100 Possibilidades de Habitar em Lisboa Francisco Costa | 2008-2009
100 Possibilidades de Habitar Lisboa | Avenidas Novas Francisco Costa
100 Possibilidades de Habitar Lisboa | Avenidas Novas Francisco Costa 20040027 Mestrado Integrado em Arquitectura Orientadores Arquitecto João Luis Carrilho da Graça Arquitecta Inês Lobo Arquitecto Pedro Oliveira
Universidade Autónoma de Lisboa | Departamento de Arquitectura
Setembro 2008 | Setembro 2009
Resumo
Abstract
Lisboa, tal como outras metrópoles, atravessa um momento de crise no que toca ao tema da habitação. A terciarização e consequente mono funcionalidade dos centros das cidades faz com que cada vez menos pessoas aí fixem residência e que assim os centros urbanos e históricos atravessem um grave problema de desertificação. A oportunidade de criar “100 Possibilidades de Habitar” permite analisar todo o problema complexo da habitação em Lisboa e repensá-lo de forma a procurar novas soluções que venham oferecer mais qualidade de vida aos habitantes e ao mesmo tempo repovoar o centro da cidade.
Lisbon, as other metropolis, deals with a crisis on the subject of housing. With nothing but services, the mono-functionality of city centers causes an impossibility to live there, increasing the desertification in urban and historical centers. The opportunity to create “100 Possibilities to inhabit”, allows a deep analysis of the complex habitation’s problem in Lisbon, rethinking it, and search for new solutions that could offer better life conditions to the inhabitants and at the same time, bring back people to the center of the city.
O objectivo é, através da ocupação de vazios urbanos no seio da cidade consolidada, tentar potenciar as zonas envolventes para que possam inverter a tendência de desertificação. Assim, os lotes escolhidos encontramse naquela que é hoje a área central da nossa cidade, com a vida mais cosmopolita, as Avenidas Novas. Melhor servida de infra-estruturas e serviços, esta é a zona mais activa economicamente, e que melhor receberá uma maior densidade de construção e de gente, da qual Lisboa neste momento tanto necessita. Estando esta zona localizada no Planalto de Lisboa é possível explorar aqui a densificação da cidade através da construção em altura, já que esta não interferirá com um dos maiores patrimónios da “cidade das sete colinas”, a sua intensa relação visual com o Rio Tejo, e o sistema de vistas sobre a própria cidade. Este trabalho permitiu uma reflexão transversal sobre o que é habitar hoje, partindo da escala da cidade até ao conforto da proporção dos espaços da casa e dos materiais que os constituem. Paralelamente é dada em todas as escalas uma importância fundamental ao espaço exterior, quer ele seja o grande espaço público na cidade, quer a possibilidade da existência de um pátio privado em cada uma das habitações. Palavras Chave: Cidade, Quarteirão, Lisboa, Habitação
The purpose, through the occupation of urban voids in the consolidated city, connects the involving zones, inverting the desertification’s tendency. Therefore, the chosen allotments are located in a central area in Lisbon city, breathed with cosmopolitan life, the Avenidas Novas (New Avenues). With infrastructures and services, this is today´s most important and active economic zone, and the one that could provide lodging for more people and more construction’s density, one thing Lisbon needs immediately. Being located in Lisbon’s uplands, it allows exploring densification, through construction in height, as this will not intervene with one of the greatest heritage of the “city of the seven hills”, an intense visual relation with the river Tejo, and the city itself, over a system of sights. This work allowed a transversal reflection on the definition of housing, beginning on the city scale and ending in the comfort and space’s organization as well as the materials that compose them. At the same time a greater importance was given to the exterior space, to the great public system’s space in the city, and to the possibility of the existence of a private exterior space in each house.
Keywords: City, Block, Lisbon, Housing
100 Possibilidades de Habitar Lisboa | Avenidas Novas Francisco Costa
Índice
1.Resumo
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2. Índice
5
Introdução 3. “Construir 100 Unidades de Habitação – A Definição de um Problema”
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4. Escolha do Lugar | Avenidas Novas
8
5. Plantas de Análise da Cidade de Lisboa Planta da Região
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Paisagem (Elementos Estruturais)
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Sistema Ecológico
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Sistema de Circulações/Mobilidade
13
Sistema Geomorfológico
14
Sistema Hidrológico e Micro-clima
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I - Análise | As Avenidas Novas e o Quarteirão 6. Análise Histórica da Expação de Lisboa e o Plano das Avenidas Novas
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7. As Avenidas Novas Hoje
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8. Os Interiores de Quarteirão | 5 Exemplos:
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Av. da República | Av. 5 de Outubro | Av. Elias Garcia | Av. Visconde Valmor
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Av. de Berna | Av. Elias Garcia | Av. Marquês de Tomar | Av. Poeta Mistral
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Av. Defensores de Chaves | Rua Eiffel | Av. Elias Garcia | Av. Visconde Valmor
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Av. Defensores de Chaves | Rua D. Filipa de Vilhena | Av. Visconde Valmor | Av. António José de Almeida
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Av. Duque de Loulé | Rua Bernardo Lima | Rua do Conde Redondo | Rua Ferreira Lapa
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9. O Quarteirão Hoje | Análise de 3 Projectos Contemporaneos:
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Apartamentos na Rue des Suisses, Paris | Herzog & Meuron
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Hotel Fouquet’s Barrière, Paris | Edouard François
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Fünf Höfe, Munich | Herzog & Meuron
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II – A Proposta | Estratégia de Requalificação e Densificação da Cidade 38
11. Intervenção à Escala do Quarteirão: Do Quarteirão ao Edifício
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Desenhos do Edifício Esc. 1:500
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Fotomontagens
50
Fotografias da Maquete Esc. 1:200
54
Fotografias da Maquete Esc. 1:50
58
12. Do Edifício à Habitação: Construir Uma Nova Forma de Habitar
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13. A Tipologia Base
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Desenhos da Tipologia Base 1:100
66
Fotomontagens
68
Fotografias da Maquete Esc. 1:20
70
14. Estrutura, Materialidade e Sistemas do Edifício
74
Desenhos de Sistemas
76
Desenhos Construtivos Esc. 1:30
78
Bibliografia
87
Índice | 05
10. Da Escala da Cidade ao Quarteirão
06 | Introdução
Construir 100 unidades de habitação em Lisboa A definição de um problema Tal como outras metrópoles, Lisboa atravessa um momento de crise no que toca ao tema da habitação. A terciarização e consequente mono funcionalidade do centro das cidades faz com que cada vez menos pessoas aí fixem residência e que assim os centros urbanos e históricos atravessem um grave problema de desertificação. Moram neste momento 550.000 pessoas no concelho de Lisboa, mas a capital perde cerca de 10.000 habitantes todos os anos para as suas periferias. Apesar disso 2,1 milhões de pessoas vivem na sua periferia e uma grande percentagem destas continua a deslocar-se para o centro de Lisboa todos os dias, mas quando percorremos as ruas da cidade fora das horas de expediente ou ao fim-de-semana temos a sensação assustadora de que falta gente a esta cidade, de que lhe falta densidade. No entanto há hoje em Lisboa mais de 60.000 casas vazias prontas a habitar.
Existem neste momento na cidade 4.681 edifícios devolutos, destes, 400 são considerados prioritários por constituírem um perigo para a segurança pública e estão por isso à espera de ser demolidos, outros 226 têm os processos camarários resolvidos mas os seus proprietários não levantam as respectivas licenças de construção. Isto porque neste momento é mais rentável não fazer nada a um edifício devoluto e até deixá-lo cair do que fazer-lhe obras. O mercado imobiliário perverteu as lógicas da habitação. Há edifícios da Baixa Pombalina que mudam de donos sem estes nunca terem intervindo neles, pois o preço dos lotes está constantemente a ser inflacionado, e não pagando os donos um imposto mais caro por estes edifícios estarem vazios e por não sofrerem quaisquer obras de reabilitação, fica sem dúvida mais lucrativo esperar simplesmente que estes se degradem e ficar com os avultados lucros da próxima venda.
O problema da habitação não passa directamente pela arquitectura e pela construção de novas casas, é sim uma consequência directa da asfixia provocada pelo mercado imobiliário e de erros sucessivos nas políticas de habitação da cidade. Rui Tavares escreve uma sequência de duas crónicas n’”O Público”1 onde desmonta e explica com clareza e sensatez o problema da habitação na cidade de Lisboa, problema que identifica como “«o» problema que mais precisa de ser repensado agora” na nossa cidade. Termina a segunda crónica dizendo que: “Se os prédios vazios são um desperdício, os prédios degradados são um verdadeiro delito contra a cidade.”Afirmação que nos lança para outro tema dentro do problema complexo que é a habitação em Lisboa.
Apesar de estes edifícios estarem desocupados com a desculpa de serem antigos, das casas serem pequenas, sem elevador e de não haver lugar para os automóveis, sabemos que essa não é uma razão válida para ficarem desabitados. Há muita gente que não muda para estas casas porque estas já não conseguem oferecer o mínimo de condições de habitabilidade devido à falta de manutenção ou porque o preço que o mercado imobiliário por elas exige é demasiado exagerado. Aliás, como foi dito numa das aulas, em Portugal, principalmente nos anos 70 e 80, e nas periferias das grandes cidades construiu-se muito e muito mal. Sendo estes edifícios que agora estão devolutos no centro das cidades anteriores a esta massificação e deterioração da prática da construção, têm na sua maioria melhores espaços, melhores soluções construtivas e estru-
1 Rui Tavares. Os dois mercados. O Público, 15.09.2008 Rendas congeladas e casas congeladas. O Público, 17.09.2008
turais e melhor desenho do que os que abundam pelas nossas periferias. Não será por isso difícil imaginar que com pequenas obras de reabilitação estes edifícios voltem a ser desejados pelas populações que foram forçadas a trocá-los por piores casas na periferia. Ainda assim é obvio que os edifícios devolutos são um problema para ser tratado individualmente, pois estes foram construídos em épocas distintas, têm desenhos e tipologias variadas e estão inseridos em locais diferentes na cidade. Não podemos por isso estabelecer um modelo de intervenção para edifícios devolutos. O arquitecto não faz nada sozinho, não conseguirá certamente sozinho e com um único projecto, resolver todos os problemas de uma cidade. Para isso é necessário existir uma estratégia e uma vontade política. O arquitecto responde apenas ao pedido de um cliente e neste momento o que é pedido pelo “cliente” é que se construam 100 unidades de habitação na cidade. Apesar disso o arquitecto pode, e a meu ver deve sempre, posicionar a sua proposta de uma maneira crítica face aos grandes problemas da cidade em que se insere. A Arquitectura é um elemento essencial da estratégia global de uma cidade para a resolução dos seus problemas.
É também claro que estes protótipos pretendem ser uma alternativa eficaz e qualificada à especulação imobiliária e por isso rejeitam liminarmente todos os autocolantes de luxo e etc. que se lhes possam afixar. A expectativa é que, por si só e em conjunto, os oito trabalhos a serem apresentados no final do ano, através das 800 habitações que vão ser propostas, dêem de alguma forma uma resposta coerente e se constituam como uma reflexão para o problema actual da habitação na cidade de Lisboa.•
Introdução | 07
Nesta linha de raciocínio, aquilo que é proposto é em primeiro lugar procurar o habitar ideal para a cidade de Lisboa. Projectar uma casa protótipo com uma tipologia flexível, construída com o mínimo essencial, em área e em custo, procurando alcançar ao mesmo tempo o máximo de qualidade espacial e de conforto, tendo em conta as condições climáticas e geográficas da nossa cidade. Em paralelo a esta pesquisa foram eleitos vários lo-
cais no centro da cidade com características distintas para implantar estes protótipos, mas suficientemente grandes para poderem albergar no seu conjunto as 100 unidades de habitação. O que se pretende é tentar melhor adaptar caso a caso o protótipo de habitação que vou desenvolver, para criar habitações adequadas ao lote e à envolvente em que se vão inserir, conferindo-lhes todas as condições consideradas essenciais para um habitar qualificado na cidade de Lisboa.
Escolha do Lugar | Avenidas Novas
08 | O Lugar
O Exercício proposto no início do ano lectivo consistia em repensar a habitação na cidade de Lisboa, propondo “100 possibilidades de Habitar Lisboa”. As únicas condicionantes apresentadas à partida eram o número e a escolha de um lugar para desenvolver este trabalho e implantar as 100 habitações. Assim sendo, para este trabalho foram seleccionados vários lotes numa zona específica da cidade de Lisboa. Ao invés de tentar expandir a cidade para novas áreas pouco urbanizadas do concelho de Lisboa, como foram por exemplo as operações da construção de Telheiras e mais recentemente da Expo 98 e da Alta de Lisboa, procura-se com este trabalho reforçar a densidade do centro da cidade, que atravessa hoje um grave problema de desertificação. O objectivo é, através da ocupação de vazios urbanos no seio da cidade consolidada, tentar potenciar as zonas envolventes para que possam inverter a tendência de desertificação. Assim, os lotes escolhidos encontram-se naquela que é hoje a área central da nossa cidade, com a vida mais cosmopolita, as Avenidas Novas. Melhor servida de infra-estruturas e serviços, esta é hoje a zona mais activa economicamente, e que melhor receberá uma maior densidade de construção e de gente, da qual Lisboa neste momento tanto necessita. Estando esta zona localizada no Planalto de Lisboa é possível explorar aqui a densificação da cidade através da construção em altura, já que esta não interferirá com um dos maiores patrimónios da “cidade das sete colinas” que é a sua intensa relação visual com o Rio Tejo, e o sistema de vistas sobre a própria cidade.
