Entre atravessar e ocupar; o miolo de quadra como articulador urbano

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ENTRE ATRAVESSAR E OCUPAR O MIOLO DE QUADRA COMO ARTICULADOR URBANO



Entre atravessar e ocupar O miolo de quadra como articulador urbano Frederico Gualberto Castello Branco Gonçalves

Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito para obtenção do diploma de Arquiteto e Urbanista sob orientação do professor Ms. Paulo Emílio Buarque Ferreira. São Paulo, Dezembro de 2016



“As ruas são a morada do coletivo. O coletivo é um ser eternamente inquieto, eternamente agitado, que entre os muros dos prédios, vive, experimenta, reconhece e inventa tanto quanto os indivíduos ao abrigo de suas quatro paredes. Para esse ser coletivo, as tabuletas das firmas, brilhantes e esmaltadas, constituem decoração mural tão boa, ou melhor, que o quadro a óleo no salão do burguês; os muros com défense d’afficher — proibido colar cartazes — são sua escrivaninha, as bancas de jornal, suas bibliotecas, as caixas de correspondência, seus bronzes, os bancos, seus móveis do quarto de dormir, e o terraço do café, a sacada de onde observa o ambiente. O gradil, onde os operários do asfalto penduram a jaqueta, isso é o vestíbulo, e o portão que, da linha dos pátios, leva ao ar livre, o longo corredor que assusta o burguês, é para ele o acesso aos aposentos da cidade. A galeria é o seu salão. Nela, mais do que em qualquer outro lugar, a rua se dá a conhecer como o interior mobiliado e habitado pelas massas.” WALTER BENJAMIN



Aos meus pais que nunca pouparam esforços para garantir que eu tivesse sempre as melhores oportunidades e condições para me desenvolver como pessoa e profissional. Aos meus amigos, pelo companheirismo e apoio. Aos colegas de trabalho na Cupertino Arquitetura e no FGMF, pelo apoio e ensinamentos. Aos professores Paulo Emílio Buarque Ferreira e Sami Bussab pelas conversas e aprendizados. À Julia Zarouk, pelo companheirismo, paciência e apoio desde o começo até o final.


RESUMO O trabalho faz una análise dos parâmetros que definem o espaço público nas cidades contemporâneas, e qual a função deste em contraposição ao chamado, espaço privado. A partir desta, busca compreender e exemplificar como os vazios localizados nos interiores das quadras (miolos de quadra) tem sido utilizados para modificar as dinâmicas existentes em cidades consolidadas, e quais mecanismo tem sido usados para garantir a concretização destas propostas. Ao final, propõe uma intervenção na cidade de São Paulo que busca consolidar e exemplificar os temas estudados, a fim de iniciar um debate sobre o assunto.

Palavras chaves: miolo de quadra, vazios urbanos, estratégias e galerias


ABSTRACT This thesis, analysis what parameters define public spaces in today's cities, and what function do these spaces have when opposed to the so-called private spaces. Based on this study, the thesis aims to understand and exemplify how vacant spaces in the center of city blocks have been used to modify urban life, and which methods have been used to insure the implementation of these proposals. Lastly, an intervention in the city of SĂŁo Paulo is proposed in order to exemplify and consolidate the items studied, looking forward to initiate a debate about these issues.

Key words: city blocks, vacant spaces, strategies and galleries.



sumário

01 introdução

13

02

retorno à cidade medieval

17

2.1 uma nova perspectiva de cidade

21

2.2 a cidade viva

25

2.3 projetar de baixo para cima

30

03

o miolo de quadra

41

3.1 possibilidades de intervenção no vazio urbano

43

3.2 o miolo de Cerdá

44

3.3 além do Eixample

58

3.3.1 espaços comerciais

59

3.3.2 além das tipologias convencionais

72

04

a cidade como espaço de transição

77

4.1 polarização

79

4.2 espaço de transição

84

4.3 transição construída

92

4.4 transição como oportunidade

98

05

instrumentos de urbanização

105

5.1 complexidade e possibilidade dos espaços de transição

107

5.2 land readjustments

115

5.3 operação urbana consorciada

118

06 intervenção

127

07

considerações finais

191

08

lista de projetos

195

09 bibliografia

199

10

203

caderno de croqui



introdução

Após décadas onde as cidades foram construídas e se desenvolveram em função do veículo motorizado e que resultaram em espaços públicos abandonados por sua população, podemos perceber ao redor do mundo a propagação de iniciativas e propostas que buscam reverter esta relação. Seja em Barcelona, Paris, Santiago ou São Paulo, o poder público e a iniciativa privada passaram a entender o espaço público como algo a ser reconquistado em função de aumentar a qualidade das cidades como um todo. E têm tentado encontrar oportunidades para realizar intervenções que sejam factíveis quanto aos aspectos econômicos e sociais, dentro de uma cidade consolidada. Em São Paulo, especificamente, o abandono de seu centro sempre esteve diretamente ligado às políticas urbanas realizadas e ao deslocamento da elite citadina no rumo Sudoeste, acompanhada da centralidade da própria cidade1. Em um primeiro momento a rua Augusta roubou do centro as funções de prestígio e de vanguarda, em seguida entre 1965 e 1975, foi a vez da Avenida Paulista e Faria Lima criarem duas novas centralidades, desvinculadas da área central. Estas passaram a concentrar os lançamentos de edificações de escritórios e sedes bancárias, que até então se limitavam centro, e que implicou uma diminuição da atratividade do centro como um todo. Entre as décadas de 80 e 90, as novas obras de infraestrutura passaram a tratar o centro como um mero nó de articulação e passagem na estrutura viária da cidade,

1. Segundo Luís Octávio da Silva em A reabilitação do centro de São Paulo em trabalho apresentado no XI encontro nacional da associação acional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional - ANPUR, em maior de 2005, em Salvador, BA.

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aumentando ainda mais o isolamento da região. O centro se tornou um local com um alto número de edificações abandonadas, baixa densidade e abandono dos espaços públicos. Desde o início da década de 90, o centro se tornou uma temática recorrente nos debates e propostas urbanísticas para a cidade. Até então, a principal intervenção na região havia sido a reurbanização do Vale do Anhangabaú, fruto de um concurso realizado em 1981, cujas obras só foram concluídas em 1991. A partir desta, tanto o poder público quando a sociedade civil, instaurou algumas iniciativas com o intuito de revitalizar a região, como Programa de Requalificação Urbana e Funcional do Centro de São Paulo - PROCENTRO2 e a Associação Viva o Centro3, que apesar de não terem apresentados resultados significativos indicavam a demanda da sociedade por uma mudança na região. O processo que ocorre no centro da cidade de São Paulo aconteceu e acontece em inúmeras cidades ao redor do mundo. O trabalho desenvolvido, investiga ações realizadas que oferecem exemplos de possibilidades de atuação nos espaços da cidade em prol de uma cidade onde a prioridade é o cidadão.

2. Programa que procurava reverter a degradação funcional, ambiental e paisagística do centro, junto a criação da comissão do PROCENTRO, formada por representantes de algumas secretarias municipais e de movimentos de empresários organizados. 3. Entidade de utilidade pública cuja missão é melhorar as condições de vida das pessoas que moram, frequentam ou visitam o Centro de São Paulo e de operação das organizações nele estabelecidas.

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Diagrama mostrando a história da engenharia de trânsito nas cidades ao longo de dois séculos. Fonte: copenhagenize ▶

Diagrama mostrando como os fluxos deveriam ser organizados dentro da cidade Fonte: copenhagenize ▶

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retorno Ă cidade medieval



A cidade medieval foi construída, essencialmente em torno do comércio. Surgiram a partir do encontro das rotas comerciais utilizadas na época para levar mercadorias de um lugar para outro, e nestas intersecções onde ocorriam a troca se desenvolveram. Para se protegerem de invasões externas, foram cercadas por muralhas, estabelecendo o limite do possível crescimento destes núcleos urbanos. A partir destas duas principais características, temos uma cidade que é por definição, densa, pois seu crescimento estava limitado pela muralha em que estava inserida, e que se volta aos locais de troca, no caso as suas praças4. Outra característica marcante deste tipo de urbanização, são as ruas estreitas e sinuosas com uso exclusivo dos pedestres da época e que não permitiam a passagem de carruagens, charretes, etc., com exceção das ruas que ligavam a praça central com o portão da cidade, garantindo o abastecimento da cidade e seu comércio além da saída dos produtos fabricados dentro dela pelos artesões que ali viviam. Em contraste à cidade medieval, a cidade moderna foi construída em torno do sistema de locomoção, culminando em cidades nas quais os espaços públicos surgiram de forma controlada, e não espontânea como na cidade medieval. Ao analisar o modelo de cidade proposto pelo arquiteto Richard Rogers em Cidades para um pequeno planeta, modelo aceito por grande parte dos arquitetos e urbanistas como o ideal e sustentável para a cidade contemporânea, podemos observar que de maneira geral, esta se aproxima muito mais da cidade medieval, no que

4. FERRARI, CÉLSON Curso de planejamento municipal integrado URBANISMO.

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Retrato da vida urbana ao redor de praça medieval do séc XII - XIII. ◀ Fonte: história medieval.org

Praça Luza na cidade de Dubrovnik, Croácia. Fonte: swissblogdotnet.files. wordpress ▼

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diz respeito à sua organização, do que com uma cidade modernista. Cidades com uma alta densidade criadas e desenvolvidas a partir da maneira com que o indivíduo utiliza o espaço público, e não exclusivamente da maneira com que se locomove por ele. 2.1 uma nova perspectiva de cidade

A partir das críticas às experiências das cidades modernas e de todo planejamento voltado para uma cidade cujo principal meio de locomoção era o veículo motorizado individual, temos um discurso contemporâneo, aceito por grande parte dos arquitetos e urbanistas, que prega o planejamento urbano e das próprias cidades onde a escala do indivíduo é tida como ponto de partida para seu desenho. Isto quer dizer que a cidade deve ser pensada e projetada visando o trafego lento e o favorecimento do pedestre e do caminhar em prol de criar uma cidade viva. Ao redor do mundo pudemos observar desde o começo do século, e especialmente na última década, projetos e intervenções que tem buscado transformar a cidade em espaços mais agradáveis e que incentivem seu uso e consequentemente o comércio que nela acontece. Estas intervenções variam desde pequenas e pontuais obras, como a reorganização de cruzamentos para que estes priorizem o pedestre, até fechamentos de ruas para automóveis garantindo a exclusividade do espaço para as pessoas.

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Adelaide, Austrália Ampliação do espaço da calçada e criação de espaços de permanência. ◀ Fonte: urb-i

Lima, Peru Substituição da área de estacionamento de carros por ampliação da calçada e implantação de ciclofaixa. ◀ Fonte: urb-i

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Bucareste, Romênia Substituição da área de estacionamento em rua, por ampliação da calçada e área de permanência. Fonte: urb-i ▶

Cidade do México, México Fechamento da rua para o tráfego de veículos por área exclusiva de pedestres. Fonte: urb-i ▶

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Lisboa, Portugal Substituição de leito carroçável por área de tráfego compartilhado com locais de permanência no espaço público. ◀ Fonte: urb-i

Montreal, Canada Substituição de faixa de carros por área de calçada e locais de permanência. ◀ Fonte: urb-i

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2.2 a cidade viva

O que podemos observar nas intervenções retratadas acima são tentativas de transformar a cidade em um espaço onde o cidadão queira passar seu tempo, é a chamada cidade viva. Este conceito, é descrito por Jan Gehl5 em Cidade para pessoas, como cidades que possibilitam encontros, trocas e socialização. É transformar a cidade na imagem que criamos por meio de renders quando projetamos e apresentamos um projeto; cidades onde temos crianças brincando, pessoas passeando com seus cachorros, trabalhadores fazendo suas pausas de almoço, etc. Imagens muitas vezes utópicas de espaços que criamos com o intuito de transmitir a essência do que pretendemos com o projeto, ainda que esta seja alheia à realidade do local. Podemos entender claramente o que Gehl entende por “cidade viva” quando comparamos as imagens realizadas por seu escritório do Vale do Anhangabaú, quando foi contratado pela prefeitura para realizar um projeto de intervenção para a área, com imagens da situação atual do local. Além da clara conceituação do que significa uma cidade viva do ponto de vista do arquiteto, podemos observar por meio de uma análise das imagens apresentadas por seu escritório que em seu modo de ver, o desenho urbano e da cidade deve partir da escala do indivíduo. A própria imagem aérea da região apresenta uma perspectiva inclinada de modo a diminuir o distanciamento do observador do que se pretende retratar. Esta maneira de projetar a cidade seria o contrário da síndrome de Brasília, termo cunhado pelo arquiteto que

5. Arquiteto dinamarquês formado pela Academia Real de Belas Artes da Dinamarca em 1960, construiu uma carreira com base em melhorar a qualidade da vida urbana em torno planejamento urbano em favor de pedestres e ciclistas. Sócio fundador da Gehl Architects, empresa de consultoria de urbanismo.

