revista bimestral de divulgação
científica | tendências | produtos | casos de sucesso | comportamento número 3 - junho/julho 2012 - www.brasileiros.com.br
pesquisa
EMBaLaGEnS ´ CoMESTivEiS cientistas estudam formas de proteger alimentos sem prejuízo ambiental
entrevista
inovação? luiz carlos moraes rego, professor da FgV, explica
R$ 9,90
9 772238 241005
ISSN 2238-2410
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agronegócio
vESPaS PaRa o CoMBaTE DE PRaGaS Empresa desenvolve método contra os temidos agrotóxicos
sacolas de Jornal | um comPutador contra hitler | o sucesso das havaianas
Diretor Hélio Campos Mello Responsável heliocm@brasileiros.com.br Diretora de Patricia Rousseaux Planejamento patricia@brasileiros.com.br Gerente Eliane Massae Yamaguishi Administrativa eliane@brasileiros.com.br Gerente Marcio Lima Financeiro marcio@brasileiros.com.br Gerência de Jéssica Panazzolo Circulação jessica.panazzolo@brasileiros.com.br Gislaine de Oliveira gislaine@brasileiros.com.br Gerente do Banco Rosângela Paranhos de Dados rosangela@brasileiros.com.br Secretária Gessyka Santos gessyka@brasileiros.com.br Diretor João Queiroz Comercial joao.queiroz@brasileiros.com.br Gerência Simone Puglisi Comercial simone.puglisi@brasileiros.com.br Executivo Carlos Gussoni de Contas carlos.gussoni@brasileiros.com.br Assistente Caio Chagas Comercial caio.chagas@brasileiros.com.br Copeira Irani Estrela Dantas
inovação!Brasileiros
A Revista Bimestral de Inovação
Diretor Hélio Campos Mello Editorial heliocm@brasileiros.com.br Diretora Patricia Rousseaux de Planejamento patricia@brasileiros.com.br Redatora-chefe Fernanda Cirenza Coordenadora Cândida Del Tedesco Editorial Revisora Lilian Brazão Produtora Camila Picolo Fotográfica Diretora de Arte Dorien Barretto Ilustrador Marcelo Cipis Chefe de Arte Edson Cruz Assistente de Arte Marcelo Miliozzi e Produção Gráfica
Assinaturas assinatura@brasileiros.com.br A revista INOVAÇÃO!Brasileiros é uma publicação bimestral da Brasileiros Editora Ltda.
inovação | colaboradores | número 3|junho julho 2012|www.brasileiros.com.br Marleine Cohen, repórter
foto: Bruno Kepper
BRASILEIROS EDITORA LTDA.
Começou como repórter de meio ambiente nas redações do Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo. Depois, enveredou para o mundo literário. Em 2004, lançou seu primeiro trabalho biográfico, JK, Presidente Bossa-Nova (Globolivros). É também autora de Sim, Sou Eu, Alberto, sobre Santos-Dumont, e O Peregrino da Fé, a Cruzada de João Paulo II pelos Caminhos do Evangelho, da mesma editora, entre outros. Nesta edição, as reportagens são sobre as embalagens comestíveis e sobre o protótipo automobilístico ecológico.
Diego Rousseaux, fotógrafo Nascido em Buenos Aires em 1961, é paulista por adoção e mora definitivamente em São Paulo desde 2001. Há mais de 30 anos, segue a carreira de fotógrafo. É cozinheiro por hobby e totalmente engajado em tecnologia. Não gosta de futebol, mas adora assistir a um jogo de rugby e a uma luta de box e não dispensa um bom filme. Nesta edição da Inovação!Brasileiros, Rousseaux produziu a imagem que ilustra a nossa capa e a que está na abertura da reportagem sobre embalagens comestíveis de frutas, verduras e legumes.
Alice Sosnowski, repórter Iniciou a carreira na primeira editoria de internet do jornal O Estado de S. Paulo. Formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, com especialização na PUC-SP e Fundação Getulio Vargas, trabalhou em veículos de mídia digital e se especializou em tecnologia e inovação. Há três anos, escreve para o blog O Pulo do Gato, que tenta desvendar o comportamento inovador de empreendedores. Aqui, entrevistou Luiz Carlos Moraes Rego, professor da FGV, e conta também como funciona uma indústria de insetos.
André de Oliveira, repórter Aos 23 anos, já trabalhou na redação da revista Carta Capital, escrevendo para as publicações de educação da editora. Morou em Londres durante um ano, onde trabalhou na Jungle Drums, revista de cultura latino-americana. Também passou pela Brasileiros e ficou um ano no site da editora. Ele é daquela geração que não consegue nem se lembrar da primeira vez em que usou a internet. Isso não quer dizer que não se espante mais com a web. Para esta edição, vasculhou todos os cantos da Casa de Cultural Digital.
Daniel Pera, fotógrafo
SELO FSC
INOV_Colaborador_Cartas.indd 8
Corintiano, é apaixonado por feijoada e caipirinha. Formado em fotografia pela Escola Panamericana de Arte, iniciou a carreira como fotojornalista no jornal Diário de Suzano, onde permaneceu por três anos. Ficou um ano como freelancer e logo fez parte da equipe de fotógrafos do Diário de S. Paulo durante dez anos. Atualmente, Daniel Pera é sócio do também fotógrafo Keiny Andrade na Photo5 – Estúdio e Assessoria de Imagem.
Cinthia Rodrigues, repórter Ela já trabalhou em várias redações importantes do País, como as dos jornais Valor Econômico, Diário de São Paulo, Gazeta Mercantil e Metro. Também passou por revistas, como Época, Quem Acontece, Caras e Casa Claudia Luxo. Especializada em mercado de comportamento e consumo, Cinthia gosta de contar histórias de pessoas que tiveram boas ideias. Aqui, assina a reportagem sobre a loja OPPA, que vende móveis descolados pela internet.
fotoS: Arquivo pessoal
Rua Mourato Coelho, 798 – 8º andar - Pinheiros 05417-001 – São Paulo – SP Tel.: (55 11) 3817-4802 redacao@brasileiros.com.br comercial@brasileiros.com.br Consultoria Empresarial CEA, Consultoria Empresarial & Associados Luiz Antonio Castro Consultoria Contábil, Fiscal e Trabalhista Oliveira & Nogueira Auditoria e Consultoria, Soluções Contábeis S/C Ltda. Impressão Plural Editora e Gráfica Ltda. Av. Marcos Penteado Ulhôa Rodrigues, S/N – Tamboré 06543-001 - Santana de Parnaíba - São Paulo Distribuição FC COMERCIAL E DISTRIBUIDORA S.A. Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678, sala A 06045-390 – Jardim Belmonte – Osasco – SP Código ISSN 2238-2410 Tiragem: 25.000 exemplares
02/06/12 21:23
inovação | cartas inovação | saúde
A médicA e A
históriA por trás dAs
aSSinaTURaS
doençAs
www.assinebrasileiros.com.br
vera cordeiro
55 11 3512-9441
é clínica geral e mentora do Saúde Criança, uma das ONGs mais premiadas e respeitadas mundo afora. Está entre as 100 melhores do planeta. Por quê? Ela não trata apenas das doenças de crianças carentes. Atende também às famílias de seus pacientes com apoios que transcendem medicações
Horário de atendimento: segunda a sexta-feira das 9h às 18h
PaRa anUnCiaR
texto Isabela FlórIdo foto marcos pInto
Quando tinha 40 anos, a médica Vera Cordeiro, clínica geral, trabalhava no Hospital da Lagoa, instituição pública da zona sul do Rio de Janeiro, e queria mudar o mundo. E mudou o próprio e o de outras pessoas. Era 1991 e, depois de anos atestando a existência do ciclo miséria-internação-alta-reinternação-morte, ela e 15 voluntários criaram o Saúde Criança. Uma organização social que começou em um canto das antigas cavalariças do Parque Lage com o objetivo de reestruturar e promover a autossustentação das famílias em risco social. A partir de triagem feita por médicos, enfermeiros e assistentes sociais do hospital, o projeto recebia as mães das crianças doentes que viviam abaixo da linha da pobreza. 46
comercial@brasileiros.com.br
55 11 3817-4802
A clínica geral Vera Cordeiro, que coordena a ONG Saúde Criança, uma das mais premiadas no mundo
Inovação
Inovação
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FaLE CoM a REDação
redacao@brasileiros.com.br
Eu fiquei emocionada ao ler a reportagem sobre o trabalho de Vera Cordeiro no Rio de Janeiro, publicada na edição número 2 de inovação!Brasileiros. Os depoimentos das mães que, de certa forma, são pacientes da doutora, comprovam que a OnG funciona muito bem. Por isso, já recebeu tantos prêmios. Parabéns pela escolha do personagem. A MÉDICA E AS HISTÓRIAS
www.brasileiros.com.br rev_brasileiros Revista Brasileiros
Mara Moraes, cuidadora, São Paulo, SP
Aturdido mundo novo
inovação | entrevista
silvio meira nasceu na Paraíba, mas é em Pernambuco que produz
sua ciência. Ele é chefe do C.E.S.A.R, uma das instituições mais inovadoras do País. Para entender mais sobre o agora e dar uma espiada no amanhã, o jornalista Rodrigo Lara Mesquita, especializado em articulação de processos nas redes e mídias sociais, conversou horas com o cientista, que conclui: “A internet é hoje quase como o ar que respiramos”
texto RodRigo LaRa Mesquita foto PauLa gioLito
Formado em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o temido ITA, Silvio Meira especializou-se em Ciência da Computação. Fez mestrado em Informática, pela Universidade Federal de Pernambuco, e doutorado em Computação, pela University of Kent at Canterbury, na Inglaterra. É, portanto, proprietário de dezenas de credenciais importantes – foi pesquisador do CNPq por mais de 15 anos, criou e coordenou o programa de doutorado em Ciência da Computação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), foi assessor da Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, membro do primeiro comitê gestor da Internet/br, presidente da Sociedade Brasileira de Computação. Casado, pai de três filhos, Meira é ainda professor da UFPE e o cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R), centro privado de 26
inovação que cria produtos, serviços e empresas com tecnologia da informação e comunicação. Desde 1996, ele desenvolve projetos e serviços que cobrem todo o processo de geração de inovação – da criação à execução de projetos. Motorola, Samsung, Vivo, Bradesco, Unibanco, entre outras empresas, trabalham ou já trabalharam em parceria com o instituto de Meira – bom lembrar que Recife concentra ainda outros núcleos de informática, como o Porto Digital, o maior polo empreendedor de informática do Brasil, o Instituto Tecnológico de Pernambuco e a Universidade Federal. Aqui, Meira fala sobre inovação, criação, tecnologia, vida em rede. Para ele, as novas ferramentas chegam para nos libertar, e não nos aprisionar. Ao que tudo indica, segundo o cientista, o mundo até poderá ser mais simples e com muitas oportunidades. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Inovação
Inovação
Interessante ter no mercado uma revista como inovação!Brasileiros, que traz reportagens sobre tema tão amplo e fascinante. Gostei de toda a edição, especialmente da entrevista com o cientista silvio Meira. Por ser uma publicação repleta de novidades, gostaria de sugerir uma reportagem sobre o Projeto Coral-sol, em Ilha Bela, que é a primeira iniciativa brasileira de controle de espécies marinhas nocivas. CONTEÚDO E SUGESTÃO
Lívia Maria Apuléo, massagista, Ilha Bela, SP
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foto: camila picolo
inovação | editorial
Pelo caminho Os assuntos tratados nesta terceira edição da Inovação!Brasileiros fizeram a Redação entrar em contato com uma espécie de mundo à parte das questões prosaicas do dia a dia. Essa viagem aconteceu assim que definimos nossa reportagem de capa, que traz em detalhes pesquisas da EMBRAPA e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em torno das embalagens comestíveis de alimentos. Sem sabor, elas conservariam frutas e vegetais por mais tempo e os tornariam mais baratos, além de reduzirem o impacto do descarte no meio ambiente. Parece uma excelente ideia, mas, por enquanto, no Brasil são apenas estudos. Metodologia já aplicada é desenvolvida por uma empresa do interior de São Paulo para controlar organicamente as pragas de plantações de cana-de-açúcar e soja. Em tempos de Rio+20 (conferência com o objetivo de assegurar um comprometimento político com o desenvolvimento sustentável, que acontece neste mês no Rio de Janeiro), é um alívio saber que empresas privadas trabalham no sentido de colaborar para o funcionamento mais adequado do planeta. Mas também tem gente pensando e agindo em defesa da natureza com gestos simples. Caso de Rita Mismetti que, nesta edição, explica tintim por tintim como fazer em casa sacolas de origami com papel jornal. Não são assim tão simples de serem feitas, mas com um pouco de treino qualquer um é capaz. Acredite. Entre todas as outras reportagens, quero salientar a que faz um passeio pela vida e obra de Alan Turing, matemático que inventou ainda nos anos 1930 um computador que ajudou na derrota de Hitler na Segunda Guerra Mundial. O centenário de nascimento de Turing acontece neste ano e a data está sendo homenageada no mundo todo, inclusive no Brasil. Pena que Turing, assim como Winston, o herói do clássico 1984, de George Orwell, viveu aprisionado a regras estúpidas de uma sociedade. por Fernanda Cirenza, redatora-chefe
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Inovação
inovação | índice
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TENDÊNCIAS Fique por dentro. Conheça as novidades tecnológicas e com muito design que estão no mercado nacional e internacional
PRODUTO Recicle e ajude a diminuir o consumo de plástico, produzindo suas próprias sacolas de origami com papel jornal. Dá certo
empreendedorismo Alemão residente no Brasil cria móveis com design divertido e cheio de cor. A venda é, basicamente, pela internet
inovação explica Entenda como atuam os hackers, gente que sabe tudo de computador e é associada a terríveis invasões
pesquisa Instituições estudam formas de embalar alimentos com material comestível. Nos EUA, já existe copo para beber e comer
comportamento A Casa de Cultura Digital funciona em uma vila operária que reúne diversas empresas ligadas às novas tecnologias
agronegócio Empresa brasileira cria metodologia para controle orgânico de pragas e entra para ranking mundial de inovação
caderno de divulgação científica O engenheiro químico Antonio Bonomi escreve sobre a nova tecnologia para avaliar o ciclo da cana-de-açúcar
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história As comemorações em torno de Alan Turing, o homem que criou o computador que ajudou a derrotar Adolf Hitler
conceito Fiat desenvolve protótipo de carro ecológico que um dia será fabricado em grande escala e com componentes naturais
caso de sucesso Por que as sandálias Havaianas viraram objeto de desejo? Rui Porto, da Alpargatas, conta alguns detalhes
entrevista Luiz Carlos Moraes Rego dá uma aula sobre inovação e diz quais os principais fatores que levam as empresas a inovar capa Kiwi envolvido com embalagem comestível. Foto Diego Rousseaux
Inovação
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inovação | tendências
tecnologia e design Imagens de TV que surgem nitidamente no espelho,cadeira que abre e fecha, bicicleta para pedalar e correr... Essas e outras novidades aqui por Mariana baccarin
casa high-tech Muitas novidades em exposição na Casa Cor deste ano, em cartaz no Jockey Club de São Paulo (Av. Lineu de Paula Machado, 1.173, Cidade Jardim) até 22 de julho. Uma delas é a TV de LED 3D que exibe imagens em vidros reflexivos, como o da foto. Ao desligá-la, o vidro vira um espelho. Os fios do aparelho ficam embutidos, facilitando o abre e fecha de eventuais portas ou janelas. Outra atração do evento é a nova geladeira da Brastemp, batizada de Inverse Maxi BRV80, que vem com um mecanismo ultrainovador, capaz até de avisar quando os alimentos vão vencer e fazer a lista de compras. Sensacional. Quer outra? Um localizador de livros na biblioteca real via iPad. Essa e outras estão no maior evento de arquitetura, decoração e paisagismo das Américas. Cinthia Rodrigues
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Inovação
À prova de encrenca Além de lindo e premiado pelo iF Gold, do iF Design Awards (o Oscar do design), o guarda-chuva Senz Umbrellas foi projetado para suportar ventos até 100 km/h sem virar. O exemplar, amigo das leis da aerodinâmica, nasceu da frustração de um estudante holandês de desenho industrial, que teve três sombrinhas quebradas na mesma semana. Gerwin Hoogendoorn dedicou seu trabalho de conclusão de curso à causa. Cada um custa, em média, 50 euros.
