Arquitetura e cidade

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO DISCIPLINA: TÓPICOS ESPECIAIS:: Ministrada pelo Prof. Daniele Vitalle, Instituto Politécnico de Milão

Fragmento, Monumento, Memória: Continuidades possíveis

Aluna: Kelly Cristina Magalhães Faria Trabalho apresentado ao Programa de Pós Graduação em Arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo, como subsídio parcial para conclusão da disciplina de tópicos especiais sob a coordenação dos professores Doutores Joubert Lancha e Renato Anelli

Bauru, 14 de maio de 2007.


UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO DISCIPLINA: TÓPICOS ESPECIAIS:: Ministrada pelo Prof. Daniele Vitalle, Instituto Politécnico de Milão

Fragmento, Monumento, Memória: Continuidades possíveis

Aluna: Kelly Cristina Magalhães Faria

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo, como subsídio parcial para conclusão da disciplina de tópicos especiais sob a coordenação dos professores Doutores Joubert Lancha e Renato Anelli

Bauru, 14 de maio de 2007.

Fragmento, Monumento e memória: Continuidades possíveis. 2


Resumo Este trabalho tem o objetivo de explorar possibilidade de análise urbana, partindo de conteúdos ministrados na aula de Tópicos Especiais, pelo Prof. Daniele Vitalle. Sendo assim, percorre-se um escopo teórico centrado nos temas propostos pela disciplina, bem como sua complementaridade, em função de um recurso de bibliografias disponíveis para sua total compreensão. A investigação segue pelo repertório Rossiano da idéia de lugar, passando pelo sentido de pertencimento e de continuidade da arquitetura como o elemento que, nas palavras do professor Vitale, “inventa o lugar e conforma o território”. Tem-se como objeto de estudos, a cidade de Bauru, paisagem da região oeste do Estado de São Paulo, que conta de uma inserção muito imbricada a um território rico de vales e colinas. Num aprofundamento nos conceitos desta análise urbana, finaliza-se o roteiro para uma leitura urbana aproximando-se do caso do Edifício Brasil –Portugal, que tem sua data de projeto marcada pela década de 1960, época que suscita uma transição interessante nos padrões culturais, mais gerais, como também dos propósitos da arquitetura moderna no mundo e em especial no Brasil.

1. Continuidades possíveis: questões introdutórias “Truth is in the eye of the beholder”. Blow Up, Michelângelo Antonioni

Thomas é um fotógrafo que, cansado de sua monótona atividade e da fruição de seus afazeres, sai na rua à procura de novas imagens para sair do fatídico labor de registrar esguias modelos fotográficos de moda, típico apelo comportamental da década de 1970. O que chama à atenção, na estrutura do filme, Blow up de Michelangelo Antonioni, é justamente a exibição de um conteúdo apologético às mudanças de comportamento, marcantes nesta década, momento em que as revoluções de pequenos grupos dão forma ao contexto

rechaçado

pela

crise

de

paradigmas

resultante

dos

anos

antecedentes. Para alguns autores, essa mudança de comportamento resulta de um pulsar das ruas, através de manifestações coletivas à procura de um novo caráter para essa cultura urbana reinante e originária, no mundo ocidental, bem como da necessidade de se reconstruir tudo. O mundo material e o imaterial. O grande surto econômico que suplantara as expectativas do um quarto de século, após a segunda guerra mundial, estava chegando ao fim. Sendo assim, a sociedade ainda moderna, da década de 1970, foi forçada a viver sob a sombra de um ímpeto pelo desenvolvimento e o progresso do pensamento,

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e da máxima aceleração, e por outro lado, a fadiga e a busca por novas possibilidades de mobilidade, refrearam as formas de consolidação de propósitos mais pragmáticos. Deste contexto, então, emerge uma estado constante de busca e o desejo de “remover tudo o que vem anteriormente”, como em Nietsche “a morte de deus” ainda preconizava novas tentativas de

formulações

comportamental

de e

de

escopo futuro

cultural, para

a

arquitetura, inclusive. Thomas então ganha a rua. Como num surto, esboçando novas e diferentes visões do mundo, sinal e retrato de uma geração. A

necessidade

“comum”,

de

vista

encontrar-se

pelo

olhar

da

com

o

câmera

fotográfica, o impulsiona com um gesto mais compromissado do que o seu universo único

de

fotógrafo

de

moda.