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Perspectiva realizada pelo escritório Gehl Architects em seu projeto de reformulação do centro de São Paulo no trecho do Viaduto do Chá. Podemos notar a ausência de pessoas trabalhando no local, aspecto que indica uma visão utópica do espaço. ◀ Fonte: gestão urbana SP

Retrato da situação atual do Viaduto do Chá ◀ Fonte: lugaresehistorias.files

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Imagem aérea da proposta realizada pelo escritório Gehl Architects para o Vale do Anhangabaú, onde podemos notar o uso da perspectiva inclinada como instrumento de representação. Fonte: gestão urbana SP ▶

Retrato da vida urbana ao redor de praça medieval do séc XII - XIII. Fonte: wikimedia ▶

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denomina o processo de projetar a cidade como se fosse vista de um avião ao contrário de ser vista pelo nível da rua, portanto planejar de cima para baixo estabelecendo um grande distanciamento do projeto com o indivíduo que utilizaria deste espaço. Método que podemos notar quando analisamos perspectivas realizadas por arquitetos modernistas que estabelecem uma relação completamente diferente da observada anteriormente nas imagens do Vale do Anhangabaú, onde a cidade e seus edifícios são vistos com um grande distanciamento, onde sequer notamos a presença das pessoas e que é reafirmado pelo grande arquiteto modernista brasileiro, Oscar Niemeyer, quando descreve o método de projetar em "voo de pássaro". As imagens apresentadas evidenciam o distanciamento do autor do projeto com o seu objeto de estudo. Na primeira, retrato realizado por Lúcio Costa de seu projeto no Parque Guinle6, entendemos o projeto quase que isolado apesar de existir uma insinuação de área verde em uma porção da imagem, mas que não interfere na leitura do projeto. Fica evidente na segunda imagem apresentada que a chamada Síndrome de Brasília não se limita ao ponto de vista com que se vê o projeto, mas sim como o arquiteto entende o objeto que está produzindo e sua função dentro do local em que está sendo implantado. No desenho realizado por Le Corbusier para sua proposta de intervenção na cidade de Paris, o Plan Voisin7, vemos a cidade de uma grande distância, emoldurada por uma vegetação na parte superior e por uma pequena mureta na parte inferior.

6. Edifício residencial construído no início década de 50 no Rio de Janeiro, projetado pelo arquiteto Lúcio Costa, pioneiro da arquitetura moderna no Brasil. 7. Proposta de reformulação do centro de Paris, realizada por Le Corbusier entre 1922 e 1925, onde uma porção da cidade seria derrubada e substituída por edifícios altamente verticalizados dispostos em uma malha ortogonal.

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Desenho realizado pelo arquiteto Lucio Costa de seu projeto no Parque Guinle. Fonte: jobim.org ▶

Imagem realizada por Le Corbusier onde percebemos a síndrome de Brasília em um desenho que tenha um ponto de vista do indivíduo, evidenciando uma maneira de ver a cidade e não um ângulo específico. Fonte: Fondation Le Corbusier ▶


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Apesar de desenhar objetos de menor escala como mesas e cadeiras no primeiro plano da imagem, estes elementos contribuem para a compreensão da imagem como um quadro de natureza morta, oposto à cidade viva. O processo de planejar e projetar uma cidade de baixo para cima pode ser dividido em duas distintas, mas intrinsecamente conectadas partes, a escala urbana e a escala do edifício. A primeira parte do processo, consiste em reconhecer que a cidade não deve mais ser planejada em função do espaço público como espaço de transição, mas sim como espaço de permanência e sobre tudo como um espaço que possibilite encontros, que devem ser compreendidos com uma visão holística e não exclusivamente social. Essencialmente a cidade viva é a cidade onde as pessoas passam parte de seu tempo nas ruas. Este tipo de cidade é justificável tanto do aspecto social, quanto do aspecto econômico, tendo que cidades onde se passa mais tempo no espaço público são cidades onde se compra mais, onde se utiliza mais equipamentos culturais de lazer e onde se come mais em restaurantes e cafés. É importante citar que é indispensável haver um entendimento da existência de diferentes partes que compõe um ambiente urbano, cada uma com funções distintas e que interferem uma nas outras criando o todo da cidade. Ou seja, existem espaços de morar, produzir, lazer, entre outros dentro da cidade, e o desafio do planejamento urbano consiste em articular estas

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2.3 projetar de baixo pra cima


partes harmoniosamente. A visão sobre a função do transporte também deve ser reavaliada, pois no modelo atual o transporte serve única e exclusivamente como meio de locomoção, e para tal sua eficiência corresponde à sua velocidade. Ou seja, um sistema de transporte considerado bom, é um sistema de transporte rápido. Este modelo justifica, portanto, a substituição do espaço do transporte pedonal em prol do aumento da velocidade viária. Entretanto para uma cidade de qualidade, este tipo de intervenção não seria justificável. Além de não garantir um aumento de velocidade, inibe os encontros e trocas que o espaço público deve proporcionar. Levando em consideração a prioridade da função do espaço público, o sistema viário deve, portanto, favorecer o chamado transporte lento. Deslocamentos pedonais e ciclo viários que possibilitam as trocas citadas anteriormente. O transporte dentro da cidade passa a servir como locomoção, mas também como gerador de situações sociais. Significa estar voltando do trabalho e passar por um mercado que faz com que a pessoa entre e compre algo. Segundo a autora Jane Jacobs8 em seu livro Morte e vida das grandes cidades, as ruas e calçadas são os órgãos vitais de uma cidade, pois é nelas que se dá toda a integração e convivência de uma sociedade, sendo que os principais protagonistas do uso e ocupação das ruas e calçadas são as pessoas. A importância do espaço do transporte voltado para este tráfego lento estabelece a hierarquia que deve ser respeitada para se conseguir projetar uma cidade com qualidade. A tentativa de equilibrar o tráfego de diferentes

8. Autora, jornalista e ativista política, ficou conhecida por seus estudos da vida urbana, onde criticou duramente as práticas de renovação do espaço público da década de 1950 nos Estados Unidos.

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velocidades (pedonal e automotivo) não satisfaz as condições necessárias para garantir que o pedestre usufrua do espaço público da melhor maneira. A circulação das pessoas deve ser ininterrupta e com dimensões amplas, enquanto a do automóvel deve ceder espaço e velocidade. Para alcançar esta relação, tem sido utilizado inúmeros instrumentos ao redor do mundo que buscam harmonizar os diferentes tipos de tráfego dentro do ambiente urbano. Em várias cidades podemos encontras as chamadas “lombofaixas” que consistem em faixas de pedestres em nível com a calçada, criando uma lombada no sistema viário, garantindo a circulação contínua dos pedestres. Existem também as intervenções de maior escala, onde uma rua inteira é reformulada para que haja a prioridade do pedestre, como aconteceu em Elliot Street na Nova Zelândia e na Bell Street Park nos Estados Unidos. No primeiro exemplo a separação dos usos é realizada pelo uso e disposição do mobiliário urbano presentes no local, e no segundo, está separação é feita pela mudança da forma de pavimentação, mantendo o mesmo nível entre o espaço compartilhado e o exclusivo em conjunto com a utilização de áreas verdes. Este mesmo tipo de intervenção pode ser visto na Rua 7 de Abril no centro da cidade de São Paulo. O projeto9 consiste em um plano piloto para outras ruas do centro da cidade e está em fase de construção, sendo sua data de entrega prevista para o início de 2017. Consiste na criação de um calçadão sem divisões entre o leito carroçável e a áreas exclusiva dos pedestres com uma faixa de mobiliário urbano

9. Parte de um projeto realizado pela prefetura da cidade de São Paulo para a requalificação dos espaços públicos do centro da cidade, inclui melhorias em outros 11 pontos da região central, como o Vale do Anhangabaú, a escadaria da rua 13 de Maio, na Bela Vista, e o calçadão em frente ao Teatro Municipal, na praça Ramos de Azevedo.

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Exemplo de lombofaixa implantada em cidade norte-americana. Fonte: Flickr ▶

Elliot Street na cidade de Auckland na Nova Zelândia, local com tráfego compartilhado, sendo a separação deste, feito pelo uso de mobiliário Fonte: papodehomem.com.br ▶

Bell Street Park, Seattle, EUA – Uso de pavimentação para delimitar o espaço dos veículos. Fonte: papodehomem.com.br ▶

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Projeto de reforma da Rua 7 de abril na região central de São Paulo. ◀ Fonte: gestão urbana SP

fazendo esta separação. O local já teve intervenções que buscavam a melhoria deste espaço, mas não culminaram em um projeto de sucesso devido à falta de harmonia entre os diferentes meios de transporte. Tanto a restrição aos veículos, como a divisão tradicional de calçada e leito carroçável não foram suficientes para transformar a rua em uma área que favorece a circulação, permanência e o comércio presentes nela. Nos últimos anos, podemos perceber a realização de intervenções de maior porte do que a de uma única rua. A cidade de Barcelona, por exemplo, recentemente inaugurou a primeira fase de um projeto nomeado “Supermanzanas”, que consiste em transformar 60% do espaço em que atualmente circulam veículos automotivos, em espaços exclusivos de pedestres e ciclistas. O projeto pretende agrupar nove quadras em uma única "super quadra", em que dentro destas o transporte seja restrito. Concebido sobre ideais de segurança, sustentabilidade, igualdade e eficiência, o plano prevê a diminuição dos acidentes de trânsito, reduzir a contaminação, garantir o acesso à mobilidade e incorporar novas tecnologias na gestão da mobilidade. O trânsito de carros nas ruas internas foi substituído por calçadões, ciclovias, espaços de lazer e áreas verdes. Além disso, o projeto eliminou alguns estacionamentos da superfície -- 50 dos 700 foram eliminados --, reduziu o limite de velocidade para 10 km/h nas áreas próximas aos espaços pedonais, e desviou o fluxo de veículos para as bordas, liberando o centro para pedestres e ciclistas. No interior da superquadra, os únicos veículos permitidos são os de emergência, os dos

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Diagrama do modelo atual e no modelo proposto no projeto da Supermanzanas. ◀ Fonte: Ayuntamiento de Barcelona

Diagrama dos usos do espaço público nas ruas da cidade no modelo atual e no modelo proposto. ◀ Fonte: Ayuntamiento de Barcelona

Comparação da qualidade urbana no modelo atual e no modelo proposto. ◀ Fonte: Ayuntamiento de Barcelona

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moradores e os de carga10. Este projeto, entretanto é recente demais para analisarmos ao certo sua eficiência. Entretanto, o projeto implantado em setembro de 2007 na cidade de Bohmte na Alemanha, já pode ter seus impactos analisados. A cidade onde circulam 13 000 veículos diariamente, propôs transformar toda a sua malha urbana em um grande calçadão com espaço compartilhado para veículos e pedestres, além de remover todos os seus semáforos e suas placas de sinalizações, inclusive as de “pare”. Segundo a reportagem realizada pelo DailyMail11, jornal inglês, um mês após a implantação do projeto, o número de acidentes sérios que ocorriam em média 1/2 vezes por semana na cidade, caiu para 0. Esta diminuição drástica se manteve desde sua implantação segundo Peter Hilbricht, policial encarregado do planejamento do tráfego na cidade. É importante ressaltar que apesar da grande escala para este tipo de intervenção, Bohmte é uma cidade que possui em torno de 15 000 habitantes, e que isto deve ser levado em consideração quando analisamos o sucesso que ocorreu e a possibilidade de reprodução deste tipo de solução em outras cidades. A segunda parte do processo de projetar uma cidade de baixo para cima se refere ao projeto das edificações, e como dito anteriormente está intrinsecamente conectado ao desenho urbano da cidade. A lógica da criação de espaços de permanência e troca nas cidades permanece sendo a prioridade do projeto da edificação. Assim, esta deve possibilitar que a velocidade criada pela priorização do pedestre culmine em uma situação de troca, podendo ser 10. Barcelona inaugura sua primeira "superquadra" voltada para pedestres e ciclistas; matéria publicada no portal Archdaily no dia 12 de setembro de 2016, escrito por Constanza Martínez Gaete e traduzido por Romullo Baratto. 11. Accident-free zone: The German town which scrapped all traffic lights and road signs; matéria publicada no jornal inglês Daily Mail em Junho de 2008, escrita pelo jornalista Allan Hall.

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esta comercial ou social. As fachadas ativas são o principal exemplo de como isto pode ser feito. Para o bom usufruto da cidade por sua população, pouco importa o uso que um edifício possui em seus pavimentos superiores, porém no térreo este uso é de extrema importância pois pode justamente possibilitar ou negar os encontros entre as pessoas e as trocas comerciais. Um segundo aspecto em que o projeto arquitetônico pode contribuir para a construção da cidade se refere ao encurtamento das distâncias dentro da cidade. Como o transporte por meio do caminhar não possui a mesma capacidade de locomoção dos meios automotivos, as distâncias de locomoção devem ser encurtadas para possibilitar a utilização de toda a cidade, ou minimamente facilitar o acesso do indivíduo ao transporte coletivo. Este encurtamento se dá por meio de dois mecanismos; o adensamento dos centros urbanos e a maior permeabilidade dos indivíduos na cidade, ou seja, a abertura de passagens e caminhos. As possibilidades do projeto de arquitetura na interface destes dois mecanismos para enriquecer a qualidade da cidade são os principais motivos e norteadores desta pesquisa.

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Espaço público compartilhado na cidade de Bohmte, Alemanha. Fonte: papodehomem.com.br ▶ Imagem ilustrativa divulgada pela prefeitura da cidade de São Paulo para explicar o conceito de fachada ativa. Fonte: gestão urbana SP ▼

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o miolo de quadra


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3.1 possibilidades de intervenção no vazio urbano

O grande dilema das cidades modernas é como se pode intervir em uma cidade consolidada sem que seja utilizado o princípio da tabula rasa e como podemos garantir a fruição sem que precisemos demolir um grande número de edificações. Como resposta a estas perguntas podemos encontrar nos vazios urbanos localizados nos miolos de quadra uma excelente solução. Como definido em Formas Urbanas: de la manzana al bloque12, esta morfologia de vazio urbano pode ser considerada como sendo o resultado dos elementos que formam o tecido urbano, onde o lote permanece como unidade autônoma e alheia ao seu entorno e o quarteirão se mantém como unidade de ordenação do território urbano e consiste no elemento resultante da divisão territorial criado pelo traçado do sistema viário. Ao redor do mundo podemos observar que independente da forma com que foram construídas, os fundos dos lotes das quadras em geral se tornaram espaços residuais e exclusivamente de uso privado, mas que oferecem interessantes possibilidade de intervenções. Especificamente na cidade de São Paulo, por exemplo, a lógica da divisão de lotes e a forma em que era permitido construir nestes, manteve-se a mesma desde o início da formação da cidade, independente do tipo de construção, criando espaços residuais que em sua maioria, se tornaram espaços de depósitos e/ou garagens. As possibilidades de intervenção nestes espaços residuais surgem principalmente da característica essencial deste tipo de espaço, ser um local protegido do ambiente urbano. As formas de flexibilizar a polarização do que é o

12. (PANERAI, Philippe R.; CASTEX, Jean; DEPAULE, Jean-Charles. Formas Urbanas: de la manzana al bloque. Barcelona, Gustavo Gili, 1986.

