ANO IX N0 20
Revista do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza Julho de 2014
VEJA TAMBÉM
À PROCURA DA PAZ Busca do equilíbrio interior melhora qualidade de vida
DOIS PESOS, DUAS VIDAS Como um jovem com determinação conseguiu vencer a obesidade
SUSTENTABILIDADE O respeito ao meio ambiente também está presente nas passarelas
Tráfico de mulheres Conheça a história de uma cearense que foi para a Itália com uma proposta para trabalhar em um salão de beleza, feita por uma grande amiga, contudo, viu seu sonho transformar-se em um dos seus piores pesadelos
2 Julho 2014
Há detalhes que fazem toda a diferença. Deixe que um animal MARQUE a sua vida. O Abrigo São Lázaro é uma ONG que apoia cachorros e gatos carentes, disponibilizando-os para adoção. Você pode adotar um amigo, apadrinhar um bichinho ou contribuir para salvar vidas que completam nossas vidas.
modsaolazaro@gmail.com
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À PROCURA DA PAZ O equilíbrio interior por meio de práticas como meditação e ioga
04
DOIS PESOS, DUAS VIDAS Determinação e luta de um jovem para derrotar a obesidade
TRÁFICO DE PESSOAS Conheça a história de uma mulher que foi obrigada a prostituir-se
CONSUMO
12 18
27
Os publicitários Marcelo Pinheiro e André Miyasaki explicam como se desperta o desejo de consumir
ACUPUNTURA Medicina alternativa que traz equilíbrio e bem-estar
DIPLOMATA Profissão pouco conhecida e que exige dedicação integral
BANCO PALMAS Os moradores do conjunto Palmeiras têm sua própria moeda
MODA SUSTENTÁVEL Conheça a ecomoda, a moda ecologicamente correta
QUALIDADE DE VIDA Afinal, o que isso significa? A Ponte foi atrás de alguma resposta
ENSAIO
CRÔNICA
>>> P.42
>>> P.40
34 54 60 64 68
2 Julho 2014
EXPEDIENTE
CARTAS
EDIÇÃO N° 20
REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ - CENTRO DE COMUNICAÇÃO E GESTÃO (CCG)
>>> EDIÇÃO ANTERIOR N° 19
DIRETORA DO CENTRO DE COMUNICAÇÃO E GESTÃO: Profa. Maria Clara
Bugarim COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO: Wagner Borges
É impressionante a qualidade com a qual é executada “A Ponte”.
COODENADORA DO NÚCLEO INTEGRADO DE COMUNICAÇÃO (NIC): Alessandra Bouti
As matérias chamam muito a atenção pelos detalhes dos locais e
CONSELHO EDITORIAL: Alejandro Sepúlveda, Wagner Borges e Maria Clara
dos perfis dos entrevistados. Mérito dos responsáveis pela confecção
Bugarim
dos textos e da diagramação da revista. Parabéns aos envolvidos.
COORDENADOR EDITORIAL E DE PRODUÇÃO: Alejandro V. Sepúlveda SUPERVISÃO DE PRODUÇÃO GRÁFICA: Eduardo Nunes Freire COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE PUBLICIDADE - NIC: Alessandra Bouti
Diego Twardy Aluno de Jornalismo da Unifor
PROJETO GRÁFICO: Felipe Goes DIAGRAMAÇÃO: Aldeci Tomaz ENSAIO FOTOGRÁFICO: Foto NIC ANÚNCIOS AGÊNCIA NIC: João Henrique Nogueira, Viviane Sampaio, Monisa
Parabenizo a equipe editorial de A Ponte pela qualidade do material
Castro (Atendimento) / Daltro Holanda, Jéssica Sousa, João Pedro Tavares
e pela qualidade da revista em si. São matérias de interesse pela va-
(Direção de Arte) / Carla Ramos, Giovanna Castro, Sarah Aguiar (Redação) /
lorização da História da cidade de Fortaleza e pelo trabalho de cons-
Kethyna Freitas, Walesca Ramos (Produção Gráfica).
cientização do fortalezense a respeito de sua cidade. Como bem diz
REVISÃO: Antônio Celiomar Pinto de Lima
seu editorial, “o fortalezense não preserva sua história”. Infelizmente,
SUPERVISOR DA GRÁFICA: Francisco Roberto
isso é uma verdade constatada no dia a dia pelo pouco caso que se
IMPRESSÃO: Gráfica da UNIFOR
dá ao centro histórico dessa cidade tão rica e cheia de boas referências de um passado que tem muito a nos dizer.
ESTUDANTES DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - UNIFOR FOTO DA CAPA: Thiago Gadelha REDAÇÃO: Disciplina Pricípios e Técnicas de Jornalismo Impresso II (Alice
Saulo Tavares Jornalista/Radialista
Guimarães , Emanoela Campelo, Fernanda Cavalli, Giovânia de Alencar, Hélio Rocha, Lia Moreira, Lígia Costa, Louise Mezzedimi, Marcella de Lima, Marcella Ruchet, Marina Leal, Nathália Diniz, Nathally de Almeida, Renata Chaves, Tatiana Soares, Tuanny Feijó, Isabelle Bedê e Thalyta Martins).
A matéria “Memórias da 2000” chamou a minha atenção devido à
FOTOGRAFIAS DAS REPORTAGENS: Aline Cardoso, Avelino Neto, Bruna
paixão que tenho por conhecer mais sobre a história de Fortaleza. Os
Bezerra, Élder Alves, Fabíola Cordeira, Daniel Brainer, Eduardo Cunha,
relatos espontâneos sobre o cotidiano das pessoas e o desenvolvimen-
Juliana Ordeas, Luis Barbosa, Luciana Santos, Mahamed Prata, Rafael
to desse espaço urbano revelam um lado muito interessante de um
Girão, Rayana Fortaleza, Sabrina Coriolano, Sara de Sousa, Suellen Sales e
bairro tão importante. O conteúdo me inspirou a conhecer o passado
Tircianny Araújo
da nossa capital para que eu possa compreender melhor o presente.
Av. Washington Soares, 1321 - Edson Queiroz - CEP: 60.811-905 Fortaleza - CE - Brasil - 55 (85) 3477.3105 equipelabjor@gmail.com
Gabriel Borges Aluno de Jornalismo da Unifor
3 Julho 2014
EDITORIAL
Duas em uma
Caro(a) leitor(a), A edição que você tem em mãos não trata de um tema genérico enfocado de diferentes ângulos, conforme tem sido costume nas edições anteriores da revista. As reportagens, a seguir, podem ser divididas em dois grupos. Um deles traz assuntos variados e, o outro, aborda um tema que está na ordem do dia, a preocupação com a qualidade de vida. No primeiro grupo está a reportagem que é destaque de capa. Ela apresenta um fato que assusta muitas pessoas, em especial, as mulheres: o tráfico de pessoas para exploração sexual. Marcella de Lima e Marcella Ruchet encontraram uma vítima desse tipo de crime que conta como foi enganada e teve que se prostituir na Itália. Já as repórteres Giovânia de Alencar e Lígia Costa foram até uma agência de publicidade para saber até onde vai o poder da publicidade na hora de consumir um produto. Também é motivo de pauta mostrar como funciona o Banco Palmas, projeto desenvolvido pelos próprios moradores do Conjunto Palmeiras, segundo relatam as repórteres Emanoela Campelo e Tuanny Feijó. Vida de diplomata, título do texto de Isabele Bedê e Thalyta Martins, retrata esse profissional tão pouco conhecido por meio das vivências de um ex-funcionário do Itamaraty. Há diferentes formas de falar sobre qualidade de vida e diversas maneiras de se alcançar um padrão de vida melhor, mas a maioria das pessoas resume qualidade de vida apenas a uma alimentação saudável ou à prática de exercícios físicos. O texto de Lia Moreira e Fernanda Cavalli tenta abordar o assunto de um outro ângulo, o da
espiritualidade. Não a religiosa, mas a espiritualidade relacionada com as práticas da meditação, da ioga e do ócio. Uma monja, um físico quântico e um jornalista relatam como é possível ter uma vida mais saudável cultivando a paz em nosso mundo interior. Uma reportagem da dupla Hélio Rocha e Alice Guimarães também trata da busca de uma vida melhor por meio da história de Paulo Leandro Rocha, rapaz que chegou a pesar 194 Kg e, hoje, pesa 95 Kg, após um intenso tratamento para mudar seus hábitos alimentares e seguir uma rotina diária de atividades físicas. Outro texto também relacionado com a qualidade de vida versa sobre uma medicina alternativa, a acupuntura. Tatiana Soares e Camila Bezerra visitaram um consultório especializado para saber como funciona esse tratamento milenar de cura chinesa. Uma das repórteres assumiu o papel de paciente para se submeter às agulhas. Outra forma de se alcançar patamares mais elevados de qualidade de vida está na moda sustentável, segundo conta Nathally de Almeida, quando profissionais da área optam por se utilizar de materiais que não agridem a natureza. Por fim, as repórteres Louise Mezzedimi e Marina Leal tentam dar resposta ao título da sua reportagem: “Afinal, o que é qualidade de vida?”. E a dupla Nathália Diniz e Renata Chaves escreveu uma crônica ironizando quem faz do seu corpo um templo. Que tenha uma leitura prazerosa! Alejandro Sepúlveda Coordenador editorial e de produção
4 Julho 2014
POPULAR
À procura da
PAZ INTERIOR TEXTO e FOTOS
Lia Moreira e Fernanda Cavalli
A mídia costuma relacionar a qualidade de vida com a saúde, a alimentação ou os exercícios físicos. Porém, esta também pode estar relacionada a vários fatores, como a saúde espiritual do indivíduo. Qualidade de vida refere-se a um nível integrado de satisfação e de bem-estar, sensações que proporcionam a boa saúde física e espiritual do ser. Segundo o escritor norte-americano Adam Gopnik, todas as pessoas têm algum tipo de vida espiritual, seja na adoção de rituais secretos, na ida à igreja no Natal ou na busca por algum tipo de transcendência por meio de atividades diversas, da meditação a corridas em trilhas, surfando ondas, escalando montanhas ou lendo poesias. É comum associarmos espiritualidade e religião, pois todas as religiões têm sua espiritualidade e mística, contudo a espiritualidade é algo inclusivo, enquanto as religiões tendem a ser exclusivas e baseadas na fé. A reportagem, a seguir, vai mostrar outras formas de execer a espiritualidade, por meio de práticas como meditação, ioga e ócio na vida de três personagens: a monja budista Kelsang Zangma, o físico quântico Harbans Lal Arora e o jornalista Henilton Menezes.
E
m 1997, com a finalidade de melhorar a vida população do Conjunto Palmei-
ras e com uma missão socioeconômi-
ca, o Banco Palmas foi fundado. O primeiro
banco comunitário do Brasil se encontra na Avenida Val Paraíso, 620. O nome do lugar
mostra por si só o ideal dos moradores, viver
em um paraíso. Há 17 anos aberto, o Banco Palmas vem solucionando os problemas
financeiros de quem vive pelo bairro com o auxílio da Palmas, moeda interna utilizada nos comércios da região. A comunidade, que antes sofria com extrema pobreza, obser
5 Julho 2014
A monja Kelsang Zangma medita entre 20 minutos e 2 horas, todos os dias
6 Julho 2014
C
abelos grisalhos e curtos. As expressões no rosto refletem uma vida dedicada à espiritualidade. Kelsang Zang-
ma se ordenou monja budista há doze anos. “Eu
não decidi me tornar monja, eu descobri que já era”, o que mudou sua vida.
Com formação na Inglaterra, Kelsang é se-
guidora e professora do budismo Kadampa (leia box ao lado). Para a monja, no nosso mundo,
quase todos estão procurando a felicidade ex-
ternamente: em condições de vida, em outras pessoas, na busca por recursos, fama ou poder.
Mas a causa da felicidade ou do sofrimento de-
pende de como lidamos com as circunstâncias
exteriores, pois fatores como riqueza e status não são suficientes para promover a verdadeira
felicidade. Para isso, é preciso um trabalho interior. “Por mais que nós nos esforcemos, jamais
seríamos capazes de controlar toda a realidade externa da nossa vida”, explica.
sempre buscou. Todos os dias ela fica em posi-
Budista Kadampa Bodissatva de Fortaleza, onde
nece sentado, com as pernas cruzadas e com os
Kelsang Zangma é responsável pelo Centro
realiza palestras e oferece aulas de psicologia
e filosofia budista. Ela sempre se interessou pelo sentido da vida, e no budismo encontrou
as respostas que procurava. “Eu estou pelo menos dando amor às pessoas, a oportunidade de
encontrarem o tesouro que eu encontrei. Eu não
ção de lótus (postura em que o indivíduo perma-
pés sobre as coxas) e medita entre 20 minutos e 2 horas, dependendo do contexto e da ora-
ção que está fazendo. “O objetivo principal da meditação é transformar você em uma pessoa melhor”.
Meditar significa cultivar e desenvolver a
quero só pra mim”.
atenção, a concentração e o discernimento cal-
alcançar a elevação espiritual. Kelsang afirma
podem conduzir ao objetivo último da ilumina-
Existem diversas técnicas e rituais para se
que encontrou na meditação as respostas para
questões pessoais e o caminho para a paz de
espírito. É a meditação que traz o equilíbrio que
mo e pacífico. O tempo, a prática e a dedicação ção. Como consta no escrito budista Dhammapada: “Meditando com seriedade, o sábio alcança o nirvana, a felicidade mais elevada”.
Na tradição Kadampa, há três tipos de objetos
de meditação: pela compreensão, pelo sentimento e pela determinação. Segundo a monja , “você pode meditar com compreensão, para que essa
compreensão passe a fazer parte da sua visão de
O objetivo principal da meditação é transformar você em uma pessoa melhor”
Kelsang Zangma Monja budista
O budismo Kadampa
mundo”. Pode meditar pelo sentimento por meio
do amor e da paixão, para que esse sentimento se torne permanente em você. E pode meditar por determinação - “eu vou fazer isto, eu vou tomar
esta atitude”, trabalhando, assim, o fortalecimento da vontade.
O Budismo Kadampa é uma escola budista fundada pelo mestre indiano Atisha Dipamkara Shrijnana (982-1054). Os seguidores desta escola chamam-se Kadampa, nome que se refere aos ensinamentos de Buda e às instruções transmitidas pelo mestre indiano para as etapas do caminho à iluminação, chamadas de Lamrim. Após Atisha, a linhagem Kadampa foi passada por uma sucessão de grandes mestres que se tornaram populares por serem praticantes espirituais de extrema pureza e sinceridade. Nos últimos anos, o budismo Kadampa vem sendo disseminado pelo mundo, devido às ações do mestre budista Geshe Kelsang Gyatso.
7 Julho 2014
Por sua tradição secular, o budismo tem
práticas que ultrapassam barreiras dogmáti-
Durante a
cas. Não é necessário converter-se à religião
prática de
para adotar algumas de suas práticas. Qual-
ioga, o indiano
quer pessoa pode ter acesso ao Centro Budista
Harbans Lal
para aprender a técnica da meditação. A ativi-
Arora medita e
dade é gratuita.
realiza uma série de exercícios,
HARBANS LAL ARORA
como técnicas
Harbans Lal Arora possui vasto currículo na
de respiração e
área da Física. Com bacharelado e mestrado,
relaxamento
aos 29 anos deixou a Índia e foi para o Cana-
dá continuar seus estudos. Arora é ph.D. em Física Quântica pela Universidade de Waterloo e possui pós-doutorado em três instituições, na Alemanha, no Canadá e na Índia. Atualmente,
é professor titular aposentado da Universidade Federal do Ceará, cientista, filósofo humanista
e concretizador dos seus ideais. Une Ocidente e Oriente através da integração entre ciência e espiritualidade, entre conhecimento e sabedoria, fazendo uso de uma abordagem holística do desenvolvimento humano.
Nascido na Índia, ele pertence a uma famí-
lia de origem pobre, por isso teve de trabalhar desde os 13 anos. Mesmo com a dificuldade
financeira, era um sonhador. “Eu tinha três so-
nhos quando eu era adolescente: ser médico, humorista e cantor”. Sonhos que só puderam
ser concretizados décadas mais tarde. Pela responsabilidade de cuidar e sustentar sua família,
Arora construiu uma carreira promissora como físico, trabalhando em grandes empresas pelo
Arora começou a estudar sobre ioga, saúde,
emocionalmente os pacientes antes da cirur-
balho não é contra a medicina. Deseja ampliar
que tiveram um resultado satisfatório, uma re-
mundo e na ONU.
doenças, mente e emoção do indivíduo. Seu tra-
Brasil, onde recebeu uma oferta de empre-
esse cuidado. Segundo o indiano, “a medicina
Aos 36 anos de idade, ele chegou ao
go como professor titular da Universidade Federal do Ceará. Aos 65 anos, perto de se
aposentar, decidiu entrar na área da terapia quântica, realizando um de seus sonhos: cui-
dar de pessoas. “Comecei a trabalhar com
médicos e pacientes gravemente doentes. Não tinha essa formação, mas a vontade de fazer era tão grande que superou tudo”, confessa o professor.
cuida do problema que é manifestado, nós cui-
damos da pessoa que está doente”. A terapia quântica cuida do subconsciente do indivíduo,
prepara a pessoa para que ela se sinta melhor.
gia. Ele já acompanhou centenas de pacientes cuperação mais rápida do que o convencional.
“Quando eu trabalho com o paciente, eu me
coloco no lugar dele para assim sentir o sentimento dele”, explica.