Apesar de parecer neste momento mais urgente e necessária nesta zona da cidade, a ideia de criar 100 habitações através da reabilitação de edifícios devolutos existentes foi posta de parte logo numa fase muito inicial do trabalho. Ao contrário de operações como a Baixa Pombalina em que, decorrente da maneira como todo o conjunto foi projectado e construído é possível encontrar uma solução genérica de reabilitação “massificável”, e que se adapte a todos os casos particulares, nas Avenidas Novas só o desenho urbano tem unidade. Como será explicado com mais detalhe adiante na análise histórica desta zona, não existe nas Avenidas Novas uma unidade do seu tecido edificado. Os seus edifícios foram construídos em épocas distintas, têm desenhos muito diferentes e tipologias variadas. Mesmo aqueles que são contemporâneos do plano variam entre prédios de rendimento, com as dimensões mais exíguas possíveis, e grandiosos palacetes da Nobreza e da Burguesia Liberal. Assim sendo, pela especificidade de cada edifício e pela impossibilidade de criar uma proposta genérica que servisse a todos, tornou-se claro que era impossível criar 100 habitações através de reabilitação, em tão curto espaço de tempo, e sendo este feito trabalho por um único aluno. A proposta que será apresentada visa então uma fase posterior, em que desejavelmente já foram reabilitados todos os edifícios em que isso ainda é possível, e se parte agora para a procura de uma estratégia de densificação e requalificação desta zona da cidade.
Nas páginas que se seguem constam as plantas de análise da cidade de Lisboa realizadas em conjunto pela turma no início do ano, no âmbito da disciplina de Estudo da Paisagem. A sua análise contribuiu para um maior conhecimento da realidade do território de Lisboa, ajudou a consolidar noções adquiridas durante 23 anos a habitar esta cidade, e acrescentou novos conhecimentos, dando-lhes outra leitura mais clara e objectiva. Todos os conhecimentos adquiridos vieram reforçar a certeza da escolha deste lugar específico dentro da cidade de Lisboa para explorar as 100 novas possibilidades de a Habitar. •
O Lugar | 09
planta da região usos aeroporto de lisboa porto de lisboa áreas logísticas hospitais parques e jardins mobilidade autoestradas + vias rápidas vias principais da cidade transporte público linha de comboio linha tráfego fluvial estação de comboio estação fluvial
Planta da Região
10 | Planta da Região
Áreas Logísticas O suporte e abastecimento da cidade exige a necessidade da chegada de produtos, o que implica a criação de zonas logísticas especializadas para a armazenagem dos mesmos e a sua posterior distribuição para o resto da região. O estuário do Tejo é a grande porta de entrada por onde chegam estes produtos, transportados por navios, existindo nas suas margens vários pontos de transbordo de contentores – Alcântara, Santa Apolónia, Xabregas – zonas de transbordo de cereais e produtos alimentares, graneis, localizados em ambas margens – Trafaria, Tagol – e pontos de transbordo de combustíveis – Petrogal, Repsol. O aeroporto de Lisboa também é outro grande posto de recepção de mercadorias, que vêm aerotransportadas do estrangeiro, existindo uma grande aérea logística, administrada pela ANA, nos seus limites. Outro local de grande importância logística para a cidade é o Mercado Abastecedor da Região de Lisboa – M.A.R.L. – que recebe e abastece a cidade de produtos frescos produzidos nos concelhos e zonas próximas. Estes produtos são depois escoados para locais de distribuição – Grandes superfícies – que fazem a venda ao publico, através dos vários eixos viários e ferroviários para os seus vários destinos – Lisboa, Área Metropolitana, Portugal existindo uma clara articulação entre os dois sistemas.
Parques e Jardins O sistema de parques e jardins desenvolve-se a várias escalas, produzindo uma renovação do ar, diminuição da poluição atmosférica, a suavização de temperatura, através da produção de humidade e brisas, necessárias ao conforto e bem-estar. O grande pulmão da cidade - Parque Florestal de Monsanto - é complementado por um conjunto de outras estruturas verdes existentes na cidade – Parque Eduardo VII, Campo Grande, Parque Belavista, Parque Tejo – e outros pequenos jardins de escala mais reduzida – Jardim Gulbenkian, Campo Pequeno, Campo Santana – e outros pequenos jardins locais. O estuário do Tejo é o principal factor de caracterização ambiental da região, abrangendo uma vasta área de zonas protegidas ricas em fauna e flora - sapal, espécies autóctones – fundamentais para o suporte do sistema ecológico da região e para a sustentabilidade de toda a vida humana existente nas suas margens. Hospitais As unidades hospitalares encontram-se espalhadas por vários pontos da cidade, alguns pólos localizados na malha densa da cidade consolidada – Conjunto Estefânia, Santa Marta, São José - apresentam dificuldades de acesso aos veículos de emergência que vêm dos vários concelhos vizinhos, para casos em que é necessária o apoio único dos hospitais de especialidade. A localização de hospitais na proximidade dos grandes eixos viários - IPO, Santa Maria, São Francisco Xavier – e nos concelhos vizinhos – Garcia de Horta, Amadora-Sintra – procuram colmatar este défice e assegurar a prestação de cuidados médicos ao maior número de utentes.
sistema de elementos estruturais aterros/terraplenos grandes movimentos de terras sistema principal de espaço aberto áreas verdes de pequena escala grandes abertos com áreas verdes zonas de baixa densidade sistemas murários Muros Cerca Fernandina Cerca Moura Estrada Militar de Lisboa Fortificações/Campo Entrincheirado circulação fundamental autoestradas+vias rápidas transportes publicos linha de comboio/tunel
Paisagem (elementos estruturais) A planta apresentada pretende ilustrar alguns dos elementos de paisagem que constituem e estruturam a cidade de Lisboa. Estão representadas a topografia e as grandes alterações que a esta foram feitas no sistema de grandes movimentações de terras. Os principais foram o aterro ribeirinho, que modificou em toda a sua extensão a relação da cidade com o rio, e o grande terrapleno para a instalação do aeroporto, que se instalou na parte norte do planalto da cidade de Lisboa. Outra movimentação de terra de escala significativa foi a construção do Parque Eduardo VII, que era anteriormente uma pedreira.
Na relação com o rio temos também dois níveis de muros. Um mais antigo, que fazia o suporte das escarpas litorais em contacto com o rio que hoje são na sua totalidade interiores e outro mais recente, o muro de suporte do aterro ribeirinho feito no século XIX que é hoje a fronteira entre a cidade e o rio. Estão também assinalados os grandes muros que foram feitos para suportar grandes infra-estruturas, como o comboio e as vias rodoviárias de maior fluxo. A terminar este capítulo está assinalada a estrada militar que foi construída no final do século XIX inicio do XX, constituindo-se como um elemento de ligação entre os fortes do Campo Entrincheirado de Lisboa, construídos em várias zonas periféricas da cidade para a defesa da capital contra possíveis invasões. A estrada Militar, que passou mais tarde a estrada de circunvalação, marca ainda hoje o limite da cidade de noroeste para sudoeste.
Paisagem (Elementos Estruturais) | 11
Está também representado nesta planta o sistema de espaço aberto. A cidade é constituída por uma serie de espaços abertos de pequena ou média escala inseridos no seio da cidade consolidada, que são por vezes unidos por corredores verdes (ruas arborizadas) que permitem a circulação de ar e matéria viva. Como grande motor deste sistema vivo temos o Parque Florestal de Monsanto, que se insere na Serra de Monsanto, localizada no limite poente da cidade constitui-se como uma grande elevação natural visível de quase toda a cidade. Outro grande espaço aberto é o resultante do terrapleno do aeroporto. Além das áreas ocupadas pela logística e pistas do aeroporto, o restante espaço é ocupado por grandes espaços verdes permeáveis. Outro espaço aberto de grande escala é a zona da cidade universitária, que com uma baixa densidade de construção permite a existência de muita matéria orgânica.
No Sistema Murário estão representados todos os muros que ao longo dos tempos foram permitindo às populações residentes a ocupação da topografia da cidade. Estão marcadas as Cercas Moura e Fernandina que se constituíram como limite físico da cidade no seu tempo. Destas restam apenas pequenos troços absorvidos pela malha urbana. Num segundo plano estão todos os muros que permitiram o suporte de terras para a ocupação das encostas íngremes das colinas e para a construção de plataformas que são hoje miradouros.
sistema ecológico zonas verdes solos permeáveis linha de costa vias principais edifícios principais
Sistema Ecológico
Sistema de Circulações/Mobilidade
A planta do sistema ecológico apresentado tem como objectivo explicar a estrutura verde principal de Lisboa, a forma como este se articula a nível global com os eixos e edifícios principais e também o modo como condiciona o crescimento da cidade.
A planta das circulações da cidade de Lisboa divide-se em sistema viário, sistema de transportes e rotas aéreas. O sistema viário é constituído pela rede rodoviária regional e pelo sistema viário urbano principal. O sistema de transportes é constituído por um conjunto de diversas redes; são elas a rede ferroviária regional, a rede de metropolitano, a rede de autocarros e eléctricos e a circulação fluvial. As rotas aéreas correspondem aos cones do Aeroporto de Lisboa.
Monsanto é o grande pulmão verde, excêntrico em relação ao município de Lisboa, mas concêntrico à área metropolitana. É ele o responsável pelo sistema verde contínuo pensado para Lisboa nos anos 70. Este sistema seria constituído por duas cinturas verdes que partiam de Monsanto criando um anel periférico que passaria por Carnide, Lumiar, Ameixoeira e Aeroporto e um anel interno que uniria as zonas da Cidade Universitária e Areeiro e terminaria no vale de Chelas.
12 | Sistema Ecológico
O sistema verde descontínuo é marcado por diversas zonas verdes espalhadas pela cidade que acompanham geralmente as avenidas e ruas principais como são exemplo a Avenida da Liberdade ou as Avenidas Novas. No que diz respeito aos edifícios principais foram identificados aqueles que são considerados grandes equipamentos públicos, geradores de fluxos para a cidade como museus, teatros, hospitais, monumentos, centro comerciais entre outros. É perceptível a existência de um grande pólo na zona histórica da cidade correspondente a edifícios de alto valor patrimonial que se prolonga num eixo perpendicular ao rio constituído por edifícios de uso público relevantes para a cidade, terminando na acentuada presença dos dois grandes estádios de Lisboa – Luz e Alvalade. É ainda marcante a existência de dois pólos, um a ocidente com uma acentuada vertente cultural onde se destacam edifícios como o Centro Cultural de Belém e outro a oriente, fruto da recente organização da Expo 98.
O sistema viário regional inclui auto-estradas e vias rápidas que ligam Lisboa aos vários concelhos periféricos. O sistema viário urbano divide-se em dois subsistemas, um principal (laranja) que resolve o trânsito mais intenso e rápido, como por exemplo o eixo Amoreiras – Marquês – Saldanha – Campo Grande ou o eixo da avenida Almirante Reis, e um outro secundário (amarelo) que resolve o trânsito mais local ligando os vários bairros ao resto da cidade. O sistema de transportes é bastante mais complexo, sobretudo por incluir tantas redes de transporte mais regional como local. A rede ferroviária nacional concentra-se sobretudo na Linha do Norte e Linha do Sul tendo como estações principais Oriente, Santa Apolónia e Sete Rios. A rede suburbana liga o centro de Lisboa com as várias periferias a Norte (Linha de Cascais, Linha de Sintra e Linha da Azambuja) e a Sul pela Ponte 25 de Abril. As estações terminais desta rede concentram-se no centro, nas estações do Cais do Sodré, Rossio e Santa Apolónia e algumas nos extremos como Oriente e Algés; Uma linha circular une as várias linhas periféricas e nacionais entre elas, distribuindo-se pelas estações de Campolide, Sete Rios, Entrecampos e Areeiro. Todas estas estações são importantes interfaces de transportes.
sistemas de circulação/mobilidade rede viária autoestradas + vias rápidas vias principais da cidade vias secundárias transportes públicos linha de comboio linha de metro linha de tráfego fluvial linha autocarro/eléctrico linha metro almada estação de comboio estação de metro estação de fluvial paragem de autocarro estação de metro almada aeroporto de lisboa canais de aterragem
O metropolitano de Lisboa corre em três eixos principais correspondendo à Avenida da Liberdade – Saldanha – Campo Grande, ao eixo Marquês – Sete Rios – Colégio Militar e à Avenida Almirante Reis; estas ligam o centro (Baixa) à cidade mais a Norte (Avenidas Novas, Alvalade, Benfica). A rede de metro divide-se em quatro linhas, azul (Stª Apolónia – Amadora Este), verde (Telheiras – Cais do Sodré), amarela (Rato – Odivelas) e vermelha (Alameda – Oriente). A última surge como futura circular ligando as três outras linhas entre elas. Os prolongamentos planeados extendem-se para Ocidente até Alcântara e para Norte, para o Aeroporto, Alta de Lisboa, Lumiar ligando depois ao Colégio Militar.
