão; e o soldado trouxe a cabeça do profeta em uma bandeja e apresentou-a à jovem donzela, no fundo da sala de banquete. E a donzela deu a bandeja à sua mãe. Quando os discípulos de João ouviram sobre isso, vieram à prisão buscar o corpo de João e, depois de colocá-lo em um túmulo, foram embora e contaram tudo a Jesus.



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