AS RAÍZES AFRICANAS NA HISTÓRIA DO BRASIL

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Apresentação: AS RAIZES AFRICANAS NA HISTÓRIA DO BRASIL

“Há mais mistérios entre os Céus e a Terra, do que sonha nossa vã Filosofia” Faço a abertura deste material usando o título acima em epigrafe para trazer ao conhecimento de todos os leitores interessados na Cultura Africana que fincou raiz no Brasil (de onde estarei me referindo) e em muitos outros países, seguidores desta que é chamada por seus adeptos praticantes de ReligiãoMãe, simpatizantes desta cultura e curiosos os mais diversificados contos e lendas de cada deus e deusa desta denominação religiosa e que são vários; os encantos e a sedução mistificada em torno de seus domínios e suas representações nas várias nações afrodescendentes, e também, os mistérios contidos em cada uma destas nações ou tribos conhecidas por uns e desconhecidas por tantos outros. Na sequência emprego a frase do taumaturgo e poeta inglês William Shakespeare (1) muito conhecida apesar de escrita há anos, chamando a atenção de todos para um primeiro ato misterioso encontrado por mim na formação da frase em questão, que é “Céus” –no plural- e “Terra” – com a inicial maiúscula-. Muitos poderão questionar onde há algum mistério nessa frase, e já adianto, que o escritor inglês, faz referência aos “3 céus bíblicos” citados algumas vezes em alguns livros, sendo o que mais chama-nos a atenção está no Livro aos Hebreus 1-10 em que diz: “E: Tu Senhor, no princípio fundaste a “Terra”, e “os céus” são obra de tuas mãos: ...” - Para quem leu e ainda lê a Bíblia (2) sabe que o apóstolo Paulo de Tarso, foi “levado em espírito até o terceiro céu” e lá recebeu “revelações” (mistérios) da parte de Deus, citação encontrada na Carta do apóstolo aos Coríntios (II Coríntios 12 : 2). Isso deixa bem claro que existe além do que podemos ver, outros dois céus, sendo o primeiro para “INSPIRAÇÃO” numa visão mais poética ou romântica. O segundo para “PREOCUPAÇÃO” ou “EXPIAÇÃO” (na visão dos místicos e protestantes), ou de “TORMENTO” (na visão dos Cristãos Evangélicos que asseguram ser o Hades – Reino da Morte Espiritual, o mesmo que na ótica dos Católicos, o que seria o “PURGATÓRIO” – e, o terceiro, ao que tudo indica teologicamente falando, tratar-se do Lugar do Juízo, o Trono de Deus. 1


Mas porque entrei neste assunto que muitas polêmicas já foram geradas com relação aos Espíritos, Espiritualistas, Espírito Santo, Espírito de Deus e ao Espiritismo? Porque há muitos mistérios que ninguém ainda se deu conta! Porque a própria Bíblia faz referência ao espiritual em todas as suas conotações. “Cristo usava as coisas deste mundo para explicar as espirituais”. “Que devemos adorá-lo em espírito...”. Cristo entregou ao pai o seu espirito, e no Livro do Apocalipse (Revelação) diz que o “Espírito fala” para as igrejas ou templos que somos nós, e que “nós somos seres ou cavaleiros espirituais”, e por fim, que as Escrituras Sagradas foram escritas por homens “inspirados” (pelos Céus) pelo Espírito de Deus. Qual a forma exata para se chegar até o Criador? Resposta simples: Sendo espiritualista, falando sobre tudo que estamos vendo, sentindo, tocando, comendo, bebendo, trabalhando, com dores, cheios de alegrias, estando nós chorando, sorrindo, ganhando, perdendo, dormindo ou acordando; tudo dentro do plano ESPIRITUAL, pois “Tudo nesta vida, tem a sua razão espiritual de ser” – (Ogã João Bosco). Sim, esta é a nossa incumbência aqui nesta vida, andarmos em espírito, ou enxergando com os “Olhos Espirituais”, com o “Terceiro Olho” também chamado de “Chacra” (3) ou o “Olho no meio dos olhos” e que no Candomblé é chamado de “Moju n’Inkìssí”, ou “Olho do Espírito ou Olhos do Orixá”. Enfim, a mesma coisa e significado. A Terra citada na mesma frase do poeta, no original inglês (Heart), com “T” maiúsculo, é uma alusão ao Planeta Terra e não ao solo, ao chão de terra que estamos pisando. Ele quis dizer que entre Deus, o Criador e o Planeta Terra, nós, o mundo no contexto geral, “Há mais mistérios (Erós) do que sonha a nossa vã (imaginação pequena) filosofia (Estudo sobre a natureza de todas as coisas e suas relações entre si), enquanto o próprio Filósofo, é aquele que tem penetrante “espírito” filosófico (revela mistérios). FILOSOFIA separado assim: FILO (Unidade que compreende organismos –vidas, seres, tribos, grupos ou nações- que participam de uma descendência comum) e SOFIA ou SÓPHIA (do Grego) que significa “Espirito Santo” ou “Espírito de Deus”. Na Bíblia encontraremos no mínimo 203 citações com relação ao Espírito, Espírito de Deus, Espírito Santo e Espiritual. Que mistério espiritual há de verdade contido nisso? É o que vamos encerrar, pelo menos, tentar trazer para a luz do entendimento racional, estas questões e muitas outras que ficaram jogadas no tanque do esquecimento e as quais, pessoas fazem de conta de que estas coisas não se relacionam entre si, ou mesmo, que ambas fazem partes de uma só interpretação, ou que podem estar sendo induzidas para outros caminhos que não sejam os verdadeiros e sim, aqueles criados por alguém que talvez, nem saiba o seu próprio, esteja já perdido e deseja que outros também se percam.

1 – William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês – 1564/1616. 2 – Bíblia online João F. Almeida Corr.e Revis., Fiel 3 - A palavra "Chacra" vem do Sânscrito e significa "roda de luz".

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Primeira Parte

A Introdução da Religião Africana A ORIGEM DO CANDOMBLÉ NO BRASIL

Localizada na Av. Vasco da Gama, em Salvador (BA), a Casa Branca do Engenho Velho ou Ilê Axé Iyá Nassô Oká é considerada o primeiro terreiro de candomblé da cidade, tendo dado origem a uma série de outros templos afro-religiosos de destaque. É também o primeiro Monumento Negro brasileiro reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), desde 1984. A Sociedade Beneficente e Recreativa São Jorge do Engenho Velho que representa o candomblé da Casa Branca, foi fundada a 25 de julho de 1943, registrada no Cartório Especial de Títulos e Documentos em 2 de maio de 1945 sob nº 15.599, declarada de utilidade pública pela Lei Municipal 759 de 31 de dezembro de 1956, é regida por Estatuto e tem personalidade jurídica.

“O candomblé sobrevive até hoje porque não quer convencer as pessoas sobre uma verdade absoluta, ao contrário da maioria das religiões” – Pierre Verger A guerra contra os daomeanos fora, literalmente, longe demais. Escravizadas na terra-mãe, princesas e sacerdotisas africanas, do país ioruba, acabaram indo parar na santa baía, acorrentadas como animais. Foi assim que Iyá Akalá, Iyá Adetá e Iyá Nassô, nomes preservados pela tradição oral, teriam migrado para o Brasil. Mais tarde, fundariam, na Bahia, a Casa Branca, o mais antigo templo de culto africano do país. Começava assim, no século XVIII, em Salvador, primeira capital da colônia portuguesa, no bairro da Barroquinha, a religião dos orixás. Hoje, o terreiro comandado por Altamira Cecília dos Santos, a mãe Tatá, é símbolo de resistência, fora da África, dos reinos de Ketu e Oyó.

Matriarcado Ancestral Princesas e sacerdotisas africanas plantaram na Bahia o axé do terreiro mais antigo do Brasil. A Casa Branca representa o ponto de partida da fascinante história sobre a origem do candomblé no Brasil. Os traficantes e senhores talvez não soubessem, mas naqueles navios negreiros, acorrentadas como animais, viriam verdadeiras princesas e as mais importantes sacerdotisas africanas do país ioruba, escravizadas durante a guerra contra os daomeanos. O Daomé era um Estado da África, situado onde hoje se situa o Benim. O reino foi fundado no século XVII (c. 1600) e durou até 1904, quando foi conquistado 3


com tropas senegalesas pela França e incorporado à África Ocidental Francesa. Em 1985, os Palácios Reais de Abomei, a capital daquele reino, foram consideradas Património Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. As origens do Daomé podem ser traçadas a partir de um grupo Adjá do reino costeiro de Allada que se deslocou para o norte e estabeleceu-se entre povos Ewés (Fons) do interior. Por volta de 1650, os Adjás conseguiram dominar os Fons e o Hwegbajá declarou-se rei de seu território comum. Tendo estabelecido sua capital em Agbome (ou Abomei), Hwegbajá e seus sucessores conseguiram estabelecer um Estado altamente centralizado com base no culto da realeza estruturado em sacrifícios (incluindo sacrifícios humanos) aos antepassados do monarca. Toda a terra era propriedade direta do rei, que coletava tributos de todas as colheitas obtidas. Economicamente, entretanto, Hwegbajá e seus sucessores lucraram principalmente com o comércio atlântico de escravos e relações com os escravistas estabelecidos na costa. Os reis do Daomé envolveram-se então em guerras para expandir seu território, e começaram a utilizar rifles e outras armas de fogo compradas aos europeus em troca dos prisioneiros, que foram vendidos como escravos nas Américas. No reinado de Agadjá (1716-1740), Daomé conquistou Aladá (1724), de onde a família governante se originara, desse modo ganhando o contato direto com os comerciantes de escravos europeus na costa. Daomé costumava trocar escravos africanos por armamento europeu. Em 1727, o reino de Uidá - onde também havia a presença de europeus traficantes de escravos - foi igualmente capturado pelas forças de Agadjá. Não obstante, Agadjá foi incapaz de derrotar o vizinho Império de Oyo, principal rival do Daomé no comércio de escravos e, em 1730, transformou-se em vassalo de Oyo, embora conseguisse ainda manter a independência do Daomé. Mesmo como um Estado vassalo, o Daomé continuou a expandir e florescer através do comércio escravista e, mais tarde, através da exportação de azeite de dendê produzido em grandes plantações. Pela estrutura econômica do reino, a terra pertencia ao rei, que detinha o monopólio de todo o comércio. O apogeu econômico do reino ocorreu no início do século XIX com a exportação de grande quantidade de escravos para o Brasil e Cuba, tanto que o litoral passou a ser conhecido como Costa dos Escravos. Um dos mais famosos traficantes de escravos nesta época foi o brasileiro Francisco Félix de Souza, o Chachá de Ouidah, protegido do rei Guezô. Em 1818, o Daomé desvencilhou-se do jugo do estado de Oyo. Em 1863, os franceses declararam um protetorado sobre Porto Novo; em 1889, ocuparam Cotonou. Nos anos 1880, o tamanho do reino foi estimado em 10 000 quilômetros quadrados; as estimativas da população variavam entre 15 000 e 90 000 habitantes. Em 1892, a França declarou um protetorado sobre todo o reino. Entre 1892 e 1894, o reino foi conquistado; o rei Behanzin foi deposto e exilado na Martinica, e os franceses instalaram um rei fantoche, Goutchilli. A capital Abomey foi queimada em 1892. A maioria das tropas que lutaram contra o Daomé eram compostas por africanos nativos. A isto, se acrescentou o sentimento de hostilidade contra o reino, particularmente entre os iorubas, levando à sua derrota final. O reino foi abolido em 1901. Em 1960, a região alcançou a independência como República do Daomé, que mudou, mais tarde, seu nome para Benim. Daomé teve como reis os seguintes personagens registrados na história: Ganiehéssu ???? – 1625, Dǎko-Donu, 1625-1645, Hwegbadjá, 1645-1685, Akabá, 1685-1708, Agadjá, 1708-1732 (1740?), Tegbesu, 1732 (1740?) -1774, Kpenglá, 1774-1789, Agonglô, 1789-1797, Adandozan, 1797-1818, Guezô, 1818-1858, Glelé, 1856-1889, Gbehanzin, 1889-1894. 4


Mas já durante a longa travessia do Atlântico, e também ao desembarcar nas águas santas da baía, as nobres matriarcas foram reconhecidas e veneradas pelos seus conterrâneos. Com sua sabedoria ancestral, elas iriam reconstituir na Bahia os locais sagrados destruídos na terra-mãe. E, em pleno centro da capital baiana, fundariam a mais antiga casa de culto africano do Brasil. A tradição oral preservada pelos iorubas aponta o nome de algumas mulheres como sendo as criadoras da Casa Branca, hoje situada no Engenho Velho da Federação. Iyá Akalá, Iyá Adetá e Iyá Nassô são os mais citados. Mas alguns detalhes se perderam com o passar dos séculos e nem mesmo os atuais representantes da casa sabem ao certo quem de fato foi o principal personagem dessa história. No entanto, alguns depoimentos de velhas senhoras do candomblé, registrados por pesquisadores que se dedicaram ao estudo das religiões africanas na Bahia, deixaram pistas que podem contribuir para a revelação do mistério que envolve a fundação do terreiro. O etnólogo Edison Carneiro, que conviveu com antigas mães de santo da velha tradição ioruba, revela o nome das três mulheres, sem, no entanto, identificar qual delas de fato foi a fundadora do terreiro e se atuaram ao mesmo tempo ou se sucederam no poder. Já Vivaldo da Costa Lima, inspirado pelo depoimento da célebre mãe Senhora, do Ilê Axé Opô Afonjá (fundado em 1910), sugeriu que Iyá Akalá era mais um título, um “oiê”, de Iyá Nassô. Pierre Verger, com base no depoimento de mãe Menininha do Gantois (fundado em 1890), não cita o nome de Iyá Adetá e se refere a Iyá Akalá como sendo a primeira mãe-de-santo da Bahia, que seria substituída por Iyá Nassô. Para complicar ainda mais, Verger cita um novo nome, Iyalussô Danadana, que teria vindo de Ketu para introduzir o culto a Oxóssi na Bahia. Por fim, há a versão de Roger Bastide, outro etnólogo estudioso das religiões africanas. Segundo ele, a mãe de Iyá Nassô havia sido escrava no Brasil e depois de alforriada voltou para a África, onde a concebeu. Anos mais tarde, Iyá Nassô teria vindo da Nigéria acompanhada de Marcelina Obatossí, sua sucessora na Casa Branca, com a missão de fundar um candomblé em Salvador.

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Após 21 anos de pesquisas, o antropólogo Renato da Silveira, autor de artigos sobre a fundação dos terreiros mais antigos da Bahia (e com um livro no prelo sobre a Casa Branca), lança um pouco de luz nessa história até então bastante obscura. Tudo teria começado ainda no país ioruba, no reino de Ketu, durante o governo do Alaketu, Akibiohu, entre 1780 e 1795. De lá vieram alguns integrantes da família real Arô, aprisionados pelos daomeanos na cidade de Iwoye (Iuó-iê), junto com um grupo de cerca de 200 escravos. Entre eles, estavam importantes sacerdotes e também duas princesas, gêmeas, com cerca de 9 anos de idade. Eram netas do Alaketu. Uma delas, Otampê Ojarô – que recebeu o nome cristão de Maria do Rosário Francisca Régis -, foi a fundadora do Terreiro do Alaketu, no Matatu de Brotas, e certamente participou dos rituais de fundação da Casa Branca. Reza a lenda que, ao atingir a maioridade, a princesa foi alforriada pelo próprio Oxumarê, na figura de seu proprietário. Mas, segundo Renato da Silveira, ela era ainda muito jovem quando o terreiro da Barroquinha foi fundado e uma outra sacerdotisa deve ter iniciado os fundamentos de Oxóssi, iniciando a soberania de Ketu na Bahia. Conforme Silveira, Iyá Adetá teria sido a sacerdotisa da linhagem Arô a fundar a primeira versão do candomblé baiano, em um culto quase que doméstico a Odé (o caçador, um dos nomes de Oxóssi) e Exu (o orixá mensageiro). Isso teria acontecido não nos fundos da Igreja da Barroquinha, onde mais tarde seria criada a Casa Branca, mas na Rua da Lama (atual Visconde de Itaparica), uma das travessas do bairro próximo à região central de Salvador.

A Sucessão Iyá Akalá pode ter vindo junto com o clã dos Arôs para a Bahia, ou chegado logo depois. Ela deve ter sido a fundadora do culto a Airá Intile, uma das qualidades de Xangô. Iyá Nassô, por sua vez, era uma das figuras mais nobres do império de Oyó, responsável pelo culto ao orixá do rei, mas é provável que ela tenha chegado em terras baianas somente mais tarde, por volta de 1830, com a missão de comandar a união das diversas divindades africanas em um único templo religioso. Muitos adeptos da casa começam a contar, a partir daí a história da fundação do candomblé, desde que todos os orixás passaram a ocupar o mesmo espaço sagrado. Em homenagem a esta matriarca ancestral, o título africano da Casa Branca ainda hoje é Ilê Iyá Nassô Oká, a casa de Iyá Nassô. Reza a tradição ioruba que Iyá Nassô retornaria mais tarde à Nigéria, para reconstituir alguns elementos do culto e provavelmente para adquirir tipos vegetais, minerais e animais necessários nas cerimônias religiosas. Com ela levou sua sobrinha Marcelina Obatossí, e retornou com outras figuras eminentes, que ajudariam a compor na Bahia o cenário dos antigos rituais africanos. Marcelina Obatossí sucedeu sua tia. Em seguida, duas mulheres disputaram o trono do terreiro: Maria Julia Figueiredo e Maria Júlia da Conceição Nazaré. O oráculo de Ifá elegeu a primeira e Maria da Conceição partiu com sua família e aliados para as terras de um antigo casal estrangeiro, de sobrenome Gantois. Também por questões de preeminência, mãe Aninha deixaria a Casa Branca anos mais tarde para fundar o Ilê Axé Opô Afonjá, na roça do São Gonçalo do Retiro. Junto ao Alaketu, eles formam o berço do candomblé de origem ioruba na Bahia. Depois de Maria Júlia Figueiredo viriam Ursulina Figueiredo (mãe Sussu), Maximiana Maria da Conceição (tia Massi), Maria Deolinda, Marieta Vitório Cardoso e Altamira Cecília dos Santos (mãe Tatá), atual Ialorixá da Casa Branca, 6


hoje reconhecida como o candomblé mais antigo do Brasil, a matriz dos fatos, lendas e mitos que narram a história de mulheres soberanas, que deixaram seus impérios africanos como escravas para reinarem absolutas na Bahia de todos os santos, com a bênção de seus Orixás. A Casa Branca é símbolo vivo da história de resistência de um povo. O monumento a Oxum foi idealizado por Oscar Niemeyer e tem escultura de Carybé. Testemunho da história de fé e resistência de um povo, onde sobrevive a riquíssima tradição dos reinos de Oyó e de Ketu, o terreiro da Casa Branca foi o primeiro monumento negro das Américas a ser considerado patrimônio da nação. Mas para compreender seus espaços sagrados é preciso levar em conta os rituais desenvolvidos há mais de 150 anos no local. Cerimônias religiosas que, apesar da opressão policial, se mantiveram fiéis às tradições plantadas pelos ancestrais nagôs. No topo do terreno em declive, ao longe se vê a casa branca, a edificação principal que deu nome ao templo religioso. O barracão, como é chamado pelos adeptos do candomblé, domina o cenário que compõe a “roça” e centraliza os cultos mais importantes; é o cérebro do terreiro. No centro do barracão há uma grande coluna, chamada ixê, culminada por uma coroa de madeira em dimensão monumental, dedicada ao orixá Xangô. O limite da coroa é exteriormente marcado com um oxê – o machado duplo, principal símbolo do orixá da justiça -, e uma quartinha de barro. De acordo com o antropólogo Raul Lody, o ixê funciona como uma espécie de cordão umbilical, um elo permanente com o terreiro e o Orum, que para os africanos representa o céu, a morada dos orixás. (Que para outros mais novos quer significar a constante fecundação do Criador no Orum (Céus) com a Terra (Ayê), conforme a doutrina de sua feitura. (N.A). Em sua volta, estão dispostos os ilês orixás, as diversas casas de santo, construídas em alvenaria, com seus assentamentos a Exu, Ogum, Oxóssi, Omulu, Xangô, Iemanjá, Iansã, Obá e outras divindades que regem o destino do terreiro. Em espaço contíguo está o peji de Oxalá e, ao lado, ficam os aposentos da Ialorixá. Completando os espaços do prédio estão a cozinha, uma pequena sala ocupada pelos ogãs, os banheiros e o roncó, as camarinhas onde ficam confinadas as noviças no período de iniciação, uma espécie de útero do candomblé que vai gestando suas novas filhas-de-santo.

Vegetação Ritual. Abraçando e acolhendo as divindades africanas, se vê o mato, a vegetação ritual e as imensas árvores sagradas – como jaqueiras e gameleiras brancas – que reservam outros assentamentos, como o do orixá Irôco. Por fim, se vê as habitações da comunidade local, de famílias que há mais de um século ocupam o candomblé, reunindo os mortais aos espíritos ancestrais. Na parte baixa da colina, o visitante se surpreende com uma construção imitando um barco, feito de alvenaria, dedicado a Oxum, um dos principais santuários ao ar livre da Bahia. O povo da Casa Branca gosta de lembrar que a água da fonte de Oxum, onde impera uma sereia prateada, corre até o oceano, onde a orixá das lagoas e rios se encontra com Iemanjá, a rainha do mar. Vale destacar outra vez, que a Praça de Oxum, como é chamada, foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, e a sereia trabalhada pelo artista plástico Carybé. A Casa Branca foi tombada em 1984 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e 7


Artístico Nacional (Iphan), depois de um esforço conjunto, uma aliança entre intelectuais e adeptos do candomblé, sob a liderança do antropólogo Ordep Serra, que hoje é também ogã (uma espécie de protetor civil) e ex-presidente da Sociedade Beneficente São Jorge do Engenho Velho, entidade que dá conta de alguns procedimentos administrativos e projetos sociais. Atualmente, a associação é dirigida por Arielson Chagas, o ogã Léo, filho de Aeronithes Conceição Chagas, a mãe Nitinha D”Oxum, uma das Ialorixás mais respeitadas do Brasil. Depois da Casa Branca, o Terreiro do Gantois, o Ilê Axé Opô Afonjá, do São Gonçalo do Retiro, o Alaketu, do Matatu de Brotas, e o Bate Folha – este de nação Angola – também já foram tombados como patrimônio da nação. O antropólogo Ordep Serra explica que é o simbolismo dos elementos que formam o conjunto e as características do culto que devem determinar as diretrizes da preservação do templo matriz do rito nagô no Brasil. O profundo elo da natureza e sua ocupação espacial pelo imaginário religioso cria um perfeito equilíbrio entre paisagem e arquitetura, compartilhando matas, árvores, riachos e demais marcos naturais que se integram à proposta religiosa e às festas do candomblé.

Águas de Oxalá As festas da Casa Branca se iniciam no fim de maio ou início de junho, com a celebração a Oxóssi, o onilé, pai do terreiro. Depois, acontece a festa de Xangô, dono do barracão. Já na última sexta-feira de agosto, é realizada uma das mais belas cerimônias: as Águas de Oxalá, rito de purificação que prepara a casa para as cerimônias de todo o período festivo que se intensifica a partir de setembro. Nas primeiras horas da manhã, ainda madrugada, as filhas-de-santo seguem vestidas de branco em procissão até a fonte dedicada a Oxum. As sacerdotisas carregam vasos, potes e outros artefatos de barro, enquanto cantam e dançam ao som dos atabaques. Após encher os vasos de água, as mulheres voltam, em fila, com seus potes nos ombros. O ritual tem uma pausa e depois continua à noite, com uma longa festa no terreiro. Os três domingos seguintes às Águas de Oxalá são dedicados a Oduduá (orixá da criação), Oxalufan (Oxalá velho) e Oxaguian (Oxalá jovem). Na primeira segunda-feira após esse ciclo, o orixá Ogum é celebrado, e, na segunda seguinte, Omolu. O ciclo de festividades termina no final de novembro, com várias cerimônias de iniciação, tributos a Xangô e a Oxum. No dia de sua celebração, o grande barco é enfeitado de amarelo e dourado, onde são depositadas as iguarias africanas em oferenda à orixá. Nenhuma dessas festas pode ser fotografada ou filmada no interior do candomblé, por ordem expressa de sua governante, a Ialorixá Altamira dos Santos, filha de Oxum que representa a mais antiga linhagem de mães-de-santo. Uma linhagem de mais de dois séculos. Que representa 200 anos de resistência e tradição. E de orgulho para toda uma civilização.

Perseguição e Mudanças Africanos da Casa Branca foram expulsos do centro da capital e se mudaram para a roça do Engenho Velho. A Bahia estava passando por profundas 8


transformações naquele meado de século XIX. Desde então, a Barroquinha não seria a mesma, passaria por reformas, e não haveria mais espaço para as comunidades negras ali instaladas, tão próximas da sede do poder local. Era preciso fazer uma limpeza geral, “modernizar” era a palavra de ordem entre os governantes. Por volta de 1850, um ano antes de iniciar as obras na região, as autoridades decidiram acabar com aquelas reuniões tidas como “bárbaras” e “primitivas”. Profanaram os locais sagrados e expulsaram de vez os africanos e seus orixás do centro da capital. Seria preciso reconstituir um novo templo longe dali, onde os atabaques pudessem clamar por suas divindades distante dos ouvidos e olhares opressores das autoridades vigentes. Nasceria a Casa Branca do Engenho Velho da Federação. Embora os cultos africanos fossem terminantemente proibidos na Bahia de outrora – a liberação definitiva só foi assinada pelo governador Roberto Santos. Em 1976 – a presença do candomblé na Barroquinha conviveu com a passagem de alguns governos, uns mais permissivos, como o do famoso Conde dos Arcos; outros mais intransigentes, a exemplo do temido Conde da Ponte. Em qualquer caso, todos os rituais eram feitos às escondidas, ou pelo menos disfarçados pelo sincretismo religioso que ganhava força na Velha Bahia. As duas principais festas comemorativas da fundação do candomblé fazem referências aos orixás mais venerados: Oxóssi, o senhor da terra, e Xangô, o regente da casa. A primeira acontece no dia de Corpus Christi, e a segunda no dia de São Pedro, datas em que não seriam necessários maiores pretextos para os banquetes africanos e a batida dos tambores. Quando as festas para os orixás não eram mascaradas pelo sincretismo, os rituais religiosos eram praticados em segredo absoluto para escapar da repressão. Reza a tradição ioruba que, para realizar o culto de Xangô em sigilo, os adeptos da Casa Branca construíram uma passagem secreta sob uma árvore oca, atingida por um raio. Lá, os altares sagrados poderiam ser cultuados e as oferendas realizadas de maneira discreta e preservada. Segundo contam, o subterrâneo secreto deixou de existir, assim como outros que haveria por ali, quando o terreno foi aplainado e as árvores sagradas extraídas, durante a reforma da área. ATAQUE POLICIAL No centro da cidade, o terreiro ficava próximo ao Palácio dos Governadores, ao Mosteiro de São Bento e ainda do Solar do Berquó, na época residência de um dos desembargadores do Tribunal da Relação. Temendo um ataque policial, as sacerdotisas arrendaram as terras do Engenho Velho, longe do governo central. Mas, segundo Pierre Verger, estudioso do assunto, antes de chegar na Avenida Vasco da Gama, onde ainda se encontra, o terreiro mudou-se por diversas vezes, “passando inclusive pelo Calabar, na Baixa de São Lourenço”. Depois desse episódio, todos os templos africanos seriam construídos nos arredores da antiga Salvador, onde as cerimônias poderiam ser realizadas de maneira mais discreta. Foi durante o governo do Visconde de São Lourenço, entre 1848 e 1852, que os negros da Casa Branca seriam de uma vez por todas expulsos da Barroquinha. Em 1851, a “modernidade” chegou à capital, com a urbanização da área e pavimentação da Baixa dos Sapateiros, antiga Rua da Vala, por onde esgotos corriam a céu aberto. Alguns anos antes, vários levantes de escravos foram deflagrados em Salvador, até que em 1835 se deu a sangrenta Revolta dos Malês, organizada pelos negros muçulmanos. Era mais um pretexto para desmobilizar os encontros entre os africanos na Bahia. Iyá Nassô, tida ainda hoje como a 9


principal matriarca da história do terreiro, partiu com os seus súditos para plantar o axé na então distante roça do Engenho Velho, “no Rio Vermelho de baixo”. Dizem que foi o lendário babalaô Bamboxê Obticô, avô do saudoso Felisberto Sowzer, uma figura importante na reconstituição dos cultos e rituais perdidos no tempo. Sobre Yá Nassô, se sabe que ela morava na Rua das Flores, no Pelourinho, e era comerciante de carnes no Mercado de Santa Bárbara. Mas, já no Engenho Velho, as autoridades novamente tentaram calar os tambores e cânticos africanos da Casa Branca. Uma reportagem publicada no antigo Jornal da Bahia, de 3 de maio de 1855, faz alusão a uma reunião na casa de Yá Nassô que teria sido interrompida por uma diligência policial: “Foram presos e colocados à disposição da polícia Cristóvão Francisco Tavares, africano emancipado, Maria Salomé, Joana Francisca, Leopoldina Maria da Conceição, Escolástica Maria da Conceição, crioulos livres; os escravos Rodolfo Araújo Sá Barreto, mulato; Melônio, crioulo, e as africanas Maria Tereza, Benedita, Silvana… que estavam no local chamado Engenho Velho, numa reunião que chamavam de candomblé”. Pierre Verger destacou o nome de Escolástica Maria da Conceição, não muito comum, com o qual seria batizada, mais de três décadas depois, a famosa mãede-santo Menininha do Gantois. Isso indica que provavelmente os pais de Menininha também faziam parte ou pelo menos frequentavam a Casa Branca no período em que ocorreu a ação policial. Mas o fato é que os adeptos da Casa Branca resistiram a mais de dois séculos de vigilância repressora. E em tom de discurso, as palavras do elemaxó do terreiro, Antônio Agnelo Pereira, revelam o sentimento de orgulho comum aos filhos e filhas do candomblé mais antigo do Brasil: “Sim, nossa gente tem sofrido muito. Lutamos contra o cativeiro e continuamos lutando contra outras injustiças, sempre com dignidade. Até há pouco nosso culto era perseguido com cruel violência, mas resistimos. Ainda hoje, há quem despreze nossas tradições, nossa religião, tratando-a, por exemplo, como simples folclore, por ignorância ou preconceituosa má vontade. Isto não nos impede de manter a herança divina que recebemos”. SOCIEDADE PARALELA “Homens Proeminentes” e “Mulheres do Partido Alto” criaram organizações secretas de negros na Bahia. O culto a Babá Egum é um traço da presença do Estado paralelo criado pelos iorubas. Depois de criar as irmandades e confrarias religiosas, e de incorporar novos rituais proibidos pelas autoridades locais, os africanos ligados à Casa Branca seriam ainda mais audaciosos, inaugurando as chamadas “sociedades secretas”. Com a chegada de mais e mais líderes nagôs à Bahia escravocrata, o candomblé mais antigo do Brasil passaria a constituir uma espécie de organização paralela à dos brancos do Novo Mundo. Adaptadas aos rigores da clandestinidade, as sociedades secretas representavam o poder ancestral exercido pelos soberanos da mãe África sobre seus súditos baianos. Entre as sociedades secretas criadas pelos negros ligados à velha Casa Branca, a mais importante foi a Ogboni, na visão do antropólogo Renato da Silveira. Ela representava, na Bahia, o conselho de ministros do alto escalão do império de Oyó e de outros reinos iorubas. A sociedade Ogboni estava acima das demais associações e até mesmo dos clãs, defendendo o interesse da sociedade e servindo como poder moderador do 10


Alafin (imperador). Era uma espécie de corte de justiça do país ioruba, responsável pela manutenção da paz, da ordem e pela determinação do consenso nas decisões políticas. A sociedade Ogboni era dirigida por um conselho de seis êssas, chamados de Aramefá na Bahia. Algumas decisões importantes, como o arrendamento das terras da Barroquinha na virada do século XVIII, podem ter sido de sua responsabilidade. Mestre Didi, filho da célebre mãe Senhora, do Ilê Axé Opô Afonjá, se refere à presença do Aramefá como um conjunto composto por homens consagrados “com postos na Casa de Oxóssi”, existente ainda nos anos 30. O líder da Ogboni era o Oluô, cargo que na Bahia foi ocupado por Bamboxê Obticô, africano que desempenhou papel fundamental na criação da Casa Branca e na história dos chamados “terreiros de tradição Ketu”. O antropólogo Pierre Verger cita o nome dos demais êssas: Assiká (ou Axipá, filho de Oxóssi ou Ogum), êssa Oburô (filho de Xangô), êssa Kayodé (Oxóssi), e ainda os êssas Ajadi, Adirô e Akessan, servidores de outros orixás importantes presentes no candomblé e também do culto de Babá Egum, o espírito dos mortos. Silveira revela que os êssas baianos eram ex-escravos alforriados que chegaram a prosperar na sua atividade e conquistar prestígio e destaque nas irmandades religiosas, sobretudo a de Bom Jesus dos Martírios, recebendo ainda títulos honrosos no candomblé da Barroquinha. Gueledés Já as sociedades Iyalodê e Gueledé eram formadas apenas por mulheres e representavam a influência feminina nas organizações africanas reconstituídas na Bahia. As Iyalodê, explica Silveira, foram originárias dos reinos de Ibadan e Abeokuta. O título era o mais elevado que uma mulher poderia alcançar nessas cidades, significando “senhora encarregada dos negócios públicos”. As Iyalodê baianas, portanto, defendiam os interesses das negras que se tornaram comerciantes, e assim conseguiram fama e dinheiro depois de alforriadas. Na Velha Bahia, elas ficariam conhecidas como “as mulheres do partido alto”. Reverenciar os poderes unicamente femininos era a missão da Sociedade das Gueledés, originárias do reino de Ketu. Na Bahia, as Gueledés tinham as mesmas funções de origem, exaltando a fecundidade e a magia dos rituais matriarcais. No terreiro na Barroquinha, em seguida no Engenho Velho, e mais tarde em outros pontos da cidade, elas faziam os chamados Festivais Gueledés. Um par de máscaras usadas pelas mulheres da sociedade secreta, pertencente à coleção do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, e provavelmente apreendido durante uma diligência policial, revela o caráter carnavalesco das festas promovidas pela associação, com o objetivo de ridicularizar a violência e exaltar a paz entre as nações. Durante alguns anos, a mãe-de-santo Maria Júlia Figueiredo (Omonikê) acumulou os títulos de Iyalodê, de Iyalaxé das Gueledés, de Ialorixá da antiga Casa Branca e ainda de provedoramor da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, a principal instituição das mulheres iorubas, ativa ainda hoje na cidade de Cachoeira. Era Maria Júlia Figueiredo, portanto, a representante suprema das matriarcas africanas. Através dos ritos misteriosos das sociedades secretas, os adeptos do candomblé criaram na Bahia um novo estado ioruba, extinto após longo período de repressão. E sua existência está intimamente ligada ao mito da criação do candomblé mais antigo do Brasil. “Embora tenham perdido o grande poder que representavam na África, esses títulos mantiveram a solenidade e a legitimidade, pois, adaptados às 11


condições locais, foram atribuídos de acordo com méritos, preceitos, ritos e costumes tradicionais, reconhecidos e praticados pela diáspora nagô-ioruba, que começava a tomar consciência de si como nacionalidade”, observou Renato da Silveira. Do Estado paralelo criado pelos iorubas, ficaram apenas vagas lembranças, cânticos cerimoniais e alguns títulos ainda hoje usados, além de máscaras e outros objetos de culto, alguns apreendidos durante a repressão policial que se deu na Bahia, sobretudo nos anos 20 e 30 do século que passou. No entanto, alguns rituais se mantiveram até os dias de hoje, como o culto a Babá Egum, com presença marcante, sobretudo, em candomblés da Ilha de Itaparica. Ancestrais africanos foram cultuados no mesmo templo pela primeira vez na Bahia. No Terreiro da Casa Branca eles se encontrariam pela primeira vez, discretamente, para não atrair os olhares vigilantes e repressivos das autoridades locais. Cultuados separadamente em seus reinos de origem, os orixás africanos seriam invocados em um só lugar, na Bahia, pelos negros escravos trazidos para o recôncavo. Por razões de proeminência, em um meticuloso acordo político e espiritual, os fundadores do candomblé mais antigo do Brasil implantariam em Salvador os cultos a Oxóssi, Xangô, Oxum e Oxalá, os quatro pilares de sua fé, representando os quatro cantos do país ioruba. Enquanto o povo de cada reino ioruba mantinha seus cultos orientados às diversas qualidades de um único orixá, na Casa Branca, quando esta ainda funcionava nos fundos da Barroquinha, foi criado o xirê (a roda dos orixás), permitindo que as santidades fossem reunidas em um único panteão. Mas não por acaso. O início dessa história começa ainda na África, em meados do século XVIII, quando o reino do Daomé (atual República do Benin) inicia sua expansão sobre o território ioruba. Ao passo que os daomeanos invadiam e saqueavam as cidades, profanando os locais sagrados e deixando seu rastro de destruição por onde passavam, os prisioneiros iorubanos eram feitos cativos e vendidos em um dos movimentados portos da Costa da Mina (também conhecida como Costa dos Escravos). De lá, milhares deles viriam para Salvador. Mais do que saudades do seu canto, cada povo trazia na lembrança os rituais sagrados do orixá protetor de seu reino. Assim, à medida que os daomeanos avançavam sobre os iorubas, novos povos iam chegando, com novas características religiosas. Em pouco tempo, o litoral da velha Bahia se transformaria num espelho demográfico da Costa da Mina. Com a fundação do primeiro candomblé do Brasil, seria necessário, portanto, que ele representasse as diferentes nações que a partir de então passaria a integrar. E foi o que fizeram os criadores da Casa Branca. Em segredo absoluto, homens e mulheres africanos pertencentes às irmandades negras do Bom Jesus dos Martírios e de Nossa Senhora da Boa Morte plantariam os fundamentos de cada orixá na terra de todos os santos. O primeiro a chegar foi Oxóssi, do reino de Ketu. Invocado por seus súditos, ele veio e ocupou a terra, recebendo por isso o título de onilé. Mais tarde, Xangô (cultuado no reino de Shabé e Oyó) tomaria conta da casa, do barracão principal, recebendo o título de onilé. 12


