Table of Contents ROSTO CRÉDITOS DEDICATÓRIA SUMÁRIO PRÓLOGO CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 CAPÍTULO 13 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 CAPÍTULO 16 CAPÍTULO 17 CAPÍTULO 18 CAPÍTULO 19 CAPÍTULO 20 CAPÍTULO 21 CAPÍTULO 22 CAPÍTULO 23 CAPÍTULO 24 CAPÍTULO 25 CAPÍTULO 26 CAPÍTULO 27 CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29 CAPÍTULO 30 CAPÍTULO 31 CAPÍTULO 32 CAPÍTULO 33 CAPÍTULO 34 CAPÍTULO 35 CAPÍTULO 36 CAPÍTULO 37 CAPÍTULO 38 EPÍLOGO AGRADECIMENTOS COLOFON O PROBLEMA DO PARA SEMPRE
Tradução Rachel Agavino 1ª edição
RIO DE JANEIRO 2017
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ A76p Armentrout, Jennifer L. O problema do para sempre [recurso eletrônico] / Jennifer L. Armentrout; tradução Rachel Agavino. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Galera Record, 2017. recurso digital Tradução de: The problem with forever Formato: epub Requisitos do sistema: adobe digital editions Modo de acesso: world wide web ISBN 978-85-01-11183-8 (recurso eletrônico) 1. Ficção infantojuvenil americana. 2. Livros eletrônicos. I. Agavino, Rachel. II. Título. 17-43223 CDD: 028.5 CDU: 087.5 Título original:The Problem With Forever Copyright © 2016 by Jennifer L. Armentrout Publicado originalmente por Harlequin Teen. Direitos de tradução negociados por Taryn Fagerness Agency e Sandra Bruna Agencia Literaria, SL. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios. Os direitos morais do autor foram assegurados. Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. vl cacau cuenca Composição de miolo da versão impressa: Abreu’s System Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa somente para o Brasil adquiridos pela EDITORA RECORD LTDA. Rua Argentina, 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.: (21) 2585-2000, que se reserva a propriedade literária desta tradução. Produzido no Brasil ISBN 978-85-01-11183-8 Seja um leitor preferencial Record. Cadastre-se e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções. Atendimento e venda direta ao leitor:
Para todo mundo que ainda estรก procurando sua voz, e para aqueles que jรก a encontraram.
SUMÁRIO CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 CAPÍTULO 13 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 CAPÍTULO 16 CAPÍTULO 17 CAPÍTULO 18 CAPÍTULO 19 CAPÍTULO 20 CAPÍTULO 21 CAPÍTULO 22 CAPÍTULO 23 CAPÍTULO 24 CAPÍTULO 25 CAPÍTULO 26 CAPÍTULO 27 CAPÍTULO 28 CAPÍTULO 29 CAPÍTULO 30 CAPÍTULO 31 CAPÍTULO 32 CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34 CAPÍTULO 35 CAPÍTULO 36 CAPÍTULO 37 CAPÍTULO 38
PRÓLOGO
Caixas de sapato empoeiradas e vazias, em uma pilha mais alta e mais larga que seu corpo magro, balançaram quando ela apertou suas costas contra elas, colando os joelhos ossudos no peito. Respire. Apenas respire. Respire. Encostada bem lá no fundo do armário sujo, ela não se atrevia a fazer barulho enquanto mordia o lábio inferior. Concentrando-se em forçar cada inspiração empoeirada para dentro dos pulmões, ela sentiu as lágrimas brotarem. Oh, Deus, ela cometera um erro muito grande. A Srta. Becky estava certa. Era uma menina má. Mais cedo, pegara o pote de biscoito sujo e manchado, com a forma de um urso e que escondia biscoitos de gosto estranho. Ela não deveria pegar biscoitos ou qualquer alimento, mas estava com tanta fome que sua barriga doía, e a Srta. Becky estava doente de novo, cochilando no sofá. Ela não tivera a intenção de derrubar o cinzeiro do balcão, quebrando-o em
caquinhos. Alguns tinham a forma do gelo que se agarrava ao telhado no inverno. Outros não eram mais do que lascas. Tudo o que ela queria era um biscoito. Seus ombros franzinos se sacudiram ao som da parede quebrando do outro lado do armário. Ela mordeu o lábio com mais força. Um gosto metálico explodiu em sua boca. Amanhã haveria um buraco do tamanho da mão grande do Sr. Henry no gesso, e a Srta. Becky choraria e ficaria doente de novo. O rangido suave da porta do armário soou como a explosão de um trovão em seus ouvidos. Oh não, não, não... Ele não deveria encontrá-la ali. Aquele era seu porto seguro sempre que o Sr. Henry estava com raiva ou quando ele... Ela ficou tensa, olhos arregalados quando um corpo mais alto e mais volumoso que o dela deslizou para dentro e, em seguida, se ajoelhou bem na sua frente. Ela não conseguia distinguir muito aquelas feições no escuro, mas sabia, em seu íntimo, quem era. — Sinto muito — engasgou ela. — Eu sei. — A mão pousou em seu ombro, o peso reconfortante. Era a única pessoa que a deixava confortável ao tocá-la. — Preciso que fique aqui, ok? Certa vez, a Srta. Becky disse que ele era apenas seis meses mais velho que ela, que tinha 6 anos, mas ele sempre parecera muito maior, muito mais velho que ela, porque, aos olhos da menina, ele era todo o seu mundo. Ela assentiu. — Não saia — disse ele, e então entregou em suas mãos a boneca ruiva que ela havia deixado cair na cozinha quando quebrou o cinzeiro e correu para o armário. Assustada demais para recuperá-la, acabou deixando Velvet no chão, e ficou bastante chateada, porque a boneca tinha sido um presente dele muitos, muitos meses antes. Ela não fazia ideia de como ele conseguira Velvet, mas um dia simplesmente apareceu com ela, e a boneca era dela, só dela. — Fique aqui. Não importa o que aconteça. Apertou bem a boneca, prendendo-a entre os joelhos e o peito, e assentiu novamente. Ele se remexeu, enrijecendo quando um grito de raiva sacudiu as paredes
em torno deles. Era o nome dela, o que bastou para um arrepio gelado percorrer sua espinha; seu nome gritado tão furiosamente. Um pequeno gemido abriu seus lábios, e ela sussurrou: — Eu só queria um biscoito. — Tudo bem. Lembra? Prometi que a manteria segura para sempre. Basta não fazer barulho. — Ele apertou seu ombro. — Basta ficar quieta, e, quando eu... quando eu voltar, vou ler para você, ok? Sobre aquele coelho estúpido. Tudo o que ela pôde fazer foi assentir de novo, porque houve momentos em que ela não tinha ficado quieta, e nunca se esquecera das consequências. Mas, se ficasse quieta, sabia o que aconteceria. Ele não conseguiria ler para ela aquela noite. Amanhã ele faltaria à escola e não estaria bem, mesmo que dissesse a ela que estava. Ele ficou ali mais um pouco e, então, saiu do armário. A porta do quarto se fechou com um ruído, e ela levantou a boneca, pressionando nela o rosto banhado de lágrimas. Um botão no peito de Velvet espetou seu rosto. Não faça barulho. O Sr. Henry começou a gritar. Não faça barulho. Passos no fim do corredor. Não faça barulho. Carne sendo atingida. Algo caiu no chão, e a Srta. Becky devia estar se sentindo melhor, porque de repente a ouviu gritando, mas, dentro do armário, o único som que importava era o da carne sendo atingida, que se repetia e repetia. Ela abriu a boca, gritando silenciosamente colada à boneca. Não faça barulho.
CAPÍTULO 1
Muita coisa podia mudar em quatro anos. Era difícil acreditar que tinha passado tanto tempo. Quatro anos desde que eu pusera os pés em uma escola pública. Quatro anos que eu não falava com ninguém de fora do grupo muito pequeno e unido de pessoas. Quatro anos de preparação para este momento, e havia uma boa chance de eu vomitar os poucos cereais que fora capaz de forçar pela minha boca sobre o balcão. Muita coisa podia mudar em quatro anos. A questão era: eu tinha mudado? O som de uma colher batendo em uma caneca me arrancou de meus pensamentos. Era a terceira colher de açúcar que Carl Rivas tentava pôr discretamente em seu café. Quando ele achava que ninguém estava olhando, tentava adicionar mais duas. Para um homem de 50 e poucos anos, ele estava em boa forma, mas era terrivelmente viciado em açúcar. Em seu estúdio, o escritório em casa cheio de grossas revistas médicas, havia uma gaveta de sua mesa que mais parecia uma loja de doces. Demorando-se perto do açucareiro, ele estendeu a mão para a colher de novo enquanto olhava por cima do ombro. Sua mão congelou. Sorri de leve de onde eu estava, sentada à enorme ilha, com uma tigela de cereal integral na minha frente. Ele suspirou enquanto me encarava, apoiando-se na bancada de granito e me olhando por cima da borda da caneca enquanto tomava um gole do café. Seu cabelo preto, penteado para trás, recentemente começava a ficar grisalho nas têmporas, e, com sua pele bem morena, eu achava que isso o fazia parecer bem distinto. Ele era bonito, e sua esposa, Rosa, também. Bem, bonita não era a palavra certa para ela. Com aquela pele escura e o cabelo
grosso ondulado que ainda não tinha nem sequer um fio branco, ela era linda. Maravilhosa, na verdade, especialmente pelo modo altivo como se portava. Rosa nunca teve medo de falar por si mesma e pelos outros. Pousei minha colher na tigela, com cuidado, para que ela não batesse contra a cerâmica. Eu não gostava de fazer ruídos desnecessários. Um antigo hábito que tinha sido incapaz de abandonar e que, provavelmente, seria parte de mim para sempre. Erguendo os olhos da tigela, vi Carl me observando. — Tem certeza de que está pronta para isso, Mallory? Meu coração saltou, instável, em resposta ao que parecia ser uma pergunta inocente, mas que, na verdade, era o equivalente a um rifle carregado. Eu estava pronta de todas as formas possíveis. Como uma idiota, tinha imprimido os meus horários e o mapa de Lands High, e Carl havia telefonado e conseguido as informações do meu armário, de modo que eu sabia exatamente onde estava tudo. Eu tinha estudado esse mapa. Sério. Como se minha vida dependesse disso. Não haveria necessidade de perguntar a ninguém onde era nenhuma das minhas aulas, e eu não ficaria andando sem rumo. Rosa tinha até ido comigo à escola na véspera, então eu estava familiarizada com a estrada e sabia quanto tempo levaria o trajeto até lá. Eu esperava que Rosa estivesse aqui esta manhã, já que hoje era um dia tão especial, algo em que eu vinha trabalhando durante o último ano. Os cafés da manhã sempre foram o nosso momento. Mas Carl e Rosa eram médicos. Ela era cirurgiã cardíaca e tinha sido chamada para uma cirurgia de emergência antes de eu sequer sair da cama. Eu meio que tinha que lhe dar crédito por isso. — Mallory? Dei um breve aceno de cabeça enquanto apertava os lábios e deixava minhas mãos caírem no colo. Carl pousou a caneca no balcão atrás de si. — Você está pronta para isso? — perguntou outra vez. Pequenos nós se formaram em meu estômago, e eu realmente queria vomitar. Parte de mim não estava pronta. Hoje seria difícil, mas eu tinha que fazer isso. Encontrando o olhar de Carl, assenti. O peito dele estufou com uma respiração profunda. — Você sabe o caminho para a escola? Assenti, pulei do banco alto e peguei minha tigela. Se eu saísse agora,
chegaria quinze minutos antes da hora. Provavelmente uma boa ideia, imaginei, enquanto despejava as sobras de cereal no lixo e colocava a tigela e a colher na máquina de lavar louça de aço inox. Carl não era um homem alto, tinha cerca de 1,70 metro, mas eu só chegava aos seus ombros quando ele ficava ao meu lado. — Use as palavras, Mallory. Sei que você está nervosa e tem uma centena de coisas se passando em sua mente, mas você precisa usar as palavras. Não diga sim ou não apenas com a cabeça. Use as palavras. Apertei bem os olhos. O terapeuta com quem eu me consultava, o Dr. Taft, dissera essa frase um milhão de vezes, assim como a fonoaudióloga que trabalhara comigo três vezes por semana durante dois anos. Use as palavras. Esse mantra contradizia tudo o que me haviam ensinado por quase treze anos, porque as palavras equivaliam a barulho, e barulho era recompensado com medo e violência. Equivaliam a essas coisas, porém agora não mais. Eu não tinha passado quase quatro anos em terapia intensiva para deixar de usar as palavras, e Rosa e Carl não haviam dedicado cada momento de seu tempo livre para apagar um passado cheio de pesadelos só para ver seus esforços falharem. As palavras não eram o problema. Elas voavam pela minha cabeça como um bando de aves migrando para o sul no inverno. Palavras nunca foram o problema. Eu as tinha, sempre tive, mas arrancá-las de mim e lhes dar voz sempre fora complicado. Respirei fundo e, em seguida, engoli em seco. — Sim. Sim. Estou pronta. Um pequeno sorriso curvou os lábios de Carl enquanto ele afastava uma longa mecha de cabelo do meu rosto. Meu cabelo era mais castanho que vermelho até eu sair na rua. Então eu me transformava em um caminhão de bombeiros. — Você consegue. Acredito plenamente nisso. Rosa acredita nisso. Você só tem que acreditar nisso, Mallory. Minha respiração ficou presa na garganta. — Muito obrigada. Duas palavras. Elas não eram poderosas o suficiente, porque, como poderiam ser, se Carl
e Rosa tinham salvado minha vida? Literal e figurativamente. Em relação a eles, eu estivera no lugar certo, na hora certa, por todas as razões erradas no universo. Nossa história parecia ter saído de um especial da Oprah ou de um filme da ABC Family. Irreal. Dizer muito obrigada nunca seria o suficiente depois de tudo o que fizeram por mim. E, por causa de tudo o que fizeram por mim, de todas as oportunidades que me deram, eu queria ser o mais perfeita possível. Eu devia isso a eles. E o dia de hoje tinha a ver com isso. Corri para a ilha, peguei minha mochila e as chaves antes que eu desmoronasse e começasse a chorar como uma criança que acaba de descobrir que Papai Noel não existe. Como se lesse minha mente, Carl me parou à porta. — Não me agradeça — disse ele. — Mostre-nos. Comecei a assentir, mas me contive. — Certo — sussurrei. Então ele sorriu, enrugando a pele ao redor dos olhos. — Boa sorte. Abrindo a porta da frente, saí para a varanda estreita e para o ar quente de uma manhã com sol brilhante do final de agosto. Meu olhar vagou sobre o jardim da frente perfeitamente paisagístico, que combinava com a casa do outro lado da rua e era idêntico a todas as casas do loteamento Pointe. Todas as casas. Às vezes eu ainda ficava chocada por estar morando em um lugar como este — uma grande casa com quintal e flores artisticamente plantadas, com um carro que era meu no acesso recém-asfaltado. Às vezes não parecia real. Como se eu fosse acordar e estar de volta... Balancei a cabeça, afastando esses pensamentos enquanto me aproximava do Honda Civic de uma década de uso. O carro havia pertencido à filha legítima de Rosa e Carl, um presente de formatura do ensino médio dado a Marquette antes de ela ir para a faculdade estudar a fim de se tornar médica, como eles. Filha legítima. O Dr. Taft sempre me corrigia quando eu me referia a Marquette desse jeito, porque ele acreditava que isso, de alguma forma, diminuía o meu significado para Carl e Rosa. Eu esperava que ele estivesse certo, porque alguns dias eu me sentia como a grande casa com o jardim bem cuidado.
Alguns dias eu não me sentia real. Marquette nunca foi para a faculdade. Aneurisma. Estava ali num minuto e, no instante seguinte, partiu, e ninguém pôde fazer nada. Eu imaginava que isso era algo com que Rosa e Carl sempre tinham lutado. Eles salvaram tantas vidas, mas não conseguiram salvar a mais importante. Era um pouco estranho que o carro fosse meu agora, como se eu fosse uma espécie de filha substituta. Eles nunca me fizeram sentir desse jeito e eu nunca diria isso a eles, mas, ainda assim, quando eu estava atrás do volante, não podia deixar de pensar em Marquette. Acomodei minha bolsa no banco do passageiro. Meu olhar deslizou pelo interior do carro, pousando sobre o reflexo dos meus olhos no retrovisor. Eles estavam muito arregalados. Eu parecia um cervo prestes a ser abatido, se cervos tivessem olhos azuis, mas isso não importa. A pele ao redor dos meus olhos estava pálida, as sobrancelhas contraídas. Eu parecia assustada. Suspiro. Não era assim que eu queria parecer no meu primeiro dia de aula. Comecei a olhar para longe, mas o medalhão de prata pendurado no retrovisor roubava minha atenção. Não era muito maior que uma moeda de vinte e cinco centavos. Havia um homem de barba gravado em alto-relevo dentro daquela medalha oval. Ele estava escrevendo em um livro com uma pena. Acima dele, estavam as palavras SÃO LUCAS e, abaixo, ROGAI POR NÓS. São Lucas era o padroeiro dos médicos. O colar tinha pertencido a Rosa. Sua mãe lhe dera quando ela entrou para a faculdade de medicina, e Rosa o dera a mim quando falei que estava pronta para ir à escola pública no último ano. Imaginei que ela o dera a Marquette em algum momento, mas não perguntei. Acho que havia uma parte de Rosa e Carl que esperava que eu seguisse seus passos, como Marquette estava planejando fazer. Mas tornar-se cirurgião requer assertividade, confiança e uma personalidade quase destemida.Três características que literalmente ninguém jamais usaria para me descrever. Carl e Rosa sabiam disso, então estavam me empurrando mais na direção da pesquisa, uma vez que, de acordo com eles, em meus anos de educação em casa, eu havia demonstrado a mesma aptidão para as ciências que Marquette. Embora eu não tenha protestado, passar todo o tempo estudando micróbios ou células soava tão interessante quanto ficar para sempre repintando de
branco as paredes do meu quarto. Mas eu não tinha ideia do que queria além de ir para a faculdade, porque, até Rosa e Carl entrarem na minha vida, a faculdade nunca, nunca fizera parte da equação. O trajeto até a Lands High levou exatamente dezoito minutos, como eu esperava. No momento que o edifício de tijolos de três andares apareceu, para além dos campos de beisebol e futebol, fiquei tensa, como se uma bola de beisebol extremamente rápida viesse na direção do meu rosto e eu houvesse esquecido a luva. Meu estômago embrulhou, e minhas mãos apertaram o volante. A escola era enorme e relativamente nova. Seu site dizia que havia sido construída na década de 1990 e, em comparação com outras escolas, ainda reluzia. Reluzia e era enorme. Passei pelos ônibus que manobravam para deixar os passageiros, e segui outro carro ao redor da vasta estrutura, na direção de um estacionamento do tamanho de um shopping. Estacionar não foi difícil, e eu estava um pouco adiantada, então usei aqueles quinze minutos para fazer uma espécie de afirmação diária, uma coisa meio cafona, meio vergonhosa. Eu posso fazer isso. Eu vou conseguir. De novo e de novo, eu repetia essas palavras enquanto saía do Honda, jogando minha mochila nova sobre o ombro. Meu coração batia tão forte e tão rápido que achei que ia vomitar enquanto olhava ao meu redor, observando o mar de corpos que fluía em direção à passarela que levava à entrada dos fundos da Lands High. Diferentes feições, cores, formas e tamanhos me cumprimentavam. Por um momento, foi como se meu cérebro estivesse entrando em curto-circuito. Prendi a respiração. Olhos passavam por mim, alguns se detinham, outros seguiam adiante como se nem me tivessem notado parada ali, o que, de certo modo, era compreensível, porque eu estava acostumada a não ser nada mais que um fantasma. Minha mão tremeu na alça da mochila e, com a boca seca, forcei minhas pernas a se moverem. Entrei naquela onda de pessoas, deslizando para junto delas. Eu me concentrei no rabo de cavalo louro da menina à minha frente. Meu olhar desceu. Ela estava usando saia jeans e sandálias. Sandálias gladiadoras laranja brilhantes. Elas eram bonitas. Eu poderia dizer isso a ela. Começar uma conversa. O rabo de cavalo também era impressionante. Tinha um tufo no alto da cabeça, do tipo que eu nunca conseguiria fazer, mesmo depois de assistir a uma dúzia de tutoriais no YouTube. Sempre que tentei,
parecia que minha cabeça era torta. Mas eu não disse nada. Quando ergui os olhos, deparei com um garoto ao meu lado. Sua expressão era sonolenta. Ele não sorriu nem franziu a testa, nem fez nada além de voltar a atenção para o celular que tinha na mão. Nem estou certa se ele me viu. O ar da manhã estava quente, mas, no momento que entrei na escola quase gelada, fiquei grata pelo cardigã fino que cuidadosamente combinei com minha blusa e calça jeans. Da entrada, todos se espalharam em várias direções. Alunos menores que tinham mais ou menos a minha altura, mas que definitivamente eram muito mais novos, passaram depressa sobre o Viking vermelho e azul pintado no chão, as mochilas pulando em suas costas enquanto se esquivavam de corpos mais altos e mais largos. Outros andavam como zumbis, devagar e aparentemente sem rumo. Eu estava em algum lugar no meio disso, me movendo no que parecia ser um ritmo normal, mas que, na verdade, eu havia treinado. Alguns alunos corriam para outros, abraçando-os e rindo. Imaginei que fossem amigos que não se viram durante as férias de verão, ou que talvez fossem apenas pessoas realmente animadas. De qualquer maneira, eu olhava para eles enquanto andava. Vê-los me fez lembrar da minha amiga Ainsley. Como eu, ela havia estudado em casa — ainda estudava —, mas se fosse diferente, imaginei que seríamos como essas crianças, pulando em direção uma à outra, rindo, animadas. Normais. Ainsley provavelmente ainda estava na cama. Não que ela ficasse de preguiça o dia todo, mas porque nosso instrutor dava férias de verão um pouco diferentes. Ela ainda estava de férias, mas, quando seu ano começasse, suas horas de estudo seriam tão rigorosas e exaustivas quanto as minhas tinham sido. Saí de meu devaneio, subi as escadas no final do amplo corredor, perto da entrada do refeitório. Só de estar ali perto, minha pulsação acelerou, e meu estômago se retorceu de náuseas. Almoço. Oh, Deus, o que eu iria fazer com o almoço? Eu não conhecia ninguém, nem uma única pessoa, e ia... Eu me interrompi, incapaz de realmente pensar naquilo agora. Se fizesse isso, havia uma boa chance de me virar e correr de volta para a segurança do
meu carro. Meu armário ficava no segundo andar, no meio do corredor, número 234. Eu o encontrei sem problemas, e, bônus, ele se abriu na primeira tentativa. Torcendo a cintura, peguei um fichário que iria usar para as aulas da tarde e o pus na prateleira de cima, ciente de que receberia livros enormes hoje. O armário ao lado do meu se fechou, fazendo com que eu saltasse, tensa. Meu queixo se ergueu. Uma menina alta, de pele negra e tranças minúsculas em toda a cabeça, deu um sorriso rápido na minha direção. — Oi. Minha língua travou, e eu não consegui pronunciar aquela palavra pequena e estúpida antes de a menina com cabelo curto se virar e sair. Fracasso. Sentindo-me estúpida de dez formas diferentes, revirei os olhos e fechei meu armário. Virando-me, meu olhar caiu nas costas de um cara que seguia na direção oposta. Meus músculos se tensionaram de novo enquanto eu olhava para ele. Eu nem sabia como ou por que acabei o observando. Talvez porque ele fosse uma cabeça mais alta do que qualquer um ao seu redor. E, como uma completa maluca, eu não conseguia desviar os olhos. Ele tinha cabelo ondulado, algo entre castanho e preto, curto na nuca bronzeada e mais longo na parte de cima. Eu me perguntei se caía sobre a sua testa, e senti uma pontada no peito ao me lembrar de um menino que conheci alguns anos antes, cujo cabelo sempre fazia isso — caía para a frente, não importava quantas vezes ele o tirasse do rosto. Meio que fazia meu coração doer pensar nesse menino. Seus ombros eram largos sob uma camiseta preta, os bíceps definidos de um modo que me fez pensar que ele era alguém que praticava esportes ou que fazia muito trabalho braçal. Seus jeans eram desbotados, mas não de um jeito caro. Eu sabia a diferença entre calças jeans de marca, desenhadas para parecer usadas, e aquelas que eram simplesmente velhas, em seus últimos dias de uso. Ele carregava um único caderno na mão e, mesmo de onde eu estava, o caderno parecia tão velho quanto sua calça. Algo estranho me atravessou, certo sentimento de familiaridade, e enquanto fiquei parada na frente do meu armário, eu me vi pensando em uma coisa brilhante em um passado cheio de sombras e escuridão. Pensei no menino que fazia meu peito doer, aquele que tinha prometido
que seria para sempre. Fazia quatro anos que eu não o via nem ouvia falar dele. Quatro anos tentando apagar tudo o que tinha a ver com essa parte da minha infância, mas eu me lembrava dele. Gostaria de saber dele. Como eu poderia não querer isso? Sempre seria assim. Ele tinha sido o único motivo pelo qual sobrevivi à casa na qual crescemos.
CAPÍTULO 2
Uma coisa que aprendi rapidamente depois do primeiro tempo de aula foi que a última fileira de carteiras da sala era uma localização privilegiada. Perto o suficiente para enxergar o quadro, mas longe o bastante para que houvesse uma boa chance de que o professor não lhe fizesse perguntas. Cheguei a todas as minhas aulas que valiam créditos para a faculdade antes de todo mundo, e peguei uma carteira no fundo, misturando-me antes mesmo de ser vista. Ninguém falou comigo. Não até pouco antes do almoço, no início da aula de inglês, quando uma menina de pele morena escura, com olhos cor de ameixa, se sentou na cadeira vazia ao meu lado. — Oi — cumprimentou ela, batendo um caderno grosso na superfície plana conectada à cadeira. — Ouvi dizer que o Sr. Newberry é um verdadeiro idiota. Dê uma olhada nas fotos. Meu olhar se desviou rapidamente para a frente da sala. Nosso professor ainda não tinha chegado, mas no quadro estavam alinhadas fotos de autores famosos. Shakespeare, Voltaire, Hemingway, Emerson e Thoreau foram alguns que reconheci, embora eu provavelmente não conseguisse reconhecêlos se não ficasse o tempo inteiro estudando. — Todos homens, certo? — continuou a menina e, quando voltei a olhar para ela, vi que os cachinhos pretos saltavam enquanto ela balançava a cabeça. — Minha irmã teve aula com ele há dois anos e me avisou que ele basicamente pensa que você precisa de um pau para produzir qualquer coisa de valor literário. Meus olhos se arregalaram. — Então, acho que esta matéria deve ser muito divertida. — Ela sorriu, exibindo dentes brancos alinhados. — A propósito, meu nome é Keira Hart.
