Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida, por Victor H. Azevedo

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pþe duas horas no super nintendo qu’eu quero esquecer da minha vida



pþe duas horas no super nintendo qu’eu quero esquecer da minha vida (por victor h. azevedo)



“Waking up in these places I don't remember Texts from people I never met, doors left open I don't know who I am anymore”

Childish Gambino “Ready... Say, ‘fuzzy pickles.’”

Earthbound “É preciso retomar a saída da cidade alimentar os estrangeiros chegados na [madrugada e que depois de terem os pés lavados acenderam suas fogueiras[...]”

Júlia de Carvalho Hansen


*** estas

são

minhas

últimas

moedas.

não

desconheço o risco que corro ao lhe pagar meu último tostão para tentar desaparecer com minhas

tempestades

por

uma

fração

de

primavera. sei que caso eu morra aqui nesse tempo que decorre ao passo da minha fala ou da nossa quietude não terei como molhar a mão do caronte para que ele me carregue em sua barca e me hospitalize seja onde o destino quiser. sei também que caso isso ocorra eu ficarei algemado a uma infinita dança de cadeiras. mas não me mordo por causa disso. por certo tu não queres um espírito habitando sua locadora. mas lhe confirmo: se eu sentir algum órgão meu travar ou qualquer ocorrência relacionada durante a jogatina

(olhos tiquetaqueando

sangue engrossando articulações desmanchando


fumaça saindo das narinas) saio correndo para o lado de fora e faleço na calçada mesmo quem sabe até na esquina ou com uma sorte derradeira eu desabe ao lado de uma cerejeira e aí não seja necessário um funeral: basta que recolham meus grãos e o depositem debaixo das sandálias da tal cerejeira. prometo ser um fantasma discreto e benevolente se morrer em tal lugar. agora por favor: põe duas horas no super nintendo qu’eu quero esquecer da minha vida. *** Tento peneirar o máximo de fogo possível. Separar o que vem desses pequeninos sois que brotam quando penso em cachorros e o que vem dos poemas que fiz para dar de comer à meditação das plantas. Desenhei a onisciência de uma chuva


que molhou toda a destruição de uma manhã, de uma manhã que parecia ser domável com um pacato balde d'água. Erro de tradução. Dizem que hipnose pode curar essa minha falta de bússolas, minha presença dissipada nos mapas. Talvez não haja concentração suficiente no meu estado líquido para isso. Sou refém dessa cadeira a qual me ancoro. Não consigo mais ser volátil sem ser uma célula genocida. Não há escapatória. Eu poderia dizer que quero desaparecer, mas na realidade eu quero apenas caber em uma gaveta, e ficar lá enquanto meu rosto se transforma em uma montanha. Por conta do mofo, por conta da gasolina, por conta do preço a se pagar em juros por nunca ter andado


naquele cavalo que já não existe mais. *** li o recado que você escreveu sobre aquele [ontem não quero falar de delicadezas com meu amigo [gaivota sei que vou ser apedrejado por dentes logo mais e quando escrevo isso, é do modo mais escabroso possível

sou suspeito para falar dessa minha pobreza no depois do amanhã mesmo assim danço no meu quarto fechado ouvindo o que os namorados chamam de canção para lavar os pés não quero ninguém pra advogar a meu favor neste hospício


estou indo me refugiar no país do chão de [mariposas não vou dar meu endereço a ninguém a não ser a minha mãe, que é quem envia beijos [pelo correio e é só com eles que consigo aquecer meu sono

acho que você está certa sobre os músculos do [vento mas não tão certa quanto ao magma nos meus [olhos

li o recado que você escreveu meu amigo [gaivota sem dentes escabrosamente falando e dançando uma cantiga de quarto fechado lavando o [hospício o precipício os pés e o precipício refúgio de


[mariposas ninguém envia beijos mais pela televisão acho [que você está bonita e que eu tenho que cortar meu [cabelo logo.