A esposa de Xangô, Iansã, também viria com os oyós. Anos depois Oxum e Oxalá também ganhariam assentos privilegiados, representando a nação Ijexá e o povo de Ifé, capital espiritual dos iorubas. Panteão Sagrado Não se sabe ao certo quem foi o responsável direto pela união de todos os orixás em um único panteão sagrado. Na tradição oral dos seguidores da Casa Branca se perdeu esse importante detalhe histórico. Mas dois nomes despontam como os mais prováveis; dois homens entre muitas mulheres, dois grandes sacerdotes que vieram para Salvador exclusivamente para participar da reconstituição religiosa que se daria na Barroquinha. Um deles, possivelmente criou o xirê, inaugurou a roda dos orixás, a principal novidade de culto fundada pelo terreiro baiano, e que, anos passados, seria seguida pelos seus filhos e filhas. Os protagonistas dessa história são Babá Assiká (ou Axipá) e Bamboxê Obticô. Ambos vieram da África para ajudar na fundação do terreiro. Os dois têm o título de Êssas (ou Uêssas), que revelam serem ministros do Conselho de Ketu, altos oficiais iniciados no culto a Oxóssi. De acordo com o pesquisador Vivaldo da Costa Lima, Bamboxê significa “ajudame a segurar o oxê”, sendo oxê o machado duplo, a ferramenta ritual de Xangô. A tradição afirma que Bamboxê era um membro da família real, um príncipe de Oyó, reino devastado pela guerra a partir dos anos 1830, data em que muitos afirmam ter sido fundado “oficialmente” o terreiro na Barroquinha. Ainda hoje sua memória é exaltada no Padê, a cerimônia de abertura do candomblé da Casa Branca, como Êssa Obticô. No Brasil recebeu o nome “branco” de Rodolpho Martins de Andrade e, além de ter sido um dos possíveis criadores da roda dos orixás, participou da iniciação de importantes mães-de-santo da Bahia, como a de Aninha, fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá. Atualmente seu corpo descansa em um jazigo na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, depois de ter sido transladado do Cemitério Quinta dos Lázaros, onde foi sepultado primeiramente. Na sua lápide é possível ler: “Jazigo perpétuo – Rodolpho Bamboche.- Felisberto Sowzer e família – 1926”. Sobre babá Assiká, o outro homem que deixou seu nome na lembrança da tradição oral que narra a fundação da Casa Branca, existem pouquíssimos registros. Dois etnólogos franceses, estudiosos dos candomblés da Bahia, fazem referência ao seu nome: Roger Bastide e Pierre Verger. Bastide afirma que babá Assiká veio à Bahia em companhia de Iyá Nassô, considerada a fundadora de fato do terreiro que hoje leva seu nome, passando por seu escravo para aqui cumprir sua missão. Para Verger, Assiká teria sido o fundador propriamente dito do terreiro. Nos cânticos do Padê da Casa Branca, quando são saudados os seis êssas fundadores do axé, “os senhores do rito”, babá Assiká é o primeiro a ser lembrado, sugerindo sua maior antiguidade, de acordo com Juana Elbein dos Santos, outra estudiosa do assunto.

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Para o antropólogo Renato da Silveira, babá Assiká formou todos os demais, inclusive Bamgbose, e sua missão era organizar a mudança que estava por ser feita a partir de 1830. E essa mudança chegaria para valer. Uma mudança feita em sigilo, com coragem, magia e tradição ancestral. Com a sabedoria das lendárias Iyá Nassô e Marcelina Obatossí, com a autoridade de babá Assiká e Bamboxê Obticô, e com a ajuda de muitos outros africanos anônimos, os orixás enfim tomariam assento nas terras sagradas da Bahia, primeiro na Barroquinha, de onde foram expulsos pelas autoridades. Mas depois, em definitivo, no Engenho Velho da Federação, onde permanecem ainda hoje, zelando pelo seu povo fiel.

Segunda Parte

O Candomblé e Seus Mistérios

O QUE É DE FATO O CANDOMBLÉ "CANDOMBLÉ" é uma junção do termo Quimbundo CANDONGBE ou CANDOMBELÊ (dança com atabaques) com o termo Ioruba ILÊ (casa): significa, portanto, "casa da dança com atabaques". Candomblé é uma religião derivada do animismo africano onde se cultuam os orixás, voduns ou n’kisis, dependendo da nação. Sendo de origem totêmica e familiar, é uma das religiões de matriz africana mais praticadas, tendo mais de três milhões de seguidores em todo o mundo, principalmente no Brasil. Também é possível encontrar o chamado povo do santo em outros países como Uruguai, Argentina, Venezuela, Colômbia, Panamá, México, Alemanha, Itália, Portugal e Espanha. Dentre as nações africanas praticantes do animismo, cada uma tinha, como base, o culto a um único orixá. A junção dos cultos é um fenômeno brasileiro em decorrência da importação de escravos onde, agrupados nas senzalas, nomeavam um zelador de santo, também conhecido como Babalorixá no caso dos homens e Ialorixá no caso das mulheres. A religião tem, por base, a anima (alma) da Natureza, sendo, portanto, chamada de anímica. Os sacerdotes africanos que vieram para o Brasil como escravos, juntamente com seus orixás/nkisis/voduns, sua cultura, e seus idiomas, entre 1549 e 1888, é que tentaram de uma forma ou de outra continuar praticando suas religiões em terras brasileiras. Foram os africanos que implantaram suas religiões no Brasil, juntando várias em uma casa só para a sobrevivência das mesmas. Portanto, o Candomblé não é como muitos pensam, invenção de brasileiros. Diz Clarival do Prado Valladares em seu artigo "A Iconologia Africana no Brasil", na Revista Brasileira de Cultura (MEC e Conselho Federal de Cultura), ano I, julhosetembro 1999, p. 37, que o "surgimento dos candomblés com posse de terra na periferia das cidades e com agremiação de crentes e prática de calendário verifica-se incidentalmente em documentos e crônicas a partir do século XVIII". O autor considera difícil para "qualquer historiador descobrir documentos do período anterior diretamente relacionados à prática permitida, ou sub-reptícia, 14


de rituais africanos". O documento mais remoto, segundo ele, seria de autoria de dom Frei Antônio de Guadalupe, bispo visitador de Minas Gerais em 1726, divulgado nos "Mandamentos ou Capítulos da visita". Clarival do Prado Valladares, foi um médico, escritor, professor, poeta, pesquisador e crítico de arte brasileiro. Embora confinado originalmente à população de negros escravizados, inicialmente nas senzalas, quilombos e terreiros, proibido pela igreja católica, e criminalizado mesmo por alguns governos, o candomblé prosperou nos quatro séculos, e expandiu consideravelmente desde o fim da escravatura em 1888. Estabeleceu-se com seguidores de várias classes sociais e dezenas de milhares de templos. Em levantamentos recentes (2010), aproximadamente 3 milhões de brasileiros (1,5% da população total) declararam o candomblé como sua religião. Na cidade de Salvador existem 2.230 terreiros registrados na Federação Baiana de Cultos Afro-brasileiros e catalogados pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, (Universidade Federal da Bahia) no Mapeamento dos Terreiros de Candomblé de Salvador. Entretanto, na cultura brasileira as religiões não são vistas como mutuamente exclusivas, e muitas pessoas de outras crenças religiosas — até 70 milhões, de acordo com algumas organizações culturais Afro-Brasileiras — participam em rituais do candomblé, regularmente ou ocasionalmente. Orixás do candomblé, os rituais, e as festas são agora uma parte integrante da cultura e uma parte do folclore brasileiro. O candomblé não deve ser confundido com umbanda, e/ou omoloko, e outras religiões afro-brasileiras com similar origem; e com religiões afro-americanas similares em outros países do Novo Mundo, como o vodu haitiano, a santeira cubana, e o obeah, em Trinidade e Tobago, os xangôs (similar ao tchamba africano, xambá e ao xangô do nordeste do Brasil) o ourisha, de origem ioruba, os quais foram desenvolvidas independentemente do candomblé e são virtualmente desconhecidos no Brasil. Os negros escravizados no Brasil pertenciam a diversos grupos étnicos, incluindo os iorubas, os Ewés, os Fons e os Bantos. Como a religião se tornou semi-independente em regiões diferentes do país, entre grupos étnicos diferentes evoluíram diversas "divisões" ou "nações", que se distinguem entre si principalmente pelo conjunto de divindades veneradas, o atabaque (música) e a língua sagrada usada nos rituais. A lista seguinte é uma classificação pouco rigorosa das principais nações e subnações, de suas regiões de origem, e de suas línguas sagradas: 1. Nagô ou Ioruba. 2. Ketu ou Queto (Bahia) e quase todos os estados - Língua Ioruba (Ioruba ou Nagô em português). 3. Efon na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. 4. Ijexá principalmente na Bahia, mas cultuado também em outros estados como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. 5. Nagô Egbá ou Xangô do Nordeste no Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo. 6. Mina-nagô ou Tambor de Mina no Maranhão. 7. Xambá em Alagoas e Pernambuco (quase extinto). 15


8. Banta, Angola e Congo (Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul), mistura de línguas Bantas, Quicongo e Quimbundo. 9. Jeje Mina: de Língua Mina, de São Luís (Maranhão) 10. Babaçuê: Belém (Pará) 11. Candomblé de Caboclo, que vem a ser uma mistura de Umbanda com os princípios do candomblé (entidades nativas indígenas). Jeje (ou Gêge): a palavra "Jeje" vem do ioruba adjeje, que significa "estrangeiro, forasteiro". Nunca existiu nenhuma nação Jeje na África. O que é chamado de nação Jeje é o candomblé formado pelos povos Fons vindo da região de Daomé e pelos povos Mahis ou Mahins. "Jeje" era o nome dado de forma pejorativa pelos iorubas para as pessoas que habitavam o Leste, porque os Mahis eram uma tribo do lado Leste e Saluvá ou povos Savalu do lado Sul. O termo Saluvá ou Savalu, na verdade, vem de "Savé", que era o lugar onde se cultuava Nanã. Nanã, uma das origens das quais seria Bariba, uma antiga dinastia originária de um filho de Oduduá, que é o fundador de Savé (tendo neste caso a ver com os povos Fons). O Abomey ficava no Oeste, enquanto os Axântis eram a tribo do Norte. Todas essas tribos eram de povos jejes, (Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo) - Língua Ewe e Língua Fon (Jeje). O candomblé é uma religião monoteísta, embora alguns defendam a ideia que são cultuados vários deuses, o deus único para a Nação Ketu é Olorum, para a Nação Bantu é Nzambi e para a Nação Jeje é Mawu, são nações independentes na prática diária e em virtude do sincretismo existente no Brasil a maioria dos participantes consideram como sendo o mesmo Deus da Igreja Católica. Os orixás/inquices/voduns recebem homenagens regulares, com oferendas de animais, vegetais e minerais cânticos, danças e roupas especiais. Mesmo quando há na mitologia referência a uma divindade criadora, essa divindade tem muita importância no dia a dia dos membros do terreiro, mas não são cultuados em templo exclusivo, é louvado em todos os preceitos e muitas vezes é confundido com o Deus cristão. Os orixás da mitologia ioruba foram criados por um deus supremo, Olorum (Olorum) dos Yoruba; os Voduns da Mitologia Fon foram criados por Mawu, o deus supremo dos Fon; os Nkisis da mitologia Banta, foram criados por Zambi, Zambiapongo, deus supremo e criador. O candomblé cultua, entre todas as nações, umas cinquenta das centenas deidades ainda cultuadas na África. Mas, na maioria dos terreiros das grandes cidades, são doze as mais cultuadas. O que acontece é que algumas divindades têm "qualidades" que podem ser cultuadas como um diferente orixá/inquice/vodun em um ou outro terreiro. Então, a lista de divindades das diferentes nações é grande, e muitos orixás do Queto podem ser "identificados" com os voduns do Jeje e inquices dos bantos em suas características, mas na realidade não são os mesmos; seus cultos, rituais e toques são totalmente diferentes. Orixás têm individuais personalidades, habilidades e preferências rituais, e são conectados ao fenômeno natural específico (um conceito não muito diferente do Kami do japonês xintoísmo). Toda pessoa é escolhida no nascimento por um ou vários "patronos" Orixás, que um Babalorixá identificará. Alguns Orixás são "incorporados" por pessoas iniciadas durante o ritual do candomblé, outros Orixás não, apenas são cultuados em árvores pela coletividade. Alguns Orixás chamados Funfun (branco), que fizeram parte da criação do mundo, também são incorporados. 16


Acreditam na vida após a morte, e que os espíritos dos Babalorixás falecidos possam materializar-se em roupas específicas, são chamados de babá Egum ou Egungun e são cultuados em roças dirigidas só por homens no Culto aos Egungun, os espíritos das Ialorixás falecidas são cultuados coletivamente IyamiAjé nas sociedades secretas Gelede, ambos cultos são feitos em casas independentes das de candomblé que também se cultuam os eguns em casas separadas dos Orixás. Acreditam que algumas crianças nascem com a predestinação de morrer cedo são os chamados abikus (nascidos para morrer) que podem ser de dois tipos, os que morrem logo ao nascer ou ainda criança e os que morrem antes dos pais em datas comemorativas, como aniversário, casamento e outras. No tempo das senzalas, os negros, para poderem cultuar seus orixás, nkisis e voduns, usaram, como camuflagem, um altar com imagens de santos católicos e por baixo, os assentamentos escondidos. Segundo alguns pesquisadores, este sincretismo já havia começado na África, induzida pelos próprios missionários cristãos para facilitar a conversão. Depois da libertação dos escravos, começaram a surgir as primeiras casas de candomblé, e é fato que o candomblé de séculos tenha incorporado muitos elementos do cristianismo. Imagens e crucifixos eram exibidos nos templos, orixás eram frequentemente identificados com santos católicos, algumas casas de candomblé também incorporam entidades de caboclos, que eram consideradas pagãs como os orixás. Mesmo usando imagens e crucifixos, inspiravam perseguições por autoridades e pela Igreja Católica, que viam o candomblé como paganismo e bruxaria. Nos últimos anos, tem aumentado um movimento em algumas casas de candomblé que rejeitam o sincretismo aos elementos cristãos e procuram recriar um candomblé "mais puro" baseado exclusivamente nos elementos africanos. Os templos de candomblé são chamados de casas, roças ou terreiros. As casas podem ser de linhagem matriarcal, patriarcal ou mista: Casas pequenas, que são independentes, possuídas e administradas pelo Babalorixá ou Ialorixá dono da casa e pelo Orixá principal respectivamente. Em caso de falecimento do dono, a sucessão na maioria das vezes é feita por parentes consanguíneos, caso não tenha um sucessor interessado em continuar a casa é desativada. Não há nenhuma administração central. Casas grandes, que são organizadas tem uma hierarquia rígida, não é de propriedade do sacerdote, nem toda casa grande é tradicional, é uma Sociedade civil ou beneficente. No Brasil, existe uma divisão nos cultos: Ifá, Egungun, Orixá, Vodun e Nkisi são separados por tipo de iniciação ao sacerdócio. No culto de Ifá, participam tanto homens quanto mulheres, sendo um culto patriarcal conduzido pelos babalaôs. No culto aos Egungun, participam tanto homens quanto mulheres, sendo culto patriarcal que lida diretamente com a ancestralidade, conduzidos pelos Ojé. No candomblé queto, participam tanto homens quanto mulheres, sendo conduzido tanto por homens (Babalorixás) quanto por mulheres (Ialorixás), entram em transe com orixá. No candomblé Jeje, participam tanto homens quanto mulheres, sendo conduzido tanto por homens quanto por mulheres Voduns, entram em transe com vodun. No candomblé banto, participam tanto homens quanto mulheres, sendo conduzido

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tanto por homens quanto por mulheres iniciadas muzenzas: entram em transe com Nkisi. A lei federal 6 292, de 15 de dezembro de 1975, protege os terreiros de candomblé no Brasil contra qualquer tipo de alteração de sua formação material ou imaterial. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Instituto Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) são os responsáveis pelo tombamento das casas. A progressão na hierarquia é condicionada ao aprendizado e ao desempenho dos rituais longos da iniciação. Em caso de morte de uma Ialorixá, a sucessora é escolhida, geralmente entre suas filhas, na maioria das vezes por meio de um jogo divinatório Opele-Ifa ou jogo de búzios. Entretanto, a sucessão pode ser disputada ou pode não encontrar um sucessor, e conduz frequentemente ao rachar ou ao fechamento da casa. Há somente três ou quatro casas no Brasil que viram seu 100° aniversário. O kimbundu, quimbundo, dongo, kindongo, loanda, mbundu, loande, luanda, lunda, mbundu, n'bundo, nbundu, ndongo ou mbundu do Norte é uma língua africana falada no noroeste de Angola, incluindo a Província de Luanda. É uma das línguas bantas mais faladas em Angola, onde é uma das línguas nacionais. O português tem muitos empréstimos lexicais desta língua obtidos durante a colonização portuguesa do território angolano e através dos escravos angolanos levados para o Brasil. É falada por cerca de 3 000 000 de pessoas em Angola como primeira ou segunda língua, considerando, também, 41 000 falantes do dialeto ngola. Sendo o Ioruba no seu dialeto N’gola, o mais usual dentro dos candomblés brasileiros. É uma língua relacionada às línguas songo, sama, bolo, bali e ao dialeto mbamba. Como exemplos de algumas contribuições lexicais ao Português Angolano podemos citar: Banzo (de ku banza, "pensar, raciocinar"), calema (de kalemba), calundu (de kilundu), camba (de dikamba, "amigo"), cambuta (de kambuta, "baixo, baixinho"), candongueiro (de kandonga, "negócio ilegal"), cassule (de ki suluka, "ficar livre"), cassuneira (de ku suna, "ter carranca"), "bunda" (de mbunda), "maconha" (ma'kaña). Também temos algumas das contribuições lexicais ao Português Brasileiro: Moleque (de mu'leke, "menino"), cafuné (de kifunate, "entorse, torcedura"), quilombo (de kilombo, "capital, povoação, união"), quibebe (de kibebe), quenga (de kienga, "tacho"), bunda (de mbunda), cochilar (de kukoxila), marimbondo (de ma [prefixo de plural] + rimbondo, "vespa"), camundongo (de kamundong), tungar (de tungu, "madeira, pancada"), muamba (de mu'hamba, "carga"), mucama (de mu'kaba, "amásia escrava"), banza (de mbanza), banzar (de kubanza), cachimbo e cacimba (ambos, de kixima), fubá (de fu'ba), caçula (de kusula e de kasule), cacumbu (de ka, pequeno + kimbu, machado), cacunda (de kakunda), bundo (de mbundu, negros), matumbo (de ma'tumbu, "montículos"), tutu (comida) (de ki'tutu), tutu (bicho-papão) (de kitu'tu), samba (de semba, "umbigada"), jiló (de njilu), jibungo (de jibungw), jimbo (de njimbu), jimbongo (de jimbongo), jongo (de jihungu), quitute (de kitutu, "indigestão"), maxixe (de maxi'xi), xingar (de kuxinga, "injuriar, descompor"), quitungo (de kitungu), quitanda (de kitanda, "feira, venda")etc. Já a língua Quicongo, (em quicongo, kikongo) é uma língua africana falada pelo povo bacongo nas províncias de Cabinda, do Uíge e do Zaire, no norte de Angola, na região do baixo Congo; na 18


República Democrática do Congo; e nas regiões limítrofes da República do Congo. A língua quicongo tem o estatuto de língua nacional em Angola, conta com diversos dialetos e era a língua falada no antigo Reino do Congo.

Candomblé Banto-1940 (Foto: Arquivo Pierre Verger)

No Candomblé Bantu, O deus supremo e criador é Nzambi ou Nzambi Mpungu; abaixo dele, estão os Jinkisi/Minkisi, divindades da mitologia banta. Essas divindades se assemelham a Olorum e aos demais orixás da mitologia iorubá. Minkisi é um termo quicongo: é o plural de Nkisi, "receptáculo". Akixi provém do quimbundo Mukixi. A palavra Bantu significa "povo": é o plural de muntu, da raiz _ntu, que significa "pessoa". A palavra "banto" foi utilizada pelos europeus colonizadores para identificar os povos do sul da África que falavam línguas bantas. No candomblé de angola, os sacramentos são:  

    

1 - Massangá: ritual de batismo de água doce (menha) na cabeça (mutue) do iniciado (ndumbi), usando-se, ainda, o kesu (obi). 2 - Nkudiá Mutuè (bori) - ritual de colocação de forças (Kalla ou Ngunzu (Angola) = Asé (Axé) = Muki (Congo)), através do sangue (menga) de pequenos animais. 3 - Nguecè Benguè Kamutué: ritual de raspagem, vulgarmente chamado de feitura de santo. 4 - Nguecè Kamuxi Muvu: ritual de obrigação de 1 ano. 5 - Nguecè Katàtu Muvu: ritual de obrigação de 3 anos (Nguece = obrigação): nessa obrigação, faz-se o ritual de mudança de grau de santo. 6 - Nguecè Katuno Muvu: ritual de obrigação de 5 anos, com preparação quase idêntica à de um ano, só que acompanhada de muitas frutas. 7 - Nguecè Kassambá Muvu: ritual de obrigação de 7 anos, quando o iniciado receberá seu cargo, passado na vista do público, sendo elevado ao grau de Tata Nkisi (zelador) ou Mametu Nkisi (zeladora).

As obrigações são de praxe para os rodantes, porque Kota (Ekede ou Equede) e Kambondo (Ogã) já recebem seus cargos na feitura, portanto já nascem com suas ferramentas de trabalho: dão suas obrigações para aprimorar seus conhecimentos. No candomblé de angola, quem passa cargo são os enredos de Dandalunda. Isto é, não é preciso ser filho de Dandalunda, mas é ela quem autoriza aquela pessoa a receber o cargo. Após 7 anos de obrigações, se renovarão a cada ano com rito de kesu (obi) ou bori, conforme o caso, repetindose as obrigações maiores de 7 em 7 anos para renovar e conservar o indivíduo forte, transformando-o em Kukala Ni Nguzu ("um ser forte"). Kunha Kele: sacramento realizado 3 meses e 21 dias após a feitura (tirada de kele), quando o 19


santo soltará a Kuzuela = Ilá. Ordem de barco (sequência das pessoas recolhidas juntas para iniciação) no candomblé de angola segue esta linha: 1º - Rianga, 2º Kaiadi, 3º - Katatu, 4º - Kakuanam, 5º - Katanu, 6º - Kassamanu, 7º - Kassambà. E seguem a hierarquia que consiste na seguinte ordem: Na hierarquia do candomblé de angola, os cargos de maior importância e responsabilidade são: 

Tata Nkisi (homem).

Mametu Nkisi (mulher).

Tata kamukenge/Tata ndenge: Pai Pequeno.

Nengwa kamukenge/ Mametu ndenge: Mãe pequena.

Kambondu: todos os homens confirmados.

Makota: todas mulheres confirmadas.

Kota Maganza: rodantes com mais de sete anos de iniciação.

Maganza: todos os rodantes iniciados.

Muzenza: rodantes em seu período de iniciação.

Ndumbe: pessoas não iniciadas. Além desses, existem vários outros cargos específicos para cada função dentro de uma Nzo (casa).

Terceira Parte

A Nação Xambá – Origem e Seguidores

A NAÇÃO XAMBÁ

Esta nação é uma religião afro-brasileira, ativa em Olinda, Pernambuco. 20


Alguns autores, como Olga Caciatore e Reginaldo Prandi, afirmam que este culto está praticamente extinto no país. No início da década de 1920, a perseguição política de que eram vítimas as religiões afro-brasileiras no país, levou o Babalorixá Artur Rosendo Pereira, a fugir de Maceió, capital do estado de Alagoas, vindo a estabelecer-se por volta de 1923 na rua da Regeneração, no bairro de Água Fria, na cidade do Recife, em Pernambuco. Antes desse episódio, ainda vivendo em Maceió, Rosendo havia viajado até à costa da África, onde permaneceu por quatro anos com "Tio Antônio", que trabalhava no mercado de Dakar, no Senegal, vendendo panelas, conforme narra René Ribeiro. Rosendo iniciou muitos filhos de santo, tendo muitos deles aberto terreiro. Entre estes destacou-se Maria das Dores da Silva - "Maria Oyá" iniciada em 1928. A saída de Iyawo de Maria Oyá foi realizada sem o toque dos tambores e cantada em voz baixa ainda devido à perseguição, que, entretanto, persistia. Pouco depois da iniciação de Maria Oyá, Rosendo voltou para Maceió. Em 1930, Maria Oyá inaugurou o próprio terreiro, à rua da Mangueira, no bairro de Campo Grande no Recife. Com a conclusão de sua iniciação (13 de dezembro de 1932), recebeu no barracão as folhas, a faca e a espada das mãos de seu Babalorixá, que realizou ao meio dia o ritual de coroação de Oyá no trono. Em 1932 Maria Oyá tirou o seu primeiro barco de três iyawôs. No mesmo ano, iniciou o seu segundo barco de iyawôs, maior, e iniciando nomeadamente Donatila Paraíso do Nascimento ("Mãe Tila") que, em 1933, assumiu o cargo de Mãe Pequena do terreiro Santa Bárbara. Donatila veio a falecer em 2003 aos 92 anos de idade, tendo passado seis décadas de sua vida no cargo. Uma outra filha ilustre foi Lídia Alves da Silva ("Talabi"). A sucessão de iniciações aumentou desde então. Em junho de 1935 Maria Oyá iniciou nos ritos a sua sucessora, Severina Paraíso da Silva, "Mãe Biu". Com o advento do Estado Novo no país, diante da violência policial cada vez mais maior, em 1938 Maria Oyá foi obrigada a encerrar o seu terreiro, vindo a falecer no ano seguinte (1939). Esse momento de perseguições manterá os terreiros de outras nações de candomblé cultuadas em Pernambuco, e seus fieis tolhidos, até 1950. Mãe Biu de Oyá Megué reabriu o terreiro de Xambá em 1950, agora na estrada do Cumbe nº 1012, no bairro de Santa Clara, no Recife, tendo como Babalorixá o Sr. Manoel Mariano da Silva, como Ialorixá D. Eudóxia, como padrinho o Sr. Luiz da Guia e como madrinha D. Severina. Dez meses após, a 7 de abril de 1951 a instituição mudou-se para o atual endereço, na antiga rua Albino Neves de Andrade, atual rua Severina Paraíso da Silva nº 65 (em homenagem a Mãe Biu), na localidade do Portão do Gelo, bairro de São Benedito, em Olinda. Com o falecimento de Mãe Biu (1993), que durante 54 anos dirigiu o terreiro Xambá, auxiliada por Mãe Tila, esta assumiu o cargo de Yalorixá que exerceu por 10 anos, tendo como Babalorixá o seu sobrinho carnal Adeildo Paraíso, filho carnal de Mãe Biu. Conhecido popularmente como Ivo do Xambá, ele convocou os seus filhos de santo, os professores António Albino, Hildo Leal e João Monteiro, para elaborarem um projeto para transformar o Terreiro Portão do Gelo, no Memorial do Xambá, onde se encontram reunidos e preservados documentos fotográficos e objetos ligados à vida e à atuação daquela líder religiosa, bem como da memória do "Terreiro Santa Bárbara Nação Xambá". Em 2004, com o falecimento de Mãe Tila, assumiu a Iyalorixá Maria de Lourdes da Silva de Iemanjá, iniciada por Mãe Biu em 18 de maio de 1958. Em paralelo ao trabalho de preservação do Memorial do Xambá, destaca-se a atuação 21


do Grupo Bongar, formado por seis percussionistas e cantores da Nação Xambá, que realiza um trabalho de resgate e divulgação da cultura e religião Xambá e de sua dança tradicional o Côco. Apesar de os Orixás serem praticamente os mesmos do Candomblé, existe diferença na sua forma de culto. Os orixás cultuados na tradição Xambá são: Exú – É um orixá ou um ebora de múltiplos e contraditórios aspectos, ficando difícil compreende-lo coerentemente. É astucioso, e às vezes malévolo, mas possui qualidades boas, é jovial e dinâmico. É um orixá protetor, Èsùstósìsn (Exu merece ser adorado). Exu é o guardião dos templos, casas e pessoas e os caminhos, porteiras e encruzilhadas. Serve de intermediário entre os homens e os demais orixás. Na Nação Xambá no mês de agosto não se dá obrigações a outro orixá a não ser Exu, não se faz Yaô de Exu na Nação Xambá. Celebogum é uma qualidade de Exu cultuado na Nação Xambá. Dia da semana é segunda-feira, sua guia é preta e branca, sua cor vermelha. Saudação: Exu bê ou Bará ô Exu. Ferramenta: amuleto (bastão de madeira). Exu é o orixá da comunicação, erroneamente é comparado ao demônio. Comemorado no mês de agosto. Exu é sempre o primeiro a ser homenageado. Ogum – É o primeiro orixá a ser saudado depois que Exu é despachado. Ogum está ligado a natureza através dos metais, principalmente o ferro, por isso é conhecido como o protetor dos metais, da tecnologia e daqueles que dela utilizam-se. Nas cerimônias religiosas, em dias de toques é sempre Ogum quem sai na frente “abrindo a roda” para os outros orixás dançarem. As pessoas que são filhos desse orixá são enérgicas em seus objetivos e não desencorajam facilmente. O mês dedicado a Ogum é abril quando se oferece rosas vermelhas e cerveja no mar para Ogum Beira Mar. O dia da semana é quarta-feira. Guia corrente de metal, cor da roupa vermelha. Saudação Ogunhê. Ferramenta: lança de ferro. Odé – Orixá ligado às matas, a caça, a fartura e a inteligência. Conhecido também em outras nações das religiões afrodescendentes como Oxóssi, sua importância deve-se a diversos fatores, na África tinha diversas qualidades, material, médica, administrativa, social e policial. As pessoas que tem esse orixá são espertas, ágeis, exercem com maestria cargos de liderança, são pessoas cheias de iniciativas e sempre em vias de novas descobertas. O mês dedicado a Odé é também abril, seu dia da semana é quarta-feira. Guia corrente de metal, as cores das roupas são vermelhas ou verdes. Saudação: Odé Ô e Okê Arô. Ferramenta: dématá (arco e flecha de ferro). Bêji – Orixás trigêmeos crianças. No sincretismo religioso é representado por Cosme, Damião e Doú. No toque de Bêji é servido um almoço a todas as crianças e adultos filhos da casa e convidados presentes. Há também distribuição de doces. Setembro é o mês de Bêji, dia da semana é quarta-feira. Guia e as roupas são verde, vermelho e branco. Nanã – É o mais velho dos orixás femininos, ligado a natureza através do barro e da lama e dos manguezais, é também considerado o orixá da sabedoria por ser 22


o mais velho. Os filhos de Nanã tendem a comportarem-se com a indulgência dos avós, agem com segurança e majestade, suas reações são bem-equilibradas e a pertinência de suas decisões mantêm-nos sempre com sabedoria. Nanã não sai embaixo de Alá, só faz oborí. Dedica-se o mês de julho a esse orixá. Dia da semana é quarta-feira. Guia é verde ou roxo. Cor da roupa é roxa. Saudação: Atoto salubá. Obaluaiê – Orixá da varíola e da doença e também da cura, é o dono dos ebós. Conhecido também como Omolu, forma mais velha desse orixá. Os filhos desse orixá são capazes de consagrar o bem-estar dos outros, fazendo completa abstração de seus próprios interesses e necessidades vitais. Na Nação Xambá, Obaluaiê não sai debaixo de Alá. Mês é janeiro. Dia da semana é quarta-feira. Guia vermelha e preta. Cor da roupa: verde. Saudação: Atotô. Ferramenta: seta de madeira. Ewá – Orixá feminino associado a beleza. Na Nação Xambá o assentamento de Ewá é uma panela de barro. Dia da semana quarta-feira. Guia nas cores amarela, rosa e roxo. Xangô – Orixá da justiça, dos raios, das pedras e do trovão. Em lenda africana é o rei de Kòso (terra), historicamente foi o terceiro Aláàfin Òyó - Rei de Oyó (cidade dos yorubas). Possuía três esposas: Oyá, Oxum e Obá. É um orixá viril e atrevido, violento e justiceiro, castiga os mentirosos, os ladrões e os malfeitores. O filho desse orixá tem como característica serem voluntariosos e enérgico, altivos e conscientes de sua importância real. A primeira grande obrigação do ano é o Amalá de Xangô. Balaneim e Aguanguá são qualidades de Xangôs cultuados na Casa de Xambá. Mês desse orixá é junho. Dia da semana é domingo. Cor vermelho e branco. Guia e roupa vermelha e branca. Saudação Kaô Kabecilé. Ferramenta: adamaxê (machado duplo). Oyá – Orixá feminino dos ventos, das tempestades e do rio Níger que em ioruba significa Odò Oyá. Foi a primeira mulher de Xangô e tinha um temperamento ardente e impetuoso e é o único orixá capaz de enfrentar e dominar os eguns (espíritos dos mortos) devido a seu caráter guerreiro. No dia 13 de dezembro, ao meio-dia acontece a louvação a Oyá, toque em reverência a esse orixá, momento no qual todos os yaôs da casa vestem-se com a roupa de seu orixá. Quando Mãe Biu era viva, sentava-se no trono de Oyá. Os filhos desse orixá são audaciosos, poderosos e autoritários. Mês dedicado a Oyá é dezembro. Dia é quinta-feira. Cor da roupa rosa, guia vermelha. Saudação: Epahey Oyá e Epahey Yansã. Ferramenta: espada. Obá – Orixá feminino muito enérgico e fisicamente mais forte que muitos orixás masculinos. Segundo uma das lendas africanas teria desafiado, em sequência, vários orixás entre eles Oxalá, Xangô e Orunmilá. Tornou-se a terceira mulher de Xangô, travou grandes rivalidades com Oxum (segunda mulher deste orixá). Mulheres filhas desse orixá possuem atitudes militantes e agressivas, consequências de experiências infelizes ou amargas por elas vividas. O assentamento é uma tigela de louça. Dia da semana quinta-feira. Cor da roupa rosa. Guia vermelha. Saudação Obá Ciô. Afrekete – Vodun da mitologia Fon mais conhecida como Avlekete. Vodun de origem daomeana que fora incorporado como orixá pelos yorubanos. Até o 23


presente momento, Afrekête vem sendo cultuado em Pernambuco apenas na Nação Xambá, tido como Orixá feminino. Suas cores são variadas e sua guia é colorida. O mês dedicado a esse orixá é dezembro e o dia da semana é quintafeira. Assentamento: tigela de louça. Oxum – Orixá feminino do rio de mesmo nome que corre na Nigéria, em Ijexá e Ijebu. Foi a segunda mulher de Xangô e viveu antes com Ogum, Orunmilá e Odé. Ligada ao elemento da natureza ouro e também as águas dos rios e das cachoeiras. As mulheres que desejam ter filhos dirigem-se a esse orixá, por isso é também controlador da fecundidade, popularmente associado a beleza e a vaidade. Na Nação Xambá, oferece-se flores no rio no mês de fevereiro. Mês dedicado a Oxum é fevereiro. Cor da roupa e guia é o amarelo. Dia da semana é terça-feira. Saudação: Ora Yê Yé Ô. Ferramenta: abebé (espelho). Yemanjá – Seu nome Yèyé Omo Ejá significa mãe cujos filhos são peixes. É um orixá feminino das águas dos mares, oceanos ou do encontro do rios e mares. Mãe da maioria dos orixás, representada como uma matrona de seios volumosos, símbolo de maternidade fecunda e nutritiva. É a dona dos oris (cabeças). No mês de dezembro oferecem flores brancas no mar, não se oferece panela para Yemanjá. As pessoas filhas desse orixá são voluntariosas, fortes, rigorosas e altivas. Mês dedicado a Yemanjá é maio. Dia da semana é o sábado. Cor da roupa azul claro com branco. Guia de Miçangas transparentes. Saudação: Odô Miô. Ferramenta: abebé (lua e estrela). Orixalá - Orixá mais velho, considerado pai da maioria dos orixás, representa a paz. No mês de julho, todas as sextas-feiras há o arroz de Orixalá (Ossé), ocasião onde se canta muito para esse orixá. Durante todo o mês de outubro não há na casa obrigação de sangue, apenas inhame e bagre encerrando com toque ao final do mês. Mês de Orixalá é julho. Dia da semana é a sexta-feira. Cor da roupa e da guia: branco. Ferramenta: Opaxorô (cajado). CURIOSIDADE: O Governo do Estado de Pernambuco e o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano adotaram o nome Xambá para o Terminal Integrado de Ônibus que foi construído próximo ao Terreiro na cidade de Olinda em 2013.