Sistema de Circulações/Mobilidade | 13
A rede de autocarros divide-se em 5 zonas: Marvila – Olivais, Lumiar – Alvalade, Benfica – Carnide, Belém – Ajuda e Centro. A maior parte das linhas atravessa a cidade numa encruzilhada de paragens unindo pontos periféricos ao eixo central Terreiro do Paço – Marquês – Saldanha – Campo Grande; aqui existe uma grande concentração de transportes, mas à medida que nos afastamos do centro e deste eixo, as linhas dispersam deixando algumas áreas da cidade mal servidas. A rede de eléctricos tem vindo a diminuir com o tempo. O eléctrico rápido (15) liga a Praça da Figueira a Algés paralelamente ao Rio Tejo. Uma linha (28) liga as colinas de Lisboa entre os Prazeres e Sapadores, constituindo-se como uma linha turística da cidade. As ligações fluviais à Margem Sul concentram-se em três pontos: Belém que liga a Caci- lhas/Almada, Porto Brandão/Trafaria; Terreiro do Paço que liga ao Barreiro e o Cais do Sodré onde se tende a concentrar as ligações Cacilhas/Almada, Seixal e Montijo.
Assim nota-se uma grande concentração de transportes no centro sobretudo no grande eixo viário Terreiro do Paço – Marquês – Saldanha – Campo Grande, enquanto que a coroa periférica da cidade é melhor servida pela rede viária rápida. A rede de transportes é mais completa do que a maioria das pessoas pensa; isto talvez se deva ao facto de cada rede pertencer a uma entidade diferente e também de haver pouco dialogo entre elas, deixando assim certos pontos da cidade alienados e isolados. Concluímos que a circulação na cidade se faz segundo eixos marcantes, um paralelo ao rio (Av. 24 de Julho, Av. Infante D. Henrique), outros transversalmente ao rio, pelos grandes vales naturais da cidade (Av. Liberdade – Vale Verde, Av. Ceuta – Vale de Alcântara) e por fim em circulares que unem os anteriores (Av. Berna – Av. João XXI, 2ª circular).
sistema geomorfológico cabeços vales festos principais festos secundários linhas de água edifícios principais vias principais
Sistema Geomorfológico O estudo geomorfológico de Lisboa exposto nesta planta tem como objectivo dar a conhecer aquilo que são as formas do relevo da cidade, modelada ao longo do tempo por processos físicos, químicos, biológicos e antrópicos. O território de Lisboa é formado por diversas camadas com características bem diferentes. A existência de inúmeros vales que marcam profundamente a leitura da cidade são resultado da erosão criada ao longo dos anos pela acção de fenómenos naturais, como a água e o vento, bem como pela acção do Homem, sobre as camadas menos ricas do ponto de vista da sua composição.
14 | Sistema Geomorfológico
Deste modo podemos identificar a existência de quatro vales principais, que são os grandes responsáveis pela concentração e escoamento das águas da chuva em direcção à enorme bacia hidrográfica que delimita a margem ribeirinha. O Vale Verde, o Vale de Chelas, o Vale do Trancão e o Vale de Alcântara têm o seu início no interior da cidade, nas várias linhas de água que vão confluindo até ao rio Tejo onde ganham maior expressão. Este último, tal como é perceptível na planta, é aquele que faz a maior recolha de água já que se estende para lá dos limites administrativos da cidade.
Para além destes vales principais, existem também outros de menor dimensão como o Vale da Avenida Infante Santo, da Rua D. Carlos ou o Vale de Santo António. Todos eles fazem o seu encontro com o rio na direcção Norte-Sul. Os fundos de vale surgem entre os cabeços, as zonas relativamente planas existentes no topo das colinas, marcadas pelas linhas de festo que fazem a marcação dos pontos de maior cota. Aquilo que nos mostra a planta geomorfológica, é a existência de duas áreas maioritariamente planas, a zona de Carnide e o terrapleno do aeroporto. O facto de Monsanto ser uma enorme mancha arborizada num solo com características mais resistentes faz com que se destaque do resto da planta, sem grandes depressões e poucas zonas planas. Através da sobreposição das vias principais e curvas de nível com o sistema geomorfológico, percebemos que do ponto de vista da apropriação e evolução da cidade de Lisboa ao longo dos tempos, os fundos de vale são os locais onde surgem as primeiras ocupações do terreno que se vão estendendo para o interior através de estradas que geralmente acompanham as linhas de água.
sistema hidrológico e micro-clima áreas inundáveis bacias hidrográficas rede principal cabeceira final tipo de sistema doméstico pluvial misto edifícios principais vias principais
Sistema Hidrológico e Micro-clima Para a elaboração do estudo do Sistema Hidrológico da Cidade de Lisboa, considerou-se um conjunto de elementos que em conjunto servem para ilustrar e explicar como todo o sistema da água funciona, no que diz respeito à acumulação, drenagem, escoamento e sistemas de informação sobre o clima da região.
Áreas inundáveis As áreas inundáveis na região de Lisboa, correspondem a todas as zonas com declives inferiores a 3% e que dessa forma geram plataformas passíveis de acumulação de águas. A demarcação destas zonas servirá não só para compreender alguns dos problemas que determinadas zonas da cidade têm na sua génese como também permitirá antecipar alguns problemas.
Rede de drenagem principal A rede principal de drenagem é composta por 797 nós (incluindo as cabeceiras, percursos e finais) e 753 troços ligando uma rede que somada atinge 173 km num total de 1430 km. Esta rede com uma idade média de 60 anos compreende 3 sistemas de escoamento de águas, nomeadamente o doméstico (D > 500 mm), o pluvial (D >1000 mm; essencialmente nas zonas de aterro junto ao rio) e o sistema unitário (D >1000 mm; grande parte da rede) que recolhe todos os tipos de águas da cidade servindo um total de 730 mil habitantes (2001).
Bacias hidrográficas
Sistema Hidrológico | 15
Existem cerca de 24 bacias hidrográficas que abrangem a totalidade do Concelho com cerca de 8426 ha, correspondendo às zonas de confluência das águas pluviais que naturalmente se adaptam às linhas de água ou talvegues da morfologia do território.
I - Anรกlise
Extracto da Carta Topografica da Cidade de Lisboa Publicada em 1871 tendo sobrepostas as alterações até 1911
Análise Histórica da Expansão de Lisboa e o Plano das Avenidas Novas
18 | Análise Histórica
Lisboa teve desde a sua fundação uma forte relação com o rio Tejo dado o magnifico porto que o estuário deste naturalmente constitui. Até ao século XVIII a sua expansão foi sempre linear e junto à margem, de oriente para ocidente, desde as primeiras fixações na colina sul do castelo, descendo primeiro para a zona do Terreiro do Paço, depois com a muralha fernandina a cidade estende-se até ao Caís do Sodré, e mais tarde até Belém e Algés, limite actual do Concelho de Lisboa. Com a destruição massiva da cidade no terramoto de 1755, o Plano de reconstrução de Lisboa de Eugénio dos Santos passa, não por projectar uma cidade nova e a sua expansão, mas sim por uma operação de reconstrução de parte da cidade que “substitui apenas o que necessita de substituição, e termina onde já não há nada para substituir”1, não prevendo “quaisquer eixos de expansão ou hipóteses de expansão para a nova cidade”. Apesar disso, com a sua implantação no território a Baixa Pombalina indica claramente uma direcção de expansão para o interior norte, através do eixo Rossio – Praça do Comércio unido pela Rua do Ouro. Num plano nunca realizado de expansão da cidade para o interior, logo em 1756 também de Santos, Mardel e Poppe, este eixo aparece cruzado com um outro que faz uma inflexão para melhor vencer a topografia abrupta da colina de Sant’ana. Este segundo eixo foi o que deu origem em primeira instância à construção do Passeio Público que se inicia em 1764, e mais tarde à Avenida da Liberdade. 1 Fernandes, José Manuel, “Alguns apontamentos sobre o urbanismo alfacinha”, Lisboa de Frederico Ressano Garcia 1874-1909, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Abril/Maio 1989
O Passeio Público então surge como uma solução empírica de remate da cidade. Mais de cem anos depois, em 1879 e já com Frederico Ressano Garcia no executivo da Câmara Municipal de Lisboa, são iniciadas as obras de transformação do Passeio Público num grande “Boulevad Parisiense”, obra que é terminada em 1886. Frederico Ressano Garcia (1847-1911) fora aluno do Primeiro Curso da Escola Politécnica, e terminou o curso de engenharia em 1869 na École Imperiale des Ponts Chausses de Paris (Escola que formou todos os primeiros urbanistas do mundo). Em Paris Ressano Garcia observa os planos de Haussmann para a cidade, que vêm a influenciar fortemente os planos realizados em Lisboa. Em 1874, aos 27 anos de idade e depois de já ter trabalhado na Câmara Municipal de Belém, Ressano Garcia concorre e é admitido como Engenheiro da Câmara Municipal de Lisboa, para substituir P. J. Pézarat, falecido dois anos antes. Entre os planos realizados com a participação de Ressano Garcia, destacam-se o plano da Avenida da Liberdade (1879), o Plano da Praça Marquês de Pombal, o Plano da Avenida das Picoas (1889, mais tarde Avenida Ressano Garcia, hoje Avenida da República) e o Plano Geral de Melhoramentos da Capital (1903). Os planos abrangem uma área que vai desde os Restauradores até ao Campo Grande, e com eles Ressano Garcia ficou na história como o homem mas importante para o urbanismo da cidade, desde Marquês de Pombal.
Planta Topográfica de Lisboa | 1909-11 | Pinto, Júlio António Vieira da Silva
Este plano enquadra-se perfeitamente naquilo a que o Arquitecto Nuno Portas chama de “Urbanismo de Grau Zero”. É um Plano muito detalhado e bem concebido ao nível dos arruamentos e espaço público, mas rejeita completamente qualquer desenho do edificado. É um Plano que está também de acordo com a mentalidade liberal da época, onde o estado vendia o terreno infra-estruturado e cada um era livre de fazer no seu lote o que quisesse, sem se submeter a quaisquer regras ou regulamentos de edificação. Não tendo este plano uma imagem clara da cidade que iria produzir, podemos dizer hoje, mais de cem anos depois da sua concepção que a Arquitectura não acompanhou o Urbanismo. Aquilo que se construiu nas Avenidas Novas nas primeiras duas décadas do século XX correspondia a uma imagem nostálgica que a burguesia tinha do ecletismo oitocentista e que foi aplicada indiscriminadamente quer nas suas vivendas quer nos primeiros prédios de rendimento. Até aos anos 30 do século XX quem viveu nas Avenidas Novas afirmava “Ir a Lisboa”, sempre que se deslocava à Baixa ou ao Chiado. • Análise Histórica | 19
O Plano das Avenidas Novas é apresentado por Ressano Garcia para aprovação camarária em 1888. Ao invés de rasgar grandes vias no seio da cidade consolidada como Haussmann faz em Paris, Ressano Garcia opta por expandir a cidade para norte de forma ordenada, através de viários eixos estruturantes que unem a área plana da Avenida ao Campo Grande. Apesar de optar pela não destruição da cidade existente nota-se neste plano uma clara influência parisiense, pelo uso do binómio AvenidasRotunda que estruturam todo o Plano. A estes grandes Boulevards estruturantes do plano, foram sobrepostas malhas ortogonais hierarquizadas, pela tipologia das vias conjugada com a modulação dos quarteirões, que suportavam infra-estruturas inovadoras (de saneamento, água, gás, electricidade, telefone, carris para tracção animal e eléctrica e rodovias com passeios). Foi ao mesmo tempo pensado todo um sistema vegetal pelo engenheiro agrónomo António Maria do Avelar, que era uma dos membros mais importantes da equipa de Ressano Garcia. O Sistema vegetal era constituído por parques urbano e florestal, jardins públicos e privados, alinhamentos arbóreos geometricamente plantados paralelos às vias para tráfego rodoviário ou implantados em passeios centrais, organizados em função dos eixos viários estruturantes e das tipologias de vias urbanas. A hierarquia entre as ruas era reforçada pela diferença entre as espécies arbóreas plantadas em cada rua. O Plano demonstra também um enorme bom senso no modo como encontra os seus limites. Ocupa espaço rural e encontra os seus limites nos caminhos de saída da cidade existentes, incluído sempre que possível as preexistências.