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espaço privado e o que é o espaço público oferecem nelas mesmo inúmeras possibilidades. Talvez o mais icônico dos miolos de quadra, os pátios internos das quadras do Plano Cerdá em Barcelona, oferecem um excelente estudo de caso, quando analisamos todo seu processo histórico quanto à sua formação e seu uso, e a maneira com que as intervenções realizadas nas últimas décadas têm definido o que conforma o espaço público e o espaço privado. O Plano Cerdá surgiu de um concurso realizado pela prefeitura de Barcelona nos anos 1860 para o crescimento da cidade além da muralha que delimitava Barcelona, na região localizada entre os muros da cidade e a Vila de Grácia, onde temos atualmente o bairro de Eixample (também chamado de Ensanche, sendo este a tradução do nome catalão para o espanhol). Até a construção do bairro, em toda esta área não podia haver construções pois se encontrava dentro do alcance dos canhões da cidade, desativados com a derrubada da muralha. O concurso previa não só a construção dentro da área do bairro, mas também a expansão da cidade, o que justificava a utilização da malha proposta por Cerdá. Embora o vencedor do concurso tenha sido o projeto que propunha uma malha radial, com a cidade amuralhada em seu centro do arquiteto Antoni Rovira i Trias, a prefeitura da cidade decidiu ignorar este resultado e seguir com o projeto proposto pelo engenheiro Ildefonso Cerdá13. A proposta de Cerdá consistia em uma malha retangular

13. Engenheiro urbanista e político catalão responsável pelo plano de extensão e reforma da cidade de Barcelona. Formou-se engenheiro de caminhos em Madrid no ano de 1841. Um dos fundadores do urbanismo moderno.

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3.2 o miolo de Cerdá


Plano de CerdĂĄ com o deslocamento do centro da cidade, da cidade medieval para as glorias (encontro das trĂŞs vias estruturadoras da cidade). Fonte: densityatlas.org â–˛

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que deslocava o centro da cidade, da cidade amuralhada para o encontro dos três grandes eixos estruturadores da cidade; a Avenida Diagonal, Meridiana e Gran Via de Les Cortes Catalanes, que estabeleceriam as saídas da cidade no sentido de Madrid, Paris, e das cidades da costa brava espanhola respectivamente. O projeto do engenheiro detalhava não só as diretrizes urbanas da cidade, mas também o sistema viário e as tipologias de edificações, destes dois últimos surgiram os dois aspectos que fizeram com que a malha de Barcelona fosse tão reconhecida, os chanfros nas esquinas das quadras, e os pátios internos das edificações. Inicialmente o plano da cidade para o bairro de Eixample definia que todas as quadras da cidade possuiriam pátios internos públicos, sendo que a grande maioria destas quadras possuiriam apenas dois lados edificados, enquanto os outros dois ficariam livres de edificações. Entretanto, desde o início de sua implantação, forças políticas da época resultou na ocupação de todos os lados das quadras em praticamente todas elas e na diversificação do uso do pátio. Estes usos possuíam dois principais objetivos, opostos por definição; incorporar a demanda de uso industrial a fim de maximizar o uso privado e rentável do solo da cidade e suprir a demanda de espaços públicos carentes em uma cidade cuja matriz foi o sistema viário. Mas, devido ao contexto socioeconômico da cidade durante a maior parte de sua história, estes locais foram predominantemente ocupados pelas indústrias ou divididos conforme as edificações que o formavam a fim de criar espaços privados e individualizados

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dos edifícios. A partir de 1987 ocorreu uma movimentação da administração pública e de setores sociais da cidade para retomar e recuperar alguns pátios internos como espaços públicos. Para tal, a municipalidade aprovou a “Ordenanza de Rehabilitación y Mejora del Eixample“, plano que, além de proteger o patrimônio arquitetônico, passou a incentivar a liberação dos pátios internos. Como relatado por Tereza Pazos14, dessa forma, as substituições de edificações e as ampliações deveriam deixar liberado o pátio central a partir de uma vez e meia a largura da edificação. Para viabilizar as modificações pretendidas, foram permitidos aumentos na intensidade de ocupação do solo. Além disso, como um dos objetivos é que as fachadas antigas fossem mantidas, em grande parte dos casos não há acesso direto da rua, sendo o acesso feito por meio de uma das edificações. Ainda segundo a autora, “os novos pátios internos passaram a funcionar como recinto fechados, de uso público, mas limitado ao horário diurno, com acesso a partir da rua por passagens por baixo da edificação ou aberturas estreitas. “ O projeto do Pati de les Aigües, onde uma torre de abastecimento localizado no miolo de quadra foi transformada em espaço público e utilizado como piscina pública, pode ser considerado como a primeira concreta ação rumo à esta reocupação destes espaços, que se multiplicaram por todo o Eixample ao longo dos últimos anos. Segundo a publicação realizada na comemoração dos 150 anos da realização do Plano de Cerdá para

14. PAZOS ORTEGA, T. La obtención de espacio público en la trama consolidada del Eixample: un proceso urbanístico continuado de más de 30 años. QRU: Quaderns de Recerca en Urbanisme, v. 4, p. 140–151, 2014a

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Pátios internos que sofreram intervenções para retomar o uso público do miolo de quadra na cidade de Barcelona. ▲ Fonte: urbanidades.arq.br

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Barcelona, Cerdá y la Barcelona del futuro, realidade versus proyecto15, a nova configuração espacial conformada pelas intervenções realizadas nos miolos das quadras possuem seis diferentes tipos de contribuições urbanas que variam de cada projeto; 1. Quando o espaço aberto se conecta à passagem pedonal que a cruza tangencialmente. Segundo os autores, este tipo é indiscutivelmente a mais interessante pois permite e incentiva tanto a passagem quanto a permanência e usufruo do pátio; interligando as duas realidades urbanas presentes, da malha do Eixample com a o espaço interior. 2. A continuidade das passagens, onde neste caso o espaço recuperado interior é implantado de forma a reavaliar uma passagem existente, interligando as duas intervenções e estabelecendo nova continuidade. 3. O acesso ao interior da quadra sendo realizado ao longe de um edifício público. A fachada principal do edifício público se volta para a rua, mas incorpora a passagem de pedestre em uma de suas fachadas laterais conectando a malha do Eixample ao pátio

15. Publicação foi produzida dentro do programa patrocinado pela prefeitura da cidade chamado "Ano Cerdá", por um grupo formado por acadêmicos do Departamento de Urbanismo da Universidade Politécnica da Catalunha, da Graduate School of Design da Universidade de Harvard e pelo concelho da cidade, chefiados pelos arquitetos Joan Busquets e Miquel Corominas.

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interno por meio desta. 4. Passagem diagonal na quadra. Inclusão de uma passagem diagonal no pátio interno e nos edifícios, criando a fragmentação do espaço interno de maneira a gerar diferentes área. 5. Dualidade de Espaços abertos. Quando para acessar o espaço interior se utiliza uma edificação como forma de criar um volume entre o interno e externo mantendo suas passagens. 6. A criação de novas vias. Quando as passagens criadas são largas o suficiente, é criada uma transição sutil entre o ambiente exterior e o ambiente interno.

Apesar de distintas, todas as classificações elencadas acima se referem à forma com que é feita a transição entre o espaço da malha do Eixample de Cerdá com o ambiente interno dos pátios, na interface entre o ambiente de domínio público de transição ao local de permanência semi-público ou até mesmo privado, este, muitas vezes protegido do ambiente externo. O projeto da Biblioteca de Sant Antoni – Joan Oliver, realizado pelo escritório catalão RCR Arquitectes16, localizado na cidade, apresenta uma interessante solução

16. Escritório fundado em 1988, situado na cidade de Olot, localizada a uma hora da capital catalã.

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1. Quando o espaço aberto se conecta à passagem pedonal que a cruza tangencialmente.

Jardins Palau Robert; onde as passagens seguem a estrutura do Eixample Fonte: googlemaps ▶

Carrer Ribes e Plaça Fort Pienc; onde a passagem cria uma estrutura paralela à do leito carroçável. Fonte: googlemaps ▶

Passatge Llavallol; onde a passagem permeia a quadra. Fonte: googlemaps ▶

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2. Continuidade de passagens existentes visando a requalificação destas.

Passatge Tarso e Jardins Carlit; onde a passagem requalifica uma passagem existente. ◀ Fonte: googlemaps 3. Acesso ao interior da quadra ao longo de equipamento existente.

Jardins Rector Oliveras; onde a passagem é feita ao longo da Igreja de Puríssima Concepció ◀ Fonte: googlemaps

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4. Passagem diagonal na quadra existente.

Carretera Antiga Horta; onde a passagem diagonal gera espaços. Fonte: googlemaps ▶ 5. Dualidade de espaços abertos.

Jardins Safo; a edificação cria uma barreira entre o interior da quadra e o espaço público. Fonte: googlemaps ▶

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para um projeto que cria no interior da quadra um espaço semi-público aberto à população. Segundo os próprios arquitetos, a biblioteca serve como uma porta que filtra a luz, através da caixa das salas de leituras colocadas entre as laterais do projeto, permitindo a incidência do sol por esta abertura desde a rua até o jardim interno. Esta intenção se mostra evidente nos desenhos conceituais realizados pelos arquitetos, no primeiro croqui podemos identificar uma leitura do território aonde o terreno da biblioteca se encontra isolada do espaço que o escritório julga ser de qualidade (no caso o casco antigo da cidade e o bairro de poble sec, representados pelas manchas mais claras). Já no segundo vemos a intenção de levar a vitalidade presente no espaço público para o espaço interno da quadra.

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Acesso da biblioteca e do pรกtio interno localizado no miolo da quadra. Fonte: divisare.com โ ฒ

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Pátio interno criado pela biblioteca. Fonte: divisare.com ▲

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Aquarelas realizada pelos arquitetos onde podemos ver a intenção de trazer a cidade para dentro do projeto. Fonte: arqa.com ▶


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Em Barcelona, assim como em algumas poucas outras cidades, observamos uma relativa facilidade de intervenção nos vazios urbanos localizados no miolo de quadra, consequência clara de um plano urbanístico que desde seu princípio refletia sobre a existência e importância destes espaços na cidade. Entretanto, a maior parte das cidades não tiveram o mesmo cuidado, nem possibilidades de estabelecer uma diretriz para esta morfologia, devido ao processo de parcelamento do solo nestes locais. A formação dos vazios nestas cidades seu deu de maneira extremamente irregular, não planejada e sobretudo individualizada em seu lote. Estas condicionantes fazem com que as intervenções nos miolos das quadras destas cidades aconteçam de maneira diferente do que acontece em Barcelona, embora o princípio dos projetos realizados continuem sendo a transição entre o espaço público e o espaço privado. Podem inclusive ser classificados pelas mesmas categorias de contribuições urbanas citadas anteriormente para as intervenções realizadas no Eixample, se adicionarmos a criação de espaços comerciais, categoria inexistente em Barcelona até o momento, tendo que esta criação não se justifica na cidade devido ao grande número de comércio já existente nela decorrente do grande número de edifícios mistos. Esta última categoria tem sido inclusive a principal forma de intervenção nos miolos de quadras nas cidades descritas acima, inclusive em São Paulo. Por entre outros motivos isto ocorre pela necessidade e pelas possibilidades

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3.3 além do Eixample


presentes em ações que promovem o aumento do espaço rentável da cidade. A possibilidade de tornar espaços subutilizados para gerar lucro favorece não só a malha e qualidade das cidades, mas também aos proprietários destes espaços, justificando claramente a sua realização. 3.3.1 espaços comerciais

A galeria comercial foi o principal exemplo da ampliação do espaço rentável na cidade. Segundo Herman Hertzberger em Lições de Arquitetura, foi inventada e floresceu na cidade de Paris durante o século XIX quando ao notar que o volume de trânsito nas ruas havia se tornado tão pesado que havia a necessidade de áreas exclusivas para pedestres, os comerciantes encontraram uma grande oportunidade de criar mais espaços comerciais17. Nela podemos observar os elementos que garantiram o sucesso deste tipo de espaço na cidade. Ao se analisar superficialmente o grande número de galerias (Passages) na cidade, vemos que a conectividade destas é algo imprescindível para seu sucesso. Desde a Passage du Caire, primeira passagem coberta comercial construída na capital francesa em 1798 (segundo a secretaria de turismo da cidade)18 podemos ver que as galerias sempre buscaram criar o maior número de aberturas para a cidade. Esta diretriz responde não só ao aumento do número de indivíduos realizando a passagem pelo espaço comercial, mas também ao encurtamento das distâncias dentro da cidade, elemento considerado essencial para uma cidade que pretende se tornar voltada ao pedestre.

17. HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. Martins Fontes, São Paulo, 1999. p.76-77. 18. parisinfo.com <Acesso em 25/06/2016>

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◀ Diagrama Diagrama de fluxo e espaços criados pela Passage Du Caire.

◀ Diagrama com fluxos da Galeria St. Hubert; podemos ver a continuação da galeria entre quadras diferentes.

◀ Diagrama de fluxos e espaços da Galeria Vittória Emmanuelle.