Quarta Parte

Tambor de Minas ou Casa de Minas

TAMBOR DE MINAS Tambor de Mina é a denominação mais difundida das religiões Afro-brasileiras no Maranhão, Piauí, Pará e na Amazônia. A palavra tambor deriva da importância do instrumento nos rituais de culto. Mina deriva de negro-mina, de São Jorge da Mina, denominação dada aos escravos procedentes da “costa situada a leste do Castelo de São Jorge da Mina” (Verger, 1987: 12), no atual República do Gana, trazidos da região das hoje Repúblicas do Togo, Benin e da Nigéria, que eram conhecidos principalmente como negros mina-jejes e mina-nagôs. O Maranhão foi importante núcleo atração de mão de obra africana, sobretudo durante o último século do tráfico de escravos para o Brasil (1750-1850), e que se 24


concentrou na Capital, no Vale do Itapecuru e na Baixada Maranhense, regiões onde havia grandes plantações de algodão e cana-de-açúcar, que contribuíram para tornar São Luís e Alcântara cidades famosas entre outros aspectos, pela grandiosidade dos sobradões coloniais, construídos com mão de obra escrava e pela harmonia, beleza e coreografia das músicas de origem africana. Como as demais religiões de origem africana no Brasil (Candomblé, Umbanda, Xangô, Xambá, Batuque, Toré, Jarê e outras), o tambor de mina se caracteriza por ser religião iniciática e de transe ou possessão. No tambor de mina mais tradicional a iniciação é demorada, não havendo cerimônias públicas de saída, sendo realizada com grande discrição no recinto dos terreiros e poucas pessoas recebem os graus mais elevados ou a iniciação completa. A discrição no transe e no comportamento em geral é uma característica marcante do tambor de mina, considerado por muitos como uma maçonaria de negros, pois apresenta características de sociedades secretas. Nos recintos mais sagrados do culto (peji em nagô, ou côme em Jeje), penetram apenas os iniciados mais graduados. O transe no tambor de mina é muito discreto e às vezes percebíveis apenas por pequenos detalhes da vestimenta. Em muitas casas, no início do transe, a entidade dá muitas voltas ao redor de si mesmo, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, talvez para firmar o transe, numa dança de bonito efeito visual. Normalmente a pessoa quando entra em transe recebe um símbolo, como uma toalha branca amarrada na cintura ou um lenço, denominado pana, enrolado na mão ou no braço. Na Mina, cerca de noventa por cento dos participantes do culto são do sexo feminino e por isso, alguns falam num matriarcado nesta religião. Os homens desempenham principalmente a função de tocadores de tambores, isto é, abatas, daí a definição abatazeiros, também se encarregam de certas atividades do culto, como matança de animais de 4 patas e do transporte de certas obrigações para o local em que devem ser depositados. Algumas casas são dirigidas por homens e possuem maior presença de homens, que podem ser encontrados inclusive na roda de dançantes. Existem dois modelos principais de tambor de mina no Maranhão: mina Jeje e mina nagô. O primeiro parece ser o mais antigo e se estabeleceu em torno da Casa grande das Minas Jeje (Querebentan de Zomadônu), o terreiro mais antigo, que deve ter sido fundado em São Luís na década de 1840. O outro, que lhe é quase contemporâneo e que também se continua até hoje é o da Casa de Nagô, localizada no mesmo bairro (São Pantaleão) a uma quadra de distância. A Casa das Minas é única, não possui casas que lhe sejam filiadas, daí porque nenhuma outra siga completamente seu estilo. Nesta casa os cânticos são em língua Jeje (Ewê-Fon) e só se recebem divindades denominadas de voduns, mas apesar dela não ter casas filiadas, o modelo do culto do Tambor de Mina é grandemente influenciado pela Casa das Minas. Nos terreiros de Tambor de Mina é comum a realização de festas e folguedos da cultura popular maranhense que às vezes são solicitadas por entidades espirituais que gostam delas, como a do Festa do Divino Espírito Santo, o Bumbameu-boi, o Tambor de Crioula e outras. É comum também outros grupos que organizam tais atividades irem dançar nos terreiros de mina para homenagear 25


o dono da casa, as vodunsis e para pedir proteção às entidades espirituais para suas brincadeiras. Sérgio Ferretti: "No Tambor de mina do Maranhão pouco se fala em Oxum, Oiá e Obá, conhecidas nos terreiros influenciados pelo candomblé. Os orixás e voduns se agrupam em famílias ou panteões." Casa das Minas ou Querebentã de Toy Zomadonu - fundada em meados do século XIX (segundo Pierre Verger), por Nã Agotimé, da família real de Abomey, esposa do rei Agonglô, mãe do rei Guezô do Daomé, trazida como escrava para o Brasil, e aqui conhecida pelo nome de Maria Jesuína. A casa dedica-se ao culto jeje dos voduns, que estão organizados por clãs, a saber: Davice que é a principal, hospedando as demais: Dambirá (Damballah), Quevioçô (Heviossô), Aladanu e Savalunu. É considerada a mais antiga casa de tambor de mina no Maranhão, localizada à rua de São Pantaleão, no centro histórico de São Luís. Foi liderado por matriarcas de renome como nochê Andreza de Poliboji e nochê Amélia de Doçu que muito contribuíra para o reconhecimento de sua identidade daomeana. Com o falecimento das últimas vodunsis-hê, Tia Celeste de Averequete em 2010, o terreiro seguiu sob a liderança de nochê Denil de Toy Lepon. Ao que parece, apesar de sua grande representatividade cultural, o culto aos voduns na Casa das Minas desapareceu com o falecimento da última vodunsi, D. Denil, em 8 de fevereiro de 2015. Casa de Nagô (Nagon Abioton) - fundada por africanos de tradição yourubá, mais precisamente, de Abeokuta, deu origem a outros terreiros de São Luís, em que são recebidas entidades africanas jeje-nagôs ou (iorubás): Doçu, Averequete, Ewá, Acóssi, Sakpatá, Nanã, Xapanã, Ogum, Xangô, Badé, Iemanjá (Abê), Lissá, Naeté, Sogbô, Avó Missã dentre outros; gentis de origem europeia ou caboclas de origem nativa: Dom Luís Rei de França, Dom João, Dom Floriano, Dom Sebastião, Toy Zezinho de Amaramadã, Rei da Turquia, S. Ricardino, S. Caboclo Velho, Princesa D’Ôro, S. Guerreiro, D. Mariana, S. Légua Boji, S. João da Mata e muitos outros. Segundo relatos, foi fundada à época de D. Pedro II por malungos africanos "de Nação", ajudados pela fundadora da Casa das Minas. Localizada na Rua das Crioulas, no centro histórico de São Luís, a Casa de Nagô é considerada irmã da Casa das Minas, que juntamente com esta influenciou os demais terreiros de São Luís. O Terreiro de Belém, de Severa Soeiro, ou simplesmente Vó Severa, africana de nação Cambinda, que veio de São Bento para São Luís na companhia de seu senhor de escravos. Teve seu aprendizado na Casa de Nagô e foi a terceira africana a abrir casa no Maranhão. Faleceu em 14 de julho de 1937, após sua morte, o terreiro tentou se erguer, mas entrou em declínio e sobreviveu até o fim da década de 60; o Terreiro Fé em Deus, de Maximiana, consagrado ao vodun Pedro Agassu, a princípio foi sediado no bairro do João Paulo e depois no Angelim até seu desaparecimento. É sabido que Maximiana manteve fortes ligações com os terreiros de Codó, mas não se sabe ao certo onde foi iniciada. Apesar de já desaparecido, o terreiro foi documentado pela Missão de Pesquisas Folclóricas de Mário de Andrade em 1938, eternizando-o através dos registros audiovisuais; o Terreiro de São Benedito, fundado em 10 de agosto de 1896, por Maria Cristina, vodunsi da Casa de Nagô. Consagrado ao vodun Averequete é a terceira mais antiga casa de culto afro de São Luís que permanece em funcionamento até hoje. É chefiado por D. Mundica Estrela, está sediado desde sua fundação na localidade conhecida por 26


Sítio Justino na Vila Embratel; o de Nhá Maria Alice (Alice Cruz), vodunsi da Casa de Nagô. O terreiro já desaparecido era de nação felupe ou fulupa e funcionava no Sacavém; o de Rosa Guarda-Mor; o de Manoel Teu Santo. Manoel Zeferino dos Santos (Teu Santo) era um nigeriano escravizado e que fundou um terreiro que funcionava na Rua do Passeio, Centro de São Luís, até final do século XIX. Manoel Teu Santo é o primeiro sacerdote da historiografia do tambor de mina, uma religião predominantemente matriarcal. Seu nome aparece várias vezes no noticiário local entre 1896 e 1898, sendo referido de modo depreciativo como 'taumaturgo' e 'chefe supremo da pajelança'. O terreiro foi alvo de várias investidas da polícia, tendo seus pertences religiosos apreendidos e seu líder preso. O terreiro de Manoel, diferente de outras casas é referido, como sendo o primeiro a promover sessões de cura ou pajelança, mesclando o culto africano ao culto ameríndio. Manoel ficou afamado por promover sessões milagrosas e por isso, talvez, tenha sido perseguido já que as outras casas, temendo a perseguição policial, disfarçavam o culto sob o manto da devoção católica, sobretudo a Santa Bárbara e São Sebastião. O terreiro de Manoel Teu Santo deu origem ao Terreiro de Kota do Barão (de tradição Cambinda) e ao Terreiro da Turquia (Nifé Olorum), de nação Tapa (nupe), fundado a 23 de junho de 1889, por nochê Anastácia Lúcia dos Santos (Akisi Obenan); Terreiro de Manuel Colasso, que com o auxílio espiritual de mãe Anastácia, levou a mina para Belém (PA) e depois para o Rio de Janeiro. Dentre esses todos já extintos, destaca-se o de maior vulto em relação ao número de casas de culto que dele descendem ou são associadas: o Terreiro do Egito (Ilê Niamê), fundado a 12 de dezembro de 1864 pela sacerdotisa Massionokou Alapong (nochê Basília Sofia de toy Lissá) uma africana de Kumasi (Gana) a partir de um quilombo no bairro do Itaqui. O terreiro do Egito deu origem a grandes casas, como: a de Mãe Denira, no bairro do Sacavém, hoje continuada por Mãe Elzita; Casa Fanti Ashanti, sediada no bairro Cruzeiro do Anil. Foi fundada pelo voduno Euclides Menezes Ferreira em 1954. Também conhecida como Tenda São Jorge Jardim de Oeira da Nação Fanti Ashanti, sendo o primeiro terreiro de mina a dedicar espaço de culto também ao candomblé. Pai Euclides manteve fortes ligações com o Sítio de Pai Adão (nagô do Recife - de onde obteve o título de Talabyan) e com o voduno Avimanjenon, chefe do Templo de Avimanje, em Ouidá, no Benin. Pai Euclides de toy Lissá faleceu em 17 de agosto de 2015, deixando um enorme legado sobre as tradições africanas no Maranhão. A Casa Fanti Ashanti passa a ser chefiada por nochê Isabel Mesquita (Mãe Kabeca de Xangô); Terreiro de Mina Abê-Iemanjá (Ilê Axé Yemowô), sediado no bairro da Fé em Deus, foi fundado em 1958 pelo carismático voduno Jorge Itaci, falecido em 2003. Dom Jorge (Jorge Babalaô) possuía grande conhecimento sobre a Mina, deixando além de dvds e cds, um inestimável legado oral para seus filhos espirituais. Alguns deles fundaram casas em São Luís, Belém, Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo e têm dado continuidade à tradição do tambor de Mina. Após sua morte, o terreiro foi chefiado por nochê Florência de Agongono (Tia Flôr) que faleceu em 13 de abril de 2015 e agora segue sob o comando da nochê Eglantine de Boçucó (Mãe Dedé); Merece destaque o Otá Olé (Terreiro de Mina Pedra de Encantaria Rei Badé, do voduno José Itaparandi).

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No Maranhão, especificamente, em São Luís, há uma diversidade de terreiros, até hoje não catalogados. Além disso muitas casas funcionam precariamente principalmente por dificuldades financeiras. Acredita-se que existem mais de 200 terreiros espalhados na capital definindose como Mina, Umbanda ou Mata (Encantaria de Barba Soeira). Existem terreiros de mina chefiados por pais e mães de santo, feitos no Maranhão, ou de origem maranhense, no Piauí, Pará, Amazonas, na Região Sudeste, como a Casa das Minas Tóia Jarina, fundada por Tói Voduno Francelino de Shapanan, em Diadema - São Paulo. ALGUMAS OBSERVAÇÕES INTERESSANTES: Na Mina há festas especiais para voduns, gentis e caboclos, sendo que de acordo com o desenvolver do culto mudam-se os toques e os cânticos também, dependendo da família ou linha de entidades que se queira homenagear. Os voduns são as entidades superiores no culto e tudo começa e termina com eles, entretanto, convivem e podem ser celebrados juntamente com gentis ou caboclos (encantados), porém as festas em homenagens aos encantados geralmente ocorrem em separado. A riqueza do culto e sua peculiaridade pode ser observada na liturgia, nos instrumentos, nos trajes, no comportamento das entidades e nos cânticos em língua jeje ou nagô, isto é, num jeje (Fon) intraduzível, deturpado naturalmente no decorrer de séculos. Além dos cânticos tradicionais entoados aos voduns, cantam-se várias 'doutrinas' em português e ladainhas em latim, isto se deve ao fato de que o tambor-de-mina, com exceção da Casa das Minas, ser um misto de elementos nagôs (yorubas), jeje (Ewe Fon), Fanti Ashanti, Ketu, Agrono ou Cambinda (angola-congo), indígenas e europeus (catolicismo romano). Por essa riqueza cultural e pelo próprio sincretismo presente no culto, estes elementos convivem de forma harmônica, sendo quase impossível separar do Tambor-de-Mina, o catolicismo popular, o folclore local e a Encantaria, já que, nesta acepção em especial, a maioria das casas de culto dedica-se também à Cura ou Pajelança. Entretanto, o que de fato vem descaracterizando o Tambor de Mina, é a influência direta ou indireta de denominações não originárias do Maranhão, como a Umbanda e o Candomblé exercida sobre muitos líderes de terreiros maranhenses, notória nos usos de alguns vocábulos, práticas, rituais e paramentos próprios do candomblé ou da umbanda, porém totalmente alheios à Mina e que leva a que o culto seja, de maneira errônea e apressada, considerado como uma nação do Candomblé ou uma variedade da Umbanda.

Quinta Parte

Nação Efon, Xangô do Nordeste e o Ijêxá

EFON Efan ou Efon - é uma nação do candomblé, seus orixás também são cultuados em outras nações. Na África a nação ainda existe, mais exatamente em Ekiti-Efon (não confundir com Ifon, a terra de Oxalufon), no Brasil usa-se o termo "Lokiti Efon" e onde reina absoluta a rainha da nação no Brasil, ou seja, Osun, lá ainda se cultua muitos orixás que se perderam no caminho para o Brasil. Devido a influência Ketu, a nação de Efon, perdeu um pouco de sua raiz.

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XANGÔ DO NORDESTE Xangô do Nordeste também conhecido como Xangô do Recife, Xangô de Pernambuco ou Nagô Egbá. Em todo o Nordeste da Paraíba à Bahia, a influência dos yorubas prevalece a do Daomé. Esta é a zona mais conhecida quanto às religiões tradicionais africanas, a que deu lugar a maior número de pesquisas e de trabalhos sobre os nagôs. As duas palavras para designá-las são, a de Xangô na Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, e de Candomblé da Bahia para o sul, esta dualidade de nomes, que não são nomes dados pelos negros, mas sim pelos brancos em virtude da popularidade e importância de Xangô nessa região, e Candomblé por designar toda dança dos negros, tanto profanas como religiosas. Mundicarmo Ferretti em "Pureza nagô e nações africanas no Tambor de Mina do Maranhão" escreve: "Os terreiros de religião de origem africana mais identificados com a África geralmente constroem sua identidade tomando como referência o conceito de “nação”, que os vincula ao continente africano, à África negra, através de uma casa de culto aberta no Brasil por africanos antes da abolição da escravidão (“de raiz africana”). No campo religioso afro-brasileiro, os terreiros Nagô mais antigos e tradicionais da Bahia foram considerados, tanto por pais-de-santo como por pesquisadores da área acadêmica, como mais puros ou autênticos e sua “nação” como mais preservada e/ou organizada. A partir do que foi convencionado na Bahia como “nagô puro”, têm sido avaliados terreiros nagô de outros estados das mais diversas denominações: Candomblé, Xangô, Mina, Batuque e outras. Analisando a questão da “pureza nagô”, Beatriz Góis Dantas (Dantas, 1988), apoiada em pesquisa realizada em Sergipe, mostra que, apesar da hegemonia do Candomblé nagô da Bahia na religião afro-brasileira, os indicadores de autenticidade africana ou “pureza nagô” adotados na Bahia nem sempre são os mesmos de outros estados e que traços muito valorizados no Candomblé da Bahia podem ser desvalorizados ou até rejeitados em terreiros de outras localidades." Fernandes, Gonçalves - autor do livro Xangôs no Nordeste, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1937, também é autor do livro O Sincretismo Religioso no Brasil, São Paulo, Guairá, 1941, que fala sobre a noite de 1 de fevereiro de 1912 nas ruas da cidade de Maceió onde houve cenas de muita violência, com a invasão e destruição dos mais importantes terreiros de Xangô de Alagoas. O Sítio de Pai Adão foi tombamento pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE, e todo o conhecimento foi transmitido sucessivamente a Obalonein, Fatemi e Oluandê, para que finalmente fossem passados em Belford Roxo-RJ para Osunaloji (Pai Milton), que zela pela conservação e manutenção dessa tradição recebida, no Ilê Axé Agawere Xapanã. Em seu ilê (casa), cujo orixá patrono é Iemanjá, as novas gerações de filhos de santo recebem dele todo esse rico arsenal de cultura afro-brasileira, com fundamento na nação Nagô-Egbá. Liderado hoje por Manuel Papai e Maria das Dores (já falecida), juntamente Pai Raminho de Oxóssi que incentiva os desfiles de Maracatu no Carnaval do Recife. Fatemi que antes do seu falecimento, procurou de todas as formas um sucessor (a), logrando êxito apenas em uma de suas Omorisa de nome Oluandê. Sem esquecer de Yá Ciça de Yemanjá, já falecida, de Yá Talamuzango, também falecida. Essas pessoas, foram as responsáveis diretas pela manutenção dos ritos Nagô Egbá no Rio de Janeiro. No Maranhão, a Casa Fanti Ashanti, em São Luís, nação Jeje-Nagô, Babalorixá Euclides Menezes Ferreira (Talabyan), (de Oxaguian 29


c/Oxum) e Mãe Isabel de Xangô com Oxum. A raiz é do Sitio de Pai Adão, Nagô do Recife. Em São Paulo, a Iyalorixá Maria das Dores Talabideiyn deixou a seu filho Pai José Alabiy (José Gomes Barbosa), Babalorixá do Ilê Axé Ajagunã Obá Olá Fadaká, a tradição Egbá, passada à sua filha Oya Dolu (Lorena de Santiago) Iyalorixá do Ilê Axé Oya Tundê, juntamente com Baba Alajemi (Nilso Jorge Júnior), onde também se preservam os mais antigos fundamentos do Nago-Egba. Entre outros, destaca-se a Ialorixá Valdecir de Obaluaye que, sendo filha-desanto de Osunalogi, traz consigo a tradição e cultura dessa grande raiz. Também no município de Guarulhos-SP, existe o Abassá de Xangô Agodo e Obafunle dirigido pelo Babalorixá Alexandre de Odé e a Ialorixá Dida de Xangô (Mãe carnal de Pai Alexandre), que receberam o Axé e os ensinamentos de Manuel Papai, Tia Mãezinha (in memoria) e Mãe Janda (in memoria), dos quais preservam e cultuam os fundamentos Nagô-Egbá. Além de divulgarem a raiz, eles também participam de atos e ações sociais, religiosos, políticos e são os responsáveis espirituais pelo bloco Afro Ilú Oba De Min, formado por mulheres percussionistas que fazem um trabalho de educação, cultura e arte negra.

NOTA: O termo nagô é mais usado na região do Nordeste onde se localizam os Xangôs e não muito usado para se referir aos candomblés da Bahia. Luís Felipe Rios, "Como o candomblé e o xangô são referidos como de modelo nagô, em termos das matrizes míticas africanas (as nações), no Recife – talvez para que não reste dúvidas das diferenças entre o nagô baiano e o nagô pernambucano – o termo nagô é utilizado apenas para o xangô e para o modelo baiano a denominação utilizada é o candomblé-de-nação". IJEXÁ Ijexá é uma nação africana formada pelos escravos vindos de ilesa na Nigéria, concentrada nas religiões Batuque e Candomblé. Tendo sua base em OrunmilaIfa, e seus métodos divinatórios dos Odús. O Ijexá resiste atualmente como ritmo musical presente nos Afoxés. O Ijexá, dentro do Candomblé é essencialmente um ritmo que se toca para Orixás, Oxum, Osain, Ogum, Logum-Edé, Exu, Oba, Oyá-Yansã, Oxalá, Xangó, Oxumarê, Ewá, Nanã, Iemanjá, Odé (Oxóssi), Ossayn, Omulu. Ritmo suave, mas de batida e cadência marcadas de grande beleza, no som e na dança. O Ijexá é tocado exclusivamente com as mãos, os aguidavis ou baquetas são usados nesse toque, sempre acompanhado do Gã (agogô) para marcar o compasso. O Afoxé Filhos de Gandhi da Bahia, é talvez o mais tenaz dos grupos culturais brasileiros na preservação desse ritmo. Na música popular o ritmo se manifesta em gravações como ¨Beleza Pura¨ de Caetano Veloso, ¨Palco¨ (versão do Acústico Upgrade) de Gilberto Gil, ¨É d´Oxum¨ de Gerônimo e Vevé Calazans, gravada por Gal Costa e por vários outros intérpretes da música brasileira. Presente também em uma música do DVD Jorge Vercilo ao vivo, no qual ele cita o ritmo. Pode se encontrar traços do ritmo em outras canções populares brasileiras, como "O que foi feito de vera, O que foi feito deverá" de Milton Nascimento. Também pode ser encontrado na música "Ijexá”, na voz de Clara Nunes. 30


Sexta Parte

A Nação Ketu – A Raiz da Cultura Negra

KETU Candomblé Ketu (pronuncia-se quêtu) é a maior e a mais popular "nação" do Candomblé, uma das Religiões afro-brasileiras. No início do século XIX, as etnias africanas eram separadas por confrarias da Igreja Católica na região de Salvador, Bahia. Dentre os escravos pertencentes ao grupo dos Nagôs estavam os Yoruba (Iorubá). Suas crenças e rituais são parecidos com os de outras nações do Candomblé em termos gerais, mas diferentes em quase todos os detalhes. Teve início em Salvador, Bahia, de acordo com as lendas contadas pelos mais velhos, algumas princesas vindas de Oyó e Ketu na condição de escravas, fundaram um terreiro num engenho de cana. Posteriormente, passaram a reunir-se num local denominado Barroquinha, onde fundaram uma comunidade de Jeje-Nagô pretextando a construção e manutenção da primitiva Capela da Confraria de Nossa Senhora da Barroquinha, atual Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha que, segundo historiadores, efetivamente conta com cerca de três séculos de existência. No Brasil Colônia e depois, já com o país independente, mas ainda escravocrata, proliferaram irmandades. "Para cada categoria ocupacional, raça, nação - sim, porque os escravos africanos e seus descendentes procediam de diferentes locais com diferentes culturas - havia uma. Dos ricos, dos pobres, dos músicos, dos pretos, dos brancos, etc. Quase nenhuma de mulheres, e elas, nas irmandades dos homens, entraram sempre como dependentes para assegurarem benefícios corporativos advindos com a morte do esposo. Para que uma irmandade funcionasse, diz o historiador João José Reis, precisava encontrar uma igreja que a acolhesse e ter aprovados os seus estatutos por uma autoridade eclesiástica". Muitas conseguiram construir a sua própria Igreja como a Igreja do Rosário da Barroquinha, com a qual a Irmandade da Boa Morte manteve estreito contato. O que ficou conhecido como devoção do povo de candomblé. O historiador cachoeirano Luiz Cláudio Dias Nascimento (natural de Cachoeira-BA), afirma que os atos litúrgicos originais da Irmandade de cor da Boa Morte eram realizados na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, templo tradicionalmente frequentado pelas elites locais. Posteriormente as irmãs transferiram-se para a Igreja de Santa Bárbara, da Santa Casa da Misericórdia, onde existem imagens de Nossa Senhora da Glória e da Nossa Senhora da Boa Morte. Desta, mudaram-se para a bela Igreja do Amparo desgraçadamente demolida em 1946 e onde hoje encontram-se moradias de classe média de gosto duvidoso. Daí saíram para a Igreja Matriz, sede da freguesia, indo depois para a Igreja da Ajuda. O fato é que não se sabe ao certo precisar a data exata da origem da Irmandade da Boa Morte. Odorico Tavares arrisca uma opinião: a devoção teria começado mesmo em 1820, na Igreja da Barroquinha, tendo sido os Jejes, deslocando-se até Cachoeira, os responsáveis pela sua organização. Outros ressaltam a mesma época, divergindo quanto à nação das pioneiras, que seriam alforriadas Ketu. Parece que o “corpus” da irmandade continha variada procedência étnica já que se fala em mais de uma centena de adeptas nos seus primeiros anos de vida. Essas confrarias eram os locais onde se reuniam as sacerdotisas africanas já libertas (alforriadas) de várias nações, que foram se separando conforme foram abrindo os terreiros. Na comunidade existente atrás da capela da confraria foi construído o Candomblé da Barroquinha pelas sacerdotisas de Ketu que depois se transferiram para o Engenho Velho, ao passo que algumas sacerdotisas de Jeje deslocaram-se para o Recôncavo Baiano para Cachoeira e São Félix para onde transferiram a Irmandade da Boa Morte e fundaram vários terreiros de 31


candomblé jeje sendo o primeiro Kwé Cejá Hundé ou Roça do Ventura. O Candomblé Ketu ficou concentrado em Salvador. Depois da transferência do Candomblé da Barroquinha para o Engenho Velho passou a se chamar Ilê Axé Iyá Nassô mais conhecido como Casa Branca do Engenho Velho sendo a primeira casa da nação Ketu no Brasil de onde saíram as Iyalorixás que fundaram o Ilê Axé Opô Afonjá e o Ilê Iyá Omim Axé Iyamassé, o Terreiro do Gantois. Suas Origens "Um dos mitos da criação do mundo (Cf. em Barretti Fª, (1984/2003) 2012 - "IlêIfé a Origem do Mundo.") Diz que Odùduwà, é o seu criador, fundador e o primeiro Ọba Òóni Ifè de Ilé-Ifè – o progenitor de todo o povo yorùbá (Cf. em Barretti Fª, (2003) 2012 - "Odùduwà – Óòni Ifè"). Numa sociedade polígama, Odùduwà teve muitas esposas e uma grande prole. (Cf. em Barretti Fº, (2003) 2012 - "As Esposas de Odùduwà". Os filhos, netos ou bisnetos de Odùduwà, os deuses, semideuses e/ou heróis, formaram a base da nação yorùbá, o que faz Odùduwà ser conhecido como “O Patriarca dos Yorùbá” passando a ser aclamado de Olófin Odùduwà Àjàlàiyé. (Cf. em Barretti Fº, (2003) 2012 - "A Formação do Povo Yorùbá"). Enfim, alguns de seus filhos geraram as linhagens dos Ọba dos yorùbá (Reis considerados como descendentes diretos do Òrìṣà cultuado, que representam ou “são” o próprio Òrìṣà em vida) e uns foram os precursores dos principais subgrupos, ou mais, que deram origem à civilização dos yorùbá e, religiosamente falando, de todos os povos do mundo. (Cf. em Barretti Fº, (2003) 2012 - "Os Ọbas"). O grupo étnico ioruba é subdividido em vários subgrupos, tais como: os Kétu, Òyó, Ìjèṣà, Ifè, Ifòn, Ègbà, Èfòn, etc. Esses deram origem na diáspora à religião dos Òrìṣà. Os Kétu, no nosso caso, foi um importante precursor da religião no Brasil. Portanto, nos candomblés ditos de nação Kétu, de origem étnica Yorùbá, o Òrìṣà Oxóssi, o senhor da caça e dos caçadores, é revivido, reverenciado e aclamado como “Ọba Alaketu (título real de Kétu), Rei e Senhor de Kétu e dos Kétu”: rei do “Candomblé” Kétu. Nessa mesma nação, o Òrìṣà Èṣù, principal comunicador, “articulador” e “transformador” de todo o sistema religioso yorùbá e do candomblé, ganha ainda maior notoriedade quando é agraciado, saudado e cultuado como Èṣù Alaketu, Rei em Ilé-Kétu. Esses Òrìṣàs tornam-se identificadores indiscutíveis da nação Kétu e possuem em comum o título real Alaketu. (Cf. em Barretti Fº, (2010) 2012 - Os Òrìṣà Alaketu). Sendo assim, os Òrìṣà Èṣù e Òsóòsì – que intitulamos Òrìṣà Alaketu, que, além de seus valores naturais, revelam-se como poderosos identificadores dos Kétu e de fundamental importância para a continuidade do candomblé Kétu. Alaketu continua sendo o título do rei da atual cidade de Kétu, antigo reino yorùbá, situada na República do Benim (antigo Daomé), país que faz fronteira, a oeste, com a Nigéria. Essas regiões são conhecidas por yorubaland: terras onde habitam os yorùbá, independentemente das divisões geopolíticas e/ou sociológicas impostas às etnias africanas." (Barretti Fº, 2010, dados e extratos: pp. 75–81). 32


Orixás da Nação Ketu: Os Orixás do Ketu são basicamente os da Mitologia Yoruba. Olorum também chamado Olodumare é o Deus supremo, que criou as divindades ou Orixás (Òrìṣà em Yoruba).

Sétima Parte

O Candomblé no Brasil

As centenas de orixás ainda cultuados na África, ficou reduzida a um pequeno número que são invocados em cerimônias:

Imagem do blog Terreiro de Umbanda Caboclo Aruana – Reunião dos Orixás.