Tal

estranheza, aquela captada pela lente, se tornará mais um exercício capaz de tirá-lo do real para defrontar-se com o universo mágico do inesperado, do desejo e do transitório. A imagem do desejo, expressa pelo ator principal, protagonizada pelo ator David Hemmings, é a de fromular um sentido de transitoriedade para suas ações cotidianas. Como num frame extemporâneo a sua culpa,

esta

marcada

pelas

exigência

culturais da sociedade. Thomas aponta para uma narrativa fechada no seu universo e num escapismo, permite-se ao personagem um entrar e sair constante do real para o imaterial, através do seu ofício particular: ser portador de um máquina fotográfica.

Figura 1: recorte de cenas do filme Blow-up, de Michelangelo Antonioni. Thomas vai ao parque para fotografar cenas urbanas.

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Assim, o observador se coloca numa situação de transitoriedade. Ele interpreta a realidade e se coloca num orbitar reinante e ao mesmo tempo volatilizante do real e do imaginário. É ao observador, Thomas, concedido o propósito de criar e recriar, através do seu olhar ou do universo dialético da forma que esse olhar assume. Thomas faz então uso da técnica de revelação da fotografia, já em seu laboratório, e imerge, num exercício incansável de aprofundar-se naquele espaço do registro fotográfico. O tema central deste ato é a fragmentação da cena, a caminho de solucionar um suposto crime; o aleatório, mas uma cena importante, a qual ele vai se dedicar por longo trecho deste célebre exemplo do cineasta de Michelangelo Antonioni.

Figura 2: Cenas do filme Blow-up: O fotógrafo Thomas volta ao laboratório e inicia uma investigação de universo não pertencente ao seu cotidiano.

Transitoriedade, fragmentação e cena, estão na mesma proximidade do fazer e construir um campo para a análise urbana, uma vez que as expectativas para o despertar de sensações novas, e aquelas ainda não percebidas, podem então colocar-se como temas possíveis para que se revele um olhar para um percurso e análise urbanos. Neste sentido, a transitoriedade, do vir-a-ser imbricado no campo do fantástico e do onírico marcam tanto a necessidade do artista sair à rua, quanto de sua disponibilidade de envolvimento do registro. A redução da escala de observação supera o fato de Thomas não pertencer àquele universo, nem à cena, nem à provável descoberta que ele mesmo faria ao longo desta parte inicial do filme. O fragmento o coloca num quadro de transitoriedade necessária para a compreensão do momento da cena e do quão enigmático se faz o real, ou a realidade da rua e do material. E aos poucos, aquilo que deveria se revelar, remove-o deste real para trazê-lo a um universo do sonho e improvável. Não se tem mais a dimensão do real, na

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medida em que parte deste é criado e recriado pelos mecanismos postos à mão do protagonista. Em Walter Benjamim, transitoriedade e fragilidade são emblemas de uma cultura ocidental, capitalista, representada pela idéia de ruína. E neste sentido, elementos da sua própria destruição. Contudo, aponta que a exemplo do caráter histórico da atitude dos dramaturgos e narradores, o fragmento significativo é também determinação objetiva para a construção poética, cujos elementos jamais se unificam em um todo integrado. Assim também, Benjamim, empregou o método mais moderno de montagem para construir, a partir de fragmentos decadentes da cultura do século XIX, imagens nas quais se tornaram visíveis “a fraturada linha de demarcação entre a natureza física e significado”. Junto disto, em Benjamim, aquilo que se aproxima do demasiadamente mítico está fadado ao fetichismo e portanto ao esgotamento desde que seja escrito. Isto posto, quando aponta que os livros tornam imortais a natureza histórica da experiência humana de inúmeros lugares, países e cidades. Imagens possíveis. É assim que Benjamim nos fornece a possibilidade de entender no fragmento as condições históricas para a consolidação do fortuito exercício da análise urbana.