Não me lembro de você do ano passado. Não que eu conheça todo mundo, mas acho que teria pelo menos visto você por aí. O suor cobria as palmas das minhas mãos, enquanto ela continuava a olhar para mim. A pergunta que ela fazia era simples. A resposta era fácil. Minha garganta secou, e pude sentir o calor subindo pelo pescoço enquanto os segundos se passavam. Use as palavras. Meus dedos se enrolaram contra as solas de couro macio das minhas sandálias, e senti minha garganta arranhada quando forcei as palavras. — Eu sou... Eu sou nova. Pronto! Consegui. Eu falei. Tome isso, todo mundo! As palavras comem na minha mão. Tudo bem, talvez eu estivesse exagerando meu feito, já que tecnicamente só havia falado três palavras e repetido duas. Mas eu não viraria um balde de água gelada em mim mesma, porque falar com pessoas novas era difícil para mim. Tipo, tão difícil quanto seria para alguém andar nu na sala de aula. Keira não pareceu notar minha bobeira interna. — Foi o que pensei. — E então ela esperou e, por um momento, não entendi por que ela estava me olhando com tanta expectativa. Então compreendi. Meu nome. Ela estava esperando que eu dissesse meu nome. O ar assobiou entre meus dentes. — Eu sou Mallory... Mallory Dodge. — Legal. — Ela assentiu e jogou os ombros curvos contra o encosto da cadeira. — Oh. Aí vem ele. Não nos falamos de novo, mas eu estava me sentindo muito bem com o total de dez palavras ditas, e definitivamente estava contando as repetidas. Rosa e Carl contariam. O Sr. Newberry falava com um ar pretensioso que até mesmo uma novata como eu perceberia, mas isso não me incomodava. Eu estava flutuando numa onda de realização. Então veio o almoço. Andar pelo refeitório grande e barulhento foi como ter uma experiência extracorpórea. Meu cérebro gritava para eu encontrar um lugar mais silencioso, mais fácil — mais seguro —, mas eu me forcei a continuar, um pé na frente do outro.
Os nervos haviam formado nós no meu estômago enquanto eu esperava na fila do refeitório. Tudo que peguei foi uma banana e uma garrafa d’água. Havia tantas pessoas ao meu redor e tanto barulho — risadas, gritos e um zumbido de conversa baixo e constante. Eu estava completamente fora do meu ambiente. Todos estavam acomodados em longas mesas quadradas, amontoados em grupos. Pelo que eu podia ver, ninguém estava sentado sozinho e eu não conhecia ninguém. Eu seria a única pessoa sentada sozinha. Horrorizada com essa percepção, senti meus dedos se apertarem em torno da banana que eu segurava. O cheiro de desinfetante e de comida queimada me invadiu. Senti uma pressão no peito e um aperto na garganta. Tomei ar, mas parecia que ele não enchia meus pulmões. Uma série de tremores dançava na base do meu crânio. Eu não ia conseguir. Havia muito barulho e muitas pessoas no que então parecia ser uma área pequena, confinada. Nunca era tão barulhento assim em casa. Nunca. Meu olhar correu por toda parte, sem realmente ver nenhum detalhe. Minha mão tremia tanto que eu estava com medo de deixar a banana cair. O instinto entrou em ação, e meus pés começaram a se mover. Corri para o corredor um pouco mais silencioso e segui adiante, passando por alguns alunos encostados nos armários e pelo cheiro fraco de cigarro que os rodeava. Inspirei fundo e lentamente algumas vezes, de um jeito tranquilo, que, na verdade, não me acalmava em nada. Distanciar-me cada vez mais do refeitório era o que me acalmava, e não as respirações estúpidas. Fiz uma curva e parei de repente, evitando por pouco bater de frente com um menino não muito mais alto que eu. Ele tropeçou para o lado, os olhos vermelhos arregalados de surpresa. Havia nele um cheiro impregnado que, de início, pensei que fosse de cigarro, mas, quando inalei, percebi que era mais rico, terroso e denso. — Desculpe, chula — murmurou ele, e seus olhos deslizaram lentamente das pontas dos meus dedos dos pés até de volta para meu olhar. Ele começou a sorrir. No fim do corredor, um garoto mais alto acelerou o passo. — Jayden, para onde você acha que vai correndo assim? Precisamos conversar. O garoto que presumi que fosse Jayden se virou, passando a mão sobre o cabelo escuro cortado rente enquanto murmurava:
— Mierda, hombre. Uma porta se abriu, e um professor saiu, franzindo a testa enquanto seu olhar passava de um para o outro. — Já, Sr. Luna? É assim que vamos começar este ano? Achei que era hora de sair do corredor, porque nada no rosto daquele garoto mais alto dizia que ele estava feliz ou que parecia amigável, e a carranca profunda do professor quando Jayden continuou andando fez parecer que ele ia esquartejar alguém. Passei depressa por Jayden e mantive o queixo abaixado, sem fazer contato visual com ninguém. Fui parar na biblioteca, jogando Candy Crush no celular até que o sinal tocou, e passei para a aula seguinte — história — furiosa comigo mesma, porque eu não tinha sequer tentado. Essa era a verdade. Em vez disso, eu havia me escondido na biblioteca, como uma idiota, jogando um jogo estúpido que só podia ter sido criado pelo demônio, porque eu era realmente péssima nele. A dúvida caiu sobre mim como um cobertor pesado e áspero. Eu havia chegado bem longe nos últimos quatro anos. Eu não era nada parecida com a garota que costumava ser. Sim, eu ainda tinha recaídas, mas estava mais forte do que aquela pessoa que já fora, vivendo numa bolha, não estava? Rosa ficaria muito decepcionada. Minha pele começou a coçar enquanto me dirigia para a última aula, meus batimentos cardíacos provavelmente estavam em algum lugar perto do território de um acidente vascular cerebral, porque o último tempo foi o pior tempo de toda a história. Aula de comunicação oral. Também conhecida como Oratória. Quando me matriculei na escola, na primavera passada, eu me sentia bastante encorajada, enquanto Carl e Rosa olhavam para mim como se eu estivesse meio louca. Eles disseram que poderiam dar um jeito de eu não cursar essa aula, embora fosse uma exigência em Lands High, mas eu tinha algo a provar. Eu não queria que eles se metessem nesse assunto. Eu queria — não, eu precisava fazer isso. Droga! Agora eu gostaria de ter tido um pouco de bom senso e tê-los deixado fazer o que fosse necessário para me liberar, porque aquele era um pesadelo prestes a acontecer. Quando vi a porta da sala aberta, no terceiro andar, ela me
encarava. E lá dentro brilhava. Meus passos vacilaram. Uma menina passou ao meu lado, franzindo os lábios ao olhar para mim, me avaliando. Eu queria me virar e fugir. Entrar no Honda. Ir para casa. Ficar em segurança. Continuar sendo a mesma. Não. Apertando os dedos em torno da alça da minha mochila, eu me obriguei a prosseguir, e foi como caminhar pela lama na altura dos joelhos. Cada passo parecia lento. Cada inspiração chegava com dificuldade aos meus pulmões. As luzes no teto zumbiam, e meus ouvidos estavam hipersensíveis à conversa ao redor, mas eu consegui. Meus pés chegaram à última fileira, e meus dedos estavam dormentes, os nós brancos, quando deixei a mochila cair no chão ao lado da minha mesa e deslizei para o meu lugar. Tratei de pegar meu caderno, então agarrei a borda da carteira. Eu estava na aula de oratória. Eu estava ali. Eu havia conseguido. Eu iria comemorar quando chegasse em casa. Do tipo “tomar sorvete com calda direto do pote”. Extremista. Com os nós dos dedos começando a doer, afrouxei o aperto e olhei para a porta, deslizando as mãos úmidas sobre o tampo da mesa. A primeira coisa que vi foi o peito largo envolto em preto e, em seguida, o bíceps bemformado. E havia aquele caderno velho que parecia prestes a se desfazer, batendo contra a coxa dentro do jeans surrado. Era o menino dessa manhã no corredor. Mais que curiosa para ver como era seu rosto, levantei os cílios, mas ele se virara para a porta de novo. A menina do corredor, aquela que tinha passado por mim, estava entrando. Agora que eu estava sentada e meio que respirando, era a minha vez de avaliá-la. Ela era bonita. Muito bonita, como Ainsley. Tinha cabelos lisos cor de caramelo, tão longos quanto os meus, abaixo dos seios. Ela era alta, e a camiseta que usava mostrava uma barriga chapada. Seu olhar castanho-escuro não estava focado em mim dessa vez, mas no garoto à sua frente. A expressão estampada em seu rosto indicava que, de frente, ele era uma visão incrível; quando ele riu, os lábios rosados da garota se abriram em um sorriso largo. O sorriso a transformou de bonita em linda, mas minha atenção
se desviou dela quando os pelinhos se arrepiaram em todo o meu corpo. Aquela risada... Era profunda, rica e de alguma forma familiar. Um arrepio percorreu meus ombros. Aquela risada... Ele estava andando para trás, e fiquei um pouco surpresa que não tropeçasse em nada. Na verdade, fiquei com um pouco de inveja. E então percebi que ele estava caminhando para a parte de trás da sala. Em direção a mim. Olhei em volta. Havia apenas alguns lugares vagos, dois à minha esquerda. A menina o seguia. Não apenas o seguia. Ela o tocava. Como se já tivesse feito isso antes. Seu braço magro estava estendido, a mão plantada no meio do torso do garoto, logo abaixo do peito. Ela mordeu o lábio inferior enquanto deslizava a mão mais para baixo. As pulseiras douradas ficaram terrivelmente próximas do cinto de couro desgastado. Minhas bochechas esquentaram quando o vi se afastar, saindo do alcance. Havia algo de lúdico naqueles movimentos, como se aquela dança fosse uma rotina diária para os dois. Ele se virou no final das carteiras, indo para trás da cadeira ocupada, e meu olhar subiu pelos quadris estreitos, pela barriga que a menina havia tocado, subiu, subiu e então vi seu rosto. Parei de respirar. Meu cérebro não conseguia assimilar o que eu via. Ele não processava aquelas informações. Olhei para ele, realmente o vi — um rosto que era familiar e, ao mesmo tempo, novo para mim, mais maduro do que eu me lembrava, porém ainda dolorosamente bonito. Eu o reconheci. Ai, meu Deus, eu o reconheceria em qualquer lugar, mesmo já passados quatro anos e ainda que a última vez que o tenha visto, naquela noite tão horrível, tivesse mudado minha vida para sempre. Era muito surreal. Agora, o motivo para ele ter me surgido à mente pela manhã fazia sentido, porque eu o tinha visto, mas não havia percebido que era ele. Eu não conseguia me mexer, não conseguia inspirar ar suficiente e não podia acreditar que isso estivesse acontecendo. Minhas mãos escorregaram da mesa, caindo frouxamente no meu colo enquanto ele afundava na carteira ao meu lado. Seu olhar vidrado na garota que ocupou a carteira ao lado, e seu perfil, a mandíbula forte que apenas se insinuava na última vez que o vi, se inclinou quando seus olhos se moveram até a frente da sala e percorreram o quadro que se estendia por toda a parede. A aparência dele era semelhante à
de antes, porém maior e com tudo mais... mais definido. Desde as sobrancelhas mais escuras do que a mistura de preto e castanho dos cabelos, até os cílios grossos, os malares proeminentes e a barba rala que cobria a curva de seu queixo. Meu Deus, ele havia crescido da maneira como eu imaginava quando tinha 12 anos e comecei a realmente olhar para ele, quando passei a vê-lo como um garoto. Eu não podia acreditar que ele estava ali. Meu coração estava tentando pular para fora do peito enquanto seus lábios — lábios mais cheios do que eu me lembrava — se curvavam para cima, e um nó se formou na minha barriga quando a covinha marcou sua bochecha direita. A única covinha que ele tinha. Não havia um par. Apenas uma. Minha mente correu de volta nos anos, e eu só conseguia pensar no punhado de vezes em que o vira relaxado. Recostando-se na cadeira que parecia muito pequena para seu corpo, ele virou a cabeça para mim lentamente. Os olhos castanhos com pequenas manchas douradas encontraram os meus. Olhos que eu nunca tinha esquecido. O sorriso fácil, quase preguiçoso, que eu nunca vira em seu rosto se congelou. Seus lábios se abriram e uma palidez tomou sua pele morena. Aqueles olhos se arregalaram, as manchas douradas parecendo crescer. Ele me reconheceu. Eu havia mudado muito desde então, mas, ainda assim, o reconhecimento se revelou em suas feições. Ele estava se mexendo de novo, inclinando-se para mim. Três palavras rugiram do passado e ecoaram em minha cabeça. Não faça barulho. — Ratinha? — sussurrou ele.
CAPÍTULO 3
Ratinha. Ninguém além dele me chamava assim, e fazia tanto tempo que eu não ouvia esse apelido que nunca achei que voltaria a ouvi-lo. E nunca, nem em um milhão de anos, eu me atreveria a ter esperança de vê-lo outra vez. Mas ali estava ele, e eu não conseguia parar de encará-lo. Nada do menino de 13 anos que ele tinha sido restara no garoto à minha frente, mas era ele. Eram os mesmos olhos castanhos amáveis, com manchas douradas, e a mesma pele bronzeada, um traço de seu pai, que tinha sido, possivelmente, metade branco, metade hispânico. Ele não sabia de onde a mãe ou qualquer outra pessoa de sua família vinham. Um dos nossos... assistentes sociais achava que sua mãe talvez tivesse sangue latino, talvez brasileiro, mas ele provavelmente nunca saberia. De repente, eu o vi — o ele de antes, de quando éramos pequenos e ele era a única coisa estável em um mundo de caos. Aos 9 anos — maior do que eu, mas ainda muito pequeno —, ele se postou entre mim e o Sr. Henry na cozinha, como fizera muitas vezes antes, enquanto eu segurava a boneca ruiva — Velvet — que ele tinha acabado de recuperar para mim. Eu a abraçava apertado, tremendo, e ele estufou o peito, as pernas abertas. “Deixe ela em paz”, rosnou, as mãos se cerrando em punhos. “É melhor você ficar longe dela.” Eu me arranquei daquele devaneio, mas havia tantas lembranças dele vindo em meu socorro por alguma razão ou outra, até que ele não pôde mais, até que a promessa de para sempre foi quebrada, e tudo... tudo desmoronou. Seu peito subiu com uma respiração profunda, e, quando ele falou, voz soou baixa e áspera: — É você mesmo, Ratinha?
Levemente consciente da garota do outro lado, vi os olhos dela se arregalarem tanto quanto os meus enquanto nos observava. Minha língua era inútil, o que, pela primeira vez, foi estranho, porque ele... ele tinha sido a única pessoa com quem eu nunca tivera problema de falar, mas isso fora em um mundo diferente, uma vida diferente. Isso fora há uma eternidade. — Mallory? — sussurrou ele. Virou-se completamente para mim e, por um momento, achei que ele ia sair da cadeira. E isso seria a cara dele, porque ele não temia nada. Nunca temera. Perto como estávamos, vi a pequena cicatriz acima de sua sobrancelha direita, um ou dois tons mais claros que a pele. Lembrei-me de como ele a havia conseguido, e meu peito doeu de novo, porque aquela cicatriz simbolizava um biscoito roubado e um cinzeiro quebrado. Um cara na nossa frente se virou para trás no assento. — Oi. — Como não obteve resposta, ele estalou os dedos. — E aí, cara? Oi? Ele ignorou o garoto, ainda olhando para mim, como se um fantasma tivesse aparecido bem na sua frente. — Tanto faz — murmurou o garoto, virando-se para a menina, mas ela também o ignorou. Estava focada em nós. O sinal tocou, e eu soube que o professor tinha entrado, porque a conversa na sala foi diminuindo. — Você me reconhece? — Sua voz ainda soava pouco mais que um sussurro. Seus olhos continuavam presos nos meus, e eu falei o que acabou por ser a palavra mais fácil que eu já disse na vida: — Sim. Ele caiu de volta na cadeira, endireitando os ombros tensos. Seus olhos se fecharam. — Jesus Cristo — murmurou, esfregando a palma da mão no peito. Eu pulei no meu lugar quando o professor bateu a mão na pilha de textos sobre a mesa de canto, forçando-me a olhar para a frente. Meu coração ainda agia como se fosse uma britadeira fora de controle. — Muito bem, como vocês estão na minha aula, todos devem saber quem eu sou, mas, para o caso de alguém estar perdido, sou o Sr. Santos. — Ele se apoiou na mesa, cruzando os braços. — E esta é a aula de oratória. Se você não deveria estar aqui, provavelmente deveria estar em outro lugar.
O Sr. Santos continuou a falar, mas o sangue correndo em minhas veias abafou suas palavras, e meus pensamentos também ficaram empacados pelo fato de que ele estava sentado ao meu lado. Ele estava aqui; depois de todos esses anos, ele estava bem ao meu lado, como estivera desde que tínhamos 3 anos, mas não pareceu feliz ao me ver. Eu não sabia nem o que pensar. Um misto de esperança e desespero girou dentro de mim, combinado a memórias amargas e doces às quais me agarrava e, ao mesmo tempo, desejava esquecer. Ele estava... Fechei bem os olhos e engoli o caroço alojado em minha garganta. Livros didáticos foram entregues, seguidos por um plano de estudos. Ambos ficaram na minha mesa, intocados. O Sr. Santos passou por alto os tipos de textos que iríamos escrever e apresentar ao longo do ano, tudo — desde um discurso informativo até uma entrevista com um colega de classe. Embora eu estivesse prestes a surtar quando entrei na classe, a perspectiva de ter que fazer vários discursos na frente de trinta pessoas agora parecia a coisa mais distante de meus pensamentos. Olhei para a frente, percebendo que Keira também estava nesta aula, sentada na frente do garoto que tentara chamar a atenção dele no início. Eu não tinha certeza se ela havia reparado em mim quando entrei. Mas talvez tivesse reparado e não se importasse. Por que ela se importaria? Só porque ela falou comigo em uma aula não significava que estivesse na fila para ser minha melhor amiga. Meu fracasso no almoço parecia haver acontecido anos antes. Eu estava consciente de cada respiração. Incapaz de me impedir, prendi o cabelo para trás enquanto olhava à minha esquerda. Meu olhar se cruzou com o dele, e eu inspirei, instável. Quando éramos mais novos, eu sempre podia ler sua expressão. Mas agora? Seu rosto parecia completamente impassível. Ele estava feliz? Irritado? Triste? Ou tão confuso quanto eu? Eu não sabia, mas ele não tentou esconder que estava me encarando. Senti o calor invadir minhas bochechas quando desviei o olhar e, de alguma forma, acabei olhando para a garota ao lado dele. Ela olhava para a frente, os lábios pressionados em uma linha fina e firme. Meu olhar se voltou para onde suas mãos se fechavam em punhos, descansando sobre a mesa. Desviei o olhar novamente. Talvez cinco minutos se tivessem passado antes que eu cedesse e voltasse
a olhar para ele. Ele não estava olhando na minha direção, mas sua mandíbula se mexia, fazendo um músculo vibrar em sua bochecha. Tudo que pude fazer foi ficar de boca aberta para ele, como uma completa idiota, incapaz de qualquer outra coisa. Quando era mais novo, todos sabiam que ele se tornaria bonito a ponto de partir corações. Ele tinha tudo para isso: olhos grandes, lábios expressivos e estrutura óssea definida. Às vezes, isso tinha sido... uma coisa muito ruim para ele. Recebera todo o tipo de atenção. Parecia que o Sr. Henry queria quebrá-lo como se fosse porcelana fina. Então havia os homens que entravam e saíam da casa. Alguns deles tinham... Eles tinham se interessado muito por ele. Com a boca seca, afastei esses pensamentos. Eu não devia estar tão chocada com quão atraente ele se tornara, mas, como Ainsley diria, ele era estupidamente gostoso. Enquanto o Sr. Santos estava distribuindo fichas, por algum motivo que eu havia perdido, o cara na nossa frente se virou de novo, com seu olhar cor de alga-marinha direto: — Confirmado depois da aula? Eu não pude evitar. Meu olhar se voltou para ele. Lábios tensos e braços cruzados sobre o peito, ele assentiu brevemente. O cara levantou as sobrancelhas escuras antes de olhar na direção do Sr. Santos. — Precisamos falar com Jayden. Jayden? Pensei no garoto em quem eu quase havia esbarrado no corredor. A garota ergueu os olhos, a cabeça inclinada para o lado. — Entendi, Hector — respondeu ele, a voz entrecortada, e fiquei impressionada com quão grave sua voz soava agora. Um momento se passou enquanto o queixo dele se inclinou na minha direção. Corando, desviei o olhar, mas não antes de ver os olhos verdes e curiosos de Hector se deslocarem para mim. O resto da aula foi um exercício de lançar olhares roubados para ele, como se eu precisasse vê-lo para me lembrar de que estava mesmo sentado ali. Eu não era muito boa em ser furtiva, porque tinha certeza de que a garota do outro lado dele, a menina que o havia tocado com muita familiaridade a caminho das cadeiras, me flagrara cerca de meia dúzia de vezes. À medida que os minutos iam se passando, meu estômago começou a
embrulhar com os nós cada vez maiores que se formavam. A ansiedade rondava, como uma víbora esperando para atacar com seu veneno paralisante. A pressão fechou minha garganta, como garras de aço, até me fazer perder todo o fôlego. Uma queimadura de gelo se arrastou até a minha nuca e depois se esparramou pela base do meu crânio. Minha próxima inspiração ficou engasgada, e, então, eu percebi — a sensação de inundação que me fazia perder o controle. Respire. Eu precisava respirar. Fechando os dedos nas palmas das mãos, forcei meu peito a subir e descer de forma uniforme, e quis que meu coração se acalmasse. Quando eu fazia terapia, o Dr. Taft tinha incutido em mim a ideia de que eu não estava perdendo o controle do meu corpo quando isso acontecia. Basicamente, estava tudo na minha cabeça, às vezes era desencadeado por determinado barulho alto ou um aroma que me fazia voltar no tempo. Às vezes, eu nem tinha certeza do que desencadeava esse processo. Hoje eu sabia. O gatilho estava sentado bem ali, ao meu lado. Esse pânico era real, porque ele era real e o passado que ele simbolizava não era produto da minha mente. O que eu diria a ele quando o sinal tocasse e as aulas terminassem? Quatro anos se haviam passado desde aquela noite. Será que ele ainda iria querer falar comigo? E se ele não quisesse? Oh, Deus! E se minha volta não fosse algo que ele esperasse ou nem tivesse pensado nisso? Ele tinha... Ele tinha aguentado muita coisa por mim, por minha causa. Embora houvesse bons momentos ao longo de nossos dez anos juntos, havia um monte de coisas ruins. Muitas. E seria... Sim, seria péssimo se ele se levantasse e saísse da sala sem dizer mais uma palavra, mas, de certa forma, isso também seria melhor. Pelo menos agora eu sabia que ele estava vivo e parecia estar fisicamente ileso (e parecia estar familiarizado com a outra garota). Talvez ela fosse sua namorada. Isso significava que ele estava feliz, certo? Feliz e inteiro. Saber que estava bem significava que eu podia oficialmente encerrar esse capítulo da minha vida. Só que eu achava que já havia encerrado esse capítulo. Agora ele era reaberto, voltando ao início.
Quando o sinal tocou, o modo de proteção foi acionado, como havia acontecido tantas e tantas vezes no passado. Eu nem sabia o que estava fazendo. Um antigo instinto ergueu sua cabeça, como um dragão adormecido, um instinto que eu havia passado quatro anos tentando dominar, mas ao qual já tinha cedido uma vez hoje. De pé, peguei meu livro e a mochila do chão. Meu coração batia contra as costelas quando contornei depressa nossas carteiras e não olhei para trás. Não dei a ele a chance de ir embora primeiro. Minhas sandálias batiam no chão enquanto eu avançava pelo corredor, ultrapassando alunos mais lentos enquanto enfiava o livro na mochila. Eu provavelmente parecia uma idiota. Bem, eu me sentia como uma. Irrompi porta afora, para o sol quente. Com o queixo abaixado, segui o caminho para o estacionamento, as mãos trêmulas enquanto eu as abria e fechava, porque parecia que o sangue havia congelado em meus pulsos. As pontas dos dedos formigavam. O Honda prata brilhou à minha frente, eu fui até ele com a respiração funda e irregular. Eu iria para casa e eu iria... — Mallory. Meu pulso foi a pique ao som do meu nome, e meus passos vacilaram. Eu estava a poucos metros do carro, da fuga, mas me virei lentamente. Ele estava parado ao lado de uma caminhonete vermelha que não estava lá quando estacionei pela manhã, e que eu não havia notado na minha corrida louca para o carro. À luz do sol, seu cabelo era mais castanho que preto, e sua pele, mais profunda, suas feições nítidas. Havia tantas perguntas que de repente desejei poder fazer. O que ele tinha feito nesses últimos quatro anos? Alguém finalmente o adotara? Ou ele estava indo de um lar provisório para outro? Mais importante, ele estava seguro agora? Nem todas as casas coletivas eram ruins. Nem todos os pais adotivos eram horríveis. Veja Carl e Rosa. Eles eram incríveis. Tinham me adotado, mas, antes deles, este garoto parado à minha frente e eu não havíamos tido sorte. Nós tínhamos sido recebidos pelo pior tipo de pessoas, que, de alguma forma, conseguiam passar na inspeção. Assistentes sociais recebiam mal e eram poucos, e a maioria fazia o melhor que podia, mas havia um monte de brechas, e nós tínhamos caído direto em uma da pior maneira. A maioria das crianças para adoção não permanecia no sistema ou num lar
temporário por mais de dois anos. A maioria das crianças era reunida a seus pais ou adotada. Ninguém além do Sr. Henry e da Srta. Becky tinha nos escolhido, e eu ainda não conseguia entender por que eles nos quiseram e, ainda assim, nos tratavam tão mal. Nossos assistentes sociais iam e vinham com a frequência das estações. Os professores na escola devem ter percebido o que passávamos em casa, mas nenhum deles arriscou seu emprego para intervir. A amargura de ser negligenciada e pisoteada durante tanto tempo por um sistema sobrecarregado e falido ainda se agarrava a mim, como uma segunda pele da qual eu me perguntava se algum dia me livraria. Mas em tudo havia o bem e o mal. Será que ele enfim havia encontrado algum bem? — Sério? — disse ele, seus dedos apertados em torno do velho caderno que segurava. — Depois de tudo, depois de quatro anos sem saber o que diabos tinha acontecido com você, você simplesmente aparece na porra da aula de oratória e aí foge? De mim? Inalei bruscamente e abaixei os braços. Minha mochila escorregou do ombro, batendo no asfalto quente. O choque me sacudia, mas, no fundo da minha mente, eu não estava surpresa que ele tivesse ido atrás de mim. Ele nunca fugia. Ele nunca se escondia de nada. Sempre fui eu que fiz isso. Nós tínhamos sido yin e yang. Minha covardia e sua bravura. Sua força e minha fraqueza. Mas essa não era mais eu. Eu não era Ratinha. Eu não era covarde. Eu não era fraca. Ele deu um passo à frente e depois parou, balançando a cabeça enquanto o peito subia e descia sem firmeza. — Diga alguma coisa. Eu lutava para conseguir pronunciar uma palavra. — O quê? — Meu nome. Eu não tinha certeza de por que ele queria que eu dissesse isso, e não sabia como seria a sensação de dizê-lo novamente, depois de todo esse tempo, mas respirei fundo. — Rider. — Outra respiração me fez estremecer. — Rider Stark. Ele engoliu em seco, e, por um instante, nenhum de nós se moveu
enquanto uma brisa úmida soprou fios de cabelo no meu rosto. Em seguida, ele deixou seu caderno cair no chão. Fiquei surpresa que não tenha virado pó. Suas pernas longas cobriram a distância. Em um segundo, havia alguns metros entre nós e, no seguinte, ele estava bem ali na minha frente. Era muito mais alto agora. Eu mal chegava aos seus ombros. E então seus braços me envolveram. Meu coração explodiu quando aqueles braços fortes me puxaram contra seu peito. Houve um momento em que congelei e depois passei os braços em volta de seu pescoço. Eu o segurei, apertando os olhos e inalando o cheiro fresco com um traço persistente de pós-barba. Era ele. Seus abraços eram diferentes agora, mais fortes e mais apertados. Ele me tirou do chão, um braço em volta da minha cintura, a outra mão enterrada em meu cabelo, e os meus seios foram esmagados contra seu peito surpreendentemente duro. Uau! Seus abraços definitivamente estavam diferentes do que eram quando tínhamos 12 anos. — Meu Deus, Ratinha, você não faz ideia... — Sua voz era rouca e grossa. Ele me colocou de volta no chão, mas não me soltou. Um braço continuou em volta da minha cintura. Sua outra mão segurava as pontas do meu cabelo. Seu queixo roçou o topo da minha cabeça enquanto eu deslizava as mãos em seu peito. — Nunca pensei que fosse ver você de novo. Apoiei a testa entre as mãos, sentindo seu coração bater mais rápido. Eu podia ouvir as pessoas ao nosso redor, e imaginava que algumas provavelmente estavam olhando, mas não me importei. Rider era quente e sólido. Real. Vivo. — Droga, eu nem estava planejando vir à escola hoje. Se eu não tivesse... — Sua mão se soltou do meu cabelo, e eu o senti puxar um fio. — Olhe para o seu cabelo. Você não é mais uma cenoura. Deixei escapar uma risada engasgada. Quando eu era mais nova, meu cabelo era uma bagunça vermelho-alaranjada, cheio de caminhos de rato e ondas indisciplinadas, e, graças a Deus, agora tinha se acalmado um pouco. Uma visita a um salão de beleza havia ajudado. Domar os nós e as ondas ainda era uma luta sempre que havia umidade. Rider recuou apenas o suficiente para que, quando eu abrisse os olhos, o visse me observando.