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Exu, Orixá guardião dos templos, encruzilhadas, passagens, casas, cidades e das pessoas, mensageiro divino dos oráculos. Ogum, Orixá do ferro, guerra, fogo e tecnologia. Oxóssi, Orixá da caça e da fartura. Logunedé, Orixá jovem da caça e da pesca. Xangô, Orixá do fogo e trovão, protetor da justiça. Ayrà, usa branco, tem profundas ligações com Oxalá e com Xangô. Obaluaiyê, Orixá das doenças epidérmicas e pragas, Orixá da Cura. Oxumaré, Orixá da chuva e do arco-íris, o Dono das Cobras. Ossaim, Orixá das Folhas, conhece o segredo de todas elas. Oyá ou Iansã, Orixá feminino dos ventos, relâmpagos, tempestades, e do Rio Níger 33


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Oxum, Orixá feminino dos rios, do ouro, do jogo de búzios, e do amor. Iemanjá, Orixá feminino dos lagos, mares e fertilidade, mãe de muitos Orixás. Nanã, Orixá feminino dos pântanos, e da morte, mãe de Obaluaiê. Ewá, Orixá feminino do Rio Ewá. Obá, Orixá feminino do Rio Oba, uma das esposas de Xangô Axabó, Orixá feminino da família de Xangô Ibeji, Orixás gêmeos Irôco, Orixá da árvore sagrada, (gameleira branca no Brasil). Egungun, ancestral cultuado após a morte em Casas separadas dos Orixás. Iyami-Ajé, é a sacralização da figura materna, a grande mãe feiticeira. Onilé, Orixá do culto de Egungun Oxalá, Orixá do Branco, da Paz, da Fé. OrixaNlá ou Obatalá, o mais respeitado, o pai de quase todos orixás, criador do mundo e dos corpos humanos. Ifá ou Orunmila-Ifa, Ifá é o porta-voz de Orunmilá, Orixá da Adivinhação e do destino. Oduduá, Orixá também tido como criador do mundo, pai de Oranian e dos Yoruba. Oranian, Orixá filho mais novo de Oduduá Baiani, Orixá também chamado Dadá Ajaká Olokun, Orixá divindade do mar Olossá, Orixá dos lagos e lagoas Oxalufon, Qualidade de Oxalá velhote sábio Oxaguian, Qualidade de Oxalá jovem e guerreiro Orixá Oko, Orixá da agricultura.

Na África cada Orixá estava ligado originalmente a uma cidade ou a um país inteiro. Tratava-se de uma série de cultos regionais ou nacionais. Şàngó em Oyó, Yemoja na região de Egbá, Iyewa em Egbado, Ògún em Ekiti e Ondo, Òşun em Ilesa, Osogbo e Ijebu Ode, Erinlé em Ilobu, Lógunnède em Ilesa, Otin em Inisa, Oşàálà-Obàtálá em Ifé, subdivididos em Oşàlúfon em Ifon e Òşágiyan em Ejigbo. No Brasil, em cada templo religioso são cultuados todos os Orixás, diferenciando que nas casas grandes tem um quarto separado para cada Orixá, nas casas menores são cultuados em um único quarto de santo (termo usado para designar o quarto onde são cultuados os Orixás). O Ritual de uma casa de Ketu, é diferente das casas de outras nações, a diferença está no idioma, no toque dos Ilus (atabaque no Ketu), nas cantigas, nas cores usadas pelos Orixás, os rituais mais importantes são: Padê, Sacrifício, Oferenda, Sassayin, Iniciação, Axexê, Olubajé, Águas de Oxalá, Ipeté de Oxum. A língua sagrada utilizada em rituais do Ketu é derivada da língua Yoruba ou Nagô. O povo de Ketu procura manter-se fiel aos ensinamentos das africanas que fundaram as primeiras casas, reproduzem os rituais, rezas, lendas, cantigas, comidas, festas, e esses ensinamentos são passados oralmente até hoje. As posições principais do Ketu (são chamados de cargo ou posto, em yoruba Olóyès, Ogãns e Àjòiès), em termos de autoridade, são: O cargo de autoridade máxima dentro de uma casa de candomblé é o de Babalorixá (pai-de-santo). São pessoas escolhidas pelos Orixás para ocupar esse posto. São sacerdotes, que após muitos anos de estudo adquiriram o 34


conhecimento para tal função e são as únicas autoridades que podem abrir uma casa ou terreiro de candomblé. Quando a pessoa escolhida através do jogo de búzios ainda não está preparada para assumir o posto, terá que ser assistida por todos Egbomis (meu irmão mais velho) da casa para obter o conhecimento necessário. 1. Iyalorixá ou Babalorixá: A palavra Iyá do yoruba significa mãe, babá significa pai. 2. Iyakekerê (mulher): mãe pequena, segunda sacerdotisa. 3. Babakekerê (homem): pai pequeno, segundo sacerdote. 4. Iyalaxé (mulher): cuida dos objetos rituais. 5. Ojubonã ou Agibonã: mãe criadeira, supervisiona e ajuda na iniciação 6. Egbomis: são pessoas que já cumpriram o período de sete anos da iniciação (significado: egbon mi, "meu irmão mais velho"). 7. Iyabassê: mulher responsável pela preparação das comidas-de-santo 8. Iaô: filha (o) -de-santo que já entra em transe. 9. Abiã ou abian: novato. 10. Axogun: responsável pelo sacrifício dos animais (não entra em transe). 11. Alagbê: responsável pelos atabaques e pelos toques (não entra em transe). 12. Ogãs ou Ogans: tocadores de atabaques (não entram em transe). 13. Ajoiê ou ekedi: camareira do Orixá (não entra em transe). Na Casa Branca do Engenho Velho, as ajoiés são chamadas de ekedis. No Gantois, de "Iyárobá" e na Angola, é chamada de "makota de angúzo". "Ekedi" é nome de origem Jeje, que se popularizou e é conhecido em todas as casas de Candomblé do Brasil.

Oitava Parte

Os Iorubás – A História de Um Povo Sofrido

IORUBAS – A HISTÓRIA DE UM POVO Os iorubás, iorúbas, iorubanos ou nagôs (em iorubá: Yorùbá) constituem um dos maiores grupos étnico-linguísticos da África Ocidental, com mais de 30 milhões de pessoas em toda a região. Trata-se do segundo maior grupo étnico na Nigéria, correspondendo a aproximadamente 21% da sua população total. Como uma descrição étnica, a palavra "iorubá" foi registrada pela primeira vez, em referência ao Império de Oió, em um tratado escrito por volta do século XVI pelo estudioso Songhai Ahmed Baba. Foi popularizada pelo uso Hausa e etnografia escrita em árabe e Ajami durante o século XIX, originalmente referindo-se ao Oió exclusivamente. A prorrogação do prazo para todos os falantes de dialetos relacionados com a língua de Oió (na terminologia moderna Noroeste Iorubá) data da segunda metade do século XIX. É devido à influência de Samuel Ajayi Crowther, o primeiro bispo anglicano na Nigéria. Crowther foi ele próprio um Yoruba e compilou o primeiro dicionário iorubá, bem como a introdução de um padrão para a ortografia iorubá. O nome alternativo Akú, aparentemente um exônimo derivado das primeiras palavras de saudações iorubanas (como Ẹ kú àárọ? "bom dia", Ẹ kú alẹ? "boa noite") tem sobrevivido em 35


certas partes da sua diáspora como auto-descritivo, especialmente em Serra Leoa. Nagôs ou Anagôs era a designação dada aos negros escravizados e vendidos na antiga Costa dos Escravos e que falavam o iorubá. Os iorubas, iorubanos ou iorubás são um povo do sudoeste da Nigéria, no Benim (antiga República do Daomé) e no Togo. Historicamente, habitavam o reino de Ketu (atual Benin), na África Ocidental. Durante o século XVIII e até 1815, foram escravizados e trazidos em massa para o Brasil durante o chamado "Ciclo da Costa da Mina", ou "Ciclo de Benin e Daomé". A nação nagô, ou a etnia yorubá, seria do âmbito das formações imaginárias – identidades ou tradições inventadas para dar conta de eventos culturais, políticos e econômicos – que neste caso, começou a tomar a configuração atual, entre os anos de 1890 e 1940 – uma identidade “criada em uma sociedade crioula da ‘Costa’, que estava em constante diálogo com as nações religiosas emergentes da diáspora afrolatina (Matory, op. cit.: 272) ”. Como o candomblé e o xangô são referidos como de modelo nagô, em termos das matrizes míticas africanas (as nações), no Recife – talvez para que não reste dúvidas das diferenças entre o nagô baiano e o nagô pernambucano – o termo nagô é utilizado apenas para o xangô e para o modelo baiano a denominação utilizada é o candomblé-de-nação. "Nagô", nome pelo qual se tornaram conhecidos, no Brasil, os africanos provenientes da Iorubalândia. Segundo R. C. Abrahams, o nome nàgó designa os Iorubás de Ipó Kiyà, localidade na província de Abeokuta, entre os quais vivem, também, alguns representantes do povo popo, do antigo Daomé. O termo proviria do fon anago, usado outrora com o significado pejorativo de "piolhento". Isso porque, segundo a tradição, os iorubás, quando chegaram à fronteira do antigo Daomé, fugindo de conflitos Inter étnicos, vinham famintos, esfarrapados e cheios de piolhos. Segundo W. Bascom, o nome nagô ou nago se refere ao subgrupo iorubá Ifo-nyin. Na Jamaica, o nome nago designa o culto de origem iorubá. Termos como "nagôs", "jejes", "angolas", "congos" e "fulas" representavam identidades étnicas criadas pelo tráfico de escravos, onde cada termo continha um leque de tribos escravizadas de cada região. "Nagô" era o nome que se dava ao iorubano ou a todo negro da Costa dos Escravos que falava ou entendia o iorubá. Migeod assinala que "nagô" é nome dado, no antigo Daomé, pelos franceses ao iorubano: do efé anagó. Acredita-se que 'nagô' seja uma corruptela do efe anago, um termo que designa os povos de língua iorubá da costa da África Ocidental. Os portugueses construíram, em 1498, o forte São Jorge da Mina, ou Feitoria da Mina, ou Mina, no Gana, um posto estratégico na rota dos europeus ao litoral da África Ocidental, onde os cativos eram mantidos à espera de transporte para o Novo Mundo. O tratado de paz de 1657, assinado entre a rainha Nzinga Mbandi Ngola e a Coroa Portuguesa, com mediação do papa Alexandre VII, encerrou a guerra no Reino do Kongo e o tráfico escravista europeu na região. No que se refere ao 36


Brasil, o tráfico irá paulatinamente se deslocar em direção à chamada Costa da Mina, onde se localizava o Reino do Daomé e o reino de Ardra, vinculados ao império Oyo - Ioruba ou Nagô, segundo Pierre Verger, no final do século XVII e início do século XVIII. Entre os anos de 1681 a 1710 uns grandes números de embarcações carregadas de fumo foram para Costa da Mina e Angola. SALVADOR – BA. CAPITAL MUNDIAL DO TRÁFICO DE ESCRAVOS O fumo (tabaco) da Bahia era rejeitado pelos europeus, que o achavam de má qualidade, e era destinado aos traficantes de escravos, sendo muito apreciado pelos africanos. Graças ao fumo, Salvador tornar-se-ia a capital mundial do tráfico de escravos. Introduzidas no Brasil com a escravidão, as culturas africanas imprimiram, cada uma com suas peculiaridades e em diferentes graus, marcas profundas em quase toda a extensão da alma e do território brasileiro. E na Bahia essa presença - que se recria hoje em importantes instituições como as comunidades terreiro - é devida basicamente à cultura dos nagôs, que vinda da África Ocidental, foi entre o fim do século XVIII e o fim do século XIX, das últimas a serem escravizadas no Brasil. Kètu, Egba, Egbado e Sabé são alguns dos segmentos nagôs que vieram para a Bahia provenientes da grande área iorubá que compreende sul e centro da atual República de Benim, (Ex Daomé); parte da República do Togo: e todo sudoeste da Nigéria. E todos eles - com destaque para os Kétu - contribuíram decisivamente para e implantação da cultura nagô naquele Estado, reconstituindo suas instituições e procurando adaptá-las ao novo meio, com o máximo de fidelidade aos padrões básicos de origem, fidelidade essa em parte facilitada pelo intenso comércio que se desenvolveu entre a Bahia e a costa ocidental da África durante todo o século XIX até os primeiros anos que se seguirem à Abolição. Para entender o predomínio da etnia yorubá-nagô na Bahia é necessário recordar que, nas últimas décadas do tráfico negreiro, um enorme contingente de escravos dessa região foi trazido para Salvador. Nesse momento, os núcleos familiares também não foram tão desmembrados como no início da escravatura, permitindo uma maior manutenção da cultura e dos costumes. Nos dizeres de Edison Carneiro, no clássico Candomblés da Bahia: "Os nagôs logo se constituíram numa espécie de elite e não encontraram dificuldade de impor à massa escrava a sua religião". E complementa: "Quanto aos negros muçulmanos (malês), uma minoria entre as minorias, que poderiam ser êmulos (rivais) dos nagôs, pelo seu sectarismo, afastavam não só os escravos como toda a sociedade branca". A própria Mãe Aninha Obá Biyi era filha de um casal de africanos da etnia grunci, os negros Aniyó e Azambiyó, mas fora iniciada no candomblé pelos nagôs da Casa Branca do Engenho Velho. A presença de Xangô, seu orixá, solidificou ainda mais as tradições iorubás em sua trajetória. Em Pernambuco, "nagô". É o nome de uma nação ligada a uma religião afrobrasileira denominada Xangô de Pernambuco ou do Recife ("nagô-egbá"). No Rio Grande do Sul, "nagô" sinaliza o nome de uma nação de orixá ligada ao ritual de Batuque. Na Bahia, o candomblé de caboclo é chamado de "nagô" por ter semelhança com o Xangô de Pernambuco, e cultuarem, na mesma casa, orixás, voduns e nkisis. Com relação ao termo "nagô", muito usado no Brasil, Yeda Pessoa de Castro fala em uma entrevista: De que níveis socioculturais de linguagem a senhora fala? “Falo dos cinco níveis que identificamos no processo de integração dos aportes africanos em direção ao português do Brasil, tomando, como ponto de partida e 37


como modelo, a linguagem litúrgica dos candomblés, um sistema lexical baseado em diferentes línguas africanas que foram faladas no Brasil e, por sua própria natureza, mais resistente à mudança e à integração sob a influência do português. Nesse nível, tratamos dos casos de glossolalia, ou seja, do falar em transe dos pretos velhos e erês, dos caboclos e dos "santos". Já no nível 2 - a linguagem do povo de santo - discutimos a questão do conceito de "nação de candomblé" e o significado do termo "nagô", confundido com o iorubá moderno, e que muita gente pensa que é a língua africana falada no candomblé da Bahia, como se o continente africano fosse um país singular, uma África única, de língua e cultura iorubá. Os níveis seguintes - 3,4 e 5 - abordam a questão da linguagem popular, do português regional da Bahia e da integração dos aportes africanos no português brasileiro”. (Yeda Pessoa de Castro é etnolingüista, Doutora em Línguas Africanas pela Universidade Nacional do Zaire, Consultora Técnica em Línguas Africanas do Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz em São Paulo, Membro da Academia de Letras da Bahia. Pertence ao GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL e é Membro Permanente do Comitê Científico Brasileiro do Projeto "Rota do Escravo" da UNESCO).

A cultura iorubá foi originalmente de tradição oral, e a maioria do povo iorubá são falantes nativos da língua iorubá. O número de falantes era estimado em cerca de 30 milhões em 2010. O iorubá é classificado dentro das línguas edekiri, que, juntamente com a isolada igala, formam o grupo de línguas Yoruboid no âmbito das Ramo Volta-Nigero da família Níger-Congo. Igala e iorubá têm relações históricas, sociais e culturais importantes. As línguas dos dois grupos étnicos têm uma semelhança tão estreita que pesquisadores como Ford (1951) e Westermann e Bryan (1952) consideraram igala como um dialeto do iorubá. As línguas ioruboides são assumidas ter se desenvolvido a partir de um grupo Volta-Niger indiferenciadas no primeiro milênio a.C. Há três áreas dialetais principais: Noroeste, Central e Sudeste. Como os dialetos Noroeste Yoruba mostram mais inovação linguística, combinadas com o fato de que as áreas do Sudeste e Centro-yoruba geralmente têm assentamentos mais antigos, sugere uma data posterior da imigração para Noroeste Yoruba. A área onde North-West Yoruba (NWY) é falado corresponde ao histórico Império de Oyo. Sudeste Yoruba (SEY) foi, provavelmente, associado à expansão do Império do Benin após c. 1450. Yoruba Central formam uma área de transição, em que o léxico tem muito em comum com NWY, ao passo que ele compartilha muitas características etnográficas com SEY. Na literatura yoruba, a variedade padrão aprendida na escola e falada por locutores de notícias na rádio, tem sua origem na gramática yoruba compilada em 1850 pelo bispo Samuel Ajayi Crowther. Embora para uma grande parte com base nos dialetos Oyo e Ibadan, incorpora várias características de outros dialetos. A partir do século VII a.C. os povos africanos que viviam em Yorubaland, não foram inicialmente conhecidos como yoruba, embora eles compartilhassem um grupo de etnia e língua comum. O desenvolvimento yoruba histórico in situ, fora de anteriores populações Mesolíticas Volta-Níger, por volta do 1º milênio A-C. A história oral registrada sob o Império de Oyo deriva o yoruba como um grupo étnico da população do reino mais antigo do Ile-Ifé. Arqueologicamente, o povoado de Ife pode ser datado do quarto século antes de Cristo, com estruturas urbanas aparecendo no século XII (a fase urbana de Ife antes da ascensão de Oyo, c. 1100-1600, um pico significativo de centralização política no século XII) é comumente descrita como uma "idade de ouro" de Ife. O oba ou governante de Ife é referido como o Ooni de Ife. 38


Nona Parte

O Império de Oyo – Mercadores de Escravos

Oyo e Ile-Ifè O assentamento em Ifè parece ter entrado nesta "idade de ouro", com o aparecimento de estruturas urbanas pelo século XII. Este parece ser o período de formação do povo yoruba como refletido na tradição oral e devido a isso, Ifè continua a ser vista como a "pátria espiritual" do yoruba. A cidade foi superada pelo Império de Oyo com o dominante poder militar e político yoruba, no século XVII. O Império Oyo e seu Oba, conhecido como o Aláàfin de Oyo, era ativo no comércio de escravos Africanos durante o século XVIII. O Yoruba muitas vezes exigiu escravos como uma forma de homenagem das populações objeto, que por sua vez, às vezes faziam guerras contra outros povos para capturar os escravos necessários. Parte dos escravos vendidos pelo Império de Oyo entrou no tráfico Atlântico de escravos. A maioria das cidadesestados foram controladas por Obas (ou soberanos reais com vários títulos individuais) e os conselhos compostos de Olóyès, reconhecidos líderes reais, nobre e, muitas vezes, até mesmo de origem comum, que se juntaram a eles em governar sobre os reinos através de uma série de alianças e cultos. Diferentes estados viram relações diferentes de poder entre os reinos e os conselhos dos chefes. Alguns, como Oyo, teve poderosos monarcas autocráticos com o controle quase total, enquanto que em outros, como as cidades-estados de Ijebu, o conselho do senado teve mais influência do poder de governar Balde, referido como o Awujale de Ijebuland, foi mais limitado. Assentamentos yoruba são frequentemente descritos como principalmente um ou mais dos principais grupos sociais chamados de "gerações":   

A "primeira geração" inclui as cidades conhecidas como capitais originais do fundador do reino yoruba ou estados. A "segunda geração" consiste em assentamentos criados pela conquista. A "terceira geração" consiste em aldeias e municípios que surgiram após as guerras mortíferas do século XIX.

A maioria dos iorubás falam a língua iorubá (iorubá: èdèe Yorùbá ou èdè). Vivem em grande parte no sudoeste da Nigéria; também há comunidades de iorubás significativas no Benim, Togo, Serra Leoa, Cuba, República Dominicana e Brasil. Os iorubás são o principal grupo étnico nos estados de Ekiti, Kwara, Lagos, Ogun, Ongo, Osun e Oyo. Um número considerável de iorubás vive na República do Benim, ainda podendo ser encontradas pequenas comunidades no campo, em Togo, Serra Leoa, Brasil, Republica Dominicana e Cuba. Compartilham fronteiras com os Borgu (variadamente chamados Bariba e Borgawa) no Noroeste, os Nupe (que eles chamam muitas vezes, "Tapa") e os Ebira no Norte, os Edo, que também são conhecidos como Bini ou povo Benim (não relacionado com o povo da República do Benim), e os Ẹsan e Afemai para o sudeste. Os Igala e outros grupos relacionados encontram-se no Nordeste, e os Egun, Fon e outros povos de língua Gbe no Sudoeste. Embora a maioria dos iorubás viva no sudoeste da Nigéria, há também importantes comunidades iorubás indígenas na República do Benim, Gana e Togo. A maioria dos iorubás é cristã, e os ramos locais das igrejas Anglicana, Católica, Pentecostal, Metodista, e nativas de que são adeptos. O islamismo inclui aproximadamente um quarto da população iorubá, com a tradicional religião iorubá respondendo pelo resto. Os iorubas têm 39


uma história urbana que data do ano 500. As principais cidades iorubás são Lagos, Ibadan, Abeokuta, Akure, Ilorin, Ogbomoso, Ondo (cidade), Ota, Shagamu, Iseyin, Osogbo, Ilesha, Oyo e Ilé-Ifè. Os iorubás deixaram uma presença importante no Brasil, e particularmente muito significativa no estado brasileiro da Bahia: “Os nagôs (iorubás) são, ainda hoje, os africanos mais numerosos e influentes nesse estado (Bahia). Existiam aqui quase todas as pequenas nações iorubanas. Os mais numerosos são os de Oyó, capital do reino de Iorubá, que, naturalmente, foram exportados ao tempo em que os hauçás invadiram o reino, destruíram sua capital e tomaram Ilorin. Depois, em ordem decrescente de número, vêm os de Ijêsá, de que sobretudo há muitas mulheres. Depois os de Egbá, principalmente da sua capital Abeokutá. Em menor número, são os de Lagos, Ketú, Ibadan. Em geral, os nagôs do centro da Costa dos Escravos, os de Oyó, Ilorin, Ijêsá etc., são quase todos, na Bahia, muçulmis, malês ou muçulmanos, e a seus compatriotas se deve atribuir a grande revolta de 1835. Durante o último período da escravatura, os iorubás foram concentrados nas zonas urbanas, então em pleno apogeu; nas regiões suburbanas ricas e desenvolvidas do Norte e Nordeste, particularmente em Salvador e no Recife. Ligados pela origem mítica comum, pela prática religiosa e semelhança dos costumes, rapidamente os diversos grupos nagôs passaram a inter-relacionar-se. Não perderam contato com a África, dada a intensa atividade comercial entre a Bahia e a Costa Africana". Segundo diversos pesquisadores, o termo "iorubá" é recente. Segundo Biobaku, aplica-se a um grupo linguístico de vários milhões de indivíduos. Ele acrescenta que, "além da língua comum, os iorubas estão unidos por uma mesma cultura e tradições de sua origem comum, na cidade de Ifé, mas não parece que tenham jamais constituído uma única entidade política, e também é duvidoso que, antes do século XIX, eles se chamassem uns aos outros por um mesmo nome". A. E. Ellis mencionou-o, judiciosamente, no título do seu livro The Yorùbá speaking people ("O povo que fala iorubá"), dando a significação de língua a uma expressão que teve a tendência a ser posteriormente aplicada a um povo, a uma expressão ou a um território. Antes de se ter conhecimento do termo "iorubá", os livros dos primeiros viajantes e os mapas antigos, entre 1656 e 1730, são unânimes em usar o termo Ulkumy ou Ulcuim, com algumas variantes. Depois de Snelgrave, em 1734, o termo Ulkumy desapareceu dos mapas e foi substituído por Ayo ou Eyo (para designar Oyó). Francisco Pereira Mendes, em 1726, comandante do forte português de Ajudá, já mencionava, em seus relatórios enviados à Bahia, os ataques dos ayos contra os territórios de Agadjá, rei de Daomé, chamado de "o Revoltoso" por haver atacado Allada em 1724, e que iria, posteriormente, conquistar Uidá, em 1727. Foi esse povo, chamado, atualmente, uidá (glébué para os daomeanos, igéléfé para os iorubás, ajudá para os portugueses, juda ou grégoy para os franceses, Whidah para os ingleses e fida para os holandeses) ou hwéda, que controlou o principal ponto de exportação dos escravos originários das regiões vizinhas, inimigos do Daomé.

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Décima Parte

A chegada do Candomblé no Rio de Janeiro

O CANDOMBLÉ NO RIO DE JANEIRO Não há como falar do Candomblé do Rio de Janeiro, sem que se faça citações importantíssimas com referência à Associação dos Remanescentes do Quilombo Pedra do Sal fica no bairro da Saúde, o palco onde a história da Cultura Afrodescendente, começou a ser apresentada para o mundo. Pedra do Sal, é um monumento histórico e religioso localizado no bairro da Saúde, perto do Largo da Prainha, na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil. É onde se encontra a Comunidade Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal. Foi tombada em 20 de novembro de 1984 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural. Local de especial importância para a cultura negra carioca e para os amantes do samba e do choro. Pode ser considerada como o núcleo simbólico da região chamada de Pequena África, que era repleta de zungus, casas coletivas ocupadas por negros escravos e forros. Na Pedra do Sal, que fica a 100 metros do Largo da Prainha, reuniam-se grandes sambistas do passado, como Donga, João da Baiana, Pixinguinha e Heitor dos Prazeres. Partindo de sua base, no Largo do João da Baiana e subindo por degraus escavados na pedra, pode-se subir para o Morro da Conceição.

AS PRIMEIRAS CASAS A primeira casa de candomblé do Rio de Janeiro que se tem notícia foi fundada no bairro da Saúde, por Mãe Aninha, Bangboshê e Oba Saniá em 1886. Nos anos 50 e 60 as casas de maior afluência na periferia do Rio de Janeiro, eram o Terreiro Bate Folha, em Anchieta (nação Congo), o Ilê Axé Opô Afonjá-Rio em Coelho da Rocha (nação Ketu) e Joãozinho da Goméia - Duque de Caxias (nação Angola).

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A HISTÓRIA (*) Em 1608 um grupo baiano se instala na Saúde, onde a moradia é mais barata e mais perto do Cais do Porto, onde os homens buscam vagas na estiva. As primeiras grandes docas do Rio de Janeiro surgem nesta época, datando daí o aparecimento de trapiches onde se arregimentavam os estivadores numa zona de ruas tortuosas e becos em torno da Pedra da Prainha, depois conhecida como Pedra do Sal, onde ficava o grande mercado de escravos. Com a virada da metade do século, se agravam as condições de vida na capital da Bahia, o que propicia uma migração sistemática de negros sudaneses para o Rio de Janeiro. Com a abolição engrossa o fluxo de baianos para o Rio fundando-se praticamente uma pequena diáspora baiana na capital. A Pedra do Sal é, em suma, mais que um bem cultural afro-brasileiro. É um monumento histórico e religioso, tombado há duas décadas: desde 20 de novembro de 1984, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural. Já em 1817 que ao redor da Pedra do Sal que os baianos se concentram trazendo para as vizinhanças seus pontos de encontro. Torna-se um ponto de referência da cultura negra, sendo sua importância baseada nos valores afetivo e cultural. De fato, a colônia baiana se impõe no mundo carioca em torno de seus líderes vindos dos terreiros de candomblé e dos grupos festeiros, se constituindo num dos únicos grupos populares no Rio de Janeiro com tradições comuns e coesão, cuja influência se estende a toda a comunidade heterogênea que se forma nos bairros em torno do cais do porto. A casa do candomblé de João Alabá é um dos mais importantes pontos de convivência dos baianos de origem. As tias baianas como Ciata, Bibiana, Mônica, Perciliana e outras, que se encontravam no terreiro de João Alabá, formam um dos núcleos principais de organização e influência sobre a comunidade. São essas negras que ganham respeito por suas posições centrais no terreiro e por sua participação nas principais atividades do grupo, que garantiram a permanência das tradições africanas e as possibilidades de sua revitalização na vida mais ampla da cidade. A mais famosa de todas as baianas, a mais influente, foi Hilária Batista de Almeida, a "Tia Ciata", citada em todos os relatos do surgimento do samba carioca e dos ranchos, como na memória dos negros antigos da cidade. Nascida em Salvador em 1854, no dia de Santo Hilário, chega ao Rio de Janeiro com 22 anos. Do namoro com conterrâneo Norberto, nasce Isabel, ainda durante as primeiras experiências de vida adulta de Ciata. Doceira, começa a trabalhar na Rua da Carioca, sempre com suas roupas de baiana preceituosa. Mais tarde, Hilária irá viver com João Batista numa relação definitiva com quem teve 15 filhos. Mulher de grande iniciativa e energia, Ciata faz sua vida de trabalho constante, tornando-se a iniciadora da tradição carioca das baianas quituteiras, atividade que tem forte fundamento religioso. Na primeira metade do século XIX, sua presença era documentada no livro de Debret "Viagem Pitoresca e Histórica do Brasil". Na casa de Alabá, Hilária era primeira responsável pelas obrigações das feitas no santo. Tia Ciata de Oxum, patrona da sensualidade e da gravidez, protetora das crianças que ainda não falam, orixá das águas doces, da beleza e da riqueza. Ciata era festeira, não deixava de comemorar as festas dos orixás em sua casa da Praça Onze, quando, depois, se armava o pagode. Há, na época, muita atenção da polícia à reunião dos negros. Tanto o samba como o candomblé são objetos de continua perseguição, vistos como coisas perigosas, que deveriam ser extintas. A casa da Tia Ciata era um local favorável às reuniões, um local onde se desenrolavam atividades coletivas tanto do trabalho quanto do candomblé. Com a modernização da cidade e o deslocamento dos antigos moradores da Saúde para a Cidade Nova, o pequeno carnaval toma a Praça Onze. No ano de 42


1930, Hilário, principal criador e organizador dos ranchos da Saúde, seria um dos responsáveis pelo deslocamento dos desfiles para o carnaval, que transformaria substancialmente suas características. Ao lado dos ranchos, malandros, desocupados, trabalhadores irregulares, todos saíam em grupos anárquicos formando blocos e cordões, ainda como uma continuidade negra do antigo entrudo. O carnaval carioca perdia a sua feição bruta da primeira metade do século XIX ao africanizar-se para feição moderna, o ciclo dos grupos festeiros, chegando até a criação das escolas de samba. Com a morte de Bibiana, Ciata ficava sozinha, numa casa bastante grande. Nos dias de festa, na sala ficava o baile, onde se tocava os sambas de partido alto entre os mais velhos e mesmo música instrumental quando apareciam os músicos profissionais negros (filhos dos baianos). No terreiro o samba raiado e às vezes as rodas de batuque entre os mais moços. As festas eram frequentadas principalmente pela baianada e pelos negros que a eles se juntavam, estivadores, artesãos, alguns funcionários públicos, alguns mulatos e brancos de baixa classe, gente que se aproxima pelo lado do samba e do carnaval, e por doutores atraídos pelo exotismo das celebrações. No samba se batia pandeiro, tamborim, agogô, surdo, ou com o que estivesse à mão: panelas, pratos, latas valorizadas pelas mãos rítmicas dos negros. As grandes figuras negras do mundo musical carioca, Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Heitor dos Prazeres, surgem ainda crianças lá nas rodas, aprendendo as tradições musicais baianas às quais dariam novas formas cariocas.

O Bairro da Saúde está situado na 1ª Região Administrativa, na área configurada como periferia imediata da área central de negócios e integra a Zona Portuária do Rio de Janeiro. Oficialmente, a Saúde está limitada entre a Praça Mauá e a Barão de Tefé, abrangendo o morro da Conceição e Valongo. Entretanto, a comunidade local sente que seu limite real e histórico se estende até a região da Gamboa. Na época da fundação da cidade do Rio de Janeiro, a região se constituía por partes baixas, na sua maioria alagadiços, e pelos Morros da Conceição e parte do Livramento. No século XVII, há uma expansão gradativa, através do prolongamento de ruelas desde o centro histórico até o morro da Conceição. Em princípio do século XVIII, após a fundação das capelas de Nossa Senhora da Saúde e Nossa Senhora do Livramento, a ocupação abrange as áreas da Saúde e 43


Gamboa. A ocupação das áreas de morro já se caracteriza como zonas de residências e as partes baixas pelos trapiches. A partir do século XVIII, principalmente após sua segunda metade, o Rio se torna um importante porto negreiro, quando o transito se intensifica com a necessidade de mão de obra escrava acentuada pela descoberta das minas. Era dali da Pedra do Sal que os moradores da Saúde saudavam os navios que chegavam da Bahia com familiares e amigos. A Pedra do Sal era, para migrantes, o que é hoje o Cristo Redentor para os recém-chegados ao Rio: o primeiro abraço e o primeiro sentimento da cidade. Ocorre que os moradores da Saúde e seus migrantes eram predominantemente negros baianos retornados da Guerra do Paraguai (1865/70) ou em busca de melhores condições de vida. A Saúde, debruçada sobre o porto, era uma pequena Bahia (como a Bahia, por sua vez, era uma pequena África). Lá, se encontraram as célebres tias, cabeças de famílias extensas – Bibiana, Marcelina, Ciata, Baiana e as Pretas forras. Foi nas suas "pensões" que o batuque e o jongo se transformaram em partido-alto e, logo, no amplo espaço da Praça Onze, no samba que conhecemos. Os pretos da Saúde e suas tias participaram dos principais eventos da cidade: Abolição (1888), Revolta da Armada (1891/93), as greves de 1903/05, a Revolta Contra a Chibata (1910) e outros. Participação amplamente documentada, embora subestimada pela historiografia conservadora. Já não existe a Praça Onze. Nada sobrou das "pensões" onde nasceu o samba. Boa parte da Saúde (e da Gamboa, da Conceição, Providência e do Estácio que a prolongavam) se descaracterizou. Ficou, como raro testemunho da cidade negra, a Pedra do Sal. Na virada do século, a Saúde, como o velho centro do Rio, enxameava de templos afro-brasileiros; iyalorixás, cambonos e alufás em cada quarteirão. Os templos católicos foram tombados e preservados. Nenhum afro-brasileiro o foi. Na Pedra do Sal, se faziam despachos e oferendas (a Obaluaiyê, Xangô, Ogum, Exu, Iansã e outros Orixás), se despejavam trabalhos. Era e é, local consagrado. À sua volta, convergindo nela, ficavam diversas roças, hoje desaparecidas, reduzidas ou transferidas para o subúrbio e Grande Rio. Remanescendo como espaço ritual, a Pedra do Sal é um dos poucos testemunhos físicos daquele passado de densa religiosidade carioca. A Pedra do Sal é, em suma, mais que um bem cultural negro-brasileiro. É um monumento histórico e religioso da cidade do Rio de Janeiro. *(Créditos): Rio de Janeiro: 1 de abril de 1984, Joel Rufino dos Santos, historiador). Dentro deste material que é vasto e riquíssimo em informações, muitas delas desencontradas enquanto outras, se corroboram entre si. Que a partir desta etapa, será conforme as informações colhidas, pesquisas feitas em bancos de dados, bibliotecas e demais fontes de informações. O importante é que os passos da origem não se perderam e sim, vieram a somar para darem mais contribuição nesta Cultura Milenar e que até hoje encanta todos os seus adeptos, os turistas que visitam as “roças”, os nYzos, ou os terreiros. Isso contribuiu para que muitas pessoas deixassem seus preconceitos de lado e passaram a ver a Cultura Africana com suas danças, seus costumes, sua religião e seu povo dentro do contexto geral com outros olhos. O Candomblé está se tornando Patrimônio Imaterial Histórico por todo o país como veremos a seguir e isso graças aos esforços de muitos Babalorixá, Yalorixás, e força popular que fizeram com que a política entrasse no negócio e reconhecessem.