As Avenidas Novas Hoje
20 | Avenidas Novas Hoje
Apesar do Urbanismo, expropriação e do loteamento das Avenidas Novas ter sido responsabilidade da Câmara Municipal nem todas estas fases foram realizadas com o mesmo grau de sucesso. Depois de um plano urbano muito bem delineado o loteamento foi feito com alguma dificuldade tendo em conta a fraca procura pelos terrenos. Todo o dinheiro ganho pela câmara com os lotes vendidos era gasto em novas expropriações e infra-estruturação dos terrenos expropriados de forma a completar todo o plano urbano. Assim a construção de edifícios foi totalmente entregue a promotores privados, sem nenhumas exigências ao nível do que lá seria edificado, tendo cada um construído segundo a própria vontade/necessidade. Esta primeira fase de construção foi feita de forma faseada ao longo das primeiras décadas do século XX. Quando o plano finalmente ficou completo e começou realmente a haver interesses imobiliários nesta zona os primeiros edifícios de pior qualidade construtiva e tipológica começaram rapidamente a ser substituídos, perdendo-se uma unidade temporal da construção e da linguagem arquitectónica. As Tipologias construídas hoje nas Avenidas Novas “variam desde o palacete ao prédio de rendimento. Observam-se diversas Linguagens, desde a Arquitectura do Ferro à Arte Nova, dos Revivalismos aos Ecletismos, do Modernismo ao nacionalismo do Estado Novo. A partir dos anos 70 acentuouse a terciarização com a construção de novos edifícios de Escritórios.”1 1 Salgado, Manuel, Atlas Urbanístico de Lisboa, Lisboa, Argumentum, 2006
O perfil das ruas, que no Plano das Avenidas Novas foi alvo de um desenho muito cuidado e pormenorizado, está hoje completamente alterado e desvirtuado. É nos eixos estruturantes que isso mais se reflecte devido à criação de novas infra-estruturas pesadas de transporte, como a rede de metro e de autocarro, o aumento das faixas de rodagem do transporte rodoviário e a criação sucessiva de bolsas de estacionamento para automóveis. Assim a grande mais valia deste plano, que era a qualidade do espaço público tem aos poucos vindo a perder-se, necessitando claramente agora de ser repensado tendo em vista a recuperação dessas qualidades que se foram perdendo com o tempo mas adaptando-as às necessidades da sociedade contemporânea. O PDM em vigor considera as faixas do edificado directamente em contacto com os eixos principais que estruturam o plano das Avenidas Novas (Avenidas da República e Fontes Pereira de Melo) como “Área Consolidada de Edifícios de Utilização Colectiva Terciária”. Toda a área entre as Avenidas da República e 5 de Outubro está designada como “Área Consolidada de Edifícios de Utilização Colectiva Mista”. Também a zona da Avenida Duque de Loulé tem esta designação. No resto do tecido das Avenidas Novas a generalidade da área está designada como “Área Consolidada de Edifícios de Utilização Colectiva Habitacional”, e algumas excepções como os quarteirões da Casa da Moeda e do Campo Pequeno que são designados como “Área de Equipamentos e Serviços Públicos”. •
Os Interiores de Quarteirão
Interiores de Quarteirão | 21
Hoje, fruto da maneira como os loteamentos foram feitos, e não havendo quaisquer exigências ou regulamentos sobre a área construída vs área livre/permeável, temos interiores de quarteirão esquartejados e cada vez mais construídos, que resultam em espaços desinteressantes e que trazem atrás de si um sem número de problemas. Neste trabalho interessa pensar de que formas o interior de quarteirão pode ter um carácter mais público de serviço e usufruto a uma comunidade mais alargada. É preciso também pensar o papel que os interiores de quarteirão genericamente representam hoje na cidade e o potencial papel que poderão vir a representar. Que relações se podem criar entre estes interiores e o resto da cidade. Como foi explicado na introdução, a cidade sofre graves problemas de desertificação, e sente-se que é preciso qualificá-la e densificá-la para reverter esta tendência. Neste contexto, que papel podem os quarteirões ter no equilíbrio entre a densificação e impermeabilização dos solos versus a área permeável para a infiltração e retenção necessárias das águas nos solos. Nas páginas que se seguem será feita a análise de 5 exemplos do estado em que hoje se encontram os interiores de quarteirão das Avenidas Novas.•
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Exemplo 1 Este quarteirão, localizado entre as Avenidas da República, 5 de Outubro, Elias Garcia e Visconde Valmor é um bom exemplo do que genericamente se passa na grande maioria dos quarteirões das Avenidas novas.
22 | Exemplo 1
Não existindo no momento nenhum lote vazio, no edificado deste quarteirão ainda existem alguns edifícios contemporâneos do plano, com belos exemplos de arquitectura do ferro e Art Déco. Embora alguns destes edifícios estejam degradados estão na sua maioria ocupados por habitação ou serviços, existindo apenas dois edifícios devolutos. Entre estes edifícios antigos existem pontualmente passagens que permitem aceder directamente da rua ao interior do quarteirão e que permitem também a ventilação do ar entre a rua e o interior. A construção de novos edifícios existe especialmente junto ao eixo principal, a Avenida da República, onde esta construção nova tem uma volumetria muito superior à existente, com mais 3 a 5 pisos de altura. Este aumento do volume da construção também se reflecte no interior do quarteirão. Os novos edifícios construíram indiscriminadamente e sem regra aparente avançados no interior do quarteirão. Nestes avançados existem maioritariamente garagens dos próprios edifícios ou de recolha e oficinas de reparação de automóveis. Os restantes mantêm a geometria irregular fruto da forma como os loteamentos foram feitos, sendo-lhes dados os mais diversos usos. São desde espaços de traseiras de restaurantes onde os funcionários vão fumar e onde existem pequenos abarracados para guardar bilhas
de cerveja e paletes de refrigerantes, a pequenos quintais pavimentados onde existe uma baliza para as crianças jogarem à bola. Existem também pequenas hortas ou pomares e espaços para estendais. Curiosamente as árvores de fruto presentes no interior do quarteirão são na sua grande maioria nespereiras. Outra curiosidade é a existência de muitos gatos nestes espaços. Alguns dos edifícios mais antigos têm generosas varandas e marquises que se debruçam sobre o interior do quarteirão, é pena que a vista que este lhes proporciona não seja de todo a mais agradável. •
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Exemplo 2 Este quarteirão, localizado entre as Avenidas de Berna, Elias Garcia, Marquês de Tomar e Poeta Mistral é um exemplo claro de uma excepção àquilo que genericamente se passa na grande maioria dos quarteirões das Avenidas novas.
edifício de habitação para a Avenida Elias Garcia, permite ao peão criar novos percursos mais variados na cidade, furando a rigidez da malha ortogonal das Avenidas. •
O facto de mais de metade ser ocupado por um equipamento público confere-lhe à partida uma característica especial. Este equipamento público, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, é uma obra do Arquitecto Porfírio Pardal Monteiro. Inaugurada em 1938 foi o primeiro templo católico construído em Lisboa desde a proclamação da República. Para o financiamento da sua construção, que se iniciou em 1934, o Patriarcado vendeu a Igreja de S. Julião na Baixa ao Banco de Portugal. Esta igreja foi Prémio Valmor e conta com vitrais de Almada Negreiros. Além deste edifício notável, a construção de habitação corrente acompanhou as características modernistas e de excepção deste quarteirão. No extremo oposto ao da igreja existe um edifício que, imbuído do espírito do movimento moderno, se eleva do chão sobre pilotis permitindo que se aceda directamente da Avenida Elias Garcia ao jardim criado no seu interior. Exemplo 2 | 23
Este pequeno Jardim Público é não só um agradável espaço de estadia e descompressão da cidade, como de atravessamento. O facto de ser aberto para a Avenida Marquês de Tomar, ter uma passagem para a Avenida Poeta Mistral e como já vimos ter acesso por baixo do
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Exemplo 3
24 | Exemplo 3
Tal como o anterior os dois exemplos que se seguem são também duas excepções. Estes foram os únicos de todo o conjunto das Avenidas Novas a serem pensados como uma unidade. Encontram-se já na fronteira das Avenidas Novas que encontra o bairro do Arco do Cego, e foram claramente dos últimos a serem construídos de raiz. Neste primeiro caso, o quarteirão que se situa entre as Avenidas Elias Garcia, Visconde Valmor, Defensores de Chaves e Rua Eiffel é diferente tanto pela maneira como trata o interior do quarteirão, bem como pela maneira como o edificado se implanta. Como podemos claramente ver na axonometria, em vez de construir massivamente os limites do quarteirão, a construção serpenteia entre os limites e o interior, criando junto à rua pequenos jardins de entrada para os edifícios e no interior pequenos quintais nos quatro cantos do quarteirão, comuns aos moradores de cada prédio e cada um com uma nespereira. Além disso as casas conseguem ter sempre vistas cruzadas, para os quatro pontos cardeais e também maior exposição à luz e à ventilação. No interior além dos pequenos quintais existe também ao centro um estacionamento público de automóveis, com parquímetro, que é acedido por uma passagem por baixo de um edifício que dá para a Rua Eiffel. Este estacionamento está sobrelevado de maneira a proteger do ruído as habitações dos pisos térreos dos edifícios. A diferença de cota é vencida com grandes canteiros inclinados cuidadosamente ajardinados.
Junto às habitações térreas existe uma larga faixa de passeio que permite as crianças jogar e andar de bicicleta em segurança. A única construção existente neste interior de quarteirão pertence à Lisboa Gás. •
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Exemplo 4 Este quarteirão tal como o anterior teve na sua base um projecto para toda a sua área, que sem grandes inovações lhe confere uma enorme qualidade pelo simples facto de ter uma leitura unitária do seu conjunto, principalmente quando comparado com o caos que vemos na generalidade dos interiores de quarteirão das Avenidas Novas.
peratura é também muito mais baixa que nas ruas derivada à sombra produzida pela vegetação e o cheiro desta a florir na primavera transportam-nos mentalmente para bem longe do sítio mais central da cidade, onde fisicamente nos encontramos. •
Em primeiro lugar o facto de neste quarteirão a construção recuar face à Avenida António José de Almeida protege as habitações do ruído do trânsito intenso desta artéria da cidade. Ao recuar a construção é oferecido à cidade um pequeno jardim público que está hoje dotado de um parque infantil. No interior do quarteirão existe uma rua, que une a Avenida Defensores de Chaves à Rua D. Filipa de Vilhena através de duas passagens de cada lado que passam por baixo dos edifícios. Todos os edifícios têm um acesso comum a esta rua que mais parece uma azinhaga rural dado o empedrado do pavimento e os muros baixos cobertos de vegetação. Entre as passagens que dão acesso a cada edifício encontram-se quintais arborizados que pertencem às habitações do piso térreo de cada edifício. Nestes pisos térreos existem também além de habitações dois externatos e um centro infantil que tiram partido destes quintais para fazer o recreio das crianças. Exemplo 4 | 25
O ambiente do interior é completamente oposto ao das movimentadas ruas que definem o quarteirão. O som é muito diferente, sendo quase inaudível o ruído do trânsito e da cidade, ouvem-se o som dos pássaros, as crianças a brincar e o vento a movimentar a densa vegetação. A tem-
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Axonometria
Exemplo 5 | O Lote de Projecto
26 | Exemplo 5 | O Lote de Projecto
Este quarteirão é mais um exemplo comum onde a morfologia do seu interior não tem aparentemente qualquer regra de construção e resulta única e exclusivamente da maneira de como o loteamento foi feito pelas entidades municipais e posteriormente da vontade de cada um dos proprietários dos lotes. Apesar disso este quarteirão tem neste momento uma característica invulgar. Tem um lote que atravessa o interior do quarteirão de uma frente a outra. Esta característica cria não só a possibilidade de construir no interior do quarteirão, bem como a de unir duas frentes opostas do mesmo quarteirão com essa construção. Este lote, escolhido como exemplo para o desenvolvimento das habitações, fica então num quarteirão com 105 por 60 metros, a meio da Avenida Duque de Loulé. Está localizado na fronteira das freguesias do Coração de Jesus e São Jorge de Arroios. Com uma área de 720m² o lote atravessa o quarteirão de um lado ao outro tendo no seu interior dois edifícios devolutos com 16 metros de altura que dão para a Rua Bernardo Lima (nº50-58 e 64), dos quais só restam as fachadas. Um destes edifícios, o nº 64, foi residência alugada de Salazar, de 1935 a 1938, passando já depois do 25 de Abril a sede da UDP (União Democrática Popular). O outro devoluto, o nº50-58, começou por ser uma fábrica de tecidos em 1902, tendo passado a laboratório farmacêutico em 1917. Com esta função sofreu várias extensões para o interior do quarteirão. Mais tarde, em 1947, sofreu obras de ampliação de 1 para 3 pisos, tendo em vista a transformação deste edifício em prédio de rendimento.