— Olhe para você — murmurou. — Está toda crescida. — Sua mão saiu do meu cabelo, e um calafrio dançou ao longo da minha espinha quando seu polegar roçou meu lábio inferior. O toque me assustou. — E ainda é silenciosa como uma ratinha. Minha coluna enrijeceu. Ratinha. — Eu não sou... Qualquer coisa que eu estivesse prestes a dizer calou de pronto, porque o polegar tinha seguido seu caminho pela minha maçã do rosto, a ponta calosa e áspera, mas o carinho suave. Meu olhar seguiu até os olhos que nunca imaginei que tornaria a ver, mas ele realmente estava ali. Oh, meu Deus, Rider estava ali, e muitos pensamentos me cercavam. Eu só podia me atentar a alguns deles, mas as lembranças vinham à tona, como o sol coroando uma montanha. Uma noite eu acordei, assustada com as vozes estrondosas vindas do escuro lá embaixo. Escapuli para o quarto ao lado do meu, ocupado por Rider, e ele deixou que eu me aninhasse na cama com ele. Então, leu para mim, um livro que eu adorava, um livro que Rider chamava de “a história do coelho estúpido”. Isso sempre me fazia chorar, mas ele leu para mim, para me distrair dos gritos que enchiam a casa pequena e disfuncional. Eu tinha 5 anos, e, daquele momento em diante, ele se tornou todo o meu mundo. Rider de repente recuou e segurou meu braço direito. Ao levantá-lo, virouo e puxou a manga do cardigã leve para cima. As sobrancelhas se uniram quando franziu a testa. — Eu não entendo. Meu olhar seguiu o dele, até onde sua mão se fechava em torno do meu pulso. A pele perto do interior do meu cotovelo era um pouco mais rosada, assim como era a pele do lado de dentro dos meus braços e nas palmas das mãos, mas era quase imperceptível. — Disseram que você tinha sofrido queimaduras graves. — Levantando os olhos, ele estudou meu rosto. — Eu vi levarem você para fora numa maca, Ratinha. Lembro como se fosse ontem. — Eu... Carl... — Balancei a cabeça quando ele franziu ainda mais a testa, pois percebi que ele não tinha ideia de quem era Carl. Eu me concentrei, esperei um pouco e então tentei de novo. — Os médicos do Johns Hopkins. Eles... fizeram enxertos de pele. — Enxertos de pele?
Assenti. — Eu tive... os melhores médicos. Quase não... tenho cicatrizes. — Bem, minhas nádegas, de onde tinham tirado a pele, também eram de um rosa diferente, mas eu duvidava que alguém fosse vê-las num futuro próximo. Seu polegar deslizou lentamente pela parte de dentro do meu pulso, mandando um raio de sensação pelo braço. Por um longo momento, enquanto seu olhar sustentava o meu, ele não disse nada. As manchas douradas em seus olhos estavam mais brilhantes agora, tornando-os mais cor de avelã do que castanhos. — Eles disseram que eu não podia ver você. Eu pedi. Até fui ao hospital municipal. Meu coração parou. — Você foi? Rider assentiu, e a tensão ao redor de sua boca se aliviou. — Você não estava lá. Ou pelo menos eles não me disseram que estava. Uma das enfermeiras chamou a polícia. Eu acabei ... — Ele balançou a cabeça. — Não importa. — Você acabou... o quê? — perguntei, porque importava, sim. Tudo o que tinha acontecido com Rider importava, mesmo quando parecia que o mundo não poderia se importar menos. Seus cílios grossos baixaram por um momento. — A polícia e o Serviço de Proteção à Criança acharam que eu tinha fugido, o que era uma grande idiotice. Por que eu iria fugir para um hospital? Provavelmente porque o Serviço de Proteção à Criança tinha um arquivo nosso da largura do meu Honda. E também porque Rider e eu já havíamos fugido antes. Mais de uma vez. Eu tinha 8 anos, e ele acabara de completar 9 quando decidimos que estaríamos em melhor situação se ficássemos por nossa própria conta. Chegamos ao McDonald’s, duas quadras à frente na nossa rua, antes que o Sr. Henry nos encontrasse. Houve outras vezes. Muitas para contar. Então Rider riu, e senti um aperto no peito, porque, quando olhei para ele, não havia um sorriso em seu rosto marcante. — Aquela noite... — Ele engoliu em seco. — Sinto muito, Ratinha. Hesitante, eu recuei, mas ele continuou segurando meu braço. — Eu o teria parado, mas não parei. — Seus olhos estavam mais escuros.
— Eu não deveria ter tentado... — Não foi culpa sua — sussurrei, enjoada pelo que ele estava dizendo. Olhei para ele. Rider realmente acreditava que aquilo tinha acontecido por causa dele? Sua cabeça se inclinou para o lado. — Sim, eu fiz uma promessa. Não cumpri, não quando mais importava. — Não — declarei e, quando ele começou a responder, puxei meu braço. A surpresa passou pelo seu rosto. — Aquilo... não era uma promessa que você deveria ter feito. A ninguém. — Ele prometera estar ao meu lado para sempre e tinha feito todo o possível para não quebrar sua palavra. Havia coisas que não podiam ser controladas, especialmente por uma criança. Suas sobrancelhas se ergueram depressa, e, em seguida, seus lábios se curvaram lentamente. — Acho que você nunca me disse não antes. Abri a boca para argumentar que nunca tivera motivo para isso, mas a batida da música me interrompeu. Era como um despertador estranho, lembrando que não estávamos em nossa bolha exclusiva. Havia um mundo ao nosso redor. À medida que a música se aproximava, o som suave do baixo sacudindo as janelas do caminhão ao nosso lado, o olhar de Rider se focou num ponto atrás de mim. Então ele chegou mais perto, tão perto que seus tênis desgastados tocaram minhas sandálias. Ele baixou o queixo e levou a mão às costas, tirando o celular do bolso de trás da calça. — Qual é o seu número, Ratinha? Era óbvio que ele iria embora, e eu não queria que ele fosse. Tinha tantas perguntas — um milhão —, mas lhe dei meu número e deslizei as palmas das mãos úmidas no meu jeans. — E aí, Rider, está pronto? — Veio a voz do carro enorme. Eu a reconheci da aula de oratória. Hector. — Temos que ir. Rider olhou para trás de mim de novo e suspirou. Recuando, ele pegou seu caderno no chão e depois minha mochila. Avançando, ele a pôs no meu ombro, os dedos ágeis quando soltou os fios do meu cabelo da alça. Um meio sorriso apareceu quando seu olhar parou em meu rosto. — Ratinha. — Alguém vai te matar — disse Hector, e meu coração pulou no peito. Mas relaxei quando percebi que o tom era leve. Ele estava brincando.
Rider deixou cair a mão e deu um passo em volta de mim. Como se ele tivesse alguma força gravitacional, eu me virei. O carro passava devagar por trás do meu, um Ford Escort velho, com listras azuis, como os de corrida. Hector estava no banco do motorista, um sorriso largo no rosto e um braço para fora da janela, a mão escura batucando na lateral da porta. — Ei, mami — gritou Hector, o sorriso se alargando quando ele mordeu o lábio inferior. — Que cuerpo tan brutal. Eu não tinha ideia do que ele havia acabado de falar, mas parecia ser para mim. — Cale a boca — rebateu Rider, plantando sua grande mão no rosto de Hector e empurrando-o de volta para o lado do motorista. — No la mires. Eu ainda não tinha ideia do que aquilo queria dizer, mas havia algo nas palavras que ele e Hector falavam que não soava como o espanhol que eu ouvia Rosa e Carl falarem em casa. Mas também poderia ser espanhol e eu nem saberia, já que eles tinham desistido de tentar me ensinar a língua havia muito tempo. Um estrondo de graves risadas masculinas subiu de dentro do carro, com Hector jogando a cabeça para trás contra o assento. Um segundo depois, vi um rosto mais jovem que reconheci. Jayden. Ele estava inclinado no banco do carona, por cima de Hector. — Ei! — gritou. — Acho que conheço você. — Você não a conhece — respondeu Rider, abrindo a porta de trás. Torcendo-se para sentar no banco, ele me olhou uma última vez. Nossos olhares se encontraram por um breve momento, e, então, a porta se fechou, vidros fumê o escondendo. O Escort arrancou. Fiquei ali, vagamente consciente de alguém subindo na caminhonete estacionada ao lado do meu carro. Atordoada, me acomodei ao volante e pus a mochila no banco do carona. — Puta merda — sussurrei, quando olhei pelo para-brisa. — Puta merda.
CAPÍTULO 4
Eu não conseguia lembrar exatamente como havia chegado em casa, o que provavelmente não era uma coisa boa. Todo o trajeto foi como um borrão. Quando entrei em casa, ter visto Rider não parecia mais ser verdade. Como se eu tivesse sonhado. Respirei profunda e lentamente. Quatro anos. Quatro anos retirando as camadas desgastadas e danificadas. Quatro anos para desfazer dez anos de sujeira, fazendo o possível para esquecer tudo. Tudo, exceto Rider, porque ele merecia ser lembrado. Mas ele era passado — a parte boa do meu passado, mas, ainda assim, um passado do qual não queria me lembrar. Corri pela casa, derrapando na cozinha. Rosa estava ali, usando um uniforme de cirurgia azul-claro, com estampa de patas de gatinho, e o cabelo puxado para cima em um rabo de cavalo. Ela havia levado a sério essa coisa de chegar mais cedo hoje. Ergueu as sobrancelhas ao se virar para mim. — Oh, piloto de fórmula-1, aonde você vai? — perguntou ela, botando a tigela no balcão. De onde eu estava, pude sentir cheiro de molho italiano. Tantas palavras borbulhavam em mim, e o desejo de contar a ela sobre Rider me atingiu com força, porque eu precisava fazê-lo parecer real outra vez, mas minha garganta estava selada. Se eu contasse a ela sobre Rider, havia noventa por cento de chance de ela surtar. Porque Rosa estivera ao meu lado quando todas as camadas desgastadas e danificadas foram arrancadas de mim. Embora o Dr. Taft fosse do time “Aceite o Seu Passado” e eles normalmente concordassem com tudo o que o Dr. Taft dizia, ela e Carl eram do time “O Passado É Passado”. Acreditavam firmemente que todas as facetas desse tempo deveriam ficar no lugar ao qual pertenciam. E Rider definitivamente era passado.
Então, tudo o que fiz foi dar de ombros enquanto ia até a geladeira pegar uma Coca-Cola. — Como foi seu primeiro dia? — perguntou ela, franzindo a testa para a bebida que escolhi. Virando-me para ela, sorri, embora parecesse que havia pequenas cobras se retorcendo em volta do meu estômago. Elas estavam lá desde que eu tinha entrado no carro. Rosa inclinou a cabeça para o lado e esperou. Suspirei, rolando a lata entre as mãos. — Foi ok. Seus lábios se curvaram em um sorriso, e pequenas linhas se formaram ao redor de seus olhos. — Isso é bom. É ótimo, na verdade. Então, nenhum problema? Balancei a cabeça. — Conheceu alguém? Poucos segundos antes de balançar a cabeça de novo, eu me detive. — Eu... uma menina na aula de inglês. A surpresa cintilou no rosto de Rosa. — Você falou com ela? Respondi dando de ombros. — Mais ou menos. Pela expressão dela, parecia que um terceiro braço havia brotado em mim e eu o balançava, acenando para ela. — O que mais ou menos quer dizer, Mallory? Abri a Coca-Cola. — Ela está na minha turma e se apresentou para mim. Eu disse umas... dez palavras para ela. O olhar de surpresa deu lugar a um sorriso largo, e eu me postei um pouco mais ereta, esquecendo momentaneamente a aparição inesperada de Rider. O sorriso em seu rosto era cheio de orgulho, e eu me aqueci em seu calor. Mostre-nos. Foi isso que Carl dissera pela manhã, e aquele sorriso me dizia que eu estava mostrando a eles. Rosa sabia, de primeira mão, quão longe eu havia chegado e como era uma grande conquista eu me sentir à vontade o bastante para falar com um estranho, mesmo que fossem apenas dez palavras. — Isso é muito bom. — Ela caminhou na minha direção e me abraçou, apertando forte. Respirei fundo, acolhendo o cheiro estranho de sabão
antibacteriano e o leve rastro de maçãs da loção que ela usava. Ela roçou os lábios na minha testa e depois se afastou, apertando meus braços. — O que eu lhe disse? — Que... que não seria difícil — respondi. — E por quê? Mexi no anel da lata do meu refrigerante. — Porque eu já... fiz o trabalho duro. Ela piscou. — Essa é a minha garota. — Ela me apertou de novo. — Sinto muito não poder ter estado aqui esta manhã. Eu realmente queria estar. — Eu... entendo. — Meu sorriso cresceu, esticando tanto meu rosto que quase doeu. Rosa podia não ser minha mãe biológica, mas ela era tudo o que uma mãe devia ser, e eu era muito sortuda. Ela abriu a boca, mas seu celular tocou. Estendendo a mão, Rosa o pegou no balcão, atendendo depressa. Sua postura ficou rígida quando se virou para o lado. — Droga. Você pode esperar um segundo? — Ela pôs a ligação no mudo. — Tenho que ir para o hospital. Algumas complicações com a cirurgia desta manhã. — Oh, não — sussurrei, torcendo para que ela não perdesse o paciente. Se você pesquisasse a palavra forte no Google, juro que Rosa Rivas apareceria ao lado, mas ela sentia a perda de cada paciente como se fosse um membro da família. Eram as únicas vezes em que eu a via beber. Pegava uma garrafa de vinho e desaparecia no escritório, onde ficava de portas fechadas até Carl convencê-la a sair. Sempre me perguntei se isso era por causa de Marquette ou se todos os médicos eram assim. Marquette havia falecido cinco anos antes da noite em que entrei em suas vidas, então eles estavam se aproximando de uma década de sua morte, mas eu sabia que isso não tornava mais fácil suportar aquela perda. — Essas coisas acontecem — disse Rosa com um suspiro. — Carl vai chegar tarde. Tem comida na geladeira. Assenti. Os dois trabalhavam no Johns Hopkins, onde a cirurgia cardíaca de fato foi criada — algo que aprendi com eles. Hopkins era um dos melhores hospitais do mundo, e, quando não estavam em cirurgia, viam-se seriamente envolvidos nos programas de ensino.
Ela hesitou, olhando para a chamada ainda silenciada. — Conversaremos pela manhã, está bem? — Os olhos escuros sustentaram os meus por um momento e então ela abriu um sorriso fugaz e começou a se virar. — Espere — pedi, surpreendendo até a mim mesma quando ela me encarou, os olhos arregalados. Minhas bochechas quentes. — O que... significa no la mires? — Eu tinha massacrado aquelas palavras como uma típica americana, incapaz de falar qualquer forma de espanhol. Suas sobrancelhas se ergueram de novo. — Por que está perguntando isso? Ergui os ombros. — Alguém disse isso a você? — Como não respondi, porque já não tinha certeza se queria saber, ela suspirou. — A tradução é basicamente não olhe para ela. Oh. Oh-oh. Ela estreitou os olhos para mim, e eu tive a sensação de que era sobre isso que conversaríamos pela manhã. Acenando para ela, corri para fora da cozinha e subi os degraus de dois em dois. Meu quarto ficava no fim do corredor, com vista para a rua e ao lado do meu banheiro. Rosa certa vez o chamara de um espaço de tamanho decente. Eu o considerava um palácio. Nele, cabiam uma cama, uma grande cômoda e uma escrivaninha. O assento junto à janela era o que eu mais gostava. Era ótimo para observar as pessoas. A melhor coisa deste quarto — e sempre me senti péssima por pensar assim — era que ele não tinha pertencido a Marquette. Já era difícil o bastante dirigir seu carro e contemplar a faculdade que tinha sido seu sonho. Dormir na antiga cama da garota teria sido insuportável. Largando minha mochila na cama, peguei meu laptop e me espremi no canto da janela, deixando a Coca-Cola no batente. Assim que o computador iniciou, recebi um alerta de mensagem. Ainsley. Sua foto de perfil era do verão — o cabelo louro riscado pelo sol e óculos escuros grandes demais cobrindo metade do rosto. Ela fazia um grande bico de pato para a câmera. Sua mensagem dizia:
Você sobreviveu?
Sorri enquanto enviava para ela um breve sim. Como foi?
Mordendo o lábio, fechei os olhos brevemente e, em seguida, digitei o que estava morrendo de vontade de gritar a plenos pulmões. Rider está na minha escola.
Meu laptop imediatamente explodiu com uma série de variações de Ai, meu Deus que culminaram num fluxo interminável de Jesuuuuuuuuuuuuus. Ainsley sabia de Rider. Ela sabia de como eu cresci. Não de tudo, porque algumas coisas não eram mais fáceis de digitar do que de falar, e ela também entendia que às vezes eu não era a pessoa mais falante do mundo. Mas percebia como isso era importante. Você não o vê há 4 anos. Estou quase fazendo xixi nas calças, Mal!!! Isso é tão épico. Conta tudo!
Ainda mordiscando o lábio, digitei uma recapitulação e fui periodicamente interrompida por seus Ai meu Deus e uhuus. Quando terminei, Ainsley rebateu: Diga que pegou o nº dele! Hum. Não peguei o número dele,
digitei de volta. Ele pegou o meu. Isso pareceu aceitável para ela, e nós conversamos até ela precisar desconectar. As atividades on-line de Ainsley à noite haviam sido limitadas depois que sua mãe descobriu as fotos que ela enviara para o namorado, Todd, em julho. Nem eram tão ruins, apenas ela de biquíni, mas a mãe tinha ficado furiosa e, para minha diversão e horror, fizera Ainsley assistir a vídeos de parto como forma de educação sexual. Não é necessário dizer que Ainsley tinha certeza de que nunca teria filhos, mas isso não a deteve e ela continuava superinteressada em sexo. Ela se despediu depois de me fazer prometer que nos veríamos no fim de semana. Passei o resto da noite vagando pela casa sem rumo, agitada demais para comer o que restara do frango de Rosa, apesar de ter sido cozido com
fatias de laranja e limão. Tentei não pensar na escola, em Rider ou em olhar para o meu celular, porque ele estivera em silêncio durante toda a tarde e o início da noite, mas era quase impossível manter minha mente longe dessas coisas, porque, caramba, hoje o dia não tinha sido como eu esperava. Quero dizer, não terminei o dia chorando, me balançando num canto qualquer e, mesmo que eu tenha falhado na hora do almoço, havia conseguido falar com Keira. Dez palavras eram melhor que nada. Eu tinha passado o primeiro dia sem grandes surtos. Isso era algo de que se orgulhar, e eu me sentia assim, mas... Eu não sabia o que pensar quando se tratava de Rider. Andando de um lado para outro na frente da cama, passei preguiçosamente a mão pelo lado interno do braço, onde a pele era um pouco mais alta. Uma esmagadora mistura de desespero e expectativa se agitava dentro de mim. Eu estava animada para vê-lo, falar com ele novamente, mas eu... Deus, era difícil até pensar nisso, porque, quando eu pensava em Rider, outra emoção se inflamava dentro de mim. Culpa. Parando em frente ao assento da janela, fechei bem os olhos. Rider tinha levado... Ele tinha levado surras por minha causa. Vez após outra, ele ficara entre mim e os punhos fortes, e a única vez que não conseguira evitar, acabei escapando daquela vida. Ganhei uma segunda chance. Pelo amor de Deus, eu ganhei uma casa com médicos e tinha praticamente tudo o que queria ao meu alcance. E Rider? Eu não fazia ideia. Dentro de mim, no entanto, eu sabia que ele não tinha esse tipo de vida, e como isso era justo? A queimação na boca do meu estômago aumentou. Como ele podia olhar para mim como fizera hoje e não pensar em tudo o que sacrificou por minha causa? Droga! Balancei as mãos e voltei a andar. Ok. Eu precisava relaxar e ver o lado positivo de tudo isso. Rider estava vivo. Estava na escola, podia até estar em um relacionamento com a menina bonita da aula de oratória, e, mesmo que eu soubesse que poderia haver lesões mais graves escondidas, não havia quaisquer contusões novas, pelo menos que eu pudesse ver. Ele não parecia me odiar. Eu contaria tudo isso como uma vitória — e, finalmente, a coisa mais admirável na qual me concentrar era que eu havia concluído com êxito meu primeiro dia de escola.
Isso era o mais importante. Por falar nisso, eu tinha que ler um capítulo de história. Acabei lendo mais que um capítulo, até que ouvi a porta da garagem se abrir lá embaixo. Fechando o livro, rolei e apaguei a luz, pois sabia que Carl ou Rosa não entrariam se achassem que eu estava dormindo. Muitos meses sem dormir os tornaram cuidadosos a ponto de nunca arriscarem me acordar. Quando eu pegava no sono, meu celular apitou na mesinha de cabeceira. Meu braço disparou como uma bala, e peguei o aparelho, com o coração na boca. Havia uma mensagem de texto de um número local e desconhecido, com três palavras. Boa noite, Ratinha.
CAPÍTULO 5
Na manhã seguinte, eu podia praticamente tocar a expectativa nos olhos de Rosa quando ela me questionou sobre o porquê da minha pergunta no dia anterior. Eu devia ter mantido a boca fechada. Rosa era brilhante e tão atenta quanto um gato, e o fato de eu ter lhe pedido que traduzisse para mim algo que, como ela me informou esta manhã, parecia porto-riquenho a deixou com a pulga atrás da orelha. Eu tinha olhado para aquela mensagem de texto — aquelas três palavras — por uma quantidade ridícula de tempo. Tão paralisada pela... pela quantidade infinita de coisas que eu poderia responder que, quando enfim cheguei a uma resposta decente, já era mais de uma da manhã e fiquei preocupada demais com a possibilidade de acordá-lo. Eu era uma idiota. Sério. Agora eu estava com sono e aprendi muito rápido que tentar percorrer, sonolenta os corredores apinhados da escola poderia ser uma trama saída diretamente de um dos livros distópicos que eu lia. Jogando o livro de oratória dentro do túmulo de aço cinza que era meu armário, peguei os livros das duas primeiras aulas, sabendo que teria tempo de passar ali para trocá-los mais tarde. Fechei a porta, fazendo tudo o que podia para não pensar em ver Rider, ao mesmo tempo que dizia a mim mesma que, se Keira falasse comigo hoje, eu responderia como uma pessoa normal. A porta emperrou. Suspirando, eu a abri de novo e fiz um pouco mais de esforço para batê-la. Dessa vez ela fechou. Satisfeita, eu me abaixei para pegar a mochila e comecei a me virar. — Você?
Virando, procurei o som da voz e então a vi. A menina da aula de oratória. A menina que havia tocado Rider de um jeito que dizia que muita coisa tinha acontecido e Rider estava feliz com isso. — É você. — Seus olhos castanhos se estreitaram. — Eu poderia estar em negação agora, mas é você mesma. Pelo canto do olho, vi a menina de trancinhas que me dera um oi ontem parar a alguns metros de nós, olhando para o armário na frente do qual essa garota estava. Ela recuou e virou para o outro lado. Oh, Deus, isso não era um bom sinal. A garota na minha frente apertou os lábios com gloss cor-de-rosa. — Você não tem ideia de quem eu sou, não é? Balancei a cabeça lentamente. — Eu sei quem você é, e não por causa da aula de oratória. Só não consigo acreditar que seja você — continuou ela. — Achei que você estivesse morta ou algo assim. Meu coração parou. Segundo dia de escola e eu já estava recebendo ameaças de morte? A alça de sua surrada bolsa carteiro verde-oliva deslizou uns centímetros em seu ombro. — Eu sou a namorada do Rider — disse ela, sem rodeios. Oh. Oh. Bem, isso explicava os toques. Havia uma sensação estranha em meu peito. Não era exatamente decepção. Estava mais para aceitação. Claro, eu tinha desconfiado ontem, quando os vi entrando na sala. E ele era lindo. Aquela garota era estonteante. Fazia sentido, até mesmo para alguém como eu, que não tinha nenhuma experiência com essa coisa de namoro. Mas eu via TV. Lia livros. Eu tinha Ainsley. Sabia que o relacionamento de Rider com essa menina fazia sentido. Ela me olhou com ar especulativo, como se estivesse tentando descobrir alguma coisa. — Ele falou sobre… — O que está acontecendo? — Jayden apareceu ao lado dela. Como se tivesse se materializado do ar. Olhando de perto, percebi que ele provavelmente era mais novo do que eu ou essa garota. Aluno do primeiro ou, talvez, segundo ano? Seus olhos, do
mesmo tom verde de Hector, não estavam vermelhos como na véspera, quando eu o vi no corredor. A menina olhou para ele, tão surpreso por vê-lo quanto eu. — O que você quer? — Não seja uma puta, Paige. — Aqueles olhos verdes se reviraram, mas seus lábios se contraíram em um sorriso quando ele se aproximou e lhe puxou a trança grossa. — O que você é hoje? Katniss do gueto? Ela puxou a trança da mão dele. — Você nem sabe quem é Katniss, seu projeto de punk. Provavelmente acha que Jogos vorazes é o que acontece depois que você fica chapado. Hum. — Parece que é isso mesmo. — Jayden piscou para mim, seu sorriso malicioso. — Eu conheço você. Nos esbarramos no corredor ontem. — Ele fez uma pausa. — E vi você falando com Rider depois da aula... no estacionamento. Meu olhar disparou para a menina... Paige. Seu olhar era glacial. — Você é muda ou algo assim? Não me disse nem uma palavra — falou ela. Eu não era nada muda. As sobrancelhas de Jayden se juntaram quando ele olhou para ela. — Essa é uma pergunta idiota, Paige. Eu acabei de dizer que a vi falando com Rider. — Quer saber? — O rosto dela se contorceu, e, de alguma forma, ela ainda conseguiu ficar bonita. Virou-se para ele, botando as mãos nos quadris. — Cara, você já tem muito com que se preocupar, não precisa se meter nos meus assuntos. Ele inclinou a cabeça para o lado. — Palavras corajosas para a garota que sempre se mete nos meus. Eles obviamente estavam distraídos um com o outro e, como discutiam de um modo que dizia que esta não era a primeira vez, nem seria a última, eu girei o corpo e me misturei à massa de alunos que se dirigiam para a aula. Você é muda? Minhas bochechas queimavam quando cheguei à minha sala, e o constrangimento rapidamente se transformou em raiva — de mim mesma, principalmente. Eu poderia ter dito algo a ela, qualquer coisa, em vez de ficar apenas lá, como se minha língua não funcionasse.