fotos: divulgação
Desmontável Dez segundos é o tempo que se leva para montar ou desmontar essa cadeira que vira uma pasta carregável. Criada pelos designers holandeses Douwe Jacobs e Tom Schouten, a Flux é inspirada na arte oriental de origamis e coleciona prêmios de design do mundo inteiro, de Nova York a Londres, passando por Roterdã. Para chegar nesse modelo, a dupla dobrou uma centena de minicadeiras de papel até que... voilà, a mágica aconteceu!
Inovação
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inovação | tendências
Um pouco de luz Come rain, come shine é uma interpretação lúdica do candelabro. À venda na Artecnica, famosa empresa americana de produtos de design, o lustre é feito de uma mistura de algodão, malha, organza, seda e flores de tecido. A melhor parte vem agora: ele é produzido pela Coopa-Roca, uma cooperativa de trabalho artesanal da Rocinha que capacita, coordena e gerencia o trabalho de mulheres moradoras da favela. O produto leva o selo Design W/Conscience por empregar valores humanitários e métodos de produção artesanais conscientes. Cada mulher recebe treinamento e trabalha nas peças em sua própria casa.
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Inovação
CoRRER E PEDALAR Essa bike faz qualquer um pedalar e correr ao mesmo tempo, combinando elementos de ciclismo e corrida. É ideal para quem está determinado em aumentar os esforços durante as atividades físicas. O modelo ElliptiGO 3C, que não é ergométrico, oferece alta performance com exercícios de baixo impacto. Pode ser usado por pessoas de 1,50 m até 2 m. Os pedais podem ser ajustados de acordo com o comprimento das pernas de cada usuário. A novidade surge nas cores laranja, verde e preto.
FoToS: DIvuLGAção
CARRoçA CoLETIvA Pimp My Carroça, projeto do grafiteiro Mundano, que já falou ao TEDx (série de conferências mundiais), vai tirar da invisibilidade dezenas de carroceiros que terão seus veículos transformados em obras de arte. verdadeiros agentes ambientais, os 20 mil catadores de São Paulo são responsáveis pela coleta de 90% dos resíduos destinados à reciclagem. Das 17 mil toneladas de lixo diárias produzidas na cidade, só 1% é reciclado. o projeto teve financiamento coletivo pelo site catarse e já ultrapassou o valor proposto inicialmente. o nome do projeto é uma brincadeira com os programas de Tv americanos e nacionais que “tunam” os carros, deixando-os envenenados. o projeto permite aos catadores coletar material reciclável com mais segurança e dignidade.
inovação
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inovação | produtos
SACoLAS DE
origaMi O passo a passo de sacolas feitas com folhas de jornal, ideais para serem usadas em todos os cestos da casa. Aprenda e aproveite texto Fernanda cirenZa fotos luiZa sigulem
A
ideia é boa e com um pouco de prática qualquer um consegue produzir sacolas de papel jornal, reduzindo o uso de plástico até mesmo dentro de casa. Quem ensina é a dona de casa Rita Mismetti, que fabrica seus sacos há uns quatro anos. “uma amiga me mandou um e-mail com o passo a passo. Como aqui em casa sempre tem muito jornal, comecei a produzir as minhas próprias sacolinhas”, diz. Rita só lamenta que a técnica não é totalmente suficiente para evitar o saco plástico, embora só use os recicláveis. “Preciso colocar as sacolas de jornal em um saco de lixo. Em casa, uso o de 50 litros, que comporta vários sacos de jornal. Consegui diminuir muito a utilização do plástico, mas ainda não é 100%.” Para se decompor naturalmente, o papel demora de três a seis meses. Já o plástico, leva cem anos. Rita costuma fazer seus origamis aos sábados. “Produzo uma boa quantidade de uma única vez. Assim, quando preciso trocar, já tenho as sacolas prontas.” Para ir às compras, ela também usa sacolas ecológicas há tempos. “sempre me preocupei com o meio ambiente. no caso dos origamis, não custa nada fazer. Além de aproveitar o jornal que todo mundo já leu, contribuo com o planeta.” 16
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CoMo FAzER 1 Pegue três folhas duplas de jornal
e coloque-as abertas umas sobre as outras, para tornar a sacola bem resistente.
2 dobre a ponta inferior direita sobre a ponta superior esquerda, formando um triângulo. Para torná-lo perfeito, embuta o que sobrou de papel para dentro do triângulo.
3 leve uma das pontas do triângulo
até o meio da base e, em seguida, vire a dobradura “de barriga para baixo”.
4 novamente, dobre a ponta da direita
até a lateral esquerda. se tudo estiver certo, a sacola ficará com esse formato.
5 Para fazer a boca da sacola, pegue
uma parte da ponta de cima do jornal e enfie para dentro da aba que você dobrou por último, fazendo-a desaparecer.
6 Pronto, a sacola de origami está pronta para ser usada.
7 agora, é só colocá-la no cesto de lixo e descartar os saquinhos de plástico. deixe vários preparados e vá usando em todos os cestos de lixo da casa.
8 rita mismetti diz que as sacolas
de origami são resistentes e funcionam até em lixeiras de pia que, em geral, guardam materiais mais úmidos.
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inovação | empreendedorismo
Móveis a um
clique
Estúdio OPPA, em São Paulo, muda
o conceito de compra de móveis, vendendo peças pela internet e, melhor, com design divertido por Cinthia Rodrigues
O encosto e o assento da cadeira Uma, com pés de eucalipto, foram trabalhados para garantir conforto a quem usa
A estante foi batizada de Gira-Gira por um único motivo: é flexível, podendo ser usada conforme a necessidade
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A empresa seria mais uma loja de decoração, se não fosse por alguns detalhes. O primeiro é que vende seus móveis preferencialmente pela internet. O outro é que os preços são convidativos, considerando a qualidade do design. Mas o maior diferencial da casa, que funciona com uma equipe de seis criadores, é a agilidade na execução dos projetos feitos com madeira de reflorestamento, como pinus e eucalipto. A ideia do negócio, que foi lançada há cinco meses, saiu da cabeça do alemão Max Reichel, um sujeito de 29 anos que já rodou o mundo atrás de formação – ele é graduado em Administração pela Universidade de Londres e mestre em Economia pela Universidade de Munique, com MBA na Universidade de Harvard, nos EUA. Anos atrás, Max passou uma temporada de férias no Brasil e, como muitos estrangeiros, se apaixonou pelo País. Um tempo depois, escolheu morar em São Paulo. Atrás de móveis para decorar a própria casa, Max percebeu um nicho de mercado. “Tudo o que eu encontrava era demasiadamente caro ou não me atraía.” Nos dois primeiros anos na capital paulistana, Max trabalhou em uma consultoria e acabou pesquisando,
ainda que informalmente, o gosto do consumidor brasileiro. “Percebi que em alguns segmentos, como o de moda e produtos eletrônicos, há boas alternativas às marcas mais caras. Essa fórmula também deveria funcionar no ramo de decoração”, diz ele. Parece estar funcionando na OPPA. Com um aporte da Monashees Capital, empresa de venture capital que já investiu nos sites de consumo Peixe
Max reichel, alemão que hoje mora em São Paulo, exibe em sua página na internet, entre os móveis de sua marca, a clássica cadeira Bertoia
“no início, tive um pouco de medo. Começar um negócio é sempre um risco. Mas segui em frente e estou satisfeito com o projeto.” Max também estabeleceu atendimento germânico ao cliente, ou seja, preza a pontualidade e a gentileza. O retorno rápido, afirma, agiliza a mecânica do negócio e impulsiona a empresa a tomar decisões no ritmo de uma grande empresa. I
a mesa Paleta, fabricada em cores fortes, como amarelo e vermelho, é ideal para decorar cantos de ambientes
o sofá ibirapuera, produzido com madeiras de reflorestamento, tem linhas retas e aparece em seis versões de cores
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FoToS: DIvuLGAção
urbano e Elo7, o negócio de Max começou a deslanchar. Outros investidores, como a Kaszek Ventures (dirigida pelos cofundadores do Mercado Livre), aprovaram a proposta do empreendedor e entraram no negócio, mas ninguém ainda fala em números. A OPPA ganhou esse nome porque Max gosta quando as pessoas falam: “Opa, tudo bem?”. O “p” adicionado ao nome deu mais charme à marca.