Todo mundo tem emoções, sentimentos
Para isso, são utilizadas técnicas de relaxamen-
e instintos, por isso qualquer pessoa pode ter
bólicos feitos com as mãos) com a finalidade de
dá cursos e palestras para médicos, policiais,
to, respiração, meditação e mudras (gestos simcomplementar, integrar, harmonizar e energizar o paciente. O professor prepara mentalmente e
contato com a terapia quântica. O professor bombeiros, religiosos e auxilia no tratamento de
pacientes gravemente feridos. Além do traba-
8 Julho 2014
lho voluntário em hospitais de Fortaleza, Arora
atrapalham a elevação espiritual são os pen-
Atende pacientes por meio da terapia quân-
nanda, onde, junto com a sua esposa, dá aulas
é diminuir os fluxos de pensamentos, trazen-
vou um CD com músicas indianas. “Só quem
é fundador do Instituto Indiano de Ioga Viveka-
de ioga e realiza sessões com técnicas de relaxamento utilizando a terapia quântica.
samentos, e um dos objetivos da meditação do tranquilidade e dinamismo ao indivíduo.
Hoje, o professor indiano conseguiu con-
cretizar os sonhos que tinha na juventude.
tica, tem publicado um livro de humor e gra-
escuta essas músicas sou eu mesmo, mas essa é a minha satisfação”, ri ao falar do so-
nho concretizado. “Eu cheguei muito além do
IOGA E MEDITAÇÃO Foi durante um exercício de respiração su-
gerido por uma amiga que Harbans Arora se encantou com o poder da terapia quântica.
Durante a prática da ioga, Harbans medita e realiza uma série de exercícios. “Eu me sinto mais amplo, abrangente, confiante e mais in-
tegrado com todo mundo, porque leva a ou-
tro nível da consciência, onde as diferenças são reduzidas”, afirma. Oxigenação
do
corpo,
Aprendeu a meditar através de vídeos da internet
concentração,
memória, respiração, criatividade, confian-
ça, vida das células, diminuição das dores e melhoria nos relacionamentos familiares são
alguns aspectos que a ioga e a meditação
trazem para a vida de uma pessoa. O professor Arora não tem nenhuma religião definida,
mas estuda todas elas. Acredita que as pessoas que não têm religião são mais prepara-
das para a vida, porque não são limitadas a um dogma ou doutrina específica. “Quando
a pessoa é aberta, ela experimenta”, diz o professor. Na sua visão, uma das coisas que
“Aprendi a meditar após ver um tutorial no Youtube sobre meditação em 5 minutos. É uma forma bem didática de concentrar-se em pouco tempo. Depois disso, comecei a escolher outros vídeos no Youtube sobre meditação, uns contendo música e outros com uma meditação orientada para a cura. Em ambas as meditações, o saldo é bastante positivo porque [a gente] aprende a concentrar-se, não permitindo que ruídos externos atrapalhem o momento da meditação. Depois de atingir a concentração, outro ganho é o relaxamento em si. A sensação que a meditação proporciona no corpo é incrível, seja pela respiração e pelo alívio do estresse. Como sempre medito à noite, sou beneficiado por um sono bom, e isso possibilita disposição para o dia seguinte.” Maurício Vieira, 31 anos, jornalista.
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que eu tinha imaginado. Quando eu tinha 60 anos, quase aposentando, eu conheci essa área. Nessa época, eu me sentia com 60
anos. Hoje, dezessete anos depois, eu ain-
da me sinto com 60 anos, pronto para novas atividades”, garante. O prazer que tem em
O jornalista Henilton Menezes pratica o “day off”
ajudar as pessoas é imensurável. Valoriza
qualquer ideia, qualquer novidade, possuindo uma visão quântica e ampla do mundo.
VIVER É DIFERENTE DE EXISTIR Há mais de uma década, Henilton Menezes, 53 anos, jornalista, tem o costume de todas as semanas praticar o “day off”, um tempo
livre sem falar com ninguém, como ele define. Henilton começou a trabalhar muito
cedo, aos 14 anos de idade, como aprendiz no Banco do Nordeste. Nessa época, já tinha
uma carga horária de 12 horas diárias de atividades, entre o curso no Banco, o trabalho
e o colégio. Daí em diante, foi acrescentando mais e mais tarefas nas décadas seguintes
cumprir as funções vitais. Há necessidade
nomia, casamentos, filhos e muito trabalho
dá tempo, aproxima-se dessa experiência.
de sua vida. Faculdades de Jornalismo e Ecofazem parte de sua história. “Eu trabalhava
tanto que eu sentia a necessidade de parar. Não sei como, mas eu preciso parar, parar a máquina”, recorda.
Segundo o professor de Psicologia da
Universidade de Fortaleza, Clerton Martins, a maioria dos seres humanos são robôs e vivem no piloto automático, apenas existem.
Viver é diferente de existir. Viver não é só
do tempo para elaborar. Quando você se
O ócio é uma elaboração a partir de uma
OTIUM
atividade humana chamada experiência,
não tem uma receita. O ócio é individual e
subjetivo, é o lugar de elaboração. “Não é nada a fazer, é uma imersão do sujeito no
tempo”, explica o professor Martins. O ócio é relativo, pode ser vivido em um momento
de desfrute durante uma leitura ou, como no caso de Henilton, durante o ‘day off’”.
Menezes não leu livros sobre o ócio
Criado no ano de 2005, OTIUM é o laboratório de estudos sobre ócio, trabalho e tempo livre, do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Psicologia, da Universidade de Fortaleza (CE).
e não possui nenhuma religião, apenas
sentiu a necessidade de parar a vida robotizada que levava. “Eu achava que ti-
nha que fazer nada, sem teoria de ócio.
Eu trabalhava tanto que eu sentia a necessidade de parar. Não sei como, mas eu preciso parar, parar a máquina”
Não quero atender telefone, não quero
Henilton Menezes
trabalho, fecha tudo, apaga as luzes, tira
Jornalista
falar com ninguém”.
Pelo menos uma vez por semana, He-
nilton chega em casa após a jornada de
aleatoriamente um disco do armário e se
“desliga da tomada”, como ele mesmo de-
Com base em um diálogo multidisciplinar, o laboratório tem o objetivo de compreender o fenômeno subjetivo e social da elaboração do tempo livre e do tempo de trabalho, contribuindo para o entendimento do que envolve estas duas dimensões.
10 Julho 2014
O ócio é uma elaboração a partir de uma atividade humana chamada experiência, não tem uma receita”
Clerton Martins professor de psicologia
fine. Outras vezes desliga o som e fica ouvindo o barulho da cidade. O ócio fez de Henilton alguém mais sereno e perceptivo. De sua janela, no 22º andar, ele presta atenção nos
sons que vêm da rua. “Escuto barulhos que já se tornaram habituais, como os socos da
academia de boxe da vizinhança, a ambulância que passa na madrugada e de um novo
bueiro na rua, que faz um som peculiar. Estes simples ruídos nos fazem imaginar histórias que não conhecemos e não sabemos contar”. O espaço urbano torna-se, então, palco para o flâneur (olhar que contempla a cidade
grande, figura criada pelo poeta francês Baudelaire). “Isso também faz parte desse pro-
cesso de você se isolar e meio que aceitar o
vizinho. Quando a noite vai avançando, você ouve tudo. Isso vai construindo um cenário que é quase um teatro”, afirma o jornalista.
Para ele, está empiricamente provado
Dados sobre o nível de cansaço declarado por internautas, em 2013
que, após praticar o ócio, sua mente encontra-se muito melhor. “Eu me sinto bem
Pesquisa realizada pelo Ibope com os internautas brasileiros mostra que:
guinte, os estalos acontecem. Você resolve
• 98% dos internautas brasileiros apresentam algum nível de cansaço físico ou mental; • Dois em cada três (63%) já acordam indispostos e cansados; • Os jovens entre 20 e 29 anos formam o grupo que sente mais cansaço: 99%; • Tarde e noite são os períodos de maior cansaço; • 43% consideram a própria qualidade de vida ótima ou boa, 46% consideramna regular e 11% ruim ou péssima.
no dia seguinte. Engraçado que, no dia se-
problemas que, até o dia anterior, não tinha
resolvido”. Há um relaxamento físico e emocional. O ócio praticado por ele não é uma autorreflexão, e sim um tempo para não se
preocupar. Cada um tem o seu ócio, cada um descobre um modelo. O que importa é
que as pessoas se voltem para si e vivam uma vida com mais qualidade.
Fonte: www.ibope.com.br, realizado em 2013.
12 Julho 2014
Dois pesos,
DUAS VIDAS TEXTO
Hélio Rocha e Alice Guimarães
FOTOS
Arquivo pessoal e Divulgação
Antes de entrar no quarto de Paulo Leandro Rocha, 24 anos, ou melhor, do Paulinho, como é mais conhecido pelos amigos e familiares, é preciso lavar as mãos com álcool. Essa foi uma das exigências médicas, após a última cirurgia plástica que ele fez para a retirada da pele em excesso. Ele sofria de obesidade mórbida, também conhecida como obesidade clinicamente severa, que é quando a pessoa está 50 kg ou mais acima do peso ideal ou quando o seu índice de massa corporal está igual a 40 kg ou mais. Ele chegou a pesar 194 kg. Deitado na cama, recuperando-se, ele recebeu A Ponte para contar como enfrentou a cirurgia.
A
obesidade mórbida é uma doença crônica acarretada por
múltiplos fatores, associada geneticamente a doenças de caráter psicológico, social, físico e econômico. De acordo com o
portal www.obesidademorbida.med.br, “clinicamente é uma doença que armazena energia sob a forma de gordura”.
Paulinho lembra como sofreu, durante muitos anos, com a sua ob-
sessão por comida. “Pela manhã, quando estava no colégio, sempre tentei controlar um pouco a vontade de comer. Tinha medo do que as
pessoas pudessem falar sobre a quantidade de comida que eu sentia vontade de comer. Até poderia não comer, mas quando eu chegava em casa, a cada 30 minutos, eu devorava um alimento”.
A maior dificuldade de enfrentar essa doença é o prazer que a
comida traz. A cada mordida, o cérebro recebe uma carga de dopamina (hormônio responsável pelo prazer), e a vontade de degustar
o alimento aumenta. O problema é quando essa vontade torna-se prejudicial ao nosso organismo.
13 Julho 2014
“Aos 10 anos, já pesava 90 kg. As pessoas
Ia até a geladeira comer alguma coisa. Ge-
parte da sua vida. “Sentia esses incômodos,
Sentia vergonha, pois a maioria dos meus
da madrugada e depois dormia. Essas coisas
menos de jogar bola. Eu sentia muita pre-
sempre me tratavam como o garoto fofinho. amigos era mais magros e sempre caçoavam
da minha barriga. Acho que uma das coisas
ralmente, eu parava de comer às duas horas me deixaram com 194 kg”.
As brincadeiras, que antes eram levadas
que mais me ajudaram a não engordar mais
numa boa, desta vez, passaram a incomodá-
Mas ele garante que, por causa disso,
faculdade, foi um dos piores momentos que
foi sempre a paixão por esportes”.
nunca teve problemas de relacionamento
com os colegas de classe. Sempre foi tran-
qüilo. “Sempre me dei bem com todo mundo. Acho que, por ser um dos mais altos, os ou-
tros me viam como um cara fortão, mas levei sempre a brincadeira numa boa. Só não aceitava muito quando tocavam minha barriga”.
Ele aponta para os repórteres uma das
gavetas do seu guarda-roupa e pede para
que a abram. Lá estão guardadas todas as medalhas de múltiplas cores que conquistou nos jogos do colégio. E, junto delas, a camisa
lo. “Em um passeio à praia com colegas da
eu senti. Quando surgiu o convite, me senti receoso, mas iriam todos os meus amigos e não queria decepcioná-los. No local, algumas
colegas começaram a falar que minha barriga lembrava uma bunda. Eu nunca tinha me incomodado, mas todos estavam rindo da minha cara.
Daí, decidi sair do local, e prometi que nunca mais iria
a locais onde fosse necessário eu tirar minha blusa”.
Mas outras situações se-
de n° 1. “Acho que minha gordura só ajudou
riam desagradáveis. “O dia
era praticamente um paredão na frente do
nunca vou esquecer. Mas, o
em ser goleiro. Era difícil fazer gol em mim, gol”, explica bem-humorado.
Aos 18 anos, a paixão pelo futebol seria
dividida com outro esporte. Perto de sua casa funciona uma academia de musculação
e artes marciais. A vontade de conhecer o
Muay Thai o transformou em competidor,
chegando a receber oferta de patrocínio, o que o levou a buscar um treinamento seve-
ro para emagrecer. A vontade de tornar-se
atleta profissional fez com que ele perdesse
cerca de 10 kg em um mês. Mas não consiguia vencer a obsessão pela comida. Voltou
a subir de peso e acabou perdendo o patrocinador. “Estava tudo dando certo, eu tinha um foco, estava realmente acreditando que
da praia, com certeza, eu pior momento foi quando, ao
dar sinal para um ônibus parar, o motorista abriu a porta
da frente. Eu nunca tinha subido até então por ali, fiquei curioso. Ele me deu uma
justificativa de que a porta
traseira estava com defeito, mas logo na parada seguin-
te ela abriu. Só fiquei aliviado de não ter de passar por
aquela roleta, que para mim,
era sempre uma aula de contorcionismo”.
ali era um começo para emagrecer e me li-
NOITE DE SUSTO
saudável, comia regularmente e o patrocínio
criar problemas sérios. A
vrar daquele corpo. Minha alimentação era
A obesidade começou a lhe
me deixou ainda mais feliz. De uma hora pra
falta de ar, cansaço excessi-
outra, tudo o que eu ganhei foi pro espaço.
Na maioria dos dias, eu acordava com fome.
vo, sedentarismo, noites de insônia começaram a fazer
mas não tinha vontade de caminhar, muito
guiça, até arriscava de vez em quando, mas não aguentava pular para pegar uma bola.
Em 20 minutos de jogo, estava totalmente cansado”, lembra. Paulinho conta que vários problemas começaram a aparecer, entre os
quais, hipertensão e o colesterol alto. A sua
alimentação já não era limitada aos tradicionais arroz, feijão e mistura. Ele passou a se alimentar de comidas que eram vendidas
próximo de sua casa, em um carro de lan-
14 Julho 2014
ches. Cachorros quente, pastéis, hambúr-
da da readequação alimentar e o psicólogo
sua alimentação.
mente. Ele conta que, desde o dia em que
gueres e pizzas passaram a ser a base de
Mas uma noite ele passou por um susto
que o obrigou a tomar uma decisão radical. No meio da madrugada do dia 27 de dezem-
bro de 2011, ele acordou sem conseguir res-
pirar e sem forças para gritar por socorro. Por cerca de dois minutos, passou por um dos momentos mais amargos de sua vida. “Na
hora, não consegui pensar em quase nada. Tentei chamar pela minha mãe, mas a voz
saia baixinho. Tentei me acalmar e, aos poucos, a respiração foi voltando. Quando tudo voltou ao normal, pensei que ali era um aviso
de que eu precisava mudar. A decisão de fazer a cirurgia foi tomada naquela noite”.
o prepara para a mudança do corpo e da
passou mal até o dia 1 de junho de 2012, quando fez a cirurgia, perdeu 15 quilos, dos
194 Kg que pesava. “A parte mais difícil não
foi nem antes da cirurgia. Depois dela, tive
nada. Só no quarto dia eu tomava água e
chá de erva doce no período de 10 minutos,
tudo era interrompido. Nos dias seguintes,
área de saúde, que
eu continuei tomando as mesmas coisas, apenas com variação de tempo diferente”, recorda.
podia fazer muito esforço. Depois, comecei
aos poucos a voltar a praticar exercícios, caminhava quase todos os dias. Matriculei-me em uma academia, aqui perto de casa, fazia
apenas exercícios mais leves para manter a forma e fortalecer os músculos. Depois
de seis meses, eu pude voltar a fazer o que mais gostava: jogar futebol e lutar”.
Paulo garante que os quilos perdidos o
ajudam bastante. “Agora posso correr mais
preciso toda uma mudança no dia a dia, vá-
rias seções com o cirurgião, fonoaudiólogo,
psicólogo, nutricionista, endocrinologista, cardiologista, pneumologista e fisiotera-
peuta. Todos esses profissionais são importantes no processo. O fonoaudiólogo ajuda
o paciente a aprender a mastigar, pois o alimento é digerido melhor quando é total-
mente triturado e assim os nutrientes são mais bem aproveitados. O nutricionista cui-
Antes da cirurgia, Paulo foi acompanhado por
nada. Estudar, dormir, assistir a televisão,
te. “Passei três meses me recuperando, não
Antes de realizar a cirurgia bariátrica, foi
cirurgia
o que me irritava, porque não dava pra fazer
alguns meses, ainda assim moderadamen-
A CIRURGIA
antecederam a
pois nos primeiros dias eu não podia comer
A alimentação normal só voltaria depois de
Estudante
nos 5 meses que
Dr. César Cals, onde entrei em depressão,
sopa, purê de batatas ou frutas raspadas.
Paulo Leandro
foram perdidos
que ficar uma semana no Hospital Geral
Por vários dias, o prato principal era
Quando tudo voltou ao normal, pensei que ali era um aviso de que eu precisava mudar, A decisão de fazer a cirurgia foi tomada naquela noite”.
15 kg
rápido, não sinto falta de ar, dificilmente canso. Eu ainda posso comer de tudo, mas,
agora, metade de um pastel já me satisfaz, diferente do que era, quando eu comia dois
só no lanche da tarde. Hoje, me considero um vencedor. Vendo fotos antigas e olhando
para mim agora, como estou, me sinto realizado. Sei que ainda vou passar um tempo
de molho, mas valerá a pena, aquelas pelancas ainda me incomodavam. Estou com
95 kg, minha meta é chegar aos 90, sem nenhuma gordura”, espera.
8 profissionais da o prepararam para o primeiro passo de sua nova vida.