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Levando esta conectividade ao limite do possível dentro da cidade podemos imaginar uma rede contínua de galerias paralelas e independentes do tráfego no espaço público convencional. Em Paris, no segundo arrondissement, temos um pequeno ensaio deste tipo de situação. Três quadras consecutivas, conectadas por uma pequena rede de galerias contínuas que cruzam o Boulevard Montmarte, que incluem a Passage Verdeau, Jouffroy e des Panoramas. Apesar de surgir em Paris, as galerias comerciais se espalharam por todo o mundo, em formas e dimensões diversas que dependem das condições locais – mas muitas vezes já perderam seu encanto original como conjunto de lojas caras, embora vários lugares ainda acomodem as lojas mais luxuosas, como por exemplo a Galerie St, Hubert, em Bruxelas e a Galleria Vittorio Emannuelle, que todos identificam como o coração da cidade.19 Este tipo de intervenção comercial não se limitou a galerias de passagens. Podemos encontrar ao redor do mundo projetos que embora tenham mantido a premissa de encurtar as distâncias dentro da cidade e favorecer o comércio pelo aumento do contato das pessoas com espaços comerciais não se confinaram pela tipologia da galeria, que não incorporava locais de permanência além de serem voltada exclusivamente ao varejo. Os projetos destes tipos de espaços nos dias de hoje geralmente utilizam desta segunda tipologia, que implica em uma maior multifuncionalidade dos espaços, e que fisicamente necessitam de espaços mais amplos a fim de criar espaços mais agradáveis que incentivem

19. segundo Geist, J. F., Passagen, ein Bautyp des 19. Jahrhunderts, Munique, 1969

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a permanência. E consequentemente apresentam uma linguagem formal e possibilidade estéticas e funcionais extremamente diversificada entre uns aos outros que variam desde projetos compostos por espaço descobertos em diferentes níveis, com é o caso do projeto do escritório chileno Plan B, o Pátio Bellavista em Santiago, Chile, até centros multifuncionais cobertos como o Kaufhaus Tyrol do arquiteto David Chipperfield em Innsbruck, Áustria. Segue uma análise das galerias e passagens de projetos, em função das respostas que os arquitetos deram ao desafio de criar espaços agradáveis e de qualidade nos interiores das quadras em diversas cidade ao redor do mundo.

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Kaufhaus Tyrol, David Chipperfield; Projeto localizado na cidade de Innsbruck, Austria. Fonte: umviajante.com.br ▶

Pátio Bellavista, Plan B arquitectos; Projeto localizado na cidade de Santiago, Chile. Fonte: umviajante.com.br ▼


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Fünf Höfe – Munique, Alemanha - Herzog & de Meuron O projeto realizado pelo escritório suíço Herzog & de Meuron foi o resultado de um concurso que previa a reforma de uma grande propriedade no centro da cidade de Munique na Alemanha que incluía diferentes lotes de uma mesma quadra. Seu nome, Fünf Höfe, significa 5 pátios, característica estruturadora do projeto que se desenvolve a partir destes. Segundo a própria monografia do escritório realizado pela editora Gerhard Mack, os pátios e as passagens criadas apresentam características individuais, que criam situações dinâmicas nos seus encontros. Como a passagem central “Salvador Arcade” que foi concebida como um jardim pendurado. A “Perusa Courtyard” busca se opor aos espaços excessivamente fechados dos shopping centers pela criação e uma abertura que permite a entrada de luz natural e de chuva. A “Pranner Arcade” possui uma escala muito menor e se afunila no sentido do interior da quadra para o acesso realizado pela fachada Barroca preservada no projeto. A “Portia Courtyard” cria um espaço de estar, alheio ao espaço comercial. As passagens e pátios não são visíveis da rua, somente em seu ponto de acesso, a não ser pela “Perusa Courtyard” onde a fachada do edifício existe não foi preservada, mas sim substituída por painéis metálicos perfurados móveis, que articulam o espaço interno e o público.

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Diagrama dos fluxos e pátios criados no projeto ▶

Planta/diagrama dos pátios e passagens do projeto. Fonte: Herzog & de Meuron 1978-1988: The Complete Works ▶

Salvador Arcade. Fonte: nexushaus.filepress. wordpress ▶

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Perusa Passage. â—€ Fonte: kaunat.de

Portia Courtyard. Fonte: immobilienreport.de â–ź

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Pranner Passage. Fonte: mimoa.eu ▶

Fachada da Perusa Passage, única fachada não preservada em todo o projeto. Fonte: buildingbutler.com ▶

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Gozsdu Udvar – Budapeste, Hungria O recém reformado Gozsdu Udvar, funcionava como o centro da comunidade judia na cidade de Budapeste, onde haviam apartamentos nos andares superiores, e pequenos comércios nas passagens e pátios localizados no térreo, mas que foram abandonados no período pós-guerra. Após sua reforma, o local tem pouco a pouco se tornado um dos principais destinos de turistas e moradores na cidade, onde se pode encontrar espaços agradáveis cheios de, bares, boates, restaurantes e comércio em geral.

Foto antiga de uma das galerias do local. ◀ Fonte: gozsduudvar.hu

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Imagem atual da galeria após reforma.. Fonte: gozsduudvar.hu ▶

Imagem atual de pátio após reforma. Fonte: gozsduudvar.hu ▶

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Galerias no centro de Santiago – Karl Brunner- Santiago, Chile Na cidade de Santiago no Chile, temos uma grande rede de galerias comerciais localizada em seu centro. Segundo o departamento de turismo da cidade, são aproximadamente 60 galerias que formam a principal característica desta região. Segundo Maria Isabel Pavez, pesquisadora do departamento de urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Chile, este tipo de intervenção surgiu por volta de 1850, com o arquiteto e urbanista austríaco Karl Brunner, criador do Barrio Cívico e consultor de urbanismo da cidade na época, trazendo ideias de planejamento vindas da Europa para a cidade chilena. Entre inúmeras outras intervenções de escala urbana que tinham como norteador a transposição das barreiras dentro da cidade, Brunner promoveu a criação de normas que favoreciam a criação de galerias no centro da cidade, fazendo com que inúmeras destas se espalhassem pela área. A intenção de Karl era criar uma rede pedonal que penetrava as quadras por passagens que permitiam conectar edifícios, ruas e passagens, criando uma nova forma de se locomover pelo centro da cidade. Alguns exemplos são a Pasaje Matte, também conhecida como Galeria Bulnes e a Galeria Imperio.

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Planta da rede de galerias do centro da cidade de Santiago. Fonte: plataformaurbana.cl â–ś

Espaço comercial na Pasaje Matte. Fonte: plataformaurbana.cl â–ź

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Além dos espaços comerciais, existe um grande número de intervenções nos miolos de quadras das cidades que pretendem reavaliar a forma com que o espaço interno pode ser utilizado para o uso residencial. Estes projetos, entretanto, se dividem em dois grupos, projetos que buscam refletir e responder aos conflitos do uso público-privado, mantendo a permeabilidade do projeto, e os que buscam reavaliar de que forma devem ser habitadas estes miolos sem que se criem novos vazios urbanos. Segue uma análise destas duas subcategorias exemplificadas nos seguintes projetos.

3.3.2 além das tipologias convencionais

127 Viviendas Protegidas en el Raval – Barcelona, Espanha Bru Lacomba Setoain O projeto realizado na divisa entre o bairro de Eixample e a antiga cidade amuralhada consiste de um bloco de apartamentos para idosos com programa de uso público no térreo e a criação de uma grande praça, conectada à cidade velha por uma passagem que permeia o bloco residencial.

Implantação do projeto e relação do bloco edificado com a praça pública. ◀ Fonte: archdaily.com

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Imagem da passagem criada pelo projeto. Fonte: archdaily.com ▶ Foto da relação do bloco edificado com a praça pública. Fonte: archdaily.com ▼

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Rue des Suisses – Paris, França – Herzog & de Meuron O projeto realizado pela dupla Herzog & de Meuron, resultado de um concurso para a construção de edifícios residenciais na cidade de Paris, consiste na intervenção em três lotes conectados, criando dois blocos alinhados com seus vizinhos e um bloco no interior com altura menor. Enquanto os blocos localizados no alinhamento da rua mantêm a relação tradicional dos edifícios parisienses com o espaço público, o bloco implantado no miolo busca trazer a forma de se viver fora da cidade para dentro dela. Onde existe uma transição maior entre o espaço público e privado, passando por espaços que não são nem uma coisa nem outra.

Planta do térreo do projeto. ◀ Fonte: archdaily.com

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Fachada do projeto voltada para a rua, mantendo a relação tradicional dos edifícios parisienses com o espaço público. Fonte: archdaily.com ▼

Bloco residencial localizado no miolo da quadra. Fonte: archdaily.com ▼

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a cidade como espaço de transição


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4.1 polarização

De maneira excessivamente simplória, a cidade pode ser vista como um conjunto de três elementos; o espaço privado (do indivíduo), o espaço do público (do coletivo) e todo o resto localizado entre estes. O arquiteto Angelo Bucci, em sua tese de doutorado fornece uma análise desta polarização e de sua formação20; As práticas das atividades humanas vão delineado, ao longo do tempo, as configurações dos ambientes adequados às necessidades específicas, ambientes como suportes pragmáticos. O conjunto completo dessas atividades é correntemente dividido em dois grandes grupos conforme uma classificação que se tornou excessivamente genérica, como que correspondentes a dois conceitos opostos e complementares: público e privado; conceitos que por sua vez remete, já sem muita precisão aos espaços internos e externos. Para a área central da cidade de São Paulo há uma correspondência limitada, mas que merece destaque entre esses dois grandes grupos – o público e o privado – programáticos e as estruturas arquitetônicas que se desenvolveram nos eixos horizontais – que de tão intricados como uma malha poderiam ser chamados simplesmente de “plano” horizontal e nos eixos verticais. Há uma correspondência

20. BUCCI, Angelo. São Paulo, razões de arquitetura. Da dissolução aos edifícios e de como atravessar paredes. Coleção RG bolso, volume 6. São Paulo, Romano Guerra, 2010.

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entre esses conceitos programáticos e duas dimensões da existência humana: o recolhimento e a sociabilização, ditas numa perspectiva iluminista; ou a alienação e dissolução, numa abordagem da cultura de massa. A maneira com que as cidades têm sido construídas nas últimas décadas favoreceu a criação destas relações das dimensões apresentada por Bucci. Criou-se o sentimento de que, para além do muro, portão ou qualquer que seja o elemento que delimita o espaço privado, o indivíduo não possui uma relação íntima, pelo contrário, este se tornou um ambiente hostil onde se sente ameaçado. A rua, que inicialmente era o local de encontros e trocas sociais se tornou o espaço do deslocamento acelerado em meio ao sentimento de impotência e insegurança. O motivo desta desvalorização do espaço público pode ser atribuído aos seguintes fatores, como elencado por Hertzberger21: 1. O aumento do tráfego motorizado e a prioridade que recebe. 2. A organização sem critérios de área de acesso as moradias, em particular as portas da frente, por causa das vias indiretas e impessoais de acesso, tais como galerias, elevadores, passagens cobertas

21. HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. Martins Fontes, São Paulo, 1999. p.49.

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Segundo Hertzberger, a rua era inicialmente uma extensão da sala de estar; Rua na cidade de Antwerpia em 1949 Foto: Art Klein ▶


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O espaço público como ambiente hostil; Avenida na cidade de Manila na Filipinas. Fonte: wired.com ▲

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(os inevitáveis subprodutos de construções muito altas) que diminuem o contato com o nível da rua. 3. A anulação da rua como espaço comunitário por causa do assentamento dos blocos. 4. Densidades reduzidas de moradias, enquanto o número de moradores por unidade também diminui acentuadamente. Assim, a queda da densidade populacional vem acompanhada por um acréscimo no espaço de habitações por moradores e na largura das ruas. A consequência inevitável é que as ruas de hoje estão bem mais vazias do que as do passado; além disso, a melhoria no tamanho e na qualidade das moradias significa que as pessoas passam mais tempo dentre de casa e manos na rua; 5. Quanto melhores as condições econômicas das pessoas, menos elas necessitam dos vizinhos, e tendem a fazer menos coisas juntas. É importante observar nas justificativas elencadas pelo autor, a influência da prosperidade crescente das cidades no último século, que tenderam a estimular o

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individualismo, fatores sociais que estão além do âmbito e capacidade do desenho da cidade e da arquitetura. Entretanto, há aquelas que se referem à organização espacial, fatores dos quais podemos notar excessivamente nas cidades contemporâneas, e que quando confrontados podem ser, e têm sido primordiais na reconquista dos espaços públicos por seus moradores. As grades e muros que cercam edifícios e casas são talvez, o maior e mais evidente efeito e causador da polarização entre o espaço público e o privado, nas cidades. Por muito tempo, e ainda hoje, prevalece a noção de que quanto maior, e mais opaca a divisão entre o espaço interno e externo, maior a segurança dos indivíduos e seus bens. A relação é na verdade inversa. Segundo reportagem da revista Folha de S. Paulo, publicada em outubro de 200722, uma pesquisa realizada pela Polícia Militar do Paraná, revelou que 60% das casas assaltadas em Curitiba são cercadas por muros, enquanto apenas 15% são “abertas” para a rua. A mesma pesquisa colheu depoimentos de detentos com participação em assaltos, destes 71% afirmaram que casas com muros são preferíveis para a realização de assaltos e 54% disseram que muros ocultavam a ação dos assaltantes. O que podemos observar na cidade é a simplificação das relações dos espaços públicos e privados, manifestada fisicamente. A categorização de um enorme número de relações, infinitamente complexas que ocorrem entres os diferentes espaços que constituem a urbanidade, em dois

22. FIORATTI, GUSTAVO. Viver sem muros é menos perigoso, dizem especialistas. Folha de São Paulo, São Paulo, domingo, 07 de OUT de 2007

