eBook Sistematizações 2013/2014

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COOP. DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS LTDA. Rua Lourenço Zacaro, 1078- fundos sala 12 CENTRO- CEP: 92.480-000 - Nova Santa Rita - RS Fone/Fax: (51) 3221-9348 e-mail: coptec@cidadania.org.br

EXPERIÊNCIA DA ORGANIZAÇÃO DA FEIRA DA REFORMA AGRARIA DE PEDRAS ALTAS


Leonaldo Morales Becker Pedagogo

Clóvis dos Santos Doyle Engenheiro Agrônomo

Ivanilson Luiz Moreira Técnico Agrícola

COOP. DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS LTDA. Rua Lourenço Zacaro, 1078- fundos sala 12 CENTRO- CEP: 92.480-000 - Nova Santa Rita - RS Fone/Fax: (51) 3221-9348 e-mail: coptec@cidadania.org.br


EXPERIÊNCIA DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA DA PRODUÇÃO PARA A FEIRA DA REFORMA AGRÁRIA DE PEDRAS ALTAS

Leonaldo Morales Becker1

Pedagogo, técnico da COPTEC NO Pinheiro Machado


Cl贸vis dos Santos Doyle2 Engenheiro Agr么nomo

Ivanilson Luiz Moreira T茅cnico Agr铆cola

Pedras Altas/RS, agosto de 2013.


3- RESUMO

O presente trabalho pretende sistematizar a experiência de transição agroecológica da produção planejada e ofertadas pelas famílias assentadas nos assentamentos de Pedras Altas RS, participantes da Feira da Reforma Agrária no município. Foram realizados discussões e planejamento da produção com as famílias,onde se identificou os limites, potencialidades e as lições aprendidas no processo de transição agroecológica, tendo seu inicio no ano de 2009, a partir de ações desenvolvidas pela assistência técnica da COPTEC (Cooperativa de Prestação de Serviço Técnicos Ltda.), lideranças do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e famílias assentadas nos cinco assentamentos, através de reuniões, cursos e oficinas participativas. Obteve-se como resultados o aprofundamento da discussão, adoção de práticas agroecológicas, conscientização das famílias pelas práticas desenvolvidas, organização social do grupo da feira, aumento da diversificação da produção para auto sustento, acréscimo da renda familiar, irradiação do processo agroecológico para além dos produtores da feira, visibilidade da produção dos assentamentos e grande aceitação dos consumidores do município.

PALAVRAS CHAVE

Visibilidade e contribuição social das famílias assentadas, Organização produtiva, Feira, Transição Agroecológica.


1. INTRODUÇÃO A região sul do Rio Grande do sul, mais especificamente o pampa gaúcho, caracteriza-se por um relevo ondulado, com presença de coxilhas, ventos predominantes nos períodos de inverno, um solo de certo modo raso, com um inverno rigoroso e um verão quente e seco. O município de Pedras Altas localizado aproximadamente 400 km de Porto Alegre, Limita-se aos municípios de Herval, Pinheiro Machado, Candiota, Aceguá e República Oriental do Uruguai, as principais vias de acesso ao município são a RS 615, RS 608 e RS 473, com uma população de 2212 habitantes (SENSO/IBGE 2010) tem como histórico cultural produtivo a atividade pecuarista extensiva da criação de gado de corte, ovelha, arroz irrigado, soja, sorgo e milho. Em Pedras Altas existem cinco assentamentos de reforma agrária, denominados Projeto de Assentamento - PA Candiota, PA Lago, Azul PA Regina, PA Santa Inês e PA Glória, com um total de 252 famílias, ocupando uma área total de 7.162,15 hectares. Estes assentamentos foram implantados pelo INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária) entre 1996 e 1999. A partir do ano de 1996 com a chegada dos primeiros assentamentos no município modifica o cenário produtivo, visto que, as famílias têm origem de outras regiões do estado, apresentando vínculos maiores com a agricultura do que com a atividade pecuária. Como a realidade local não garantia estas condições, algumas famílias acabaram abandonando os lotes, devido a pouca estruturação de vias de acesso, conhecimento do solo, clima, relevo e de mercado para escoamento da produção, gerouse alguns impactos produtivos e sociais bem relevantes, fazendo com que as famílias procurassem atividades mais adequadas a região, onde algumas investiram na produção de leite como uma forma de garantir uma fonte de renda mensal e alguns cultivos para auto sustento, que, no decorrer dos anos acabou tendo uma produção em maior escala ultrapassando a quantidade consumida, surgindo assim a necessidade de uma fonte nova de comercialização do excedente da produção, através disso iniciou-se um debate mais aprofundado sobre qualidade dos produtos dos quais se pretendiam comercializar. Por fomentação da ATES e demanda das famílias, optou-se pela produção orgânica, onde algumas famílias se desafiaram a começar um processo produtivo diferente do convencional, através de oficinas, cursos, dias de campo e visitas com orientações técnicas. As reflexões e intervenções da equipe técnica parte da necessidade de romper com toda e qualquer lógica metodológica de “slogans”, que contém em sua essência a manipulação das massas em prol de ações aparentemente libertadoras, nesse processo é preciso comprometer-se com uma ação que esteja casada com o povo, numa perspectiva que não se possa


[...] investigar o pensar dos outros, referido ao mundo, se não penso. Mas, não penso automaticamente se os outros também não pensam. Simplesmente, não posso pensar pelos outros ou para os outros, nem Sem os outros. A investigação do pensar do povo não pode ser feita Sem o povo, mas com ele, como sujeito do seu pensar. E se seu pensar É mágico ou ingênuo, será pensado o seu pensar, na ação, que ele Mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de consumir ideias, Mas no de produzi-las e de transformá-las na ação e na comunicação. (FREIRE,1987,pág. 101).

A partir dessa reflexão se começou a elaborar um método de trabalho com as famílias, uma ação concreta para produção e comercialização dos produtos, no qual teve notável ganho na quantidade e qualidade, de modo que se fazia necessário a abertura de pontos para escoamento da produção, então se buscou parceria para que a comercialização fosse realizada, através de demandas e articulações com a prefeitura de Pedras Altas, resultando assim na consolidação da Feira da Reforma Agrária.. A experiência da feira da Reforma Agrária de Pedras Altas- RS teve inicio no ano de 2009, a partir de discussões levantadas nos assentamentos pela equipe de ATES, com relação à produção, onde as famílias relatavam a vontade de serem reconhecidas e valorizadas como atores do desenvolvimento local. Este processo teve um impacto direto na organização social das famílias, na discussão da agroecologia como base produtiva, na valorização da reforma agrária, na capacitação da ATES e na ocupação de espaços de comercialização no município, como contribuição obteve-se um crescimento na autogestão social econômica e produtiva das famílias, além de um acréscimo no numero de famílias iniciando um processo de mudança de modo de produção, aos poucos migrando para a produção sem o uso de agrotóxicos. Esta experiência foi elaborada a partir da pesquisa através de questionários semiestruturados, análise dos dados coletados e base bibliográfica para fundamentação teórica, identificando as famílias participantes da feira como atores deste processo, que através de seu protagonismo desencadearam um importante passo na discussão da transição agroecológica da produção, determinando assim o planejamento das ações da ATES para todas as famílias assentadas do Núcleo Operacional.


Fonte: COPTEC Figura 01: 1ª Feira da Reforma Agrária no município de Pedras Altas –RS no dia 23/11/2009.

2. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA O eixo da experiência da feira surgiu como uma alternativa ao modelo convencional de produção, pois consumir e vender produtos com veneno não seria a melhor forma de se obter qualidade de vida. As famílias no decorrer dos debates e oficinas criaram uma consciência de que produzir de forma orgânica se faz necessária socialmente e economicamente, pois assim poderiam usar de recursos próprios e reaproveitar insumos disponíveis na propriedade para combater doenças e parasitar que atacam a produção. Através disso criaram-se objetivos de produção, onde o enfoque principal é a produção de alimentos saudáveis, tanto para consumo familiar quanto para comercializar. Tendo como objetivos específicos a) Fugir da dependência de insumos externos da propriedade b) Produzir alimentos de forma saudável para consumo familiar c) Aumentar a quantidade e a qualidade da produção para comercialização d) Demonstrar para a sociedade que a Reforma Agrária da certo e) Diversificação da produção


Neste período também foi criado o grupo gestor da feira da reforma agrária, na qual se organiza em dois grupos cada um com seu representante, onde um grupo representa os Assentamentos Glória e Lago Azul e o outro representa os Assentamentos Regina, Santa Inês e Candiota. Estes grupos se reúnem individualmente uma vez por mês e a cada seis meses ocorre a reunião do grupo gestor para a avaliação da feira, troca de experiências e planejamento. Em caso de necessidade convoca-se uma reunião extraordinária. O grupo gestor tem o papel de garantir a autogestão da Feira da Reforma Agrária, desenvolver a articulação e relação com as demais entidades envolvidas no processo, entre elas prefeitura de Pedras Altas, equipe de ATES da COPTEC, além de coordenar os demais componentes do grupo de comercialização da feira,

3. RESULTADOS, PRODUTOS E IMPACTOS. Este trabalho obteve como resultado uma alteração visível na relação das famílias assentadas com a população urbana, e em alguns casos, também houve influencia nos hábitos alimentares locais. Também identificamos que os produtores ao produzirem de forma agroecologica, produzindo seus próprios insumos reduziram seus custos de produção tornando-os mais independentes, tendo 20 famílias feirantes e mais 50 famílias que encontram-se fora do grupo da feira, mas que produzem para o autoconsumo. Dentre os insumos pode-se citar a produção de húmus através do processo de minhocário, o qual é principalmente uso pelas famílias no processo de produção de hortaliças e cultivos de pequeno porte destinados ao consumo famílias e dos feirantes focado na comercialização na feira, a produção de biofertilizantes como fonte de adubo liquido, principalmente usado através de pulverização em hortaliças, pomares e algumas culturas como o feijão, amendoim, alho. A compostagem usada principalmente como fonte de adubação de canteiros e pequenos cultivos. Além do uso de tratamentos alternativos com base de leite, fumo, alho, arruda e outras plantas medicinais usados na prevenção e controle de insetos e doenças que atingem esses cultivos. O processo produtivo de comercialização de Feira veio como uma forma de contrapor o modelo de produção atual. Essa iniciativa tomou uma proporção muito grande dentro dos assentamentos, uma vez que, as famílias começaram a modificar não só o modo de pensar, como também o modo de produzir, transformando assim o cenário produtivo dos assentamentos.


Hoje todos os assentados feirantes produzem dentro dos principios da agroecologia.... com uma diversificação significativa, onde cada família produz no minimo 10 tipos de produtos para comercializar na feira....temos grande parte dos assentados produzindo sem o uso de venenos e produzindo alimentos saudáveis tanto para o autoconsumo, quanto para a comercialização. Outro resultado foi a diversificação da produção, devido a feira e também pelas discussões sobre agroecologia. Buscou-se diversificar a produção no lote para que se tenham sempre produtos diferentes para ofertar aos consumidores e também para ter uma maior biodiversidade no lote, com isso ajudando no controle natural de doenças e invasores na produção. Também se notou a mudança que houve por parte dos habitantes nativos do município em relação aos assentamentos, pois se tinha aquele discurso que os assentados não produziam e desde o começo da feira isto começou a mudar. Hoje existe uma relação muito boa entre os feirantes e a comunidade em geral, quebrando com o pré-conceito, mostrando que a reforma agrária tem muitos bons resultados, tanto para quem é assentado quanto para comunidade onde os assentamentos estão inseridos.Os grandes impactos deste processo foram a mudança que se deu nos assentamentos em relação ao uso do solo e o cuidado na produção de alimentos , a mudança de hábitos de consumo que se teve por parte dos moradores da cidade que passaram a consumir alimentos saudáveis e hoje não abrem mão destes produtos por saber de sua procedência que esta ligado diretamente a agricultura familiar. Para MACHADO (2004), a agricultura sustentável é um conjunto de técnicas que objetiva maximizar os benefícios sociais e econômicos da auto-sustentabilidade do processo produtivo; minimizar e mesmo eliminar a dependência de insumos provenientes de processos de síntese química e proteger o ambiente. Isto, também através da otimização do emprego dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis, para a produção de alimentos limpos, matérias-primas, bens e utilidades de forma sustentável no tempo e no mesmo espaço físico, sendo eficiente social, econômica, técnica, energética, ambiental e culturalmente, começando pelo atendimento das necessidades básicas da cidadania do intérprete principal, o ser humano. Outro aspecto muito importante foi o acréscimo da renda das famílias que em média é de 750 reai, hoje se tem uma media de 950 reais por mês e isso faz uma grande diferença no poder aquisitivo destas famílias, pois hoje algumas já renovaram todos os eletrodomésticos da casa, pagando as prestações só com o dinheiro da feira, sem mexer na remuneração que recebem pelo leite ou lavouras, isso é um aumento tanto da qualidade de vida como também um aumento da autoestima.


4. POTENCIALIDADES A grande procura por alimentos saudáveis por parte dos consumidores abre um grande lincho de mercado para a comercialização dos alimentos orgânicos em diversos espaços e municípios, isso nos proporciona um amplo mercado para a produção agroecológica, tendo em vista que as famílias tem um grande potencial de expandir a produção, enumeram-se algumas potencialidades de comercialização.

a) Organicidade das famílias feirantes b) Criação do grupo gestor da feira c) Conquistar novos consumidores no município d) Comercialização no PNAE ( Programa Nacional de Aquisição de Alimentação Escolar) e) Comercialização no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) f) Produção com possibilidade de certificar como orgânica

5. LIMITES

a) Pouca infraestrutura, como reservatório de água e equipamentos por parte dos agricultores; b) Ausência da certificação orgânica dos produtos c) Aumento da monocultura de soja e seu pacote químico como contaminante; d) Distância dos grandes centros de comercialização;


e) Baixo numero de habitantes consumidores f) Clima da região que reforça as questões de sazonalidade da produção, apresentando condições extremas entre o calor e frio em algumas estações do ano;

6. LIÇÕES APRENDIDAS

No decorrer do processo de transição as família se teve um aprendizado, como a importância de se ter uma interação entre homem e natureza, algumas lições foram obtidas, como a importância das famílias se desafiarem a mudar o modo de interação e produção no ambiente onde vivem. no modo convencional torna-se muito mais fácil o trabalho do agricultor, mas prejudicial ao meio ambiente, a organização e articulação entre famílias e entidades para que se tenha um começo da comercialização, a persistência por parte das famílias em trabalhar de forma orgânica em um ambiente onde está cercada de possibilidades de interferências por produtos químicos, mas a lição mais importante aprendida é a recompensa do trabalho realizado de forma orgânica, tanto para a saúde dos produtores e consumidores quanto a remuneração econômica que acaba fazendo grande diferença na renda familiar dos agricultores. No trabalho da equipe de ATES deve se fazer presente momentos de discussão... para que todas as ações e esforços ..., por isso o processo de trabalho dos técnicos deve ser pensado e repensado constantemente para além das possibilidades existentes criando assim novos caminhos para o desenvolvimento tanto do trabalho de ATES quanto para o trabalho produtivo das famílias. Através do coletivo é possível desenvolver a capacidade de organizar os elementos e os requisitos específicos do contexto de trabalho, e ao longo dos anos, o processo de ensino/aprendizagem contidos nas experiências da ATES/COPTEC

7. AUTORES E COLABORADOSRES Tendo como autores envolvidos no processo de transição desta experiência a equipe de ates da COPTEC do Núcleo Operacional Pinheiro Machado, as famílias envolvidas no processo da feira da Reforma Agrária, a Prefeitura Municipal de Pedras Altas, Articuladores de ates, a EMBRAPA Clima Temperado e o INCRA.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Agroecologia: Processos ecológicos em agricultura sustentável- 2ª Ed. Porto Alegre; Ed. Universidade/UFRGS, 2001.

Altieri, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável/ Miguel Altieri. – Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 1998.

BOGGO, Ademar. Arquitetos de sonhos. 1.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2003. BOGGO, Ademar. Identidade e luta de classes. 1.ed. São Paulo: Expressão Popular, 200 8. Chaboussou, Francis. Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos: novas bases de uma prevenção contra doenças e parasitas: a teoria da trofobiose/ Francis Chaboussou; tradução [de] Maria José Guazzelli.—1.ed.—São Paulo: Expressão Popular, 2006.

ECKERT, Cordula. Orientações para elaboração de sistematização de experiências/ por Cordula Eckert.- Porto Alegre: EMATER/RS- ASCAR; 2008.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 7.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Jneiro: Paz e Terra, 1987.187p. SÁNCHEZ Vazquez, Adolfo. Filosofia da práxis. 1ªed. Bueno Aires: Consejo Latinoamericano de ciências Sociales - CLACSO, São Paulo: Expressão Popular, 2007

9. REDE DE CONTATOS Escritório Central do Núcleo Operacional Pinheiro Machado, Pedras Altas RS


Leonaldo Morales leonaldopjrs@yahoo.com.br

Becker,

Pedagogo,

e-mail:

Ivanilson Luiz Moreira, T茅cnico Agr铆cola caqueira.1@hotmail.com Cl贸vis Doyle dos Santos, Engenheiro Agr么nomo agron64@hotmail.com


Luciana Venzke Pranke Extensionista Agropecuária

Anderson de Almeida Fontoura Extensionista Social

Integração da produção de mel e sementes agroecológicos


Luciana Venzke Pranke Extensionista Agropecuária

Anderson de Almeida Fontoura Extensionista Social

Integração da produção de mel e sementes agroecológicos

Piratini 2013

Resumo


O trabalho realizado busca descrever a experiência vivenciada no município de Piratini, no assentamento Conquista da Liberdade, onde o produtor Jose Elpidio Alves da Silva consegue realizar um trabalho de integração agroecológica visando à produção em um pequeno lote de terra. Com o Objetivo de analisar a integração da produção de mel e sementes desenvolvidos através dos princípios agroecológicos como alternativa de viabilizar a agricultura em pequenas unidades de produção.

Palavras Chave Agroecologia, produção integrada, sementes ecológicas, mel.


Introdução A experiência sistematizada, é desenvolvida por um casal de agricultores (Elpidio e Feliciana), participantes do Programa Nacional de Reforma Agrária, assentados no assentamento PA Piratini, situado no 5º distrito do município de Piratini-RS, acesso pela BR 293, km 74, cuja coordenada geográfica (SAD 69) é S 31º43'42" e W 53º04'22". A família em questão está assentada em um lote de aproximadamente 24 ha, onde desenvolvem práticas agroecológicas há aproximadamente oito anos. O tema central da sistematização é referente à integração da produção de mel e sementes agroecológicas. O casal de agricultores vem através dos anos, conservando um patamar sólido de produção, obedecendo rigorosamente um cronograma de princípios agroecológicos, adaptando e buscando novos conhecimentos em busca da produção agroecológica diversificada, bem como a geração de renda através da sua produção, visando futuramente terem produtos certificados com selo ecológico/orgânico, agregando um maior valor à sua produção. Na sua trajetória de produção agroecológica, há um acompanhamento de instituições de pesquisas, universidades e assistência técnica, cujo resultado do empenho de cada um tornou este pequeno lote de terra em um observatório pedagógico, sendo visitado por muitas pessoas ao longo do ano, inclusive com gravação de matérias de programas televisivos da TV aberta, com abrangência nacional. A integração da produção agroecológica de sementes com a produção de mel, além de minimizar os impactos ambientais do solo, traz uma série de contribuições, como por exemplo: melhor polinização das plantas, práticas conservacionistas do solo com o mínimo de interferência, utilizando consórcio de plantas de cobertura, aumentando a fertilidade, evitando a erosão, bem como possibilitando o aumento da produção em pequenas parcelas de plantio. A importância dessa sistematização se deve ao fato de que no município de Piratini-RS, estão assentadas aproximadamente 510 famílias, além de centenas de pequenas propriedades da agricultura familiar com características semelhantes, ou seja, pouca área agricultável, solos rasos e com baixa


fertilidade, as quais são exploradas de modo convencional, com predominância de monocultivos. Através da mesma, será possível mostrar a possibilidade de agregar um conjunto de atividades estruturadas através de princípios agroecológicos, que geram sustentabilidade em pequenas parcelas de terra.

Contexto da experiência A experiência a ser sistematizada localiza-se em Piratini, município localizado na região sul do estado do RS. Para melhor compreender a realidade na qual está inserida a experiência sistematizada, torna-se importante a descrição das características do município. Piratini, importante cidade histórica, palco de grandes episódios da historia do Rio Grande do Sul, está localizada na Serra dos Tapes, e faz parte da região fisiográfica Serra do Sudeste, apresenta área da unidade territorial de 3.539,688 km², assentada na formação geológica denominada Escudo Cristalino Rio-grandense. Atualmente, segundo o IBGE (2010) apresenta 19.841 habitantes. O início do povoamento foi em 06 de julho de 1789, com 48 casais de açorianos na condição de ali residirem e trabalharem. Esses povoadores ao chegarem estabeleceram-se no local denominado "Capão do Piratini" e fundaram uma capela em honra a Nossa Senhora da Conceição, desde então, padroeira do município (IBGE, 2010). Com o processo de colonização, a base da economia do município era a pecuária extensiva. Com a chegada dos assentados da reforma agrária, o município passou a abrigar famílias oriundas do norte do estado, região de geografia favorável à produção da monocultura, principalmente de grãos. Assim, as famílias quando aqui chegaram se depararam a uma realidade bastante diferente da qual estavam habituadas. E então tiveram que se adequar a paisagem acidentada, aos solos rasos e ao clima desfavorável. Com isso, as famílias precisavam trabalhar com uma atividade apta às condições físicas da região, assim a grande parte das famílias assentadas, tem como a principal

fonte

de

renda

a

produção

de

leite.


Assim como os demais, seu Elpidio também iniciou sua atividade no lote com a produção de leite, mas devido ao tempo destinado a atividade e ao trabalho já consolidado com o mel e as sementes, e também aos cultivos para o autoconsumo, decidiu finalizar a produção comercial do leite, trabalhando somente com o leite para o consumo.

Tema Integração da produção de mel e sementes agroecológicos.

Eixo Sistema de produção de mel e sementes agroecológicos.

Objetivos Analisar a integração da produção de mel e sementes desenvolvidos através dos princípios agroecológicos como alternativa de viabilizar a agricultura em pequenas unidades de produção.

Objetivos específicos Analisar a produção de mel integrado com a produção de sementes Analisar o envolvimento da família com os princípios agroecológicos Perguntas Orientadoras Qual

a

importância

da

integração/diversificação

da

produção

agroecológica? Por que escolheu a produção de mel como a principal atividade? Qual a importância da produção agroecológica para a família?


Como desenvolve o sistema de produção mel e sementes?

Ferramentas Para a realização deste trabalho foram utilizadas entrevistas com roteiro semiestruturado; que nos possibilita a analise do processo histórico vivido, Também será realizada a metodologia da travessia, que permite observar o lote como um todo através da observação dirigida, bem como filmagens e gravações de áudio.

Descrição da experiência O trabalho sistematizado envolve a experiência no assentamento PA Piratini, onde o Sr. José Elpidio da Silva realiza um trabalho de integração agroecológica. Ou seja, ele aperfeiçoa seu tempo e espaço em função da produção agroecológica do mel. A decisão pela utilização dos princípios agroecológicos vem da reflexão do casal de priorizar uma dinâmica produtiva que além de preservar a natureza, contempla também um modo de vida, de reflexão das ações sociais, econômicas e culturais. No seu trabalho, seu Elpidio busca a integração da produção de mel com a produção de sementes agroecológicas, buscando sempre a otimização do potencial produtivo das plantas. Sendo assim, busca adequar a plantação a sua necessidade.

O que motivou Seu Elpidio inicialmente fazia parte de cooperativa existente no assentamento, onde viveu um período em que havia uma discordância entre os que buscavam seguir os princípios agroecológicos e os que queriam permanecer

no

modelo

convencional

de

agricultura.


Logo decidiu sair do grupo dos cooperados e investir em um lote individual, onde este seguiria um modelo de agricultura de base ecológica, sempre desejado, visando à produção de alimentos naturais livre de agrotóxicos. Assim, iniciou seu trabalho na arborização do lote, na conservação do solo e na utilização de sementes crioulas. Primeiramente, iniciou sua produção baseada na produção de leite, que se tornava a produção mais rentável no momento, assim adequou a atividade a agroecologia, utilizando no seu manejo técnicas agroecológicas, criou no seu lote o PRV (Pastoreio Racional Voisin), com o objetivo de melhoramento do campo nativo, conservação do solo e bem estar dos animais. Definiram desde o principio não utilizar agrotóxicos e nem medicamentos nos animais. Com o passar dos anos, seu Elpidio investiu na produção do mel, que se tornara sua principal fonte de renda. Assim, a principal fonte de renda do lote é a produção de mel agroecológico, com apiário de 96 caixas o agricultor consegue comercializar 1.700 kg de mel por ano. A preocupação com o autoconsumo, ou seja, produzir o possível no lote para a alimentação da família se torna importante para a manutenção da unidade produtiva familiar, visto que significa uma economia da renda familiar, onde trabalham para que se consuma tudo o que for produzido no lote, permitindo que gaste no mercado somente o que não for produzido. Para a família isso se refere ao mínimo da função da agricultura familiar que é a produção de alimentos. Dentre as práticas, realizadas pela família, a adubação orgânica é uma prioridade na propriedade, são utilizadas as técnicas de biofertilizantes naturais, estercos de peru oriundo da criação própria de 70 aves, ainda são utilizadas forrageiras de cobertura e proteção do solo. Como a utilização de plantas bioativas na agroecologia tem uma importante função, no lote da família Silva as plantas bioativas exercem seu papel e tem o seu espaço. Assim o casal construiu um relógio do corpo humano, onde são cultivadas as ervas medicinais conforme sua especificação, assim existe no lote os mais variados tipos de ervas medicinais, conforme figura

1.


Figura 1 – Relógio do corpo humano. Fonte: ASCAR/EMATER, 2013.

Além das ervas medicinais, ainda existem as plantas repelentes de insetos e pragas que contribuem para um equilíbrio no lote, e eliminam a necessidade de utilização de inseticidas e fungicidas. O agricultor investiu na produção de mel, criando um ambiente favorável a esta produção, trabalhando na arborização do lote utilizando principalmente arvores poliníferas, sendo a aroeira Lithraea molleoides a principal fornecedora de pólen. Outra importante fonte de renda do lote é a produção sementes agroecológicas. Assim o agricultor produz no lote sementes de salsa, brócolis, mostarda, girassol, e ainda Crotalária que é outra importante cultura que atua na produção de mel. Assim cabe ressaltar o conceito de Costabeber que afirma que A agroecologia precisa ser entendida como um enfoque científico, uma ciência ou um conjunto de conhecimentos de que nos ajuda tanto para a análise critica da agricultura convencional (no sentido da compreensão das razoes da insustentabilidade da agricultura da revolução Verde), como também para orientar o correto redesenho e o adequado manejo de agroecossistemas, na perspectiva da sustentabilidade. (Caporal e Costabeber, 2002, p. 16)


Hoje é possível constatar que há um equilíbrio ambiental no lote, pois não ocorre ataque de pragas, não há superlotação de animais predadores. Atualmente a família consegue produzir trinta e oito tipos diferentes de produtos, sendo o processo de produção agroecológico. Dentre estes produtos, pode-se destacar a produção processada que também é realizada no lote, existe a produção de queijo, doces, compotas, pães, massas, sucos, vinho, vinagre, entre outros. Produtos que não precisam ser adquiridos através da compra, pois são produzidos no lote.

A produção de Sementes ecológicas Quando ainda fazia parte do grupo dos cooperados do assentamento, Seu Elpidio começa a trabalhar com uma nova linha de produção, a de sementes, através da Cooperativa Bionatur na qual é sócio fundador. A cooperativa Bionatur surgiu como uma produtora de sementes no município de Hulha Negra. A Bionatur surge da necessidade das famílias assentadas no município de Hulha Negra de trabalhar em uma nova linha de produção, além das atividades que já exerciam e estavam consolidadas. Existia uma estrutura básica de produção, um clima favorável e já existiam empresas trabalhando com a atividade de produção de sementes. Assim, inicialmente vincularam-se a estas empresas, porém logo perceberam que a atividade não estava adequada a realidade dos assentamentos. Então construíram a proposta de produzir sementes agroecológicas, neste momento a Bionatur começa a criar forma. Inicialmente começaram com doze famílias e hoje contam com duzentas e trinta famílias produtoras de sementes. Hoje, a Bionatur exige certa organicidade dos grupos, não é possível ser produtor individualmente, é preciso fazer parte de um grupo de produtores, ou seja, para existir um produtor precisa existir primeiro um grupo de produtores. Além dos grupos de produção que são a base, ela tem uma coordenação, formada por representantes dos grupos de produção, cada grupo tem um representante que tem poder político de participar da reunião da coordenação e tem poder de decisão, isso faz com que os coordenadores se sintam responsáveis pelo processo, que contribuam no dia a dia da organicidade, da condução do processo da Bionatur, das atividades a serem


feitas e as práticas na produção. As assembleias são realizadas a cada três anos, e tem caráter deliberativo, definindo qual o rumo na perspectiva da Bionatur no período. O processo de construção da cooperativa vem da ideia de produzir sementes agroecológicas e romper com o modelo convencional de variedades comerciais, então tinha que desenvolver o sistema de produção de sementes agroecológicas, e logo começou uma série de atividades com os agricultores. Experiências com tentativas, erros e acertos, até chegar a um modelo de produção agroecológico. Hoje a base do sistema, respeitar o tempo da natureza, realizar o pousio para o solo, fazer práticas de adubação verde, com vista a recuperar a fertilidade do solo. As abelhas fazem parte do modelo de produção porque elas são as polinizadoras. A Bionatur não trabalha com a visão de exclusividade, somente produção de sementes, ela tem que ser no processo de produção familiar, então na verdade tudo que está no modelo de produção é bom. Segundo Aldair Gaiardo, assistente técnico da Bionatur “Poucas atividades, são poucas possibilidades e alternativas na agroecologia. Mas quando tem várias atividades facilita o trabalho para a Bionatur”. A Bionatur se propõe a ser mais uma atividade que proporcione renda e que impulsione a agroecologia. Como a Bionatur se tornou uma referência em agroecologia, ela ajuda a impulsioná-la nas propriedades. Segundo

Aldair

Gaiardo,

assistência

técnica

da

Bionatur:

“Historicamente a família se identificou com este sistema de produção agroecológico, a própria origem da produção camponesa, não foi uma coisa inventada pela Bionatur e que já vinha da tradição, foi só um resgate da cultura camponesa e ele (Seu Elpidio) sempre se empenhou de forma a manter um equilíbrio na propriedade, que sempre que foi preciso uma unidade de produção ele respondeu aquilo que a Bionatur precisava. Isso demonstra que onde o processo agroecológico é levado a cabo a gente não tem dificuldade de plantar e produzir. É diferente de uma propriedade que vem do modelo convencional, que vai ter uma transição. Com isso, a participação da família na cooperativa já persiste há dezesseis anos, e hoje ele produz dez tipos diferentes de sementes, sendo


elas: brócolis, linhaça, salsa, mostarda, girassol, abóbora de tronco, crotalária, cornichão, salsa e abobrinha, comercializando mais de 200 kg de sementes. O trabalho começa com o preparo do solo, onde utiliza a técnica de plantio direto, assim ele trabalha sobre a cobertura vegetal. Ainda no preparo do solo, ele utiliza os adubos orgânicos produzidos no lote. Todo o manejo do solo, plantio, e colheita é realizado com utilização de equipamentos de tração animal.

Figura 2 – Sementes de girassol. FONTE: ASCAR/EMATER, 2013.

Produção de mel agroecológico O trabalho com a apicultura foi inicialmente estimulado pela equipe da Bionatur, que tinha a compreensão de que todos os produtores que produzissem sementes deveriam ter no mínimo uma caixa de abelhas na propriedade, com o objetivo de contribuir com a polinização das plantas. Percebendo isso, seu Elpidio foi além, e decidiu criar uma colmeia e realmente investir

na

produção

de

mel.


As abelhas exercem uma importante função na natureza, além do seu potencial polinizador produz o mel que é um alimento com uma importante fonte de nutrientes, produzindo ainda própolis, geleia real e cera. Segundo Seu Elpidio “Não existe uma atividade mais agroecológica do que a produção de mel, porque as abelhas tiram da natureza o mel e contribui com a polinização das plantas.” A unidade de produção familiar foi idealizada e estruturada para que cada

atividade

proporcione

mecanismos

de

sustentação

para

o

desenvolvimento de outra.

Figura 3 – Florada de Lithraea molleoides. FONTE: ASCAR/EMATER, 2013.

Assim, a produção de mel contribui para a polinização dos demais cultivos, e por outro viés, as árvores ali cultivadas fornecem o pólen essencial para

a

produção

de

mel.


Figura 4 – Lavoura de Crotalária juncea. Fonte: ASCAR/EMATER, 2013.

A figura 4, identifica a plantação de crotalária que apresenta a função polinífera. É uma importante forrageira que melhora e conserva o solo e ainda produz sementes para a comercialização para a Cooperativa Bionatur. Seu Elpidio organiza a colmeia para que as caixas permaneçam em circulo, pois verificou com a observação diária que as colmeias do meio no formato tradicional, em linha, enfraqueciam, enquanto que as que estavam nas pontas ficavam fortes, recebeu a explicação científica em um curso de apicultura, então aprendeu que as abelhas cansadas colocavam o mel na primeira caixa que viam, e devido ao cansaço, não procuravam a caixa de origem, por isso o enfraquecimento das colmeias do meio. Daí a explicação de dispor as caixas em círculo, e ainda há a vantagem para o transporte, todas ficam na mesma distancia do carro. O manejo do apiário obedece a um cronograma de atividades a serem realizadas mensalmente. Seu Elpidio é sócio da cooperativa COMELCA (Cooperativa de Mel de Canguçu) que é responsável pela embalagem do produto e parte da comercialização e através da cooperativa ainda comercializa mel para o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), e ainda da AGA (Associação Gaúcha de

Apicultura)

que

também

embala

o

produto.


Os atores envolvidos Seu Elpidio vivia em um ambiente em que já se valorizava as questões ambientais, seus pais já eram defensores da natureza, e assim foi educado com o pensamento de preservação desta. Quando adulto, decidiu participar do movimento voltado para a reforma agrária, onde neste viveu acampado por três anos. Assim, quando a tão sonhada terra foi conquistada, já fazia planos para o trabalho agroecológico. Juntamente com sua esposa dona Feliciana, criou cinco filhos, que participaram de toda a transição agroecológica do lote. Para a consolidação do trabalho, desde o principio buscou com as entidades parceiras, metodologias que lhe ajudassem a trabalhar da melhor forma. E hoje, sua propriedade é explorada positivamente como uma ferramenta pedagógica para a constatação do sucesso da agroecologia. Assim, conforme figura abaixo, podemos identificar os principais atores envolvidos no processo, sendo o lote e a família o eixo principal, a equipe técnica um instrumento para a consolidação da sistematização, a empresa Bionatur e a cooperativa do mel os canais de comercialização dos produtos, e os demais parceiros, que auxiliaram o trabalho do Seu Elpidio durante este sete

anos

que

trabalha

com

a

agroecologia.


Equipe Técnica

COMELCO

Família / Lote

Parceiros Gerais

BIONATUR

Figura 5 – Diagrama De Venn. Fonte: Luciana Pranke, 2013.

Resultado Com a Integração de linhas de produção de forma agroecológica é possível perceber que o trabalho executado pela família Silva é uma referência no município de Piratini, e no estado, visto que o lote serve como uma ferramenta

para

trabalhos

didáticos

com

agricultores,

estudantes,

encaminhados por instituições de ensino e pesquisa, pois já é um trabalho consolidado por sete anos da família para que o mesmo se tornasse agroecológico de fato. Não somente pela não utilização de agrotóxicos, mas sim pelo desenvolvimento social, cultural e produtivo sustentável, ou seja, por todas as esferas que são consideradas pela agroecologia, o todo. Ainda como resultado do trabalho, a família consegue agregar um maior valor pelos produtos cultivados na unidade familiar, mesmo sem a certificação oficial. Assim, atualmente consegue receber pelo mel 30% de acréscimo do preço, por trabalhar de forma agroecologica.

Pontos Positivos


A família percebe vários pontos positivos desta integração produtiva, principalmente ao fato de não necessitarem adquirir sementes no mercado, pois produzem na propriedade o que gera o lucro financeiro, visto que produzem também o adubo, os biofertilizantes. Assim não há desembolso nesta produção. E o mel faz parte do sistema, complementa a produção e gera a maior parte da renda da propriedade, ajuda na polinização, sendo anteriormente estimulado pela Cooperativa Bionatur. Atualmente há um equilíbrio no lote, uma diminuição considerável de pragas, ervas daninhas e o solo está totalmente recuperado.

Pontos Negativos

Segundo seu Elpidio “na verdade eu acho assim, que até não consigo achar nesse modelo que a gente tá trabalhando. Até queria assim achar pontos negativos. A gente queria terra para trabalhar e é bem mais trabalhoso que trabalhar na agricultura moderna, se você quer combater inço é só colocar secante, ou comprar adubo, você fazer adubo, fazer composto, fazer minhocário, biofertilizante, coletar a urina da vaca, fazer as compostagem de palha. Só aí em dizer tá vendo que dá trabalho, mas é prazeroso, não é cansativo, é resultado, é vida pra terra, é vida pra gente. Dá um resultado excelente, então eu não consigo achar pontos negativos’’. O que pode ser considerado negativo é a influência que os vizinhos podem trazer através do uso de sementes transgênicas que podem migrar através das abelhas.

Potencialidades

Hoje a decisão da família é a de manter a produção, dentro da força de trabalho que o casal sustenta. Ainda

pretendem

construir mais

um

minhocário, produzir

mais

biofertilizantes, e ainda estão com um projeto de construção de viveiros para a


piscicultura que é uma atividade onde não há a necessidade de força de trabalho constante, sendo uma atividade que se soma às demais praticadas. O trabalho traz à família a satisfação de produzir o que consomem e ainda contribuir para a preservação da natureza.

Limites O casal trabalha atualmente com a força de trabalho que mantém, sendo assim, não existe na visão do casal maneiras de expandir a produção, apenas manter o que tem hoje.

Lições Apreendidas O casal percebeu ao longo dos anos a importância de trabalhar em conjunto com a natureza, respeitando seus limites, porque a natureza tem o seu tempo para produzir, para descansar. Ter tempo para descansar, passear receber visitas, ou seja, não se tornar “escravos do trabalho”. Segundo Dona Feliciana “A gente pensa em tudo, no mundo inteiro nas próximas gerações não existe mais ou menos, tem que ser por completo’’

Autores e Colaboradores Autores:

Luciana Venzke Pranke é extensionista em agropecuária, colaboradora da ASCAR/Emater, possuindo formação em Geografia pela UFPel. É responsável

pela

elaboração

e

autoria

da

sistematização.


Anderson de Almeida Fontoura é extensionista Social, colaborador da ASCAR/Emater, possuindo formação em Geografia pela UNIASSELVI. É coautor da sistematização.

Colaboradores: José Elpidio Alves da Silva, agricultor, principal ator da sistematização. Feliciana da Silva, agricultora, principal atriz da sistematização. Aldair Gaiardo – Agrônomo da Cooperativa BIONATUR

Referências IBGE cidades disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=431460&search=ri o -grande-do-sul|piratini>. Acesso em 12 jun. 2013 ECKERT, Cordula. Manual de Elaboração de Sistematizações de Experiências. Porto Alegre: Emater/RS – Ascar, 2009. 46p CAPORAL, Francisco Roberto e COSTABEBER, José Antônio. Agroecologia. Enfoque Científico e Estratégico. Disponível em: < http://coral.ufsm.br/desenvolvimentorural/textos/31.pdf> Acesso em: 15 mai. 2013


1

JANAVIO DOS SANTOS FERREIRA Técnico Agropecuária

NEIVA MARIA STEFFEN Extensionista Rural Social

A EXPERIÊNCIA DA FAMILIA THOMZACK COM A VITICULTURA NO REASSENTAMENTO NOVA CONQUISTA


2

JANAVIO DOS SANTOS FERREIRA Técnico Agropecuária

NEIVA MARIA STEFFEN Extensionista Rural Social

A EXPERIÊNCIA DA FAMILIA THOMZACK COM A VITICULTURA NO REASSENTAMENTO NOVA CONQUISTA

Chiapetta,2013


3

SUMÁRIO RESUMO ................................................................................................................................................4 PALAVRAS CHAVES .................................................................................................................................4 1. INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................5 2. CONTEXTO.........................................................................................................................................6 2.1 PANORAMA DA VITICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL ..........................................................................................6 2.2 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO ......................................................................................................................6 2.2 CARACTERIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO ...............................................................................................................7 2.3 CARACTERIZAÇÃO DA FAMÍLIA ...........................................................................................................................8 3. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA: A VITICULTURA .................................................................................... 10 3.1 A ESCOLHA DA ÁREA E DAS VARIEDADES.............................................................................................................11 A ÁREA DA IMPLANTAÇÃO FOI ESCOLHIDA POR SER DE FÁCIL ACESSO, ESTAR PRÓXIMA A RESIDÊNCIA E SER A MELHOR ÁREA AGRICULTÁVEL DO LOTE, ESTA ESCOLHA FOI REALIZADA PELO PRODUTOR EM PARCERIA COM A ASSISTÊNCIA TÉCNICA. A ÁREA DESTINADA AO PARREIRAL, ANTERIORMENTE ERA UTILIZADA PARA A ATIVIDADE LEITEIRA, NESTE LOCAL ANTERIOR A ENTRADA DA FAMÍLIA NO LOTE, FICAVA A MANGUEIRA DOS ANIMAIS DA ANTIGA FAZENDA. .................................................................11 SEGUNDO NACHTIGAL, ET. AL. 2007, A VIDEIRA SE ADAPTA A VÁRIOS TIPOS DE SOLO, A TOPOGRAFIA INFLUENCIA NA DRENAGEM DAS ÁGUAS E NA TEMPERATURA AMBIENTE, A ESCOLHA DA EXPOSIÇÃO DO VINHEDO NO SENTIDO NORTE NORDESTE PERMITE MAIOR INSOLAÇÃO E PROTEÇÃO DOS VENTOS FRIOS. ................................................................................................11 3.3 SISTEMA DE CONDUÇÃO E MANEJO DO PARREIRAL ...............................................................................................12 3.4 PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO ....................................................................................................................18 4.RESULTADOS .................................................................................................................................... 18 5. POTENCIALIDADES ............................................................................................................................ 20 6. LIMITES ............................................................................................................................................ 21 7. AUTORES E COLABORADORES ........................................................................................................... 23 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.............................................................................................................. 24 PANORAMA DA VITIVINICULTURA BRASILEIRA EM 2012. PORTAL DO AGRONEGÓCIO. DISPONÍVEL EM : <HTTP://WWW.PORTALDOAGRONEGOCIO.COM.BR/CONTEUDO.PHP?ID=89992 >. ACESSO EM: 26 DE JUNHO DE 2013. ................................................................................................................................... 25


4

RESUMO Esta sistematização tem como objetivo relatar a experiência que esta sendo realizada pela família Thomzack com a viticultura. A propriedade esta localizada no reassentamento Nova Conquista, município de Chiapetta/RS. A experiência com a viticultura teve início em 2005 com o objetivo de diversificar a produção da propriedade e incrementar a renda. A família trabalha também com a produção de leite, principal atividade, o cultivo da melancia, produção de panificados e cultivos de subsistência (hortaliças, tubérculos e leguminosas). A família tem uma área de 1há entre uva Bordô e Francesa cultivadas em sistema de transição agroecológica. Para a produção, o produtor utiliza adubação orgânica e química. O solo é mantido coberto com aveia e plantas nativas. No controle de doenças o produtor utiliza principalmente as caldas sulfocálcica e bordalesa. A produção de uvas destina-se a comercialização in natura e ao fabrico de vinho e suco. A produção de uvas tem contribuído para a integração da família com a comunidade e propiciado uma renda extra, porem a grande diversificação de produção do lote tem seu ponto critico na mão de obra, pois apenas o casal é responsável por desenvolver todas as atividades.

PALAVRAS CHAVES Viticultura - Agricultura familiar - Reassentamento Nova Conquista - Uva


5

1. INTRODUÇÃO Esta sistematização tem por objetivo divulgar e socializar a experiência de trabalho na área de viticultura na propriedade da família Thonzack localizada no Reassentamento Nova Conquista município de Chiapeta, Noroeste do RS, no Núcleo Operacional de Palmeiras das Missões. A família explora um lote de terras de 12,6 hectares onde são desenvolvidas diversas linhas de produção, além da viticultura: bovinocultura de leite, produção de melancia e de panificados para o mercado local. O leite é fornecido para a Cooperativa Agropecuária dos Agricultores Familiares do reassentamento Nova Conquista de Chiapetta (COOPERARCHI), estrutura criada pelos agricultores do reassentamento para auxiliar na comercialisação do leite e na compra de insumos. Os demais alimentos são comercializados para clientela local. Com esta sistematização queremos dar destaque à viticultura como uma alternativa para a diversificação das atividades produtivas do lote, evidenciando sua viabilidade em nosso município, além de avaliarmos os aspectos ambientais, sociais e econômicos da atividade, caracterizando as práticas de manejo utilizadas na produção da videira e os atores envolvidos em todo o processo. Todas as informações contidas nesta sistematização são fruto de pesquisa feita com a família Thomzack e com pessoas e entidades que contribuíram para a implantação do parreiral. Foram gravados relatos e entrevistas e alguns episódios foram

registrados

em

fotografias.


6

2. CONTEXTO 2.1 Panorama da viticultura no Rio Grande do Sul

O cultivo da uva no sul do Brasil como atividade comercial teve início a partir de 1875, com a chegada dos imigrantes italianos. Segundo informações do IBGE, divulgados no site Portal do Agronegócio, em 2012, no Brasil a área plantada de videiras corresponde a 82.507 hectares, destes, 51.152 ha estão localizados no Rio Grande do Sul principal produtor de uvas para processamento no país. No Brasil dos 1.455.809 toneladas de uva produzida mais de 57% são destinadas ao processamento. O Estado do Rio Grande do Sul é responsável por cerca de 90% da produção nacional de vinhos e sucos de uva. As cultivares de videira utilizadas no Brasil, são classificadas em dois grupos: finas ou européias e as comuns rústicas ou americanas. A diferença entre os dois grupos se da na produção, resistência a doenças e pragas e produtos que originam. Em termos de Rio Grande do Sul, o cultivo é bem amplo, porém se tratando de agricultura familiar, com produção para subsistência as variedades do grupo das rústicas têm maior número de adeptos. Na região noroeste do Estado, predomina a produção de uvas rústicas, com a dupla finalidade de consumo in natura e elaboração de suco e vinho.

2.2 Caracterização do município

O Município de Chiapetta está localizado às margens da RS 571, distando 480 km da capital do estado Porto Alegre. Pertence a região Noroeste Colonial do Rio Grande do Sul, Microrregião de Ijuí e Mesorregião Noroeste Rio-grandense. Os limites geográficos são com os seguintes municípios: Santo Augusto, São Valério do Sul, Catuípe, Nova Ramada, Inhacorá, Ijuí. Chiapetta teve sua emancipação político administrativa em 15 de dezembro de 1965, a população atual do município é de 4.044 habitantes sendo que


10 10

aproximadamente 61% residem no meio urbano e 39% no meio rural, as etnias predominantes no município são Alemã, Italiana, Luso-brasileira, Polonesa e com menores proporções outras origens. A estrutura fundiária do município aponta uma grande concentração de terras onde 92 % do número de propriedades possuem até 100 há e ocupam apenas 27 % da área total do município, como fica mais bem evidenciado pelo gráfico abaixo. A economia

do município

é baseada

principalmente

na produção

agropecuária e serviços. Na agricultura o cultivo da soja é destaque, com uma área cultivada aproximada de 24.000 há, o milho cultivado tem área aproximada de 6.000 ha, sendo que 60% deste é destinado a silagem para consumo animal. Na atividade pecuária, a produção leiteira é destaque sendo que temos um plantel de 3.500 vacas com uma produção média mensal de 1.260.000 litros. A criação de suínos no sistema integrado com as empresas Sadia e Cotrijuí também é significativa.

2.2 Caracterização do Assentamento

O

Reassentamento

Nova

Conquista

(RS2002000),

município

de

Chiapetta/RS, foi criado no ano de 1996 e abrange uma área de 1.210 hectares, originalmente formado por 66 famílias, oriundas da região norte do Rio Grande do Sul municípios de Severiano de Almeida, Marcelino Ramos e Mariano Moro e região sul de Santa Catarina, municípios de Concórdia e Alto Bela Vista. No ano de 1995 esses agricultores tiveram suas propriedades desapropriadas em função da construção da Barragem de ITÁ-SC construída pela Empresa ELETROSUL. A área onde foi implantado o Reassentamento estava arrendada para o cultivo de soja e trigo. O acesso ao Reassentamento, a partir de Chiapetta se dá pela estrada municipal de chão batido, em direção a cidade de Ijuí e a RS 155, percorrendo 5,2 km até o início do imóvel após a ponte sobre o Rio Buricá. O mesmo faz divisa ao norte com Rio Buricá; ao sul com terras de Luis Ozório Chiapetta (Granja Butiá); ao leste com Rio Buricá e ao oeste com estrada geral que liga Chiapetta a Ijuí. Ao Oeste encontra-se o Reassentamento Cristo Rei.


11 11 O Reassentamento é constituído por famílias que ocupam lotes com área

média de 13,77 ha cujas atividades econômicas principais são a produção de grãos (soja, milho, trigo, aveia), leite, suinocultura integrada e alguns casos a fruticultura e agroindústria de pequeno porte. Parte dos lotes é utilizada para produção de subsistência como, por exemplo, suínos, aves, bovinos, peixes, mel, mandioca, hortas, pomares, feijão, amendoim, cana-de-açúcar.

2.3 Caracterização da família

A família Thomzack, constituída pelo casal Frederico e Valci Thomzack e suas três filhas, originária de Marcelino Ramos, na sua origem trabalhava de forma individual. Com a formação do Reassentamento, pela necessidade de organização para buscar seus direitos junto à empresa ELETROSUL as famílias passaram a trabalhar coletivamente para a construção de suas casas e galpões. Todos os agricultores que trabalhavam nas obras eram remunerados. Com os recursos previstos para as obras e a forma coletiva de construção, os agricultores edificaram suas instalações e ainda sobraram recursos para aquisição de um caminhão, uma plantadeira e uma parte de dinheiro dividida entre as famílias. Também ocorreu libração de recursos previstos para adequação e recuperação do solo e plantio das culturas, que também foram realizados coletivamente. Assim, houve sobra de recursos, onde adquiriu-se dois tratores. O primeiro plantio foi realizado no ano de 1997.

A família Thomzack com a distribuição dos lotes

passou a residir na sede da antiga fazenda. Na fase inicial do Reassentamento, houve certa desconfiança por parte dos grandes proprietários de todo o município, ocorrendo casos de construção de cercas nas divisas para evitar a entrada dos agricultores. A descrença do município na época com relação ao Reassentamento fortaleceu a necessidade dos mesmos se unir e trabalhar juntos, ocorrendo a formação da Associação dos Reassentados de Chiapetta (ARCHI), criada pelos reassentados e da qual a família faz parte. Já nos primeiros anos a família começou a trabalhar com a bovinocultura de leite e plantio de frutas, hortaliças e tubérculos para a subsistência. Hoje a família do seu Frederico e da dona Valci Thomzack, obtém sua renda na diversificação das atividades desenvolvidas, destacando-se por conseguir conciliar a atividade


11 11

leiteira, a viticultura, o cultivo de melancia, a produção de panificados e o cultivo de subsistência, atividades estas desenvolvidas pelo casal, pois as filhas não residem mais no lote. Na atividade leiteira há o envolvimento do casal que possui uma estrutura regular necessitando ainda de uma sala de ordenha adequada para reduzir as dificuldades na atividade. A comercialização é realizada através da Cooperarchi, localizada no reassentamento. A produção de panificados é realizada pela dona Valci há aproximadamente 8 anos, sendo comercializados no município sob encomenda. A família sempre buscou a diversificação de produção de alimentos para seu consumo o que a levou ao cultivo de melancia e, principalmente da videira que é realizado predominantemente pelo seu Frederico. A figura 2 representa a distribuição espacial das atividades na propriedade.

Figura2


12 12

3. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA: A VITICULTURA De acordo com o seu Frederico “O cultivo da uva nasceu da vontade de produzir para o gasto da família e fazer vinho para o consumo”, a necessidade em diversificar a produção e incrementar a renda da propriedade também foram fatores que influenciaram na decisão. Como até o momento não tinha experiência com a atividade, em 2005 com incentivo e auxilio técnico dos extensionistas do escritório municipal da Emater-RS/ASCAR a família deu os primeiros passos na atividade. “Para a implantação e primeiras podas precisei da ajuda da Emater. Os técnicos vinham e me mostravam como tinha que faze.” afirma seu Frederico. Os recursos para a implantação das videiras foram oriundos do programa Estadual de Fruticultura - PROFRUTA, da Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento do Rio Grande do Sul, este programa teve seu inicio em 2003 estendendo-se até 2006.

3.1 A escolha da área e das variedades A área da implantação foi escolhida por ser de fácil acesso, estar próxima a residência e ser a melhor área agricultável do lote, esta escolha foi realizada pelo produtor em parceria com a assistência técnica. A área destinada ao parreiral, anteriormente era utilizada para a atividade leiteira, neste local anterior a entrada da família no lote, ficava a mangueira dos animais da antiga fazenda. Segundo Nachtigal, et. al. 2007, a videira se adapta a vários tipos de solo, a topografia influencia na drenagem das águas

e na temperatura ambiente, a

escolha da exposição do vinhedo no sentido norte nordeste permite maior insolação e proteção dos ventos frios. Antes de plantar as videiras foi realizada análise do solo com objetivo de fazer as devidas correções a partir de critérios mais confiáveis do que o olho do técnico ou do produtor. Com a análise de solo realizaram-se as correções necessárias utilizando basicamente adubação orgânica em virtude da boa condição do solo, pois o mesmo apresentava os nutrientes necessários para o bom desenvolvimento da videira.


13 13 Após o preparo da terra deu-se inicio ao plantio do cavalo ou porta-enxerto

que é a planta que contribui com o sistema radicular, assegurando a nutrição mineral.“No primeiro ano plantei o cavalo e depois implantei a videira em cima”, afirma o agricultor. A implantação inicial foi de 820 pés de parreira, divididos entre Bordô e Concord ou Francesa. Atualmente o parreiral esta com 1620 pés de videira, o ultimo plantio ocorreu em 2010. Segundo o técnico em agropecuária da Emater/RS-Ascar, Pedro Mocellim “a escolha das variedades levou em consideração as características locais, tanto das condições climáticas, quanto das características das variedades Bordo e Francesa que podem ser utilizadas na elaboração de vinhos e para consumo in natura evitando o desperdício

da produção. Outros fatores levados

em

consideração foram a rusticidade e produtividade, além de serem variedades de boa adaptação ao sistema de cultivo orgânico e apresentar boa resistência a doenças

fungicas.


14 14

O desenvolvimento vegetativo das cultivares impressionou a família e a equipe técnica. De acordo com o técnico em agropecuária Pedro Mocellim: “com aproximadamente cinquenta dias após a implantação no cavalo o enxerto já estava com dois metros e quando começou a brotar os enxertos dos cavalos, as folhas pareciam com folhas de abóbora de tão escuras, não dava pra acreditar!”. Com os resultados promissores da boa implantação das parreiras o agricultor começou a se dedicar e acreditar ainda mais na atividade.

3.3 Sistema de condução e manejo do parreiral

O sistema de condução da parreira escolhido pela família e assistência técnica foi o de latada. A escolha se deu por ser um sistema já conhecido pela família, por proporcionar o desenvolvimento de videiras vigorosas, que podem armazenar boas quantidades de material de reserva, como o amido; permitir uma área do dossel extensa, com grande carga de gemas proporcionando um elevado número

de cachos

e alta

produtividade

e conseqüentemente

uma boa

rentabilidade econômica especialmente em pequenas propriedades além de facilitar a locomoção dos agricultores facilitando o manejo. A escolha do sistema de condução também levou em consideração os seguintes aspectos: características do terreno, método de colheita, vigor da planta, objetivo da produção, variedade escolhida e condições de solo. As regiões de clima temperado costumam-se trabalhar com o sistema de latada ou espaldeira. Nas figuras abaixo, podemos visualizar as diferenças entre os dois sistemas de condução. Figura 1: Sistemas de condução da videira


15 15 Fig. 1. Sistema de condução da videira em latada, especificando postes e fios. Postes - a) cantoneira; b) lateral; c) interno; d) rabicho; Fios - e) cordão primário de cabeceira; f) cordão primário lateral; g) fio da produção; h) fio da vegetação; i) fio de sustentação da malha; j) fio rabicho. (Ilustração: A. Miele)

Fig. 2. Sistema de condução da videira em espaldeira e com poda mista: a) poste de cabeceira; b) poste interno; c) fio da produção; d) fios fixos da vegetação; e) fio móvel da vegetação.(Ilustração: A. Miele)

Fonte: Embrapa Uva e Vinho

O sistema de latada utilizado pelo agricultor é o mais utilizado na Serra Gaúcha, neste sistema o dossel é horizontal e a poda é mista ou em cordão esporonado,

conforme

a variedade

de videira.

As varas

são atadas

horizontalmente aos fios do sistema de sustentação do vinhedo. Como podemos observar na figura 1 as videiras são alinhadas e a distância entre plantas é de 1,50 a 2,00 m, conforme a variedade e o vigor da videira. A zona de produção da uva situa-se a aproximadamente 1,80 m do solo. A carga de gemas também é variável, sendo em geral de 100 mil a 140 mil gemas/ha. Uma das desvantagens do sistema é o alto valor inicial de investimento, por outro lado, em função de sua produtividade possui uma boa rentabilidade econômica especialmente em pequenas propriedades. Segundo a Embrapa Uva e Vinho, o sistema de condução tipo espaldeira, figura 2, é um dos mais utilizados pelos viticultores nos principais países vitivinícolas. No Rio Grande do Sul, é adotado especialmente na Campanha e na Serra do Sudeste e por algumas vinícolas da Serra Gaúcha. As videiras, conduzidas em espaldeira têm dossel vertical e a poda é mista ou em cordão esporonado. As varas são atadas horizontalmente aos fios da produção do sistema de sustentação do vinhedo. Se necessário, os ramos são despontados. Normalmente, deixam-se duas varas/planta quando a poda é mista; em cordão


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esporonado, há dois cordões/planta. A distância entre plantas é de 1,20 a 2,00 m, conforme a variedade e a fertilidade do solo. A zona de produção geralmente situa-se entre 1,00 e 1,20 m do solo. Deixa-se de 65 mil a 80 mil gemas/ha, dependendo principalmente da variedade. A altura do sistema de sustentação do solo até a parte superior é de 2,00 a 2,20 m. Abaixo foto 01 do sistema de condução da videira adotado pela família. Em comparação com o sistema de latada, o de espaldeira, tem um custo de implantação menor, porém, apresenta tendência ao sombreamento, conseqüentemente, não é indicado para cultivares muito vigorosas ou para solos muito férteis. Foto 01- Sistema de condução da videira/

Latada

Dezembro 2013 Créditos: Escritório municipal Emater –RS/Ascar

Chiapetta

Os sistemas de manejo também são variados, dependendo a da variedade implantada, condições de clima e solo, podendo ser trabalhado sistema de base ecológica ou convencional ou ainda absorver elementos tanto de um quanto de outro sistema, como é o caso da experiência que estamos sistematizando. Após a implantação do parreiral, nos primeiros anos, nas entre linhas das videiras, o agricultor cultivou a melancia, hoje este cultivo continua, porém em outra área como pode ser observado anteriormente na figura 3. A mudança do


17 17

local de cultivo da melancia foi necessária devido às condições de manejo especificas de cada cultivar. Atualmente o produtor utiliza um manejo com adubação orgânica e adubação verde (aveia e ervilhaca) para manter a qualidade do solo, além de adubos químicos para suprir as necessidades nutricionais. Visando produzir um alimento diferenciado, mais saudável, com o auxilio da Emater/RS-Ascar,

seu Frederico,

nos

primeiros

anos optou pelo manejo

alternativo fazendo uso predominantemente de caldas para prevenir e controlar doenças. Neste período, foram utilizadas apenas as caldas sulfocálcica

e a calda

bordalesa para prevenir doenças. A calda sulfocálcica é usada como fungicida protetor e erradicante, visando eliminar fonte de inoculo em plantas, na fase de repouso vegetativo, além do efeito fungicida, exerce ação sobre ácaros, cochonilhas e outros insetos sugadores. A calda sulfocálcica é preparada pela combinação de cal hidratada com enxofre, é uma suspensão concentrada muito solúvel em água e é decomposta por ácidos, formando H2S. Possui odor de ovo choco e é de coloração amarelada. É irritante aos olhos, raiz e pele. Não se deve misturá-la com pesticidas orgânicos instáveis em solução alcalina. É um produto corrosivo para peças de ferro e cobre por isso, os equipamentos devem ser lavados imediatamente após o uso. O sulfato de cobre e cal diluídos em água formam a calda Bordalesa. Esta calda foi utilizada pela primeira vez em 1882, na França para controlar o míldio em videira, hoje sua utilização é recomendada para diversas culturas, sendo permitido o uso na agricultura orgânica pela sua pouca toxidade. Após este período pela dificuldade em controlar as pragas o produtor passou a utilizar também tratamentos químicos utilizando os produtos a base de Tiofanato Metílico concentração aI: 700,0 g/kg (Cercobin®) e outro fungicida com concentração de 750g/kg(75%m/m) de Ditianona e 250g/kg de ingredientes inerentes:

formulação

(5,10-dihydro-5,10-dioxonaphtho[2,3-b]-1,4-dithiine-2,3-

dicarbonitrile). Quanto ao uso das caldas, o produtor, com exceção do ultimo ano (2012) sempre as preparou em casa. A deficiência mão de obra na propriedade, devido a


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todas as atividades desenvolvidas fez com que o produtor adquirisse as caldas pré-prontas no comércio local. Como são apenas duas pessoas já com certa idade e sem a plena força de trabalho, a mão de obra torna-se um limitador o que poderá comprometer o avanço na proposta de redesenho para uma produção mais sustentável. No fluxograma abaixo esta ilustrada todas as etapas de intervenção da família no parreiral.

Como podemos visualizar no diagrama acima, o controle de doenças é realizado predominantemente com o uso das caldas sulfocálcica e bordalesa, com inicio dos tratamentos em fevereiro ou março, período em que a parreira ainda esta com as folhas, onde o produtor faz uma aplicação de sulfato de cobre e cal com a finalidade de evitar doenças. O produtor realiza a pulverização com pulverizador costal. Final do mês de junho princípio de julho, quando a videira já esta sem as folhas o produtor aplica a calda sulfocálcica, anterior a poda, para auxiliar no controle das doenças. Segundo seu Frederico nesta aplicação ele usa em média a concentração de 4°Bé da calda sulfocálcica, a pulverização é realizada da mesma forma que com a calda bordalesa, ou seja, com pulverizador costal. Em agosto é realizada adubação orgânica com aplicação de esterco bovino proveniente da propriedade e adubação química (NPK: 5-20-20 e Super triplo),


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neste período também é realizada a poda de frutificação ou produção. A poda de frutificação tem como objetivo preparar a videira para a produção da próxima safra. “Faço a poda como os técnicos me ensinaram, no inicio eles vinham e me ajudavam a poda, agora podo sozinho” afirma seu Frederico. Em setembro, o produtor realiza tratamento com fungicidas DELAN® e Cercobin®. O produto DELAN® é aplicado na brotação para impedir o desenvolvimento da antracnose e o Cercobin® também aplicado na brotação tem como objetivo impedir o aparecimento da Antracnose, Oidio, Mofo–cinzento, mancha das folhas e podridão da uva madura. Será preciso avançar no manejo do pomar melhorando as condições do solo e a diversidade do meio, além de qualificar a utilização de caldas e biofertilizantes no sentido de substituir os insumos químicos relatados, para que se avance na transição agroecológica Em outubro, novembro e dezembro o produtor realiza mais uma aplicação de sulfato de cobre e cal. Ainda nos meses de outubro e novembro seu Frederico, realiza a poda verde e aplicação de uréia. A poda verde segundo a Embrapa possibilita a diminuição de doenças fúngicas, maior eficiência nos tratamentos fitossanitários e colheitas mais equilibradas, desde que ela seja realizada na época correta e de maneira adequada. A partir da segunda quinzena de dezembro e no mês de janeiro é realizada a colheita. Durante a colheita de acordo com a necessidade o produtor pega dois auxiliares. Nesta etapa durante os finais de semana as filhas retornam a propriedade para auxiliar na atividade, devido ao grande número de tarefas que precisam ser desenvolvidas ao mesmo tempo (colheita da uva, trabalho com os planificados, atividade leiteira, colheita da melancia), o que é impossível de ser realizado apenas pelo casal. Além das atividades já citadas, paralelo a colheita ocorre a venda in natura e o processamento artesanal de vinho e suco, que são destinados ao consumo familiar e a comercialização local, o que gera um grande empenho

de

mão

de

obra.


20 20

3.4 Produção e Comercialização Conforme se observa no gráfico abaixo, a produção se manteve num crescente aumento. Já no primeiro ano de produção, em 2007, seu Frederico colheu 900 kg de uva, em 2008 a produção alcançou 3000 kg, período em que a planta estava em processo de formação. Já no terceiro ano, 2009, foi colhido 7000 kg de uva. Em 2010 o produtor realizou a implantação de mais 820 mudas de parreira, e a produção continuou aumentando, chegando ao patamar de 14000 kg em 2011.

Porém em 2012, devido às intempéries climáticas (granizo e geada

tardia) que prejudicaram todas as atividades agrícolas do município, a produção teve uma drástica queda na produção, ficando em torno de 4.000 kg.

Ao manter a qualidade da uva produzida neste período, à família conseguiu fidelizar seus clientes, não tendo dificuldades em vender a fruta. A uva comercializada é destinada ao consumo in natura e à elaboração de vinho artesanal, hábito dos munícipes que levou à realização do Concurso Municipal do Vinho Artesanal Chiapettense. Além da venda para terceiros, a família utiliza boa parte da produção para a elaboração de suco de uva e vinho para seu consumo e venda do excedente. Para a produção de vinho artesanal do município, os produtores, adquirem a matéria prima da família Thomzack ou da Serra Gaúcha.

4.RESULTADOS


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Através da coleta de informações sobre a experiência da família com a viticultura e estudo destes dados pudemos constatar que a viticultura vem cumprindo com os objetivos iniciais, quando da sua implantação, que era a diversificação da produção, produzir para o consumo familiar e fabricar vinho de qualidade para a família. E também a constatação de que hoje no lote se tem uma grande diversificação da produção o que contribui para a segurança alimentar da família. Outros pontos positivos relevantes são descritos na sequência. A viticultura favoreceu a inclusão social dos agricultores, pois aproximou a clientela - moradores, vizinhos do assentamento- dos agricultores da Nova Conquista.

A proximidade fez com que antigos preconceitos em relação às

famílias reassentadas fossem diluídos, pois como nos relatou dona Valci, as famílias assentadas, quando de sua chegada no município se depararam com uma realidade diferente da que estavam habituados, sendo desafiados a conquistar seu espaço perante a comunidade local, e muito, além disso, criar gosto pelo novo lar. Como mais um resultado positivo, aliada à produção e comercialização de melancia a viticultura e seus subprodutos atualmente são uma fonte importante de renda para a família correspondendo ao décimo terceiro salário dos trabalhadores urbanos, o que entusiasma o pequeno agricultor a continuar trabalhando na terra. Observa-se também que há preocupação com a sustentabilidade do sistema produtivo, com práticas menos agressivas ao ambiente, como o uso de caldas sulfocálcica e bordalesa, e materiais da própria propriedade, como por exemplo, esterco bovino; há preocupação de produzir alimentos sem venenos, embora a proximidade com lavouras em sistema de manejo convencional, acabe afetando o parreiral com certas doenças que necessitam de intervenção de produtos industrializados ou, até mesmo, afetando por deriva, o próprio parreiral. O diálogo inicial de planejamento do sistema de produção e o incentivo à produção com o mínimo de uso de agroquímicos também foram e são momentos significativos para a escolha das cultivares de parreira e o sistema de manejo adotado pela família, para o êxito da experiência, o que levou a comprovação de que a viticultura é viável no município de Chiapetta, desde que a parreira receba


22 22

todos os cuidados necessários para sua produção, pois até o momento no município,

não

havia

nenhuma

família

que

se

dedicasse

a

atividade

expressivamente. Muito além do retorno financeiro e melhorias na qualidade de vida da família, a viticultura construiu entre a família e a assistência técnica um elo de confiança, dando credibilidade ao trabalho desempenhado principalmente pelos extensionistas que trabalharam com a implantação e manejo iniciais do parreiral. Este vinculo de confiabilidade criado, facilitou os trabalhos da extensão rural no reassentamento, o que pode ser evidenciado com os n i úmeros encontros técnicos realizados no lote da família para abordar aspectos relacionados à fruticultura, segurança e soberania alimentar, entre outros temas oportunos e a facilidade de troca de experiências, informações e construção de conhecimento e intervenções que se tem atualmente entre a equipe técnica e a família, como evidencia-se na foto abaixo.