15 Julho 2014
Para se ter uma vida saudável EXERCÍCIOS ANTES E DEPOIS
O exercício físico é um aliado para a
corpo precisará de nutrientes que forne-
qualidade de vida. A prática diária
cerão energia suficiente durante toda
proporcionará disposição, resistên-
essa atividade. Importante manter uma
importante também para pessoas que
cia, sensação de bem estar. Porém, a
boa reserva energética e hídrica para
se submeteram a cirurgias de perda de
personal trainer Júlia Porto alerta que
evitar possíveis desconfortos justamente
peso. A atividade física auxilia no pré-
devem ser tomados alguns cuidados.“Os
causados pela falta desses nutrientes,
-operatório para que o corpo se prepare
cuidados fundamentais são aqueles de
como, por exemplo, a hipoglicemia e o
para o procedimento. “Toda cirurgia
acordo com o que sua condição física
catabolismo.
tem os seus riscos e o paciente deve
irá apresentar. Se você é portador de
A hipoglicemia é uma diminuição do
A prática de exercícios físicos torna-se
estar preparado, Ou seja, antes dela, é
alguma patologia, o professor indicará
nível de açúcar no sangue, o que pode
fundamental a perda de peso e ganho
exercícios que melhorem suas condições
acarretar um fornecimento baixo de
de massa magra”, explica o fisioterapeu-
sempre focando no seu objetivo.” Ela cita
glicemia para o cérebro, comprometen-
ta Guilherme Fonteles, que é proprietário
ainda os cuidados com postura, execu-
do suas funções. O catabolismo muscular
de uma academia em Fortaleza.
ção do exercício, ritmo de movimento,
é um processo reverso na musculação,
tempo de descanso para que o resultado
onde existe um desgaste da musculatura.
com musculação auxiliam no pós-ope-
A alimentação pós-exercício físico
ratório, tornando-o menos complicado
do exercício seja benéfico.
Os exercícios aeróbicos combinados
também é de extrema importância para
e auxiliando na perda de peso. Ele tam-
ser corretiva, ou lesiva, se não for feita
que os nutrientes ajudem na reposição
bém informa que a perda de peso deve
corretamente e com orientação profis-
de líquidos (hidratação do corpo) e para
ser resultado de uma boa alimentação
sional. Idosos, pessoas portadoras de
que haja uma reconstrução muscular,
aliada à prática de atividades físicas.
problemas físicos e iniciantes na ativi-
reposição de estoque de glicogênio e
“Muitas vezes, as pessoas acham que
dade física são os que mais precisam ter
outros nutrientes. Assim, o corpo estará
perder 30 ou 40 kg é bom. Mas, se o pa-
cuidados ao começar um exercício.
mais forte e resistente ao exercício que
ciente não estiver preparado, com uma
praticar”, explica Júlia Porto.
alimentação balanceada, e se após a
Júlia diz que a atividade física pode
Os iniciantes nas atividades, em especial, sedentários, precisam iniciar
A personal explica que a ajuda de
exercícios de baixo impacto para que o
uma nutricionista é de extrema impor-
corpo entenda o estímulo que está rece-
tância, pois só ela poderá passar uma
bendo. Só depois, quando o corpo estiver
dieta de acordo com o objetivo a ser
adaptado, de acordo com Júlia, é que
alcançado e com os resultados obtidos
estímulos mais fortes poderão ser usados
em avaliações clínicas e/ou físicas. Os
para que novos resultados apareçam.
resultados, quando se aliam a ativi-
Ela diz que, três vezes por semana, em
dade física e uma boa alimentação
dias alternados, é um bom começo para
orientadas por profissio-
os que desejam iniciar algum tipo de
nais, são mais rápidos e
atividade física.
eficientes, contribuindo para uma vida sau-
BOA ALIMENTAÇÃO A alimentação, antes da atividade, é importante. “Ao fazer atividade física seu
dável.
cirurgia ele não mantiver exercícios físicos, pode ser muito perigoso”, orienta.
16 Julho 2014
17 Julho 2014
18 Julho 2014
19 Julho 2014
“Nunca pensei passar por isso...
FOI HORRÍVEL!” TEXTO
Esta e as outras fotos no aeroporto são ilustrativas
Marcella de Lima e Marcella Ruchet
FOTOS
Thiago Gadelha
O tráfico de pessoas é considerado a terceira atividade criminosa mais lucrativa em todo o mundo, perdendo apenas para o de armas e o de drogas, que lideram o ranking. A Organização das Nações Unidas (ONU) especula que, em todo o mundo, o tráfico humano, de modo geral, movimenta em média US$ 2 bilhões por ano, mas acredita-se que esse número é baixo diante da realidade, pois é possível que esse crime seja ainda mais lucrativo e recorrente, já que uma mesma pessoa pode ser vendida várias vezes, seja homem, mulher, jovem e até criança. Segundo o Escritório das Nações Unidas (UNODC), as mulheres aparecem com 66% de preferência como alvo de aliciadores; já os homens, 12%. O Brasil está entre os países que mais “exportam” mulheres para exploração sexual. Informações divulgadas pela Polícia Federal mostram um crescimento relevante nesse tipo de crime no Brasil. Em 2003, foram registrados 55 casos. Já em 2007, último ano em que foi feita a pesquisa, foram 109 casos. O Ceará é o segundo Estado do País com maior número de denúncias. O alvo principal dos aliciadores são mulheres atraídas pela oferta de falsos empregos. A seguir, a revista traz a história de uma dessas mulheres. Hoje casada e mãe de família, prefere ter sua identidade mantida em sigilo por questões de segurança. Apesar de nunca ter vendido seu corpo antes, ela foi obrigada a fazer parte da realidade de centenas de mulheres brasileiras que são vítimas do tráfico internacional para exploração sexual e que, de uma hora para outra, são obrigadas a fazer programas com desconhecidos. A história dessa mulher se passa na Itália e aconteceu a partir de uma proposta para trabalhar em um salão de beleza, feita por uma grande amiga, sua comadre, o que não a fez desconfiar de nada. O relato está em primeira pessoa e se inicia com a chegada dela ao local de trabalho, levada pela aliciadora.
20 Julho 2014
Q
uando chegou a segunda-feira, dia 29 de outubro de 2012, que ela
me levou no lugar que eu ia tra-
balhar, não era trabalho, não era um salão
de beleza, era um puteiro mesmo. Me lembro que, na mesma hora, eu disse que não havia
ido até lá pra trabalhar com isso e sim em
Eu criei uma máscara e interpretei um personagem para não sofrer, mas quando cheguei à casa da minha amiga, caí na real”
um salão. Mas a mulher, que se apresentou como a dona do salão que eu iria trabalhar, me respondeu dizendo que havia comprado
minhas passagens e que por isso eu teria
me achar. Quem passava por perto jamais
salão ia ficar pronto. Percebi que era mentira
O tempo todo, eu fiquei com muito medo,
que ficar durante 15 dias. Era o tempo que o
iria imaginar o que acontecia lá dentro.
e questionei. Disse que eu queria voltar para
mas não chorei. Pra mim, foi chocante. Eu
Mas, mesmo assim, a mulher falou que eu
do em ficar com um homem que eu não gos-
o Brasil e depositaria o dinheiro para ela. ia ficar. Ela não era agressiva, mas dizia que tinha que ficar. Foi quando percebi que não
havia mais o que fazer, era aceitar e enfrentar o que estava acontecendo. Meu Deus, eu nunca pensei em passar por isso em minha vida, foi horrível!
Não precisou alguém me dizer que eu ia
ser obrigada a me prostituir, porque de cara eu percebi um bar, um palco, um pole dance. Quem é que não percebe? Aquilo não tinha
cara de casa de família e, como sou muito cabeça fria, não me desesperei. A primeira
coisa que pensei foi que tinha que fugir dali,
voltar pra minha casa. Mas, como fazer? Era difícil, porque eu não falava a língua italia-
na e nem das outras meninas que estavam lá. Na verdade, tinha uma brasileira além de
mim, ela era de Belo Horizonte. Me lembro muito bem de uma indiana e três marroqui-
nas. Tinha pouca gente. Elas não pareciam
nunca tinha feito aquilo, nunca tinha pensatasse, quanto mais quem eu nem conhecesse. A primeira vez foi horrível. Eu só pensava
na minha família. Eu pensei em mim, pensei que eles poderiam me matar. Aí, eu preferi agir como se eu já vivesse aquela vida há
muitos anos. Fechava os olhos, engolia o
choro e… Vamos pra frente! Vamos tentar resolver, tentar escapar! Alguma coisa, né? Minha primeira vez foi à noite. Eu estava muito maquiada, vestida com uma calça
leguing, uma blusa cheia de lantejoulas, cabelo amarrado, brinco grande, bota de salto
imenso. Ele era lindo, alto, forte, olhos claros, bem vestido, cheiroso. Mas eu não gostava
dele, né? Eu não tinha sentimentos por ele.
O homem tava bebendo e eu tive que ir nele. Aí, o que eu primeiro disse foi: - Mi gusta sentar contigo?
- Si, bravo – ele respondeu.
A gente tentou se falar, mas eu não sa-
muito desesperadas por estarem ali, acho
bia italiano direito, só poucas palavras. Foi
Ninguém nunca ia me encontrar naquele
bado e acho que drogado também. Aí, disse
que, com o tempo, a pessoa se acostuma. lugar. Era uma casa linda, em cima de uma montanha, na Toscana. [Em volta] só tinha
mato, mas a casa era linda, com muitos quartos. Me lembro de uma piscina grande, sinuca, era tudo muito chique e não tinha
uma placa com o nome cabaré, nunca iam
terrível, nunca vou esquecer. Ele estava bê-
Pessoas presas por tráfico na Itália (2004 -2007)
que me queria. Fui para o quarto com ele e
2004: 130
coisa terrível. Eles gostam de sexo anal, eles
2006: 140
o primeiro cliente, mas parecia uma vida. O
Fonte: Policia
o beijei, abracei e ainda tive que fazer uma adoram. Foi nojento! Passei meia hora com tempo não passava e, até na hora de tirar a
2005: 157 2007: 167 Criminal Italiana
21 Julho 2014
roupa, era como se fosse eterno. Parece que, quanto menos a gente gosta, mais o negócio
é demorado. Eu chorei muito por dentro. Pensava em me matar, em matar ele e ir à polí-
cia me entregar, mas lembrava do meu pai, da minha mãe, do meu filho, da minha vida,
né? Minha mão estava gelada e tremendo,
meu coração não parava de bater forte, mas
eu tentava me segurar. No primeiro dia já foi assim, eles não têm vergonha porque nunca mais vão [voltar] lá.
Me sentia suja e não entendia como logo
eu, que sempre lutei pra ganhar a vida de forma honesta, fui parar ali. E, principalmente, como a minha comadre, uma pessoa tão querida por mim, tinha me colocado naquela
enrascada. Nunca pensei que aquele convite ia acabar assim, eu sendo explorada sexualmente. Achava que ia ganhar dinheiro, que ia
O inimigo pode estar mais perto do que você imagina! Seguem dicas para evitar que você seja aliciada: - Ao receber convites de estranhos no Facebook, desconsidere; - Mesmo sem ser amigo de um estranho no Facebook, você pode receber mensagens dele, Se isso acontecer, não responda. Aliciadores entram em contato com vítimas também pela internet;
podem estar de olho nesses sites; - Se receber uma oferta de emprego “dos sonhos” desconfie; - Cuidado até mesmo com os intercâmbios. Sempre veja a procedência da empresa; - Seja cautelosa ao conversar com estranhos; - Desconfie de casamentos arranjados.
- Cuidado também com os sites de relacionamento, Traficantes de pessoas
(Fonte: Núcleo de Enfrentamento ao tráfico de pessoas - NETP)
22 Julho 2014
trabalhar com outra coisa. Nunca pensamos
que aquilo pode acontecer com a gente, só com o outro, né? Ainda bem que a dona de lá
nunca me maltratou. Apesar de ser conhecida como malvada, ela nunca brigou comigo e nem me bateu, mas teve uma que apanhou
porque gritou com eles. Eu era tranquila,
aceitava tudo, não queria que suspeitassem que eu ia fugir.
A cafetina que me recebeu na Itália
era brasileira, morena, tinha o cabelo liso, preto,
muito magra e com os seios bem
grandes. Ela levava a gente pra arrumar o cabelo, todo dia, e, quando nos levava em
uma loja, era nessas baratas, mas com roupa legal. Isso era porque a gente tinha que estar pronta, no horário de almoço, porque
essa era a hora que começava a chegada
dos clientes. Ia muito empresário no inter-
valo do trabalho. Com esses clientes era tudo muito rápido, não queriam conversa e
sim que eu usasse drogas. Eu não queria. Eles diziam só um ‘poquito’ e eu balança-
va a minha cabeça fazendo sinal que não
gostava. Lembro que teve um que se irritou
e disse que ia embora. Se ele fosse, iam brigar comigo. Aí, eu o chamei de volta. Mas,
graças a Deus, não insistiu, ele cheirou sozinho. Mas a bebida alcoólica não tinha como
deixar de tomar, a gente fica viciada nem
arrepiada. Deus me livre! Nunca mais quero passar por isso.”
que não queira. Eu não bebia antes de ir
A FUGA
bebia. Lá na casa de prostituição, eu tinha
balhar], estava frio. Mas, antes, passei por
pra lá, mas voltei ‘papudinha’, todo dia eu
“Quando cheguei [na cidade em que ia tra-
que estimulá-los a gastarem o dinheiro com-
Roma. Foi lá que, depois de 12 horas den-
prando bebida. Eu tinha que beber porque
eram eles que pagavam a minha bebida. Tinha uma que a gente bebia muito, não
lembro o nome, mas parecia com vodka,
era uma bebida quente com cheiro forte e dava uma sensação de queimação. Não vou
mentir, eu passei a me acostumar com tudo
aquilo. Acho que, se eu não tivesse fugido, teria ficado igual ao povo de lá. Ruim mes-
mo é deitar com quem a gente não gosta.
Só de lembrar me dá calafrio. Eu estou até
tro de um avião, fiquei uma hora presa na
imigração para poder ser liberada. A Polícia
Federal desconfiou de mim e eu até me as-
sustei. Mostrei meu passaporte, a carta convite que ela enviou pra mim e documentos da residência dela. A polícia ligou para a
mulher. Ela disse que eu era sua prima e estava levando documentos para o seu casamento e que, após 15 dias, eu iria embora.
Fui liberada e de lá segui para o portão de desembarque, onde ficam as pessoas que
nos esperam. Lá, estavam dois homens, um que dizia ser o pai da mulher e segurava um
papel com meu nome. O outro era o motorista do carro, que nos levou por algumas
horas à casa mais linda que vi em minha vida, da mulher que me convidou para trabalhar na Itália. Só na casa dela tinham 36
quartos. Foi o que ela me disse, não deu pra
contar, parecia um castelo e fui muito bem tratada. A mulher me colocou para descan-
sar em um quarto, disse que eu tinha que dormir e que eu precisava me adaptar. Me deu tudo, na hora achei muito massa. As-
sim que cheguei, eu liguei para minha mãe e, por orientação da minha futura patroa,
disse que só ligaria daqui a 15 dias porque a ligação era muito cara, mas que estava
tudo bem e ainda disse o quanto o lugar era
23 Julho 2014
ser a conquista da minha liberdade. Ficar na-
quela casa, não a da mulher, mas a que eu tinha que me deitar com os homens e fazer tudo que eles queriam foram as piores experiências da minha vida.
A gente limpava a casa e, quando eu ia
deixar o material de limpeza, na parte de
baixo [da casa], via uma grade pequena. Per-
Dicas para viajar em segurança
cebi uma portinha que dava pra ver o mato, aí pensava que eu podia fugir por ali. Um dia, às 6 horas da manhã, ainda estava escuro
- porque lá só fica claro quando já são 9 horas, eu vesti duas calças jeans, duas blusas, peguei 500 euros que sempre deixava den-
tro do sapato. Ninguém sabia que eu tinha
aquele dinheiro. Peguei meu passaporte, que não sei por que eles não tomaram de mim, pois levaram tudo o que eu tinha, só não
a roupa que eu estava vestida. Fiquei sem
celular, sem nada, acho que esqueceram ou achavam que estava na minha bolsa, não
sei. Pra mim, a sorte estava comigo. Todas as outras meninas não tinham mais seus passaportes, só eu. Mas essa não foi minha única
sorte. Se comparada com outras mulheres, fui abusada sexualmente poucas vezes. Isso lindo. Não liguei mais, porque eu ia ter que
mentir e acabaria chorando. Na primeira ligação, realmente, estava tudo perfeito, mas depois mudou, né?
O meu sonho parecia ter começado a se
realizar, sempre fui muito ambiciosa, queria
crescer na vida. Estudei até o segundo grau
completo, mas eu queria e, ainda quero, ter muito dinheiro. Vendo aquela casa ali,
eu pensava que eu ia poder ter uma igual. Eu estava parecendo uma criança quando
ganha um brinquedo novo, porque sempre
gostei de coisa boa. Não tem nem como dizer a minha felicidade naquele momento. Eu
ia juntar dinheiro, voltar bem de vida para o
Brasil, casar com meu noivo e colocar o meu negócio. Mas, três dias depois, o meu maior sonho mudou completamente. Ele passou a
Sempre leve cópias dos seus documentos; - Ande sempre com o seu passaporte e desconfie se um estranho se oferecer para guardá-lo; - Antes de viajar, aprenda um pouco o idioma do país ou faça uma lista das palavras básicas; - Sempre avise aos seus familiares sobre o local onde você vai ficar; - Se informe sobre telefones e endereços dos consulados e embaixadas brasileiras; - Combine códigos com seus familiares. Se algo der errado no exterior e você telefonar, eles vão poder ajudar.
porque eles não gostavam de mim, eu sou gordinha e tenho pouco seio. Eles preferiam
as outras, que eram magras e tinham os
em baixo. Corri durante meia hora, quase
fugi. Saí no meio dos matos correndo com o
E ainda estava frio, mas numa hora dessas a
peitões. Depois que peguei o que precisava, passaporte. Aí sim, esse foi o momento mais
desesperador. Eu chorava, rezava, pedia a Deus que me protegesse, pensava no meu
filho, no meu noivo. Corria, corria muito no
meio do mato e, como estava tudo escuro, eu não enxergava direito e, às vezes, caía. Como era descida, eu acabava escorregan-
do no meio das árvores, mas não deixava o passaporte cair porque, sem ele, eu não era nada. Sempre olhava pra trás pra ver se os
morro porque eu nem tenho preparo físico. gente nem pensa, encontra força não sei de onde. Quando eu cheguei na pista, tinha uma parada de ônibus e eu subi no primeiro que
passou. Não demorou muito, mas, enquanto
não passava, eu fiquei escondida atrás de uma lata de lixo bem grande. Eu tremia toda, chorava muito e, quando vi o movimento dos
carros, aí é que chorei. Eu não sei, mas acho que eles já estavam me procurando.
