Insolação, por Bruna Lumack

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Insolação



insolação (por bruna lumack)



1. [not fffound] acordei hoje cedo e a ferrugem cobria-me o até os [olhos; procurei com as mãos a sombra da tua ausência e nada estava aqui o sol traduzido em mil listras laranjas na parede soletrava a tudo aquilo que eu não pude te dizer e todos os números da última mega-sena talvez a gente só queira ganhar mucha plata, mi hijo perdoa meus pecados e faz-me andar novamente fidel castro liked your post sin embargo tus ojos son mí realidad más concreta en esta ciudad não sei falar mais de dor e me equilibro constantemente nesse


gelo fino num calor de 40°C só esperando que desabe no creo te las palabras.


2. despir-se diante do espelho como um alumbramento do que não é sólido; as coisas vêm e vão como um pêndulo balançando na teia do universo; esse gosto amargo de sangue e dor se herda de geração em geração e representa muito mais do que tu significas neste mundo — es muss sein —

teu silêncio é um alicate que arranca-me as saudades uma a uma


3. de repente I’ve found todos esses apertos dentro dos teus olhos e te deixar naquele terminal entrou pro meu top10 de agonias transitar pelos espaços reformar zonas de conforto e lugares comuns engoli tantos soluços que carrego um maremoto debaixo da língua e uma trilha de saudades ao redor do pescoço o ópio continua sendo nosso maior privilégio e a cada nova vaidade que tu cultivas eu te vejo morrer por dentro sem direito a luto ou a velório algum


mover montanhas, perder o fĂ´lego e arranhar superfĂ­cies; nada permanece no mesmo lugar


4. já são cinco da manhã e eu não dormi quase nada your concerned eyes dazzle me with all the weight you constantly carry inside todo aquele inverno pareceu muito mais duro do que efetivamente foi e no reflexo dos meus óculos eu ainda consigo te ver de relance dormindo naquela single bed que nunca foi tua nem minha mas que sempre foi tão familiar é sempre assim — depois de anos a gente aprende e volta até o início as pessoas são vidro e muitas vezes quebrar pra ver por dentro não vai adiantar de nada


i don’t wanna fight, but she looks so beautiful when she’s angry deixar ir e ser só são dois grandes abismos e ainda não há cura; em teus olhos procuro certezas que nunca estiveram lá.


5. carregar o peso da carcaça de um passado e todas as suas cicatrizes em troca de 3 fileiras de cocaína; esperarei sentada, te prometo minha vista não mais se cansa com tuas longas jornadas e acompanhar-te nessas via-crucis tornou-se fora de cogitação não te reconheço mais sem o reflexo de todas as luzes e teus ansiolíticos são o que te mantém acima do nível do mar [faz tempo que a linha do horizonte é cada vez mais tênue]


todo dia eu acordo com medo de sufocar nessa cidade.


6. quando caírem tuas primeiras lágrimas e toda a anestesia passar eu estarei aqui pra te observar sucumbindo a todo o caos em que reinaste por anos e anos — schadenfreude não duvides de mim serei plateia de toda essa teia de incertezas cobrindo-te como um manto de mentiras que vestiste de outro em tempos passados eu desço os degraus dos teus abismos há mais de anos e meus pés já decoraram todos os caminhos toda dor é uma escama diferente em minha superfície


7. desesperar-se é um ato de rebeldia e nas quartas-feiras ainda chove naquele quintal com que soluços vou fitar-te os olhos? todas essas janelas não clareiam mais e eu adorno meus cabelos com teus mesmos poemas fossilizados (acenar-te adeus só doeu quando voltei a respirar) recife ainda carrega nossos ex-sussurros marcados em suas costas cor de insolação teu nome não mais sai de minha boca nem penetra-me mais os ouvidos o mausoléu de onde fomos nunca cresceu flores.


8. leio-te com minhas mãos, meus olhos e meus ouvidos; teu grito esparrama-se sobre a mesa como uma taça de vinho cor de desespero e solidão. nao és mais envolto no veludo que te presenteei no natal mas sim na ganância trançada nas mãos das ditas “tuas” mulheres passadas que hoje encarregas ao relento. não me arrasto mais aos teus pés; tuas palavras soam como confusão e não há mais nada que me faça voltar atrás escuchame; estas solo.


la bodeguita edições – junho de 2017 “la bodeguita: aumentando a cabeça da estátua a cada edição”


la bodeguita


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