E Deus. Ela era namorada de Rider. De verdade. A garota que me perguntou se eu era muda, a garota diante da qual eu ficara paralisada como uma idiota, era namorada dele. Resisti à vontade de bater a cabeça na mesa. Muda. Eu odiava essa palavra com todas as minhas forças. Todo mundo tinha pensado que eu era muda — a Srta. Becky e o Sr. Henry, os funcionários do orfanato, o Serviço de Proteção à Criança. Até Carl tinha pensado isso quando ele e Rosa me conheceram. Só Rider sabia que não era verdade. Que eu podia falar muito bem. Mas eu não falei hoje. O Dr. Taft tinha uma expressão pomposa para o motivo pelo qual eu não tinha falado por tanto tempo — síndrome de estresse pós-traumático, era como chamava, por causa de... de tudo que eu tinha passado quando pequena. Metade das nossas sessões de terapia tinha sido dedicada a trabalhar mecanismos de enfrentamento e formas de combatê-lo. Tinha levado tanto tempo para chegar ao ponto em que eu finalmente senti que não precisava mais das sessões de terapia, e bastaram alguns minutos para parecer que retrocedi vinte passos. Como se eu fosse a Mallory de 5 anos, e de 10, e de 13 — a Mallory que não fazia nem dizia nada. A Mallory que apenas ficava lá em silêncio, porque esse parecia ser o caminho mais seguro. Eu odiava essa sensação. Apertei a caneta com força, ignorando a dor nos nós dos dedos. Lágrimas de frustração queimavam o fundo da minha garganta, e era difícil me concentrar na aula de química, ainda mais difícil não desmoronar no confuso baile de emoções, especialmente quando me dei conta de que eu estava sentada no fundo da sala de novo. Sem chamar qualquer atenção para mim mesma. Keira imediatamente se virou para mim no instante que se sentou na aula de inglês. — Ok. Tenho uma pergunta muito estranha para você. Pega de surpresa, pisquei enquanto meu estômago embrulhava um pouco. Ela ia me perguntar se eu era muda? Ela sorriu ao prender um cacho atrás da orelha. Ele saiu de lá
imediatamente. Brincos azuis brilhantes pendiam de seus pequenos lóbulos. — Alguma vez você já pensou em fazer teste para líder de torcida? Eu a encarei. Aquilo era uma piada, certo? Então olhei ao redor, na sala. Ninguém estava olhando para nós ou segurando seus telefones, gravando esse momento para a posteridade. — Quero dizer, você parece muito robusta. Poderia ser a base ou apoio — disse ela, dando de ombros como se não tivesse acabado de falar que eu parecia robusta. — Olha, estamos meio desesperadas. Não há muitas meninas aqui interessadas nisso, e uma das minhas colegas de equipe quebrou o pulso ontem, no treino, então pensei em você. — Ela passou a mão pelo seu braço magro, torcendo o bracelete azul no pulso. — Então, o que acha? Hum. — Você é muito bonita e o uniforme azul e vermelho ficaria incrível com o seu cabelo — sugeriu ela, olhando para a porta. Busquei no fundo da minha cabeça uma força que me obrigasse a fazer jus a todo o meu esforço para chegar a este ponto. Minha língua parecia grossa, e minha garganta, inchada. — Hum, eu não... não sou do tipo que diz yaay. Uma sobrancelha escura se arqueou elegantemente. — Eu pareço ser do tipo que diz yaay? Balancei a cabeça, sem saber se era a resposta certa ou não. Eu não tinha nada a ver com líderes de torcida. Elas eram barulhentas e falantes, populares, bonitas e cerca de mil outras coisas com as quais eu não tinha absolutamente nenhuma experiência. Mas, por outro lado, eu realmente não tinha certeza se todas as líderes de torcida eram barulhentas e falantes, populares e bonitas. Keira era a primeira que eu conhecia. Então minhas suposições vinham de filmes e livros, e Deus sabe que filmes e livros meio que são um saco quando se trata de estereotipar as coisas. Estremecendo, percebi quão ofensiva minha declaração poderia ter parecido a ela. O tipo que diz yaay? Às vezes era melhor não falar. Ela riu baixinho. — É bem divertido. Pelo menos pense, ok? A caneta que eu apertava estava a poucos segundos de implodir tinta azul em meus dedos. — Ok. O sorriso dela se espalhou por suas bochechas.
— Legal. Você almoça no próximo tempo, certo? Acho que vi você ontem, mas você deve ter saído do refeitório. E também a vi na aula de oratória, né? Mas também... é difícil olhar para qualquer coisa diferente do Hector Gato. Assenti, sem ter certeza de aonde essa conversa ia nos levar. — Bem, se ficar entediada ou algo assim no almoço, me procure. — Virando o olhar para seu caderno, ela anotou a data no topo do canto direito. — Normalmente fico lá na frente... na mesa barulhenta. É difícil não nos notar. Ela estava me convidando para almoçar? Ai meu Deus, Paige e suas tranças de Katniss podiam se ferrar, isso era o máximo. Um passo enorme na direção certa e, como Ainsley diria, se eu não falasse, poderia muito bem costurar minha boca. — Ok — sussurrei, me sentindo meio idiota, mas isso era o equivalente a quatro manhãs de Natal em uma só. Keira me lançou um sorriso rápido. Quando o sinal tocou depois de quarenta longos minutos ouvindo o Sr. Newberry falar, todo meloso, sobre escritores do sexo masculino mortos, ela acenou com os dedos para mim e depois desapareceu no corredor. Fiz uma parada rápida no armário, troquei os livros e fiquei aliviada por Paige não saltar de uma das portas. Eu não queria pensar nela ou no que ela significava para Rider. Repetindo uma conversa do tipo quebra-gelo um pouco estúpida em minha mente, desci para o primeiro andar e passei pelo armário de troféus. Eu consigo. Eu consigo. Ao entrar no refeitório lotado, minha garganta se apertou, e decidi que provavelmente eu devia pegar o almoço primeiro. Mas não pude evitar olhar para a mesa na qual vira Keira antes. Ela estava ao lado de uma garota, mas do outro lado o lugar estava vazio. Minha respiração ficou presa. Eu consigo. Caminhei em direção à fila do almoço. — Você está partindo meu coração. Ao som da voz de Rider, eu me virei, segurando a mochila junto ao corpo. A primeira coisa que notei foi o emblema desbotado do Ravens sobre seu peito largo, e então me forcei a levantar os olhos para cima. A barba rala em seu queixo tinha sumido. Nada além de pele macia hoje. Sem caderno. As mãos enfiadas nos bolsos do jeans, um familiar sorriso torto nos lábios de Rider, fazendo aparecer a covinha na bochecha direita. Ele avançou um passo, e meu coração deu um salto mortal quando ele abaixou o
queixo. Senti seu hálito quente em meu rosto quando ele falou: — Você não respondeu à minha mensagem ontem à noite. — Havia um leve tom de provocação do qual eu não me lembrava. — Pensei que talvez não tivesse percebido que era eu, mas isso significaria que alguém anda lhe enviando mensagens de boa-noite chamando você de Ratinha. Não tenho certeza de como me sinto em relação a isso. Balancei a cabeça tão rápido que fiquei surpresa que as pontas do meu cabelo não tenham batido no seu rosto. Ele riu baixinho. — Só estou brincando. Você vai pegar alguma coisa para comer ou...? Meu olhar se desviou para a mesa, e vi Keira. Ela estava nos observando. Assim como a loura ao seu lado. Keira ergueu as sobrancelhas para mim enquanto seus olhos escuros se moviam de mim para Rider. Ele estendeu o braço para baixo e pegou minha mão na sua. O contato fez tremer meu corpo, e meu olhar voou de volta para o dele. — Vem comigo? — chamou Rider. Desconcertada por sua aparência e toque, eu o deixei me levar para a fila da pizza, mais curta. Meu olhar era selvagem, saltando por todos os rostos na fila e nas mesas. Então, percebi por que Keira e metade de sua mesa olhavam para nós. Meu estômago se contraiu. Eu estava de mãos dadas com Rider — e ele tinha namorada. Com a boca seca, soltei minha mão da de Rider. Mesmo que ele tenha segurado minha mão mil vezes no passado, não parecia certo agora, sabendo sobre ele e Paige. Tudo era... diferente agora. Rider olhou para mim com uma expressão curiosa. Desviei o olhar. Ele pegou um prato só com duas fatias. Minha mão formigou quando ele pegou uma garrafa de água e um leite. — Você ainda toma leite com tudo? — perguntou ele, examinando as bebidas com a cabeça ligeiramente inclinada para o lado, e então olhou para mim. Nossos olhares se encontraram. — Como se precisasse dele para sobreviver? Assenti, e meu coração se transformou em uma bagunça pegajosa. Ele realmente lembrava que eu tomava leite sempre que tinha uma chance — isso e Coca-Cola, quando Rosa e Carl deixavam. Ele sustentou o meu olhar por um momento e então, antes que eu pudesse
pegar minha carteira, sacou um bolo de notas de um dólar amassadas e pagou ao caixa. Comecei a protestar, mas ele me enviou aquele olhar — o olhar de sobrancelhas abaixadas que me lançara um milhão de vezes quando éramos mais novos. O olhar de Não Discuta. Era estranho ver sua versão de 18 anos, e fiquei pensando nisso enquanto ele equilibrava o prato e as bebidas nas mãos. Rider inclinou a cabeça para a entrada do refeitório, e olhei na direção de Keira. Sua cabeça estava inclinada para a loira, os cachos pequenos indo em todas as direções. Ela parecia estar compenetrada na conversa e não ergueu os olhos. Amanhã, prometi a mim mesma. Segui Rider para fora do refeitório, curiosa para saber aonde ele me levava. Passamos pelo ginásio. As portas estavam abertas, e pensei ter vislumbrado Hector correndo, uma bola de basquete nas mãos, gritando alguma coisa que parecia espanhol, mas era um pouco diferente. Rosa dissera que era portoriquenho, e só me restava acreditar nela. — Eu almoço em outro horário, mas ouvi dizer que você almoçava nesse — disse Rider, diminuindo o ritmo para que eu o alcançasse. — Lembra o cara que estava sentado na nossa frente ontem, na aula de oratória? O babaca no carro? É Hector, e ele tem um irmão mais novo em quem você aparentemente esbarrou ontem, Jayden. Ele também estava no carro. Enfim, Jayden disse que viu você ontem no corredor, na hora do almoço. Embora eu já soubesse disso, não falei nada. Ele falou o tempo todo enquanto caminhávamos pelo corredor, e eu fiquei lhe lançando olhares furtivos, a ponto de ficar surpresa por não esbarrar em nada. — Então, caso você esteja se perguntando... — ele fez uma pausa, abrindo as portas para o pavilhão externo — ... sim, estou matando aula agora. Meu queixo relaxou. — Rider. Ele segurou a porta aberta, a cabeça inclinada para o lado enquanto eu passava. Parei, porque... bem, porque ele estava parado ali, com nosso prato e nossas bebidas. Seus olhos buscaram os meus. — Sabe, você dizendo meu nome não era algo que eu esperava ouvir de novo. Não dou a mínima para perder uma aula se isso significa que podemos colocar o papo em dia. Quando ele começou a caminhar em direção a um conjunto de mesas de piquenique vazias, minha língua finalmente descolou do céu da boca.
— Você... você não vai ter problemas? Olhando para trás, ele deu de ombros. — Vale a pena. Isso não me tranquilizou, mas eu estaria mentindo se dissesse que meu coração não deu uns pulos bem felizes nesse momento. Ele pôs nossas coisas sobre a mesa e sentou-se de pernas abertas no banco. Dando um tapinha no lugar ao seu lado, ele sorriu. Larguei minha bolsa nas pedras do piso e passei uma perna sobre o banco, parei e olhei para ele. Rider me observava por trás dos cílios grossos, a cabeça ainda inclinada, sorrindo de modo que a covinha solitária implorava para ser tocada. Percebi que era a primeira vez que Rider e eu estávamos sozinhos. Sem olhares curiosos. Nenhum adulto cuidando de nós. Ninguém passando por nós, como no estacionamento, na véspera. Estávamos sozinhos, só ele e eu, como tinha sido tantas vezes no passado. Não sei por que eu fiz o que fiz em seguida, mas uma década de emoção se agitou dentro de mim. Talvez tivesse a ver com tudo o que ele fizera por mim no passado. Talvez fosse apenas porque ele estava sentado ali e estávamos no presente. E nunca me senti mais presente do que naquele momento. Curvando-me, passei os braços ao redor de seus ombros largos e o apertei. Provavelmente, o abraço mais sem jeito da história, mas era bom. Ficou magnífico quando ele se levantou um pouco e passou os braços em volta da minha cintura. Seu abraço era melhor. Quando me afastei, duas mãos deslizaram da minha cintura para os meus quadris e permaneceram ali por um momento. Uma sensação estranha se revolveu em meu estômago. Ele me soltou, mas a consciência de seu calor permaneceu. — Por que isso? Dando de ombros, me sentei, colocando as duas pernas debaixo da mesa. Meu rosto estava quente. — Eu... Eu só tive vontade. — Bem, pode fazer isso sempre que tiver vontade. Eu não me importo. Sorri, e, quando ele riu, outra coisa estranha aconteceu. Eu tremi. Eu não estava com frio, na verdade, muito pelo contrário. — Ratinha… Nossos olhares se encontraram, e, caramba!, de repente era como ter 13
anos de novo, roubando comida em um mundo que era só meu e de Rider, só que éramos mais velhos agora, e não éramos só ele e eu contra o mundo. Eu não era uma menininha. Ele não era um menino. E naquela época ele tinha sido... Bem, ele tinha sido meu. Não era como agora. Ele tinha uma namorada que achava que eu era muda, para começar. Essa percepção foi realmente como um soco no estômago. Então eu provavelmente tinha que parar com os abraços. As estranhas sensações de frio na barriga. E, definitivamente, com aqueles arrepios. Tudo isso precisava parar. No entanto, meus lábios pareciam se curvar para cima ininterruptamente. — Você tem que me dizer o que andou fazendo todo esse tempo. — Ele empurrou uma das fatias para mim e, em seguida, me entregou um guardanapo que eu nem o tinha visto pegar. O sorriso que eu estampava como uma idiota se espalhou quando ele fez o que eu sabia que faria. Pegou o pepperoni, comendo as fatias antes de comer a pizza. Ele me lançou um olhar de soslaio, a voz paciente como sempre tinha sido, enquanto terminava com o pepperoni. — Ratinha. Meu olhar correu até a cicatriz acima de sua sobrancelha, e meu sorriso enfraqueceu um pouco. Eu me concentrei na fatia de pizza e respirei fundo. — Naquela noite... Hum, na última noite, conheci alguém no hospital. Carlos Rivas... Carl. Ele era... é especialista em queimaduras. Pegando o leite, ele o abriu com seus dedos longos. Notei o que parecia tinta vermelha no interior do seu indicador. Ele me entregou a caixa e eu continuei: — Ele é casado com Rosa. Ela é cirurgiã cardíaca. Eles... os dois trabalhavam no hospital, e acho que o Serviço de Proteção a Crianças disse a eles que eu era... muda ou que havia algo de errado comigo. Ele franziu a testa enquanto pegava sua pizza. — Você não é muda. E não há nada de errado com você. Você é brilhante. Esqueça essa merda. Dei de ombros. — Eles me visitaram muito depois que eu... falei com eles. — Apertando os lábios, peguei um enorme pedaço de pepperoni. — Quando acordei depois da cirurgia, eu... eu perguntei por você. Perguntei a Carl.
Tinha sido a primeira vez que eu falava com alguém de fora daquela casa em anos. Ele virou a cabeça na minha direção bruscamente, os olhos mais dourados que castanhos na luz do sol. — Eu realmente procurei por você, Mallory. Como eu disse, fui ao hospital municipal. Ninguém me disse onde você estava. Só que... — Ele exalou com força. — Só que você não ia voltar. — Eu queria... ter tido uma maneira de vê-lo. Eu ficava perguntando, mas... — Mas tudo tinha sido tão assustador e opressivo. — O que aconteceu com você? Suas sobrancelhas baixaram. — Fui enviado para um orfanato. — Ele dobrou o que sobrou da fatia e ficou encarando-a. — Então há mais nessa história. Me conte. Senti uma pressão no peito quando lhe ofereci meu pepperoni. Seus lábios se contraíram em um pequeno sorriso. — Passei algum tempo no hospital e então... Também fui enviada para um orfanato. — Onde? Falar... falar com ele era uma liberdade que eu tinha perdido. Ficava mais fácil a cada segundo. — O que fica perto do porto... não muito longe do hospital. Carl e Rosa... Eles me visitavam e, por fim, foram habilitados a me adotar. Seus olhos se arregalaram quando ele parou a pizza a meio caminho da boca. — Você foi adotada por médicos? Fiquei tensa, imaginando se era agora que ele ia perguntar como isso era justo. Eu não sabia nada sobre o que tinha acontecido com ele. E se ele ainda estivesse em um orfanato... ou pior, porque havia coisas piores. Eu não conseguia parar de me debater em culpa. Assenti. Ele deixou a pizza sobre a bandeja, e seus ombros relaxaram. Sua boca relaxou. — Caramba, Mallory, estou tão... Sério, médicos? Isso é bom. — Quando olhou para mim, vi o alívio em seu olhar e me perguntei onde ele pensou que eu tinha estado todo esse tempo. — Eles realmente cuidaram de você, não foi? Concordei e arranquei outro pedaço de pepperoni. Ele estendeu a mão,
seus dedos roçando os meus quando o pegou. Houve outro ataque aos meus nervos. Eu não me lembrava de seu toque provocando esse tipo de reação antes, mas com certeza era agradável agora. — Aquele carro perto do qual você estava ontem? O Honda é seu? — Era da filha deles. Uma sobrancelha se ergueu. — Era? — Ela morreu antes de eu conhecê-los. Há quase dez anos. Acho que foi por isso que me adotaram — expliquei, mastigando lentamente. Suas sobrancelhas se ergueram muito. — Quero dizer, eles nunca... tiveram outros filhos. — Um momento se passou. — Eles têm sido muito bons, Rider. Eu tive muita sorte. — Eu gostaria que você nunca tivesse precisado conhecê-los. — Terminando a fatia, ele limpou as mãos no guardanapo e depois inclinou o corpo na minha direção. — Quero dizer, fico feliz que os tenha conhecido, porque, Ratinha, você merece esse tipo de vida, mas... — Eu sei... o que você quer dizer. — O alívio me inundou. Não havia um pingo de inveja em sua voz ou na maneira como ele olhava para mim. Tomei um gole do leite. — Quando eles assumiram minha custódia, comecei a estudar em casa — expliquei. — E então eu... decidi que queria vir para a escola pública. Ele arqueou as sobrancelhas. — O que fez você decidir isso? — Quero ir para a faculdade — falei para ele, erguendo os olhos para o céu sem nuvens. Faculdade era algo ambicioso, considerando que falar com um professor fazia com que eu quisesse sair correndo, mas era importante para mim. A faculdade significava, pelo menos era o que eu esperava, que eu conseguiria um emprego e teria uma vida na qual eu não precisaria me preocupar quanto à próxima refeição nem teria que depender de alguém para cuidar de mim. A faculdade era liberdade. — E Rosa e Carl... Eles querem isso também. Quero dizer, eu ainda podia estudar em casa e ir para a faculdade, mas... Rider esperou. — Mas você sabe como eu sou... como eu era. — Minhas bochechas ficaram quentes quando abaixei o olhar para a caixa de leite. — Não sou... boa com pessoas... e eles acharam que eu devia tentar o ensino médio
primeiro. Ele ficou em silêncio por um instante, mas eu podia sentir seus olhos em mim. — Bem, estou feliz que você tenha decidido fazer isso. Se não fosse isso… Se não fosse isso, nossos caminhos provavelmente nunca teriam se cruzado. Meu estômago embrulhou com essa ideia. Olhei para ele e fiquei sem fôlego. Ele estava olhando para mim de uma forma com a qual eu não estava exatamente acostumada, mas que já tinha visto antes. Era como o namorado de Ainsley olhava para ela. Talvez não tão íntimo, mas definitivamente com a mesma intensidade. Estremeci, não desconfortável, apenas de repente bastante consciente dele. — E você? Apoiando o cotovelo na mesa, Rider pousou o queixo na palma da mão. — Não estou mais em um orfanato. — Quando comecei a me virar para ele, Rider lançou um olhar incisivo para a minha pizza. — Você vai comer. Agora mesmo. Meus olhos se estreitaram. Ele esboçou um sorriso rápido. — Estou com uma família provisória. — Ele se aproximou enquanto eu dava uma mordida enorme na pizza. — Na verdade, é a família de Hector. Sua avó tem acolhido crianças há anos. Ajuda com as contas e outras coisas. Pensei no caderno gasto e nas bordas desgastadas do seu jeans. — Não que ela só faça isso por esse motivo, entende? Ela é mesmo ótima. Uma mulher muito boa. Enfim, foi assim que conheci Hector e Jayden. Moro com eles há alguns anos. — Estendendo o braço, ele pôs apenas a ponta do dedo no meu rosto, me fazendo engolir uma respiração suave. — Para onde foram suas sardas? — Não sei — respondi, minha voz soando como um sussurro estranho. — Elas fugiram. A risada profunda ecoou de novo, deslizando pela minha pele. — Você tinha três bem aqui. — Ele tocou de leve na minha bochecha. — E duas aqui. — Seu dedo roçou a ponta do meu nariz, e, em seguida, ele baixou a mão. — Posso confessar uma coisa? — Pode. — Eu gostaria de poder dizer a ele que não tinha problema que ele continuasse tocando meu rosto, mas isso provavelmente seria estranho. Soou totalmente estranho na minha cabeça. E seria muito inapropriado.
Totalmente inapropriado. Ele baixou os cílios, e o sorriso torto apareceu. — Eu sempre soube que você ficaria bonita. Minha respiração ficou presa quando me empertiguei. O que restava da pizza, só a borda, ficou totalmente esquecido. Meus ouvidos deviam ter fumado crack ou algo assim. Um rubor invadiu suas bochechas quando um lado de seus lábios se curvou para cima. — Só nunca imaginei que eu teria a chance de ver o quanto. Uau! Ele realmente tinha dito isso. Linda. Rider disse que eu era linda. A declaração me inundou e me fez ficar olhando para ele. Eu sabia que minha aparência não era das piores. Ainsley adorava a combinação do meu cabelo com meus olhos, que todo mundo achava que tinha um traço irlandês, mas eu me achava bem mediana. Rosto comum. Corpo comum, nem grande nem pequeno. Linda não era uma opção que tivesse me passado pela cabeça. — Você é lindo, também. Quero dizer, você é atraente — soltei. — Mas eu sempre soube que você seria. — Meus olhos se arregalaram quando percebi o que acabara de sair da minha boca, e seu sorriso se alargou. — Oh meu Deus, eu não acabei de dizer... nada disso em voz alta. — Você disse. — Droga! Jogando a cabeça para trás, ele riu com vontade. Riu como ria nas raras ocasiões em que alguma coisa o divertia de verdade. Fez isso com uma liberdade que eu invejava. Comecei a levar as mãos ao rosto em chamas, mas ele pegou meus pulsos, segurando-os entre nós. Seus olhos estavam mais leves, dançando. — Posso fingir que você não disse isso se for se sentir melhor — sugeriu ele. Ah sim, isso seria fabuloso. Eu assenti. — Mas não vou esquecer. O constrangimento me inundou, mas Rider sorria quando se aproximou e me puxou para mais perto. Antes que eu soubesse o que ele estava fazendo, ele tinha encaixado meus quadris entre suas coxas e passado os braços em volta de mim, me segurando apertado junto ao peito. Seu peito duro de verdade. Aquele contato me sobressaltou, como tocar um fio desencapado. Levei
alguns segundos para relaxar. Ele ficou em silêncio ao apoiar o queixo no topo da minha cabeça, e eu não disse nada enquanto fechava bem os olhos contra a crescente onda de emoção. Estar tão perto dele assim de novo era algo muito poderoso, pois a conexão era palpável, uma terceira entidade. Sua mão subiu pelas minhas costas e deslizou lentamente sob o peso do meu cabelo. Ele fechou os dedos em torno da minha nuca. Seu queixo se moveu, roçando minha testa, e a intimidade daquele gesto era muito diferente de qualquer outra vez que ele tinha estado tão perto. Um calor estranho tomou meus músculos. Como sair ao sol pela primeira vez depois de um longo inverno. Houve um momento em que não tive certeza se ele estava respirando, porque eu não sentia seu peito se mover sob minhas mãos. No fundo da mente, eu me perguntava até que ponto... até que ponto isso era certo. Eu não queria me afastar e quebrar a conexão, mas achei que talvez devesse. Isso era inocente. Tinha que ser, mas também era diferente. — Você normalmente tem com quem almoçar? — perguntou ele, e sua voz parecia distante. Mais profunda. Mantendo os olhos fechados, eu não tinha certeza de como responder a isso, e também não me afastei. Eu não tinha certeza do que isso dizia sobre mim ou se de fato dizia alguma coisa. — Ratinha? — Há uma menina na minha turma de inglês. Ela... me convidou para sentar com ela. O braço em volta da minha cintura parecia ter se apertado. — Quem? — Keira... não me lembro o sobrenome. Passou um momento. — Sei quem é. Ela está na aula de oratória. Uma menina muito legal. Você vai aceitar o convite dela? Se não, posso encontrá-la para o almoço. Mas naquele exato momento ele deveria estar numa aula. Foi então que percebi. Rider... Uau, ele realmente não tinha mudado. Mesmo depois de quatro anos, mesmo que ele devesse estar na aula e mesmo que tivesse namorada, ele estaria ao meu lado se eu dissesse que precisava dele. Lágrimas estúpidas arderam nos meus olhos. — Você não precisa fazer isso. Vou sentar com ela. Seus dedos se moveram pelo meu pescoço, procurando os músculos.