Créditos: Escritório municipal Emater –RS/Ascar Chiapetta

5. POTENCIALIDADES A viticultura tem bom potencial de desenvolvimento, especialmente em Chiapetta, pois no município tem-se o habito de produzir o vinho para o consumo próprio, mas o número de parreirais é muito pequeno e sua produção é destinada principalmente ao consumo familiar. Quanto a produção de uvas para subsistência e venda do excedente, temos em Chiapetta, além do seu Frederico apenas mais uma família que possui parreiral

com

estas

finalidades.


23 23

Como já mencionado, é cultural no município a elaboração de vinho artesanal, e em conseqüência deste habito iniciou em 2011 um concurso local de amostras de vinho artesanal, onde pode ser observado que dos dezesseis participantes da primeira edição, todos do município, juntos produziram entre vinho tinto e branco 15867 litros, porem desta produção apenas 6900litros de vinho foram produzidos por dois produtores que utilizaram apenas uva da sua propriedade, um destes produtores é o seu Frederico, os demais adquirem a uva na Serra Gaucha, o que evidencia o potencial mercado consumidor local que a família pode vir a acessar. Outro ponto relevante é a forma de comercialização adotada, onde a uva é negociada diretamente com o consumidor final, caracterizando-se uma cadeia curta, onde a negociação ocorre diretamente entre as partes interessados, comprador e vendedor, diferentemente do que acontece nas cadeias longas, onde o produtor vende seu produto para um atravessador, que poderá vender diretamente para o consumidor final, ou ainda repassar o produto para que seja beneficiado e revendido ate chegar ao consumidor. Este encurtamento na cadeia propicia uma maior integração entre os lados envolvidos, além de aumentar o retorno para o produtor e muitas vezes diminuir para o consumidor. Outro aspecto, é a qualidade do produto, pois o comprador adquire um produto recém colhido e selecionado muitas vezes com o auxilio dele. Como já mencionado o produtor tem uma clientela fixa que todos os anos adquirem a uva, tanto para consumo quanto para elaboração do vinho. A venda é realizada tanto na residência da família Thonzack, quanto de porta em porta, esta, normalmente com pré-contato mantido anteriormente com o comprador. A mesma pratica de comercialização é adotada para a comercialização da melancia.

6. LIMITES Os fatores limitantes para a ampliação da produção são a mão de obra, e a localização geográfica do lote e do assentamento. A produção de uva, e demais frutíferas não tem grande expressão no município, as principais áreas de produção são a bovinocultura leiteira e o setor de grãos, como o lote é lindeiro a lavouras de


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grãos um dos problemas que se tem observado, é o uso de agroquímicos nas lavouras que, mesmo tendo quebra vento no entorno do parreiral, não tem conseguido evitar a exposição total das parreiras aos venenos, o que tem provocado segundo seu Frederico, murchamento das plantas e aborto das flores, diminuindo a produção.

Tabela 3 – Fluxo mensal de M.O. na UPA

Através da tabela 3 podemos analisar, como se da a divisão da mão de obra familiar considerando que atualmente apenas a dona Valci e seu Frederico executam todas as atividades do lote. Avaliando as informações descritas acima, podemos dizer que os meses de janeiro, fevereiro, julho, novembro e dezembro, devido principalmente aos períodos de colheita, poda, elaboração de vinho, além do plantio da cultura na melancia são os meses onde ocorre maior demanda de mão de obra. Já os meses de março, abril e junho são os meses que demandam menor necessidade de mão de obra, pois nestes períodos a atividade fruticultura (parreira e melancia) demanda menor tempo de trabalho no manejo. Como a atividade leiteira ainda é a principal atividade da família, ocupando quase 50% do tempo de trabalho e como a viticultura é uma atividade onde apenas o agricultor se envolve pela grande necessidade de mão de obra principalmente nas épocas de poda e colheita, a ampliação da área do parreiral no momento não é viável.


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As dificuldades em legalizar a produção de vinho e suco de uva, também é uma limitação para a família. Conforme seu Frederico, a legalização da atividade hoje é inviável para a família porque as exigências para montar uma agroindústria são grandes e eles já não são mais tão novos para aventuras, porém há expectativa de que uma das filhas retorne para o lote quando terminar a faculdade, nas palavras do produtor “Ai ela querendo trabalhar com isso vamos investir mais e faze tudo certo.

7. AUTORES E COLABORADORES Janavio dos Santos Ferreira, técnico em agropecuária do Escritório Municipal da EMATER-RS/Ascar de Chiapetta. (autor).

Neiva Maria Steffen, extensionista rural social do Escritório Municipal da EMATER-RS/Ascar de Chiapetta. (autor).


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Frederico Pedro Thomzack, agricultor, reassentamento Nova Conquista de Chiapetta/RS.

Valci Maria Chappuis Thomzack, agricultora, reassentamento Nova Conquista de Chiapetta/RS.

Alex Samir Pess Berlezi, técnico em agropecuária do Escritório Municipal da EMATER-RS/ASCAR de Chiapetta. (colaborador).

Daniel da Costa Soares, engenheiro agrônomo do Escritório Municipal da EMATER-RS/ASCAR de Chiapetta, (colaborador).

Fernanda Ferreira, Assistente Técnica Pedagógica Termo de Cooperação: INCRA/ UFSM, (colaboradora).

Julio

Cesar

Paris,

supervisor

regional

Ijuí

da

EMATER-RS/ASCAR,

(colaborador).

Pedro Mocellin, técnico em agropecuária, (colaborador).

Cleusa Noal Brutti, jornalista, regional Ijuí EMATER-RS/ASCAR, (colaborador).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ECKERT, Cordula. Orientações para elaboração de sistematização de experiências. -2 ed.- porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR, 2013.35p.


27 27

ABELLA, Elizabete Cuty; Hulda Maria Alves Dutra; Evandro Pedro Schneider e Jair Costa Nachtigal. Processamento de uva na propriedade rural. Embrapa uva e vinho,ISSN 1516-8107, 2007. 23p.

Aula prática sobre fungicidas: 1. Preparo. Universidade Federal de Santa Catarina. Disciplina: Fitopatologia (FIT5607). Disponível em: <http://www.cca.ufsc.br/labfitop/2008-2/calda%20bordalesa.pdf>.

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MOTTA, Ivo de Sá. Calda Bordalesa: utilidades e preparo. Embrapa: Agropecuária Oeste. Disponível em: <http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/242170/1/FOL200837.pdf> Acesso 20 de junho de 2013.

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AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ABASTECIMENTO ALIMENTAR - PAA E PNAE O CASO DA COPTIL / HULHA NEGRA-RS

TOMÁS ADEMIR SILVA MACHADO Técnico Agrícola ALEX SANDRO DUTRA DE OLIVEIRA Engenheiro Agrônomo CÁRMEN CACERES LEITE Contadora / Tecnóloga em Desenvolvimento Rural

Hulha Negra, 2013


1 – TITULO AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ABASTECIMENTO ALIMENTAR - PAA E PNAE - O CASO DA COPTIL / HULHA NEGRA-RS 2 – RESUMO

Este trabalho de sistematização de experiência objetiva entender e divulgar o papel da Prefeitura Municipal de Hulha Negra, da EMATER/RS e da COPTIL (Cooperativa de Produção e Trabalho Ltda.) no desenvolvimento e fomento da cultura do trigo inserida na política pública PAA. Outro trabalho que está sendo realizado hoje pela Emater em parceria com COPTIL é a comercialização dos produtos oriundos dos sócios através da política pública PAA a nível regional, atendendo Hulha Negra, Candiota, Bagé e Dom Pedrito. 3 - PALAVRAS CHAVE: Políticas Públicas, Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, Cooperativismo, ATES, reforma agrária.

4 - INTRODUÇÃO O mercado para alimentos produzidos por agricultores familiares tem sido foco de uma reestruturação legal que se desencadeou a partir das discussões iniciais do Programa Fome Zero. Este debate oriundo dos movimentos sociais busca diminuir a situação da fome no País, diversas ações derivam desse processo que tem como ponto de partida a década de 90. Neste contexto as políticas públicas de comercialização da produção da agricultura familiar ganharam espaço no cenário nacional, o PAA – Programa de Aquisição de Alimentos e o PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar, tem oportunizado aos agricultores familiares a possibilidade de se manterem na atividade rural, outros impactos importantes dessa forma de atuação do poder público para diminuir as desigualdades sociais, são a fixação do jovem no campo e a oportunidade de crescimento vertical na cadeia produtiva da agricultura familiar, através da possibilidade cada vez mais evidente da implantação de agroindústrias familiares nas localidades rurais. No cenário que se desenha, com relação aos mercados institucionais o município de Hulha Negra no Rio Grande do Sul, já desempenha um papel histórico, tendo em vista que foi um dos pioneiros em adquirir a alimentação dos escolares da produção da agricultura familiar local, através do Programa – Prove da Hulha. Também a Cooperativa de Produção e Trabalho, Ltda. – COPTIL avança em sua trajetória através desta forma de comercialização, proporcionando a seu quadro social a oportunidade de obter o desenvolvimento de suas atividades nos Assentamentos da Reforma Agrária. O trabalho de Assistência Técnica e Social – ATES, atuando como articulador da relação entre os diversos atores locais, promove a interinstitucionalidade necessária para a implementação de ações de cunho multidisciplinar que venham ao encontro da formatação de cadeias produtivas sustentáveis, que se integram da produção, beneficiamento e comercialização dos itens produzidos pela agricultura familiar.

.


Como resultados da sistematização observou-se que cada um dos agentes envolvidos nas políticas de abastecimento alimentar em anos anteriores promoveram mudanças estruturais no município de forma individual, mas quando resolvemos nos unir, a mudança veio de maneira significativa que nos faz pensar e agir no sentido de alcançar uma maior cooperação. Durante a execução da sistematização, obtivemos um olhar mais detalhado sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido no município, pelos agentes de desenvolvimento rural, levando os autores e colaboradores a perceber a aproximação que está acontecendo entre os técnicos da Emater, Prefeitura, Coptil e as famílias beneficiadas pelas políticas públicas.

6 CONTEXTO 6.1 O contexto das políticas públicas de abastecimento As políticas públicas de abastecimento alimentar originam-se de um debate sobre a questão da fome no Brasil, a insegurança alimentar, base da discussão levantada por diversos movimentos sociais na década de 90, entre elas a Organização Não Governamental - Ação e cidadania, coordenada pelo sociólogo Herbert de Souza – o Betinho, debate questões ligadas diretamente ao sistema de abastecimento e consumo alimentar instalado a nível nacional, objetivando o combate a miséria e a fome no País. (Ação e cidadania, 2013) Desta discussão originou-se a Lei Nº 11.346 em 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança e Soberania Alimentar, abrangendo temas que envolvem desde a estrutura de produção dos alimentos, seu processamento e distribuição, bem como as formas como é consumida pela população, contemplando uma análise multissetorial e multidisciplinar, ressaltando a importância do ambiente em que se insere determinada cadeia produtiva, em um processo que visa respeitar a cultura local de produção e consumo dos alimentos em determinado extrato geográfico. O que fica claro em seu terceiro artigo, que diz: “Art. 3o A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base, práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que seja ambiental, culturais, econômica e socialmente sustentáveis.” O Programa Fome Zero, instituído em 2003 forneceu elementos para a instituição do SISAN, em seu portal virtual encontra-se a metodologia utilizada para estruturar o trabalho implementado desde então, onde diz que esta estratégia de planejamento... “consiste num conjunto de mais de 30 programas complementares dedicados a combater as causas imediatas e subjacentes da fome e da insegurança alimentar, implementados pelo ou com o apoio do Governo Federal.”. (FOME ZERO,2013). Estes Programas se distribuem nos eixos estruturantes do Fome Zero, dispostos de acordo com os segmentos que compõem o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional. A questão do abastecimento alimentar está presente nesse contexto, sendo que os agricultores familiares fazem parte das ações estabelecidas, sendo objeto da necessidade de promover a produção de alimentos e com isso garantir sua fixação no meio rural e seu desenvolvimento no cenário nacional. Desde os primeiros passos até o momento presente, as ações em prol do desenvolvimento da agricultura familiar e da diminuição da fome no país foram estruturando-se no contexto operacional, atualmente, os programas de abastecimento alimentar são operacionalizados por meio de um conjunto de entidades e departamentos a partir de um eixo comum. Sendo que o PAA


– Programa de Aquisição de Alimentos tem suas ações executadas pelos Ministérios: MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário e MDS – Ministério do Desenvolvimento Social, e o PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar, tem sua base no Ministério da Educação, sendo operacionalizado com recursos do FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Sobre o Programa de Aquisição de Alimentos, na página do Ministério do Desenvolvimento Agrário, consta o que segue: Criado em 2003, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é uma ação do Governo Federal para colaborar com o enfrentamento da fome e da pobreza no Brasil e, ao mesmo tempo, fortalecer a agricultura familiar. Para isso, o programa utiliza mecanismos de comercialização que favorecem a aquisição direta de produtos de agricultores familiares ou de suas organizações, estimulando os processos de agregação de valor à produção. (BRASIL, MDA/2013) O PAA, atua através de modalidades de compras da agricultura familiar, sendo o apoio à formação de estoques e a compra direta da agricultura familiar, operacionalizado pelo MDA. Também atua com a modalidade de doação simultânea que é operacionalizado através do Ministério do Desenvolvimento Social, sendo de competência do Departamento de Apoio à Aquisição e à Comercialização da Produção Familiar – DECOM, coordenar as ações de apoio à produção, comercialização e distribuição de alimentos, visando a implementação de sistemas locais de abastecimento.(BRASIL,MDS/2013) Quanto ao PNAE, instituído através da Lei 11.947/2009, que expressa em seu artigo 14, o que segue: Art. 14. Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. A operacionalização desta política pública, regulamenta-se pela Resolução nº 38 de julho de 2009, que deixa claro em seu artigo 18 a obrigatoriedade da aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar: Art. 18. Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverá ser utilizado na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar Rural ou suas organizações, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas, conforme o artigo 14, da Lei n°11.947/2009. Desta modalidade de mercado, onde a agricultura familiar é público preferencial, cabe ressaltar a forma como se realiza a tomada de preços dos itens produzidos pelos agricultores. Sendo que no PAA, a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB, regulamenta os itens através de preços fixados pela instituição. Já o PNAE, propõe uma média dos preços praticados no mercado local onde será adquirida a produção da agricultura familiar. Essa diferença de cotação implica aos agricultores preços diferenciados pelo mesmo produto, o que algumas vezes define a preferência dos agricultores em comercializar para um ou outro Programa. Tendo os mercados institucionais assumido esse contexto nos últimos anos, as políticas públicas de abastecimento estão disponíveis para implementação e execução nas unidades da federação pelo órgãos representativos dos agricultores e Entidades que tem em sua competência a atuação com o público da agricultura familiar em âmbito nacional.


6.2 O Município de Hulha Negra Hulha Negra, localiza-se na Região abrangida pelo Corede Campanha, composto ainda pelos municípios de Aceguá, Bagé, Candiota, Caçapava do Sul, Dom Pedrito e Lavras do Sul, com a população total de 216.623 habitantes em uma área de 18.240,9 km² a Região da Campanha caracteriza-se pela economia voltada para o setor agropecuário. O município de Hulha Negra, possui uma população atual de 6.043 habitantes que ocupam uma área de 822,899 km² (IBGE,2010), aspecto peculiar observa-se com relação a conformação geográfica de sua área, onde a maior extensão ocorre no sentido de Norte a Sul.

Figura 1 – Mapa Hulha Negra / Leitura da paisagem - 2005 Fonte: Escritório Municipal da Emater de Hulha Negra/ URCAMP Como característica demográfica importante ressalta-se que Hulha Negra apresenta um número expressivo de Assentamentos da Reforma Agrária, tendo 23 assentamentos na área de abrangência do município, onde residem 853 famílias assentadas. Existem 597 cadastros no Programa Bolsa Família destes, 291 são famílias residentes na área rural e 306 no núcleo urbano, esse dado se torna relevante ao tema da sistematização considerando-se que, os programas de abastecimento alimentar, tem como objetivo contribuir com a diminuição da miséria no país. Ainda no que se refere a dados populacionais, a estratificação da população revela que, na área urbana residem 2.909 pessoas e na área rural 3.134 – destas, 1.678 são homens e 1.456 mulheres, esse dado é importante quando se considera a situação de mão de obra no campo. A juventude, considerada como as pessoas que tem entre 16 e 29 anos, tem sua presença no município, sendo 1.463 jovens hulha-negrenses destes 698 residem em áreas rurais.(IBGE,2010). Essas pessoas residem nas paisagens naturais do Pampa que se caracteriza pelo predomínio dos campos nativos, observa-se a presença de matas ciliares, matas de encosta, formações arbustivas, afloramento de rochas. (MDA/INCRA,2006) A hidrografia municipal conta com o Rio Negro, Arroio dos Vimes, que desagua no Rio Jaguarão e o Arroio do Quebracho, que deságua no Rio Negro. Apresenta barragens construídas em cada um dos PA, além de açudes escavados pelos proprietários em lotes específicos. A vegetação caracteriza-se como campestre, cuja tipologia corresponde à Savana e a Estepe,


apresenta capões de mato esparsos, onde predomina o agroecossistema dos Solos Negros da Campanha. (MDA/INCRA,2006) Quanto à produção e aspectos econômicos, Hulha Negra apresenta: na agricultura, arroz, sorgo, soja e o cultivo de produtos hortifrutigranjeiros em menor escala, na pecuária o gado de corte e atividade leiteira predominam. Com relevância aparece no município a produção de sementes de hortaliças e frutas, como uma das atividades de destaque no cenário regional (MDA/INCRA, 2006) Em Hulha Negra o abastecimento alimentar via mercados institucionais já é fator histórico, surge como um alavancador do desenvolvimento municipal, atuando como uma ferramenta de desenvolvimento rural e sustentabilidade, além da preocupação do poder público em promover a segurança alimentar para os jovens escolares da rede municipal de ensino. A gestão pública municipal que governou no período de 1997/2000 em Hulha Negra, então com 5.300 habitantes, estruturou um programa municipal, centrado na verticalização da cadeia agroindustrial – o Programa “Prove da Hulha”, ao qual se articularam quatro eixos voltados ao desenvolvimento da: fruticultura, pecuária leiteira, ovinocultura e a implantação de pequenas agroindústrias locais. A comercialização da produção desse Programa tinha como destino a alimentação escolar, onde 100% dos itens utilizados para alimentação dos escolares eram adquiridos do Programa municipal. (MALUF,2013). Durante o período que se seguiu a está gestão pública, houve a desarticulação desta forma de trabalho, e os agricultores deixaram de comercializar sua produção para a alimentação escolar, também as agroindústrias fomentadas desativaram suas estruturas, ficando o beneficiamento dos produtos oriundos da agricultura familiar, apenas para consumo doméstico e em alguns eventos locais.

6.4 COPTIL A Cooperativa de Produção e Trabalho, Integração Ltda, constituída em junho de 1989, tem sua formação a partir do assentamento da Conquista da Fronteira, para onde vieram as quarenta famílias que optaram por se organizarem de forma coletiva, inicialmente formando uma agrovila na localidade onde se fixaram. Como primeira ação a construção das moradias, e após a organização da forma de trabalho, que se subdividiu em áreas de interesse dos agricultores, para que a produção do grupo pudesse atingir o patamar necessário de diversificação e assim atingir o mercado. Como primeira forma de comercialização ocorreu a formatação de uma feira para venda direta, que ocorria no município de Bagé, para tal, os agricultores iniciaram a produção de hortifrutigranjeiros e produtos artesanalmente processados. Além dos itens a serem comercializados na Feira, trabalharam com gado de leite e produção de sementes. Após algumas tentativas de continuidade da forma coletiva de trabalho, no ano de 2001, em assembleia geral, decidiu-se pela individualização dos bens, até então geridos de forma coletiva, e o formato de trabalho grupal foi desarticulado. O supermercado da COPTIL ficou sob a gerência da direção e os demais bens foram rateados entre todos os cooperados. Em 2010, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, em reunião de sua organização, coloca a todos os representantes das organizações de famílias assentadas a estratégia de comercialização através dos mercados institucionais. A COPTIL, em parceria com a Cooperativa de Produção e Comercialização Camponesa do Rio Grande do Sul – CPC/RS, participa do primeiro edital de comercialização via PAA, iniciando assim sua trajetória via comercialização institucional.

7 DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA


Está sendo realizado hoje pela COPTIL, com apoio da Emater, a comercialização dos produtos oriundos dos sócios através da política pública PAA a nível regional, atendendo Hulha Negra, Candiota, Bagé e Dom Pedrito. No início de 2013 a EMATER-RS procurou a Prefeitura Municipal e a Coptil para montar um plano de ação que possibilite trabalhar conjuntamente nas políticas públicas PAA e PNAE. De imediato a proposta foi aceita pelos parceiros, algumas reuniões passaram a ser agendadas no escritório da EMATER-RS. Nas referidas reuniões, foi estabelecido emos para o ano de 2013 o seguinte plano de ação: Um trabalho diferenciado com a COPTIL na produção de grãos (arroz, feijão e trigo) e pela necessidade da cooperativa de entregar farinha de trigo para os programas de políticas públicas do Governo Federal, a opção foi pelo trabalho de fomento da cultura de trigo.

7.1 A COPTIL e o abastecimento dos mercados institucionais A COPTIL operacionaliza o PAA, conforme citado no tópico 2.4, desde o ano de 2010, inicialmente em parceria com outra Cooperativa, devido ao fato dos integrantes do quadro diretivo e funcional da entidade local, não possuir a experiência necessária para operacionalizar o fluxo burocrático exigido pelo Programa, além da necessidade de fomentar a produção diversificada e em quantidade suficiente dos itens exigidos pelos editais do Programa. Devido à dificuldade de acondicionamento adequado (veículo com câmara refrigerada) e as especificidades logísticas que a região apresenta, considerando as distâncias a ser percorridas, além do fato da sazonalidade acentuada para a produção de hortifrutigranjeiros (verão muito quente e geadas intensas no inverno), a COPTIL optou em trabalhar com os produtos não perecíveis para os mercados intermunicipais, atuando com: feijão, arroz e farinha, preferencialmente. Como a Entidade ainda não construiu estruturas próprias para o beneficiamento desses itens trabalha com a terceirização de serviços, para efetivar a comercialização dessa produção, desta forma o feijão é beneficiado em Pelotas, o arroz em Bagé e o trigo, transformado em farinha em um moinho colonial no município de São Sepé. A COPTIL, também atua no PNAE dos municípios da Região da Campanha, onde também faz opção pelos produtos não perecíveis. Atualmente busca captar recursos para adquirir veículo apropriado ao transporte dos não perecíveis. Com a intenção de solidificar a comercialização e buscar o aumento da produção organizada de seus cooperados e outros agricultores interessados, em 2013 firmou parceria com a Emater para desenvolver uma série de ações de organização da produção, focando nos itens que já instituiu marca própria nos mercados locais. 7.2 O Plano para manutenção e ampliação das famílias assentadas ao PAA A parceria entre a Coptil, Emater de Hulha Negra e Prefeitura Municipal para capacitar os agricultores do município de Hulha Negra foi estruturado através de um planejamento orientado pelo Programa de ATES, para promover a integração das atividades que envolvem a operacionalização de agenda, que contemple a criação de uma rede de trabalho, voltada para o abastecimento alimentar via mercados institucionais, onde as entidades ligadas ao setor


agropecuário e suas organizações busquem agregar o fomento à produção dos agricultores familiares assentados e sua consequente comercialização, preferencialmente via os Programas Federais PAA e PNAE. Nesse sentido, foi realizada uma reunião que envolveu a Prefeitura Municipal, a Emater e a Coptil, para analisar o cenário, no que se refere a produção local, desta conversa estruturaram-se as ações que compõe o plano de manutenção e ampliação das famílias assentadas ao PAA. Como estratégia para o início do trabalho elencou-se a organização da produção agrícola, preferencialmente para os itens que a cooperativa já comercializa no PAA, surgiu então à ideia de trabalhar num primeiro momento com os produtores de grãos, sócios da cooperativa, devido a época em que ocorreu o encontro, definiu-se como primeira ação a implantação de novas áreas com o cultivo do trigo, utilizando-se os espaços que ficariam ociosos por ocasião da colheita da soja. Na oportunidade, os parceiros abordaram a importância desta ação como incentivo aos agricultores em aderir a transição agroecológica, tendo em vista a possibilidade de manejos de cunho mais sustentáveis. Ficou determinado que as entidades parceiras divulgariam a proposta entre todos os agricultores sócios da cooperativa que estivessem com o plantio de soja em suas áreas, durante os convites houve o interesse de 14 produtores no cultivo do trigo após a colheita da soja, com os quais trabalharemos neste ano de 2013. Foram agendadas reuniões por localidade, onde a proposta de trabalho seria detalhada para os interessados.

8 RESULTADOS Este tópico pretende detalhar a ação realizada pelos parceiros do plano para manutenção e ampliação das famílias assentadas ao Programa de Aquisição de Alimentos PAA, a abordagem será realizada por itens sequenciais para melhor entendimento do leitor, como segue: A) Reunião para planejamento da atividade: Em reunião no Escritório Municipal da Emater de Hulha Negra, os Dirigentes da COPTIL e os técnicos de ATES, resolveram que, como primeira ação a ser implementada como estratégia para a construção de uma parceria entre a Cooperativa e o Escritório da Emater, no sentido de fomentar o desenvolvimento da produção destinada aos mercados institucionais, seria o aumento da área de trigo plantada no município. Definiu-se que os técnicos da Emater e a direção da Cooperativa, fariam a proposta para agricultores sócios da Coptil que, tradicionalmente já estivessem inseridos na cadeia produtiva de grãos, aproveitando o aumento da área plantada de soja e o fato da cultura do trigo ser uma alternativa para rotação de cultura, com benefícios à fertilidade do solo, manejo das plantas e diminuição da incidência de doenças nas culturas, também o período de realização dessa cultura na entressafra da soja, um total de 14 produtores se dispuseram a plantar o trigo após a colheita da soja. Dessa maneira foi estruturado o Plano para manutenção e ampliação das famílias assentadas ao PAA, ações ocorridas entre os meses de fevereiro a junho de 2013. Ver comentário 32 B) Ações práticas: O planejamento das atividades foi estabelecido em forma de cronograma de atividades, sendo que cada órgão ficou encarregado de algumas ações:


Emater: responsável por convidar agricultores já tradicionalmente produtores de grãos, realizar a coleta de material para análise de solo, repasse de orientações sobre a cultura de trigo, organizar momentos de qualificação técnica entre os agentes envolvidos. COPTIL: responsável por convidar agricultores já tradicionalmente produtores de grãos que não são sócios para integrarem-se ao quadro social da mesma, oferecer a semente de trigo aos interessados, oportunizar adubação com preço mais acessível aos agricultores, quando necessário, acompanhar os momentos de qualificação técnica e comercializar toda a produção de trigo oriunda desse trabalho. Agricultores: participar dos momentos de qualificação, realizar a análise de solo, permitir a entrada em suas propriedades para outros interessados no trabalho, durante as qualificações. Prefeitura Municipal: participar nos momentos de qualificação técnica, oportunizar apoios quando necessários ao trabalho. C) Análise de solo: os técnicos do Escritório da Emater de Hulha Negra, coletaram em todas as propriedades, amostras de solo, encaminhadas ao laboratório, sendo todas pagas pelos agricultores, análise dos resultados das amostras e devolução aos agricultores. D) Entrega das sementes: os técnicos da Emater orientaram os Dirigentes da Cooperativa, que buscaram sementes de trigo que apresentassem uma qualidade maior para o processamento do trigo em farinha especial para a fabricação de pães. As sementes de trigo foram adquiridas e entregues no tempo de plantio para os agricultores pela COPTIL. E) Acompanhamento do plantio: os técnicos da Emater, acompanharam os agricultores durante a implantação das lavouras, estando previstos momentos técnicos entre os parceiros e produtores para o acompanhamento da cultura até a comercialização. 9 POTENCIALIDADES Os mercados institucionais apresentam potencialidades para os agricultores e suas representações, tendo em vista a proteção legal, que exige das instituições públicas que adquiram produtos oriundos da agricultura familiar. Para pontuar algumas ações que foram elencadas durante o trabalho cita-se:


a) O fomento a organização dos agricultores frente àas novas opções de mercado, e a oportunidade de sua representação (Cooperativa), em conseguir maiores recursos para implementar as ferramentas necessárias ao desenvolvimento local; b) A melhoria da infraestrutura das propriedades, tendo em vista a oportunidade do acesso à comercialização por parte dos agricultores; c) O interesse de órgãos públicos e privados em fomentar o desenvolvimento dos mercados a partir da organização da produção que está sendo fomentada, junto aos agricultores; d) A provocação por parte dos agricultores em exigir melhorias para a infraestrutura básica que deve ser disponibilizada pelo Estado, citando-se como exemplo a melhoria das estradas para o escoamento da produção; e) O aumento do quadro social da cooperativa devido a comercialização dos produtos através do PAA; f) O fomento por parte da COPTIL, aos produtores, no sentido de incentivos e apoio na produção primária, ex. o fomento que está sendo destinado ao trigo; g) Uma melhor comunicação e trabalho parceiro entre os atores, cita-se o caso da parceria fixada entre a COPTIL e Emater, para o planejamento e execução do Plano de manutenção e ampliação das famílias assentadas ao PAA. 10 LIMITES Como limitações nesta experiência citam-se:

a) Os preços fixados pela Conab, que ficam defasados no tempo de duração do edital, o que acaba por desestimular os agricultores a comercializar por este Programa;

b) A burocracia do processo, está entre os itens citados pelos cooperados e pela Entidade operadora dos Programas;

c) A dificuldade, ainda existente por parte da Cooperativa nas questões de logística; d) A organização da produção e a forma como são entregues os alimentos, que sofrem com a armazenagem da propriedade até a distribuição ao consumidor final.

e) A infraestrutura das propriedades, referindo nesse quesito, questões pertinentes a: irrigação, manejo do solo, armazenagem, entre outros;

f) Dificuldades na infraestrutura local, no sentido de estradas e demais apoios públicos. g) O clima da região que reforça as questões de sazonalidade da produção, apresentando condições extremas entre o calor e frio nas estações do ano;

h) A dificuldade de interação entre os agentes locais de desenvolvimento, que executam ações paralelas, muitas vezes voltadas ao mesmo tema. 11 LIÇÕES APRENDIDAS Durante a execução das atividades pertinentes a esta sistematização de experiências, a equipe de trabalho envolvida observa que: a) Os mercados institucionais estão trazendo desenvolvimento para a Região da Campanha, embora ainda esteja em fase inicial de implementação; b) Existem limitações ao processo, mas, o cenário legal beneficia os agricultores familiares ao oferecer um mercado garantido para sua produção; c) As potencialidades elencadas estão em curso de planejamento pelas instituições envolvidas com o trabalho de desenvolvimento dos mercados institucionais na Região; d) Sobre o texto, a equipe envolvida, debateu sobre o tema, conseguiu visualizar o andamento das políticas públicas no município, bem como o envolvimento dos atores locais nesse processo; e) O fomento da atividade de trigo, detalhada durante o desenvolvimento da sistematização é um primeiro passo para o alinhamento de ações entre os agentes de ATES, os beneficiários e suas representações.


12 AUTORES E COLABORADORES Autores: Alex Sandro Dutra de Oliveira: Engenheiro Agrônomo – Chefe do EscritórioMunicipal da Emater Hulha Negra E-mail: aoliveira@emater.tche.brfone: (53) 9945 4212 Cármen Elisete Caceres Leite: Contadora -Extensionista BES - Técnica em agroindústria E-mail. carmen.elisete@gmail.com fone: (53) 9978 6951 Tomas Machado: Técnico Agrícola – Extensionista do Escritório Municipal da Emater de Hulha Negra E-mail: tomas-cp@hotmail.com fone: (53) 9967 0715 Colaboradores: Alexandre Primo Alves: Veterinário do Escritório Municipal de Hulha Negra Email: alexandreprimoalves@hotmail.com Fone: (53) 9953 1321 Carlos Alberto Riemer Manske: Secretário Mun. de Des. Rural de Hulha Negra E-mail: carlosmanzke@gmail.com (53) 9945 7013 Emerson Capelesso: Técnico em Agropecuária – Dirigente da COPTIL E-mail: ecapelesso@yahoo.com.br fone: (53) 9921 9623 Guilherme de Pietro Zorzi: Eng. Agrônomo – Esc. Mun. da Emater Hulha Negra E-mail: gzorzi@emater.tche.brfone: (53) 9973 7006 Jocasta Vandes Pedrozo: Extensionista de Bem Estar Social – Escritório Municipal da Emater de Hulha Negra E-mail: jocastavp@hotmail.com Fone: (53) 9942 0235


13 REFERENCIAS AÇÃO E CIDADANIA, Portal da Organização Não Governamental Ação e Cidania. Informa sobre os princípios da instituições e seus objetivos. Acessado em 19 de agosto de 2013 no site: http://www.acaodacidadania.com.br/ BRASIL, Cartilha Losan. Informa os conceitos e comenta tópicos sobre a Lei de segurança Alimentar e Nutricional, Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Acesso em 19 de agosto de 2013 no site: http://www2.planalto.gov.br/consea/biblioteca/publicacoes/cartilha-losan-portugues BRASIL. Lei 11.346 de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Acessada em 20 de agosto de 2013 no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm BRASIL, Lei no 10.696, DE 2 DE JULHO DE 2003.Dispõe sobre a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural, e dá outras providências. Acesso em 28 de junho de 2013 no site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.696.htm BRASIL, Lei no- 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica; altera as Leis nos 10.880, de 9 de junho de 2004,11.273, de 6 de fevereiro de 2006, 11.507,de 20 de julho de 2007; revoga dispositivosda Medida Provisória no 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, e a Lei no 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá outras providências. Acessado no site: http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar/alimentacao-escolar-apresentacao em outubro de 2013. BRASIL, Resolução/cd/fnde nº 38, de 16 de julho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. Acessado no site: http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacaoescolar/alimentacao-escolar-apresentacao em outubro de 2013. BRASIL, Programa Fome Zero. Estratégia impulsionada pelo governo federal para assegurar o direito humano à alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Acesso em 28 de junho de 2013 no site: http://www.fomezero.gov.br/o-que-e BRASIL, Portal do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Página da Secretaria da Agricultura familiar, sobre o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA. Acessado no site: http://www.mda.gov.br/portal/saf/programas/paa em outubro de 2013. BRASIL, Portal do Ministério do Desenvolvimento Social. Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, modalidade doação simultânea. Acessado no site: http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar em outubro de 2013. CAPELESSO, Emerson. Relatório CONAB/PAA. Relatório referente as ações desenvolvidas pela COPTIL. Aspectos históricos. Hulha Negra: COPTIL, 2012. EMATER. Rio Grande do Sul/Ascar. Relatório de atividades 2012. Porto Alegre. 2013 IBGE. Cidades. Hulha Negra. Histórico. IBGE. Disponível <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?codmun=430965> Acesso em: 28 de junho 2013.

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LEITE, Cármen Elisete Caceres. Análise da importância do PAA e PNAE como impulsionadores do desenvolvimento local – o caso da COPTIL em Hulha Negra/RS. Porto Alegre: UFRGS, 2013. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA/INCRA. Superintendência Regional do Rio Grande do Sul SR-11. Relatório ambiental do projeto de assentamentos das Palmeiras, Hulha Negra/RS. Porto Alegre: dez 2006 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA/INCRA. Superintendência Regional do Rio Grande do Sul SR-11. Relatório ambiental do projeto de assentamentos das Palmeiras, Hulha Negra/RS. Porto Alegre: dez 2006 MALUF. Renato S. - POLIS. Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais. Ações públicas locais de abastecimento alimentar. Acessado no site: www.polis.org.br/uploads/845/845.pdf em outubro de 2013 PLANO DE RECUPERAÇÃO DO PROJETO DE ASSENTAMENTO DO ESTADO (PE) CONQUISTA DA FRONTEIRA (PRA). Documento diagnóstico realizado pela Emater da Hulha Negra. 2010 RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 13.921 de 17 de janeiro de 2012. Institui a Política Estadual de Agroindústria no Rio Grande do Sul. Acessado em 29 de junho de 2013, no site:http://www.emater.tche.br/site/br/arquivos/area/agroindustria/Lei%2013.921.pdf RIO GRANDE DO SUL. Fundação de Economia e Estatística. Dados oficiais sobre o Corede Campanha. Acessado no site: http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/resumo/pg_coredes_detalhe.php?corede=Campanha em outubro de 2013. SOUZA, Gabriela Coelho de Souza. Transformações no espaço rural. Coordenado pela Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. – Porto Alegre: editora da UFRGS,2011. WAGNER, Saionara Araújo.GIASSON, Elvio. MIGUEL, Lovois de Andrade. MACHADO, João Armando Dessimon. Gestão e Planejamento de unidades de produção agrícola. Coordenado pela Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. – Porto Alegre: editora da UFRGS,2010. http://www.polis.org.br/uploads/845/845.pdf


Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos – LTDA CNPJ: 01.440.209/0001-39 Dr. Loureço Zacaro 1087. CEP 92480-000 Nova Santa Rita RS. Tel/Fax: 32219348 E-mail: coptec@coptec.org.br

COPTEC - NÚCLEO OPERACIONAL TUPANCIRETÃ

ORGANIZAÇÃO DAS FAMILIAS ASSENTADAS PARA EFETIVAR A POLÍTICA PÚBLICA DO PNAE COMO ESTRTÉGIA PARA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA

TUPANCIRETÃ-2013

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Organização das famílias assentadas em Tupanciretã para efetivar a política pública do PNAE como estratégia para a transição agroecológica.

Núcleo operacional de Tupanciretã Claudir Capelesso – Engenheiro Agrônomo Rodrigo Cidade – Médico Veterinário Juliana de Almeida Costa - Farmacêutica Roberto Carlo Lima da Silva – Técnico em Agropecuária João Venancio –Técnico em Agroecologia Geneci Fátima da Silva Ramos – Magistério Gracieli Tomazelli – Secretaria Fernanda Potter – Técnico em Agropecúaria

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Resumo: Durante o ano de 2010, as famílias assentadas da Reforma Agrária em Tupanciretã, através do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra passaram a se organizar a fim de que o gestor municipal implantasse a compra de no mínimo trinta por cento da alimentação escolar das instituições municipais provenientes da agricultura familiar, prevista na Lei 11.947/2009. A resistência politica e a falta de conhecimento administrativo por parte do órgão executor foram apontadas pelas famílias assentadas como os principais motivos da não operacionalização do programa no município, desencadeando uma estratégia inovadora para expor essas fragilidades e superar tais desafios. O coletivo organizado entorno do PNAE valeu-se de reuniões para dialogar com as escolas Estaduais do Município; reuniões para degustação dos produtos junto às autoridades envolvidas; bem como a problemática entorno do PNAE foi incorporada nas prioridades do trabalho técnico da extensão rural oficial feita pela COPTEC. Este processo de mobilização e organização das famílias resultou no aumento da diversificação na produção e na busca da produção agroecológica por algumas famílias em Tupanciretã, município com a maior produção de soja do Rio Grande do Sul.

Palavras-Chave: Reforma Agrária; PNAE; organização; comercialização; produção agroecológica. Abstract: During the year 2010, the families settled in Tupanciretã Agrarian Reform,

through the Movement of Landless Rural Workers started to organize themselves in order that the city manager implanted buying at least thirty percent of school feeding municipal institutions from family farm, established by Law 11,947. The political resistance and lack of administrative knowledge by the executing agency were cited by families settled as the main reasons for non-operation program in the city, triggering an innovative strategy to expose those weaknesses and overcome such challenges. The surroundings of the Program organized group drew on meetings to dialogue with the state schools of the municipality; meetings for tasting product with the authorities involved, as well as the problem of the Program was built around the

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priorities of the technical work done by the extension officer COPTEC. This process of mobilization and organization of families resulted in increased diversification in production and pursuit of agroecological production by some families Tupanciretã, the municipality with the highest production of soybeans in Rio Grande do Sul Keywords: Agrarian Reform; PNAE, organization, marketing, agro-ecological production.

Introdução

Desde o início da organização dos camponeses no Brasil, uma das pautas de reivindicação dos movimentos sociais do campo é a garantia de compra dos produtos oriundos da agricultura camponesa pelo estado, porém esta conquista chega somente a partir de 2003 com a implantação do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) da Conab dentro do Programa Fome Zero e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em 2009. O início desta experiência em Tupanciretã se deu em 2009, a partir da aprovação da Lei 11.947/2009, que rege o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), com a apropriação desta lei pela equipe de ATES da COPTEC de Tupanciretã, este tema passou a ser incorporado como um dos temas centrais para as atividades coletivas e visitas desenvolvidas pela equipe. Após aproximadamente após um ano de discussões e reuniões com agricultores, a cooperativa local de produção e o poder público local, consegue-se a partir da organização das famílias, o lançamento de uma chamada pública específica para compra dos produtos oriundos da Reforma Agrária para as Escolas Municipais de Tupanciretã, para os três últimos meses do ano letivo de 2010. O presente texto propõe-se a discutir as estratégias usadas pelos diferentes atores neste contexto, construir e refletir de forma coletiva sobre quais foram os principais entraves e os principais avanços conquistados, além de apontar as perspectivas futuras que o grupo almeja.

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Com a proposição de sistematização de uma experiência por núcleo de ATES que partiu do INCRA, a COPTEC de Tupanciretã colocou em discussão as possibilidades de experiências a serem sistematizadas e as lideranças locais, em reunião, em conjunto com a ATES, decidiram por ser a experiência do PNAE a ser sistematizada, também por ser uma experiência em andamento e por estar trazendo de volta para a região a possibilidade de discutir a agroecologia. Para a construção deste produto, realizamos entrevistas individuais com representantes das famílias envolvidas e em seguida realizamos uma reunião com todo o grupo de famílias que produzem os produtos entregues no Programa Nacional de Alimentação Escolar e representantes da Coperterra e da COPTEC, onde foi reconstruída a história do grupo a partir de uma “chuva de idéias” para a construção da linha do tempo. Paralelo a isso, foi recolhido todo o material de imagens fotográficas e documentos existentes sobre o programa no município e iniciada a organização destes documentos. Porém, em uma avaliação interna, a COPTEC apontou para o grupo a dificuldade do mesmo se apropriar do produto da sistematização se este fosse apenas um texto escrito., Por isso, decidiu-se por, além do texto, construir também um vídeo, constando as entrevistas, as reuniões e os processos de trabalho e organização instaurados para fazer com que os produtos da Reforma Agrária estejam a disposição das crianças e dos trabalhadores e trabalhadoras da cidade através dos programas institucionais de comercialização.

Contexto - O tema da Segurança Alimentar e Nutricional

O debate sobre a importância da produção diversificada e de resistência à monocultura e ao agronegócio estiveram no eixo central das discussões com os 5


movimentos do campo e da cidade sobre soberania alimentar e erradicação da miséria e da fome. Foram os debates entre os movimentos sociais organizados em torno da alimentação no Brasil, através da Ação da Cidadania e do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), que permitiram, no ano de 1994, a realização da I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, onde reuniram-se cerca de 1.800 delegados de todo o país, com forte predominância da sociedade civil organizada. O relatório final apontou uma preocupação da população brasileira com a concentração de renda e de terras como um dos principais determinantes da fome e miséria no país. A partir deste debate é construído o conceito brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), que foi utilizado no documento levado para a Cúpula Mundial da Alimentação, onde dizia: “Segurança Alimentar e Nutricional consiste em garantir a todos condições de acesso a alimentos básicos seguros e de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo assim para uma existência digna em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana.”

A I Conferência Nacional de Segurança Alimentar apontou 4 diretrizes, sendo elas: I. Garantia do direito à alimentação adequada para todos os habitantes

como um direito humano básico; II. Ampliar as condições de acesso à alimentação e reduzir o seu peso no orçamento familiar; III. Assegurar saúde, nutrição e alimentação a grupos populacionais determinados; IV. Assegurar a qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos

alimentos

e

seu

aproveitamento,

estimulando

práticas

alimentares e estilos de vida saudáveis. Ainda em 1996, a Via Campesina define como soberania alimentar: “..o direito de cada nação manter o desenvolvimento de sua própria capacidade para produzir os 6


alimentos básicos dos povos, respeitando a diversidade produtiva e cultural”, o que demonstra uma grande preocupação dos movimentos sociais do campo com o avanço do agronegócio e com a imposição das monoculturas e do monopólio das sementes nas diferentes regiões do mundo, e é neste contexto que a Via Campesina lança em 2004 a campanha: “Sementes Patrimônio da Humanidade.” O avanço do Neo-Liberalismo no Brasil neste período provoca uma situação muito grave de vulnerabilidade social no campo brasileiro, seja pelo desemprego provocado pela mecanização da agricultura, seja pelo empobrecimento das famílias camponesas, que intensificou a perda da cultura de produzir alimentos e uma dependência cada vez maior de insumos externos para manter a produção. Em setembro de 2001, ocorreu em Havana o Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar, cujo a declaração final afirma: “Entendemos por soberania alimentar o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação para toda a população, com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses, pesqueiros e indígenas de produção agropecuária, de comercialização e de gestão dos espaços rurais, nos quais a mulher desempenha um espaço fundamental”.

Este debate é colocado como um dos eixos principais do Fórum Social Mundial realizado 2001 e permanece até hoje como um tema gerador de debates e ações dos movimentos sociais organizados no mundo todo.

- Os Programas Públicos de Compra de Alimentos

É a partir desta organização e destas discussões que se consolida o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no

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ano de 2003 por meio do Programa Fome Zero, segundo a Lei nº 10.696 e regulamentado pelo Decreto 4.772, ambos de dois de julho de 2003. “A Lei que instuiu o PAA, desburocratizou o processo de aquisição dos produtos da agricultura familiar para o atendimento aos programas públicos, dispensando, neste

caso

específico,

as

regras

de

licitação

requeridas pela Lei 8.666/93, criando, portanto, um marco jurídico capaz de possibilitar uma presença mais efetiva do Estado no apoio aos processos de comercialização desenvolvidos por esta categoria específica de produtores.” (Conab, 2003)

Esta foi uma das respostas construídas pelo Governo Federal à uma das pautas históricas de reivindicação dos Movimentos Sociais do campo e da cidade. A outra conquista neste mesmo tema, só foi alcançada no ano de 2009, com a aprovação da Lei 11.947, que dispõe sobre a alimentação escolar e a obrigatoriedade da compra de no mínimo 30% dos alimentos oriundos da agricultura familiar como critério para acesso dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) pelos municípios e pelas Escolas Estaduais. Foi a partir do desenvolvimento destes Programas junto às famílias assentadas da Reforma Agrária de Tupanciretã que se tornou possível retomar e fortalecer o debate da produção agroecológica e diversificada de alimentos dentro dos assentamentos da região e este foi o principal motivo da escolha desta experiência para ser sistematizada pela equipe de Ates da COPTEC deste núcleo operacional.

- O município e os assentamentos

Tupanciretã é um município localizado na região centro do RS, com cerca de 22.800 habitantes (IBGE, 2010),. tTem uma grande extensão territorial, porém com baixa densidade demográfica no campo. A agricultura familiar no município é basicamente composta pelas famílias assentadas da Reforma Agrária, distribuídas em 17 assentamentos, somando 652 famílias. Embora estas famílias ocupem apenas 5%


da área rural do município de Tupanciretã, elas representam 80% da população rural. A economia do município é eminentemente advinda do comércio e da produção primária, centrada na produção de soja para exportação o que influencia diretamente na matriz produtiva, inclusive das famílias assentadas. Embora um grande número de famílias se envolva também com a produção de leite e tenha ocorrido um grande desenvolvimento dessa atividade nos últimos 10 anos, a soja segue sendo a principal matriz produtiva dentro e fora dos assentamentos fazendo com que seja o maior produtor de soja do estado. Dos dezessete assentamentos existentes na região, o primeiro deles foi o Assentamento Nossa Senhora Aparecida, há 30 anos atrás e que tem famílias oriundas do acampamento de Herval Seco. A história deste assentamento é um marco na história do MST no Rio Grande do Sul, ainda no período da ditadura civilmilitar no Brasil. Após alguns anos, outros assentamentos foram conquistados no município, como o Nova Tupã, em 1990, e a partir de então, no final da mesma década o Assentamento Nossa Senhora de Fátima, o assentamento Santa Rosa, com 129 famílias oriundas de diferentes municípios do estado, sendo o maior assentamento e um dos mais próximos da sede do município, e ainda Invernada das Vacas, Mãe de Deus, Nova América, São Francisco, São Domingos, sendo estes últimos organizados pelo movimento dos municipários. A partir do ano de 2000, com a Frente Popular , governando o Estado do Rio Grande do Sul, intensificou-se a luta pela terra. No município foram implemeantados os assentamentos Nossa Senhora da Conceição, Nova Aliança, Conquista da Esperança, Banrisul II, Estrela que Brilha e Várzea, estes do sob organização do MST; e os reassentamentos Por do Sol e Cachoeira (Tupã II) organizados pelo MAB. No final de 2001 iniciou no município, via INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o projeto piloto de assistência técnica através da COPTEC (Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda) que contava com um agrônomo, um veterinário, um técnico agrícola e uma assistente social. A equipe de ATES (Assessoria Técnica, Social e Ambiental) da COPTEC, junto com 9


a COPERTERRA (Cooperativa Regional da Reforma Agrária Mãe Terra LTDA) e com a regional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), tem buscado desenvolver as políticas institucionais de comercialização, visualizando-as como a possibilidade de produção de alimentos de forma agroecologica e diversificada dentro dos assentamentos da região.

Relato da Experiência

- A escolha da experiência

Durante o levantamento de dados realizado em 2009 pela COPTEC para na elaboração do Plano de Recuperação dos Assentamentos (PRA), uma das potencialidades apontadas foi uma significativa produção de excedente de produtos hortifrutigranjeiros, que indicou a necessidade de buscar formas comercialização. Desde o início da organização das famílias Sem Terras e Camponesas, tanto nacional quanto internacional, uma das principais pautas de reivindicação sempre foi a garantia de comércio justo para seus produtos. Em paralelo a isto, em 2009 passou a vigorar a Lei de Nº 11.947 que: “Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica”. No Artigo 14 desta lei está previsto: “Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. (BRASIL/FNDE, 2009, Art. 14)”.

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- A trajetória da experiência de venda para o PNAE e o PAA Neste contexto, as visitas técnicas da equipe da COPTEC realizadas no segundo semestre de 2009 foram norteadas para conversar sobre o PNAE e sobre as formas de organização das famílias para efetivar o programa. Também foram realizadas atividades coletivas (palestras, oficinas e reuniões) pela COPTEC. Com o andamento do debate algumas famílias sentiram a possibilidade de viabilizar a comercialização da produção amparada pelas diretrizes da lei. Inicialmente 9 (nove) famílias e um grupo de mulheres começaram a pautar a cooperativa regional a necessidade diversificar a atuação para além do recolhimento, comercialização in natura e beneficiamento de parte do leite produzido nos assentamentos. Compreendendo esta política como uma grande oportunidade para incentivar técnicas de produção com base agroecológica e diversificada, gerando soberania alimentar e renda, a equipe de ATES procurou assessorar e mobilizar as famílias para pressionarem o poder público local a fim de implementar esta política, tendo em vista a recente aprovação da lei e a falta de maiores informações sobre ela para todos os atores envolvidos, ao poder público também faltava um maior conhecimento sobre o assunto. Este papel desempenhado pela ATES fica claro na fala de Antônio Carlos Lima da Silva, dirigente da Coperterra e de Miguel Dionir Volf, dirigente do MST: “No embate com a Prefeitura a COPTEC teve um papel essencial de ir atrás da lei, levou essa lei até o poder público...” (Antônio Carlos Lima da Silva)

“Se não fosse a assistência técnica não teria nem conhecimento disso” (Miguel Dionir Volf)

Algumas famílias demonstram interesse imediato e outras se mostram bastantes 11


receosas, pelo fato de não conhecerem programa. Dentro da equipe técnica de ATES este processo não foi diferente, o convencimento de todos os membros da equipe se deu com a evolução do debate e efetivação do programa. Um grupo de cerca de quinze famílias iniciou a discussão por meio de uma série de reuniões dentro da Coperterra e audiências com o poder público local a fim de construir alternativas para a operacionalização do programa ao longo do ano de 2010 com a assessoria da equipe de ATES. Para a cooperativa esta política também passa a ser compreendida como estratégica no escoamento da produção de leite pasteurizado e seus derivados provenientes da usina-escola UNI-COPERTERRA/UFSM, a um preço justo sem a concorrência das grandes empresas. Apesar de todas as reuniões e espaços formais e informais construídos ao longo do ano de 2010, o processo se materializou somente no final do mês de julho, quando foi organizada uma atividade de apresentação dos produtos da Reforma Agrária para degustação, em um café da manhã no escritório da COPTEC a fim de sensibilizar o poder público local para a qualidade dos produtos provenientes dos assentamentos e a partir de então absorção destes pelo PNAE junto à Prefeitura Municipal. Nesta atividade as famílias interessadas estavam presentes e trouxeram seus produtos para apresentar ao “Prefeito”. O Prefeito chegou sozinho ao local, porém ao ver que as famílias interessadas estavam presentes, cerca de trinta pessoas incluindo o corpo técnico e direção da cooperativa, ele chamou todo o seu secretariado para degustar os produtos expostos à farta mesa. Foi neste dia que a prefeitura se manifestou publicamente acenando para a compra dos produtos oriundos da Reforma Agrária, embora a resistência de alguns secretários(as) tenha ficado exposta durante o evento. A degustação dos produtos culminou em uma grande conquista coletiva que foi a chamada pública para os três últimos meses do ano letivo (Outubro, Novembro e Dezembro). Como citam algumas pessoas envolvidas no processo: “Teve grande resistência no começo ali, na questão da nutricionista, da Secretária da Educação, na questão do Prefeito, até que chegou ao cúmulo de a COPTEC, daí junto com os companheiros da Cooperativa, mais para frente, de fazer um grande

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café colonial e convidar todos esses atores para mostrar a produção dos assentamentos e como nós tinha condições de manter as escolas com produtos oriundos dos assentamentos.” (Antônio Carlos Lima da Silva)

“Só aconteceu porque a gente insistiu, junto com a Coptec, tivemos umas reunião grande depois (...) ,se a gente não tem ido atrás insistido mostrado que tinha os produtos, isso talvez não tinha sido dos assentamentos que tinha acontecido a venda pro município” (Antônio Conceição- Presidente da Coperterra de 2009-2010)

“Foi mais através da organização das famílias que começaram a se organizar em busca de um direito por que tinha um programa e daí foi pressionado o poder público para que eles conseguissem comprar essa porcentagem mínima dos assentados”. (Miguel Dionir Volf – dirigente do MST e assentado no assentamento Santa Rosa)

Figura 01: Degustação dos Produtos da Reforma Agrária em Café da Manhã ofertado pela COPTEC, Coperterra e famílias interessadas no PNAE ao Poder Público Municipal em julho de 2010.

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Figura 02: Degustação dos Produtos da Reforma Agrária em Café da Manhã ofertado pela COPTEC, Coperterra e famílias interessadas no PNAE ao Poder Público Municipal em julho de 2010.

Devido o sucesso desta atividade, repetiu-se a mesma metodologia para as escolas estaduais, convidando as direções das 6 escolas estaduais de Tupanciretã. Tendo em vista a qualidade e a boa apresentação dos produtos, também foi conseguido construir as chamadas públicas ainda para o ano de 2010.

Figura 03: Degustação dos Produtos da Reforma Agrária em Café da Manhã ofertado pela COPTEC, Coperterra e famílias interessadas no PNAE ao Poder Público Municipal em julho de 2010

Ficou claro que existia uma falha de comunicação dentro dos poderes públicos 14


municipal, estadual e nacional sobre o PNAE apesar das informações se encontrarem disponíveis nos sites do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e do MEC (Ministério da Educação e Cultura) e uma grande desconfiança por parte dos gestores sobre a qualidade dos produtos da Reforma Agrária. Por outro lado o medo das famílias era de não conseguir cumprir com os contratos por dificuldades na produção. “Os produtos não eram conhecidos né, a gente sofria até preconceito, aqui em tupã não acreditavam que não éramos capaz , que assentado vinham mais para incomodar que queria só baderna e a gente mostra que é capaz.” (Cloreci Lúcia Balim)

O grupo de mulheres do assentamento Conceição, interessado em produzir e comercializar panificados, já vinha de um processo de cerca de 6 meses de debates e organização com o suporte da equipe de ATES para iniciar a atividade. Haviam realizado festas e outras formas de levantar fundos para estruturar uma pequena padaria. Com a possibilidade? da compra por parte da Prefeitura e das Escolas Estaduais, a COPTEC iniciou uma corrida contra o tempo para auxiliar na legalização sanitária do espaço de produção (padaria) que foi adaptado através de uma reforma de uma casa da sede da comunidade que já vinha sendo usada pelo grupo de mulheres para realizar as oficinas junto com a equipe técnica. Neste primeiro momento a COPTEC coletou e enviou uma amostra de água do poço artesiano do assentamento para análise e apresentando resultado positivo para contaminação, foi realizada a limpeza e desinfecção do poço e da caixa d’água, uma ação que beneficiou não só as mulheres da padaria, mas todas as famílias do assentamento. Além disso, foi colocado tela nas janelas e portas, reforma do telhado, pintura e adaptação de uma sala. Após a conclusão da reforma as mulheres fizeram um empréstimo pessoal em um banco e compraram os equipamentos, todos de uso doméstico e alguns já usados, para iniciar os trabalhos. Após estas modificações foi agendada pela equipe técnica uma visita do fiscal sanitário à “padaria” e foi conquistado o aval sanitário e a padaria começou a 15


funcionar com equipamentos domésticos, garantindo durante dois anos os produtos panificados para o PNAE de Tupanciretã desta forma, produção quase manual, foi somente em 2012 que o grupo acessou o recurso do Crédito Apoio Mulher e conseguiu comprar os equipamentos com maior capacidade de produção. A figura abaixo mostra a transformação do espaço que era ocupado para fazer artesanato em padaria ao longo dos anos.

Figura 04: Passo a passo da transformação do espaço ocupado pelas mulheres na padaria da forma que se encontra hoje. Na primeira imagem mostra o espaço antes da reforma e na segunda as primeiras reuniões com o grupo, o terceiro já a padaria funcionando sem os equipamentos e na quarta, após o grupo acessar o Crédito Apoio Mulher, com os novos equipamentos e a sala reformada.

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Figura 05: Reportagem sobre a Padaria “Novos Horizontes” no jornal do INCRA sobre a visita que o grupo recebeu de outro Grupo de Mulheres de Salto do Jacuí.

Da mesma forma as famílias que tinham interesse em comercializar os produtos in natura colocaram à disposição do programa os produtos excedentes do autoconsumo nas primeiras entregas. “No começo, começamo entregando só o que a gente já produzia, o que sobrava...” (Jairo Tomazelli – Assentado no Assentamento Santa Rosa)

Os produtos ofertados foram norteadores na primeira chamada pública, que listou o que era disponibilizado pelas famílias em uma negociação com a nutricionista do município para a adequação do cardápio da merenda escolar. As primeiras entregas foram de: mandioca, tempero verde, alface, laranja, bergamota, cenoura, alho, cebola, panifíceos e lácteos.

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Figura 06: As primeiras entregas organizadas ainda pela COPTEC.

Figura 07: As primeiras entregas organizadas ainda pela COPTEC.

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Figura 08: As primeiras entregas organizadas ainda pela COPTEC.

Figura 09: As primeiras entregas ainda organizadas pela COPTEC.

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Figura 10: As primeiras entregas organizadas ainda pela COPTEC.

Figura 11: As primeiras entregas organizadas ainda pela COPTEC.

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Figura 12: As primeiras entregas organizadas ainda pela COPTEC.

Figura 13: As primeiras entregas organizadas ainda pela COPTEC.

Nos anos seguintes, 2011 e 2012, a quantidade de produtos adquiridos das famílias assentadas para a alimentação escolar do município superou os 50% e nas escolas estaduais foi garantido ao menos o mínimo de 30%. Além disso, foi nestes dois anos que

se

abriram

novas

possibilidades

de

comercialização

nos

mercados

institucionais. Os produtos industrializados da Uni/Coperterra- UFSM foram de


extrema importância como carro-chefe para abertura de novos mercados, seja dentro do PNAE em outros municípios, seja dentro do PAA. No ano de 2013, embora tenham aparecido alguns entraves pela troca de gestão da Prefeitura de Tupanciretã, foram superados através de reuniões e conversas com o novo gestor e garantida a execução do Programa. Apesar de ter reduzido os valores de compra por parte do município, os três anos de execução

do

programa

permitiu

que

no

lugar

de

hortas

domésticas e

comercialização de um excedente, existam hoje hortas comerciais e busca de créditos e recursos para fortalecer esta produção. Este fator desafiou a equipe técnica e a Coperterra a buscar novos mercados para os produtos, foi a partir daí que se iniciaram os debates sobre a organização de novos PAAs, com o Restaurante Universitário da UFSM, com o Banco de Alimentos de Cruz Alta e com as Associações Comunitárias de Tupanciretã, todos estes projetos estão em fase de finalização para iniciar as entregas. As famílias investiram na ampliação das hortas e da produção com o incentivo técnico da Coptec e através do acesso à alguns recursos via Coperterra. O processo que está sendo construído em Tupanciretã em torno dos programas institucionais de comercialização (PNAE e PAA) permiti que as famílias em torno do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Coperterra e da COPTEC sejam também

protagonistas

desta

história,

compreendendo

estas


políticas, a cooperativa de produção e a de assistência técnica como fruto da luta pela terra dentro do território brasileiro. “Pra mim ele é um processo que ta começando, um processo novo, tem 2, 3 anos só, eu estamos trabalhando com produtos na linha do PNAE, é um processo em construção e não é fácil competir com o agronegócio, com a monocultura do soja, a monocultura do leite eu ta se tornando né, achar outra alternativa de produção, de comercialização, de sobrevivência da família para agregar recurso na propriedade. Eu acho que nós temo um vasto caminho a seguir para a frente, nós temo andando, dando passos lentos e passos firmes e o futuro nos falará que nós temo certo, e temo certo memo de atrvés dessa estimulação do produtor de nossos filho ficarem no campo, senão daqui há uns 10, 15 anos vão ficar só os velho lá, tudo aposentado.” (Antônio Carlos Lima da Silva)

Resultados - Ampliação e consolidação de novas alternativas produtivas

Todo este processo gerou a consolidação do grupo de famílias produtoras para o PNAE, com representantes dentro do Conselho Administrativo da COPERTERRA, constituindo uma nova via de comercialização e uma nova linha de produção, já que além dos produtos provenientes do laticínio também estão sendo comercializados produtos in natura e os panificados. A comercialização institucional via cooperativa impulsionou a criação e a manutenção da padaria e vem garantindo o seu funcionamento até o momento. O grupo de famílias que produz para o PNAE e para o PAA se reúne mensalmente para a organização das entregas e para pensar alternativas de comercialização. Conseqüentemente gerou um processo de consolidação do programa e mesmo com 23


a troca da administração do poder público municipal foi conseguido manter o programa e garantir as compras, porém, houve um retrocesso por divergências de caráter político, mas mesmo assim foi garantida a compra por conta das diretrizes da lei. Além disso, foi somente a partir desta primeira experiência que se tornou possível ampliar a produção pelas famílias e o número de famílias envolvidas (iniciou com 9 e hoje o grupo é formado por 30 famílias). Isso possibilitou a cooperativa iniciar a elaboração e execução de projetos do Programa de Aquisição de Alimentos da CONAB. “A importância da merenda escolar para a cooperativa foi pra cooperativa diversificar e não ficar simplesmente ficar na compra e venda do leite.” (Antônio Conceição)

A ampliação das áreas produzidas e do número de famílias vinculadas a outras formas de produção para além da soja e do leite cresceu significativamente, qualificando a produção para autoconsumo e a geração de excedentes para além dos programas de compra institucional (como venda direta ao consumidor e feiras livres). Essa ampliação na produção demandou um maior acompanhamento dos produtores por parte da equipe de ATES, que vem incentivando a produção com baixo custo, utilizando recursos encontrados no lote.

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Figura 13: Família trabalhando na ampliação da horta no Assentamento Santa Rosa.

Figura 14: Hortas comerciais no Assentamento Santa Rosa.

- O debate sobre a matriz tecnológica

A execução destes programas possibilitou a retomada do debate em torno da agroecologia, causando um impacto direto na vida das famílias, que de certa forma terão que se apropriar de técnicas produtivas que respeitam o manejo agroecológico, o que tem demandado a busca por maiores conhecimentos nesta área também pela equipe técnica. 25


Todos estes fatores também começaram a gerar o interesse em certificar os produtos como orgânicos para maior agregação de valor e renda, lembrando que o PNAE e o PAA prevêem o pagamento de um valor 30% maior do que o convencional por produtos orgânicos. O não uso de agrotóxicos nas hortas e pomares também ajuda pensar e problematizar sobre os riscos ambientais e a saúde sobre o uso intensivo destes na região, que acaba impedindo ou dificultando a implantação de pomares comerciais ou mesmo de culturas de caráter orgânico ou agroecológico e que nas épocas de pulverização o veneno se propaga no meio rural para próximos das moradias afetando a família diretamente. Tendo em vista a qualidade de vida e a busca da soberania, além de disponibilizar produtos

com maior qualidade,

lembrando

que

o

público

prioritário

são

principalmente crianças, para o caso da merenda escolar, embora as famílias encontrem uma grande dificuldade ainda com os manejos naturais, vêm tentando afirmar-se como produtores de alimentos livres de venenos, como mostram as falas de Miguel Dionir Volf: “As duas coisas mais importantes do programa são: a renda das famílias e a saúde das crianças sabendo que elas estão comendo produtos sem venenos.”

“Idéia de produzir de forma orgânica a gente tinha, mas não tinha como vender... a gente plantava para o consumo.”