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2. Sobre a investigação urbana: um caminho possível “Os lugares são sempre mais fortes que as pessoas”. Aldo Rossi, A arquitetura da cidade, 1967

Sobre a “Investigação Urbana”, Rossi apontou um caminho extremamente interessante, quando coloca que a idéia de “pontos singulares” seria uma tentativa de interpretação do lugar através da fragmentação do espaço, não indistintamente trabalhado por diversos geógrafos, entre estes, (Max Sorre e Halbwachs). Assim, a identificação destes pontos, pode ser devido a um acontecimento que se sucede naquele ponto ou que pode depender de infinitas causas, mas também será reconhecido e atribuído a estes pontos singulares, valores, por que deste se emerge uma noção de espaço e lugar. A seleção simples de um lugar a partir da “idéia de relevo, dentro do espaço indiferenciado,

condições,

qualidades

que

não

são

necessárias

para

compreensão de um fato urbano.” Assim, o fragmento se aproxima contumaz da idéia de lugar, portanto de uma cultura histórica. O gênio dos ambientes, como antecipou Focillon, fala de lugares psicológicos que então impulsionam a interpretar um valor da paisagem artística como uma “arte do lugar”, esta, segundo

Foncillon,

a

propriedade

do

passado

conforma

mitos.

É

a

interpretação dos mitos possíveis e reconhecíveis no espaço da cidade que permite a maneira aproximativa com que se chega a universo de um real também possível. A idéia do lócus, será no curso dos trabalhos desenvolvidos por Rossi, expressões do mundo clássico. Assim afirma, “A eleição de um lugar para uma construção concreta como para uma cidade, tinha um valor preeminente no mundo clássico, A situação, o sítio, estava governado pelo Genius loci, pela divindade

local,

uma

divindade

precisamente

do

tipo

intermediário que presidia quando se desenvolvia num mesmo lugar” Rossi, A arquitetura da cidade, página 185 O Genius loci é evidentemente uma divindade mítica particular que habita um determinado sítio e a quem a obra de arquitetura põe como manifesto. A tarefa da arquitetura está sempre ancorada em algo previamente existente. A geografia e a história se dão a mão no lugar em que, deste modo, determina de maneira precisa, a idéia geral de espaço e do tempo. A noção de lugar

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corresponde

a

uma

concepção

que

continuidade

ao

processo

da

arquitetura. Sua vocação é a de servir a descoberta do que já existe, previamente, como um fundo permanente do qual a arquitetura ilumina raízes, traços e formas. Rossi foi o responsável pela introdução da noção de lugar como categoria central para a definição da arquitetura. A arquitetura então seria um contínuo retorno aos arquétipos, de formas permanentes e imutáveis que constituem sua identidade. A arquitetura da cidade é uma reivindicação da permanência histórica da própria cidade. Assim, um interminável jogo estrutural entre tipos (edificados e formas construídas) e a imagem destes elementos estão em constante interação, de modo que o objetivo fundamental de seu trabalho é a apresentação de uma idéia, como jogos de figuras. Sendo assim, o contexto de anti-utopismo que advertia o pensamento e a teoria da arquitetura nas décadas de 1960 e 70, resulta de um exercício de opostos. Esta busca do refúgio na história com o fim de redefinir esta disciplina, começa-se a resgatar temas como memória, a tipologia e a morfologia das cidades. É possível, que neste caminho percorrido até o presente momento, possa-se estabelecer como ordem de um discurso para a análise urbana uma eleição do fragmento, mas tornar esta a parte significativa da permanência, por que se recorta uma concepção única da realidade e uma definição imóvel da cidade, mas através do monumento se pode propor falar de Arquitetura e Cidade. 2.1 Ainda o paradigma moderno da leitura da arquitetura: por uma arquitetura Uma leitura lecorbusiana do projeto na atualidade. Sobre o volume Le Corbusier irá defender uma clareza e simplicidade na escolha das formas geométricas, argumentará que as formas puras (cubo, cilindro, esfera e derivados) têm sua volumetria valorizada através das condições de luz e que desta interação, volume luz, quando criando condições favoráveis de leitura deste sólido se teria o belo. Criticará também os arquitetos ecléticos por recobrirem as formas puras, tais como as já citadas, com toda a sorte de ornamentações, o que dificultaria a leitura deste mesmo sólido, distanciandose assim da noção moderna de belo.