Quando eu subi no ônibus, estava muito
seguranças da casa estavam vindo atrás de
nervosa. Uma moça me perguntou se eu es-
eles me pegassem, era arriscado me matar.
que queria ir ao Centro, mas foi muito difícil
mim. Esse era o meu maior medo porque, se Eu queria chegar em uma pista que tinha lá
tava passando mal e eu respondi que não,
entender a explicação dela. Imagina aí, você,
24 Julho 2014
Perfil das vítimas De acordo com a Coordenadora do NETP, Lívia Maria Xerez, o perfil da vítima pode variar de acordo com a “demanda do mercado”. Mas existe um perfil bastante comum nesse tipo de crime:
Ceará Pernambuco
- Mulheres com filhos; - Negras e mulatas (tipo exótico); - 18 a 29 anos; - Sofrem de vulnerabilidade social (problemas financeiros em casa, sofrem algum tipo de violência dentro de casa).
em um país que não sabe de nada, é horrível para se comunicar. Quando cheguei no final da linha, eu ainda andei quase uma hora
para chegar na estação. Era uma reta só, por
isso não foi tão difícil chegar lá. [Quando pe-
Goiás
São Paulo Principais países que recebem vítimas do tráfico humano: Portugal, Espanha, Itália, Holanda e Suíça
O mapa mostra os principais estados brasileiros que exportam pessoas para a exploração sexual internacional.
dia informação], as pessoas me respondiam
de forma ignorante, tinha gente que não, mas tinham uns bem grosseiros. Ao chegar à
estação de trem, comprei uma ficha, porque lá é ficha, e liguei pra uma amiga que mora
Ela me deu comida, roupa, tomei banho e
estava tudo bem. Não contei nada do que
do meu sapato, coloquei por precaução. Daí,
passando mal e chorando, era como se, só
dinha, era arriscado até minha mãe morrer,
em Veneza. Eu tinha o número dela no solado
liguei e contei o que tinha acontecido. Ela
chorou muito e disse que eu ficasse lá que
ela ia me pegar, mas eu não queria ficar pa-
rada, tinha medo de eles me encontrarem, então preferi eu mesma pegar o trem e ir ao encontro dela na estação de Veneza.
Só depois que encontrei minha amiga, eu
percebi, realmente, o que havia acontecido.
deitei na cama. Passei dois dias com febre,
naquela hora, o meu corpo estivesse reagindo à agressão que eu tinha vivido. Eu
tinha acontecido. Até hoje ela não sabe. Tase soubesse.”
criei uma máscara e interpretei um perso-
DE VOLTA PARA CASA
guei à casa da minha amiga, caí na real.
dade, até porque eu tinha deixado com ela
nagem para não sofrer, mas quando che-
“Liguei para minha irmã e contei toda a ver-
Liguei para minha mãe, dizendo que não
uma cópia dos documentos que a mulher
havia gostado do emprego, que eu iria vol-
tar para casa, que ela ficasse tranquila,
tinha mandado pra mim. Caso acontecesse algo, ela iria à Polícia Federal, mas, como
25 Julho 2014
deixava voltar para casa. Como a casa era
muito grande, enquanto eu estava presente, não pude ver as pessoas que moravam lá.
Aprendi que devemos ter muito cuidado
com tudo e desconfiar de todos para não
cairmos em uma armadilha como essa porque depois é difícil ter volta. Eu tive como voltar, mas a minha vida não é mais a mesma. Não quero que ninguém saiba que eu
passei por isso, só minha irmã e meu ma-
rido, com quem casei no meu retorno ao Brasil, porque as pessoas têm muito pre-
conceito e é muito difícil reconstruir a vida se todo mundo te olha torto, todo mundo vai
me chamar de prostituta e eu não sou, eu fui uma vítima.
Nunca mais esquecerei aquele outubro
de 2012 em que, com 27 anos de idade, vi minha vida mudar de uma hora para outra.
Passagem usada pela vítima para sua viagem a Itália
eu disse que estava tudo bem, ela não sus-
leza. A
havia acontecido, mandou os documentos
fica perto da minha, mas ela estava via-
peitou de nada. Quando contei tudo que para mim por e-mail e eu imprimi. Fui ao consulado brasileiro e fiz a denúncia, en-
treguei os documentos e descrevi toda a
história que estou contando agora. 24 horas depois, ligaram para a casa da minha amiga e mandaram eu ir à Polícia Federal
de Veneza. Eu fui e lá reconheci a mulher que me aprisionou durante 15 dias. Se eu
não tivesse fugido, nem sei o que pode-
ria ter acontecido comigo. Depois disso, eu não soube mais notícia dela. Não sei
o que aconteceu. O marido dela é muito rico. De vez em quando, acho que a polícia vai me ligar para falar algo, mas, até agora, nada.
Depois da denúncia, meu noivo enviou
para mim a passagem de volta ao Brasil
e, além de ver minha família e ficar bem
longe daquele lugar, o que mais queria fazer era me encontrar com quem me incentivou a ir à Itália me prometendo um bom emprego, em um salão de be-
minha vontade era de bater na
minha comadre. Fui até a casa dela, que
jando. Alguns dias depois, a mãe do meu afilhado chegou de viagem e eu fui tomar
satisfações. Afinal de contas, ela me fez passar pelos piores momentos da minha
Ando sempre assustada e com medo que
algo ruim possa acontecer. Não gosto mais
de estar sozinha, acho que meu telefone pode tocar a qualquer momento com algu-
ma notícia sobre o caso. Tenho ódio de todos
eles e, diariamente, peço a Deus para tirar esse sentimento do meu coração.”
vida. Minha grande amiga que me deu
seu filho para eu ser madrinha tinha feito aquilo comigo, eu não entendia o motivo.
Não tive medo. Fui atrás dela para saber por que havia me ligado dizendo que sua
patroa precisava de uma mulher para tra-
balhar no salão de beleza na Itália e que pagaria tudo pra mim. E, além disso, eu iria ganhar muito dinheiro, eu confiei na
minha comadre. Para a minha surpresa, ela também tinha sido vítima do tráfico
humano. Mas, no caso dela, não foi tra-
balho sexual e sim escravo. Minha comadre me mostrou fotos da casa em que eu
estive nos primeiros dias na Itália. Era lá onde ela estava sendo mantida como escrava e até limpava com a mão as fezes
do filho da aliciadora, a mesma que não me
Socorro!! Disque Denúncia Tráfico de Pessoas: 100 Atendimento à mulher: 180 Delegacia da mulher: 3101-2495 Polícia Federal: (85) 3392-4900 Quando estiver fora do Brasil: Telefones de três consulados brasileiros: Espanha: 900 990 005 61 3799 0180 Itália: 800 172 211 61 3799 0180 Portugal: 800 800 55061 3799 0180
26 Julho 2014
Entrevista
Lívia Maria Xerez
Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP)
Como os aliciadores se utilizam da
mos uma parceria com uma organização. E
que não enxergam o seu aliciador como
para comemorar esse novo trabalho, [a par-
uma pessoa do mal, e sim do bem, porque
ceira] oferece uma passagem a Paris para
muitas vezes eles são os únicos que elas
de fonte para possíveis vítimas. Eu mesma já
as pessoas que estão nessa capacitação. Eu
conseguem falar, criam vínculos de amiza-
recebi mensagens de pessoas no meu Face-
digo que vou passar um papel e quem tiver
de e, algumas vezes, amorosos. Tem umas
book dizendo que gostaram do meu perfil e
interesse em conseguir essas passagens pre-
que não são mantidas em cárcere privado
pedindo para conversar comigo por e-mail.
encha com seus dados e assine. Eu prometo
total, então se acostumam e preferem nem
Eles usam aquela desculpa de que vamos
tudo, uma semana com tudo pago. Digo
voltar, conseguem juntar um dinheirinho,
ser amigos, estou chegando em seu país, me
que eles vão conhecer como é feito o com-
podem sair, verem algo, andarem de avião.
ajuda a conhecer lugares e fazer amizades,
bate em outros países. Mas alerto que houve
Sempre é assim, por mais que a situação
estou precisando de um tradutor, e por aí vai,
um impasse na construção desse convênio
seja ruim, há a esperança de estar em um
Eles arranjam um jeito de puxar conversa
e que só temos a passagem de ida, o retorno
país mais desenvolvido.
e muita gente cai. Mas não é só na internet
tem que ficar por conta de quem deseja ir
que isso acontece. No NETP temos um caso
e peço desculpas. Daí as pessoas dizem: “Só
Por que os números que mostram evolu-
de uma mulher que recebeu uma ligação er-
isso? Tenho a de ida, casa, comida e roupa
ção nesse tipo de crime não aparecem com
rada, depois recebeu várias ligações erradas
lavada? Eu me viro para voltar”. Todo mun-
facilidade?
de forma sucessiva, os dois criaram um vín-
do bota o nome na lista para viajar. Depois
culo amoroso e ela foi enganada. Às vezes,
digo que todos eles cairiam [vítimas]. Me
não tem dados precisos muito atuais, mas
numa ligação errada, o aliciador consegue
dizem que sou uma pessoa confiável, que
eles aparecem conforme o combate desse
saber o seu estado de carência.
sou uma pessoa do Estado. Isso de pessoa
crime. E é muito difícil de ser enfrentado
confiável, não existe. Existem presidentes da
porque a principal arma dele é o senti-
República a nível internacional que estão
mento do ser humano. Principalmente, nas
dor está agindo para levar uma pessoa
envolvidos com essa rede, mas como está
mulheres que sonham em encontrar o seu
para outro país ?
em investigação não pode ser falado. Em
príncipe encantado. Elas têm medo de de-
Internet para atrair as suas vítimas? Lívia Maria Xerez: A internet é uma gran-
Tem como identificar quando um alicia-
LMX: Geralmente, existe um estrangeiro
LMX: Os números são bem flutuantes e
uma conversa de 5 minutos, você consegue
nunciar porque, geralmente, eles conhecem
por trás e sempre vai existir uma pessoa
30 pessoas em uma lista interessada em ir a
os familiares, têm formas de coação para
da sua região que é manipulada para co-
um país distante, sem passagem de volta.
segurar essas mulheres lá e, quando elas
nhecer mulheres,. Essas pessoas são usadas
voltam, os mesmos continuam sabendo
para captar outras. Uma jovem falando
Como fica psicologicamente a vítima?
onde encontrá-las, então isso inibe. Tem ou-
para outra jovem, ela seduz de maneira
LMX: Não conseguem nem falar direito
tras que, muitas vezes, não se reconhecem
mais fácil, se aproxima da família. Na
para a equipe a historia que viveram, elas
como vítimas. Eles te pegam pelo lado sen-
minha fala pública, eu uso uma dinâmica
choram. As informações, muitas vezes, são
timental, profissional, familiar ou pelo lado
(ações que ela faz para simular possível
faladas em pedaços, porque o medo é
do dinheiro. As vítimas têm que perder o
aproximação de um aliciador). Digo que
maior. Não conseguem dormir, tem a ques-
medo e denunciar para ajudar a conhecer-
estamos com um projeto novo para o com-
tão de se sentirem perseguidas, passam a
mos melhor a ação dos criminosos e assim
bate ao tráfico de pessoas e que consegui-
ter Síndrome do Pânico. Já existem outras
diminuir o crescimento dessa ação.
27
Giovânia de Alencar e Lígia Costa TEXTO e FOTOS
CONSUMO
Quem cria esse desejo?
Julho 2014
É raro encontrar quem não seja dominado pelo consumo. O que desperta nas pessoas essa vontade de consumir esta ou aquela mercadoria? Quem aciona esse desejo? Muitos culpam a publicidade. Para persuadir, ela mente? Para buscar algumas respostas a essas perguntas, A Ponte conversou com Marcel Pinheiro e André Miyasaki, jovens publicitários sócios de uma agência, e também com duas professoras da área da comunicação. A reportagem encontrou os dois no local de trabalho, em um ambiente que transmite descontração e liberdade. Computadores colocados lado a lado, sem divisórias. Sobre uma prateleira, há um relógio em design surrealista que parece derreter. Um música toca discretamente.
Dentre muitos objetos, o quadro e o relógio revelam as diferentes inspirações estéticas na agência de publicidade
28 Julho 2014
M
Sócios, André
apostar no mercado de Fortaleza e abriram a
encontram na
arcel Pinheiro é redator e André Miyasaki, diretor de arte. Ambos têm experiências profissionais
fora do Ceará e do Brasil. Eles resolveram empresa aqui, onde eles acreditam ser possível fazer uma publicidade de qualidade. A falta de concorrência teria sido outro dos motivos que os levaram a ficar. “Não tem muita gente fazendo coisa legal aqui”, afirma Pinheiro, que já teve a oportunidade de trabalhar em São Paulo, em Recife, e até para uma agência de Madrid, a Código Visual. A única porta que divide a agência é uma de estilo saloon de bangue-bangue, do tipo que vai e vem. Eles acreditam que as barreiras físicas podem representar uma barreira psicológica. Há uma parede que separa a sala, mas a intenção deles é também derrubá-la em breve para transformar tudo em uma única sala onde ideias e opiniões tendem a fluir mais livremente. Antes, trabalhando para outros, viam muitas de suas ideias serem rejeitadas. Mas, agora, possuem autonomia para experimentar coisas diferentes. “Não existe barreira quando a gente é dono da agência. A gente que faz e aprova”, diz Miyasaki sorrindo satisfeito.
PREENCHENDO O VAZIO A primeira pergunta foi direta ao assunto: “De onde vem a necessidade de consumo das pessoas?” Marcel Pinheiro respira fundo e responde: “Bom, agora eu vou filosofar”. A sua resposta criou um clima de curiosidade. Ele sustenta sua ideia com base no livro O Vazio Existencial, de Viktor Frankl - psiquiatra fundador da logoterapia, que faz análise especializada no existencialismo humano. O autor do livro, explica ele, prega que a necessidade de consumo das pessoas para satisfazer o ego e contribuir para sua adesão a determinados grupos e status sociais vai muito além do desejo de compra
Miyasaki e Marcel Pinheiro franqueza um modo de investir na agência de Publicidade
29 Julho 2014
DEPOIMENTO Almir Moreira Estudante de Jornalismo
e escolha do produto. Ele acredita que as
Por outro lado, Pinheiro alega ter perdido
pessoas têm um vazio dentro de si e pro-
a visão romântica da comunicação sob a ló-
curam preenchê-lo de algum modo, sendo
gica do pensamento marxista, “a de tentar
o consumo uma forma simples e eficaz de
consertar o mundo todo”. Ele diz não acre-
satisfação imediata, por mais que seja fu-
ditar no determinismo empregado nos prin-
gaz. Porém, Pinheiro não deixa de acredi-
cípios da Escola de Frankfurt (escola funda-
tar que a publicidade, de certo modo, se
da por intelectuais alemães que migraram
aproveita disso e cria opções de compra,
para os Estados Unidos, durante a Segunda
o que não aprisiona o público a consumir
Guerra Mundial, e desenvolveram o pensa-
determinado produto. “Tanto o profissional
mento conhecido como Teoria Crítica), nem
como o público têm liberdade. Ninguém
na ideologia dominante da Indústria Cultural.
obriga o outro a tomar determinada atitu-
“Se cada um fizer a sua parte, ao invés de
de”, acredita. “O sujeito está predisposto a
querer consertar o mundo inteiro, contri-
consumir e a gente só direciona”, explica
buirá mais para a construção de um mundo
Miyasaki.
melhor. Nós [seres humanos] mudamos de
Me considero uma pessoa extremamente consumista. Tenho muitas coisas fúteis como vários tênis, relógios e óculos. Eu compro coisas que, por exemplo, apesar de usar, tenho dez do mesmo jeito, que fazem as mesmas coisas. A última agora foi uns óculos, uma armação, que eu nem sequer usei, está guardada. Uma vez fui comprar uns óculos, mas meu cartão de crédito não passou. Mandei o cara tentar umas dez vezes e nada. Passei a semana inteira indo lá no shopping até conseguir e deu certo. Eu tinha gostado dos óculos e, também, ia pra ver se ainda estava lá. Hoje, sou amigo do vendedor e sempre rimos disso. Geralmente, o que está no mercado eu compro, mas não sou muito preso à marca não. Para mim, uma blusa de R$ 300 não seria útil porque com esses R$ 300 eu compro umas cinco de qualidade boa e com o mesmo tecido. Seguir a publicidade, talvez, mas no intuito de olhar algo que me agrade, sem seguir o “você deve comprar” que a publicidade faz. Sou consumista, mas não me endivido. Até as parcelas eu calculo e jamais passo de três. Porém, sempre tem algo no meu cartão relacionado às compras online, às lojas de shopping e fast foods.
30 Julho 2014
O sujeito está predisposto a consumir e a gente só direciona
André Miyasaki Publicitário
opiniões constantemente para dar soluções para a humanidade”, explica. Pinheiro acredita que o capitalismo é o sistema econômico mais justo. “Os melhores devem ser recompensados e os competentes devem crescer mais que os outros”. Para ele, o problema está na desigualdade de oportunidades, culpando o Estado por não oferecê-las.
