Material didático História Indígena

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A CONSTRUÇÃO DO “NOVO MUNDO”

“Dias passados bastante amplamente te escrevi da minha volta daqueles novos países, os quais com a armada e com as despesas e mandado deste sereníssimo rei de Portugal procuramos e descobrimos; os quais Novo Mundo chamar é lícito, porque entre os antepassados nossos de nenhum deles se teve conhecimento, e a todos aqueles que isso ouvirem será novíssima coisa, visto que isto a opinião de nossos antepassados excede, uma vez que a maior parte diz que além da linha equinocial para o meio-dia não há continente, só o mar, ao qual Atlântico chamaram; e se algum entre eles ali continente afirmou e aquela ser terra habitável, por muitas razões negaram. Mas esta sua opinião ser falsa e à verdade de todos os modos contrária, esta minha última navegação atestou, visto que naquelas regiões meridionais o continente descobri, habitado de mais frequentes povos e animais do que a nossa Europa, ou Ásia, ou África, e ainda o ar mais temperado e ameno que em outras regiões de nós conhecidas, como as principais escrevemos e as coisas mais dignas de anotação e de memória, as quais por mim ou vistas ou ouvidas neste novo mundo. ”

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(Carta atribuída a Américo Vespúcio, escrita a Lourenço de Médici em torno de 1503, em Américo Vespúcio, Novo Mundo: cartas de viagens e descobertas, p.89)

“ Vi a chegada dos portugueses em Pernambuco e Potiú (...) De início, os portugueses não faziam senão traficar sem pretenderem fixar residência. Nessa época, dormiam livremente com as raparigas, o que os nossos companheiros de Pernambuco reputavam grandemente honroso. Mais tarde, disseram que nós devíamos acostumar a eles e que precisavam construir fortalezas, para se defenderem, e edificar cidades para morarem conosco. E assim parecia que desejavam que constituíssemos uma só nação. Depois, começaram a dizer que não podiam tomar as raparigas sem mais aquela, que Deus somente lhes permitia possuí-las por meio do casamento e que eles não podiam casar sem que elas fossem batizadas. E para isso eram necessários paí [ isto é, padres]. Mandaram vir os padres; e estes ergueram cruzes e principiaram a instruir os nossos e batizá-los. Mais tarde afirmaram que nem eles nem os pais podiam viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem. E, assim, se viram constrangidos os nossos a fornecer-lhes. Mas não satisfeitos com os escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e acabaram escravizando toda a nação; e com tal tirania e crueldade e trataram, que os que ficaram livres foram, como nós, forçados a deixar a região. ” (Discurso de Momboré-uaçu, um ancião tupinambá, na ilha de São Luís reproduzido pelo francês Claude d’Abbeville na História da Missão dos padres Capuchinhos.)

“ATÉ QUE ENFIM ALGUÉM VEIO ME DESCOBRIR! ” Epígrafe do dia 12 de outubro de 1492 num imaginário Diário Íntimo da América.

Palavras-chaves: Populações indígenas; diversidade; construção histórica; cultura; oralidade.

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EMPESTADE DE IDEIAS

Antes de falarmos sobre como a Expansão Ultramarina Portuguesa, seus diversos fatores e agentes históricos participantes desdobrou na criação de um novo continente: a América e a criação de novos países (dentre ele, o Brasil), vamos conversar um pouco sobre o que sabemos sobre a ocupação deste território antes da chegada dos portugueses através da expansão marítima na época. 2


1. O que você sabe sobre os povos que habitavam a América antes dos europeus? E o Brasil? 2. Você conhece a história dos povos nativos? 3. Como foi o encontro entre povos nativos e “descobridores”? 4. Como os povos nativos lidam com os “descobridores”? 5. Como vivem os povos nativos hoje em dia? Lembrando que não existe certo e errado neste primeiro momento, mas essa tempestade é um ponto de partida para entendermos o processo histórico de criação da América e evidentemente, do nosso país. Para nos ajudar a pensar e estudar esse processo histórico, vamos analisar representações da época e da atualidade para compreender os desdobramentos desse processo histórico e entender o que tudo isso tem a ver conosco AGORA, no presente, no século XXI.