Dentro de uma propriedade rural a diversificação proporcionada pelas possibilidades de comercialização institucional além de servir para ampliar a renda das famílias, ainda possibilita a absorção da mão-de-obra da juventude e das mulheres, que dentro da monocultura são excluídos do processo produtivo, propiciando a valorização da auto-estima das famílias camponesas e a permanência destas no campo. A fala de Lucia Balim demonstra um pouco disso, da valorização da mulher dentro do processo produtivo após a inserção no programa, quando cita a mudança nas relações familiares durante entrevista: 26


“Dentro da família a gente conseguiu ter mais dialogo a gente se distribuiu mais as tarefas e se entender, é importante o apoio da família se não fosse o apoio da família a gente não estaria aqui”

- O efeito da experiência na organização

Com a organização das famílias e da produção, surgiram muitas dificuldades, que vêm sendo superadas conforme as possibilidades de comercialização avançam, porém a demanda por novas modalidades de crédito de financiamento e custeio desta nova linha produtiva segue como uma das principais demandas apontadas pelo grupo.Embora as famílias tenham acessado algumas linhas de financiamento via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e Badesul via Governo do Estado do Rio Grande do Sul, através das cooperativas para incentivar a produção de produtos in natura, estas ainda não são suficientes e se faz necessário o acesso a créditos especiais para o financiamento de atividades desta natureza. Todas as famílias envolvidas reforçam a grande importância da Coperterra para o processo de implantação do PNAE e para a manutenção do grupo dentro dos programas institucionais de comercialização. “Acho que a cooperativa é de extrema importância para a organização, o que segura o produtor, mantém as famílias organizadas, e também não só a cooperativa, mas a assistência técnica da COPTEC também, que acompanha os produtores já ha vários anos... sempre discutindo a diversificação na propriedade né, acho que agora ta começando a colher os frutos de longos anos, é pouco ainda, mas esperamos que melhore” (Miguel Dionir Volf)

“A cooperativa é importante né, se não fosse a cooperativa dar o apoio nós não estaríamos aqui” (Cloreci Lucia Balim)

Hoje a cooperativa comercializa através do PNAE com 14 municípios do Rio Grande do Sul, incluindo com a Prefeitura de Porto Alegre, maior mercado institucional do estado do Rio Grande do Sul e com cerca de 120 escolas estaduais. Além disso existe em execução um PAA com o Hospital da Universidade Federal de Santa Maria

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(HUSM), um com o Restaurante Universitário (R.U.), com o Banco da Alimentos de Cruz Alta, com as Associações Comunitárias de Porto Alegre através do Fórum Fome Zero, com quatro mil e cem famílias beneficiárias. Existem ainda dois em fase de elaboração: com o Hospital Brasilina Terra de Tupanciretã e com as Associações Comunitárias de Tupanciretã. “O sonho ta aí, ta sendo construído, tem muito que construir mais ainda, mas com luta e esforço nós podemos construir um futuro bom para nossos filhos... eu digo que nós se organizando, tem como nos ter rendas alternativas , como a produção de alimentos para o povo da cidade, e a cidade tem cada vez mais população, e toda a população precisa se alimentar e de algum lugar tem que sair e é aí que nós temos como nos organizar e temos como produzir e manter nosso filhos na propriedade” (Antônio Conceição)

- Mudança na imagem dos assentados e o crescimento da autoestima

Estes programas são políticas afirmativas fundamentais para manter a juventude e as mulheres no campo e para demonstrar a importância da Reforma Agrária no Brasil, pois coloca à disposição da sociedade alimentos de qualidade, por meio de uma política social, através da alimentação escolar ou da cesta básica produtos oriundos da Reforma Agrária. Se isto por um lado estabelece uma relação entre os trabalhadores e trabalhadoras da cidade com os camponeses e camponesas, colocando em pauta a importância da pequena propriedade rural, por outro lado, tem valorizado o trabalho das famílias produtoras de alimentos aumentado a autoestima destas pessoas através desta valorização, já que os produtos atendem uma camada especial da população, que são os escolares, e que muitos dos filhos e filhas das famílias assentadas estão em idade escolar e podem consumir na escola o que foi produzido pelos pais ou vizinhos que foram assentados pelo programa de reforma agrária. Isto aparece nas falas de Miguel Dionir Volf e Cloreci Lucia Balim:


“Para mim é muito importante né, porque desde gerar renda para a família vem a mostrar para a sociedade que a Reforma Agrária ta dando certo né, eu acho também que as crianças vão comer o alimento saudável que a gente produz, saber o que os filhos estão comendo no colégio...” (Miguel Dionir Volf)

“Pros nossos filhos é um orgulho né, e as crianças elas gostam da merenda, a gente já recebeu elogios é uma alimentação mais natural a bolacha caseira é uma coisa que alimenta.” (Cloreci Lucia Balim)

E na fala do seu filho Daniel Balim, que quando questionado se sentia orgulho de sua mãe por ela ter saído no jornal do INCRA, respondeu: “Eu senti sim, mas eu sinto mais orgulho da minha mãe quando meus colegas falam: - Que pão bom esse! E eu respondo:

- Foi minha mãe quem fez.”

Essa fala traz a intensidade do que este programa pode provocar na autoestima das famílias assentadas que sofreram preconceitos históricos provocados pela falta de conhecimento da população da cidade sobre a Reforma Agrária e sobre a vida nos assentamentos. Como cita ainda Lúcia, falando sobre o preconceito que viveram e ainda vivem por serem assentados: “ Tem gente que não conhece e acha que assentamento é coisa fora do comum.”

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Limites

- Distancia e precariedade das estradas rurais

Um dos principais limites é a distancia dos assentamentos da sede do município, dificultando o transporte de pequenas quantidades de produtos e encarecendo o frete, podendo inviabilizar as vendas se o numero de famílias que desejam participar das entregas for reduzido. Outro fator, que é uma queixa não somente dos assentamentos, é a precariedade na manutenção das estradas rurais que também encarece o frete.

- Falta de conhecimento para a produção agroecológica

Há muito tempo é tentado estabelecer estilos de agricultura que sejam menos agressivos ao meio ambiente, e na busca da construção de novos conhecimentos nasceu a Agroecologia, com um enfoque cientifico e que pode contribuir para o processo de desenvolvimento rural sustentável. O modelo convencional e hegemônico de agricultura se intensificou já no inicio do século XX com o descobrimento da química agrícola, biologia e mecânica nas décadas de 60 e 70 e foi difundido como a “Revolução Verde” e vem influenciando o

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modo de produção desde então. Muitas famílias assentadas são contemporâneas deste processo e sofreram influencia direta deste modo de produção e isto é percebido quando se olha para a paisagem local e se vê vastos campos de soja, porém muitas famílias ainda tem a cultura de produzir as “miudeszas” que são os produtos para o autoconsumo como mandioca, batata doce, hortaliças, frutas, leite, carne, ovos, banha, entre outros. A condução e a responsabilidade da produção do autoconsumo desde a chamada “Revolução Verde” em grande parte ficou a cargo da mulher, que nunca foram incluídas na “ lavoura” bastante mecanizada e que basicamente é de onde vem a renda da unidade de produção. Tendo vista que vivemos em uma sociedade que ainda é marcada pelo machismo e que a tomada de decisão sobre o que produzir e como produzir muitas vezes é imposta pelo homem, sendo este o “chefe” da família, é desafiador faze-lo a voltar para a produção das “ miudesas “ , já que este sempre foi papel da mulher. Outro fator é que com a influencia do modelo hegemônico de agricultura e a imposição desta forma de produzir, acabou gerando a perda, deturpação ou desconstrução de conhecimentos tradicionais sendo necessário portanto resgatar, reconstruir ou mesmo construir conhecimentos em torno da agroecologia

-Falta de informação entre poderes públicos

Ficou claro o falta de informação sobre o PNAE, até a prefeitura fazer a primeira chamada pública e as primeiras compras, demorou pouco mais de um ano, faltava esclarecimentos para os secretários(as), nutricionista,prefeito, para as diretoras das escolas estaduais. Era necessário que antes da implantação de uma lei, que rege um programa, fazer a capacitação de agentes públicos para que imediatamente após a publicação da lei já pudessem executá-la de forma plena, faltou e ainda falta de uma divulgação mais 31


contundente e massiva, já que o público que pode acessar estes programas é bem expressivo em todo o território nacional , de acordo com a Secretaria de Agricultura Familiar,

aproximadamente

13,8

milhões

de

pessoas

trabalham

em

estabelecimentos familiares. Mesmo no ano de 2013 quando houve a troca da administração da prefeitura ainda houve resistência as compras e a demonstração do desconhecimento da lei, tanto que as compras estavam sendo feitas por licitação e não havia as chamadas públicas, foi necessário fazer reuniões de esclarecimentos e só depois disso realizaram a chamada pública. Também não parece haver muito interesse dos poder púbico para viabilizar processos desta natureza onde se envolve muitos atores. De certa forma foi a COPTEC que buscou informações sobre a lei, divulgou e incentivou para que as compras fossem realizadas, mesmo a COPTEC sendo o serviço de ATES oficial não constava na relação das metas o acompanhamento ou mesmo assessoria direcionada para esse fim, sendo que o trabalho realizado neste segmento tinha que ser contado como uma atividade não prevista ou complementar.

- Baixo valor das compras públicas

Existe um mínimo de compras, que é 30% do valor passado para a compra da alimentação escolar e que dependendo da concepção política pode acabar se tornando o máximo, portanto a ampliação deste teto faria com que pudesse também ampliar as compras independente dos gestores favorecendo os produtores diretamente tendo uma maior controle social e garantindo alimentação para os educandos em quantidade e qualidade.

- A estrutura agrícola do município

Tupanciretã como foi citado anteriormente é maior produtor de soja do estado, onde é forte a agricultura patronal e o monocultivo, não existe no município um abatedouro municipal, inviabilizando a venda de carne bovina ou de suíno por 32


exemplo, não há incentivos ou mesmo a busca pelo poder público de maneiras de conseguir realizar o processamento mínimo de alimentos ou mesmo industrializá-los para atendendo uma demanda para a produção de frutas, legumes,mel, entre outros.

Potencialidades

- Grande número de famílias

O fato de Tupanciretã ter mais de 600 famílias assentadas em 17 assentamentos representou um aumento da população rural do município e significa a geração de trabalho e renda no meio rural, contrapondo a realidade dentro das grandes propriedade, onde se emprega cada vez um número menor de pessoas por conta da mecanização agrícola e descaracteriza o meio rural como local de convívio e vivência social. Os programas institucionais de comercialização podem significar a manutenção de muitas famílias na propriedade com qualidade de vida e construindo uma outra forma de relação com a natureza e com a sociedade, pois é através do PNAE e do PAA que se visualiza a reinserção feminina na agricultura, marginalizadas dentro do processo produtivo a partir da “revolução verde” e também a manutenção do jovem na propriedade devido a absorção da mão-de-obra e da agregação de valor. Dentro das modalidades institucionais é possível comercializar por Declaração de Aptidão Agrícola R$ 9.800,00 via PAA e R$ 20.000,00 via PNAE, considerando que todas as famílias consigam comercializar via estes programas chegamos a um valor de R$ 19.131.600,00. Logo o potencial produtivo das famílias para atender o programa ainda está bastante longe de alcançar a sua totalidade, existindo uma boa margem para a ampliação deste tipo de comércio.

- Ter uma cooperativa de produção gerida pelas famílias assentadas Este item, assim como os dois que se seguem são ‘fatores facilitadores’, mais que potencialidades propriamente ditas. Por outro lado, é verdade que uma experiência

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bem sucedida como esta fortalece a cooperativa e o movimento e valoriza a A. T.

O papel que uma cooperativa exerce na mobilização e organização da produção é fundamental e por já existir uma cooperativa fundada de gestada pelas famílias assentadas ajudou em muito na implantação e na caminhada para a consolidação destes programas tanto o PNAE como o PAA, lembrando que para o PNAE em municípios onde o valor repassado pelo FNDE é superior a R$ 100.000,00 é necessário que a comercialização se dê por meio de uma entidade formal (cooperativa ou associação) que possua CNPJ. Em locais onde não existe nenhum tipo de organização formal o processo de organização se torna mais difícil porém não impossível só que o primeiro passo é formalizar uma cooperativa ou associação ou mesmo se associar em uma que possa dar o suporte necessário, passo este que não precisou ser realizado em Tupanciretã pela existência da Coperterra. - Famílias estarem inseridas em um movimento social organizado (MST) O MST sempre esteve a frente deste debate sobre como garantir soberania alimentar aos povos, desde a década de 90. Tanto o PNAE quanto o PAA são conquistas de pautas históricas desta organização e é também por isso que o conjunto do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra vem colaborando de forma incisiva com este debate. O fato do MST existir no município de Tupanciretã, com uma direção regional organizada também ajudou a realizar os debates e colocar a importância para as famílias se apropriarem da lei e dos programas de compra institucional.

- Assessoria técnica envolvida e comprometida.

A assessoria técnica oficial contratada pelo INCRA se envolveu desde o inicio para sensibilizar e organizar todos atores envolvidos para a execução do programa. Imediatamente após a publicação da lei já havia no corpo técnico o entendimento sobre a relevância e importância de viabilizar a comercialização via PNAE e com o andamento do programa houve o convencimento de todos da equipe. 34


Ter um corpo técnico convencido sobre a importância e comprometido para mediar os conflitos gerados pela implantação de um processo novo, também é muito importante.

- Produtos industrializados (Laticínio)

O interesse da cooperativa de comercializar os produtos industrializados em um mercado que prioriza a reforma agrária e por tem uma agroindústria em funcionamento acabou gerando a abertura de diálogo com as instituições e construindo a viabilidade para escoar os produtos in natura e os panificados. Ter produtos industrializados para garantir as vendas é uma vantagem também pelo fato destes não dependem de uma processo de maturação o que ocorre por exemplo nos produtos in natura (a alface demora em torno de 60 dias para ficar pronta para o consumo por exemplo) isso acabou garantindo a periodicidade das entregas e com a assinatura de contratos novos era possível atende-los imediatamente. Desta maneira na busca de novos mercados estes produtos são a garantia de manter as entregas independente das intempéries da natureza. A produção de leite nos assentamentos supera em muito capacidade beneficiamento da usina, sendo uma vantagem a abundancia de matéria prima , parte do leite é comercializado em outras industrias, mas mesmo assim ainda existe capacidade para ampliar a produção com a busca de mais escolas para fornecer os lácteos.

- Grupo coletivo de trabalho

A constituição de um coletivo de trabalho em torno da padaria, com a produção de cuca, pão, bolachas e massas, possibilitou a garantida e a periodicidade das entregas da mesma forma que os produtos industrializados (lácteos). 35


Uma grande vantagem destes produtos é possuir as características dos produtos coloniais com boa aceitação pelas crianças, pelo sabor e aparência, e ter qualidades nutricionais satisfatórias tendo em vista o aval da nutricionista. Ainda no que diz respeito a este coletivo a Coperterra vem pleiteando a ampliação da padaria com recursos via BNDES, podendo atender um maior numero de escolas e gerar mais empregos no bloco de assentamentos ( Conceição e Nossa Senhora de Fátima)

- Proximidade de cidades pólos regionais

A proximidade de Santa Maria, Cruz Alta e Ijuí que são cidades de maior porte e, por conseguinte, também com um numero maior de escolas, possibilita a ampliação da comercialização e ao atendimento destas com produtos de qualidade e quantidades suficientes visto que o montante financeiro destinado por DAP está muito aquém do seu limite.

Aprendizados

Muitos são os paradigmas que devem ser quebrados quando se implanta uma política que é uma pauta de reivindicação antiga mexendo com a estrutura vigente e por isso é implantada de forma tardia, tímida e lenta, mais ainda assim é uma conquista importante e é necessário que seja incentivado que os atores envolvidos sejam protagonistas e encontrem as maneiras de gerir o programa. A mudança do modo de produção também mexe na estrutura da propriedade e 36


insere novas técnicas de produção que requer a busca de novos conhecimentos ou mesmo o resgate de formas de produção agroecológicas. A preocupação sobre a qualidade e quantidade dos produtos que são destinados à alimentação escolar gerou um maior controle social que evita que os prejudicados por má gestão ou desvio de conduta, sejam os educandos, já que a relação entre quem produz com quem compra se estreita.

Referências bibliográficas:

AZAMBUJA, Lucas Rodrigues. OS SENTIDOS DO TRABALHO AUTOGERIDO: um estudo a partir dos trabalhadores de cooperativas de Economia Solidária. Porto Alegre: UFRGS, 2007. CARRASCO, Cristina. A Sustentabilidade da Vida Humana: Um Assunto de Mulheres? In: Faria, Nalu; Nobre, Miriam (Orgs.). A Produção do Viver: Ensaio de Economia Feminista. São Paulo: SOF, 2003. GAIGER, Luiz I. G. Empreendimentos Solidários: uma alternativa para a economia popular? In: Gaiger, Luiz I. G. (Org.). Formas de Combate e de Resistência à Pobreza. São Leopoldo: UNISINOS, 1996. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades@. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 . Acesso em: 29/03/2014 MDA<http://www.conab.gov.br/conabweb/agriculturaFamiliar/arquivos/paa_sumario_ 2003.pdf> acesso em 20/07/2013 COSTABEBERhttp://www.agroeco.org/socla/archivospdf/AgroecologiaConceitos%20e%20princpios1.pdf acesso em 01/09/2013

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Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda. Rua Dr. Lourenço Zacaro 1078, Sala 2 – CEP 92.480-000 - Nova Santa Rita/RS Fone/Fax: (051) 3221 9348 – CNPJ: 01.440.209/0001 – 39 E-mail: coptec@coptec.org.br

MOINHO COLONIAL JAGUARÃO

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Núcleo Operacional Candiota: Fabiano André da Silva – CREA/RS 163409 Francisco de Assis Molina; Engenheiro Agrônomo – CREA/ RS 079097 Iris Dobler de Lima; Técnico em Agropecuária - CREA/RS 166018 Ivan Sotilli; Bacharel em Administração Rural – CRA/RS 31451 João Inácio Centeno Carvalho; Médico Veterinário – CRMV/1672 Mauro Adílio dos Santos Gonçalves; Pedagogo Milton Piazza; Técnico em Agropecuária – CREA/RS 130171 Paulo César A. Candia; Técnico Agricola – CREA/RS 127506 Solange da Luz de Abreu; Técnico em Agropecuária - CREA/RS 194372 Veronice Tavares; Magistério

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Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda. Rua Dr. Lourenço Zacaro 1078, Sala 2 – CEP 92.480-000 - Nova Santa Rita/RS Fone/Fax: (051) 3221 9348 – CNPJ: 01.440.209/0001 – 39 E-mail: coptec@coptec.org.br

MOINHO COLONIAL JAGUARÃO

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Núcleo Operacional Candiota: Fabiano André da Silva – CREA/RS 163409 Francisco de Assis Molina; Engenheiro Agrônomo – CREA/ RS 079097 Iris Dobler de Lima; Técnico em Agropecuária - CREA/RS 166018 Ivan Sotilli; Bacharel em Administração Rural – CRA/RS 31451 João Inácio Centeno Carvalho; Médico Veterinário – CRMV/1672 Mauro Adílio dos Santos Gonçalves; Pedagogo Milton Piazza; Técnico em Agropecuária – CREA/RS 130171 Paulo César A. Candia; Técnico Agrícola – CREA/RS 127506 Solange da Luz de Abreu; Técnico em Agropecuária - CREA/RS 194372 Veronice Tavares; Magistério -

Aceguá/Rio Grande do Sul, 29 julho 2013.

4


3. Resumo: Esta sistematização refere-se à experiência do Moinho Colonial Jaguarão, localizado no município de Aceguá – RS, com destaque para o processo organizativo. O moinho vem sendo acompanhado pela COPTEC desde 2009, já a sistematização foi conduzida juntamente com as famílias durante o primeiro semestre de 2013. O trabalho foi realizado a partir de um resgate histórico com as famílias envolvidas diretamente no processo, através de documentos, registros e relatos das famílias. A estrutura do moinho hoje é gerida pela COOPEGRAL criada em 2010 atualmente com 45 associados. 4. Palavra – Chave: Agroecologia, Cooperativismo, Associativismo, Participação, Mercados Institucionais.

Agroindustrialização,

5. Introdução: Este documento refere-se à sistematização da experiência de uma Agroindústria Familiar localizada no Assentamento Jaguarão, pertencente ao MST da Região da Campanha. A agroindústria/Moinho Colonial está voltada para a produção de alimentos diferenciados, oriundos da produção de base agroecológica. Seu foco está na elaboração de farinhas através do processo de moagem por meio de cilindros, sua capacidade instalada é de 01 saca de trigo/hora e 02 sacas de milho/hora. A matéria prima utilizada na moagem é oriunda da produção das famílias do entorno do moinho, sendo o produto final é utilizado para o autoconsumo. Além disso, tem como objetivo, a comercialização das farinhas em espaços externos aos assentamentos. O Moinho Colonial está situado no PA Jaguarão, localizado no município de Aceguá/RS, distrito de Tupy Silveira, distante aproximadamente 35 km da sede do município. O acesso ao PA Jaguarão é feito pela Rodovia BR 153 que liga Bagé a Aceguá com acesso pelo distrito de Colônia Nova, que esta a 20 km da entrada do Assentamento. O processo organizativo do entorno do moinho, foco desta sistematização, conduziu as famílias para a criação da Cooperativa COOPEGRAL (Cooperativa de Processamento de Grãos da Reforma Agrária LTDA). . A experiência foi conduzida pela COPTEC (Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos LTDA), que desde 2000, desenvolve atividades de Extensão Rural

5


nos assentamentos da Reforma Agrária na região. Em 2009 passou a desenvolver atividades diretamente com esta Agroindústria. Para a sistematização foram utilizados documentos produzidos pela COPTEC em anos anteriores, como o PRA (Plano de Recuperação dos Assentamentos), Relatório Ambiental elaborado pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), imagens e relatos das famílias envolvidas diretamente. O processo se deu durante oficinas organizadas para esse fim e espaços em reuniões com outros objetivos e em seguida validação junto às famílias. A escolha dessa experiência se deu devido a aspectos que merecem ser destacados, como: Possibilidade de agregação de valor; Valorização dos produtos primários, (principalmente trigo e do milho); Suprir a carência dos municípios da região no que se refere à agroindustrialização; geração e aumento da renda nas unidades familiares e a Produção de alimento saudável. O Moinho Colonial Jaguarão traz em seu bojo a possibilidade de desenvolver ações que caminhem cada vez mais para atividades que destacam e exerçam os princípios da cooperação e do associativismo, o que é trabalhado desde o seu surgimento. O moinho colonial sempre foi movido por desafios, atualmente, passa por alguns de extrema relevância que vão ser determinantes para sua viabilidade. Dentre eles destacam-se a intercooperação, infraestrutura, aspectos legais como licenciamento sanitário, ambiental, mercado, logística de transporte e o incentivo para que mais famílias da área de abrangência, passem a consumir os produtos beneficiados no moinho. A elaboração desta experiência aconteceu a partir da decisão da COPTEC, com a determinação de um grupo de técnicos que possuem maior proximidade com o Moinho Colonial Jaguarão e que participaram da oficina de Sistematização de Experiência promovida pelo INCRA em abril de 2013. Para a elaboração desta experiência foi utilizado o sistema de elaboração, apreciação, discussão e validação do que vinha sendo elaborado pela COPTEC com as famílias que fazem parte do Moinho, em um movimento participativo, democrático e problematizador. 6. Histórico do Moinho Colonial Jaguarão As famílias assentadas no Assentamento Jaguarão, são oriundas de um acampamento que surgiu no final do ano de 1995, um dos maiores acampamentos da história do MST no Rio Grande do Sul, chamado de Acampamento Palmeirão, com aproximadamente 3.000 mil famílias Sem Terra. No dia 14 de agosto de 1997, parte do acampamento ocupou a fazenda Jaguarão (foto 01), localizada entre os município de Hulha Negra e Aceguá a qual foi posteriormente desapropriada e ali assentadas 113 famílias.

6


Foto 01: Sede Antiga do Assentamento Jaguarão

Em 2002, por iniciativa do Governo do Estado do RS, para fomentar a Agroindustrialização nos assentamentos, foi adquirido e repassado para as famílias do Assentamento Jaguarão, o Moinho Colonial (foto 03) passou a funcionar provisoriamente na sede do assentamento (antigo galpão da Fazenda), com equipamentos de limpeza e secagem de grãos (foto 02).

Foto 02 :Equipamentos Antigos

Foto 03Antigo Prédio e Moinho

7


Inicialmente foram beneficiadas com o Moinho Colonial as famílias dos Assentamentos: Jaguarão, Fundos, Madrugada, Conquista da Vitória e Santa Vitória (PE Aceguá), totalizando 300 (trezentas) famílias. As famílias fabricavam farinha de milho e de trigo para o consumo próprio, usando como forma de gerenciamento para a manutenção dos equipamentos o desconto de um percentual da “Moagem”. Em 2010, através do convênio INCRA/Terra Sol, foram adquiridos outros equipamentos (foto 04) de armazenagem de grãos e construído um prédio novo (foto 05), onde atualmente é a sede da Cooperativa COOPEGRAL.

Foto 04: Equipamentos novos

Foto 05: Prédio novo

Neste mesmo ano, as famílias com apoio da COPTEC, SOMAR e o ATP , criaram a Cooperativa COOPEGRAL, com 45 sócios, que receberam capacitação (foto 06 e 07) sobre gestão. O grupo constitui o estatuto social, definiu a sede da Cooperativa e constitui a primeira Diretoria. A partir de então cerca de 340 famílias passaram a fazer parte, acreditar na organização do Moinho percebendo que através da organização as famílias podem comercializar sua produção agregando valos através desta Agroindústria.

Foto 06: Capacitação com SOMAR

Foto 07: Capacitação com SOMAR

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Para a viabilidade do moinho a proposta era que cada família associada à COOPEGRAL produzisse 02 ha de milho e/ou trigo, sendo esta produção beneficiada, embalada e comercializada para as próprias famílias e para outros consumidores externos. 6.1. Objetivo Geral: Resgatar e acompanhar uma experiência em desenvolvimento buscando sua valorização da mesma forma visando contribuir com o conhecimento dos atores envolvidos, disponibilizando para outros públicos e gerando reflexões e lições deste processo. 6.2 Objetivos Específicos: Realizar a sistematização desta experiência de forma participativa e problematizadora, principalmente com as famílias que fazem parte do Moinho Jaguarão. Possibilitar às famílias a possibilidade de beneficiar e agregar valor naquilo que produzem em suas unidades familiares. Praticar atividades que destaquem cada vez mais o cooperativismo e o associativismo. Divulgar a experiência para além do município e da região, servindo de conhecimento e estudo para outras regiões, principalmente profissionais da extensão rural. Ter como um instrumento de registro sendo ele histórico, ou uma prática pedagógica para a COPTEC, famílias assentadas e demais atores envolvidos ou não com a experiência. 7. Contexto da Experiência: O Projeto de Assentamento Jaguarão foi criado no ano de 1997 em uma área de 2.890,35 ha, ficando os lotes com uma área média de 24,92 ha, com um total de 113 famílias assentadas. As famílias assentadas trazem nas suas origens o convívio com a fabricação de farinha de forma artesanal, portanto começaram a discutir sobre a implantação de um moinho colonial que serviria para atender as demandas do PA Jaguarão como também dos PAs e PEs que estão localizados no seu entorno. A partir da necessidade das famílias em produzir o seu próprio alimento de qualidade, pelo histórico da região na produção de trigo e por fazer parte da cultura dos assentados, oriundos de regiões onde a matriz produtiva é o cultivo de grãos, o moinho colonial veio a suprir a necessidade de beneficiar a produção de trigo e milho

9


existente nos assentamentos, anteriormente a produção era vendida em forma de grãos ou usada para a alimentação animal. Com os debates realizados sobre o moinho (foto 08) as famílias começaram a contribuir para a instalação, organização e o planejamento da produção (foto 09).

Foto 08: Reunião para Planejamento das Lavouras

Foto 09: Desenvolvimento das Lavouras

Dada a importância do moinho para as famílias e com as perspectivas de geração de renda, através da venda da farinha para as políticas públicas, tanto PAA como PNAE. “Estamos conversando com a secretaria de Desenvolvimento de Aceguá na possibilidade de fornecer merenda escolar para o município e a secretaria vai fazer um levantamento dos mercados locais o que consomem e se querem comprar nossa produção. (José Altair dos Santos – COOPEGRAL)” Novos debates surgiram no sentido de ampliar e melhorar a estrutura física do moinho, da mesma forma que sua adequação a legislação para atender as demandas de comercialização e possibilitando a viabilidade econômica do mesmo. 8. Definição do eixo de sistematização: A experiência do Moinho Jaguarão tem sua centralidade no processo de organização que as famílias passaram para gerir esta agroindústria até os dias atuais, mas ele possui outros potenciais como o da produção de farinha de trigo e milho, no beneficiamento destes produtos para a alimentação saudável, principalmente por que são produzidos de forma ecológica e com sementes crioulas, da mesma forma que no decorrer de sua trajetória praticou o cooperativismo e o associativismo. 10


O moinho ainda tem um potencial irradiador, pois quando estiver em pleno funcionamento possibilitará que outros empreendimentos, como as demais associações (foto10 e 11) e cooperativas que existem nesta região, comercializem produtos beneficiados pelo mesmo, assim como as padarias que estão para serem construídas em outros assentamentos. Também as padarias e supermercados existentes em Aceguá e em cidades vizinhas possam comercializar estas farinhas.

Foto 10: Curso Panificados Grupo de Mulheres

Foto 11: Curso Panificados Grupo de Mulheres

Foram realizadas várias atividades, como cursos e intercâmbios com os grupos de mulheres existentes em Aceguá e Candiota. 9. Descrição da experiência. Através de decisão democrática entre os técnicos da COPTEC foi escolhida a experiência do moinho para ser sistematizado, da mesma forma que identificado um grupo menor de técnicos para iniciar esta elaboração. Após o estado ceder o moinho para e com apoio da CONAB teve uma alta produção de trigo no assentamento Jaguarão, compreende-se que foram estes dois acontecimentos que motivaram a discussão para a construção do prédio novo e na aquisição dos novos equipamentos. A construção de estrutura física deste prédio e a perspectiva de poder beneficiar a produção fizeram com que fossem realizados debates de produção, de planejamento, gestão e implantação de novas lavouras, melhor organização das famílias interessadas e por fim a fundação da COOPEGRAL possibilitou que o moinho tivesse altos momentos de organização social e da produção. Atualmente o moinho encontra-se em um momento de indefinição, pois a adequação que a estrutura física necessita é de fundamental importância para seu 11


funcionamento, mesmo que as famílias tenham se organizado para gerir o moinho, pela demora, acabaram se desmotivando até mesmo para articular parceiros para estas adequações. “O moinho da forma que está não deve ser uma experiência a ser sistematizada como algo que deu certo. José Altair dos Santos – COOPEGRAL.”

Após ter elaborado o documento foi apresentado para as famílias do moinho onde as mesmas apreciaram e fizeram alterações das informações que nele contém. Por fim foram realizadas as adequações sugeridas pelas famílias neste documento fazendo com que ele ficasse desta forma que ora é apresentado. 10. Sujeitos. Os Atores envolvidos com esta experiência são as famílias assentadas no PA Jaguarão e arredores, os técnicos da COPTEC, CETAP, EMATER, INCRA, da EMBRAPA, CONFIE, SOMAR, ATPs, Direção do MST, Prefeituras municipais e suas secretarias. Atores estes que trabalharam e contribuíram para o moinho estar construído até a onde está.

10.1 Resultados, Produtos e Impactos: Através da assistência técnica da Coptec juntamente com outros autores; Confie, Embrapa, SOMAR, ATP`s e a direção do MST, motivaram as famílias a se organizarem em Associação e Cooperativa. Para este processo foram realizadas várias reuniões nos assentamentos que localizados no entorno do moinho, tendo como pauta a importância do moinho para as famílias, no que diz respeito á geração de renda e a produção de farinha para autoconsumo. Através desta ação definiram-se dois coordenadores por assentamento para participarem das discussões da criação da cooperativa COOPEGRAL. Este processo se deu em várias reuniões, onde se construiu de forma participativa desde a escolha do nome (fantasia), construção do estatuto e a formalização da cooperativa tendo como resultado a criação da COOPEGRAL no dia 13/07/2012 com 45 associados distribuídos nos seguintes: assentamento Jaguarão, Sete Povos, Aceguá, Conquista da Vitória, Santa Luciana, São José III, Conquista do Futuro, Madrugada, Estância dos Fundos (20 de agosto) e Estancinha.

12


O planejamento da produção de trigo para a safra de 2012 foi de uma área de 25 ha, foram também implantadas e acompanhadas 06 unidades (fotos 12 e 13) demonstrativas em parceria com o Cofie/Embrapa, para realizar atividades práticas de formação com assentados.

Foto 12: Unidade Pedagógica

Foto 13: Unidade Pedagógica

Ainda foi realizado pelo SOMAR uma capacitação para estudo da viabilidade econômica do moinho identificando que o mesmo necessita de uma produção razoável de trigo, milho e arroz possibilitando adquirir seu ponto de equilíbrio. DESCRIÇÃO

CUSTO FIXO

Farinha de Milho Farinha de Trigo Arroz

R$ 260,74 R$ 260,74 R$ 260,74

MARGEM DE CONTRIBUÇÃO R$ 0,24 R$ 0,09 R$ 0,30

PONTO DE EQUILIBRIO Kg 1.086 Kg 2.897 Kg 869

11. Potencialidades: O funcionamento do Moinho Colonial contribuirá para o desenvolvimento de outros empreendimentos como a Padaria Comunitária do Grupo Vitória localizada no município de Candiota. Possibilitará a participação do Programa de Aquisição de Alimentos do Governo (PAA e PNAE) e melhor organização das Famílias.

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Agregar valor nos produtos (foto 14 e 15), como o trigo e o milho produzidos nos assentamentos onde ele faz parte e comercializar estes produtos em hospitais, quartéis e universidades que existem na região.

Foto 15: matéria prima

Foto 16: Farinha pronta para consumo

12. Limites: O moinho passa no atual momento por um período de indefinição, por falta de investimento para realizar as adequações necessárias para o seu pleno funcionamento, o que vem ocasionando nas famílias certo desânimo nos aspectos organizativo e produtivo. O projeto elaborado na época foi mal planejado que ao final da obra os equipamentos novos (foto 16) não possuem ligação interna, impossibilitando a produção em sua plena capacidade.

Foto 16: Equipamentos

14


A atual direção está tentando buscar parceiros, para conseguir dar um passo adiante, através da COPTEC e da COOPEGRAL irão buscar junto a Prefeitura de Aceguá, uma solução definitiva para esse problema. 13. Lições aprendidas: O exercício de sistematizar esta experiência trouxe para a Coptec o aprendizado de que é necessário realizar outras sistematizações em que a Coptec participa e que existem na região. Além de possibilitar um momento de produção, análise, debate da elaboração e reelaborarão dessa experiência. Conforme já descrito anteriormente a experiência do Moinho Colonial tem consigo um enorme potencial de quebrar alguns paradigmas, de que esta região tem limites em se desenvolver por estar longe dos centros consumidores, com dificuldades para as pessoas se organizarem em associações e cooperativas e que as freqüentes intempéries climáticas condicionam as famílias a viverem em situação de pobreza, com nível de desenvolvimento baixo. 14. Autores: NO Candiota e as famílias da Coopegral. 15.1Colaboradores: CONFIE, EMBRAPA, SOMAR, CETAP, ATP’S, INCRA, COPTEC, MST E PREFEITURA. 15. Referências Bibliográficas: PRA, Relatório Ambiental, Eckert, Cordula – Orientações para elaboração de sistematização de experiências/Cordula Eckert. – 2. Ed. . – Porto Alegre. Emater/ RS – Ascar 2013. 16. Rede de contato: Escritório NO Candiota, (53) 324580-12 e-mail etcoptec@brturbo.com.br, Coptec POA (51) 3221-9348, Coopergral moinhocolonialjag@yahoo.com.br, (53) 99711886, Prefeitura Municipal de Aceguá, (53) 3246-1600 Sede Assentamento Jaguarão 15


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O cultivo de morango de base ecológica como alternativa de geração de renda em um assentamento da região da Fronteira Oeste

Engª. Agrª.: Andréia Furtado da Fontoura Eng°. Agr°.: Leandro Filipin Vezzosi Ext. Rural Social: Maisa Maia Schwindt Pacheco

Apresentação A sistematização de experiência nasce como um desafio às equipes de Assistência Técnica, Social e Ambiental (ATES), que trabalham nos assentamentos de Reforma Agrária de todos os núcleos operacionais do estado do RS. No núcleo Fronteira Oeste, a EMATER/RS – ASCAR reassumiu o atendimento às famílias em 2009 realizando atividades individuais e coletivas. A experiência sistematizada busca descrever e analisar a experiência vivenciada por um pequeno grupo de produtores do assentamento Santa Maria do Ibicuí, no município de Manoel Viana na “descoberta” de uma cultura pouco tradicional na região, o morango. O foco do documento é o processo de organização das famílias para o cultivo e comercialização de morangos de base ecológica. As informações foram

organizadas

procurando

seguir

uma

ordem

lógica

ressaltando

especialmente o processo organizativo. Espera-se com a divulgação e sistematização desta experiência, compartilhar os conhecimentos apreendidos com outras famílias que procuram alternativas de renda, motivando-as na busca de cultivos e/ou criações adaptados às suas condições. Almeja-se também ouvir opiniões diferentes sobre o trabalho realizado que colaborem para a continuidade da experiência permitindo assim a troca de experiências. Desta maneira, foi utilizada uma linguagem simples para que o documento fosse acessível a vários públicos.


Introdução A partir das dificuldades enfrentadas para o cultivo de arroz pela Associação de Produtores de Arroz Orgânico Capão do Bugio1, fundada em 2011 no Assentamento Santa Maria do Ibicuí, surgiu a ideia de cultivo de morango de base ecológica. Tal cultura foi uma das alternativas encontradas para garantir renda às famílias, já que o cultivo de arroz não seria possível se estabelecer no ano de 20122. As primeiras reuniões realizadas pelas famílias para discutirem e planejarem a produção de morango ocorreram no final de 2011. A partir de maio/junho de 2012 iniciou-se o cultivo propriamente dito e no mesmo período de 2013 cultivou-se novamente a cultura. O objetivo da sistematização foi de realizar uma reflexão coletiva sobre a organização das famílias para o cultivo do morango de base ecológica, buscando destacar alguns pontos relevantes que ocorreram no decorrer da experiência. A sistematização possibilitou também a discussão entre os atores sociais envolvidos sobre os erros e acertos que houveram no decorrer da organização do grupo e no manejo da cultura. O processo de escrita foi útil também para reavaliar as práticas realizadas no ano anterior na busca de novas alternativas tecnológicas dentro das condições do ambiente e dos recursos financeiros que os agricultores dispõem, possibilitando enxergar melhor tudo que ocorreu e planejar ações futuras. A experiência ora contada, não traz somente pontos positivos, mas narra também algumas dificuldades que existiram no decorrer da experiência. O processo de sistematização ocorreu no período de julho a setembro de 2013, assim, os relatos que constam neste documento são até o início da colheita dos morangos do ano de 2013. Para organizar os dados e informações foram realizados alguns questionamentos às famílias que participam da experiência desde o ano passado tentando compreender o ponto de vista e a

1

A Associação foi constituída por 13 famílias que possuem o lote com glebas separadas, em média 5 ha na “coxilha” e 25 ha na várzea (média de 5 km de distância entre as áreas). 2 O arroz foi cultivado nas várzeas do assentamento somente nos primeiros 5 anos e devido a alguns problemas de gestão, grande parte das áreas não foram utilizadas desde então. Somente aqueles lotes que contam com água natural vinham cultivando arroz. Tem-se a expectativa de plantio de 400 ha para o ano de 2013.


narrativa daqueles diretamente envolvidos. Para a equipe técnica que acompanhou o grupo e organizou as informações, a sistematização foi importante para entender melhor sobre o próprio trabalho e realizar uma reflexão sobre tudo que foi feito.

Em que contexto foi desenvolvida a experiência? Manoel Viana está localizado na região da Fronteira Oeste, que é conhecida

e

lembrada

predominância

das

pela grandes

propriedades rurais, fruto da origem histórica, da forma como ocorreram as divisões município

de de

terra

na

região.

O

Manoel Viana está

situado na bacia hidrográfica do Rio Ibicuí, na porção Centro-Oeste do Figura 1 - Mapa RS Estado do Rio Grande do Sul e tem

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Manoel_Viana

uma área total de 1.390,7 km². De acordo com a FEE (2010) a população do município é de 7.072 habitantes, sendo 5.362 moradores da zona urbana e 1.710 moradores da zona rural. A base econômica é centrada em atividades rurais, com destaque para a pecuária de corte, soja e arroz em médias e grandes

propriedades

especialmente.

Entretanto,

a

instalação

de

assentamentos de reforma agrária na Fronteira Oeste trouxe uma nova dinâmica social e econômica para os municípios que contam com projetos de assentamento. As

famílias

assentadas

buscam

trabalhar

com

uma

produção

diversificada, pensando principalmente com o auto abastecimento do núcleo familiar e eventuais vendas de excedentes. Muitas famílias desenvolvem sistemas de produção menos tradicionais na região, como pecuária leiteira, e olericultura/fruticultura em menor escala. Nos últimos anos, programas governamentais de apoio e incentivo a produção como Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e


Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), estimularam os assentados a aumentarem seus cultivos e produções, garantindo uma maior diversificação e complemento financeiro. Assim, a produção de hortigranjeiros tem ganhado significativo destaque nos assentamentos e passa a representar uma nova e importante fonte de renda para as famílias. Neste sentido, o assentamento Santa Maria do Ibicuí, no município de Manoel Viana/RS, tem sido um exemplo na busca da qualificação para produção e comercialização de olerícolas e frutas. O assentamento Santa Maria do Ibicuí está localizado na região noroeste do município de Manoel Viana e foi criado em dezembro de 1999 com uma área de 6.134,9382 ha, dividido em 225 lotes que possuem uma área média de 26,96 ha (INCRA, 2009). Está localizado a 22 km da sede do município, no 2º distrito de Manoel Viana conhecido como Pirajú. A população do assentamento tem origem de dois acampamentos, dos municípios de Santo Antônio das Missões e Viamão, sendo a maioria das famílias oriundas de municípios do norte do Estado, como Ajuricaba, Ijuí, Palmeira das Missões, Santo Augusto, entre outros. Hoje há pessoas de vários outros municípios devido à troca e abandono dos lotes dos primeiros moradores. Grande parte das pessoas é procedente do meio rural e/ou apresenta forte ligação com ele. Antes de serem assentados já trabalhavam com a produção agropecuária, ou são filhos de pequenos agricultores ou exempregados de propriedades rurais, arrendatários ou parceiros na atividade agropecuária. Com o reinício do atendimento às famílias pela EMATER, o assentamento conta com uma equipe de três técnicos, atualmente composta por dois engenheiros agrônomos e uma extensionista rural social que buscam trabalhar com orientações de manejo e de tecnologias adaptadas às condições das famílias.

Como tudo começou? A experiência sistematizada inicia com um grupo de produtores do assentamento Santa Maria do Ibicuí que após várias reuniões e conversas


informais resolveram fundar em setembro de 2011 a Associação de Produtores Capão

do

de

Arroz

Bugio.

O

Orgânico objetivo

principal da associação era cultivar arroz orgânico nas áreas de várzea pertencentes

às

famílias3.

Entretanto, no ano posterior por Figura 2 - Reunião da associação Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

falta de estrutura para o plantio da lavoura de arroz não foi possível o

cultivo, o que estimulou o grupo a pensar em diferentes alternativas de produção/criação que pudessem ser desenvolvidas nas áreas secas do lote. Por sugestão do presidente da associação, o morango foi um dos cultivos propostos para análise, pois no último ano este havia cultivado uma pequena área com morango de mudas caseiras e visualizou a demanda que havia do produto no município. O argumento principal foi baseado na facilidade de comercialização aliado ao preço do produto, além de que, demandaria de um espaço reduzido (já que não dispunham de grandes áreas). Assim, a equipe técnica da EMATER/RS que presta assistência no assentamento foi consultada sobre a ideia do cultivo e incentivou o grupo com base na discussão de algumas informações sobre o potencial da cultura na região. Do total de treze sócios da associação, seis famílias decidiram iniciar o cultivo de morango de maneira coletiva em uma única área. Foram realizadas várias reuniões a fim de ser escolhida a área, discutido sobre os materiais necessários e conversado sobre o manejo a ser realizado na cultura. Uma das primeiras decisões das famílias envolvidas foi de que realizariam o cultivo sem a utilização de agrotóxicos nem de adubos químicos, pois desejavam obter uma produção diferenciada em termos de qualidade, além de que esta abasteceria suas famílias também.

3 O assentamento tem um potencial de plantio de 1500 ha de arroz, mas vem cultivando uma área bastante reduzida por falta de estrutura para o abastecimento de água (bomba, rede de luz, etc.). A Associação Capão do Bugio realizou em 2011 o cultivo experimental de uma área de 2 ha de arroz orgânico.


Sabe-se que a cultura do morango cultivada pelo sistema convencional pode receber mais de 30 aplicações de agrotóxicos durante todo o ciclo da cultura. Entretanto já existe uma série de experiências que mostram que os cultivos

de

base

ecológica

possuem viabilidade econômica, técnica e social, além de não prejudicar o meio ambiente. Com

o

objetivo

de

familiarizar o grupo com a cultura do morango anteriormente ao preparo da área para o cultivo, foi realizada

uma

produtor4

de

visita

a

morango

um Figura 3 - Visita a produtor de Morango em Alegrete do Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

município de Alegrete, que forneceu várias informações importantes sobre todas as etapas do cultivo. Enquanto iniciava-se o preparo da área, buscaramse outras parcerias que pudessem auxiliar de alguma maneira. A Secretaria da Agricultura do município foi procurada e colaborou em vários momentos. O CONFie

(Convenio

INCRA-FAPEG-EMBRAPA)

também

integrou-se

compartilhando de vários espaços formativos, inclusive articulando a participação de pesquisadores da EMBRAPA

Clima

Temperado,

aproximando a pesquisa-extensão e a pesquisa-agricultores. O

CONFie,

acompanhou

todas as etapas de produção e foi um ator decisivo na indicação das Figura 4 - Visita dos Técnicos do CONFie e do Pesquisador da EMBRAPA Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

4

cultivares a serem testadas nas condições de clima e solo da

Este produtor foi visitado novamente no período de plena produção, afim das famílias trocarem experiências. Observou-se o grande impacto motivacional que as famílias demonstraram após o intercâmbio.


região. O Convênio auxiliou também no transporte das mudas e materiais (lona preta, gotejo, registros) que foram encomendados de Pelotas5. O local escolhido pelo grupo para o cultivo foi uma área de 900 m² no lote 160 do assentamento Santa Maria do Ibicuí. Foram plantados 5 mil mudas de morango, da qual 4 mil mudas adquiridas em Pelotas – trazidas do Chile (2 mil compradas pelo grupo e 2 mil cedidas pelo CONFie) e o restante doadas por um produtor de Alegrete e mudas caseiras já cultivadas pelo grupo. As mudas compradas foram de 4 variedades diferentes: Camarosa, Camino Real, San Andreas e Albion, onde buscou-se avaliar a adaptação das cultivares ao agroecossistema de Manoel Viana. O CONFie doou também algumas sacas de adubo orgânico de peru. Em março, para o preparo da área, realizaram-se arações e gradagens e a incorporação de calcário e esterco de bovinos. Os canteiros foram realizados com o auxílio de tração animal. Nos canteiros foram utilizadas as fitas de gotejamento e foram cobertos com lona preta, para evitar o Figura 5 - Área de plantio sendo preparada contato dos frutos com o solo e

Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

aumentar

a

morangos. pequena

qualidade Em

de

um

uma

dos parte

canteiro

foi

utilizada a casca de arroz como “mulching” para avaliar-se se seria tão eficiente quanto o plástico. Foi optado em não utilizar túnel baixo, para

reduzir

os

custos

de

produção. Nos meses de maio e Figura 6 – Mudas de Morango Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

junho, realizaram-se o plantio das

A região de Pelotas tem mais tradição no cultivo de morangos e conforme pesquisa de preços, verificou-se que praticavam valores melhores nos materiais necessários. 5


mudas. Na área junto aos canteiros de morango, uma horta com olerícolas diversas foi instalada. A forma de trabalho escolhida pelo grupo para realização dos cuidados diários foi a escala, assim não havia a necessidade da presença diária de todos no local. Entretanto, a escala não funcionou como programado, devido à distância dos lotes e da própria produtividade do trabalho que varia entre cada pessoa o que acabou gerando alguns conflitos entre o grupo. Outro problema verificado diz respeito a conscientização de todos sobre a necessidade de realizar anotações sobre as datas e manejos Figura 7 – Reunião do grupo Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

realizados,

assim

quantidade

de

como

frutos

da

colhidos

diariamente, o que colaboraria com uma análise mais qualificada sobre toda a safra 2012. Frequentemente realizavam-se visitas e reuniões na área para acompanhar o desenvolvimento das mudas e discutir manejo de irrigação, controle de plantas espontâneas e alternativas para o controle de pragas e doenças. Observou-se que as mudas compradas, nos primeiros meses já apresentavam manchas nas folhas mais velhas6, que se intensificaram bastante até o final do ciclo da cultura, chegando a interferir na produtividade. Nas visitas, a identificação e o controle das doenças sempre foram bastante destacados, entretanto os tratamentos de controle iniciaram a serem feitos depois que a doença estava em níveis altos e sem uma rotina constante. Outro ponto sempre ressaltado foi relacionado a adubação, visto que é uma planta exigente em fertilidade e o solo é bastante arenoso com baixos teores de matéria orgânica. Assim, mensalmente foram realizadas adubações de cobertura com esterco de peru e/ou bovino. Também foi utilizado húmus de uma composteira construída na área durante o processo de instalação da horta

Identificou-se como mancha de micosferela, causada pelo fungo Mycosphaerella fragariae. Realizou-se algumas aplicações de calda sulfocálcica, calda bordalesa e preparados caseiros para repelir insetos. 6


coletiva. O aproveitamento e transformação dos resíduos culturais foi uma forma sustentável de dar um destino adequado aos restos de verduras descartadas da horta, reduzindo a fonte de inóculo de doenças e colaborando para produção de um adubo de excelente qualidade para retornar aos canteiros. No

mês

de

agosto,

iniciou-se a colheita dos frutos. A

preocupação

inicial

manifestada pelo grupo foi a de buscar comércio para toda a produção

que

prevista.

Uma

dificuldades

estava das das

sendo grandes famílias

assentadas é no acesso ao mercado, pois o município é pequeno. Assim, a equipe

técnica

sugeriu

a Figura 8 – Feira do Produtor

organização de uma feira no

Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

município, já que, além do morango, dispunham de verduras/legumes também. Desta forma, no final de agosto de 2012 iniciou-se a Feira do Produtor todas as sextas-feiras na praça central do município. O transporte nos primeiros meses era realizado pela EMATER/RS, passando posteriormente a responsabilidade para a Secretaria Municipal da Agricultura, que era responsável também por disponibilizar na praça a estrutura coberta e de bancadas para a venda dos produtos. A EMATER/RS realizou também a divulgação da Feira nas rádios da cidade. A Feira, para as famílias produtoras consiste em um espaço privilegiado de comercialização, pois encurta os elos da cadeia produtorconsumidor, eliminando os atravessadores ou agentes facilitadores da comercialização. Nos municípios da região da Fronteira Oeste, as Feiras não apresentam a mesma tradição que em outras regiões, pois observa-se que muitos agricultores familiares da região dispõem de excedente de produção, mas não valorizam seus produtos por isso não os comercializam, além de que enfrentam problemas para o transporte dos produtos até a cidade. Em Manoel Viana, iniciativas pontuais relacionadas a Feira já haviam existido, mas não perduraram.


Além da feira, o morango foi comercializado para algumas escolas através do PNAE. Esse Programa tem sido operacionalizado no município desde 2010 tendo a grande maioria dos fornecedores oriundos do assentamento. Conversou-se também com os responsáveis pelos dois maiores mercados do município para viabilizar o comércio dos morangos, entretanto a Feira e o PNAE foram capazes de absorver toda a produção da fruta. Havia a ideia de realizar oficinas de transformação de morango em doces, geleias e cucas, mas que não houve excedente de produção para tal, pois a pouca quantidade de frutos que não atendia o tamanho mínimo para a comercialização in natura foi transformada em polpa congelada e foi comercializada na feira em garrafas pets. Isso fez com que houvesse um grande aproveitamento de todos os frutos.

Uma nova fase: aproveitando os aprendizados... Para o planejamento e programação da safra 2013 foram realizadas reuniões com as famílias interessadas em continuar o cultivo para saber por onde iríamos começar. Assim, foi acordado um cronograma de tudo que deveria ser feito. Das seis famílias produtoras, três7 permaneceram com o cultivo e mais uma integrou-se ao grupo, porém alguns ajustes e modificações foram

realizados

envolvidos

na

forma

pelos de

organizar a produção. O local da área de plantio foi alterado, pois no ano anterior uma das dificuldades avaliadas foi a distância dos lotes até o local onde foi instalada a área de produção. Assim, as famílias Figura 9 – Horta Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

interessadas em manterem o

Mais um agricultor que chegou a realizar o transplante das mudas (produtor onde era a área coletiva no ano anterior), mas este acabou coordenando o planejamento da cultura do arroz não conseguindo atender os morangos e abandonou a área. 7


cultivo julgaram que seria interessante prepararem a nova área nos próprios lotes. Desta maneira, atualmente apenas duas famílias cultivam morango na mesma área, mas cada uma mantem seus canteiros separadamente, embora o manejo da cultura seja realizado pelas duas. Nesta mesma área, uma horta foi instalada sendo uma parceria das duas famílias que cultivam morango e de mais uma família que plantaram morango no próprio lote. O planejamento8 das questões mais técnicas ocorreu através de reuniões com a equipe técnica avaliando-se a experiência do cultivo do ano anterior e alguns problemas verificados na produção passada foram repensados e já foram/estão sendo solucionados. Um dos problemas ocorridos na horta no ano anterior foram as

dificuldades

de

planejamento para escalonar a produção, pois houve períodos em que havia disponibilidade de vários produtos e épocas que existia uma variedade bem menor.

Figura 10 – Horta e morangos Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

Neste

ano,

os

envolvidos

conseguiram

compreender

sobre

necessidade

de

a estar

semeando e/ou transplantando em intervalos menores para que a variedade de produtos oferecidos aos consumidores seja mais ou menos constante. Sobre a produção de morangos, optou-se utilizar parte das “mudas velhas” da área cultivada em 2012 e encomendar mudas novas, pois a produção de mudas próprias foi bem inferior ao esperado. Em virtude do clima da região, as mudas de morango começaram a emitir estolões desde muito cedo, antes do período do pico de produção, então para não comprometer a produtividade, as mesmas foram retiradas. Com isso a produção de mudas A equipe técnica auxiliou na aquisição dos materias necessários ao cultivo (mudas, calcário, sistema de irrigação, lona preta, etc), pesquisando preços em alguns municípios e realizando a compra coletiva para os agricultores. Estes tem recebido também o auxílio na compra das embalagens utilizadas para a comercialização do produto, trazendo municípios vizinhos, visto que no mercado local os materiais são mais caros. 8


próprias na época esperada acabou prejudicada, sendo necessária a compra de mudas novas também. No total foram plantados 2 mil mudas novas e aproximadamente mil “mudas velhas”. As cultivares encomendadas foram a San Andreas e a Albion, pois foram as que apresentaram um período maior de produção e uma produção média mais constante no decorrer do ciclo9, além de que a cultivar Camarosa foi a que se mostrou mais susceptível a doenças. Um ponto que conta como aprendizado do ano anterior, foi a preparação das novas áreas com maior antecedência, utilizando-se calcário permitindo uma melhor reação deste no solo. Decidiu-se realizar a preparação dos canteiros novamente usando o sistema de gotejamento como irrigação e o plástico preto como mulching10. Um dos agricultores avaliou como importante realizar o teste em alguns canteiros com túnel baixo, para em dias de chuva não molhar os frutos e manter a qualidade dos mesmos. Interessante destacar também a preocupação do grupo em utilizar biofertilizantes e as caldas preventivamente para que não houvesse problemas tão sérios com doenças, como houve no último ano. Após algumas discussões e incentivado por uma oficina sobre métodos alternativos de pragas e doenças, um dos agricultores tem se revelado um pesquisador, buscando o invento de preparados de várias plantas com efeito repelente/alelopático para controle de insetos e enfermidades. Todas envolvidas

as no

morango

famílias cultivo

do

instalaram

composteiras e utilizam o húmus nos cultivos. Um dos agricultores certo dia teve a ideia de levar um quilo de húmus em um saco para a

feira

para

mostrar

aos

consumidores o tipo de adubo Figura 11 – Composteira em um dos lotes que usavam e a partir daí este

Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

Análises realizadas a partir de observação das famílias e dos técnicos, pois não foram realizadas anotações durante o ciclo da cultura. 10 A casa de arroz testada no ano anterior não apresentou bons resultados. 9


está iniciando a divulgar o húmus para comercialização. A forma de comercialização dos produtos em 2013 continuou sendo o PNAE11 e Feira do Produtor12. No final do mês de maio de 2013, ocorreu na Praça Central

de

Manoel

Viana,

a

inauguração do Kit Feira doado pelo INCRA para as famílias do

Figura 12 – Feira do Produtor

assentamento. O Kit Feira está Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana qualificando ainda mais este espaço de comercialização na cidade, garantindo uma boa apresentação dos produtos e estimulando outras famílias a pensarem na possibilidade da comercialização da produção na cidade. Discute-se com a prefeitura a estruturação de um local fixo para a feira na área de um imóvel da prefeitura bem próximo a praça, melhorando ainda mais o espaço de comercialização. Todavia, uma das maiores dificuldades que as famílias encontram é no transporte dos produtos para a cidade. Atualmente as famílias tem utilizado o ônibus que faz a linha no assentamento e gastam com passagem e com o número de caixas que carregam. Outra dificuldade13 encontrada é a falta de maquinário para a preparação dos canteiros, o que aumentaria a produtividade do trabalho e possibilitaria o aumento das áreas, já que comércio existe. Nas áreas de cultivo já foram realizadas algumas visitações de vizinhos que tem interesse no cultivo do morango e interessante que os próprios agricultores que explicam sobre como iniciaram e sobre o manejo que vem sendo adotado. Isso contribuí para a auto-estima e valorização do trabalho que O morango continuou fazendo parte das chamadas públicas do PNAE de algumas escolas, e segundo as responsáveis pelas compras, tem tido uma ótima aceitação entre as crianças e jovens. 12 Nos meses de janeiro, fevereiro e março, devido às dificuldades com o clima da região, a feira ocorreu ocasionalmente. A partir de abril as famílias se organizaram novamente e optaram por fazerem feira em dias diferentes. Assim, uns tem comercializado nas segundas, outros nas quartas e outro nas sextas. 13 São dificuldades também, mas que estão sendo contornadas: o controle das doenças, o volume de chuvas que em alguns períodos prejudicam a qualidade dos frutos, as geadas que dependendo da intensidade faz perder camadas de floração. 11


as famílias vem desenvolvendo. Os agricultores vêm divulgando na feira e nas escolas que comercializam produtos que suas áreas

estão

disponíveis

para

visitação.

Figura 13 – Vizinha visitando área de morangos Fonte: arquivo EMATER/RS E.M. Manoel Viana

Descobrindo novos caminhos: lições apreendidas e novos desafios A tarefa de sistematizar a referida experiência foi importante para documentar as vivências e memórias do grupo de produtores. A chegada de famílias, vindas de outras partes do estado e com outras culturas, geraram impactos na realidade dos municípios em que os assentamentos estão presentes. Estes novos atores sociais vivem e interagem com os hábitos e costumes locais, mas ao mesmo tempo preservam suas tradições familiares e adaptam e produzem uma nova organização no espaço. Pelas características da região, a reforma agrária não foi vista com bons olhos por grande parte da população. Aos poucos essa realidade vem sendo mudada, pois o movimento no comércio local aumentou de maneira significativa depois da instalação do assentamento em 1999 e a produção e comercialização de produtos para as escolas e na Feira, tem colaborado para isso. Para as famílias a comercialização de produtos trouxe vantagens que vão além da complementação da renda. A feira colaborou para instituir uma nova imagem entre a comunidade em geral sobre o assentamento. Alguns consumidores no inicio das atividades de comércio demonstraram certa surpresa ao descobrirem que existiam iniciativas de produção de hortifruti no assentamento,

pois

todos

sabem

que

mais

de

90%

dos

produtos

comercializados nas redes de supermercados e mini mercados, vem de Santa Maria e/ou Porto Alegre.


Os consumidores da feira relatam que os produtos apresentam um diferencial de qualidade por não serem utilizados agrotóxicos e serem colhidos no dia anterior a venda. Para as famílias, está sendo um desafio e grande aprendizado manejar as culturas com práticas de controle menos danosas ao ambiente e ao homem. Hoje, os resultados na complementação da renda são observados, pois em poucos meses os investimentos realizados foram pagos e as famílias relatam sobre as melhorias que estão realizando nos lotes com a aplicação dos recursos advindos do lucro do morango. Todavia, algumas dificuldades ainda precisam ser solucionadas, como o transporte dos produtos para a comercialização e maquinários adaptados a realidade. Para a equipe técnica foi interessante acompanhar e contribuir em todas as etapas de desenvolvimento da experiência e conseguir verificar que quando as famílias estão motivadas, com poucos recursos é possível encontrar alternativas de renda. Um dos desafios futuros é aumentar os cultivos, ter um melhor escalonamento da produção e buscar novas formas de comercialização como os supermercados, pois ainda há um espaço considerável no mercado local. Além disso, busca-se a estruturação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)14 no município, para que novas famílias se estimulem a aumentar seus cultivos e melhorem a qualidade de vida a partir da renda.

Referências bibliográficas: FEE – FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED EMANUEL HEUSER. Indicadores econômicos. 2010. Disponível em: <http://www.fee.tche.br/sitefee>. Acesso em 24 out. 2011. INCRA/RS. Relatório ambiental do Projeto de Assentamento Santa Maria. Porto Alegre, 2009.

Neste ano já ocorreu uma entrega na modalidade doação simultânea como experiência piloto organizada pela COOTAP.

14


Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda. Rua Estrada da Arrozeira, 2250, Sede Regional – CEP: 92990-000 Eldorado do Sul / RS CNPJ: 01.440.209/0001-39 E-mail: copteceldorado@yahoo.com.br

ARTÊMIO SOARES MARQUES Prof. Licenciatura Plena - História ANTONIO CARLOS SILVEIRA PEREIRA Técnico em Agropecuária CLEUSA DE OLIVEIRA REICHEMBACH Prof. Licenciatura Plena LEONARDO OSMARIN Técnico Agrícola YURIC FRANCISCO MERINO NEFF Engenheiro Agrônomo MARTA ELAINE BASTOS OYARZABAL Médica Veterinária

EXPERIÊNCIA AGROECOLÓGICA DE OITO FAMÍLIAS ASSENTADAS NO ASSENTAMENTO APOLÔNIO DE CARVALHO, NO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA – DOAÇÃO SIMULTÂNEA)


Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda. Rua Estrada da Arrozeira, 2250, Sede Regional – CEP: 92990-000 Eldorado do Sul / RS CNPJ: 01.440.209/0001-39 E-mail: copteceldorado@yahoo.com.br

ARTÊMIO SOARES MARQUES Prof. Licenciatura Plena - História ANTONIO CARLOS SILVEIRA PEREIRA Técnico em Pecuária CLEUSA DE OLIVEIRA REICHEMBACH Prof. Licenciatura Plena LEONARDO OSMARIN Técnico Agrícola YURIC FRANCISCO MERINO NEFF Engenheiro Agrônomo MARTA ELAINE BASTOS OYARZABAL Médica Veterinária

EXPERIÊNCIA AGROECOLÓGICA DE OITO FAMÍLIAS ASSENTADAS NO ASSENTAMENTO APOLÔNIO DE CARVALHO, NO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA – DOAÇÃO SIMULTÂNEA) ELDORADO DO SUL 2013


RESUMO Preocupados com o êxodo rural, com a falta de condições estruturais e com problemas de logística na comercialização dos alimentos produzidos pelos agricultores do Assentamento Apolônio de Carvalho, a assistência técnica (Coptec), a Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), a Direção regional, os Grupos Gestores e as famílias assentadas em Eldorado do Sul, buscaram a partir de 2008 reverter esse quadro através da sensibilização e do ingresso das famílias nos mecanismos de comercialização garantida, alicerçadas nos Programas de Aquisição de Alimentos (PAAModalidade Doação Simultânea). Esta sistematização teve como objetivo descrever a trajetória de oito famílias do Assentamento Apolônio de Carvalho, a partir da experiência de produção de alimentos para a comercialização no PAA, identificando os diferentes manejos utilizados na produção, a organização das famílias e os principais avanços e desafios.

Palavras-chave: Reforma Agrária, Assentamentos, PAA, Produção Orgânica.


1. INTRODUÇÃO No Assentamento Apolônio de Carvalho, criado em 2008, vivem 72 famílias. Localizado próximo à BR 290, no município de Eldorado do Sul, região metropolitana de Porto Alegre. O local é próprio para a produção de arroz irrigado e hortaliças. Em 2009 a Cooperativa dos Trabalhadores Assentados de Porto Alegre (COOTAP), a Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos (COPTEC), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) iniciaram um projeto em conjunto com as famílias assentadas que tinha como proposta fortalecer a organização social, política e econômica através da consolidação da produção de arroz orgânico e hortaliças e do incentivo à comercialização. A sistematização desta experiência tem como objetivo resgatar os processos históricos vividos por oito famílias do assentamento, sua trajetória no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Orgânico - modalidade Doação Simultânea, e descrever manejo de produção utilizado pelas mesmas. A escolha desta experiência foi motivada pelo fato deste assentamento ser pioneiro da região metropolitana na entrega de alimentos para o PAA. Desde então foi possível ampliar o número de PAAs e conseqüentemente a participação de mais famílias assentados e entidades recebedoras. Como ferramentas metodológicas para realização do trabalho a campo, foram utilizadas: a “Linha do Tempo” (Figura 1) para resgatar a história das famílias assentadas; e a “Matriz Produtiva”, onde foram levantados dados sobre as práticas de manejo desenvolvidas no processo de produção de alimentos para consumo e comercialização no PAA. Os sujeitos envolvidos no processo de sistematização são os agricultores assentados, a COOTAP, COPTEC, direção regional, CONAB e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) através dos Assessores Técnicos Pedagógicos (ATPs). 2. CONTEXTO DA SISTEMATIZAÇÃO Na região de Porto Alegre estão localizados três Núcleos Operacionais (NOs) do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária


(ATES) do Estado (NOs Eldorado do Sul, Nova Santa Rita e Viamão), tendo assessoria técnica da COPTEC. Estes abrangem 25 assentamentos e 1320 famílias. O trabalho na região é realizado em conjunto com a COOTAP, que organiza as famílias em grupos gestores de produção e comercialização: arroz orgânico, hortaliças e frutas, leite e piscicultura. No NO de Eldorado do Sul vivem 546 famílias distribuídas em 15 assentamentos e oito municípios, as principais atividades agrícolas econômicas seguem a dinâmica regional e são: a produção de arroz orgânico e convencional, hortaliças e frutas, leite e padarias artesanais, além da produção diversificada para o autoconsumo e a criação de pequenos animais. A comercialização é realizada nas propriedades, em feiras nos municípios, e em mercados institucionais. No município de Eldorado do Sul, localizado na região leste do Estado do Rio Grande do Sul, distante 10 km de Porto Alegre, estão assentadas 325 famílias em 6 assentamentos, dentre estes está o Assentamento Apolônio de Carvalho. Este foi criado em dezembro de 2007, possui área total de 943,2 ha, com 72 famílias, sendo a média de área por família de 12 ha. O principal sistema produtivo do assentamento é a produção de arroz irrigado com 65 famílias envolvidas, cada família tem em torno de 10 ha de área para produção de arroz orgânico. A atividade é realizada através das parcerias institucionalizadas com as cooperativas de produção de assentamentos da região de Porto Alegre. A área de moradia, ou seja, área seca é em formato de agrovila com média de 1 a 2 ha por família. Essas áreas são utilizadas para plantio diversificado para autosustento (hortas e frutas), tendo o excedente comercializado nas políticas públicas (PAA). Também existe a produção de pequenos animais (suínos e aves) e produção leiteira, sendo ainda incipientes no que tange a comercialização. Nesse assentamento, em 2008, iniciaram as primeiras discussões para busca de espaços para comercialização em mercados institucionais, como o PAADoação Simultânea, operacionalizado pela COOTAP com assessoria técnica da COPTEC. Para este primeiro projeto inscreveram-se 27 agricultores subdivididos em cinco grupos, que entregavam parte de sua produção para a COOTAP, que repassava esses alimentos a uma entidade beneficente do município.