As cérceas dos edifícios envolventes variam entre os 16 e os 40 metros. Dois desses edifícios, nos cantos mais a norte e mais a sul do quarteirão, são hotéis. No interior do quarteirão encontram-se diversas adições, quer a um dos hotéis quer a uma garagem e a um supermercado e há também antigas ruínas. À excepção dos dois hotéis, os restantes edifícios destinam-se a habitação e apenas um a escritórios, onde hoje se encontra a embaixada da Venezuela. Ao nível térreo além de uma garagem e um supermercado existem também um banco e vários estabelecimentos de restauração. O PDM define esta zona como Área Consolidada Mista (SCC4).•
Vista do Interior do Quarteir達o
Exemplo 5 | O Lote de Projecto | 27
Vista do Lote para a Cidade
O Quarteirão Hoje
28 | O Quarteirão Hoje
A ideia de quarteirão está desde o seu aparecimento intimamente ligada com a ideia de Cidade. Construir quarteirões foi sempre construir cidade independentemente do tempo em que falamos. O quarteirão pressupõe também sempre uma ideia de habitação colectiva. Se o cardus e o decumanus romano eram já uma marcação urbana clara, a malha rectangular que deles resulta não corresponde a uma malha de quarteirão como a entendemos hoje. A noção de quarteirão que temos hoje, e que é mais profundamente analisada neste trabalho, provém do século XIX, quando o Barão de Haussmann rasga grandes boulevards no centro de Paris dos quais resultam os quarteirões. É nesta experiencia urbana que a maior parte dos urbanistas deste tempo se inspiram para o reproduzir pelos mais diversos locais do mundo. Outros marcos contemporâneos e exemplares de planos urbanos da cidade de quarteirões são o Plano de Expansão de Barcelona de Ildefons Cerdà, ou a abertura do Ringstraße através do derrube da muralha de Vienna para a expansão da cidade sob a forma de quarteirões. Como já vimos na análise ao plano das Avenidas Novas é nas operações Parisienses que Ressano Garcia se inspira para realizar o seu plano urbano. Mas ainda antes de Ressano Garcia, com a experiencia iluminista de Pombal na reconstrução da Baixa, tivemos em Portugal uma experiencia com base na cidade de quarteirões. Para além dos critérios higienistas e de saúde pública mais prementes, a grande vantagem destes novos planos em relação às velhas malhas medievais era essencialmente económica, em que aliado ao desenvolvimento dos meios de transporte possibilitou a separação do trabalho da
morada. Um artesão deixou de viver e trabalhar no mesmo local e todas as ruas foram transformadas em grandes pólos comercias com a colocação de lojas nos pisos térreos. Com o movimento moderno esta ideia da cidade de quarteirões é fortemente criticada e este modelo é abandonado em favor da cidadejardim de Le Corbusier. O ponto mais criticado pelos arquitectos modernos da cidade de quarteirões é o facto desta ser altamente estratificada socialmente em corte. Estando no piso térreo o comércio, nos primeiros dois pisos, com áreas e pés direitos mais generosos residiam as famílias mais abastadas. Daí para cima as condições de habitabilidade decresciam de piso para piso, até chegar às águas-furtadas que eram quase inabitáveis e onde as condições de vida eram geralmente inumanas. O movimento moderno pretende acabar com isto de forma radical, propondo novas formas de habitar, numa matriz muito mais igualitária. Com a revisão do movimento moderno a ideia de quarteirão como forma de fazer cidade é outra vez recuperada pela Tendenza Italiana.
Colagem com fotografias Aereas das Cidades de Barcelona, Berlim, Brasilia, Lisboa, Nova Iorque, Paris e Viena
Hoje voltamos a olhar para os quarteirões da cidade como um património onde reside um enorme potencial para melhorar as condições de vida nas nossas cidades. Além da análise feita sobre a realidade das Avenidas Novas hoje, e da análise histórica do plano, pareceu-me também fundamental juntar três exemplos de intervenções contemporâneas sobre o quarteirão. São três intervenções que reflectem 3 abordagens diferentes mas todas actuais que se complementam e enriquecem todo este estudo sobre a cidade de quarteirões. •
O Quarteirão Hoje | 29
Planta de Cobertura
Corte pelas varandas do edifício interior
Planta do Piso 1
Corte Longitudinal
Planta do Piso Térreo
Rue des Suisses, Paris | 1996-2000 Jacques Herzog & Pierre de Meuron
30 | Rue des Suisses | Herzog & Meuron
Este projecto resulta de um concurso organizado em 1996 pela Régie Immobilière de la Paris, uma entidade pública de habitação, cujos vencedores foram a dupla de arquitectos suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron. Inserindo-se num típico quarteirão parisiense no 14º Arrondisement, perto da Gare de Montparnesse, este projecto é um interessante caso de estudo para complementar a reflexão sobre os quarteirões, já que além de propor a construção típica para completar os limites do quarteirão, propõe também a construção no interior do quarteirão. O primeiro projecto construído por esta dupla de arquitectos suíços na cidade de Paris consiste em três edifícios, dois que completam a frente de quarteirão e um que se implanta no seu interior, ocupando um lote muito estreito e comprido. Os dois edifícios que completam a frente de quarteirão fazem o prolongamento das cérceas dos edifícios contíguos de 7 pisos de altura, enquanto o bloco construído no interior do quarteirão conta apenas com 3 pisos. Ambos os edifícios que completam o quarteirão dão acesso ao seu interior. A crueza dos edifícios que completam o quarteirão, que com o seu revestimento em portadas de chapa de alumínio perfurado defendem as varandas das habitações de uma realidade mais dura da rua, que contrasta fortemente com a placidez do ambiente criado no interior do quarteirão, quer pelo desenho de um pequeno jardim ao longo de toda a frente do edificado interior, quer pelo diferente tratamento das varandas que se rsão revestidas de persianas curvas de bambu. No seu total os três edifícios contam com 60 apartamentos. O maior edifício de 7 pisos junto da Rue des Suisses conta com vários apartamentos por piso, que olham ou a rua, ou o interior de quarteirão. Já
o edifício da Rue Jonquoy possui apenas um apartamento por piso, possibilitando aos seus habitantes vistas de rua e vistas do interior do quarteirão no mesmo apartamento. No bloco interior de apenas 3 pisos, existem apartamentos maiores com vários pontos de acesso. As casas organizam-se com as salas e quartos orientados a sudoeste, com varandas que se abrem para o jardim interior. Virados a nordeste estão as casas de banho e cozinhas, sendo que no piso térreo estas se destacam do corpo principal em pequenos volumes e formam entre si pequenos pátios. Estes pátios ajudam a manter a escala residencial de toda a intervenção. Este edifício está também ligeiramente levantado do chão formando uma sequência de varandas ao longo do jardim para as quais as habitações se abrem, conferindo assim uma maior privacidade e segurança às habitações do piso térreo. O facto da persiana de bambu poder ser totalmente encerrada, cobrindo todo o pé direito, ajuda a reforçar a privacidade, e a melhor controlar a incidência da luz solar. Este projecto é uma referência muito interessante para o desenvolvimento deste trabalho pois apesar de intervir na reconstrução de uma parte existente da cidade, esta não deixa de reflectir todo um pensamento contemporâneo sobre as qualidades que o habitar hoje requer. Construindo tipologias de habitação pequenas e correntes estas casas ganham ainda assim uma qualidade muito acima da média pelo aproveitamento e potenciar dos espaços interiores do quarteirão para os quais a grande maioria das habitações se abre, passando a ser o centro de todo o projecto. •
Em Cima: Vistas do Interior do Quarteir達o | Em Baixo: Vistas do Exterior | Fonte das imagens: www.housingprototypes.org
Rue des Suisses | Herzog & Meuron | 31
Planta do Piso do Jardim
Planta do Piso Térreo
Planta do Piso Tipo
Alçado Novo
Hotel Fouquet’s Barrière, Paris | 2003-2006 Edouard François
32 | Hotel Fouquet’s Barrière | Edouard François
Em mais uma intervenção num quarteirão de Paris, o projecto do Hotel Barrière mostra-nos uma abordagem diferente da anterior. Localizado num quarteirão a meio da Avenida dos Champs Elysées, o projecto do qual Edouard François foi encarregue consistia na renovação e desenho de fachadas do Hoetel Barrière. O programa era complexo: adição de mais quartos ao edifício do hotel, gabinetes para a administração, um spa e o desenho do interior bem como das fachadas das novas extensões. Sendo o 8º Arrondissement, onde o projecto se encontra, ultra-protegido ao nível do património, a proposta passa por demolir os edifícios dos anos setenta do século XX e aí reproduzir um modelo de fachada Haussmaniano que serve de pele à nova construção e que assim se insere sem grande atrito na envolvente, ganhando este quarteirão uma leitura unitária. Apesar do desenho antigo, com todos os desenhos clássicos dos vãos, do embasamento, da cobertura e de toda a decoração inerente, a fachada é toda em painéis de betão. Mais do que uma simples cópia, trata-se de uma edição do desenho haussmaniano adaptando-o às novas tecnologias da construção. Ao mesmo tempo são rasgadas indiscriminadamente janelas horizontais rectangulares nesta fachada, que se projectam para a rua. Tendo estas janelas à face apenas vidro sem caixilho, parecem ser extraídas do edifício original por uma entidade que lhe é estranha. Na verdade estas marcam claramente a contemporaneidade da intervenção. Como o desenho do alçado haussmaniano não corresponde à distribuição vertical do edifício, a presença destas caixas permite-nos a leitura dos novos espaços que estão por trás.
Esta intervenção é interessante pela maneira como tenta relacionar a arquitectura contemporânea com a envolvente e com uma herança histórica e patrimonial da arquitectura e da cidade. Aliando o detalhe e precisão que as novas tecnologias de construção possibilitam aos detalhes existentes no desenho das antigas fachadas haussmanianas, este projecto abre múltiplas interpretações e perspectivas sobre a relação da nova arquitectura com o património.•
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Estrutura Original
Divisão dos Lotes
Demolições
Estrutura Original
Divisão dos Lotes
Demolições
Piso Térreo
34 | Fünf Höfe |Jacques Herzog & Pierre de Meuron
Fünf Höfe, Munich | 1994-2003 Jacques Herzog & Pierre de Meuron A proposta que venceu o concurso para o Fünf Höfe em 1994, da dupla suíça Herzog & de Meuron, propunha a demolição quase completa deste quarteirão para responder aos requisitos do programa. Apesar disso com o avançar do projecto esta tendência foi completamente invertida. Hoje foi construído apenas um edifício de raiz e foram mantidos os edifícios existentes por inteiro, ou quando isso não foi possível, as suas fachadas. O projecto consiste na reabilitação de todo um quarteirão no centro da cidade de Munique, dotando-o de valências que habitualmente não vemos associadas aos interiores de quarteirão. No piso térreo funciona a galeria comercial dotada de lojas, cafetarias, restaurantes e uma galeria de arte. O projecto cria uma sequência de 5 pátios interligados por percursos pedonais públicos cobertos acompanhados por comércio que permitem, não só o atravessamento do interior do quarteirão, bem como a possibilidade de uma estadia num ambiente qualificado dentro do quarteirão. Através de colaborações com diferentes artistas plásticos, estes Pátios foram dotados de diferentes ambiências. O melhor exemplo é a enorme esfera elipse que Olafur Eliasson coloca suspensa no pátio pentagonal, que ao mesmo tempo que complementa e qualifica o ambiente deste pátio vem conferir maior privacidade aos pisos superiores da construção. Este projecto é uma referência muito interessante, não só por permitir reabilitar um quarteirão inteiro e oferecer o seu interior à cidade mas também por estabelecer uma relação intensa com a história do quar-
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Corte Longitudinal
teirão tirando partido do potencial dos atravessamentos e dos pátios, ao mesmo tempo que dá resposta contemporânea e eficaz ao modelo esgotado do centro comercial americano. •
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II - Proposta
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Da Escala da Cidade ao Quarteirão
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Um estudo elaborado pela Divisão da População do Departamento de Assuntos Sociais e Económicos das Nações Unidas concluiu que em 2008, pela primeira vez na história da Humanidade, a maior parte da população mundial passou a viver em cidades. Esta inversão vem reforçar o estatuto histórico que as cidades têm como importantes pólos de desenvolvimento das sociedades, das economias e das culturas. As Cidades são um lugar de Confluências. Para elas confluem não só pessoas, mas recursos, energias, ideias e conhecimento. É aqui que a grande maioria do potencial humano se reúne e se desenvolve. No entanto os modelos de cidade a que estamos habituados estão hoje a ser postos em causa. Quer pela degradação e abandono dos centros urbanos e históricos e crescimento desmesurado e desregrado das periferias, quer pelo crescente aparecimento de “Mega Cidades” caóticas (com mais de cinco milhões de habitantes) nos países em desenvolvimento, quer com a consciência do problema das alterações climáticas. Em 2007 Sir Norman Foster, na conferência DLD em Munique, afirmou que não sendo possível desenhar casas que se movam sem consumos de energia e não sendo assim possível separar os edifícios das infra-estruturas, é preciso mudar a forma como fazemos as cidades e os seus edifícios. Para ilustrar este raciocínio Norman Foster apresenta um gráfico com os consumos de uma típica sociedade industrializada, onde 44% da energia é consumida pelos edifícios, 34% é consumida pela indústria e 22% é consumida por transportes. Se separarmos o transporte de bens (8%) do transporte de pessoas (26%) e juntarmos este último com os consumos de
energia dos edifícios, vemos que ambos representam 70% do consumo de energia mundial. Esta enorme percentagem dos nossos consumos de energia é uma consequência directa da maneira como desenhamos as nossas cidades e as suas infra-estruturas. Modelos de cidade americana como Detroit, completamente dependentes do transporte automóvel, por serem muito dispersas no território e consumindo assim muita área verde e permeável com quilómetros de auto-estradas e alcatrão que ligam a centros cada vez mais decadentes pela sua mono funcionalidade e falta de vida urbana, são completamente postos em causa quando comparados directamente em termos de consumo de energia com outras cidades. Modelos de cidade como Copenhaga, que apenas tem o dobro da densidade de Detroit, por ser bastante mais dependente das deslocações a pé ou de bicicleta, consome um décimo da energia. Se compararmos o consumo de energia por pessoa em cidades mais densas, entre Detroit e Hong Kong, por exemplo, a diferença é abismal. Daqui se conclui que uma maior densidade traduz-se directamente em maior poupança de recursos. Se olharmos nestes termos o exemplo de Lisboa este problema também acontece todos os dias. Artérias de entrada na cidade como a A1, A5, o IC19, o Eixo Norte-Sul ou a Ponte 25 de Abril estão sempre entupidas de trânsito nas horas de ponta, e fora do horário laboral ou ao fim de semana as ruas do centro da cidade estão desertas. Embora o problema não seja tão grave como em cidades americanas, esta tendência de abandono da cidade pode e deve ser invertida para o aumento da qualidade de vida dos cidadãos.