— Tem certeza? Meu coração estava todo derretido. — Sim. Ela me convidou... Perguntou se eu queria fazer o teste para líder de torcida. A mão de Rider parou. — Ratinha... Eu sorri. — Você não está considerando isso, está? — perguntou ele depois de um momento. Então ele parou de falar e de repente se afastou, os braços e tudo. A perda repentina da proximidade me obrigou a abrir os olhos. Ele estava de lado para mim, a mandíbula tensa, olhando para além do pavilhão, na direção do estacionamento. Havia um carro em marcha lenta entre as fileiras de veículos estacionados, algum tipo de sedan. Até onde eu podia ver, as janelas eram escurecidas a ponto de não ser possível ver quem ou o que estava lá dentro. Uma porta bateu, e minha atenção se voltou para o local de onde tínhamos saído mais cedo. Vi Jayden, amarrando as calças enquanto atravessava o pavilhão, em direção ao portão de aço. — Merda — murmurou Rider. Fiquei rígida quando uma sensação de desconfiança o dominou. — Está tudo bem? — Sim. — Ele observou Jayden escapar pelo portão e ir até o carro. Ele se inclinou quando a janela do motorista se abriu. Rider deu um tapinha na minha perna, atraindo meu olhar. — O sinal já vai tocar. Por que você não vai entrando na frente? Algo frio e duro estava estampado nas linhas de seu rosto. Não gostei disso. — Rider… — Está tudo bem. Eu juro — garantiu ele, tocando minha perna novamente, e então se levantou quando as portas duplas se abriram de novo. Dessa vez era Hector que estava saindo, e seu olhar dizia que ele não estava feliz. Rider pegou minha mão, me fazendo levantar. — Vejo você na aula. Assentindo, peguei minhas coisas e passei por cima do banco. Hector não olhou para mim quando se juntou a Rider, e nenhum dos dois falou enquanto se viravam, caminhando em direção ao portão. Eu os observei, sabendo que alguma coisa estava acontecendo e, fosse o que fosse, não era bom.
CAPÍTULO 6
Não vi Rider na aula de oratória. Seu lugar estava vazio, e não pude deixar de pensar que tinha algo a ver com aquele carro que havia aparecido. Embora tivéssemos passado algum tempo nos reconectando, eu não sabia nada sobre o que Rider fizera nesses quatro anos, além de morar com a avó de Hector. Alguns provavelmente podem discordar, mas eu não era completamente ingênua ou tapada. Tinha crescido em uma casa onde vi um monte de coisas. O mês que passei no orfanato também foi muito educativo. Os caras ficavam rondando o prédio, do lado de fora, recrutando crianças para entregar drogas. Eu tinha visto algumas crianças mais velhas irem além da conversa. Em um mês, soube de crianças que simplesmente desapareceram, perdidas para as ruas. Eu também fazia uma boa ideia de por que os olhos de Jayden estavam vermelhos na véspera, e, por que um carro com os vidros escurecidos vagando pelo estacionamento provavelmente não estava cheio de pessoas vendendo biscoitos de escoteiros. Uma semente de preocupação brotou em meu peito quando me perguntei com que tipo de coisas Rider poderia estar envolvido. Mas, por trás da preocupação, havia algo mais, algo que eu não tinha certeza se deveria reconhecer. Porque Paige também não estava na aula, e eu não era idiota. Rider tinha saído da escola. E Paige também. O que quer que estivesse acontecendo, eles provavelmente estavam juntos. Uma sensação de queimação tomou o meio do meu peito, e eu disse a mim mesma que era indigestão, que não tinha nada a ver com Rider segurando minha mão, me dizendo que eu era linda, quando eu sabia que estava dizendo a mesma coisa a Paige de uma forma completamente diferente.
Precisei me esforçar para me concentrar na aula do Sr. Santos sobre diferentes tipos de discursos. Santos andava de um lado para outro, movendo as mãos freneticamente enquanto falava. A animação praticamente saltava dele. Olhei para o meu fichário, vendo apenas meia página de anotações. Isso não era bom. Então me concentrei, escrevendo o máximo que pude. Quando o sinal tocou, eu me sentia um pouco melhor a respeito das minhas anotações. Saí para o corredor, guardando o caderno na mochila, e não percebi que Keira estava à minha espera até ela aparecer do meu lado. — Então, você pensou sobre a equipe de líderes de torcida? — perguntou. Fechando a aba da minha bolsa, estremeci. Na verdade, eu não tinha pensado no convite dela. Balancei a cabeça. Ela suspirou, enrolando os dedos na alça da bolsa. — É, eu percebi que provavelmente seria forçar a barra, mas não custa tentar. Não, definitivamente não custava tentar. Essa teoria praticamente resumia toda a minha vida agora. — Tudo bem — disse ela, segurando a porta que dava para a escada. — Vi você na hora do almoço hoje. — Houve uma batida enquanto estávamos espremidas nos degraus. — Estava com Rider Stark. Sinais de alerta explodiram quando olhei para ela bruscamente. Ela continuava sorrindo, totalmente amigável. — Você o conhece? Assenti enquanto cruzava o patamar para o segundo andar, imaginando que ela me seguiria até o armário. — Como o conhece, já que é nova na escola? — perguntou ela, levantando um ombro enquanto me olhava. Parte de mim sentia que isso não era da conta de ninguém, mas ela estava curiosa e, no lugar dela, eu provavelmente também estaria. Falar com ela me deixou nervosa, mas passei por cima disso. — Nós... nós nos conhecemos quando éramos mais novos. — Sério? Isso é legal. — Keira encostou no armário ao lado do meu e pegou o telefone, olhando para a tela. — Imaginei que vocês deviam se conhecer. Ele foi realmente... hum, íntimo com você, o que é estranho. Guardei o livro de história lá dentro e peguei o de inglês, porque tinha dever de casa. Olhei para ela enquanto fechava a porta. — Por que é estranho?
— Estudamos na mesma escola desde que éramos calouros, e acho que nunca o vi segurar a mão de outra garota, nem mesmo a de Paige — respondeu ela, sorrindo. — E eles estão juntos. E por que isso me deixou aquecida e feliz por dentro? — Ou algo assim — acrescentou. O que isso significava? E, por falar nisso, por que não perguntei a ele sobre Paige durante o almoço? Teria sido uma pergunta normal. Mas ele me manteve ocupada respondendo a todas as suas perguntas. Ela riu, porque meus pensamentos deviam estar estampados no meu rosto. — Quero dizer, não acho que o que ele e Paige têm seja sério. O calor e a felicidade começaram a crescer, e eu os acalmei. Não havia espaço para eles nessa conversa. — Enfim, ele era de uma das minhas turmas no ano passado e, você sabe, ele meio que aparecia quando queria. Eu e Maggie... você não a conhece... mas, enfim, nós dizíamos que ele estava nos agraciando com sua gostosura. Ele não fazia anotações nem participava de verdade da aula. Às vezes eu juro que ele até dormia. Mas, sempre que era chamado, sabia a resposta. Ninguém conseguia entender, especialmente o professor. Isso o deixava louco e divertia o restante de nós. Um dos meus outros amigos, Benny, estava na turma dele ano passado e ouviu a professora dizer que Rider acabara com o restante da turma em termos de nota. Parece que foi uma das mais altas de todo o segundo ano. Isso era a cara de Rider. — É estranho, considerando que ele é uma criança adotiva e... — Eu sou uma criança adotiva. — As palavras escaparam de dentro de mim. Os olhos dela se arregalaram, e ela levantou a mão. — Uau! Eu não quis ofender. Sou a última pessoa a ser preconceituosa. Dã. É só que... — Ela olhou ao redor antes de continuar: — Ele anda com umas pessoas estranhas, e eu entendo de pessoas estranhas. Meu irmão, Trevor? Ele está na prisão, por causa das pessoas estranhas desta cidade de merda. Meu primo? Morto porque andava com pessoas assim. — Ela fez uma pausa, franzindo o nariz. — Bem, meu primo também era estranho, então... Pensei no carro parado no estacionamento e me perguntei se Hector e Jayden estavam incluídos na definição de pessoas estranhas. — Enfim, tenho que ir para o treino. — Ela fez uma pausa, parecendo
esperançosa. — Eu não poderia convencê-la a ir comigo e ver o que acha? Balançando a cabeça, reprimi um sorriso diante do suspiro dramático de Keira. Ela acenou com os dedos e começou a se virar quando forcei minha língua e meus lábios a trabalhar. — Vejo você… na hora do almoço amanhã? Certo. Isso foi estúpido, porque eu a veria na aula de inglês antes do almoço, mas ela assentiu. — Sim. Traga Rider com você se quiser. É sempre bom ter uma gostosura na mesa. Com sorte, Rider estaria na aula amanhã durante o almoço, mas, depois do que Keira disse, isso não parecia provável. Parte de mim não se surpreendeu com o fato de que ele fazia o que queria, quando queria. Isso era típico dele, mas, exatamente como quando éramos mais novos, esse lado livre sempre o colocava em problemas. Quando desliguei o computador e me despedi de Ainsley, o jantar estava sendo servido. Quatro anos antes? Eu nunca tinha comido numa mesa de jantar. Nem uma vez sequer. Esta mesa, com a superfície de madeira polida, foi a primeira em que eu comi fora da escola. Sentei, deslizando as mãos sobre a superfície. Logo que cheguei à casa dos Rivas, eu me senti como... como um animal. Selvagem. Desconfortável. Enjaulada. Insegura. Eles tinham expectativas e horários. Eles elogiavam e valorizavam — tanto a mim como um ao outro. Não havia um horário específico para o jantar na casa do Sr. Henry, tampouco um prato de comida esperando por mim e por Rider. Nós comíamos o que sobrava. Se sobrasse alguma coisa. O mais comum era que não. Sentar-me à mesa à noite e ouvir Carl e Rosa realmente conversarem um com o outro em vez de gritarem e xingarem tinha sido uma experiência nova para mim. A mesa da cozinha na minha última casa era coberta por marcas de queimaduras de cigarro e jornais nunca lidos. O Sr. Henry trazia um todas as noites depois de completar seu turno em um estoque, mas eu nunca o vira ler. Mas esta mesa estava quase sempre limpa e tinha um enfeite no meio que mudava com as estações. Agora as flores de plástico azuis e brancas, com uma vela dentro de um vidro, estavam sobre a bancada. Era raro que durante a semana Rosa e Carl estivessem juntos em casa para
jantar, e eu sabia que os dois sairiam outra vez em pouco tempo. Se não houvesse nenhuma cirurgia de emergência no fim de semana, eles sempre tinham o sábado e o domingo de folga. — Eu estava pensando que poderíamos ir ao porto, no sábado. — Carl separou sua costeleta de porco, quase como se a estivesse dissecando. Ele adorava ir ao porto, no centro de Baltimore. — Acho que haverá algum tipo de feira neste fim de semana. Rosa tomou um gole d’água. — Ou poderíamos ir a Catoctin. Deve ser muito bom, um pouco mais fresco. — Ela sorriu para o marido. — E vamos gastar menos dinheiro indo a um parque onde as pessoas não estarão vendendo coisas. Ela gostava muito de atividades ao ar livre — caminhadas, passeios de bicicleta, suor. Em outras palavras, algo que a fizesse sentir algum tipo de dor. Eu gostava muito de ler, ficar sentada e não acumular suor em locais onde o suor não deveria se acumular. Carl olhou para mim, botando os dedos sobre a boca para esconder o sorriso. — O que você acha, Mallory? — perguntou Rosa. Dei de ombros enquanto espetava um pedaço de brócolis com o garfo. Se fôssemos a Catoctin, eu provavelmente terminaria o dia com dor em músculos que eu nem sabia que existiam. — Ainsley queria sair comigo neste fim de semana. — Então, definitivamente, o porto. — Carl baixou a mão, nem mesmo tentando esconder o sorriso. — A última vez que a levamos a um parque, tenho certeza de que foi a primeira e a última vez que ela foi a um. Meus lábios se curvaram em um sorriso, e Rosa revirou os olhos. Fizemos planos de passar a tarde no porto, o que deixaria Ainsley feliz. — Você tem esculpido ultimamente? — perguntou Rosa, brincando com o copo. — Você não me pediu para pegar sabão. Meu olhar voou para ela. Eu não esculpia desde julho, mais ou menos na época em que comecei a me preparar mentalmente — em outras palavras, a me estressar — para a escola. Carl olhou para mim. — Você realmente precisa praticar. Não vai querer perder esse talento. Eu quase ri. Esculpir coisas em barras de sabão com lápis ou palitos de sorvete realmente não era algo que eu consideraria um talento. Era só algo que eu fazia... bem, desde que podia me lembrar, sempre que eu estava
sozinha. Rider nem sabia que eu fazia isso. Depois que eu terminava uma escultura, eu a destruía. Agora Carl e Rosa guardavam a maioria das minhas criações, mais de três dúzias, na sala de jantar, escondidas na cristaleira que cheirava a Primavera Irlandesa. O curioso é que esse estranho passatempo de esculpir em sabão foi o que realmente chamou a atenção de Carl enquanto eu estava no Johns Hopkins. Ele tinha visto tantas vítimas de queimaduras, tantas crianças, que não foi minha personalidade vencedora que chamou sua atenção. Mesmo com os dedos chamuscados e doloridos, enfaixados, eu pegava a barra de sabão do banheiro e, usando um abaixador de língua que tinha roubado de uma das enfermeiras, em alguns dias esculpi um gato dormindo. Não sei o que me atraía no ato de esculpir alguma coisa, mas sempre foi uma fonte de... paz. Eu achava que era um talento meio bobo, e Rosa e Carl tinham passado séculos tentando me fazer esculpir em madeira, mas sem sorte. — Por falar em grandes realizações, você sobreviveu a seus dois primeiros dias de escola — disse Carl, claramente sentindo que não chegariam a lugar nenhum com aquele papo de sabão. — Quer nos dizer como está sendo? Com o coração batendo forte, olhei para o meu prato. Rider de repente entrou em meus pensamentos. Agora seria um bom momento para falar dele. Eu queria. Não gostava da ideia de esconder isso deles, e eu queria... queria falar dele. Queria compartilhar meu entusiasmo por me reconectar a ele. Poderia ser um grande erro. Grande, mas eu queria que eles soubessem. Mentir para eles depois de tudo o que tinham feito por mim seria muito errado. Juntei as mãos no colo. — Então... na escola, eu encontrei alguém... — Parei, porque, quando ergui os olhos, os dois olhavam para mim. Eles pararam de comer e tudo. Muita atenção. Minha língua parou de funcionar. Meu cérebro gritou: Abortar! Abortar! Carl falou primeiro. — Quem você encontrou? Eu provavelmente devia ter ficado de boca fechada. Rosa se inclinou para a frente, colocando o copo de água na mesa. — Quem você encontrou, querida? Como não respondi, eles esperaram, e eu sabia que eles iam esperar para
sempre. — Eu encontrei... Rider. Silêncio. A única coisa que fazia barulho era o relógio oval na parede, tiquetaqueando. Carl pôs o garfo sobre a mesa. — Rider? O garoto com quem você morou? Assenti. — Ele está na sua escola? — Rosa enrijeceu. Tudo o que pude fazer foi anuir. — Isso é... inesperado — disse Carl e, em seguida, olhou para Rosa antes de continuar: — Vocês se falaram? Não havia sentido em mentir. Assenti. — Ele está em... um lar provisório melhor agora. Dessa vez eles trocaram longos olhares, e eu só podia imaginar o que estavam pensando. — Estou um pouco chocado — disse Carl por fim. — Nunca passou pela minha cabeça que Rider estaria em Lands High. O modo como ele pronunciou o nome de Rider arrepiou os pelinhos dos meus braços. Não que houvesse maldade em sua voz, mas a palavra foi dita de modo pesado. Depois de um momento, Rosa perguntou: — Como você se sente em relação a isso? Aliviada, imagino? — Ela olhou para Carl outra vez. Um pouco da rigidez desapareceu de sua postura. — Ele significava muito para você. Eu me concentrei nela. — Sim, aliviada. Fico feliz em ver que... ele está bem. Conversamos um pouco no almoço hoje. — Esfreguei as mãos nas pernas. — Foi bom... ter notícias. Carl assentiu lentamente e tomou um gole de água, enquanto eu ainda não tinha ideia do que ele estava pensando. — É bom saber que ele está bem. Forcei um sorriso, e meus olhos dispararam para Rosa. Ela estava me observando atentamente. Depois de outro breve silêncio, Carl mudou de assunto, mas eu me senti estranhamente presa. Eu sabia que eles não estavam felizes, e eu odiava que se sentissem assim. A última coisa que eu queria
fazer era desapontá-los. Tentei pensar em alguma maneira de compensar, então acabei arrumando a cozinha depois do jantar. Não era muito, mas era alguma coisa. Quando saí da cozinha, eles estavam no estúdio, a porta fechada, e eu tive a pesada sensação de que sabia o que conversavam. Fui para o quarto e abri meu laptop. Eu queria contar a Ainsley como Rosa e Carl reagiram à notícia de Rider, mas ela não estava on-line. Provavelmente estava com Todd. Quando fechei o laptop e comecei a abrir a mochila, houve uma batida na minha porta aberta. Olhei para cima e vi Rosa. — Podemos conversar? — perguntou ela. Meus ombros ficaram tensos. — Claro. Ela entrou enquanto eu me sentava na cama, cruzando as pernas. — Rider. Foi tudo o que ela disse, então eu assenti. Rosa se acomodou na beira da cama, o corpo inclinado para mim. — Como você está realmente se sentindo com relação a isso, Mallory? Rider foi muito importante para você. Durante meses, quando você veio morar aqui, perguntou por ele. Durante muito tempo, era a única coisa que você dizia. Então, sei que é importante. Mordi a parte de dentro da bochecha, perguntando se eu deveria diminuir a importância daquilo, mas uma olhada rápida para Rosa me disse que isso não daria certo. Ela sabia. — Eu estou... animada — admiti. — Estou feliz. Principalmente porque sei que ele está bem, e posso vê-lo. Ela assentiu. — Entendo. Sei como é se sentir assim. Expirando lentamente, peguei o grampo de cabelo na mesa de cabeceira e torci o cabelo para cima. Eu sabia que haveria mais. E estava certa. — Carl e eu fomos pegos de surpresa no jantar — continuou ela, o tom suave. — Por que você não falou dele ontem? Ah, boa pergunta. — Eu não... Eu não sei. Pensei que vocês poderiam ficar... preocupados. Seu olhar escuro procurou meu rosto. — Preocupados com o quê? Dei de ombros. Rosa olhou para onde minhas mãos descansavam entre minhas pernas
cruzadas. — Tem alguma coisa com que deveríamos nos preocupar? Bem, essa parecia uma pergunta capciosa. Ela estendeu a mão e tocou minha perna. — Vou ser honesta com você, como sempre fomos, ok? Assenti. Lá vem, pensei. — Nós estamos preocupados. Um pouco. Você ir parar na mesma escola que Rider nunca nos passou pela cabeça. Começar a frequentar a escola é uma mudança grande o suficiente, mas acrescentar Rider a essa equação? Não queremos que você fique sobrecarregada. — Não estou — respondi, enrolando minhas mãos. Ela deu um sorriso fraco. — A escola já é muito com que lidar. Rider é muito com que lidar. Pode não parecer assim agora, mas, querida, ele fez parte de uma época da sua vida na qual não queremos mais que você se concentre. — Eu... não estou focada no passado. Rosa não disse nada. Meu pulso começou a acelerar. — Rider é parte do meu passado, mas vê-lo não me faz... Eu não sei. Não faz com que eu me sinta mal. — Eu não pensei que faria. — Ela hesitou, parecendo escolher as próximas palavras com cuidado. — Nós apenas nos preocupamos com a forma como isso vai afetar todo o progresso que você fez. Ninguém está negando que seu passado é uma parte importante de quem você é. E sou a primeira a me sentir grata a Rider por tudo que ele fez para protegê-la naquela época, especialmente porque ele também era só uma criança. Mas você já percorreu um longo caminho desde quando era a menina apavorada que conhecemos. Você trabalhou muito duro para se tornar a jovem equilibrada que é agora. Não queremos que a presença de Rider... interfira em nada disso. Abri a boca, mas realmente não tinha ideia do que dizer. — Talvez não vá ser nada de mais — acrescentou ela. — Talvez estejamos nos preocupando à toa. — Houve uma pausa, e, então, ela sorriu. — De qualquer forma, estamos felizes que você tenha nos contado sobre ele. Eu não estava. — E queremos que você continue nos falando dele. — Rosa deu um tapinha na minha perna e, em seguida, se levantou, caminhando em direção à
porta. — Que tal um pouco de sorvete? Acho que ainda sobrou um pouco de calda de caramelo. Parece bom? Sorvete com calda de caramelo sempre parecia bom, então eu assenti. Quando Rosa bateu silenciosamente a porta atrás de si, fechei bem os olhos e caí de costas. Olhando para o teto, pensei no quarto minúsculo onde eu ficava com Rider. O teto aqui era suave como a neve. Na outra casa, era rachado e lascado, parecendo uma teia de aranha. Mordi o lábio. Contar-lhes sobre Rider tinha sido a coisa certa a fazer. Eu os deixei orgulhosos. Meu lábio escapou dos meus dentes. Mas contar a eles também não foi a ideia mais brilhante que já tive, porque, mesmo que Rosa se sentisse bem com o fato de Rider estar de volta, eu sabia que Carl não. Carl não ficaria nada bem com Rider.
CAPÍTULO 7
Paige não estava à espreita perto do meu armário na quinta-feira de manhã. Jayden estava lá quando troquei meus livros. Apenas a vontade de Deus segurava suas calças largas no lugar. Aquele leve cheiro de terra estava impregnado em sua camiseta dos Ravens. Seus olhos pareciam sonolentos quando ele se recostou no armário ao lado do meu. — Oi. Surpreendida por sua presença, sorri em resposta. — Só quis parar e deixar claro que eu sei o que são Jogos vorazes — anunciou, com um sorriso se insinuando no rosto de menino. — Yo no soy tonto, embora Paige goste de fazer parecer que sim. — Enfiando as mãos nos bolsos do jeans, ele torceu o nariz. — Então, ouvi dizer que você e Rider têm um... passado interessante. Olhei para ele, as sobrancelhas se erguendo enquanto eu fechava a porta do armário. Eu não tinha certeza de como responder a isso ou quanto Jayden realmente sabia. Como sua avó havia acolhido Rider, eu imaginava que tanto Jayden como Hector sabiam muito, mas Rider havia contado tudo? — Acho muito legal que você tenha se livrado daquela merda. Foi adotada. Minha abuelita... minha avó, te adotaria, mas o estado não paga por isso, sabe? — Ele olhou para o teto enquanto se balançava. — Mas sim, ouvi e vi algumas histórias de terror. Não sei como Rider saiu daquilo do jeito que saiu. Eu enrijeci, pois sabia tudo sobre essas histórias de terror, tendo eu mesma experimentado um bom número delas. — Quero dizer, Rider... Ele é legal. — Jayden deu de ombros enquanto baixava os olhos. — Muito melhor que os outros que minha abuelita teve em casa antes. Rider é determinado e nunca tirou vantagem de nada. É como
outro irmão mais velho que eu nunca pedi. — Um sorriso brilhou em seu rosto. — Ele pode ser... — O calor começou a tomar minhas bochechas. — Ele pode ser muito... protetor. Os olhos de Jayden se arregalaram, e sua boca se abriu um pouco. O rubor nas minhas bochechas se intensificou e apertei os lábios. — Hum. Essa é a primeira vez que a ouço falar. — Ele se desencostou do armário, parando a um passo do meu lado. Mais baixo que seu irmão e Rider, ainda era alguns centímetros mais alto que eu, mas meu pescoço gostou de não ter que virar para cima a fim de o olhar. — Legal. Também sou quieto. Arqueei uma sobrancelha. Ele riu. — Ok. Não sou quieto. Tenho certeza de que, se você me encontrasse na Wikipédia, eu apareceria como o oposto de quieto. Mas tudo bem. Você e eu podemos combinar como limão e tequila. Você pode compensar minha falação sem-fim, e eu posso compensar seu silêncio. — Ele cutucou meu braço. — Somos uma dupla perfeita! O sorriso voltou ao meu rosto. Eu realmente não o conhecia, mas gostei dele. Era bonito de uma forma encantadora e o fato de ser legal acrescentava uns mil pontos de bônus. Ele falou sobre um jogo de futebol no fim de semana, e, quando chegamos à escada, nos separamos, e não voltei a vê-lo pelo resto da manhã. Nem mesmo antes de chegar ao refeitório, mas Jayden era a coisa em que eu menos pensava quando cruzei as portas abertas. Keira estava em sua mesa, o lugar ao seu lado estava vazio, assim como na véspera. Ela se atrasava para a aula de inglês, deslizando em sua carteira bem na hora em que o último sinal tocou, e correu para fora da sala assim que a aula acabou, por isso não tivemos chance de conversar nem nada. Eu não tinha visto Rider nem ouvido falar dele, e eu não tinha certeza se ele se materializaria do nada para me roubar de novo. E se Keira tivesse mudado de ideia? E se eu caminhasse até sua mesa e ela risse de mim? Parecia uma loucura completa, mas também era possível, porque eu sentia que tudo era possível. Enquanto eu me dirigia para a fila do almoço, tentando adivinhar qual era o menu, porque o que eu vi um cara levando não parecia frango assado, Keira ergueu os olhos e acenou.