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Quanto à superfície, Le Corbusier defende a geometrização da arquitetura, fazendo menção de como os engenheiros americanos trabalham com geratrizes para a superfície e que os arquitetos do ecletismo temem a utilização de geratrizes que possam resultar em superfícies que revelem a forma. Além disto irá construir um discurso com o objetivo de “glorificar” a racionalidade dos engenheiros americanos, “que por azar”, têm suas belas soluções

estruturais

e

volumétricas,

baseadas

em

cálculos

precisos,

escondidas pela decoração dos arquitetos americanos. Já no tocante à planta sua defesa irá no sentido de ter a planta como a própria geradora da arquitetura, é ela quem vai organizar a criação arquitetural afastando-a assim da desordem vigente, na sua opinião, no período do ecletismo. Esta organização do espaço através da planta se dará de forma a estabelecer um processo cartesiano-taylorista de resolução, onde a partir de um programa os espaços são pensados respeitando estritamente a sua funcionalidade. Apesar dos elogios à técnica arquitetural americana, Le Corbusier reservará a mesma uma crítica, que é feita a partir da comparação com o exemplo romano. Le Corbusier argumentará que tanto os romanos quanto os americanos, além de outras similaridades, cometem o mesmo erro ao esconder suas belas soluções estruturais com uma decoração à maneira do ecletismo no caso americano e à maneira do grego tardio no romano. Sua crítica, ainda aos arquitetos do ecletismo, terá como ponto de partida o fato de que na sua opinião os mesmos não levaram em consideração o advento da máquina em sua ação projetual. Máquina que para Le Corbusier será todos os artefatos industriais portadores da tecnologia digna de fazê-los pertencer à modernidade, avião, transatlântico e carros. Insistirá na leitura de que estes produtos da indústria são frutos de uma apurada busca de eficiência, deixando claro que em ambos nada existe por acaso, tudo tem uma função específica e, por conseguinte, um porquê de existir, deixando subentendido que toda a decoração eclética é por sua vez insana. Concomitante a este processo de crítica ao ecletismo, Le Corbusier fará também a defesa da industrialização da construção civil. Disto retirará a justificativa para que todos os arquitetos passem a pensar maneiras de se projetar casas em série, pensadas e executadas como se estivessem em uma

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linha fordista de montagem. Acontece que esta mesma linha de montagem também teria que fazer o homem ideal para residir em tais casas, coisa que Le Corbusier também solicitará dizendo “É preciso criar o estado de espírito da série... O estado de espírito de residir em casas em série”. Feito a defesa da arquitetura dos engenheiros americanos e dos seus arranhacéus, Le Corbusier tomará a verticalização das cidades como uma das formas de organizar o caos urbano então reinante. Terá como ponto de partida a teoria da cidade torre enunciada por Auguste Perret, aliando este conceito às possibilidades construtivas do concreto armado proporá a liberação do solo urbano através dos pilotis, ou da superação do solo em relação á topografia. Uma apologia da década de 1920, mais precisamente na paris do início do século, que Le Corbusier faz ainda, uma descrição de como a industrialização e o uso do concreto armado puderam dinamizar o processo de produção da arquitetura. Aponta a perspectiva de mostrar como o concreto, usado desde o mais ao menos plástico, poderá facilitar e dar mais rapidez na construção descreverá, assim, os primeiros elementos da estrutura pré-fabricada tão em uso na arquitetura contemporânea. Uma vez estabelecido um novo paradigma arquitetônico, restava então estabelecer um para o urbanismo, neste caso Le Corbusier propõe em substituição da disposição das cidades baseadas numa planta que faz uso da quadra e da rua corredor. O embrião do que viria a ser no futuro a unidade de vizinhança, que será desenvolvida no livro “Planejamento Urbano”. Como preceito básico para se alcançar o belo, Le Corbusier irá propor o traçado regulador, que tem como princípio as regras da geometria, proporções áureas etc, ele irá inclusive recorrer a exemplos históricos de arquitetura, tidos pela grande maioria dos críticos como exemplos de belo e a partir de um método, comprovar a existência de uma certa ordem de composição presente nestes exemplos. E então conclui: “A sociedade deseja fortemente uma coisa que ela obterá ou não. Tudo está aí; tudo depende do esforço que se fará e da atenção que se concederá a esses sintomas alarmantes.”