O PAA da Agricultura Familiar é uma ação estruturante do Programa Fome Zero, instituído pelo Artigo 19 da Lei 10.696 de 02 de julho de 2003 com a finalidade de potencializar a agricultura familiar, compreendendo ações vinculadas a distribuição de produtos agropecuários para pessoas em situação de insegurança alimentar e a formação de estoques estratégicos. No programa PAA, existem duas linhas de crédito oferecidas pela CONAB onde a COOTAP atua: o Programa de Doação Simultânea e o Programa de Formação de Estoque da Agricultura Familiar, este último é de certa forma um capital de giro e que possibilita à COOTAP criar políticas nos grupos gestores de fortalecimento dos programas produtivos, com pagamento com a produção na safra. Já o Programa de Doação Simultânea, onde a produção é organizada pela COOTAP e pela COPTEC, e repassada às entidades recebedoras. Através da COOTAP, atualmente, estão sendo operacionalizados seis PAAs, e dois estão em análise pela Conab. São mais de 1.000 agricultores cadastrados na região de Porto Alegre entregando alimentos para mais de 50.000 famílias urbanas e rurais da mesma região. Hoje existem duas formas de produção de alimentos registradas no PAA em Eldorado do Sul: a produção orgânica, onde estão cadastrados 26 agricultores certificados e o de produção convencional com 51 cadastrados. No assentamento Apolônio de Carvalho tem oito famílias comercializando pelo PAA orgânico. A sistematização da experiência teve como objetivo descrever a trajetória de oito famílias do Assentamento Apolônio de Carvalho, a partir da experiência de produção de alimentos para a comercialização através do PAA, identificando os diferentes manejos utilizados na produção, a organização das famílias e os principais avanços e desafios. Mais especificamente buscou-se: - Identificar etapas, avanços e rupturas na consolidação das famílias com o PAA; - Identificar agentes e suas relações com o PAA; - Identificar os manejos adotados pelas famílias e as principais dificuldades na produção de alimentos.


3. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA: 3.1- Processo histórico do assentamento A fazenda onde foi instalado o Assentamento Apolônio de Carvalho era uma granja de criação de cavalos, e a área era praticamente toda de pastagem (Figura 2). As 72 famílias que estavam acampadas ocuparam a fazenda em dezembro de 2006, e o assentamento foi constituído em dezembro de 2007. Conforme o relato das famílias a trajetória inicial não foi fácil, muitas passaram por necessidades básicas, e não haviam recebido recurso público (Figura 3). Como o local era propício para a produção de arroz, surgiram várias propostas para o plantio, das cooperativas e de produtores de áreas próximas, muitos estavam interessados em produzir na área. As famílias não aceitaram proposta da Cooperativa de produtores Assentados de Charqueadas (Copac) nem da Cootap, nem de redes de varejo (Rampinele), quem plantou foram os denominados “Catarinas” (arrendatários), que ofereceram pagamento antecipado de uma parte da área a ser plantada. Nessa conjuntura: As famílias tiveram que fazer uma escolha: Como dizer para quem tá com fome que teriam que esperar pra receber depois da colheita, e a segunda proposta era arrendar a área e receber no momento lona e algumas condições, onde as famílias poderiam suprir necessidades imediatas (Adinam, 2013).

Então, toda área foi arrendada e quando 120 ha estava plantado, o Incra cancelou a liberação do assentamento e o mesmo foi interditado pela polícia federal em novembro de 2007, e as famílias foram indiciadas pelo arrendamento. Por um período estas foram retiradas da relação de beneficiários (RB) do Incra e proibidas de plantar no local e as famílias se mantiveram através do recebimento de cestas básicas e muitas foram trabalhar fora do assentamento. Em 2008 em torno de 30 a 40 famílias já estavam liberadas e incluídas novamente na RB, ainda ficando impossibilitados os coordenadores do assentamento, que posteriormente também foram novamente incluídos na RB, sendo que ao final deste processo apenas uma família foi excluída do assentamento. Na intervenção foram apreendidos 9.500 sacos de arroz, que está em poder do Ministério Público, e ainda não foi definido o que será feito, se


entregue aos arrendatários ou revertido em equipamentos para o próprio assentamento. Em 2008 também foram formados os grupos gestores do arroz orgânico e horta, e foram escolhidos os coordenadores. Em 2009 começaram os encaminhamentos dos projetos de apoio inicial, sendo então liberados no começo de 2010. No primeiro recurso (apoio inicial) foram contempladas 46 famílias, únicas a receberem as três parcelas. As que ficaram respondendo no inquérito não acessaram tudo, só duas parcelas e outras, apenas

uma,

o

que

gerou

certa

diferenciação

econômica,

e

alguns

desentendimentos entre as famílias. Neste período a assistência técnica já vinha orientando às famílias para que os recursos fossem investidos na produção orgânica. Na safra de arroz de 2010-2011, seis famílias plantaram arroz orgânico em parceria com um agricultor do assentamento Integração Gaúcha, na safra posterior outras famílias fizeram novas parcerias com outros agricultores assentados e com cooperativas de produção do MST. Nesse período surgiu o edital da produção de arroz orgânico, que já vinha sendo produzido em outros assentamentos, porém foi a partir da parceria com as famílias do Apolônio de Carvalho que foi criado o regulamento para o plantio do arroz orgânico, sendo todo processo acordado com Incra, Coptec e famílias. 3.2- O Programa de aquisição de alimentos (PAA) No fim de 2008, começo de 2009, mesmo antes da liberação do apoio inicial algumas famílias começaram a produzir hortaliças. O grupo que produzia era formado por cinco famílias com mão de obra de oito pessoas. Parte da produção foi para autoconsumo, outra comercializada na vila existente em torno do assentamento e parte, em função das áreas não serem cercadas, foi perdido pela entrada de animais. Embora o assentamento seja localizado próximo a grandes centros, como Porto Alegre, a falta de estrutura das famílias (transporte, caixas para armazenagem, dentre outros) dificultou a comercialização. Um exemplo citado foi do Sr. Jorge que fez mais investimento, pois demais famílias entraram apenas com a mão de obra. O agricultor, na época, possuía um caminhãozinho que foi vendido para compra de trator tobata, mudas, adubo,


porém perdeu praticamente toda produção por não ter como comercializar e pela entrada de animais na lavoura. Embora alguns produtores tenham seguido comercializando de carroça na vila, esse processo causou um desestímulo ao grupo, o que foi minimizado pela formação dos primeiros grupos de agricultores e a discussão para inserção no PAA. A elaboração do projeto começou em 2009 e o início da comercialização se deu em 2010 com 26 famílias inscritas, sendo o primeiro PAA da região metropolitana. Destas, 10 estavam envolvidas na produção de arroz e 16 de hortaliças. Na época eram quatro grupos e duas famílias produzindo de forma individual. A entidade recebedora era o acampamento do trevo de Charqueadas, através da associação Dezenove de Setembro. A produção era levada pelas famílias de carroça ou carrinho de mão, até um ponto combinado, e o transporte dos alimentos até a entidade era feito com o carro da Coptec e com reboque emprestado, dessa forma era necessário fazer três viagens para completar a entrega (Figura 4). No final de 2010 foi adquirido pela Cootap o caminhão kia bongo, com capacidade para 1.800kg, através de emenda parlamentar e então a produção começou a ser recolhida nos lotes de produção. Atualmente inscritos no PAA estão todas as 72 famílias do assentamento, 59 na comercialização do arroz orgânico e oito de olerícolas, as outras 12 famílias não estão produzindo para o programa. Os principais produtos comercializados no PAA orgânico pelas oito famílias do assentamento são: rúcula, alface, tempero verde, couve, batata doce, aipim, moranga e abóbora. A frequência de coleta dos produtos é quinzenal, com uma média por família de 10 caixas, de acordo com o período de produção. A média em kg por caixa é de 7 kg para hortaliças e de 27 kg para tubérculos e raízes. Em Eldorado do Sul atualmente são sete entidades recebedoras, com 7095 mil famílias beneficiadas (Figura 5). 3.3- Manejo de produção O

manejo

de

produção

adotado

pelos

agricultores

vem

sendo

acompanhado pela Coptec em visitas individuais e atividades de formação e também foi relatado pelas famílias durante o trabalho de campo desenvolvido


através da metodologia participativa (Figura 6 e 7), utilizando-se as seguintes perguntas geradoras: - Como realizam o preparo do solo para plantio? - Quais os tipos de adubação? - Como é realizado o controle de insetos, doenças e plantas espontâneas? - Sementes e mudas, compram ou fazem? - manejo pós-colheita, como acontece? Com o resultado obtido através deste processo, pode-se concluir que a adubação utilizada é toda orgânica, onde parte é produzida no lote (esterco de aves, suínos e bovinos) e parte comprada (cama de aviário), além da produção de húmus que é realizada por dois agricultores. Com relação a sementes e mudas apenas um agricultora produz, e a capina é manual. Os agricultores utilizam diversas plantas como repelentes, dentre elas arruda, manjerona e poejo. Este manejo pode ser melhor visualizado na Tabela 1. O manejo realizado pelas famílias na produção de olerícolas, bem como na de arroz, está de acordo com as normas estabelecidas pelo MAPA, garantindo assim o processo de certificação e comercialização no PAA orgânico. O que além das questões ambientais, sociais e de ter um produto mais saudável, agrega 30% no valor pago aos agricultores do que os produzidos de forma convencional (com uso de adução química e defensivos agrícolas). Já a produção animal é realizada de forma convencional, porém a base de pastagem e campo nativo e utilização de grãos como suplemento, e apenas voltada para o autoconsumo. 4. RESULTADOS As famílias envolvidas neste processo puderam visualizar de forma coletiva como

estão

sendo

desenvolvidas

suas

relações

de

consolidação

na

comercialização no PAA e manejo orgânico utilizado pelas mesmas na região metropolitana. Assim, a equipe técnica teve a oportunidade de conhecer a partir das famílias o histórico do assentamento e desta forma, compreender melhor a diversidade existente no mesmo. Com o trabalho da sistematização surgiram demandas das famílias para assistência técnica o que poderá resultar em aumento da qualidade do produto e do número de famílias envolvidas no programa.


Em relação à renda, as famílias relataram que um houve aumento significativo com a comercialização para o programa. Houve também melhoria da qualidade e diversidade da produção das famílias envolvidas, pois no início do programa só podiam comercializar alguns produtos como aipim, batata doce e abóbora e atualmente é recolhido tudo que é produzido pelos agricultores. Uma observação feita pelo agricultor Sr. Adão é que de uns dois anos para cá o comércio de produtos de terceiros dentro do assentamento diminuiu bastante, sinal de que aumentou produção, principalmente para autosustento. Através do PAA, melhorou a relação campo-cidade, pois houve maior contato entre agricultores e famílias recebedoras a partir de atividades realizadas em conjunto como seminários. 5. POTENCIALIDADES - Aumentar o número de famílias no programa Com o PAA os produtores do assentamento que não participam do programa

ficaram

estimulados

com

a

possibilidade

desta

forma

de

comercialização e já aumentaram sua produção de autoconsumo. O trabalho da assistência técnica deve ser no sentido de fomentar a participação destas famílias no programa, através de atividades de formação em grupo. - Melhorar a qualidade Mesmo tendo aumentado a diversidade da produção, ainda é preciso qualifica-la. Isto pode ser alcançado a partir de oficinas de formação, visitas técnicas e troca de experiências. - Quintais sustentáveis Está previsto para ser liberado no ano de 2014 kits para estruturação produtiva de famílias através de recursos provenientes do Ministério do Desenvolvimento Social e governo do Estado do Rio Grande do Sul, que no assentamento serão beneficiadas em torno de 30 famílias. Esses kits são constituídos de infraestrutura para irrigação, cerca, adubação e mudas de árvores nativas e frutíferas. Como contrapartida das famílias, estas deverão comercializar o excedente para o PAA.


6. LIMITES Foi discutido na atividade o porquê do não envolvimento de mais famílias nesse processo de comercialização, embora muitas estejam inscritas no programa desde o princípio, poucas participam ativamente, tendo sido ressaltado durante a sistematização os seguintes aspectos: - As famílias relataram que pela falta de condições econômicas para cercar a área de produção, esta fica aberta facilitando a entrada de animais. Esse problema poderá ser solucionado no próximo ano com a liberação dos recursos provenientes do Pronaf A. - A produção e diversidade de alimentos vem aumentando nos últimos anos, principalmente para as oito famílias que entregam no PAA, porém pela falta de estruturação, em especial com relação a irrigação, os agricultores enfrentam dificuldades para dar continuidade a esse crescimento, o que também será minimizado com o Pronaf A e os kits dos quintais sustentáveis referido nas potencialidades. - As famílias do assentamento, desde o princípio produzem arroz em parceria, que para a maioria é a principal fonte de produção e de renda. Devido a isso muitas famílias ainda não se desafiaram a diversificar a produção, que deve ser incentivado a partir das visitas técnicas as famílias, bem como na participação destes agricultores nas atividades referentes ao PAA. - A assistência técnica vem auxiliando com a questão da comercialização e organização e teve um papel importante na formação inicial, mas falta acompanhamento direto as famílias, o que poderá ser melhorado no próximo período a partir de um planejamento adequado junto com as famílias. 7. LIÇÕES APRENDIDAS Aprendeu-se com a atividade de sistematização que apesar das dificuldades encontradas pelos agricultores desde o início do assentamento, havendo organização coletiva, logística, apoio as famílias, a produção pode seguir em ascensão e o comércio para o PAA ser uma fonte de renda importante para maioria das famílias do assentamento Apolônio de Carvalho.


AUTORES Artemio Soares Marques; Yuric Francisco Merino Neff; Marta Elaine Bastos Oyarzabal -COPTEC Núcleo Operacional de Eldorado do Sul.

COLABORADORES Agricultores do Sistematização

Assentamento

Apolônio

de

Carvalho,

participantes

da

Fernanda Miranda - Assessora Técnica Pedagógica (ATP) COOTAP- Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre COPTEC- Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda- NO de Eldorado Do Sul Beatriz Depra Rosso- Doutoranda em Desenvolvimento Rural(UFSM)


REFERÊNCIAS BERNECHEA, Maria Mercedes. A sistematização de projetos sociais para produção de conhecimento. In: Seminário Internacional sobre avaliação, sistematização e disseminação de projetos sociais, 1., 2002, São Paulo. Palestras e Debates... São Paulo: Fundação Abrinq, 2002,. p. 27-34. ECKERT, Cordola. Orientações para elaboração de sistematização de experiências. Porto Alegre: Emater/RS- Ascar, 2009. 46p. GRISA, Catia et al. Contribuições do Programa de Aquisição de Alimentos à segurança alimentar e nutricional e à criação de mercados para a agricultura familiar. In: Revista Agriculturas, Experiências em Agroecologia. Set 2011,Vol 8, nº3. Grifo nosso. WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. O agricultor familiar no Brasil: um ator social da construção do futuro. In: Revista Agriculturas experiências agroecológicas. 2009.


ANEXO 1 Tabela 1. Descrição do manejo e produção utilizados pelas famílias presentes na atividade. MANEJO Cobertura semente e muda Capina

Adubação

Controle fitossanitário Pós colheita

DILON Não semente ganha, muda faz em casa TA e manual humus direto no canteiro, esterco de porco e galinha, próprio e comprado

bolinha de cinamomo lavagem e seleção

Plantas repelentes Manjerona TA: tração animal

PRODUTORES PEDRO

ELENITE casca de arroz

JESUS palha de arroz

Própria Manual

Comprada Manual

própria e comprada Manual

orgânica comprada

esterco de galinha e vaca compostado

esterco bovino composto e direto (não compostado)

casca de laranja e casca de pão para formiga lavagem e seleção

Não lavagem e seleção

arruda, poejo, manjericão e girassol

manjerona e poejo

Não

bolinha de cinamomo lavagem e seleção

Não

ADÃO capim, roçada própria e compra de inverno Manual composto esterco de gado e humus, adubo de aviário comprado e húmus para insetos urina de vaca, leite com cinza lavagem e seleção manjerona, alecrim, manjericão, poejo, cidreira, mil em rama, funcho

ADINAN

NAIR

não

não

comprada Manual

própria e comprada Manual

cama de aviário comprada calda bordalesa, ureia natural e banho de cinza lavagem e seleção

arruda e funcho

esterco de vaca casca de laranja, banho de cinza lavagem e seleção

funcho e manjerona


ANEXO 2- Figuras

Figura 1. Metodologia de trabalho “linha do tempo” para construção do processo histórico vivido pelas famílias no assentamento.

Figura 2. Estrutura da antiga fazenda (criação de cavalos)


Figura 3. Barraco de lona na chegada das famílias na área, em 2007.

Figura 4. Coleta da produção dos agricultores (fase inicial)


Figura 5. Entidade recebedora - Associação 19 de Setembro, Ilha da Pintada/ Eldorado do Sul.

Figura 6. Trabalho de sistematização da experiência agroecológica - produção


Figura 7. Trabalho de Sistematização- Manejo da produção orgânica realizado pelas famílias


ESTRATÉGIAS DE ATES EM EDUCAÇÃO, PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO AMBIENTAL NOS ASSENTAMENTOS DO SALTO DO JACUÍ-RS

Autores: Tânia Treviso Dionísio Treviso Celso Martim Konrad

Salto do Jacuí, RS 2013


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1 – TÍTULO

Estratégias de ATES em educação, proteção e recuperação ambiental nos assentamentos do Salto do Jacuí/RS. 2 – RESUMO Este trabalho se propõe a apresentar estratégias de Assistência Técnica e Extensão Rural adotadas pelos extensionistas da EMATER/RS-ASCAR em três assentamentos e dois reassentamentos, localizados no município de Salto do Jacuí-RS, onde vivem e trabalham 210 famílias. Essas estratégias referem-se a ações de educação, proteção e recuperação do ambiente natural através da aplicação de metodologias participativas no âmbito da educação formal e não-formal. Estas ações foram realizadas após início do Programa de Assessoria Técnica Social e Ambiental (ATES), firmado em 2009, entre a EMATER/RSASCAR e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Por meio desse contrato foram reiterados princípios de desenvolvimento sustentável, troca de experiências e saberes. Pensar e propor ações sobre temas quase sempre evitados ou pouco entendidos, como cuidado ambiental, percepção, comunicação dialógica, é um desafio para as equipes de extensionistas. Para isso, recorreu-se às abordagens de Paulo Freire, Jean Piaget e à sabedoria de todos que continuamente procuram aprender. A isso foram acrescentadas doses de criatividade, ousadia, desprendimento e inovação. Cinco anos de assessoria resultaram no comprometimento da prefeitura na coleta seletiva de lixo no meio rural, com dia e hora marcado; sensibilização de professores, escolares e pais para as questões ambientais; aproximação dos extensionistas das comunidades rurais e acréscimo de confiança na atuação da EMATER/RS-ASCAR.

3 – PALAVRAS-CHAVE Palavras-chave: Educação ambiental. Metodologias. ATES. Percepção ambiental.

4 – INTRODUÇÃO

A sistematização de experiências surgiu como meta do programa de ATES em 2013, no qual as prestadoras de serviço se comprometem a relatar experiências em todo o estado do RS, com a elaboração de um texto escrito, aqui apresentado. Para o trabalho de ATES, em 2009 o estado do RS foi dividido em 19 Núcleos Operacionais (NO), com divisão territorial pela proximidade, afinidade e número de famílias semelhante. A assessoria em cada NO foi disputada por prestadoras de serviço, no qual a EMATER/RS-ASCAR atende 9 núcleos em todo o estado. Cada Núcleo Operacional recebeu como meta a sistematização de uma experiência, sendo que no núcleo de Júlio de Castilhos, com vários municípios envolvidos, cada


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município apresentou a sua proposta e em reunião conjunta foi definida a experiência a ser relatada. Boa parte da informação necessária à sistematização foi obtida a partir dos próprios registros da equipe de ATES, tais como relatórios escritos e fotos. Outras informações partiram das famílias atendidas pela equipe de ATES. A preparação para esta tarefa constituiu-se de um curso junto ao prédio do NESAF – Núcleo de Estudos em Agricultura Familiar, na UFSM, no início de abril de 2013, no qual os autores participaram. Nesta ocasião, a assessora Córdula Eckert, da EMATER/RS-ASCAR apresentou uma proposta de roteiro e a definição do eixo ou foco do trabalho a ser sistematizado. Posteriormente, várias ações foram realizadas pela equipe em nível local. As comunidades envolvidas foram reunidas, houve um resgate histórico dos assentamentos, várias entrevistas as famílias, além da gravação de um documentário em vídeo pelo LabMesc – Laboratório de Mediações Sociais e Culturais, da Universidade Federal de Santa Maria. Algumas falas dos entrevistados foram transcritas, além de toda uma revisão bibliográfica sobre o tema abordado. No início foi apresentada uma contextualização da experiência, relatando a história dos assentamentos no Salto do Jacuí, a trajetória da equipe da EMATER/RS-ASCAR no município, a descrição da experiência em si, onde aparecem as diferentes estratégias de ATES, resultados imediatos, impactos em longo prazo, potencialidades, limites da experiência e lições aprendidas.

5 – CONTEXTO

5.1 – História dos assentamentos

O município gaúcho de Salto do Jacuí localiza-se na região central do RS, a uma altitude de 320 m em relação ao nível do mar. Possui uma área de 519,197 km², e uma população de 12.154 habitantes (IBGE – 2007). É considerado capital de geração de energia elétrica, com duas usinas hidrelétricas (UHE) no Rio Jacuí e uma usina menor (PCH) no Rio Ivaí. Figura 1 – Trevo de acesso à cidade de Salto do Jacuí

Fonte: Celso Martim Konrad, 2012.


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Em 1970 o município teve parte de sua área alagada pela Barragem do Passo Real, desalojando muitas famílias, aonde parte destas, posteriormente, vieram a ser reassentadas no Assentamento Capão Bonito. A produção agropecuária baseia-se em sua maior parte na produção de soja, sendo ainda cultivados milho, trigo, fumo, feijão, e produtos para autoconsumo, além da produção de leite. Nos assentamentos a matriz produtiva não se diferencia muito do restante, com ênfase na produção de grãos, leite, fumo e autoconsumo. A tendência é a manutenção deste cenário e a ênfase da ATES é a bovinocultura de leite. A estrutura agrária é composta por grandes propriedades rurais, que ocupam três quartos da superfície agrária útil e aproximadamente 620 famílias de agricultores familiares, indígenas, quilombolas e pescadores que ocupam o restante. Em 1983 uma fazenda de grande extensão foi desapropriada para fins de reforma agrária e veio constituir o Assentamento Rincão do Ivaí, que conta atualmente com 76 famílias. Os lotes em sua maioria são de pequena extensão, com área de 5 a 10 ha, insuficientes, no entender dos ocupantes, para a geração de renda para as famílias, ocasionando uma grande pressão sobre as Áreas de Preservação Permanente, com desmatamento, queimadas e drenagem de áreas úmidas. No período seguinte à implantação, as nascentes foram essenciais no abastecimento de água das famílias e criações, sendo por esta razão, bem preservadas e cuidadas, inclusive com a adoção pela equipe técnica de prática de proteção de nascentes, erroneamente denominadas naquela época de ‘drenagem de fontes’. Este cuidado foi gradualmente perdido com a chegada da rede de abastecimento de água de poços profundos alguns anos depois, pois se dizia que “agora sim as famílias tem água boa”, sendo a água das nascentes considerada não potável e dispensada no uso doméstico. No ano seguinte (1984), uma área vizinha também foi desapropriada, vindo a formar o Assentamento Capão Bonito, com 41 famílias. Uma fração de 100 ha deste último assentamento foi destinada a outro grupo de 10 famílias evadidas de outro assentamento em Taquari e que não se adaptou àquela região, vindo então a ser conhecido por Assentamento Taquarianos, banhado pelo Lajeado Água Bonita. Figura 2 – Imagem panorâmica dos assentamentos

Fonte: Celso Martim Konrad, 2011. Em 1999 um grupo de 43 famílias, dissidentes do Movimento Sem Terra, sabendo de uma área hipotecada ao Banco do Brasil, ocuparam e iniciaram o cultivo, vindo a serem


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reconhecidos 42 lotes pelo INCRA dois anos depois. Este agrupamento foi denominado Assentamento Oriental, derivado do nome anterior da fazenda. Uma quarta leva de famílias chegou em 2001, vindo a ocupar área comprada pelo Estado para reassentar 41 famílias desalojadas pela Barragem de Dona Francisca. Este assentamento possui reserva legal, sem utilização para exploração agropecuária. Este grupo recebeu a denominação de Reassentamento Luz do Amanhecer, nome escolhido pelas próprias famílias. Os reassentados receberam infraestrutura completa, com estradas abertas, casa de moradia, galpão, energia elétrica, água encanada, salão comunitário, capela e a fundação de uma associação de produtores, além de uma ajuda de custo entre 2001 e 2002 até a conclusão da infraestrutura.

5.2 – Trajetória da assistência técnica

A emancipação político-administrativa do município de Salto do Jacuí se deu em 1982, e o Escritório Municipal da EMATER/RS-ASCAR iniciou suas atividades em 1985, com a chegada de Adeleir Pedrassani, Dionisio Treviso e Juarez Silveira Machado. No início, a ênfase na ação extensionista baseava-se nos aspectos produtivos e organizacionais, além de proporcionar acesso a crédito público. A difusão do conhecimento com enfoque produtivista, foi ao longo dos anos a proposta básica da ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural. Com ela, novos conhecimentos e técnicas de produção foram introduzidas e difundidas pelos rincões afora. Posteriormente trabalhou-se na implantação do sistema de plantio direto e a rotação de culturas, amparado pelo Programa Pró-Guaíba. Neste período houve o incentivo no plantio de mudas florestais nativas e exóticas, recuperação de solo, construção da ‘casinha’ com objetivo de armazenar os agrotóxicos evitando assim o risco de contaminação ambiental. Também se trabalhou com a proteção de nascentes, a coibição das queimadas e o estímulo ao uso de cobertura vegetal dos solos no período de entressafra das culturas de verão, conhecido como adubação verde. Um trabalho de destaque foi o uso de Baculovirus anticarsia para o controle biológico da lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis), realizado entre 1989 e 1994, o que reduziu significativamente o uso de agrotóxicos na lavoura de soja na área de abrangência do escritório. Em 1990 agregou-se à equipe municipal a educadora ambiental e técnica de bemestar social Tania Treviso para os trabalhos voltados à temática social, segurança alimentar e ambiental. A partir de então, o tema ambiental tomou novos rumos, com ampliação do público atendido e freqüência maior de atividades nos assentamentos. Houve a adoção de metodologias participativas, no qual a assessoria em pares técnico-social buscou integrar gênero e públicos de diferentes faixas etárias, concretizando a proposta de ações interdisciplinares, abaixo apresentadas. As mulheres, homens e jovens participam da mesma atividade, na maioria dos temas apresentados. Todos os


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componentes da família passam a sentir-se atores do processo, capazes de atuar e promover desenvolvimento e qualidade de vida. Em 2010 uniu-se à equipe o Engenheiro Agrônomo Celso Martim Konrad, qualificando o trabalho da equipe. Seguindo o trabalho, inúmeras ações foram propostas, buscando valorizar os saberes locais, a autonomia das famílias, a recuperação dos solos, a geração de renda. Nem todos os objetivos foram alcançados, havendo grande dificuldade inicial em tratar um tema sempre evitado pela equipe e pelas famílias. Para buscar alcançar os objetivos propostos na assim denominada ‘dimensão ambiental’ pelo contrato de ATES, foram propostas as ações a seguir descritas.

5.3 – Programa de ATES

A partir de 2009, com a implantação do Programa de ATES – Assessoria Técnica, Social e Ambiental – foi formalizado um contrato de trabalho entre as prestadoras de serviços e o Incra, para atendimento exclusivo às famílias assentadas pelo Programa Nacional de Reforma Agrária. Além disso, o contrato previa a contratação de assessores técnico-pedagógicos (ATP’s) para dar suporte às equipes técnicas, estes últimos conveniados à UFSM. A assessoria técnica prevê ações nas dimensões produtiva, social, ambiental e de integração de políticas públicas e programas do Incra. Na esfera ambiental, o Projeto Básico de ATES estabeleceu...

“(...)a priorização de espaços de capacitação, objetivando a conscientização dos assentados acerca dos problemas ambientais apontadas nas Licenças de Instalação e Operação (LIOs) dos assentamentos, previu reuniões com a Patrulha Ambiental e orientou para que os técnicos viabilizassem o licenciamento ambiental de atividades produtivas realizadas nos lote, discutissem o manejo dos recursos naturais e encaminhassem para avaliação os projetos a serem licenciados, a fim de obter a anuência do Incra.” (p. 166)

Em Salto do Jacuí, a prestadora de serviços é a EMATER/RS-ASCAR vinculada ao Núcleo Operacional de Júlio de Castilhos. Como nem todos os assentamentos do Salto do Jacuí possuem Licença de Instalação e Operação foi elaborado um Plano de Desenvolvimento do Assentamento-PDA, documento construído pela então equipe de extensionistas rurais entre 2001 e 2002, através de metodologias participativas, envolvendo todas as famílias assentadas em cada assentamento, contemplando um diagnóstico da realidade, com identificação de pontos de estrangulamento, potencialidades, linhas estratégicas e plano de capacitação. Este documento é reconhecido como alternativa à Licença de Instalação e Operação (LIO) do assentamento nos locais em que esta não foi exigida pelo órgão licenciador do estado - FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental. A questão ambiental está aí contemplada, com a leitura do impacto ambiental, medidas mitigadoras sugeridas, e plano


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de controle dos possíveis e prováveis danos ambientais a partir da instalação do assentamento. Nos assentamentos com mais de 10 anos de implantação, o documento construído foi o PRA – Plano de Recuperação do Assentamento, como forma de atualização dos dados e revisão do planejamento inicialmente adotado. As ações a seguir descritas utilizam o PDA/PRA como documento norteador da assessoria ambiental.

6 – DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA

6.1 – Um novo olhar sobre as metodologias de extensão

As ações de ATES foram desenvolvidas no âmbito da educação formal junto a duas escolas nos assentamentos e no âmbito da educação não-formal, com alcance a todas as famílias assentadas. Enquanto a aprendizagem na educação formal se dá por intermédio de grade curricular e em espaços estruturados, a educação não-formal é acima de tudo um processo de aprendizagem social, centrado no educando, através de atividades que têm lugar fora do sistema de ensino formal e sendo complementar deste. Exemplos da educação não-formal são as reuniões, os dias de campo e as caminhadas transversais, além de seminário e trilha de percepção. A participação de cada pessoa e a motivação são ingredientes indispensáveis para a construção de um contínuo processo de ação e reflexão. A proximidade, a valorização dos diferentes saberes e o convívio geram desprendimento e confiança suficientes para que os reais interesses e necessidades das famílias venham à tona. Também a postura do técnico de ATES deve ser a de manter o diálogo como norma fundamental do relacionamento. Figura 3 – Reunião no assentamento Taquarianos

Fonte: Celso Martim Konrad, 2012. Criatividade e ousadia ao aplicar as metodologias fizeram e fazem parte da execução do trabalho, sem apegar-se aos métodos já descritos, o desprendimento e inovação, a formação didático-pedagógica são características fundamentais para o sucesso da ATES. O caminhar lado a lado, o saber ouvir, sentar-se no mesmo nível, experenciar as mesmas coisas, ter empatia, alteridade manifestada para construir o aprendizado.


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Na comunicação participativa, os protagonistas constroem em comum discurso para a modificação real de suas condições de existência, para a mudança das estruturas do poder econômico, político, social e cultural dominante. O falar e o rebater, o concordar e o discordar fazem parte da conversa e na caminhada. Para Paulo Freire (1983), a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados. O conhecimento deve libertar as pessoas de suas aflições, possibilitar respostas práticas às necessidades do dia-a-dia e incrementar a qualidade de vida, através de relacionamentos saudáveis e harmoniosos. A atitude do técnico não deve ser de impor seu conhecimento, mas oferecer elementos para a decisão. Cada qual deve assumir suas decisões de forma consciente, baseado nas informações recebidas. É preciso saber perguntar. O conhecimento da Pedagogia do Construtivismo de Jean Piaget permite-nos a reflexão sobre a práxis extensionista, tornando-se mais exigente do ponto de vista do educador. É preciso conhecer e reconhecer o processo de produção do conhecimento e, como mediador social, o técnico de ATES deve adotar uma postura de respeito ao ritmo dos agricultores, valorizar o saber local, a história de vida de cada um e de todos. É necessário dialogar, incluir, valorizar as capacidades individuais, no contexto do emprego das metodologias. É preciso saber ouvir. Para Piaget, o conhecimento não está no sujeito, nem no objeto, ele é construído na interação entre ambos. Por isso, a participação constitui um dos canais essenciais para formação de cidadãos críticos, com enfoque na emancipação e empoderamento. O saber fazer pressupõe o domínio dos processos de aprendizagem, dessa forma é possível uma abordagem interdisciplinar dos temas ligando-os a vida. A interdisciplinaridade tem, portanto, um fundamento biofísico, estrutural e orgânico. Cada pessoa é única, pois não há cérebros iguais, aprende de uma forma diferente (GARDNER – teoria das inteligências múltiplas), tem um ritmo próprio, necessita de materiais didáticos diversificados, estabelece relações diferenciadas na construção do próprio conhecimento, produto das relações internas entre os sentidos, crenças, imaginação, intuição, pensamento, emoção, etc. Outro aspecto, refere-se à adoção de uma abordagem transversal das questões ambientais, onde a transversalidade pode ser definida como uma ferramenta pedagógica cuja finalidade é proporcionar ao educando a possibilidade de adquirir uma visão mais crítica e compreensiva acerca da realidade social, com sua inserção participativa na mesma. Essa ferramenta faz oposição a uma visão individualista e alienada do conhecimento, onde por meio do uso dos temas transversais, promove uma relação entre os conteúdos e seus respectivos contextos (MORAES, 2005). Para facilitar o processo, a trilha de percepção constitui um relacionamento de imersão do sujeito, melhorando a acuidade sensorial, onde o ambiente natural é percebido, sentido e apreendido. A trilha é vista como um instrumento valioso para a ATES, pois permite aproximar o aluno, a família e o professor do seu meio, resignificando sua experiência de convívio em relação a este. Existem diferentes tipos de trilhas: interpretativa (Jopseph Cornell), trilha dos sentidos e trilha de representação social (Marcos Reigota). Neste trabalho a trilha da percepção agrega um elemento novo, onde as técnicas de comunicação e desenvolvimento humano aplicadas a gestão de pessoas e processos educativos, preconizadas pela


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Programação Neurolinguistica-PNL. O uso da PNL na trilha tem por objetivo dar ênfase às experiências vivenciadas a partir dos cinco sentidos, o que propõe re-significar os padrões de pensamento e aprendizagem. É uma poderosa ferramenta de trabalho que traz resultados significativos nos processos educativos. Para Ribeiro (2003), a percepção pode ser desenvolvida através da funcionalidade dos sentidos, tornando assim diferente em cada um, pois o significado que os estímulos sensoriais despertam é o que distingue como cada indivíduo compreende a realidade em que está inserido. Estes significados estimulados nos indivíduos representam valores que são atribuídos de acordo com a cultura, história, idade, sexo, educação, classe social, econômica, política, preferências, atitudes e atribuições do meio ambiente. São estes valores que dão sentido à percepção ambiental. A informação sensorial, os processos cognitivos resultantes da interação entre indivíduo e ambiente formam a percepção ambiental de cada indivíduo. A história de vida, educação, meio social e cultura na qual tem origem, além das características do próprio ambiente. Todos estes fatores atuam como verdadeiros filtros entre a realidade e o comportamento de cada indivíduo. O estudo da percepção ambiental é uma importante ferramenta para a gestão ambiental. Desenvolver a percepção ambiental nas famílias permite aproximar as famílias da sua realidade ambiental, entender como elas percebem o ambiente em que estão inseridas e assim melhor compreender as inter-relações entre o homem e o ambiente, suas expectativas, anseios, satisfação ou insatisfação e a partir desta, estimular o aprendizado e a ação mais adequada, despertando valores e atitudes que permitem uma participação responsável na busca de soluções para reverter ou prevenir os problemas socioambientais, bem como atuar na melhoria e proteção do ambiente. A percepção do ambiente não é a mesma para os diferentes atores sociais. A sua construção envolve todas as condições que cercam estes atores, tanto físicas, éticas, ideológicas, cognitivas, como afetivas, determinando suas próprias percepções. O estudo dos processos mentais relativos à percepção ambiental pode ser entendido “como um processo mental de interação do indivíduo com o ambiente que se dá através de mecanismos perceptivos propriamente ditos e, principalmente, cognitivos.” (DEL RIO & OLIVEIRA). Este processo é fundamental para a compreensão das inter-relações ser humano, sociedade e cultura com o ambiente. Seja, tanto individual, como coletivamente, uma vez que ele influi em suas expectativas, julgamentos e atitudes em relação às questões ambientais. Esta percepção consiste em trocas funcionais do indivíduo com o ambiente. Trocas estas que se dão em duas dimensões: a cognitiva e a afetiva. Métodos como trilha da percepção e dia de campo constituem um processo de educação não formal, a qual se baseia na motivação intrínseca de seus participantes, onde a experiência singular de cada pessoa é a mais complexa das relações sociais, posto que se inscreve ao mesmo tempo nos campos cultural, laboral e da cidadania. Permitindo através dela o desenvolvimento de saberes, competências e habilidades, de forma voluntária, descomprometida e não hierarquizada, centrada na pessoa, o que não significa dizer menos estruturada. É isso que revela o caráter novo, do processo de aprendizagem social. A seguir a descrição das metodologias adotadas.

6.2 – Estratégias de ATES adotadas


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Na perspectiva da educação ambiental como processo para a formação e educação permanente de cidadãos responsáveis em relação à questão ambiental, foi desenvolvido em 2009 pela equipe de ATES, uma proposta em forma de projeto que pudesse ser aplicada ao meio escolar e com acompanhamento permanente. Anterior ao projeto, as ações nas duas escolas no meio rural eram pontuais, desarticuladas e em resposta a demandas momentâneas, sem resultar em grandes ganhos educacionais. A partir do contrato de ATES, os alunos e professores das escolas do meio rural passam a ser público da Assessoria Técnica Social e Ambiental através de encontros mensais. Com a obrigatoriedade da Educação Ambiental em todos os níveis e modalidades de ensino, estabelecido pela Lei 9.795/99 e a necessidade de cumprir metas em escolas e na dimensão ambiental, previstas no contrato de ATES, buscou-se a parceria com a Escola Municipal União e Vitória e a Escola Municipal João Gonçalves Vieira, localizadas respectivamente nos assentamentos Rincão do Ivaí e Capão Bonito. A equipe de ATES buscou na Pedagogia de Projetos elementos para a formulação do Projeto Interdisciplinar de Educação e Recuperação Ambiental, relançado e rebatizado em 2010 com o nome de Projeto João-de-Barro∗ de Educação e Recuperação Ambiental, porém sem perder o caráter interdisciplinar. O projeto em si não constituía meta do contrato, mas trazia na sua formulação os elementos para o cumprimento das metas propostas. Figura 4 – João-de-barro

Fonte: Imagem da internet Para o projeto,

“A Educação Ambiental é um processo participativo, onde o educando assume o papel de elemento central do processo de ensino/aprendizagem pretendido, participando ativamente no diagnóstico dos problemas ambientais e busca de soluções, sendo preparado como agente transformador, através do desenvolvimento de habilidades e formação de atitudes, através de uma conduta ética, condizentes ao exercício da cidadania.” (p. 03)

João-de-barro é um pássaro típico da região e que usa barro para construir seu ninho, em forma de forno. Este nome foi escolhido por ser um pássaro muito laborioso e que utiliza elementos da natureza sem destruí-la.


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Quanto ao local de ensino da Educação Ambiental,

“A escola é o espaço social e o local onde o aluno dará seqüência ao seu processo de socialização. O que nela se faz, se diz e se valoriza, representa um exemplo daquilo que a sociedade deseja e aprova. Comportamentos ambientalmente corretos devem ser aprendidos na prática, no cotidiano da vida escolar, contribuindo para a formação de cidadãos responsáveis.” (p. 03)

Considerando a Educação Ambiental como um processo contínuo e cíclico, tem-se a sensibilização como primeiro passo para alcançar o pensamento sistêmico. Segue-se a compreensão, com o conhecimento dos componentes e dos mecanismos que regem os sistemas naturais. Forja-se assim a responsabilidade, reconhecendo o ser humano como principal protagonista, gerando competência, capacidade de avaliar e agir efetivamente no sistema de forma a desenvolver cidadania, participando ativamente, resgatando direitos e promovendo uma nova ética capaz de conciliar o ambiente e a sociedade. Figura 5 – Equipe de professores em formação na Escola João Gonçalves Vieira

Fonte: Tânia Treviso, 2010. No ano seguinte (2010), uma pesquisa estruturada foi realizada na escola, iniciando com um teste piloto com professores e alunos e posteriormente aplicada às famílias do assentamento Capão Bonito, com o objetivo de identificar os principais problemas ambientais da comunidade. Um deles foi o acúmulo e o destino do lixo seco domiciliar. Depois disto alunos e professores visitaram as famílias e através de uma demonstração de método passaram a orientar para a correta separação e armazenagem para a coleta. Realizado o processo de orientação, o assentado Laurindo Pagnussati questionou: ‘e agora, o que vocês pretendem fazer com todo esse lixo?’ Lançada a questão, partiu-se para a reflexão. Houve um momento de incerteza, refletido na fala: ‘Quem que vai recolher esse lixo?’. Alguns diziam: ‘Isto não vai dar certo’ enquanto outros consideram um fator positivo: ‘Agora vamos despachar este lixo’. De outubro a dezembro do mesmo ano, durante o processo de planejamento de ATES com os assentados, para o ano seguinte, veio à tona novamente a questão do


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recolhimento do lixo. Neste momento, lideranças em conjunto com a equipe de ATES, mediaram com a Secretaria de Obras do município o recolhimento do mesmo. No ambiente escolar, em 2010, foram implementadas lixeiras nas salas de aula para que os alunos pudessem contribuir com a separação do lixo orgânico e seco. Também foi construída uma composteira, através de demonstração de método, para depositar o lixo orgânico e sobras da alimentação escolar, com a intenção de aproveitamento na produção de hortaliças após decomposição, prática também adotada pelas famílias. Junto à escola foi construída cisterna para reservação de água, através de recursos da CARITAS, entidade de promoção e atuação social, ligada à CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Figura 6 – Demonstração de método para construção de composteira

Fonte: Celso Martim Konrad, 2013. Outra forma de abordar a questão ambiental na escola foi um desafio lançado aos alunos: elaborar um jornal de circulação interna contendo informações ambientais, muito apreciadas pelos escolares e professores (anexo 1). Dentre as metas coletivas de ATES em 2011 foi realizada uma campanha orientadora junto às famílias, desenvolvida simultaneamente pelos alunos e pela equipe técnica, sobre a separação e destino do lixo seco domiciliar e o lixo escolar, onde estes passam a ser armazenados e entregues conforme agenda de coleta. Figura 7 – Campanha de separação e recolhimento do lixo seco domiciliar.

Fonte: Celso Martim Konrad, 2010.


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Ao final de um ano de trabalho foi realizado um seminário, planejado e executado por alunos e professores, com apoio da equipe de ATES, onde se apresentou o resultado das ações da temática ambiental, foi oportunizada aos participantes do seminário a vivência experenciada pelos alunos quando os mesmos participaram da trilha da percepção. “...Quase me cozinhei, é isto mesmo que vai acontecer com a gente? Que horror!”, espanta-se o assentado José Rodrigues da Paixão, ao sair da oficina sobre aquecimento global, apresentadas durante o seminário. No assentamento Rincão do Ivaí foi instalada uma Unidade de Experimentação Participativa-UEP, na qual diferentes espécies de cobertura vegetal do solo foram dispostas em pequenas parcelas, acompanhando-se o seu desenvolvimento e mostrando o resultado obtido. Na fala do produtor Osmar Bastião Engelmann: ‘esse jeito de mostrar um do lado do outro é o mais fácil de se aprender... Eu só fui entender depois que vi a plantação na minha frente.” Figura 8 – Unidade de experimentação participativa com plantas de cobertura do solo

Fonte: Tania Treviso, 2013. A partir do conhecimento da realidade e com apoio de publicações existentes sobre o tema ambiental, foi elaborado e distribuído a todas as famílias atendidas um folder educativo (anexo 2), trazendo em seu conteúdo as principais atividades geradoras de impacto ambiental e as medidas protetoras correspondentes,breve explicação sobre as áreas de preservação permanente e ações práticas a realizar na questão ambiental, oportunidade em que, através da visita às famílias, se orientou para a separação e coleta do lixo domiciliar. Também foi firmado pacto entre a Secretaria Municipal de Obras e Departamento do Meio Ambiente com objetivo de estimular a adoção da coleta, não permitindo a abertura de “buracos”, locais anteriormente destinados ao depósito do lixo, próximos á cada moradia. Esta ação permanece, sendo que as famílias seguem a agenda de entrega do lixo e a prefeitura municipal realiza a coleta. Como método de sensibilização para as questões ambientais, foi adotada a trilha de percepção, como uma ferramenta que contribui para a melhoria da percepção acerca do ambiente. Ao dar início ao projeto na escola foi oportunizada aos escolares a vivência da trilha como forma de aproximar os alunos do ambiente, como sendo parte do mesmo e não a visão romântica, de uso dos recursos. A intenção da trilha é contrapor a ideia de que somos turistas neste planeta.


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“Nós não sabemos o que os alunos fazem, lá no mato, eles vem falando maravilhas e eu não posso ajudar em sala de aula, não sei o que fazer...” (Profª. Sonia Heller)

Esta fala revela o comprometimento dos professores tão somente com a grade curricular. Devido às limitações apresentadas pelos professores ao trabalhar o tema ambiental de forma interdisciplinar, a partir dessa constatação foi oportunizado aos mesmos, através de oficinas, as condições teórico-práticas para contribuir no processo em andamento com os escolares e pais. Passo a passo: A realização da trilha de percepção perpassa a organização do material anterior a sua execução, a escolha do local levando em conta quem participa, acessibilidade, sem risco aos participantes, e tempo disponível. Os locais podem ser distintos, desde uma sala de aula, uma mata, uma propriedade. Os locais são organizados em 5 espaços (salas) distintos, nestes são trabalhados os sentidos associados à vida cotidiana de cada envolvido no processo. Cada sala tem objetivo específico de compartilhar experiências e sentimentos e ou desenvolver habilidades e competências. As vivências estão intrinsecamente ligadas à vida, valores, ética, cultura, etnia, na perspectiva de humanizar o convívio e aproximar o homem do ambiente. Cada sala trata de um tema físico (ambiente em si, mata, fauna), sentimentos envolvidos e vínculo com a vida, trabalho. Os conteúdos possuem uma abordagem interdisciplinar, totalizando 10 momentos distintos. Figuras 9 e 10 – Crianças na trilha de percepção

Fonte: Tânia Treviso, 2009. Cada participante recebe uma sacola, com objetos específicos que serão utilizados durante a trilha, tais como: espelho, alimentos cítricos, salgado, doces, massa de modelar e água. A entrega desta sugere uma viagem, algo novo e diferente. O uso destes objetos acontece no decorrer da trilha em momentos bem distintos: 1º momento: brincadeira para descontrair. O grupo é dividido em dois, através de perguntas orientadoras são estimuladas atividades que libertam das tensões do dia a dia e preconceitos e conduzem ao lúdico;


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2º momento: introspecção – o moderador conduz através de sua fala para que o participante se permita olhar para dentro de si; momento destinado a silenciar o corpo, a mente e alma, é a tomada de consciência dos seus estados mentais; 3º momento: queima dos preconceitos - somos o que somos. O moderador conduz a reflexão das idéias pré concebidas de cada um e simbolicamente faz-se a queima como forma de desprover-se daquilo que é limitante para execução desta atividade; 5º momento: jeito de olhar – visão. Neste espaço os participantes são motivados a identificar objetos, diferentes do ambiente natural, fazem o caminho e ao final deste ditam quantos objetos identificaram. Não atingindo o objetivo, recebem um óculos e refazem o caminho com objetivo agora de ampliar a visão. Também são trabalhados temas interdisciplinares, ligando à vida, ao tema proposto antes da trilha, ao trabalho. 6º momento: compreendendo o mundo com as mãos – tato. Aqui os participantes são divididos em dois grupos, onde o primeiro grupo é denominado de “anjos”, pois serão os condutores dos demais que estarão de olhos vendados. Aqui são explorados vários temas, como confiança, respeito, trabalho em equipe, importância de ver o mundo de outras formas. 7º momento: 8°nota musical: silêncio – audição. Na própria trilha se escolhe locais com alguns sons representativos, como o barulho da água, de pássaros cantando. O moderador oportuniza a motivação do auto escutar-se, hábito incomum para nós humanos. Segundo os indígenas o silêncio é considerada a 8º nota musical e por isso é fundamental fazer o exercício do ‘ouvir’, do ‘saber ouvir’, valorizando este evento. Aqui se estabelece as relações do individuo com os canais de comunicação, próprios de cada indivíduo, com a vida, com o trabalho em equipe. 8º momento: sabores da vida – paladar. Neste momento os alimentos que estão na sacola são consumidos, socializados, a partir dos quais são trabalhados os significados sociais e culturais dos alimentos, a percepção sensorial, preferências... 9º momento: tempo de decifrar – olfato. Pela percepção olfativa são oportunizados diferentes odores (folhas, terra, cascas, perfumes) discriminando-os e, finalmente memorizando-os, além de lhes dar um significado pessoal. A psicologia do cheiro enquanto memória e acesso a lembranças, buscando daí a imaterialidade através da memória olfativa, onipresente. 10º momento: Por que estou aqui? - questionamento. Aqui é usado o espelho que está na sacola, onde cada um em silêncio, faz um diálogo interno, orientado por uma pergunta orientadora: o que representou para mim, a realização dessa trilha? E expressa seus sentimentos através da arte, usando a massa de modelar. A trilha é instrumento efetivo para desenvolver a gestão ambiental. A experiência vivenciada durante a trilha é singular de cada pessoa, é a mais complexa das relações sociais, posto que se inscreve ao mesmo tempo nos campos cultural, de conhecimento, laboral e da cidadania. Revela o desenvolvimento de competências e habilidades, de forma voluntária, descomprometida e não hierarquizada, centrada na pessoa, na alteridade, nos valores e significados. É isso que revela o caráter novo, do processo de aprendizagem social. A trilha contribui para a reflexão dos problemas ambientais e também sociais, pois os problemas de que trata a educação ambiental não afetam apenas o ambiente. Afetam o ser mais complexo, que é o ser humano. Para Gadotti, “Não aprendemos amar a terra lendo livros sobre isso, nem livro de ecologia integral. A experiência própria é o que conta.”


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Outra metodologia adotada é a caminhada transversal. Este é um instrumento de aproximação das pessoas com a sua realidade ambiental, de valorizar o que é seu, os bens imateriais de cada um, ir além dos aspectos físicos, desenvolver a amizade entre vizinhos e a topofilia, ou seja, estabelecer laços afetivos entre a pessoa e o ambiente físico, fazendo-a sentir-se bem onde está. Figuras 11 e 12 - Caminhada transversal

Fonte: Celso Martim Konrad, 2010.

Fonte: Tânia Treviso, 2011.

Na fala da assentada Gerda Panosso:

“...fizemo uma caminhada por tudo, comecemo numa ponta do assentamento e saímo na outra... Olhemo a terra, a lavoura, pulemo as valeta... Varamo a cerca, olhemo as vaca pastando no potreiro e o esterco escorrendo pelo lajeado... Vimo o barranco caindo no lajeado e cheguemo na fonte do seu Gladimir.”

A caminhada com a visita a uma nascente em processo de recuperação e um almoço comunitário entre as famílias, é um momento realmente rico de análise e de participação, onde as pessoas apresentam o seu testemunho sobre o aprendizado, onde o papel do técnico é ouvir e estimular o comentário, como mediador do processo. Há nestes momentos a aproximação dos diferentes saberes: tradicionais, empírico e acadêmico, inserindo a participação direta de professores, alunos e agricultores. Cada um deles se preparando para a realização do dia, imbuídos de suas representações, valores e conhecimentos, diferentes um dos outros. Os produtos construídos são antes de tudo, planejados e executados pelos diferentes atores, e estes próprios conduziram os trabalhos.

“Eu jamais me imaginaria numa situação destas, estou conhecendo isto aqui, sendo picado pelos mosquitos e aprendendo com os agricultores sobre o que é uma proteção de nascente.” (Alex Cossetin, Professor de Ed. Física)


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A valorização da prática é elemento fundamental do processo, trazendo as palavras de Confúcio: “o que escuto, logo esqueço; o que vejo, eu me lembro; o que faço, isso sim eu aprendo”. Por fim, a realização de um dia de campo assume um caráter diferenciado, onde a essência está no como fazer e não no formato do método ou no conteúdo propriamente dito. O método tal como o conhecemos é utilizado para a difusão de conhecimento essencialmente técnico, acadêmico. Na nova ótica, o saber é socializado a partir de vivências anteriores dos alunos e familiares em diferentes momentos do seu cotidiano, tanto na escola como na unidade produtiva. Procura não apegar-se a estruturas de organização tradicionais do método em si, como estações e rodízio, o que não significa dizer que o processo não esteja estruturado. São várias ações ao longo do ano: planejamento, execução, avaliação e apresentação à comunidade. O caráter do dia de campo não é tecnológico, tampouco preocupou-se com o número de participantes, estações e duração. A ênfase é nas pessoas, na valorização daquilo que elas vem fazendo na suas unidades de produção, na sua escola e para que serve. Dias antes da realização do evento, os diferentes atores, alunos, professores, agricultores e técnicos se reúnem para debater o tema de interesse. É neste momento que os diferentes saberes são colocados na mesa, é definido o que é importante mostrar a partir do trabalho realizado durante o ano. Figuras 13 e 14 – Planejamento e execução do dia de campo

Fonte: Celso Martim Konrad, 2010. No dia do evento, em cada estação se posiciona um professor, um aluno e um agricultor para o intercâmbio de conhecimentos. A comunidade é convidada a assistir à apresentação e compartilhar informações. É onde ocorre a criação e apropriação do novo conhecimento. O que se pretende mostrar é que as relações sociais na construção desse conhecimento são fundamentais para a melhoria da qualidade de vida das pessoas envolvidas nessa experiência. Consideramos que a atitude do produtor em relação aos bens ambientais colocados a seu dispor, tais como o solo, a água, a vegetação, situados num determinado espaço geográfico (o lote), o qual se servindo da sua força de trabalho e do seu conhecimento, orientados para a produção de alimentos e geração de renda, deve ser a de respeito e pela sustentabilidade da unidade produtiva, considerando as gerações vindouras. Não basta conhecer, é preciso agir e agir com sabedoria.


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7 – RESULTADOS

Um cabedal de práticas individuais foi gerado a partir das ações ambientais propostas. Dentre os resultados obtidos, temos: proteção de nascentes, plantio de cordões vegetados para contenção do escoamento da água de chuva das lavouras, fechamento de voçorocas, construção de sumidouros para dejetos humanos, construção de composteiras para decomposição do esterco animal e posterior aproveitamento do composto orgânico nas hortas e pomares domésticos, plantio de mudas florestais nativas no entorno de nascentes e formação de mata ciliar, isolamento de áreas de preservação permanente com cerca para impedir acesso de animais domésticos, construção de terraços, semeadura de espécies vegetais para cobertura de solo no período de entressafra, ampliação na rotação de culturas. Sobre a proteção de nascente, o assentado Gladimir Vinchiguerra se manifesta:

“Isso aqui era um potreiro em volta do açude e eu usava pras vaca pastar... Quando os técnico da Emater vieram, eu fechei um canto. Aí, no inverno, eu plantei umas muda nativa que eles trouxeram. Isso foi em 2009... Depois de um ano eu fechei mais um pedaço e olha como ta... Depois de 4 anos, ta um mato só.”

Figura 15 – Proteção de nascente circundada por campo nativo em processo de regeneração natural depois de um ano cercada (à esquerda) e depois de 4 anos (à direita)

Fonte: Celso Martim Konrad, 2010.

Fonte: Celso Martim Konrad, 2013.

Foi criado um calendário de coleta do lixo seco reciclável nos assentamentos, onde o recolhimento é realizado pela Secretaria de Obras. Foram previstas quatro datas em 2011 e 2012, e seis recolhimentos em 2013. Figuras 16 e 17 – Recolhimento de lixo seco reciclável nos assentamentos, antes jogado numa vala


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Fonte: Celso Martim Konrad, 2010.

Fonte: Dionísio Treviso, 2011.

Percebeu-se uma maior preocupação das famílias com a estética das propriedades, redução na perda de água, solos e fertilizantes nas lavouras, pelo controle da erosão e impacto positivo no rendimento das culturas e pastagens. Houve uma redução significativa nos poluentes e lixo doméstico depositado nas propriedades, minimizando a disseminação de vetores causadores de doenças nos animais e nas famílias. Houve um resgate histórico da comunidade do Rincão do Ivaí, no qual as famílias tiveram a oportunidade de relembrar, registrar e apresentar sua experiência de 30 anos a um grupo de estudantes e professores da Universidade de Montreal, Canadá, momento muito rico de confraternização das famílias envolvidas. Num nível mais amplo, o empoderamento das pessoas sobre as questões ambientais, maior acesso à informação e mudança de atitudes, acréscimo de confiança e segurança, exercício da cidadania ambiental.

8 – IMPACTOS

Os impactos do trabalho podem ser percebidos, embora alguns não sejam mensuráveis. Alguns são de dimensão física, outros imateriais, somente podem ser sentidos, nem por isso menos reais, por exemplo a união das famílias, envolvimento e melhoria da convivência. A sensibilização quanto à questão ambiental pode ser mais bem percebida junto aos escolares, que tomaram para si a tarefa de espalhar os conhecimentos adquiridos. Muitos adultos também assimilaram as idéias disseminadas, adotando práticas saudáveis em relação ao ambiente. A segurança dos professores em tratar o tema com os alunos foi sensivelmente melhorada. Algo muito visível como resultado do trabalho foi a melhoria na estética das propriedades, onde os arredores da moradia ficaram mais apresentáveis, com repercussão positiva na autoestima e na saúde.


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Figura 16 – Moradia e arredores bem cuidados no assentamento Taquarianos

Fonte: Celso Martim Konrad, 2013.

Mudança de hábitos e comportamentos por parte da comunidade especialmente em relação à produção e destinação do lixo. Sensibilização dos escolares para mudança de postura, especialmente no que diz respeito à poluição e ao impacto ambiental causado pelo lixo. Muito positiva foi a possibilidade de sistematização desta experiência, não planejada no contexto da ATES em 2009 quando se iniciou o trabalho com os escolares, bem como a gravação de documentário em vídeo, trazendo elementos do ambiente e da experiência que não puderam ser expressos em linguagem escrita. A amplitude que tomou o trabalho a partir de um projeto escolar, hoje tem caráter estruturante e compõe o planejamento anual e ações da ATES. Outro impacto positivo foi a experiência adquirida pela equipe de ATES com a realização da sistematização, além do crescimento pessoal de cada componente da equipe.

9 – POTENCIALIDADES

Ainda há muito a ser alcançado. Novas turmas de alunos podem ser abrangidas pelo projeto. Há possibilidade de o recolhimento do lixo seco domiciliar ser estendido a todas as famílias residentes no meio rural do município, acompanhado de campanha educativa e orientadora do processo. As práticas individuais de proteção e recuperação ambiental podem e devem ser ampliadas, e as estratégias adotadas pela equipe de ATES podem continuamente ser aperfeiçoadas. A existência de uma equipe multidisciplinar e a permanência e trabalho conjunto dos mesmos ao longo dos anos é fator preponderante para o sucesso do trabalho em educação e gestão ambiental.


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10 – LIMITES DA EXPERIÊNCIA

Os professores das escolas acompanhadas foram quase todos substituídos e as ações precisam ser recomeçadas a cada ano, num processo contínuo de formação. Houve dificuldade inicial no cumprimento das datas de recolhimento do lixo seco reciclável, gerando alguns transtornos, e nem todas as famílias aderiram ao processo, não foram tocados na sua ação. Ainda há um grande uso e abuso na aplicação de agrotóxicos, derivados de sistemas produtivos não adaptados, gerando intoxicação, doenças como depressão e suicídios, sobre o qual o projeto e as práticas realizadas não tiveram grande alcance. Ainda há dificuldades relacionadas à coleta de materiais tóxicos, tais como baterias, pilhas, lâmpadas fluorescentes, que necessitariam ser levados até um ponto de coleta na sede do município, ainda inexistente. Também a fragilidade institucional e do contrato de ATES, que prevê ações ambientais vinculadas a um profissional da área agronômica, embora estes nem sempre exerçam ou tenham preparo e habilidades suficientes nesta dimensão pela formação recebida. Faz-se importante e necessária a qualificação ambiental e metodológica dos profissionais envolvidos. A continuação do trabalho depende da renovação do contrato de ATES, de modo que a equipe possa continuar dedicando tempo a estas atividades.

11 – LIÇÕES APRENDIDAS

Aprendemos a registrar o trabalho executado. É possível aproximar a escola da comunidade. Aprendemos que o comprometimento da equipe de ATES é fundamental. Os alunos declararam que trabalhar a partir do projeto foi muito proveitoso. A dupla técnico-social faz diferença para desenvolver o trabalho. Os professores enfatizaram que é possível trabalhar de forma interdisciplinar. Aprendemos que ser técnico é fácil, porem ser educador é muito mais gratificante. Aprendemos que é preciso ouvir e saber ouvir. Sistematizar é uma forma de aprender e compartilhar aprendizados. A coerência entre discurso e prática é fundamental.


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12 – AUTORES E COLABORADORES

12.1 – Autores

Tânia Treviso – Técnica de Bem-Estar Social Dionísio Treviso – Técnico Agrícola Celso Martim Konrad – Engenheiro Agrônomo

12.2 – Colaboradores

Professores e alunos da E.M.E.F União e Vitória, do Assentamento Rincão do Ivaí. Bonito.

Professores e alunos da E.M.E.F. João Gonçalves Vieira, do Assentamento Capão Lideranças dos assentamentos. Conselheiros de ATES. Secretaria Municipal de Educação. Assistente técnicos regionais da Emater. Assessores Técnicos Pedagógicos.

13 – CONTATOS

Celso Martim Konrad - cmkonrad@gmail.com Dionisio Treviso - dtreviso@emater.tche.br Tania Treviso – tania_treviso@hotmail.com

14 – REFERÊNCIAS CONSULTADAS

CORNELL, Joseph. Vivências com a natureza. Guia de atividades para pais e educadores.


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DEL RIO & OLIVEIRA. DEMO, Pedro. Ensino Superior no Século XXI - Aprender a Aprender. ARTMED: Porto Alegre, 2000a. DIESEL, Vivien; NEUMANN, Pedro Selvino; DE SÁ, Vinicius Claudino (Org.). Extensão Rural no contexto de pluralismo institucional: reflexões a partir dos serviços de ATES nos assentamentos de reforma agrária no RS. Ijuí: Unijuí, 2012. 352 p. FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. GADOTTI, Moacir (org.). Educação de Jovens e Adultos: a experiência do MOVA-SP. São Paulo, Instituto Paulo Freire, 1996. GARDNER, Howard. O'CONNOR, Joseph. Manual de programação neurolinguistica PNL: um guia prático para alcançar os resultados que você quer. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003. PIAGET, Jean. Aprendizagem e Conhecimento. In: Aprendizagem e conhecimento. Tradução Equipe da Livraria Freitas Bastos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974. REIGOTA, M. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez, 1998. RIBEIRO, L. M. O papel das representações sociais na educação ambiental. Dissertação de Mestrado, pela Pontifícia Universidade Católica. Departamento de Educação. Programa de Pós Graduação em Educação. Rio de Janeiro, 2003. SAUVÉ, L. Representações ambientais. 2000. 167p. VASCONCELLOS, J. Trilhas interpretativas como instrumento de educação. In: Curso de Atividade Ecológica II: Trilhas Interpretativas. Unilivre: Curitiba, 1997. YI-FU, Tuan. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: DIFEL-Difusão Européia do Livro,1980. 288 p.


ANDREIA MOREIRA Técnica em agricultura SAMUEL RODRIGUES RUTZ Engenheiro Agrônomo

Produção de sementes agroecológicas


ANDRÉIA MOREIRA Técnica em agricultura SAMUEL RODRIGUES RUTZ Engenheiro Agrônomo

Produção de sementes agroecológicas: a experiência da Família Malmann no Assentamento de Reforma Agrária União – Canguçu/RS

Canguçu, 2013.


Resumo A presente sistematização de experiência agroecológica, realizada no âmbito do Programa de Assistência Técnica Social e Ambiental (ATES) aborda a produção de sementes agroecológicas realizadas pela família Malmann, no Projeto de Assentamento União, município de Canguçu. Com base em visitas técnicas, caminhadas transversais e entrevistas semi-estruturadas procurou-se relatar e refletir sobre a história e a prática cotidiana da família na produção agroecológica, manejo integral do lote e ampliação do número de cultivos. A reflexão sobre as ações desenvolvidas durante o processo de sistematização vem auxiliando no planejamento e na busca de soluções na geração de renda e reprodução social da família, com níveis crescentes de sustentabilidade econômica, social e ambiental. Palavras-chave: Agroecologia, reforma agrária, sementes agroecológicas.


Introdução O presente trabalho foi uma demanda do Programa de Assistência Técnica Social e Ambiental (ATES), gerada no Conselho Estadual de ATES, com o objetivo de refletir sobre suas ações perante a unidade de produção (lote), o ambiente no qual está inserido e a reflexão sobre a geração de renda decorrente destas. Para o processo de sistematização foi utilizada metodologia participativa no levantamento dos dados junto a família, através de roteiro de questões para a entrevista, caminhada transversal e memorial fotográfico. Além deste, foi buscado informações nos dados do escritório municipal da EMATER/RS- Canguçu e junto a Bionatur. A entrevista foi realizada com a participação do casal precedida da caminhada transversal que além do casal, teve também, o acompanhamento de um dos filhos, onde procurou-se resgatar a partir da paisagem a historio da família no lote e seus processos produtivos. Está sendo realizada na mesma unidade de produção uma unidade de observação pedagógica, dentro das redes unidade de observação pedagógica (RUOP), que busca especialmente identificar os arranjos produtivos das famílias e os resultados econômicos das atividades. O objetivo da RUOP é de auxiliar a família nas tomadas de decisão referente a seus investimentos, modelo de produção e definição de linhas de produções prioritárias. O tema das sementes e da produção agroecológica vem assumindo uma maior importância nos últimos anos, especialmente para o público enquadrado na categoria da agricultura familiar, como é o caso das famílias dos assentamentos da reforma agrária. Nesta perspectiva, as famílias vêm buscando autonomia em sua forma de produzir, reduzindo custos, utilizando os recursos naturais disponíveis nos lotes e também trabalhando com a possibilidade de obter alimentos de maior qualidade nutricional e livre de agrotóxicos para o consumo e para o comércio. Assim também de realizar suas atividades produtivas em um ambiente mais limpo, recuperando a fertilidade do sistema. Desta forma se torna necessário a valorização de famílias que tem esta prática e também da importância do tema agroecologia,

mostrando sua viabilidade prática


econômica. O que pode se tornar uma alternativa concreta de modelo tecnológico para o desenvolvimento do meio rural a partir de pequenas unidades de produção. O município de Canguçu, situado na Encosta da Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul, se caracteriza por possuir um expressivo número de pequenos agricultores familiares,

quilombolas

e

assentados

da

reforma

agrária.

Neste

universo

de

aproximadamente dez mil unidades de produção familiares existe uma grande riqueza de culturas, etnias, estratégias de reprodução social e formas de organização. Dentro deste universo de unidades de produção e entidades, situa-se o objeto deste relato de experiência agroecológica: a família do agricultor Adolfo Malmann e a Bionatur. Assentados no Projeto de Assentamento União no ano de 2000, localizado na Armada, Quinto distrito de Canguçu, a família tem na sua vida regressa a experiência com o plantio de culturas de subsistência como milho, feijão, criação de animais domésticos bem como trabalhos não agrícolas. A partir do ano de 2006, integrados à dinâmica das demais famílias assentadas na região, participando das reuniões promovidas pela Emater/RS e Bionatur começou a produzir sementes agroecológicas, inicialmente de milho, expandindo para os próximos anos para outras culturas como melancia, cebola e feijão. Além de ser uma fonte de renda importante para a família, as atividades de formação, assistência técnica e a própria produção influenciaram na forma de condução do lote como um todo. O resultado que vêm sendo observado ultrapassa a perspectiva financeira, alcançando níveis mais elevados de sustentabilidade do sistema de produção e qualidade de vida da família.