O alívio quase fez minhas pernas cederem. Se ela acenou, provavelmente não iria rir de mim quando eu fosse até sua mesa. Meu sorriso provavelmente foi meio assustador, então corri para a fila, sem me preocupar com o fato de que fosse o que fosse que estava sendo jogado no meu prato tinha cheiro de peixe, e não de frango. Ainda assim, minhas mãos tremiam enquanto eu segurava a bandeja. Encarei o refeitório, desejando que Rider aparecesse e me levasse dali. A esperança cintilou em meu peito no momento que esse pensamento se formou. Prendi a respiração. Isso era errado — estava tudo errado, a esperança e, em seguida, a necessidade que me invadiu. Contar que ele aparecesse em vez de fazer isso eu mesma não era o que eu queria ou precisava. Apertei mais a bandeja e empertiguei os ombros. Meu estômago se embrulhou, tirando meu apetite. Eu consigo. Respirando fundo, forcei meus pés a me levarem até a mesa. Dei dois passos. Eu precisava contorná-la para chegar ao lado de Keira, e isso foi uma das coisas mais difíceis que já tive que fazer. Olhos se ergueram dos celulares, pousando em mim. Os olhares eram curiosos e confusos, e o peso puxava meus passos para baixo. Meu peito era esmagado por um pânico crescente, quando, então, ouvi uma menina na mesa sussurrar, e Keira olhou para mim. O tempo parecia ter parado. Nesse momento, um largo sorriso se abriu no rosto de Keira. — Ei, garota, guardei um lugar para você. — Ela deu um tapinha no espaço ao seu lado. Houve um zumbido em minha cabeça, como se um exército de abelhas tivesse estourado de uma colmeia dentro de mim. Precisei de cada grama de concentração e esforço para pousar a bandeja na mesa sem derrubar nada, e me sentar sem cair. Quando meu traseiro finalmente atingiu o plástico duro da cadeira, senti como se tivesse acabado de escalar um paredão. — Esta é Mallory Dodge... seu sobrenome é Dodge, certo? — perguntou ela, os olhos escuros brilhando sob as luzes fortes do teto. Assenti, tentando fazer com que meus lábios formassem um sorriso que não fizesse as pessoas quererem correr, se esconder nas montanhas ou algo assim. — Mallory está nas minhas turmas de inglês e oratória. Este é seu primeiro
ano aqui — continuou Keira, recostando-se na cadeira. Ela apontou a menina de olhos verdes ao seu lado. — Esta é Rachel. A loura bonita acenou com os dedos na minha direção. — E esta é Jo. — Keira inclinou a cabeça para o outro lado da mesa, na direção de uma menina de pele escura com cabelo cacheado como o dela. — E esta é Anna. Foi ela que quebrou o pulso. Normalmente é a base, mas estava se exibindo. Todas nós sabemos como isso terminou. A morena ao lado de Jo levantou o braço esquerdo, mostrando um gesso cor-de-rosa que circulava seu antebraço e metade da mão. — Eu provavelmente deveria ter deixado meu rosto amortecer a queda. Ai. — Sim, se tivesse quebrado o nariz, ainda poderia participar. — Jo sorriu para ela. Anna a dispensou com a mão boa. Keira riu. Esfreguei as palmas das mãos úmidas nas coxas. Eu realmente esperava que ninguém apertasse minha mão. As pessoas ainda apertavam as mãos umas das outras? Acho que não. Pelo menos não na escola, porque isso seria estranho. — Você acha? — respondeu Anna, seca, levantando as sobrancelhas de um tom castanho. — Tanto faz. — Keira retomou a palavra e continuou me apresentando às outras pessoas na mesa. Todo mundo sorriu ou acenou, e eu gostava de pensar que a careta no meu rosto parecia um sorriso. Minhas mãos estavam tão apertadas no meu colo que os dedos adormeceram. Durante a rápida rodada de apresentações, dois rapazes chegaram à mesa. Um deles, que reconheci de uma de minhas aulas e achei que se chamasse Peter, passou um braço sobre o ombro de Anna. O outro se sentou ao lado de Jo. — Você está na minha turma de história, certo? — perguntou o que possivelmente se chamava Peter, estreitando os olhos para mim, pensativo. Minha língua era um tubo de chumbo na boca, então só consegui assentir. — Legal — respondeu ele, roubando uma uva do prato de Anna. Inclinando-se para o lado, pegou seu telefone. — Pensei ter visto você lá, antes de pegar no sono. O outro cara bufou.
Anna riu. — Não tenho ideia de como você passa nas matérias. Sério. Ele piscou para ela. — É o meu charme. — Isso é questionável — respondeu Keira com ironia, olhando para Peter. — Vi sua foto hoje de manhã no Instagram. Será que sua camisa caiu convenientemente? Peter ergueu os olhos do telefone. — Este corpo? — Ele acenou com a mão livre sobre o peito. — Precisa ser compartilhado com o mundo. Está vendo? Já tem duzentas curtidas. Jo revirou os olhos. — Duzentas curtidas não é nada para se gabar. Eu não tinha uma conta no Instagram. Principalmente porque não tinha ideia do que fotografar. Esculturas de sabão? Isso seria péssimo, mas agora sentia que realmente precisava disso. O grupo engatou uma conversa fácil da qual senti uma inveja ridícula. A camaradagem e as brincadeiras, o carinho genuíno de uns pelos outros, minha experiência no assunto era limitada. Eu os observei como se fosse uma cientista estudando uma espécie desconhecida. Quero dizer, eu era próxima de Ainsley, mas não estudávamos juntas assim. Venci o almoço, comendo o que disseram que era frango e que acho que poderiam ser batatas cozidas. A conversa me rodeava. De vez em quando, alguém fazia uma pergunta ou um comentário e eu assentia ou balançava a cabeça em resposta. Se alguém achou estranho, não disse nada ou nem me tratou de forma diferente, mas eles devem ter notado que eu não tinha falado uma palavra. Uma frustração cresceu dentro de mim, porque eu sabia que podia falar, mas sempre que o momento perfeito se apresentava, eu ficava presa, pensando demais no que poderia dizer. Fiquei em silêncio, como se houvesse um tampão na minha garganta, permitindo a passagem apenas de uma quantidade mínima de ar. As palavras não eram o inimigo ou o monstro debaixo da minha cama, mas tinham muito poder sobre mim. Eram como o fantasma de um ente querido, me assombrando para sempre. O almoço terminou sem que eu falasse, mas também sem nenhum grande desastre, e eu queria sair do refeitório no estilo A noviça rebelde, com os
braços abertos. Eu era uma completa idiota, mas, quando Keira e eu nos separamos, senti um zumbido feliz nas veias. Hoje foi a primeira vez. Eu podia não ter falado, mas nunca tinha me sentado à mesa do almoço com garotas. Anos antes, quando eu ia à escola com Rider, almoçava com ele e, às vezes, com outras crianças que iam e vinham de nossa mesa, mas jamais desse jeito. Nunca sozinha. Nunca sem alguém para falar por mim. Era algo grande. Provavelmente havia um discreto saltitar em meus passos enquanto eu ia para a aula, e um sorriso discreto, quase triunfante, estava estampado em meu rosto. Hoje foi um grande sucesso. Arrasei. Quando entrei na sala para a aula de oratória, vi Paige em sua carteira e um pouco da alegria deixou meus passos. Ela não disse nada enquanto eu me sentava, mas pude sentir seu olhar enquanto eu me ocupava pegando meu livro. Quando ele já estava sobre a mesa, respirei fundo e ergui os olhos. Um momento se passou. — Ele não vem. Nem Hector. Pisquei ao som da voz de Paige, e meu olhar saltou para ela. Paige estava apoiando as costas na cadeira, as longas pernas esticadas debaixo da mesa, os tornozelos cruzados. Os olhos escuros estavam fixos em mim. — Então, sabe, pode parar de olhar para a porta o tempo todo. Respirando fundo, abri a boca para dizer a ela que não estava esperando Rider, mas isso... seria mentira. O calor tomou conta das minhas bochechas. Um canto de seus lábios se curvou para cima quando ela puxou as pernas embaixo da mesa e se inclinou, colocando a mão na cadeira vazia de Rider. Sua voz soou baixa quando falou: — Não tenho certeza se você percebe isso ou não, mas Rider não está disponível. O ar ficou preso na minha garganta enquanto eu continuava parada. — Como avisei no outro dia, sou a namorada dele — continuou. — E tenho que dizer que ficar sentada aqui vendo você esperando que ele apareça não é legal. Ela estava certa. Não era legal. — E ver vocês dois terem o reencontro do século no primeiro dia de aula
também não vai entrar para a lista das cem melhores coisas da minha vida — acrescentou Paige, e eu também entendia isso. Essa conversa não entraria na minha lista. — Então, vou repetir só para me certificar de que entendeu. Ele é meu namorado. Pare de agir como se fosse seu. O último sinal tocou. Paige se endireitou e abriu o caderno enquanto o Sr. Santos começava a aula. Meu olhar se arrastou pelas carteiras na nossa frente. Ninguém parecia ter ouvido o que ela me disse, mas eu entendi muito bem. Mensagem recebida. As noites de quinta-feira significavam que eu tinha que me virar com o jantar, já que, às terças e quintas, Rosa e Carl normalmente não chegavam antes das nove, às vezes mais tarde, dependendo do que acontecesse no hospital. Mas eu estava sem fome. Nem Rosa nem Carl tocaram no assunto Rider durante o café da manhã, mas ele não estava longe da minha mente. O que Paige dissera na aula ainda estava lá e, cada vez que suas palavras surgiam em minha mente, eu me encolhia, mas isso não me impedia de me preocupar com ele. Para onde ele tinha ido? Estaria ferido ou em apuros? Claro, minha mente criou o pior cenário possível, embora eu percebesse que Paige saberia se algo ruim tivesse acontecido e não teria desperdiçado tempo praticamente me avisando para ficar longe de seu namorado. Mal toquei na tigela de arroz de micro-ondas, embora eu a tenha enchido com tanto sal que Rosa teria arrancado o frasco de molho shoyo da minha mão. Desistindo de comer, guardei a tigela na geladeira e subi as escadas. Peguei meu telefone na mochila e toquei na tela. Nenhuma mensagem. Abri a última e única mensagem de Rider. Será que devo escrever para ele? Seria estranho se eu fizesse isso? Droga! Joguei meu telefone na cama e amarrei meu cabelo em um nó frouxo. Muito inquieta para fazer o dever de casa, andei até o armário de roupa de cama no corredor e peguei uma barra de sabão. Peguei o saco de abaixadores de língua que Rosa tinha guardado para mim no armário e o levei para o quarto. Eu precisaria amaciar o sabão com água morna. Também precisaria de um
saco de mercado ou algo assim para jogar as aparas, de modo a não fazer muita bagunça. Olhando a barra de sabão embalada, tentei pensar em algo para esculpir. Eu já tinha feito árvores, estrelas, bolas de futebol, patos, barcos, e Deus sabe mais o quê. Alguns eram bem simples e tinham levado cerca de uma hora, apenas. Outros podiam levar dias se fossem mais complicados. Comecei a desembalar o sabão, mas parei. Não queria ficar cheia de aparas no uniforme, o que inevitavelmente aconteceria. Pus o sabão e os abaixadores de língua em cima da escrivaninha e me troquei, vestindo short de dormir e um top. Pegando uma camisa velha na cômoda, eu a enfiei pela cabeça. Era grande demais e ficava escorregando pelo ombro. Virando-me para a escrivaninha, vislumbrei meu reflexo no espelho pendurado dentro da porta do armário. Eu estava desarrumada de um jeito sexy. Aproximando-me do espelho, espiei ao me virar de lado. Pressionando a mão na parte inferior da barriga, fiz uma careta. Minha barriga era macia. Baixei o olhar e estremeci. Os shorts provavelmente não eram uma boa ideia. Eram largos, mas minhas pernas eram definitivamente... robustas. As coxas eram grossas. Pegando a barra da blusa, a levantei. O top tinha um sutiã embutido, mas o material era fino, assim como a blusa. Não escondia as sobras. Eu definitivamente não era pequena. Eu era robusta. A barra de sabão ficou intocada sobre a mesa. Quantas pessoas da minha idade esculpiam em sabão? Agora mesmo Keira provavelmente estava chegando em casa depois do treino de líder de torcida, e, se não estivesse com Todd, Ainsley estaria escrevendo — ela sempre estava rabiscando contos. Ou fazendo compras. Para alguém que não tinha emprego, ela fazia muito isso, graças a uma mesada considerável. Se estivesse com Todd, então provavelmente estava dando uns amassos. Outra coisa que ela fazia muito. Algo de que eu meio que tinha inveja. Um fato embaraçoso sobre o qual eu não gostava de pensar era que eu nunca tinha sido beijada. Droga, nunca falei com um garoto ao telefone e, definitivamente, nunca tive um encontro. Ainsley tentara me arranjar um com um amigo de Todd, mas eu tinha fugido totalmente disso. A ideia de encontrá-lo me fez querer vomitar. A poucos meses de fazer 18 anos, eu não sabia qual era a sensação de ser
beijada ou como era ser... desejada — ser amada desse jeito. Me faltava alguma coisa? Olhei para mim mesma e mexi os dedos dos pés enquanto estreitava os olhos. Robusta. A forma do meu corpo era robusta, mas Rider dissera que eu era linda. Sem qualquer aviso, uma imagem dele se formou em meus pensamentos. Olhos castanhos com manchas douradas, os maxilares largos e os lábios incríveis — lábios que eu apostava que davam beijos realmente ótimos. Ai meu Deus! Eu não poderia, não deveria estar pensando nisso. Afastando esses pensamentos, abri os olhos. O que me faltava não eram coxas finas ou uma barriga reta. Era coragem. Na verdade, eu era uma enorme gata assustada. Como eu poderia pensar nos lábios de um garoto quando não conseguia nem obrigar os meus a formar palavras? Meu olhar se voltou para o sabão. Acho que esculpir sabão era um hobby, mas era silencioso e não precisava de palavras para ser feito, sem dúvida. Muito apropriado. Eu não precisava me expor. Não como Keira sendo líder de torcida. Fazer compras não era um hobby de verdade e escrever não envolvia exposição, mas Ainsley era extrovertida, simpática e falante. Ela não apenas saía da caixa, como brincava feliz fora dela. Eu? Eu esculpia sabão. Talvez eu devesse... Na mesinha de cabeceira, meu celular apitou. Pensando que fosse Ainsley, já que eu não estava on-line, fui pegá-lo. Não era Ainsley. Vc tá em casa?
Era de Rider. Perdi o fôlego. Outra mensagem chegou antes que eu pudesse fazer meu cérebro responder. Sozinha?
Meus olhos pareciam grandes como planetas enquanto eu olhava para o celular. Dessa vez eu não seria prejudicada pela indecisão. Respondi com um rápido Sim.
Alguns segundos se passaram. Um minuto se transformou em cinco, e comecei a me perguntar se eu estava imaginando coisas, mas, em seguida, uma nova mensagem apareceu e meu coração parou. Três palavras. Estou aqui fora.
CAPÍTULO 8
Puta merda. Por um segundo fiquei completamente congelada enquanto olhava para a mensagem. Ele estava ali fora? Não, ele não podia estar dizendo que estava mesmo do lado de fora... A campainha tocou, ecoando no andar de baixo, e eu me virei, os pulmões se expandindo rapidamente. Puta merda. Meu cérebro meio que desligou quando corri para fora do quarto e pelo corredor, meus pés descalços voando pelos degraus. Passei quase voando pelo hall, parando pouco antes de abrir a porta. Eu não era idiota. Nas pontas dos pés, olhei pelo olho mágico enquanto mordia o lábio. Tudo o que eu podia ver era a parte de trás de sua cabeça e seus ombros largos. Era Rider. Ele realmente estava ali. Ainda segurando o telefone e sem ter a menor ideia de como isso podia estar acontecendo, engoli em seco e abri a porta. Rider se virou, e meus olhos ficaram na altura de seu peito. — Eu estava começando a achar que não ia atender. Meu olhar se ergueu, e um som estrangulado escapou de mim. Estendi a mão, segurando seu braço e quase o arrastando para dentro. Ele pegou a porta com a outra mão, fechando-a atrás de nós. — Seu rosto. — Apertei mais seu antebraço. — O que aconteceu? Suas sobrancelhas se franziram quando ele estendeu a mão, tocando a pele ao redor da ferida alguns centímetros acima da sobrancelha esquerda. O sangue tinha secado ao redor do corte, e um tom roxo-azulado já começava a se espalhar em torno dele.
— Isto? Ah, não foi nada. Olhei para ele. — Não... parece que não foi nada. — Nada sério. — Olhando ao redor do hall, ele soltou minha mão, que estava com os nós dos dedos brancos, de seu braço. Em vez de deixar minha mão cair, entrelaçou seus dedos nos meus. — Achei que você fosse perguntar como descobri onde morava. Estou bastante impressionado com minha astúcia. Sim, eu estava curiosa a esse respeito, mas ele ia ficar com uma cicatriz em cima da sobrancelha esquerda agora, para fazer par com a outra. — Rider, sua testa... Ele baixou os olhos para mim enquanto apertava minha mão, sorrindo. — Você me disse que morava no Pointe, então peguei o metrô para o Centro e andei o resto do caminho. Não foi muito difícil descobrir. — Com a outra mão, ele correu as pontas dos dedos sobre as margaridas falsas no vaso sobre a mesa de entrada. — Só procurei seu carro. Para minha sorte, estava fora da garagem. Então, talvez eu não seja assim tão esperto. Esperto ou não, ele estava ferido, e aquilo fazia com que eu me sentisse mal. Comecei a puxá-lo para a sala de estar. — O que você está usando? — perguntou ele, permitindo que eu o puxasse. Meus olhos se arregalaram. Eu tinha esquecido completamente que estava com roupa de dormir e que isso deixava à mostra meu corpo robusto. — Eu estava me preparando... para me deitar. Ele arqueou as sobrancelhas e depois fez uma careta. — Que horas são? Sete? — Sete e meia — murmurei, conduzindo-o pelo hall para dentro da sala de estar. Observando o cômodo espaçoso, sua atenção se prendeu a todas as plantas envasadas na frente da janela, em seguida moveu-se sobre o home theater e as prateleiras embutidas. Então ele se virou para mim. Seu olhar desceu, deslizando lentamente pelo meu corpo, e senti os dedos dos meus pés se curvarem contra o piso de madeira. A onda de calor inebriante seguiu seu olhar, e a reação de arrepio provocou coisas estranhas em certas partes de mim. Nossos olhos se encontraram.
Seu olhar tinha a mesma intensidade do dia anterior. A temperatura na sala aumentou vários graus e minha respiração de repente ficou ofegante. Rider chegou mais perto. Ele ainda segurava minha mão. — Eu provavelmente não devia ter vindo aqui. — Não devia? Ele se inclinou para o lado, e, então, vi que o colarinho de sua camisa estava rasgado. Meu coração parou, e ele balançou a cabeça quando soltou minha mão. Achei que iria embora, então dei um passo à frente, praticamente acabando com a distância entre nós. — Sente-se. Rider olhou para mim, indeciso. — Sente-se — repeti. — Por favor? Ele olhou atrás de mim, pareceu estremecer e então moveu uma almofada para o lado antes de se sentar. — E agora? — perguntou, olhando para mim com olhos familiares e também estranhos. — Fique aqui. — Quando ele se recostou no sofá, desviando sua atenção de volta para a estante, corri para fora da sala de estar. No banheiro do andar de baixo, peguei água oxigenada, chumaços de algodão e não me permiti pensar muito nisso nem me preocupar com Carl e Rosa. Eu sabia que, se eles viessem para casa mais cedo, eu estaria numa encrenca tão grande que não seria divertido, especialmente depois da conversa da véspera. E, embora a presença de Rider pudesse ser um pavio inflamável, eu sinceramente não sabia como eles reagiriam se chegassem e encontrassem qualquer rapaz em casa. Tenho certeza de que isso era outra coisa que nunca havia passado pela cabeça deles. Ou pela minha. Rider continuava onde eu o deixara, e eu suspirei baixinho enquanto contornava a mesinha de centro. Ele olhou para o que eu trazia, e um meio sorriso surgiu. — Eu estou bem, Ratinha. Sério. Dei de ombros enquanto caminhava em sua direção, parando entre os joelhos dele e a mesinha. — O que aconteceu? — Apenas alguns... alguns problemas — disse ele, esfregando a mão no
queixo. — Nada com que precise se preocupar. Abrindo a tampa da água oxigenada, embebi um chumaço de algodão e, em seguida, pus o frasco sobre a mesinha. O cheiro forte foi direto para meu nariz. — Você... você sempre fez tudo parecer que não era nada de mais. Está fazendo isso agora. Seus lábios se curvaram à direita, e a covinha apareceu. Então ele suspirou e deslizou para a frente, esticando as pernas. Suas mãos de repente pousaram em meus quadris, e quase deixei cair o chumaço de algodão com aquele contato inesperado. Prendi a respiração quando ele me puxou para baixo, de modo que me sentei na beira da mesinha de centro enquanto ele continuava a se mover para a frente, a parte de dentro de suas pernas deslizando contra a parte de fora das minhas. O material bruto da calça jeans tocando minha pele nua enviou uma sensação crua e úmida pelas minhas veias. — Melhor assim? — perguntou ele, olhando para mim por trás dos cílios semicerrados. Pisquei, sem ter ideia do que ele falava, e então percebi que, sentada desse jeito, era mais fácil alcançá-lo. Suas mãos saíram de meus quadris e descansaram sobre suas coxas, e elas estavam muito próximas das minhas! Esticando-me em direção a ele, deslizei suavemente o algodão pelo corte e, quando ele respirou fundo, tirei a mão. — Está tudo bem — garantiu ele. Tentei de novo e dessa vez ele não se moveu nem fez barulho. — Você vai me dizer... o que aconteceu? Um momento se passou e olhei para ele. — Isso me faz lembrar dos velhos tempos — respondeu ele, e seus cílios se levantaram. Quando seu olhar deslizou por mim, eu estava concentrada, mas por pouco tempo, porque ele desviou o olhar, um músculo se contraindo em seu maxilar. — Mais ou menos. Um rubor invadiu meu rosto quando troquei o algodão por um novo. Ele estava certo, isso era como todas as outras vezes que eu o limpara. Bem, quando eu era mais nova, eu tentava limpá-lo, mas não tinha ideia do que estava fazendo, mas, à medida que crescíamos e ele se envolvia em brigas para me defender ou por algum outro motivo, essa era a nossa rotina. Só que eu tinha certeza de que, quando seu olhar deslizou por mim agora, ele ficou olhando para os meus seios, e isso definitivamente era algo que não
acontecia antes. Naquela época, eu duvido que ele sequer percebesse que eu tinha peitos. Provavelmente porque eles só apareceram havia cerca de dois anos. Enquanto eu limpava o corte, meus pensamentos se voltaram para o carro no estacionamento e o que Keira dissera no dia anterior. Isso era o resultado de andar com pessoas estranhas? Será que ele teria cicatrizes combinando acima das sobrancelhas? Eu não gostava dessa ideia. — Por que você não foi à aula? — Tive que cuidar de umas coisas. — Isso não é resposta. — Como ele não disse nada, tentei novamente: — Você está... Você está em segurança, Rider? Ele virou o rosto para mim, e eu quase passei o algodão dentro do seu olho. — Isso ia arder — murmurou ele, segurando meu pulso. Ele tirou o chumaço da minha mão e o jogou na mesa de centro. — Eu estou em segurança. Sempre estou em segurança. Balancei a cabeça. — Todas aquelas vezes que você se pôs... — Ratinha… — Você se pôs em perigo por mim. Você fez isso, várias vezes. — A raiva explodiu por trás da preocupação que brotava em meu peito. — Você nunca parou para pensar em... no que poderia acontecer com você. Ele inclinou a cabeça para trás, encontrando meu olhar. — Eu sabia o que estava fazendo. — Você... — Minha garganta se fechou quando as lembranças surgiram como uma onda cruel e alquebrada. — Você fez apostas comigo. Você... — Ratinha — disse ele, suavemente. — Eu sabia o que estava fazendo naquela época, e sei o que estou fazendo agora. Ele basicamente estava me dizendo que agora apanhava por causa de outra pessoa? Sem que ele dissesse mais nada, eu soube. Soube que a ferida ensanguentada em sua testa não fora por causa de algo que ele tivesse feito, mas por algo que alguém menor, mais fraco, tinha feito. — Você é masoquista? Ele me olhou por um instante e depois riu; aquela risada profunda que me fazia estremecer. — É uma boa pergunta.
— Não é engraçado. — Comecei a puxar meu braço, mas ele me segurou pelo pulso. Nossos olhares se encontraram de novo, e as palavras borbulharam da minha garganta, como champanhe. — Não gosto de vê-lo machucado agora, como não gostava naquela época. — Mas não estou machucado. — Sua voz era baixa. — Está vendo? Você cuidou de mim. Meu peito se inflou de novo, mas dessa vez foi diferente. Mais ou menos como um balão sendo enchido. — Foi por isso que você veio aqui? Ele não respondeu de imediato. — Não sei. Acho que senti sua falta. Como se não ver você todo esse tempo depois... depois de estar ao seu lado todos os dias por, droga, por uma década, e então... então a perdi. Mas agora você está de volta. — Ele passou a outra mão por cima da minha. — Não parece real. As probabilidades de nossos caminhos se cruzarem estavam contra nós, mas aqui estamos nós. Aqui estamos nós. — Então, quanto tempo eu tenho antes que... como eram os nomes? Carl e Rosa? Sim, isso. Quanto tempo tenho antes que voltem? — Eu não sei. Talvez... talvez uma hora mais ou menos? — Minhas mãos pareciam incrivelmente pequenas nas dele. Aquele sorriso torto estava de volta. — Duvido que ficariam felizes de me encontrar aqui. — Por quê? Ele arqueou as sobrancelhas. — Talvez eu esteja errado. Eles estão acostumados a chegar em casa e encontrar um cara estranho sentado em seu sofá? Revirei os olhos. — É isso, não é? — Rider puxou minhas mãos, e eu me levantei, deixando que ele me puxasse para o lado dele no sofá. Ele se recostou, deslizando um braço ao redor dos meus ombros e me prendendo ao seu lado. — Você sempre faz essas coisas, hein? Eu não sabia o que fazer com minhas mãos desde que ele as soltara, então eu as juntei no colo. — Nunca trouxe um... cara aqui. Rider se enrijeceu e torceu o pescoço para olhar para mim. Eu tinha admitido isso em voz alta? Fechando bem os olhos, suspirei.
— Só vou... ficar calada agora. Ele riu. — Não faça isso. Gosto de ouvir você falar. Estar com nossos corpos pressionados lado a lado e seu braço ao redor dos meus ombros era como ter um pé no passado e outro no presente. Estar tão perto assim agora era totalmente diferente de antes. Se ao menos a TV estivesse ligada, acho que pareceríamos com casais de todo o mundo, aninhados daquele jeito. Só que não éramos um casal. Eu realmente precisava tirar essa ideia da cabeça. — Você, hum, não perdeu muito na aula. Temos que ler exemplos de... palestras informativas. — Parece divertido. Nossos olhares se encontraram brevemente, e eu desviei o meu. — Onde você esteve, Rider? Ele ficou em silêncio enquanto deslizava a mão pelo meu braço. Seus dedos roçaram a pele nua do meu ombro quando fechou a mão ali. Parecia um movimento inconsciente, mas minha pele se arrepiou no correr da carícia. — Hector e eu precisamos falar com algumas pessoas. Meu olhar se voltou para o dele de novo. — Falar envolve punhos? Um sorriso irônico se formou. — Às vezes. — Ele estendeu a mão, sacudindo o nó dos cabelos no alto da minha cabeça. — O irmão de Hector... ele ainda é novo. Jayden só tem 15 anos, mas às vezes parece ainda mais criança que isso. Você sabe, mentalmente, e se mete em encrencas. Olhando para ele, fiquei outra vez impressionada pelo fato de que algumas coisas não mudavam. Ou talvez alguns traços das pessoas. — Então você está ajudando Jayden a resolver um problema? — Tentando — murmurou ele, descansando a cabeça na almofada. Seus olhos assumiram um ar sombrio e preguiçoso enquanto ele continuava a mexer no meu cabelo. Eu não tinha ideia do que ele estava fazendo. — De todo modo, conversamos ontem. Garantimos que Jayden sentaria a bunda nas aulas hoje. A conversa não foi tão suave esta tarde. Ai, meu Deus, eu queria abraçá-lo e socá-lo ao mesmo tempo. — Rider...