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3. Arquitetura e cidade: uma leitura possível. “No es necesario que lo verdadero tome siempre cuerpo, es suficiente com que aletee alreddedor, como si fuera um espíritu y que provoque uma suerte de acorde; como cuando el tañido de uma campanha suena amistosamente aportandonos um poço de paz” Goethe, in Heidegger, Martin. Die Kunst und der Raun, Erker Verlag, St. Gallen, 1969.

A via sagrada, o caminho que através de longa extensão acolhia tumbas de ambos os lados, na antiguidade, era símbolo da morada dos deuses. Ao longo deste uma sucessão de espaços construídos e também vazios, representados por pequenos fragmentos da paisagem celestial, assumindo a condição de vazio. Todos os elementos se distribuíam através de uma distribuição teatral. A visão do caminho, e do caminho até o horizonte, as novas barreiras visuais que estruturavam e os muros. Entre todos os elementos um geometria dispõese como uma matriz racional materializando e presença física dos elementos naturais. Assim, desde a antiguidade o físico e o significado entrelaçaram-se na composição de enigmas espaço-temporais. Sob o tema da espacialidade construído e seu legado histórico, pressupõe-se que os modernos partiram do conhecimento dos clássicos, de uma maneira ou de outra e é neste momento que uma teoria do espaço arquitetônico se funda, quer na arquitetura, ou até pode-se considerar que esta emerge das artes plásticas e outras formas de arte. A exemplo disto, o cubismo, dentre as vanguardas artísticas seria aquela que aportou grande parte de suas discussões pela matemática e, portanto, aproximou-se de outras formas de compreensão do mundo contemporânea, ou pela física, através da teoria da relatividade de Einstein. Este processo de aproximação, com tais disciplinas, acarretou

tais

avanços

à

compreensão

da

relação

espaço-tempo

em

arquitetura e de certa forma esta investigação se que inicia aqui possibilita a inserção de várias visões para uma delimitação da análise e leitura urbana. Insere-se no contexto dos estudos tipológicos a alternativa a decomposição de um material histórico a fim de descobrir a originalidade do construído, sem contudo partir de um processo de projeto do arquiteto aqui estudado, assim a intuição será o condimento mais importante para a análise do projeto do edifício Brasil-Portugal, situado na Avenida Nações Unidas, quadra 11, na cidade de Bauru, Estado de São Paulo.

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3.1 O terraço urbano: um entendimento espaço-temporal da arquitetura. “A tipologia expressa o caráter figurativo da cidade” Prof. Daniele VItalle

Figura 3: Mapa de localização do Edifício Brasil-Portugal, na estrutura da cidade de Bauru, Estado de São Paulo.  Rua Araújo Leite_ marco inicial da cidade passagem de mercadores.