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REPORTAGEM DO JORNAL O DIA – Rio de Janeiro 14/06/2016 Terreiro de Candomblé é Tombado Patrimônio cultural do estado reconhece, pela primeira vez, a relevância de espaço BRUNA FANTTI Rio - Pela primeira vez no Estado do Rio, um terreiro de candomblé é reconhecido por sua importância histórica, cultural e etnográfica. O tombamento do Ilê Axé Opô Afonjá — criado há 130 anos na Pedra do Sal, na Região Portuária do Rio, e que funciona desde a década de 1940 no bairro Coelho da Rocha, em São João de Meriti — foi publicado no Diário Oficial do Estado. Pelo decreto 5.808, de 1982, o tombamento provisório equipara-se ao definitivo e prevê a proteção da estrutura da casa principal, do barracão, da área de convivência destinadas às cerimônias religiosas, da árvore sagrada, denominada Irôko, e do bambuzal, além de alguns bens móveis e integrados do terreiro.

Terreiro funciona desde a década de 1940 no bairro Coelho da Rocha Foto: Divulgação

A líder religiosa do terreiro, Mãe Regina Lúcia D’Yemonjá, de 75 anos, comentou o ato em um vídeo no Facebook. “O tombamento trata-se de um reconhecimento de anos de resistência pela continuidade cultural”, disse. O tombamento foi festejado por vários religiosos. Para Athaylton Jorge Monteiro Belo, o Frei Tatá, coordenador da superintendência de Igualdade Racial de São João de Meriti, o Inepac fez um excelente trabalho de pesquisa e fundamentação. “Isso é ótimo para São João de Meriti e para a história das religiões de matrizes africanas”, disse “Mais uma vitória dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, afirmou a mãe de santo Ignez Teixeira, no Facebook. Em novembro, ela coordenou projeto que apagou frases de intolerância religiosa em muros do Rio. Documentos interessantes em que figuram personagens que fizeram a história e a cultura dos negros no Brasil, em particular no Nordeste e no Rio de Janeiro e que viraram Arquivos Nacionais como este documento que relata as ações dos pais e das mães de santo do Rio de Janeiro. Personagens como João Paulo Alberto Coelho Barreto, o João do Rio; João Alabá, Cipriano Abedé, Mãe Aninha 45


e Bamboxê; Joãozinho Da Goméia e a mais famosa entre todas as mães de santo que foi Hilária Batista de Almeida, a "Tia Ciata".

Hilária Batista da Conceição, a Tia Ciata Na sequencia alguns documentos extraídos o 3º Encontro Nacional das Religiões e das Religiosidades, e parte importante no trabalho de doutorado de Elizabeth Castelano Gama pela Universidade Federal Fluminense a UFF, intitulado; “História e Memória do Candomblé no Rio de Janeiro: Novas Perspectivas de Análise. Textos e falas de quem fez a história se manter viva estão nestes anais e acabam de vez com mitos e nos revelam toda a verdade.

ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. IN: Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan/2011. ISSN 1983-2859. Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html HISTÓRIA E MEMÓRIA DO CANDOMBLÉ NO RIO DE JANEIRO: NOVAS PERSPECTIVAS DE ANÁLISE Elizabeth Castelano Gama UFF elizabethcastelano@yahoo.com.br João João Paulo Alberto Coelho Barreto, o João do Rio, deixou registrado em suas crônicas um inquietante material sobre a religiosidade de origem africana no Rio de Janeiro. Entre fevereiro e Março de 1904, João do Rio publicou as reportagens que chamou de As religiões no Rio. Com o objetivo manifesto de contar a verdade sobre a cidade através das reportagens, o jornalista desempenhou o papel que Benjamim1 atribui uma função de conselheiro. Ou seja, sua narrativa 46


gira em torno da idéia de estar prestando uma utilidade à sociedade desvelando uma cidade “escondida”, sem deixar de tecer críticas a ela, expondo algumas práticas, por vezes ridicularizadas, na tentativa de uma repreensão moral. O capítulo No Mundo dos feitiços corresponde às cinco reportagens sobre as religiões negras: Os feiticeiros, As Iaôs, O Feitiço, A Casa das almas e os novos feitiços de Sanin. João apresenta Antônio como seu colaborador/informante. Antônio foi aquele que o iniciou no mundo dos feitiços da cidade a troco de “papel-moeda” e vinho do porto. Era um descendente de africanos, ex-escravos, e freqüentava o mundo das casas-de-santo da cidade. Contudo, o informante não se inclui como praticante do culto aos orixás, sua fala sempre é marcada pela alteridade, não raro acompanhada pelo deboche. A caracterização da religião é feita pela narrativa intercalada de algumas transcrições de conversas entre o jornalista e seu informante que falava inglês e lia Shakespeare. No conjunto das reportagens João do Rio trata de vários temas, analisaremos especificamente a construção de uma personagem específica: Assiata. A obra de Roberto Moura, Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro, foi publicada em 1983. Com a intenção de contar a história dos primórdios do samba na cidade, o autor realiza um trabalho pioneiro, a partir de relatos orais, que irá ser referência para outros trabalhos seguintes sobre o tema e o local. A região da Gamboa e Saúde, mas principalmente, e Pedra do Sal, se tornaram o lugar de memória principal quando o assunto é

Joãozinho Da Goméia em 1946 em Fotografia de Pierre Fatumbi Verger

ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. IN: Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan/2011. ISSN 1983-2859. Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html 47


samba, capoeira e candomblé. A obra aborda vários assuntos, principalmente relacionadas a música, mas enfocaremos na construção de outra personagem, Tia Ciata. Assiata, Ciata. “ – E há muitas mães-de-santo? - Umas 50, contando as falsas [...]. (RIO, 2006 p. 43) Entre as mães-de-santo “falsas” relacionadas por Antônio, consta um nome que será mencionado com ênfase mais de uma vez no texto, trata-se de Assiata. “Esta é de força. Não tem navalha 3 , finge de mãe-desanto e trabalha com três Ogãs falsos – João Ratão, um moleque chamado Macário e certo cabra pernóstico, o Germano. A Assiata mora na rua da Alfândega, 304. Ainda outro dia houve lá um escândalo dos diabos, porque a Assiata meteu na festa de Iemanjá algumas iaos feitas por ela. Os pais-de-santo protestaram, a negra danou, e teve de pagar a multa marcada pelo santo. Essa é uma das feiticeiras de embromação”. (Op. Cit. p. 44) A memória sobre o candomblé carioca no início do século XX está assentada na chamada “Pequena África”, é nesta região que residiam os pais e mães-de-santo que foram consagrados pela memória produzida. No único livro dedicado ao tema: Os Candomblés antigos do Rio de Janeiro. A Nação Ketu: origens, ritos e crenças (1994), Agenor Miranda escreve suas memórias. Apesar de declarar que seus escritos são “uma ínfima parcela da totalidade do tema”, por comodidade ou por falta de interesse ou documentação, os demais pesquisadores repetiram e reproduziram suas memórias com estatuto de única verdade. A narrativa do livro vincula as casas de santo que existiram no Rio de Janeiro à Bahia, tanto que antes de iniciar a descrição, o autor introduz explicando sobre os três terreiros de maior tradição nagô em Salvador: Casa Branca, Opô Afonjá e Gantois. Agenor Miranda fala da migração baiana para a cidade do Rio de Janeiro a partir da segunda metade do século XIX afirmando que esses negros baianos “constituíam um grupo à parte na massa de ex-escravos e seus descendentes, que, na virada do século, estavam dispersos na cidade, com ocupações variadas”. Contudo, diz que a maioria deles vivia entre a Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Nos cortiços do centro da cidade teriam sido fundadas as primeiras casas de Candomblé da cidade. Os nomes citados por ele, e que são repetidos em outras obras, são: João Alabá, Cipriano Abedé, Mãe Aninha e Bamboxê. João Alabá de Omolu morava na Rua Barão de São Félix e teria iniciado muitas filhas-de-santo, entre elas, Tia Ciata. Já Cipriano Abedé de Ogun morava na rua João

ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. IN: Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan/2011. ISSN 1983-2859. Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html 48


Caetano e foi o responsável, senão pela iniciação, pelos conhecimentos adquiridos pelo próprio autor do texto na lei do santo. Na Rua Marquês de Sapucaí, Bamboxê fundou sua casa. Mãe Aninha, vinda de Salvador em 1886, fundou junto a Bamboxê e Oba Saniá uma casa-de-santo na Saúde. Agenor Miranda nasceu 3 anos após a publicação do livro de João do Rio, em 1907, e foi iniciado em 1912, com 5 anos em Salvador4 . Muda-se para o Rio de Janeiro apenas em 1927. João Alabá havia falecido em 1926 (alguns relatos dizem 1924) e Cipriano Abedé em 1933. Portanto, a centralidade desses nomes como principais exponentes do candomblé carioca no início do século na memória de Agenor Miranda está mais ligado aos ensinamentos e informações que foram lhe passados em Salvador num ambiente específico, e não coincidente, ambiente que mantinha uma relação com esses nomes na capital federal, do que a uma ampla vivência na cidade do Rio de Janeiro. João Alabá também é uma figura que teve enfoque na principal obra que moldou uma visão sobre a religiosidade africana no Rio de Janeiro: A Pequena África e o reduto de Tia Ciata (1983) de Roberto Moura. Neste capítulo citado, o autor busca compor a trajetória dos migrantes baianos para a cidade do Rio de Janeiro. A partir da fixação e ganho de estabilidade, os primeiros migrados teriam propiciado um ambiente capaz de acolher um fluxo migratório razoável. A definição que Roberto Moura dá a essa comunidade baiana é de um grupo com uma tradição comum, coesa e harmoniosa, além, é claro, de exaltar o poder de sua influência “por toda a comunidade heterogênea que se forma nos bairros em torno do cais do porto e depois da Cidade Nova”. A proeminência desta comunidade na vida cultural e religiosa do centro da cidade é destacada na configuração do grupo baiano como uma elite local: Ali, os baianos forros migrados por opção própria constituiriam uma elite no meio popular e, generalizando-se as informações de seus sobreviventes e descendentes, pode-se supor serem predominantemente nagôs (iorubás) (MOURA, 1983). Na tentativa de ilustrar tal afirmação, o autor busca recompor duas trajetórias de grandes personalidades da comunidade baiana. A de Hilário Jovino Ferreira e a de Ciata, a mais famosa das inúmeras tias baianas da época. Ambos eram ligados a casa-de-santo de João Alabá. Será a descrição de Ciata e as descrições sobre sua inserção no universo religioso que nos interessará a partir daqui.

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ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. IN: Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan/2011. ISSN 1983-2859. Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html As descrições sobre o candomblé da casa de João Alabá são feitas a partir de memórias, registro orais utilizados pelo autor. Através de depoimento de Carmem Teixeira da Conceição, que foi filha-de-santo de Alabá, tomamos conhecimento de que o candomblé de seu pai era uma das maiores referências no Rio de Janeiro para os baianos que chegavam a cidade. Casa cheia, culto tradicional. Afirmando Roberto Moura ser preocupação de um pai-de-santo a continuação do culto aos orixás e a garantia de coesão do grupo, no caso de João Alabá, teriam sido as tias baianas “os grandes esteios da comunidade negra, responsáveis pela nova geração que nascia carioca, pelas frentes do trabalho comunal, pela religião, rainhas negras de um Rio de Janeiro chamado por Heitor dos Prazeres de „Pequena África‟ [...]”.O autor atribui a essas tias uma centralidade funcional para a coesão do grupo. Ciata e outras tias como Bebiana, Carmem Ximbuca, Perciliana, entre outras, pertenciam ao terreiro de Alabá, que, segundo o autor, compunha um dos principais núcleos de organização e influência sobre a comunidade. Portanto, seria a partir da atuação dessas negras baianas, devido ao grande respeito que teriam dentro da comunidade, que teria havido, nas palavras do autor, “permanência das tradições africanas e as possibilidades de sua revitalização na vida mais ampla da cidade”. Outras tias são citadas, fora do eixo da casa de Alabá, mas o enfoque foi dado a Ciata, a mais famosa e mais influente na conclusão do autor. Nascida em Salvador em 1854, iniciada no candomblé ainda adolescente. Chega ao Rio aos 22 anos, 1876 e fixa residência na Rua da Alfândega, 304. Mesmo endereço da “falsa” mãe-de-santo Assiata, descrita por João do Rio. A Ciata de Roberto Moura é assim: espírito forte, sábia, talento para a liderança, detentora de sólidos conhecimentos religiosos e culinários, mulher de grande iniciativa e energia, trabalhadora. Detentora de um posto religioso na casa de Alabá, que teria sido fundada por Bamboche, o autor se permite imaginar “ser Ciata e sua gente baiana no Rio ligada ao tronco mais tradicional do candomblé nagô de Salvador”. Descrevendo suas possíveis funções dentro do terreiro, é a partir da sua proeminência que o autor confere a Ciata uma centralidade nesse meio religioso. Apesar de ser parte integrante de um terreiro considerado tradicional, no texto aparecem referências de festas religiosas em sua própria casa. Essas festas, religiosas ou não, estavam garantidas, salvaguardadas da perseguição policial por ter Ciata como marido um funcionário público ligado a polícia. Portanto, além da tradicionalidade, existia o fator segurança, o que

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propiciava um ambiente perfeito para preservação das práticas religiosas dentro dessa comunidade. O autor conjectura que, ao lado de Hilário Jovino, Ciata teria sido a principal liderança negra no período: “espírito agregador, familiar, religioso”. E assim define e dá a sua casa status de capital de um continente negro dentro de uma cidade: A casa de tia Ciata se torna a capital dessa Pequena África no Rio de Janeiro, seu carisma se somando à ocupação integral de seu marido, permitindo que fosse preservada sua privacidade que se abria para a comunidade. A negra tinha respeitada sua pessoa e inviolabilizada sua casa. Privilégio? Coisa de cidadão que quanto preto recebia ou exigia, se estranhava. Na sua casa, capital do pequeno continente de africanos e baianos, se podiam reforçar os valores do grupo, afirmar o seu passado cultural e sua vitalidade criadora recusados pela sociedade. [...]. Da Pequena África do Rio de Janeiro surgiriam alternativas concretas de vizinhança, de vida religiosa, de arte, trabalho, solidariedade e consciência, onde predominaria a cultura do negro vindo da experiência da escravatura, no seu encontro com o migrante nordestino de raízes indígenas e com o proletário ou o pária europeu, com quem o negro partilha os azares de uma vida de sambista e trabalhador. (MOURA, 1983). Podemos afirmar que é esta a memória vitoriosa tanto da região, quanto da figura de Ciata e seu reduto baiano...

Veja o documento completo no link: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html

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Outra reportagem estampada no Jornal O Dia – Rio de Janeiro - 11/12/2016 Rio fará censo de terreiros de Umbanda CAIO BARBOSA Rio - Patrimônio cultural imaterial do Rio, a Umbanda ganhou um aliado de peso neste fim de ano: o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH). A intenção é fazer um cadastro, até dia 31 de dezembro, de todos os terreiros da cidade, a fim de mapear e valorizar este bem não apenas religioso, mas cultural, tão presente na Cidade Maravilhosa. O IRPH divulgará o nome dos terreiros cadastrados, que terão isenção de IPTU no ano que vem.

“A Umbanda é inclusiva. Traz o caboclo, a preta velha, o malandro, a pombagira, a criança, o marujo... cabe todo mundo. É uma prática religiosa que se fundamenta no respeito às diferenças e na força potente das misturas. Em uma cidade que parece flertar cada vez mais com a intolerância, a Umbanda deveria ser pedagogicamente encarada como um Rio possível pelo convívio fraterno entre suas gentes”, comemora o historiador Luiz Antônio Simas. O presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Washington Fajardo, destaca a importância deste cadastro, que vai partir dos próprios terreiros interessados, e não do IRPH. “Queremos criar um marco na luta pela diversidade religiosa na cidade. E valorizar a cultura africana. Não tem a ver com religião. Não é o tombamento de uma manifestação religiosa, mas de uma expressão cultural que contribuiu e contribui para a formação do povo carioca”, explica Fajardo. O primeiro terreiro cadastrado foi a Tenda Espírita Vovó Maria Conga de Aruanda, na Rua São Roberto, no Estácio. Foi justamente esta instituição a responsável por solicitar que as autoridades analisassem o requerimento para que a Umbanda se tornasse patrimônio da cidade. Os demais terreiros interessados deverão enviar um e-mail para cadastroumbanda.irph@gmail.com com uma apresentação da instituição, com a história, as atividades e o calendário de festividades. Fotos, reportagens e outros 52


documentos que comprovem a trajetória da instituição e suas relações com a cidade e seus moradores também serão considerados na avaliação do instituto. O cadastro deverá contar ainda com o nome do responsável pelo terreiro, telefone e e-mail. Se a instituição tiver um estatuto, registro ou outro tipo de formalidade, os documentos também deverão ser anexados.

Décima Primeira Parte

Bens do Rio de Janeiro – Patrimônio Diversificado

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), são considerados patrimônio imaterial as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas que as comunidades, grupos e indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Com a inclusão da Umbanda, a cidade do Rio de Janeiro conta com 54 bens imateriais chancelados pelo município. A listagem dos bens imateriais da cidade conta com a bossa nova, as escolas de samba, os blocos carnavalescos Cordão da Bola Preta e Cacique de Ramos, a obra literária de Machado de Assis, o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, os vendedores de mate e biscoitos de polvilho das praias cariocas, as festas de Iemanjá, diversos bares tradicionais da cidade, a tradicional procissão de São Sebastião, a Bênção dos Barbadinhos, as marchinhas do Carnaval, o frescobol, entre outros.

Terreiro de candomblé no Rio de Janeiro, onde o candomblé foi declarado patrimônio

imaterial do Estado do Rio de Janeiro Mostra no Rio de Janeiro homenageia a cultura afro-brasileira A mostra apresentava uma série de registros realizados durante cerimônias do terreiro de Candomblé Ilé Asé Atará Magbá Iyá Omindarewá, um dos mais tradicionais do Rio, dirigido pela iyalorixá de origem francesa, Iyá Giselle, localizado em Santa Cruz da Serra. 53


“O Vale dos Reis” – Individual de Alex Ferro Fotos do arquivo pessoa de Alex Ferro Postado em 16 de março de 2016

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A exposição “O Vale dos Reis”, de Alex Ferro, com curadoria de Marco Antonio Teobaldo, entra em cartaz no Gabinete de Fotografias do Centro Cultural da Justiça Federal, Centro, Rio de Janeiro, RJ. O acervo de vinte obras apresentado na mostra é o resultado de quatro anos de incursões em cerimônias de Candomblé, realizadas pelo artista e o curador. Em agosto de 2012, o fotógrafo teve a oportunidade de realizar o seu primeiro ensaio sobre as celebrações realizadas em um dos terreiros de Candomblé mais tradicionais do Rio de Janeiro, situado em Santa Cruz da Serra. O Ilé Asè Atará 56


Magbá Iyá Omindarewá foi criado em 1973 pela Iyalorixá Gisèle Cossard Binon, nascida no Marrocos e criada na França, com título de doutora em Antropologia pela Universidade Sorbonne.

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Alex Ferro vem registrando, desde então, diversas celebrações e cultos sagrados e experimentando técnicas e equipamentos capazes de traduzir tamanha riqueza que se colocava diante de seus olhos. Recentemente, suas obras da série “Santo Forte” foram exibidas no Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, IPN, na Região Portuária do Rio de Janeiro, e posteriormente na Firehouse Plaza Art Gallery, em Nova York.

Em “O Vale dos Reis”, algumas imagens são ampliadas de modo que estes personagens ganham aspectos de verdadeiras divindades ostentadas pelas grandes dimensões que são apresentadas. Ao passo que outros registros, são dispostos em formatos menores (100 X 80 cm e 80 X 60 cm), convidando o visitante a aproximar-se fisicamente das obras. O recorte curatorial escolhido para esta exposição é sobre as celebrações protagonizadas pelo orixá Xangô, em dois momentos diferentes: na Fogueira Xangô e na Saída de Yawô, por isso, estão agrupadas e dispostas em ambientes distintos. 58


Enquanto na Fogueira encontramos a celebração noturna, em que os orixás demonstram o seu domínio sobre o fogo, na Saída de Yawô a luz do dia revela parte dos bastidores da cerimônia, e a iniciação de uma criança de 3 anos de idade. Flavio Lazarino, artista visual e sonoro foi convidado a criar uma instalação com gravações recentes de mensagens de bênçãos enviadas por aplicativo de telefone celular, do terreiro para o grupo de seus filhos, remixadas com sons da natureza e canções em Yorubá.

De acordo com o curador, Marco Antonio Teobaldo, este trabalho reverencia a cultura brasileira e suas raízes, a partir da visão do artista sobre uma das manifestações populares mais expressivas no Brasil, no contexto da fé e respeito à ancestralidade, que adquire um impacto ainda maior dentro do Centro Cultural 59


da Justiça Federal.Trata-se também da bravura e a força de um povo, que ainda luta contra o preconceito, a intolerância religiosa e reivindica o direito de exercer livremente a sua fé. E ainda, apresenta-se como a primeira grande homenagem a Iyálorixá Gisèle Cossard Binon, falecida recentemente. Kawó Kabiesielé!!! É a saudação feita a Xangô e significa: venha ver o Rei descer sobre a Terra! Referência: Renato Rosa, São Gabriel, RS, Brasil, 1946. Marchand, pesquisador, editor do Jornal Cultural O PARALELO do site www.bolsadearte.com/oparalelo, co-autor do “Dicionário de Artes Plásticas no Rio Grande do Sul”, (2ª edição, 2000, esgotada) Editora da Universidade/UFRGS.

Bibliografia e Pesquisas on-line: 

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Pierre Edouard Leopold Verger foi um fotógrafo e etnólogo autodidata franco-brasileiro. Assumiu o nome religioso Fatumbi. Roger Bastide foi um sociólogo francês. Em 1938 integrou a missão de professores europeus à recém-criada Universidade de São Paulo.

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Felisberto Américo Sowzer ou Benzinho filho de Maria Julia Andrade Sowzer, criado em Lagos, veio para o Brasil com o sobrenome Sowzer.

Renato da Silveira, antropólogo, artista plástico e professor de Comunicação.

Silveira, Renato da. Candomblé da Barroquinha. Editora Maianga, 2007.

Barretti Filho, Aulo. “Òṣóòsì e Èṣù, os Òrìṣà Alákétu”. In: Dos Yorùbá ao Candomblé Kétu: Origens, Tradições e Continuidade. Aulo Barretti Filho (org.), pp. 75-139. São Paulo, Edusp, 2010.

Vivaldo da Costa Lima, Antropólogo e professor emérito da Universidade Federal da Bahia.

Notas Sobre o Culto aos Orixás e Voduns. 624pp, fotos em preto e branco de Pierre Verger. Tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura EDUSP 1999 ISBN 85-314-0475-4. Pierre Fatumbi Verger - Do olhar livre ao conhecimento iniciático, Jérôme Souty, Terceiro Nome, São Paulo, 2011 (ed. francesa, Maisonneuve & Larose, Paris, 2007).

 

Nina Rodrigues - Os Africanos no Brasil. Com prefácio de 1933, uma das pesquisas mais antigas no Brasil.

O Candomblé na Bahia: rito nagô, Roger Bastide - (Título original: Le candomblé de Bahia: rite nagô). São Paulo; Companhia das Letras, 2001.

O que é Candomblé (Coleção Primeiros Passos), autor: João Carmo - Brasiliense, São Paulo.

 

Xirê! O modo de crer e de viver do candomblé, Rita Amaral, Pallas, Rio de Janeiro, 2002. Cantar para subir - um estudo antropológico da música ritual no candomblé paulista, Rita Amaral, Vagner Gonçalves da Silva.

As águas de Oxalá - Àwon omi Òsàlá, José Beniste - Bertrand, 2002 – ISBN 85-286-0965-0.

Ancestralidade Africana no Brasil, Mestre Didi - SECNEB, Salvador, 1997.

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https://ocandomble.com/os-orixas

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http://super.abril.com.br/historia/candomble-no-brasil-orixas-tradicoes-festas-ecostumes

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em em

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Capítulo 2

Raízes Africanas na História do Brasil

Primeira Parte O CANDOMBLÉ EM SÃO PAULO Como já citado em matérias anteriores, São Paulo também entrou para a história da Cultura Afrodescendente, com a chegada de negros escravos que foram vendidos para trabalharem nas fazendas e na construção desta metrópole, e foi com a introdução destes escravos que também surgiram os templos, as casas e os terreiros de Candomblé, que deram origem aos atuais barracões que se esparramaram por todos os municípios paulistas. Em quase sua totalidade vemos que a predominância destes barracões ou casas-de-santos os orixás regentes são em grande maioria, Xangô, Ogum, Oxóssi e Oxalá vindo em seguida Iansã, Oxum e Iemanjá. Também percebemos que a influência de nações regentes é em grande parte Angola, Ketu, Jêje e Nagô, seguidos pelos ritos de Casas de Umbanda influenciadas pelo Congo. A umbanda neste estado tem grande número de adepto e suas regências são de Casas de Caboclos, Pretos Velhos e de Casas de Exús. Seguindo exatamente esta ordem expressa, conforme as pesquisas feitas. Como citado anteriormente, em São Paulo, foi a Iyalorixá Maria das Dores Talabideiyn que plantou a raiz em solo paulista, deixando para o seu filho Pai José Alabiy (José Gomes Barbosa), Babalorixá do Ilê Axé Ajagunã Obá Olá Fadaká, a incumbência de dar seguimento na tradição Egbá, que posteriormente passou para a sua filha Oya Dolu (Lorena de Santiago) Iyalorixá do Ilê Axé Oya Tundê, que juntamente com Baba Alajemi (Nilso Jorge Júnior), deram sequência neste fundamento e onde ainda hoje, também se preservam os mais antigos fundamentos do Nago-Egba paulista. Enquanto a nação Angola ficou a cargo e da responsabilidade do Nzo Matamba (Ilê de Iansã), tocado pela Iyalorixá Mametu Monankulu Dia Nzambi, que fica no bairro da Casa Verde da capital de São Paulo. Pouco se sabe e o que se sabe, contém poucos fundamentos e documentos que comprovem a existência do candomblé anterior aos anos de 1900. O que dificulta em muito que pesquisadores e estudiosos possam formalizarem um mapeamento com exatidão que comprove fatos de registros anteriores. Todos o material citado na área do candomblé no estado de São Paulo, vem a ser na sua maioria a forma da tradição oral, mantida até hoje em muitas casas de santo. Devido a qualidade de seus integrantes e a antiguidade de seus sacerdócios, foi que se concluiu estarmos diante de fatos legítimos e, portanto, confiáveis pois eles corroboram com as narrativas de pesquisadores de peso dentro da Cultura e do Candomblé como os mais renomados Pierre Verger, Roger Baptiste, Reginaldo Prandi (em seu livro O Candomblé de São Paulo) e Babalorixás como Walter de Oxalá, Adelino de Ogum e Baba Mutalabô d’Jagunã. Para fechar este trabalho que creio ser de grande valia para todos os seguidores das religiões afro-brasileiras, encerro publicando uma pesquisa realizada por um mestre sobre os cultos afros e suas etnias que é o grande professor, pesquisador e etnólogo Reginaldo Prandi que deixou-nos todo seu trabalho para ser estudado, pesquisado e publicado para que outras pessoas pudessem ter acesso às informações riquíssimas sobre a Cultura Africana. Abaixo a obra completa, resultado de anos de pesquisas para abrilhantar ainda mais este nosso trabalho. Espero ter agradado todos os leitores e que continuem 62


nesta viagem ao passado, para que este nosso presente possa enfim, abrir as portas para um futuro sem preconceitos. Linhagem e Legitimidade NO CANDOMBLÉ PAULISTA Obra e Pesquisa de Reginaldo Prandi A expressão "candomblé paulista", já no título deste artigo, pode soar estranha ao leitor. Afinal, quando se fala em candomblé pensa-se logo na Bahia e suas populações negras com seus costumes de origem africana. Religião afrobrasileira em São Paulo é a umbanda, pensamos logo, pois a umbanda é a religião da sociedade brasileira, cujos modos de vida se formaram no pós-1950, com o desenvolvimento capitalista centrado nas metrópoles industriais em formação no Sudeste do pais. De fato, o termo candomblé, que já era usado, pelo menos, desde os meados do século passado para designar práticas ou objetos de uso ritual da magia e da religião dos negros livres e escravos, que viviam na corte imperial e na Bahia, veio a consolidar-se, desde o começo deste século, como designação das religiões de culto aos orixás, voduns e depois encantados tal como se constituíram em Salvador e no Recôncavo baiano. Nos estados acima da Bahia, até o Rio Grande do Norte, porém, mais expressivamente em Pernambuco, as religiões de origem predominantemente africanas receberam designação de xangô; no Maranhão e no Pará foram chamadas de mina; no Rio Grande do Sul seu nome é batuque; e no Rio de Janeiro, macumba, termo que veio a se generalizar para qualquer referência (em geral preconceituosa) às religiões de origem negra de qualquer parte do país. A partir dos anos 60, contudo, a palavra candomblé, antes reservada às' expressões baianas do culto aos orixás, começou a se transformarem nome genérico para os cultos afrobrasileiros de origem "antiga", das diversas regiões do pais, em oposição ao termo umbanda, que é o nome pelo qual a mais difundida religião de origem africana é conhecida desde sua formação lá pelos anos 30 e 40. A umbanda, nascida no Rio de Janeiro do contato do candomblé com o kardecismo, profundamente influenciada pela moralidade cristã já incorporada pelos espíritas, veio, em oposição ao candomblé como religião de populações negras, a se firmar como religião para todos, sem limites de raça, cor, geografia, origem social. Enquanto o candomblé continuava como expressão de uma sociedade de molde estamental, escravocrata na origem, a umbanda espalhouse como a religião brasileira para a sociedade de classes, industrializada, urbanizada, de intensa mobilidade geográfica e social. A umbanda, ao se fazer como religião independente, adotou o uso da língua portuguesa, abandonou o sacrifício ritual de sangue e a iniciação sacerdotal com reclusão e mortificação, deixou de lado o oráculo do candomblé (especialmente o jogo de búzios) que dá ao chefe do grupo de culto a prerrogativa de decifração do destino e dos males e oportunidades da pessoa; incorporou do kardecismo a noção básica da caridade, que deslocou o eixo do culto para a prática da cura através da intervenção dos espíritos desencarnados ou encantados, no rito do transe, reduzindo a importância dos orixás e minando a estrutura rígida da autoridade centrada na mãe ou pai-de-santo que caracteriza o candomblé.

Nos passos do kardecismo, a umbanda vai se organizando em federações, adota um estilo burocrático de organização e vai cada vez mais se mostrando publicamente e lutando para ocupar espaços fora dos limites do terreiro. A 63


umbanda rompe, quase totalmente, com a idéia de mistério e segredo que é tão cara ao candomblé, mesmo porque foi se escondendo que este conseguiu sobreviver na sociedade branca e hostil. Sem mistério iniciático, a própria iniciação lenta e "misteriosa" do candomblé deixou de fazer sentido para a umbanda. Assim, e por isso tudo, até recentemente, a umbanda era vista pelas ciências sociais como uma religião para a sociedade contemporânea, cabendo às diferentes modalidades regionais do candomblé a preservação do patrimônio ético de origem negra afastado da sociedade inclusiva por limites. culturais, correndo inclusive o risco de desaparecimento à medida que a sociedade de classes avançava a incorporação de segmentos presumidamente identificados com uma identidade que os remetia a vínculos voltados para um passado cultural e social incompatível com a vida na sociedade moderna. A despeito de o candomblé nunca ter, antes dos anos 60, se constituído significativamente como religião organizada em São Paulo, e apesar de se acreditar que a umbanda, no conjunto das tradições afro-brasileiras, era a expressão religiosa mais propriamente adequada e coerente com a sociedade industrial da grande metrópole do Sudeste, o candomblé veio a ser atualmente uma alternativa importante no quadro das religiões populares que disputam o mercado religioso em São Paulo (Prandi, 1990). Tendo deixado de ser uma religião de grupos negros – como foi em suas origens e ainda o é em certas cidades do Nordeste, sobretudo –, o candomblé em São Paulo arrebanha adeptos de todas as origens étnicas e raciais, prolifera sobremaneira entre os pobres, como o pentecostalismo e a umbanda, oferecendo-se inclusive como agência religiosa especializada de serviços mágicos para uma demanda de clientes de qualquer classe social não comprometidos religiosamente. Sua recente presença em São Paulo, não anterior ao ano de 1960, já definida nos termos de uma religião competitiva capaz de se afirmar como religião de caráter universal, isto é, aberta a todos, representa uma terceira etapa de um processo iniciado com a introdução do kardecismo na sociedade brasileira, na virada do século, e redirecionado com a consolidação da umbanda, numa segunda etapa, a partir dos anos 50. No começo, e ainda hoje, a maioria dos militantes do candomblé paulista é salda dos quadros umbandistas, já contando o candomblé nos dias correntes com cerca de três mil terreiros em São Paulo (Prandi e Gonçalves, 1989 a e 1989 b).

Em 1987, iniciei um projeto de pesquisa com o fim de conhecer o processo de mudanças que vem fazendo do candomblé, em São Paulo, uma religião originalmente de grupos negros, uma religião de caráter universal, isto é, sem barreiras geográficas, étnicas, de cor e de classe social. Uma religião que, desse modo, passa a competir com outras ofertas religiosas presentes na metrópole paulista, sobretudo o pentecostalismo e a umbanda, mas também o novo catolicismo popular das comunidades de base. Até 1989, foram estudados 60 terreiros de candomblé localizados nos mais diversos pontos geográficos da região metropolitana da Grande São Paulo, incluindo-se nesta amostra terreiros das mais expressivas "nações" de candomblé (1): do tronco iorubá, terreiros das nações queto, efã e nagô pernambucano; do tronco banto, terreiros angola; do fon, o jeje-mina; além do candomblé de caboclo, que pode aparecer justaposto aos demais, mas nunca autonomamente (2). Creio que a pesquisa permitiu reconstruir uma primeira versão da formação do candomblé em São Paulo, 64


identificar suas fontes e avançar alguma interpretação sobre o sentido sociológico de sua reprodução no Sudeste contemporâneo em contraposição com a umbanda, religião que a muitos se mostrara como uma espécie de etapa "urbanizada" do próprio candomblé em seu contato com o kardecismo, visão que condenava o candomblé ao espaço das religiões voltadas para grupos específicos (Prandi, 1990). Característica importante do candomblé é a ênfase na origem religiosa, a importância atribuída ao conhecimento da genealogia religiosa do iniciado, a valorização da tradição. Um membro do candomblé é reconhecido nos meios do chamado povo-de-santo, os adeptos do candomblé, pelo conhecimento que se tem de quem o iniciou, seu pai ou mãe-de-santo, de quem iniciou seu pai ou mãe, e depois seu avô ou avó, e assim por diante, até a Bahia do século passado e até a África, se e tanto quanto possível.