Apesar de a base das Avenidas Novas ser muito boa, esta tem vindo a ser consecutivamente adulterada e desvirtuada, é preciso tomar medidas concretas para inverter esta tendência. Sem falar nos eixos principais das avenidas, cuja alteração do perfil devido à instalação de infra-estruturas pesadas de transporte, como túneis
rodoviários e o metro, é hoje praticamente irreversível, nas ruas secundárias as alterações ao plano são também alarmantes. Hoje aquilo que na sua origem eram ruas agradáveis com passeios largos e muita sombra passaram a ser silos automóveis ao ar livre. Olhando para qualquer uma delas ao acaso vemos duas faixas de rodagem, uma em cada sentido, e quatro faixas de estacionamento, duas no separador central e duas junto aos cada vez mais acanhados passeios, que muitas vezes têm larguras inferiores ao exigido pelos regulamentos para a largura dos corredores interiores das habitações. O excesso de estacionamento à superfície em benefício do transporte automóvel individual e a falta de espaço para os peões circularem é um claro sinal da mentalidade terceiro mundista que reina na mente dos dirigentes políticos que têm passado pelo comando da nossa cidade, mentalidade essa que é um dos mais fortes ataques à qualidade de vida dos lisboetas. Uma das primeiras acções para melhorar a qualidade de vida nas Avenidas Novas deve ser tomar medidas para combater o transporte individual e o estacionamento selvático e massivo à superfície. Para isso deve ser feito um maior investimento nos transportes públicos, e na mobilidade individual através das deslocações a pé e de bicicleta de forma a dar melhores e mais eficientes alternativas de mobilidade aos cidadãos. Se estudos já provaram ser viável fazer deslocações de bicicleta numa cidade com a topografia acidentada de Lisboa, nesta zona especifica da cidade, onde as inclinações são mínimas, o uso deste meio de transporte deveria ser ainda mais incentivado que no resto da cidade. Ao mesmo tempo deveriam ser criados silos automóveis, em altura e subterrâneos que dessem a possibilidade de estacionamento aos moradores
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Na apresentação pública do Programa Local de Habitação em Junho de 2009, sob o slogan “(Re)Habitar Lisboa”, a Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, Arquitecta Helena Roseta, mostrou um primeiro slide com um triângulo “Habitação-Mobilidade-Equipamento”, que definia o que era hoje habitar numa cidade. A uma cidade que quer ter um boa qualidade de vida para oferecer aos seus residentes não basta ter boas habitações, são precisas também boas infra-estruturas de transporte e bons equipamentos. Nos equipamentos inclui-se também o espaço público, quer sejam as ruas e avenidas, quer sejam os parques e praças que a cidade oferece aos seus habitantes. Todos estes espaços, principalmente estes, têm de ter qualidade de forma a dar mais qualidade à vida dos cidadãos. Como foi explicado na introdução e na posterior análise histórica a escolha das Avenidas Novas como lugar para potenciar a vida da cidade de Lisboa não foi um acaso. Esta zona tem como base um plano de espaços públicos muito detalhado e bem delineado e é hoje na cidade de Lisboa a zona melhor servida de transportes públicos. É claramente aqui que existe o maior potencial para a densificação da cidade, que por consequência directa poderia revitalizar a vida urbana de toda a Lisboa.
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sem garagem e que permitiram repor o perfil original dos arruamentos, mais amigo do peão. Outro espaço das Avenidas Novas que, como foi mostrado na análise inicial tem um potencial enorme e está hoje completamente desvirtuado é o espaço dos interiores de quarteirão. No livro “Morte e vida de grandes cidades” Jane Jacobs faz a apologia da rua, dizendo que a vida das cidades pode e deve passar muito pela rua. Em primeiro lugar, para se conseguir ter um sentimento de segurança nas ruas é dito que devem existir “olhos na rua”. Segundo a autora esses olhos só estarão na rua se ela tiver alguns apelativos para quem olha. O que proponho é usar exactamente esta lógica nos interiores de quarteirão. É preciso que os “olhos” também se virem para o interior do quarteirão e é preciso que neles haja motivos para serem olhados. A reabilitação, com intervenções de conjunto no interior dos quarteirões, é essencial para que a cidade ganhe novos lugares públicos ou semi-públicos de escala intermédia, entre o grande “equipamento” de espaço público e o jardim privado, de que tanto necessita. Se medirmos os quarteirões pelo eixo das vias que os circundam verificamos que a área do interior do quarteirão representa um quarto da área total. O potencial aqui reunido é enorme. Nas páginas seguintes são apresentadas propostas genéricas que seriam estratégias para aplicar na generalidade dos quarteirões das Avenidas Novas.
Estas contêm propostas de tipologias de espaço, usos e percursos para os interiores de quarteirão que visam dotar a cidade de espaços e equipamentos que hoje carece. Ao mesmo tempo pretende-se aumentar a matéria vegetal e biológica dos interiores de quarteirão para retirar mais dióxido de carbono do ar e reduzir assim a poluição atmosférica tendo em vista o aumento da qualidade do ar. Pontualmente a área do interior dos quarteirões também poderia ser utilizada para ajudar a resolver o problema do estacionamento à superfície através da construção de silos automóveis subterrâneos que se destinariam ao armazenamento dos automóveis dos habitantes do quarteirão onde o silo é construído e dos oito com que este quarteirão directamente comunica. Num contexto específico seria então explorada a possibilidade de densificação das Avenidas Novas através da construção em altura no interior dos quarteirões. Esta construção só seria possível em lotes que atravessam o quarteirão de um lado ao outro e que se localizam a meio deste. A ideia é colocar um novo volume, levantado do chão para libertar a área interior do quarteirão que se quer requalificar, e assim construir mais habitações nesta zona da cidade. Este volume seria elevado à altura do nível médio das cérceas dos edifícios do quarteirão de forma a marcar um limite, determinando uma nova linha limite da cércea. Assim seria possível estabelecer uma regra para a densificação do edificado sem alterar significativamente o perfil e o ambiente das ruas das Avenidas Novas. No fundo estes novos volumes seriam a excepção que confirma e faz a regra para o edificado que aqui se venha a construir por necessidade de substituição de edifícios devolutos.
As propostas de localização das diferentes tipologias de espaços e usos dos interiores de quarteirão no contexto geral das Avenidas Novas deveriam ter em conta estudos de fluxos de tráfego, o estado do edificado, os seus usos, a permeabilidade dos solos, a possibilidade ou não da construção e densificação da habitação segundo a estratégia adoptada, com o objectivo de reforçar e potenciar a qualidade de vida e a leitura de unidade nas Avenidas Novas. •
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Exemplo 1
42 | Exemplo 1
Este quarteirão, apresentado no capítulo anterior de análise, localizado entre as Avenidas da República, 5 de Outubro, Elias Garcia e Visconde Valmor foi apresentado no capítulo anterior como um bom exemplo do que genericamente se passa na grande maioria dos quarteirões das Avenidas novas. Assim sendo é sobre ele que são apresentadas duas propostas genéricas do que poderiam ser intervenções tendo em vista a reabilitação dos interiores de quarteirão das Avenidas Novas. A primeira hipótese apresentada propõe a definição de um novo limite para a construção no interior do quarteirão. Dentro desse limite toda a construção hoje existente seria demolida, e seria desenhado um amplo espaço público ajardinado que daria uma leitura unitária a este interior de quarteirão. O desenho deste novo espaço ajardinado seria cruzado com o desenho de percursos de atravessamento do interior do quarteirão e um percurso no perímetro do espaço interior que garantiria o acesso de todos os edifícios do quarteirão ao seu interior. O usufruto do espaço interior não tem à partida um tipo de utilizadores definido. Este espaço poderia funcionar numa lógica condomínial, onde só os moradores de cada quarteirão teriam acesso ao seu espaço interior, ou ter um carácter completamente publico onde se oferece à cidade um novo espaço de estadia, ao mesmo tempo que se permite a criação de novos percursos pedonais através do atravessamento do interior dos diferentes quarteirões.
Esta proposta poderia também contemplar a construção de estacionamento subterrâneo no interior do quarteirão com acesso pelas garagens já hoje existentes. Sendo que assim se propõe a impermeabilização completa ou parcial do espaço do interior do quarteirão esta possibilidade teria de ser aplicada apenas pontualmente visando sempre atenuar de maneira efectiva o problema de estacionamento existente nesta zona, que tenderá a aumentar assim que os fogos hoje devolutos sejam reocupados. Esta proposta de estacionamento e a sua localização deveria ser feita a partir de um estudo dos fluxos de tráfego e das necessidades de estacionamento cruzado com o estudo das bacias hidrográficas deste território e dos locais onde fará mais sentido tornar o solo permeável para uma maior retenção das águas pluviais. Estando os dados disponibilizados pela Câmara Municipal de Lisboa relativos ao estacionamento desta zona bastante incompletos e desactualizados, não foi possível dar em tempo útil uma maior concretização à proposta de localização dos locais de recolha de automóveis no interior de quarteirão. Ainda assim prevê-se que com a apresentação do novo Plano Director Municipal, novos dados relativos ao estacionamento sejam disponibilizados que ajudarão a melhor definir esta proposta. •
Exemplo 2 Esta segunda hipótese de intervenção é mais radical no sentido em que propõe a demolição total das construções do interior do quarteirão. Ainda assim tenta manter-se sempre que possível a divisão cadastral até um certo limite. Nestes novos espaços seriam criados pequenos jardins/ quintais que visam dar uma maior privacidade às habitações do piso térreo e ao mesmo tempo uma maior unidade ao desenho de conjunto deste interior de quarteirão. Depois do novo limite desenhado através de percursos que atravessam o quarteirão está um espaço comum ajardinado, para usufruto dos moradores do quarteirão que moram acima do piso térreo dos edifícios. Ao mesmo tempo este novo espaço comum poderia conter um equipamento público de proximidade e de pequena escala, como por exemplo uma cresce que serviria os moradores do quarteirão ou um quiosque de venda de jornais, que visa reforçar a intensidade e as possibilidades de ocupação deste interior de quarteirão. •
Exemplo 2 | 43
Piso Térreo Existente Interior de Quarteirão sem construção | 1545 m²
Piso -1 Existente Estacionamento dos Hotéis Garagem STUL
Ruínas no Interior do Quarteirão | 670m²
Limite Interior do Quarteirão
Galeria Comercial Supermercado Hotéis Interior de Quarteirão com construção | 460 m²
Piso Térreo Proposto
Piso -1 Proposto
Interior de Quarteirão sem construção | 2080 m²
Estacionamento dos Hotéis 2220 m²
Comércio | 570 m²
Acessos Verticais
Acessos Verticais
Áreas de compensação das construções no piso térreo 120 m²
Equipamento Comunitário 190 m²
Limite Interior do Quarteirão
Piso 1 e Superiores Propostos
Piso -2 e Inferiores Propostos
Interior de Quarteirão sem construção
Estacionamento Habitação e Escritórios | 2340 m²
Escritórios | 466 m²
Acessos Verticais
Acessos Verticais
Limite Interior do Quarteirão
Equipamento Comunitário 85 m² Habitação | 416 m²
44 | Intervenção à Escala do Quarteirão | Esquemas de Ocupação
Intervenção à Escala do Quarteirão: Do Quarteirão ao Edifício O Projecto consiste num grande volume levantado do chão que une as duas frentes de rua do lote e em outros quatro volumes mais baixos que fazem o prolongamento das cérceas dos edifícios contíguos, definindo assim o plano das ruas e reforçando a ideia de interior de quarteirão. Para reforçar a clareza da estratégia para este projecto, apenas o grande volume elevado do chão contém as habitações pedidas no enunciado. Por ser uma zona que o PDM prevê como mista, os outros quatro volumes destinam-se a comércio, escritórios e a um equipamento comunitário. Assim a separação programática vem reforçar a ideia implícita na separação e assunção por si dos volumes. O projecto pretende, além da construção de fogos de habitação contida no enunciado, pensar o que pode vir a ser o espaço de interior deste quarteirão. As premissas do projecto vão no sentido de enfatizar essa vontade de pensar e valorizar o interior do quarteirão, já que o edifício de habitação se formaliza como uma ponte que une as duas frentes de rua, levantando-se do chão e libertando assim mais área no interior do quarteirão. O projecto tem a ideia de pensar e qualificar o interior do quarteirão como um todo. O objectivo é tornar este espaço, que está hoje esquartejado e privatizado em pequenos segmentos avulsos numa ampla praça interior, ajardinada e arborizada, à qual possam aceder todos os moradores do quarteirão e também os utentes dos hotéis nele existente. Para isso seriam demolidas todas as construções e ruínas do interior do quarteirão, e para esta intervenção ter viabilidade económica seria con-
struído no subsolo um parque de estacionamento, na área onde existe a nova construção, que serviria de garagem para todos os moradores, os escritórios e os hotéis desta zona. Como se pode perceber nos esquemas de ocupação do quarteirão, no primeiro piso de estacionamento ficariam então as áreas de compensação pelas construções demolidas no interior do quarteirão ao nível térreo, e lugares de estacionamento para os dois hotéis existentes no quarteirão. Nos pisos inferiores estariam pisos de estacionamento destinados aos moradores e aos escritórios. O desenho do interior do quarteirão é feito através de percursos que redesenham o perímetro do interior e dão acesso a todos os edifícios do quarteirão. Estes percursos procuram também definir um novo espaço interior ajardinado que confere uma leitura mais unitária deste espaço. Sob o volume das habitações, tirando partido quer da topografia quer do facto de ser uma área impermeabilizada pela presença do estacionamento, é criado um pequeno espaço de estar em forma de auditório ao qual se junta o atravessamento do interior quarteirão. Sob o volume das habitações, tirando partido quer da topografia quer do facto de ser uma área impermeabilizada pela presença do estacionamento, é criado um pequeno espaço de estar em forma de auditório ao qual se junta atravessamento do interior quarteirão. É também desenhado um espelho de água onde seriam despejadas as águas pluviais recolhidas na cobertura e nos pátios das novas construções. Estas águas serviriam também para regar o jardim criado no interior do quarteirão. O volume das habitações pretende também reforçar a ideia de requali-