CONSUMIDOR EM FOCO Mais que uma atividade profissional, a publicidade é um tipo específico da comunicação que, visivelmente, tem a capacidade de se transformar e de se adaptar ao contexto social, em cada período histórico. Pinheiro leva isto em conta ao acreditar que a publicidade mais reage ao que está acontecendo do que propõe comportamentos. Sendo assim, se faz necessário que os profissionais da área se posicionem como excelentes observadores para “perceberem o caminho que a sociedade percorre e o que ela está buscando”. Para atender a tais exigências, o redator explica que existem elementos utilizados pela publicidade, como as figuras de linguagem. “A comparação, a metáfora, a metonímia, o exagero, a hipérbole etc. Todas estas figuras mais simplórias, mas que são básicas, a gente usa para persuadir”, revela. Além da observação e da técnica, os dois jovens publicitários lembram do apelo emotivo. Presente nos processos de criação publicitária, a emoção, seja mais ligada ao humor
31 Julho 2014
O poder da propaganda
Em homenagem às suas tiradas filosóficas, Marcel Pinheiro brinca, posando de pensador
Palavra derivada do latim propagare, a Propaganda – que compreende a disseminação de conhecimentos, teorias, princípios e ideias – é antiga enquanto forma de comunicação e, desde então, vem sendo adotada para os mais diversos fins. Na Alemanha dos anos 1930 e 1940, Paul Joseph Goebbels, ministro da Propaganda Nazista, notabilizou-se pela forma perspicaz com a qual percebeu o poder da comunicação, embora o objetivo fosse ampliar o domínio político baseado no racismo, justificando e incitando a prática de crimes contra a humanidade. Adolf Hitler, líder – em alemão, Führer – do Partido Nazista, o tinha como braço direito na propagação de sua ideologia. Orador de grandes e mordazes discursos, Goebbels atentou genialmente para detalhes de aperfeiçoamento técnico, utilizados até os dias de hoje em propagandas políticas. O emprego de símbolos, a repetição e a simplicidade no conteúdo propagado ao grande e diversificado público deveriam ser agradáveis, partindo de um modelo de propaganda não política, mas de entretenimento. Responsável pela imprensa alemã e preocupado em manter o controle sobre os meios de comunicação e sobre as massas, o ministro da Propaganda e da Informação Pública alemã costumava escrever tudo em um livro pessoal. Escreveu seu diário de 1924 a 1945, considerado registro riquíssimo acerca do nazismo, servindo de base para o documentário O Experimento Goebbels, que narra detalhadamente sua memória. O filme foi produzido por Lutz Hachmeister no ano de 2005. A contribuição dedicada, desmedida e quase paranóica de Goebbels permitiu uma ascensão descomunal de Hitler e do Nazismo. Sem ele estes, provavelmente, não dominariam.
32 Julho 2014
Publicidade X Mentira
Enquete com 120 pessoas para verificar o que elas pensam sobre a mentira na publicidade.
ou ao drama, é um recurso priorizado por eles. Mas garantem que preferem abordar as pessoas de forma menos invasiva. A emoção é adotada como uma alternativa de fuga da publicidade “chata”, que foca apenas em preços, prazos e promoções. “A longo prazo, isso talvez não conquiste mais o consumidor como conquistava antes”, pressupõe Pinheiro. Mas adverte que é possível encontrar por aí um trabalho deste tipo feito por sua agência, afinal, é um tipo de publicidade
OPINIÃO Sandra Helena professora da disciplina de Ética, Cidadania e Jornalismo
Os dados desta pequena pesquisa revelam uma ideia que algum tempo se desenha para mim. As pessoas não são vítimas da publicidade, elas são cúmplices. A gente sempre pensa que as pessoas são totalmente enganadas. Eu sei que essa amostra é “pequenininha”, mas me arrisco a dizer que se houvesse uma pesquisa mais extensiva, quantitativamente mais relevante, os resultados não seriam tão diferentes. Sobretudo, no que diz respeito às pessoas reconhecerem o caráter fictício e, às vezes, enganoso mesmo das propagandas. A minha tese é de que a ideia de alienação, como foi usada pelos pensadores no século XIX, por exemplo, não cabe mais para o nosso tempo, já desde a sociedade de consumo de massas. Existe muito mais um autoengodo, uma autoparticipação neste processo todo de ilusão e de fetiche de mercadoria. Pelos resultados, ganhou de forma bastante contundente o prejuízo financeiro. Isto é uma medição pelo capital, pelo dinheiro. Nós, de certo modo, estamos capturados por essa lógica do capital pela posse, então me interessa, sobretudo, ter o objeto. Se o objeto cumprir a função social pela qual eu paguei, eu não estou muito interessado que a propaganda tenha me iludido. Eu acho esse um fenômeno extremamente interessante porque ele põe em causa vários dos nossos lugares comuns teóricos, clássicos, de que as pessoas são ludibriadas.
33 Julho 2014
ainda muito solicitado pelo mercado local.
Um é diretor de arte, mais ligado ao
Com a popularização da Internet, de-
design, à concepção artística das produções
nunciar ou elogiar serviços e produtos no
publicitárias. O outro é redator, mais afeito
espaço virtual se tornou atividade corri-
às palavras. Ainda que soe contraditório, An-
queira. Miyasaki acredita, inclusive, que o
dré Miyasaki e Marcel Pinheiro, por mais que
uso dela tornou o consumidor mais crítico,
busquem agregar técnica e inspiração cria-
levando empresas a mudar de postura.
tiva às suas mensagens, deixam claro du-
Carolina Quixadá
Para ele, isto é excelente porque todas as
rante a entrevista que cumprem o papel de
professora da
empresas, através da venda não direta,
comunicadores, e não o de artistas. “A gente
disciplina de Ética e
acabam procurando melhores soluções
pode apenas utilizar elementos da arte, mas
Legislação Publicitária
para chegar até as pessoas.
a publicidade em si não é arte. Tem muito pu-
OPINIÃO
blicitário metido a artista, mas a gente não é artista. Que arte é essa que está no lixo amanhã, enrolando peixe?”, questiona Pinheiro.
O “X” DA QUESTÃO Assim como na arte, é possível encontrar na publicidade algumas representações e simulações do real. A existência da publicidade enganosa, por exemplo, torna necessária a existência de um órgão fiscalizador, como o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o Conar. Mas a publicidade mente? Miyasaki responde rápido e seguro: “Acho que a publicidade não mente. Como qualquer pessoa, você quer mostrar o melhor que você é. Não é que a gente minta ou esconda que o produto é ruim e exalte só as qualidades dele. Na vivência do consumidor, do usuário, ele vai descobrir se aquele produto é bom ou não. Até por estar mais crítico, o consumidor sabe o que é verdade e o que não é”. Pinheiro reitera o pensamento do amigo. “No dia que eu conheci a minha esposa, eu não disse que tinha unha encravada, que acordo com dor nas costas e que me lamento o dia todo. Fui conversar com ela e tentei parecer melhor do que eu sou”. Os dois afirmam que até mesmo na relação com os clientes da agência não é bom fingir que está tudo bem quando não está. “A gente não faz o que ele manda, o que ele pede e acabou. Até porque se algo der errado, ele vai culpar a gente”, explica Miyasaki.
Está configurado na comunicação da publicidade o objetivo da venda. Então, se você está vendendo, você está, automaticamente, querendo só falar as coisas boas daquela pessoa, de um serviço, daquele evento ou produto. Então você parte do pressuposto de que as coisas ruins não serão mencionadas, logo, é como se as pessoas já presumissem que ali estão sendo ditas apenas as coisas boas, e olhe lá se é verídico mesmo. As pessoas ficam com o “pé atrás” e acabam não considerando, “ao pé da letra”, todas as informações que são dadas. Outra questão também essencial é a confiabilidade, o valor da marca. É algo muito mais forte você confiar em determinada marca que possui produtos selecionados, com procedência, do que num restaurante local sem tradição nenhuma. A questão do prejuízo é independente se a propaganda é enganosa ou não porque, após a compra, é feito um julgamento de valor para saber se o custo-benefício valeu a pena. Talvez isso fique mais fácil de evidenciar na enquete porque se você não tem um bom julgamento de valor, independente se a propaganda é enganosa ou não, isso faz parte do próprio consumo em si.
34
traz equilíbrio e bem-estar
TEXTO
Tatiana Soares
FOTOS
Camila Bezerra e Divulgação
ACUPUNTURA
Julho 2014
A prática da acupuntura na medicina alternativa ou preventiva é a mais conhecida. Originária da China, ela trabalha na busca do equilíbrio necessário para prevenir doenças. Tudo está interligado, as emoções têm energia e geram energia ao nosso redor. A energia negativa pode ser prejudicial para a saúde do corpo, mente e alma. A acupuntura estimula o funcionamento do sistema imunológico fazendo com que este exerça as suas funções corretamente. A reportagem da revista pesquisou o assunto e descobriu que, além dos benefícios físicos, ela trabalha o bem-estar de dentro para fora, permitindo uma harmonia integral do corpo. A medicina tradicional chinesa tem muito a acrescentar em nossas vidas. A Ponte conversou com um profissional experiente para conhecer mais sobre o tema.
FOTO: DIVULGAÇÃO
Julho 2014
35
36 Julho 2014
J
oão Saldanha Nunes Filho, conhecido apenas por João Saldanha, tem como formação de base a Fisioterapia, mas
depois se formou em Fitoterapia e em Edu-
cação Física focado na Fisiologia do Esforço.
Também cursou Pedagogia na Universidade Federal do Ceará (UFC) com especialização
em Planejamento Didático. Em 1998, passou dois anos estudando acupuntura na Associação Brasileira de Acupuntura. Além
disso, ele passou mais dois anos na Academia Brasileira de Artes e Ciências Orientais (Abaco), onde também foi professor de Clinica Acupuntural 1 e Clinica Acupuntural 2 em
um curso realizado em Fortaleza juntamente
com a Fundação Virgílio Cruz Dourado. Hoje, pratica a acupuntura há quase 10 anos em uma clínica da Cidade, onde atende apenas
três pacientes por dia, pois as sessões duram, em média, entre 1h30min. e 2h.
O médico João Saldanha Nunes Filho é formado em Fisioterapia, mas também em Fitoterapia e Educação Física
De acordo com o acupunturista, o tempo de
concepção da medicina oriental, que tende a
da medicina oriental. Na medicina chinesa, o
seriam precoces e os tratamentos, efetivos.
atendimento é longo, pois obedece à lógica
paciente é uma pessoa que precisa se auto-
ser mais analógica e intuitiva, os diagnósticos
conhecer e autorreconhecer, ele possui um
MISSÃO
são responsáveis pelas doenças que as aco-
manter o organismo em um estado saudável-
protagonismo clínico essencial. As pessoas
A missão primordial da acupuntura é a de
metem, então é necessário que o paciente
por meio dos seus próprios recursos, já que
converse muito para o médico desvendar o
processo que levou à doença. Como a acupuntura não procura tratar doenças, mas
descobrir desarmonias, estas podem envol-
ver várias doenças, se vistas sob o olhar da medicina ocidental.
O acupunturista acredita que a interação
entre os dois universos de conhecimento, o
Ocidental e o Oriental, poderiam contribuir bastante para a melhoria das condições da saúde da humanidade. Na sua opinião, seria
de grande avanço se os ambientes hospita-
lares fossem mais apropriados para uma me-
ele produz as substâncias anti-inflamatórias, estimulantes e analgésicas. Boa parte das
queixas da vida moderna são tratáveis com
tório sobre o paciente, que permite ao profis-
depressão, insônia, problemas articulares,
órgãos que estão apresentando desarmonia.
a acupuntura, como tensão pré-menstrual, distúrbios alimentares, alergias, asma, den-
Ele se lembra de uma paciente que foi
procurar um médico porque sentia um peso
Além disso, a acupuntura pode ser associada
tinuava mantendo a sensação de peso. Então,
a melhora pode ser imediata ou gradativa. a outras modalidades terapêuticas como, por
exemplo, psicologia, fisioterapia, homeopatia, fitoterapia ou massoterapia.
O acupunturista explica que, durante as
consultas iniciais, realiza-se uma avaliação clí-
para muitos que visitam ou são hospitaliza-
observar, ouvir, cheirar, interrogar e sentir. A
dos. Se os médicos ocidentais adquirissem a
sional já identificar quais são os sistemas e os
tre tantas outras. Dependendo do problema,
lhor estadia dos enfermos, pois o ambiente
transmite uma sensação de tristeza e morte
Como a acupuntura não procura tratar doenças, mas descobrir desarmonias, estas podem envolver várias doenças, se vistas sob o olhar da medicina ocidental.
nica acupuntural baseada nos paradigmas de
partir deles, se faz todo um processo investiga-
abaixo do umbigo. Ela menstruava, mas con-
o profissional disse que era psicossomático, que não era nada e que os exames estavam
normais. Um ano depois essa paciente descobriu que tinha um mioma. A sensação de peso
era uma disfunção energética, o corpo estava
avisando que tinha algo de errado, o que poderia ter sido evitado. Isso não quer dizer que houve falha médica, ressalta Saldanha, pois
37 Julho 2014
o profissional não foi orientado para isso. O diagnóstico só é conhecido quando a doença
já está instalada no corpo. A acupuntura é uma medicina preventiva.
Desarmonias Energéticas As desarmonias energéticas são os processos que interferem na questão mental e emocional, da
PARADIGMAS Na primeira etapa, a de observar, analisa-
se o rosto da pessoa logo que ela entra no
consultório, pois este oferece sinais clínicos fundamentais. Também olham-se os cabe-
los, pois, se estão brancos precocemente, por exemplo, é um indicativo de que precisa cuidar dos rins. Observa-se o aspecto físico geral do paciente, como organiza o seu corpo
no espaço. Se as unhas estão quebradiças, frágeis, já remete a investigação a um deter-
minado sistema. A medicina chinesa é rica nos detalhes.
No outro paradigma, o de ouvir, o acu-
punturista conta que costuma deixar a porta
do seu consultório aberta quando chega um
paciente a fim de poder ouvir seus passos e saber se anda rápido ou lentamente. O ritmo
de fala também é importante nesse aspecto.
“Eu ouço a respiração, se tem algum fremi-
do, secreção ou ronco, pois as pessoas que roncam à noite possuem uma deficiência na
transformação dos líquidos, o que é tratável na acupuntura”, explica.
Na fase de cheirar, o acupunturista pede
mesma forma que a alteração mental e emocional primaria é capaz de alterar o funcionamento orgânico. Contudo, é uma relação holística. O emocional tem brigado com o fisiológico, com o orgânico. Se você vivenciar uma situação emocional estressante de mágoa, ressentimento, tristeza, no primeiro momento, você vai desorganizando o funcionamento de determinados órgãos. Na medicina chinesa, cada órgão tem uma dimensão funcional, ele é responsável por ocorrências fisiológicas, bioquímicas, mas tem também uma relação com a matriz mental e emocional. A seguir, podemos ver uma relação baseada na explicação acima. Fígado: Tem uma
Baço/Pâncreas: Estudo
relação de sensibilidade
excessivo, preocupação
muito grande com a
intensa, falta de con-
mágoa, rancor, ressen-
centração e assimilação
timento. Cultivados por
cognitiva irão desgastar o
longos e longos anos e
complexo baço/pâncreas.
em uma intensidade bem significativa,
Por exemplo, pessoas com pré-diabetes são
vão desorganizando o funcionamento do
tratadas com fitoterapia e estimulação do
fígado. E, consequentemente, vão originar
sistema do pâncreas que produz a insulina.
os miomas, nódulos mamários. Os nódulos
Pois caso ele receba uma carga de insulina
mamários são um tipo de bloqueio da
por fora, será mais difícil de ter o estimulo
circulação dos meridianos. Quando não
desejado, já que o pâncreas ficará inibido.
circula, ocorre a condensação. Com isso trata-se pessoas com nódulos mamários benignos baseado nesses aspectos, reati-
Coração: Ganância,
vando o funcionamento do fígado.
avidez, euforia, inquietude, vontade de querer
que, na segunda consulta, o paciente não ve-
conquistar tudo de uma
nha com perfume, a fim de poder sentir o odor natural da sua pele. Que não escove a língua,
pois ela possui uma cobertura em sua superfí-
cie que se chama saburra, que é indicativo de
como o estômago do paciente está funcionan-
do. O odor da urina, se é muito forte, a coloração, se é amarela mais clara ou mais escura.
O ato de interrogar permite levantar o
histórico de vida do paciente. Pergunta o que ele sente, quando e como o problema se
manifestou, o que o agrava, o que o piora, se há um histórico do problema na família.
O acupunturista ressalta que, na sociedade de hoje, nós não podemos mudar os acon-
vez, ansiedade, o que Rins: Medo,
altera basicamente a
desequilíbrio do
energia do coração.
fígado, pessoas que apresentam síndrome do pânico. Tem
Pulmão: Tristeza pro-
a ver com a dimensão da coragem,
funda, pessoa amarga,
estabelecimento de metas na vida, ob-
perda de entes queridos,
jetivos, aquelas pessoas que desistem
culpa, pessoas que se
e voltam. Elas são propícias a desen-
abatem facilmente quan-
volverem um desequilíbrio na energia
do perdem algo, alguém,
do rim.
quando perdem um emprego e aquilo se torna uma tormento, afeta diretamente o pulmão.
38 Julho 2014
“Nós não trabalhamos só com o tratamento da acupuntura. A pessoa vem, deita e recebe a aplicação. Não. Nós trabalhamos esse entendimento de como você ressignifica as tuas atitudes através de esclarecimentos de leituras aprofundadas que vão te levar a esse tipo de consciência.”
João Saldanha Fisioterapeuta
tecimentos do cotidiano, mas nós podemos
mudar nossas reações frente a eles. “Nós
A repórter Tatiana Soares é atendida pelo médico João Saldanha em seu consultório
acupuntura. A pessoa vem, deita e recebe a
sionando meu dedo com muita intensidade
com o aspecto da coloração percebida, pois
dimento de como você ressignifica as tuas
está em deficiência.”
gráfico têm um sentido com os órgãos. “Tem
não trabalhamos só com o tratamento da
aplicação. Não. Nós trabalhamos esse enten-
atitudes através de esclarecimentos de leituras aprofundadas que vão te levar a esse tipo de consciência.”