*** 10h02

cá estou em frente à usina nuclear perto da tua morada com uma bagagem cheia de sprays e máscaras de gás. Hoje é feriado nacional e as ruas estão desertas como desertos são os signos deste feriado. desenho teu nome na muralha. inomináveis curvas e vértices que alicerçam a polpa de cada letra. faço isso de manhã mas não tenho medo mais da polícia. Só dos cães que eles adestram diabolicamente.


pronto. Aqui está: teu nome e uma coroa de flores sobre ele. Não sei desenhar corações. mas flores eu sei. também não sei escrever eu te amo. Tal verbete foi sequestrado do meu vocabulário há sete anos atrás quando uma menina beijou minha cabeça e arrancou com os lábios meia dúzia de palavras que hoje pra mim são como o casulo vazio de alguma lagarta florescente, que já não é florescente e nem lagarta.

espero que quando você voltar da groenlândia os pombos ainda não tenham cagado tudo de brancura e seu nome – e principalmente a coroa de flores – ainda sejam legíveis a tua mira de centeio.

***


Já deixei de sonhar com o círculo perfeito materializado por uma mão caprina. Quando foi que isso aconteceu? Tu já tinhas tirado a licença para pilotar o ônibus escolar. Olhar seus olhos ao entardecer naquela região foi como ver uma gangue de crianças brincando com pólvora em uma noite castanha. Era um alfabeto inédito para mim que emanava das tuas córneas. O amarelo nunca havia sido tão bonito quanto naquela época. Estávamos habituados a nos animar por via das travessas e dos chás que sua avó nos preparava com tanto toque de porcelana. Mas os batimentos foram tornandose assimétricos, retardados, e bem, alguém acordou numa manhã mais cedo que o outro e não houve a habitual guerra de travesseiros.

***


me passa essa faca aí que tá do teu lado essa com minhas iniciais gravadas na lâmina

essa faca que é amolada só à noite para não afugentar o raiar dos galos com teu [canto

não tenha medo é só uma faca e não uma hidra ou detetive ou escorpião

a faca não morde arranquei os dentes delas no dia em que a [ganhei a única coisa que ela faz é mostrar a língua

e também afiar o vento em outros idiomas de [assobio


agora me dá aqui essa faca que eu quero cortar essa estrela e ver se dentro dela há mesmo uma respiração cósmica que brilha no escuro. *** você ria de comédias pastelão, dos sapatos de salto de 20 andares das madames e também das bochechas da la niña

eu ria dessa tristeza arpejada, do gorila que sempre nos dava bom-dia no [supermercado e também dos cigarros sepultados no meu peito. *** dizia eu quando tu ias ao toalete:/quero ficar solitário/com

meu

piano

de

armário/sem

nenhum rouxinol pra me infernizar./talvez/


apenas ficar avizinhado pela minha aldeia/ talvez -/ para não sentir tanto remorso/ de acordar com o gorjeio do vizinho/ regando as plantas./

eu datilografaria poemas impronunciáveis nas teclas/tentando captar as cores de certas palavras/e as manuseando/ em frases dentro de uma

melodia

de/compondo

vocábulos

/desmontando delineando/ beterraba seria um som

grave

se

esparramando

no

matagal/ventilador um piado ligeiro gaguejando brisa/ meus dedos ficariam compridos feito costelas com tanta articulação/ garfo seria uma composição rápida sem grandes estripulias/ avenida uma canção rouca e febril de 1020 segundos. /


seria pedir muito isso?/ acho que sim/ mas não custa

sonhar/

talvez

amanhã

haja

uma

reviravolta/ e tenhamos que parcelar cada sonolência nossa.

***

já chorei

no meio de uma

festa sem medo descobri

depois que me


como se fosse um

mortal e felizardo

rascunho de epitáfio

sobre uma

cama

sendo apagado

me arrependi

por uma mão bravia

de não respirar

com as artérias estufadas

com tanta fé

de chuva e vermelho

no dia em que

me vi. *** reimprimir certos sonhos: certos sonhos indeléveis que perdem a penugem por conta da inauguração dos olhos.

devagar com o botões: os botões que são esse mural que levo comigo em viagem


para recordar das unhas do meu navio.

mais um nome no bestiário: no bestiário a divina tragicomédia dos meus dias vivendo com um tigre extinto.

reimprimir certos sonhos: sabendo que certos sonhos mesmo indeléveis numa segunda edição sofrem

com os erros que os olhos martelam até não poder mais.

***

hoje nenhum pássaro pousou sobre o varal de


[roupas. talvez porque não haviam fardas ou meias ou [lençóis por lá ou porque não haja mais sementes a serem [furtadas nos bolsos das minhas bermudas florais.



la bodeguita edições –março de 2016 “life is pain; read poetry”



la bodeguita


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