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inovação | explica
Ativismo
digital
Os hackers,
geralmente associados a extorsões, fraudes bancárias e invasões de privacidade – como a recente polêmica envolvendo a atriz Carolina Dieckmann –, também formam um exército de anônimos, intervindo em questões políticas e comportamentais para cobrar ações diretas, sem pedir licença a ninguém por Marcelo Pinheiro
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foto: divulgação
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Simpatizante do Anonymous – vestindo a máscara-símbolo do movimento – presta homenagem a Guy Fawkes e faz protesto, na Croácia
paulistano Pedro Markun tem 26 anos. Diz ter “crescido com computadores”, no período em que viveu em Santa Catarina, dos 12 aos 20 anos, quando abandonou a reta final da graduação em História, na Universidade Federal, para embarcar em um efêmero curso de Comunicação Digital, definido por ele como: “Fechado e muito pouco ousado para inovação”. Desde 2009, quando em 15 minutos cometeu a façanha de clonar a página oficial do blog do Planalto – um diário eletrônico mantido pelo governo federal, criado na segunda gestão do ex-presidente Lula –, ele vem se dedicando a um ativismo digital que deu origem a uma rede colaborativa, de quase mil entusiastas da cultura hacker, reunida em entidades virtuais sem fins lucrativos, como o Esfera e o Transparência Hacker. A brincadeira envolvendo o diário de Lula teve origem e repercussão no Twitter. Foi no microblog que Markun (que é filho do jornalista e escritor Paulo Markun) descobriu, pasmado, que o recém-criado blog da Presidência da República, não disponibilizava espaço para comentários de leitores, uma heresia para qualquer veículo que se intitule “blog”. Ao constatar que o diário era hospedado no Word Press, plataforma de edição aberta que utiliza aplicativos de fácil programação e tem conteúdo livre, por ser filiado ao Creative Commons, Markun gastou um quarto de hora para disponibilizar um clone interativo na rede e voltou ao Twitter para divulgar o feito. A repercussão foi estrondosa e imediata, apesar de seu autor ponderar o gesto: “Não tive nenhuma ‘sacada genial’, qualquer um que tenha um pouquinho de conhecimento faria o mesmo”. Ousada ou não, a brincadeira foi levada a sério por muita gente. “As pessoas começaram a retuitar loucamente coisas absurdas, como: ‘Foi uma vitória da democracia. O Lula ouviu a gente!’. Outros disseram que eu era aliado do Serra e queria desestabilizar o Lula, mas o que eu queria mesmo era provar que você não precisa que o Presidente da República abra espaço no
Inovação
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inovação | explica
Houve essa divisão entre hacker e cracker. Acho uma bobagem. Ninguém fala que existem padeiros do bem e padeiros do mal” Pedro Markun, do Transparência Hacker
O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, exibe capa do jornal The Guardian, que repercute ação do grupo
blog dele. Monte o seu! A internet é uma plataforma aberta de interação e debate que possibilita ao cidadão atuar diretamente na política sem pedir licença ao Lula ou a ninguém.” A constatação de Markun de que a rede mundial de computadores veio para mudar as relações entre o poder e a sociedade é uma das evidências positivas de um fenômeno consolidado neste novo século. Um crescente ativismo, promovido por hackers, que envolve gestos solitários de apoio a causas humanitárias e ações mirabolantes de gigantes, como o WikiLeaks, que transformou seu fundador, Julian Assange, em uma espécie de “Che Guevara” virtual, ao expor a fragilidade de armazenamento de dados e revelar escândalos privados e públicos da América, e o Anonymous, rede mundial de hackers, que também tem deixado em polvorosa veículos de imprensa, instituições financeiras, políticos corruptos e reacionários virtuais. 22
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No começo de 2012, em retaliação à ordem judicial que extinguiu o provedor de uploads e downloads Megaupload, o aparentemente invulnerável site do FBI, foi derrubado por cerca de uma hora. Defensores ferrenhos de que a internet jamais deixa de ser território livre, os hackers do Anonymous reivindicaram a autoria do ataque. Cunhado, na década de 1950, nos Estados Unidos, por modelistas de trens do Tech Model Railroad Club (até hoje sediado no lendário MIT, em Boston), para descrever alterações de projeto em relês eletrônicos, o termo hacker, ao longo das décadas seguintes, passou a ter cada vez mais a conotação de engenhosos truques de programação, fossem eles realizados em linhas férreas, redes telefônicas ou incipientes computadores. Acentuadas às inovações tecnológicas e à democratização do acesso a informática e internet, o jargão hacker, que em tradução literal significa “cortar grosseiramente”, vem confundindo muita gente e ganhando
diferentes conotações, mas é indiscutível que o conceito de vilania ainda prevalece, como lamenta Markun: “O termo surgiu com essa conotação estreita de algo positivo, mas se vinculou à ideia de criminalidade. Houve também essa divisão entre hacker e cracker, onde o hacker é o cara do bem e o cracker, o vilão. Acho essa distinção uma bobagem. Ninguém fala que existem padeiros do bem e padeiros do mal”. Como um bom hacker – ou um hacker do bem – Markun é provocador, mas as evidências de que a internet tem sido palco de crimes de toda a espécie são incontestáveis. No primeiro semestre de 2011, fraudes bancárias bateram recordes e ultrapassaram a casa dos R$ 600 milhões. Um rombo incômodo, que tem deixado banqueiros de cabelo em pé, uma vez que os clientes têm garantido o direito a ressarcimento integral dos prejuízos decorrentes desses ataques e a legislação atual não é eficaz em tipificar a maioria dos crimes cometidos em
fotos: divulgação
ambiente virtual. Discussão que se arrastava, há dez anos, no Plenário da Câmara dos Deputados, mas ganhou pé de chumbo no acelerador com a repercussão de um recente caso de invasão de privacidade, cometido por supostos hackers. Dias após o início de produção dessa reportagem, o tema que havíamos proposto investigar, coincidentemente, entrou em discussão nacional, quando a atriz Carolina Dieckmann, em dias de Scarlett Johansson, também teve expostas na rede mundial de computadores dezenas de fotos íntimas, em que aparece nua ou seminua. O caso, maciçamente coberto pela imprensa frívola, ao longo de uma semana, levou a aprovação, às pressas, de um projeto de lei que tipifica crimes cibernéticos. A proposta do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) seguirá para o Senado, onde será submetida à votação definitiva, no final de julho, e prevê pena de reclusão de seis meses a dois anos além da multa para quem obtiver segredos comerciais, industriais ou conteúdo privado por meio da violação de equipamentos de informática. “A repercussão desse caso foi positiva e, a partir do momento em que esses delitos se tornarem crimes, teremos de trazer atualizações e um novo conteúdo programático para o nosso pessoal. Até o final do ano, estão previstas mais cinco turmas de repressão a crimes virtuais.” Quem comemora a aprovação parcial da nova lei é o delegado Francisco Alberto de Souza Campos, Divisionário da Secretária de Cursos Complementares da Academia de Polícia da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Souza Campos coordena cursos de reciclagem, que procuram atender novas demandas da sociedade, e atesta que, desde 2005, policiais voluntários e recrutados são formados para investigar crimes virtuais. Na semana em que visitamos a Academia, a terceira entre oito turmas previstas para 2012 estava sendo selecionada. Até o fim do ano,
um contingente de 150 policiais paulistanos estará infiltrado no ciberespaço. Questionado sobre os recursos tecnológicos e humanos que o Estado disponibiliza, Souza Campos destacou que a academia dispõe de laboratórios com recursos individualizados para turmas de 20 policiais, professores com doutorado em Ciências da Computação, e fez questão de enfatizar: “Se houver necessidade de um incremento, faremos mais cursos”. A aprovação relâmpago do projeto de lei do deputado Paulo Teixeira é vista com desconfiança e reprovação por Markun, que, dias antes, celebrou o fato de, pela primeira vez, ter ouvido o termo hacker ser usado com reverência em um telejornal visto por milhões de brasileiros. No início de junho, por dois dias, ele e um grupo de hackers voluntariamente implantaram um aplicativo na Câmara Municipal de São Paulo, chamado Inspetor de Interesses, em que qualquer cidadão pode ter acesso aos projetos apresentados pelos vereadores que ali estiveram, desde a fundação da casa. “Ao mesmo tempo que o Jornal Nacional dá uma breve nota valorizando o fato de que hackers estão desenvolvendo formas de dar mais transparência às ações dos políticos, vejo, horas depois, na mesma TV, que por conta desse episódio com a Carolina, sem nenhuma consulta pública, acaba de ser aprovado um projeto de lei que criminaliza condutas de rede. Do ponto de vista da nossa comunidade, essa lei viola os princípios de liberdade, abertura, compartilhamento e colaboração que constituem a ética hacker. Se ela tiver mesmo de existir, tem de resultar de um amplo debate aberto e democrático em todo o Brasil.” Como todas as pequenas revoluções impostas pela internet, novos hábitos e ambientes que adquirimos e hoje integram a rotina de milhões de nós, o convite à discussão de questões tão caras a esses novos tempos, como a atuação dos hackers em nossa sociedade, parece irrecusável e irremediável. I
“A repercussão foi positiva e, a partir do momento em que esses delitos se tornarem crimes, teremos de trazer um novo conteúdo programático Francisco Alberto de Souza Campos, da Academia de Polícia da Polícia Civil de São Paulo, sobre a polêmica envolvendo a atriz Carolina Dieckmann
Inovação
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inovação | pesquisa
vocÊ comeria esse
KiWi? EmBAlAgEns comEstÍVEis,
como a que envolve a fruta desta reportagem, estão sendo estudadas no Brasil. Especialistas ressaltam qualidades: sem sabor, conservariam os alimentos por mais tempo, tornando-os mais baratos e reduziriam o impacto do descarte no meio ambiente. Mas por enquanto são apenas pesquisas texto MARLEINE CoHEN foto DIEGo RouSSEAux
Imagine-se em meio a uma tempestade de areia, em pleno deserto na Arábia saudita. Em questão de minutos, desaparecem as sinalizações que pontuam o percurso. Adeus, estrada. Adeus, pontos de referência. A viagem se transforma em um grande pesadelo. Para tranquilizar turistas que pretendem se aventurar nessa inóspita região, a Land Rover equipou seus veículos em Dubai com um guia de sobrevivência comestível. E totalmente inócuo à saúde. O manual reúne dicas de como se orientar no espaço, graças às estrelas ou com auxílio de uma bússola, ensina a montar um abrigo e até a caçar pequenos animais para saciar a fome. Mas caso não apareça nenhuma presa, basta ingerir suas folhas de papel, preparadas com farinha de batata e tinta à base de glicerina. Do ponto de vista nutricional, garante a montadora, essas páginas equivalem a um cheeseburger. 24
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laboratórios nacionais buscam uma forma eficiente para embalar frutas com substâncias comestíveis
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inovação | pesquisa A ideia de comer papel e, por extensão, de atribuir a uma embalagem mais propriedades do que a simples função de acomodar algo em seu interior não é nova: já no século 13, os chineses utilizavam revestimentos derivados de óleos minerais para aumentar o tempo de vida de frutas cítricas – laranjas e limões, entre outras – transportadas por via marítima por longas distâncias. Mais recentemente, a conservação de alimentos perecíveis nas prateleiras dos supermercados e durante seu transporte se tornou um dos aspectos logísticos que mais pressiona o preço final. Se, além de comestível e inócua, uma embalagem conseguir preservar as propriedades originais dos alimentos, retardando sua deterioração, e puder poupar o ambiente do seu posterior descarte, a fórmula do sucesso terá sido encontrada: excelentes perspectivas de lucro para a indústria e a lavoura. É essa equação que está sendo buscada nos laboratórios nacionais. Na Embrapa Agroindústria Tropical, onde cientistas já trabalham no desenvolvimento de embalagens biodegradáveis há anos, estão sendo aperfeiçoados filmes e revestimentos comestíveis a partir da polpa de frutas tropicais, como a acerola, a goiaba ou a manga. Testando alginato (a substância presente na parede celular de algas marinhas pardas da classe Phaeophyta), pectina (um dos principais componentes da parede celular das plantas), amido ou goma de cajueiro, Henriette Azeredo, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa de Agroindústria Tropical (CNPAT-Embrapa), explica que a formulação desse tipo de embalagem prevê, antes de mais nada, o uso de um polissacarídeo (carboidrato composto de várias moléculas) ou de uma proteína como matriz formadora do filme. A partir dessa estrutura básica do revestimento, “utiliza-se geralmente o glicerol (composto orgânico que dá origem à glicerina, na forma comercial) como plastificante, para evitar que o 26
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material fique muito quebradiço, lipídios, como a cera de carnaúba, para potencializar a barreira à umidade, sempre que for significativa, e, por fim e eventualmente, nanopartículas para melhorar a resistência mecânica e as propriedades de barreira”. Essas últimas são partículas ultrafinas que possuem tamanho entre 1 e 100 nanômetros (ou milimícrons). Resultado: entre um número de formulações possíveis, um filme flexível à base de polpa de acerola se constitui de componentes tão conhecidos como a própria polpa da fruta, xarope de milho para agir como plastificante e alginato como polissacarídeo. Outro filme à base de amido e cera de carnaúba inclui glicerol como plastificante, além de surfactantes (também chamados de agentes de atividade superficial) para formar emulsão da cera de carnaúba com o amido. Em qualquer caso, tanto um como o outro serve para cobrir frutas e legumes in natura, pescados e carnes. Quando aplicados sobre a superfície de um alimento, esses filmes e revestimentos comestíveis retardam a perda
de água e as trocas gasosas entre ele e o ambiente, aumentando o tempo de vida do produto. Estudos de viabilidade econômica e de adaptação à escala industrial à parte, o grande impacto da comercialização desse tipo de revestimento seria, segundo Henriette Azeredo, de ordem ambiental. “Ele reduziria o impacto negativo produzido pela geração de lixo por embalagens convencionais”, analisa a pesquisadora, e “poderia, talvez futuramente, até mesmo interessar alguma indústria que queira adaptá-lo para confeccionar sacos”, oferecendo alguma alternativa às sacolas de supermercado que acabaram de ser banidas de São Paulo e de outras capitais internacionais. “Nesse caso, o grande atrativo seria o fato de ser biodegradável, mas não comestível.” Para a Associação Brasileira de Embalagens (ABRE), a proposta não poderia ser melhor. “Vemos com bons olhos o interesse das universidades em trabalhar com a tecnologia dos materiais para atender às demandas da sociedade em termos ambientais e de logística de distribuição”, declarou Luciana
fotos: divulgação
Técnica de automontagem, camada a camada, por imersão é desenvolvida pela Universidade Federal de Pernambuco
Pellegrino, diretora da entidade. Ela manifestou, todavia, alguma preocupação com a eventual contaminação desse revestimento durante o processo de distribuição dos alimentos. “Não há como garantir a que tipo de exposição o filme em si estará sujeito durante o transporte da carga, por mais que represente, ele próprio, uma barreira de proteção, impedindo que o produto estrague, azede ou embolore.” Luciana também argumentou que, “por mais que o papel de seda que cobre frutas e legumes in natura possa ser trocado pelo filme comestível”, dificilmente a embalagem convencional, mais rígida, deixará de ser usada. “Ainda assim, as caixas de papelão ou de madeira serão necessárias.”