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4.2 espaço de transição


conceitos opostos. Nesta simplificação, não existe espaço para a transição entre os dois polos, vital para o usufruo da cidade por seus usuários. Este espaço de transição é por definição complexo, pois foge da simplificação corriqueira dos ambientes da cidade, e, pois, também introduz um debate sobre a questão programática dos espaços. Ou seja, quais atividades devem ser realizadas no ambiente público, e quais devem ser realizadas no ambiente privado. E apesar de que muitas vezes esquecido, este tipo de espaço sempre esteve presente no inconsciente do indivíduo, exemplificado no arquétipo da casa de interior com um jardim entre a rua e a edificação, aonde crianças podem brincar, e os adultos observar o vai e vem na rua. Em sua tese, Bucci realiza uma leitura retrospectiva da letra “B” até recompor a sua origem no hieróglifo egípcio, onde nota claramente as dimensões da existência do homem mencionadas por ele, e as três categorias de espaços apresentadas neste capítulo. Essa origem grafa nitidamente, através de uma linha contínua que se desenvolve como um trecho de uma espiral quadrada, um dentro e um fora, além disso, mostra uma passagem estreita contínua e gradual entre uma coisa e outra. O som bê é a maneira como hoje nos referimos à uma forma atual daquele desenho, que, depois de 5 mil anos de pequenas transformações sucessivas, tem

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o seu lugar como a segunda letra do nosso alfabeto. A origem do fonema bê é a palavra semítica beth, que designava casa, daí beta e depois bê. A figura do hieróglifo representa, na interpretação arquitetônica que assumo, em confronto com a interpretação do linguista, o desenho do chão ou a planta daquela casa ancestral. Ali, evidentemente, não estavam os conceitos de público e privado, mas já estavam presentes, isto sim e com toda nitidez, as duas dimensões da existência do homem que não deixaram de existir. Na figura a passagem é não só um elemento vital para a definição do sentido da imagem, mas também importantíssima para exemplificar como esta deve ser feita. A imagem teria um sentido completamente diferente, se esta transição (dentro e fora) fosse representada apenas como uma abertura no quadrado externo. Como já apresentado, as cidades têm esquecido da importância desta passagem entre o interno e o externo, prejudicando a utilização dela. Neste contexto, podemos nos apropriar do hieróglifo e modificá-lo, de forma a representar graficamente a complexidade e importância do que pode ser o espaço de transição quando relacionado ao espaço público e ao privado. Desta maneira, a espiral seguiria seu percurso natural se aproximando do centro da geometria, mas possuiria trecho interrompidos, ligados ou não entre si,

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Figura hieroglifo representando BETH. ▶

Figura ilustrando a complexidade dos diferentes níveis entre público e privado. ▶

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permitindo uma maior flexibilidade do percurso do centro da espiral para fora da geometria. Esta exata relação de dentro, fora e entre pode ser encontrado na Sonsbeek Pavilion, obra projetada pelo arquiteto holandês Aldo Van Eyck23 em 1966. O projeto do pavilhão temporário que abrigaria obras de cerca de trinta artistas é formado por seis paredes de quatro metros de altura, equidistantes dois metros e meio uma da outra. As paredes são em alguns pontos curvadas, interrompidas ou abertas com passagens, construindo ambientes de diferentes níveis de privacidade e conectividade entre si. Podemos observar a partir de uma comparação entre o croqui inicial, de desenvolvimento e a planta final do pavilhão, o desenvolvimento do projeto pelo arquiteto para chegar a este objetivo.

Estudo do projeto realizado pelo arquiteto. Fonte: socks-studio.com ▶ 23. Arquiteto holandês formado na ETH Zurique, membro do CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) e co-fundador do Team X

Reprodução de croquis feitos pelo arquiteto da planta do pavilhão. Fonte: socks-studio.com p.90 Imagem do projeto. Fonte: socks-studio.com p.91

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Na cidade contemporânea, o espaço de transição pode ter inúmeras funções que dependem do contexto do local em que está inserido, a época, etc. As vezes este deve ser compreendido como uma extensão da sala de estar de um indivíduo, outras como uma extensão do espaço de deslocamento da população, ou o intermédio entre um espaço totalmente aberto à população e outro com acesso restrito. Na Holanda no período pós-guerra por exemplo, surgiu o conceito utópico e otimista da “rua reconquistada”, aonde a rua retomava a sua função como espaço social entre moradores, como uma sala de estar comunitária, aonde estas relações poderiam ser estimuladas pela aplicação eficiente de recursos arquitetônicos, conceito amplamente disseminado pelo Team X24. O mesmo conceito pode ser observado no projeto da moradia Haarlemmer Houttuinen, elaborado por Herman Hertzberger em associação com Van Herk e Nagelkerke, que teve como tema central a rua como espaço de convivência. Houve a necessidade imposta pelos regulamentos do lote de reservar uma área de 27 metros quadrados para o trânsito, que devido à insolação e falta de espaço inviabilizou a criação de um jardim particular no fundo das moradias como feito usualmente. Com isso o centro do projeto se tornou o espaço de transição, neste o acesso de veículos era restrito aos dos moradores e entregas, e a disposição dos equipamentos necessários à rua, tais como luzes, bancos públicos, estacionamento de bicicleta fez com que alguns poucos carros estacionados, fossem o suficiente para

24. Grupo de arquitetos reunidos após a dissolução do CIAM com o objetivo de rever os conceitos da função da arquitetura e do urbanismo moderno na sociedade da época.

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4.3 transição construída


Foto do Haarlemmer Houttuinen. Fonte: miesarch.com ▶

Planta do projeto. Fonte: miesarch.com ▶ Corte do projeto. Fonte: miesarch.com ▼

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obstruir a passagem de qualquer tráfego adicional. As estruturas que se projetam a partir da fachada do bloco principal, define o perfil da rua e cria um volume de acesso ao interior da residência, criando contato direto entre a rua e a porta da casa, ou acesso aos apartamentos nos pavimentos superiores, ainda que de forma protegida. Uma relação semelhante, entre o espaço público, o privado e o de transição pode ser observada no projeto do arquiteto americano Neave Brown25 nos arredores de Londres, Alexandra and Ainsworth estate, mais conhecido como Rowley Way. Neste caso, entretanto, a criação de uma rua interna surgiu da vontade de isolar visualmente e acusticamente o projeto da linha de trem localizada ao lado do terreno. Com este objetivo o arquiteto propôs a utilização das "terraced houses", tipologia típica da cidade londrina em que uma fileira de unidades são coladas lado a lado compartilhando de uma empena, aplicada na construção de moradia de alta densidade. Estas são portanto, dispostas ao longo de uma via de pedestre pública, sendo duas fileira colocadas sobrepostas de um lado da via, e outra fileira colocada do outro lado da via, formando uma espécie de vale, onde seu fundo corresponde à via, que por sua vez da acesso à todas as moradias do conjunto. Neste projeto, a transição entre o espaço público localizado fora do conjunto, e o espaço interno da moradia é realizado não por um espaço de transição, mas por dois ou três. Sucessivamente, desde a rua até a porta da casa, o morador do conjunto percorre a via pública projetada, que já não compartilha do mesmo nível publicidade da rua fora do

25. Arquiteto e artista americano, formado nos Estados Unidos da América e pela Architectural Association em Londres. Trabalhou bastante com o tema de moradias modernistas.

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Foto do projeto; via pública entre fileiras das habitações. Fonte: alexandraandainsworth. org ▶

Cortes do projeto. Fonte: alexandraandainsworth. org ▶

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projeto, depois adentra um corredor com escadas, utilizado para acessar um número determinada de habitações. Neste projeto, a transição entre níveis de espaços públicos e privados é feita da mesma maneira que o apresentado no projeto do arquiteto Herman Hertzberger, se diferenciando deste uma vez que no caso holandês a entrada da habitação é colocada em maior contato com o espaço dito público. As residências e projetos habitacionais apresentam a necessidade dos espaços de transição de maneira mais evidente, uma vez que expõe os dois polos possíveis nesta relação, o de maior grau de privacidade e de publicidade. Entretanto, equipamentos institucionais tem sido projetados com elementos que realizem esta transição desde muito tempo. Os projetos do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona do arquiteto Richard Meier26 e do Centro Georges Pompidou em Paris, uma colaboração entre Renzo Piano e Richard Rogers27 são dois exemplos que utilizaram de mecanismos parecidos para realizar a transição entre o espaço interno do equipamento, e o espaço público. Em ambos os projetos, o objeto do museu, possui uma posição secundária em relação às praças criadas por sua implantação. Estas atuam como mediadores entre o equipamento e a cidade, sendo seu uso completamente desvinculado do equipamento em si.

26. Arquiteto americano, recipiente do prêmio Pritzker de 1984, autor de projetos como o Getty Center em Los Angeles, e a Igreja do Jubileu em Roma. 27. Projeto do centro foi o resultado de um concurso realizado em 1970 pelo governo francês.

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Macba. Fonte: citymag ▶

Centre Georges Pompidou. Fonte: panoramio.com ▼

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Em São Paulo, tivemos entre as décadas de 1930 e 1960, uma grande produção de edifícios que implantaram em seus térreos espaços comerciais na forma de galerias abertas ao público. Foi a utilização da lógica já mencionada neste trabalho, de aumento do espaço rentável dentro da cidade aliada ao adensamento da região central da cidade. Segunda Sabrina Fontenele28, esta produção esteve diretamente vinculada ao novo traçado urbano da época e à legislação referente ao Plano de Avenidas; Na primeira metade do século XX, iniciouse a construção de uma nova estrutura urbana nos lotes urbanos próximos à Praça da República, a partir de investimentos governamentais e particulares. A iniciativa privada foi estimulada a construir a paisagem urbana, seguindo uma legislação que vinculava a permissão de maiores alturas ao desenho arquitetônico desejado pelo poder público. Nestes termos e considerando os diversos aspectos de transformação urbana da cidade, entre eles um novo traçado urbano e a verticalização do centro da cidade, é possível afirmar que a escala das novas intervenções influenciou de modo determinante a relação do edifício com a rua e influenciou o aparecimento de novos partidos arquitetônicos.

28. Em sua tese de doutorado apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sob orientação de Regina Maria Prosperi Meyer, intitulada Relações entre o traçado urbano e os edifícios modernos no centro de São Paulo. Arquitetura e cidade (1938/1960).

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4.4 transição como oportunidade


Do ponto de vista dos objetivos do poder público e da iniciativa privada, a relação estabelecida pela legislação foi extremamente benéfica e se reproduziu por toda área central situada entre o Vale do Anhangabaú e as avenidas Ipiranga, São João e São Luís. Foi criado uma rede de galerias, possibilitando um passeio pedonal completamente alienado do espaço dito verdadeiramente público, em que se situam não só as lojas, mas também em diversos casos, os acessos das edificações disposta sobre as galerias. Neste caso, a transição não se limita à mediar a relação entre o espaço interno e externo, mas se torna uma tipologia própria, que possui a sua própria lógica de capital e que buscava articular toda a região central, conectando espaços, equipamentos e consequentemente pessoas. Estas continuidades foram inclusive estimuladas pelo poder público, sendo evidenciado em artigo da legislação criada29.

Fica a prefeitura autorizada a promover os entendimentos e acôrdos que se fizerem necessários para assegurar, no menor prazo possível, o estabelecimento de continuidades nas galerias, de que trata esta lei, podendo êsses acordos abranger a reposição parcial ou total do custo das obras de adaptação dos edifícios existentes, no caso de ser também observada a exigências da alíneas 'a' e 'b' do artigo 1º (PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 1957)

29. Lei 5.114, de 31/12/1958 em seu artigo 4º.

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instrumentos de urbanização


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5.1 complexidade e possibilidade dos espaços de transição

Por muito tempo a forma vigente de desenvolvimento e crescimento das cidades se realizou de forma polarizada entre o setor público e privado. A divisão de responsabilidades e deveres realizadas pelo perímetro do lote, aonde o estado se responsabiliza pelo exterior do perímetro e o setor privado pelo interior, culminou em cidades mal planejadas sem espaços de trocas característicos e qualificativos do âmbito urbano. Como citado por Herman Hertzberger, Angelo Bucci, entre outros, esta excessiva polarização dos próprios conceitos de público e privado (além de seus derivados, semi-público e semi-privado) já não possuem a flexibilidade necessária para caracterizar os espaços e a relação entre eles dentro da cidade contemporânea. Sendo que é justamente nas diversas intersecções dos diferentes níveis entre esta polarização que podemos encontrar os espaços que qualificam as cidades ao redor do mundo. Um dos grandes desafios encontrados nas cidades, principalmente nas grandes metrópoles, é a implantação de planos urbanísticos que visam atenuar os efeitos negativos do perímetro do lote, em áreas consolidadas (como implantar as regras, leis e diretrizes estabelecidas nos planos diretores, estatutos, entre outros). A necessidade do coletivo, quanto à forma com que são desenhados os espaços da cidade, é muitas vezes contrária aos interesses da parcela que, com toda legitimidade, possui a propriedade da terra. Entretanto este direito do domínio à terra deve, no contexto urbano, atender à chamada função social da propriedade, concepção que nasceu da noção de que, enquanto vivente em sociedade,

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o homem deve empregar esforços no sentido de dar sua contribuição ao bem-estar da coletividade em detrimento dos interesses unicamente individuais, como definido por Carlos Frederico Marés30. Caso não atenda este requisito (como é o caso de lotes vazios, subutilizados, inadequados à região onde estão implantados), é dever do poder público criar mecanismos que de forma legítima possam levar a propriedade a exercer sua função devida dentro da sociedade. Como forma de viabilizar as diretrizes que comandam o desenho e o desenvolvimento da cidade, temos os instrumentos urbanísticos. Estes são diversos e buscam atingir o maior número de parâmetros que compõem a cidade, sendo eles os gabaritos das edificações, as áreas permeáveis, o uso adequado do solo e sua democratização, entre outros. No Brasil, a Lei n. 10.257/01 de 10 de Julho de 2001, autodenominada Estatuto da Cidade, surgiu como um importante passo para a solução dos problemas urbanos, disciplinando diversos instrumentos fundamentais para se conceber uma política urbana justa e eficiente, apresentando uma extensa relação de instrumentos novos e antigos. I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e

30. MARÉS, Carlos Frederico. A Função Social da Terra. Sérgio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre Ed. 2003

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microrregiões; III – planejamento municipal, em especial: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais; h) planos de desenvolvimento econômico e social; IV – institutos tributários e financeiros: a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU; b) contribuição de melhoria; c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros; V – institutos jurídicos e políticos: a) desapropriação; b) servidão administrativa; c) limitações administrativas; d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; e) instituição de unidades de conservação;

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Imagem retirado do plano diretor ilustrado de SP; diretrizes de mobilidade urbana Fonte: gestaourbana â–˛

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f) instituição de zonas especiais de interesse social; g) concessão de direito real de uso; h) concessão de uso especial para fins de moradia; i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; j) usucapião especial de imóvel urbano; l) direito de superfície; m) direito de preempção; n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; o) transferência do direito de construir; p) operações urbanas consorciadas; q) regularização fundiária; r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; s) referendo popular e plebiscito; VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).” Vale ressaltar que a lista de instrumentos apresentados no artigo 4 enaltece que os instrumentos passíveis a serem utilizados pelo poder público não se limita aos apresentados nela mesma, sendo clara a intenção de ampliar ao máximo as ferramentas colocadas à disposição.