O que é ser indígena? “Eu vou contar uma história bem rápida que um colega meu, ia fazer uma entrevista parecida com essa aqui mais ou menos, e eu estava observando dentro de uma aldeia e aí na hora que ia começar a gravação, o rapaz que estava gravando não era indígena e era totalmente desavisado sobre as questões indígenas e isso é engraçado, porque na hora que ele falou assim “pode começar a falar” aí o telefone do meu parente tocou e aí ele falou “ Não. Espere aí que eu vou atender” aí ele atendeu o telefone e na hora que ele terminou de atender, o rapaz que estava entrevistando perguntou assim “Ué, mas você não é índio? Como é que seu celular toca, e você atende o celular e tem celular? “ Aí esse meu camarada, colega, parente, olhou para o rapaz e falou assim “ se você acha que eu não posso usar celular nós vamos ter que estabelecer um regime aqui e você não vai poder comer mamão, nem maracujá, nem farinha, nem açaí, nem peixe assado. Você não poder tomar banho todos os dias, e por favor não use a palavra Brasil porque essa palavra é nossa, do nosso povo! Então se você acha que as relações devem se dar nesse formato, vamos estabelecer aqui os limites de maneira regimental” Eu acho que essa fala é interessante porque o que eu estou dizendo é o seguinte “ a sociedade precisa brasileira tem que saber o que é ser indígena e desmontar a 3


generalidade. O meu parente Daniel gosta de brincar que índio é o metal, né? Quem tiver dúvida vai lá na tabela periódica, tem um metal chamado índio que tem número atômico, massa atômica, e eu não sou isso, né? Então assim, o povo brasileiro precisa saber que no Brasil, existem mais de 300 povos indígenas, falantes de quase 200 línguas diferentes além da língua portuguesa, obviamente. Então é uma diversidade muito grande que o brasileiro pouco conhece e que precisa conhecer e que a literatura brasileira indígena certamente tem e terá a função de informar a sociedade brasileira esse jeito de ser essa diversidade indígena, essa riqueza grande, né? Que para o Brasil tem sido motivo de tristeza porque dizem que o indígena atrapalha o desenvolvimento, de que o indígena é atrasado, e a literatura então tem que mostrar o inverso disso. ”

“A MELHOR RESPOSTA AO PRECONCEITO CULTURAL CONTRA OS INDÍGENAS”. In: Guerrilha vídeos1. 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jiRnlNWvKgM> Acesso em: 25 de junho de 2018.

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PRIMEIRAS REPRESENTAÇÕES

Figura 3: Gravura pintada em 1505 por Johann Froschauer, uma das primeiras imagens do Brasil. A

representação

dos

indígenas com traços europeus, podem evidenciar algo comum para época. Muitos ilustradores da época se baseavam em relatos para retratar as imagens do Novo Mundo.

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 ATENÇÃO AO CONCEITO

ANTROPOFAGIA Antropofagia é a ação de comer carne humana, o que entre humanos é também conhecido como canibalismo. A antropofagia era praticada em rituais esotéricos como forma de quem come incorporar as qualidades do indivíduo que é comido, como a bravura e a coragem de um guerreiro derrotado.

É preciso se atentar para não classificar os povos indígenas como canibais, mas perceber a característica ritualística e espiritual do ato de comer seus prisioneiros, portanto, para não criar uma imagem equivocada, classificamos essa ação de antropofágica.

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Figura 3: Quando os colonizadores chegaram ao Brasil, várias tribos indígenas eram inimigas entre si. A gravura de Theodore de Bry, de 1593, registra um episódio de combate entre elas. Domínio público. In: Duas Viagens ao Brasil, de Hans Staden Fonte: <http://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/estude/historia-do-brasil/americaportuguesa/79-as-feitorias-e-a-colonização-acidental/8723-sociedades-indígenasbrasileiras-no-século-xvi

A QUESTÃO DA GUERRA PARA OS INDÍGENAS A guerra indígena pode ser vista como uma troca, levando em consideração a importância de qualquer experiência humana. É considerada essencial para a continuidade dos ritos antropofágicos, uma forma de assegurar o funcionário das instituições. A mesma pode ser vista como um ambiente essencial para a manutenção da cultura

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A diversidade dos povos indígenas

Figura 4: o mapa demonstra a diversidade de nações indígenas, demonstrando assim que as populações nativas são diversas, desconstruindo o estereótipo que reduz a complexidade dos povos originários do território. Fonte: < https://www.dicionariotupiguarani.com.br/mapas/>

É preciso se atentar para a diversidade de nações indígenas brasileiras, há mais de 300 etnias e mais 200 línguas dos povos nativos faladas no Brasil, além da Língua Portuguesa.

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GRAFISMOS INDÍGENAS

O grafismo indígena é um código de comunicação pela qual comunica aspetos sociais como a quantidade de filhos, o estado civil, ou simbolizam a localização, como: “ homem longe de casa” e etc.

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Grafismos dos Kayapรณ.

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Os grafismos não são os mesmos para todas as etnias, cada comunidade indígena possui suas pinturas e seus respectivos significados. Os grafismos nas imagens acima são dos Kayapó.

Grafismos dos Pataxós.

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PANORAMA

O INDÍGENA FICOU NO PASSADO? A intensa participação das populações indígenas na Constituinte de 1988.

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Feira livre de artesanato indĂ­gena na Arena dos Jogos Mundiais dos Povos IndĂ­genas em 2016.