Já no último plano de avaliação, o do
sentir, ele vai observar determinados pontos de acupuntura do corpo, tanto na parte
ventral como dorsal, pois os órgãos que se encontram em processo de desarmonia fi-
cam altamente sensíveis e dolorosos. Salda-
nha explica que pode identificar com o próprio tato um ponto que está indicando uma
multiplicação celular indesejada. Alguns pontos são alarmes do nosso corpo. Outra
maneira de sentir é pelos punhos. O doutor coloca o seu punho na mesa e explica: “se
coloco meu dedo superficialmente em cima
do punho esquerdo, posso sentir a primeira onda de sangue que sensibiliza meu dedo,
isto mostra como a vesícula biliar está funcionando. Só que precisa muitos anos de
percepção para sentir isso. Se ela está pres-
é porque está em excesso, se está fraca, ela O profissional faz o registo escrito a cada
consulta, os sintomas e as melhoras. Além disso, faz um desenho da língua do paciente
as áreas da língua e todo o seu aspecto topoum paciente que veio tratar de glaucoma. A pressão intraocular estava acima de 23. Quando fez os exames com o oftalmologista,
Acupuntura no Brasil Friedrich Johann Spaeth, um fisioterapeuta de Luxemburgo, é considerado o responsável oficial pela introdução da acupuntura no Brasil, quando fundou a Sociedade Brasileira de Acupuntura e Medicina Oriental, no final da década de 1950, e passou a ministrar os primeiros cursos. Mas, até hoje, a sua prática legal gera polêmicas no âmbito das organizações médicas. Quanto à introdução da prática no Ocidente, é preciso registrar o trabalho do cônsul francês George Soulié De Morant. Ele foi para a China na década de 1930 e ficou entusiasmado com a prática da acupuntura e da medicina chinesas. Inclusive, ele vivenciou uma epidemia de cólera e viu como as pessoas eram curadas basicamente por meio da acupuntura. Ele vinha de uma família muito culta e que dominava a língua chinesa, então começou a estudar e se aprofundar no assunto. Quando voltou para a França, começou a praticar e divulgar todo o conhecimento que havia adquirido sobre a acupuntura, mas os profissionais médicos começaram a persegui-lo. Ele foi tão perseguido que teve uma crise emocional, adoeceu e faleceu.
39 Julho 2014
ficou impressionado com o resultado. A pres-
do alguém posiciona a cabeça inclinada
contusão sofrida durante uma partida de fu-
te com a acupuntura”, lembra Saldanha.
Surpresa, ela confirma com a cabeça. De-
quel passou um ano sem praticar nenhuma
são intraocular tinha se estabilizado, somen-
EQUILÍBRIO A medicina chinesa acupuntural é conjun-
tamente aplicada com dieta e terapia, que incluem alimentos yang e alimentos yin. Através de orientações específicas, cada tipo
supre uma necessidade de nutrientes. Um profissional indicará qual tipo de alimento
precisa ser reforçado. A medicina tradicio-
nal chinesa busca o equilíbrio integral do ser humano, devolvendo-o ao equilíbrio harmo-
nioso com o seu meio. Quando falamos de meio na medicina tradicional chinesa, é onde a saúde está localizada. A acupuntura é um
recurso que anda junto com a dieta e tera-
pia. Comer o que é necessário, nem mais, nem menos. “Tudo que vem em excesso provoca adoecimento. Se você comer mais do
para a esquerda, é porque estuda muito”. pois, vai convidá-la para experimentar um estimulo: uma agulha na mão. A repórter
aceita, com certo receio. Ele a tranquiliza:“É simples, garanto que você não vai sentir
nada”. Ela concorda e deita-se na maca,
atividade física. Deixou de lado o futebol e, o que tanto gostava, a dança. “Eu adoro dan-
çar, foi muito ruim passar todo esse tempo sem fazer nada”.
Raquel resolveu fazer acupuntura porque
enquanto ele ameniza a luz do ambiente e
a fisioterapia não estava mais funcionando.
tica. Durante a sessão, ele pega delicada-
va muito debilitada. “Nasci só com um rim,
coloca uma música suave apenas com acús-
mente em seu pulso e com um dos dedos
ele avalia a pulsação da repórter. Em segudia, afirma: “Você me parece muito calma, guarda muitas coisas, mas quando explode,
sai de perto”. Novamente surpresa, ela confirma o que ele fala. Ele explica que, pelo
fluxo sanguíneo da pessoa, é possível saber
como é o sistema nervoso e o funcionamento de outros órgão vitais.
que precisa, vai acabar alimentando você e
TRADIÇÃO DE FAMÍLIA
terapeuta”, brinca Saldanha.
tinha condromalacia grau 1, que é o desgaste
o terapeuta, porque vai adoecer e pagar o
Em 2012, Raquel Augusta, 20, descobriu que
Na concepção dele, saúde é incorporar
na cartilagem do joelho, em função de uma
o ritmo da natureza no organismo, pois a
tebol. Depois de 6 meses de fisioterapia, Ra-
O tratamento com anti-inflamatório a deixa-
o que faz que a maioria dos remédios me façam mal”, explica. O resultado começou a
aparecer entre cinco e seis sessões de acupuntura. “Não conseguia subir escada, correr, nem me agachar! Depois de um tempo
de fisioterapia melhorou, mas a dor sempre
voltava. Agora percebo resultados definitivos na acupuntura”, garante. Ela conta que não
sentiu uma melhora somente nos joelhos,
mas também no corpo todo. Sente-se mais
leve e calma quando sai das sessões. “Fico
mais tranquila para fazer coisas que antes ficava me policiando, pois eu sabia que o joelho ia doer”.
pessoa é o microcosmo no macrocosmo. A acupuntura vê os seres humanos como um
microcosmo, dentro de um macrocosmo universal e, assim, considera que os princípios
que determinam o fluxo de energia através do universo também são aplicáveis ao sistema energético humano.
O objetivo clínico da acupuntura é man-
ter o estado de harmonia mais pleno possí-
vel. O equilíbrio é essencial. “Se você está
harmonizado energeticamente, você vai ter um sistema imunológico bem ativo, e vai evitar adoecimento”, ensina. Quando estamos mental e emocionalmente equilibrados, evitamos agressão ao organismo e as disfunções orgânicas.
Em determinado momento da reporta-
gem, o acupunturista para e observa detidamente uma das repórteres e afirma: “Quan-
Raquel Algusta recorreu a acupuntura para tratar seu joelho e voltar a dançar
40 Julho 2014
CRÔNICA
Nathália Diniz e Renata Chaves Alunas do Curso de Jornalismo da Unifor
L
ara acorda cedo da manhã. A insô-
cio que prometesse o maior gasto calórico
noite de sono. Era novembro, o ve-
redes sociais, compartilhado e curtido pe-
nia mais uma vez vitimou uma boa
rão se aproximava e Lara estava disposta a conquistar o tão sonhado peso ideal. Ao
conectar-se com o mundo virtual, a mensagem era clara: “Conquiste o corpo dos sonhos”, “Perca medidas para o biquíni
dos sonhos”, “Diga adeus ao corpo velho” etc. Todo mundo devia participar do ritual
de emagrecimento exigido pelas temperaturas mais elevadas.
A dieta já durava três semanas, duas
delas passadas com muita dificuldade,
possível. Tudo devidamente registrado nas
las amigas que encontravam-se na mesma situação dela: a busca pelo tamanho
ideal. Lara, aos 27 anos de idade, nunca havia se importado muito com sua apa-
rência. Até mesmo a temida adolescência foi vivenciada sem neuras. Tudo mudou
quando entrou na faculdade. No curso de
moda, ela encontrou todos os mais diver-
sos estilos e os mais excêntricos personagens. Só não encontrou um lugar para si.
Primeiro, foi a febre do “look do dia”:
visto que o cardápio pífio não se adequa-
Você não era relevante se não mantives-
uma bela mulher, exuberante e curvilínea,
qual roupa foi usada naquele dia. O ideal
va às exigências do corpo de Lara. Ela era e, do alto dos seus 1,78 m de altura, cha-
mava a atenção. Não era o que via no espelho, no entanto. Tudo que saltava aos
seus olhos eram as celulites, varizes e estrias; os culotes saltados; as coxas roliças que cometiam o crime de encostar uma na outra.
Sua angústia diária era transformada
em suor na academia. Malhava, fazia ae-
róbica, alongava e fazia qualquer exercí-
se um blog pessoal cujo único tema era era postar diariamente os visuais mais variados e caros que havia no seu guarda-
-roupa, e evitar repetir “looks” o máximo possível. Vinda de uma família de classe média e ainda batalhando pelo primeiro
emprego, Lara não tinha condições de
participar dessa febre, e, por diversas vezes, foi deixada de fora das rodinhas
e reuniões entre os colegas de faculdade por ser considerada irrelevante.
41 Julho 2014
Até que, de repente, tudo mudou. As
seus amigos, agora se resumem a mensa-
social badalada, mas sua única amiga no
se importando com os figurinos diários
a magreza é melhor do que qualquer co-
alternativa a não ser continuar. Porque
pessoas ao seu redor não estavam mais
como antes. O que todos queriam era
ser saudáveis. Comer bem, exercitar-se,
gens motivacionais e lembretes de como mida.
Hoje, Lara tem 4000 seguidores no
e demonizar qualquer coisa que fugisse
Instagram, 5% de gordura no corpo, inú-
do verão. Agora poderia tirar uma foto
rapazes se jogando aos seus
da “vida fitness”. Essa era a nova moda
com o seu velho par de tênis e usar a legenda “#partiu corrida” e pronto: to-
dos iriam apoiá-la, dar estímulos e celebrá-la pela atitude. Uma foto antes do
treino na academia diante do espelho
e diversos nomes, conhecidos ou não, aclamavam o esforço e a disciplina dela.
Ela estava aliviada. Até certo ponto.
Se por um lado, finalmente conseguira
se encaixar e criar amizades nos seus círculos sociais, por outro, ela tinha que mudar radicalmente sua vida e
seus costumes para continuar participando do clube. O seu final de semana
era regado de caranguejo com cerveja, guloseimas, balada com as amigas e o
namorado. Porém, essa rotina não se
encaixava na sua aspiração nova. Agora, todo o seu tempo livre é dedicado à manutenção de uma vida mais “saudável”, como ela mesma diz.
Lara agora se exercita diariamente
(e comemora cada centímetro diminuí-
do da barriga já enxuta), compra e cozinha todas as suas refeições e, quando tem uma folga, lê livros e revistas
sobre dietas, redução de medidas e queima calórica.
Com o tempo, muitos viraram alvos
de críticas da Lara, inclusive o seu namorado. Aos poucos, parentes e amigos
se afastaram dela, que passou a ter o mundinho fitness como o centro da sua
vida. Não há mais outro assunto. Só o que se fala é sobre o grão x, a proteína
y, o carboidrato z. Suas redes sociais, que antes tinham fotos e recados dos
meros fãs e nenhum amigo. Tem diversos pés, mas nenhum namorado. Tem diversos conhecidos e uma agenda
fim do dia é a solidão.
Não há outra
ainda não é o bastante. Ainda há metas a
serem atingidas. Porque no momento que ela parar, toda a fama vai embora.
E ela continua. Só, faminta e sarada.
42 Julho 2014
A vez é deles Fotógrafos geralmente estão por trás das câmeras. Nós, do Fotonic Unifor, pensando em fazer algo diferente e descontraído, invertemos esses papéis e realizamos o ensaio “Cores”. Esse é o resultado de quando trocamos a posição de fotógrafos para nos tornarmos os fotografados. Thiago Gadelha
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VIDA
de diplomata TEXTOS Isabelle Bedê e Thalyta Martins
FOTOS Acervo Pessoal
Defender os interesses nacionais por meio do uso da razão e da argumentação. Evitar resolver os conflitos internacionais através da violência. Essas são funções fundamentais de um diplomata. Poucos conhecem esse trabalho e muitos acreditam que ele se limita a viajar por países exóticos. Para conhecer melhor o cotidiano desse profissional, A Ponte foi conversar com Paulo Henrique Gonçalves Portela, um ex-diplomata cearense que trabalhou por 10 anos para o Itamaraty. Hoje, vive em Fortaleza trabalhando para o governo e ensina Direito Internacional. Como a dupla de repórteres não o conhecia pessoalmente, pois o encontro para a entrevista foi marcado por meio de uma rede social, imaginava que um homem do mundo da diplomacia deveria ser um senhor sério e formal. Mas o que encontrou foi uma pessoa acolhedora e comunicativa, o que desfez imediatamente a imagem anterior. A entrevista foi marcada em uma cafeteria localizada no interior de uma livraria. A escolha foi estratégica, afinal, a livraria é um território diplomático: há livros dos mais diversos gêneros escritos por autores dos mais variados países convivendo lado a lado, pacificamente. Portela chegou sorridente. Quando se sentou, perguntou por que o escolhemos para a reportagem. Mas, antes que as repórteres pudessem dizer algo, ele mesmo respondeu: “Infelizmente, só existe um ex-diplomata cearense na cidade, que sou eu. Os outros já morreram, o que é uma pena”.
56 Julho 2014
N
ão foi preciso fazer uma pergunta
para iniciar a entrevista. Portela é uma pessoa muito comunicativa.
Começou falando das suas saudades de
Portela em uma de suas visitas à Amazônia
um intercâmbio que fez na Dinamarca, aos
19 anos de idade, e também de um estágio de três meses na Argentina, pelo Itamara-
ty. Criado em uma família de classe média, quando garoto sonhava em ser piloto de
avião e ouvia histórias de mundos distantes contadas pelo avô. Desde os 11 anos, conta, é apaixonado por assuntos internacionais. Mas a vontade de seguir carreira diplomática
se iniciou oficialmente quando fez um intercâmbio de um ano em terras nórdicas, onde
se tornou uma espécie de embaixador do Brasil e da Santa Sé. “Lá, eu acabei virando um diplomata porque as pessoas acabavam
perguntando muito sobre o Brasil. E tam-
bém, como eu sou católico e lá as pessoas são luteranas oficialmente, [perguntavam
também] sobre as coisas da Igreja Católica.”
Talvez o mais prosaico da minha carreira foi não ter vivido esse glamour”
Diz que foi ainda jovem, quando se encontrava na Dinamarca, que teve a maior aula
de cidadania da sua vida. Uma criança en-
to. A fronteira é o gringo que vai aparecer ali.
pode ser comparado ao das Forças Armadas.
do ilustre cearense, que vinha logo atrás. Ela
pessoas, precisa aprender a cultura deles, a
ambientes hierárquicos”. Também é preciso
trou em uma loja e fechou a porta na cara foi repreendida seriamente pela mãe. “Eu levei uma portada no meu lindo nariz, e aí
vi o discurso que a mãe dele fez: ‘É incrível, meu filho, como você não tem atenção pelas
A gente precisa aprender a tratar com essas entender os gestos, as expectativas. A gente tem que se acostumar com essa internacionalidade da vida”, diz.
pessoas, atenção pelos outros, atenção pelos
A CARREIRA
atento do cotidiano que o rodeia.
dos concursos mais difíceis do Brasil para
demais’”. Diz que sempre foi um observador
O Instituto Rio Branco, em Brasília, tem um
Encantado com as mais diferentes cultu-
quem deseja seguir a carreira de diplomata.
ras, o ex-diplomata afirma que a fé e o catolicismo sempre o acompanharam, mesmo
em lugares onde a população em sua maioria
não segue nenhuma religião. “Quanto mais
conheço o mundo, mais eu sou cristão”, revela com orgulho.
“É muito importante que a gente se acos-
tume com a ideia de que, daqui pra frente, nós não somos o umbigo do mundo. A fronteira é bem ali no aeroporto, bem ali no por-
Portela, logo que concluiu o curso de Direito na Universidade Federal do Ceará (UFC),
“As pessoas precisam saber se se adaptam a
ter um comportamento irretocável, já que representa a imagem de uma nação. A conduta
do diplomata é observada por seus colegas. “Um comportamento, digamos, inusitado,
vai manchar a imagem do seu país no exte-
rior. Você vai fazer uma festa, faz barulho. É grave? É. Como diplomata é dez vezes mais.
Tem que ter a consciência de que é uma pessoa pública”.
Portela ri das repórteres quando estas
passou no concurso na primeira tentativa,
afirmam que a impressão delas é que a di-
dedicação na carreira. “É uma carreira mui-
rituais, viagens e ao glamour de estar com
em 6º lugar. Ele conta que é preciso muita
to difícil, exige muitos sacrifícios pessoais, embora tenha suas compensações, como a oportunidade ímpar de viver a História”. Um
dos desafios é se acostumar ao sistema de
hierarquia do trabalho, que, segundo ele,
plomacia está relacionada a formalidades,
personalidades importantes do cenário internacional. “O que eu vivi como diplomata foi
a ralação. Você acaba morando muito tempo
em Brasília. Metade da sua carreira, mais ou
menos, vai ser lá. É o centro do Ministério,
57 Julho 2014
A diplomacia e a arte
é a matriz, na matriz as coisas acontecem. É onde as coisas pegam fogo”, explica des-
fazendo a imagem estereotipada da profis-
são. “Até hoje, tem gente que pergunta se mulher pode entrar na carreira diplomática!