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A importância deste passo para o desenvolvimento das cidades brasileiras pode ser observada no trecho extraído do artigo escrito pela urbanista Raquel Rolnik31, Estatuto da Cidade – Instrumentos para as cidades que sonham crescer com justiça e beleza; “Na verdade, pela primeira vez em nossa história, temos uma regulação federal para a política urbana que se pratica no país, definindo uma concepção de intervenção no território que se afasta da ficção tecnocrática dos velhos Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado, que tudo prometiam (e nenhum instrumento possuíam para induzir a implementação do modelo idealizado proposto!)”. Entre os vários instrumentos pautados na lista apresentada, temos a servidão administrativa, já utilizada há tempos, este instrumento afeta o bem do domínio privado, com o objetivo de criar, transformar ou viabilizar a utilização de um equipamento urbano pela comunidade, poder público ou particular delegatário de uma função pública. Em termos práticos é dizer que o poder público possui o direito e dever de viabilizar o acesso à equipamentos de interesse público mesmo que para tal, tenha que utilizar uma parcela do lote privado. No contexto urbano e rural, as faixas de linhas de transmissão são uma evidente exemplificação deste instrumento, bem como as linhas de servidão decorrentes

31. arquiteta e urbanista brasileira, graduada pela Universidade de São Paulo, SP em 1978. Foi Diretora de Planejamento da cidade de São Paulo durante a gestão de Luiza Erundina (1989 – 1992). Foi também secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades de Lula (2003 – 2007). Por seis anos, até 2014, foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada.

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das infraestruturas de esgoto e abastecimento de água. Em contraposição à servidão administrativa, é importante observar que alguns dos instrumentos apresentados no estatuto da cidade se referem a inovação na forma com que o poder público e a iniciativa privada agem em conjunto para desenvolver a cidade. Este tipo de parceria, associada às políticas neoliberais, então implementadas desde o final dos anos setenta numa tentativa de recuperação das economias dos países centrais32, chegou ao Brasil nos anos 1980, no final do regime militar em um contexto caracterizado pelo crescente endividamentos, pela elevação e aceleração inflacionaria e pela consequente redução dos financiamentos estatais4, e vem sendo empregado deste então nos municípios brasileiros. No Brasil bem como em inúmeros outros países, a parceria publico/privado, age por meio de diversos instrumentos, sendo os principais destes os consórcios imobiliários, as concessões e numa maior escala as operações urbanas e o Land Readjustment, como estímulo por parte do poder público para que o setor privado construa a cidade nos moldes desejados pelo estado. Este tipo de parceria visa beneficiar ambos lados, reduzindo os custos e prejuízos de ambos, de forma genérica o Estado não possui os encargos da construção e do gerenciamento da intervenção, enquanto o setor privado tem os custos de construção e operação reduzidos levando ao aumento do retorno de seu capital investido.

32. HARVEY, D. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação urbana no capitalismo tardio. Espaço e Debates, n.39, ano XVI. São Paulo: NERU, 1996. p. 48-64.

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5.2 land readjustments

O Land Readjustment é um instrumento que foi amplamente utilizado no Japão, e também em outros países como a Colômbia, Austrália, Alemanha, Turquia, entre outros, mesmo que com outra denominação. O caso japonês pode ser considerado um dos exemplos de maior sucesso no que se refere à escala de intervenção no território do país (390.000 ha desde 1970). Como descrito no livro Land Readjustment e Operações Urbanas Consorciadas de Daniel Todtmann Montandon e Felipe Francisco de Souza, o Land Readjustment no Japão é um método de desenvolvimento urbano de execução compartilhada em que todos os proprietários e inquilinos contribuem para o financiamento e a realização do projeto, distribuindo de maneira equilibrada os custos e benefícios do resultado. Autorizado pelo governo local por meio de leis específicas de acordo com os parâmetros estabelecidos na lei do Land Readjustment de 1954, o projeto se baseia no redimensionamento dos terrenos, que são também reposicionados e que a partir deste reposicionamento, contribuem parte do terreno para a construção de novos equipamentos públicos. São constituídos ainda, além do solo público, terrenos reservas oriundos da contribuição fundiária de cada proprietário que serão posteriormente colocados à venda, para que sua comercialização financie o projeto. Com a conclusão do projeto, as propriedades são valorizadas graças à melhoria em acessibilidade, qualidade ambiental e as novas, ou otimizadas infraestruturas. A absorção dos benefícios do desenvolvimento é feita em

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parte pelo poder público por meio da construção de novas áreas públicas, sem a necessidade da utilização da desapropriação, e parte pela iniciativa privada pela sobrevalorização fundiária decorrente do próprio projeto. O Land Readjustment é implementado com duas finalidades distintas, dependendo da circunstância do local de intervenção; criação de lotes para habitação em zonas periféricas, e o desenvolvimento de infraestrutura em zonas intensamente urbanizadas. Dentro destas duas finalidades, podemos dividir os projetos realizados no Japão em cinco categorias: 1. O desenvolvimento de novas cidade; 2. Prevenção ao crescimento desordenado; 3. Renovação urbana; 4. Desenvolvimento de centros urbanos; 5. Reconstrução urbana; O projeto de Land Readjustment Estação Nijo, realizado no distrito de Nijo, no município de Kyoto, atuou em um espaço urbano desarticulado, ocupado por um pátio de manobras desativado que servia como barreira entre o centro da cidade e sua zona oeste, sendo uma localização estratégica para a unificação do município. O projeto previu a construção de uma estação de metrô e a conexão viária de toda região, além de vias exclusivas para pedestres, praças públicas, um complexo de cinemas e lojas e uma universidade, além do adensamento de habitação na região. Em números concretos o projeto contou com a adesão de

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Projeto de Land Readjustment Estação Nijo Fonte: agência de planejamento urbano do município de Kyoto ▶

Imagem aérea de Nijo Fonte: googleearth ▶

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146 proprietários além de 6 inquilinos, transformou o uso do solo drasticamente (aonde antes havia 91,6% de terrenos privados, passou a ter 64,9%), aumentos o sistema viário de 5,7% para 25,3%, criou 9.001m2 de áreas públicas, 3.000m2 de parques, e aumentou a densidade habitacional da região de 28hab/ha para 97hab/ha. As Operações Urbanas Consorciadas (OUC), pode ser considerada um instrumento urbanístico similar ao Land Readjustment, compartilhando a sua escala e sua interação entre o poder público e o setor privado, ainda que esta seja feita de forma completamente diferente. Na OUC, a parceria entre as duas partes se dá pelo incentivo urbanístico atrelado ao pagamento de contrapartidas que tanto servem para investimentos privados quanto para que os empreendimentos se adequem às transformações definidos pela política urbana, em determinada área que possui um objetivo específico urbano definido no plano diretor da cidade. Estes incentivos são geralmente a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e a alteração de normas de edificações5. Este instrumento foi introduzido no Brasil entre as décadas de 1970-80 como absorção da experiência internacional francesa e norte-americana de controle de densidade, valorização imobiliária e política de preservação de imóveis históricos6. No caso da OUC, seu objetivo é determinado pela

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5.3 operação urbana consorciada


política urbana municipal do local onde será implementado, tendo condições e necessidades específicas de estruturação do tecido urbano, entretanto devem seguir finalidades definidas no Estatuto da Cidade, tais como: 1. Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; 2. Recuperação dos investimentos do poder público de que tenha resultado a valorização dos imóveis urbanos; 3. Cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social. 4. Ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a utilização inadequada e a retenção especulativa dos imóveis urbanos, que resulte na sua subutilização ou não utilização Em São Paulo, quatro operações urbanas foram implantadas desde 2001. São estas a OUC Água Branca, Água Espraiada, Bairros do Tamanduateí e Faria Lima. A última compreende 650 hectares e está situada na região sudoeste da cidade, tendo como principais objetivos reorganizar os fluxos de tráfego particular e coletivo ao implantar o prolongamento da avenida Faria Lima interligando-a às avenidas Pedroso de Moraes e Hélio Pelegrino até alcançar a avenida República do Líbano, além de construir terminal

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multimodal junto a estações da CPTM e Metrô. Também são objetivos importantes da Operação promover a reurbanização do Largo da Batata e urbanizar as favelas em seu perímetro, ou entorno imediato. Nesta OUC a principal forma de arrecadação de capital do setor privado pelo poder público se dá na forma do Potencial Adicional de Construção, cujo total distribuído atingiria 2,25 milhões de metros quadrados, realizáveis sobretudo através da permissão onerosa de coeficiente de aproveitamento por lote igual a 4. Segundo artigo publicado no portal vitruvius intitulado Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projetos. Parte 2 – Operação Urbana Faria Lima: relatório de avaliação crítica, escrito por Pedro Manuel Rivaben de Sales, a análise dos pressupostos, procedimentos e resultados da operação apontou uma série de questões – pendências, distorções e equívocos – que podem ser resumidos em dois principais grupos, um ao que se refere à concepção da operação e de seus procedimentos de atuação, e outro ao que se refere aos resultados obtidos da implantação de parte do plano urbanístico, tendo em vista que ainda restam intervenções a executar, bem como estoque disponível no perímetro da operação. Quanto à concepção procedimentos de atuação:

da

operação

e

seus

a.1. inexistência de projetos urbanos articulados e integrados: isto redundava na impossibilidade de prefigurar e

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antecipar mudanças geradas na estrutura e configuração urbanas, bem como dificuldade de programação e gestão dos objetivos e dos recursos, dos investimentos e dos interesses. a.2. tratamento homogêneo (portanto abstrato) de partes urbanas nitidamente desiguais: desconsiderar os aspectos de formação e forma, posição e papel, funcionamento e imagem urbanas implica generalizações descabidas (e consequências indesejáveis) na cidade contemporânea. a.3. análise “caso-a-caso”: a falta de visão de conjunto e a carência de critérios congruentes impossibilitam a previsão e controle dos efeitos cumulativos da sobrecarga da infraestrutura e do impacto sobre o sistema de circulação e sobre as forma de uso e ocupação do solo. a.4. inexistência (particularmente quando referida à “Área indiretamente beneficiada”) de diretrizes urbanísticas e de normas de avaliação pré-fixadas – de modo mais claro e objetivo possível – para análise, aprovação e cálculo (de contrapartidas) das solicitações.

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a.5. fixação arbitrária, mas superestimada do estoque de potencial de construção adicional em face da real disponibilidade de áreas passíveis ou apropriadas ao adensamento construtivo via aumento do potencial construtivo. a.6. inexistência de mecanismos de controle da sobrevalorização do preço da terra: expectativa de apropriação particular das mais valias-urbanas retira poder de arrecadação pública, tendo como consequência o “bloqueio” da própria Operação. b. Quanto aos resultados obtidos b.1. Concentração espacial e especialização funcional: distorções na dinâmica de transformação urbana produziram enclaves especializados e segregados. Os padrões da redundância deste processo são: Localização: “Área Indiretamente Beneficiada” Zona: Z2 Usos: S2/C2 e R3.01 Coeficiente de aproveitamento C.A. = 4

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Perímetro Operação Faria Lima Fonte: mobilidadepinheiros. wordpress ▲

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b.2. renovação urbana reduzida à conformação de paisagem de “edifícios– torre”: a lógica arquitetônica que preside tal configuração, prescindindo de qualquer vínculo urbano que não seja o lote, interessa apenas à própria auto representação (segundo uma imagem menos ou mais tecnológica, menos ou mais espetacular). b.3. Perda de escala: volumetrias e áreas construídas excessivas em relação ao tecido preexistente, redundando em pressão sobre a infraestrutura e a paisagem, gravando a qualidade ambiental urbana. A análise realizada, evidencia o conflito entre o interesse da dinâmica imobiliária e os do poder público, além de uma maior necessidade de controle em uma menor escala sobre as intervenções realizadas em toda a área da operação urbana pelo poder público. A realização e implantação de propostas em áreas consolidadas que necessitam de reformulação é algo imprescindível para as grandes cidades ao redor de todo o mundo. A realização destas é, entretanto, tão complexa, senão mais que a sua formulação.

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Cruzamento avenidas Faria Lima e Juscelino Kubitschek. Fonte: SkyscraperCity â–²

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intervenção


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A intervenção proposta parte de uma vontade de construir cidade. Todas as escolhas realizadas ao longo do desenvolvimento do projeto, em todas suas etapas, desde a escolha do local de intervenção, o tema a ser discutido, até as definições dos materiais e os aspectos formais da edificação projetada visam responder este anseio. Uma análise do primeiro croqui realizado em todo o processo evidencia esta vontade. Ao contrário de um objeto definido com características próprias, implantado em um local reconhecível, o desenho retrata um local genérico cercado por uma cidade consolidada com diferentes pontos de acessos, tratamentos formais e usos. Um projeto com momentos de sombra, luz, passagem e permanência, aonde as situações urbanas criadas sobressaem a própria edificação. Em seguida, a perspectiva escolhida para ser utilizada como imagem principal do projeto mantém muitas das características citadas e que foram introduzidas no primeiro croqui realizado. Nesta imagem, o que se buscou foi evidenciar o impacto realizado pelo projeto no âmbito do espaço público, mantendo o projeto como um objeto secundário, em meio à uma cidade já construída. Estas situações, resultantes da implantação do projeto transbordariam o terreno escolhido se estendendo em direção à cidade que o circunda sem direção predeterminada, um processo denominado “metástase positiva”, termo cunhado pelo arquiteto catalão Oriol Bohigas33.