Mil folhas nanométricas
Outra linha de pesquisa, conduzida desde 2005 na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), colocou lado a lado cientistas brasileiros e portugueses. A bioquímica Maria das Graças Carneiro da Cunha, que trabalha no Departamento de Bioquímica da UFPE em colaboração com pesquisadores do Instituto de Biotecnologia e Bioengenharia da Universidade do Minho (Uminho), em Braga, Portugal, explica que a proposta consiste em desenvolver uma nova embalagem orgânica que possa prolongar o período de exposição de frutas, verduras, laticínios, carnes, pescados e outros alimentos perecíveis, mantendo sua integridade e protegendo-os de microrganismos que os degradam.
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inovação | pesquisa Financiado pela União Europeia, o projeto, denominado Alfa-Valnatura, reúne as instituições de outros cinco países (Argentina, Cuba, Espanha, Irlanda e México) e tem como finalidade desenvolver filmes e revestimentos comestíveis em escala micrométrica e nanométrica para fins alimentares. Essas escalas, usadas em nanotecnologia, permitem o desenvolvimento de produtos com tamanhos muito inferiores a 1 mm. Lembrando que existem diferentes tipos de embalagens comestíveis, Maria das Graças explica que o seu grupo tem investigado dois tipos distintos de revestimentos: “Os filmes ou membranas em escala micrométrica, construídos fora da superfície dos alimentos, que têm uma aparência física muito semelhante àqueles a que chamamos vulgarmente de ‘filmes de cozinha’ e os que são construídos diretamente na superfície do alimento por imersão”. Assim, “diferentemente da Embrapa” – continua a pesquisadora da UFPE –, “nós desenvolvemos nanolaminados (laminados medindo milionésimos de milímetros ou milimícrons) pela técnica de montagem camada a camada, por imersão do alimento”. A vantagem dessa técnica, segundo ela: “É que se pode utilizar diferentes polissacarídeos e proteínas com características distintas para preservação do alimento, como a adição de aditivos e as propriedades de barreira contra o gás oxigênio, o gás carbônico e o vapor de água (perda de massa)”. Para aplicar os nanomateriais, existem três alternativas, segundo a pesquisadora: “A primeira é por meio da imersão do alimento em soluções formadas por polissacarídeos ou proteínas. Como resultado, obtém-se o revestimento nanolaminado, capaz de mudar, em muitos casos, as características da superfície”. Esse método, segundo Maria das Graças, é versátil e considerado de baixo custo. “Outra maneira de se obter o revestimento é 28
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por aspersão das soluções sobre o alimento. Por fim, existe outra aplicação em que o alimento é envolvido por um filme – como se fosse coberto por uma película transparente. Nesse caso, a película, embora finíssima, é mais volumosa em escala micrométrica.” Nanofilmes (ou nanorrevestimentos) comestíveis são finas películas incolores, invisíveis a olho nu, que envolvem completamente o alimento. “Se lembrar que um cabelo humano tem 10 mil nanômetros (ou milionésimos de milímetro) de espessura, imagine o que é a imagem de um objeto com 30 nanômetros”, exemplifica Maria das Graças. Esses nanofilmes são constituídos de várias camadas de polissacarídeos – isto é, polímeros naturais que já são usados pela indústria. Segundo a pesquisadora, distintos polissacarídeos foram testados para o desenvolvimento das nanopelículas. “Alguns apresentam boas propriedades de barreira seletiva à passagem de gases, tais como a quitosana, polissacarídeo extraído da carapaça de crustáceos; a k-carragenana, de algas vermelhas; e a pectina, cuja fonte comercial mais importante é a polpa de maçã e cascas de frutas cítricas”, enumera Maria das Graças. Essas nanopelículas são insípidas, não alteram o sabor dos alimentos. “Seu teor de calorias é muito baixo e, assim, os alimentos podem ser consumidos por diabéticos”, acrescenta. Elas também podem ser manipuladas para incorporar compostos bioativos, como antimicrobianos e antioxidantes, e com isso se tem “um alimento com melhores propriedades”. Em Portugal, testes realizados na Uminho com películas finas em escala nanométrica evidenciaram patamar de perdas 30% menor em relação a morangos e 20% menor com queijos. “Nossos estudos revelaram que amostras de salmão revestidas com filmes comestíveis de escala micrométrica apresentam um crescimento de micróbios mais lento, permitindo prorrogar por três dias o
prazo de validade do peixe resfriado”, afirma Bartolomeu Souza, engenheiro de pesca que desenvolveu pesquisas na universidade portuguesa. Mais que tudo, elas podem ser ingeridas pelo homem sem prejuízo à sua saúde, pois não são metabolizadas. “Os revestimentos são como outro alimento qualquer. São inócuos e seus constituintes são encontrados em alimentos normais. Os componentes de que são feitas as embalagens são elementos naturais, não tóxicos e sem efeitos colaterais para o organismo”, enfatiza Maria das Graças.
Henriette Azeredo, por sua vez, en dossa a afirmação de sua colega pesquisadora, destacando que “a maioria dos materiais usados como matrizes dos filmes são polissacarídeos e/ou proteínas reconhecidamente seguros”, mas ela ressalva que “compostos nanoestruturados, como nanocelulose (microfibra tirada de frutas e vegetais), ainda precisam ter sua segurança estabelecida, para que possam ser adicionados a embalagens comestíveis”.
A esse respeito, ela explica que existe um projeto na Embrapa, coordenado pela pesquisadora Morsyleide de Freitas Rosa, que vem avaliando aspectos de segurança da nanocelulose. Até o momento, os estudos indicam que ela é segura para consumo, embora existam outras nanoestruturas que ainda precisam ser testadas. Paralelamente, está em curso no Departamento de Engenharia Biológica da Universidade do Minho um estudo in vitro para checar o efeito desses revestimentos e embalagens no organismo.
Campanha do manual comestível da Land Rover
fotos: divulgação
Boas perspectivas
Em alguns países, como Estados Unidos e Japão, já existem algumas embalagens comestíveis no mercado. Notadamente nos Estados Unidos e na Europa, as embalagens sintéticas já estão sendo substituídas pelas biodegradáveis nos supermercados. Por aqui, empresas de diversos países já demonstraram interesse na comercialização da tecnologia, informa Maria das Graças. “Mas ainda estamos em estágio de negociações.”
Para entrar no mercado brasileiro, essas embalagens inicialmente teriam de passar pela aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. De pronto, a Anvisa informa: “Já que os biofilmes utilizam nanotecnologia, seria preciso analisar com cautela sua composição para determinar sua segurança como alimento, uma vez que a proposta é que sejam ingeridos”. Havendo dúvidas, a agência pode encaminhar o processo de registro para análise e assessoramento da Comissão Tecnocientífica de Assessoramento em Alimentos Funcionais e Novos Alimentos (CTCAF). Mas, nesse caso específico, “por se tratar de frutas in natura, há de se obter também o registro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”, explica a gerente geral de Alimentos da Anvisa, Denise Resende. Enquanto isso não acontece, entre tubos de ensaios e estufas, os pesquisadores comemoram bons resultados. “Nesse momento não podemos precisar quanto a mais (ou a menos) o consumidor gastaria pelo produto final devidamente embalado com esse tipo de acabamento. Mas quando a tecnologia estiver otimizada industrialmente, imagino que o impacto no preço seja significativo: o investimento é pequeno, com aproveitamento das instalações já existentes, principalmente no caso das frutas, e, por outro lado, esse revestimento pode reduzir as perdas por deterioração, o que em si já representaria uma boa economia”, avalia Maria das Graças. Segundo estatísticas do Ministério da Agricultura, o desperdício de frutas e hortaliças por deterioração chega a 35% da produção nacional. “Vislumbro uma grande aceitação por essas embalagens, pois elas ajudarão a diminuir a poluição do ambiente, disponibilizarão mais alimentos devido à redução das perdas e, eventualmente, eles serão mais baratos. Tenho esperança de que daqui a cinco anos seja possível encontrá-las no mercado”, projeta a pesquisadora. I
o papel de seda até pode ser trocado, mas dificilmente a embalagem convencional será descartada” Luciana Pellegrino, diretora da ABRE
limão e manjericão, alecrim e beterraba, gengibre e hortelã. esses são os sabores dos copos comestíveis e biodegradáveis criados por designers americanos, na tentativa de substituir os descartáveis, que geram lixo e demoram para se decompor, e os de vidro, que precisam ser lavados com água e sabão. Feitos de ágar-ágar (gelatina de algas), os Jellowares, se não consumidos na hora, precisam ficar na geladeira. a ideia é boa, mas deve ser usada com moderação: mais de três copos desses por dia causam prejuízos à saúde – o ágar-ágar tem efeito laxativo Inovação
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inovação | comportamento
Vila
operária em rede A Casa de Cultura Digital
é um coletivo formado por uma dúzia de organizações – entre empresas e ONGs – ligadas de alguma forma às novas tecnologias e transformações sociais. Por enquanto, funciona em São Paulo e Santos, mas logo, logo estará também no Rio de Janeiro texto André de Oliveira fotos luiza sigulem
Visto de fora, o sobrado de tijolinhos não impressiona, mas ao abrir o portão de metal preto o visitante encontra, além de um espaçoso e caprichado jardim, outras casinhas do mesmo estilo. Na verdade, é uma vila operária construída por volta dos anos 1920, no bairro central paulistano da Barra Funda. É lá que funciona desde 30
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2009 a Casa de Cultura Digital, ou apenas CCD – um espaço compartilhado por empresas de diferentes áreas. Mas não é só isso. O que as une, além da vila, é uma forma digital de pensar o mundo. Em outras palavras, o trabalho em rede, a colaboração e a descentralização de decisões são o mote do lugar.
Rodrigo Savazoni, um dos criadores da CCD, diz que descentralização é um dos motes do lugar
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inovação | comportamento
a ideia era ter um ambiente libertário de criação. hoje, é um laboratório de vivências” Rodrigo Savazoni
Por ali, trabalham programadores, engenheiros e tecnólogos, empenhados em construir máquinas e desvendar códigos-fonte. Mas há também jornalistas, publicitários, cineastas, produtores, comunicadores em geral. Rodrigo Savazoni, um dos idealizadores da casa, formou-se em Jornalismo e, até 2008, trabalhou na grande imprensa. De lá para cá, está na CCD operando em projetos ligados ao mundo digital e às novas tecnologias. “A casa surgiu como um sonho de construir um ambiente libertário de criação e hoje é uma espécie de laboratório de vivências”, explica. A experiência da CCD de São Paulo já começa a se estender por aí. A casa também está em Santos, desde o mês passado. “Não existe uma receita para 32
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recriarmos o que fazemos em São Paulo, tudo depende de quem vai ocupar o espaço”, diz Savazoni. O colega de espaço Adriano de Angelis, que pretende levar em breve a vivência da casa para o Rio de Janeiro, faz a sua definição do que é a CCD. “A casa consegue transferir para o cotidiano uma lógica digital, que vai potencializar as ações a serem desenvolvidas. Muita gente acha que trabalhar com cultura digital é simplesmente operar com tecnologias no ambiente digital. É mais que isso.” “Por abrigar empresas e pessoas com pensamentos consoantes, a casa possibilita a troca de informações e ideias, permitindo a criação e a promoção de soluções inovadoras”, segundo Savazoni.
Na tentativa de facilitar o entendimento, ele compara a CCD a um cluster (conjunto de computadores ligados ao mesmo tempo). Para ele, a casa, guardadas as devidas proporções, é semelhante a Hollywood. “Os caras juntaram um monte de gente no mesmo lugar para fazer cinema. Por isso, a produção é tão boa”, acredita. Resultado: é praticamente impossível dar conta de todos os projetos que acontecem na Casa de Cultura Digital. “Aqui, pensamos inovação como formas criativas de transformar a cultura, e não formas de melhorar a produção industrial”, diz Savazoni. A jogada é complexa, mas funciona. Foi lá, por exemplo, que nasceu o Baixo Centro, um festival cultural independente, que aconteceu entre março e abril e reuniu mais de cem eventos entre festas, exposições e intervenções de arte, ocupou ruas e polos culturais do centro de São Paulo. Até aí, tudo certo. Mas o fato marcante foi como a CCD arrecadou verba para realizar as programações: via catarse, o site de crowdfunding, que opera sistemas de financiamento colaborativo. “Não arrecadamos muito dinheiro, algo em torno de R$ 22 mil. Depois, abrimos inscrições para os
projetos”, diz Gilberto Vieira, um dos organizadores do festival. Formado em Publicidade, Vieira não está ligado a nenhuma empresa da vila, mas participa de todas as rotinas da casa, trabalhando em projetos que vão surgindo. “Uma vez aqui, não consigo mais sair.” Como é possível realizar um festival com uma verba pequena? “O Baixo Centro foi um investimento nosso, não deu dinheiro para nenhum dos organizadores”, diz Savazoni. “Conseguimos realizar o evento porque o ambiente de criação da casa propicia isso. Muitas das tecnologias usadas na divulgação e execução do festival, como sites e outras ferramentas, foram criadas aqui.” Ambiente a la Stanford
Uma marca importante da casa é a descontração. Na sala coletiva, almofadões estão espalhados pelo chão e redes foram instaladas em ganchos na parede, causando um clima relax. A decoração rende à CCD comparações com a Stanford University, uma das mais importantes universidades dos Estados Unidos, e com empresas contemporâneas, como o Google, conhecidas por adotarem rotinas mais flexíveis que as do mundo corporativo tradicional.