Contexto da experiência Canguçu situa-se a sudeste do Estado do Rio Grande do Sul, a 310 km de Porto Alegre, estando a uma latitude de 420 m acima do nível do mar. Possui uma estrutura territorial de 3099 km² e divide-se em cinco distritos. O relevo varia de regiões bastante acidentadas com afloramentos rochosos até várzeas onde é cultivado o arroz irrigado. È considerado o município com o maior número de minifúndios da América Latina, com uma população total em torno de 53268 pessoas sendo que destas 72,5 % vivem na zona rural e aproximadamente 2000 habitantes são provenientes dos assentamentos de reforma agrária.


O projeto de assentamento União foi criado em 1998 pelo INCRA, na localidade da Armada, 5° distrito de Canguçu, ocupando uma área total de 1809,62 há contando atualmente com 63 famílias com uma área média dos lotes de 27,42 hectares. Nesta mesma época foram criados outros assentamentos nesta localidade, gerando um novo núcleo de pequenas unidades de produção familiares, com aproximadamente 200 famílias A principal atividade econômica da antiga fazenda bem como nas propriedades vizinhas na época de criação do assentamento era a criação extensiva de gado de corte e lavoura. No decorrer dos anos, certas áreas apresentaram solos desgastados devido a práticas não conservacionistas de preparo do solo, apresentando lavouras com baixa fertilidade, porém apresenta campos nativos de boa qualidade, principalmente os lotes que estão margeando o rio Camaquã. Na maioria dos lotes apresenta como cobertura vegetal predominante a grama setária, utilizada para pastejo e combatida nas áreas de lavoura. A renda das famílias provém da produção de leite, soja, milho, gado de corte e também em destaque as culturas de subsistência (mandioca, batata-doce, frutíferas, amendoim e pequenas criações, como suínos e galinhas). Como estratégia de geração de renda para a comunidade, a cooperativa Terra Nova de Canguçu (composta por famílias assentadas) desenvolve os projetos na área do leite, do moinho colonial e da casa do mel, bem como tem fomentado a temática das sementes para uso interno da entidade.

Eixo Potencial de expansão das sementes agroecológicas no mercado consumidor Manejo adotado pela família Malmann na produção de sementes agroecológicas.

Objetivo geral Analisar a história da família e o caminho percorrido de forma que possa servir de suporte para tomada de decisões para as demais famílias e organizações envolvidas (e a própria família) relativamente aos aspectos sociais, ambientais e econômicos.

Objetivos específicos - Analisar a história da família e seus processos produtivos;


- Analisar as atividades realizadas pela família relativos a produção de sementes agroecológicas; - analisar a evolução do manejo agroecológico na unidade de produção.

Perguntas Orientadoras O que levou a família na proposta agroecológica de produção? Quais são os membros envolvidos? Quando e como se deu a implantação da atividade? Qual é o sistema de manejo adotado? Qual o enfoque ambiental?

Descrição da experiência Dentre as experiências agroecológicas mais evidentes no Núcleo Operacional de Canguçu, a da família Malmann destaca-se pela dedicação com que desempenham a produção agroecológica de sementes. A região onde estão inseridos os assentamentos localizam-se há cerca de 75 km da sede municipal, dificultando a comercialização individual de diversas linhas de produção. O lote possui 25 hectares, dos quais 8,33 hectares são de mata nativa e áreas de preservação permanente (33,3%), 6,21 hectares destinados para lavouras anuais e 10,46 hectares ocupados com o campo nativo, como exemplificado no mapa temático (figura 1). Iniciada em 2006, com o cultivo do milho crioulo, a produção de sementes vinculada à Bionatur apresentou-se como garantia de comercialização e geração de renda. Aliado a garantia de comercialização, a produção agroecológica também pesou na sua tomada de decisão por requerer baixo investimento, o não uso de agrotóxicos e conferindo também certa autonomia na tomada de decisões. A produção obtida pela família é destacada dentro da Bionatur pela alta qualidade das sementes em todos os aspectos técnicos como pureza, umidade, germinação e padronização. O fator, assistência técnica tem importância significativa no processo de transição agroecológica que vem ocorrendo no lote, pois se tratava de um agricultor convencional e


porque todas as informações devem chegar oralmente ao agricultor por não ser alfabetizado. O preparo de solo é realizado utilizando principalmente tração animal e em menor escala contrata serviços terceirizados de trator. A tração mecânica é utilizada apenas para a aração, sendo a gradagem e a capina com tração animal. O plantio das culturas de grãos como milho e feijão, são realizados com equipamentos manuais- o saraquá, assim como a semeadura da abóbora, melancia, mogango, amendoim e melão é manual. A cebola é semeada em canteiros para posterior transplantio na área definitiva. As culturas de mandioca e batata-doce são plantadas a partir de mudas próprias, das ramas e raízes armazenadas. O manejo dos cultivos baseia-se na utilização de adubação orgânica, caldas fertiprotetoras, capinas manuais e/ ou tração animal, colheita e beneficiamentos manuais. Também utiliza curvas de nível, com cordão vegetal e rotação de culturas. Embora o fator assistência técnica seja importante, neste caso específico, pode-se afirmar que foi encontrado um “terreno fértil” para o desenvolvimento da agroecologia. São observadas várias formas de expressão da prática camponesa de exploração sustentável dos recursos naturais como a utilização do solo de acordo com sua capacidade de uso, locação das estradas internas, manutenção das áreas de preservação permanente e recuperação de área degradada (figura 2).


Figura 01: Mapa temático do lote. Fonte: Google Earth, adaptado pela equipe de sistematização.

A comercialização das sementes é feita pela Cooperativa Agroecológica Terra e Vida (marca Bionatur), destinando-se ao mercado, através principalmente de projetos no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e também para o varejo. Com a diversificação dos cultivos, melhoria da qualidade do solo e a utilização de materiais orgânicos para adubação no próprio lote, a família vem desenvolvendo uma nova potencialidade e perspectiva na produção e comercialização de alimentos no próprio lote. A exemplo da cultura da mandioca, a qual produziu e comercializou localmente agregando


valor

no

produto

ao

vendê-la

descascada,

pretende

produzir

melancia

para

comercialização da fruta para atendimento da demanda local. A participação nas atividades da cooperativa Terra Nova para a produção de alimentos, vinculada aos programas PAA/PNAE, também abriu novas possibilidade para a família. Na safra 2012/2013 cultivou dois hectares de feijão com o objetivo de fornecer sementes de qualidade para os demais associados da cooperativa para a safra 2013/2014, tornando a entidade auto-suficiente nesta atividade. Com esta vinculação à cooperativa, passou a beneficiar-se dos projetos que esta vem desenvolvendo nos assentamentos, dos quais podemos citar o fornecimento de calcário e adubo orgânico (figura 3) para pagamento parcelado e/ou em produção. Já fez parte da aplicação do calcário nas áreas de cebola (para semente) e está aplicando nas áreas destinadas ao cultivo do feijão. Foi inserido na área de plantio de verão calcário e estava no aguardo do adubo orgânico, para implementar ainda mais o solo da sua propriedade,

na qual irá plantar feijão em uma quantia maior , que será destinada a

cooperativa como pagamento dos insumos. No planejamento das culturas de verão serão implantados feijão, milho , melancia e uma nova variedade crioula de melão. Além de sua produção de sementes e alimentos agroecológicos o seu Adolfo também tem criações de bovinos, suínos, abelhas e aves para consumo, na figura 4 pode ser visualizada parte da área do lote onde são cultivadas as lavouras. O excedente o mesmo comercializa para aumentar a renda familiar. Os atores envolvidos Os cultivos são desenvolvidos pelo Sr. Adolfo e seus filhos Zeno e Carlos, sendo que as atividades domésticas são feitas pela esposa, Laurentina (figura 5). As filhas em idade escolar dedicam-se à esta atividade, pois na escola local é desenvolvido o projeto Mais Educação, com atividades no turno inverso. Como citado anteriormente, a assistência técnica é um ator importante no processo sendo desempenhada de forma compartilhada e complementar pela equipe da Emater/RS de Canguçu e técnicos da Bionatur. Na safra 2011/2012, a cooperativa Terra Nova buscou ao agricultor para que produzisse sementes de feijão para o consumo interno da cooperativa, reconhecendo o seu potencial na área. Tais sementes integram o projeto da cooperativa para a produção para o PAA.


Resultados Com a sistematização da experiência, até o momento podem ser apontados como resultados, o reconhecimento da atividade produção de sementes agroecológicas como uma linha de produção alternativa para as famílias assentadas pela reforma agrária. A introdução de práticas agroecológicas nos lotes ajuda a romper a barreira da hegemonia do cultivo convencional, demonstrando localmente a viabilidade técnica, social, ambiental e econômica da agroecologia. Também tem se configurado como uma porta de entrada para as famílias assentadas para o mercado institucional tendo em vista que a Bionatur executa projetos no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). A diversificação de cultivos fomentada pela Bionatur na produção de sementes e o manejo agroecológico vêm resultando também na abertura de novos mercados para a família na produção e comercialização de alimentos. Salienta-se o baixo custo da família com a implantação de suas lavouras e diversificação da safra, resultando em boas perspectivas financeiras. Com isto o Sr Adolfo esta conseguindo envolver cada vez mais a família em suas atividades e a permanência dos filhos no campo. A venda da mão de obra para terceiros acaba se reduzindo, pois estão a caminho de se tornarem auto-suficientes. A melhoria da qualidade de vida não apenas na alimentação, no convívio familiar, mas também na infraestrutura de sua residência, como o piso na cozinha, água encanada, banheiro, caixa de gordura , fossa séptica, energia elétrica, algumas já executadas outras em planejamento, mas já existentes nos projetos familiares. Este planejamento da família está sendo um dos fatores relevantes para o envolvimento do seu filho mais velho, a permanecer e a trabalhar nas ações conjuntas com o pai.


Figura 2: Área recuperada (estrada), ao lado direito plantio de cebola. Fonte: Emater- Escritório Canguçu/RS.

Figura 3: Propriedade da família Malmann beneficiária de calcáreo. Fonte: Emater- Escritório Canguçu/RS.


Figura 4: Área de plantio. Fonte: Emater- Escritório Canguçu/RS.

Figura 5: Família do Sr Adolfo Malmann e sua produção de subsistência. Fonte: Emater- Escritório Canguçu/RS.


A DESCRIÇÃO DAS DIMENSÕES PRODUTIVAS, SOCIAIS E AMBIENTAIS DA FAMILIA OLIVEIRA

Equipe técnica de ATES: Alcimar Carbolin- Técnica Agropecuária Ana Coroline Benetti- Engenheira Agrônoma Cássio da Rosa- Técnico Agropecuária Celso Hences- Licenciatura em Geografia Clovis Martins Ribeiro – Técnico Agropecuária Eduardo Beskow- Técnico Agropecuária Leonardo Hoffmann- Técnico Agropecuária Paula Elizabete Pinto- Pedagoga Raqueli Ardenghi de Oliveira- Técnica em Saúde Comunitária Tiago Luersen Piaia- Engenheiro Agrônomo

São Miguel das Missões, maio de 2014.


Resumo A família Oliveira é assentada no Assentamento Santa Helena, do município de São Miguel das Missões. Objetiva-se com esta sistematização, relatar processo histórico de desenvolvimento desta família no seu lote a partir da ação da ação da Assessoria Técnica Social e Ambiental (ATES) desenvolvida pela Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda. (COPTEC). Assim, descreve-se a história de vida e as mudanças ocorridas desde a chegada da família no lote, bem como os aprendizados e lições obtidas com as iniciativas produtivas que buscaram ampliar a diversidade, qualidade e quantidade de alimentos produzidos sem uso de agrotóxicos. Além disso, deu-se ênfase às questões sociais no contexto familiar e nas relações estabelecidas com as demais famílias assentadas, especialmente com a participação em grupos e também na comunidade. Palavras-chave: Histórico, Assentamento, Família Oliveira, Estruturação da Produção, Relações Sociais. 1 INTRODUÇÃO Todo o ser humano no momento em que é gerado começa a construir a sua própria história e vai transformando e refazendo a cada instante o seu ambiente registrando consciente ou inconscientemente os passos dados em direção ao desenvolvimento pessoal. Por isso, cada individuo ou família possui uma história para compartilhar, cada um carrega uma bagagem diversa e muito rica de aprendizados, decepções, angústias, persistência, coragem e luta. Esta foi a intenção da equipe técnica do Núcleo Operacional São Miguel das Missões em acompanhar, construir ideias e com isso, descrever a experiência de vida da família de Domingos de Oliveira e Salete de Oliveira, assentados no Assentamento Santa Helena. Neste sentido, será feita uma abordagem do processo histórico vivenciado por esta família, trazendo referências produtivas, sociais e ambientais que foram se estabelecendo durante o período, relatando os limites, avanços, assim como os desafios desta caminhada. A ideia central foi compreender como a família foi se estruturando no assentamento, o que foi sendo prioridade, a relação que estabeleciam com as demais famílias assentadas e vice-versa, o processo de planejamento do lote, o que determinava o autossustento familiar, os incentivos recebidos, a estruturação

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do trabalho familiar, as motivações e opção pelo não uso de venenos e atualmente com a participação mais efetiva da família nos grupos do assentamento. Enquanto metodologia, a construção da sistematização se deu num primeiro momento com a escolha por parte da equipe técnica da família a ser sistematizada, posteriormente fez-se algumas visitas a essa família pelos técnicos responsáveis e então socializou-se um pouco do contexto da família para que todos os colaboradores pudessem se inteirar do processo de sistematização. É importante ressaltar que esse processo foi construído em coletivo a partir da reflexão da importância da sistematização e da retomada e reconstrução dos objetivos deste trabalho. Em um segundo momento todos os envolvidos na sistematização da experiência realizaram uma visita à família para partilhar as ideias sobre a experiência e fazer registros no intuito de efetivar e consolidar as informações e estabelecendo uma relação direta com a família valorizando sua história. Esse trabalho apontou uma série de questões que foram sendo identificadas e mantendo a fidelidade das informações e respeitando o processo construído pela família. Foi possível identificar a relação estabelecida com as demais famílias do Assentamento Santa Helena, especialmente com relação ao incentivo na produção de sementes ecológicas, o envolvimento e participação da família nos grupos de produção, o aumento da autoestima, a valorização da história de vida, a descrição dos limites enfrentados, dos avanços alcançados e dos desafios a serem superados. Além disso, foi possível contar com o trabalho efetivo de grupo, essa é uma das principais lições que está descrita indiretamente no trabalho, cada qual de alguma forma, contribuiu para que fosse possível sistematizar a experiência até esse momento. Enquanto equipe técnica identificamos este trabalho como uma oportunidade de desenvolvermos uma percepção maior do contexto que nos cerca e nos desafiar a descrever da forma mais coerente possível, superando os limites de elaboração e sistematização que temos enquanto equipe. Também avalia-se que cada individuo possui algo a contar, com isso gerou-se aprendizados com a socialização das informações e experiências de vida o que remeteu a uma reflexão sobre a metodologia de trabalho.

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Com isso compreende-se que não existe uma história perfeita, mas sim caminhos e metodologias de atuação diferentes e que devemos valorizar o caminho percorrido e a história vivenciada por cada um de nós. 2 METODOLOGIA O que motivou a escolha da família Oliveira foi o fato de estarem desenvolvendo a produção agroecológica e aumentando o volume e melhorando a qualidade da produção. Para montar o processo de sistematização, a equipe técnica construiu um fluxograma, tentando clarear os passos a serem dados e definição dos aspectos a serem considerados sobre a experiência da família. A descrição da experiência foi definida pelos seguintes aspectos: •

o contexto histórico;

o lote ocioso para a produção de alimentos;

possibilidade de aumentar a diversidade;

possibilidade de aumentar a qualidade de vida;

trabalhar a comercialização do excedente;

A não utilização de agrotóxicos;

A construção das relações estabelecidas com as famílias no inicio do assentamento e nos dias de hoje. Após montar o fluxograma a equipe técnica, juntamente com os

colaboradores foi até a família para buscar a informações, compartilhar experiência de vida e descrever o processo histórico da família desde o principio, respeitando a visualização da família sobre o seu processo de vivência. A equipe compreende que este espaço é muito importante, pois constrói um vínculo sólido com a família e uma relação de troca mútua que enriquece o processo de sistematização. Após a coleta dos dados com a família, iniciou-se a organização das informações e posteriormente a estruturação do texto. Descreveu-se o processo de forma coletiva com várias ideias e vários pontos de vista que foram se afunilando no decorrer da elaboração da sistematização. Essa construção dos autores foi importante, construindo-se um conceito coletivo e uma visão melhor lapidada na

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tentativa de ter um olhar desprovido de qualquer preconceito ou fórmulas prontas. A descrição se deu de forma que valorizasse a família extraindo o que a mesma construiu de bom nesse processo, com os avanços e limites encontrados. 3 CONTEXTO GERAL 3.1 Localização do Município O município de São Miguel das Missões localiza-se no Noroeste Riograndense, a 485 km de Porto Alegre, na região fisiográfica das Missões. O acesso ao município se dá pela BR 285 e 377. Limita-se com os municípios de Vitória das Missões, São Luiz Gonzaga, Entre –Ijuis, Eugênio de Castro, Jóia, Tupanciretã, Capão do Cipó e Bossoroca.

3.2 Localização do Assentamento Santa Helena O assentamento Santa Helena está situado no município de São Miguel das Missões – RS, no distrito de São João das Missões, a30 km da sede do município. Estes assentamento foi implantado em 1989 e encontra-se sob a responsabilidade do Governo Federal (INCRA). Este assentamento possui uma área total de 2.485

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ha, sendo composto por 91 famílias, divididos em três áreas: Santa Helena, Pessegueiro e Barra e o tamanho dos lotes fica em torno de 27,32 há por família.

. 3.3 Histórico do Assentamento Santa Helena Cerca de dez familias que estavam acampadas na Fazenda Anoni no ano de 1988 foram sorteadas para receberem um lote em um assentamento no município de São Luiz Gonzaga que pertencia ao Estado, próximo ao rio Ximbocú. No entanto, ao chegar na área destinada,o proprietário alegou que não havia vendido a terra e comprovou ser o dono da área com a documentação de escritura. Após analise dos documentos e sem explicações o INCRA resolveu sugerir que as familias retornassem para o acampamento na Fazenda Anoni, mas as familias não aceitaram e decidiram permanecer na região. Foi assim que essas dez familias vieram para as margens da Fazenda Santa Helena, pois havia uma possibilidade de negociação da área e ali permaneceram por um período. Ao chegarem na área no dia 20 de maio de 1988 as familias se alojaram em 4 hectares dentro da fazenda, durante 8 meses. Este foi um período dificil, havia pouco alimento e por muitas vezes passaram fome. A crise mobilizou as familias a matar o gado da fazenda e levou um grupo de representantes ao INCRA de Porto Alegre para reivindicar melhorias.As reivindicações foram atendidas e o

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INCRAenviou alimentos e dinheiro, na época equivalente a um salário mínimo por familia. Essa contribuição ajudou muito as familias a resolver suas necessidades básicas. Então em 11 de agosto de 1989 a área que pertencia ao Sr. Jairo Brasil Soares de 2.485ha foi liberada e além das dez famílias que já estavam na área mais 83 famílias acampadas se somam na conquista desse território. O inicio foi dificil, não havia infraestrutura necessária para acomodar todas as familias, faltava dinheiro para começar a investir no lote, por isso a opção de muitos beneficiários foi buscar emprego de diarista nas fazendas vizinhas para conseguir se manter até ser liberado os primeiros créditos. Com a liberação dos primeiros créditos cada familia investiu em seu lote possibilitando a manutenção familiar e posteriormente foram construindo a infraestrutura necessária para se tornar independente, retirando do lote além da subsistência a renda familiar. O Assentamento foi se estruturando e as familias passaram a construir seus espaços coletivos, foi construída uma escola de séries iniciais para as crianças estudarem, mas que atualmente está inativa. A comunidade foi sendo consolidada, os grupos foram tomando forma cada qual com sua ideia de trabalho. Com o passar do tempo foram surgindo grupos de produção para dar conta da demanda estabelecida pelas familias. Atualmente no assentamento existem vários grupos de produção: grupo da melancia, grupo da produção de sementes (Bionatur), Grupo da Cebola, Grupo do Leite, criados apartir da necessidade dos agricultores e pelo incentivo dos atores que transitam no assentamento. Também possuem coordenadores desses grupos e coordenadores gerais que participam das reuniões fora do Assentamento. O assentameto têm um representante que participa no Conselho Agropecuário do municipio e na COOPAF (Cooperativa dos pequenos agricultores familiares de São Miguel das Missões). No Assentamento também existe um grupo de mulheres bem consolidado, importante para a organização e participação das mulheres nos espaços coletivos. O grupo ficou como responsável por uma sala e uma cozinha da escola desativada para suas atividades. O grupo possui uma coordenadora e se reúne a cada quinze dias para fazer diversas tarefas como artesanato, culinária, estudos,cursos, etc.

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A comunidade construiu vínculos com o municipio um exemplo foi a festa da melancia proposta e executada pelas familias assentadas em parceria entidades e a prefeitura municipal. O assentamento têm como linha de produção central o leite, que é responsável pela maior parte da renda das familias, seguido da produção de grãos. A produção de grãos, por sua vez, vem aumentando ano a ano mas o leite ainda continua sendo a principal linha produtiva do assentamento. É

importante

salientar

que

das

familias

remanescentes

poucas

permaneceram nos lotes, houveram trocas, desistências e vendas de lotes, por várias razões sendo as principais: a não identificação das familias como camponeses; a desmotivação das familias decorrentes da falta de investimento em estradas, moradia e solos; a baixa renda; a reprodução do modelo de agricultura baseado na monocultura de grãos o que necessita de investimentos altos que os assentados não tem e quando investem acabam perdendo tudo. Aém disso, a questão climática é outro fator que nos últimos anos motivou a saída de familias do assentamento, dentre outros fatores. Nos últimos anos a maioria das familias acessaram o Programa de Habitação e houve uma melhoria significativa das moradias com isso melhorou a autoestima e a motivação pela permanência no lugar onde vivem. A comunidade luta para que haja mais unidade, pois o coletivo é importante para que possam avançar ainda mais. 4 HISTÓRICO DA FAMILIA OLIVEIRA A familia Oliveira é composta por Domingos de Oliveira, casado, 45 anos, mais conhecido na comunidade por “Palito”, reside no Assentamento Santa Helena, município de São Miguel das Missões, juntamente com sua esposa, Salete Rosa de Oliveira, 46 anos e quatro dos seis filhos com idades entre 10 e 17 anos. Domingos de Oliveira é natural de Constantina e Salete Rosa de Oliveira é natural de Liberato Salzano. Domingos morava na Colônia Barra Curta Baixa e trabalhava como meeiro (o dono da área entregava um pedaço de terra Domingos plantava, acompanhava e colhia entregando metade da produção para o proprietário).

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Em uma reunião promovida pelo Sindicato do Trabalhadores de sua cidade que fazia formação e mobilização das famílias para identificar as mesmas para compor o acampamento, Domingos decidiu participar

para obter informações

sobre o acampamento. Após a reunião, Domingos decidiu ir para o acampamento com o intuito de melhorar de vida, se inseriu no acampamento da Fazenda Anoni onde permaneceu por três anos, nesse período conheceu sua esposa Salete Rosa de Oliveira. Esse período como relembra Domingos foi de muito sofrimento, havia muitas famílias e as vezes o alimento era insuficiente, sofriam preconceito da sociedade por ser pobre e Sem Terra. As esperanças renovaram em 20 de maio de 1988 quando dez famílias inclusive a família Oliveira foram sorteados para uma área que pertencia ao Estado localizada em São Luiz Gonzaga. Com seus pertences vieram todos em busca de sua terra, no entanto ao chegar na área esta não pôde ser liberada e o INCRA propôs que as famílias retornassem ao acampamento na Fazenda Anoni mas as famílias que já haviam deslocado até ali decidiram ficar na região. Domingos relata que a Fazenda Santa Helena estava como proposta de negociação mas não havia nada ainda. Assim, as dez famílias inclusive Domingos, Salete e sua primeira filha de apenas 8 meses se alojaram dentro da fazenda em uma área de 4 ha e permaneceram por 8 meses. Esse período foi um dos mais difíceis faltou alimento e as condições se agravavam a cada dia. Passou um tempo até a área ser liberada e vir mais famílias se juntar as que já estavam na área. Com a demarcação dos lotes cada família ocupou seu espaço. Domingos de Oliveira e sua família ficaram com o lote de 27,32 ha, sendo dividida em 15,00 há de área agriculturável e o restante da área dividida entre pomar, campo nativo, moradia e outras benfeitorias da propriedade. Domingos chegou no lote com a esposa, filhos e a sacola de roupa, sem muito pertences como muitos companheiros de acampamento. Como não tinha recurso para investir, começou a trocar serviço com as demais famílias. Também trabalhava fora do assentamento em fazendas vizinhas para poder manter as condições básicas de alimentação, higiene e material escolar para as crianças. Com o recurso do seu trabalho começou a investir na produção do autossustento, como o milho, feijão e arroz. O arroz produzido era descascado no

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moinho do distrito de São João das Missões a 11 km, atualmente o Moinho não existe mais. Um marco importante na vida da família Oliveira foi o acesso ao programa Bolsa Família, foi a partir desse recurso que a família relata que conseguiu melhorar sua alimentação. Não acessaram os primeiros recursos pela exclusão do mesmo nos grupos formados para acessar o crédito pela falta de credibilidade dos vizinhos com o Domingos, pois acreditavam que ele não teria como pagar as parcelas devido sua condição precária de renda. Com isso não havia muito investimento no lote tanto na infraestrutura como na produção, a família passou por momentos difíceis, produziam somente para manter a alimentação. Mas isso se tornou insuficiente, o contexto e os filhos exigiam mais que somente a manutenção familiar com a alimentação, precisariam de roupa, materiais de higiene e limpeza, material escolar, atividades de lazer e recreação. A motivação surgiu a partir da participação da família nos grupos de interesse formados no assentamento, com isso o Sr. Domingos relata que houve uma melhora significativa na família, tanto do trabalho no lote como autoestima individualmente. A família começou a participar das reuniões propostas pela ATES no Assentamento juntamente com a Cooperativa da Bionatur que tinha a intenção de estimular a produção de sementes agroecológicas. E o interesse do Sr. Domingos se consolidou com a reportagem do Globo Rural sobre a Bionatur onde apresentou as inciativas de produção de sementes agroecológicas, a partir de então o Sr. Domingos começou a fazer parte do grupo e atualmente é o coordenador do mesmo. As sementes produzidas no assentamento Santa Helena possuem certificação de produção agroecológica junto ao Ministério da Agricultura e são comercializadas em praticamente todos os Estados do Brasil. A Bionatur agora é coordenada pela Cooperativa Agroecológica Terra e Vida (Conaterra- Cooperativa Agroecológica Nacional Terra e Vida), desde junho de 2005. Em entrevista a família ressalta a diversidade que possui em seu lote e a melhoria da qualidade da sua alimentação, isso fica claro em uma de suas frases,“ hoje me sinto rico! pois estou produzindo abóbora, mandioca, melancia, milho verde, cana de cacho, moranga, amendoim, rabanetes e feijão de baraço (miúdo)”.

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A família dispõe também de leite, ovos, carne de porco, de frango e de gado. Existe uma pequena horta doméstica e alguns pés de laranja. Enquanto sementes para a Bionatur, estão produzindo sementes de hortaliças como rúcula, cebola e agrião apimentado. Além disso, a família participa do grupo da produção de melancia e na safra passada o Sr. Domingos comercializou diretamente em São Miguel das Missões, só não se intensificou pela dificuldade de transporte. Também destaca que possui uma relação comercial com a aldeia guarani onde vendeu batata, mandioca, amendoim e rabanetes (a Aldeia Guarani localizase próximo ao Assentamento ficando mais próxima da área da Barra) e tem relação amistosa com as famílias assentadas. A resistência das demais famílias com a não socialização, a falta de credibilidade no seu potencial foi superada com o esforço da família em produzir aumentando sua qualidade de vida e de comercializar os excedentes. A família também visualizou uma assentada vizinha que fazia pé-de-moleque para a venda, e esse episódio foi um passo importante no estímulo à independência da família com relação à vendas. A produção do lote é isenta de agrotóxicos, no inicio devido a falta de recursos para comprar agrotóxicos deixava prevalecer a vegetação nativa, não fazia ideia de que era o melhor a fazer para proteger o solo. 5 DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA A experiência foi focada em algumas dimensões identificadas na história de vida da família Oliveira, sendo as dimensões: produtiva, organizativa, integração comunitária e econômica. A dimensão produtiva: dentre os avanços que a família obteve no processo produtivo observou-se que mesmo sem muitos recursos, conseguiram produzir alguns alimentos para a sua subsistência, como a mandioca, batata, feijão, hortaliças, carne, leite, ovos, etc. Quando estavam mais organizados passaram a comercializar essa produção e obter renda e tendo possibilidades de investir no lote novamente, esse ciclo foi abrindo horizontes e percepções na família antes não vistos. Neste período, a Bionatur teve um papel muito importante, pois foi uma

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ferramenta motivadora da produção de sementes agroecológicas, propondo uma nova linha de produção, trazendo uma variedade de hortaliças, mas também novos desafios, pois a produção de sementes era uma coisa nova para a família. A dimensão da integração comunitária: um dos motivos que acabava isolando a família Oliveira das demais famílias assentadas era os aspecto econômico, já que não se destacava como as demais. Quando a família percebeu que poderia fazer algumas coisas diferentes dos demais, passou a se estimular na produção e então sentiu a necessidade de participar nas atividades do Assentamento. Sua inserção nos espaços coletivos gerou como consequência uma mudança na forma de vida da família. A dimensão da organização: é possível observar que com a organização os ânimos são outros, as ideias vão se transformando, especialmente quando se partilha as questões vivenciadas com o coletivo. Entende-se que o coletivo organizado orienta a família no seu lote, discute problemas e projeta novas ações. Esse espaço determinou e ampliou os conhecimentos para a família Oliveira e foi importante porque mudou a sua prática, sendo que agora, tanto o Sr. Domingos quanto a Sra. Salete, bem como os seus filhos conseguiram se tornar uma referência para as demais famílias. 5.1 Ações da ATES As visitas realizadas à família ao longo do período de trabalho da ATES tinham como proposito contribuir coma mudança no sistema produtivo da família e serviram como incentivo para as ações que a família foi desenvolvendo. Entendese que foi um trabalho de melhoria da autoestima. Partiu-se da ideia que os avanços devem partir da própria família, do olhar dela sobre as coisas, a ideia dos técnicos nunca foi de impor algo, muito menos achar que a equipe tinha algo pronto e acabado, mas sim construir a partir do que a família visualizava como importante. No decorrer desse período foi importante conhecer profundamente a família e descobrir que apesar de os técnicos estarem cotidianamente nos assentamentos, muitas informações não são partilhadas e a história de vida das famílias não é sistematizada e vai se perdendo com o tempo. Teve-se dificuldade de encontrar

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registros fotográficos da época em que as famílias chegaram no assentamento, somente foi possível contar com a lembrança das famílias remanescentes. 6. RESULTADOS 6.1 Resultados que a família obteve no decorrer da sua história Como um dos primeiro resultados observados tem-se o aumento da quantidade e da diversidade dos alimentos produzidos para subsistência, sendo que a família passou da produção de milho, arroz para a produção de amendoim, feijão miúdo, hortaliças (alface, rúcula, agrião apimentado e cebola). Também avançou para culturas de baraços, como a batata doce, melancia e melão. Além de raízes como a mandioca, por exemplo. E na produção de carne de gado, galinha e porco, além da produção de ovos. Com o aumento da produção de subsistência o excedente da mandioca, batata doce, melancia, feijão miúdo, amendoim foi comercializado. A comercialização é um fator determinante, pois é a valorização do trabalho da família, gera renda e estimula a dar o próximo passo. Um exemplo disso foi a participação da família na Festa da Melancia realizada no Assentamento, onde o Sr. Domingos participou e começou a fazer parte do grupo de produção de melancia. Com a experiência de produção de sementes a família passou a ver a importância de proteger a terra, o alimento, a semente e a saúde. Passou a trabalhar com adubação verde em parte da terra, começou a abrir lavouras e ampliar o espaço de produção, está trabalhando para melhorar a fertilidade do solo que ainda não está totalmente recuperado. A inserção da família, a participação efetiva na comunidade melhorou a convivência com os demais e fortaleceu, organizou e contribuiu para o desenvolvimento produtivo e social da família. A Sra. Salete Rosa de Oliveira e suas filhas se inseriram no grupo de mulheres do assentamento, no inicio um pouco tímidas, mas a socialização foi muito importante e contribuiu para a consolidação da participação das mesmas. Esse espaço é construído pelas próprias famílias assentadas na escolha das

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atividades com a intenção de socializar conhecimento e fazer com que cada companheira sinta-se parte ativa e importante do processo. 6.2 Potencialidades •

A família disponibiliza de uma área de 27 ha, destes, 15 ha são área cultivável o que beneficia a família para produção de alimentos por ter disponível uma área considerável para expandir a produção. Além disso, possuí área de campo nativo para o gado o que não interfere na área de plantio.

A família possui força de trabalho, além do Sr. Domingos e da Sra. Salete, também possuem quatro filhos que residem com os pais e que precisam de um estímulo para sentirem-se parte do processo e para futuramente ser os sucessores do lote.

Uma vantagem identificada é que no entorno do lote existe uma área de campo nativo o que diminui a incidência de agrotóxicos aplicados pelos vizinhos.

A assistência técnica foi e continua sendo determinante nesse processo por isso precisa continuar dando ênfase a esse trabalho a fim de que a família continue motivada.

6.3 Limites identificados •

Observou-se que o solo precisa de correção de acidez para aumentar sua fertilidade, com isso o aumento da produtividade também depende dessa correção.

Os filhos não sentem-se inteirados do planejamento do lote, a renda ainda é pouco estimulante e isso é sinônimo de desmotivação e alimenta a ideia de ir para a cidade e não permanecer no lote.

O Assentamento fica a 30 km da sede do município dificultando a comercialização dos produtos, sendo necessário um transporte. Nesse caso especifico, a família encontra dificuldades de conseguir um transporte por isso nem sempre consegue escoar produção.

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6.4 Resultados do processo de sistematização da experiência A valorização da família a partir da descrição da sua experiência possibilitou uma proximidade maior da equipe e colaboradores com a família, a mesma sentiuse parte importante e determinante do processo de sistematização. O aprendizado do envolvidos no trabalho como os técnicos, a família Oliveira, colaboradores, demais famílias que participaram do processo foi sem dúvida notório. Esse trabalho que poderá ser lapidado servirá como fonte, indicativo para futuras ações na família, assentamento ou como base para a leitura de outras realidades. 7 CONCLUSÃO A descrição da história da família Oliveira possibilitou expandir nossa sensibilidade e perceber ações do nosso cotidiano que representam resistência, e que caracterizam uma ideologia de vida diferenciada. A família de inicio se fechou um pouco para a socialização de sua história mas aos poucos foi observando a importância e a mudança que todo o processo trouxe para a sua vida, o caminho percorrido, os momentos de angústias mas principalmente os momentos de superação. Isso tudo fez parte do processo, pois nada do que está escrito estaria redigido se não houvesse um passo anterior de construção desse trabalho. Do ponto de vista da equipe técnica, este trabalho possibilitou superar um desafio que é sistematizar as ações, ir além do cotidiano, conseguir visualizar o que passa despercebido ao olhar dos técnicos, e com isso buscar cada vez mais não se aquietando ou se acomodando e com isso desvendar as situações complexas. Foi fundamental para aperfeiçoar nossa prática, estudar para complementar nossa teoria, registrar para que a história não se perca e para que possamos desenvolver a prática da escrita, observar e escutar para aprender uns com os outros e aprender a construir e reconstruir sempre que necessário. Conseguiu-se aproximar mais de uma determinada realidade e construir ideias com as ferramentas disponíveis, compartilhar experiências e trocar informações, mexer com a subjetividade e também com o concreto, de modo a

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reavaliar as práticas em vários momentos, principalmente nos momentos de maior dificuldade, onde reconstruiu-se os objetivos e seguiu-se adiante. Também conseguiu-se visualizar a experiência de forma diferente das decisões

iniciais,

observando-se

outras

práticas

importantes

para

o

desenvolvimento do Assentamento e do trabalho que antes não se conseguia ter clareza. Contudo, conclui-se que mesmo com varias contradições que tivemos e com os erros de concepção que apresentamos, fortalecemos nossa unidade enquanto equipe.

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Fotos:

1. Reunião de planejamento da Sistematização com Núcleo Operacional e Assessoria Técnica Pedagógica.

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2. Reunião com o Grupo de mulheres com a participação das filhas de Domingos e Salete.

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3. Curso de Panificação com a participação de Salete e suas filhas

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4. Curso de derivados de Frutas com a participação de Salete e suas filhas.

5. Reunião do grupo de Produção de sementes agroecológicas

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Domingos de Oliveira na reunião da Bionatur

Domingos de Oliveira na reunião da Bionatur

6 Pesquisa de campo com equipe técnos, ATP e família assentada.

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7 Plantio de Batata e Mandioca no lote de Domingos e Salete.

8 Lavoura de cana de cacho

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9 Salete Rosa de Oliveira realizando colheita de batata doce

10 Vacas em lactação da família Oliveira

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11. Equipe técnica e família

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9 Autores: Alcimar Carbolin- Técnica Agropecuária Ana Caroline Benetti- Engenheira Agronoma Cássio da Rosa- Técnico Agropecuária Celso Hences- Licenciatura em Geografia Clovis Martins Ribeiro – Técnico Agropecuária Eduardo Beskow- Técnico Agropecuária Leonardo Hoffmann- Técnico Agropecuária Marcos Vinicius Berno- Engenheiro Agrônomo (contribuiu nas primeiras etapas) Tiago Piaia- Engenheiro Agrônomo Paula Elizabete Pinto- Pedagoga RaqueliArdenghi de Oliveira- Técnica em Saúde Comunitária Tiago LuersenPiaia-Engenheiro Agrônomo 11.1- Colaboradores: Fernanda Ferreira (Assessora Técnica Pedagógico – ATP) Adilson Roberto Bellé (Assessor Técnico Pedagógico – ATP) Vivien Diesel- Professora da UFSM Domingos de Oliveira- Assentado Salete da Rosa Oliveira- Assentada Ari Eleutério Leite- Assentado Remanescente Furtoso de Oliveira dos Santos- Assentado Remanescente Peri Leopoldo Inocêncio-Assentado Remanescente 10 Referências Bibliográficas: ECKERT, Cordula. Orientações para elaboração de sistematização de Experiências.2° edição. Porto Alegre. 2013. Site: www.coptec.gov.br. Plano de Recuperação dos Assentamentos.

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11 Rede de Contato: Núcleo Operacional São Miguel das Missões- Coptec Escritório Central: Av.: Borges do canto- (lado da Coopaf) - CEP 98865-000 São Miguel das Missões/RS. coptecsaomiguel@yahoo.com.br . 14- Anexos: 1.4.1- Metodologia para descrição da experiência: FAMÍLIA E A TRAJETÓRIA HISTÓRICA: •

Origem da família;

Identidade dessa família;

O que fez a família a optar por um lote?

Como chegaram até aqui? Como foi a trajetória no acampamento até o assentamento?

ORGANIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO E DA FAMILIA: •

Como foi sendo organizado o assentamento? Quais os grupos que foram surgindo? Porquê?

Qual a inserção da família nesses grupos?

Como foi a chegada na terra? O que foi sendo construído de benfeitorias?

Como foi pensado a moradia, saneamento básico?

Quais as dificuldades desse processo?

O que temos de avanço importante na visão da família?

RELAÇÕES SOCIAIS E PRODUTIVAS: •

Com foi sendo construído a visão da familia pelo lugar onde vivem?

Como a família se vê nesse ambiente?

Como vêem as demais famílias?

O que foi prioridade no inicio do assentamento? E atualmente permanece a mesma prioridade ou mudou?

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Como foi sendo construído a relação com a comunidade? Com as instituições como igrejas, associações, cooperativas e grupos informais);

O que foi prioridade para produzir? Porquê?

Como se deu o avanço dessa produção?

Quais são as dificuldades encontradas nesse processo de produzir?

A produção é para sustento familiar? É suficiente?

A produção hoje é fundamentada somente pelo ato de produzir? Porquê?

Como é vista a comercialização?

MUDANÇAS E ESTÍMULOS QUE FORAM IMPORTANTES: •

Houve mudança do inicio aos dias de hoje? Quais?

O que foi a causa dessas mudanças?

O que atualmente é elencado como prioridade?

Qual é o sonho da família?

Quais as dificuldades que estão tendo?

A equipe técnica foi importante? Porquê?

Como está a relação, a participação, e o envolvimento da família na comunidade, no assentamento e no município? Acham isso importante?

O que foi mais marcante durante esse processo de descobertas?

O que foi mais difícil de recomeçar?

Como se deu a inserção nos grupo de produção construídos no assentamento? Bionatur; Melancia; Cebola; Feira; Grupo de mulheres;

Esses espaços foram importantes? Porquê?

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FECHAMENTO : •

Quais foram os aprendizados:

As dificuldades;

Desafios a serem superados;

O que é importante acrescentar baseado na observação da equipe e da família:

Conclusão

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Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda.

EXPERIÊNCIA DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA DA FAMÍLIA MATOS NO ASSENTAMENTO XIMBOCU – SÃO LUIZ GONZAGA

São Luiz Gonzaga, abril de 2014.


EXPERIÊNCIA DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA DA FAMÍLIA MATOS NO ASSENTAMENTO XIMBOCU – SÃO LUIZ GONZAGA

Equipe de ATES NO São Miguel das Missões: Claudio César Cabreira Rodrigues – Administrador Maria Isabel Fernandes dos Santos - Economista Aldair José Morais – Técnico em agropecuária Benedita Koslowski - Técnica em agropecuária Idalêncio Machado – Técnico em agropecuária Marcos Roberto Diehl – Engenheiro Agrônomo

São Luiz Gonzaga, abril de 2014.


Resumo O presente trabalho sistematização experiência de transição agroecológica da família Matos, assentada no PA Ximbocu, município de São Luiz Gonzaga na região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. A experiência da família Matos retrata uma realidade de transição do sistema de produção convencional de soja, milho e leite para o sistema de produção diversificado de hortigranjeiros, adotando técnicas de produção e manejo de base ecológica. A família Matos possui uma trajetória como liderança sindicalista e posteriormente com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) onde despertou para a agroecologia por compreender que os agroquímicos causam inúmeros malefícios à saúde humana e ao meio ambiente. Também foi fundamental para a consolidação da transição agroecológica sua participação nos espaços de comercialização do Quiosque da Agricultura Familiar de Santo Antônio das Missões e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Por fim, concluise que o processo de sistematização de experiências que trouxe reflexões importantes sobre a temática da agroecologia para a equipe técnica de ATES da COPTEC, bem como elementos concretos para desenvolver processos de transição do sistema convencional para o de base ecológica em assentamentos de reforma agrária. Palavras - chaves: Sustentabilidade; Agroecologia; Biodiversidade.


METODOLOGIA O trabalho foi desenvolvido pela COPTEC, NO São Luiz Gonzaga, através de visitas a propriedade da família Matos localizada no Assentamento Ximbocú em São Luiz Gonzaga. As visitas visaram colher informações sobre a trajetória da família e os métodos de manejo do solo e das culturas desenvolvidas atualmente e no processo de transição agroecológica. As informações foram colhidas por meio de relato do proprietário, observação aos métodos utilizados, observação das plantações e registradas em uma planilha de campo. Posteriormente esses dados foram utilizados para sistematizar a experiência do agricultor em um relatório.


HISTÓRIA DE VIDA Sadi de Ávila Matos nasceu em São Luiz Gonzaga, RS, no ano de 1948, filho de pequenos agricultores. No ano de 1971 casou-se com a Heloisa Santis e tiveram três filhos: Tonismar, Adelar e Raquel. Aos 18 anos, o Sr. Sadi foi professor no distrito de Rincão de São Pedro, interior de São Luiz Gonzaga, trabalhando com a alfabetização de agricultores(as), com o programa Movimento Brasileiro de Alfabetização(MOBRAL), que foi um projeto do governo brasileiro, criado pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967, e propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando "conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida". O convívio com os agricultores o levou a questionar a situação de pobreza e abandono pelo poder público em que famílias se encontravam, contrastando com a realidade de em que viviam os grandes proprietários de terra da região que recebiam incentivos do governo. Determinado a ajudar e mudar a situação dos agricultores, Sadi se candidata e se elege presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Antônio das Missões. Exercendo a presidência no período de 1985 a 1997. Nesse período trava no movimento sindical uma profunda discussão a respeito da realidade em que se encontravam os agricultores familiares da região e busca alternativas de luta para melhorar a qualidade de vida dos agricultores. Paralelamente os filhos família Matos saíram da propriedade. Tonismar - o filho mais velho - foi trabalhar numa rede de comércio, na qual atua até os dias atuais, não participando diretamente das atividades da propriedade. Já o filho Adelar trabalhou como marceneiro, instalador de móveis, depois foi para a Espanha, onde trabalhou em restaurantes e também como jardineiro, além de fazer cursos de administração. Quando retornou para a casa dos pais em meados de 2009, trouxe novas ideias de planejamento e organização para a propriedade, especialmente na redução do uso de insumos químicos, passando para utilização e reaproveitamento dos recursos que a propriedade oferecia. O Adelar permaneceu no lote até meados de 2011, onde, a partir daí, juntamente com sua irmã, abriram um restaurante na cidade de Santo Antônio das Missões. Raquel - a terceira filha - seguindo os passos dos irmãos também saiu de casa para tentar outras oportunidades fora da agricultura. Foi morar um tempo na Espanha, onde lá aprendeu culinária em restaurante. Quando voltou da Espanha, em conjunto com seu irmão Adelar, abriu um restaurante no município de Santo Antônio das Missões onde utiliza os produtos agroecológicos produzidos na propriedade de seus pais.


Em 1995 Sadi Matos começou a participar da Frente de Massas (FM) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra trabalhando intensamente para a formação do acampamento em Santo Antônio das Missões, o qual deu origem ao assentamento Ximbocú. Em julho de 1996 a família Matos recebeu um lote de aproximadamente 14,5 hectares, no qual reside até os dias atuais. Os agricultores recém-assentados enfrentaram diversas dificuldades: demora na localização dos lotes por parte do INCRA, falta de moradia adequada obrigando os agricultores a viverem em barracos, falta de estradas para escoamento da produção, demora na liberação dos créditos. O poder público local também não deu apoio ao assentamento. Com essas dificuldades de estruturas e morosidade dos governos o senhor Sadi resolveu se lançar a candidato a vice-prefeito em São Luiz Gonzaga, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 1997, discutindo modelos agrícolas mais sustentáveis. A chapa do Sr. Sadi não venceu a eleição. No assentamento a família Matos começou a trabalhar em parceria com outras famílias. O grupo dispunha de um trator, semeadeira e pulverizador e trabalhavam em parceria onde trabalhavam em conjunto, sendo que todo custo e lucro eram divididos em partes iguais, cultivando soja em 24 ha, feijão em 3 ha, milho em 40 ha e 6 ha de arroz convencional. Apesar da parceria entre o grupo o tipo de cultura era inviável para pequena propriedade. O grupo persistiu por dois anos, mas as dividas só aumentaram e a capacidade de investimento das famílias diminuía. Para sanar as dívidas, os agricultores venderam animais e buscaram empréstimos em bancos. A família Matos participava do grupo e questionava o sistema de produção, no entanto, respeitava a decisão da maioria das famílias do grupo. Entretanto, aos poucos, começaram ase afastar do grupo, para tentar outras alternativas de produção A família Matos permaneceu no grupo até meados de 2003. A partir desse ano inicia a produção de arroz orgânico, em parceria com um vizinho de assentamento, mas não obteve êxito no sistema de produção porque não havia demanda para esse tipo produto na região e, também, não havia estrutura para vender para outros locais. A partir do ano de 2004, o Sr. Sadi e sua família decidiram mudar a matriz produtiva, até então explorada. Abandonaram o cultivo do arroz e começaram a trabalhar com a atividade leiteira (chegando a produzir 1500 litros/mês) e com hortaliças. A produção era utilizada para o sustento da família e o excedente era comercializado em feiras organizadas pelos próprios agricultores e realizadas na praça da Matriz na cidade de


São Luiz Gonzaga, em um quiosque construído pelas famílias próximo ao assentamento, às margens da BR 285 (figura 01).

Figura 01: Quiosque construído pelas famílias à beira da BR 285

As vendas na cidade geravam bons resultados, porém, devido a fiscalização sanitária que exigia adequação das embalagens, rótulo de validade dos produtos e falta de apoio do poder público inviabilizaram esse tipo de comercialização, sua comercialização se dava em comercialização direta, sendo entregue os produtos na casa dos consumidores, nas feiras e também na própria propriedade. Com o passar do tempo, a fiscalização foi se tornando mais “relapsa”, auxiliando e facilitando para a continuidade de feiras na cidade, mas a família Matos não teve mais interesse em trabalhar nesta forma, por medo de perder novamente seus produtos. O quiosque também não evoluiu, pois estava mal localizado (posicionado exatamente em uma curva da estrada e pouco sinalizado) e havia baixo fluxo de consumidores. Além disso, havia grande pressão por parte dos grandes proprietários de terra da região que intimidavam as famílias do quiosque, pois não aceitavam os agricultores assentados. Diante desses fatos a família Matos pensa também em desistir do seu sistema de produção voltado para feiras e foca na pecuária. Na pecuária, se trabalhou com bovinocultura de leite e de corte. Mas com o endividamento da família, se viu na obrigação de vender seu rebanho, ficando apenas com poucas vacas leiteiras, objetivando apenas para autoconsumo.


No ano de 2006, a família Matos se associa em um espaço as margens da BR 285, no município de Santo Antônio das Missões, para comercializarem os produtos produzidos na propriedade, o Quiosque Missioneiro.

Figura 02 – Quiosque Missioneiro.

O quiosque tem por objetivo dispor aos agricultores familiares da região um espaço de comercialização direta aos consumidores e também a políticas públicas, como a alimentação escolar. O Sr. Sadi comercializa frutas como laranja, bergamota, pêssego, melancia, hortigranjeiros como alface, repolho, couve-flor, cenoura, beterraba, milho verde, abobora, mandioca, batata doce e mel, estes últimos trabalhando de forma orgânica, sem certificação, dentre outros produtos em escalas menores.

Figura 03: Colheita de hortaliças para a entrega no Quiosque Missioneiro.

Essa decisão mudou a vida do Sr. Sadi, pois a vida de penúria do pequeno agricultor começa a ficar para trás, isso porque a venda dos produtos no quiosque era cada vez maior, proporcionando um melhora significativa na renda familiar, possibilitando a aquisição de bens de consumo como geladeira e televisão, também, adquiriu um carro do seminovo.


Essas conquistas despertaram o interesse de dois filhos (Raquel e Adelar) em retornarem à propriedade de seus pais para auxiliarem na produção. Os filhos trabalharam na propriedade durante dois anos. Nesse período foram investidos recursos financeiros próprios em irrigação, mas o retorno financeiro não foi o esperado, pois nos anos de 2011/2012 houve uma estiagem de dez meses fazendo com que sua reserva de água não fosse suficiente para suprir o déficit hídrico de sua horta, resultando em um prejuízo e fazendo com que seus filhos fossem buscar novas formas de trabalho na cidade, deixando o casal sozinho. Após um período os filhos decidem abrir uma lancheria que logo se transforma em restaurante, devido à experiência trazida por um dos filhos vindos da Espanha. Com a abertura do restaurante na cidade de Santo Antônio das Missões, as hortaliças utilizadas no mesmo tem origem da propriedade da família Matos que por consequência passa a investir mais na produção diversificada e agroecológica. O restaurante absorve cerca de 30% da produção de hortaliças produzidas pela família. Atualmente eles produzem alface, mel, repolho, rúcula, milho verde, mandioca, batata doce, cenoura, frutas como laranja, bergamota e pêssego para o restaurante. O excedente é vendido no quiosque. Além disso, a partir de 2012, a família Matos realiza vendas para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) através do quiosque. Comercializa produtos como laranja em torno de (200 kg/ano), pêssego (50 kg/ano), bergamota (150 kg/ano), alface (80 pés/semestre), repolho (20 cabeças/semestre), cenoura (15 kg/cenoura) e rúcula (20 maços/ano). A partir de 2012, no verão, o agricultor disponibiliza uma prainha no riacho Ximbocú que fica nos fundos de sua propriedade e vende milho verde, frango, frutas da época, alface, repolho, mandioca, dentre outros produtos aos frequentadores. Concomitante a isso, a venda em sua propriedade se deu por conta do acesso dos frequentadores do riacho e assim estabeleceu-se um processo de venda direta realizada na propriedade o ano todo, sendo que devido a qualidade de seus produtos, os veranistas vem mesmo fora da temporada para adquirir os produtos e conhecer seu sistema de produção (Figuras 04 e 05).


Figura 04 – Comercialização direta na propriedade.

Figura 05: Sr. Sadi mostrando as conservas produzidas.

Somando-se os diferentes mercados a família Matos comercializa: 350 dúzias de ovos, 700 quilos de frango, 4 toneladas de melancia, 2 toneladas de abóboras e morangas, 4 toneladas de mandioca, 1 tonelada de batata-doce, 300 quilos de mel, além de hortifrutigranjeiros que dão um montante de 1200 pés de alface, 300 quilos de repolho, 450 maços de tempero verde, 200 quilos de cenoura, 200 quilos de beterraba, 400 maços de couve,


além de outras hortaliças que não souberam quantificar como é o caso do brócolis, couve-flor, rabanete, vagem, pimentão e pimentas, bem como conservas de hortaliças. Segundo a família esses produtos geram uma renda anual de aproximadamente R$ 23.000,00. A seguir descrevemos os principais elementos do processo de transição agroecológica vivenciado pela família Matos. TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA O processo de transição agroecológica da família Matos pode ser sistematizado em três períodos. O relato desses momentos encontra-se a seguir. 1º momento (anos 2000) O agricultor, quando foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais discutia com os associados a importância de produzir alimentos orgânicos e já produzia na propriedade esses alimentos em pequenas quantidades, como hortaliças e legumes. Posteriormente, já estabelecido no assentamento Ximbocu, o agricultor continuou com essa produção, porém, em maiores quantidades, pois produzia para o consumo de sua família e o excedente era vendido em feiras e no quiosque velho. Sua produção englobava aproximadamente 1.500 litros de leite e da horta vinham beterraba (200 maços), rabanete (250 maços), cenoura (350 maços), alface (300 pés), rúcula (250 maços), repolho (100 cabeças), tomate (100 kg), melancia (300 unidades), melão (200 unidades), mandioca (200 kg) e milho (100 sc) obtendo, segundo o agricultor, uma renda mensal de aproximadamente R$ 1.300,00. No início a produção se dava de forma convencional, com aplicação de produtos químicos. A partir do ano de 2006, com assistência técnica efetiva, o agricultor começou a mudar seu sistema de produção, do convencional para o agroecológico. A comercialização no quiosque foi logo interrompida por pressão dos grandes produtores rurais que não aceitavam a presença dos assentados. Com o fechamento do quiosque a família se dedicou a produção de leite e posteriormente a pecuária de corte. 2º momento (baraços) A partir do ano de 2005, o Sr. Sadi começou a manejar o seu lote seguindo os princípios da agroecologia. A partir do ano de 2006, o agricultor orientado pelos técnicos da COPTEC, volta-se, também, à produção de produtos orgânicos (melancia, melão, abóbora, milho e hortaliças


como beterraba, rúcula, alface, cenoura e repolho) em uma área de um hectare de sua propriedade. Esse período coincide com sua associação no Quiosque Missioneiro, destino de parte dessa produção. Para iniciar essa produção essa área foi recuperada com adubação verde (nabo, mucuna, feijão de porco, ervilhaca e crotalária) para qualificação do solo. A adubação verde proporcionou ao agricultor um aprendizado sobre recuperação de solos através do manejo agroecológico e resultou em uma produção de produtos de melhor qualidade. Com essa produção de melhor qualidade o agricultor decide participar do Quiosque Missioneiro. O manejo do solo através de adubação verde se dá anualmente, constantemente, em conjunto com outros manejos, como rotação de culturas, adubação orgânica, uso de caldas caseiras e orgânicas. 3º momento (atual – diversidade da horta) O restaurante e o Quiosque Missioneiro foram o estímulo necessário para que a família Mattos se dedicasse integralmente a produção diversificada de alimentos ecológicos. Atualmente a família possui uma horta diversificada na qual produzem alface, cenoura, repolho, rúcula, brócolis, couve, beterraba, rabanete, milho pipoca, mandioca, etc. (Figura 06 e 07). Além dos produtos vegetais também é produzido mel e frangos coloniais.

Figura 06: Horta diversificada da família Matos


Figura 07: produtos preparados para serem comercializados

Paralelo a diversificação da produção foi sendo construído o processo de transição agroecológica da produção. Atualmente um conjunto de manejos com produtos fitoterápicos é adotado na produção como ilustra o quadro 01. Quadro 01: Produtos utilizados na transição agroecológica Produto Calda de fumo

Ingredientes

Serventia

Forma de uso

Destino

15 centímetros de fumo

Repelente

de

Diluir 10 ml em 10

Abóbora, melancia,

em corda, 1 litro de

lagartas, pulgões e

l água e pulverizar

pêssego,

água, 10 ml álcool.

outros

preventivamente

repolho, couve.

a

Deixar 5 dias para que

cada 15 dias ou

ocorra a liberação da

curativamente,

nicotina do fumo.

seja quando tiver

alface,

ou

insetos. Calda cinamomo

fruto

500 g de fruta madura

Carrapaticida,

Diluir 500 mL para

Abóbora, melancia,

de cinamomo, 500 ml

repelente de insetos

cada 10 litros de

pêssego,

alface,

álcool, 500 ml água.

gerais e cochonilha.

água.

repolho,

couve,

Deixar

Sal mineral

10

dias

Pulverizar

preventivamente

em

a

hortifrutigranjeiros

infusão. Após coar para

cada 15 dias ou

em geral. Uso em

ser utilizado.

curativamente,

ou

animais

para

seja quando tiver

controle

do

insetos.

carrapato.

Deixa à vontade no

Nutrição animal

20 kg sal comum, 2 kg

Nutrição animal

pó de osso, 200 g de

coxo, à disposição

enxofre

do animal.

ventilado.

Misturar tudo até ficar


homogêneo. Biofertilizante

60 l de água, 20 kg

Adubação

esterco bovino fresco, 2

repelente,

kg pó de rocha, 6 l de

rejuvenescedor

soro de leite e 2 l de

solo

melado.

Misturar

deixar

foliar, do

Aplicar

Abóbora, melancia,

quinzenalmente

pêssego,

alface,

como

repolho,

couve,

adubação

foliar,

e

“trabalhar”

no

solo

aplicar

na

implantação

da

hortifrutigranjeiros em geral.

cultura.

agitando 1 vez ao dia por 40 dias. Alhol

1 kg alho liquidificado,

Tratamento

das

Diluir 200mL para

Abóbora,

2 l água, 200 g de sabão

doenças fúngicas da

cada 10 litros de

solanáceas,

neutro dissolvido em 3 l

videira (antracnose,

agua.

rosáceas,

de água morna, 100 ml

oídio, míldio dentre

preventivamente

a

cucurbitáceas,

óleo vegetal. Misturar

outras) e repelentes

cada

e

crucíferas

tudo e deixar repousar

de todos os insetos

curativamente

hortifrutigranjeiros

por 5 dias. Após coar.

causadores

sempre

em geral

de

injurias na planta principal, de

Aplicar 15

dias

quando

e

aparecer injúrias.

controle

cochonilhas,

vaquinhas, cascudinho

do

feijoeiro.

O manejo fitossanitário proporcionou uma melhor na maior produção porque está aliado a outras práticas importantes no manejo agroecológico como a utilização de quebraventos. Na propriedade da família Matos a horta está protegida por uma mata nativa (Figura 08) que protege dos ventos advindos das direções Sul, Leste e Oeste. Na direção Norte há proteção dos ventos, devido a localização geográfica da área, pois o terreno é ligeiramente inclinado para o Sul.

Figura 08: Mato nativo que protege a horta.


Em relação ao manejo do solo, a adubação é utilizada através de compostagem retirado de um minhocário que produz húmus suficiente para atender a demanda da propriedade. Os biofertilizantes, também, são produzidos pelo agricultor. O manejo do solo, como descrito acima, é feito com rotação de culturas, adubação orgânica e adubação verde. Um elemento central para a produção agroecológica diz respeito a produção de mudas e sementes. Na propriedade da família Matos a maioria das mudas são produzidas pelo próprio agricultor como o tomate, abóbora, melancia, melão, alface, cenoura, rúcula, pepino, dentre outras de menor escala, o que lhe proporciona relativa autonomia na produção, já que pode utilizar adubação e tratamento contra possíveis invasores com produtos totalmente orgânicos garantindo o controle da qualidade da produção agroecológica.

Figura 09: Produção de mudas de hortaliças.

Essas são as principais técnicas de produção adotadas pela família Matos no seu processo de transição agroecológica. REFLEXÕES/APRENDIZADOS DA EXPERIÊNCIA A família Mattos avalia que com essa mudança na matriz produtiva melhorou sua relação com o meio ambiente, reduziu os danos ambientais e a família teve uma considerável melhora na qualidade de vida por não se expor aos malefícios do uso de agroquímicos. Além disso, esse modelo de produção ecológica se tornou uma referência para os assentamentos da reforma agrária na região, inclusive despertando o interesse do INCRA que fez uma reportagem com a produção da Família Matos em seu informativo, divulgando a experiência para outros agricultores assentados.


Limites da experiência Com a idade avançada e a saída dos filhos do lote, a mão de obra tornou-se um limitante para a produção, o que resulta numa produção em menor escala. A família também aponta que a burocracia no acesso as políticas públicas como o financiamento agrícola é um empecilho a transição agroecológica. REFLEXÕES/APRENDIZADOS DA SISTEMATIZAÇÃO Através da sistematização da experiência foi possível demonstrar que com um pouco de persistência, dedicação e trabalho árduo é possível realizar uma produção agrícola de base ecológica, consciente, sustentável, sem prejuízos ao meio ambiente, aos seus familiares, aos consumidores dos produtos e com resultados econômicos. A sistematização também aportou elementos concretos para desenvolver processos de transição do sistema convencional para o de base ecológica em assentamentos de reforma agrária. Como ensinamentos podemos destacar que a viabilidade do sistema de produção agroecológico é possível. O senhor Sadi, a equipe técnica e sua família têm desenvolvido, com o passar dos anos, tecnologias apropriadas ao sistema de produção. Mas não se faz agroecologia sem uma dedicação absurda, sem teimosia e sem amor, pois sem estes ingredientes, o sistema fundiário das multinacionais acaba injuriando a agroecologia. Trabalhar em um sistema agroecológico, sem uma comercialização de nada vale. As políticas governamentais dos últimos anos vem fomentando os agricultores familiares em produzir ainda mais no sistema agroecológico, sendo que sem estas alternativas, a dificuldade de comercialização seria muito maior, dificultando ainda mais o sistema de produção.


AUTORES E COLABORADORES Família Matos Sadi Avila de Matos Heloisa Santis de Matos Adelar Matos Tonismar Matos Raquel Matos Equipe técnica de ATES do Núcleo Operacional São Luiz Gonzaga Claudio Cesar Cabreira Rodrigues Aldair José Morais Idalêncio Machado Isabel Fernandes Benedita Koslowski Marcos Roberto Diehl Assessores Técnicos Pedagógicos (ATP’s) - UFSM/INCRA Fernanda Ferreira Alisson Vicente Zarnott Adilson Roberto Bellé Contatos Sadi Avila de Matos – (55) 9610 5709 Aldair J. Marais - (55) 9953 5376 Referências bibliográficas ECKERT, Cordula. Livro de Orientações para elaboração de Sistematização de Experiências. Emater/RS 2013. GEILFUS, Frans. 80 Herramientas para el Desarrollo Participativo. San Salvador: IICA – Holanda/LADERAS C.A., 1997. HAGUETTE, Tereza Maria Frota. Metodologias Qualitativas na Sociologia. 10. ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2005.


CAPACITAÇÃO EM GESTÃO RURAL: UMA PROPOSTA DE CONSTRUÇÃO E SOCIALIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS COM JOVENS ESCOLARES.

Kátia Jaqueline Sassi Jair L. Callai Bazzan Gilberto Pozzobon Elisabete Ristow

JÓIA/RS - 2013


1 – TÍTULO Capacitação

em

Gestão

rural:

Uma

Proposta

de

Construção

e

Socialização de Conhecimentos com Jovens Escolares.

2 – RESUMO

A Capacitação em Gestão Rural é uma proposta de trabalho com jovens escolares rurais de 8ª série, junto à Escola Dr. Edmar Kruel, no município de Jóia/RS. Teve início a partir de um contrato de Assistência Técnica e Social (ATES) entre a Emater/ RS e o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para atendimento aos assentamentos e reassentamentos da Reforma Agrária naquele município. Tem como objetivo debater as possibilidades de permanência dos jovens no meio rural, exercendo suas atividades com conhecimento, renda e dignidade. Trabalhou-se, construtivamente, uma série de temas interligados à realidade das Unidades de produção familiar (UPF) e às comunidades rurais, nos aspectos econômicos, sociais, ambientais e culturais. A sistematização da experiência buscou conhecer as influências da capacitação na tomada de decisão dos jovens e no desenvolvimento de potencialidades e habilidades capazes de contribuir para o desenvolvimento de suas atividades, permanecendo no meio rural ou tomando novos rumos. Perceberam-se avanços significativos na capacidade de expressão oral, na postura, na participação e na capacidade de construir e contextualizar conhecimentos a partir da realidade vivenciada, muitas vezes, ressignificando o valor do rural, como meio e forma de vida com qualidade e dignidade. É possível, também, com comprometimento, de diferentes atores, sobretudo da comunidade escolar, construir propostas que aproximem os currículos da escola da realidade dos jovens rurais, e que auxiliem um debate sobre os problemas da sucessão rural diretamente ligados à pouca participação nos processos decisórios e à desvalorização autoconferida pelos próprios jovens e seus familiares no que se refere ao papel da pequena agricultura no processo de desenvolvimento dos municípios agrícolas.

3 – PALAVRAS-CHAVE

Capacitação em Gestão Rural – Juventude Rural – Sucessão – Reforma Agraria - ATES em Escola.