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OFICINA

Agora depois de conhecermos nossas ferramentas, as diversas fontes acerca da temática proposta neste capítulo, iremos retomar e sistematizar o conhecimento histórico construído a partir das discussões propostas no decorrer do capítulo.

1. (ENEM – 2015) A língua de que usam, por toda a costa, carece de três letras; convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e dessa maneira vivem desordenadamente, sem terem além desta conta, nem peso, nem medido. GÂNDAVO, P. M. A primeira história do Brasil: história da província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2004 (adaptado).

A observação do cronista português Pero de Magalhães Gândavo, em 1576, sobre a ausência das letras F, L e R na língua mencionada demonstra a: a) simplicidade da organização social das tribos brasileiras. b) dominação portuguesa imposta aos índios no início da colonização. c) superioridade da sociedade europeia em relação à sociedade indígena. d) incompreensão portugueses.

dos

valores socioculturais indígenas pelos

e) dificuldade experimentada pelos portugueses no aprendizado da língua nativa. 2. Eram características dos indígenas nativos do Brasil na chegada dos portugueses, em 1500: a) a obtenção de recursos baseada na coleta, caça e agricultura. b) a existência de apenas um idioma comum a todas as tribos. 15


c) a existência de grandes cidades, como a dos astecas. d) a ausência de artesanato.

3. (ENEM – 2016) TEXTO I Documentos do século XVI algumas vezes se referem aos habitantes indígenas como “os brasis”, ou “gente brasília” e, ocasionalmente no século XVII, o termo “brasileiro” era a eles aplicado, mas as referências ao status econômico e jurídico desses eram muito mais populares. Assim, os termos “negro da terra” e “índios” eram utilizados com mais frequência do que qualquer outro. SCHWARTZ, S. B. Gente da terra braziliense da nação. Pensando o Brasil: a construção de um povo. In: MOTA, C. G. (Org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). São Paulo: Senac, 2000 (adaptado).

TEXTO II Índio é um conceito construído no processo de conquista da América pelos europeus. Desinteressados pela diversidade cultural, imbuídos de forte preconceito para com o outro, o indivíduo de outras culturas, espanhóis, portugueses, franceses e anglo-saxões terminaram por denominar da mesma forma povos tão díspares quanto os tupinambás e os astecas. SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005.

Ao comparar os textos, as formas de designação dos grupos nativos pelos europeus, durante o período analisado, são reveladoras da: a) concepção idealizada do território, entendido como geograficamente indiferenciado. b) percepção corrente de uma ancestralidade comum às populações ameríndias. c) compreensão etnocêntrica acerca das populações dos territórios conquistados. d) transposição direta das categorias originadas no imaginário medieval. e) visão utópica configurada a partir de fantasias de riqueza.

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PARA SABER MAIS Índios no poder

Mario Juruna, único índio parlamentar na história do país, não consegue se reeleger para a Constituinte (1987/88). Sem representante no Congresso Nacional desde a redemocratização, as nações indígenas sofrem ataques aos seus direitos constitucionais pela bancada ruralista. O cacique Ládio Veron, filho de liderança Kaiowa e Guarani executado na luta pela terra, lança candidatura a deputado federal nas eleições 2014 sob ameaças do agronegócio Disponível em <://www.youtube.com/watch?v=yJvBA3J_mFM>

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Uma história de amor e fúria

Uma História de Amor e Fúria é um filme de animação brasileira, do gênero ficção científica, escrito e dirigido por Luiz Bolognesi. O filme é 18


produzido pela Gullane e Buriti Filmes, com a coprodução da Lightstar Studios Um índio guerreiro imortal vê 600 anos do passado e do futuro do Brasil enquanto procura a alma perdida de sua amada. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=KtxXbBDotrM>

Pajemara

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BFzv0UhHcS0 > Um índigena é pego numa torrente de experiências estranhas, revelando mistérios de tempo e espaço. Um indígena frente ao que se convencionou a chamar de progresso, frente a construção de rodovias, de usinas e como tudo aquilo invade seu espaço sagrado o colocando em uma situação perplexa.

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BIBLIOGRAFIA:

FUNARI, Pedro Paulo, PINÕN, Ana. A temática indígena na escola: subsídios para os professores. São Paulo: Contexto, 2011. SIQUEIRA, Lucília. O nascimento da América Portuguesa no contexto imperial lusitano: considerações teóricas a partir das diferenças entre historiografia recente e o Ensino de História. Paraná, 2013. FUSTO, Carlos. Dá inimizade de forma e simbolismo a guerra indígena. BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto á Avaliação. In. Para uma educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (cied) / Instituto de Educação e Psicologia. Universidade do Minho, 2004. ÍNDIOS NO PODER. Rádio Yânde 2015. 21 minutos Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yJvBA3J_mFM>. Acesso em: 24 de junho de 2018.

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