Na outra página, Gabriela Barreto e Felipe Jannuzzi. Acima, um hacker do porão
Trabalham diariamente nas empresas da CCD pelo menos 60 pessoas, mas a população flutuante da casa beira cem pessoas, segundo estima Paulo Fehlauer, um dos três criadores da Garapa, produtora que está na casa desde a fundação. “Atuamos em duas frentes. De um lado, produzimos um trabalho mais autoral. De outro, material multimídia para clientes, como Itaú Cultural e o jornal Folha de S. Paulo.” Gabriela Barreto, que já trabalhou na Garapa, hoje ocupa uma mesa em uma sala com a estante preenchida por garrafas de pinga. Ela e Felipe Jannuzzi são os responsáveis pela Paralelo Multimídia. A empresa tem, entre outros, o projeto de mapear a cachaça no Brasil. “Lancei essa ideia na lista de discussões da CCD, que está hospedada na ferramenta de grupos do Google. Em pouco tempo, eu já tinha a equipe para desenvolver nosso site sobre a bebida”, afirma Gabriela, que é formada em audiovisual. O mapeamento começou com vídeos com o sommelier Leandro Batista. “Hoje, somos reconhecidos na área e temos projetos para lançar um guia impresso.” No porão, funciona o Garoa Hacker Clube, um hackerspace, ou seja, um local em que programadores, engenheiros e aficionados por eletrônica desmontam utensílios, inventam novos equipamentos e trocam ideias. “Não somos uma incubadora de empresas, mas um clube que possibilita a interação entre pessoas com as mesmas afinidades e, melhor, propicia espaço e ferramentas que as pessoas não costumam ter em suas casas”, diz DQ, um dos fundadores. Apesar de não ter como finalidade a criação de empresas, o clube inventou a Metamáquina, que também funciona na vila operária, vendendo e fabricando impressoras 3D de baixo custo. “A partir de um modelo de impressora com software livre, fizemos a nossa”, explica Rodrigo Rodrigues da Silva. O dinheiro inicial para a produção veio via o site catarse, mas hoje a empresa já toca sozinha o negócio.
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inovação | comportamento
criamos uma lógica digital para o cotidiano. isso potencializa as ações a serem desenvolvidas” Adriano de Angelis
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Inovação
Informando por aí
Os hackers são um capítulo à parte. Eles embarcam em um ônibus com um desejo comum: ocupar cidades brasileiras com ações políticas. Por política, eles entendem: “Toda a apropriação tecnológica, gambiarra, questionamento e exercício de direitos”. Por ação: “A prática, o faça você mesmo, um projeto de lei, uma escola”. O chamado Ônibus Hacker é uma iniciativa ligada à Transparência Hacker, grupo locado virtualmente com o objetivo de promover a transparência pública, abrindo dados governamentais para os cidadãos. O projeto desse ônibus começou em junho de 2009, quando a Transparência Hacker o lançou no catarse, uma plataforma de financiamento coletivo. Em dois meses, 500 pessoas doaram R$ 60 mil para a compra do veículo, que começou a rodar para valer neste ano. Ele tem viajado para cidades e bairros, levando cursos e oficinas que mostram como, por meio da tecnologia, é possível atuar politicamente. No mês
passado, estacionou em Paraty, cidade do Rio de Janeiro, para participar da Virada Digital – evento que também nasceu na Casa de Cultura Digital. “Ensinamos, por exemplo, crianças a ler dados em planilhas, relativos a gastos públicos. Surpreendentemente, elas adoram essa atividade”, afirma Lívia Ascava, uma das organizadoras do projeto. O espaço parece ser ultracontemporâneo, mas Savazoni discorda. Modestamente, diz que não haver nada de diferente na CCD: “O modelo de distribuição do hip hop, por exemplo, sempre circulou por uma malha de contatos em rede. Desde os anos 1980, o movimento organizou cenas de forma independente, reunindo pessoas do Brasil inteiro. A diferença é que agora existe um aparato tecnológico, que é descentralizado por natureza”. É até irônico que a CCD esteja baseada em uma vila operária – o trabalho realizado ali é radicalmente oposto ao de uma indústria. No entanto, as incertezas parecem ser uma constante nesse novo-velho mundo digital. I
fotos: divulgação
Equipe faz a programação da Virada Hacker, na sede do Garoa
inovação | agronegócio
Uma indústria de insetos Trichogramma. Trata-se de
um gênero de vespa que protege naturalmente plantações de cana-de-açúcar e soja. A metodologia para o controle orgânico foi desenvolvido por uma empresa brasileira que figura entre as 50 mais inovadoras do mundo
por Alice Sosnowski
Criada nos laboratórios da ESALQ, a escola de Ciências Agrárias e Ambientais da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, interior de São Paulo, uma empresa até miúda disputa espaço no concorrido mercado de pesticidas no Brasil, líder mundial de uso desse tipo de produto. Só que há um diferencial nessa empresa: ela aposta no controle biológico de pragas como uma alternativa segura aos agrotóxicos – e até 40% mais barata. Com 80 funcionários e fundada há 11 anos, a partir de pesquisas acadêmicas, a BUG Agentes Biológicos é também conhecida como indústria de insetos. Explica-se: a empresa cria, em massa, especialmente vespas do gênero Trichogramma, que são minúsculas (até 1 mm de tamanho) e não têm ferrão – existem 210 espécies no mundo e 26 no Brasil. No entanto, esses miúdos insetos são inimigos naturais de pragas que atacam plantações importantes para a economia do País, como as de cana-de-açúcar 36
Inovação
e soja. Essas vespinhas vivem naturalmente no Brasil e em várias partes do mundo, e têm o poder de parasitar os ovos de mariposas e borboletas. Assim, impedem que esses ovos se transformem nas temidas lagartas destruidoras de plantações. O controle orgânico, segundo a BUG, consegue atingir um índice de até 90% de eliminação de pragas. “Além de mais barata, as vespas são uma alternativa natural aos agrotóxicos, cuja composição química pode ser muito prejudicial à saúde”, afirma o agrônomo Diogo Carvalho, sócio-fundador da empresa, eleita pela revista americana Fast Company, considerada a bíblia da inovação, como uma das 50 mais inovadoras do mundo, ao lado de gigantes como Apple, Facebook e Google. A empresa também tem um método para despachar as vespas ainda em formação. O pesticida natural é vendido em uma cartela dividida em 24 células. Dentro de cada uma delas,
fotos: Heraldo Negri
A vespa Trichogramma, que parasita os ovos de pragas inimigas que atacam lavouras de cana-de-açúcar e soja
Nas prateleiras, larvas fazem parte da produção em massa desenvolvida por empresa do interior de São Paulo
Inovação
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inovação | agronegócio
esta é uma alternativa natural aos agrotóxicos, que são tão nocivos à saúde” Diogo Carvalho, sócio da BUG
há uma cola especial, desenvolvida pela própria BUG, contendo entre 50 e 100 mil ovinhos de vespas, que serão posicionados na lavoura pelo agricultor. Quando nascem, as vespas saem das células por pequenos orifícios e começam a fazer o combate, que consiste em colocar seus próprios ovos dentro dos ovos de mariposas e borboletas. Depois, os ovos parasitados servem de alimento para as vespas. Uma cartela de ovinhos de vespa é
suficiente para proteger uma área de 1 hectare ou 10 mil m2, o equivalente a um campo de futebol. Com quatro biofábricas ou fábricas biológicas – Piracicaba, Charqueada, Engenheiro Coelho e Limeira, todas no interior de São Paulo –, a empresa é capaz de produzir vespas para cuidar de 450 mil hectares de plantação. Ela também exporta os ovos esterilizados para multiplicação de insetos para vários países da União Europeia.
OS MAIORES INOVADORES
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A revista norte-americana de negócios
e a Boo-box, focada em publicidade para
Fast Company divulga anualmente um
mídias sociais, ocupando o 45º lugar.
ranking com as 50 empresas mais
“O Brasil é o terceiro maior exportador
inovadoras do mundo. A equipe
agrícola do mundo e o maior consumidor
de editores faz uma pesquisa com
de pesticidas. A BUG tem a única
especialistas da área, analisa a saúde
alternativa aos agrotóxicos aprovado
financeira de empresas e verifica cada
pelos ministérios da Agricultura, Meio
produto desenvolvido para entender
Ambiente e Saúde”, publicou a revista,
as inovações de impacto do cenário
apontando a contribuição da empresa
cultural ou industrial.
ao meio ambiente.
Neste ano, a Apple foi eleita a empresa
Junto com o ranking mundial, a Fast
mais inovadora do mundo, seguida
Company divulgou uma lista das dez
pelo Facebook e Google. Apenas duas
empresas brasileiras mais inovadoras.
brasileiras apareceram no ranking
Nela, a BUG aparece em primeiro lugar,
mundial: a BUG Agentes Biológicos,
seguida pela Boo-box, Grupo EBX (holding
que ficou na 33ª posição do ranking,
fundada e presidida pelo empresário
Inovação
Lourenço Bustani, sócio-fundador da Mandalah, ocupa a posição mais alta entre os brasileiros: 48ª
fotos: Heraldo Negri
Diogo Carvalho, da BUG, e três espécies de vespa, capazes de fazer controle orgânico de lavoura, sem prejuízo ambiental
Ácaros também
A metodologia da BUG foi desenvolvida nos laboratórios da ESALQ durante o mestrado de Carvalho. O controle de pragas por meio de vespas já existia, mas era praticado apenas em pequenas plantações ou estufas. A grande sacada da empresa foi reunir pesquisa acadêmica com viabilidade comercial para produzir os agentes biológicos em grande escala. A empresa teve o apoio da Pesquisa Inovativa em Pequenas
Carla Schmitzberger, diretora de negócios da Alpargatas, que está em 97º no ranking
Empresas (PIPE), da FAPESP, e, depois, do Fundo CRIATEC, do BNDES. O encontro entre pesquisa e fundos de investimento permitiu o crescimento da empresa. “Esse apoio foi essencial para a profissionalização da gestão e o planejamento da governança corporativa e de nossa capacidade financeira”, afirma Carvalho. Em 2005, a BUG se fundiu a outra indústria e passou a atuar também na produção de ácaros, que protegem plantações de hortifrúti.
A BUG não divulga seu faturamento, mas tem na carteira clientes de peso da agricultura nacional e disputa um mercado de pesticidas que, só no Brasil, gira em torno de US$ 8 bilhões por ano. Tudo indica que o sucesso está garantido ao combinar tecnologia e inovação a favor da natureza e da sustentabilidade. “Esse diferencial representa o futuro do planeta. Um futuro que já começou”, diz Heraldo Negri, biólogo e diretor de produção da empresa. I
Eike Batista), Stefanini (empresa de
Nova York, Cidade do México e Tóquio.
serviços de tecnologia de informação),
Segundo a publicação americana,
Embraer (fabricante de aviões comerciais,
Bustani criou e desenvolveu novas ideias
executivos, agrícolas e militares), Petrobras
para empresas como Petrobras, Natura,
(empresa petrolífera), Predicta (soluções
Nike e GM, ajudando as companhias a
para marketing on line), F*Hits (plataforma
criar produtos, serviços e estratégias
feminina de mídia social e e-commerce
para fortalecer seus negócios.
de moda e estilo), Apontador (tecnologia
Na 54ª posição dessa lista, aparecem
e geolocalização) e Vostu (jogos on line).
Flavio Pripas e Renato Steinberg,
Além dos rankings mundiais e brasileiro,
que criaram a primeira rede social
a Fast Company divulgou ainda as cem
de moda do Brasil, a Fashion.me. O
pessoas mais inovadoras do mundo. Entre
97º. lugar está ocupado por Carla
elas, quatro brasileiros. Lourenço Bustani,
Schmitzberger, diretora de negócios
sócio-fundador da Mandalah, está na
da Alpargatas, que figura no ranking,
posição mais alta entre os brasileiros: 48ª.
de acordo com a publicação, por
A empresa de Bustani, definida pelo próprio
construir uma marca global com
como “boutique de inovação consciente”,
chinelos – leia reportagem sobre a
tem sede em São Paulo e escritórios em
empresa e as Havaianas na página 48).