A origem religiosa, hipervalorizada no candomblé, padece, contudo, de muitas dificuldades, entre as quais o fato de que as origens mais valorizadas mudam com o tempo. Um tronco religioso "antigo" ora é mais ora é menos aceito como de maior legitimidade, pois muito aí influi não só o carisma e a publicidade dos chefes de terreiro que lideram as linhagens, como a própria pesquisa cientifica; capaz de, através do registro etnográfico das descobertas feitas pela prática da reconstituição histórica, emprestar- a esta ou àquela casa de candomblé um reconhecimento de "antigüidade" e "originalidade" muito procurado pelo povode-santo. Nos dias de hoje, neste jogo de afirmação, importantíssimos são a mídia, os movimentos artísticos e culturais e as instituições oficiais encarregadas de definir, selecionar e preservar aquilo. que possa ser definido como "tradição" para a sociedade brasileira, ou seja, os órgãos de tombamento patrimonial. Candomblé sempre foi identificado com tradição, e como tal se forjou como objeto da ciência, desde Nina Rodrigues no final do século passado, o qual estudava preferencialmente o terreiro do Gantois (que mais tarde seria chefiado por Mãe Menininha, a mais famosa mãe-de-santo de todos os tempos) exatamente pelo fato de poder creditá-lo como um terreiro de origem africana "legítima", autêntica. E este tem sido desde esses velhos tempos o grande drama do candomblé: quem é criais legitimo, mais antigo, mais autêntico, mais tradicional?

No presente texto, ao estudar a formação do candomblé em São Paulo em suas relações com o candomblé das regiões de onde este é proveniente, procuro mostrar como os adeptos do candomblé enfrentam e Manipulam a questão da tradição, movendo-se com muita freqüência de uma linhagem religiosa para outra, ao se mudarem de terreiro e mudando de nação. As tendências mais claras da direção em que se dão essas mudanças de axé (terreiro, linhagem, nação) permitem perceber a existência de um processo de mobilidade no interior da religião que aparece como um processo de mobilidade social (no inicio é mobilidade geográfica: a migração do Nordeste para o Sudeste), uma vez que as redes de parentesco, e as mudanças de um grupo para outro, inserem os adeptos em linhagens religiosas de origens diferentes, todas elas portadoras.dos mesmos graus de prestígio. Como este prestígio é, sobretudo, um reconhecimento proveniente do mundo não religioso, que no começo deste século, no Nordeste, era o mundo branco, letrado, culto e de homens de extração social elevada, e, hoje, é a sociedade brasileira em seu conjunto, uma mudança 65


de linhagem implica certo tipo. de ação no interior dá religião que remete, necessariamente, ao mundo profano. Ser do santo, ser do candomblé, hoje, prenuncia a possibilidade de uma carreira sacerdotal que também está referida à profissionalização, numa sociedade em que o feiticeiro e sua magia são perfeitamente aceitos socialmente, abrindo-se inclusive, para isso, espaços específicos no mercado de prestação de serviços pessoais. Competir num mercado de trabalho como o de agora importa deter certa competência, real ou atribuída pela agência formadora. Nesta sociedade, no mercado religioso e mágico, axé pode ter o sentido do currículo, isto é, o da boa escola.

Esse processo de refiliações a terreiros e famílias-de-santo (Lima, 1977) de maior reconhecimento pela sociedade exterior à religião, conta com fontes de ganho de prestígio que são definidas e oferecidas, muitas vezes, aos terreiros e aos adeptos, exatamente pela sociedade laica: o conhecimento acadêmico com suas fontes escritas e suas instituições de ensino culto, o mercado livreiro e discográfico, a formação de imagens públicas pela mídia eletrônica, além de mecanismos oficiais de atribuição de importância patrimonial a aspectos também da cultura popular, como os órgãos governamentais de tombamento e preservação compulsória. Para não falarmos da demanda pela religião e, especialmente no caso do candomblé, pela magia que põe em, destaque este ou aquele pai ou mãe-de-santo, terreiro, nação, linhagem. E se este destaque, esta visibilidade, de um lado é o do feiticeiro para uma clientela ad hoc interessada apenas na solução de seus problemas pessoais, do outro é a do sacerdote para uma população de fiéis.

Apesar de trabalhar dentro dos limites que me são impostos pelo objeto da investigação a que me propus, acredito ser possível, através dos achados aqui descritos, ver em funcionamento alguns mecanismos importantes na construção do que é uma tradição na sociedade brasileira, num jogo de apropriações sucessivas, em que, a última etapa parece ser a própria intervenção do Estado, que aparece não para preservar, como ele se propõe em principio, mas para construir, neste caso, uma tradição de 150 anos em apenas dez. Talvez seja apenas um capitulo a mais da história da invenção das tradições (Hobsbawn e Ranger; 1984).

Segunda Parte Origens e linhagens O candomblé chega e se expande em São Paulo por diferentes maneiras: através de pais-de-santo que vêm do Rio e da Bahia para iniciarem filhos aqui; quando umbandistas vão ao Rio e à Bahia para lá se iniciarem no candomblé; nos casos em que um pai ou mãe-de-santo migra para São Paulo já iniciado em seu estado de origem e abre aqui terreiros de candomblé; na situação em que o migrante já vem "feito" no candomblé, mas começa sua carreira religiosa em São Paulo abrindo casa de umbanda, para mais tarde vir a tocar candomblé e abandonar, a umbanda; e, finalmente, através de filhos que já são iniciados em São Paulo por mães e pais-de-santo, por sua vez, também iniciados em São Paulo. Estas 66


cinco maneiras de entrar na expansão do candomblé em São Paulo podem ser observadas até os dias de hoje. Já na etapa de expansão, é claro, esta última forma é a mais freqüente e é também a que reforça a idéia de estar esta religião se enraizando na metrópole. Dos meados dos anos 50 até o começo dos anos 60, Joãozinho da Goméia, que, havia muitos anos, transferira sua roça de Salvador para Caxias, no Rio de Janeiro, visitava constantemente São Paulo onde era amigo de influentes líderes umbandistas. Muitos dos primeiros personagens do candomblé de São Paulo foram por ele iniciados ("feitos", na linguagem-desanto). E feitos aqui em São Paulo, embora este primeiro começo tenha contado também com filhos de Joãozinho feitos na Goméia do Rio e na originária Goméia da Bahia. Por volta de 1960, havia um trânsito importante entre Rio e São Paulo, entre umbanda e candomblé, trânsito que trazia o candomblé para dentro da umbanda e o Rio para dentro de São Paulo. Pela memória dos mais velhos, sabemos que os terreiros de mais prestigio (3), no Rio de Janeiro, nessa década eram todos filiados a tradicionais terreiros da Bahia; o terreiro da Goméia de Joãozinho e o Ilê Axé Opô Afonjá então dirigido por Mãe Agripina Souza, terreiro fundado por sua mãe-de-santo Mãe Aninha (Eugênia Anna dos Santos) no Rio, pouco antes de seu retomo a Salvador, onde veio a abrir, por volta de 1910, o Ilê Axé Opô Afonjá em solo baiano (4); a casa de Tata Antônio Fomutinho (Antônio Pinto) e de seu filho-de-santo Seu Djalma de Lalu (Djalma Souza Santos); a casa conhecida pelo nome de Pantanal, fundada por Pai Cristóvão do Ogunjá (Cristóvão Lopes dos Anjos), descendente direto da casa matriz da nação efã, o Terreiro do Oloroquê, em Salvador; o terreiro Tumba Junçara de Manuel Ciríaco dos Santos; e o de Neive Branco Manuel Rodrigues Soares Filho), gêmeos de seus terreiros baianos (5); o candomblé de João Lessenguê, e outros menos lembrados. Aí estavam representadas as nações de candomblé gueto, efã, angola, jeje-marrim, caboclo. Todas se reproduziram em São Paulo entre 1960 e 1970, quando a estas vieram se juntar outras de origem geográfica mais distante; a nação nagô pernambucana, a mina-jeje maranhense, o nagô-ijexá gaúcho. Refundindo-se, refazendo-se, transformando-se. São Paulo se fará cosmopolita, também, para as nações de candomblé. O estabelecimento do candomblé no Estado de São Paulo parece ter começado em Santos, onde estão as casas lembradas como as mais antigas. Ou seja, enquanto umbandistas de São Paulo se iniciavam no candomblé com pais e mães do Rio ou da Bahia, tanto indo para lá como os recebendo aqui, alguns terreiros já haviam se instalado diretamente na Baixada Santista, mais ou menos em torno do cais do porto. O próprio povo-de-santo vê o candomblé como uma religião do litoral, certamente porque ele se formou em capitais litorâneas e suas cercanias: Salvador e o Recôncavo, Recife e Olinda, Baixada Fluminense, Porto Alegre. O mais antigo terreiro de candomblé no Estado de São Paulo foi fundado, pelos dados de que disponho, em Santos, em 1958, por Seu Bobó. Vindo da Bahia, Seu Bobó, José Bispo dos Santos, hoje com 75 anos de idade, ficou no Rio de 1950 a 1958. Diz a lenda (Bobó já é, em vida, uma lenda do povo-de-santo de São Pado) que. Bobó, na Bahia, teria sido suspenso, isto é, escolhido por um orixá no transe, para ser ogã no terreiro de Maria Neném (Maria Genoveva do Bonfim), um dos importantes troncos do candomblé angola, e que depois teria freqüentado a casa de Simpliciana (Simpliciana Maria da Encarnação), ialorixá do terreiro de Oxumarê (outro tronco fundante do candomblé em Salvador, hoje dirigido por Tia Nilzete). Acontece que um ogã não pode ser pai-de-santo, pois ele não tem a faculdade de entrarem transe. Comentei sobre essas coisas com ele e Seu Bobó me explicou: "Estes meninos de hoje, o que eles sabem do tempo dos antigos? 67


Eu sou do santo e estou no santo faz mais tempo que o avô deles. Mas quando eles precisam aprender alguma coisa eles pegam o ônibus lá no metrô e vêm tudo correndo aqui." A casa-de-santo de Seu Bobó está há muito tempo no bairro do Itapema, Rua Projetada Caic, 63, município do Guarujá, do outro lado do canal do porto de Santos. Bobó é pai-de-santo de chefes de muitas casas de São Paulo, filhos que ele iniciou, ou que adotou ritualmente, como Roberto de Oxóssi* (6).

Também em Santos fixou-se Mãe Toloquê (Regina Célia dos Santos Magalhães). Iniciada ainda na Bahia por Joãozinho da Goméia, 50 anos atrás, Toloquê, mãede-santo de Adilson do Ogunjá*, veio para o Rio, onde iscou cerca de seis anos, e desceu para Santos nos anos 50, onde está até hoje. Seu terreiro, o Axé Obioju, fica à Rua Prof. Francisco Domênico, 584, no Bom Retiro, em Santos. Ainda na Baixada Santista, em São Vicente, no início dos anos 50, abre casa o pai de=santo Vavá Negrinha, Valdemar Monteiro de Carvalho Filho, baiano de nação jeje de casa de Guaiacu. Hoje, doente, Seu Vavá vive na casa de seu filho-de-santo (por adoção) Walter de Ogum*, originário do catimbó pernambucano, e iniciado no candomblé do extremo sul do país, em Porto Alegre, 1969, na casa de Mãe Iemanjá-Ossi (Ester Ferreira), filha ou irmã-de-santo de João do Bará, linhagem estudada por Herkovits (1943) nos anos 40 e por Norton Corrêa (1988) no presente. Todo esse grupo, fixado na Baixada Santista, mantinha estreitas relações com Joãozinho da Goméia e com certos terreiros de umbanda de São Paulo. Em 1961, chega a São Paulo Alvinho do Omulu, Álvaro Pinto de Almeida, branco, fluminense; feito no santo em 1954 pelo já citado Cristóvão de Ogunjá, no terreiro fluminense conhecido como terreiro do Pantanal, fundado por este em 1952, após ter passado alguns anos com um terreiro na Vila São Luís, em Caxias. Cristóvão vinha da Bahia onde fora iniciado no terreiro do Oloroquê por Matilde de Jagum Segunda; Matilde Muniz do Nascimento (1900-1973), filha-de-santo de Matilde de Jagum Primeira, que herdou o terreiro de seus fundadores, Maria da Paixão, a Maria do Violão, e o africano Tio Firmo Olufandei. Ainda na Bahia, mas já com casa em Obarama (embora nunca tenha se desligado do Oloroquê, até morrer, poucos anos atrás), Cristóvão iniciou, em 1933, Waldomiro Costa Pinto, Waldomiro de Xangô, popularmente chamado Baiano, e que virá a ser figura importante na etapa de consolidação do candomblé queto em São Paulo. Antes de Alvinho chegar em São Paulo, como funcionário transferido do antigo IAPETEC, ele teve, no Rio, uma casa de candomblé aberta em 1964, no Largo do Bicão, na Penha. Ali tirou seu primeiro barco de iaôs, isto é, iniciou sua primeira turma de filhos-de-santo (7). Em São Paulo, Pai Alvinho passou a freqüentar um terreiro de umbanda na Ponte Rasa, o de Décio de Obaluaiê, iniciado no candomblé por Tata Fomutinho. Nesta casa foi iniciado no candomblé, por Antônio Fomutinho, o umbandista Jamil Rachid, sendo, Alvinho o seu paipequeno. Jamil. Jamais abandonou a umbanda e veio a se tomar um dos dirigentes mais importantes no quadro das federações umbandistas de São Paulo (Concone e Negrão, 1987, p.49). E foi nesta casa que Pai Alvinho tirou seu primeiro barco de iaôs em São Paulo. No início dos anos 60, havia em São Paulo outras casas em formação. Os paisde-santo daquela época mais lembrados são Vavá Negrinha e Seu Bobó, que transitavam entre Santos e São Paulo, Seu José de Oxóssi, vindo do queto baiano, 68


Camarão de Iansã, filho-de-santo de Joãozinho da Goméia, como sua irmã-desanto Mãe Toloquê, além da presença constante, em São Paulo, do próprio babalorixá da Goméia, João Torres Filho, Joãozinho da Goméia, Joãozinho do Caboclo Pedra Preta, a quem se acusa de nunca ter sido feito por Jubiabá, como ele dizia, mas que foi o homem mais influente na consolidação pública do candomblé no Sudeste. Há os que se iniciam, que ingressam ritualmente no candomblé e há os que iniciam o candomblé, ou ritos e nações de candomblé. Como acontece com qualquer instituição. Em São Paulo, Alvinho sempre se instalou na zona Leste. Sua primeira casa ficava na Vila Libanesa, onde raspou sete barcos, num total de 17 iniciados. Depois ele foi para Engenheiro Goulart, em 1964, e mudou-se mais uma vez, agora para a cidade A. E. Carvalho e finalmente para o Imirim. Em 1972, Alvinho voltou para o Rio, onde seu terreiro está hoje instalado em Engenheiro Pedreira, Nova Iguaçu. Mas vem freqüentemente a São Paulo. Nesses onze anos de terreiro em São Paulo, Alvinho iniciou 51 barcos de iaôs, dentre os quais os barcos de Ada de Obaluaiê*, João Carlos de Ogum*, José Mauro de Oxóssí*, Deusinha de Ogum*, enfim, toda uma primeira geração de pais e mães do candomblé paulista que já haviam experimentado por bom tempo o sacerdócio umbandista. Dentre os muitos filhos-de-santo de Joãozinho feitos em São Paulo, podemos citar, entre os primeiros, Dona Isabel de Omulu* (1962), e sua filha Wanda* (1964); Sessi Mikuara, esposa do Tenente Eufrásio, importante nome da história da umbanda paulista, além de Gitadê*, feito no Rio, e que mais tarde trouxe para São Paulo o que restou dos fundamentos do terreiro da Goméia, e a já citada Mãe Toloquê, dos tempos de Joãozinho na Bahia. Em 1965 abriu casa Manodê*, nascida no sul da Bahia, e iniciada em Salvador por Nanã, Erundina Nobre Santos. Quando Mãe Nanã se mudou para Aracaju, levou consigo sua filha Manodê, que, depois de se casar, acompanhou o marido migrante para São Paulo no ano de 1963. De nação angola, Nanã de Aracaju, falecida com 115 anos em 1981, é considerada a fundadora de um tronco angola que leva seu nome: o candomblé de Nanã de Aracaju. Esta linhagem já tem muitas gerações espalhadas por todo o Brasil (8). A casa de Manodê*, fundada em 1965, no mesmo endereço em que ainda hoje se encontra, é um exemplo formidável do crescimento de uma casa-de-santo. Ali, ao lado do grande e novo barracão, ainda se encontra erguido o primeiro, acanhado e pequeno. Nesse terreiro, que sempre permaneceu uma casa de angola, ela iniciou e ainda inicia filhos, entre os quais Aulo de Oxóssi*, hoje gueto africanizado, do grupo da nova geração de pais e mães-de-santo intelectualizados, ao qual pertence Sandra de Xangô, sobrinha-bisneta-de-santo da mesma Mãe Manodê*. Tendo se iniciado no candomblé diretamente no terreiro do Gantois de Mãe Menininha, nos anos 50, o paulista Babá Idérito*, após estudar iorubá na USP, em 1977, e empreender várias viagens à África, dirige hoje o terreiro de candomblé talvez mais africanizado do pais. No barracão de sua roça em Guarulhos, lê-se, afixado na parede, o seguinte: "Todas as modificações que foram, e que continuarão a ser introduzidas nesta casa servirão para conduzi-Ia até suas origens, na África". Ainda desses primeiros anos é também a casa de Diniz da Oxum (Diniz Neri), filho-de-santo de Waldomiro Baiano, que se estabeleceu em São Vicente antes de 1960. Foi ele quem confirmou, no Rio, em 1961, Gilberto de Exu*, no cargo de ogã. Em 1962, à procura de emprego, migrou de Feira de Santana Ajaoci de Nanã*. Logo se integrou nas redes da umbanda e desse candomblé em formação, iniciando 69


expressiva linhagem na região Noroeste da capital. Dele 'é filho-de-santo, no candomblé, Aligoã de Xangô*, antiga mãe dë~ umbanda e depois de candomblé angola, a qual iniciará Armando de Ogum*. Este virá a receber, sete anos depois, seu grau de senioridade, já no rito gueto, africanizado, pelas mãos de Mãe Sandra de Xangô*. Já no final dos anos 60, outras casas fundadoras foram chegando: Waldomiro de Xangô, Baiano, já citado, abriu casa por pouco tempo em São Paulo, mas manteve a de Caxias, no Rio, e mesmo depois, só com a roça do Rio, permaneceu residindo em São Paulo. Por volta de 1970, o efã Waldomiro Baiano passou a fazer parte da família-de-santo gueto do Gantois. Este fato, nos anos seguintes, fez mudar muita coisa no candomblé de São Paulo. Pérsio de Xangô*, que já morava em São Paulo com casa de umbanda, voltou à Bahia em 1968, onde se iniciou com Nezinho da Muritiba, sendo sua dofona de barco Tia Nilzete, filha carnal de Simpliciana, ialorixá de Axé de Oxumarê, em Salvador, onde ela ocupa o cargo herdado da mãe. Em 1971, Pérsio* iniciou Tonhão de Ogum*, de quem mãe Rosinha* foi a mãe-pequena. Seu Nezinho da Muritiba, Manuel Siqueira do Amorim, era o chefe do terreiro do Portão de Muritiba, no Recôncavo, onde Mãe Rosinha de Xangô* era mãe-pequena; era estreitamente ligado por laços religiosos ao Gantois e à Casa Branca do Engenho Velho, onde fez o jogo de búzios para indicar a sucessora da falecida Tia Maci. Numa de suas andanças por São Paulo, Nezinho, acompanhado por Rosinha*, deu, em 1970, a obrigação de senioridade ao pai-de-santo José Mendes*, o auto-intitulado "Rei do Candomblé", sobre quem Ismael Giroto escreveu sua dissertação de mestrado em Antropologia (Giroto, 1980). Neste terreiro Giroto foi confirmado ogã. Desligado depois desta casa, com os propósitos de se estabelecer como pai-desanto, veio, inclusive, a questionar a fidedignidade de parte da informação oral fornecida pelo pai-de-santo sobre sua linhagem e registrada em sua dissertação. Por volta de 1970, havia muitos paulistas sendo iniciados em São Paulo e outros mais indo à Bahia e ao Rio para lá fazer o santo. Ainda estava chegando gente que formaria grandes famílias, como Milton de Oxóssi (Milton Mercadante), que veio de Mãe Eulália do Axé da Ilha Amarela, no Rio de Janeiro; e Kajaidê*, que para lá foi a fim de ser iniciado. Pai Doda de Ossaim* foi filho de Milton de Oxóssi e, com a morte dele, passou para a mão de Kajaidê*. Em 19 de março de 1971, aos 57 anos de idade, morreu no hospital das Clínicas de São Paulo, Joãozinho da Goméia. Ocorreu então uma reviravolta de nações no candomblé em São Paulo. O angola entrou em baixa, e o gueto se impôs, começando o período de predomínio desse candomblé nagô da Bahia, com grandes disputas sobre tradição, origem e legitimidade, tanto entre o povo-desanto, quanto entre antropólogos (Dantas, 1988). Era a época do prestígio do Gantois de Mãe Menininha, e Baiano, então reconhecidamente adotado por esta mãe-de-santo, cantada em prosa e verso, passou a ser pai-de-santo de muitos filhos feitos por Joãozinho da Goméia, além de outros iniciados em outras casas e nações. Na qualidade de filhos de Baiano, eles passavam a ser ritualmente netos de Menininha – todos no axé do Gantois, a mais prestigiada família-desanto de todos os tempos no Brasil. No ano de 1972, aconteceu o jubileu de ouro de iniciação da mãe-de-santo do terreiro do Gantois, ocasião em que Dorival Caymmi compôs Oração a Mãe Menininha, música que alcançou grande sucesso na voz de alguns artistas na época, por sinal baianos: Gal Costa, Maria Bethânia; Caetano Veloso. Nesse contexto da "nagocracia", chegou Mãe Juju*, que assumiu em São Paulo a casa que seu pai carnal, Nezinho da Muritiba, vinha construindo em Sapopemba. Olga do Alaqueto (Olga Francisca Régis) fixou residência em São 70


Paulo, permanecendo na Bahia quatro meses por ano, para as obrigações no seu mais que centenário terreiro. Caio Aranha, famoso pai-de-santo da umbanda paulista, com terreiro primeiro no Brás e depois no Jabaquara; foi sé passando para o candomblé e inaugurou, em 1974, na Vila Fachini, o mais imponente terreiro de candomblé do país. Caio atraiu para sua casa a gente mais importante dos candomblés do Rio e da Bahia. Em 1984, ao falecer, foi sucedido por sua sobrinha e filha-de-santo, Sílvia de Oxalá*. Gente feita no santo e que havia migrado para São Paulo numa época em que o candomblé não estava presente, e que, por isso mesmo, mantinha terreiros de umbanda, voltou à religião de origem e passou a tocar candomblé. Como é o caso de Mãe Zefinha da Oxum*; feita no nagô pernambucano por Pai Romão, filho carnal e herdeiro de Pai Adão, e por Mãe Maria das Dores*, ambos raízes do xangô pernambucano de maior reconhecimento público. E como o caso de Pai Abdias de Oxóssi*, que ainda menino fora iniciado pela mãe-de-santo Samba Diamongo do Terreiro do Bate Folha (terreiro fundado por Manuel Bernardino da Paixão), a qual foi a avó-de-santo do baiano Ojalarê, que já veio para "trabalhar no santo". Ainda pela frente tivemos a chegada de Francelino de Shapanan*, do jeje-mina maranhense; a mudança para São Paulo do terreiro de Pai Gabriel de Oxum*, que, a partir de São Paulo; trabalhando religiosamente bastante ligado ao Pai Marco Antônio de Osaim*, e que tem permanecido boa parte de seu tempo na Suíça, onde tem larga clientela; a instalação de uma casa de culto de eguns, sob orientação de Mestre Roxinho, da família dos fundadores do candomblé de egungum de Itaparica; a vinda da filha carnal de Neive Branco, Mãe Meruca*; a mudança completa; do Recife para São Paulo, do terreiro quase centenário da mãe-de-santo de Mãe Zefinha de Oxum*, a matriarca pernambucana Mãe Maria das Dores* (já citada em 1934 nos anais do Primeiro Congresso Afro-brasileiro do Recife, organizado por Gilberto Freyre) (9). Mas é difícil encontrarmos um terreiro em que todos, ou a grande maioria, tenham sido ali iniciados no candomblé, e mais raro ainda achar um outro em que boa pane dos iniciados não tenha abandonado a mãe ou pai-de-santo da casa (o iniciador original) para, se abrigar sob a tutela religiosa de outro axé. E a cada. mudança,,a teia de parentesco vai se ampliando, se emaranhando, como se, ao foral, partindo-se de tantas e diferentes origens, se chegasse a uma somente. No candomblé, o conflito separa, afasta e rejeita, mas induz também a aproximação e a adoção pelo outro. Isto, na resultante dos movimentos de afastamento e recepção, esta circulação de adeptos pelos terreiros, nações e linhagens, aproxima as casas, ainda que as mantenha. antagônicas entre si. E quase sempre haverá algum grau, mesmo que remoto, de parentesco com o outro. Assim se vai formando o povode-santo, e a religião se constituindo em âmbito nacional, por conseguinte.

Terceira Parte Parentesco e força sagrada No candomblé, a palavra axé tem muitos significados. Axé é força vital, energia, princípio da vida, força sagrada dos orixás. Axé é o nome que se dá às partes dos animais que contêm essas forças da natureza viva, que também estão nas folhas, sementes e nos frutos sagrados. Axé é bênção, cumprimento, votos de 71


boa sorte e sinônimo de amém. Axé é poder. Axé é o conjunto material de objetos que representam os deuses quando estes são assentados; fixados nos seus altares particulares para serem cultuados. ,São as pedras (os otás) é os ferros dos orixás, suas representações materiais, símbolos de uma sacralidade tangível e imediata. Axé é carisma; é sabedoria nas coisas-do-santo, é senioridade. Axé se tem, se usa, se gasta, se repõe, se acumula. Axé é origem, é a raiz que vem dos antepassados. Os grandes portadores de axé, que são as veneráveis mães e os veneráveis pais-de-santo, podem transmitir axé pela imposição das mãos; pela saliva; que; com a palavra sai da boca; pelo suor do rosto, que os velhos orixás em transe limpam de sua testa com as mãos e, carinhosamente, esfregam nas faces dos filhos prediletos. Axé se ganha e se perde. A intensidade do axé de uma casa pode ser mensurada pelo número de filhos e clientes que seu chefe consegue arrebanhar. Axé é uma dádiva dos deuses, mas é preciso conhecer as fórmulas rituais corretas, perfeitas, para se chegar a ele. "Ah, mas qual é a folha certa?" se pergunta o venerando Idérito de Oxalufã, filho da mãe de mais axé do candomblé de todos os tempos, Mãe Menininha do Gantois, e que mesmo assim não se cansa de peregrinar à África na procura das verdadeiras raízes que, em parte, teriam se perdido no Brasil. Ele nos contou que, sempre, ao voltar da África ia a Salvador, subia a ladeira da Federação que leva ao templo da velha mãe, para tornar a sua bênção. Em respeito a ela nunca tocou no assunto de suas viagens. Sua irmã-desanto, Creuza de Nanã, filha carnal de Menininha e hoje sua sucessora na casa do Gantois, criticou-o, sutilmente, como é costume entre o povo-de-santo, dizendo-lhe que ela, Creuza, nunca tivera a necessidade de ir à África para aprender o oriqui (a reza da ancestralidade) de sua mãe, o orixá Nanã Buruku. Ao que, respondeu Pai Idérito: "Sim, mas sem ir lá, você nunca vai ficar sabendo quem foi a mãe de Nanã." Nós, pesquisadores sem tato, perguntamos, afoitos: "E quem é a mãe de Nanã, Babá?" Ele deu de ombros, como quem diz: "Ah, pesquisadores..." Isto também é axé, é conhecimento, é poder, é fundamento. Axé também é a coisa enterrada, objetos de culto escondidos, primeiro da perseguição policial, perseguição do branco, e mais tarde escondidos da curiosidade do olhar profano, do interesse de quem não tem raiz, não tem origem, aquele que é côssi, no linguajar-de-santo. Axé é sobretudo a casa de candomblé, o templo, a raça, a tradição toda. A matriz fundante de toda uma descendência. Axé é linhagem, é família-de-santo, é saberse pertencente a uma descendência cuja origem é conhecida e comprovada por registros históricos, pelo trabalho do etnógrafo de outrora, pela prova da fotografia, hoje. Ter axé é ter legitimidade junto ao povo-de-santo.

Filiação por feitura é por obrigação No candomblé, todo iniciado tem seu pai ou mãe-de-santo, e por conseguinte, um avô ou avó-de-santo, bisavô ou bisavó, e assim por diante. Filhos do mesmo pai serão irmãos. Filhos de irmãos serão sobrinhos etc. O parentesco religioso tem exatamente a mesma estrutura do parentesco ocidental contemporâneo não religioso. Quando um pai-de-santo morre, os filhos devem tirar de suas cabeças a mão do falecido – tirar a mão de vume ou de vumbe, como se diz. Nessa cerimônia, o sacerdote que substitui o falecido passa a ser o novo pai ou mãe72


de-santo do órfão. A filiação anterior era por "feitura", por iniciação, esta segunda é por adoção, por "obrigação". "Dei obrigação com Mãe Maria de Oxóssi" significa que passou sua cabeça e seu santo para os cuidados desta mãe Maria. Quando uma casa perde seu chefe, a sucessora ou sucessor recebe todos os membros da casa em adoção, sem mudança de linhagem, pois a mudança do parentesco religioso, nesse caso, se deu em linhagem direta. Todos continuam pertencendo ao mesmo axé, à mesma casa onde foram iniciados. Mas as sucessões nas casas-de-santo (que têm conseguido sobreviver à morte do chefe) sempre foram conflituosas, desde as primeiras vacâncias do trono da Casa Branca do Engenho Velho, considerado "o primeiro terreiro"; por morte de suas ialorixás. Conflitos sucessórios na Casa Branca deram origem ao terreiro do Gantois, fundado por Maria Júlia da Conceição Nazaré, e anos depois ao terreiro do Axé Opô Afonjá, fundado por Aninha, ambas filhas da Casa Branca e pretendentes a frustradas sucessões. Num candomblé, quando morre a mãe-desanto e o filho não concorda com a sucessão, ele busca outro axé, ou funda um outro. Fundar outro axé era fácil no princípio, mas não tanto agora, quando já há uma história, ou uma memória, alimentando o mecanismo de legitimação da origem. Um filho pode, também, romper com sua mãe quando esta ainda é viva e procurar outra casa para se filiar. Há procedimentos complicados, o oráculo terá que ser consultado, interesses serão pesados etc. De todo modo, pode-se passar de um axé para outro através da "obrigação". A obrigação, a adoção, pode ser radical e pública, com novos ritos de raspagem, mudanças do orixá da pessoa etc. Pode ser uma obrigação simples, como tomar um banho de ervas sagradas, fazer alguns sacrifícios, dar uma comida à cabeça. Varia muito. Quando uma mãe-de-santo deseja afastar a presunção de alguém que alega ser seu filho por obrigação, quando ela nega uma possível adoção, ela diz: "Da minha mão, ele não tem na cabeça nem um copo d'água". Até quarenta ou cinqüenta anos atrás, as feituras-de-santo na Bahia envolviam uma série de casas (e em Pernambuco envolvem ainda hoje duas, a da mãe e a do pai-de-santo, que podem ser de origens diferentes). Compareciam mães e pais de diferentes casas e nações – era um momento de confraternização. Cada uma ajudava um pouco. A mãe tinha experiência na iniciação para determinado orixá, por não saber com segurança suas cantigas e preceitos, mandava a filha para ser iniciada em outra casa, ou chamava para o seu terreiro outra mãe-de-santo para ajudá-la a fazer a filha. No candomblé de hoje, em São Paulo, na Bahia, em Pernambuco, no Maranhão, no Rio Grande do Norte, no Rio Grande dó Sul, a questão da origem parece ser o assunto predileto do povo-de-santo. O tempo todo a legitimidade da origem religiosa é posta em dúvida. Pai Alvinho é quem diz: "Eu fotografo tudo e anoto tudo, tenho todas as datas. Meus filhos podem provar que são meus filhos". Pai Idérito, que não admite a entrada de câmaras fotográficas no seu barracão, autoriza a família do iniciado a tomar algumas fotos em certos momentos da cerimônia pública. A pesquisa de campo mostrou que são raríssimos os sacerdotes chefes de terreiros de São Paulo que permaneceram filiados ao axé de feitura (terreiro onde foram iniciados), ocorrendo seqüências de rupturas e refiliações que já vêm desde a Bahia, é bom deixar bem claro. Quando um pai-de-santo se afasta 73


de seu pai ou mãe-de-santo e toma a mão de um outro, esta nova mão expressa, como comprova a presente pesquisa, uma mobilidade no campo da legitimação das origens, cuja trajetória é bastante clara, referida a conjunturas históricas que marcam o prestígio maior ou menor de uma nação-de-candomblé em relação às outras. Repete-se aqui, agora no universo do candomblé, o movimento de passagem da umbanda ao candomblé. Primeiro, entre 1960 e 1970, houve a tendência de maior filiação ao angola (que está mais próximo da umbanda), sobretudo o de Joãozinho da Goméia e seus descendentes. Nesse mesmo período foi igualmente expressivo o crescimento do candomblé de predominância iorubana, o de Alvinho d'Omulu, descendente direto da efã do terreiro Axé do Oloroquê da Travessa Antônio Costa, nº 2, Largo da Capelinha, Engenho Velho de Brotas, Salvador, além das várias linhagens gueto a que se filiavam outros pioneiros já citados. Waldomiro de Xangô, o Baiano, dessa mesma origem efã de Alvinho, ao passar para o axé do Gantois, onde teria dado obrigação com Mãe Menininha, arrastou consigo, nos anos 70 e 80, por adoções sucessivas, diretas ou colaterais, duas ou três gerações de iniciados paulistas. No conjunto das 60 casas de candomblé que estudei em São Paulo, observamos as seguintes situações:          

- 31 dos chefes foram originariamente umbandistas ou tocaram umbanda por um certo tempo, mesmo depois de iniciados no candomblé; - quatro deles permanecem com toques de umbanda regulares combinados ou alternados com o candomblé; - 26 iniciaram-se na nação angola, muito mais próxima da umbanda e com grande prestigio derivado da visibilidade pública e do carisma de Joãozinho da Goméia até sua morte em 1971; - 11 continuam na nação angola; - 35 foram iniciados numa nação de predominância cultural iorubana (queto, efã, nagô) - 45 fazem hoje parte deste grupo iorubano; - 27 foram iniciados no queto; - 37 são os que hoje estão no queto; - dois foram iniciados em linha direta no Gantois; - 12 estão hoje filiados (dez por adoções sucessivas) ao terreiro de Menininha do Gantois.