— Você alguma vez imaginou que estaríamos sentados aqui? — Você está mudando de assunto — observei. — Estou. — Ele deu um sorriso rápido e travesso. — Mas você imaginou? — Não — admiti, engolindo em seco, apesar do repentino nó na garganta. — Eu nunca pensei... que o veria de novo. Mas tinha esperanças. — A esperança nunca nos levou a lugar algum, não é? Balancei a cabeça. Tendo crescido como crescemos, nos tornamos íntimos da realidade bem rápido. Coisas como esperança e aspirações pareciam sonhos e fantasias. Os dedos de Rider continuavam se movendo pelo nó, e, antes que eu percebesse, ele tinha soltado o coque. Meu cabelo passava dos ombros em um emaranhado de ondas. — Gosto dele solto — disse ele, e suas bochechas coraram quando ele deixou a mão cair. Seus dedos roçaram meu braço. — Embora eu meio que sinta falta do laranja. Tornava fácil te encontrar no meio de uma multidão. — Obrigada. Ele riu. — Ah, estou mentindo. Ainda é fácil encontrar você. A meio quilômetro de distância — acrescentou, quase como um pensamento tardio. — Porque sou mais baixa... do que todo mundo da multidão — respondi, seca. Seu olhar percorreu meu rosto daquele jeito estranho, concentrado. — Não, não é nada disso. — Lançando o olhar para as minhas mãos, suas sobrancelhas se abaixaram. — Então, como foram seus três primeiros dias na escola? Só três dias? Parecia mais do que isso. Dei de ombros. — Ok. — Não foi muito convincente. Erguendo meus olhos para os dele, de repente pensei em Paige. Eu me afastei, abrindo espaço entre nós. Como eu tinha me esquecido dela? Fui pega de surpresa pela aparição repentina de Rider e pela condição em que ele estava, mas essa não era uma desculpa boa o bastante. Olhei para ele, uma centena de perguntas vindo à tona. Uma delas era por que ele tinha vindo me procurar em vez de Paige, para início de conversa. Meu coração acelerou. Parte de mim não queria falar dela, porque, se ele não falasse, então eu ainda podia... O quê? O que eu ainda podia fazer?
Mesmo que nunca falássemos sobre Paige, isso não mudaria a realidade. E o fato de ele ter uma namorada não mudaria o que éramos: amigos. Respirei fundo. — Você... você tem... uma namorada, certo? — O quê? — Rider me olhou por um momento e então balançou a cabeça. — Isso meio que veio do nada. Verdade. Não deixei que isso me detivesse. — É... a garota da aula de oratória. Rider olhou para mim um momento. — Você está falando de Paige. Sim, temos saído. Dei um sorriso nervoso enquanto juntava as mãos novamente. — Isso é... isso é bom. Ele desviou os olhos, franzindo os lábios. — Nós nos conhecemos há um tempo. Ela é amiga de Hector desde o ensino fundamental, então ela sempre esteve por perto, sabe? Eu realmente não sabia, mas podia imaginar. — E ela é muito legal. Não é estressada — disse ele, e eu me perguntei se ele achava que eu era estressada. — Eu posso... simplesmente relaxar com ela, sem realmente me preocupar com nada. Enfim, começamos a sair juntos na primavera passada. — Ele parou e olhou para mim. — Como você sabia? Ela falou com você? Ah, cara. Eu não queria que ele soubesse da conversa de hoje. Fechei as mãos e disse a mim mesma que nada disso era da minha conta. — Não. Eu só... Vi o jeito de vocês... hum, no primeiro dia de aula. Ele arqueou as sobrancelhas. — Que jeito é esse? Desviando o olhar, eu meio que desejei que tivesse ficado de boca fechada. — Ela ficava... tocando em você. — Hum. — Houve uma pausa. — Eu fico tocando em você, e isso não significa que estejamos namorando. Um ar gelado invadiu o meu peito enquanto as palavras entravam em minha consciência. Uau! Ele tinha um argumento, um argumento muito bom, e, embora eu não achasse que ele quis dizer nada ao falar isso, o ar gelado ardia mesmo assim. — Quero dizer — começou, batendo seu ombro no meu —, você e eu sempre fomos assim.
— Verdade — murmurei, sorrindo de novo enquanto olhava para ele. Nossos olhares se sustentaram por alguns segundos, então ele estreitou os olhos. — Ela não disse nada para aborrecer você, não é? — Por que... por que você acha isso? O canto de seus lábios se curvou depressa. — Ela... digamos apenas que Paige é uma garota durona. A queimação irradiava pelo meu peito. Claro que Rider ficaria a fim de uma garota durona. Ele foi durão, e hoje Paige não tivera problemas para me colocar no meu lugar. Se eu estivesse no lugar dela, teria sentado lá e não dito nada. — Então, ela pode ser um pouco dura com as pessoas — completou. Dei de ombros. Ele estreitou o olhar quando se concentrou em mim. — Ela disse alguma coisa para você? Posso falar com ela. Garantir que ela saiba como... — Não. — Dei um pulo, assustada comigo mesma. A palavra saiu um pouco mais alto do que eu pretendia. Eu praticamente gritei. — Você não precisa falar com ela. Um olhar de dúvida cruzou seu semblante. — Mallory... — Está tudo bem. — Arrastando-me para a beirada do sofá, peguei um dos chumaços de algodão não usados em cima da mesa. — Quero dizer... ela não me disse nada. Você não precisa falar nada com ela. Olhei para ele por cima do ombro, falando sério. Por mais que eu... adorasse que ele mantivesse essa fúria protetora, eu não podia contar que ele sempre estaria presente para me proteger. Nos últimos quatro anos, ele não esteve, e não podíamos regredir. Eu não podia permitir isso, não importa quão fácil fosse. — Eu não... Não quero que seja assim. — Como você quer que seja? — perguntou ele e, em seguida, levou os dedos à testa, esfregando ao redor do corte. Seus lábios se torceram em um sorriso de fachada. — Não responda. Eu não tinha certeza do que isso significava. Olhei para ele, confusa, sentindo como se tivesse deixado passar alguma coisa realmente importante. — Eu tenho que ir. Não quero criar problemas para você. — Ele
escorregou para a ponta do sofá. Antes que eu pudesse protestar, o que não seria prudente, mesmo que eu quisesse que ele ficasse mais, ele pôs as mãos no meu rosto. Minha respiração ficou presa em algum lugar entre a garganta e o peito. Inclinandose, ele encostou os lábios na minha testa, e me deu um beijo que fez meu coração derreter. Meus olhos se fecharam enquanto seus lábios se demoraram na minha pele. Como se eu tivesse parado de funcionar, não me mexi quando ele se afastou e se levantou. Uma eternidade poderia ter passado até que abri os olhos e o vi me fitando, os olhos castanho-dourados brilhando, os lábios entreabertos. Pigarreei. — Posso... lhe dar uma carona. Seu olhar baixou, e, então, ele arqueou uma sobrancelha. — Não precisa. Já cuidei disso. Ficando de pé, eu o segui até o hall. Ele estendeu a mão para a porta e, em seguida, se virou para mim. — Estou feliz que você tenha aberto a porta. Meu sorriso pareceu hesitante. — Estou feliz... por você ter mandado a mensagem. Rider inclinou a cabeça para o lado. — Está? Assenti, provavelmente ansiosa demais, mas, quando a covinha na bochecha direita dele se formou, foi como ser recompensada. Nossos olhos se encontraram por um momento, e eu não queria que ele fosse embora. Um impulso tomou conta de mim, como tinha acontecido durante o almoço, e eu me joguei para a frente. Segurando seus braços, eu me estiquei e beijei seu rosto. Foi só um beijinho, então imaginei que não estava ultrapassando nenhum limite, mas a sensação de sua pele sob meus lábios ainda era enervante e inesperada. — Tenha cuidado — sussurrei, recuando. O sorriso de Rider desapareceu de seu rosto bonito. Um momento se passou antes de ele falar: — Sempre, Ratinha.
CAPÍTULO 9
Subi as escadas rangentes nas pontas dos pés, estremecendo a cada vez que as placas gemiam sob meus passos. Eu tinha que ser silenciosa ou o Sr. Henry me pegaria. Isso seria ruim. Muito ruim. Desci o corredor escuro. A Srta. Becky estava doente de novo, de cama, mas, se eu conseguisse fazê-la se levantar, ela ajudaria Rider. Abrindo a porta lentamente, de modo que não fizesse barulho, olhei ao redor do quarto. A luminária na mesinha de cabeceira estava acesa, inundando o cômodo com um luz amarela. Garrafas marrons vazias estavam espalhadas por cima da cômoda. O quarto tinha um cheiro estranho. Estagnado. Fui em direção à cama, apertando as mãos fechadas. A Srta. Becky estava deitada ali, mas não parecia bem. Era como um daqueles manequins nas lojas, pálida e imóvel. — Srta. Becky — sussurrei, quebrando uma regra. Eu nunca devia acordá-la, mas Rider precisava de ajuda. Não houve nenhum movimento na cama. Cheguei mais perto. — Srta. Becky? Assustada, hesitei perto da cama. O quarto ficou turvo. Lágrimas arderam em meus olhos quando troquei meu pé de apoio. Tentei chamar o nome dela de novo, mas não saiu nenhum som. A alça de sua camiseta estava na metade do braço, e seu peito não parecia se mover. Comecei a me virar, para me esconder, porque alguma coisa estava muito errada, mas Rider estava do lado de fora e estava tão frio que meus dedos sem luvas tinham doído no parquinho da escola mais cedo. Levantei meus ombros ossudos e voltei para a cama. Estendi a mão e peguei o braço da Srta. Becky. Sua pele estava fria e... flácida. Puxei minhas mãos de volta e me virei, correndo para fora do quarto. A Srta. Becky... Ela não ia poder ajudar. Agora a coisa era comigo, e eu não ia decepcionar Rider. Rastejei de volta pelos degraus e passei silenciosamente pelo banheiro com cheiro de
mofo. O Sr. Henry gritou um palavrão da sala de estar, fazendo meu coração pular, mas eu insisti e alcancei a porta dos fundos. Esticando-me, destranquei a porta, o estalo ecoando como um trovão pela cozinha. Girei a maçaneta. — Que diabos você está fazendo, garota? Hesitei, encolhendo-me enquanto meu corpo se retesava. Eu me preparei para os punhos quando abri a boca. Gritos cortaram o ar, a casa e... — Mallory! Acorde! — Mãos apertavam meus ombros, me sacudindo. — Acorde. Sentando-me ereta, eu me libertei das mãos e me encolhi em cima da cama. Minha mão direita bateu no ar. Sem equilíbrio, oscilei à beira da cama. A mão no meu braço esquerdo apertou mais. Outro grito se formou em minha garganta. Meu olhar selvagem correu pelo quarto iluminado. O passado aos poucos recuou, como uma mancha de alcatrão e fumaça sendo lavada. Não havia garrafas de cerveja. Nenhuma mesa de cozinha coberta de jornais. Fitei os olhos escuros de Carl. A preocupação estava estampada em seu rosto cansado. Seu cabelo apontava em todas as direções, e sua camisa cinza estava amarrotada. — Você está bem? — perguntou ele, enquanto eu respirava fundo, de modo irregular. — Deus, Mallory, eu não a ouço gritar assim... Há anos. Ele não precisava terminar a frase. Com as mãos trêmulas, tirei o cabelo do rosto enquanto engolia em seco. Minha garganta ardia. Então percebi que Rosa estava na porta, apertando o cinto do robe em volta da cintura. Ela disse algo, mas não consegui entender. Meu coração batia acelerado. — Está tudo bem. — Carl bateu no meu braço enquanto olhava por cima do ombro, para a porta. — Foi só um pesadelo, cariño. Volte para a cama. Como podia ser só um pesadelo? Pesadelos não eram reais. Isso... isso era. A manhã chegou cedo demais, e tudo o que pude fazer foi me arrastar ao longo do dia. Quando chegou a hora da aula de oratória, fui para a sala e imediatamente fiz contato visual com Paige. Seu cabelo estava puxado para trás em um desses coques de bailarina, e ela usava grandes argolas douradas. Ela estava linda. No entanto, a careta que fez quando me viu não foi nem um pouco bonita.
Arrastando meu pé esquerdo, tropecei e o barulho da minha sandália soou como um trovão. Eu não caí, mas meu quadril bateu em uma carteira vazia. Os cantos dos lábios de Paige se curvaram para cima quando ela arqueou uma sobrancelha. Horrorizada, congelei por meio segundo e, então, voltei ao normal. Correndo para o meu lugar, sentei. Minhas bochechas estavam pegando fogo. O modo como ela me olhava antes de eu tropeçar, como uma idiota, me fez pensar que Rider devia ter dito algo a ela, como tinha sugerido na noite anterior. Ele não faria isso, eu disse a mim mesma enquanto abria meu caderno e lia as anotações da véspera. Estreitei os olhos. Eu não conseguia entender o que sequer uma frase que tinha escrito realmente significava e... — Ratinha. O ar ficou preso na minha garganta quando olhei para cima. Rider tinha que ser meio fantasma, porque eu não o tinha ouvido se sentar ao meu lado ou falar qualquer coisa para Paige, mas lá estava ele. Vestindo uma camiseta velha com um emblema desbotado, os braços cruzados sobre o peito largo; ele era a imagem da arrogância preguiçosa. Vê-lo depois da noite passada me causou uma sensação estranha na boca do estômago. Eu não havia contado a Carl e Rosa sobre Rider ter ido à nossa casa. Pior, eu nem pretendia fazer isso. Ratinha. Parte de mim odiava esse apelido, por causa do que ele simbolizava. A outra parte meio que o adorava, porque era o apelido que ele tinha me dado. Eu não tinha certeza de qual sentimento superava o outro. Meu coração decidiu fazer algo engraçado. — Rider. Seus lábios cheios se curvaram em um meio sorriso, chamando minha atenção para sua boca. Como um garoto podia ter lábios tão perfeitos? Não era justo. E por que eu estava olhando para aquela boca? O rubor transformou meu rosto em um morango, e seu sorriso se alargou, mostrando a covinha. — Sentiu minha falta? Minhas mãos pousaram sobre o caderno aberto enquanto meu olhar correu na direção de Paige. Ela observava algo que Hector lhe mostrava em seu telefone, mas eu não podia acreditar que ele tinha perguntado aquilo na frente dela. Ou talvez não fosse nada preocupante e eu estivesse fazendo alarde por
nada? Obriguei-me a dar de ombros ao levantar os olhos e ver que o corte acima do olho esquerdo não parecia tão feio quanto antes. — Como está sua cabeça? — perguntei em voz baixa. — Esqueci completamente isso. — Seus olhos baixaram brevemente. — Como foi o seu dia? Algo quente se agitou dentro de mim, como um pressentimento. — Almocei com Keira hoje. Segundo dia consecutivo — falei para ele, então estremeci de tão estúpido que isso soou. O sorriso de Rider se alargou de orelha a orelha, transformando seu rosto bonito no tipo de beleza masculina que era como um soco no peito. — Isso é muito bom, Mallory. — Sua voz diminuiu quando ele estendeu a mão, fechando-a sobre meu braço. Houve uma reação quase elétrica ao seu toque. — Estou orgulhoso de você. Sério. Uma tontura envolveu meu coração enquanto eu olhava para sua mão grande, mais escura que a minha. Ele sabia como aquilo era importante, e eu não me senti tão idiota. Ele entendia. Ele me entendia. E isso significava todo o universo para mim. Uma sombra caiu entre nossas mesas. Hector estava se sentando e tinha parado a meio caminho, com a cabeça inclinada para o lado. Seus olhos estavam na mão de Rider, e parecia que um chupa-cabra acabara de aparecer na sua frente. Rider recuou, cruzando os braços. — Você está bem, cara? Os olhos verdes de Hector correram para ele. — Você está? Não houve resposta, e eu não tinha ideia do que aquilo se tratava, mas, quando Hector se sentou, percebi que Keira também estava nos olhando de seu lugar, algumas fileiras à frente. Forcei um sorriso, rezando para que ela não tivesse me ouvido falar sobre o almoço. Seria estranho. — Ei, querido — disse Paige, chamando a atenção de Rider. — Tudo certo para hoje à noite? Mordi o interior da minha bochecha quando Rider se virou para ela. — Hoje à noite? — Sim. — O sorriso da garota era largo e brilhante, como na primeira vez que a vi com ele. — Conversamos sobre ir à festa de Ramon.
Eu não tinha ideia de quem era Ramon, mas a inveja se agitou no meu peito. Eu nunca fora a uma festa que não fosse organizada por adultos. Eu não tinha ideia de como esse tipo de festa seria e realmente não havia pensado nisso até então. Meu olhar se deslocou entre eles, e me ocorreu então que, embora Rider me entendesse como ninguém, nossos mundos não giravam mais ao redor um do outro. Agora Rider faltava à aula quando quisesse. Agora Rider tinha uma namorada. Rider era convidado para festas. Eu? Eu era a mesma de antes e o seria para sempre. Eu nunca faltaria à aula. Eu não tinha namorado. Eu não ia a festas e, com exceção da comemoração de 16 anos de Ainsley no ano passado, eu não era convidada. — Não sei — respondeu Rider. — Tenho que ir à oficina. Devo passar a maior parte da noite lá. Oficina? Eu queria perguntar sobre isso, mas percebi que não era o momento de sair da concha e falar. O sorriso de Paige congelou. — Eu realmente estava ansiosa para ir. — Vá — insistiu ele, e sorriu para ela. Eu não podia ver, mas sabia que a covinha direita estava lá. — Se eu conseguir sair a tempo, vou encontrar você. Ok? Paige ficou parada por um instante e depois assentiu. — Ok. — Estendendo o braço, ela fechou a mão ao redor da nuca de Rider. — Mas vou sentir sua falta. Eu realmente precisava desviar o olhar. — Vai? — Um tom divertido coloria sua voz. Não desviei o olhar. Os dedos de Paige se apertaram e... Ele estava se inclinando para ela? Desviei o olhar... por cerca de cinco segundos antes de olhar de novo para eles. Ele estava sentado reto, e todas as partes do corpo de Paige estavam em sua cadeira. Um segundo se passou, e Rider olhou para mim e me flagrou os observando e totalmente atenta à sua conversa. Seu sorriso se tornou mais profundo, e então eu vi a covinha. Baixando o olhar, voltei a me concentrar
em minha mesa... e em meus assuntos. O Sr. Santos apareceu na frente da sala, como se houvesse um alçapão no teto do qual ele tivesse caído. Era preciso ter talento. — Tudo bem, garotada. Vamos começar a aula com um pouco de exercício. — Ele bateu palmas, assustando o menino que dormia na frente da sala. — Quando se trata de falar em público, a prática é fundamental. Quanto mais você faz isso, mais fácil fica. Podem acreditar. Um formigamento começou em meus dedos enquanto me endireitava. — Quando eu era da idade de vocês... — Um século atrás — alguém murmurou. Santos lançou um olhar divertido para o garoto. — Fofo. Enfim, quando eu era da idade de vocês, há poucas décadas, a ideia de falar na frente de um monte de gente me fazia ter vontade de vomitar. — Eca — murmurou uma menina. Havia uma boa chance de que eu fosse mesmo vomitar. — Então isso era algo em que eu tinha que trabalhar. Todos nós temos. Isso significa que vamos começar com uma apresentação rápida. — Ah, merda — murmurou Rider. Santos continuou, alheio ao fato de que eu o fitava com os olhos tão arregalados que parecia que eu não tinha pálpebras. — Cada um de vocês vai se levantar, encarar a turma, dizer seu nome e uma coisa de que gosta. Mantenham o nível, pessoal. E uma coisa de que não gosta. Mais uma vez, algo apropriado à idade de vocês. Houve risadas, mas o sangue escoava da minha cabeça tão rápido que eu me senti tonta. Não. Eu precisava de semanas para me preparar. Falar na frente da turma não era algo que devia acontecer hoje, amanhã ou mesmo na próxima semana. — Mallory — chamou Rider com um sussurro. Minhas mãos agarraram a borda da mesa enquanto minha pulsação fazia uma composição própria de música eletrônica. Minha garganta estava se fechando enquanto meus olhos se viraram em sua direção. Os rostos de Hector e Paige eram um borrão. Uma cadeira se arrastou no chão, e meu olhar seguiu o som. Um cara estava de pé, levantando as calças. Como fora instruído a fazer, ele encarou a turma.
— Meu nome é Leon Washington. — Um grande sorriso cobria seu rosto. — Eu não gosto de queijo. E gosto de vídeos de garotas. Risinhos e gargalhadas soaram enquanto Santos lançava um olhar para o garoto. Leon se sentou, e uma menina ficou de pé. Minha respiração estava ofegante. Paige estava sentada no fim da primeira fileira, Rider na segunda, e eu na terceira. Havia dezessete carteiras na minha frente, duas vazias. Oh, Deus! Meu olhar arregalado disparou para Rider. O entendimento estava estampado em sua expressão, em seu queixo contraído. Seu olhar correu para a garota que falava agora. — Eu sou Laura Kaye. — Ela tirou do rosto o cabelo castanho na altura dos ombros quando se virou para a turma. — Eu... hum, eu gosto de dirigir ouvindo música alta. E eu não gosto... — Suas bochechas coraram. — Não gosto de vadias fofoqueiras. O Sr. Santos suspirou. A turma irrompeu em gargalhadas. Laura se sentou com um sorriso de satisfação no rosto. Havia uma boa chance de eu ter um ataque cardíaco quando outro garoto se levantou, o rosto já da cor de um tomate. — Mallory — sussurrou Rider, e meu olhar de pânico correu para ele. Por cima do ombro, eu estava ciente de Paige nos observando. — Você consegue — encorajou ele em voz baixa. — Você consegue. Seus olhos sustentaram os meus, e ele me encarou como se suas palavras tivessem o poder de me convencer, mas ele estava errado. Eu não conseguiria. O nó na minha garganta se transformou em um lacre. Oh, Deus, não havia nenhuma chance de eu conseguir pronunciar qualquer palavra. A pressão enorme apertou meu peito, parecendo bloquear completamente minhas vias aéreas. Uma queimadura gelada muito familiar se espalhou pelo meu pescoço. Eu não conseguiria.
CAPÍTULO 10
Não me lembro de pegar meu livro ou guardá-lo na mochila. Também não me lembro de pegar a mochila ou me levantar. Eu estava em um túnel de bordas escuras, cuja única luz era a porta. Outra menina estava de pé se apresentando, mas eu não conseguia ouvir nada do que ela dizia enquanto minhas pernas se moviam. Atordoada, saí da sala para o corredor silencioso. Meu peito ardia enquanto eu continuava andando, meio correndo, e não parei até estar do lado de fora, correndo em direção ao meu carro enquanto o céu carregado ameaçava se desfazer em chuva. Ai, meu Deus, eu não podia acreditar. Parando ao lado do carro, deixei a mochila cair e me abaixei, abraçando os joelhos. Eu tinha acabado de sair correndo da aula. Com a respiração pesada, fechei os olhos, apertando-os com tanta força que vi pontinhos de luz. Eu estava tão fraca e era tão estúpida. Tudo o que eu tinha que fazer era me levantar e dizer o meu nome. Falar uma coisa de que eu gostava e uma coisa de que eu não gostava. Isso não era difícil, mas meu cérebro... Ele simplesmente não funcionava direito. Desligou e desistiu de mim em um momento de pânico. — Mallory? Levantei de um salto e me virei, quase perdendo o equilíbrio enquanto meu olhar se prendia a olhos cor de avelã. Rider estava parado à minha frente, o caderno frágil na mão. Claro, ele tinha saído da aula para vir atrás de mim. Nada havia mudado. Uma nova onda de mortificação queimou meu rosto quando dei as costas para ele, olhando para o campo de futebol vazio. Lágrimas de frustração saltaram dos meus olhos.
— Eu falei que você passou mal — disse ele depois de um momento. — Ninguém está achando nada estranho. Você comeu a comida do refeitório, então isso é crível. Santos me deixou sair para ver como você estava. Eu deveria voltar, mas... Mas ele não ia. Fechando os olhos, balancei a cabeça. Minha pele se arrepiou como se mil formigas-de-fogo tivessem começado a andar pelos meus braços e minhas costas. Quatro dias na escola, e eu tinha fugido. Eu fizera o que Rosa e Carl provavelmente mais temiam. Eu fizera exatamente... — Ratinha, você está bem? — Houve uma pausa, e senti a mão dele no meu braço. Ratinha. Eu não era mais ela. Eu me afastei quando o encarei, bem a tempo de ver o lampejo de surpresa em seu rosto. Ele abaixou a mão, seu olhar procurando o meu intensamente, e tudo o que eu queria... Tudo o que eu queria era ser normal. Deus, a normalidade não era superestimada quando se tinha um cérebro como o meu. — Você... você não devia ter me seguido — falei depois de um tempo. — Por que não? — perguntou ele, como se realmente não fizesse ideia. — Paige, para começar. — Ela entende. Eu duvidava muito disso, porque, no lugar dela, eu não entenderia. Nem em um milhão de anos. — Então... você não devia ter me seguido porque... eu não sou mais problema seu. Ele ergueu o queixo, seus ombros se levantando com um suspiro longo. — Quero lhe mostrar uma coisa. Franzi a testa. Ele estendeu a mão e mexeu os dedos. — Posso ver as chaves do carro? Franzi a testa ainda mais. Ele ia sair da escola? Ainda faltavam pelo menos trinta minutos, e... espere um segundo. Eu duvidava de que ele se importasse de sair cedo, e não era como se eu fosse voltar lá para dentro. — Tenho habilitação — continuou ele, já que não respondi. — Eu juro. Sei dirigir. Não vou roubar seu carro nem nada.
Minhas sobrancelhas se ergueram. — Eu... não acho que você faria isso. Rider inclinou a cabeça para o lado. Será que ele realmente achava que eu pensava isso? Abaixando-me, peguei minha mochila e procurei as chaves. Em seguida, eu as entreguei a ele. Seus dedos compridos se fecharam em torno delas. Sem dizer uma palavra, fui para o lado do carona e entrei no carro, jogando minha mochila no banco de trás. Ele me imitou, seu corpo grande apertado atrás do volante. Com um sorriso tímido, ele estendeu a mão e mexeu na alavanca debaixo do banco, ajustando-o. Virou a chave na ignição e engatou a ré. Olhou para mim enquanto manobrava o Honda entre as fileiras de carros, mas não disse nada. Minhas mãos estavam fechadas como duas bolas apertadas, e meus pensamentos corriam pela minha cabeça com a velocidade de um furacão. Sair da escola assim era loucura por uma infinidade de razões. Assim como quando ele aparecera na minha casa na noite da véspera, se Carl e Rosa descobrissem sobre isso, ficariam loucos. Mas naquele momento nada disso importava. Como eu poderia dar as caras na segunda-feira? Eu me recostei no banco, os nós dos dedos doendo. Lentamente me obriguei a abrir as mãos. Olhando pela janela, a princípio eu não tinha ideia de para onde Rider ia, mas rapidamente o trânsito congestionou as ruas e reconheci que estávamos saindo da cidade, usando uma das estradas mais antigas, que ainda estava congestionada. — Você vai ter problemas se não voltar para casa imediatamente depois da escola? — perguntou. Bem, se Rosa e Carl soubessem onde eu estava e o que estava fazendo, sim, com certeza, mas eles não saberiam. — Eles não vão chegar em casa por um tempo. — Legal. — Quando olhei para ele, eu o vi concentrado na estrada. — Não quero lhe causar problemas. Peguei meu cabelo e comecei a torcê-lo em uma trança grossa. — Por que você me causaria problemas? Ele me lançou um olhar sem graça que não entendi. Um momento se passou. Seu olhar voltou para a estrada. — Eles sabem... as pessoas que adotaram você... que nos encontramos? Assenti.