Intervenção à Escala do Quarteirão | Fotomontagem | 45
ficação do interior do quarteirão, já que inverte a lógica de desenho de alçado habitual, sendo os seus alçados de rua cegos e os que dão para o quarteirão desenhados como se de fachadas principais se tratassem, com um padrão ritmado para dar uma nova “cara” a este interior. Este ritmo é dado pelas variações da tipologia base e pela simetria em planta que os pisos vão tendo à medida que subimos. Ao contrário do que é comum os acessos ao edifício de habitação são localizados já no interior do quarteirão, em duas pequenas ruas que são criadas para lhe dar acesso. Os acessos verticais deste edifício localizamse a cada dois apartamentos, sendo assim o acesso às habitações feito em esquerdo-direito, como na maior parte dos edifícios da cidade. Com a variação das tipologias ao longo dos pisos consegue-se por vezes que o átrio de acesso seja exclusivo a uma única habitação. •
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46 | Plantas Esc. 1:500
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Planta do Piso Térreo | Esc. 1:500
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Legenda: 1.Acessos Verticais | 2.Escritórios | 3.Equipamento Comunitário | 4. Comércio
Piso 11
Piso 10
Piso 9
Piso 8
Piso 7
Piso 6
Piso 5
Piso 4
Piso 3
Piso 2 Plantas Esc. 1:500 | 47
Piso 1
48 | Alรงados Esc. 1:500
Alรงado Sul | Esc. 1:500
Corte Transversal | Esc. 1:500
Cortes Esc. 1:500 | 49
Corte Longitudinal | Esc. 1:500
50 | Fotomontagens do IEdifĂcio
52 | Fotomontagem do Interior do Quarteir達o
54 | Maquete do EdifĂcio Esc.1:200
Vista Noroeste
Vista Nordeste
Vista Sudeste
Maquete do EdifĂcio Esc.1:200 | 55
Vista Sudeoeste
56 | Maquete do EdifĂcio Esc.1:200
Vista Sul
Maquete do EdifĂcio Esc.1:200 | 57
Vista da Rua Bernardo Lima
58 | Maquete do Edifício Esc.1:50
Vista do Alçado Sul
Vista do Alçado Norte
Vista do Alçado Norte
Maquete do Edifício Esc.1:50 | 59
Vista do Alçado Sul
60 | Maquete do Edifício Esc.1:50
Vista Sul dos Pátios
Maquete do Edifício Esc.1:50 | 61
Vista de um Pátio que atravessa o Edifício
62 | Do Edifício à Habitação
Do Edifício à Habitação: Construir Uma Nova Forma de Habitar Iñaki Abalos no seu livro “A boa-vida. Visita guiada às casas da Modernidade” apresenta sete tipos diferentes de casa. O primeiro capítulo, intitulado “A casa de Zaratustra”, é apresentada uma tipologia que foi o ponto de partida para a tipologia de habitação que proponho. Neste capítulo o autor começa por abordar as obras de Mies van der Rohe, e cita como exemplo maior da Casa de Zaratustra o projecto das casas pátio datado dos anos trinta, deste mesmo arquitecto. Para uma melhor compreensão desta casa Iñaki Abalos cita muitas vezes textos do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. É assinalada a ideia de “sistema” utilizada por Mies nestes projectos, um sistema simples com poucas variáveis ligadas entre si, que proporcionassem composições complexas e diversas tanto estruturais como espaciais. Este tipo de sistematização proporciona também uma fácil repetição e massificação destas casas, conferindo apesar disso a cada casa uma identidade própria. O sujeito para o qual esta casa idealmente é projectada é o homem solteiro, individual. Este “Super-homem nietzschiano” no qual Mies se inspira é um Homem cosmopolita, que vive sozinho na cidade e que domina completamente o seu espaço, a sua casa. Assim estas casas são completamente abertas, mas têm os altos muros como garante da privacidade face à cidade. Dentro destes muros também a natureza aparece representada, embora seja apenas uma natureza para ser contemplada e não para ser vivida ou dela viver. As casas que aqui apresento para criar as 100 possibilidades de habitar também pretendem constituir um sistema que possibilita a repetição
através de uma tipologia base, que vai variando para conferir a cada indivíduo uma identidade própria e melhor responder às suas necessidades. Ao contrário da ideia de Mies o “indivíduo” que habita a tipologia que proponho pode ser múltiplo. Isto é: a casa que proponho não pretende corresponder apenas às necessidades do “Homem cosmopolita que vive sozinho na cidade”, mas de todas as possibilidades de indivíduos que a nossa sociedade cada vez mais complexa produz. Estas casas pretendem responder às necessidades de um “indivíduo” que pode ser uma família típica com dois filhos, ou ser uma família numerosa, ou uma pessoa solteira ou divorciada que vive sozinha. Nos últimos 30 anos no nosso país a constituição dos agregados familiares mudou radicalmente. A necessidade de casas aumentou porque o número de pessoas que constitui as famílias diminuiu, passaram a viver menos pessoas por habitação. Apesar disso a resposta que o mercado de habitação tem dado corresponde a casas “funcionais” com modelos completamente ultrapassados, iguais há mais de 40 anos, onde todas as divisões correspondem a uma função exacta. Um quarto tem as dimensões e configuração específicas de um quarto e só pode ser um quarto, e esta lógica repete-se em todas as divisões da habitação. Este tipo de casas permite e potencia muito pouco a vida das pessoas. Fazendo um paralelo com o ensino, os alunos de há 40 anos não foram minimamente preparados para a realidade da vida activa que temos hoje, onde os computadores e a tecnologia têm uma posição determinante no mundo do trabalho, muito mais acelerado e competitivo. Da mesma maneira, com os avanços da tecnologia e a aceleração da evolução e da quali-
dade de vida, os alunos do ensino primário de hoje, apesar de terem todos “Computadores Magalhães”, não vão com toda a certeza estar minimamente preparados para as evoluções que hão-de vir nos 60 anos de vida activa que têm pela frente. Apesar disso, o facto de terem desde já pequenos acesso a meios informáticos e à internet permite e possibilita muito mais a sua evolução do que se o ensino se tivesse mantido até hoje com quadros de ardósia e giz. Se o mesmo olhar reflectir sobre a construção que fazemos hoje nas nossas cidades, vemos que esta, que na sua grande maioria é de má qualidade e já não responde bem às questões actuais, não está minimamente preparada para as possibilidades do futuro.
Assim sendo o que se cria é uma tipologia base, que será explicada em detalhe mais adiante com recurso a desenhos e imagens, que aliada a um
Do Edifício à Habitação | 63
Aquilo que proponho em resposta, é o que o Arquitecto Norman Foster define como “Arquitectura à Prova do Futuro”, no sentido em que as casas que proponho mais do que tentarem prever a mudança, permitem que esta aconteça naturalmente. Proponho uma “Arquitectura de Grau Zero” onde apenas se vende a área que melhor responde às necessidades de cada indivíduo (unidade é tanto a família como a pessoa singular), onde as suas casas se conformam livremente segundo regras predeterminadas aliadas às necessidades da sua vida diária. Se levada ao limite a ideia das “100 possibilidades de habitar”, estas poderiam acontecer na mesma casa.
sistema simples de variações permite responder a inúmeras necessidades de habitar. Para isso os diferentes espaços, com volumetrias iguais ou divisíveis entre si, são identificados como volumes distintos sobre os quais se podem fazer operações de subtracção, adição ou movimentação dentro dos limites da área da casa. Tal como nas casas pátio de Mies van der Rohe é dada uma importância fundamental ao espaço exterior privado dentro da área da habitação. Este é nesta tipologia o centro do habitar e as operações de subtracção e movimentação dos diferentes volumes teriam sempre em vista a qualificação deste espaço exterior reforçando a sua importância. A ideia para a construção deste edifício seria a venda das casas ainda antes do projecto do edifício ser realizado, como se de um loteamento se tratasse, em que cada pessoa constrói aquilo que melhor serve as suas necessidades. No limite uma família numerosa poderia comprar em vez de uma ou duas lajes sobrepostas ou contíguas, comprar cinco ou seis, e à medida que a família fosse diminuindo, com a saída de casa dos filhos, fosse subtraída a área aos quartos para dar lugar a maiores pátios. Desta forma a configuração dos edifícios seria variável quer de uns para os outros se construídos em vários quarteirões diferentes, quer ao longo do tempo de vida dos próprios edifícios. •
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Tipologia Como foi dito na introdução aquilo a que me propus neste exercício foi procurar o habitar ideal para a cidade de Lisboa.
64 | Tipologia Base
Pareceu-me em primeiro lugar que um habitar qualificado em Lisboa exigiria a integração de um espaço exterior privado, um pátio, terraço ou varanda, com dimensão suficiente que permitisse aos habitantes gozarem do exterior nas suas habitações. Esta decisão acontece baseada na observação das condições climáticas e geográficas da nossa cidade. Lisboa tem um clima temperado todo o ano devido à proximidade do mar. Mesmo no Outono e no Inverno, altura em que as temperaturas baixam, é possível desfrutar de dias ensolarados e amenos. Além disso, dada a topografia da cidade, é possível ter vistas de vários pontos sobre a cidade. Assim é dada ao pátio uma importância central na habitação, representando um quarto da área do piso 0. Este pátio é tratado como uma sala exterior que permite o seu usufruto todo o ano, e serve também como um dispositivo que medeia a relação do interior com as vistas sobre a cidade. Para esta habitação foi escolhida trabalhar como base a tipologia T3 por me parecer ser a tipologia mais flexível. É a tipologia limite para albergar um único habitante e permitir que este se sinta confortável, e tendo mais uma divisão que o T2, permite ter um número maior de habitantes, e uma maior variedade na ocupação dos espaços. A habitação desenvolve-se em duplex e é dividida em 4 por dois eixos
perpendiculares. No piso térreo temos num primeiro “quadrante” a entrada, junto aos acessos verticais, com pé direito simples, que se abre para a sala de duplo pé direito. Esta entrada comunica com a cozinha. O volume da cozinha tem também uma despensa e uma casa de banho. No lado oposto encontram-se as escadas para o piso de cima e uma divisão que abre para o pátio que pode ser utilizada como sala de jantar ou escritório. O pátio, para o qual as divisões principais da casa se abrem, conta com a mesma área da sala de duplo pé direito, e juntas têm metade da área do piso térreo da casa. No piso de cima temos ao centro a saída das escadas e um mezanine que se abre sobre a sala e dá acesso à casa de banho e aos quartos. De cada lado da casa encontram-se os quartos com as mesmas dimensões. A divisão entre os quartos e as divisões centrais é feita através de armários tirando assim partido do desenho dos espaços para resolver a arrumação da casa. No alçado sul existe apenas uma grande abertura, a do pátio, que pretende reforçar a importância deste na casa. No alçado norte o desenho de fachada é inverso ao alçado sul sendo agora abertos vãos directamente neste alçado. Como se pode ver nos esquemas, a partir desta tipologia base, são feitas inúmeras variações, ocupando sempre a mesma área de laje e tendo divisões de áreas iguais, que pretendem possibilitar a máxima variação na apropriação do espaço pelos diferentes tipos de ocupantes. •
as
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ร reas:
1. Entrada 2. Cozinha 3. W.C 4. Despensa 5. Arrumos 6. Sala 7. Sala de Jantar | Escritรณrio | 3ยบ Quarto 8. Pรกtio | Varanda 10. Quarto
6 m2 9 m2 5 m2 3 m2 2 m2 24 m2 15 m2 24 m2 13 m2
Tipologia Base | 65
Legenda:
B
C Legenda: 4
1. Entrada 2. Cozinha 3. W.C 4. Despensa 5. Arrumos 6. Sala 7. Sala de Jantar | Escritรณrio | 3ยบ Quarto 8. Pรกtio | Varanda
7
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A
A
C
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Planta Piso 0 | Esc. 1:100
Corte Longitudinal A | Esc. 1:100
66 | Planta Corte e Alรงado Es. 1:100
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Alรงado Sul | Esc. 1:100
Legenda:
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3. W.C 6. Sala 8. Pรกtio | Varanda 10. Quarto
6
Planta Piso 1 | Esc. 1:100
Corte Transversal B | Esc. 1:100
Planta Corte e Alรงado Es. 1:100 | 67
Alรงado Norte | Esc. 1:100
Corte Transversal C | Esc. 1:100
68 | Fotomontagens da Tipologia Base
Vista Sul
70 | Maquete da Tipologia Base Es. 1:20
Vista do Quarto Sul
Vista da Sala de Jantar
Vista Norte
Vista do Quarto Norte
Maquete da Tipologia Base Es. 1:20 | 71
Vista da Entrada e Cozinha
72 | Maquete da Tipologia Base Es. 1:20
Vista Interior da Sala
Maquete da Tipologia Base Es. 1:20 | 73
Vista Exteroior da Sala
74 | Sistema Estrutural e Materialidade
Estrutura, Materialidade e Sistemas do Edifício Do gesto de pousar uma peça que voa sobre o interior do quarteirão resulta um grande vão de 26 metros, elevado a 16 metros de altura. A solução mais imediata e simples de adoptar para vencer o vão é a estrutura metálica, por ser mais leve e por vencer maiores vãos com menos massa. Assim a estrutura deste edifício consiste em dois grandes núcleos rígidos de betão que contêm as circulações verticais, e que sustentam o edifício no ar, e uma estrutura metálica em ambas as fachadas (norte e sul) que se apoiam nos núcleos e que são unidas pelas vigas perpendiculares a ambas as fachadas estruturais, também metálicas, que sustentam as lajes. Funcionando o aço melhor à tracção, as vigas das fachadas vão-se “pendurando” nos núcleos rígidos de betão agarrando as vigas das lajes e desenhando o alçado de modo a existirem os grandes vãos dos pátios. A ideia é que toda a estrutura metálica da fachada do edifício funcione como uma única e grande viga que se suporta a si mesma. Derivada do mesmo raciocínio surge a opção por lajes colaborantes, mais leves e com menos massa, conseguem vencer vãos maiores. A acção do vento sobre esta mega estrutura será atenuada pela presença pontual de terraços/pátios que atravessam o edifício de um lado ao outro, tornando assim permeável ao vento a barreira que todo o edifício constitui. Não sendo desejável deixar a estrutura metálica do edifício à vista por questões térmicas e de protecção da própria estrutura ao fogo, a opção de revestimento passa ainda assim por chapas metálicas que reforçam a ideia de prefabricação e leveza do edifício, ao mesmo tempo que se procura com este material a reflexão do céu e da envolvente no próprio edifício pretendendo com isto uma melhor integração do edifício no seu contexto.