Inovação
39
inovação | história
o homem da
tecnologia ogia ia AlAn turing, o pai da ciência
da computação, recebe homenagens em todo o mundo, inclusive no Brasil. Matemático, lógico e criptógrafo, foi ele quem criou, nos anos 1930, o computador que lutou contra Hitler por CÉSAR ALvES
no ano em que se comemora o centenário de nascimento do matemático inglês Alan turing, o mundo celebra sua vida e obra. Alardeado como o grande acontecimento intelectual de 2012, The Alan Turing Year tem como ponto de partida as universidades de Cambridge (Inglaterra), Princeton (Estados unidos) e demais instituições pelas quais turing construiu sua carreira. A organização da série de debates e palestras – que será realizada de forma simultânea a partir de junho em centros acadêmicos de todo o globo, inclusive no Brasil – ficou a cargo do grupo de notáveis que formam o turing Centenary Advisory 40
inovação
Committee (tCAC), cujo presidente é John Dermot turing, sobrinho de Alan. no Brasil, as atividades em torno do matemático acontecem na universidade Federal do Rio Grande do sul, em parceria com o Consulado Britânico e com direção dos professores Dante Barone e Marcelo Walter. Embora mereça ser inscrito entre os principais artífices do salto tecnológico ocorrido no século 20 e tenha exercido papel decisivo para a vitória aliada durante a segunda Guerra, Alan turing teve seus méritos praticamente abafados durante décadas, em um dos mais cruéis casos de injustiça histórica de que se tem notícia. Por ter estado
fotos: divulgação
O computador Colossus, construído sob a supervisão de Alan Turing e inspirado em sua máquina universal, quebrou o código nazista e virou o jogo na Segunda Guerra Mundial
à frente de seu tempo, Turing pagou seu preço e foi condenado a uma existência de isolamento e perseguição, culminada com final trágico. Matemático, lógico e criptógrafo, Turing estabeleceu ainda nos anos 1930 os fundamentos da computação digital. Do ábaco às máquinas de calcular de Charles Babbage, passando pelos engenhos de Schickard, Blaise Pascal e Leibniz, o computador teve vários precursores. Porém, é na máquina universal, descrita como instrumento de aferição das ideias propostas em sua tese matemática On Computable Numbers, que se encontra a raiz dos equipamentos que usamos hoje. Apenas
imaginada no artigo, a descrição da “Máquina de Turing” foi base do protótipo de Colossus, esse sim, o primeiro computador moderno. Construído a pedido do governo sob a supervisão do matemático, Colossus foi instrumento decisivo a serviço da inteligência aliada na luta contra os países do Eixo. Seu gênio inquieto, no entanto, caminhava a passos largos e, ainda que os primeiros computadores construídos fossem pouco mais que grandes máquinas de calcular, Turing já se questionava sobre o seu potencial no futuro. Em artigos científicos, formulou questões, ainda sem respostas, que antecipavam a ciência da inteligência
artificial. Seu experimento imaginário, conhecido como Teste de Turing, tentava responder à pergunta que ainda hoje direciona a pesquisa de cientistas e tecnólogos da área: “Se uma máquina for avançada o suficiente para se passar por um ser humano em uma conversa, seria correto atribuir-lhe inteligência e conhecimento?”. Os conceitos de Turing só agora começam a entrar em nova fase. Dar o próximo passo lógico no trabalho do matemático é o que motiva a pesquisa de Hava Siegelmann, especialista em redes neurais. Desde 1993, Hava vem desenvolvendo o sistema batizado Super-Turing, um computador com
Inovação
41
inovação | história
TuRING No CINEMA E EM LIvRoS ainda ouviremos muito sobre alan turing nos próximos anos. Hollywood pretende prestar suas homenagens na cinebiografia The Imitation Game, com base no livro Alan Turing: The Enigma, de andrew Hodges. Sob a direção de ron Howard, o mesmo de Uma Mente Brilhante, o filme teria leonardo di caprio cotado para interpretar o matemático. desde sua redescoberta, é extenso o número de livros publicados sobre a vida e obra de alan turing. apesar disso, no Brasil ainda são poucos os títulos à disposição. Para os leitores interessados
base em estímulo-resposta, capaz de armazenar dados e evoluir de forma próxima ao funcionamento do cérebro humano. A cientista acaba de conseguir os recursos para a construção de seu protótipo e afirma que, caso os resultados sejam positivos, entraremos na era das máquinas inteligentes, até aqui exclusividade do universo da ficção científica. Graças aos computadores, as previsões quanto ao mapeamento do gene humano foram antecipadas em meio século, não é incorreto afirmar que não existe uma só área das ciências modernas na qual turing não teve algum tipo de impacto. Em seus últimos anos de vida, o cientista se dedicava também à morfogênese, tentando desenvolver uma fórmula matemática que explicasse a vida tal qual Einstein explicou o funcionamento do universo.
em conhecer mais sobre o “Pai do computador”, ficam aqui as dicas
O intelectual e a Branca de Neve
de Turing e o Computador em
“Alan se interessava por números”, assim Ethel sara turing descreveu o filho durante o período pré-escolar. Filho de um agente do governo britânico, o menino de classe média que gostava de estudar os números nos postes de iluminação, nasceu em 23 de junho de 1912. Desde a infância, demonstrava inaptidão para o convívio social, tendência à introspecção e chamava atenção pela gagueira, o desleixo no vestir, o desrespeito às regras e por tratar com ironia colegas e professores. Desde garoto, turing foi obcecado por Branca de Neve e os Sete Anões.
90 Minutos, da série 90 Minutos, da Jorge Zahar editor, que traz um breve relato de sua vida e sua colaboração científica; já a biografia O Homem que Sabia Demais – Alan Turing e a Invenção do Computador, da editora novo conceito, oferece um apanhado geral de sua existência e é obra destinada aos mais curiosos.
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inovação
segundo pessoas próximas, ele teria ficado fascinado com a adaptação do conto de fadas realizado pela Disney em desenho animado. Gostava, principalmente, da cena em que a bruxa má preparava a maçã envenenada em um caldeirão, cujas falas turing costumava repetir de cor. Dono de um comportamento excêntrico, turing descobriu-se homossexual quando se apaixonou por um amigo na adolescência. O período também marca o despertar de seu interesse pela criptografia e a decisão de se especializar em matemática. Contemplado com uma bolsa para estudar no King’s College, em Cambridge, curso de graduação que ingressou em 1931, ele deu início a uma notável carreira acadêmica. Quando sua revolucionária tese On Computable Numbers foi publicada, em 1937, ele já havia cruzado o Atlântico para um doutorado em Princeton. Dois anos depois, já de volta à Inglaterra, o potencial de suas ideias havia chamado a atenção do serviço de inteligência militar britânico. Embora não se considerasse um patriota, turing tinha noção do perigo representado por Adolf Hitler e aceitou chefiar um projeto secreto, que tinha como missão decifrar o sistema Enigma, que tornava impossível aos aliados interceptar mensagens trocadas entre os alemães. Baseado em sua máquina universal e sob sua supervisão, foi construído o computador Colossus que, no auge de seu
Máquina usada para cifrar mensagens. Na outra página, reprodução do ambiente de trabalho no escritório de Inteligência de Bletchley, onde Turing e seu grupo quebraram o código alemão
especialistas defendem que, sem a colaboração de alan turing, a história da humanidade poderia ter sido outra e o desembarque das tropas aliadas nas praias da normandia poderia ter levado mais tempo e ao custo de mais vidas. com o final da guerra, ele gozou de certo prestígio
fotos: divulgação
Réplica de um dos supercomputadores, construídos com a colaboração de Alan Turing e responsável por decifrar o indecifrável sistema Enigma alemão
funcionamento, pôde quebrar o antes inquebrável sistema criptográfico alemão e antecipar os movimentos dos submarinos e tropas nazistas, oferecendo vantagem aos aliados e virando o jogo da guerra. Alguns especialistas defendem que, sem a colaboração de Turing, a história poderia ter sido outra e o desembarque das tropas aliadas nas praias da Normandia poderia ter levado mais tempo e ao custo de muito mais vidas. Com o fim da guerra, Turing gozou de certo prestígio. Colaborou com a construção do primeiro computador norte-americano, o famoso ENIAC, foi empossado vice-diretor do laboratório de computação da Universidade de Manchester e foi eleito para a Royal
Society. Sua vida pessoal, no entanto, causava constrangimento a seus superiores e, devido a seu conhecimento sobre projetos secretos do governo, passou a ser visto como um perigo. Em 1952, Turing deu queixa contra um namorado que havia roubado seu apartamento em sua ausência, o que se provou um erro trágico. Ao invés de procurar pelo ladrão, as autoridades o processaram por indecência flagrante e homossexualismo, considerado crime na época. Enquadrado na mesma lei que, décadas antes havia dado início ao martírio de Oscar Wilde – somente revogada em 1968 –, Turing foi obrigado a cumprir pena alternativa na forma de um tratamento à base de
hormônios e eletrochoques que deveriam “curá-lo” de sua condição. Em profunda depressão, destruído pelo tratamento, vendo seu nome excluído de projetos e negado seus pedidos de verba para pesquisas, a cena o inspirou no ritual de suicídio que marcou seu último ato. Em 7 de junho de 1954, Turing mordeu uma maçã como fazia todas as noites antes de se deitar. Naquela noite, no entanto, o fruto teria sido tratado com cianeto, a exemplo da bruxa má. Embora nunca confirmada por Steve Jobs, a maçã da Apple seria uma homenagem a Turing. Nos anos que se seguiram, as autoridades trataram de abafar o caso e, com o passar do tempo, o nome Alan Turing foi praticamente apagado dos registros históricos. O resgate só aconteceu em meados dos anos 1980. Ainda assim, muitos que escreviam a seu respeito procuravam abafar detalhes de sua vida, como se a sexualidade de Turing representasse uma mancha em sua trajetória. Mas não há como negar a importância simbólica do cientista na luta contra a homofobia. Por outro lado, reduzi-lo a mártir de uma causa pode ser tão prejudicial à memória dele quanto reconhecer a importância do intelecto que compôs a obra, porém escondendo dados pessoais que definiram o homem. Talvez a melhor forma de celebrar Alan Turing seja como o homem que nos presenteou com o futuro e sua existência representa a importância do respeito aos direitos individuais dos seres humanos. I
Inovação
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inovação | conceito
quer um
desse?
só daqui a pouco Uno Ecology é apenas um protótipo. O carro ecológico da FIAT ainda não pode ser visto nas ruas, mas a tecnologia para fabricá-lo já está quase toda finalizada
por Marleine Cohen
Cortar o cordão umbilical. Se a indústria automobilística está tradicionalmente associada a poluição ambiental e emissão de gás carbônico na atmosfera, as montadoras agora procuram se despir da imagem de vilãs e começam a abraçar a bandeira da sustentabilidade. O primeiro passo é romper com a obrigatoriedade da gasolina e multiplicar alternativas tecnológicas: carro elétrico, solar, movido a etanol, a biodiesel... Em meio a esse movimento, a FIAT decidiu investir na proposta de fabricar um carro-conceito com componentes ecologicamente corretos. “Tudo começou quando um fornecedor de para-choques nos apresentou um material à base de bagaço de cana, resultado da produção de açúcar e etanol”, diz Peter Fassbender, gerente de Design da montadora. “Não só o aproveitamos, como buscamos incorporar outras tecnologias renováveis e materiais recicláveis.” 44
Inovação
Assim será o Uno Ecology, quando for fabricado em escala industrial
carro Zero ProBleMa ●o
motor 1.0 concebido para rodar 100% à base de etanol e já sai de fábrica calibrado para consumir só esse tipo de combustível.
● os
para-choques são feitos à base de bagaço de cana, resultado da produção de açúcar e etanol. com o bagaço de cana, fabricaram-se ainda as peças plásticas do carro.
● os
bancos foram confeccionados com fibra do coco, dispensando o uso de cerca de 7 kg de espuma de poliuretano – substância em grande parte derivada também do petróleo. revestimento em látex, desenvolveu-se o volante do protótipo e com Pet reciclado foram feitos os tapetes e o tecido que reveste os bancos.
● um
sinal luminoso indica ao motorista que o automóvel está rodando com algum pneu mal calibrado – o que pode acarretar aumento em até 5% no consumo de combustível.