33. BOHIGAS, Oriol. Una nueva Barcelona. Reflexiones sobre los ultimos diez años. A&V Monografias, n.37, p. 6-11, 1992.

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Primeiro croqui realizado do projeto; realizado em Marรงo de 2016. โ ฒ

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Imagem principal do projeto; a edificação proposta se encaixa entorno da cidade construída. ▲

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Como citado anteriormente, os vazios encontrados nos miolos das quadras fornecem uma excelente oportunidade de intervenção e modificação das cidades consolidadas, com isso o projeto proposto buscou encontrar dentro da cidade de São Paulo uma área na qual intervenções como as exemplificadas neste trabalho, poderiam alterar a dinâmica existente na cidade paulistana. O bairro de Santa Ifigênia, vizinho do centro velho da cidade, dispõe de espaços propícios para intervenções deste tipo além de uma localização estratégica para a cidade de São Paulo, tendo que permaneceu esquecida, não só pelas políticas públicas da cidade por cerca de meio século, mas também por toda população, apesar da sua proximidade ao centro da cidade e de equipamentos importantíssimos da cidade como as estações Julio Prestes, da luz, o teatro municipal, entre outros. A proposta apresentada, busca atuar nos espaços residuais do centro do bairro de Santa Ifigênia além de reorganizar seus leitos carroçáveis e pedonais a fim de ocupar esta região esquecida e de fundamental importância para toda a cidade. Com o intuito de integrar o bairro ao centro da cidade e trazer vitalidade para dentro dele, o projeto prevê o encurtamento das distâncias do caminhar por meio de passagens que rompem a unidade da quadra criando rotas paralelas às já existentes dos espaços públicos. Estas por sua vez são alteradas em função de reorganizar o trânsito de veículos de forma a priorizar o deslocamento dos pedestres no interior do bairro.

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diagrama trรกfego existente

diagrama vias de pedestres

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diagrama sentido das vias

diagrama ĂĄreas pĂşblicas

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Após uma análise das condicionantes existentes na região escolhida, foi proposto um masterplan. Neste, a Rua dos Gusmões exerce a função de eixo estruturador, tornando se uma via exclusiva de pedestres e percorrendo a extensão de todo o bairro, desde a Estação da Luz, passando por uma área verde proposta formada pela unificação de duas quadras vazias, até a Avenida Rio Branco, em direção ao Largo do Arouche, reconhecendo esta avenida como principal eixo de acesso viário ao bairro e de conexão com o resto da cidade. Paralelamente a este eixo, temos a criação de um pequeno anel viário pelas ruas General Osório e Aurora, distribuindo o fluxo de média intensidade por dentro do bairro. O restante das ruas (Santa Ifigênia, dos Andradas, do Triunfo e Vitória) estabelecem a prioridade do pedestre apesar de possibilitar o fluxo de veículos. Para marcar a prioridade do pedestre nas vias, foram utilizados alguns elementos que variam deste a implantação de mobiliário urbano projetado exclusivamente para a área, até o uso de guias rebaixadas em toda a via. Estes elementos visam tornar o espaço público mais agradável para quem o utiliza e incentivar este uso. O elemento utilizado em maior escala na região foi a substituição de toda a pavimentação do piso por uma pavimentação projetada exclusivamente para a região e que em seu próprio desenhos, criar indicações dos fluxos propostos na região.

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masterplan


diagrama diretrizes do masterplan

Rua dos Gusmões; a rua funciona como eixo estruturador do masterplan, cruzando todo o bairro desde a estação da luz, até a avenida Rio Branco em direção ao Largo do Arouche. Dentro do bairro, o eixo é definido de um lado pela avenida Rio Branco, e do outro por uma área verde proposta. ▶

Anel viário de maior intensidade de circulação de veículos no perímetro do bairro, formado pelas avenidas Rio Branco, Ipiranga, Duque de Caxias e Cásper Líbero. ▶

Anel viário de baixa intensidade de circulação de veículos, com velocidade reduzida, permeando o bairro, formado pelas ruas General Osório, General Couto de Magalhães e Aurora. ▶

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O restante das ruas do bairro são de prioridade dos pedestres, tendo esta prioridade marcada por elementos como faixas de pedestre em nível com as calçadas, guias rebaixadas e pela utilização de ◀ mobiliário urbano.

O encurtamento das distâncias dentro da cidade é realizado pela criação de transposições das quadras, utilizando galerias, espaços ◀ públicos, etc.

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cortes vias propostas Cortes dos três tipos de vias do bairro, com cortes da reformulação proposta nos três casos, sendo que em todos os casos as calçadas foram ampliadas, foi inserido vegetação e as guias foram rebaixadas para 5cm;.

Nas ruas internas de menor intensidade (14.00m) temos atualmente uma faixa de circulação e outra para estacionamento na via pública PROPOSTAS Foram feitas três propostas para este tipo de via; - rua com uma faixa de circulação e outra para estacionamento na via pública, além de faixa para ciclistas. - rua com uma faixa para veículos e outra para ciclistas. - rua exclusiva de pedestre

Nas ruas internas de maior intensidade (18.00m) temos atualmente duas faixa de circulação e outra para estacionamento na via pública PROPOSTA - as larguras das faixas foi reformulado em função de aumentar a calçada e inserir uma faixa de ciclistas

Nas avenidas no perímetro do bairro (32.00m) temos atualmente quatro faixa de circulação com canteiro central e calçadas estreitas. PROPOSTA - a calçada foi aumentada visando criar espaços de permanência, e inserir ciclovias.

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mobiliário urbano

banco 2 x 0.5m o banco de concreto possui iluminação LED junto à base recuada. As frestas criadas no bloco principal permite uma flexibilidade quanto à sua utilização; no primeiro caso, as frestas podem ser utilizadas como locais para estacionar bicicletas. no segundo caso, as frestas são preenchidas com blocos de madeira criando uma superfície lisa no terceiro caso, os blocos de madeira são maiores do que a fresta criada e criam a possibilidade de encosto nos bancos

banco 2.5 x 1m o banco de concreto possui iluminação LED junto à base recuada. As frestas criadas no bloco principal permite uma flexibilidade quanto à sua utilização; no primeiro caso, as frestas são preenchidas com blocos de madeira criando uma superfície lisa no segundo caso, os blocos de madeira são maiores do que a fresta criada e criam a possibilidade de encosto nos banco no terceiro caso, as frestas são preenchidas com um módulo de jardineira que pode ser utilizado com encosto

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pavimentação proposta

Para as calçadas e espaços exclusivos de pedestres foi proposto a utilização de placas de granito na cor branca de tamanho irregular. Nestes espaços existe um desenho indicando os fluxos propostos e momentos de travessias, para este desenho, foi utilizado granito na cor preta, em meio ao branco. ▶

Para os espaços de circulação de veículos, foi utilizado granito na cor cinza escura. Nestes locais temos também o desenho de fluxos e travessias de pedestres, indicados do mesmo modo que nos espaços de pedestre, com a utilização das placas de granito preto. ▶

Tanto nos locais com pavimentação branca de pedestres, quanto nos locais de pavimentação cinza escura, dos veículos, os leitos para bicicletas são indicados por placas na cor vinho. ▶

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O projeto das edificações por sua vez, utiliza da tipologia das galerias comerciais para realizar a permeabilidade e ocupação das áreas residuais mencionadas previamente. Esta tipologia, presente em grande quantidade no centro da cidade devido a legislação de 1941, proposta por Prestes Maia34 é implantado no pavimento térreo das seis quadras selecionadas no bairro criando uma rota interna desde a Sala São Paulo até o Centro Paula Souza do mesmo modo em que temos uma rede de galerias que conecta o Largo do Paiçandu à Avenida São Luis. Para a implantação destas edificações em todas as quadras, foram estabelecidos uma série de parâmetros com o intuito de responder às demandas e necessidades do projeto. Estes respondem à qualificação dos espaços internos e das passagens criadas, à qualificação do aspecto comercial do empreendimento, a identidade deste e à interação da edificação com o espaço público, momento de maior complexidade em todo o projeto. O primeiro parâmetro se refere à utilização dos miolos das quadras, por meio das galerias, em função de aumentar o espaço comercial e rentável da cidade. Em virtude de estabelecer uma imagem do projeto, que se distribui por uma grande porção do bairro, e que possui um grande número de pontos de acessos e de articular a interação entre o projeto e o espaço público, foram utilizados dois elementos. O primeiro destes é uma linguagem de fachada sóbria que se distingui e destaca de todas as edificações vizinhas caracterizadas pelo uso de cores e ornamentos. Esta fachada é, portanto, monocromática

34. Engenheiro rodoviarista e prefeito de São Paulo (1938-1945) foi autor, entre outras obras, dos trabalhos: "Os melhoramentos de São Paulo" e "Plano de Avenidas"

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estratégias da edificação


composta por uma base envidraçada ou branca, e uma segunda porção envidraçada, protegida por uma malha quadricular de chapas metálicas perfuradas que diminuem a visibilidade de fora para dentro durante o dia, e inverte esta relação no período noturno. O segundo elemento utilizado foi uma inflexão da volumetria em relação ao leito carroçável. Este simples ato de inflexão age como uma indicação do rompimento da quadra e acesso ao interior desta, uma vez que todos os vizinhos apresentam um alinhamento. Este desalinhamento é feito de forma a aumentar a visibilidade do comércio nas galerias do projeto uma vez que se volta ao fluxo dos veículos da região. As passagens do projeto, elemento crucial de articulação entre as diferentes quadras e dentro de cada uma, foram desenvolvidas sobre uma série de parâmetros que tem o intuito de inibir a criação de espaços residuais dentro do projeto. Todas as passagens possuem minimamente 4,5 metros de largura e comércio ao longo de um de seus lados. Quando excessivamente compridas, as passagens são iluminadas por aberturas nas edificações localizadas sobre elas, que além da luz, permitem uma maior ventilação destas galerias. Quanto ao miolo das quadras, nestes estão localizados os restaurantes e cafés do projeto, que ocupam o espaço externo com mesas, além d os sanitários públicos. Para aumentar a qualidade destes espaços, foi proposto o escalonamento das edificações que circundam miolo. Este escalonamento possui dois principais objetivos, aumentar a

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incidência de luz solar no térreo do centro da quadra e a criação de espaços (terraços) voltados ao local. A localização dos acessos aos equipamentos dispostos nos pavimentos superiores colaboram para aumentar a circulação de pessoas nas quadras que sofreram intervenção. São sempre colocados o mais próximo possível ao centro da quadra criando a obrigatoriedade da passagem das pessoas pelo miolo da quadra.

diagrama aumento do espaço rentável Os miolos das quadras são acessados pelas galerias, tornando espaços residuais em espaços de ◀ potencial comercial.

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diagrama flexão da fachada Inflexão da fachada proposta a fim de indicar os pontos de acessos às galerias, e aumentar o espaço da calçada em frente à estes pontos. ▶

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diagrama passagens e galerias Para aumentar a insolação das passagens, foram utilizados ▼ shafts de iluminação.

diagrama miolos Para aumentar a insolação dos miolos das quadras, foram utilizados escalonamentos nas edificações que criam terraços voltados ao ▼ espaço interno da quadra

diagrama acessos os acessos aos equipamentos são realizados pelo interior da quadra, ou o mais próximo ◀ possível deste

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edificações

Em virtude do desenvolvimento do projeto proposto, foram escolhidas duas quadras na região para serem detalhadas, no caso as quadras adjacentes situadas entre as ruas Vitória, do Andradas, dos Gusmões e dos Protestantes. Estas foram escolhidas pois se situam ao lados do eixo estrutural do masterplan proposto (a rua de pedestre construída na Rua dos Gusmões), conexões diretas entre as galerias de uma quadra e outra, e principalmente pois apresentam as duas tipologias de intervenções propostas, em lotes menores e mais estreitos e em lotes maiores e mais amplos. O térreo das duas quadras foi projetado para agir como uma extensão da cidade para dentro do espaço da quadra. Para tal, as galerias e passagens criadas são repletas de espaços comerciais, restaurantes e cafés, além dos acessos aos equipamentos implantados nos pavimentos superiores e de sanitários abertos ao público. Locais de passagem e de estar, com momentos de luz e sombra onde a qualidade se dá principalmente pelo uso do espaço. Em ambas as quadras foram implantados edificações com programas voltados para música. Esta escolha se deu pela existência de quatro equipamentos musicais de grande importância para a cidade localizados a menos de 1km da região, a Praça das Artes, o teatro Municipal, a Sala São Paulo e o Conservatório Tom Jobim sendo estes dois últimos situados na periferia das quadras escolhidas, e pelo déficit deste tipo de equipamento na cidade de São Paulo. Na quadra menor foram implantados uma Escola de Luthieria, um estúdio de gravação e uma pequena edificação

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Maquete realizada em escala 1:750; Pavimento térreo com relação do entorno ▲

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Maquete realizada em escala 1:750; Relação com o entorno ▲

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Planta perspectivada do projeto; todo espaço indicado pelo tom rosado Ê exclusivo aos pedestres.

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Corte perspectivada do projeto; neste desenho podemos ver os shafts que inibem a criação de espaços escuros nas galerias e que permitem maior insolação e ventilação nos edifícios.