A lista de diplomatas brasileiros envolvidos com as mais diversas formas de expressões artísticas, como literatura e música, é vasta. Nomes como Guimarães Rosa, João Cabral de Mello Neto, Rubem Braga, Antônio Houaiss e Vinicius de Moraes estão no hall de brasileiros que escolheram essa carreira que acabou lhes oferecendo o mundo como mesa de trabalho, povos e culturas diferentes como parceiros de viagens, além de oportunidades de vivenciar conflitos políticos – mas, sobretudo, sociais – dentro ou fora de seu país. Mas qual seria o motivo dessa galeria de celebridades no Itamaraty? Provavelmente, a sensibilidade que une todos eles. A diplomacia agrega os valores que a arte tem em sua essência: liberdade, tolerância, capacidade de reflexão, humanidade - todo um conjunto de estímulos dos quais podem brotar produções inimagináveis, como muitas que existem no Brasil. O nordestino Joaquim Nabuco (1849-1910), humanista que se opôs veementemente à escravidão e dono de uma rica obra histórica, foi o primeiro embaixador brasileiro nos EUA, onde recebeu o título de Doutor na renomada Universidade de Yale. Mesmo não sendo um profissional do serviço exterior, o multi-funcional Euclides da Cunha (1866-1909) também cumpriu missões diplomáticas. A partir de dois artigos intitulados A nossa Vendeia, ele foi convidado para ser correspondente na Guerra de Canudos pelo jornal Estado de São Paulo, em 1897. Dessa experiência, surgiu um clássico da literatura brasileira: Os sertões. Já o comportamento mais artista do que politicamente correto do “poetinha” Vinicius de Moraes fez com que ele fosse afastado do corpo diplomático brasileiro em 1968, após a decretação do AI-5 pelo Regime Militar. Em 2010, a Câmara dos Deputados brasileira homenageou o artista, aprovando sua promoção póstuma a embaixador. Embaixador puramente e simplesmente da alma musical brasileira, que dizia nada mais ser que “um labirinto em busca de uma saída”.
Não é uma carreira daqueles homens com
os punhos de renda, com aquelas meinhas
coladas, aquela coisa com peruca não. Não é!”. Ainda existem alguns protocolos tradicionais, como a cerimônia no Vaticano com
o corpo diplomático, em que os homens vão
de fraque com suas condecorações estampadas no peito e as mulheres com vestido longo de mangas compridas e véu. Ou quan-
do um embaixador chega em um país, mas isso é raro. O que prevalece mesmo é o trabalho que, muitas vezes, vai além do expe-
diente. Os assuntos tratados durante o dia
são reavaliados em jantares, coquetéis, e é nesses ambientes que ocorrem grandes negociações. De acordo com o ex-diplomata,
“você é representante do seu país 24 horas por dia”.
E, para ilustrar o que diz, conta de uma
negociação pela paz que presenciou de
madrugada entre diplomatas do Equador e Peru (os dois países passaram quase 150
anos em guerra por conflitos territoriais na fronteira). Lá pela 1h, decidiram pedir uma
pizza. “O pessoal pensa que diplomacia é
só ‘charlar’. Eu saí do Itamaraty mais de uma vez de madrugada por conta de negociações. Às vezes, uma pessoa do exterior tem que negociar ali. Diplomata dá plantão. Sim, plantão! Acreditem. Eu já tive que procurar colchão para quem ia passar a noite no Itamaraty”.
Já quanto à ideia de que a
atividade diplomática vive de
glamour, Portela lembra das
viagens que fez ao Norte do Bra-
sil. “O que eu vivi foi ir muito para a Amazônia. Às vezes, viajando em condições precárias para me
58 Julho 2014
reunir com aldeias indígenas, atravessando
durante os dez anos em que esteve no Ita-
países”, explica citando o exemplo da Bolí-
ra, aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) que
teve relacionado a temas sul-americanos -
Brasil, e da Argentina, que nos considera “El
o rio de voadeira, decolando de pista de teros motores não pegavam etc. Talvez, o mais prosaico da minha carreira foi não ter vivido
esse glamour, mas sim uma carreira mais profunda, mais rústica. E muitos são assim.”
Apesar de não estar mais no Itamaraty,
Portela não deixou de ser um internaciona-
lista. Hoje, leciona Direito Internacional em uma faculdade de Fortaleza. Embora tenha
enfrentado muitos desafios, enquanto morou
maraty, ele lembra que, como sempre estrabalhou na divisão da América Meridional
2, com foco em assuntos de teor político -,
JEITINHO BRASILEIRO
da do ex-presidente peruano Alberto Fujimori
teza de que, longe do seu país, acaba por
venezuelano Hugo Chavez, o apogeu e que-
Das vivências em outros lugares, ficou a cer-
e a ascensão do atual presidente da Bolívia,
valorizar mais algumas características da
Evo Morales. “Foi uma experiência profissional muito interessante”, garante.
Ele pontua a importância da política de
boa vizinhança que o Brasil consegue man-
proporcionou viver experiências que enri-
ainda é visto como um país imperialista por
queceram bastante a sua visão de mundo e sua profissão.
AMÉRICA DO SUL Com relação às experiências memoráveis,
gigante” pela força econômica.
acompanhou a ascensão do ex-presidente
em Brasília, afirma que a sua carreira como
diplomata lhe ensinou muitas coisas e lhe
via, que perdeu o território do Acre para o
ter no continente. Mas, que, mesmo assim, alguns dos vizinhos, mesmo quando sequer
o país tenha poderio militar. “Bom, no Tratado de Tordesilhas, nós íamos só de Belém a
Laguna. Hoje, nós chegamos quase ao Pacífico. Então, isso não é bem visto em alguns
sua cultura que, provavelmente, passavam
antes despercebidas. O famoso jeitinho brasileiro, considerado pela maioria um traço
negativo da personalidade do povo verde-amarelo, para Portela pode ter lá suas vantagens. “Mostra que o brasileiro tem uma
capacidade tremenda de improvisação, de sair das saias justas, de adaptação. Algumas
pessoas no exterior são muito metódicas. É
só naquele momento, só ali, só agora”. O que nos diferencia dos europeus, por exemplo,
Simulação da ONU no Ceará O estado do Ceará também tem o seu espaço para os que desejam ser futuros diplomatas ou têm grande interesse em assuntos internacionais. A Simulação da Organização das Nações Unidas (SONU) é o primeiro modelo a simular organismos internacionais no Ceará. Instituída em 2005, a SONU começou como um trabalho acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). O interesse e o fascínio fizeram com que os alunos dessem continuidade ao projeto. Realizado em parceria com a Universidade de Fortaleza (UNIFOR), o evento visa reproduzir fidedignamente o ambiente das discussões internacionais – a vestimenta é formal e um dos comitês é simulado totalmente em inglês – a fim de debater soluções, treinar oratória e aprofundar-se em assuntos importantes no âmbito internacional. A SONU acontece todos os anos, durante quatro dias, na UFC e na UNIFOR, e traz para o evento profissionais da área
de Relações Internacionais e Direito Internacional com o intuito de explicar a pratica dessas áreas de atuação e falar sobre as perspectivas de mercado. A prática de simulações teve seu início da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 1927. Desde então, países do mundo inteiro, em suas mais diversas cidades, realizam esse tipo de evento.
59 Julho 2014
Alexandre Gusmão (1695-1753)
Oswaldo Aranha (1894-1960)
no Tratado de Madrid para substituir o Tratado de
Assembleia Geral da ONU e defendeu a criação
Pioneiro na área no País, teve papel fundamental Tordesilhas.
No pós-guerra, foi o primeiro a presidir uma do Estado de Israel, na Palestina.
Barão do Rio Branco (1845-1912)
San Tiago Dantas (1911-1964)
Foi responsável pelo Tratado de Petrópolis que
as próprias pernas”. É considerado um marco na
Em sua homenagem, o Instituto leva seu nome. anexou o Acre, em 1903.
Criou a ideia de que “o Brasil pode andar com entrada do Brasil no cenário mundial.
Guimarães Rosa (1908-1967) e Souza Dantas (1876-1954)
Na 2a. Guerra Mundial, mesmo proibido por Vargas, eles concederam vistos para o Brasil a judeus e minorias perseguidas pelos nazistas.
Brasil: 288 postos pelo mundo; 1.557 diplomatas no País; 25 cearenses na ativa;
*Dados de 2012 Fonte:
que seguem os procedimentos à risca, bei-
A Ponte quis saber se Portela se sentia
mento acadêmico, para a gente ampliar o
seu país, depois dessas experiências. “Por
muita pretensão minha dizer que eu sou uma
rando a frieza nas relações, é uma das coisas
um cidadão do mundo ou um estrangeiro em
mais sua terra e seu povo. “Não é à toa que
mais que você já tenha lido sobre alguma
que fazem com que o entrevistado valorize
nós fomos o país da hiperinflação nos anos
1980. Mas como é que o Brasil não quebrou?
Porque o brasileiro tem essa capacidade de se livrar das situações mais encalacradas (di-
fíceis) possíveis”, diz ele com um sorriso de quem matou a charada.
VISÃO DE MUNDO “O bom cosmopolita tem que conhecer bem sua aldeia. Nessa aldeia global, se valorizam
muito as identidades. Por isso, ser cosmopolita não impede de você gostar da sua aldeia. Nesse mundo, onde você vai de Nova York
para Paris e come BigMac, ficou interessante comer um BigMac com tempero francês”, explica admirado pela globalização.
Blog do Noblat
coisa sempre vai ser estranha! Como a minha perplexidade na Turquia diante daquela
sentimento do outro e a tolerância. Mas, seria pessoa mais inteligente que a média ou mais
tolerante que a média, porque ter conhecido
o que eu conheci é só o começo. O univer-
língua. Ou o tratamento do italiano com a
so das relações internacionais é muito vasto.
pouquinho de desenvoltura, ainda somos es-
mudam muito rápido. Então, se você naque-
gente, em Roma. Mesmo a gente tendo um trangeiros. Mas acho que ser estrangeiro é bom porque nos faz manter os olhos abertos.
O ‘não ser dali’ acaba sendo gostoso. Afinal, quando você se identifica muito com aqui-
lo, perde a graça”. Paulo Henrique Portela mostra possuir uma personalidade bastante
diplomática: a capacidade de reconhecer as
diferenças e, em vez de condená-las, admi-
rá-las. “Conhecer outras culturas é sempre bom para ampliar nossa visão de mundo.
É sempre bom para ampliar nosso conheci-
São 193 países! No mundo atual, as coisas
le momento teve um contato com o exterior e um aumento no nível da tolerância, se eu
quiser manter esse nível de entendimento, eu tenho que me manter antenado, senão eu
me perco. Porque as relações internacionais são complexas. Ainda hoje, mesmo com a
velocidade da informação e as redes sociais, tudo ainda muda muito rápido. Em janeiro, eu
estava hospedado em um hotel na Turquia,
na praça onde ocorreram os protestos que geraram e inspiraram os protestos aqui!”
60 Julho 2014
Banco Palmas, um projeto solidário TEXTO e FOTOS
Emanoela Campelo e Tuanny Feijó
Em 1997, com a finalidade de melhorar a vida da população do Conjunto Palmeiras, em Fortaleza, foi criado o Banco Palmas. A Ponte foi conhecer de perto o que essa iniciativa, que se caracteriza como uma missão socioeconômica, faz pelos moradores do bairro. Um empréstimo, um voto de confiança e um gesto de solidariedade mudam diariamente a vida dos seus aproximadamente 30 mil habitantes. Localizado na região sul da cidade, trata-se do bairro com pior índice de desenvolvimento, segundo dados da Prefeitura de Fortaleza, em abril de 2014. A reportagem conversou com moradores e com Joaquim Melo, coordenador do Banco Palmas. Considerado um dos bairros mais violentos da cidade, a dupla de repórteres, no início, ficou insegura. Mas, logo na chegada, percebeu que não havia nada a temer. Quando retornou ao carro para ir embora, percebeu que uma das janelas do veículo tinha ficado aberta, mas nada tinha sido subtraído.
O
primeiro banco comunitário do Bra-
comprem dos outros, faz com que a cultura
nidades de trabalho aos jovens do bairro
so, N0. 620. O nome do lugar mostra
tacados pelo fundador e coordenador geral
jeto é o PalmasLab. Nele, cerca de 20 jo-
sil se encontra na avenida Val Paraí-
por si só o ideal dos moradores, viver em um paraíso. Há 17 anos aberto, o Banco Palmas vem solucionando os problemas financeiros
de quem vive no bairro com a ajuda da Pal-
mas, moeda interna utilizada nos comércios
solidária exista. Esse é um dos pontos desdo Banco Palmas, Joaquim Melo. “Cada vez
que nossa moeda, a Palmas, passa de mão em mão, gera uma riqueza no bairro e uma rede local de produção e consumo”.
Atualmente, a instituição conta com
da região. A comunidade, que antes sofria
diversos projetos sociais que ajudam os
ção para a miséria estava nas suas mãos.
uso das drogas, ocupando ao máximo seu
com extrema pobreza, observou que a soluEstabelecer uma relação de confiança
entre os moradores e fazer com que uns
jovens a deixar de lado a violência e o
tempo ocioso. Dentre os projetos, encontra-se o Bate Palmas, que oferta oportu-
ligados à música. Outro importante provens participam de cursos de computação prolongado e avançado, em que aprendem
a programar, criar aplicativos e softwares, além de conseguirem utilizar, na prática, o que aprendem no curso. Como, por exemplo, organizar seus gastos financeiros.
Joaquim Melo nasceu em Recife (PE), mas
ainda pequeno foi morar em Belém. Tornou-se seminarista e, em 1984, com 23
anos, mudou-se para Fortaleza para par-
61 Julho 2014
Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit dolor sit amet
62 Julho 2014
ticipar do projeto Padres na Favela. Criado
pelo então Cardeal de Fortaleza, D. Aloísio
Lorscheider, o projeto consistia em levar os seminaristas a viver em comunidades pobres. Joaquim morou na região onde
ficava localizada a rampa do Jangurussu,
o lixão com maior extensão da cidade na
Não é que infelicidade é não ter dinheiro, mas não há quem seja feliz sem ter suas necessidades mínimas satisfeitas
Joaquim Melo
época.
Convivendo durante um ano com as
Coordenador do Banco Palmas
pessoas que tinham apenas o lixo como
fonte para obter renda para sobreviver,
Melo viu de perto o sofrimento dos catado-
res e soube o que era depender dos restos dos outros. Diante dessa realidade, o seminarista teve a certeza do que precisava
as criaram uma cultura de valorização de onde moram.
Para o coordenador, pouco importa
para entrar para a militância social. “Des-
qual bairro é o mais rico e qual é o mais
de jovens e queria me engajar mais nas
ral. Uma pobreza que passa a ser con-
de muito cedo, fui engajado em grupos
comunidades”. Mas, em 1988, ao terminar Teologia, decidiu não se ordenar.
Localizado a 12 km da rampa do Jangu-
russu, o Conjunto Palmeiras foi a escolha para Joaquim se instalar e lá se juntar a
tantos outros para reivindicar seus direitos, e questionar
as políticas públicas.
No início dos anos 90, ele se juntou a outros moradores do bairro para reivindicar a construção de um canal de drenagem a fim de melhorar as vias próximas que dão acesso ao bairro.
Após a urbanização do Conjunto
pobre, o que assusta é a pobreza em gesequência do modelo de desenvolvimento que há na cidade. “Quando olho para o mapa
de Fortaleza, eu vejo que grandes pontos turísti-
cos e locais, onde há fluxo de urbanização, estão
concentrados
em uma só parte. Não
sou contra as grandes
obras, mas pode ter para todos”, explica.
A desigualdade so-
Palmeiras, surgiu a necessidade de
cial é um dos pontos
os mais pobres e formar um sistema
ex-seminarista. “O que
superar a pobreza. Era preciso incluir em que o bem-estar do ser humano fosse o principal objetivo. A solução
foi encontrada quando foi possível estabelecer uma rede local de produção e consumo, por meio da criação de uma cultura
solidária de compra entre os
moradores. O fundador e atu-
al coordenador do Banco Palmas
lembra que, em 2011, 93% dos moradores
já compravam dentro do bairro. As pesso-
que mais preocupam o
me entristece é ver
talentos perdidos por falta de oportunidade.
Eu não posso pensar
em uma sociedade desi-
gual feliz, onde as pessoas
não têm o básico. Não é que
infelicidade é não ter dinheiro,
mas não há quem seja feliz sem
ter suas necessidades mínimas satisfeitas”, explica.
63 Julho 2014
ORGULHO E REALIZAÇÃO “Gosto de cantar forró autêntico para não es-
quecer minhas raízes”, diz Paulo Sérgio, 43, porteiro do Banco Palmas e cantor. Ele é um dos símbolos da comunidade onde mora e é
mais um brasileiro que se desdobra em múltiplos cargos ao longo do dia.
Em busca de ser reconhecido profissional-
mente pelo que gosta de fazer, Paulo contou
com o apoio do Banco Palmas para conseguir
lançar seu primeiro CD solo. Ofertaram-lhe cem cópias para que ele desse início à divul-
gação do seu trabalho. Hoje, está preparando o lançamento do seu terceiro CD.
À noite, nas churrascarias e bares onde
canta, Paulo Sérgio se apresenta com orgulho como morador do Conjunto Palmeiras. Ele tem
uma reflexão muito particular do seu bairro.
“Eu sei que posso ajudar a desenvolver meu bairro. A verdade é que uma melhor qualidade
de vida está diretamente ligada a uma reflexão
interna, que se inicia com os seguintes questionamentos: ‘Quem eu sou? De onde vim? O que posso fazer por mim mesmo?’”.
Ele deixa clara a sua insatisfação com
relação ao tratamento que a imprensa dá ao seu bairro. “Nós fizemos uma passeata e ninguém da imprensa veio cobrir. Realizamos
uma feira solidária e ninguém da imprensa veio cobrir. Mas, um dia desses, morreu um aqui e eles logo apareceram. Para dizer
que meu bairro é violento, é num instante. A mídia só mostra o que convém, faz todo mundo que mora aqui parecer bandido e esquece que aqui tem gente do bem”.