inovação
FoTo: DIvuLGAção
● com
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inovação | conceito “A ideia”, explica Paulo Matos, supervisor de Estratégia de Inovação da empresa, “era fazer uma leitura de como deve ser um automóvel ecológico.” Resultado: apresentado no Michelin Challenge Bibendum de 2010 – encontro anual promovido pelo fabricante de pneus francês Michelin e maior evento internacional para dar visibilidade à mobilidade sustentável –, o protótipo Uno Ecology mostrou que, se o carro ecológico ainda não pode ser visto nas ruas, a tecnologia para fabricá-lo está quase consolidada. E mais, embora se trate de “um projeto interno, que visa tangibilizar soluções de sustentabilidade, transferindo a tecnologia do protótipo para uma linha de produção somente na medida em que a cadeia de fornecimento for se tornando mais robusta”, como explica Toshizaemom Noce, supervisor de Inovação da FIAT, algumas características reunidas no Uno Ecology começam a aparecer desde já em escala industrial, em modelos novos como o Bravo 2011-2012, que entre outras novidades incorporou o sistema TPMS (Tyre Pressure Monitoring System). Ao emitir um sinal luminoso, esse dispositivo comunica ao motorista que o automóvel está rodando com algum pneu mal calibrado – o que pode acarretar aumento de até 5% no consumo de combustível. A maior inovação do Uno Ecology está por conta da farta utilização de fibras naturais no acabamento interno. Com bagaço de cana-de-açúcar, por exemplo, fabricaram-se as peças plásticas do automóvel, uma troca que resultou em diminuição do peso total da ordem de 8%, em relação aos modelos convencionais. Ao todo, 5 kg de fibra de vidro foram substituídos pela de cana. Com a fibra do coco, confeccionaram-se os bancos do carro, dispensando o uso de cerca de 7 kg de espuma de poliuretano – uma substância em grande parte derivada também do petróleo. Com revestimento de látex à guisa 46
Inovação
de couro ecológico, desenvolveu-se o volante do protótipo. Com PET reciclado, foram feitos os tapetes e o tecido que reveste os bancos do Uno Ecology – um material permeável ao ar, antifungo, reciclável, que permite a recuperação energética plena no final de seu ciclo de vida. No total, 4,5 kg de tecido deram lugar a fibras obtidas a partir da reciclagem de cerca de 30 garrafas PET. Segundo Toshizaemom Noce, ao todo calculam-se 16,5 kg de material renovável utilizados no protótipo. Mas, ao lado da substituição de matéria-prima originária do petróleo por fontes renováveis, a grande vantagem, segundo ele, está na nova maneira de enxergar o velho estigma da indústria automobilística: “Não olhamos mais a emissão de CO2 como proveniente apenas do escapamento do veículo. O grande diferencial está em levá-la em conta desde a produção dos componentes do carro até seu descarte final”, daí a necessidade de incorporar matéria-prima reciclável, de origem renovável, biodegradável e obtida por meio de um claro compromisso social, ou seja, que absorva o trabalho de cooperativas. Motor 1.0
A proposta de reduzir o impacto ambiental do carro-conceito também resultou em inovações mecânicas. No Uno Ecology, o motor 1.0 foi especialmente concebido pela FPT – Powertrain Technologies, para rodar 100% à base de etanol e já sair de fábrica calibrado para consumir apenas esse tipo de combustível, o que lhe confere máximo desempenho energético. Segundo Paulo Matos: “Além de ser fonte de energia renovável, é uma alternativa técnica e economicamente viável que tem a vantagem
de proporcionar menos emissões de CO2, em comparação a um motor convencional que utiliza gasolina – isso considerando todo o ciclo, desde o plantio da cana-de-açúcar, passando pelo seu crescimento, quando absorve CO2 durante a fotossíntese, até a utilização do veículo”. Ainda em relação à mobilidade sustentável, o protótipo contou com dispositivos que ajudam o motor a poupar combustível. É o caso do teto solar fotovoltaico, constituído de células no painel posterior que ajudam a recarregar a bateria, reduzindo o esforço do motor para gerar energia e, consequentemente, economizando gasolina. Projetado para gerar uma potência
elétrica de 35 W, levando em consideração uma exposição de oito horas diárias ao sol durante 30 dias, esse teto inspirou o Sky Dome do FIAT Punto, já incorporado ao modelo. Outra tecnologia visando a economia de combustível, igualmente presente no carro-conceito, é a película anti-infravermelho. Ao reter o calor, ela consegue diminuir a necessidade de usar o ar condicionado na potência máxima, o que representa uma redução do consumo de combustível de, aproximadamente, 1%, em comparação à utilização do ar condicionado na carga total, para manter a mesma temperatura.
A tecnologia está aí, mas ainda não tem fôlego para uma cadeia industrial” Paulo Matos, supervisor de Estratégia de Inovação
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Painel ecológico e teto solar que ajuda a recarregar a bateria do carro
O start-stop é uma tecnologia que foi igualmente introduzida no Uno Ecology, para gerar consumo menor de combustível. Usado em alguns modelos europeus, mas ainda inédito no Brasil, o sistema desliga o motor do veículo quando o motorista para em um semáforo e o religa automaticamente quando o pedal da embreagem for acionado, resultando em economia de gasolina de cerca de 5% na malha urbana. Até o momento, essas são as principais soluções de mobilidade com materiais alternativos, reutilizáveis e não poluentes de que dispõem a montadora. Promissoras, inovadoras, não deixam de provocar questionamentos: afinal, se a tecnologia que permite menor poluição ambiental por parte da indústria automobilística já está consolidada, por que não usá-la em larga escala? O supervisor de Estratégia de Inovação da FIAT responde: “A tecnologia está aí, mas a indústria ainda não tem fôlego para dar conta de uma escala industrial. Dependemos da maturação da cadeia de fornecimento”, afirma Paulo Matos,
destacando que só em relação aos substitutos das peças de plástico, a FIAT mantém parceria com seis fornecedores. Em outras palavras, é preciso dar tempo para que as cooperativas que fazem coleta de matéria-prima e recicláveis se estruturem, atendam às exigências da legalidade trabalhista e possam prover as montadoras com grandes quantidades. Enquanto a sociedade não se organiza para isso, do lado da montadora, a área de Inovação “dá seguimento ao conceito Uno Ecology, monitorando as novidades no mercado”, informa Matos. Mais que tudo, ela sinaliza uma nova mentalidade corporativa, avalia Peter Fassbender: “Para produzir ideias, fomentamos processos internos que estimulem a cooperação e o empreendedorismo dos nossos funcionários, por meio de uma plataforma na intranet em que eles podem apresentar suas sugestões. Outra fonte importante de ideias são as feiras da Pequena Empresa, que promovemos regularmente na fábrica para que nossos fornecedores se sintam encorajados a trazer soluções inovadoras e modernas em suas respectivas áreas de atuação”.
Mas a grande iniciativa geradora de ideias é, de acordo com o designer: “Uma abordagem centrada no fator humano e no contato com o cliente, que permite interpretar que tipo de experiência de dirigir um automóvel o consumidor espera ter”. Localizado no Centro de Desenvolvimento Giovanni Agnelli, em Betim, Minas Gerais, o núcleo de Inovação da FIAT e seus 800 profissionais não só se dedicam a desenvolver novos produtos e tecnologias que atendam necessidades, mas tratam de se manter antenados para captar tendências e se antecipar a elas. “Criando conceitos, e não só tecnologia, os designers da FIAT vão além e inovam: passam para o papel formas de ver o mundo apontadas pelo mercado”, explica Fassbender. É justamente esse olhar para os anseios do mercado que projeta os automóveis da FIAT na direção de um horizonte sem poluição ambiental, no mais curto prazo e o quanto antes. Um trabalho de formiga que dá mais oxigênio à indústria automobilística. E, certamente, lança menos gás carbônico sobre a humanidade. I
Inovação
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inovação | caso de sucesso
Com os
pés no mundo
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Inovação
hAVAiAnAs chega aos 50 anos
esbanjando vitalidade. A marca, que começou com um chinelo popular, se transformou em objeto de desejo de dez entre dez consumidores e alcançou o mundo. Agora, exporta sua estratégia de marketing aos cinco continentes
FOTO: DIVULGAÇÃO
por FABíoLA MuSARRA
a peça publicitária da marca exibe uma “instalação” das legítimas em frente à torre eiffel
inovação
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inovação | caso de sucesso
G
novidade no mercado: modelos estampam obras de arte assinadas por tarsila do amaral (ao lado) e di cavalcanti
FoToS: CAMILA PICoLo
rife cobiçada em todo o planeta, as sandálias Havaianas são um case de criatividade e empreendedorismo nacional. sua estratégia de marketing é, ao lado de suas coleções, exportada para os cinco continentes. no País, é líder absoluta em seu segmento, detendo 85% do market share. Possui 211 franquias espalhadas pelo Brasil e em 85 países, além de estar em concorridas vitrines de polos internacionais da moda, como Paris, Roma e nova York. A novidade da marca, que completa seu cinquentenário neste ano, é a coleção de 50 sandálias inspiradas em obras que participaram da semana de Arte Moderna de 1922, também em data-chave de 90 anos. Os modelos femininos homenageiam tarsila do Amaral e os masculinos, Di Cavalcanti. Performance invejável para uma sandália que, um dia, foi popular – consumida por pessoas de menor poder aquisitivo – e considerada pelo governo federal um dos itens da cesta básica, composta por produtos usados para controlar a inflação nos anos 1980. se naquela época comercializava apenas um modelo em quatro cores – amarelo, verde, azul e preto – com palmilha branca, hoje são 104, sendo 64 deles destinados exclusivamente ao mercado externo.
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inovação
FoToS: DIvuLGAção
no Brasil, duas coleções com 70 modelos de estampas e combinações diferentes são lançadas por ano: primeiro, para o trade e formadores de opinião, sempre em junho e setembro. Em seguida, em agosto e novembro, os lançamentos chegam aos consumidores, hoje um verdadeiro fã-clube da marca – alguns até criaram blogs e páginas na internet só para comentar sobre a sua sandália preferida. Para dar uma ideia, 8,5 entre cada 10 brasileiros têm pelo menos um par de Havaianas. Hoje, todo mundo usa, mas nem sempre foi assim. As Havaianas começaram a ser fabricadas, em 1962, pela são Paulo Alpargatas, atual Alpargatas s.A., do grupo Camargo Corrêa. Detentora das marcas topper, Rainha, Mizuno, timberland, Dupé, sete Léguas e Meggashop, é líder de quase 50% do setor de chinelos do País. Após a compra da Alpargatas Argentina em 2008, consolidou-se como a maior empresa de calçados da América Latina, terminando 2011 com o faturamento de R$ 2,6 bilhões, percentual 15,4% superior ao do ano anterior. É ainda integrada por duas subsedes: a Alpargatas usA e a Alpargatas Europa, cuja receita líquida do volume de sandálias comercializado no ano passado, somado ao exportado pelo Brasil, foi de R$ 238,4 milhões – 15,6% maior ao registrado em 2010. Ou seja, sucesso absoluto. Com lojas em são Paulo, Londres, Roma, Valência e nova York, a marca
as Havainas estão em editoriais de moda, camarotes de festas baladas e até nos pés de stars, como Jennifer aniston e Britney Spears
inovação
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inovação | caso de sucesso
“Os modelos são limitados. se gostar de um, compre na hora. Depois, não conseguirá mais Rui Porto, há 27 anos na Alpargatas, é um dos principais responsáveis pela consolidação da marca
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Inovação
quer fechar este ano com 250 franquias e pontos de vendas e conquistar novos mercados – em 2011, entrou na Índia, no Paquistão e na Indonésia. “Em 2012, queremos ampliar a nossa atuação na Índia e ingressar no México, países com um atraente potencial de crescimento”, antecipa o advogado e publicitário Rui Porto, um dos principais responsáveis pela consolidação da marca. Há 27 anos na Alpargatas, onde já foi diretor de Comunicação e Mídia, o executivo atualmente é consultor nas áreas de Publicidade, Mídia, Pesquisa, Promoção, Eventos, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas. Porto atribui o sucesso da marca à sua estratégia de marketing e a seus valores intangíveis. Segundo explica, as Havaianas são um produto de qualidade, cujos modelos são lançados segundo pesquisas formais, informais e mensais. Ao mesmo tempo que são sandálias de borracha, democráticas e inclusivas, também são modais e sensuais. Têm como conceito a brasilidade, a alegria e a irreverência. Por isso, são bem-humoradas. “Essa é a alma da marca”, traduz. Exportar essa “alma” para países com culturas, hábitos e condições climáticas tão diferentes do Brasil requer expertise. Porto explica que as Havaianas são reconhecidas internacionalmente por sua qualidade, forte característica do produto. Por isso, são bem vendidas em países com invernos rigorosos, como os Estados Unidos, quanto nos ensolarados, como a Austrália. Mas não é só. Antenada, a marca este ano aplicará parte de suas verbas de marketing para aumentar as vendas dos tênis Havaianas, uma fórmula para combater a sazonalidade das vendas, que caem nos meses de frio. Em média, a Havaianas destina algo entre 12% e 14% de seu faturamento anual às ações de marketing. “No Brasil, anunciamos em revistas e TVs abertas e por assinatura. No exterior, nos restringimos mais às revistas”, diz o executivo.