4 – INTRODUÇÃO A Sistematização de Experiências já é bastante utilizada por várias instituições para refletir coletivamente e divulgar trabalhos tidos como pioneiros, com potencial de replicabilidade ou, até mesmo, que são esquecidos pelos insucessos gerados, contribuindo para a construção de estratégias de desenvolvimento, incluindo, o rural. Sendo a experiência Capacitação em Gestão rural, vista como um caminho para trabalhar-se a sucessão no meio rural e vendo a sistematização como uma alternativa para a reflexão e de divulgação das conquistas e desafios encontrados diariamente pela equipe técnica da EMATER-RS, verificou-se a necessidade de dar pleno enfoque para essa ferramenta. O processo de Capacitação em Gestão Rural na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dr. Edmar Kruel, no interior de Jóia, nasce de uma oportunidade de trabalho contratado entre a EMATER/RS (Empresa Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural e o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em que, uma das metas contratadas estabelecia o trabalho em escolas com alunos de assentamentos de Reforma Agrária, em atividades diversas como horta e pomar, segurança alimentar, recursos naturais, etc. Com início em 2000, a Emater/RS desenvolveu um trabalho junto a essa Escola e que foi interrompido em 2007. A escola se ressentiu desta ausência, pois não conseguia grandes avanços nas atividades interdisciplinares extraclasse, envolvendo professores e alunos, que em anos anteriores transcorria de forma mais adequada, quando toda ação prática era contextualizada e trabalhada por todos. Ficaram boas lembranças do trabalho realizado. Assim, ficou fácil para a equipe municipal da Emater/RS, em 2009, propor um trabalho diferenciado, que ampliasse em tempo, abrangência e envolvimento as atividades a serem realizadas. A Capacitação em Gestão Rural surge como resultado dessas necessidades recíprocas, com a finalidade de proporcionar um espaço de discussão, pesquisa e ação, oportunizando a construção de conhecimentos teóricos e práticos de temas inerentes à realidade e ao desenvolvimento da Unidade Produtiva Familiar e sua relação com o contexto social, ambiental, econômico e político, respeitando o desenvolvimento de habilidades e potencialidades individuais do jovem rural. Decorridos quatro anos da implantação da proposta que previa, inicialmente, trabalhar só com jovens da 8ª série, várias modificações aconteceram. A experiência envolveu os alunos da 8ª série desde o início do projeto, os professores que trabalharam diretamente no mesmo e os demais, que através da interdisciplinaridade, contextualizavam os temas abordados, além dos pais que eram chamados no início e durante o processo e cuja participação era importante no conhecimento e apoio aos filhos, quando da busca de informações diversas sobre os temas discutidos. Agregando-se a estes, os


extensionistas do escritório municipal local da Emater/RS, que coordenavam as atividades nos módulos mensais. Todos esses constituem os atores do processo de sistematização de experiências proposto e que foram ouvidos através de vários encontros ou entrevistas semiestruturadas. Após inúmeros debates internos e pré-questionamentos entre a equipe de trabalho verificou-se a importância de salientar os pensamentos individuais de cada ator ligado à experiência aqui já mencionada. Tornou-se cada vez mais claro que a metodologia usada para a realização deste trabalho de sistematização deveria ser participativa e construtiva, portanto partiu-se de uma entrevista semiestruturada com os professores, pais e jovens escolares para colherem-se as percepções iniciais da experiência realizada. Os professores foram reunidos em pequenos grupos para responderem algumas questões orientadoras sobre a experiência que, posteriormente, foram socializadas, discutidas, analisadas e extraídas conclusões e ensinamentos para a continuidade do processo. Os jovens que estão nos assentamentos e que concluíram a 8ª série, dos anos de 2010 a 2012, foram reunidos para discutir e refletir sobre algumas questões. Os demais, quando possível, responderam a uma entrevista semiestruturada com as mesmas questões discutidas com os grupos. Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com pais de alunos egressos sobre as suas percepções sobre o projeto realizado e suas influências sobre algumas características dos jovens. Os resultados das discussões com os atores envolvidos, acrescidos de dados e informações levantados e resgatados no transcorrer da experiência propiciaram a elaboração da sistematização que foi apresentada, discutida, retificada e validada pelos atores envolvidos no processo, e que deixaram aprendizagens, lições e sugestões para a continuidade do trabalho.

5 – CONTEXTO O município de Jóia, pertencente à Associação dos Municípios do Planalto Médio (AMUPLAN), situa-se a 40 km de Ijuí e 450 km de Porto Alegre. Possui área de 1235,9 km², sua economia totalmente dependente das atividades agrícolas, sendo as culturas da soja, milho, trigo e a bovinocultura leiteira, as principais atividades. A população total do município é de 8.331 habitantes, 25 % na cidade e 75% no meio rural. Existem 1.573 estabelecimentos rurais com até 50 ha (IBGE, Censo 2006), sendo que 87% dos estabelecimentos do município são da agricultura familiar e ocupam 28% da área total do município. A partir de 1995 o município começa a receber assentados de Reforma Agrária, que hoje ocupam 11.714 ha, em oito assentamentos e reassentamentos com um total de 662 famílias.


A Escola Estadual de Ensino Fundamental Dr. Edemar Kruel, localizada na Comunidade de São José, distante 14 km da sede do município, abriga alunos de 1ª a 8ª séries, vindos das comunidades de São José, São João da Bela Vista, Santo Antônio e dos assentamentos e reassentamento, Ceres e Rondinha e Novo Amanhecer, respectivamente. E conta atualmente com 105 alunos. A Emater tem uma parceria com a escola desde 2000, através do Projeto “Crescer e Viver em Comunidade”. Inserido neste projeto, nesse período também teve início o Projeto de Agroecologia com o propósito de despertar nos educandos o interesse pela construção de uma horta caseira com o objetivo da autossustentação sem a utilização de produtos agroquímicos. Era trabalhado o planejamento do cultivo de hortaliças, aproveitamento dos alimentos produzidos na horta, e consumidos na merenda escolar, manejo do solo, controle de pragas e doenças, sistema de irrigação, e o uso de práticas agroecológicas nas atividades realizadas no espaço escolar. Este, servindo como ligação entre os passos a serem dados em favor do Gestão Rural. Em 2007, com o fechamento do escritório municipal local da Emater/RS se desfez essa parceria com a Escola, que sentiu enormemente a perda, conforme relatado pelas professoras: -“Com a saída da Emater o trabalho caiu. Não houve continuidade com os outros parceiros. Com a Emater havia essa sequência”.

A Emater retorna ao município de Jóia, em 2009, após um afastamento de dois anos. O retorno se dá através do contrato com o INCRA para prestação de serviços de Assistência Técnica e Social (ATES) aos oito assentamentos do município. O contrato inicial previa uma série de metas estaduais (obrigatórias) e outras regionais (passíveis de planejamento com os assentados). Uma dessas metas estipulava o trabalho com escolas localizadas nos assentamentos. Com relação à proposta do contrato de trabalho junto ao INCRA, para o desenvolvimento de atividades com jovens escolares de assentamentos da reforma agrária, a visão inicial dos extensionistas da Emater não era apenas de um trabalho para atingir metas, mas buscava-se uma ação mais sistêmica, envolvendo os jovens, pais, professores e a comunidade, que serviria mais tarde como base para novas experiências em outras escolas. Buscava-se a formação continuada e o exercício da interdisciplinaridade trabalhada pelos extensionistas e professores baseando-se na realidade dos alunos, e que pudesse interferir no aprofundamento dos debates quanto à permanência dos jovens no meio rural, ou à sua saída, através de decisões conscientes e qualificadas, preparados para o mundo a ser enfrentado, seja qual a decisão fosse tomada. O trabalho com o Projeto de Agroecologia que vinha se desenvolvendo na escola, tornava-se de certa forma “pequeno”, se considerado com o que estávamos propondo para este segundo momento do nosso trabalho. O nosso propósito nesta formatação de poder capacitar jovens escolares em Gestão


Rural passa a ser mais desafiador no sentido da construção de uma proposta onde se completasse a construção do conhecimento em Agroecologia propriamente dita, a Segurança Alimentar e Nutricional compreendendo desde a produção da matéria prima ao seu processamento, ou seja, a produção do alimento. E por fim a “Capacitação em Gestão Rural”.

6 – DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA

A experiência em Capacitação em Gestão Rural iniciou em 2009, junto à escola, em função do encontro de Segurança Alimentar que ocorre no segundo semestre, promovido pela escola e EMATER-RS e envolvendo a comunidade escolar. Surgiu uma proposta de trabalho com mais consistência, profundidade e comprometimento das partes para não ser algo solto e pontual, atrelando ao interesse já saliente da comunidade, pais e da própria escola, retomando o projeto de agroecologia. A Capacitação/Formação em Gestão Rural é um compromisso de transformação e de desenvolvimento assumido conjuntamente pelo corpo docente da escola Dr. Edmar Kruel, extensionistas da Emater, alunos da 8ª série e pais envolvidos em cada ano de realização, conforme relatam os próprios professores: -“A escola tinha essa preocupação como escola do campo, da busca de uma proposta diferenciada, onde o jovem conhecesse a realidade da UPF (Unidade de Produção Familiar). A escola há muitos anos pensa em ter currículo diferenciado e não seguir o normal. Começou com a horta e, nas disciplinas, a necessidade da interdisciplinaridade. Com a chegada do Assentamento Rondinha, apareceu as diferenças e a necessidade de um projeto diferenciado. Antes era um projeto por adesão, agora na disciplina de Agroecologia, é uma caminhada gradativa onde cada ano vão ampliando conhecimentos. Todo esse processo foi acompanhado pelos alunos e essas discussões podem ser levadas para casa.”

A experiência inicial da Gestão Rural ocorreu com a 8ª série, em 2010, com a participação de 12 jovens, sob a coordenação da prof. Lizandra, com acompanhamento da Coordenadora Pedagógica Liane e o professor das áreas afins aos conteúdos programados. Em 2011, a escola já tinha a proposta de transformar o projeto agroecologia em disciplina curricular da mesma, mas por motivos burocráticos não conseguiu atingir seus objetivos na implantação da disciplina. Após várias reuniões, envolvendo o corpo docente de escola, e a Coordenadoria Regional de Educação – CRE, com sede em Ijuí, para discutir o conteúdo a ser aplicado na disciplina de Agroecologia, a Escola tem reconhecida a sua proposta e passa a ser autorizada a implantar em seu currículo a disciplina de Agroecologia, no ano de 2012,. Sendo a primeira Escola do campo com este reconhecimento, pelo menos na área da Coordenadoria.


Em 2012, dos 19 jovens participantes do projeto 10 eram da agricultura familiar e 09 da reforma agrária. Os trabalhos eram desenvolvidos sob a coordenação da professora Eloisa Bieneck. Cada etapa da capacitação era desenvolvida mensalmente pelos técnicos da EMATER-RS, sendo que a professora, semanalmente, dava continuidade aos trabalhos com os jovens, aprofundando os temas e construindo novos conhecimentos. A percepção dos coordenadores do trabalho, professores e técnicos da Emater/RS foi de um crescimento significativo na postura, na participação, no olhar mais amplo, no interesse e no comprometimento com as ações desenvolvidas pelos alunos, na escola e nas propriedades, tornando-se, inclusive, mais exigentes com relação às demais disciplinas curriculares. O objetivo geral proposto pela capacitação era o de trabalhar a possibilidade de permanência dos jovens junto às famílias, exercendo suas atividades com renda e dignidade no meio rural, uma vez que havia uma forte tendência de abandono do campo pelos filhos de famílias assentadas – e não só destas, devido às poucas alternativas de renda e desmotivação encontradas nos assentamentos. Todavia, percebeu-se, após avaliação preliminar, que os alunos na 8ª série, já tinham um pensamento fixo e uma decisão tomada com relação à saída das propriedades e à busca de uma nova vida nas cidades, continuando os estudos ou buscando empregos assalariados. Concluiu-se que este tipo de reflexão proposta pela Capacitação em Gestão Rural deveria acontecer mais cedo, com alunos mais jovens, das sextas e sétimas séries, quando um tempo maior de envolvimento e debates poderia influenciar positivamente na permanência de um maior número deles no seu meio, contribuindo para a sucessão e o desenvolvimento rural. Assim, a disciplina Agroecologia foi estendida para as turmas da 5ª à 8ª série, com os seguintes conteúdos: - 5ª série/6º ano: ênfase em sistemas de produção de hortigranjeiros, plantas medicinais, sistema de compostagem e minhocário; - na 6ª série/7º ano: para o pomar doméstico, paisagismo, manejo de resíduos sólidos; - 7ª série/8º ano: gestão em segurança alimentar e nutricional; - 8ª série/9º ano: a capacitação em Gestão Rural. A proposta é de uma capacitação continuada, gradativa e crescente na apresentação das temáticas e na construção do conhecimento. A Capacitação em Gestão Rural tem os seguintes objetivos específicos: * Propiciar a interdisciplinaridade dos temas trabalhados com a proposta pedagógica da escola levando em conta a realidade dos jovens no meio rural; * Instrumentalizar o jovem para qualificar as tomadas de decisão, permanecendo ou saindo do meio rural, possibilitando assim, novas oportunidades para o futuro do jovem;


* Promover a integração ativa dos pais e da comunidade nas atividades do projeto na escola, visando introduzir a discussão sobre temas como a sucessão no meio rural, suas motivações e abrir as discussões sobre o planejamento e inserção dos jovens nas decisões da unidade de produção. * Sensibilizar para a percepção, compreensão, interpretação e intervenção sobre a realidade vivenciada; * Oportunizar o desenvolvimento de habilidades e potencialidades individuais do jovem; No quadro abaixo, estão descritas as etapas do processo de capacitação, com os temas discutidos e construídos coletivamente entre os participantes. Cada tema é realizado durante todo o dia ficando atividades complementares de realização individual ou coletiva pelos jovens e socializadas na contextualização da disciplina de Agroecologia e das demais disciplinas, inter-relacionando os conteúdos da prática vivenciada com os conteúdos curriculares, aproximando-se mais da realidade dos jovens.

TEMA

SUB-TEMA

Percepção e leitura da realidade Percepção, leitura e compreensão da realidade (micro e macro) Percepção e leitura da realidade Percepção, leitura e compreensão da realidade Gestão dos Recursos Naturais local - Caminhada transversal. Sustentabilidade, solo, vegetação, água, ar e biodiversidade. Gestão da Segurança Alimentar Valorizar e valorar aspectos da segurança /Fluxograma de entradas e alimentar saídas Análise econômica das atividades/linhas Gestão Econômica e produtivas e planejamento da unidade de Planejamento produção familiar - UPF. Gestão do Mercado Cadeia de mercado. Cadeias curtas de produção familiar. Encontro/socialização com os Apresentação dos trabalhos das primeiras pais etapas (até 5ª etapa) Gestão do Trabalho Análise das atividades da família /trabalho / ocupação e discussão sobre aspectos referentes ao trabalho. Viagem técnica Gestão dos Recursos Humanos

Visitas técnicas a Unidades de produção familiar. Análise das relações humanas nos diferentes espaços, do eu, na família, na comunidade, na sociedade e com o meio ambiente


Encontro Alimentar

de

Segurança Socialização das atividades dos projetos e encontro do Dia Mundial da Alimentação.

Análise do diagnóstico da Análise das potencialidades e debilidades da unidade de produção familiar. Unidade de Produção Familiar Planejamento de ações. Elaboração final dos trabalhos Apresentação final dos trabalhos para banca técnica. Apresentação final dos Apresentação final dos trabalhos para a comunidade escolar. trabalhos Avaliação final da capacitação Avaliação final da capacitação pelos jovens /escolares Avaliação final da capacitação pela equipe. Os temas acima relacionados são ministrados através de aulas teóricas envolvendo as demais disciplinas de matemática, português, história, geografia, biologia, entre outras. Também ocorrem aulas práticas, envolvendo vários métodos como visita técnica, caminhada, trabalho na horta e dia de campo.

Visita Técnica a uma unidade de produção familiar - UPF

Para um melhor entendimento da capacitação torna-se necessário descrever uma das etapas, como exemplo, a da percepção e leitura da realidade, através da realização de uma caminhada: Os jovens são estimulados ao desenvolvimento de habilidades para perceber e compreender


uma realidade através de técnicas de sensibilização e montagem de roteiro do que deve ser observado numa caminhada transversal. Primeiro identificando quais aspectos a observar e, dentro destes, quais os aspectos que devem ser conhecidos. No aspecto ambiental, por exemplo, eles montam um roteiro para observar os recursos naturais: situação do solo das comunidades e propriedades, rios e demais recursos hídricos, mata ciliar, qualidade da água, fontes de contaminação, matas e reservas, campo nativo, demais aspectos da flora e fauna. Isso se repete para os aspectos econômicos, socioculturais e segurança alimentar. Durante a caminhada realizam-se paradas estratégicas para aprofundar sobre a gestão dos recursos naturais de forma prática, discutindo o que é necessário para a qualidade ambiental e ampliando os conhecimentos práticos e teóricos referentes ao meio ambiente e sua sustentabilidade.

Caminhada Transversal realizada na Comunidade de São José

Após a caminhada, os jovens sistematizam suas observações e todos apresentam seu relatório, socializando os achados, sendo que cada um expõe suas percepções para uma construção de um uma visão coletiva sobre as experiências. Com os professores realizam aprofundamentos dos temas vistos, discutindo o que é necessário para o desenvolvimento de atividades a partir do que foi observado pelos jovens durante a caminhada transversal e na sua


sistematização. Aprofundam conhecimentos de solo, águas, fauna e flora e constroem propostas de melhorias do que já existe. Para outras datas de encontro com a professora, já ficam agendadas, atividades que devem ser aplicadas e desenvolvidas nas unidades produtivas familiares de cada jovem como, por exemplo, a construção do mapa dos recursos naturais da propriedade apontando sugestões de melhorias para as mesmas.

6.1. Atividades de Formação As atividades de formação continuada, teórica e prática, acontecem em etapas conforme o calendário escolar, mensalmente. As atividades da formação continuada acontecem em etapas (fevereiro a dezembro). Inicia-se pela calendarização no mês de fevereiro, junto com a equipe diretiva e pedagógica da escola, com o registro dos dias de formação com a equipe técnica da Emater, sempre em turno integral. Ainda fica a reserva de datas para uma reunião com os pais, para apresentação dos temas, metodologias e ferramentas que serão utilizados pela equipe de profissionais que trabalharão a capacitação. E, também, a data de socialização junto às famílias, que ocorre sempre no mês de julho. Ainda, a data de apresentação dos trabalhos finais (TCC – Trabalho de Conclusão de Curso) aos familiares e à comunidade local, em novembro.

Momento de socialização com pais e comunidade escolar

Dá-se mesmo em março o início da capacitação juntamente com os jovens envolvidos. A cada encontro técnico se faz uma sensibilização, leitura de uma mensagem ou ainda uma dinâmica com os jovens, buscando a proximidade dos mesmos com o tema que será trabalhado.


A metodologia de trabalho utilizada na formação, primordialmente, é participativa e construtiva, preservando sempre o conhecimento, as habilidades e potencialidades de cada um. Entendendo ser uma possibilidade metodológica que viabiliza a aplicação de uma visão sistêmica e interdisciplinar na organização e desenvolvimento dos conteúdos escolares, articulando os conhecimentos que os educandos já possuem com os novos conhecimentos a serem construídos. A interdisciplinaridade acontece de forma natural, pelo comprometimento das professoras, sendo que as outras disciplinas interagem nas atividades que são desenvolvidas pelos alunos. Como exemplos, podem ser citados: os mapas com escalas, as identificações das localizações das unidades produtivas familiares com reconhecimento da geografia local; o estudo da biologia nas etapas de gestão dos recursos naturais e da segurança alimentar; o resgate da história da comunidade e da família, também representada pela árvore genealógica, quando se interligam os conteúdos de história e sociologia. No português, escrevem e sistematizam os textos e conhecimentos construídos no decorrer das etapas; não se pode esquecer a matemática identificada em cada etapa pelos cálculos e equações desenvolvidos pelos jovens. Há digitalização e montagem de apresentações dos trabalhos, quando se aplicam conhecimentos desenvolvidos na informática. Estes são exemplos pontuais, pois existe uma interdisciplinaridade total das disciplinas desde a religião passando por artes até educação física. Parte-se da realidade para construir e amadurecer a aprendizagem teórica e prática relacionadas aos temas, como se pode verificar nas declarações de alguns jovens: -”... as metodologias e ferramentas são aproveitadas todos os dias, não tem um dia que não usamos, até fazer conserva minha irmã começou a fazer. Juntamos todos os lixos em roda de casa, sabemos o quanto gastamos cada dia com as vacas.”


Etapa da Segurança Alimentar

-“Antes da capacitação eu era desorganizada, gastava a beça, não tinha nenhum controle nos gastos, mais quando comecei a aprender me controlo nos gastos, não jogo mais lixo pela janela do ônibus e ajudo muito em casa. Também não tínhamos horta nem pomar agora temos tudo”.

O que se objetiva, com a utilização desta metodologia, é que os jovens aprendam a organizar seus próprios conhecimentos e a estabelecer relações entre fatos de diferentes áreas na organização dos saberes, utilizando, para isso, novos conhecimentos, para atuarem no mundo com competência e visão sistêmica. A escolha dos temas que norteiam os trabalhos desenvolvidos na capacitação parte das necessidades e anseios da comunidade escolar e da realidade local, bem como, do grau de relevância dos mesmos para a aprendizagem dos educandos. Os participantes da formação desenvolvem diagnósticos, pesquisa-ação junto às unidades de produção familiar sobre os temas trabalhados na formação e realizam encontros semanais para a elaboração dos trabalhos individuais, bem como a sua socialização com os demais participantes. Também fazem a sistematização gradativa dos trabalhos desenvolvidos, sob orientação do professor, e são acompanhados periodicamente pela equipe de ATES -“Tivemos dificuldades no início, depois que nos relataram o passo a passo de fazer as atividades nós fazíamos os trabalhos, os temas nunca foram os mesmos. Nos possibilitou a buscar as coisas com a família, isso pesquisando cada vez mais. Meu projeto de vida era se formar em ensino médio e ir trabalhar fora de casa, depois da


capacitação eu mudei minha forma de vista, pretendo me formar na escola agrícola e voltar pra casa pra trabalhar com meu pai, aplicar o que eu aprendi lá na escola”.

.

Construção do Projeto de Vida

Os jovens/escolares da 8ª série fazem a apresentação final dos trabalhos a uma banca técnica, constituída pela equipe de ATES e professores e, logo a seguir, à comunidade escolar. A experiência de Capacitação em Gestão é bastante ampla e complexa envolvendo vários temas do dia a dia das UPF e das comunidades rurais, bem como das inter-relações entre as mesmas, nos aspectos socioeconômicos, ambientais e culturais. E o tema da sistematização foi com o objetivo de avaliar os impactos desse processo de aprendizagem para a permanência do jovem no meio rural, melhor dizendo, qual a contribuição ou interferência do processo de Capacitação/ formação em Gestão Rural na tomada de decisão do jovem com relação à sua saída ou permanência no meio rural. Independentemente desta escolha, de permanecer ou abandonar o campo, pôde-se constatar algumas contribuições no desenvolvimento de habilidades ou potencialidades individuais dos jovens, conforme declarações de alguns participantes:


-“Ajudou bastante, pois agora conheço minha propriedade, sei como posso mantê-la, e tornando mais sustentável”.

Portanto, pode se identificar algumas contribuições do processo de Capacitação/Formação em Gestão Rural na tomada de decisão dos jovens sobre seu projeto de vida. -“Eu decidi que há muitos recursos lucrativos no meio rural, sem precisar ir para a cidade procurar serviço”. -“Sim, agora eu converso e posso tomar minhas próprias decisões, pois eu sei como podemos ter uma boa produtividade no meio rural”. -“Que nós jovens também temos que tomar decisões não é que nos somos jovens nós não podemos ter opiniões do que a propriedade pode precisar. Devemos desde pequeno ir aprendendo sobre a nossa família e tudo o que envolve a produtividade familiar. Assim quando crescer já saberia tudo sobre a decisão que devemos tomar”.

Através do comprometimento da escola e da equipe da EMATER-RS com o trabalho de Capacitação em Gestão Rural, um impacto foi a conquista da implantação da Disciplina Agroecologia no currículo da E. E. E. F. Dr. Edemar Kruel. E pôde-se, ainda, verificar outros frutos da capacitação com vários jovens repensando suas escolhas de cursar um segundo grau ou uma escola técnica. E com declarações de satisfação plena por parte dos pais em relação ao crescimento e amadurecimento de seus filhos, principalmente em assuntos relacionados à agricultura familiar. -“Hoje eu estudo na escola agrícola em Guarani das Missões cursando o curso de técnico em agropecuária, no segundo ano. O que me chamou atenção foi aprender a dar valor para o que se tinha em casa. Antigamente a gente nunca tinha notado antes como podia viver, e a partir do curso a gente se surpreendeu muito, um grande projeto,uma noção como se podia viver em casa com os pais, sem sair pra fora, sem sair da propriedade.”

Ainda, mesmo sendo sutis os resultados, não há como negar de que são positivos diante da problemática que envolve a agricultura familiar e sua gestão. Portanto, o Gestão Rural não é uma solução para os problemas da agricultura, mas sim, apresenta-se como uma alternativa para ajudar a repensar a sucessão no meio rural. -“Quando começou a capacitação eu achei a maior chatice, mas depois no final adorei, gostei muito, minha irmã colabora todo o dia não joga lixo pela janela do ônibus. E agora tem todo um diálogo quando se tem plano pela frente”.

O processo da capacitação em gestão rural teve influência nas tomadas de decisão sobre a permanência ou não no meio rural, onde o jovem percebeu novos caminhos viáveis no campo e a possibilidade de sucessão. -“Me mostrou um baita caminho pra se ter sucesso na vida, mesmo com minha

pequena propriedade eu não preciso sair pra buscar trabalho, posso com ela ter


sucesso, basta ter um projeto de vida e tomar as decisões tenho que ter vontade de fazer e posso conseguir com minha pequena propriedade, mesmo sendo assentado, o projeto de gestão rural que eu fiz me abriu muito a cabeça de querer e me mostrou que eu posso e tem condições de viver lá com meus pais”.

Não basta organizar os conteúdos, Temos que ter envolvimento e comprometimento da equipe de ATES, equipe pedagógica e diretiva da escola, comunidade local, jovens capacitandos e famílias envolvidas, gerar todo um clima de transformações e mudanças. Essa é a lógica, e não simplesmente alterar currículos adaptados ao meio rural. Sem uma postura de comprometimento de todos os atores os resultados poderiam ser bem diferentes. Na avaliação e análise da capacitação em gestão rural percebem-se alguns aspectos fundamentais que, em hipótese alguma, podem ser esquecidos, que dão conta das possibilidades de êxito com relação aos objetivos propostos, ou que resultem em frustrações pelo não atingimento dos mesmos: a) A capacitação em gestão rural é um processo pensado, articulado e construído de acordo com a realidade e dinâmica de aprendizagem dos jovens, que se comprova pelos depoimentos a seguir: - “O modo como foi trabalhado, todos os detalhes, que descobri sobre esse trabalho, as despesas, os lucros, a organização da propriedade.” - “As metodologias e ferramentas utilizadas no Gestão rural estão sendo sim utilizadas, para ajudar meus pais, a fazerem as contas, pesquisar os produtos quando vão ao mercado.”

b) Exige um comprometimento muito grande de toda a equipe envolvida. Dos extensionistas, na condução e contextualização dos diferentes temas ligados ao rural; dos professores e equipe diretiva, na continuidade dos temas trabalhados e na integração dos mesmos com as grades curriculares, articuladas com uma visão de desenvolvimento do espaço rural. Desenvolvimento este, que pense o papel da educação não só como espaço de transmissão de conhecimentos, mas de vivência comprometida com a transformação de uma realidade. Também o compromisso dos jovens, quando se possibilita a compreensão e internalização do seu papel como protagonista no presente, não só, simplesmente, como ente em formação para um determinado futuro. Os pais, participando e entendendo as etapas do processo e ajudando na discussão e construção dos conhecimentos ou fornecendo elementos para que os debates aconteçam, também são figuras presentes e determinantes dessa caminhada. Essas condições foram, ao longo do tempo, reforçadas, aprimoradas e plenamente alcançadas culminando para o alcance dos resultados esperados ou mesmo além deles. Certamente, a ausência de qualquer uma destas condições, poderia ter fornecido um resultado totalmente diferente e não desejado. Afirma-se isto, pois em outra experiência semelhante não se teve


bons resultados em razão do baixo entendimento e comprometimento com o processo. Cabe destacar, durante esses anos da caminhada o excepcional comprometimento da equipe de professores da escola Dr. Edemar Kruel que foi muito além das suas obrigações educacionais formais. Envolveram-se de tal forma que incorporaram o papel de agentes de desenvolvimento, buscando e disponibilizando todos os seus recursos e o seu precioso tempo de merecido descanso, nesse esforço de transformação. Aproveita-se para citar novamente o que já diziam os professores lá no início do processo quando se discutia a capacitação: -“A escola tinha essa preocupação como escola do campo, da busca de uma proposta diferenciada, onde o jovem conhecesse a realidade da UPF (Unidade de Produção Familiar). A escola há muitos anos pensa em ter currículo diferenciado e não seguir o normal. Começou com a horta e nas disciplinas, a necessidade da interdisciplinaridade. Com a chegada do Assentamento Rondinha, apareceramas diferenças e a necessidade de um projeto diferenciado. Antes era um projeto por adesão, agora na disciplina de Agroecologia, é uma caminhada gradativa onde cada ano vão ampliando conhecimentos. Todo esse processo foi acompanhado pelos alunos e essas discussões podem ser levadas para casa.” Assim, após inúmeros debates entre os autores da sistematização pôdese concluir sim, que houve interferência da formação/ capacitação em gestão rural na tomada de decisão dos jovens em sua permanência ou não no campo, bem como na formação de habilidades individuais e em suas percepções e visões críticas diante do contexto vivenciado. E, ainda, verificou-se que tais desenvolvimentos sugerem a evolução das formas de aprendizagem, como o aumento da autoestima dos capacitandos e sua maior interação diante da problematização de suas vivências, em família, nas comunidades e na realidade mais global. Desta forma, os jovens se enxergam como sujeitos ativos na transformação de suas realidades, na busca de uma vida digna no meio rural.

7 – RESULTADOS Através do processo da Capacitação, os jovens passaram a conhecer e compreender, de modo integrado e sistêmico, os aspectos básicos relacionados ao meio ambiente, ao que envolve as questões sociais e também econômicas. Passaram a observar e analisar os fatos e situações de forma crítica, reconhecendo a necessidade e as oportunidades de atuar de forma reativa e propositiva para garantir um meio de vida com qualidade e sustentabilidade. Pode se verificar nos relatos a integração dos temas em diversas disciplinas e o surgimento de novas posturas dos professores diante do jovem, que passou de ser agente passivo para sujeito ativo dentro da sua construção de conhecimento.


A Capacitação favorece a pesquisa em diferentes fontes, desde os saberes coloquiais, transmitidos de geração a geração, até os mais ilustres autores da nossa época: -“..Até no cemitério eu fui buscar informações das minhas origens, genealogia”. -“O professor passa a ser um mediador: orienta, mas não leva conhecimento pronto, ajuda a construir a história de cada um”. -“Nas outras disciplinas (história, por exemplo), também faz com que o aluno seja sujeito e o professor mediador. Não é só na disciplina Agroecologia. O aluno também exige mais do professor, eles têm o que apresentar e não só escutar”. -“Mudou na caminhada com o professor oferecendo instrumentos para a pesquisa com várias fontes e não simplesmente uma folha com perguntas com as respostas já no texto. Tem que construir”.

A capacitação promoveu uma maior interação e aproximação com a família e a comunidade e uma transformação na estrutura escolar percebidas nos relatos a seguir: -“Os jovens em casa muitas vezes não conversam. Não conhecem a própria história da família - achei fatos que não sabia, qual o nome do meu bisavô? – Foi bom até para mim foi importante para resgatar a minha própria história”. - declarou uma professora ao encontrar fotos antigas e identificá-las. -“a desinibição do jovem, aumentou o diálogo entre pais, jovens e escola”.


Apresentação dos trabalhos em forma de TCC

Os jovens que participaram da capacitação alegam ter desenvolvidos habilidades distintas do conhecimento técnico que a Capacitação em Gestão Rural proporcionou, adotaram posturas que os levaram a interação construtiva, justa e ambientalmente sustentável, como: -“Mais maturidade e crescimento para decidir”. -“Conhecer e refletir sobre a propriedade, passamos a valorizar mais a UPF, a família, entender as questões envolvidas nas decisões das famílias”. -“Enxergar alternativas e entender o que é qualidade de vida e poder decidir melhor. Ter uma visão mais ampla”. -“Alguns jovens da agricultura familiar estão na cidade mas não tem a noção ainda. Vêm buscar o alimento em casa”.

As potencialidades individuais dos escolares afloraram conforme já citado, reafirmado pelos testemunhos dos professores, e pais. -“Perda do medo, da inibição, se soltam mais. Capacidade de argumentação melhora e para isso tem que ter conhecimento. DEFENDER SUAS IDÉIAS COM ARGUMENTOS, PORQUÊS”.


-“Agora eu penso antes de falar, apresento melhor os trabalhos em público, faço críticas, dou mais opiniões.” -“Eles realizam a reconstrução do conhecimento, organiza, pesquisa mais, não fica na tarefa pela tarefa. Postura e seriedade para aquilo que estão desenvolvendo. E tal postura se verifica mesmo fora da escola”. -“Hoje eu vejo os jovens de pequena propriedade sempre pensando em sair de casa nunca volta, minha cabeça antes do curso também era assim, estudar e não voltar mais. Poucos jovens querem voltar pra casa, os pequenos agricultores já estão terminando com suas propriedades porque não têm mais os filhos, pois eles acabam abandonando seus pais, vão estudar se formar e não voltam mais pra trabalhar na lavoura com seus pais. Se forem fazer uma pesquisa vão ver que muitos jovens saíram pra estudar, se formaram e não voltaram mais para casa isso sim o que eu vejo na nossa comunidade atual hoje”. Com o desabafo do jovem citado acima,

além de amadurecimento, percebe-se que os alunos estão mais sensíveis á sua vivencia diária, interpretando e compreendendo suas realidades. “A partir do curso a gente começa a ver outra visão, muitas vezes a gente aprendeu coisas da nossa própria família, sobre os nosso avós, como podemos viver na lavoura, no campo, e tem como se viver bem em casa, na nossa propriedade e não se precisa viver só na cidade. Trabalho na cidade era o que eu sempre quis não saía da minha cabeça, e depois da capacitação deu pra ver que não precisamos largar a nossa casa, basta querer ter vontade, dificuldade a gente sempre vai ter, é só olhar pra frente e não desistir”. “Eu sinto muita diferença dos colegas e eu lá na minha escola técnica, desde o dia que eu fui fazer a prova quando a mulher foi dar os temas para nós, e eu já sabia todos os temas tinha trabalhado tudo na capacitação não tive dificuldade de fazer a redação, todos os temas já tinham sido trabalhos conosco na gestão rural. E como eu já sabia pude contribuir com meus colegas na escola técnica”.

Uma das participantes demonstrando o nível de aproveitamento prático da capacitação na sua unidade produtiva familiar, no seu dia a dia comenta: “Tudo o que nos aprendemos lá foi posto em prática em minha casa e nos gastos da família. Antes eu comprava só porcaria agora eu faço tipo uma administraçãozinha básica”. “O processo da capacitação em gestão rural colaborou em minha tomada de decisão, por que eu escolhi fazer uma faculdade que tem a ver com o campo.”

Apenas com a fala dessa jovem, percebe-se a satisfação da equipe com os resultados que o processo de Capacitação em Gestão rural teve sobre os jovens, mas os indícios vão muito além, percebendo-se que os aprendizados se deram para todos os atores, não só os jovens escolares, bem como para os técnicos de ATES e professores. Outros resultados verificados pelos dados colhidos durante a sistematização foram que os jovens dominaram alguns técnicas e métodos da


agricultura sustentável como também o manejo dos recursos naturais, com os quais interagem, aplicando-os no dia a dia. Reconhecem a necessidade do planejamento das suas propriedades, identificando os fatores que interferem na sua sustentabilidade e o custo dos sistemas produtivos. Conheceram as cadeias de mercado (longa e curta) das principais linhas produtivas da região e da unidade produtiva familiar. E, identificaram problemas, propuseram soluções, reconhecendo as potencialidades, e fraquezas da unidade produtiva familiar. Analisaram e compreenderam a dinâmica das relações e das atividades, referentes ao trabalho, bem como as inter-relações humanas nos diferentes espaços (meio ambiente, sociedade, comunidade, família, e o próprio indivíduo). Portanto, perceberam-se nos jovens, resultados positivos da influência do processo na compreensão dos meios de produção e dos recursos naturais e a contribuição para a sua formação como ser social e participante ativo nos saberes do campo. A capacitação proporcionou maior autonomia e qualificação em sua atuação como sujeito ativo em suas tomadas de decisão, viabilizando alternativas de permanência no meio rural com desenvolvimento e qualidade de vida. Viável, com qualidade e sustentabilidade.

8 – IMPACTOS Os impactos sentidos foram os da Escola ter reconhecida a disciplina de Agroecologia em seu currículo, após varias tratativas, sendo a primeira Escola do Campo com esta possibilidade. A maneira como os educandos se definem no final da capacitação, que abre espaços para a fala, o debate e a nova forma do professor se posicionar na sala de aula, saindo da forma original do professor versus aluno, passando para um mediador. A visão que os educandos têm da propriedade após o aprendizado teórico/prático, possibilitando uma percepção diferente.

9 – POTENCIALIDADES E LIMITES A cada etapa da Capacitação de Gestão rural verifica-se a necessidade de aprimoramento do uso de novas metodologias para uma melhor evolução e crescimento dos temas ali desenvolvidos, por parte dos técnicos. A proposta da Capacitação de Gestão Rural pode auxiliar em discussões sérias envolvendo comunidade escolar, coordenadorias de educação, agentes públicos municipais e cidadãos que querem e lutam por alternativas de mudanças no modelo de desenvolvimento rural.


Esta capacitação é uma ferramenta que contribui para o desenvolvimento rural sustentável, a partir da execução de ações de assistência técnica e extensão rural, mediante processos educativos e participativos sempre visando o fortalecimento da agricultura familiar, suas organizações, e criando condições para o pleno exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de vida da população do campo (Missão da Emater/RS). E com esta missão, percebe-se a relevância deste processo de trabalho, pois nos leva a repensar estratégias de atuação junto aos jovens do campo, não apenas como uma possibilidade de espaço de discussão sobre o tema tão problematizado que é a sucessão rural, mas como alternativa para aproximar a extensão rural dos seus verdadeiros objetivos; fortalecendo espaços representativos da agricultura familiar nas diferentes áreas de atuação como forma de ampliar a gestão participativa e o controle social das políticas públicas, como também a valorização dos distintos saberes e buscando a permanente ampliação da cidadania e a inclusão social dos atores envolvidos. -“Não foi encontrado dificuldade para a execução das tarefas propostas pela capacitação junto a minha família, porque eles concordam com o projeto que trabalhamos”.

Como limite, existe a necessidade de um maior tempo em benefício da formação, para que os técnicos consigam realizar visitas a cada unidade produtiva familiar de cada participante. Também se pode verificar limitações individuais dos técnicos bem como de recursos financeiros à disposição da equipe de trabalho.

10 – LIÇÕES APRENDIDAS Diante de tudo o que foi visto aqui, tira-se como lição de aprendizado que o trabalho com jovens deve começar ainda quando crianças, desenvolvendo ações continuadas, interligadas e construídas a partir do conhecimento dos mesmos, ressignificando o valor e o papel do rural para o desenvolvimento dos pequenos municípios agrícolas e para a sociedade em geral. Fazendo com que esses pequenos agricultores cresçam com orgulho de suas raízes e sentindo-se agentes ativos na construção de um mundo melhor. Os professores, após a adoção da Capacitação em Gestão Rural na Escola, passaram a compreender melhor o que representa o processo interdisciplinar e de forma transversal, criando a possibilidade do aluno interpretar de outra forma a realidade em que está inserido. Principalmente com o professor sendo um mediador e não um mero educador repassador de conhecimento. “O professor passa a ser um mediador: orienta, mas não leva conhecimento pronto, ajuda a construir a história de cada um”.

A capacidade dos educandos do interior, mesmo considerando as suas dificuldades de acesso à educação e à comunicação, de construírem um


trabalho às vezes complexo e com tão bons resultados. (Na visão de técnico da Emater/RS) No início, os jovens achavam uma chatice o trabalho a ser realizado, mas com o passar dos temas foram tendo outra visão, percebendo que com uma melhor compreensão da realidade descobriram a importância, por exemplo, para o cálculo dos custos x benefícios das atividades na propriedade/lote. Conseguiram entender melhor a potencialidade do meio rural. E confessaram a influência na opção por um curso de formação voltado à uma atividade que mais se aproxima de sua realidade. “O processo da capacitação em gestão rural colaborou em minha tomada de decisão, por que eu escolhi fazer uma faculdade que tem a ver com o campo.”

Os pais, conforme relatam, de início têm muita resistência em passar as informações para os próprios filhos, mas, conforme vão entendendo a proposta do curso, começam a dar oportunidade para os mesmos emitirem opinião sobre as atividades desenvolvidas. Por esta razão entendem também que seus filhos participam do “trabalho” na propriedade/lote e não são “ajudantes”. Muitos pais estão construindo juntos os temas propostos. O reconhecimento das dificuldades em certos momentos em executar as tarefas propostas com os jovens escolares, mas em se iniciando com alunos mais jovens é maior a possibilidade de executarem um bom trabalho e com resultados ainda melhores.

11 – AUTORES E COLABORADORES

Autores: - Kátia Jaqueline Sassi, Magisterio, ERNM-I Social – Emater/RS. - Jair L. Callai Bazzan, Técnico em Agricultura,ERNM-I Agropecuária – Emater/RS. - Gilberto Pozzobon, Engenheiro Agrônomo e Assistente Técnico Regional da Emater/RS. - Elisabete Ristow, Técnico em Agricultura, ERNM-I Social – Emater/RS.

Colaboradores:


É com satisfação que agradecemos à equipe de professores e funcionários da E. E. E. F. Drº Edmar Kruel, pela colaboração e auxílio aos autores na construção dessa sistematização. Ao nosso companheiro Dhonathã S. Rigo, assessor técnico pedagógico da Universidade Federal de Santa Maria pelos inúmeros momentos de discussão e avaliação das estratégias que se fizeram necessárias nesta caminhada. Aos jovens e seus familiares, que sem vocês não existiria nossa experiência, nem a nossa construção de saberes e trocas de aprendizados, a nossa eterna gratidão. Aos colegas de trabalho da equipe da ASCAR/EMATER-RS de Jóia, Janaína Wuaden, Danísio Tremêa, Rodimar Carvalho dos Santos, Leandro de R. Vetorello, Dejair A. Burtet, Lisandra Mara H. Riger, Lorisa Dalla Lana, André R. Lima, Otávio M. Poleto, pelos momentos de desafios que foram sendo superados com o apoio e união da equipe, que se fizeram aqui um dos maiores incentivos para se atingir a finalização desta sistematização, nossos agradecimentos Às instituições ASCAR/EMATER-RS e INCRA, que possibilitaram realização desta sistematização de experiência.

12 – REDE DE CONTATO

Kátia Jaqueline Sassi, extensionista rural, e-mail: ksassi@emater.tche.br Jair L. C. Bazzan, extensionista rural, e-mail: jbazzan@emater.tche.br Gilberto Pozzobon, extensionista rural, e-mail: gilberto@emater.tche.br Elizabete Ristow, extensionista rural, email: eristow@emater.tche.br

13 – ANEXOS

PLANO DE CAPACITAÇÃO EM GESTÃO RURAL Neste anexo está descrito o Plano de Ação para o ano todo compreendendo suas etapas de formação, onde se coloca o que será realizado de trabalho no


decorrer da capacitação, inclusive este plano é passado para os pais numa primeira reunião de trabalho logo no início do período letivo.

Percepção e leitura Percepção, leitura e da realidade. compreensão da realidade (micro e macro).Passar para eles planilha PSP para desafiar a planejar.

1-Anotações de entradas e saídas da UPF. 1dia

Março 2-Fazer o desenho da propriedade e construir o histórico.

Percepção e leitura Percepção, leitura e da realidade compreensão da realidade local Gestão dos Caminhada transversal. Recursos Naturais Sustentabilidade, solo, vegetação, água, ar e biodiversidade. 1 dia

Gestão em Valorizar e valorar Segurança aspectos da segurança Alimentar/Fluxogra alimentar ma de entradas e saídas

Análise econômica das atividades/linhas

1 dia

1

Abril

1-Fazer o relatório do que foi visto na caminhada, apresentando todos os aspectos (ambiental, social, econômico, segurança alimentar e social). 2- Fazer a atividade da caminhada na sua propriedade, conforme foi realizado pelos grupos. 3Remodelar nos desenhos os aspectos visto na caminhada identificar a área total da UPF, áreas de produção de alimentos, áreas de produção de culturas de geração de renda, produção de origem animal,disponibilidade de água, armazenagem de sementes ou alimentos, manejo, áreas de produção de energia .

Maio

1-Fazer a valoração dos alimentos produzidos e adquiridos fora (em conjunto com a família, média mensal). 2-A análise da disponibilidade alimentar no ano, da mão de obra que se ocupa em prover os alimentos.-Fazer a análise do valor /médio das refeições diárias da família. 3Fluxograma de entradas e saídasvoltada para alimentação.

Junho 1- Identificação e análise do custo de produção e resultados


Gestão Econômica produtivas e dia e Planejamento planejamento da unidade de produção familiar.

Gestão do Mercado

Cadeia de mercado. Cadeias curtas de produção familiar.

Apresentação dos Encontro/socializaç trabalhos das primeiras ão com os pais etapas ( até 5ª etapa ) Gestão do Trabalho

1 dia

½ dia

econômicos das linhas de produção desenvolvidas na propriedade.2- Análise dos fatores que interferem no resultado econômico - positivos /negativos.

Julho

1- Elaborar a cadeia produtiva de um produto produzido na UPF.2Fazer a agregação de valor do produto trabalhado na cadeia.3Análise participativa / visualizada sobre os fatores que interagem /interferem na gestão econômica e no planejamento da unidade de produção familiar.

Julho

Análise das atividades da 1-Construir a rotina diária dos família /trabalho / membros da família / mês. 21 dia Agosto Analisar as atividades que geram ocupação e discussão sobre aspectos renda e agrega renda, e referentes ao trabalho. atividades/ investimentos.

Viagem técnica

Visitas técnicas a UPF em .

Gestão dos Recursos Humanos

Análise das relações humanas nos diferentes espaços, do eu , na família, na comunidade, na sociedade e com o meio ambiente

Encontro de Segurança Alimentar

Socialização das atividades dos projetos e encontro do Dia Mundial da Alimentação.

Análise do

Análise das

1 dia

1 dia

O roteiro é definido com o grupo Setem juntamente com a equipe de ATES 1-Formas associativas que a família participa; funções que exercem. 2- Políticas públicas que Setem beneficiam a família e como ela gerencia. 3- Fazer um breve comentário sobre o seu projeto de vida e da minha família. (Existe comunicabilidade, interferência, dependência). Encontro de Segurança Alimentar Out

1/2 Nov

1- Fazer análise descritiva


diagnóstico da Unidade de Produção Familiar

potencialidades e debilidades da unidade de produção familiar.

dia

(aspectos relevantes) da UPF (usando como base a FOFA)

Planejamento de ações Apresentação final dos trabalhos para banca técnica.

Apresentação final dos trabalhos Apresentação final dos trabalhos para a comunidade escolar. Avaliação final da capacitação

Avaliação final da capacitação pelos jovens

1

Nov

Que servirão de embasamento para futuras melhorias nas ferramentas, metodologias, dinâmicas, sensibilizações e tecnologias utilizadas para essa capacitação.

Dez

Que servirão de embasamento para futuras melhorias nas ferramentas, metodologias, dinâmicas, sensibilizações e tecnologias utilizadas para essa capacitação.

½ dia ½ dia

Avaliação final da capacitação pela equipe. ½ dia

Horário da formação: das 9;00 ás 16:30, nas dependências da escola, com almoço na escola. Conteúdos Transversais: Políticas públicas deverão ser trabalhadas em cada módulo, associando aos conteúdos trabalhados, potencializando-os.

1- Plano de Formação Capacitação em Gestão Rural - 2012 Escola Estadual de Ensino Fundamental Dr. Edemar Kruel Localidade: São José - Jóia Público fim: Jovens escolares da 8ª série Coordenadora do Projeto Gestão Rural: Coordenação de ATEs : Kátia e Rodimar Conhecendo e compreendendo a realidade da unidade familiar de produção e sua relação com o contexto social, ambiental, econômico e político.


Primeira etapa – Leitura e compreensão da realidade (micro e macro) – 13-03 Dia

Horário

Assunto

Quem

Material Crachá

8:30

9:30 1º Dia 10:00

11:00

Acolhida – 1º Mensagem

Lista presença

Recados

Papel A3

Técnica de integração dos participantes

Lápis

- Pacto de convivência: Respeito, participação, cumprimento de horários e datas.

Borracha

- Equipes de trabalho (horário, avaliação, apoio)

Equipe Tarjeta de ATES Pincel atômico

Percepção-Trabalho individual “Desenhe o lugar onde vive”, escrever o nome e o projeto de vida.

Papel pardo

Apresentações dos trabalhos e debate

Presentes

Painel móvel

Alfinete 12:00

Intervalo para almoço


13:30

14:00

Sensibilização para a percepção - Teia de Aranha Construção participativa dos aspectos que interferem na gestão da propriedade e do projeto de vida (dentro, fora e antes da propriedade). Trabalho de grupo: Construção do roteiro da caminhada - (4 grupos: ambiental, econômico, segurança alimentar - social)

14:30

Apresentação dos trabalhos dos grupos - Contribuição da plenária Contribuição dos técnicos

15:00

Dicas para a caminhada: todos observam e anotam todos os aspectos , mas a sistematização é do grupo que trabalhou o tema. Definição do roteiro da caminhada (pela equipe técnica, equipe de apoio e coordenação) Encaminhamentos finais: Avaliação do dia e definição da próximas equipes de trabalho;

16:00

Atividade de casa: Fazer o desenho da propriedade e construir o histórico (da família, propriedade, comunidade) - individual 1° Socialização com os participantes do trabalho de casa até a próxima etapa (profº.e grupo); - desenhos.

16:30

2º Sistematização do trabalho após a socialização do grupo. – Histórico Obs: Calçado, boné e água para a caminhada

Mapa da Comunidade Equipe de ATES Pastas

Cronograma da capacitação


A experiência do grupo Flor do Campo na comercialização direta na Feira Ecológica de Sananduva

Equipe de ATES: Edelaine Aparecida Brinker Ezequiel Martins Cibele Bonez Mario Gusson ATPS: Alisson Zarnott Adilson Roberto Bellé

Passo Fundo, dezembro de 2013


A experiência do grupo Flor do Campo na comercialização direta na Feira Ecológica de Sananduva

Introdução

Este trabalho faz parte do processo de qualificação do trabalho da ATES1 realizado com intuito de apresentar as experiências agroecológicas que estão sendo desenvolvidas no Núcleo Operacional de Vacaria, visando divulgar e qualificar o trabalho da ATES em processos de transição agroecológica. O

Núcleo

Assentamentos,

Operacional sendo

9

de

Vacaria

Estaduais

que

e 2

é

composto

Federais,

destes

por

11

3

são

Reassentamentos de área indígena. Esse conjunto de assentamentos abrange 9 municípios, sendo: Sananduva, Ibiaçá, David Canabarro, Capão Bonito do Sul, Ibiraiaras, Guabiju, pertencentes a região Nordeste do RS, Pinhal da Serra, Vacaria pertencente à região dos Campos de Cima da Serra e Caxias do Sul que pertence à região da Serra Gaúcha, num total de 320 famílias, e com a Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES) sendo oferecida pelo Centro de Tecnologias Alternativas Populares (CETAP), o qual conta com uma equipe técnica multidisciplinar, composta por 5 profissionais para atender os beneficiários da Reforma Agrária que compõem este núcleo operacional. A

equipe

definiu

por

sistematizar

a

experiência

realizada

no

Assentamento Três Pinheiros onde um grupo de famílias foi motivada a participar da Feira Ecológica de Sananduva, tendo em vista a importância desta experiência como alternativa para o fortalecimento das famílias

1

ATES - Assessoria Técnica, Social e Ambiental, referente ao programa que Assistência Técnica e Extensão Rural, destinada ao publico beneficiário da Reforma Agrária, pelo INCRA, tendo como entidade prestadora contratada para o Núcleo Vacaria o CETAP.


assentadas, bem como pela visibilidade social da proposta e como oportunidade de aprendizado da equipe técnica. A experiência envolve o público relacionado ao Grupo de Agricultores e agricultoras do Assentamento “Flor do Campo”, a equipe de ATES, os/as Assessores/as Pedagógicos/as, o Grupo Ecologista de Sananduva 2 e a COOPVIDA3, conforme poderá ser observado no Diagrama de Venn4. O trabalho foi organizado de forma que pudesse descrever sucintamente sobre o contexto do assentamento Três Pinheiros, onde esta localizado o grupo Flor do Campo, sobre a Feira Ecológica de Sananduva, e o publico envolvido, pontuado a trajetória histórica sobre a discussão da agroecologia no assentamento e histórico do grupo, posteriormente foi elencado as principais mudanças, desafios e empoderamento das mulheres do grupo Flor do Campo, e a partir disso foi apontado os principais aprendizados tanto para as famílias quanto para a equipe de ATES, trazendo elementos sobre o trabalho com grupo e posteriormente feito as considerações finais.

Justificativas

A região Nordeste do Rio Grande do Sul é caracterizada pelo predomínio do cultivo da soja, onde a atividade econômica da região baseia-se praticamente na produção agropecuária (produção de milho, soja, trigo e batata inglesa, na criação de gado leiteiro e integração de suínos e aves), com a utilização de uma grande quantidade de insumos químicos e agrotóxicos nos cultivos, o que tem gerado sérios problemas de contaminação no solo, na água, na biodiversidade, bem como na saúde humana. Este modelo de desenvolvimento presente nesta região que adota as tecnologias ditas “modernas” possui altos custos para aquisição de insumos 2

Refere-se ao grupo de agricultores/as ecologistas de Sananduva, composto por 10 famílias, e que desde 1987 vem desenvolvendo agricultura ecológica e realizando a comercialização direta na Feira Ecológica de Sananduva. O grupo possui uma dinâmica própria de se reunir uma vez por mês, onde cada reunião acontece numa propriedade diferente das famílias integrantes do grupo, buscando no decorrer do ano passar em todas as propriedades, contribuindo uns com os outros com ideias e no planejamento das ações do grupo. 3 Cooperativa de produtores Orgânicos. 4 Conforme Anexo 01.


químicos e tem dificultado para os agricultores manterem a diversificação da produção nas propriedades, além disso tem elevado a concentração de renda em poucos produtores mais capitalizados e gerando outra parcela maior de agricultores descapitalizados, portanto, um modelo insustentável não só do ponto de vista ambiental, como já é bem conhecido, mas também do ponto de vista social e econômico. Os assentamentos da região se inserem nesse contexto e acabam replicando essa matriz produtiva, centrando-se na produção de grãos e sem maior preocupação com a produção diversificada, nem mesmo para o autosustento, onde muitas famílias assentadas estão deixando de produzir seus próprios alimentos. De acordo com Bellé, A produção diversificada de alimentos, entendida pelos agricultores como “miudezas”, abrange várias culturas como mandioca, pipoca, batata doce, pepino, melancia, melão, abóbora, amendoim, outras hortaliças, frutas, entre outros, as quais compõem a base alimentar das famílias. No entanto, atualmente, muitas famílias assentadas vivem em situação de insegurança alimentar, uma vez que não estão produzindo os alimentos básicos para a alimentação.(BELLÉ, 2011).

É diante deste contexto, onde prevalece basicamente a produção de grãos em grande escala, que esta localizado o PA Três Pinheiros, com uma área produtiva praticamente toda mecanizável, apta para diversos tipos de cultivos e criações, o que na sua grande maioria não se difere muito do que é a agricultura da região e do município de Sananduva. Porém, isto tem preocupado a equipe técnica que tem buscado trabalhar alternativas de produção, que visem maior autonomia e sustentabilidade das famílias, pois percebe-se uma certa “despreocupação” por parte das famílias, as quais estão focadas em produzir grãos pra comercializar, sem se deter no cuidado com a segurança alimentar familiar. Faz-se

necessário

problematizar

a

realidade

encontrada

no

assentamento Três Pinheiros, tendo em vista que uma das justificativas de se fazer a reforma agrária é o aumento na produção de alimentos. De acordo com Bellé (2011) [...] é baixa a diversidade de alimentos produzidos no Assentamento Três Pinheiros e muitos alimentos são adquiridos de fora do lote, ou seja, supermercados e fruteiras, devido ao fato de que a maioria destas


famílias cultiva culturas anuais como soja, milho e feijão, ou efetua a criação de gado leiteiro na maior parte do lote. A pequena área de terra que cada família recebeu no momento em que foi assentada dificilmente se tornará viável se depender, exclusivamente, do cultivo de grãos ou da produção leiteira. Por isso o cultivo diversificado de alimentos pode representar uma estratégia importante para a permanência destes agricultores no campo (BELLÉ, 2011). Essa realidade fica explicita através dos dados coletados pela equipe de ATES para o SIGRA5, onde das 64 famílias assentadas do PA Três Pinheiros, 61 famílias plantam soja, o que corresponde a uma área de 447,50 hectares, 41 famílias estão envolvidas com a produção leiteira, sendo que a maioria das famílias que trabalham com a produção leiteira intercalam com a produção da soja, e no período que não tem soja nos lotes, esta presente a pastagem para os animais,

das famílias ainda cultivam alimentos para o autoconsumo, a

quantidade cultivada é bem pequena, não sendo em quantidade suficiente para o ano. No gráfico abaixo, podemos observar o número de famílias cultivam determinadas culturas.

Figura 01: Principais cultivos agrícolas realizados no assentamento Três Pinheiros 5

SIGRA 2013.


Fonte: SIGRA/2013

Também podemos observar no gráfico abaixo as proporções de áreas destinadas pra cada cultivo e perceber o que isso significa num contexto em que cada família possui uma área média de 10 hectares.

Figura 02: Area cultivada no assentamento Três Pinheiros Fonte: SIGRA/2013

É nítida a diferença entre o que se usa da área agricultável para a produção de alimento e para o cultivo da soja, nesse sentido podemos “compreender” um pouco das dificuldades de avançar não só na discussão, mas na produção ecológica de fato, pois praticamente a maioria das “politicas públicas” pensadas pra agricultura são voltadas para incentivar a produção de grãos, mais precisamente da soja. Neste sentido, são poucas as iniciativas que potencializam a produção de alimentos e quando têm, a burocracia e os tramites legais não contribuem para que as famílias tenham condições de acessar os mercados para a produção diversificada. Em meio a tantas lacunas e diante de uma realidade onde carece de maior atenção principalmente do poder público, de ações que potencializem produção ecológica, o processamento de alimentos e, que se pensem espaços de abastecimento local,

a história mostra que existem experiências


agroecológicas exitosas nesta região. Neste sentido, destaca-se a importância de algumas organizações como Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais, Feira Ecológica de Sananduva, COOPVIDA, CETAP, CARITAS Diocesana de Vacaria, entre outras, que contribuíram significativamente para o êxito de vários grupos agroecológicos que vem se consolidando no processo de construção da agroecologia. Dentre estas organizações, cabe ressaltar que a feira Ecológica de Sananduva, se destaca por articular os agricultores e agricultoras Ecologistas de Sananduva, além de ser um espaço que proporcionar contato direto entre agricultores e agricultoras com o publico consumidor, contribuindo na construção de relações humanas, possibilitando o dialogo sobre diferentes dimensões importantes na construção da agroecologia, além de contribuir no processo de conscientização do publico consumidor. No município de Sananduva há um potencial a ser explorado, no que se refere à produção e comercialização de alimentos ecológicos, mas que depende de apoio e incentivo. Pois, embora muitos agricultores e agricultoras, tenham compreensão sobre a importância disso, faltam condições para, como afirma Bellé (2011), Muitos dos agricultores assentados possuem certa compreensão sobre o processo de transição agroecológica, pois já haviam participado de espaços de formação sobre o assunto no momento em que foram acampados ou mesmo após o assentamento nos lotes. Porém, muitas vezes carecem de ferramentas ou apoio técnico para avançarem na prática com o processo de transição agroecológica (BELLE, 2011).

O programa de ATES tem como diretriz de ação o trabalho orientado pelos princípios da Agroecologia 6 . Entretanto, desenvolver a agroecologia nesse contexto é difícil, pois demanda uma serie de ações e condições, que os assentamentos ainda não tem, mas isso não significa que não é possível, apenas que isso tem resistência e que não tem sido nada fácil para a equipe de ATES, realizar um trabalho mais consistente pelos entraves que vão se apresentando no decorrer das ações. A produção agroecológica também tem sido pauta do Movimento Sem Terra (MST), que tem dialogado sobre a demanda da produção de alimentos 6

Conforme Manual da ATES/2008


ecológicos, porém ainda encontra muitos limites para expandir essa proposta numa escala de maior amplitude. Além disso, o CETAP, que é a prestadora no programa de ATES (Assessoria Técnica, Social e Ambiental), no Núcleo Vacaria, orienta suas ações com base nos princípios da agroecologia. Assim, o CETAP tem buscado através do programa de ATES desenvolver junto os beneficiários/as da Reforma Agrária, iniciativas que buscam promover o desenvolvimento sustentável dos assentamentos, no intuito de “despertar” as famílias sobre a importância da produção ecológica, de dialogar a partir de uma visão sistêmica e holística do desenvolvimento, contemplando as diferentes dimensões, desde a econômica, social, produtiva, ambiental, cultural. Dentre as diferentes iniciativas construídas pela equipe de ATES juntos com as famílias do PA Três Pinheiros dialoga-se sobre a construção de um grupo de mulheres, chamado de “Flor do Campo”, que se desafiaram a construir formas de produção alternativas ao modelo dominante na região. O Grupo é composto por 5 famílias, embora sejam as mulheres que “puxam” e coordenam o grupo, as quais aceitaram o desafiou para produzir alimentos, a realizar o processo de transição para sistemas de produção de base ecológica e a comercializar de seus produtos na Feira Ecológica de Sananduva. A sistematização dessa experiência permite alcançar um melhor entendimento sobre o Grupo “Flor do Campo” e podendo ser utilizado como referencia para dialogar com as demais iniciativas que possam vir a se constituir no decorrer dos trabalhos, no intuito de apontar elementos que potencializem a proposta da agroecologia nos assentamentos da região.

Objetivos Possibilitar uma reflexão sobre a experiência de transição agroecológica do grupo Flor do Campo do Assentamento Três Pinheiros, Sananduva - RS, bem como divulga-la.

Objetivos específicos:


Entender as motivações que levaram as famílias a constituir o Grupo Flor do Campo

Compreender as razões que levaram o grupo Flor do Campo a participar da Feira Ecológica e quais suas expectativas para o futuro em relação a este espaço de comercialização;

Pontuar e dialogar sobre as transformações que o processo de transição agroecológico tem proporcionado às famílias e na organização de seus lotes.

Possibilitar a reflexão da equipe de ATES sobre a experiência vivenciada pelo grupo Flor do Campo.

Metodologia A sistematização foi realizada em cinco momentos: No primeiro momento, foi realizado dialogo com o grupo da experiência a ser sistematizada, onde foi apresentado e construído com o grupo o que se queria com a sistematização da experiência. Na reunião mensal do grupo, foi apresentado o que esta sendo pensado e por que a equipe pensou em fazer a sistematização com aquele grupo, dialogou-se sobre os objetivos, do que se pretendia com a sistematização e ouviu a opinião do grupo, posteriormente construiu-se com o grupo o por que e como fazer, para que pudesse proporcionar aprendizados tanto para a equipe quanto para o grupo, pois isso era uma das intenções da realização do trabalho. O grupo foi bem receptivo e achou interessante a realização da sistematização, pois iria permitir um olhar sobre a maneira com que estavam desenvolvendo suas ações, buscando compreender o processo histórico de como foi acontecendo a trajetória do grupo e bem como refletir sobre as ações desenvolvidas. Para coleta de dados optou-se por realizar duas coletas, uma em cada família e uma no grupo da feira visando perceber as opiniões individuais e coletivas do grupo sobre a experiência. Desta construção derivaram os momentos dois e três. No segundo momento foi realizado a coleta de dados individual com cada família integrante do grupo. Com apoio da ferramenta “Linha do tempo” as famílias apresentaram sua história de vida antes do assentamento até a


constituição do grupo. Posterior, através de entrevistas semiestruturadas (ver Anexo 2, as famílias foram questionadas sobre o histórico do grupo, o histórico da sua participação no grupo, as motivações que levaram a sua participação, como a participação no grupo e na feira influenciaram a organização da família e do lote (produção, comercialização, relações sociais, etc) e sobre as perspectivas futuras da família em relação ao grupo e a feira. As entrevistas foram realizadas com as mulheres, exceto em duas família onde foi realizada com o casal, fato este que será discutido à frente sobre o destaque da participação das mulheres e das dificuldades de envolver os homens nessa processo, o que isso influência no desenvolvimento da participação no grupo e na feira. Visando avaliar o impacto da produção diversificada para feira no autoconsumo das famílias foi realizado um levantamento detalhado da produção para o autoconsumo de uma família. Também foi realizado registro fotográfico da unidade produtiva de cada família. No terceiro momento foi reunido o grupo e trabalhada a ferramenta “linha do tempo” para construção do histórico do grupo, da sua participação na feira, pontuados os principais limites que o grupo vinha enfrentando e elencados os desafios e perspectivas de futuro. Visando identificar os atores/organizações com os quais o grupo se relaciona foi trabalhada a ferramenta “Diagrama de Venn”. Também foi feito registro fotográfico da atividade com o grupo. O quarto momento foi a sistematização das informações coletadas individualmente e com o grupo e o quinto momento foi a apresentação, discussão e validação da sistematização junto ao grupo. Para tanto realizou-se um encontro de devolução da sistematização, onde dialogou-se com o grupo sobre as informações apontadas e

sobre a participação de uma das

representantes do grupo Flor do Campo no encontro dos técnicos/as para a apresentação da sistematização.

Contexto do assentamento Três Pinheiros O Assentamento Três Pinheiros, esta localizado no município de Sananduva, na Região Nordeste do estado do Rio Grande do Sul, distante 367


km da capital Porto Alegre, como pode ser observado no mapa abaixo a localização do municipio.

Figura 03: Localização de Sananduva no Mapa do Estdo do RS. Fonte: PDAS

O municipio de Sananduva é caraterizado por pequenas propriedades com relevos declivosos e algumas poucas grandes propriedades nas regiões mais planas do municipio. É nesta região de terras planas, uma realidade onde predomina a produção de grãos, com a utilização de uma grande quantidade de insumos químicos e agrotóxicos nos cultivos, que tem gerado sérios problemas de contaminação do solo, da água, da biodiversidade, bem como à saúde humana, que está localizado o Assentamento Três Pinheiros. Foi neste contexto, que em 2008 foi realizado o Assentamento Três Pinheiros, fruto da luta pela terra, o qual é composto por 64 famílias, num total são 128 pessoas, sendo 76 homens e 52 mulheres, com uma área média de


10,36 hectares por unidade familiar, sendo praticamente todo o lote mecanizável, apto para diversos tipos de cultivos e criações. Mapa do Assentamento Três Pinheiros:

Figura 04: Mapa do Assentamento Três Pinheiros Fonte: PDAS

Considerando que o assentamento esta localizado numa área propicia para a mecanização, onde a grande maioria das famílias cultivam soja, através do SIGRA, podemos observar quantidade de área cultivada e a produtividade, dados onde consta que no ano de 2012, as famílias do Assentamento que plantaram soja, obtiveram um média de 30 sacos de soja por hectares, uma produtividade baixa pelo índice de investimento que as famílias fizeram, onde o custo médio de produção foi em torno de R$ 921,007/há. Outro fato que podemos destacar, é referente a produção leiteira, atividade que as famílias alternam com o cultivo da soja, como podemos

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Dados da Ruop da Agricultora A.


observar no gráfico abaixo o número de famílias com a produção leiteira e a média da produção por ano.

Figura 05: Litros de leite ano produzidos no assentamento Três Pinheiros Fonte: SIGRA/2013

Como podemos observar a média da produção de leite é bastante baixa, sendo que a maioria das famílias concentram a produção de leite em até 3000l/ano, isso acontece em boa medida, por que no período do ano que se cultiva a soja, a pastagem para os animais fica escassa, fazendo apenas para manter os animais. A foto abaixo ilustra um pouco da paisagem do Assentamento Três Pinheiros.


Figura 06: Foto paisagem cultivo da soja no assentamento Fonte: Arquivo CETAP

De um modo geral, percebe-se no Assentamento certa desmotivação da maioria das famílias assentadas em desenvolver alternativas produtivas que gerem maior produção de alimentos saudáveis, especialmente com enfoque agroecológico, dado que nos últimos anos, poucas famílias partiram para uma ação mais consistente de transição agroecológica e, é nesta realidade que esta situada a experiência sistematizada. No ano de 2009 o Assentamento, passou a contar com a assistência técnica, através do programa de ATES, onde o CETAP passou a prestar assessoria, ao passo que as ações foram sendo desenvolvidas pela equipe junto as famílias assentadas, algumas famílias, puxadas pelas mulheres, foram se desafiando a construir e organizar a produção de uma forma diferenciada buscando construir um processo de transição. Como podemos observar na foto abaixo, o grupo reunido com o Técnico do ATES dialogando sobre a organização da produção.


Figura 08: Grupo Flor do Campo, dialogando sobre organização e produção Fonte: arquivo CETAP

Esse grupo se denominou “Flor do Campo”, conforme reunião ocorrida no mês de agosto de 2013.