Todas estas opções estruturais apontam no sentido de uma construção seca e leve. Assim os materiais escolhidos para configurar as habitações passam muito pela prefabricação e pela simples assemblagem dos diferentes materiais no decurso da obra. Assim para revestir as paredes interiores leves os materiais escolhidos foram uma variante de gesso cartonado (que contém uma nova tecnologia denominada Micronal PCM) e o Valchromat. O Valchromat tendo uma constituição próxima do MDF é 30% mais resistente, pode ser usado em zonas húmidas sem qualquer tipo de tratamento e faz também o próprio mobiliário. Assim este material é usado na habitação para conferir uma unidade ao núcleo funcional da casa. Todas as superfícies de cozinha, casas de banho e escadas, quer sejam pavimentos, tectos, paredes, portas ou armários são revestidas a Valchromat. No resto da casa, salas e quartos, por serem divisões que à partida requerem um maior conforto térmico é utilizado gesso cartonado dotado de uma nova tecnologia, que pretende atenuar o problema da falta de inércia térmica que os edifícios de construção leve têm. Esta nova tecnologia, denominada “Micronal Phase Change Material”, são pequenas cápsulas de acrílico colocadas no interior das placas de gesso cartonado. Estas cápsulas esféricas contêm cera de parafina que reage às diferenças de temperatura, absorvendo energia (sob forma de calor) quando todos os outros materiais a libertam e libertando-a quando todos os outros a absorvem, reduzindo assim a amplitude térmica e ganhando as habitações maior inércia e conforto térmicos.
Maquede da Estrutura do Edifício | Esc. 1:100
Dado o esforço que é construir uma parede de 60cm de betão nos núcleos de circulações, esta parede é deixada à vista dentro das habitações, para tirar dela um partido plástico e aumentando também a inércia térmica das habitações. Os vãos das habitações são sempre totais, quer quando existem pés direitos simples ou duplos, para maximizar a entrada de luz e as vistas. Ainda assim para defender as casas da exposição solar, não existem vãos rasgados directamente no alçado sul, estes existem sim mas abertos para um pátio que medeia a relação entre a casa e o exterior. A caixilharia destes vãos é de correr estando as guias sempre embutidas no tecto e pavimento para reduzir ao mínimo possível a área do caixilho e maximizar a área de vidro. O vidro é duplo de forma a melhor proteger as habitações termicamente e do ruído exterior. As guardas, sempre que necessárias, são metálicas e estão colocadas no alinhamento dos planos fixos de vidro.
Para cada habitação existem duas coretes. Na que está localizada no centro da casa junto ao alçado norte e à qual se agregam as casas de banho e as cozinhas, concentrou-se toda a tubagem que está relacionada ou necessita de Ventilação, ou seja: Tubos dos Exaustores de Cozinha; Chaminé do Esquentador/Caldeira; Tubos de Ventilação das I.S.; Tubo de Esgoto; e Tubo de Ventilação do Esgoto, terminando esta corete em chaminé na cobertura. A outra, localizada dentro dos núcleos de circulação vertical do edifício contém todos os outros sistemas: Agua, Gás, Electricidade e Telecomunicações. As Caleiras e tubos de queda (representadas em esquema na página seguinte) conduzem as águas pluviais recolhidas nos pátios e na cobertura para um depósito no piso enterrado de estacionamento. Esta água que servirá para a rega do jardim criado no interior do quarteirão e para abastecimento do espelho de água que nele existe. Este edifício cumpre a lei das acessibilidades já que respeitando o Capitulo 3 do Decreto-lei nº 163/2006, a sua tipologia base detém no piso de entrada um quarto, uma cozinha e uma I.S. •
Sistema Estrutural e Materialidade | 75
Em termos de sistemas de aquecimento e arrefecimento, a opção para este edifício é clara e consciente. Procura ser a mais ecológica possível existindo apenas sistema de aquecimento, através de radiadores embutidos na parede. Estes radiadores são aquecidos pela caldeira que recebe água préaquecida dos painéis solares térmicos presentes na cobertura. Para arrefecer as casas utiliza-se apenas ventilação natural, já que a existência de um pátio gera sombra em todas as habitações que aliada à possibilidade de ventilação transversal refresca a habitação e baixa significativamente a temperatura. No capítulo das Energias Renováveis este edifício cumpre com a lei vigente. Este edifício tem da maneira como está formalizado no momento 71 utilizadores. Estando pensado para poder variar a área construída consoante
as necessidades dos moradores é possível que este edifício aumente a sua capacidade para 88 utilizadores no máximo. Obrigando a lei à existência de 1m² de painel por utilizador, a maximização da área da cobertura permite a colocação de 48 painéis solares térmicos, com 2m² cada, totalizando uma área de 96m², maior que os 88 que a lei exigiria. A água aquecida por estes painéis é armazenada em 2 depósitos localizados na cobertura junto dos núcleos de circulação verticais.
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Planta de Cobertura
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76 | Sistema Estrutural e Materialidade
Planta GenĂŠrica de Piso
Esquema de Caleiras e Tubos de Queda sobre Estrutura do Alçado Sul
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Legenda: 1. Painéis Solares Térmicos | 2. Porta de Correr de Acesso à Cobertura | 3. Deposito Comum de Água aquecida pelos Painéis Solares Térmicos | 4. Chaminé da Corete
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Legenda: 1. Tubos dos Exaustores de Cozinha | 2. Chaminé do Esquentador/Caldeira | 3. Tubos de Ventilação das I.S. | 4. Tubo de Esgoto | 5. Tudo de Ventilação do Esgoto | 6. Conduta de Água 7. Conduta do Gás | 8. Conduta de Electricidade | 9. Conduta de Telefone e Telecomunicações | 10. Caixa de Elevador | 11. Porta Corta-Fogo | 12. Tubos de Queda
Sistema Estrutural e Materialidade | 77
Esquema de Coretes sobre Estrutura do Alçado Norte
78 | Planta Construtiva do Piso 0 da Tipologia Base Esc. 1:30
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1. Chapa Metálica de Revestimento Exterior com Isolamento Térmico (Kalzip TF 37/800) 2. Estrutura de Fixação do Revestimento Exterior 3. Dupla Camada de 12 cm de Lã de Rocha (Entre a Estrutura da Metálica da Fachada) 4. Barreira Corta Vapor 5. Placa Micronal PCM (Revestimento Interior) 6. Estrutura das Paredes Interiores 7. Lã de Rocha (6 cm) | 8. Painel de Valchromat (2 cm espessura; Cor: Antracite) 9. Parede de Betão à Vista 10. Porta de Correr em Valchromat 11. Porta de Batente em Valchromat 12. Porta de Vidro de Correr (Caixilharia Vitrocsa 3001) 13. Plano de Vidro Fixo (Caixilharia Vitrocsa 3001) 14. Guarda Metálica 15. Caldeira (Lapesa) 16. Radiador (Runtal Arte Plano HLA 220) 17. Quadro Electrico 18. Estante em Valchromat 19. Armário com três portas de Batente em Valchromat (2 cm espessura; Cor: Antracite) 20. Espelho e Cobertor dos degraus da Escada em Valchromat 21. Estrutura Metálica da Escada
Planta Construtiva do Piso 0 da Tipologia Base Esc. 1:30 | 79
Legenda:
80 | Planta Construtiva do Piso 1 da Tipologia Base Esc. 1:30
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1. Chapa Metálica de Revestimento Exterior com Isolamento Térmico (Kalzip TF 37/800) 2. Estrutura de Fixação do Revestimento Exterior 3. Dupla Camada de 12 cm de Lã de Rocha (Entre a Estrutura da Metálica da Fachada) 4. Barreira Corta Vapor 5. Placa Micronal PCM (Revestimento Interior) 6. Estrutura das Paredes Interiores 7. Lã de Rocha (6 cm) 8. Painel de Valchromat (2 cm espessura; Cor: Antracite) 9. Parede de Betão à Vista 10. Porta de Correr em Valchromat 11. Porta de Batente em Valchromat 12. Porta de Vidro de Correr (Caixilharia Vitrocsa 3001) 13. Plano de Vidro Fixo (Caixilharia Vitrocsa 3001 14. Guarda Metálica 15. Caldeira (Lapesa) 16. Radiador (Runtal Arteplano HLA 220) 19. Armário com três portas de Batente em Valchromat (2 cm espessura; Cor: Antracite)
Planta Construtiva do Piso 1 da Tipologia Base Esc. 1:30 | 81
Legenda:
82 | Corte Construtivo Longitudinal da Tipologia Base Esc. 1:30
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3. Dupla Camada de 12 cm de Lã de Rocha (Entre a Estrutura da Metálica) 7. Lã de Rocha (6 cm) 8. Painel de Valchromat (2 cm espessura; Cor: Antracite) 9. Parede de Betão à Vista 10. Porta de Correr em Valchromat 12. Porta de Vidro de Correr (Caixilharia Vitrocsa 3001) 14. Guarda Metálica 15. Caldeira (Lapesa) 19. Armário com três portas de Batente em Valchromat (2 cm espessura; Cor: Antracite) 20. Espelho e Cobertor dos degraus da Escada em Valchromat 21. Estrutura Metálica da Escada 23. Lage Colaborante (Cofragem Arclad Haircool 59S) 24. Betonilha com pendente 25. Painéis de Revestimento do Pátio (Viroc) 26. Camada Resiliente de Borracha Neuprene para isolamento acústico do pavimento 27. Betonilha Afagada 28. Viga Metalica (HEA 220)
Corte Construtivo Longitudinal da Tipologia Base Esc. 1:30 | 83
Legenda:
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84 | Corte Construtivo Transversal do EdifĂcio | Esc. 1:30
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Topo do Edifício
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1. Chapa Metálica de Revestimento Exterior com Isolamento Térmico (Kalzip TF 37/800) 2. Estrutura de Fixação do Revestimento Exterior 3. Dupla Camada de 12 cm de Lã de Rocha (Entre a Estrutura da Metálica da Fachada) 4. Barreira Corta Vapor 5. Placa Micronal PCM (Revestimento Interior) 7. Lã de Rocha (6 cm) | 8. Painel de Valchromat (2 cm espessura; Cor: Antracite) 12. Porta de Vidro de Correr (Caixilharia Vitrocsa 3001) 14. Guarda Metálica | 18. Estante em Valchromat 22. Tela de Impermeabilização | 23. Lage Colaborante (Cofragem Arclad Haircool 59S) 24. Betonilha com pendente 25. Painéis de Revestimento do Pátio (Viroc) 26. Camada Resiliente de Borracha Neuprene para isolamento acústico do pavimento 27. Betonilha Afagada 28. Viga Metalica (HEA 220) 29. Painéis Solares Termicos (SonnenKraft SK 500) 30. Caleira 31. Tubo de Queda 32. Tubo de Esgoto
Corte Construtivo Transversal do Edifício Esc. 1:30 | 85
Legenda:
Bibliografia
Publicações:
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