 Avenida Nações Unidas _ Avenida que teve melhoramentos na década de 1960  Avenidas Rodrigues Alves e Duque de Caxias

Já foi destacada aqui neste trabalho, a importância da definição do Genius loci para o pensamento da arquitetura em meados da década de 1960 e 1970 e seu caráter revisionista, mas também do quanto avançaram as maneiras de interpretar a arquitetura desde então. Também faria sentido inserir dois outros termos, pelos quais a arquitetura clássica foi estudada ao longo dos séculos. O primeiro,

Topos,

cujo

significado

remonta

então

à

mitologia

clássica,

referindo-se ao “lugar habitado por deuses” (STEENBERG, 2001: 19). E como lugar sagrado, aproxima-se do onírico e por vezes do labiríntico. Como oposição o Locus, “é o motivo mítico em forma de cruz, típico da fundação de uma cidade e da trama primeira dos cultivos romanos” (STEENBERG, 2001: 19). Assim, toda cidade é, de certa maneira, ficcional, ou contém traços de ficção, por se tratar de um emaranhado de construções que nos atingem e, a partir das quais, abstraímos outras construções, imaginárias. As cidades criadas pela cinematografia normalmente trazem esta fantasia à tona, e exploram

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situações extremas de catástrofes, sobre o destino da humanidade, e muitas outras. E ao observar o traçado urbano e as estruturas principais da cidade, que aqui se coloca como objeto de estudos, veremos que um desenho da cidade da antiguidade é estampado em meio ao seu sítio natural. O traçado ortogonal foi o ordenamento mais comum nas cidades do oeste paulista e no caso desta cidade não foi diferente. Assim também, e igualmente importante, nota-se o traçado que deu origem às primeiras ruas definidas pelos ditames da Câmara de Vereadores, em meados do século XIX. Frequentemente o traçado em cruz caracterizou um gesto cristão de demarcação do território, e neste sentido, apoiava-se no domínio do terra e consolidação de um sistema de poder sobre este espaço. Pode-se entender, desta forma, que uma estratificação da paisagem concorda com formas diversas de imposição de culturas variadas sobre o espaço. Respectivamente, A paisagem natural, aquela dotada de processos agrícolas e a arquitetura, correspondem a períodos com distinto grau de civilidade, sendo a arquitetura a etapa dotada de maiores feições deste caráter. Para o prof. Danielle Vitalle, o espaço não é resultante formal de uma única cultura, ou grupo presente neste espaço, senão de uma diversidade de formas de interação de alteração do espaço ao longo de sua história. Dentre as formas de análise pretendidas para este trabalho, inicia-se tomando a

topografia

como

correspondente

primeira

da

natureza

técnica

das

intervenções humana no espaço. Sendo assim, torna-se fundamental a compreensão da implantação do objeto de análise num território e suas marcas. No mapa acima (Figura 03), em cor amarela, marca a rua Araújo Leite, que foi originalmente o caminho de passagem para o estado do Mato Grosso. É assim que demarca o sentido Norte-sul e orientação do desenho do restante do tecido urbano. À leste deste importante eixo, em azul no mapa, vemos a presença do Rio das Flores, onde desde a década de 1960 um grande projeto urbano comprometeu-se a canalizar e retificá-lo. Observa-se no círculo que a implantação do edifício a ser analisado aqui, subverte a ordem estabelecida por esta lógica entre os elementos da estrutura urbana principal. O arquiteto abre mão deste ordenamento para que se

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coloque um conjunto de elementos urbanos novos, distribuídos entorno do edifício aqui analisado.

Figura 4: Noção da topografia em relação ao entorno do edifício. Inserção urbana na

quadra, unidade de referência da análise urbana.

Na

imagem

permanência

acima, de

nota-se

um

a

inflexão

da

topografia para que se estabeleça uma idéia de continuidade. A cota que se mantém cria um espaço e define o corpo principal do edifício, que se eleva na parte posterior a que vemos nesta imagem.

Na

continuidade

deste

elemento, aparece a praça , como um terraço urbano. Um pequeno círculo, situado à frente do edifício, orienta a passagem de pedestre e a estrada de veículo na parte principal do edifício. Neste mesmo sentido podemos ver um compromisso

com

a

repetição

elementos

arquitetônicos

de que

apresentam-se num congraçamento do objeto

arquitetônico

natural. paisagem

Pode-se natural,

com

concluir e

seu

sítio

que

a

paisagem

Figura 5. Imagens

do edifício e elementos urbanos da arquitetura.