Eu sei que posso ajudar a desenvolver meu bairro
Paulo Sérgio Porteiro do Banco Palmas e Cantor
64 Julho 2014
Ser sustentรกvel
65 Dezembro Julho 2012 2014
também é estilo O mundo da moda vive uma nova tendência, que não deve ser passageira, como é tudo o que se refere a esse ramo. É a chamada ecomoda, a moda ecologicamente correta. Trata-se de um estilo que preza pelo cuidado com o meio ambiente. Essa preocupação não é nova, ela remonta ao século XVIII, quando começou-se a questionar, por exermplo, o emprego de penas de animais selvagens para enfeitar roupas e chapéus. Mais recentemente, a preocupação com o planeta inclui até o uso de algodão sustentável, ou seja, que não empregue quantidades enormes de agrotóxicos. A revista foi conversar com André Castro, estilista cearense de projeção no cenário fashion do Brasil, que aposta na sustentabilidade em coleções voltadas para moda praia e outros estilos. TEXTO
Nathally de Almeida
FOTOS
D
Acervo pessoal
iferente de roupas estranhas que
resse de muitos fashionistas, que entendem
de tampinhas de refrigerante, copos
vidas, é o de André Castro.
ninguém sairia usando por aí, feitas
descartáveis e outros objetos que podem ser
a importância do meio ambiente para nossas
Ele é um típico sonhador com os pés no
reciclados, a moda sustentável vai além de
chão, sabe aonde quer chegar e fala com
preocupação com o meio ambiente e com
foi revelado em um concurso de talentos
todos esses parâmetros. Recursos naturais, o consumo exarcerbado, a sustentabilidade “invoga” atinge desde a escolha do material
até alternativas para um reaproveitamento.
Essa moda passa por toda uma cadeia de produção até chegar na sua forma final. Um
trabalho sério e que está despertando o inte-
humildade de seu esforço. O seu talento do Dragão Fashion Brasil, em Fortaleza, em
2001, um dos maiores eventos anuais de moda do Brasil.
Embora a moda sempre estivesse presen-
te em sua vida, já que seus pais tinham uma
empresa de peças íntimas, Castro fez facul-
66 Julho 2014
tumado a empregar e, antes de montar as
coleções, alguns benefícios são oferecidos. Tudo isso para valorizar a mão-de-obra.
“Tem que ter uma continuidade, pois gera
A valorização do produto sustentável é outra. O mercado está produzindo mais roupa do que o planeta pode usar e nós ainda não temos consciência que podemos reaproveitar. A sociedade empurra a gente para criar algo novo todos os dias, mas precisamos lembrar que a moda é cíclica.
confiança. Quando eu vou fazer um treinamen-
to, eu primeiro faço um workshop para ensinar a falar o que é moda e como ela funciona, mas que não está distante do que elas fazem”.
ECOS DO MANGUE Além da ONG, o estilista trabalha em outro projeto chamado Ecos do Mangue. Formado pela população ribeirinha do Parque do Cocó,
André Castro
já desfilou no Dragão Fashion e participou de vários outros eventos. Essa coleção tem par-
Estilista
ceria com uma empresa ligada ao ramo da
saúde. O grande objetivo deles é divulgar as belezas do Cocó. A renda obtida pela compra
das peças da coleção é investida no próprio
dade de Administração e trabalhava com sua
projeto para melhorar cada vez mais a quali-
mãe na empresa, cuidando da parte burocrá-
dade das peças produzidas. A partir do desfi-
tica. Nessa época, o mais perto que ele che-
le da coleção, o projeto tornou-se uma marca
gava da moda era na questão de modelagem
que carrega o mesmo nome e consegue aliar
básica quando atendia aos compradores.
estilo e sustentabilidade.
Com o passar dos anos, o interesse em fazer parte desse mundo fashion aflorou. Com as
sobras das peças dos seus pais, ele montou
UM POUCO MAIS SUTENTÁVEL
novos talentos. Desde o início, levou em con-
primeira ideia que vem à cabeça é que essas
uma coleção para competir no concurso de
Quando se fala em produção sustentável, a
sideração o cuidado com o meio ambiente.
peças são feitas com materiais reciclados,
Mas, Mar del Castro, nome escolhido a partir
mas vai além disso. A moda sustentável não
de então para representar o mais novo esti-
é apenas feita com sacos de lixo e garrafas
lista, ainda não sabia que essa consciência
de reaproveitamento marcaria tanto sua
de plástico, pelo contrário. Ela tem um trabaAndré Castro, estilista
marca no mundo da moda.
Em 2006, Castro conheceu uma ONG
so analisar até onde se pode extrair algo do
que trabalhava com comunidades carentes
preendimento, surgem novos empregos, a
mentos em novos projetos. Assim, ele pas-
aumentando até mesmo a sua autoestima.
e achou interessante investir seus conhecisou a dar cursos para pessoas carentes e a
comunidade passa a ter mais visibilidade, Nesse projeto, as comunidades passam
utilizar artesanato local nas peças que fariam
a ser uma uma fonte fiel do estilista, o que
então, desenvolveu um projeto chamado Co-
onde encontrar o que precisa e elas sabem
parte de suas futuras coleções. A partir de nexão Solidária. A finalidade é reutilizar res-
tos de materiais que vêm da natureza, desde conchas até palha. Através desse novo em-
lho muito grande envolvido, já que é preci-
facilita o trabalho de ambos, pois ele sabe
que seu trabalho será visto e procurado por outras pessoas. Quem produz as peças não
trabalha com materiais que não esteja acos-
meio ambiente sem agredi-lo. Castro diz que
o custo é mais alto, mas a maior parte das pessoas que consomem esses produtos é de classe A. Ele considera que ainda há resis-
tências em relação a reutilizar roupas e que a sociedade todavia é muito fechada para
incorporar essas ideias, não por preconceito, mas por questões culturais, embora se observem mudanças.
“A valorização do produto sustentável é
outra. O mercado está produzindo mais rou-
67 Julho 2014
Revirando o baú
Desfile Mar Del Castro, Dragão Fashion 2013
pa do que o planeta pode usar e nós ainda
não temos consciência que podemos reaproveitar. A sociedade empurra a gente para
criar algo novo todos os dias, mas precisamos lembrar que a moda é cíclica”, afirma o estilista.
Brechós são lojas que vendem produtos usados. Mas, hoje, não podemos mais defini-los apenas assim, já que o que antes era pensado como algum lugar que vendia coisas velhas e que ninguém mais queria, hoje está sendo ressignificado. Os preços e a qualidade dos artigos estão mudando, pois alguns vendem peças que nem foram usadas, mas que vieram de outra pessoa. Muitas celebridades assumem que frequentam brechós e, com o passar dos anos, as pessoas estão deixando o preconceito de lado. Além de ter a certeza que vai comprar uma peça com um preço bem mais baixo, quem consome esse produto é mais consciente, pois entende que é preciso reaproveitar para preservar o meio ambiente. Em Fortaleza, há algumas opções e uma delas oferece peças de muito luxo. Thayssa Sanches é proprietária de um brechó na cidade. O empreendimento surgiu a partir de um bazar - que é outra alternativa para reutilizar roupas e acessórios - que ela montou para vender roupas e sapatos de uma amiga que queria se desfazer de algumas peças. Como ela já havia trabalhado como gerente de lojas de moda, decidiu montar um espaço físico e dar continuidade a essas vendas. E a aposta deu certo, pois seu público é bem variado, desde jovens até terceira idade. A empresária tem uma proposta diferente do que as pessoas acham que é um brechó, pois ela procura vender não apenas produtos semi-novos, mas também novos. Ela encaminha todas as peças para a lavanderia, avalia a qualidade do produto e etiqueta todas as peças. Dessa forma, quem compra não pensa que o artigo já foi de outra pessoa. “Eu acho muito bacana a história do brechó, Sempre gostei e já frequentava. Eu nunca tive preconceito, então, para mim, foi mais fácil”, explica.
Segundo Castro, nos últimos anos, a so-
ciedade vem valorizando a moda, não ape-
nas para consumir, mas tem aumentado a vontade de aprender mais sobre esse campo
tão vasto, embora ainda hoje seja visto como
fútil por alguns. Há uma maior consciência
sobre seus fundamentos e de como muitas pessoas vivem desse trabalho.
TENDÊNCIA X MODA: Duas palavras que se confundem e que usamos com frequência no dia a dia, porém, cada uma tem suas particularidades. A tendência é toda pesquisa para saber o que pode vir a ser útil ou não naquela estação, é algo que ainda está por vir. A moda é o que já foi popularizado, é quando passa a ser adotada por grande parte das pessoas.
68 Julho 2014
TEXTO
Louise Mezzedimi e Marina Leal
FOTOS
Divulgação
Atualmente, fala-se muito em qualidade de vida. Da qualidade dos alimentos, do ar, da água que bebemos, do ambiente em que vivemos e trabalhamos. Há uma grande discussão sobre o bem-estar das pessoas, embora isso nem sempre possa ser claramente definido ou alcançado. Quando podemos afirmar que vivemos com qualidade de vida ou sem ela? Como se determina o estágio de qualidade de vida que uma pessoa possui? É possível ter qualidade de vida quando sentimos insegurança de andar pelas ruas? A Ponte ouviu uma especialista e analisou indicadores de qualidade de vida, como IDH e o WHOQOL, a fim de compreender melhor esse tema.
Afinal, o que é qualidade de vida?
Q
ualidade de vida é uma vaga e etérea entidade, algo sobre o qual muita
gente fala, mas que ninguém sabe
claramente o que é”, já dizia Joseph Campbell, estudioso da sociedade nativa norte-americana, em meados da década de 70, sobre as dificul-
dades de se conceituar o termo qualidade de vida, tão antigo e que até hoje não foi totalmente definido.
“Qualidade de vida é como você percebe
e sente sua vida. Todos têm, melhor ou pior, dependendo do momento em que estamos vivendo. A percepção de qualidade de vida difere de indivíduo para indivíduo e também
está diretamente associada a um contexto
cultural, onde o sujeito está inserido”, afirma
Maira Grassi, Educadora Física, especialista em Gerontologia, mestre em Ciências da Educação e professora de qualidade de vida no IFCE (Instituto Federal do Ceará).
Para ela, qualidade de vida é pessoal, mas
reflete no coletivo. Para avaliá-la existem instrumentos chamados de indicadores, que monitoram os índices do coletivo. Eles surgiram
a partir da necessidade de estudos médicos de padronizar a avaliação de qualidade de
vida para o tratamento e prevenção de doen-
ças. Um dos instrumentos de avaliação mais
conhecidos é o WHOQOL-100, da sigla em in-
glês World Health Organization Quality Of Life
(Qualidade de Vida da Organização Mundial
da Saúde), que mede aspectos físicos, psico-
lógicos, econômicos, espirituais e sociais. (Leia quadro na página seguinte).
SEGURANÇA E QUALIDADE DE VIDA A falta de segurança nas ruas das cidades pode interferir no nível de qualidade de vida das pessoas?
Fortaleza atingiu o 7º lugar no ranking das
cidades mais violentas do mundo e 2º do Brasil, segundo relatório da ONG mexicana Conselho
Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal (veja ranking no final da matéria), números
contestados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), afirmando
70 Julho 2014
não ter tido acesso aos dados metodológicos da pesquisa.
Maira Grassi explica que a qualidade de
WHOQOL
vida não está diretamente relacionada só à segurança, mas também ao trabalho, ao lazer, à
alimentação, à saúde e ao meio ambiente. “Mas vivendo nessa insegurança e com o medo insta-
lado, claro que a qualidade de vida do coletivo
está afetada”, ressalta. Ela acrescenta ainda que, tendo em vista a grande diferença social
que existe no Brasil, a situação econômica das pessoas também é importante para a melhoria da qualidade de vida. “O dinheiro dá a estrutura
Criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o WHOQOL é um instrumento que se destina a avaliar a qualidade de vida de forma transcultural e subjetiva. Ele foi desenvolvido em conformidade com a definição oficial do termo “qualidade de vida”, assumida pela OMS: “... a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Esta definição abrange aspectos da saúde física, psicológica, nível de independência, relações so-
básica para uma vida saudável: moradia, ali-
ciais, crenças pessoais e meio ambiente.
interligados. A partir do momento em que a
ram a necessidade de se ter um instrumento que avaliasse esse
mentação e lazer. Todos esses aspectos estão pessoa deixa de sair para o seu lazer por falta de segurança, a qualidade de vida do lazer foi afetada”.
A importância e o interesse pela qualidade de vida mostraconceito. A partir daí, a OMS reuniu um grupo de peritos de 15 culturas diferentes (WHOQOL GROUP) para construir o WHOQOL – 100, uma ferramenta de avaliação da qualidade de vida,
O governo oferece políticas públicas para
melhorar a qualidade de vida da população,
como segurança, saneamento básico e saú-
de. “Mas cada indivíduo pode buscar me-
lhorar a sua própria vida. Para isso é preciso
composta por 100 itens. O grupo de qualidade de vida da OMS foi formalizado em 1991 e se estendeu por todo o mundo. O WHOQOL-100 é a versão de avaliação estendida, com 100 perguntas, mas existe a versão abreviada, com 26 perguntas. O questionário está disponível em
fazer uma autoavaliação e saber o que está
mais de 20 idiomas.
pontos positivos e os negativos. O que você
SERVIÇO: The Whoqol Group: The World Health Organization
faltando. Como sua vida está. Quais são os
pode mudar. Existem formas e ferramentas para melhorar, podendo achar soluções”, explica a profissional.
qualidade de vida não está diretamente relacionada só à segurança, mas também ao trabalho, ao lazer, à alimentação, à saúde e ao meio ambiente”
Maira Grassi Especialista em qualidade de vida
Quality of Life Assessment (WHOQOL): Position paper from the Health Organization. Soc. Sci. Med, 1995, 41(10):1403-1409.
71 Julho 2014
Índice de Desenvolvimento Humano O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida idealizada pela ONU (Organização das Nações Unidas) para avaliar a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico de uma população. Todo ano, a ONU elabora o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) com base em três pressupostos: saúde, educação e renda. São medidos desta forma: Saúde: expectativa de vida ao nascer; Educação: média de anos de estudo (adultos) e anos esperados de escolaridade (crianças); Renda: um padrão de vida decente com base na Paridade de Poder de Compra (PPC) por habitante. A forma de avaliação desse índice varia entre 0 (nenhum desenvolvimento humano) e 1 (desenvolvimento humano total). Sendo assim, quanto mais próximo de 1, mais desenvolvido é o país. A média mundial dos 187 países avaliados em 2011 foi de 0,682. Segue abaixo um mapa com a lista dos primeiros 20 países no Ranking do IDH Global 2012: Categoria
Muito Alto
Alto
Médio
Baixo
País
1o Noruega ........................0,955 2o Austrália .......................0,938 3o EUA ...............................0,937 4o Holanda ........................0,921 5o Alemanha .....................0,920 6o Nova Zelândia ...............0,919 7o Irlanda ..........................0,916 8o Suécia ...........................0,916 9o Suíça .............................0,913 10o Japão ...........................0,912 11o Canadá .......................0,911 12o Coréia do Sul ..............0,909 13o Hong Kong, China .......0,906 14o Islândia .......................0,906 15o Dinamarca ..................0,901 16o Israel ...........................0,900 17o Bélgica ........................0,897 18o Áustria ........................0,895 19o Cingapura ...................0,895 20o França .........................0,893
Nesse ano, o Brasil ocupou a 85a posição com um IDH de 0,730, subindo uma posição em relação ao ano anterior. Os países com menor IDH (0,304) foram a República Democrática do Congo e Niger, ambos na 186a posição. O Brasil teve um aumento de 24% do seu IDH desde 1990, proporção superior à de outros países da América Latina. No mesmo período, a Argentina aumentou seu índice em 16%; o Chile, em 17%, e o México em 18%. De acordo com os dados, o país foi o 14a do mundo que mais reduziu o deficit de IDH em 22 anos, à frente de países mais desenvolvidos.
72 Julho 2014
Posíción Ciudad San Pedro Sula 1 Caracas 2 Acapulco 3 Cali 4 Maceió 5 Distrito Central 6 Fortaleza 7 Guatemala 8 João Pessoa 9 Barquisimeto 10 Palmira 11 Natal 12 Salvador(yRMS) 13 Vitoria 14 São Luis 15 Culiacán 16 Ciudad Guayana 17 Torreón 18 Kingston 19 Cape Town 20 Chihuaha 21 Victoria 22 Belém 23 Detroit 24 Campina Grande 25 New Orleans 26 San Salvador 27 Goiânia 28
País Honduras Venezuela México Colombia Brasil Honduras Brasil Guatemata Brasil Venezuela Colombia Brasil Brasil Brasil Brasil México Venezuela México Jamaica Sudáfrica México México Brasil Estados Unidos Brasil Estados Unidos El Salvador Brasil
Homicidios 1,411 4,364 940 1,930 795 946 2,754 2,123 515 804 183 838 2,234 1,066 807 490 570 633 619 1,905 429 167 1,033 332 184 155 780 621
Habitantes 753,990 3,247,971 833,294 2,319,294 996,733 1,191,111 3,782,634 3,103,685 769,607 1,242,351 300,707 1,454,264 3,884,435 1,857,616 1,414,793 897,583 1,050,283 1,167,142 1,171,686 3,740,026 855,995 339,298 2,141,618 706,585 400,002 343,829 1,743,315 1,393,575
Tasa 184.14 134.36 112.80 83.20 79.76 79.42 72.81 68.40 66.92 64.72 60.86 57.62 57.51 57.39 57.04 54.57 54.27 54.24 52.83 50.94 50.12 49.22 48.23 46.99 46.00 45.08 44.74 44.56
Tabela da ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal que mostra o posicionamento dos
“Para mim, qualidade de vida é poder fazer um churrasco no domingo, tomando um bom vinho, dormir depois do almoço para a noite dar meu plantão”. José Maria Pontes (62) – Médico
“É ter moradia, alimentação, saúde e educação”. Jaílson Amorim Araújo (36) – Auxiliar Administrativo
“Ter o direito de ir e vir”. Camilla Lima (25) – Jornalista
países em relação à violência baseada nos índices registrados no ano de 2012. O estudo apontou o cenário de 72,81 homicídios por 100 mil habitantes em Fortaleza. O Ceará registrou o aumento de 32,4% na taxa de homicídios por 100 mil habitantes, entre os anos de 2007 e 2011.
“Saúde em primeiro lugar”. Lucio Uchoa (35) - Jornalista
“Saber se relacionar com as pessoas”. Ana Lourdes Matias (48) – Professora
“Trabalhar com o que gosta e te dá prazer”. Moacir Filho (43) – Músico
Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz CEP 60.811-905 - Fortaleza-CE, Brasil Fone 55 (85) 3477.3105 equipelabjor@gmail.com