Figura 09: Grupo Flor do Campo, dialogando sobre a sistematização Fonte: arquivo CETAP

No decorrer desses cinco (5) anos de trabalho da ATES, muitas ações foram desenvolvidas como, reuniões, oficinas, encontros, intercâmbios, no intuito de contribuir no dialogo com o grupo e “despertar” para o desenvolvimento de um processo de transição Ecológica, bem como a inserção do grupo na Feira Ecológica de Sananduva.


A Feira Ecológica de Sananduva – Assentados e agricultores familiares A feira Ecológica de Sananduva constituiu-se no ano de 1998, após diversos debates realizados pelos agricultores/as que haviam iniciado a produção ecológica de alimentos e buscavam espaços de comercialização para os seus produtos. Para tanto contaram com apoio do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais e a assessoria e acompanhamento do CETAP. Na fase inicial a feira era realizada uma vez por semana. Atualmente é realizada duas vezes por semana: nos sábados pela manhã, no centro de Sananduva, ao lado do STR e no Bairro São Cristovão, e nas quartas feiras pela tarde no centro, ao lado do STR.

Figura 10: Espaço da Feira Ecológica no centro de Sananduva, ao lado do STR Fonte: Arquivo CETAP

Atualmente a Feira Ecológica conta com a participação de 10 famílias de agricultores/as familiares ecologistas que pertencem ao município de Sananduva, e 5 famílias de agricultoras do Assentamento Três Pinheiros. Os principais alimentos oferecidos na feira são os “in natura” como: hortaliças, frutas, grãos; e, processados como: queijos, sucos, panificados, doces,

conservas,

geleias,

etc.

Neste

espaço

são

comercializados

aproximadamente 60 itens de alimentos durante o ano, todos provenientes dos agricultores que fazem parte da feira. Durante esses anos as relações estabelecidas entre agricultores/as e “consumidores/as” foram consolidando a Feira como um espaço de abastecimento de alimentos ecológicos.

Isto contribuiu para fortalecer a


agroecologia na região e para motivar mais famílias que pretendam se inserir nesta proposta.

Trajetória histórica da discussão sobre agroecologia no Assentamento Três Pinheiros

A trajetória histórica da discussão da Agroecologia no assentamento, esta diretamente relacionada a equipe de ATES, pois apesar de ser uma discussão que o movimento faz desde o acampamento, e algumas famílias terem presente a discussão sobre agroecologia, de afirmarem que entendem e compreendem a importância da agroecologia, observa-se uma certa distancia entre o “discurso” e a “pratica” , ou seja, o desenvolver de ações que fortaleçam as praticas agroecológicas, o que não acontecem na mesma intensidade que no discurso. Segundo Bellé (2011), Com os agricultores assentados em projetos de reforma agrária, o processo de construção de referenciais agroecológicos parece ser mais lento, pois as dificuldades iniciais para estruturação do lote, a lentidão na liberação dos primeiros créditos, a novidade que representa a “nova terra” por não se ter muito conhecimento sobre o clima, as épocas ideais para plantio. Bem como, o longo tempo em que muitas famílias estavam longe da terra sem produzir, além da falta de confiança nos demais vizinhos assentados que por vezes tem se saturado durante o longo tempo de acampamento e espera pela terra, têm mostrado que na prática não é nada fácil construir a proposta da transição agroecológica. (BELLÉ, 2011).

Isso se reforçar na fala de uma das agricultora, que diz: No acampamento a gente sempre participava de cursos que o movimento fazia, e discutia sobre agroecologia,... quando cheguei no Assentamento, após meu marido ter passado por uma intoxicação, decidi que iria produzir de forma ecológica, embora ainda plantamos soja de forma convencional, a perspectiva é de que daqui algum tempo a propriedade seja toda ecológica, porém isso não é uma tarefa fácil, pois demanda uma serie de conhecimento e investimento que as vezes não temos. Sem contar que dá mais trabalho realizar o processo de transição, e necessita de muita força de vontade para fazer, pois é “trabalhoso”. O pessoal do CETAP, tá sempre por aqui, com ideias pra produção ecológica, o problema é que nem sempre a gente tem as condições adequadas para poder implementar as 8 ações.... (Agricultora - A) 8

Optou-se por usar código ao referir-se as agricultoras que participaram da sistematização, para não expor mulheres e deixa-las mais a vontade para falarem exatamente o que elas estavam pensando, e como elas estavam vendo o grupo.


O debate no assentamento surge pela necessidade percebida pela equipe de pensar ações e estratégias que potencializasse a produção no assentamento, em conjunto com as famílias, pensando numa forma de melhorar a qualidade de vida e construir alternativas mais sustentáveis. Percebe-se na trajetória da discussão da agroecologia junto ao assentamento, uma intenção muito forte por parte da equipe técnica, as vezes muito mais da equipe do que das próprias famílias, o que muitas vezes dificulta que as ações avancem, pois há um descompasso entre o que as famílias fazem e aquilo que elas teriam condições e poderiam fazer. E, é nesse contexto, que após diversas ações propostas e construídas com as famílias, que se chega na constituição do Grupo Flor do Campo.

O grupo Flor do Campo do assentamento Três Pinheiros

O grupo “Flor do Campo” é composto por cinco famílias do Assentamento Três Pinheiros, que passaram por diferentes processos de luta pela terra, vem de diferentes regiões do estado do RS e chegaram em diferentes momentos no assentamento, duas famílias chegaram no inicio do Assentamento em 2009, duas em 2010 e uma em 2011. Tendo em vista que muitos grupos de produção se formam ainda quando as famílias encontram-se acampadas e tem seguimento após serem assentadas, no caso do grupo Flor do Campo ocorre o processo diferenciado, onde o grupo se forma a partir de um interesse comum entre as mulheres, em ter uma fonte de renda própria, mas depois de já estarem no assentamento. Em relação às atividades desenvolvidas pelas famílias antes do assentamento, apenas uma família do grupo atuava como agricultor/a familiar sendo que os demais trabalhavam como empregados em fazendas, fábricas e como domésticas. Isso pode explicar a pouca iniciativa, por parte das famílias a pensar e buscar desenvolver ações e alternativas produtivas, talvez por falta de conhecimento ou por estar acostumado com uma dinâmica diferente, da qual eles não dependiam de pensar e construir algo novo, pois vinham de um processo “fechado” definido por terceiros.


O processo de constituição do grupo se deu através de atividades desenvolvidas pela ATES junto com agricultores e agricultoras familiares ecologistas da Feira de Sananduva, onde foi apresentada a possibilidade dos assentados/as organizarem um grupo para participar da Feira Ecológica, sendo este o pontapé inicial para que o referido grupo iniciasse sua participação na feira. O grupo destaca que o envolvimento das famílias do PA Três Pinheiros junto ao grupo de agricultores/as da Feira Ecológica se deu pela relação próxima que o CETAP tem com os agricultores/as desde a criação da Feira Ecológica. Como afirma a agricultora: Foi através do dialogo, realizado pela equipe do CETAP, com os agricultores da Feira, nos foi falado do espaço para participar e realizar a comercialização de seus produtos, na feira Ecológica. O Pita, chegou numa reunião com o assentamento e disse: “os agricultores ecologistas de Sananduva, estão dispostos a abrir um espaço na feira, para que vocês possam comercializar a produção de alimentos, o que acham, topam o desafio de se organizar, fazer parte do grupo e iniciar um processo de transição ecológica da produção?” e nós aceitamos o desafio ....( Agricultora – B)

A primeira participação na feira ocorreu em maio de 2012 com a comercialização direta de seus produtos na Feira Ecológica de Sananduva e desde então participaram desse processo comercializando naquele momento, feijão, arroz, amendoim, pão, bolacha, massa, ovos, azedinha e couve, que eram os produtos que o grupo tinha no momento. O grupo iniciou com dez famílias, porém pelas dificuldades e com limites de conhecimento, infraestrutura e produção algumas famílias desistiram e cinco toparam o desafio da constituição do grupo, da produção diversificada de alimentos e da participação na feira, no intuito de melhorar as condições alimentares e de renda, contribuindo com o processo de valorização e reconhecimento social das suas capacidades e da agroecologia como uma opção de vida. Segundo o Grupo “Flor do Campo”, participar da feira Ecológica, a qual já tinha sua dinâmica de organização estabelecida e o fato de que não dependeria apenas dos produtos do grupo, foi fundamental para o grupo começar a participar da feira. O grupo optou por participar porque viu na Feira Ecológica de Sananduva, uma forma de comercializar os produtos que tinham


no momento, segundo uma das agricultoras entrevistada sobre como aconteceu a tomada de decisão de estar participando da feira, a qual diz: Como tínhamos produtos, mas estes não eram o bastante para garantir o funcionamento de uma feira, se inserir na feira que já existia, e com a conversa feita pelos agricultores/as Ecologista, facilitou a nossa decisão de ir pra feira com o que tínhamos de produto naquele momento. Foi uma forma de garantir um espaço pra comercializar nossos produtos.(Agricultora – B)

Esta atitude permitiu aos agricultores/as beneficiários da Reforma Agrária iniciar a oferta dos produtos nas quantidades que tinham disponível, independente de um planejamento mais consistente, pois a feira já possui sua dinâmica de produção e oferta com relativa estabilidade. Porém, cabe destacar que foi de extrema importância esta oportunidade para o grupo Flor do Campo perceber o potencial de comercialização de alimentos e também como espaço de aprendizados pelas relações sociais estabelecidas, ou seja, esse contexto foi decisivo para o grupo. Destaca-se quatro momentos como mais relevantes na caminhada do grupo: 1. Ida dos agricultores familiares ecologistas de Sananduva junto com a equipe ATES no assentamento para incentivar as famílias a iniciar a participação na feira ecológica. 2. Participação de famílias assentadas no Jantar Ecológico 9 promovido pelo grupo de agricultores familiares ecologistas de Sananduva. 3. Participação na reunião mensal do grupo de agricultores familiares ecologistas. 4. Receber os agricultores familiares ecologistas no assentamento para a sua reunião de planejamento que ocorre mensalmente em forma de rodízio nas famílias participantes da Feira Ecológica. Esta trajetória pode ser observada na linha do tempo construída pelo grupo “Flor do Campo”, conforme anexo 02. O grupo utilizou a linha do tempo para reconstruir o histórico, e pontuar os momentos marcantes, que contribuíram no processo organizativo do grupo

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O Jantar Ecológico é um evento organizado bienalmente pelos agricultores familiares ecologistas dos municípios de Sananduva e São João da Urtiga, e conta com apoio de diversas organizações com atuação local e regional, como o CETAP, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a CARITAS Diocesana de Vacaria, a Cooperativa de produtores orgânicos COOPVIDA , Igrejas, organizações de consumidores, entre outros, e tem como objetivo a confraternização oferecendo alimentos ecológicos e também divulgar as iniciativas de agroecologias existentes nestes dois municípios.


e influenciaram/motivaram tanto a constituição enquanto grupo, bem como a participação no espaço da Feira Ecológica de Sananduva.

Principais mudanças elencadas pelo grupo:

As mulheres pontuaram que uma das principais mudanças ocorrida nos lotes após a constituição do grupo e da participação na Feira Ecológica, foi a diversificação da produção no lote, tendo em vista que com maior diversidade de alimentos produzidos para serem comercializados, também se constata, como consequência positiva, a melhoria na alimentação da família. Os produtos que o grupo “Flor do Campo” tem ofertado, desde o ingresso na feira são: feijão, batata-doce, mandioca, ovos, massas, pães, bolos, arroz, nozes, beterraba, cenoura, cebola, batata-inglesa, pinhão, amora preta, almeirão, bergamota, cebolinha verde, amendoim, galinha caipira, abobora, milho verde, tortéi, capeleti, alho, repolho, couve. As famílias apontam como uma perspectiva ampliar esta diversidade e quantidade de alimentos. A figura 11 é um croqui do lote elaborado por uma família que participa do grupo da Flor do Campo e que mostra um pouco da estratégia de diversificação do lote pela família. A figura tenta mostrar que mesmo mantendo uma área para o cultivo da soja percebe-se que a produção não está dependente desta cultura, tendo em vista que a família produz uma diversidade razoável de outros produtos, como a mandioca, melancia, batata doce, melão, moranga, abobora, amendoim, cebola, alho, cenoura, beterraba, pepino, brócolis, couve flor, batata inglesa, milho e leite.


Figura 11: Croqui da propriedade elaborado pela Agricultora – A

Já a Figura 12, é um croqui de outra família do grupo Flor do Campo que tenta ilustrar um lote que não cultiva soja, e que mesmo enfrentando dificuldades de acesso a água limitando a produção de hortaliças por exemplo, mesmo assim a família cultiva espécies alimentares pouco comuns de serem encontradas nesta região, como por exemplo o arroz de sequeiro e a amora preta, além disso, cultivam feijão, mandioca, abóboras e produzem leite, ovos e frango caipira.


Figura 12: Croqui da propriedade elaborado pela Agricultora – B

As famílias que compõem o grupo Flor do Campo estão construindo um processo de transição agroecológica dos seus lotes mesmo sendo uma mudança recente no seu sistema de produção e enfrentando dificuldades, já se observa o maior nível de diversificação da produção de alimentos se comparado aos demais assentados vizinhos, onde a estratégia produtiva ainda encontra-se focada no monocultivo de soja. Assim, um desafio para o grupo Flor do Campo é o aumento da escala de produção, de modo que permita obter uma renda mais significativa e com isso eliminar a produção convencional no lote. Neste sentido, um aspecto a ser trabalhado com as famílias do grupo é sobre a Ecologização do lote, ou seja, o avanço gradativo para que no decorrer do tempo toda a produção do lote seja feita de forma ecológica. Atualmente as famílias do grupo ainda estão com parte da produção ecológica, ou seja, as hortas, as frutas e a área de produção para as feiras. Porém esse é um processo lento e que demanda também de construir internamente na família um debate que perpasse da esfera produtiva e possa abranger as diferentes dimensões, que são fundamentais para construir a agroecologia. Dimensões estas relacionadas especialmente à questão de gênero, tendo em vista que a iniciativa de iniciar a transição agroecológica foi das mulheres e que por mais


que já exista uma compreensão por parte dos homens, ainda precisa avançar para que os homens participem mais ativamente desta estratégia de produção. Também foi pontuado os resultados econômicos, que a diversificação da produção e a participação na feira tem proporcionado para o grupo, este foi outro elemento destacado pelas famílias como vemos no depoimento da agricultora: Depois que passei a participar das feiras, toda semana tenho meus trocados, que é pouco ainda, mas já me ajuda, e na feira a gente conversa com as pessoas, e elas me pedem como que prepara alguns alimentos, e a gente fica feliz, por ver que estão interessados em saber e ouvir sobre o jeito que a gente faz, em ver que tenho algo pra ensinar também. ( Agricultora – C)

Ainda referente aos resultados econômicos, as famílias também enfatizam a redução do custo de produção, praticamente o custo de produção dos produtos que vai pra feira, tem sido com a semente, como afirma a agricultora: Tem uma diferença grande entre os custos de produção da soja, por exemplo, onde o custo por hectare pra produção da soja chega a 920 reais ou até mais, pois tem que comprar o “pacote”, sementes, adubos, venenos, depois tem que pagar pra plantar, tratar e colher, já no caso da produção de alimentos pra comercialização na feira, o custo basicamente tem sido com sementes e alguma coisa de adubação verde ou orgânica, o que tem significado, um ganho maior, sem considerar nisso, a qualidade do que estamos produzindo, tanto pra nós, quanto pra quem vai consumir esses produtos. (Agricultora – A)

Com a maior diversidade de produtos produzidos a equipe técnica tinha uma expectativa de que houvesse um incremento no autoconsumo destas famílias, ou seja, que houvesse uma melhoria na qualidade da alimentação. No entanto, foi identificado que o consumo da produção diversificada ainda é pequeno em algumas famílias que participam do grupo. Foi identificado que as famílias consomem uma quantidade restrita de espécies, menor do que a diversidade que cultivam para comercialização, ou seja, cultivam varias espécies de hortaliças para comercializar na feira, mas não consomem a maioria destas hortaliças. Entende-se que existe a falta de hábito nas famílias em se alimentarem com hortaliças por exemplo, mas que isso pode representar uma oportunidade para a atuação da equipe de ATES no sentido de orientar para haja uma alimentação mais saudável, tendo em vista que atualmente a dieta das famílias está bastante centrada na carne e nos cereais e pouco em frutas e hortaliças.


Por outro lado, se observado o aspecto econômico, o produção de autoconsumo de uma das famílias integrantes do grupo Flor do Campo, apontou o montante de aproximadamente R$ 5 mil anuais em produção destinada ao autoconsumo familiar, demonstrando a importância dessa produção para a economia familiar, onde a família deixa de gastar esse recurso adquirindo os alimentos de fora do lote. A partir da sistematização esse tema será problematizado com o grupo como um potencial a ser explorado futuramente, pois percebe-se que as famílias poderiam ampliar principalmente a produção para o autoconsumo de forma significativa.

Empoderamento feminino no Grupo Flor do Campo

No processo de organização do grupo as mulheres cumprem papel de destaque e realizam a produção diversificada e ecológica de alimentos no lote, inclusive encontrando certa resistência por parte dos homens. Eu cuido da produção leiteira e da produção que vai pra feira. Quando fui pro acampamento, já tinha a ideia de trabalhar com a produção de alimentos, e quando tive a oportunidade de vir pra cá, quando vi o lote, e as condições dele, com muita agua, deu bem certo com o que queria fazer, que é uma coisa que gosto de fazer e me identifico, já ele (o marido) cuida da produção da soja e trabalha pra fora, e me ajuda um pouco. (Agricultora – A)

Percebe-se uma nítida divisão sexual do trabalho onde as mulheres realizam a produção para feira, a amora e cuidam da produção de leite, enquanto os homens prestam serviço e são responsáveis pela produção de grãos, neste caso a soja. Um avanço significativo é o fato de que além da produção, as mulheres tem se desafiado também a comercialização dos produtos na feira, tendo em vista que historicamente as mulheres tem ficado à margem da função comercial nas propriedades rurais, atribuindo essa tarefa quase sempre aos homens. A produção diversificada e a feira oportunizam a conquista deste espaço pelas mulheres, tendo em vista que a relação mais próxima com os alimentos, como o cultivo, o processamento, o preparo, etc. sempre foi mais “atribuido” às mulheres do que aos homens, mas que no momento da comercialização a responsabilidade quase sempre era dos homens. Neste sentido, a Feira


Ecológica tem sido um diferencial também na relação comercial, pois oportuniza às mulheres comercializarem os alimentos que elas mesmas produzem. O contato entre as mulheres agricultoras com os consumidores tem contribuído na maior sociabilidade das mulheres com outros públicos que não eram de seu costume, como afirma a agricultora: O que me motiva a levar meus produtos pra feira, é que lá é um espaço em que conversarmos com pessoas de todos os tipos, e sobre os diferentes assuntos, pra mim aquele espaço é como uma terapia, pois me possibilita diferentes aprendizados, e é bom conversar com as pessoas, isso ajuda a entender melhor nossa realidade [...] (Agricultora – B).

Essa sociabilidade que ocorre de forma indireta com os moradores da cidade acaba por divulgar por meio do grupo Flor do Campo as ações que vem sendo desenvolvidas nos assentamentos de reforma agrária. E através da relação direta com os consumidores e os demais agricultores familiares ecologistas do município, demonstram que os assentamentos de reforma agrária tem um potencial na produção ecológica de alimentos, e com isso vem diminuindo o estigma criado em relação à chegada destas famílias no município. As pessoas chegam na feira e perguntam de onde a gente é, e quando falamos que somos do assentamento, eles dizem, mas como do assentamento, vocês plantam comida? E isso muda o jeito que a sociedade vê a gente que é assentado. Nós trabalhamos como qualquer outro agricultor familiar, temos nossos limites, mas também produzimos comida. E sabendo disso eles passam a nos olhar com “outros olhos”. (Agricultora – C)

A confiança depositada pelos agricultores familiares ecologistas nas mulheres do grupo Flor do Campo é um elemento altamente valorizado por elas e que aumentou significativamente a sua autoestima, como afirma a agricultora. [...] os agricultores da feira são bem parceiros de quem quer fazer, de quem quer trabalhar, eles dão apoio e incentivam a gente a fazer, logo que começamos a ir pra feira, logo colocaram nós como responsável pelo caixa da feira, como cada dia é uma pessoa diferente do grupo, pois é feito o rodizio entre os integrantes do grupo, no começo ficamos com medo, pois estávamos recém chegando, mas isso servir para se sentirmos mais confiantes, pois mostrou que eles confiavam em nós, e isso contribuiu pra melhorar nossa própria autoestima, de percebermos que somos capazes[...].(Agricultora – B)


Na opinião da equipe técnica cabe ressaltar que apesar do protagonismo na produção e na comercialização que proporcionou que as mulheres extrapolassem a esfera “doméstica”, elas ainda não conquistaram maior poder de decisão no âmbito na gestão produtiva do lote, tendo em vista que os homens ainda administram a maior parte da produção e da renda obtida. Neste sentido, um desafio a ser trabalhado a médio e longo prazo são as estratégias que permitam a maior participação da mulher na gestão do montante da produção existente no lote, além de demonstrar os atrativos da produção diversificada, para que passem também a se interessar mais e ajudar as mulheres na produção para a feira.

Aprendizados das famílias

A sistematização foi um momento de reflexão do grupo em conjunto com a equipe, e proporcionou uma serie de aprendizados, como diz uma das agricultoras: “[...] conversar é muito fácil, muitos falam mas não fazem, isso tem dificultado o permanecer na feira[...].”(Agricultora – B) Durante a construção da sistematização da experiência, o grupo pontuou os principais limites que tem enfrentado, como a pouca produção, a falta de transporte, pouca mão de obra, dificuldade de organização. E nesse processo de refletir sobre as ações e buscar alternativas, o grupo debateu sobre o que e como poderia fazer para ir “superando”, ou amenizando os limites apontados. Foi identificado que a organicidade do grupo precisa melhorar, a começar pela dinâmica de reuniões. Para isso as reuniões do grupo estão sendo planejadas de forma a proporcionar um rodízio, para que todas visitem todas, no intuito de que todas tenham a possibilidade de estar apresentando sua produção, o que esta fazendo e quais suas dificuldades e a partir disso ir construindo juntos proposta que possam qualificar suas ações. Observa-se, também que no assentamento Três Pinheiros, existem alguns limites para apostar em estratégias de produção diversificada de alimentos que precisam ser superados para animar um maior número de agricultores a mudarem sua base produtiva. Como exemplo poderia se destacar a construção de canais de comercialização mais seguros e que


absorvam maior volume de produção, sendo indispensável avançar em estratégias de organização destes agricultores para que se possa avançar nos novas formas de produção. A necessidade da qualificação do autoconsumo também foi um aprendizado. Compreendem que ao melhorar a diversidade de alimentos produzidos devem ser incorporados na alimentação da própria família, buscando ter uma alimentação mais saudável. Um desafio colocado pelo grupo é o de construir uma alternativa para o transporte de seus produtos para feira, atualmente terceirizado, o que implica em alto custo. Diante da demanda que há dos consumidores por produtos ecológicos foi aberta a possibilidade de abertura de novos pontos de feira no município colocando como desafio para o grupo de famílias do assentamento organizarem-se para garantir o abastecimento de alimentos nesse novo ponto. Entretanto, no momento o grupo avalia que precisa ampliar a produção, bem como, criar uma melhor organização e resolver o limite do transporte para poder encarar novos desafios.

Aprendizados para a ATES

A tarefa de realizar a sistematização da experiência está propiciando diversas oportunidades que contribuem para qualificar os aprendizados das diversas partes envolvidas – assentados/as, equipe de ATES e Assessores Pedagógicos. Sistematizar foi um desafio e um aprendizado para a equipe e este processo de reflexão entre equipe de ATES e Assessores Técnicos Pedagógicos está contribuindo para ampliar os conhecimentos e aperfeiçoar os métodos de sistematização. Isto permite maior segurança especialmente sobre os aspectos do objeto foco de sistematização, resultados desejados e o método mais adequado a adotar. Serviu também para perceber outras necessidades de orientação aos assentamentos, pois tem se apresentado algumas lacunas no desenvolvimento das ações junto as famílias, referente a algumas dimensões do trabalho, como


por exemplo, as relações humanas, até então trabalhada de forma limitada na extensão rural. A sistematização também apontou que o grupo Flor do Campo ainda está muito frágil e precisa de um acompanhamento mais periódico com intervenções técnicas e organizativas por parte da equipe de ATES, sendo este um dos apontamentos para constar no planejamento anual da equipe técnica. A sistematização propiciou na equipe uma reflexão sobre as diferentes compreensões de grupo, ou seja, em alguns momentos até mesmo alguma compreensão equivocada. Por exemplo, a recuperação da história de vida das famílias revelou que a maioria delas não desenvolvia a agricultura como ocupação antes de serem assentadas, o que permite compreender a atual dinâmica organizativa de algumas famílias, que acabam por trabalhar fora do lote para a manutenção da família e não adotar estratégias de maior ocupação no próprio lote. Por outro lado a experiência explicitou o papel protagonista das mulheres no sentido da inovação nos lotes e criar mecanismos de maior envolvimento e ocupação da mão-de-obra no próprio lote. A sistematização também tem sido uma ferramenta fundamental no processo de problematização da Agroecologia em assentamentos de reforma agrária

e

especialmente

de

como

trabalhar

processos

de

transição

agroecológica com famílias assentadas em projetos de reforma agrária.

Considerações finais

Essa é uma experiência que tem proporcionado para as famílias um novo aprendizado sobre as formas de fazer a agricultura, mostrando que existem possibilidades de organizar a produção sem ser na logica das commodities e que tem famílias que estão dispostas a dialogar e promover essas iniciativas. A sistematização proporcionou a realização de diálogos reflexivos sobre a trajetória das famílias bem como seus desafios de permanecerem na terra. Com isso entende-se que a ATES tem um papel decisivo no repensar a formas de fazer agricultura nos assentamentos, especialmente criando, além de


alternativas produtivas, mecanismos que permitam a comercialização de uma produção diversificada. A metodologia utilizada na elaboração sistematização permitiu identificar as diferentes fases do trabalho, contribuindo para reflexão da equipe sobre o método adotado nos diferentes momentos, identificando os limites, equívocos, bem como os acertos e potencialidades de replicação para outros casos semelhantes a serem estimulados, bem como para o repensar as ações futuras. No dialogo com o grupo, perceber que para algumas famílias o papel da Feira na sua vida esta relacionado com o estar num espaço onde se ultrapassa a vida cotidiana e toma uma amplitude que ultrapassa a vida familiar, é o local onde se dialoga sobre tudo e acima disso é sentir-se bem, por estar naquele espaço. Contudo, um limite que ainda se faz presente no grupo e que não se supera somente no aspecto do estímulo à produção e à comercialização é a efetiva emancipação das mulheres, tendo em vista que o grupo não tem feito essa reflexão interna, sendo uma necessidade do grupo e uma oportunidade da equipe técnica avançar nas discussões sobre gênero e geração. Por fim, esperamos que a história e a trajetória do grupo da feira Flor do Campo contribua com outras experiências agroecológicas em curso ou que venham a surgir.


Referências bibliográficas

BELLÉ, Adilson Roberto - Análise da transição agroecológica via métodos participativos: O caso de um grupo de famílias do assentamento Três Pinheiros Sede, Sananduva – 2011

Manual da ATES, 2008 PDA – Relatório dos PDA do PA Três Pinheiros, elaborado pela equipe de ATES

Anexos: Anexo 01 – Diagrama de VENN Anexo 02 – Linha do tempo


Anexo 01 Diagrama de Venn

Diagrama de Venn elaborado pelas integrantes do Grupo Flor do Campo


Anexo 02 Linha do Tempo


Linha do tempo elaborada pelas integrantes do grupo Flor de Campo


INCRA - INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA COPTEC - COOPERATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS-LTDA MST - MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA

Sistematização de Experiência Agroecológica

A UNIDADE FAMILIAR AGROECOLÓGICA DA FAMÍLIA VODZIK

Nova Santa Rita, Setembro de 2013


RESUMO A comunidade do assentamento Itapuí Meridional, no município de Nova Santa

Rita, tem uma grande importância para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, já que estas famílias são oriundas das primeiras mobilizações de luta pela terra no Movimento. E uma dessas famílias é a Vodzik, que desde o inicio do assentamento dedicou-se ao planejamento e a condução de um lote com condições de criar e manter seus filhos no campo, bem como, desenvolver um processo de produção agroecologico de preservação do meio ambiente, e ao mesmo tempo gerar renda para a família, e dar continuidade a luta pela Reforma Agrária. PALAVRAS-CHAVE: Planejamento, Agroecologia, Geração de Renda, Família.

INTRODUÇÃO

É pretendido, com a sistematização desta experiência, proporcionar reflexões que busquem contribuir com o fortalecimento da agricultura camponesa, os camponeses e camponesas da Reforma Agrária, a partir da experiência de planejamento e condução da produção agroecológico na unidade da famíliaVodzik, no assentamento da Reforma Agrária Itapuí Meridional, no município de Nova Santa Rita - RS. Aqui cabe esclarecer que se compreende por camponesas aquelas famílias que, tendo acesso a terra e aos recursos naturais que esta suporta, resolvem seus problemas reprodutivos a partir da atividade agrícola amplo senso, desenvolvida de tal modo que não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho, dos que sobrevivem com o resultado dessa alocação (CARVALHO, 2005). Com isto destaca-se que as decisões devem ser tomadas por todos que trabalham e participam do processo produtivo e social, além de reforçar que a sobrevivência fundamental da família deve vir da atividade agrícola (CARVALHO, 2005). Segundo este mesmo autor, este conceito dá ênfase à centralidade das necessidades reprodutivas da família no processo decisório das atividades camponesas, que,


assim, constitui uma unidade indissociável entre esfera de produção e esfera de consumo (CARVALHO, 2005). Uma das motivações desta experiência é justamente compreender as possibilidades e potencialidades da agricultura camponesa, diversificada e agroecológica, e o envolvimento da família no processo produtivo. Na família Vodzik, o homem, a mulher, e os filhos estão envolvidos no processo de produção e consumo, gerando renda prioritariamente do lote. E, para além da família, cabe destacar nesta experiência a estrutura organizativa do MST na região, que busca fortalecer o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, e estimular as Feiras, contribuindo, assim, com a comercialização da produção. A sistematização da experiência foi realizada entre os técnicos da Coptec e a família Vodzik, onde, em dois momentos de diálogo com a família, foram apresentadas e debatidas as motivações da equipe técnica para a escolha da família, e a proposta geral do trabalho. A apresentação destas motivações passaram pela importância da agroecologia, participação familiar em processos produtivos e espaços coletivos, e o desejo da equipe técnica de registrar a experiência deste lote em função de acompanhá-lo há cerca de 15 anos. Estes diálogos foram abertos, sendo utilizadas perguntas informais e anotações, e destes diálogos toda a família sempre participou, e foi apresentando suas anotações e história registrada. No decorrer do processo de trabalho foram utilizadas entrevistas, reuniões e caminhadas com a família pelo lote, além de elaborado o croqui da área. Durante as caminhadas e a elaboração conjunta do croqui foram identificadas as parcelas produtivas e seus manejos e controles de pragas, as estruturas de moradia e produtivas, as linhas de comercialização, a disponibilidade de água, a sustentabilidade e preservação do meio ambiente. A pesquisa foi também constituída por um levantamento de dados secundários,

em

fontes

estatísticas,

Planos

de

Desenvolvimento

dos

Assentamentos trabalho elaborados pela equipe de ATES no ano de 2008-2009, entre outros, como, também, contou com uma pesquisa bibliográfica.


Ao final, pretende-se reunir com a família e o Grupo Gestor das Hortas, Frutas e Plantas Medicinais para apresentar as impressões obtidas com este trabalho.

CONTEXTO A família Vodzik reside no Assentamento Itapui Meridional, localizado no

município de Nova Santa Rita - RS. O município de Nova Santa Rita (Figura 1), localizado na Mesorregião metropolitana de Porto Alegre, do estado do Rio Grande do Sul, foi criado pela lei 9.585, de 20 de março de 1992, e sua instalação realizada em 1º de janeiro de 1993. Segundo IBGE/2010 a população do município é de 22.706 habitantes.

Figura 1 – Localização do município de Nova Santa Rita no estado do Rio Grande do Sul. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/

3.1. Caracterização Sócio-Organizacional dos Assentamentos da Região Metropolitana As famílias assentadas da região metropolitana organizam-se através do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, subdivididas em


microrregiões, a saber: Eldorado do Sul, Nova Santa Rita, Tapes e Viamão, totalizando cerca de 1.200 famílias. Somadas, estas microrregiões formam o conjunto denominado e conhecido pelas famílias como “Grande Região de Porto Alegre”. A estrutura organizativa do MST na região conta com famílias inseridas em núcleos de base - NBs, em grupos produtivos e/ou sociais, coordenação geral, direção regional, e direção estadual, com reuniões sistemáticas e assembléias. Além desta estrutura organizativa, também foram constituídos na região os denominados Grupos Gestores Regionais, sendo eles: Grupo Gestor das Hortas, Frutas e Plantas Medicinais, Grupo Gestor do Arroz Irrigado Agroecológico, Grupo Gestor do Leite e Grupo Gestor da Piscicultura. Os referidos Grupos Gestores têm como uma das finalidades a organização das famílias assentadas na grande região. Eles são formados pela afinidade em linhas produtivas, de forma que a família possa participar diretamente destes grupos, ou através de seus representantes nominados de coordenadores de grupos e/ou associações e cooperativas. 3.2. Grupos Gestores e Grupos Coletivos Os grupos Gestores têm como meta o planejamento coletivo das atividades de formação e produção, desde o plantio até o beneficiamento e a comercialização da produção das famílias assentadas. As atividades de formação como cursos, dias de campo e seminários são voltadas para a produção de base ecológica. Outra forma de organização das famílias assentadas são os denominados coletivos, com ações voltadas para as demais dimensões que envolvem os assentamentos, como é o caso da saúde, educação, juventude e mulheres. A

Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda. – Coptec, atualmente é a empresa de assistência Técnica e Extensão Rural, responsável pelo trabalho em todos os assentamentos da região metropolitana, tanto na área agrária quanto na área social e ambiental. Dentro desta estrutura organizativa da grande região metropolitana, a família Vodzik participa da Associação Grupo do Erval, formadas por famílias somente do assentamento Itapuí Meridional, também participa do Grupo Gestor das Hortas,


Frutas e Plantas Medicinais, e do Coletivo de Saúde.

Reunião GG Hortas em Nova Santa Rita. Foto Coptec 2012

3.3. Breve caracterização sócio-organizacional do Assentamento Itapuí Meridional O Projeto de Assentamento (PA) Itapuí Meridional, com sede no município de Nova Santa Rita, ocupa uma área de 1.172 hectares, onde foram assentadas as 68 famílias provenientes da região do Alto Uruguai. A fundação do Assentamento data de julho de 1988. Atualmente, o Assentamento encontra-se organizado em 10 grupos para projetos de custeio, tendo somente dois grupos coletivos que representam 12 famílias e os demais são individuais ou possuem alguma sociedade de famílias trabalhando em conjunto com algumas culturas, como, por exemplo, para plantar arroz e na produção e comercialização de hortaliças. Neste assentamento se destaca a organização da Associação Grupo Erval, composta por famílias que se organizaram desde o acampamento e adotaram as hortas como sua principal linha produtiva e fonte de renda. Atualmente comercializam no Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE e feiras agroecológicas em Porto Alegre e municípios vizinhos a Nova Santa Rita. Desta Associação participa a família Vodzik, que se encontra, inclusive, com todas as famílias certificadas como orgânicas, conforme exige a legislação brasileira da produção orgânica. Como relatado acima, uma das motivações desta experiência é compreender as potencialidades da unidade de produção agroecológica deste lote,


o envolvimento da família, e juventude, além da possibilidade de obtenção de renda, e que busque estimular novas famílias da região. 4. DESCRIÇÃODA EXPERIÊNCIA 4.1. Núcleo familiar A família Vodzik é composta por Olimpio, Azilda e os filhos Gabriel, Felipe e Gustavo. Gabriel é casado com Adrieli e tem uma filha, a Beatriz, e ambas residem no lote.

4.2. Composição das áreas A família Vodzik possui o Contrato de Concessão de Uso de uma área de 13 ha, toda orgânica e certificada, onde se destaca a produção de horticultura, fruticultura e canavial. O lote, pela sua beleza agroflorestal, biodiversidade, e cuidado, é bastante frequentado por grupos, como escolas, universidades, e mesmo por pessoas e grupos das cidades vizinhas e de outros assentamentos. Existe um potencial para o turismo rural, o que é destacado pela família: “precisamos melhorar mais o lote, para poder receber pessoas”(Olimpio).

mais


O turismo rural, além da possibilidade de comercialização, é fator importante de divulgação da Reforma Agrária, geralmente criticada nos grandes meio de comunicação.

Visita de turma do Residência Agrária no lote, em 2011.

No planejamento da unidade familiar, além das práticas produtivas com as hortaliças e barraços que ocupa uma área de 02 há, pomar frutífero com 0,2 há e cana com área de aproximadamente 0,7 há, existem também grandes áreas de mata nativa, como fonte de embelezamento da propriedade e preservando a biodiversidade, com grande variedade de árvores nativas e frutíferas. Quando a família foi beneficiada com uma pequena parcela da área do assentamento, algumas espécies nativas já estavam plantadas no lote. Porém a família tomou a iniciativa de fazer novos plantios de árvores ao longo dos anos.

HORTA E TRABALHO DOS JOVENS (filhos da Reforma Agrária) “O desafio maior do pequeno agricultor é manter os filhos no campo, nós fizemos tanta luta, agora não dá para envelhecer sozinho no lote, os filhos tem que dar continuidade (...)” (Olímpio) – extraído da tese de mestrado de Miranda, Fernanda.


No planejamento familiar do lote, a horta fica sob a responsabilidade de Gabriel e Gustavo, que se organizam desde o plantio até a comercialização, e, assim, também toda a renda obtida é deles. Hoje as hortaliças são vendidas em uma feira orgânica que ocorre aos sábados, no município de Canoas, e em 4 escolas estaduais, sendo 3 destas escolas em Canoas e 1 em Nova Santa Rita. Só com o PNAE a renda gira em torno dos R$ 20.000,00/ano, conforme previsto na Lei 11.947/2009 e resolução Nº 25, publicado em 04 de julho de 2012, onde altera o limite de comercialização por DAP/ano de R$ 9.000,000 para R$ 20.000,00. A produção de hortaliças que excede a demanda do PNAE é entregue ao PAA, cujo recolhimento é de responsabilidade da Cooperativa Regional – Cootap, e estimada em torno de R$ 4.500,00/ano. A produção de hortaliças comercializada, e responsável pela renda, inclui brócolis, beterraba, espinafre, rabanete, couve-flor, couve-folha, repolho, temperos diversos, alface, rúcula, entre outras, esse subsistema é composto de um planejamento para execução no plantio e na colheita, em diferentes épocas do ano. Também inclui frutas nas vendas, que são parte da renda do casal, como os pêssegos, caqui, pêra, figo, Citros, goiaba, banana, maçã, jabuticaba, amora, fruta do conde, acerola, abacaxi e outros. Para essa linha da produção a família conta com grande parte dos insumos da própria propriedade, porém algumas coisas são compradas, por exemplo, adubo orgânico, sementes e calcário. O sistema de irrigação é feito com gotejamento e micro aspersão, com água de açude e poço existente na propriedade.

O POMAR O pomar ocupa uma área entorno de 02 hectares distribuídos em

duas áreas contínuas, com laranja e bergamota, e grande variedade de frutas, como maçã, carambola, jabuticaba, amora, pêssego, pera, goiaba, figo, banana e outras pequenas áreas espalhadas por todo o lote com produção de bananas,


abacaxi, acerola, além do parreiral. O pomar também lhes proporciona a produção de suco de uva, que comercializam na feira, para esse subsistema são realizada adubação orgânica com adubos da propriedade e alguma coisa de fora, podas, controle de doenças, porem não existe um sistema de irrigação. Neste sistema tem enfrentado uma série de dificuldades com o controle da mosca da fruta. “Fica difícil de ter controle, porque tem fruta todo o ano, então sempre vai ter como elas ficar ai no lote (...)” (Olímpio)

A responsabilidade pelo pomar é de Olímpio e Azilda, assim como a renda obtida com a comercialização das frutas, e seus subprodutos. Esta venda é realizada no PNAE e PAA, e na feira de Canoas, deseonvilvida pelos filhos com a produção de hortaliças e parte das frutas. Parte desta produção acaba sendo comercializada nas visitas do publico que vem conhecer a experiência do lote. Nesta

área

também

são

produzidos

morangos

orgânicos,

que

são

comercializados na feira e PNAE.

BENEFICIAMENTO DE ERVAS E FRUTAS Também produzem, e beneficiam, os chás de ervas medicinais, e as geléias

e conservas, que são comercializados na feira de Canoas, e nos momentos em que recebem visitas no lote. Esta tarefa é responsabilidade de Azilda.

• A CANA A cana de açúcar ocupa 0,7 hectares, em cinco lavouras espalhadas pelo lote.

A cana proporciona o melado, os licores e a cachaça, que são

comercializados na feira e com a venda direta. Destacam que a cachaça e os licores lhes garantem uma renda permanente, durante todo o ano. Consideram que se houvesse mais tempo para esta atividade, fariam maior estoque. O Olimpio é o responsável pelo alambique e pretende legalizar a agroindústria para produção de cachaça orgânica. Essa atividade tem exigido um tempo maior para a colheita e o


processamento dos produtos, uma vez que a área já implantada requer pouco manejo, apenas com a adubação e limpeza da área, não tem nenhum sistema de irrigação com esse subsistema.

PANIFÍCIOS

Outra fonte de comercialização é a produção de pães e bolachas integrais que são vendidos na feira, durante as visitas ao lote, e mais recentemente à famílias urbanas sob encomenda, e a família entrega semanalmente.

• AGROFLORESTA A unidade da família Vodzik, que é composta por 13há, como já citado anteriormente esta destruída com espaços produtivos em partes consorciados com lavoura,

frutas,

canas,

pastagem,

moradia

e

Mata

Nativa

que

ocupa

aproximadamente 06 há. Esse sistema de agrofloresta, segundo a família já proporcionou resultados bastante significativos, no decorrer dos anos em que a família vive no local, como é o caso da preservação do solo, a recuperação de nascentes d’água, a biodiversidades da Fauna e Flora e ao mesmo tempo é um grande fornecedor de material para recomposição da fertilidade do solo de lavoura, por outro lado por ser uma área relativamente pequena, sobra pouco espaços para ampliar a área de produção e manter um agroecossistema equilibrado. 5. CERTIFICAÇÃO O processo de certificação orgânica da produção de hortaliças e frutas nos assentamentos da região tem sido feito pela COCEARGS, no sistema participativo Organização de Controle Social - OCS, onde a família Vodzik faz parte juntamente com a associação a qual pertence, esse processo tem sido de extrema importância, pois oferece uma maior segurança ao consumidor e acrescenta um significativo valor no produto final no momento da comercialização. No caso do PAA e PNAE a


certificação proporciona um acréscimo de 30% no valor dos produtos. 6. POTENCIALIDADES a) Pela própria característica da família e embelezamento construído no lote, e a prática iniciada de receber visitas para usufruir deste ambiente, acredita-se ser ali um espaço a crescer no turismo rural. b) A vivência intra-familiar entre as gerações revela que essa experiência constituiu uma forma exemplar de convivência, tendo hoje forte protagonismo, e obtenção de renda, para a juventude. c) O sistema produtivo ecológico fundamentado no manejo de uma agrofloresta pode servir de unidade de referência para outras unidades produtivas na região metropolitana. A produção orgânica, e certificada, oferece este estímulo ás demais famílias da região. d) A experiência da família Vodzik também é lastreada numa ampla rede de cooperação e entre ajuda materializada, sobretudo, na Associação Erval. O avanço da produção orgânica de hortaliças e frutas sugere a potencialidade de uma unidade de beneficiamento deste produtos tendo em vista o mercado crescente, institucional e de varejo, bem como o aproveitamento das sobras desta produção. 7. LIMITES a) Hoje, inclusive pela ampliação do número de pessoas na família há a necessidade de qualificar o planejamento da produção para garantir maior diversidade, quantidade, e, com isto, ampliação da comercialização e renda. b) A família conta com pouca mão-de-obra para dar conta do potencial produtivo do lote. c) É preciso avançar e experimentar manejos que consigam controlar a mosca da fruta, pois apesar de terem conseguido reduzir, ainda não está erradicado.


8. LIÇÕES APRENDIDAS Sistematizar a experiência reforçou as motivações iniciais da equipe, ou seja, a agricultura camponesa, e a Reforma Agrária, são capazes de oferecer a sociedade alimentos orgânicos, com qualidade e diversidade, e com produção familiar. Outra constatação é a de que a renda é fator fundamental para garantir a permanência da juventude no campo. Além disso, com as políticas públicas recentes (PAA e PNAE), há estímulo e a certeza de comercialização. E a família Vodzik conseguiu garantir este envolvimento, possibilitando autonomia e responsabilidade aos jovens, com a horta. A valorização da produção orgânica, e a sua certificação, também reforçam e estimulam, pois garantem, atualmente, um acréscimo de 30% na venda dos produtos. Este trabalho é descritivo, não se pretendeu fazer análises, mas espera-se que esta experiência relatada estimule outras famílias ao ser apresentada na região metropolitana. 9. COLABORADORES E AUTORES Família Vodzik: Olimpio, Azilda, Gabriel, Gustavo, Felipe, Adrieli e Beatriz. Técnicos do Núcleo Operacional Nova Santa Rita:

Edson Almir Cadore – Engenheiro Agrônomo Cleomar José Pietroski – técnico Agrícola Luiz Everton de Oliveira – Técnico Agropecuário Vilson Júnior de Araújo – Técnico Agrícola Sandra Nunes Rodrigues – Assistente Social


ANEXOS

Croqui da área

Produção de hortaliças orgânica. Foto Coptec, 2013


Família e Ates. Foto Coptec, 2013

Gabriel – entrega de hortaliças para o PAA de Nova Santa Rita. Coptec 2012

Visita no lote por professores da Rede Municipal de Nova Santa Rita. Foto Coptec, 2013


NÉVIO WOLOSZYN Técnico em Agropecuária

PRODUÇÃO DE LEITE À BASE DE PASTAGEM PERENE NA COOPATRISUL - ASSENTAMENTO 29 DE OUTUBRO TRINDADE DO SUL/RS

Trindade do Sul/RS Agosto / 2013


RESUMO A partir de uma demanda dos sócios da Cooperativa de Produção Agropecuária de Trindade do Sul – COOPATRISUL – foi oportunizado um trabalho que está possibilitando visualizar resultados surpreendentes. A COOPATRISUL é formada por 18 famílias, e conta com 34 sócios, os quais apresentam diversificação de produção. É com este público que foi desenvolvido o trabalho sistematizado, com o objetivo de organizar a produção, reduzir o seu custo e diminuir os impactos ambientais. Dentre as atividades exploradas pelos assentados a produção de leite tem se caracterizado por ser uma excelente alternativa de geração de renda. Todavia, a atividade requer o constante aprimoramento dos métodos de produção com objetivo de aumentar a produção e viabilizar esta atividade. Hoje, com apoio da assistência técnica, a atividade leiteira representa uma das maiores rendas obtida em proporção de área de terra em relação a outras atividades da Cooperativa.

PALAVRAS-CHAVES: Cooperativa; produção de leite; geração de renda; transição agroecológica.

INTRODUÇÃO O Assentamento 29 de Outubro participa do sistema cooperativo por meio da Cooperativa de Produção Agropecuária de Trindade do Sul – COOPATRISUL. A mesma iniciou suas atividades em 1991 com 37 famílias associadas e, com o passar dos anos, algumas famílias foram deixando de trabalhar de forma cooperativada para produzir de forma individual em seus próprios lotes. Atualmente a Cooperativa é formada por 18 famílias de assentados, e conta com 34 sócios, que desenvolvem a atividade bovinocultura de leite, parte coletiva e parte de forma semicoletiva - esta para poderem ter uma renda mensal e incrementar o rendimento das atividades coletivas. Com a saída de famílias da COOPATRISUL para produzir individualmente em seus próprios lotes, ocorreu a diminuição das áreas agricultáveis, pois os lotes foram sendo desmembrados das áreas da cooperativa. Houve, então, a necessidade de aproveitar as áreas disponíveis da melhor forma possível. Foi solicitada a assistência técnica do Escritório Municipal da EMATER/RS-ASCAR de Trindade do Sul para desenvolver alguma forma de aproveitamento das áreas de pastagens perenes que não vinham sendo aproveitadas pela cooperativa, bem como para realizar um planejamento para diminuir a área de terra ocupada com pastagens anuais. A ação de assistência técnica teve como objetivo organizar a maximização da produção, diminuir custos, diminuir impactos ambientais e fornecer alimentação em quantidade e qualidade adequada aos animais. A alternativa tecnológica proposta foi a produção de leite à base de pasto, com a utilização do piqueteamento1 para melhor aproveitamento de áreas e a implantação de novas pastagens perenes. Esta alternativa de produção de leite à base de pasto foi implantada no setor semicoletivo.

1

Subdivisão das áreas disponíveis de pastagem como forma de melhorar o aproveitamento das espécies forrageiras de acordo com o ponto ideal de corte, a velocidade de crescimento da espécie, o rebrote, etc..


Ressalta-se que o planejamento dos assentados do setor semicoletivo tem sido contínuo e o que se busca é um aumento do número de animais por família, para se obter como resultado final uma maior renda e, consequentemente, melhor qualidade de vida das famílias assentadas. Com a obtenção de resultados bastante positivos houve a motivação para realizar a sistematização da experiência, visando a sua divulgação no intuito de prestar informações úteis e interessantes, e objetivando que tal ação possa ser praticada por mais assentados, na intenção de que esses também obtenham melhores resultados em suas propriedades. A sistematização foi construída por meio da Figura 1 - Reunião de planejamento com sócios da Coopatrisul. visitação ao Assentamento 29 de Outubro, mais especificamente às áreas trabalhadas com a atividade de bovinocultura de leite, realizando reuniões com os assentados, quando houve a troca de ideias e foi realizada a avaliação da experiência, ponderando os pontos positivos agregados às unidades produtivas envolvidas. Para a realização do trabalho foram consideradas as informações prestadas pela Cooperativa organizadas por meio de planilhas de custos e de produção dos anos anteriores à implantação do trabalho sistematizado.

CONTEXTO O município de Trindade do Sul, emancipado no ano de 1987, está distante 390 km de Porto Alegre e localizado na região do Médio Alto Uruguai Gaúcho, e pertence ao Território da Cidadania que abrange 34 municípios da região Norte do Estado. A área territorial é de 274,1 km² e uma população de 5.787 habitantes, sendo 2.888 moradores do meio rural. Possui 946 domicílios rurais. A etnia é formada por descendentes de Italianos (35%), Alemães (10%), Poloneses (5%) e mestiços (50%). Sua topografia é bem variada, com áreas planas e solo tipo Latossolo Roxo e áreas acidentadas, com solos tipo Cambissolo Háplico Eutrófico. O clima é temperado e as estações são bem definidas. No inverno a temperatura fica entre 0º C e 18ºC e no verão chegam à 35º C. A produção agropecuária do município está baseada na produção de soja, milho, feijão, trigo, bovinocultura de leite, fruticultura e cultivos /criações de subsistência. A estratificação fundiária evidencia que o município é constituído basicamente por pequenas propriedades, na média de 15 ha, exploradas por agricultores familiares. A comunidade na qual se desenvolve a experiência é o Assentamento 29 de Outubro. No ano de 1991 foram assentadas 47 famílias originárias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), em uma área de 599,99 ha, antes pertencente à família Bertier. Essas famílias eram, na sua maioria, filhos de pequenos agricultores da região de


Ronda Alta e Constantina. Devido à união das famílias nas épocas de acampamentos onde aguardavam a terra para serem assentadas, inicialmente 37 famílias se organizaram por meio de uma Cooperativa que leva o nome até hoje de COOPATRISUL (Cooperativa de Produção Agropecuária de Trindade do Sul). Com o passar dos anos, entretanto, algumas famílias foram sentindo a necessidade particular de mudança e passaram a atuar em lotes, onde vivem e produzem de forma individual até os dias de hoje. Atualmente, a COOPATRISUL conta com 18 famílias sócias, ocupando uma área de 225 ha, e possui uma infraestrutura de produção bastante diversificada: de grãos como soja, milho, feijão, arroz e trigo; erva-mate; avicultura de corte integrada; bovinocultura de leite. A bovinocultura de leite é desenvolvida em dois sistemas: no coletivo e no semicoletivo. No sistema coletivo, o rebanho conta com 40 animais, sendo as vacas conduzidas de forma coletiva desde a alimentação, manejo e comercialização. Nesse sistema coletivo, a opção foi pela manutenção de um manejo mais convencional baseado em pastagens anuais como Capim Sudão, Milheto e Sorgo. No sistema semicoletivo, atualmente 108 vacas são mantidas nas terras da COOPATRISUL durante o dia, sendo alimentadas e manejadas por dois sócios e, à noite, os animais retornam às propriedades e lá permanecem, sendo ordenhadas de forma individual, cujo leite é depositado no resfriador da Cooperativa. Atualmente, dentro deste sistema semicoletivo cada associado tem direito a ter 6 vacas. Os rendimentos obtidos com a atividade leiteira são para as despesas como alimentação da família, educação dos filhos, saúde e aquisição de bens individuais de consumo, entre outros. É com este rebanho que se desenvolveu a experiência que será relatada nesta sistematização.

DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA A experiência, objeto da sistematização, teve seu início em março de 2010 quando, em visita realizada à COOPATRISUL, foi observado que os associados estavam interessados em resolver as deficiências de alimentação do gado leiteiro. A partir desta demanda dos assentados houve contato com a EMATER/RS-ASCAR, entidade que presta assistência técnica junto ao Assentamento 29 de Outubro por meio de convênio firmado com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. A intenção foi de buscar alternativas para viabilizar a produção leiteira no sistema semicoletivo. Naquele momento havia uma grande área de terra sendo utilizada para alimentação de aproximadamente 120 vacas. Naquela época, a cooperativa contava com 24 sócios e cada um tinha a possibilidade de ter neste sistema 5 matrizes. As pastagens anuais ocupavam 32 ha e, como consequência, todo ano o solo era revolvido para efetuar a semeadura de pastos como capim sudão, sorgo ou milheto. Em contrapartida, havia 16,5 ha de pastagem da espécie hermátria, sem o manejo adequado, servindo, basicamente, de locais de descanso para os animais. Além disso, os animais eram obrigados a percorrer grandes distâncias diárias por estrada cascalhada, o que frequentemente refletia em problemas nos cascos dos mesmos. Observou-se, também, a deficiência dos animais com relação ao acesso à água e à sombra e, principalmente, à alimentação que não havia em quantidade adequada. Como consequência de tantos problemas, a produtividade dos animais era baixa.


O início da assistência técnica ocorreu com a medição de toda a área disponível para alimentação dos animais. Posteriormente, em reunião com os sócios, foi efetuado o planejamento de alguns piquetes para início de um manejo correto das pastagens perenes existentes. Depois, como forma de contornar resistências e como metodologia de demonstração de novas tecnologias, realizou-se uma excursão até o município de Concórdia/SC para ver de perto algumas formas de manejo de pastagens, bem como de espécies perenes como a grama missioneira gigante e capim elefante pioneiro.

Um dos problemas apontados: Resistência para mudança por parte de alguns, muitos concordavam mas não havia iniciativa. (frase do produtor.)

Incentivados pelas informações obtidas na excursão, foram implantados 2,32 ha de capim elefante pioneiro e realizado piqueteamento em toda a área de pastagem perene, além de proporcionar o acesso dos animais à sombra e à água durante a maior parte do dia. O resultado destas ações surgiu com a diminuição, no primeiro ano, de 17 ha da área plantada com pastagens anuais, sem haver diminuição da oferta de alimento aos animais. Com os resultados positivos obtidos houve um aumento da área plantada com pastagens perenes e diminuição da área com pastagem anual, conforme demonstra a Tabela 1. “Se tinha água e sombra, não tinha pasto; Se tinha pasto, não tinha água e sombra. Agora tem tudo, devido ao sistema (Frase do Sócio da Coopatrisul)

Figura 2 - Implantação de pastagem perene (Capim Elefante Pioneiro).


Tabela 1 - Evolução das formas de pastagens na COOPATRISUL Pastagem / Ano

2010

2011

2012

2013

Pastagem Anual (ha)

32,0

15,00

6,5

6,5

Pastagem Perene (ha)

16,5

24,12

24,12

21,72

TOTAL (ha)

48,5

39,12

30,62

28,22

Fonte: Planilhas elaboradas por Névio Woloszyn, Marcelino Kalinoski e Antonio Padilha dos Santos.

A diminuição de 20,28 ha de área plantada ou ocupada por pastagens entre os anos de 2010 à 2013 não diminuiu a oferta de alimentos para os animais, pelo contrário, houve sim, uma regularidade maior na quantidade de alimento oferecida. Inclusive em períodos de seca que assolaram a região, as gramas perenes apresentaram uma grande resistência e, com isso, a deficiência nutricional não ficou tão acentuada. Como resultado direto da mudança na forma de manejo, ocorreu um aumento considerável da média de leite produzida por vaca/dia, conforme demonstrado no Gráfico I. Gráfico I - Produção média de litros de leite x Área de Pastagem 60 50 40 30 20 10 0 2010

2011 Média Litros/vaca/dia

2012 Área de Pastagem de verão

Fonte: Planilhas elaboradas por Névio Woloszyn, Marcelino Kalinoski, Antonio Padilha dos Santos.

Também se observou um impacto menor no vazio outonal2, em função das pastagens perenes ter um ciclo maior do que as anuais, o que permite, em anos normais, o acesso dos animais até o mês de abril, quando já há oferta de pastagens de inverno, como a aveia preta e o trigo utilizado com duplo propósito. No ano de 2012, houve a saída de 5 famílias da COOPATRISUL que resolveram trabalhar de forma individual. Como a quantidade de animais na área de pastoreio diminuiu, aumentou a oferta de alimento para os restantes. Diante deste quadro, em reunião com os associados, definiu-se que o número de vacas no sistema semicoletivo passaria a 6 por família, resultando em um total de 108 cabeças no sistema todo.

2

Período que antecede as pastagens de inverno e quando as pastagens de verão estão em final de ciclo, tendo como consequência a baixa de volume de massa verde.


Atualmente, os animais em lactação são manejados durante o dia em 46 piquetes de pastagem perene, sendo utilizado 1 piquete pela manhã e outro para o período da tarde, com acesso à sombra e água. As vacas secas e novilhas são mantidas em 15 piquetes de pastagem perene com acesso à sombra e água. No final do dia, os animais são conduzidos para as propriedades de cada assentado, onde cada um fornece alimentação suplementar, sendo que a quantidade varia entre eles. Este manejo é adotado no período de verão. No período de inverno os animais são mantidos em áreas da cooperativa com acesso à pastagens de aveia e trigo duplo propósito, com suplementação de silagem no cocho. A mão de obra utilizada no sistema diminuiu bastante, segundo os produtores envolvidos, em função de que os piquetes estão prontos e é só conduzir os animais aos mesmos. Anteriormente, os animais eram soltos nas pastagens e três pessoas ficavam manejando para que os mesmos não escapassem.

A perspectiva de COOPATRISUL:

futuro

para

esta

atividade

na

Manter a estrutura de área e tentar explorar o máximo o limite de lotação na área trabalhada hoje. Fala do produtor.

RESULTADOS A avaliação referente aos resultados obtidos foi efetuada em conjunto: EMATER/RSASCAR e os assentados Marcelino Kalinoski e Antônio Padilha dos Santos, com a seguinte percepção de melhorias alcançadas: a) Redução de área para pastagem de verão, possibilitando a implantação de novas culturas como milho e soja. b) Utilização de áreas ociosas, com solos pouco aptos para a cultura de grãos. c) Redução de custos de produção. Atualmente o custo de produção do litro de leite média anual está em torno de R$ 0,19, contando ração e luz. d) Menor distância de deslocamentos percorrida pelos animais. e) Mais qualidade de pastagem. Anteriormente as pastagens ficavam velhas, com pouca digestibilidade em função da deficiência do manejo. f)

Aumento de produtividade de leite.


g) Acesso à sombra e à água durante o dia todo. h) Oferta de alimentação com período de pastoreio alterado de 4 para 8 horas/dia. i)

Maior cobertura no solo por se tratar de pastagens perenes que não necessitam revolvimento do solo.

j)

Diminuição da erosão do solo.

k) Diminuição da necessidade de mão de obra. Anteriormente eram necessárias três pessoas para conduzir os animais e hoje são duas pessoas envolvidas. l)

Redução do vazio outonal.

m) Aumento da quantidade de vacas por família. n) Aumento da renda, devido ao aumento da produtividade e menor custos com pastagens. o) Maior regularidade de produção de pastagem. No ano de 2012 houve a ocorrência de estiagem que assolou toda a região. O que pode-se observar foi uma resistência maior das pastagens perenes com relação às anuais, minimizando, desta forma os efeitos negativos do evento.

IMPACTOS a) A partir da implantação das pastagens perenes, com manejo adequado, conseguiu-se avançar com a mesma tecnologia no rebanho da COOPATRISUL, no sistema coletivo. b) Houve interesse tanto de assentados do Projeto de Assentamento Trindade quanto de demais agricultores do município, em utilizar o manejo correto das pastagens para produção de leite.

POTENCIALIDADES a) Modificação gradual da matriz produtiva de grãos para a bovinocultura de leite. b) Aumento do número de vacas por família para melhorar a renda dos assentados. c) Com o aumento da produção de leite, há a possibilidade de negociar um aumento do valor recebido pelo litro de leite. d) Buscar a instalação de uma agroindústria de produtos para agregar renda ao leite produzido pelos assentados.

LIMITES A faixa etária dos assentados está em torno de 50 a 55 anos, o que dificulta efetuar a ordenha e o transporte do leite, já que o mesmo é transportado duas vezes ao dia, da casa até o resfriador coletivo em distâncias de até 1.000 metros por algumas famílias. Não há um planejamento de sucessão familiar para o prosseguimento das atividades hoje desenvolvidas ou, mesmo, do sistema de cooperativa.


LIÇOES APRENDIDAS O trabalho apresentado traz, como principal lição, que a atividade bovinocultura de leite requer, cada vez mais, a diminuição dos custos de produção, o que é possível por meio da produção de leite à base de pasto. No sistema convencional, a implantação de pastagens anuais tem custo elevado e período curto (120 dias) de utilização da massa verde produzida, além de apresentar um impacto ambiental pelo tipo de preparo do solo e promover a erosão do mesmo. Como alternativa viável a esse sistema de produção, apresentam-se as pastagens perenes que tornam-se atrativas em função do menor custo, pelo período de utilização (durabilidade) e capacidade de produção de alimento para os animais, além de apresentarem baixo impacto ao meio ambiente (requerem preparo do solo menos intensivo). Ainda, foi possível constatar que é fundamental o manejo correto das pastagens por meio do uso de piquetes que permitem o aproveitamento mais eficiente das pastagens, permitindo obter o máximo rendimento das mesmas.

AUTORES E COLABORADORES AUTOR Névio Woloszyn – Técnico em Agropecuária – Extensionista Rural Área Econômica – Chefe do Escritório Municipal EMATER/RS-ASCAR Trindade do Sul/RS COLABORADORES −

Adelfo Zamarchi - Agricultor - Presidente da Coopatrisul - Assentamento 29 de Outubro Trindade do Sul/RS.

Antônio Padilha dos Santos - Agricultor - Assentamento 29 de Outubro - Trindade do Sul/RS.

Carmem Roncaglio Zanella - Professora - Extensionista Rural Área Social - Escritório Municipal EMATER/RS-ASCAR Trindade do Sul/RS.

Jairo Tagliari - Agricultor - Agricultor - Assentamento 29 de Outubro - Trindade do Sul/RS.

Keli Mary Fontana - Professora - Assistente Administrativo - Escritório Municipal EMATER/RS-ASCAR Trindade do Sul/RS.

Marcelino Kalinoski - Agricultor - Assentamento 29 de Outubro - Trindade do Sul/RS.


REFERÊNCIAS FERREIRA, Tabajara Nunes, et al. Solos: Manejo Integrado e Ecológico - Elementos Básicos. Porto Alegre: EMATER/RS, 2000. 95p. RELATÓRIO ESTUDO DA SITUAÇÃO MUNICÍPIO DE TRINDADE DO SUL - EMATER/RSASCAR Municipal Trindade do Sul - 1996. VIGNE, Hermes. Trindade do Sul da Serra do Lobo. Passo Fundo: Pe. Berthier, 1996. 204p.

REDE DE CONTATOS −

EMATER/RS-ASCAR – Rua Cedro, 77 – Trindade do Sul – RS – Fone: 54-3541-1154 / 54-9648-6164 – emtrinda@emater.tche.br.

COOPATRISUL – Assentamento 29 de Outubro – Trindade do Sul – RS – Fone: 549975-1001.


GESTÃO COMUNITÁRIA DE RECURSOS HÍDRICOS NA PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA DE ARROZ NO ASSENTAMENTO FILHOS DE SEPÉ, VIAMÃO/RS


GESTÃO COMUNITÁRIA DE RECURSOS HÍDRICOS NA PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA DE ARROZ NO ASSENTAMENTO FILHOS DE SEPÉ, VIAMÃO/RS

Equipe Técnica: Ricardo Diel Dayana Cristina Mezzonatto Cristina D. Araújo Felipe Ricardo Godoi Jasinski José Pacífico de Mello Neila Salete de Moraes

Viamão, 2013


Resumo: O Assentamento Filhos de Sepé, localizado em Viamão/RS, possui especificidades relevantes devido ao fato de estar localizado em uma APA. Além disso, a demanda do uso da água é muito grande para a produção do arroz orgânico, sendo fundamental a gestão deste recurso natural para o assentamento. Nesse sentido, a sistematização da gestão comunitária dos recursos hídricos no assentamento é necessária para que se entenda o processo, além de registrá-lo. A sistematização foi feita a partir da construção de uma linha do tempo pelos assentados envolvidos na produção do arroz orgânico e gestão comunitária dos recursos hídricos (Distrito de Irrigação). A partir da linha do tempo foi possível estabelecer todas as fases dessa gestão, as dificuldades encontradas, os benefícios estabelecidos, assim como o presente texto que foi construído pela equipe técnica da Coptec. Palavras-chaves: arroz orgânico, recursos hídricos, gestão comunitária.


INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo sistematizar a gestão comunitária dos recursos hídricos no Assentamento Filhos de Sepé, em conjunto com as famílias produtoras de arroz orgânico, em função da necessidade local na utilização da água nessas lavouras. Além disso, o registro histórico da gestão dos recursos hídricos é de suma importância, no sentido de qualificar o processo. Para alcançar os objetivos propostos foram usadas duas estratégias metodológicas. Foram realizadas pesquisas bibliográficas para a obtenção de dados históricos, assim como outros pertinentes à pesquisa em questão. Para a obtenção de informações diretamente das famílias envolvidas no uso e gestão da água utilizada na irrigação do arroz foi construída uma Linha do Tempo com os participantes da dinâmica. A escolha dos participantes se deu por consideração à representatividade qualitativa, como descreve Thiollent (1986), “trata-se de um pequeno número de pessoas que são escolhidas intencionalmente em função da relevância que elas apresentam em relação a um determinado assunto”. A Linha do Tempo foi aplicada com base em um eixo temático e com uso de perguntas geradoras e objetivou construir coletivamente o processo histórico da gestão de recursos hídricos no assentamento. Além disso, foram identificados os principais atores envolvidos, os conflitos ocorridos e como a comunidade e demais atores conduziram o processo de gestão da água. Essa ferramenta, além de levantar dados históricos, também auxiliou as famílias a reconhecerem e entenderem, na história, as consequências dos fatos no desenvolvimento do assentamento. Os recursos naturais existentes no assentamento de reforma agrária Filhos de Sepé sempre motivaram intensos debates desde o momento em que houve a indicação de que a área seria destinada para este fim. Mesmo antes da fundação do assentamento, em dezembro de 1998 e no decorrer dos anos, ocorreram fatos de relevância para esta comunidade que envolveu, principalmente, as questões relacionadas à água, recurso este existente em abundância no local. Atualmente, o foco principal é o processo de gestão do recurso, que passou a ser discutido, mais intensamente, a partir de 2005 em função do seu uso destinado ao cultivo de arroz irrigado. A produção de arroz irrigado pré-germinado é a principal atividade produtiva do assentamento nas áreas de várzea. A gestão da água possibilita que se desenvolvam as demais atividades relacionadas à produção do arroz. Desta forma, ressalva-se a importância de sistematizar esta experiência, visto que este trabalho irá contribuir na qualificação de uma atividade que é vital para as famílias envolvidas, direta e indiretamente, na produção do arroz irrigado e para o todo deste Assentamento. O presente trabalho está constituído em quatro partes gerais. No primeiro momento se apresentam os principais dados relativos à história do assentamento, dessa forma, se


conforma o primeiro capítulo denominado “Contexto”. Em um segundo momento se expõem as estratégias metodológicas que fizeram possível este trabalho. O seguinte capítulo é destinado aos resultados da aplicação da metodologia aplicada, no qual se descreve a experiência em cinco grandes fases divididas temporalmente por triênios. Por fim, as conclusões encerram o exercício aqui proposto destacando-se os avanços, limites e desafios da gestão da água. É de motivação dos autores e colaboradores deste trabalho que o mesmo possa atingir seus objetivos ao sistematizar a experiência vivenciada pelas famílias, contribuindo no processo de gestão dos recursos em questão e no todo da vida do assentamento. CONTEXTO O assentamento Filhos de Sepé foi criado em dezembro de 1998, está localizado no Distrito de Águas Claras, município de Viamão, a 11 km a leste da sede do município e a 30 km da capital do estado, Porto Alegre. Com área de 6.935ha, 376 famílias, o assentamento é organizado em quatro setores, cada um com uma agrovila. O assentamento está inserido na Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, que por sua vez, é composta por 21 sub-bacias. O Rio Gravataí é considerado o mais sensível da região, e a bacia hidrográfica uma das mais degradadas do Estado. Os principais usos da água são o abastecimento público, a diluição de esgotos domésticos e efluentes industriais, além da irrigação de lavouras de arroz. A Área de Preservação Ambiental do Banhado Grande, criada em outubro de 1998, envolve áreas dos municípios de Glorinha, Gravataí, Santo Antônio da Patrulha e Viamão. É composta por 133.000ha e nela insere-se o conjunto de banhados formadores do Rio Gravataí e o Assentamento Filhos de Sepé, em sua totalidade. Uma área de 2.543,46ha, inicialmente destinada para o assentamento, foi cedida pelo INCRA à SEMA, com a finalidade da criação, que se deu em 24 de abril de 2002, da Unidade de Conservação “Banhado dos Pachecos”. Caracterizada como uma Unidade de Proteção Integral na categoria de Refúgio de Vida Silvestre. Constitui-se ali uma das mais importantes nascentes do Rio Gravataí, e o banhado com função de regulador do ciclo das águas. Segundo a SEMA (2009), é o único local do Estado onde encontra-se diversas espécies da vida silvestre. Juntamente com a demarcação desta unidade foi definido um Corredor Ecológico que possibilita ligação do Banhado dos Pachecos com o Rio Gravataí, conferindo diversas exigências ambientais. O potencial hídrico do assentamento conta com dois reservatórios artificiais, a Barragem das Águas Claras e o Açude do Saibro, com o Banhado dos Pachecos, a Nascente Águas Claras, o Arroio Canita, o Arroio Vigário, o Arroio Alexandrina, e ainda o Aquífero Guaraní. A água disponível para irrigação no assentamento, atualmente é utilizada,


praticamente, em sua totalidade, por inundação, no cultivo de arroz. Este uso é gerido por um sistema compartilhado de gestão comunitária (Associação/Distrito de Irrigação) e pública. Uma pequena quantidade, principalmente em períodos de estiagem, é destinada para a dessedentação dos animais. A água utilizada para uso humano é proveniente de poços artesianos e distribuída por sistema de rede hidráulica para todas as casas. Este processo é gestado por quatro associações comunitárias. O uso das águas para a irrigação do arroz e consumo humano é outorgado e licenciado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler – FEPAM, já que este serviço não é municipalizado. A solicitação da Licença de Instalação e Operação do assentamento, de responsabilidade do INCRA, está em andamento. Todas as atividades agrícolas desenvolvidas no assentamento são de base agroecológica, o que qualifica as condições ambientais. Todo o cultivo de arroz e parte da produção de frutas e hortaliças são certificados como produção orgânica. Este cenário é fruto de um conjunto de ações de diversos atores envolvidos no desencadeamento da Reforma Agrária, desenvolvidas desde o início da cogitação da criação deste assentamento. Dessa forma, o eixo de sistematização foi definido como “O uso da água como bem comum, na produção de arroz orgânico”, devido à importância desse tema na principal atividade produtiva do assentamento. Nesse sentido, foram criadas perguntas geradoras para serem trabalhadas na metodologia da Linha do Tempo, sendo elas: 1) Como se deu a organização entre os envolvidos (internos e externos ao assentamento) para o uso da água em cada fase, já que se trata obrigatoriamente de uma atividade comum? 2) Existiam conflitos a partir do uso da água (internos ou externos ao assentamento)? Como eram solucionados? 3) Quais as consequências deste modo de uso da água para o assentamento e entorno? EXPERIÊNCIA DA GESTÃO DA ÁGUA PARA IRRIGAÇÃO DO ARROZ ORGÂNICO A atividade aqui sistematizada – gestão comunitária de recursos hídricos na produção agroecológica de arroz no assentamento Filhos de Sepé – está descrita através das sucessivas safras de cultivo de arroz no assentamento, agrupadas em triênios, constituem cinco fases. Nestas fases estão descritos os principais fatos transcorridos, os avanços obtidos e os desafios futuros. Fase I - Safras 1998/99, 1999/00 e 2000/01 Na safra inicial deste período (2000//01) a área de arroz cultivada no assentamento foi pequena, chegando a 600 ha. O cultivo foi em sistema convencional, grande parte sem o uso de agrotóxicos, e contou com a colaboração da Cooperativa do Assentamento de Charqueadas


– COOPAC e da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre – COOTAP, as quais tinham experiência e maquinários para o cultivo de arroz e objetivavam consolidar as famílias ali assentadas na atividade, já que poucas delas tinham conhecimento em produção de arroz irrigado. Neste período as próprias famílias assentadas constituíram a “Comissão da Barragem”, com a responsabilidade de realizar manutenção no sistema de irrigação e drenagem e fazer a distribuição das águas nas lavouras. Foi uma primeira tentativa de “gerenciar” o uso da água. Esta comissão teve dificuldades de atuar, já que praticamente não havia estruturas para o trabalho, tinha pouca arrecadação de recursos para desenvolver a atividade e baixa aceitação por parte dos assentados envolvidos no cultivo do arroz naquele momento. Assim, cada plantador ou grupo de plantadores fez uso da água de acordo com a sua vontade. Esta forma de uso não causou grandes conflitos pelo fato de ter disponibilidade de água em volume bem superior ao demandado para irrigar as lavouras e as mesmas estarem geograficamente localizadas em locais onde o controle da origem da água era individualizado. Esta região do estado do Rio Grande do Sul sofria, nesta época, uma pressão de produtores de arroz do estado de Santa Catarina que estavam em busca de espaço para expandirem seus cultivos. Os produtores catarinenses traziam consigo a tecnologia do sistema de cultivo pré-germinado, o qual já estava implantado praticamente em todo território produtor de arroz de Santa Catarina. Os “Catarinas”, como são chamados até hoje pelas famílias assentadas, chegavam a pagar 40% da produção pelo arrendamento da terra e da água. Com esta pressão externa, somada às deficiências internas do assentamento, especialmente aquelas concernentes à necessidade de renda, falta de habilidade no cultivo de arroz, existência de conflitos no uso dos recursos produtivos, falta de demarcação dos lotes das famílias e oferta de trabalho da região metropolitana, surgiram as “parcerias” no cultivo de arroz entre as famílias assentadas e plantadores1, assentados ou não. A participação da família, responsável pelo lote, no processo produtivo e comercial do arroz, a partir da “parceria”, se dava em diferentes intensidades e de várias maneiras. Na maioria dos casos, as famílias beneficiárias dos lotes não participavam, os plantadores dominavam todo o processo produtivo e comercial, fazendo com que a parte da produção que competia à família fosse repassada por pagamento em porcentagem ou valor fixo por hectare, o que caracterizava uma condição de arrendamento. Contudo, alguns avanços puderam ser percebidos nesse período, como a iniciativa de organizar o uso da água, discussões em definir a forma de uso da área de várzea – diferentes cultivos em diferentes áreas, geração de renda para as famílias com a produção realizada,

Consideram-se plantadores aqueles indivíduos que efetivamente realizam o cultivo das lavouras, detêm o poder de decisão sobre o processo produtivo e, apesar de tudo, nem sempre são os beneficiários e responsáveis diretos do lote.

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além de compreender o processo de uso da água em conjunto com o desafio de ocupar o território produtivo. Fase II - Safras 2001/02, 2002/03 e 2003/04 Na safra de 2001/02 a área plantada foi estimada em 1500 ha, 20% no sistema prégerminado, por influência dos “Catarinas”, e o restante no sistema convencional. Na safra 2002/03 a área plantada foi de aproximadamente 1200 ha, 40% no sistema pré-germinado, 30% no sistema convencional e 30% no sistema de cultivo mínimo. Na safra seguinte a área cultivada foi de 2259 ha, ultrapassando o limite estabelecido pelo INCRA e pela SEMA, que era de 3,5 ha por família assentada, enquanto não houvesse a demarcação dos lotes individuais. Este período se configurou como o de maior degradação dos recursos naturais e maior intensidade de conflitos, tanto internos como externos ao assentamento. Havia alto índice de arrendamento e as cooperativas que apoiavam a produção das famílias assentadas se retiraram do assentamento. Prevaleceu nesses anos o uso da água, do solo, e das estruturas de irrigação e drenagem, com caráter irracional. As disputas internas por áreas com melhores condições de irrigação e água no momento da irrigação eram as mais intensas. Já os conflitos externos se intensificaram em função do arrendamento, excesso de área cultivada, estiagem e liberação de água turva para o Rio Gravataí. É importante registrar que a partir desta safra surgiram iniciativas de cultivos de arroz baseados na agroecologia, nas quais foram experimentados o sistema de rizipiscicultura e a produção de arroz associada com marreco-de-pequim. Em 24 de abril de 2002 foi constituída a Unidade de Conservação Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos, que passou a ter um posto administrativo sob a responsabilidade da SEMA. Em diagnóstico realizado para elaboração do Plano de Consolidação de Assentamento – PCA do Programa de Consolidação e Emancipação de Assentamentos Resultantes da Reforma Agrária – PAC, elaborado em 2004, as problemáticas relacionadas diretamente com as questões hídricas consistiram nos conflitos pelo uso da água, o uso de agrotóxicos, deficiência na gestão da água e necessidade de manutenção no sistema de irrigação e drenagem, principalmente canais, drenos e as estruturas da barragem. Os projetos básicos do PCA/PAC do assentamento foram elaborados em 2005, com ações projetadas nas áreas de várzea com o objetivo de recuperar e adequar o sistema de irrigação e drenagem, para que o mesmo atendesse a demanda dos usuários e garantisse o acesso equânime da água. Para alcançar os objetivos, o projeto previa a importância do envolvimento institucional com a participação do organizações relevantes como a COPTEC, INCRA, Coordenação do


Assentamento, Prefeitura Municipal de Viamão, SEMA, IPH/UFRGS e a equipe de assistência técnica contratada pelo PCA/PAC. Este conjunto de organizações poderia orientar e apoiar a adequação sócio-técnica do projeto de irrigação e drenagem. Perdas no âmbito do custo da produção, baixa produtividade e dificuldades na colheita por falta de equipamento marcaram esse período, além da monopolização das áreas de cultivo pelos “Catarinas”, inviabilizando o plantio para muitas famílias. Fase III - Safras 2004/05, 2005/06 e 2006/07 Em outubro de 2004 foi realizada uma segunda tentativa de constituir um grupo para gerenciar a distribuição da água e manutenção do sistema de irrigação e drenagem, desta vez em formato de associação. Entretanto, a associação não obteve a devida importância por parte dos plantadores, principalmente aqueles que se beneficiavam da situação conflituosa e que não possuíam conhecimento técnico e experiência em gerenciamento de sistema de irrigação e drenagem. Com deficiência financeira para desenvolver as atividades, a associação se desconstituiu antes mesmo de ser legalizada. O Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, concordando com um Procedimento Administrativo que investigava irregularidades no assentamento Filhos de Sepé, e com o Inquérito Civil que estava em trâmite na Promotoria Especializada da Comarca de Viamão, instituiu ao INCRA e ao Município de Viamão um Termo de Ajuste de Conduta, objetivando promover medidas que visavam a eliminação de danos ambientais na UC Refugio de Vida Silvestre “Banhado dos Pachecos”, causados por falta de fiscalização no local, utilização de fogo e de agrotóxicos, arrendamentos de terra e água, excesso de área cultivada e vendas de lotes. A partir da assinatura deste Termo, o INCRA ficou obrigado a apresentar até final de março de 2005 um estudo técnico de capacidade de irrigação da Barragem das Águas Claras indicando a área possível para a plantação sem prejuízos para o ecossistema; um dimensionamento, num prazo máximo de 90 dias, de corredores ecológicos; a realização, até 31 de dezembro de 2004, da demarcação dos lotes e bolsões; a apresentação da proposta de viabilidade técnica de plantio de 1700 ha de arroz para safra 2004/05, bem como fiscalizar o limite de área plantada; a implementação do trabalho de um servidor público para, no mínimo três dias por semana, fiscalizar as irregularidades e orientar as famílias sobre o uso sustentável dos recursos hídricos e das técnicas agrícolas permitidas no local (esta obrigação persistiria até o momento da contratação da equipe de três técnicos pelo projeto do PAC, que estava em fase de elaboração); e, por fim, o encaminhamento para o MPF da cópia de todos os processos administrativos que comprovariam arrendamento de lotes.


Ao município de Viamão coube a obrigação de disponibilizar, pelo tempo que necessário fosse, um topógrafo para contribuir nas demarcações dos lotes e bolsões (organização pela localização geográfica dos lotes). Dentre as exigências realizadas pelo Ministério Público ao INCRA estava um estudo de capacidade de suporte de irrigação da Barragem das Águas Claras sem que houvesse prejuízos para o ecossistema. Este estudo foi realizado, através de Convênio de Cooperação Técnica celebrado entre o INCRA e Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – FAURGS e pelo Instituto de Pesquisas Hidráulica – IPH/UFRGS. Além da avaliação hidrológica da área também foi objetivo do convênio o estabelecimento de um plano de manejo da água para irrigação do assentamento. O estudo indicou a falta de capacidade do sistema de irrigação em atender a totalidade da área, que levou à proposta do estabelecimento de regras operacionais para ordenar e racionalizar o uso da água. Foi ainda considerada, na determinação das regras, a falta de estudos específicos sobre o assunto e a falta de conhecimento, por parte das famílias assentadas, sobre a disponibilidade, demanda e manejo da água de irrigação, principalmente para cultura do arroz. A partir deste estudo foi determinada, pela SEMA, a cota 11 como limite ambiental para uso da água da Barragem das Águas Claras. Ficou definido que as áreas a serem cultivadas com arroz deveriam estar abaixo da cota 10, para que possibilitasse a irrigação por gravidade somente com águas da Barragem e da Nascente Águas Clara. Assim sendo, foi demarcado um perímetro de irrigação com 3400 ha, ficando assim delimitada a área de plantio. A área máxima permitida para ser cultivada anualmente foi de 1600 ha. O estudo serviu de subsídio para a obtenção da outorga de direito do uso da água e da licença ambiental junto aos órgãos competentes. A proposta de modelo de gestão para o assentamento foi de um Distrito de Irrigação, que vem a ser uma associação civil de direito privado sem fins lucrativos, constituída pelas famílias irrigantes do assentamento, tendo por função principal, mediante delegação do INCRA, a administração, a operação e a manutenção da infraestrutura de irrigação de uso comum da água, além de ratear as despesas destas atividades. A participação das famílias nesta associação é compulsória desde que se receba a água fornecida pelo Distrito de Irrigação, que se constitui através de uma estrutura organizativa que se ilustra a seguir:


As instâncias de um Distrito de Irrigação consistem em uma Assembleia Geral, representada por todos os irrigantes, tendo função deliberativa; Conselho Fiscal, formado por irrigantes eleitos na Assembleia Geral para exercer a função deliberativa de zelar pela gestão econômica e financeira da organização; Conselho Administrativo, formado por irrigantes eleitos na Assembleia Geral para exercer a função deliberativa de estabelecer a política de atuação, diretrizes gerais e normas da organização que serão implementadas pela Gerência Executiva; Gerência Executiva, que executa atividades de administração, operação, manutenção e outras assumidas conforme as políticas, diretrizes e normas estabelecidas na organização. O INCRA divulgou, no mês de maio de 2005, um edital que determinou a proibição do uso da água na produção de arroz até o momento de criação de uma associação que tivesse condições de receber do INCRA a concessão para gerir os recursos hídricos do assentamento. Para atender a esta exigência foi efetivada a criação do Distrito de Irrigação com a ação de agentes contratados através de Convênio com órgão público. No dia 10 do mesmo mês foi realizada uma assembleia do assentamento onde ocorreu a fundação da Associação de Moradores do Assentamento Filhos de Sepé – AAFISE, e foram legitimados representes dos setores (A, B, C, e D) do assentamento para compor grupos de produção. Foram escolhidos representantes para os grupos de animais, grãos, mel, peixe e reflorestamento, infraestrutura e de auto sustento. Estes grupos de produção constituíram um fórum que ficou conhecido como o “Grupo de 35”. Esta associação foi criada principalmente para proceder a execução dos projetos do PCA/PAC. Na safra 2005/06, as 376 famílias do assentamento tinham ainda a possibilidade de cultivar arroz. Para isso, deveriam apresentar projetos de lavoura coletivos ou individuais, os quais constituíram a base para o Plano de Lavoura daquela safra. Este processo foi realizado


de 01 a 15 de agosto com apoio da equipe técnica da COPTEC, já que o Convênio de contratação da equipe para gestão dos recursos hídricos só foi assinado em dezembro. A partir de discussões entre o “Grupo dos 35”, a AAFISE, o INCRA, IPH, COPTEC e técnicos voluntários, diversos critérios foram construídos para a viabilização desta safra. Diante dos critérios já definidos que previam a possibilidade de plantio somente dentro do perímetro de irrigação e limite máximo de plantio de 1600 ha, foi estabelecida a cota de direito de uso da água de 4,25 ha por família assentada. Além de outras regras para plantio, entre elas a regularidade junto a Relação de Beneficiários – RB do INCRA; haver possibilidade de irrigação da área; assinatura de concordância na participação do projeto; assinatura do Termo de Compromisso entre o INCRA e o beneficiário irrigante, que estabeleceria fluxo de gestão da equipe técnica de irrigação; os direitos e deveres dos irrigantes; a contribuição de 5 sacos de arroz em casca para fazer frente às despesas de administração, operação, conservação e manutenção dos recursos hídricos e das estruturas de irrigação. Para o projeto ser executado, necessariamente deveria ser aprovado por uma comissão de julgamento composta por representantes do INCRA um técnico do Convênio INCRA FAURGS/CECO, um técnico da COPTEC, e um representante da chefia da UC “Banhado dos Pachecos”/SEMA/DEFAP. O julgamento dos projetos se deu em duas etapas, que foram aprovados 70 projetos, os quais envolviam 359 famílias e somavam uma área de 1531 ha. Com a intenção de incluir o máximo de famílias, foram inseridos mais 3 projetos sob aprovação do “Grupo dos 35” e da AAFISE, resultando em um total de 73 projetos aprovados envolvendo 362 famílias e totalizando 1555 ha disponibilizados para plantação daquela safra. Através do Convênio INCRA/FAURGS/CECOL, foram contratados um técnico com o papel de consultor da equipe gestora do Perímetro de Irrigação Água Claras, um hidrotécnico, um técnico agrícola e um canaleiro. Os processos operacionais da gestão da água a partir da safra 2006/07 aconteceram de forma semelhante aos da safra anterior, com o diferencial na origem do recurso financeiro para custear a gestão que passou a ser obtido a partir da cobrança de taxa de irrigação dos plantadores. Esta atitude representou evolução na compreensão da necessidade de gestão da água por parte dos plantadores. A partir deste ano, o custeio da equipe técnica e gastos administrativos foram realizados com recursos obtidos a partir da cobrança de uma taxa no valor de cinco sacas de arroz por hectare irrigado. A partir de 2006, o Distrito de Irrigação passou a ser órgão auxiliar da diretoria da AAFISE. O Conselho de Irrigantes foi constituído como órgão colegiado do Distrito de Irrigação, com a responsabilidade de administrar o Perímetro de Irrigação. Contou com o apoio de equipe técnica contratada para operacionalizar as ações de gestão dos recursos hídricos no Distrito de Irrigação e a AAFISE passou a ser concessionária do INCRA para realizar a gestão da água no Assentamento.


Dentre as deficiências apontadas nesse período estão a pouca renda familiar; o mecanismo de cobrança da taxa de água precário e mau uso do recurso arrecadado; a resistência pelos usuários – organização e taxa de água; o conselho não representativo; a disputa por território de irrigação mais eficiente e turbidez rio Gravataí. Todavia, os avanços do período consistiram nos estudos técnicos que possibilitaram a elaboração de critérios mais consistentes; a qualificação das atividades de irrigação (técnicos canaleiros); a organização se qualificou, além de mais estruturas para equipe executiva (carro e recurso financeiro). Fase IV – Safra 2007/08, 2008/09 e 2009/10 Disputas políticas internas, no que se refere ao modelo de produção, se intensificaram nesse período. Além disso, um fato que trouxe mudanças consideráveis foi a conclusão da divisão dos lotes da área de várzea do assentamento em 2007. A partir daí, somente 256 famílias tiveram seus lotes de produção delimitados dentro do perímetro de irrigação, possibilitando o cultivo do arroz irrigado, e passaram a constituir o Distrito de Irrigação, chamado agora Distrito de Irrigação Águas Claras. Foi divulgado em julho de 2008, o resultado final da análise dos projetos de lavoura irrigada para safra 2008/09 realizada pela Coordenação de Irrigação composta por representantes do INCRA, do DEFAP/SEMA, da assistência técnica do assentamento e representantes dos irrigantes do assentamento. Também foi autorização, a partir daquele momento, do trabalho de máquinas agrícolas no perímetro de irrigação para as famílias que tivessem projetos aprovados. Em agosto de 2008, em Assembleia Extraordinária da AAFISE, foi eleita a nova chapa do Conselho do Distrito de Irrigação Águas Claras para o exercício durante a safra 2008/09. A chapa era composta por três representantes dos três setores com lotes no perímetro de irrigação (setor A, setor C e setor D). E no início do mês de setembro, foi contratada a equipe técnica responsável pela execução das atividades de gestão deliberadas pela assembleia dos irrigantes e pelo Conselho do Distrito de Irrigação, composta por um engº agrônomo, um técnico agrícola e dois auxiliares canaleiros. O processo de gestão de recursos hídricos dessa safra conseguiu cumprir com suas principais tarefas, além disso, a alta intensidade de chuvas nos meses de maior necessidade de água para irrigação, as obras de limpeza e desassoreamento de canais e da aceitação, ainda que debilitada, da gestão da água por parte dos irrigantes, fez com que os conflitos em função da irrigação tenham sido bem menores comparados aos anos anteriores. Contudo, irregularidades foram identificadas no processo de produção do arroz e, em março houve uma ação judicial que resultou em apreensão de parte dessa produção, por uma


medida cautelar requerida pelo INCRA. Em 142 dos 186 lotes plantados foram identificadas irregularidades, somando uma área de 1240 ha, que tiveram toda a sua produção apreendida pela Justiça Federal. E das 44 famílias que estavam em situação regular, 41 apresentam seus lotes em processo de certificação orgânica, com 410,5 ha de área cultivada e as outras três famílias já possuíam o selo de certificação para seus lotes. Nesta safra foram cultivados 31,5 ha de arroz orgânico certificado pelo Instituto do Mercado Orgânico – IMO. As irregularidades foram referentes ao descumprimento dos acordos fixados entre o INCRA e as famílias assentadas em relação aos critérios para cultivo de arroz irrigado. Dentre as infrações foram identificados o excesso de área plantada, plantio sem projeto, uso de agrotóxicos, arrendamento e não encaminhamento de certificação de produção orgânica. Estes critérios vieram sendo discutidos e constituídos no decorrer dos anos desde a criação do assentamento, entre o INCRA, famílias assentadas e outros órgãos envolvidos (SEMA, FEPAM, Comitê de Bacias, Prefeituras, CORSAN). Já na safra 2009/10 foram aprovados 82 projetos que somaram uma área de 863 ha, e resultaram em 774 ha efetivamente cultivados, 100% com manejo agroecológico. Esta redução de área em relação àquela da safra anterior se deu pelas consequências da ação judicial. Por deficiência na arrecadação de recursos, a equipe contratada para a gestão dos recursos hídricos foi reduzida para um engº agrônomo e um canaleiro. A atuação do Conselho de Irrigação foi bastante precária no período desta safra, mas mesmo nestas condições, as funções de distribuição de água para os cultivos foram realizadas, e as estruturas de irrigação e drenagem foram bem mais preservadas que em anos anteriores. A composição do conselho de irrigantes através de produtores, a baixa intensidade de atividades da equipe executiva no campo, a abertura de território para famílias assentadas, a boa produção e o apoio do Grupo Gestor – Cootap, estiveram entre os avanços desse período. Contudo, desafios foram colocados no sentido de qualificar o uso do recurso arrecadado, intensificar a participação e representatividade no conselho, a necessidade de viabilidade econômica, a fragilidade no mecanismo de cobrança e superar o desgaste da ação judicial (social político e financeiro). Fase V – Safras 2010/11, 2011/12 e 2012/13 Para a safra atual 2010/11, foram aprovados 116 projetos, totalizando uma área de 1205,29 ha a serem cultivados resultando em uma média de 10,39 ha por família. Houve a contratação de um Eng.º Agrônomo no período de abril a setembro de 2010 para fazer a elaboração do edital de safra, além de um diagnóstico geral das estruturas de irrigação e drenagem, os projetos de lavoura e o plano anual de gestão.


O quadro abaixo expõe questões práticas da gestão dos recursos hídricos no assentamento, apresentando as principais ferramentas utilizadas atualmente pelo distrito de irrigação: Dados técnicos

Conjunto dos dados técnicos obtidos em estudos sobre o sistema de irrigação e drenagem, e novos dados constantemente levantados. Estrutura organizativa, Além da estrutura organizativa e pessoal do distrito de irrigação, pessoal e física faz-se uso de um carro, duas motos, um computador, projetor de imagem, internet, impressora, aparelho de nível e GPS. Tecnologia Softwares de computador para construir diversos tipos de mapas associados a imagens de satélite de alta resolução da área do assentamento. Reuniões do conselho Este fórum tem por função discutir, propor, elaborar, administrar e administrativo encaminhar as questões relacionadas à gestão dos recursos hídricos do Perímetro de Irrigação. Reuniões com os grupos São espaços em que se discute diretamente com os camponeses de produção irrigantes sobre as questões da gestão dos recursos hídricos. Estatuto e regimento São os documentos que regem o funcionamento da AAFISE do Distrito de Irrigação. Edital de safra Determina os critérios políticos, técnicos, e financeiros referentes a cada safra. É elaborado pelo distrito de irrigação em conjunto com o INCRA. Projetos de lavoura São constituídos através da elaboração de propostas técnica de cultivo, da análise de campo das condições de irrigação e drenagem, dos contratos de fornecimento de irrigação e drenagem, do croqui do arranjo das lavouras, e da avaliação das propostas de cultivo elaboradas. Plano anual de gestão É o documento que orienta todo o processo de gestão a cada safra. Taxa de uso da água Cobrança da taxa aos usuários da água para financiar os custos da gestão. Outorga e Licença Procedimentos que legalizam o uso da água. Relatório de gestão Documento que descreve todo procedimento de gestão realizado em cada safra.

Vale descrever ainda os objetivos do Regimento Interno do Distrito de Irrigação: a) O uso de água para agricultura irrigada, em quantidades adequadas e épocas oportunas, devendo ser distribuída em igualdade de condições a todos os usuários, segundo as necessidades, observando-se as espécies cultivadas, o clima, a natureza do solo, e demais características da região irrigada (Regimento Interno do Distrito de Irrigação, 2007). b) A utilização plena e adequada dos solos no que se refere à sua produtividade, conservação, preservação do meio ambiente e desempenho de sua função social, capaz de promover o bem-estar dos irrigantes e de todos aqueles que se encontrem, direta ou


indiretamente, sob a influência socioeconômica do Perímetro de Irrigação (Regimento Interno do Distrito de Irrigação, 2007). As principais ações geradas no processo de gestão promovidas pela necessidade de uso dos recursos hídricos e pelas determinações do modelo nacional de gestão de recurso hídricos em implantação, estão representadas pelas setas no organograma da figura 06, que não se trata de uma representação do Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos por completo, mas dos principais envolvidos atualmente, neste caso específico. Todas as setas têm via dupla, para dar o sentido de interação entre as partes, embora as intensidades de interferência de uma para outra sejam diferentes.

Os avanços verificados nessa frase centram-se na baixa intensidade de conflitos internos, aumento da biodiversidade, boa apresentação do assentamento para entidades e sociedade civil, fortalecimento da produção e consequentemente da comunidade, condições mais concretas para avançar, mecanismo de cobrança, participação dos plantadores no conselho (representatividade dos grupos de produção), tratar problemas do processo nos fóruns organizados, estrutura própria (maquinaria, equipamento, galpão), qualificação das atividades da equipe executiva, fortalecimento e qualificação das ferramentas de gestão, valorização do processo como um todo, redução dos conflitos externos, participação no comitê Gravataí.


POTENCIALIDADES A Gestão Comunitária dos Recursos Hídricos é uma ferramenta de fortalecimento dos Assentamentos e da Reforma Agrária. Atualmente o Assentamento Filhos de Sepé é uma referência no que diz respeito ao uso comum da água e na organização da produção, podendo irradiar outras no seu contexto. O uso racional e comunitário da água possibilita e fortalece a Agroecologia, enquanto a sua viabilização e princípios inerentes à mesma. Fazer Agroecologia no Assentamento passa por fazer bom uso dos recursos naturais, proporcionando a participação das famílias. DESAFIOS Os desafios enquanto à gestão da água no Assentamento passam pela superação dos limites descritos no decorrer do texto e projetar-se, à longo prazo, como ferramenta de fortalecimento dos Assentamentos de Reforma Agrária. Para isso, se propõe ir além da mediação de conflitos e distribuição equilibrada e eficiente da água. Realizar a Gestão Ambiental – Agroecologia dos recursos. Incentivar a participação das famílias – ação cooperada e integrada – práxis. Estabelecer Relações Institucionais no âmbito da conquista de apoio, recursos, estruturas, etc. Além dos pontos citados suprimir a necessidade de recursos – humano, físico e financeiro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIEL, R., Panorama da Gestão da Água a Partir do Cultivo de Arroz Irrigado no Assentamento Filhos de Sepé, Viamão/RS. Monografia (Especialização em Agroecologia) – Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. 64p. _____, Gerenciamento de recursos hídricos: um estudo de caso no assentamento Filhos de Sepé, Viamão (RS). Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas) - Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Florianópolis: 2011. 84 p. ECKERT, C., Orientações para elaboração de sistematização de experiências. 2° ed., Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR, 2013. 35 p. INFINDHA, Instituto de Formação Desenvolvimento Humano e Ambiental, Plano de Consolidação do Projeto de Assentamento de Viamão Parte I – Aspectos Metodológicos e Diagnóstico. Dezembro de 2004. (cópia xerográfica) INSTITUTO DE PESQUISAS HIDRÁULICAS - IPH. Universidade Federal Do Estado Do Rio Grande Do Sul - UFRGS. Levantamento Semidetalhado dos Solos do Assentamento Filhos de Sepé Tiaraju - Viamão /RS. Porto Alegre: 2008. (cópia xerográfica) _____. Universidade Federal Do Estado Do Rio Grande Do Sul - UFRGS. Relatório de Gerenciamento do Perímetro Irrigação Águas Claras na safra 2005/2006, Convênio de Cooperação Técnica RS/3480/2005, 2006.


MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Termo de Ajuste de Conduta, 2004. (cópia xerográfica) SECRETARIA ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO SUL – SEMA/RS. Disponível em: www.sema.rs.gov.br. Acessado em 01/02/2009. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação, São Paulo: Cortez Editora, 1986. VIEIRA, P. F.; BERKES, F.; SEIXAS, C. S. Gestão integrada e participativa de recursos naturais: conceitos, métodos e experiências. Florianópolis: Secco/APED, 2005.


Viabilidade econômica do processo de produção de arroz orgânico, do produtor Ivandro Pacheco do grupo resistência Camponesa.

Autores: Tatiane Pereira do Nascimento Jovan Itamar de Lima

São Gabriel - RS, agosto de 2013


INTRODUÇÃO A busca por uma melhor condição de vida leva o ser humano buscar alternativas para que venha possibilitar o aumento na qualidade de vida das pessoas e comunidades, na agricultura não poderia ser diferente, os sistemas convencionais de agricultura que vem sendo desenvolvido nos moldes empresariais, onde há necessidade de grandes áreas com um alto custo econômico com compras de insumos externos, social com a exclusão dos pequenos agricultores e ambiental com o uso desenfreado de recursos naturais não renováveis, levam anualmente muitos produtores a falência. Isso fez com que fossem implantadas formas de agriculturas que fugissem dos pacotes tecnológicos implantados na Revolução Verde. Nesse contexto surge como alternativa viável uma nova forma de agricultura mais sustentáveis menos agressivas ao meio ambiente, capaz de proteger os recursos naturais que sejam duráveis no tempo e que façam com que os agricultores tenham uma visão holística e sistêmica, ou seja, uma visão sem a fragmentação da propriedade que tenha conexão com as outras atividades desenvolvidas na propriedade e com o cotidiano dos agricultores do meio em que vivem. Nos assentamentos onde o tamanho das áreas e a falta de recursos econômicos, impossibilita os assentados inserir-se no modelo agroquímico. A agroecologia veio tomando força principalmente nas áreas de cultivo de arroz. O arroz Oryza Sativa é uma espécie anual da família das poáceas, classificada no grupo de plantas com sistema fotossintético C3, e adaptada ao ambiente aquático. Esta adaptação é devida a presença de aerênquima no colmo e nas raízes da planta, que possibilita a passagem do oxigênio do ar para a camada da rizosfera, além disso, é um dos alimentos mais importantes para a nutrição humana é o segundo alimento mais consumido no planeta. (citação) Em Santa Margarida do sul no ano de 2008, no assentamento Novo Horizonte II, onde um pequeno grupo de 8 (oito) produtores motivados pelas experiências de cultivo do arroz orgânico na região de porto alegre decidem, dar o primeiro passo na construção de uma agricultura diferente, surge com o produtor Ivandro Pacheco (Pacheco) uma experiência de 1,5 ha de arroz orgânico, com resultados positivos essa experiência se expande pelo assentamento e município vizinhos.


Neste sentido vamos levar aos leitores uma análise econômica entre a propriedade do assentado Pacheco com produção de arroz orgânico e outro produtor da região que produz convencional, onde pretendemos mostrar que além do respeito ao meio ambiente e ao ser humano é possível viabilizar-se no lote produzindo arroz orgânico. A sistematização da experiência foi feita através de entrevistas pré estruturada com o grupo Resistência Camponesa, fotografias, visitas as lavouras no período de agosto a novembro de 2013.

CONCEITOS Agroecologia Uma definição mais ampla é proporcionada por Sevilla Guzmán e González de Molina (1996), para quem a Agroecologia corresponde a um campo de estudos que pretende o manejo ecológico dos recursos naturais, para – através de uma ação social coletiva de caráter participativo, de um enfoque holístico e de uma estratégia sistêmica – reconduzir o curso alterado da coevolução social e ecológica, mediante um controle das forças produtivas que estanque, seletivamente, as formas degradantes e expoliadoras da natureza e da sociedade. Orgânico Na agricultura orgânica não é permitido o uso de substâncias que coloquem em risco a saúde humana e o meio ambiente. Não são utilizados fertilizantes sintéticos solúveis, agrotóxicos e transgênicos. O Brasil, em função de possuir diferentes tipos de solo e clima, uma biodiversidade incrível aliada a uma grande diversidade cultural, é sem dúvida um dos países com maior potencial para o crescimento da produção orgânica. Para ser considerado orgânico, o produto tem que ser produzido em um ambiente de produção orgânica, onde se utiliza como base do processo produtivo os princípios agroecológicos que contemplam o uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, respeitando as relações sociais e culturais.(MAPA)


O contexto local: os assentamentos do município de Santa Margarida do sul Esse processo de sistematização foi desenvolvido no município de Santa Margarida do sul, na região da fronteira oeste do estado do rio grande do sul, nos meses de abril a agosto de 2013. O município de Santa Margarida do Sul localiza-se na metade sul do Estado, na

região

da

campanha,

suas

coordenadas

geográficas

são

de

aproximadamente 30º 30’ 27’ latitude sul e 59º 19’ 01’ de longitude oeste. Limita-se ao norte e ao oeste com São Gabriel, a leste com Vila Nova do Sul e, ao

sul

com

São

Gabriel

e

Lavras

do

Sul.

O Município tem uma superfície territorial de 958 Km², distante 295 Km de Porto Alegre, capital do RS clima é do tipo subtropical úmido predominante em toda região do estado. As estações são bem definidas com precipitações anuais na média de 1500 mm e temperatura que podem chegar de -3 graus no inverno a 40º no verão. Aqui foi ultima grande leva de assentamentos no estado do rio Grande do sul onde se concentrou um numero de 760 famílias assentadas no município de são Gabriel e Santa margarida do Sul. ECONOMIA A economia do Município baseia-se principalmente na agropecuária. O setor primário de Santa Margarida do Sul possui várias alternativas, especialmente na agricultura. As principais culturas são: soja e o arroz, seguidos do trigo, cevada. A citricultura e a vitivinicultura estão apresentando considerável desenvolvimento no Município. A Bacia leiteira é uma característica do Município. Também a criação de suínos e javalis para abate e um complexo industrial que trata do beneficiamento de cereais. A produção nos assentamentos de Santa Margarida do Sul Este sistema de agricultura convencional vem a alguns tempos sendo contestado devido o seu grande custo, pois o seu alto grau de exigência em tecnologia exclui os pequenos produtores que não tem recursos econômicos e nem área para desenvolvê-la, sem falar do custo ambiental que esse sistema


gera agregando ao solo uma grande quantidade de agrotóxico (Veneno) que vem envenenando os rios e solos da região. Como já foi citado acima o arroz é um dos principais cultivos agrícola do município tendo aproximadamente uma área de 5000 mil há, no sistema de cultivo convencional. Hoje no estado do Rio Grande do Sul existem aproximadamente 15 mil ha de área de várzea em assentamento, os quais vieram ao longo do tempo reproduzindo o modelo convencional de produção, o qual os levou em um período muito curto de tempo ao desgaste considerado do solo. Aumentando cada vez mais a quantidade de insumos externos para poder manter uma produtividade razoável, aumento junto o custo de produção, isso se torna impossível em pequenas áreas, inviabilizando o processo. Pacheco “quando não se tem mais saída se procura o novo”. Isso leva o MST, um dos principais questionadores do sistema de cultivo convencional a pensar uma nova estratégia que possa viabilizar a permanência das famílias nos lotes e que mostre para a sociedade que a reforma agrária produz alimento com qualidade, respeitando o meio ambiente, mas que como primazia leve ao consumidor alimentos sem veneno. Surge na região da grande Porto Alegre, a necessidade de dar viabilidade para as áreas de várzea do assentamento que já estavam estagnados no modelo convencional, e economicamente impossibilitados de seguir investindo na lavoura e a grande gargalo era a redução de custo, e a forma encontrada foi a produção de arroz, de forma agroecologica, ao qual se deu inicio com uma pequena área de 1 ha no assentamento capela em Nova Santa Rita, a experiência foi positiva que rapidamente o sistema de produção de arroz agroecologico se expandiu pela grande região chegando mais tarde em outras rincões do estado RS. Com o processo consolidado na região de POA chegam em 2008 no município de Santa Margarida do Sul e São Gabriel uma das ultimas grande levas de assentamentos do estado, nos quais também existe uma área de várzea de


aproximadamente 2000 ha. Essas famílias no inicio do assentamento as que conheciam o cultivo do arroz seguiram na lógica do modelo convencional, mas já no primeiro ano o resultado foi desastroso. Com a frustração do modelo convencional abre-se então na região o debate que já estava consolidado na região de Porto Alegre do cultivo do arroz orgânico como alternativa de produção ao agronegócio. A sistematização da experiência do cultivo do arroz orgânico no produtor Ivandro Pacheco, do grupo resistência camponesa, num processo de inicialização do assentamento onde as famílias estavam dando os primeiros passos na construção de um novo projeto de vida, isso possibilitou a identificação dos membros do grupo com a proposta da agroecologia. TRAJETÓRIA DA EXPERIÊNCIA Desde o princípio do assentamento em 2008 os componentes do Grupo Resistência Camponesa que se conheciam das lutas e do acampamento já tinha a discussão de implantar sistemas agroecológico buscando elevar o nível de consciência dos companheiros dentro das linhas da reforma agrária, desenvolvendo um o sistema que viesse em contra ponto ao sistema capitalista, gerando assim sustentabilidade social, ambiental e econômica. Sempre tiveram consciência que o cultivo de monoculturas em pequenas áreas é inviável economicamente e ambientalmente. O grupo se organizou pela necessidade de produzir, afinidade, proximidade e confiança, fazendo assim a gestão coletiva das áreas de várzea. O grupo tem como coletivo, as estruturas e o modo de conduzir as lavouras, para o agricultor Ivandro Pacheco são importantes essa forma de organização para manter o nível de consciência do grupo. O agricultor pioneiro nesta experiência de arroz orgânico é o Ivandro Pacheco 32 anos filho mais novo de uma família de sete filhos, natural de Chapecó- Santa Catariana, seus pais possuíam dois hectares e meio de terra ficando inviável a permanência na terra tendo que sair para trabalhar. Desde que chegou ao assentamento o Pacheco já se imaginava exercendo essa nova


forma de agricultura que segundo GLIESSMAM, 2000 é aquela agricultura sustentável que reconhece a natureza sistêmica da produção de alimentos, forragens e fibras, equilibrando com equidade preocupações relacionadas à saúde ambiental, justiça social e viabilidade econômica, entre diferentes setores da população, incluindo distintos povos e diferentes gerações. Após articulações com a Cooperativa dos trabalhadores assentados da Região de Porto Alegre(Cootap) que já vinha desenvolvendo um trabalho no assentamento do município

de Viamão que serviu como referencia para o

grupo, se estreitou uma parceria onde a cooperativa entrava com o aporte tecnológico, financeiro já que o grupo não tinha condições de viabilizar o cultivo e tampouco identificação e experiência com o cultivo do arroz. A experiência com arroz orgânico começou com uma lavoura escola de 1,5ha de arroz da variedade cateto e tinha como assistente técnica (Cootap, coptec e Embrapa), entidades que deram suporte nos primeiros passos para consolidação do processo. A experiência foi fortalecida por estar em uma região com uma grande quantidade de várzea e água em abundancia. Desafios reflexões Existe a necessidade de uma articulação de mercado que permita o acesso desse produto ao consumidor, e isso seria possível viabilizando formas de processamento artesanais que possibilitem a oferta do produto em feiras e mercado local com custo acessível à classe trabalhadora. Pensando nisso o produtor vem desenvolvendo um engenho artesanal que condiz com sua produção e tamanho da área, já que nos engenhos convencionais o custo seria muito elevado. Outro desafio lembrado pelo agricultor é trabalhar com monocultura em pequenas áreas, devido a necessidade de maquinário, de mão de obra. Pacheco: “Lavoura de arroz sem cooperação não tem como dar certo”


A gestão coletiva das maquinas impacta positivamente na diminuição dos custos de produção. Mostrando que a cooperação é o meio mais fácil e rápido do pequeno agricultor criar independência no que se refere a maquinários e implementos. O anseio do agricultor é que o número de produtores envolvidos na agroecologia aumente e se expanda pra além das áreas de várzea, trazendo assim uma melhor qualidade de vida para todas as famílias do assentamento. O grupo tem uma discussão de que os recursos hídricos são coletivos e está puxando novas famílias para os debates para a organização do Assentamento. Há necessidade de especialização. Porque o arroz orgânico é um processo interativo, sempre tem que estar aprendendo. Mesmo que ainda não dominem 100% os processos, sentem-se mais maduros e seguros na tomada de decisão. Tem necessidade de pesquisa na área já que o IRGA não vem desenvolvendo pesquisas na linha do arroz orgânico. Em muitos casos onde se desenvolvem modelos de produção alternativos o próprio produtor passa a ser o pesquisador, ele vai acertando e errando com cada erro um novo aprendizado e um passo a mais na consolidação do sistema de produção. O grupo tem uma visão total do sistema de produção orgânica, mas tem encontrado dificuldades na discussão da gestão da área de coxilha porque ainda tem agricultores do grupo Resistência Camponesa que adotam sistemas convencionais e sementes transgênicas na área de coxilha devido isso a certificação será somente da várzea e não do lote inteiro.


Os Resultados econômicos alcançados. Uma das grandes questões é medir qual o resultado econômico que o cultivo do arroz orgânico traz e podermos comprar esse com o sistemas convencional de produção, neste sentido realizou-se uma analise econômica do lote do produtor Ivandro Pacheco produtor de arroz orgânico no Assentamento Novo Horizonte no município de Santa Margarida do Sul e Gilberto Pfaff, produtor de arroz convencional no Assentamento conquista a do Caiboaté São Gabriel. Como podemos apreciar na tabela1 os paramentos analisados pela Roup, nos diz que mesmo com uma área de produção relativamente maior que a de arroz orgânico o convencional no final do ano agrícola o resultado foi bem inferior, isso se da devido ao alto custo de produção do arroz convencional como podemos observar no gráfico 1. Mesmo com uma área inferior enquanto a renda agrícola do Arroz orgânico chegar a R$ 25.511,76 a do arroz convencional é de R$ 19.586,21 dando uma diferencia de 5.925,55 para o arroz orgânico. Isso reflete diretamente na renda individual por membro da família que no arroz orgânico como podemos ver na tabela 2 foi no ano passad’’’’o de R$ 981,22 a do convencional foi de 753,32 mês.

Tabela1 Item Força de trabalho Área plantada Produto bruto total Custeio total VAB total Depreciação VAL

Arroz Orgânico/Ivandro Arroz Pacheco Pfaff 2,00 6,70 34.952,10 5.026,36 29.925,74 1.278,75 24.244,89

convencional/Gilberto 2 9,5 46385,77 20484,03 25865,74 5030 19735,74


Imposto Renda agrícola Renda Total

644,00 25.511,76 25.511,76

916,52 18362,21 19586,21

5.216,73

4.882,71

750,20 4.466,53 6,95 190,86

2.156,21 2.722,71 2,26 529,47

981,22

706,24

981,22 2,00 6,70 34.952,10

753,32 2 9,5 46385,77

Tabela 2: Indicadores gerais Produto bruto total por área plantada PB/SAL Custo por há CI/SAL VAB/SAL PB/CI Dep/SAL Renda agrícola/UTH/mês Renda total/UTH/mês UTH SAL PB total


50000,00 45000,00 40000,00 35000,00 30000,00 25000,00 20000,00 15000,00 10000,00 5000,00 0,00

ARROZ ORG. ARROZ CONV.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As propriedades analisadas são parecidas na questão de áreas e gestão de maquinas causando assim um bom parâmetro. Após analisar as tabelas podemos dizer que a produção de arroz orgânico é viável economicamente principalmente se for produzido com uso coletivo das máquinas e com a diminuição de insumos externos. Ambientalmente é um sistema sustentável que oferece um aumento na qualidade de vida dos consumidores e dos produtores. Socialmente exerce um papel muito importante de inclusão social, de cooperação, além de criar espaços de discussão onde se eleva o nível de consciência politica, crítica e uma visão holística do meio em que vivem.


REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

CAPORAL, F.R; COSTABEBER, I.A. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável: perspectivas para uma nova Extensão Rural. Jan/mar. 2000. CAPORAL, F.R. Agroecologia: alguns conceitos e princípios. Brasília: MDA/SAF/ DATERIICA,2004 GLIESSMAN, S.R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora da Universidade-UFRGS,2000. FREIRE, P. Pedagogia da indignação. São Paulo: Editora Unesp, 2000. Reunião Técnica da cultura do arroz irrigado (29.: 2012:Gravatal, SC) Arroz irrigado: recomendações técnicas da pesquisa para o Sul do Brasil/sociedade SulBrasileira de Arroz Irrigado. Itajaí, SC: SAOBAI, 2012. SEVILLA GUZMÁN, E.; GONZÁLEZ DE MOLINA, M. (ed.). Ecología,campesinado e historia. Madrid: La Piqueta, 1993.


www.mda.gov.br/Agroecologia Resgatando a Agricultura org창nica a partir de um Modelo Industrial.


PAULO RICARDO DA SILVA GUERRA Engenheiro Agrônomo

MARTA RONCAI LOPES Técnica Social

ESTRATÉGIAS DE GESTÃO COLETIVA DA UNIDADE DE PRODUÇÃO

Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda. Av. 24 de maio, n°598, Sala 201, Centro – CEP 97574-350 Santana do Livramento/RS E-mail: copteclivramento@yahoo.com.br


Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda. Av. 24 de maio, n°598, Sala 201, Centro – CEP 97574-350 Santana do Livramento/RS E-mail: copteclivramento@yahoo.com.br

PAULO RICARDO DA SILVA GUERRA Engenheiro Agrônomo

MARTA RONCAI LOPES Técnica Social

ESTRATÉGIAS DE GESTÃO COLETIVA DA UNIDADE DE PRODUÇÃO

Sant’ Ana do Livramento/RS 2013


RESUMO Este relato de experiência foi desenvolvido a partir de uma demanda do programa ATES (Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária) a qual prevê nas metas estaduais de cada núcleo operacional a sistematização de uma experiência. Adotando a metodologia de Oscar Jara e capacitados em uma oficina estadual por Cordula Eckert os técnicos da COPTEC Marta e Paulo

O presente documento trata da sistematização da unidade de produção da família Leal do Assentamento Frutinhas em Sant’ Ana do Livramento. Foram destacadas as vantagens do trabalho cooperado na agricultura familiar, a diversificação da produção e a utilização de técnicas de manejo agroecológicas como estratégias de resistência na fronteira oeste, bem como

elevar

a

qualidade de vida da família, resgatando a autoestima e valorizando a vida do agricultor.

PALAVRAS-CHAVE:

trabalho

agroecológicas. Qualidade de vida.

cooperado.

Diversificação.

Técnicas


1 INTRODUÇÃO A experiência sistematizada é de Estratégias de Gestão Coletiva da Unidade de Produção e o foco da sistematização está centrado na forma de trabalho cooperado baseado em técnicas de manejo agroecológicas. O objetivo da sistematização é conhecer, valorizar e expandir as vantagens do trabalho cooperado e diversificado na agricultura familiar para que sirva de modelo para os demais assentamentos do município. O PA Frutinhas conta com vinte famílias provenientes da região norte do Rio Grande do Sul, porém a sistematização foi realizada na família do assentado Valdir Leal e Vera Leal, os quais trabalham de forma coletiva abrangendo cinco lotes, sendo que um é de sua propriedade e os outros de seus filhos. A história de luta da família, destacando a dedicação de seu Valdir para permanecer em Sant’ Ana do Livramento e criar vínculos com a região foi o fator determinante para que fosse escolhida a família como tema de estudo e sistematização de suas experiências enfatizando sempre a importância do trabalho coletivo utilizando técnicas agroecológicas para a permanência na terra e também como forma de agregar renda, melhorando a qualidade de vida da família. O processo de sistematização aconteceu no período entre março e setembro de 2013 no município de Santana do Livramento/RS no PA Frutinhas,


distante 70 km da sede do município, envolvendo diferentes tipos de ações como: visitas, gravações de áudio, narrativas e entrevistas. O público envolvido no processo de sistematização que sempre se fez presente nos momentos das visitas são o agricultor Valdir sua esposa Vera, os filhos Sandro, Lucas e Cenair. Em uma visita também se fez presente as filhas Valdirene e Denise e os netos Willian e Patricia. O processo de sistematização foi executado pelos técnicos: Engenheiro Agrônomo Paulo Ricardo da Silva Guerra e pela Técnica Social Marta Roncai Lopes da COPTEC-NO Sant’ Ana do Livramento.

2 CONTEXTO O município de Santana do Livramento localiza-se na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Distante em 498 Km da capital Porto Alegre, limita-se ao Norte com os municípios de Alegrete, Rosário do Sul e Quaraí, ao Sudeste com Dom Pedrito e ao Sul com a Republica Oriental do Uruguai cidade de Rivera. Com exceção de Rivera os demais municípios situam-se a 100 km de distancia. O município de Sant’ Ana do Livramento é predominantemente urbano, apresentando uma população urbana de 89.148 e rural de 5.019 (FEE, 2007e). A taxa de urbanização do município é de 94,3% (FEE, 2007e). As desapropriações para instalações de projetos de assentamento no município de Sant’ Ana do Livramento foram realizadas na região de solos arenosos (ao leste), devido às limitações dos solos originados do basalto em termos de mecanização e cultivo de lavouras anuais e permanentes.


Figura 1 – Mapa de Assentamentos Rurais em Sant’Ana do Livramento. Fonte: Rio Grande do Sul (2007b).

O relevo de Sant’ Ana do Livramento varia de suave ondulado a ondulado, o que é característico da região da Campanha. A paisagem apresente vários cerros, sendo os mais altos os cerros do Itaquatiá (395m), da Cruz (392m) e da Vigia (338m). A região também compreende cerros de menor tamanho, como o cerro Palomas, o cerro do Registro e o cerro do Marco, este último localizado sobre a linha divisória com Rivera, no Uruguai (INCRA, 2004). Conforme o levantamento da capacidade de uso da terra do Rio Grande do Sul (Rio Grande do Sul, 1985), aproximadamente 56,3% das terras do município está na classe IV, por apresentarem em sua maioria solos rasos (Neossolos Litólicos), 9,8% da área consta de solos de várzeas (usados no cultivo do arroz) e 32,4% são solos com maior profundidade (Argissolos Vermelhos,

Argissolos

Vermelho-Amarelos

e

Argissolos

Acinzentados).


A região possui um clima subtropical, com uma precipitação média anual de aproximadamente 1.300mm onde varia até 20%, mesmo com essa precipitação média anual é comum ocorrer déficits hídricos, nos meses de dezembro

e

janeiro, causados

pela

distribuição

pluviométrica. A

temperatura média anual é de aproximadamente 17°C ocorrendo variações de -1°C à 40°C. A umidade relativa do ar oscila entre 75% e 87%. A ocorrência de geadas se dá principalmente nos meses de maio a final de setembro, sendo mais precisamente de junho a agosto. O

município

abriga

atualmente

31

Projetos

de

Assentamento,

localizados dentro do Bioma Pampa, rico de uma diversidade florística e fisionômica única no mundo. Também é conhecido como Campos do Sul ou Campos Sulinos, ocupa uma área de 176,5 mil Km² (cerca de 2% do território nacional) e é constituído principalmente por vegetação campestre (gramíneas, herbáceas e algumas árvores). No Brasil, o Pampa está presente no estado do Rio Grande do Sul, ocupando 63% do território gaúcho e também territórios da Argentina e Uruguai. O PA situa-se na bacia hidrográfica do Rio Santa Maria e sub-bacia do Rio Ibicuí da Armada. Baseado em seu Zoneamento Agroecológico a área do PA Frutinhas é indicada para a produção preferencial de arroz irrigado, trigo, sorgo, forrageiras de clima temperado (aveia, azevém, centeio, etc.), videiras, citros (limões e bergamota) e pessegueiro, entre outros. O PA Frutinhas consta atualmente de 20 famílias na sua maioria oriundas de cidades localizadas na região norte do estado do RS. As formas de produção estão baseadas na fruticultura, bovinocultura de leite e de corte, bem como cultivos diversificados necessários para a subsistência da família. Os lotes da família Leal possuem uma diversificação entre si, onde cada um é utilizado para uma finalidade como: lavoura de milho, pecuária de corte, pastagens, gado de leite, fruticultura e hortigranjeiros.

3 EIXO DA SISTEMATIZAÇÃO


O eixo da sistematização está baseado nas “Estratégias de Gestão Coletiva da Unidade de Produção” e o foco da sistematização está centrado na forma de trabalho cooperado baseado em técnicas de manejo agroecológicas. O objetivo da sistematização é conhecer, valorizar e expandir as estratégias de gestão coletiva da unidade de produção da família Leal para que venha servir de referência para os demais assentamentos do município.

Tendo como objetivos específicos: a) Resgatar a autoestima da família. b) Aprimorar as técnicas de cultivo agroecológicas. c) Criar uma metodologia de gerenciamento da unidade de produção. d) Incentivar a capacitação em planejamento e gestão da unidade de produção. e) Buscar a certificação agroecológica de seus produtos.

4 DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA

4.1 – A história da família Leal: de Boa Vista para Livramento

Até o ano de 1995 a família do seu Valdir Leal arrendava uma pequena área em torno de 15 há-¹ no município Boa Vista do Cadeado próximo de Jóia RS, onde praticavam agricultura e tiravam dela o seu sustento. Devido a uma série de problemas relacionados com o proprietário da terra e muitos incômodos que teve com avalistas do proprietário perdeu toda uma safra e ficou sem recurso nenhum, foi quando em conjunto com a família decidiu

fazer

parte

de

um

acampamento

do

MST

(Movimento

dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra), indo assim com seus filhos Sandro e Valdirene para o acampamento Palmeirão no município de Julio de Castilhos/RS, deixando no município de Jóia/RS sua esposa Vera e seus outros filhos Cenair, Lucas, Luciane e os gêmeos Daniel e Denise. Permaneceu acampado pelo período de três anos, entre 1995 à 1997, onde passaram por diversas dificuldades relacionadas a falta de comunicação com a família, falta de assistência na área da saúde, a escassez de alimentos e a falta de expectativas de acesso a terra. Cabe ressaltar que sentia muita falta e preocupação com seus familiares que permaneceram na base, onde seus filhos foram obrigados a abandonar os


estudos para ajudar na produção de alimentos e contribuir para sua permanência no acampamento até serem contemplados em um sorteio. Participaram de 18 sorteios sem obter sucesso em nenhum, enfatizando que não se inscreviam nas áreas destinadas ao município de Sant’ Ana do Livramento, pois os comentários que circulavam que ninguém conseguiria sobreviver neste lugar pois acreditavam que as áreas eram improdutivas e distantes da sede do município, além do preconceito muito forte por ser uma região de grandes latifúndios. Segundo relata seu Valdir, numa tarde de sol, no acampamento, enquanto dava pasto para uma vaca de sua propriedade, sentiu uma palpitação de que chegaria notícias boas para ele e sua família, foi quando no fim do dia seu amigo e colega de acampamento trouxe a notícia de que haviam sido sorteados para uma área em Sant’Ana do Livramento mais precisamente na localidade de Pampeiro, o que não foi recebido com muita satisfação pois tinha ideia de permanecerem na região de origem.

No dia 12 de setembro de 1997 receberam a notícia do sorteio, e já sem muita demora partiram no dia 24 do mesmo mês, trazidos por transporte do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). 4.2 – Os primeiros tempos no PA Frutinhas

Quando chegaram no local parte do grupo queria voltar no mesmo ônibus, pelo motivo da distância. Era um dia de muita chuva e não possuía infraestrutura para abrigar as 20 famílias, só tinha um galpão e segundo seu Valdir relatou todo sujo de esterco por se tratar de um curral de vacas. Não tinha energia elétrica, nem água potável. Dona Vera chorava com a situação que encontrou, pois estava preocupada com seus filhos caçulas que ainda eram crianças na época. Passado o sufoco da primeira noite quando clareou o dia foram conhecer a área e ficaram esperançosos com as possibilidades de produção devido à qualidade do solo e o relevo do terreno. Trataram então de organizar uma horta comunitária, que primeiramente tinha função de alimentar as famílias com posterior venda do excedente, tendo insucesso desde a implantação, pois cada um tinha uma forma de trabalhar e não se adaptava ao trabalho coletivo. Então cada um decidiu trabalhar de forma individual. Reuniram um grupo de pessoas que ficaram responsáveis por dividir a área em lotes, onde o curso do rio foi usado como base para a divisão, garantindo que ninguém ficasse com o lote seco, sendo importante destacar que devido a demora no processo de divisão das áreas, poderia levar até dois anos se ficasse a cargo do INCRA. Quando foi feita a medição oficial pouca coisa mudou em relação ao que já estava pré-dividido entre os assentados.


4.3 – A unidade produtiva da família Leal

Depois que estava com seu lote demarcado, seu Valdir teve duas propostas de troca inclusive para sua região de origem, a qual não aceitou.

Hoje em dia agradece pela área onde está assentado, pela qualidade de vida e por poder ter mantido a sua família unida. Antes de iniciar a produção Valdir e seu filho mais velho Sandro saiam caminhando para ver que tipo de produtos eram cultivados naquela região, concluindo que era possível cultivar soja e que já possuía seis sacos de sementes que havia ganhado antes de vim pro assentamento, o que lhe permitiria plantar em torno de 5 há-¹. Decidiu comprar um trator com todos os recursos que a família possuía com a ideia de trabalhar a sua terra e prestar serviços para fora visando gerar renda. Fizeram o plantio da soja de forma coletiva, onde tinham uma parceira entre cinco assentados que não faziam parte do núcleo familiar. Durante os três primeiros anos sofreram com a estiagem que é comum na região, não obtendo nenhum tipo de lucro e para piorar a situação durante uma prestação de serviços o trator estragou e eles não tinham condições financeiras de arrumar, com isso concluíram que era importante iniciar uma relação de diálogo com os produtores locais, visando troca-troca de serviços, onde trocava sua mão-de-obra pelo empréstimo das máquinas para trabalhar sua terra. Depois de todas as perdas que tiveram na soja decidiram mudar para cultivo de arroz irrigado, onde também sofreram com as perdas devido a falta de conhecimento sobre a cultura e a falta de infraestrutura. Durante o governo Olívio Dutra recebeu o apoio através de um programa de fruticultura na metade Sul, onde receberam incentivo para o plantio de pêssego. No inicio sofreram preconceito por entrar para a fruticultura foram ate chamados de loucos, mas não se arrependem pela escolha. Após a entrada para a fruticultura resolveram diversificar a produção gerando assim diferentes fontes de renda para a família, foi então que passaram a ser produtores de leite. Após a estruturação na cadeia produtiva do leite fizeram o plantio de 0,5 há-¹ de videiras americanas, onde destinavam parte da produção para fazer vinho e o restante vendiam para o PAA (Programa

de

Aquisição

de

Alimento


Fica explícito que a diversificação e o trabalho cooperado foi o que permitiu uma maior renda abrindo novas possibilidades de investimentos para a família, seu Valdir ressalta que a família foi o alicerce principal para a sua permanência na terra. Quando chegaram do acampamento vieram com a ideia de trabalhar seguindo uma linha agroecológica, no inicio receberam assistência técnica da EMATER, que indicava os seguintes tratamentos para o plantio de pêssego: utilizavam cinza de frigorífico, palha de aveia (avena strigosa) e cornichão (lotus corniculatus) como cobertura do solo, além de 2 toneladas de adubo orgânico por há-¹, também utilizavam bio fertilizantes onde no verão faziam uso da calda bordalesa e durante o inverno calda sulfocálcica. Durante a safra por não possuírem infraestrutura para distribuir a produção, recebeu da SMAPA (Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento), um caminhão caçamba para transportar a produção de pêssego a qual era feita a granel e comercializada no comércio local e feiras livres, destacando que o combustível era custeado pela família. Tinham muitas dificuldades relacionadas à comercialização de seus produtos, pois não tinham caixas e nem local próprio para armazenagem adequada o que refletia na queda do preço devido a qualidade do produto. Quando foi criada a COPERFORTE (Cooperativa Regional dos Assentados da Fronteira Oeste) da qual faz parte, seu Valdir ficou feliz e um pouco aliviado considerando uma mão na roda por ser mais uma alternativa para comercializar seu produto. Seu Valdir enfatiza o amor pela terra lembrando que quando entrou pela primeira vez no seu lote juntou um punhado de terra nas mãos e beijou, agradecendo por ter perseverado na luta.

5 RESULTADOS E IMPACTOS Encaminhar a família para registrar na secretaria municipal de agricultura, pecuária e abastecimento a demanda de uma agroindústria. Resgate da autoestima da família evidenciado pela valorização do local onde vivem e por uma maior participação social. Evidenciar para a comunidade local as vantagens do trabalho cooperado. Incentivar a qualificação e conhecimento de métodos agroecológicos. Melhoria da qualidade de vida da família e valorização do meio rural.


6 POTENCIALIDADES Permanência dos agricultores em uma região de difícil acesso. Conhecimento do espaço e adaptação às condições de solos, relevo e clima da região. O estabelecimento de vínculos sócio culturais com a região, bem como laços afetivos. Ter no PAA (Programa de Aquisição de Alimento) uma alternativa a mais de renda. Possibilidades de implantar uma agroindústria familiar para agregar valor aos produtos. Tornar uma referencia no município em produção agroecológica.

7 LIMITES A distância da sede do município e o difícil acesso pela falta de manutenção das estradas é um dos fatores que atrasa o desenvolvimento. A

dificuldade

no

escoamento

da

produção

o

que

diminui

a

comercialização afetando a renda e novos investimentos. A inexistência de uma agroindústria para beneficiar e agregar valor ao produto. A falta de políticas públicas que criem condições favoráveis para o fortalecimento da agricultura familiar.

8 LIÇÕES APRENDIDAS A persistência e esperança da família Leal contagiou as demais famílias oriundas do acampamento a permanecerem na área que foi destinada para seu assentamento, o que foi com o tempo ocasionando a adaptação à realidade produtiva e sócio cultural da região. A família encontrou na diversificação da produção, no trabalho cooperado e na agroecologia formas de produção sustentáveis, além de garantir segurança alimentar e nutricional para a família. As perspectivas futuras da família Leal é seguir investindo na fruticultura, buscando inovar as suas técnicas de manejo sempre na linha agroecológica. Destacando o desafio de buscar a certificação agroecológica da unidade de produção


AUTORES Engº Agrº Paulo Ricardo da Silva Guerra; Extensionista COPTEC-NO Sant’ Ana do Livramento. Marta Roncai Lopes; Técnica Social

COPTEC-NO Sant’ Ana do

Livramento. COLABORADOR Cenair da Conceição Leal; Técnico Agrícola COPTEC-NO Sant’ Ana do Livramento.

REDE DE CONTATO

Escritório da COPTEC – NO Livramento. Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda. Avenida 24 de maio, n°598, Sala 201, Centro – CEP 97574-350. Santana do Livramento/RS E-mail: copteclivramento@yahoo.com.br

ANEXO

Para facilitar o processo de sistematização foi usado o roteiro de perguntas orientadoras abaixo, a partir das quais a família contava um pouco da sua experiência e da sua história de vida. 1. Como era a vida da família antes do acampamento? 2. Como era a vida de acampado e as dificuldades enfrentadas durante o acampamento? 3. Quais eram as expectativas em relação ao município e a área onde seriam assentados? 4. Quais foram os mecanismos utilizados pela família para iniciar um ciclo produtivo? 5. Quais foram os impactos positivos e negativos vivenciados pelo assentamento em geral? 6. Quais fatores impediram ou dificultaram a permanência das primeiras famílias assentadas no PA Frutinhas?


7. Que elementos motivaram a família a trabalhar de forma coletiva, adotando práticas de manejo agroecológicas? 8. Quais foram às estratégias que possibilitaram a forma de exploração cooperada e diversificada? 9. Quais os resultados esperados da experiência vivida pela família?


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