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com apartamentos para os profissionais do centro cultural. Já na quadra maior foram implantados um teatro de pequeno porte, uma escola de música, uma biblioteca de música e a administração de todo o complexo. A escola de luthieria requeria dois tipos de espaços de trabalho, ambos de grande dimensão, entretanto com necessidades de iluminação opostas. Parte demandava espaços com uma grande quantidade de iluminação natural controlada, propícias para atividades de ensino prático e de trabalho manual. Por outro lado, o restante das salas necessitava de iluminação totalmente artificial propícias para o ensino teórico e o trabalho minucioso. Para alcançar estes objetivos a passagem localizada abaixo da escola não se limita ao nível térreo, mas atravessa todos os pavimentos. Este grande shaft permitiu a insolação de um maior número de salas de aulas, enquanto as salas que necessitavam de iluminação totalmente artificial foram implantadas ao longo das empenas. Além dos espaços de aula, a escola possui uma pequena administração e três terraços voltados ao centro da quadra. O edifício de apartamentos foi projetado com 3 andares sendo ocupados por 4 unidades por pavimento. Todas as unidades são acessadas por um único elevador localizado no centro do edifício, sendo que todas possuem um banheiro, varandas e ventilação cruzada possibilitada por shafts projetados ao redor do núcleo de circulação. O último equipamento localizado na quadra menor é um edifício de três pavimentos implantado nos lotes mais estreitos de todo o centro cultural, onde funcionam algumas

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1 2 4

5

6

3

7

1 - auditório com abertura para praça 2 - administração de todo o complexo cultura 3 - biblioteca musical - acervo de discos, fitas, livros, etc. 4 - escola de música 5 - escola de luthieria 6 - apartamentos 7 - estúdio de gravação

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salas de gravação. Esta condição limitou as possibilidades de uso destes lotes pois implicou na criação de salas que não receberiam insolação natural ou salas excessivamente compridas. Entretanto para a implantação de estúdios de gravação, os lotes se mostraram adequados pois não estes espaços não necessitam da iluminação. Foram projetados dois tipos de salas nesta edificação, estúdios de pequena dimensão para o uso individual ou de pequenos grupos e uma grande sala de gravação para grandes grupos, como orquestras. Na quadra de maior dimensão foi projetado um auditório com abertura voltada ao centro da quadra, este equipamento disposto diagonalmente em relação aos eixos dos demais equipamentos e edifícios organiza o espaço interno da quadra. Este equipamento ilustra de maneira mais evidente o parâmetro citado anteriormente de acesso aos equipamentos pelo miolo da quadra uma vez que o acesso ao foyer localizado junta da fachada é realizado a partir do centro da quadra criando um percurso de ida e volta desde o espaço público até o espaço interno do auditório. A criação deste percurso foi necessário para possibilitar o duplo uso do auditório, pois como realizado no auditório do parque do Ibirapuera, projeto de Oscar Niemeyer, o espaço pode ser utilizado como uma sala de espetáculos convencional, ou se abrir ao espaço público. Ao lado do auditório, o edifício de administração do centro cultural apresenta uma planta livre com aberturas para o miolo e para o espaço público. As áreas de circulação, armazenagem e serviços foram dispostas nas extremidades

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da edificação, junto das empenas. A biblioteca projetada tem como proposta servir de apoio aos equipamentos musicais do centro cultural e dos outros equipamentos citados previamente, disponibilizando livros, CDs, partituras e diversos outros formatos de arquivos musicais. Para isso foi projetada como um espaço de planta livre com seus espaços de serviços e salas especiais implantados ao longo das empenas. Estas salas incluem áreas para estudos e salas de documentação, sendo espaços de maior privacidade em relação à planta livre do restante da biblioteca. O último equipamento do projeto, a escola de música, é formada por dois pavimentos aonde se concentram uma grande de quantidade de salas de aulas e um pequeno auditório, além do térreo onde foram implantados a administração e a sala dos professores. Além das salas, que possuem uma grande variedade de tamanhos para diferentes tipos de usos que variam desde a quantidade de alunos até a necessidade de determinado instrumento, nos pavimentos superiores foram projetadas grandes áreas comuns de permanência, sendo estas localizadas entre a fachada e o shaft criado para a iluminação da passagem que percorre sob a edificação.

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No miolo da quadra, a estética do projeto se dá pela criação dos terraços que por vezes preenchem a estrutura metálica e outras deixam estes vazios, e das áreas de estar, que no térreo varia de acordo com o uso, não seguindo diretrizes preestabelecidas, é dizer que o proprietário do espaço comercial do térreo definiria seus materiais, mobiliários, cores, etc. Já na fachada do projeto, o térreo segue o gabarito das edificações vizinhas, sendo que quase todas compartilham do uso comercial, sendo uma vitrine dos espaços comerciais. A edificação implantada nos pavimentos superiores seria coberta por um sistema autoportante de chapas metálicas perfuradas, fixadas nas vigas por meio de esperas, que criaria uma segunda pele na fachada, onde durante o dia, não se veria o espaço interno, e no período da noite, este se iluminaria revelando seu uso. Em todos seus diferentes espaços e equipamentos, o projeto buscou estabelecer sempre a conexão entre o espaço interno e externo, sendo este o espaço público da rua ou o espaço intermédio entre a rua e o interior das edificações projetadas. Apesar da grande fragmentação do projeto, quanto ao número de usos e equipamentos do centro, todas as decisões e estratégias utilizadas foram desenhadas a partir de uma visão holística, não só do complexo, mas de toda a região, buscando entender e responder aos diferentes níveis de privacidade do centro cultural e do espaço urbano.

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Maquete realizada em escala 1:50; Detalhe destaque para o elemento de fachada â–˛

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PLANTA TÉRREO



PLANTA 1ยบ PAVIMENTO



PLANTA 2ยบ PAVIMENTO



PLANTA 3ยบ PAVIMENTO



PLANTA COBERTURA



ELEVAÇÃO RUA DOS GUSMÕES

CORTE AA

CORTE BB

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CORTE CC


CORTE DD

CORTE EE

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AMPLIAÇÃO FACHADA | CORTE E ELEVAÇÃO

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LEGENDA

DETALHE COBERTURA

DETALHE PISO

1. PISO MONOLÍTICO 2. CONTRAPISO 3. LAJE IMPERMEABILIZADA EM STEEL DECK 4.ESQUADRIA EM ALUMÍNIO PARAFUSADA NA ESTRUTURA PRINCIPAL 5. PECA METÁLICA ENTRE PISO E VIGA 6. ELEMENTO EM CHAPAS PERFURADAS DE ALUMÍNIO 7. PEÇA DOBRADA PARA ARREMATE DA ESQUADRIA, FIXAÇÃO DO ELEMENTO DE FACHADA E PINGADEIRA 8. ESPERAS SOLDADAS NA CHAPA DOBRADA PARA FIXAÇÃO DO ELEMENTO E FACHADA 9. ESTRUTURA PRINCIPAL - PERFIL CAIXA 0.30cm x 0.50cm 10. CANTONEIRA PARA ARREMATE DO STEEL DECK 11. FORRO EM GRADIL ORSOMETAL 12. TIRANTES FIXADOS NA ESTRUTURA SECUNDÁRIA PARA FIXAÇÃO DO FORRO 13. PERFIL PARA ‘I’ PARA ESTRUTURAÇÃO DO STEEL DECK 14. PEÇA DOBRADA DE RUFO, FIXAÇÃO DO ELEMENTO DE FACHADA E PINGADEIRA 15. COBERTURA VERDE EM SISTEMA HIDRO MODULAR 16. PERFIL METÁLICO PARA ARREMATE DA COBERTURA VERDE 17. ESTRUTURA METÁLICA PARA FIXAÇÃO DA PASSARELA DE MANUTENÇÃO 18. PASSARELA DE MANUTENÇÃO EM GRADIL ORSOMETAL 19. CALHA EM ALUMÍNIO

LEGENDA

DETALHE TETO-VERDE

1. VEGETAÇÃO 2. PERFIL METÁLICO CHUMBADO NA LAJE PARA ARREMATE DO TETO VERDE 3. MEMBRANA DE ABSORÇÃO 4. MÓDULO PISO NUVEM 5. LÂMINA D`ÁGUA 6. MÓDULO GALOCHA 7. MANTA ALWITRA 8. LAJE EM STEEL DECK

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1

2 3 4 5

6

LEGENDA 1 - CANTONEIRA METÁLICA PARA TRAVAMENTO DAS CHAPAS PERFURADAS 2 - ESTRUTURA PRINCIPAL 3 - CHAPA DOBRADA FIXADA NA ESTRUTURA PRINCIPAL 4 - PARAFUSO PARA FIXAÇÃO DO ELEMENTO DA FACHADA NAS ESPERAS 5 - ESPERAS SOLDADAS NA CHAPA DOBRADA 6 - ELEMENTO DA FACHADA EM CHAPA PERFURADA

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Maquete realizada em escala 1:5; Protótipo do elemento de fachada viga com esperas ▶

Maquete realizada em escala 1:5; Protótipo do elemento de fachada em acrílico ▶

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Vista aérea da quadra menor ▲

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Quadra menor; passeio coberto e espaรงos de estar na sombra. โ ฒ

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Vista da Rua Vitรณria das entradas da galeria da quadra menor โ ฒ

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Quadra maior com teatro voltado para o espaรงo do miolo da quadra โ ฒ

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Vista de dentro do teatro da quadra maior â–˛

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Galeria comercial com continuidade das galerias entre as quadras â–˛

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Vista interna do foyer da escola de música; relação do espaço interno com shaft de iluminação da galeria ▲

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Vista interna do foyer da escola de música; relação do espaço interno com a fachada e o espaço público ▲

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Continuidade do projeto entre as quadras; espaço público reformado ▲

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conclusĂŁo



O trabalho apresentado teve como objetivo apresentar diversas possibilidades ao contrario de uma resposta definitiva para as questões colocadas em pauta. Decidiu-se demonstrar que é possível alterar as dinâmicas das cidades consolidadas por meio de projetos e iniciativas que busquem responder as questões pontuais colocadas, sem perder de vista sua função holística. Todas as propostas apresentadas são projetos que dentro de suas limitações e condicionantes, apresentaram respostas cujas melhorias se estenderam para além do terreno em que foi implantado. O processo de investigação do conteúdo apresentado possibilitou por meio de leituras e sobretudo por leituras de projeto, compreender de maneira mais profunda, quais questões foram essenciais, debatidas e levantadas nas propostas que foram concretizadas e que tiveram resultado positivo para o local em que foram implantadas. Estas alimentaram também o otimismo, essencial para o arquiteto e urbanista, que necessita acreditar na possibilidade de enriquecer determinado espaço ou cidade. O que se observou, foi a necessidade dos espaços da cidade se abrirem à sua população, sejam estes espaços comerciais, residenciais ou culturais. Tornar a cidade um bem do indivíduo que reside nele, e que usufrui dele diariamente. Ao realizar o projeto, buscou se consolidar os temas discutidos, não só ao longo deste trabalho, mas também ao longo de toda universidade. O objeto proposto foi a concretização de um estudo realizado pontualmente, e de uma visão sobre qual a função e o dever da arquitetura e da cidade na sociedade em que vivemos.

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lista de projetos

em ordem de citação

projeto: Parque Guinle autor: Lucio Costa local: Rio de Janeiro, Rj - Brasil ano: 1943 projeto: Plan Voisin autor: Le Corbusier local: Paris - França ano: 1925 projeto: Reforma 7 de abril autor: Prefeitura da cidade de São Paulo local: São Paulo, SP - Brasil ano: 2015 projeto: Supermanzanas autor: Prefeitura da cidade de Barcelona local: Barcelona - Espanha ano: 2016 projeto: Plan Cerdá autor: Ildefonso Cerdá local: Barcelona - Espanha ano: 1860 projeto: Biblioteca Sant Antoni autor: RCR Arquietctes local: Barcelona - Espanha ano: 2007 projeto: Passage du Caire autor: -------local: Paris - França ano: 1798

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projeto: Galeria St. Hubert autor: Jean-Pierre Cluysenaer local: Bruxelas - Bélgica ano: 1846 projeto: Galeria Vittorio Emanuele II autor: Giuseppe Mengoni local: Milão - Itália ano: 1877 projeto: Pátio Bellavista autor: Plan 3 Arquitectos local: Santiago - Chile ano: 2009 projeto: Kaufhaus Tyrol autor: David Chipperfield Architects local: Innsbruck - Austria ano: 2007 projeto: Fünf Höfe autor: Herzog & de Meuron local: Munique - Alemanha ano: 1998 projeto: Gozdu Udvar autor: -------local: Budapeste - Hungria ano: 2008 projeto: Galerias Centro Santiago autor: Karl Brunner local: Santiago - Chile ano: 1932

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projeto: 127 Viviendas Protegidas en el Raval de Barcelona autor: Bru Lacomba Setoain local: Barcelona - Espanha ano: 2011 projeto: Rue de Suisses Apartments autor: Herzog & de Meuron local: Paris - Franรงa ano: 2000 projeto: Pavilhรฃo Sonsbeek autor: Alvo Van Eyck local: Hoenderloo - Holanda ano: 1966 projeto: Haarlemmer Houttuinen autor: Herman Hertzberger local: Amsterdam - Holanda ano: 1982 projeto: Alexandra and Ainsworth estate autor: Neave Brown local: Londres - Inglaterra ano: 1968 projeto: Museu d'Art Contemporani de Barcelona (MACBA) autor: Richard Meier local: Barcelona - Espanha ano: 1995 projeto: Centre Georges Pompidou autor: Renzo Piano e Richard Rogers local: Paris - Franรงa ano: 1977

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bibliografia

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caderno de croqui


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Trabalho Final de Graduação de Frederico Gualberto Castello Branco Gonçalves, apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito para obtenção do diploma de Arquiteto e Urbanista sob orientação do professor Ms. Paulo Emílio Buarque Ferreira. São Paulo, Dezembro de 2016


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