memórias do claustro, por Italo Dantas

Page 1

memรณrias

do

claustro

2015



I. as horas como ondas que andam lentamente em busca da rocha cravada no abismo e o vento ––––– último sopro de lilith e todos os sons mais inóspitos desta madrugada em que te consomes lentamente teus contornos como a noite urdindo e transversando


e ricocheteando nas quinas sombrias que sĂŁo as quinas sombrias de teu quarto que ĂŠ teu corpo e fecha-se em todo o pranto lento e lentamente consomes a ti mesmo no estertor das horas lentamente


II. a solidão vem a conta-gotas; não há razão para versos (nunca houve) mas nestas noites ermas só o que me resta é escrever poemas.


III. o corpo me aprende em pequenas visões de angústia só. corpoquarto; paredespeles; móveiso´rgãos nos movemos por este espaço delimitadamente claustrofóbico limite de tudo o que é – pois tudo há no vir-a-ser das coisas exceto apenas


e talvez o que se guarde por detrรกs de todas as paredes::::::::::::umidifisolidificadas


IV. poemacorpo um quadro barro oco trĂ´pega visĂŁo de ti


V. nascedouro das formas corpóreas memória torpe de tua pele encoberta inglória ó poiesis

fatalíssima

das coisas alvas


VI. a outra face guarda os contornos que não guardo delineados n’alma e triste uma janela fotografa nossos passos enlameados de [desejos dissipando-se numa onda liquefeita de [sonhos


VII. em goles ininterruptos meus pulmões a recusar oxigênio umdoisinspirefundo a noite me é tão cara quanto a ponta de cigarro quando já não há mais o que oferecer pois consumida pela chama

(recuso tudo o que é chama e ócio).


VIII.

poema-página epiderme em transe

pele morta lâmina/ânima corta


IX. a letra repele tudo que é pele e expele [o.d.] no espaço a encobrir malícias

vícios

corta-se-me-lança claustrosfera e dança

na


X. nota (ao fim do dia) a lâmina insondåvel fria deslizando sobre minha retina carece de dois mil satÊlites marejados de horizonte; favor ignorar os detalhes mínimos_______________________________


XI. {when we get back, I’ll drop a line}

i don’t want no poems for a while e eu entendo u know¿ e toda a areia que ficou pelos cantos da casa talvez seja o indício de algo que se nos perdeu ou que não me fora revelado como todos os limites daqui pra fora ou os títulos dos livros repousados longos nas estantes e esse vício de usar tudo


no plural sabe¿ e é tudo meio escuro como nossos corações e essas catedrais imensas a ruir porque até catedrais imensas sucumbem às vontades do coração humano u know?


XII. poemacorpo teucorpo prostrados à sombra como num adeus ao equinócio

último

dest’aurora fria e quantos gestos rios turbulentos de outrora e oceanos vermelhos paralelos poemacorpo teucorpo


imbuído na trama metafísica das atômicas composições adentro ou este céu pálido inerte de presenciar o encontro fatídico das coisas vãs poemacorpo teucorpo


XIII. resta-me

no alento

derradeiro e nos plangeres mais

lânguidos férrea

ondulação

corta-me a íris um flash

aprox. 510nm

: verdes mares tardios/ em ondular sombrios/ nesta névoa a sangrar/ serei a um só tempo/


corpo matéria e invento/ dado às ondas do mar/

plangei partículas de noite


XIV.

tuas mãos trêmulas oscilam vertem cada instante em silêncio e

longe orbitar-te

permaneço a


XV.

uma paisagem híbrida

as areias ínfimas do teu deserto

uma lágrima negra

compõe a face de cristo

two –– ele diz


dedos magros em riste

t wo rhinoceros// サルバドール·ダリ420


XVI.

guardamos segredos como raĂ­zes

a folha se desdobra antitelĂşrica contra minha face

em duas

uma mancha me revela em rabiscos


revela

nossos prĂłprios segredos e raĂ­zes


XVII.

o sol desvela o nada

figuras incorpóreas à revelia da luz

(sombras) não há corpo


nunca houve

houvesse apenas um resquício de mundo

houvesse

apenas resquício:

acomodá-lo em meus braços


XVIII.

carrego um desgosto vertical das coisas

talvez o mar em ânsia de moribundo

talvez o céu opaco sobre nós


sobretudo estas paredes todas

e duras


XIX.

a cal invade as ruas (corações & desertos)

maquinário:

vazio de areia e sentido

que todo coração por si é um deserto vermelho infinitamente

:


de peito aberto entrego-me Ă incerteza fatal das diĂĄstoles


XX.

o poeta tem por objetivo único

o abismo

expiá-lo das coisas vãs que o cercam

entrega-se de corpo

às ruínas abissais

íngreme


aqui jaz o poeta

vĂ­rgula


XXI.

invariavelmente a luz dos dias das tardes serenas ternas

ceifa meus sonhos a cada instante Ăł wilhelm

te entrego estas påginas estas pedras imp´roprias para consumo

humano e minha lĂ­ngua dorsal a vilipendiar numerosas cartas


hei de inundar-me em lĂĄgrimas vazio porĂŠm de saliva


XXII. pelos meus cálculos

(prostituição ou outro qual-

quer nome)

o poeta – teu nome como

estrela tatuada –

se perdia em símbolos

por ele sou também observado (nunca mais vos verei )


, a terra mui graciosa

porém

__inha do equador

a word is dead

[enable:echo]

a word is dEad

sob a l


XXIII.

{we got a road map to jupiter}

constataremos estrelas como parabĂłlicas ou fetiche por tevĂŞ a cabo

//poorsignal//

psychoanalysis2.jpeg on the blue screen

permanecemos como profile pic


wondering if aesthetics


XXIV.

motif: un coup de dieu c’est chance seulement –––––––––––—–––––––– dieu-dé

a catlike ezra pound dancing away the late night fever

in a retrowave or lonesome night


a glimpse of marmalade in the morning; blurred vision of headache and a wasted hemingway on la bodeguita’s cold floor

let’s dance lambada chico


XXV. 1. horizonte

fosso ausente de tempestade

rasgo teu nome trĂŞs vezes e teus olhos orbitais (cĂŞnicos)

osso paralelo ao meu nadir

pedra-ponto ou uma curva no oceano hediondo


graciosa pétala de sangue a escorrer levemente

:sangria fatal do abismo

(a mandala nos concede o perdão de repetir versos quando necessário)

a noite é o teu oceano e nada nos faltará


XXVII. 2. abismo

senti-lo como a efervescência sanguínea a que todos os espaços se limitam

sê-lo tornar pedra sem fim a carne (iminência do corte)

abrir-se como singularidade


—–––––––– carregar o tempo através do tempo

(transparente ou opaco)

aço: a inevitabilidade da fenda

(boca talhada na pele)


XXVIII. a circularidade das coisas faz mover:

como fostes lágrima

serei chuva

corpo d’água a engendrar mistérios inabaláveis


XXIX.

{Sans état ni santé, sans projets ni souvenirs} os olhos compenetrados entre a tevê e o parapeito da janela contemplando as mil maneiras

ao roçar dos dedos: aço morno a insinuar-se

entre os fios espessos


———————————————— repousar a nuca feixe de fibras

excetuar-se

teu pescoço torcido como caballerial flip


it’s your move.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.