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construída se fundem, neste sentido, criando uma espacialidade nova e uma nova possibilidade de relação do entorno edificado. A linha demarcada sobre a fotografia, delimita a declividade predominante da Avenida Rodrigues Alves, acesso leste do Edifício e de entrada de carro. No entanto marcam, conjuntamente, topografia e elementos arquitetônicos, uma premente organização do sítio, embora me parte o rejeite, por sugerir uma subversão em sua implantação. Assim, natural e artificial se fundem como sentido duplo da leitura do espaço do projeto (e sua subjetividade) e o certamente físico. Esta discussão no sentido dúbio da inserção de um elemento urbano como monumental para o contexto urbano analisado. Há um conjunto de sinais que dão forma à maneira com que o elemento pousa o centro deste complexo de linhas urbanas. O uso de um sentido racional parece ser dotado de curiosamente imaginativo. Oportunidade teórica para subjugar a sinuosidade

do

terreno

e

das

características naturais, recusando-as para

assumir

novamente.

a

ortogonalidade

Para

Vitalle,

“a

arquitetura sempre se separa de suas motivações originais.” E seguramente os

princípios

constitutivos

deste

cenário são diversos e possibilitam diversas interpretações. É possível então obtermos destas imagens o que de marcante existe. As linhas de força retornam ao tecido original.

Supõe-se

que

a

malha

ortogonal apareça na modulação de plano e volumes, cheios e vazio, que

Figura 6: Percurso externo no edifício

Fragmento, Monumento e memória: Continuidades possíveis. 15


aparecem como características definidoras dos planos de fechamento da volumetria principal.

Na planta vemos a relação entre o aspecto funcional

e

a

estrutura.

A

racionalidade

aparece como efeito desta relação entre aspectos plásticos e volumétricos do território e como se apresenta ao arquiteto. O edifício pousa sobre uma grande praça que se configura de diversas maneiras, do ponto de vista

formas,

da

riqueza

de

elementos

urbanos, da leveza e generosidade para com o sítio natural. Bem

como,

pode-se

notar

que

estes

elementos urbanos entram em conjunto com outros equipamentos urbanos. Duas praças com programa tipo das década de 1960: fonte

luminosa,

calçamento

em

mosaico

Figura 7: Elementos urbanos

Fragmento, Monumento e memória: Continuidades possíveis. 16


português são também integrantes do projeto. Na extremidade posterior, portanto no acesso oeste, aparece um novo tipo de „terraçamento’, que corresponde ainda à cota principal da topografia e se abre numa grande praça que estabelece um afastamento do edifício do solo. Do ponto de vista funcional, vemos as garagens na parte inferior e uma pequena praça coberta, aonde pode-se ver o ritmo dos pilares modulados. Assim também, as texturas revelam a capacidade de se explorar materiais que aparecem em outras construções nas imediações do edifício. Desta

forma

edifício

pelo

pode-se seu

entender

caráter

que

o

monumental,

torna-se importante elemento e de fato congratula com acidade tornando-se um relevo urbano pertencente à cidade. Nas palavras do Prof Vitalle “ um ponto fixo, uma emergência um porto de sua estrutura de sua formação e significado coletivo” Fato que

aporta

uma

contradição.

Não

apenas na cidade tecido e monumento, mas há também a cidade criada para a análise das partes. Para

o

Prof.

Vitalle,

este

mesmo

monumento tem a capacidade de organizar o pensamento sobre a cidade e definir-se como a identidade e memória cultural, por seu

valor

comunidade.

emblemático Porém

a

para

uma

sistema

de

significado encontra um sentido duplo, que não o explica como também sugere uma outra

possível

permanência

leitura.

colocada

A pelo

idéia

de

conteúdo

teórico, aponta dois estados: o monumento e o plano. Isto coloca-se então como possibilidades

novas

de

investigação

o

Figura 8: Acesso oeste ao edifício. Terraço urbano posicionado na porcão oeste do edifício.

mundo da arquitetura e grande e vago e é tudo geografia.

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