Em resumo, a trajetória é, ou tem sido, a seguinte: umbanda, angola, queto, queto-Gantois. Um pai-de-santo, conversando comigo sobre o assunto, disse: "Joãozinho e Alvinho fazem, Waldomiro Baiano conserta e Menininha leva a fama. Coitada, ela nem sabe que é mãe do candomblé inteiro". Vamos fazer um pequeno cálculo. Do número de chefes de terreiro hoje filiados a uma nação determinada, subtraio o número de chefes que foram feitos naquela nação e divido esse resultado pelo número dos que se iniciaram. Multiplico o resultado por 100. Isto me dá uma taxa que expressa a direção e a magnitude da mobilidade por nação, uma medida de decréscimo ou crescimento da nação através da adoção; em outras palavras, a medida da mudança de axé, sem considerar as mudanças intermediárias e o fato de que a permanência na nação de origem não é suficiente para indicar que não tenha havido mudança de axé no interior da mesma nação, o que acontece quando se passa para uma outra família-de-santo daquela nação. As taxas calculadas são as seguintes: Nação Taxa de mudança Umbanda ............................... -89 % 74


Angola ................................... -58% Queto, efã, nagô ..................... +27% Queto .................................... +37 % Queto-Gantois ........................ +500 % Os dados são eloqüentes ao demonstrar o alcance do prestigio conquistado pelo candomblé gueto em detrimento do candomblé angola, e incisivos ao apontar para a supremacia do gueto do Gantois, que é apenas uma das muitas casas de gueto, mas que é a casa de Menininha. Impossível deixar de lado o fato de que, neste período, Mãe Menininha era uma figura de reconhecimento nacional. Mesmo muito doente nos últimos 20 anos de vida, sua presença na televisão não era rara. Em 1984, em sua última aparição no vídeo do "Jornal Nacional", recostada na cama, as pernas doentes escondidas por uma colcha de renda, na parede um quadro com a estampa de João Paulo II, respondeu sorrindo à repórter que lhe perguntara se ela era católica: "Eu sou católica. Eu sou de orixá, eu sou de Oxum". O Brasil, havia mais de dez anos, aprendera a cantar: "...A Oxum mais bonita, hein, - tá no Gantois... Olorum quem mandou esta filha de Oxum tomar conta da gente. De tudo cuidar... Ah minha Mãe Menininha..." (Prandi, 1990). A amostra desta pesquisa não é aleatória, não pode ser usada, portanto, para estimar parâmetros. Isto não significa, porém, que não possa ser usada para indicar tendências. Acredito que o candomblé que mais se toca em São Paulo é o angola, mas ele está muito mais presente no interior dos terreiros de umbanda, onde fica e se reproduz dissimuladamente. Mesmo nas casas de gueto, quando há toque freqüente de caboclo, usa-se iniciar o toque de caboclo com um xirê de orixás em angola para depois virar o toque para caboclo. Das 60 casas de candomblé estudadas, em menos de dez não se dá toques para caboclos. Na casa de Pai Idérito*, filho do Gantois e africanizado, não se toca para caboclo. Também não na casa de Sandra de Xangô*, na de seu filho Armando de Ogum*, na de seu neto Reinaldo de Oxalá*, na de Iassessu*, na de Aulo de Oxóssi*, todas envolvidas em um projeto de africanização iniciado há poucos anos, e que optou pela extinção do culto a entidades que não sejam iorubanas. Menos radicais que esses, muitos pais e mães hoje tocam, entretanto menos freqüentemente, para seus caboclos do que costumavam, mas aqui a influência pode vir sobretudo do soteropolitano Axé Opô Afonjá de Mãe Stela; que foi e segue sendo um terreiromodelo do candomblé gueto para todo o pais. Todos estes participam, cada um a seu modo, de um processo intencional de dessincretização, afastando-se do calendário litúrgico católico e eliminando símbolos e práticas do catolicismo umbandizado. A trajetória da legitimidade vai se desviando da prática do catolicismo, instituição branca que deu disfarce à instituição negra num tempo em que esta era, de fato, só de negros. O candomblé de hoje pode perfeitamente continuar católico, mas já não precisa do catolicismo para ser reconhecido e se reconhecer como religião, agora religião não mais restrita a grupos negros. O candomblé é todo cheio de idas e vindas. Mudanças bruscas dão-se de uma hora para outra, elementos abandonados são pie repente introduzidos. E essas mudanças são de iniciativa e arbítrio do pai ou mãe-de-santo, que contudo, estrategicamente, sempre afirmará tratar-se de designo do orixá, que mostra seu desejo através do jogo de búzios, o qual só pode ser jogado e interpretado exatamente pelo pai ou mãe-de-santo, o chefe -da casa. Quem não gostar, que mude de casa, que mude de linhagem até. 75


Fazendo o cálculo do número de vezes que os sacerdotes-chefes desta amostra pesquisada mudaram de pai ou mãe-de-santo (ou por morte ou por ruptura, não importa), chegamos à média de 1,4. Isto sem considerar as mudanças indiretas resultantes de mudanças de axé por que já passaram o pai original, o pai adotivo, a avó etc. Quando um chefe-de-terreiro muda de axé, toda casa muda junto. Os que não concordam procuram outro axé ou então filiam-se ao próprio avô que o pai está deixando, ou ainda a um tio ou outro parente dentro da mesma família. Wilson de Iemanjá*, por exemplo, foi feito no angola por Gitadê*, filho de Joãozinho. Wilson* saiu da casa de Gitadê*, tocou gueto durante cinco anos com a paternidade adotiva de Ojalarê*. Mas foi voltando ao angola, deixou o Ojalarê*, aproximou-se de seu irmão-de-santo de feitura, Guiamázi*. No dia 18 de fevereiro de 1989, foi a festa de sua obrigação de 14 anos, obrigação já conduzida pela mão de seu antigo irmão e hoje pai-de-santo Guiamázi*, ainda ligado a Gitadê*. Este, para deixar clara sua filiação, cantou uma cantiga de Obaluaiê, orixá de Gitadê*, no momento em que estava trazendo a Iemanjá de Wilson* para dentro do barracão. Em seguida, parou o toque e explicou para a platéia que cantou para Obaluaiê, à entrada de Iemanjá, porque "este é o santo de nosso pai, é em homenagem a ele". Depois do rum (dança solo do orixá) na nação angola, Guiamázi* fez virar o toque para a nação gueto. Wilson* estava raspado, o que significa que o novo pai-de-santo entendia a obrigação como uma necessidade de "conserto" iniciático, talvez pelos cinco anos de convivência fora do axé e fora da nação. Mas mesmo isto não o desobrigava de tocar para aquela Iemanjá no angola e no queto. Ainda que haja sempre muitas mudanças de axé, foi possível nesta pesquisa traçar, para a maior parte dos terreiros paulistas estudados, suas linhas genealógicas, que vão dar em um passado remoto, duma Bahia em que o candomblé estava nascendo. Nesse percurso, as famílias-de-santo vão se fazendo, desfazendo, refazendo-se. A título de demonstração, mostro a seguir a teia de axés de urna iaô (filha-desanto) de Iemanjá, cujo nome religioso é lá Bemin, e que um dia foi iniciada por Wanda de Oxum* e seu marido Gilberto de Exu*, já nossos conhecidos, e que depois tirou a mão dos que a iniciaram, tomando obrigação com Reinaldo de Oxalá*, que passou, assim, a ser seu pai.

Quarta Parte A filha de Iemanjá e suas linhagens I. A filha-de-santo lá Bemin (Mary Aparecida Ramacciotti) foi raspada por Wanda de Oxum* e por Gilberto*. Wanda* fora feita de Oxóssi por Joãozinho; Gilberto*, confirmado ogã por Diniz da Oxum, filho de Cristóvão, do terreiro do Oloroquê.. Wanda*, porém, foi reiniciada para Oxum por Waldomiro, o Baiano, que tendo sido um dia avo-de-santo de Gilberto*, passou a ser seu pai por obrigação. Como Waldomiro já tinha passado para o axé do Gantois, tanto Wanda* como Gilberto* passaram ipso facto à descendência de Menininha. Há, portanto, três origens aqui: 1) Goméia, angola, pela feitura de Wanda*; 2) Oloroquê, efã, pela iniciação 76


de Gilberto* e de Waldomiro e 3) Gantois, queto, pela adoção de Waldomiro e adoções sucessivas de Wanda* e Gilberto*. Iá Bemin rompeu com seus pais de origem e tomou, obrigação com Reinaldo de Oxalá*, seu pai adotivo, portanto. II. Reinaldo de Oxalá* foi iniciado no candomblé por Roberto de Oxóssi, filho de Aníbal de Oiá, por sua vez iniciado por Alvinho de Omulu. Mas foi das mãos de Dagno de Oxumarê que Aníbal recebeu o seu decá (título de senioridade), tendo depois dado sua obrigação de 21 anos com Mãe Juju de Oxum*. Aqui temos mais uma origem e outra que se repete: 4) Oloroquê, efã, pela feitura do avô de Reinaldo*; 5) Gantois, queto; 6) Portão da Muritiba, queto, que são as duas origens de Juju* e que, nesta etapa, entram na história iniciática da iaô de Iemanjá pela obrigação de seu avô-de-santo, por adoção, portanto. III. Mas Reinaldo de Oxalá* desliga-se de seu pai-de-santo e toma obrigação com Armando de Ogum*. - Armando* foi iniciado por Aligoã de Xangô*, filha de Ajaoci de Nanã*; iniciado por Lendembê de Oxum Ipondá (Justino do Ocupê), feito nos anos 20 por Jidenã em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, onde três municípios vizinhos, Cachoeira, São Félix e Muritiba, formam um celeiro de casas antigas de gueto e de jeje-marrim. Quando Jidenã morreu, Lendembê tirou a mão de vume (mão do falecido) com alguém cujo nome se perdeu na memória, mas quando este de nome esquecido veio a falecer Lendembê tirou a mão de vume com Joãozinho da Goméia, ainda na Bahia. Nessa etapa, temos o reaparecimento de uma origem e o surgimento de outra: 7) Jidenã de Cachoeira, jeje, por iniciação; 8) Goméia, por adoção. Veja-se que, até aqui, a iaô de Iemanjá pode invocar sete axés de origem. Mas a história não acabou. IV. Armando de Ogum*, atual avô-de-santo de Iá Bemin, tinha muito antes saído da casa de Aligoã*, tendo tomado a mão de Ojalarê*. Ojalarê* é filho-de-santo de Gelson da Oxum, Omilarê (Gelson Martins do Rego), feito no santo em Cachoeira por Jaime de Obá, filho de jeje Enoque. Com a morte de Enoque, Gelson passou para as mãos de Mãe Samba Diamongo (Edith Apolinária de Santana), angoleira saída do Terreiro de Manso Bandunguenque ou "Bate Folha", com quem ficou 25 anos. Com a morte de Samba, 1979, Omilarê deu obrigação no gueto com Nandaré, neta-de-santo de Aninha do Opô Afonjá e, com a morte daquela, com Seu Zequinha do Bate Folha, voltando assim ao seu velho axé angola. Temos, portanto, mais raízes à vista: 9) Enoque de Cachoeira, jeje, em linha direta; 10) Bate Folha, angola, por obrigação, em linha direta e em linha colateral; 11) Opô Afonjá, gueto, por obrigação e em linha colateral. V. Armando de.Ogum* deixou a casa de Ojalarê* e deu obrigação com Sandra de Xangô*, de quem recebeu o decá, e com quem está até hoje. Sandra* fora feita em São Paulo por Luan, filha de Maria de Xangô, angola, neta-de-santo de Nanã de Aracaju. Mais tarde, Sandra* foi reiniciada por Nádia Adelodê, de Guarulhos, de uma linhagem colateral do Gantois. E depois Sandra* tomou obrigação com o africano Epega Onadelê, membro da Orunmila Youngsters of Indigene Faith of África, de Lagos, Nigéria. Temos então nessa etapa de descrição: 12) Nanã de Aracaju, angola, por feitura em linha direta; 13) Gantois, por obrigação, em linha colateral e 14) África contemporânea, por obrigação, linha direta. E assim, a filha de Iemanjá, Iá Bemin, é hoje filha-de-santo de Reinaldo de Oxalá*, gueto africanizado, neta de Armando de Ogum*, gueto africanizado, bisneta de Sandra de Xangô*, gueto africanizado, trisneta de apega, descendente iorubano do primeiro templo do deus Orunmilá, o dono do oráculo, criador dos 16 Odus que governam a vida e que permitem a decifração do destino. Ela mudou de axé 77


uma vez, mas, no percurso de sua linhagem, podemos contar sete mudanças, as quais nos dão o número de doze mudanças em cadeia, de 1920 até este momento. A iaô de Iemanjá pode dizer que tem axé da África atual, do Gantois, do Oloroquê, do Portão da Muritiba, da Goméia, do jeje de Cachoeira, do Bate Folha, de Nanã de Aracaju e do Opô Afonjá. Através dos axés do Gantois e do Opô Afonjá ela pode remeter sua origem à Casa Branca do Engenho Velho, fundante do gueto, e daí até a velha África, que marca os tempos da construção da religião dos orixás pelos africanos escravos, forros e livres no Brasil dos séculos passados. Ela é branca, como brancos são o seu pai, seu avô e sua bisavó-de-santo. Mas sua africanidade é garantida tanto por aquelas origens passadas como por este esforço presente de religação religiosa com o continente negro. Fecha-se assim o círculo, até que novas rupturas e alianças venham a acontecer. Embora ela possa sentir-se parte de qualquer dessas famílias originárias, caberá a ela valorizar algumas, esconder outras e duvidar das demais. Poderá, inclusive, refazer sua rede em diferentes momentos. No candomblé, nem mesmo os deuses têm uma única origem com aceitação consensual. Nesse sentido, pode-se inclusive dizer que o mito segundo o qual Iemanjá é mãe dos demais orixás, com exceção dos orixás da criação, confio os Oxalás, é falso, uma vez que esse mito, generalizado no Brasil e em Cuba, nunca existiu na África, tendo sido resultante de um engano de registro etnográfico cometido na África pelo coronel Ellis. Nina Rodrigues tomou o mito como verdadeiro, embora não tenha encontrado sinal dele na Bahia, e o publicou. Foi imediatamente republicado em Cuba por Fernando Ortiz. Hoje em dia, há quem acredita ser Iemanjá a mãe dos orixás e há quem negue isso; não existe uma única história, uma só versão. E isto aplicase ao candomblé como um todo, quer se trate de mito, de rito ou de organização sacerdotal. O candomblé não passa registro em cartório. E mesmo quando o faz, não o leva muito a sério. Basta que nos lembremos de que a Federação Baiana do Culto Afro-brasileiro, controlada pelos terreiros gueto de maior prestígio da Bahia, entregou à sua mãe Sílvia de Oxalá* do Aché Ilê Obá paulistano o diploma de ialorixá, para, meses depois, durante o IV Encontro Nacional da Tradição e Cultura dos Orixás, que se realizava nas dependências do Opô Afonjá, em Salvador, com delegações de diversas partes do pais, insinuar que diploma não era raiz nem atestado, o que foi decisivo para derrubar Mãe Sílvia* da presidência da representação paulista. A presidência da delegação de São Paulo foi então assumida por um triunvirato composto de representantes de casas paulistas mais antigas e iniciados havia muito mais tempo que os então poucos anos de Mãe Sílvia*. Um par de anos depois deste incidente, em maio de 1990, o jovem terreiro da jovem Mãe Silvia* foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo (Condephaat) – a tradição negada pelos membros mais ativos do povo-de-santo foi atribuída através da via oficial. Quem poderá dizer agora que o Axé Ilê Obá, o terreiro do falecido pai Caio Aranha, de desconhecidas origens religiosas segundo a regra do candomblé, o terreiro cuja construção tombada pelo Patrimônio data de 1974 e cuja atual ialorixá não tinha os anos mínimos de senioridade ao assumir o cargo de sacerdotisa-chefe, quem poderá dizer que não é tradicional? Que não tem legitimidade? Que não tem origem, quando já é oficialmente considerado uma origem em si mesmo, numa metrópole onde a tradição tem a data de ontem? 78


De todo modo, a filha de Iemanjá, cuja teia de axés estamos perseguindo, é parente-de-santo (ruptura não apaga o passado, aprende-se no candomblé) dos chefes de 30 dos 60 terreiros estudados (ver BOX). Podemos assim verificar que a filha-de-santo lá Bemin tem algum grau de parentesco com os pais e mães-de-santo que chefiam metade dos 60 terreiros paulistas estudados nessa pesquisa. Ela faz parte da segunda e da terceira geração de iniciados em São Paulo. A cada nova ruptura e novos laços que se dão no meio do povo-de-santo, mais amplo ficará o espectro dessa teia de axés. Certamente essa filha-de-santo desconhece tudo isso. Nem teria ela procurado uma casa para se iniciar, e depois outra para se refiliar, com base nas origens religiosas desses terreiros. Ela está ainda muito distante do ponto a partir do qual um sacerdote ou uma sacerdotisa do candomblé começa a se preocupar com questões de origem e legitimidade. Em maio de 1989, Reinaldo de Oxalá*, o pai-de-santo de Iá Bemin, iniciou-se para Oxum com o nigeriano de Abeocutá, Adesina Sikiru Salami, residente em São Paulo desde 1983. Nossa iaô de Iemanjá está agora muito mais perto da África.

Quinta Parte Origem, publicidade e legitimidade No candomblé, a idéia de legitimidade deriva da origem religiosa da casa que, por sua vez, depende de um reconhecimento público dos terreiros fundantes das linhagens, reconhecimento este que trabalha com critérios de seleção atribuídos pelo mundo exterior ao terreiro. Os terreiros "fundantes" são, em princípio, os antigos e originais. Mas isto não basta. É preciso que esses terreiros – dentre muitos outros tão antigos e originais quanto eles – tenham atraído a atenção dos que transitam nos espaços públicos da sociedade, e que na Bahia e no Recife das três primeiras décadas de nosso século foram – e ainda continuam a ser – as academias de ciência, as artes, a imprensa, o "mundo culto", digamos. É interessante como toda uma linhagem considerada bastarda pode, a qualquer momento, vir a fazer parte daquelas consideradas as mais legítimas. Muitos pais e mães-de-santo de São Paulo, que vêm passando por um processo de mobilidade social ascendente, aprendem três coisas: ou provam sua filiação original, ou se filiam por "obrigação" a um terreiro de linhagem prestigiada, ou lutam para ser "fundantes" de seus próprios axés.

O reconhecimento de um axé ocorre quando parte de seus múltiplos segmentos ganha notoriedade fora do espaço do terreiro. As fontes de legitimação podem ser: o interesse acadêmico despertado, ó carisma do pai ou mãe-de-santo, o sucesso do sacerdote no mercado religioso, sua visibilidade na mídia. Não são quatro alternativas. Hoje, são quatro condições necessárias, mas ainda assim não suficientes. Um pai-de-santo precisa ter filhos-de-santo, muitos filhos-de-santo, sem os quais ele é incapaz de 79


rotinizar e reabastecer constantemente sua aura sacerdotal, filhos sobre os quais exerce sua dominação, realiza seu talento estético e exercita sua majestade. Esse pai-de-santo tem que estar, ao mesmo tempo, voltado para dentro e para fora do terreiro. A maior parte dos pais e mães-de-santo não tem percepção alguma do que seria essa legitimidade, tampouco a têm os iaôs, em sua esmagadora maioria. São mães e pais-de-santo desconhecidos, o que não desmerece seu papel religioso. Na verdade, enquanto esses pais e mães-de-santo atendem a uma clientela e a um grupo de fiéis desinteressados da vida pública, não faz sentido algum a noção de legitimidade pela origem. O sacerdócio no candomblé também é um meio de mobilidade social ascendente – como foi o clero católico para muitas famílias pobres com projetos de ascensão para seus filhos e como o é toda e qualquer liderança religiosa. Assim, aqueles que começam a ser bem-sucedidos socialmente (o que implica clientela) tendem a se envolver na busca de prestigio que pressupõe uma pureza original, a qual vem do passado (a África através da Bahia) ou do presente (a África ela mesma, a de hoje). No processo de legitimação que foi se firmando em São Paulo desde o final dos anos 70, a maioria dos sacerdotes que se deixa envolver nesse. Processo é forçada a peregrinar à África, dar obrigações e tomar cargo nos templos (paupérrimos, aliás) da Nigéria e do Benin, repetindo a saga de Martiniano do Bonfim, da Bahia, e de Adão, do Recife, entre outros "grandes" dos anos 30.

Isto é africanizar. Mas africanizar não significa nem ser negro, nem desejar sêlo e, muito menos, viver como os africanos. Dos nossos 60 terreiros, 27 são chefiados por brancos. Destes, nove ostentam títulos religiosos conquistados em um ou mais templos nos países africanos que contêm os povos iorubanos. Africanizar significa também a intelectualização, o acesso à leitura sagrada contendo os poemas oraculares de Ifá, a reorganização do culto conforme modelos ou com elementos trazidos da África contemporânea (processo em que o culto dos caboclos é talvez o ponto mais vulnerável, mais conflituoso); implica o aparecimento do sacerdote na sociedade metropolitana como alguém capaz de superar uma identidade com o baiano pobre, ignorante e preconceituosamente discriminado. Cada um, a partir da África e fora do circuito dominante do candomblé baiano, reconstrói seu terreiro selecionando os aspectos que lhe pareçam mais convenientes ou interessantes. Nesse sentido, africanização é bricolagem. Não é a volta ao original primitivo, mas a ampliação do espectro de possibilidades religiosas para uma sociedade moderna, em que a religião é também serviço e, como serviço, se apresenta no mercado religioso, de múltiplas ofertas, como dotada de originalidade, competência e eficiência. Se seguirmos os passos daqueles que mudam de um axé para outro, veremos com expressiva freqüência a busca de um novo terreiro que seja capaz de superar o anterior em termos de sua publicidade, fama, prestígio. Assim, mudança de axé, mudança de linhagem, significa também a procura de maior legitimidade para a opção religiosa e, junto com isto, um esforço de mobilidade ascendente que é mobilidade social. A africanização como processo de religamento do candomblé à África contemporânea é uma forma que este novo candomblé de São Paulo encontrou 80


para se libertar do velho e original candomblé baiano e até mesmo supera-lo, criando sua própria originalidade, legitimidade. Necessita-se de uma medida nova de importância e prestígio, e que não pode ser a antigüidade. Para completar esse movimento de autonomização em relação às velhas e tradicionais casas da Bahia, o candomblé de São Paulo tem assim necessariamente de reinventar-se também como tradição. Nesse sentido, o tombamento do nada tradicional Axé Ilê Obá pelo Condephaat é escancaradamente emblemático. (Recebido para publicação em agosto de 1990) - Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Sexta Parte ANEXO (Box)            

     

-Abdias de Oxóssi*, que vem originalmente do Bate Folha, é seu tio em terceiro grau; - Ada de Obaluaiê*, feita por Alvinho e adotada por Baiano (que teria lhe dado, a seu pedido, a obrigação em efã e não em gueto), é sua tia duas vezes em primeiro e segundo - Adilson de Ogum* (falecido em 6/10/89) foi seu tio também, pois ele era filho de Toloquê, que é filha de Joãozinho e depois de Baiano; - Aligoã de Xangô* é sua avó pela feitura de Armando*, seu atual avô adotivo; - Ajaoci de Nanã* é pai de Aligoã*, avô de Armando*, por conseguinte, seu bisavô; - Armando de Ogum* é seu avô adotivo; - Aulo de Oxóssi* é primo distante por suas origens angola que vem de Manodê* e par sua adoção (contestada por alguns) pelo Opô Aganju que é dissidência do Opô Afonjá baiano; - Cidinha de Iansã*, adotada por Kajaidê* é um parente distante par adoções sucessivas que os ligam ao Gantois; - Deusinha de Ogum*, filha de Alvinho, é sua tia-avó, por adoção; - Doda de Ossaim* também é seu parente, já que é filho adotivo de Kajaidê*; - Francisco de Oxum*, filho de Merucá*, é parente bem distante; - Gabriel da Oxum*, descendente em linha direta de Maria Neném, é seu parente distante por antigos laços das famílias do angola, embora ambos sejam queto; - Gilberto de Exu* é seu pai original e parente distante pela filiação a Baiano; - Wanda de Oxum* é sua mãe original e parente também por parte da linhagem indireta do Gantois que passa por Baiano; - Isabel de Omulu*, mãe carnal e irmã-de-santo de Wanda*, é sua tia de santo, por parte da linhagem da Goméia; - Gitadê* é seu tio direto e parente distante por parte da Goméia; - Guiamázi*, filho de Gitadê, é seu primo em primeiro grau; - Idérito de Oxalá* é parente distante, pelo Gantois; 81


              

- João Carlos de Ogum*, filho de Alvinho, é seu tio-avô; - José Mauro de Oxóssi*, filho de Alvinho, é também seu tio-avô; - José Mendes* é seu parente pelo Portão de Muritiba; - Juju de Oxum* é sua bisavó, por adoção; - Kajaidê* é parente distante pelos lados do Gantois; - Manodê* é sua tia-trisavó, par adoção, por parte de seu avô adotivo; - Matamba*, irmão adotivo de Ojalarê*, é seu tio-bisavô por adoção; - Meruca* é parente muito distante; - Ojalarê* é seu bisavô, por adoção de Armando*; - Pérsio de Xangô* é seu,parente através de Juju*, de quem ele é irmão, pelo Portão da Muritiba e pelo Gantois; - Quilombo* é seu tio, pela Goméia; - Reinaldo de Oxalá* é seu pai adotivo; - Sandra de Xangô* é sua atual bisavó adotiva; - Tonhão de Ogum*, filho de Pérsio*,é seu, primo por adoção pelas linhas do Gantois é do Portão de Muritiba; - Wilson de Iemanjá*, filho de Gitadê* e depois irmão e filho adotivo de Guiamázi*, é seu primo em primeiro grau pela linha direta da Goméia.

NOTAS 1 - A palavra nação, no candomblé, expressa uma modalidade de rito em que, apesar dos sincretismos, perdas e adoções que se deram no Brasil, e mesmo na África de onde procediam os negros, um tronco lingüístico e elementos culturais de alguma etnia vieram a prevalecer (Lima, 1984, pp. 11-26). 2 - Para uma visão dos diferentes arranjos que compõem uma dada "nação" de candomblé, recomendo uma leitura de Lima, 1984 (gueto, angola, jeje e de caboclo, na Bahia); Moda e Lima, 1985 (xangô pernambucano); Ferretti, 1985 e Femetti, 1986 (tambor de, mina ou jeje-mina, do Maranhão); Corrêa, 1988 (batuque gaúcho). 3 - Chamo-os de terreiros de "mais prestígio" pelo simples fato de serem, ainda hoje, os mais lembrados por aqueles que circulavam, naquela época, nos meios do povo-de-santo no Rio de Janeiro. 4 - A pesquisa sobre o candomblé no Rio de Janeiro é bastante limitada De uma enormidade de terreiros importantes na história do candomblé no Rio, apenas dois mereceram estudos detidos, o da Goméia (Cossard-Binon, sal.) e o Opô Afonjá (Augras e Santos, 1983). Há uma certa disputa sobre qual dos dois Opô Afonjá, o do Rio ou o de Salvador, teria sido fundado primeiro por Mãe Aninha. 5 - Há informações interessantes sobre os baianos fundadores dessas casas, no Rio, em depoimentos e comunicações publicadas no livro organizado por Lima (1984). A primeira referência a Joãozinho da Goméia que encontrei na literatura está em Landes (1967, p. 230), que também se refere a Ciríaco e Bernardino do Bate Folha. Ruth Landes os conheceu em 1938, em Salvador. 6 - Este trabalho obriga-me a citar algumas dezenas de nomes de pais e mãesde-santo. No presente texto, todo nome acompanhado de um asterisco indica tratar-se de sacerdote chefe de terreiro localizado na área metropolitana de São Paulo e que foi incluído na pesquisa. Para simplificar, uso aqui apenas o nome pelo qual eles são popularmente conhecidos, mas seus nomes civis e o nome, endereço e nação de seus terneiros podem ser encontrados no artigo "Deuses Tribais de São Paulo" (Prandi e Gonçalves, 1989a). No caso de sacerdotes que 82


não compõem a amostra de São Paulo, procurei fornecer o nome civil, sempre que me foi possível descobri-lo. 7 - Barco de iaôs é o conjunto de iniciados recolhidos e raspados numa mesma leva. Um barco de iaôs pode ter desde um noviço até vinte ou mais. Em São Paulo, dois ou três são considerados um bom número por muitos pais-de-santo. Um barco grande tem a vantagem de cotização das despesas da festa que encerra a feitura, mas exige instalações espaçosas no terreiro. Em cada barco estabelecese uma hierarquia, na qual o primeiro a entrar no roncó (clausura) e a ser posteriormente raspado e apresentado ao público na "festa do nome" tem precedência ritual sobre o segundo, que tem precedência sobre o terceiro e assim por diante. Há nomes para os postos na hierarquia do barco. O primeiro é chamado dofono, o segundo, dofonitinho, o terceiro, forno, e, sucessivamente, fomutinho, gamo, gamotinho, domo, domutinha, vito e, o décimo, vitutinho. É comum alguém se referir a outro dizendo: "Ela é minha dofona; ele é o gamo do quarto barco de meu pai". Também é freqüente a incorporação do nome da ordem de barco no nome do iniciado, como é o caso de Tata Fomutinho. O dofono do primeiro barco de uma casa é também chamado rombono. Ver Lima, 1984, pp. 66-76. 8 - Por estranha ironia, a popularidade e o reconhecimento público de pais e mães-de-santo costumam vir à tona na ocasião de seus enterros. Como aconteceu com Aninha e Senhora do Opô Afonjá, com Adão do Recife, com Menininha Uma pesquisa em antigos jornais atesta como esses sacerdotes e sacerdotisas vão para as primeiras páginas dos jornais locais ao morrer, no caso de Menininha, para a televisão por todo o país. Quando Nanã faleceu, os jornais de Aracaju puseram o fato nas manchetes principais da primeira página. E é também interessante que, a cada falecimento de uma dessas grandes personalidades públicas do candomblé, alguém escreverá que o candomblé está no fim. Isto vem desde os anos 30 (ver Fernandes, 1937). 9 - Ver Cavalcanti, 1935. Mãe Das Dores aparece citada a seguir em Fernandes, 1937; Lima, 1937; Motta, 1980; Segato, 1984; Carvalho, 1984 e 1987, Brandão, 1986; Prandi e Gonçalves, 1989a e 1989b. Em 1980, Mãe Maria Das Dores já transferira seu terreiro para São Paulo. Em todos esses títulos referidos, o citado Pai Adão e seu terreiro de Iemanjá, onde Mãe das Dores foi por muito tempo, segundo o costume pernambucano, mãe-de-santo coadjutora, são os protagonistas primeiros.

BIBLIOGRAFIA 

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Raizes Africanas na História do Brasil Capítulo 3 A ORIGEM E IMPORTÂNCIA DA DANÇA AFRICANA A dança originou-se na África como parte essência da vida nas aldeias. Ela acentua a unidade entre seus membros, por isso é quase sempre uma atividade grupal. Em sua maioria, todos os homens, mulheres e crianças participam da dança, batem palmas ou formam circulos em volta dos bailarinos. Em ocasiões importantes, danças de rituais podem ser realizadas por bailarinos profissionais. Todos os acontecimentos da vida africana são comemorados com dança, nascimento, mortem plantio ou colheita; ela é a parte mais importante das festas realizadas para agradecer aos deuses uma colheita farta. As danças africanas variam muito de região para região, mais a maioria delas tem certas características em comum. Os participantes geralmente dançam em filas ou em círculos, raramente dançam a sós ou em par. As danças chegam a apresentar algumas vezes até seis ritmos ao mesmo tempo e seus dançarinos podem usar máscaras ou enfeitar o corpo com tinta para tornar seus movimentos mais expressivos. As danças em Marrocos usam normalmente uma repetição e um constante crescimento da música e de movimentos, criando um efeito hipnótico no dançarino e no espectador. Entre elas destacam-se a Ahouach, Guedra, Gnawa e Schikatt.

AS INFLUÊNCIAS Sabe-se que desde a invasão dos colonizadores, a partir do século XIV e XV em África, tudo sofreu alterações desde os nomes usados até à própria civilização isto devido à permanência dos colonos desde essa data até aos nossos dias, com a entrada de outras culturas. Agora aqui sublinho no que toca a dança que houve uma fusão entre os nossos ritmos tradicionais com a forma de dançar a par importada da sociedade européia, em que este tipo de dança era praticada nas cortes, nos salões nobres e da burguesia como por exemplo na contradança, valsa, mazurca, polca…, levadas não só pelos senhores como pelos seus criados e até por alguns escravos.

RITMOS Ao ritmo do Semba, Funaná, Kuduro, Sakiss, Puita, Marrabenta, e outros sons da música folclórica, são dançadas em pequenas coreografias, trabalhando assim os movimentos da anca, o rebolar da bunda , e a facilidade de juntar a agilidade dos braços, pernas e cabeça, num só movimento culminando num trabalho de ritmo corporal.

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CAPOEIRA

A Capoeira é uma luta disfarçada em dança, criada pelos escravos trazidos da África nos navios negreiros para o Brasil. Dentro das Senzalas após a mistura das culturas das diversas tribos africanas que aqui se encontraram, foi-se ao poucos somando o Ngolo que era um jogo de luta praticado nas tribos africanas, 86


o qual o vencedor escolheria uma mulher da tribo a qual seria sua esposa; a ânsia de liberdade dos escravos que sofriam presos nas senzalas, trabalhando o dia todo ou apanhando e resultando na primeira forma de defesa dos escravos contra as maldades que sofriam o qual começaram a ocorrer as primeiras fugas dos negros e a fundação dos Quilombos. Na época da escravidão toda cultura negra era reprimida, principalmente se tivesse uma conotação de luta, então para poder ser disfarçada a sua prática entre os negros, foi adicionado os instrumentos musicais que deram uma imagem de dança a Capoeira, com músicas que falam de Deuses africanos, Reis das tribos a qual vieram, fatos acontecidos na roda de Capoeira, acontecimentos e sofrimentos do dia-a-dia dos escravos. Como ninguém tinha interesse sobre a cultura negra, ninguém notava que aquela simples dança, brincadeira e ritual era na verdade a luta marcial dos escravos, que se camuflava para poder permanecer ativa. Conheçam mais sobre em http://www.canaldocapoeira.com/2016/04/a-historia-da-capoeira.html SCHIKATT

Dança erótica e popular das mulheres marroquinas. Muitos movimentos têm origem nas danças orientais. Foi de uma combinação da influência árabe com o folclore berbere que nasceu esta dança. As dançarinas usam camadas de véus cobrindo o corpo, do pescoço ao tornozelo, e se enfeitam com muitas jóias; elas 87


cantam, tocam instrumentos e batem palmas enquanto dançam. O schikatt tem um passo característico chamado rakza, quando a dançarina bate com os pés como na dança flamenca. GNAWA

A dança Gnawa celebra um ritual da seita de Sufi. Cada ritmo tem muitos significados simbólicos que vão de poderes curativos ao exorcismo. Uma cor específica é usada para cada dança, invocando o espírito da cerimônia, Hadra, o qual é trazido à terra de um outro mundo etéreo. Dançarinos usam roupas brancas e chapéus pretos pesadamente enfeitados com conchas, contas, mágicos talismãs e amuletos. Em pé em linha ou círculo, os músicos mantêm o 88


ritmo com tambores ou batendo palmas enquanto dançarinos executam danças acrobática

SEMBA

É uma dança de salão angolana urbana. Dançada a pares, com passadas distintas dos cavalheiros, seguidas pelas damas em passos totalmente largos onde o malabarismo dos cavalheiros conta muito a nível de improvisação. O Semba 89


caracteriza-se como uma dança de passadas. Não é ritual nem guerreira, mas sim dança de divertimento principalmente em festas, dançada ao som do Semba.