Padrão exportação
A diversificação de produtos faz parte da estratégia de crescimento da Alpargatas – no ano passado, a empresa renovou sua identidade visual e passou a ter um novo logotipo, a fim de se consolidar com uma gestora de marcas globais. Dentro dessa filosofia, novas categorias de produtos com a marca Havaianas, como tênis, meias e toalhas, chegaram ao mercado. “Também apostamos na customização como uma excelente forma de contato direto com o consumidor.” Na capital paulista, o Espaço Havaianas é um exemplo. Situado na rua Oscar Freire, nos Jardins, reserva uma área em seu interior com dezenas de tiras e solados de cores variadas, para aqueles que desejam criar um modelo exclusivo da sandália. A customização é, por sinal, outra das estratégias exportadas por Havaianas. Em 2011, promoveu eventos “Make Your Own Havaianas – Invente sua própria Havaianas”, nas concorridas lojas de departamento espanholas El Corte Inglés, inglesa Selfridges e parisienses Galeries Lafayette. Como a customização, os projetos de marketing bem-sucedidos aqui são exportados para todos os países que comercializam a sandália, onde são ajustados à cultura local. Porto explica que as adaptações são necessárias porque a marca pode estar em diferentes estágios de desenvolvimento em cada país. O canal de venda também é importante. Por isso, é imprescindível conhecer os costumes locais. “O italiano compra mais em lojas de departamento, enquanto o francês prefere as lojas de rua. Já na Espanha, em Portugal e na Grécia existe uma grande cadeia de lojas.” Para avaliar e gerenciar o sucesso de uma estratégia exportada, as Havaianas recorrem aos profissionais de marketing que trabalham em suas subsedes e escritórios do exterior, conversando com eles por videoconferências sobre as tendências do mercado e sobre como
está a marca naquele país. “são esses gerentes que também nos informam quando uma ação dará certo ou não.” As Havaianas hoje são vendidas tanto na nova-iorquina saks Fifth Avenue como na venda da esquina. Calçam bebês, crianças e adultos e acompanham todos os trajes da praia à festa. seus modelos estão em editoriais de moda, em camarotes de festas badaladas e nos pés dos candidatos ao Oscar. todo esse sucesso só é possível graças a uma brilhante estratégia de marketing, iniciada na década de 1990. Virada do jogo
Quando foi lançada, composta por fino solado de palha de arroz e tiras de tecido, as Havaianas revolucionaram o setor. Com preço baixo, foi logo copiada pelos concorrentes. “São fajutas”, alertavam os comerciais, nos anos 1970, protagonizados pelo falecido humorista Chico Anysio. Assim, as “Legítimas, que não deformam, não soltam as tiras e não têm cheiro” tornaram-se cada vez mais populares. Mas, ao contrário de resultados positivos, a sua crescente massificação levou a rentabilidade aos menores níveis no final dos anos 1980, quando foi enquadrada na categoria de commodity. Hora de rever o jogo. Arrojada, a Alpargatas mudou todo o seu mix
de produtos e de marketing, desde a embalagem e a exposição no ponto de venda até a comunicação da marca. O reposicionamento começou em 1994, com o lançamento das Havaianas top, uma segmentação de seu carro-chefe. Com cores alegres e alinhadas às tendências da moda, a linha foi criada a partir da observação dos hábitos do consumidor. “notamos que as pessoas de classes mais altas viravam a palmilha branca das Havaianas para baixo, tornando-as monocromáticas. Esse foi o ponto de partida para lançarmos a coleção”, diz Porto. Para valorizar o produto, facilitar a escolha e impulsionar as vendas, as Havaianas ganharam nova embalagem e passaram a ser expostas em displays nas lojas – até então, eram embrulhadas em sacos plásticos e despejadas em cestos. A logística da distribuição também foi repensada e cada ponto de venda passou a receber uma sandália diferente, de acordo com seu target. “Essa estratégia prevalece até hoje. Os modelos são limitados. Por isso, se gostar de um, compre na hora. Depois, não conseguirá mais.” Paralelamente, a marca apostou no patrocínio a eventos de moda e no trabalho de assessoria de imprensa e relações públicas com os formadores de opinião e jornalistas, a quem
presenteava com versões exclusivas da sandália. nas campanhas de tV produzidas pela Almap (hoje, AlmapBBDO), celebridades surgiam com suas Havaianas top nos pés. Em revistas e jornais, as imagens de seus anúncios traduziam a sua brasilidade, enquanto o slogan “Todo mundo usa” comunicava a mudança de seu público-alvo. toda essa estratégia fez a marca ser querida pelas pessoas, deixando de ser uma mera sandália de borracha para se transformar em um acessório de moda. “Havaianas está ligada ao estilo da moda e como é uma marca forte e respeitada, estará sempre na moda”, acredita Porto. Atualmente, a sandália é feita em Campina Grande (PB), onde são produzidos nove pares por segundo. na metade do ano, será inaugurada uma nova unidade fabril em Montes Claros (Minas Gerais), destinada à produção exclusiva de Havaianas. Quando estiver operando, a fábrica vai gerar mais 2.500 empregos diretos e indiretos – hoje, tem cerca de 19 mil profissionais. Inovadora e incansável em sempre se reinventar, a marca tem a sua fórmula de sucesso para se manter como grife cobiçada: “É preciso ouvir o consumidor e ter muita informação, inspiração e transpiração”, resume Porto. I % vendas total
o CRESCIMENTo DAS vENDAS INTERNACIoNAIS 30
13,7% 12,0%
25
10,2% 20
8,6%
15
5,0% 10
5
1,3%
1,7%
2,9%
3,5%
08 20
07 20
06 20
05 20
04 20
03 20
02 20
01 20
00 20
99
0
19
volume (milhões de pares)
7,8%
inovação | entrevista
Luiz Carlos de Moraes Rego, em frente a uma tapeçaria do artista Manabu Mabe
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Inovação
Já
o Futuro é
inoVAÇÃo. Existem mais de 2,5 milhões de
termos na internet que procuram explicar o conceito. Luiz Carlos Moraes Rego, professor da Fundação Getulio Vargas, esclarece o assunto e aponta quais os principais fatores que levam empresas ao atendimento de aspirações ainda não alcançadas texto ALICE SoSNowSKI fotos DANIEL PERA/PHoTo5
inovação
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inovação | entrevista
Uma empresa precisa estar aberta para ouvir o que diz o mercado, perceber as ameaças e estar disposta a mudanças”
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le fez parte da primeira turma de formandos em Engenharia Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, é autor da ideia da exploração de serviços de informação digital via rede telefônica comutada (videotexto) e foi cofundador do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP. Com 79 anos, dois filhos e cinco netos, Luiz Carlos Moraes Rego trabalha há mais de 50 anos com inovação. Desde 2004, ele se dedica ao ensino, pesquisa e consultoria. É professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e membro do Fórum de Inovação da FGV. Em mais de três horas de conversa com a revista INOVAÇÃO!Brasileiros, Moraes Rego discorreu sobre teorias da inovação e perspectivas para o Brasil. Deu exemplos de empresas e países inovadores e salientou que a inovação é o direcionador estratégico para o Brasil. A seguir, os melhores momentos desse encontro. Inovação – Fala-se muito em inovação. Mas o que significa esse termo? Luiz Carlos Moraes Rego – No Google, existem 2,5 milhões de termos que explicam inovação. Os conceitos estão concentrados em áreas como criatividade, invenção aplicada, modelos de negócios e – o que acho melhor – aqueles que definem inovação como “o atendimento de aspirações ainda não atendidas”. Mas inovação é a mistura de conceitos que se traduzem de forma simples em uma equação construída pelo economista austro-americano Joseph Schumpeter: ele a define como “crescer lucrativamente de forma sustentada por período prolongado, considerando-se responsabilidade social e ambiental”. Inovação – Como implementar esse conceito nas empresas?
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L.C.M.R. – É preciso entender primeiro que existem dois tipos de inovação: a sustentadora, que alicerça o core da empresa, ou seja, a atividade que faz a corporação sobreviver. E a disruptiva, que causa uma ruptura no modelo de negócios. É fundamental para as empresas focarem nesses dois elementos: de um lado, o cuidado com o presente e, de outro, a visão de futuro. A empresa que quer se eternizar precisa crescer continuamente. Tem de construir o futuro desde já. Também é essencial perceber que no mundo globalizado ninguém mais trabalha sozinho. A inovação pode estar em qualquer lugar e para isso é preciso criar uma rede de parcerias colaborativas. É o chamado oppen innovation, que nada mais é do que montar ecossistemas empresariais globais. Inovação – Open innovation, então, é uma evolução no conceito de inovação? L.C.M.R. – A inovação está caminhando para a colaboração, é um modelo que está dando certo. Segundo Clayton Christensen, professor de Harvard, participar do ecossistema é uma vantagem competitiva. A empresa não pode fazer tudo sozinha. Ninguém é dono do conhecimento completo. Se antigamente as empresas ditavam o que o consumidor queria, hoje esse cenário está desaparecendo. Com a globalização e o amadurecimento dos mercados, os agentes se multiplicaram, os stakeholders (acionistas, funcionários, fornecedores e compradores) agora participam ativamente do jogo e as regras mudaram. Por isso, empresas muito focadas no core que se julgam autossuficientes estão perdendo espaço. Inovação – Por que é tão difícil assumir esse novo paradigma nos negócios? L.C.M.R. – Toda empresa tem um DNA, uma cultura formada pelo que chamamos de RPV, que são os recursos, processos e valores corporativos.
Esse DNA é tão arraigado que não muda com facilidade. Quem tem anos de sucesso com o mesmo RPV, não quer se arriscar. Porém, se o DNA corporativo não está adequado ao novo mundo, a empresa pode morrer. Temos ao longo da história exemplos que mostram corporações que não mudaram e perderam terreno, como as empresas de tecnologia que não viram a oportunidade com o surgimento dos PCs ou os engenheiros da Boeing que se recusaram a investir tempo para fazer um avião de médio porte e foram surpreendidos pela Embraer, uma empresa brasileira sem tradição no mercado. Por isso, sempre recomendo que as empresas invistam em aquisições e spin-offs (termo utilizado para descrever uma nova empresa que nasce a partir de um grupo de pesquisa para explorar um novo produto ou serviço de alta tecnologia), para ter a capacidade de adotar coisas novas e praticar a inovação. A empresa precisa olhar para o futuro. Tem de estar atenta para ouvir o mercado, perceber as ameaças de novos entrantes e estar disposta a mudar. Inovação – Então, a concorrência é importante? O que faz uma empresa ser inovadora? L.C.M.R. – Muito. A disputa entre as empresas é a força de melhoria e de mudanças no mercado. A falta de concorrência é um entrave para a inovação. A Embraer é um exemplo disso. Ela enfrentou desafios e resistiu a muitos ataques. Sua grande sacada foi identificar um nicho de mercado e montar um ecossistema empresarial global, não só nacional. A empresa foi rápida em identificar uma oportunidade e disponibilizar o produto no mercado. Para isso, delegou funções para terceiros e montou um ecossistema empresarial global e se diferenciou das concorrentes. Para falar de um exemplo mais recente, posso citar a AxisMed, empresa que percebeu
uma lacuna na gestão preventiva da saúde e desenvolveu um software para gerenciamento de doentes crônicos, diminuindo custos para as operadoras de saúde e melhorando a vida dos pacientes. Identificou uma necessidade e adaptou ao mercado nacional, o que representou uma inovação disruptiva para o Brasil.
a falta de concorrência é um entrave para a inovação. a disputa é a força de melhorias”
Inovação – O senhor citou duas empresas com exemplos de inovação. O Brasil é um país inovador? L.C.M.R. – Não está mal. No ranking mundial do Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum – WEF), o Brasil está em 53o lugar (Relatório de Competitividade Global). Mas deixa a desejar principalmente no apoio institucional à inovação. Não existe um caminho organizado para inovar: são diversas as fontes de financiamento, processos confusos para conseguir apoio, leis conflitantes. As leis específicas para inovação ajudaram apenas setores de tecnologia da informação. Nem por isso, o
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no livro Perspectivas da Sociedade da Informação no Brasil, o professor Moraes rego assina o artigo O impacto da Informatização na Economia Brasileira
Brasil ganha nessa área. Ao contrário. Estamos perdendo espaço e já fomos um player importante em tI. Caímos na comodidade de importar tudo por que o País está gerando divisas com a venda de commodities. Esse é um drama brasileiro: dormimos em berço esplêndido. nos últimos anos, a China ajudou muito comprando matéria-prima básica. O Brasil tem dado sorte, mas os recursos acabam e as regras do jogo mudam. Assim como as empresas, o Brasil depende das ameaças para ser um país inovador. Enquanto estamos preocupados apenas em sobreviver, não pensamos no amanhã. Inovação – Quais fatores poderiam alavancar a inovação brasileira? L.C.M.R. – toda inovação tem um risco associado, e o empresariado brasileiro não gosta disso. temos influência do imediatismo: os políticos são eleitos em curto prazo, os empresários são cobrados por resultados agora. O que não gera valor imediato é protelado. Outra coisa é o fator internacionalização. O Brasil se integrou na economia global. Esses dois processos mexem com a cultura do País. É necessário mudar o DnA, não é fácil, mas é melhor fazer devagar, do que não fazer.
A CoREIA Do SuL CRESCEu PoR CAuSA DA EDuCAção. HoJE, A RENDA PER CAPITA Do PAíS É DEz vEzES MAIoR quE A Do BRASIL” 58
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Inovação – Essa falta de planejamento tem a ver com a educação? L.C.M.R. – Certamente. temos um déficit grande de qualificação para inovação. Veja o exemplo da Coreia do sul: cresceu de forma surpreendente por causa da educação. Há alguns anos, a renda per capita daquele país era menor que a do Brasil. Hoje, é dez vezes maior. O Brasil precisa investir em educação e aumentar a integração das universidades com as empresas. Gerar conhecimento que seja reproduzível para que outras empresas possam se beneficiar disso. Mas, aqui, a universidade está mais preocupada em
produzir artigos acadêmicos que transmitir conhecimento. Inovação – Qual o objetivo do Fórum de Inovação? Como ele tem atuado? L.C.M.R. – O fórum estimula a convivência entre empresário e acadêmicos, e incentiva o compartilhamento de ideias. O principal objetivo é produzir conhecimento e ser um referencial sobre organizações inovadoras. sua grande conquista em 12 anos de existência foi conseguir se integrar com grandes players da indústria nacional, identificar problemas, estudar modelos e extrair informações. Mapeamos quais as características das empresas que crescem continuamente, apesar das crises, e transformamos isso em teorias que consideram a lógica local. Inovação – Por que o senhor decidiu se dedicar ao estudo da inovação? O que o motiva a trabalhar nessa área? L.C.M.R. – Olhando para o passado, vejo que tive sorte, fator importante na vida. Estava no Brasil nos momentos de mudanças, me formei no ItA e comecei a trabalhar em uma empresa pequena (a Fundição Progresso, no bairro da Lapa, em são Paulo), mas que queria progredir. O processo de fundição naquela época exigia inovação. Lembro que pegava as plantas estrangeiras e adaptava para o Brasil. Já inovava sem saber. Quando saí do ItA, em 1954, a indústria automobilística estava se formando. Depois, veio a indústria de informática, seguida das telecomunicações. tive oportunidade de participar de tudo isso. nunca me faltou oferta de trabalho e sempre estive em posições pioneiras. O pioneirismo permite aprender, conviver com o novo. O DnA do ItA me ajudou muito. A escola pretendia formar líderes e, naquele tempo, a gente saía de lá acreditando piamente que ia ajudar a mudar o Brasil. De certa forma, acho que conseguimos. I