REBITA

É um gênero de música e dança de salão angolano que demonstra a vaidade dos cavalheiros e o adorno das damas. Dançada em pares em coreografias coordenadas pelo chefe da roda, executam gestos de generosidades gesticulando a leve cidade das suas damas, marcando o compasso do passo da massemba. O charme dos cavalheiros e a vaidade das damas são notórios; 90


enquanto dança se vai desenvolvendo no salão as trocas de olhares e os sorrisos entre os pares são frequentes. É dançada em marcação de dois tempos, através da melodia da música e o ritmo dos instrumentos.

KUDURO

Estilo de música e dança Angolana. Dança recreativa de exibição individual ou em grupo. Fusão da música batida, com estilos tipicamente africanos, criados e misturados por jovens Angolanos, entusiastas e impulsionadores do estilo musical, adaptando-se a forma de dançar, soltando a anca para os lados em dois 91


tempos sutilmente, caracterizando o movimento do bailonço duplo. Da dança Sul-Africana denominado " Xigumbaza ", que significa confusão, que era dançada pelos escravos mineiros, enquanto trabalhavam mudos, e surdos só as vozes das botas se faziam ouvir como um canto de revolta, adaptando-se ao estilo musical Kuduro nasce, o Esquema ou Dança da Família. Dança da Família por ser dançado geral em grupo exercitando o mesmo passo várias vezes em coreografia coordenada pelos participantes na dança. Dançada normalmente em festas ou em discotecas

KIZOMBA

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Kizomba é uma terminologia Angolana da expressão linguística Kimbundo que significa"festa". A expressão Kizomba, como dança nasceu em Angola nos anos 80 em Luanda, após as grandes influências musicais dos Zouks, e com a introdução das caixas rítmicas drum-machine, depois com os grandes concursos que invadiram Angola, desde ai essa expressão se ouvir e manteve, passando pelo Cavalinho, e o kizomba corrida, também nesta época apareceram as kizombas acrobáticas dançada por dois rapazes, mas também é de salientar que as grandes farras entre amigos nos anos 50/70 eram chamadas Kizombadas" porque nesta altura não existia kizomba como expressão bailada e nem musical. Voltando aos anos 50/60 em Angola já se dançava a o Semba, Maringa, Kabetula, Kazukuta, Caduque que deu origem a Rebita e outros estilos musicais tipicamente de Angola, mas também outros estilos provenientes de outros continentes, influenciaram música, e a dança, como o Tango, a Plena o Merengue etc., estes eram dançadas nas grandes farras já ao nosso estilo. Estes estilos de dança outrora eram chamadas danças da "Umbigada" ou danças do "umbigo" só para lembrar que alguns desses estilos têm influências de uma dança portuguesa que se chama "Lundum" que também era dançada a pares, mas que foi proibida de ser dançada porque era considerada dança erótica. Já naquela altura com esses estilos já se fazia nomes nos bailes porque existiam grandes bailadores que também deram uma grande ênfase ao levar estas danças aos bailes, nomes como Mateus Pele do Zangado, João Cometa, e Joana Perna Mbunco, Jack Rumba eram os mais apontados porque estes ao dançarem escreviam no chão, as passadas eram notórias nos seus estilos de exibição ao ritmo do Semba. As passadas como o corridinho a meia-lua e as saídas laterais eram as mais usadas pelos cavalheiros.

A MÚSICA E DANÇA EM ANGOLA Os bailes em Angola, eram organizados, entre amigos, que se definiam como "as turmas", nestes bailes dançavam ao som dos instrumentos como o dikanza, o ngoma , o apito, a ngaieta , e o acordéon, que eram os mais usados na época nos ritmos como o semba, a rebita, a kazukuta kabetula os rumbas e muitos outros tocados nos 50/70, à qual chamamos " música e dança dos cotas". Nesta época eram consumidos outros gêneros de música mas adaptados ao nosso estilo de dança; muitas fusões foram feitas em relação aos ritmos provenientes de outros continentes fluindo assim nos estilos como o Bolero os Tangos, as Plenas e tantos outros sons, que eram " soletrados nos pés " de quem sabia dançar. A boa dança era praticada nos bairros suburbanos de Luanda, nas ruas e nos quintais. Estes estilos chamados outrora "dança dos operários" ou dos marginais eram as dançadas pelos grandes farristas, ai depois do quintal, foram levadas para as salas de bailes, que deixou de ser só dos operários porque a pequena burguesia também já dançava uns meios escondidos, pelo motivo de serem mal vistos nessa época. Ao som do semba era dançado o semba que era chamado a dança da umbigada, que deu origem ao samba brasileiro.

Os bailes freqüentados pelas "turmas" eram chamados as boas " kizombadas " ou "festas de quintal". Nos anos 80 deu-se uma revolução nos estilos musicais e na dança, muitos nomes surgiram e outras fusões aconteceram: a dança semba, alguns começaram a chamar kizomba que significa "festa" isto quer dizer que passou de expressão lingüística a dança. 93


A entrada do zouk influenciou muito o estilo musical que esteve a perder a sua raiz que até foi chamado semba-zouk, elemento que deu muita polêmica, mas que ainda continua com o nome de kizomba, mas que também já tem um corpo como música e dança kizomba. O zouk love, e a tarrachinha, têm dado outros estilos na forma como dançamos nos bailes, porque os movimentos sensuais são concêntricos na sensualidade no rebolar das ancas com movimentos muito sexuais.

Nota: 1- Dikanza (reco reco) 2- N’goma (batuque) 3N’gaieta (gaita), 4 – Makulele e 5- Kotas (as relíquis ou os mais velhos). GUEDRA

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Dança de tribos berberes que vivem na fronteira do sul de Marrocos. Uma fila de homens em vestes azuis ou brancas e turbantes pretos tocam tambor com uma forte batida enquanto as mulheres vestidas de azul, com cabelos presos no alto da cabeça, com jóias e coroadas de conchas, batem o ritmo com as mãos e B'Sharra, a grande dama do Guedra, saúda a areia, o céu e o vento, balançando seu corpo, abrindo os braços para abraçar a vastidão do deserto, movimentando 95


as mãos e os dedos em delicados movimentos que simbolizam o amor, a paz e a benção. AHOUACH

Dança coletiva com ritmo berbere; executada por aldeões do centro e do sul das Montanhas Atlas, dançam tocando instrumentos circulares feitos de pele de 96


cabra. Um homem chamado Raiss guia os homens da vila que tocam seus tambores, e algumas vezes flautas, enquanto rapazes e moças solteiras dançam o Ahouch frente a frente. Segurando as mãos, os dançarinos em linha sacodem seus corpos, balançando pesadas jóias de prata e âmbar, as quais, através dos movimentos, fazem um outro tipo de ritmo. Esta dança tem como objetivo a unidade do povo. Para participar, todos devem saber a coreografia e executá-la com perfeição.

KAZUKUTA

É a dança por excelência que é de sapateado lento, seguido de oscilações corporais, firmando-se o bailarino, ora no calcanhar, ora na ponta dos pés, apoiando-se sobre uma bengala ou guarda-chuva. Os tocadores usam 97


instrumentos como latas, dikanzas, garrafas, arcos de barril e, para algumas variações rítmicas, a corneta de latão e caixa corneta. Os bailarinos trajam-se de calças listadas e casacas devidamente ornamentadas, representando alguns postos do exército, cobrindo o rosto com uma máscara, representando alguns animais, para melhor caricaturar jocosamente o inimigo (o opressor)

KABETULA

É uma dança carnavalesca da região do Bengo, exibida em saracoteios bastante rápidos seguidos de alguns saltos acrobáticos, os bailarinos apresentam-se vestidos de camisolas interior, normalmente brancas, ou de tronco nu de duas Ponda saia feita de lenços de cabeça em estilo retângula fixada por uma Ponda (cinta vermelha ou preta), amarrando um lenço na cabeça e outro no pulso, utilizando também um apito para a marcação da cadência rítmica do "comandante". 98


Referencias: Wikipédia Livre – Fotos: Arquivo Wikipédia/Google/Print

TIPOS DE DANÇAS AFRO-BRASILEIRAS HISTORIA DO JONGO Inserindo-se no âmbito das chamadas danças de umbigada (sendo, portanto, aparentado com o semba ou masemba de Angola), o jongo foi trazido para o Brasil por negros bantos, sequestrados para serem vendidos como escravos nos antigos reinos de Ndongo e do Kongo, região compreendida hoje por boa parte do território da República de Angola. Composto por música e dança características, animadas por poetas que se desafiam por meio da improvisação, ali, no momento, com cantigas ou pontos enigmáticos, o jongo tem, provavelmente, como uma de suas origens (pelo menos no que diz respeito à estrutura dos pontos cantados) o tradicional jogo de adivinhação angolano denominado jinongonongo. Como uma expressão da religião, mantém, como um traço essencial de sua linguagem, a presença de símbolos que possuem função supostamente mágica ou sagrada, provocando, segundo se acredita, fenômenos mágicos. Desse modo, o fogo serve para afinar os instrumentos e também para iluminar as almas dos antepassados; os tambores são consagrados e considerados como ancestrais da própria comunidade; a dança em círculos com um casal ao centro remete à fertilidade; sem esquecer, é claro, as ricas metáforas utilizadas pelos jongueiros para compor seus "pontos" e cujo sentido permanece inacessível para os não jongueiros. Era dançado e cantado outrora com o acompanhamento de urucungo (arco musical banto que originou o atual berimbau), viola e pandeiro, além de três tambores consagrados, utilizados até os nossos dias, chamados de tambu ou caxambu, o maior - que dá nome à manifestação em algumas regiões candongueiro, o menor, e o tambor de fricção ngoma-puíta (uma espécie de cuíca muito grande). O jongo é, ainda hoje, bastante praticado em diversas cidades de sua região original: o Vale do Paraíba na Região Sudeste do Brasil, ao sul do estado do Rio de Janeiro e ao norte do estado de São Paulo e na região das Minas e das fazendas de café em Minas Gerais, onde também é chamado "caxambu". Entre as diversas comunidades que mantêm (ou, até recentemente, mantiveram) a prática desta manifestação, podem-se citar, como exemplo, as localizadas na periferia das cidades de Valença, Vassouras, Paraíba do Sul e Barra do Piraí (Rio de Janeiro), além de Guaratinguetá e Lagoinha (São Paulo), com reflexos na região dos rios Tietê, Pirapora e Piracicaba, também em São Paulo (onde ocorre uma manifestação muito semelhante ao jongo conhecida pelo nome de batuque) e até em certas localidades no sul da Bahia. Na cidade do Rio de Janeiro, a região compreendida pelos bairros de Madureira e Oswaldo Cruz, já nos anos imediatamente posteriores à abolição da escravatura, centralizou durante muito tempo a prática desta manifestação na zona rural da antiga Corte Imperial, atraindo um grande número de migrantes ex-escravos, oriundos das fazendas de café do Vale do Paraíba. Entre os precursores da implantação do jongo nesta área, se destacaram a ex-escrava Maria Teresa dos Santos, muitos de seus parentes ou aparentados, além de diversos vizinhos da comunidade, entre os quais Mano Elói (Eloy Anthero Dias), Sebastião Mulequinho e Tia Eulália, todos eles intimamente ligados à fundação da Escola de Samba Império Serrano, sediada no Morro da Serrinha. A partir de 99


meados da década de 1970, no mesmo Morro do Curupira, o músico percussionista Darcy Monteiro "do Império" (mais tarde, conhecido como Mestre Darcy), a partir dos conhecimentos assimilados com sua mãe, a rezadeira Maria Joana Monteiro (discípula de Vó Teresa), passou a se dedicar à difusão e a recriação da dança em palcos, centros culturais e universidades, estimulando, por meio de oficinas e workshops, a formação de grupos de admiradores do jongo que, embora praticando apenas aqueles aspectos mais superficiais da dança e, desse modo, deslocando-a de seu âmbito social e seu contexto tradicional original, dão hoje, a ela, alguma projeção nacional. Ainda no âmbito da cidade do Rio de Janeiro, é digno de nota, também, o Caxambu do Salgueiro, grupo de jongo tradicional que, comandado por mestre Geraldo, animou, pelo menos até o início da década de 1980, o Morro do Salgueiro, no bairro da Tijuca, sendo composto por figuras históricas daquela comunidade, entre as quais Tia Neném e Tia Zezé, famosas integrantes da ala das baianas da Escola de Samba G.R.E.S Acadêmicos do Salgueiro. Em 1996, aconteceu, no município de Santo Antônio de Pádua (RJ), o I Encontro de Jongueiros, resultado de um projeto de extensão da Universidade Federal Fluminense (UFF), desenvolvido pelo campus avançado que a universidade possui neste município. Deste encontro, participaram dois grupos de jongueiros da cidade e mais um de Miracema, município vizinho. A partir daí, o encontro passou a ser anual. Hoje, cerca de treze comunidades jongueiras participam deste Encontro. O XII Encontro de Jongueiros, realizado nos dias 25 e 26 de abril de 2008 em Piquete (SP), recebeu a participação de mil jongueiros das cidades de Valença (Quilombo São José), Barra do Piraí, Pinheiral, Angra dos Reis, Santo Antônio de Pádua, Miracema, Serrinha, Porciúncula, Quissamã, Campos dos Goytacazes, São Mateus, Carangola, São José dos Campos, Guaratinguetá, Campinas e Piquete. Em 2000, durante a realização do V Encontro de Jongueiros, em Angra dos Reis, foi criada a Rede de Memória do Jongo e do Caxambu, com o objetivo de organizar as comunidades jongueiras e fortalecer suas lutas por terras, direitos e justiça social. NOTA: O Jongo foi selecionado para representar a história das danças africanas introduzidas no Brasil, por ser a mais antiga de todas as danças. Bibliografia: Carneiro, Edison. Samba de umbigada. In: Folguedos Tradicionais. Rio de Janeiro: Funarte/INF, 1982 [1961]. Dias, Paulo. “A outra festa negra.” In: István Jancsó & Iris Kantor (orgs.) Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo: Hucitec/Edusp/Fapesp/Imprensa Oficial, 2001. Lara, Silvia Hunold & Pacheco, Gustavo (orgs.) Memória do jongo: as gravações históricas de Stanley J. Stein. Rio de Janeiro: Folha Seca, 2007. Ribeiro, Maria de Lourdes Borges Ribeiro. O Jongo. Rio de Janeiro: Funarte, 1984. Gouvêa, Ana Maria e Silva, Gilberto Augusto. Jongo de Piquete, um novo olhar. São Paulo, 2007 Silva, tauan magalhaes leme, teo guedes, andre giolito,Gilberto Augusto da & Gouvêa, Ana Maria de. "Jongo de Piquete, um novo olhar": Histórico do Jongo de Piquete. Piquete/SP, 2007.

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A CULINÁRIA AFRICANA NO BRASIL Os Africanos quando foram trazidos para o Brasil, já eram dotados de um a vasta sabedoria na Culinária, alguns dos produtos que podemos destacar como marcantes na influência da culinária brasileira, o Azeite de Dendê, é sem dúvida uma das maiores contribuições para a comida brasileira, é indispensável em inúmeros Pratos Típicos do Brasil tanto diretamente, como ingrediente, como indiretamente na confecção deles. Pratos tipicamente brasileiros como a feijoada fruto da adaptação do negro as condições adversas da escravidão que com sobras de carnes juntamente com a sabedoria da culinária africana, já que vários foram os povos africanos que foram trazidos ao Brasil, daí vários conhecimentos culinários, adaptaram-se aquela situação resultando num dos pratos típicos mais apreciados em todo o País. Na Culinária Africana não podemos deixar de mencionar a utilização de frutos do mar, como parte da alimentação. A cozinha negra pequena, mas forte, fez valer os seus temperos, os verdes, a sua maneira de cozinhar. Modificou os pratos portugueses, substituindo ingredientes; fez a mesma coisa com os pratos da terra; e finalmente criou a cozinha brasileira, descobrindo o chuchu com camarão, ensinando a fazer pratos com camarão seco e a usar as panelas de barro, os pilões de madeira e a colher de pau. A INFLUÊNCIA AFRICANA NA CULINÁRIA BRASILEIRA A existência da escravidão no Brasil durante quase 400 anos, além de ter constituído a base da economia material da sociedade brasileira, influenciou também em sua formação cultural. A miscigenação de africanos, indígenas e europeus é a base da formação populacional do Brasil. Dessa forma, a matriz africana na sociedade brasileira tem uma influência cultural que vai além do vocabulário. O fato das escravas africanas terem sido responsáveis pela cozinha dos engenhos, fazendas e casas-grandes do campo e da cidade, permitiu a difusão da influência africana na alimentação. A culinária brasileira tem como base outras três cozinhas. Para se caracterizar e compreender as origens dos hábitos alimentares brasileiros é preciso recordar o passado, os costumes indígenas, a colonização, os efeitos da escravidão e a evolução da sociedade como um todo até se chegar ao período atual. Os portugueses trouxeram para o Brasil diversas espécies de alimentos de suas mais distantes colônias orientais e africanas, como sementes, raízes, “mudas” e bulbos. A disseminação da mandioca, do milho, da batata e do amendoim brasileiros tiveram uma intensidade, rapidez e precisão incomparáveis. O café, o açúcar, o cacau e o fumo também se expandiram, ainda que mais lentamente. Da África vieram a manga, a jaca, o arroz, a cana-de-açúcar. O coqueiro e o leite de coco, aparentemente tão brasileiros, também vieram do continente africano, bem como o azeite de dendê. A palmeira do dendê foi cultivada ao redor da cidade de Salvador, o maior centro demográfico da época, onde a presença africana tornou-se marcante. 101


O uso do dendê era transmitido pelos escravos e as negras que serviam nas residências dos brancos. Palmeira de Dendê Quando o Rio de Janeiro se tornou capital do Brasil (1763) e a população aumentou, exigindo maior número de escravos para os serviços domésticos e plantio de açúcar, algodão e café nas regiões vizinhas, o Azeite de Dendê acompanhou o negro, seja nas frituras de peixes, ensopados, escabeches ou nos refogados. A intensificação do tráfico de escravos, da segunda metade do século XVIII à primeira metade do século seguinte, possibilitou a ida e a vinda de várias espécies de plantas alimentares entre o Brasil e a África. A população negra que vivia no Brasil plantou inúmeros vegetais que logo se tornaram populares, tais como: quiabo, caruru, inhame, erva-doce, gengibre, açafrão, gergelim, amendoim africano, melancia entre outros. O engenho foi o espaço onde se fundiram o mel, o açúcar, as frutas tropicais e outros ingredientes locais, como a macaxeira, o cará, o inhame e a fruta-pão. Nas outras cozinhas regionais, os doces brasileiros continuaram surgindo a partir da mistura do açúcar e do mel de engenho com ingredientes de cada área. A tapioca, o vatapá e a moqueca (estes últimos, com frutos do mar e azeite de dendê), o baião de dois: feito de arroz e feijão, com diversas variedades, geralmente incluindo também carne-seca, queijo coalho, manteiga da terra ou nata), o acarajé: um bolinho de feijões brancos e cebola, frito no azeite de dendê e recheado com camarões e pimenta vermelha, considerado patrimônio imaterial do Brasil em 2004, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Pratos característicos da Região Nordeste: A influência africana na cozinha brasileira é importantíssima. Outras comidas tradicionais são a farofa, a paçoca, a canjica, a pamonha, a carne de sol, a rapadura, a buchada de bode, o queijo coalho, o sequilho, a panelada, a maria-isabel, o carneiro cozido e a galinha à cabidela. O mugunzá: feito de feijão e milho, sendo doce em algumas áreas e, em outras, salgado, com linguiça. O caruru: feito com quiabo e castanhas de caju, camarões, pimenta e alho, iguaria de origem indígena adaptada pelos escravos nos engenhos e servida aos orixás. O sarapatel: diversas iguarias preparadas com vísceras de porco, cabrito ou borrego. Vamos falar agora da feijoada. Para muitos é um prato que mostra uma parte dos desafios que os escravos enfrentaram para sobreviver à escravidão. Nasceu da inspiração europeia, como do cassoulet francês e cozidos portugueses. Era comida na casa-grande das fazendas, nas cidades e também nas senzalas. A feijoada tem no Brasil as honras de prato nacional. A propagação da ideia da feijoada como prato nacional seria consequência das ações dos modernistas para construir uma identidade nacional brasileira, segundo Carlos Alberto Dória. A feijoada seria um dos signos da brasilidade, caracterizada pelo tema da antropofagia, da deglutição cultural que permeou a formação da nação 102


brasileira. Como percebemos, a influência africana na cozinha brasileira é muito grande e importante! Alguns Pratos e Quitutes da Culinária Afro-Brasileira Abará Bolinho de origem afro-brasileira feito com massa de feijão-fradinho temperada com pimenta, sal, cebola e azeite-de-dendê, algumas vezes com camarão seco, inteiro ou moído e misturado à massa, que é embrulhada em folha de bananeira e cozida em água. (No candomblé, é comida-de-santo, oferecida a Iansã, Obá e Ibeji). Aluá Bebida refrigerante feita de milho, de arroz ou de casca de abacaxi fermentados com açúcar ou rapadura, usada tradicionalmente como oferenda aos orixás nas festas populares de origem africana. O aluá também pode ser feito com açúcar comum. Aberém Bolinho de origem afro-brasileira, feito de milho ou de arroz moído na pedra, macerado em água, salgado e cozido em folhas de bananeira secas. (No candomblé, é comida-de-santo, oferecida a Omulu e Oxumaré). Quibebe Prato típico do Nordeste, de origem africana, feito de carne-de-sol ou com charque, refogado e cozido com abóbora. Tem a consistência de papa- grossa e pode ser temperado com azeite-de-dendê e cheiro verde. Acarajé O Acarajé é uma especialidade gastronômica da culinária afro-brasileira feita com a massa do feijão-fradinho, cebola e sal, frita no azeite-de-dendê. O Acarajé pode ser servido com pimenta curtida, pimenta de cheiro, camarão seco, caruru ou salada, quase todos componentes e pratos típicos da cozinha da Bahia. É uma especiaria baiana muito apreciada pelos turistas e pode ser encontrado nos tabuleiros das baianas, vestidas a caráter e todo enfeitado com panos e fitas coloridas e flores para atrair a atenção. Muitas baianas carregam seus tabuleiros na cabeça sobre um Tôssi que é uma espécie de turbante e a mesinha e o cesto nos braços. Os acarajés vendidos pelas baianas são bem mais carregados no tempero e mais saborosos, diferentes de quando são feitos para oferendas aos orixás. O acarajé é também a comida ritualística do orixá Iansã. Na África, é chamado de “àkàrà” que significa Bola-de-fogo, enquanto “jê” possui o significado de comer. No Brasil foram reunidas as duas palavras numa só, àkàrà-jê, ou seja, “comer bola de fogo”. Devido ao modo de preparo, o prato recebeu esse nome.

A ARTE AFRICANA E SUAS EXPRESSÕES A arte africana representa os usos e costumes das tribos africanas. O objeto de arte é funcional e expressam muita sensibilidade. Nas pinturas, assim como nas esculturas, a presença da figura humana identifica a preocupação com os valores 103


étnicos, morais e religiosos. A escultura foi uma forma de arte muito utilizada pelos artistas africanos usando-se o ouro, bronze e marfim como matéria prima. Representando um disfarce para a incorporação dos espíritos e a possibilidade de adquirir forças mágicas, as máscaras têm um significado místico e importante na arte africana sendo usadas nos rituais e funerais. As máscaras são confeccionadas em barro, marfim, metais, mas o material mais utilizado é a madeira. Para estabelecer a purificação e a ligação com a entidade sagrada, são modeladas em segredo na selva. Visitando os museus da Europa Ocidental é possível conhecer o maior acervo da arte antiga africana no mundo.

HISTÓRIA DA ARTE AFRICANA As origens da história da arte africana (Africa) está situada muito antes da história registrada. A arte africana em rocha no Saara, em Níger (Nigéria), conserva entalhes de 6000 (seis mil) anos. As esculturas mais antigas conhecidas são dos Nok cultura da Nigéria, 500 a.C. (antes de Cristo). Junto com a África Subsariana, as artes culturais das tribos ocidentais, artefatos do Egito antigo, e artesanatos indígenas do sul também contribuíram grandemente para a arte africana. Muitas vezes, representando a abundância da natureza circundante, a arte foi muitas vezes interpretações abstratas de animais, vida vegetal, ou desenhos naturais e formas.

Métodos mais complexos de produção de arte foram desenvolvidos na África Subsaariana, por volta do século X, alguns dos mais notáveis avanços incluem o trabalho de bronze do Igbo Ukwu e a terracota e trabalhos em liga de metal e fundição em bronze e , muitas vezes ornamentados com marfim e pedras preciosas, tornou-se altamente prestigiado, em grande parte da África Ocidental, às vezes sendo limitado ao trabalho dos artesãos e identificado com a Família Real, como aconteceu com os Bronzes do Benim.

A ATUAL ARTE AFRICANA Muitas das chamadas artes tradicionais da África estão sendo ainda trabalhadas, entalhadas e usadas dentro de contextos tradicionais. Mas, como em todos os períodos da arte, importantes inovações também têm sido assimiladas, havendo uma coexistência dos estilos e modos de expressão já estabelecidos com essas inovações que surgem. Nos últimos anos, com o desenvolvimento dos transportes e das comunicações dentro do continente, um grande número de formas de arte tem sido disseminado por entre as diversas culturas africanas. A arte Africana tem uma coisa interessante. Você pode achar semelhança entre dois países sem eles se assemelharem. Além das próprias influências africanas, algumas mudanças têm sua origem em outras civilizações. Por exemplo, a arquitetura e as formas islâmicas podem ser vistas hoje em algumas regiões da Nigéria, em Mali, Burkina Faso e Níger. Alguns desenhos e pinturas do leste indiano têm bastante similaridade em suas formas com as esculturas e máscaras de artistas dos povos Dibibio e Efik que se estabelecem ao sul da Nigéria. Temas cristãos também tem sido observados nos trabalhos de artistas contemporâneos, principalmente em igrejas e catedrais africanas. Vê-se ainda 104


na África, nos últimos anos, um desenvolvimento de formas e estruturas ocidentais modernas, como bancos, estabelecimentos comerciais e sedes governamentais.

Os turistas também tem sido responsáveis por uma nova demanda das artes, particularmente por máscaras decorativas e esculturas africanas feitas de marfim e ébano. O desenvolvimento das escolas de arte e arquitetura em cidades africanas, tem incentivado os artistas a trabalhar com novos meios, tais como cimento, óleo, pedras, alumínio, com uma utilização de diferentes cores e desenhos. Ashira Olatunde da Nigéria e Nicholas Mukomberanwa de Zimbabwe estão entre os maiores patrocinadores desse novo tipo de arte na África.

AS FORMAS DE ARTE AFRICANA A pintura é empregada na decoração das paredes dos palácios reais, celeiros, das choupas sagradas. Seus motivos, muito variados, vão desde formas essencialmente geométricas até a reprodução de cenas de caça e guerra. Serve também para o acabamento das máscaras e para os adornos corporais (pinturas corporais). A mais importante manifestação da arte africana é, porém, a escultura. A madeira é um dos materiais preferidos. Ao trabalhá-la, o escultor associa outras técnicas (cestaria, pintura, colagem de tecidos).

A ARTE NAS MÁSCARAS AFRICANAS As "máscaras" são as formas mais conhecidas da plástica africana. Constituem síntese de elementos simbólicos mais variados se convertendo em expressões da vontade criadora do africano. Foram os objetos que mais impressionaram os povos europeus desde as primeiras exposições em museus do Velho Mundo, através de milhares de peças saqueadas do patrimônio cultural da África, embora sem reconhecimento de seu significado simbólico. A máscara transforma o corpo do bailarino que conserva sua individualidade e, servindose dele como se fosse um suporte vivo e animado, encarna a outro ser; gênio, animal mítico que é representando assim momentaneamente. Uma máscara é um ser que protege quem a carrega. Está destinada a captar a força vital que escapa de um ser humano ou de um animal, no momento de sua morte. A energia captada na máscara é controlada e posteriormente redistribuída em benefício da coletividade. Como exemplo dessas máscaras destacamos as Epa e as Gueledeé ou Gelede.

A ARTE E A RELIGIÃO As civilizações africanas tem uma visão holística e simbólica da vida. Cada indivíduo é parte de um todo, ligados, todos em função do cosmos em uma eterna busca pela harmonia e de equilíbrio. Outro conceito fundamental na filosofia da existência africana é a importância do grupo, para que a comunidade viva, cada fiel deve participar seguindo o papel que lhe pertence em nível espiritual e terreno.

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PRINCIPAIS RELIGIÕES AFRICANAS As únicas religiões que tem relação com a arte africana no Brasil, são o Candomblé, e o Culto aos Egungun efetivamente de origem africana. O Culto de Ifá em menor número no Brasil é o maior responsável pela divulgação da Yoruba Arte em todo mundo, Estados Unidos, Cuba, Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, são os países onde o maior número de peças podem ser encontradas, em museus e coleções particulares.

A ARTE DA LITERATURA E ARTE DA DANÇA Na dança africana, cada parte do corpo movimenta-se com um ritmo diferente. Os pés seguem a base musical, acompanhados pelos braços que equilibram o balanço dos pés. O corpo pode ser comparado a uma orquestra que, tocando vários instrumentos, harmoniza-os numa única sinfonia. Outra característica fundamental é o policentrismo que indica a existência no corpo e na música de vários centros energéticos, assim como acontece no cosmo. A dança africana é um texto formado por várias camadas de sentidos. Esta dimensionalidade é entendida como a possibilidade de exprimir através e para todos os sentidos. No momento que a sacerdotisa dança para Oxum, ela está criando a água doce não só através do movimento, mas através de todo o aparelho sensorial. A memória é o aspeto ontológico da estética africana. É a memória da tradição, da ancestralidade e do antigo equilíbrio da natureza, da época na qual não existiam diferenças, nem separação entre o mundo dos seres humanos e os dos deuses. A repetição do padrão-musical manifesta a energia que os fieis estão invocando. A repetição dos movimentos produz o efeito de transe que leva ao encontro com a divindade, muito usado em rituais. O mesmo ato ou gesto é praticado num número infinito de vezes, para dar à ação um caráter de atemporalidade, de continuação e de criação continua. Nas danças africanas o contato contínuo dos pés nus com a terra é fundamental para absorver as energias que deste lugar se propagam e para enfatizar a vida que tem que ser vivida agora e neste lugar, ao contrario das danças ocidentais performadas sobre as pontas a testemunhar a vontade de deixar este mundo para alcançar um outro. Existem várias danças. Entre elas destacam-se: lundu, batuque, Ijexá, capoeira, Coco (dança) congadas e jongo.

A INFLUENCIA DO NEGRO AFRICANO O negro africano contribuiu na escrita, na fala, de nossa língua e na miscigenação populacional do país. Sua presença projetou-se em todo a formação humana e cultural do Brasil ,contribuindo com técnicas de trabalho, música ,danças praticas religiosas ,alimentação e vestimentas .

ESCULTURAS EM MADEIRA A escultura em madeira é a fabricação de múltiplas figuras que servem de atributo às divindades, podendo ser cabeças de animais, figuras alusivas a acontecimentos, fatos circunstanciais pessoais que o homem coloca frente às forças. Existem também objetos que denotam poder, como insígnias, espadas e 106


lanças com ricas esculturas em madeira recoberta por lâminas de ouro sempre denotando um motivo alusivo à figura dos dignitários. Os utensílios de uso cotidiano, portas e portais para suas casas, cadeiras e utensílios diversos sempre repetindo os mesmos desenhos estilísticos. Contendo também esculturas de mulheres com seus filhos representando a fertilidade.

ESCULTURAS EM OUTROS MATERIAIS Além das esculturas em madeira existem os objetos confeccionados com fragmentos de vidro (apesar de estes serem raros) das mais variadas cores, colocados em gorros, possuindo uma gama de figuras humanas e de animais, feitas com fio de algodão que passam por todo o tecido, colocados sempre em combinação vertical. As pedras podem ser alternadas por Cowrys, canudilhos metálicos ou de seda e algodão. Os tecidos são lisos ou estampados, os bordados são rebordados com linhas e com pedras de vidro. Confeccionam roupas longas e gorros. A inventividade do bordado com pedras de vidro está muito espalhada nas populações da República da Nigéria. Os suportes para abanos, crinas e rabos de animais, também decoram com pedras de vidro, canudilhos e cauris (búzios). Os tecidos e o vestuário chegaram a um desenvolvimento plástico considerável em zona de cultura urbana, assimilando muitos elementos da indumentária islâmica e outros introduzidos pelos europeus colonialistas. O tear horizontal, permitiu a confecção variada de tiras que posteriormente se juntam longitudinalmente para formar tecidos maiores. Deste tipo de confecção o mais característico é o chamado Kente, entre os Ashanti. Ainda entre estes tecidos está o estampado chamado Denkira, com figuras diferentes que se combinam para estruturar um desenho ou determinar um motivo fundamental. Os desenhos são imersos em uma tintura vegetal e impressos em tecido branco estendido em uma almofada. O Alaká africano, conhecido como pano da costa no Brasil é produzido por tecelãs do terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá em Salvador, no espaço chamado de Casa do Alaká.

ARTE EM FERRO O ferro é utilizado a partir de uma prancha fundida mediante pressão e calor. São confeccionados muitos atributos em várias formas pelos Abomei, de quem é a imagem da entidade Gu, dono do ferro representado por uma figura antropomorfa. Com a mesma técnica são encontrados vários atributos a variadas entidades e também vários instrumentos musicais. Nestas, os detalhes da figura humana estão um pouco resumidos, destacando algumas marcas regionais, e nisto, assim como nas proporções gerais, diferem das de Ifé, nas que se percebe a procura dos modelos anatômicos, como se fossem retratos, dentro de um tamanho menor. As cabeças de bronze apresentam variedades de caracteres faciais, presos em detalhes sutis que permitem apreciar diferentes expressões nos rostos e até incluem algumas deformações anatômicas.

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A ARTE DE PABLO PICASSO E A ARTE DA ÁFRICA Pablo Picasso (1881-1973), mesmo nunca tendo ido a África, produzia obras com máscaras e estátuas que tinha com ele enquanto trabalhava. Picasso dizia que o "vírus" da arte africana o tinha contagiado. Um desses artistas foi Henri Matisse. Conforme registra José D'Assunção Barros em um artigo sobre. As influências da Arte Africana na Arte Moderna, o diálogo com as variadas formas africanas de expressar e representar o mundo e as expectativas sobrenaturais aparece bastante em uma parte relevante da produção matissiana, que se desenvolve paralelamente àquela pintura que o celebrizou, e que se caracteriza essencialmente pelas cores fortes e puras. O autor se refere, neste caso, à escultura de Matisse, que nem sempre é tão lembrada como sua arte pictórica, mas que ocupa certamente um lugar singular na história da arte ocidental. A escultura matissiana é especialmente inspirada na estatuária africana – particularmente a partir de algumas peças que o artista francês adquirira em 1906 – e revela-se aí um dos gêneros através dos quais as diversas formas de expressão africanas puderam penetrar mais decisivamente na arte moderna, além daquele outro gênero que incidiu mais diretamente sobre a pintura cubista de Pablo Picasso, e que foi a arte das máscaras ritualísticas. NOTA: Fonte de Pesquisa: Wikipédia Brasil-Google Pics Free (Licença Padrão).

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