— Eu contei a eles. Ele arqueou as sobrancelhas, e pensei que ele parecia surpreso outra vez. — E eles sabem sobre mim? De antes? Comecei a assentir, mas me forcei a falar: — Sabem. — Tudo? — A maior parte — sussurrei. Ele anuiu devagar. — O que eles pensam de eu e você estarmos juntos? — Suas bochechas ficaram coradas. — Quero dizer, de estarmos na mesma escola? Parte de mim achava que essa era uma pergunta estranha, mas depois entendi aonde ele queria chegar. Ele achava que o motivo para Rosa e Carl não estarem felizes em saber que ele estava de volta era por quem ele era, mas estava enganado. Era o que ele representava. Pelo menos, eu esperava que fosse. — Eles... só estão preocupados comigo... com minha adaptação — expliquei, e era verdade. — Não sabem se consigo lidar com isso, o que... obviamente não consigo. Um músculo se retesou em sua mandíbula, mas, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele anunciou: — Meu nome é Rider Stark. Hum. — Gosto de trabalhos manuais — continuou ele, diminuindo a velocidade, pisando no freio em um sinal de trânsito. — E não gosto de salas de aula. — Ele olhou para mim, os cílios abaixados. — Talvez dizer que eu não gosto de salas de aula fosse uma escolha ruim, mas eu poderia dizer algo como “eu não gosto de banana”. — Banana? Ele balançou a cabeça com um sorrisinho. — Descobri há cerca de três anos que odeio essas coisas malditas. — Mas são só bananas. — São o fruto do diabo. Uma risada surpresa explodiu de mim. — Isso é ridículo. O meio sorriso se alargou, e a covinha apareceu. — É verdade. Agora é sua vez.
Eu sabia o que ele estava fazendo. Tentando provar que o que havia sido pedido na aula de oratória era algo que eu conseguia fazer, mas, obviamente, não era esse o caso. Que sentido havia em fazer isso agora? Não era a mesma coisa. — Ratinha? — disse ele baixinho, mas eu balancei a cabeça. Ele não respondeu imediatamente. — Ok. Deixando de lado meu cabelo, olhei pela janela enquanto o interior do carro escurecia. Estávamos em um túnel. Alguns momentos depois, Rider virou à direita e parou em um pequeno estacionamento na frente de um edifício comprido, retangular, que tinha mais janelas quebradas que com vidraças. — Onde estamos? Rider desligou o carro e soltou o cinto de segurança. — É uma antiga fábrica. Parece ruim, mas é seguro. Eu juro. Olhei para o prédio sinistro que parecia ter saído de um dos programas de caça-fantasma que eu gostava de assistir na TV. Viu? Programas de fantasma. Eu poderia ter dito que gostava disso na aula. Se qualquer outra pessoa dissesse que aquele lugar era seguro, eu teria mantido minha bunda no carro, mas, mesmo com uma separação de quatro anos, eu confiava em Rider. Tirei o cinto de segurança e saltei. Ele se juntou a mim no outro lado, enfiando minhas chaves no bolso. O piso pelo qual andamos estava rachado, e ervas daninhas brotavam entre as fendas. Havia grandes pedaços faltando. Olhei para o céu. O cheiro de chuva era forte no ar quando nos aproximamos de portas duplas com tinta vermelha desbotada. — Não vamos entrar. Não hoje. Haveria uma próxima vez? Uma vibração estranha brotou em meu peito. Eu a ignorei, pensando ser uma coisa boa o fato de que não entraríamos. Principalmente porque eu realmente não precisava adicionar invasão à fuga da escola no quarto dia. Além disso, eu tinha certeza de que o lugar era mal-assombrado. Abaixando a mão, dedos quentes encontraram os meus. Assustada, tentei não tropeçar quando Rider pegou minha mão e me conduziu para a lateral do prédio. Um cheiro de mofo impregnava as velhas paredes de tijolo. Ele não falou enquanto me conduzia ao redor do prédio, passando por lixeiras havia muito esquecidas. Dirigiu-se para a esquerda, e vi várias mesas de piquenique
de pedra antigas, e então a parte de trás do prédio apareceu. Eu parei. Meus lábios se abriram em choque. Eu não sabia para onde olhar; havia tanta cor. Alguém havia transformado uma parede cinzenta decrépita em um caleidoscópio vivo de vermelhos. Amarelos. Verdes. Roxos. Azuis. Pretos. Brancos. Deixando meus olhos vagarem por todo lado, vi letras gigantescas — iniciais aleatórias e palavras que não pareciam inglês. E havia os murais. Eu podia distinguir pessoas e carros. Prédios e trens. Tudo pintado com spray. A maior parte fazia minhas figuras de sabão passarem vergonha. O talento envolvido na complexidade das letras e nos detalhes dos rostos era incrível. E ser capaz de fazer aquilo com tinta spray? Eu não conseguiria fazer aquilo nem com um pincel e Diego Rivera guiando minha mão. Pensei nas manchas vermelhas que eu tinha visto nos dedos de Rider, e me virei para ele. Sorrindo um pouco, ele soltou minha mão e caminhou em direção à parede decorada, suas pernas compridas o levando até a metade do edifício. Ele parou na frente da pintura de um menino. Cheguei mais perto, cruzando os braços na cintura quando ele passou a mão sobre o ombro do garoto de cabelos escuros. Os detalhes eram surpreendentes, até as mãos enfiadas nos bolsos do jeans gasto. A camiseta era branca e parecia tão real, tão frágil, que eu esperava que ela pudesse sair do corpo fraco. O menino estava olhando para o grafite acima dele, mas foi a expressão em seu rosto que me destruiu. Desesperança. Brilhava em seus olhos claros, castanho-esverdeados. A devastação estava capturada na linha da boca do menino. No modo como suas sobrancelhas estavam franzidas e arqueadas. A desolação era tão forte que parecia tangível. Nublou o ar. Eu conhecia aquele olhar. Eu o tinha visto. Eu o sentira. Ele dizia: minha vida será assim para sempre? Não há um futuro diferente de hoje? — Fui preso por vandalismo algumas vezes — disse Rider, afastando-se da parede. Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans surrada, assim como o menino na parede. — Mas este é um dos lugares onde estamos autorizados a grafitar sem nos metermos em encrenca. Me ajuda a esvaziar a cabeça. Realmente não penso quando estou pintando. — Isso... Você fez isso? — Sim.
Atordoada, eu olhava para o menino. Ele tinha feito aquilo com algumas latas de tinta spray? Balancei a cabeça devagar, deslumbrada. Rider sempre fora talentoso. Ele rabiscava em qualquer pedaço de papel quando era menino, mas isso era incrível. Eu não conseguia parar de olhar. E eu não conseguia conter a pressão que apertava meu peito, ou as lágrimas que ardiam no fundo da minha garganta. Eu sabia que as lágrimas não cairiam. Elas nunca caíam. Não mais, mas senti vontade de chorar enquanto o olhava, porque eu sabia que, no fundo, mesmo que eu não quisesse admitir, o menino triste e sem esperança na parede era Rider. — Você já viu o Graffiti Alley ou o outro armazém? — perguntou Rider, fazendo referência aos locais onde os grafiteiros de Baltimore podiam trabalhar sem serem processados pelo município. Assenti. — Eu vi o Alley uma vez. — Arrastei meu olhar para longe dele e observei a parede. — É lindo... como este lugar. É incrível. Que você tenha feito isso. Rider levantou um ombro. — Não é nada. — É inacreditável. — Pensei novamente em minhas esculturas de sabão e quase ri. — Eu não sei... fazer nada assim. Ele inclinou a cabeça para o lado. — Eu poderia te ensinar. Engasguei com uma risada. Eu tinha certeza de que seria como entregar um giz de cera a uma criança no meio de um acesso de raiva e pedir a ela que pintasse dentro das linhas. Diante de mim, ele olhou para as nuvens carregadas de chuva. — Quero dizer, se você quiser. Há outros lugares onde você pode fazer isso sem se meter em encrenca. Olhei de volta para a parede e tentei imaginar como seria criar algo tão inspirador. Eu acabaria fazendo uma pessoa de palitinhos com a tinta spray. — Eu não quero estragar nada. Um sorriso torto apareceu. — Você não estragaria. Juro. Incerta quanto a isso, não respondi enquanto meu olhar se voltava para o menino pintado. Perguntei-me se Rider havia trazido Paige aqui antes. Imediatamente, percebi que era um pensamento idiota. Claro que sim. Eles provavelmente fizeram isso — a pintura — juntos.
— A… Paige se interessa por isso? — perguntei, meu rosto quente. — Esse tipo de coisa? Grafite? — O sorriso de Rider parecia calmo quando ele balançou a cabeça. — No começo, talvez. Quero dizer, ela costumava vir e me assistir, mas sinceramente acho que nunca foi a praia dela. Olhei de volta para a parede. — Será que ela vai levar numa boa se... você me ensinar? — Sim. — Sua resposta foi imediata. — Por que ela não levaria? Eu realmente não tinha ideia de como responder. — Ela sabe que você é importante para mim, Ratinha. — Ele se aproximou. — E, como eu disse, ela é uma garota durona. Não se abre para as pessoas facilmente, mas ela vai se abrir para você. Com o tempo. — Ele fez uma pausa. — Ela não vai ver problema no fato de eu passar algum tempo com você. Lentamente, olhei para ele. Achei que eu devia explicar que a namorada dele talvez já visse problema nisso, e eu não a culparia, mas eu tinha que acreditar no que ele dizia. Ele a conhecia muito melhor que eu, e Paige não tinha sido cruel na aula, na véspera. Ela só estava afirmando o seu lugar. Eu respeitava isso. E Rider e eu podíamos ser amigos... nós sempre fomos amigos. Talvez ela se abrisse para mim. Pelo menos aquela parte da minha vida, uma vida com essa nova versão do Rider, poderia funcionar. Voltei minha atenção para a parede pintada. Não havia nenhuma chance de eu ser boa nisso, mas que mal podia fazer? Um miniciclone se formou na minha barriga. — Ok. A covinha apareceu, e o ciclone cresceu. Nossos olhares colidiram, e eu rapidamente desviei o meu, sentindo um súbito calor. Eu queria puxar a gola da minha camisa, mas parecia estranho demais para considerar seriamente. — Você quer voltar? — perguntou ele e, quando olhei para cima, ele estava mais próximo e eu nem o tinha ouvido se mexer. — Ratinha? A aula já tinha acabado a essa altura, e eu realmente precisava voltar para casa, mas eu... não queria ir embora. Ainda não. Havia uma paz nesse lugar, apesar do zumbido distante do tráfego e das buzinas. Balancei a cabeça. Ele me olhou por um momento e, em seguida, foi até a mesa de pedra e se sentou. Eu me juntei a ele depois de um minuto. Nenhum de nós falou por um
bom tempo, e foi como cair em um buraco de coelho. Quantas vezes nos sentamos lado a lado no passado? Minha língua se descolou do céu da boca. — Você acha estranho? — O quê? — perguntou ele, apoiando os cotovelos sobre a mesa atrás dele. Ele se inclinou para trás, os cílios abaixados. — Isto. Estar aqui como... como se o tempo não tivesse passado. — Um calor tomou conta das minhas bochechas. — É tão estranho. Ele ficou em silêncio outra vez. — Sim, é estranho, mas de um jeito bom. Certo? — Certo — murmurei. Rider bateu o joelho no meu. — Mas estou contente que estejamos aqui para experimentar essa estranheza. O calor aumentou enquanto os cantos dos meus lábios se contraíram em um sorrisinho. — Eu também. — Ele sustentou meu olhar por um instante e, em seguida, voltou sua atenção para a parede coberta de grafite. Respirei superficialmente. Essa era a oportunidade perfeita para perguntar a ele como tinham sido os últimos quatro anos. Havia tantas perguntas. — Há quanto tempo... você está com a avó de Hector? Suas sobrancelhas franziram. — Cerca de três anos. — E o… lar coletivo de antes? — Não era tão ruim — respondeu ele, esticando as pernas. — Não havia muitas crianças. — Ele riu baixinho. — Na verdade, fiquei surpreso quando fui enviado para morar com a Sra. Luna. Eu estava com quase 15 anos. Tipo, que sentido há nisso? Eu entendia o que ele queria dizer, mas ele teve sorte, porque não eram muitas as pessoas que assumiam um adolescente que tinha passado a vida inteira no sistema. Era surpreendente que ele tivesse encontrado alguém que quisesse. — Você está feliz com a... Sra. Luna? — Sim... — Ele estreitou os olhos enquanto mexia os dedos, abrindo e fechando. Um pingo de chuva caiu na mesa. — Ela é gente boa. Esperei que ele dissesse mais, que desenvolvesse a ideia, mas ele ficou em
silêncio de um jeito que me fez questionar o que dissera. Abri a boca, mas ele olhou para mim. As palavras queimaram a ponta da minha língua. Quando ele falou, sua voz era tão baixa que quase não passava de um sussurro: — Você alguma vez... Você já pensou sobre aquela noite? Músculos da minha barriga deram um nó, e eu balancei a cabeça, o que não era mentira. Eu fiz tudo ao meu alcance para não pensar naquela noite. Só que na noite passada meu cérebro havia decidido recapitular tudo aquilo, quadro a quadro. — Você pensa? — sussurrei, incapaz de olhar para ele. — Às vezes. — Houve uma pausa quando ele deslizou as mãos pelo jeans. — Às vezes penso em outras noites, você sabe, quando aquele babaca ficava bêbado e seus amigos apareciam. Cada parte do meu corpo ficou tensa, e eu não ousei fazer barulho, porque eu sabia de que outras noites ele falava. — E às vezes desejo que cada um deles, incluindo Henry, esteja morto. — Ele riu sem humor. — Isso faz de mim uma pessoa horrível, não é? — Não — respondi imediatamente. — Isso não faz de você uma pessoa horrível. — Minha boca ficou seca quando meus pensamentos correram de volta àquelas noites em que os amigos de Henry estavam na casa. Alguns olhavam para mim de um modo que nenhum homem deveria olhar para uma menina. E havia alguns que olhavam para Rider da mesma maneira... alguns tinham ido por causa dele. Os outros teriam me pegado se não fosse por Rider. — Eles alguma vez...? Rider balançou a cabeça. — Não. Eu sempre fui muito rápido, e eles estavam sempre muito bêbados. Tive sorte. Eu não tinha certeza se isso era sorte. — Temos que voltar — disse ele, ficando de pé quando outra gota de chuva caiu no asfalto rachado. — Vai começar a chover forte. Levantando, eu o segui até o Honda. Meus movimentos eram rígidos. Antes de ir, eu me virei e olhei para a parede de tijolos pintada. O grafite podia ser apenas letras, uma flor brilhante, o rosto de uma mulher ou um menino pequeno olhando para o céu, sem esperança de um futuro diferente, mas cada obra de arte tinha uma história para contar. Cada uma delas falava sem palavras. E, embora eu tivesse tentado fazer a mesma cosia durante anos,
eu não era uma pintura em uma parede. — Meu nome é Mallory... Dodge. — Respirei fundo, falando para ninguém. — E eu gosto... gosto de ler. E eu não gosto... não gosto de quem eu sou.
CAPÍTULO 11
No sábado só chegamos ao porto para encontrar Ainsley ao meio-dia, já que Carl quis preparar o café da manhã e fazer toda a rotina de “amar é compartilhar”, típica dos sábados, a menos que ele ou Rosa fossem chamados no trabalho. Carl preparara seus famosos waffles — famosos na cabeça dele —, mas eles eram especiais para mim. Porque eu nunca tinha comido waffles antes dos dele. Porque eu sabia que havia muitas crianças que não tinham experimentado aquilo e jamais experimentariam. Waffles com mirtilos e morangos todo sábado de manhã. No meio do café da manhã, a conversa entre eles ficou séria e foi dirigida a mim. Foi Rosa quem falou primeiro, depois de sua segunda xícara de café. — Então, nos ligaram ontem da escola. Com uma garfada de waffle e morango a meio caminho da boca aberta, congelei. Lá se fora a promessa que eu tinha feito a Rider de que não me meteria em encrenca. Ela pousou o garfo no prato, ao lado das migalhas de waffle. Seu prato estava limpo. O meu parecia um lago de calda. — Na verdade, um tal de Sr. Santos entrou em contato conosco. Fechei os olhos. — Nós dois falamos com ele — acrescentou Carl, e o waffle que eu tinha acabado de engolir ficou amargo. — Ele explicou que você teve um problema ontem na aula durante um exercício de falar em público. Abrindo os olhos, baixei o garfo. Eu não estava mais com fome. Eu estava tão... Me remexi na cadeira, desconfortável. — Ele disse que um colega falou por você, disse que estava passando mal e por isso saiu — continuou Carl. — Ele também nos disse que foi Rider
quem lhe deu cobertura. Oh, Deus. Eu queria me enfiar debaixo da mesa. — Vamos falar sobre isso em um instante. — Rosa levantou a mão, silenciando Carl. — Você não estava passando mal ontem, estava? Mentir provavelmente seria melhor que jogar meu fracasso sobre a mesa, mas eu balancei a cabeça. O silêncio se estendeu, e apertei os lábios enquanto desviava o olhar para o meu prato. Eles deviam estar muito decepcionados. Uma semana na escola e eles já haviam recebido um telefonema sobre mim. — Está tudo bem. — Rosa estendeu a mão e tocou meu braço. Olhei para cima. — Carl e eu imaginamos que haveria alguns solavancos no caminho. Sabíamos que a aula de oratória não seria fácil. Você também sabia disso. Ela estava certa. Mas isso não tornava mais fácil admitir meu fracasso. — A escola sabe — disse Carl, atraindo minha atenção. — Sabe... sabe o quê? Cruzando os braços sobre a mesa, ele se inclinou para a frente. — Conversamos com a administração quando você foi matriculada, para que eles soubessem que poderia haver algumas dificuldades. Meu queixo quase bateu na mesa. — Vocês o quê? — Não entramos em detalhes, Mallory, e só nos reunimos com seus professores, o diretor e a Sra. Dehaven, uma das conselheiras — explicou Rosa. — Só para que eles pudessem ficar de olho em você, para o caso de acontecer alguma coisa de que precisássemos saber. Só todo mundo! Meu Deus! Com a pele formigando e coçando, eu me recostei na cadeira. Olhei para eles sem realmente vê-los. Tudo o que via eram todas aquelas pessoas sabendo das minhas dificuldades a semana toda, quando aquilo devia ser um recomeço. — Eles precisavam saber — disse Carl. Isso foi dito como se fosse um fato, e eu implorei para discordar em voz alta. Minha língua tremeu. — Fizemos um acordo com o Sr. Santos durante a ligação de ontem — continuou ele, e minha língua voltou imediatamente para o céu da boca. — Ele entende perfeitamente, Mallory. Quero que você saiba disso. Ele sabe como vai ser difícil para você ficar na frente da turma e falar. Eu poderia ter parado de respirar.
— Oratória é pré-requisito para a formatura, mas eles já fizeram concessões para outros alunos antes — disse Rosa, a voz suave. — E o Sr. Santos estava mais do que disposto a fazer uma concessão nesse caso. Eu enrijeci. — Mas... — Ele concordou que, em vez de você ter que fazer seus discursos na frente da turma, com os outros alunos, você terá um tempo definido para falar só para ele — explicou Carl, e eu poderia estar tendo uma experiência de quase morte. — Assim, você vai conseguir fazer as tarefas, mas nas suas condições. Rosa bateu no meu braço. — É uma boa notícia. — Isso... — Balancei a cabeça, perdida. — Todo mundo... vai saber. Carl franziu a testa. — Os alunos da minha turma vão saber... que eu não consigo e que estou recebendo alguma coisa... e eles não. Todos eles... têm que se levantar lá, e eu não? Eu preciso... fazer isso. Ele inclinou a cabeça para o lado. — Querida, o que você precisa fazer é passar na matéria. — O que eu mais preciso é... ser normal, e fazer o discurso só para o Sr. Santos não é a mesma coisa — argumentei, olhando de um para o outro. — Eu posso fazer isso. — Nós sabemos que sim. Eventualmente — disse Rosa, e eu me recostei de novo na cadeira. Eventualmente. Como se eles não acreditassem que eu poderia fazer isso agora. — Mas nesse momento são pequenos passos. Você já fez grandes avanços nos últimos quatro anos. Não há problema em seguir com cautela depois de tanta mudança. Ok? Nada disso estava ok para mim, mas a sede de brigar havia diminuído para nada mais que um fogo brando quando abaixei as mãos. — Vocês nunca precisaram... intervir desse jeito por Marquette, não é? Rosa e Carl olharam de volta para mim. Não sei por que essas palavras saíram da minha boca. Não fazia ideia. Eu queria tomá-las de volta. Carl respirou fundo. — Não. Meus dedos se entrelaçaram em meu colo.
Rosa se levantou, pegando seu prato e o de Carl. — Você terminou? — perguntou ela e, quando assenti, meu prato foi tirado da mesa. — Aquele rapaz foi gentil em cuidar de você — disse Carl, e meu olhar voou para o dele. — Aquele rapaz? — perguntei. — Rider — corrigiu ele, e meus ombros ficaram tensos. — O Sr. Santos disse que ele saiu da sala para ver você. Ele não voltou. Oh, Deus, será que eu podia recomeçar esse dia e não sair da cama? Desejei estar lá em cima, terminando a coruja que eu tinha começado a esculpir na noite passada. Nada me anestesiava mais depressa do que trabalhar com sabão. No fim das contas, o que acontecera na aula de oratória e com Rider tinha ajudado. Eu havia esculpido o corpo minúsculo, com penas e orelhas pequenas, planas. Voltei minha atenção para o assunto em pauta. — Ele... ele foi se certificar de que eu estava bem. Carl me estudou. — Você tem passado muito tempo com ele? — Só... na aula de oratória — falei, sentindo-me um pouco culpada por não dizer a verdade. Atenuei essa sensação com algo que era verdade: — Mas tenho... sentado com uma menina no almoço que é da minha turma de inglês e oratória. O nome dela é Keira. — É muito bom ouvir isso. — Rosa estava de costas para nós enquanto terminava de jogar os restos no lixo. — Rider não tem o mesmo horário de almoço? — Não. — Eu duvidava de que eles fossem gostar de saber que Rider tinha matado aula para almoçar comigo no início da semana. Carl ainda me olhava, como se tentasse ler meus pensamentos. — Ele está interessado em você, Mallory? — O quê? — Eu pisquei uma vez e depois duas vezes. Rosa se virou, o olhar fixo nele. — Ele está interessado em você mais do que apenas como amigo? — repetiu ele. Oh, meu… Oh, meu Deus… Meu rosto ia derreter.
— Ele tem namorada! Foi a vez de Rosa piscar. — Tem? — O alívio coloriu o tom de Carl. — Bem, então... — Ele parou de falar e se recostou, sorrindo. — Acho que é hora de nos arrumarmos e pegarmos a estrada. Olhei para ele. Rosa olhou para ele. Então nos levantamos e nos arrumamos. Em seguida, pegamos a estrada. Eles não falaram mais de Rider ou da escola depois disso, mas, no momento em que avistei Ainsley quando chegamos ao porto e eles não podiam nos ouvir, esse foi o assunto. Estávamos sentadas em um dos muitos bancos de frente para o porto, enquanto Rosa e Carl foram dar uma olhada numa feira de arrecadação de fundos a vários metros dali. Um vento frio soprava da baía, jogando o cabelo louro e comprido de Ainsley em seu rosto. Ainsley era linda. Como uma das garotas universalmente bonitas que ninguém descreveria de outra forma. Com olhos azuis e maçãs do rosto perfeitas para combinar com o nariz arrebitado, a única coisa mais bonita do que sua aparência era sua personalidade. Sério. Ainsley podia ser malhumorada e tagarela, mas no fundo era doce. A menos que fosse provocada. Aí era outra história. No início, quando nos conhecemos nas aulas em casa, ela foi incrivelmente paciente comigo, puxando conversa quando a maioria das pessoas já havia desistido havia muito tempo, mas, a cada semana em que as crianças se reuniam para estudar juntas, ela precisava se esforçar mais. No início, fora estranho ter uma amiga. Por muito tempo existira apenas Rider e depois... Não havia ninguém. Falar ainda era difícil às vezes, já que eu só a via uma vez por semana, às vezes duas, mas ela provavelmente foi a melhor coisa que me aconteceu depois dos Rivas. Além disso, ela podia usar macacão sem parecer um bebê gigante. Hoje ela vestia um azul-claro com um cardigã de lã azul mais escuro e estava adorável. Se eu algum dia experimentasse uma daquelas coisas, iria querer me trancar no meu quarto de tanta vergonha. — Estou feliz que você tenha contado a eles sobre Rider — disse ela, mas eu realmente não conseguia entender por que ela se sentia aliviada, porque eu não estava. Inclinada na minha direção com uma perna pendurada para fora do banco e a outra dobrada para dentro, ela mantinha a voz baixa para o caso
de termos companhia. — Porque o que você faria se eles aparecessem na escola e o vissem? Eu duvidava de que eles fossem aparecer aleatoriamente em Lands High, mas, como já tinham ligado para a escola a fim de garantir que as pessoas ficariam de olho em mim, havia uma chance de que um de seus espiões lhes contasse sobre Rider. Quando contei isso a Ainsley e falei do acordo que Carl tinha feito com o Sr. Santos, ela entendeu completamente minha mortificação. — Eu meio que... gostaria de não... ter contado a eles — admiti. Ainsley não ficava desconfortável durante minhas longas pausas. — Contar é melhor! — exclamou ela com um sussurro, e eu sorri. — Olha, você sabe que eu não sou nenhum modelo de honestidade, mas só estou dizendo que acho que é inteligente da sua parte ser sincera com eles. Foi inteligente por uma tonelada de razões óbvias, mas havia ser inteligente e havia ser a inteligente, e este último significava que eu devia ter mantido Rider em segredo por ora. Ela fez uma pausa. — Mas eu não contaria a eles sobre ele ter ido à sua casa. Revirei os olhos e sorri. — Mas a questão de contar a eles é que você pode, sabe, convidá-lo sem ter que mentir sobre isso — argumentou ela, os olhos azuis escondidos atrás dos grandes óculos de sol. O sol não estava tão forte assim, mas ultimamente ela vinha se queixando sobre como seus olhos estavam ficando sensíveis à luz. Nós tínhamos brincado sobre ela estar se transformando em uma vampira. — E eu sei que você quer passar mais tempo com ele. Mordendo o lábio, lancei meu olhar para a baía. A água ondulava de leve. Mais adiante, os barcos pareciam estar à deriva. Eu queria ver Rider mais vezes, especialmente fora da escola. Havia tanta coisa que não tínhamos conversado, e eu... Bem, eu só queria estar perto dele. — Mallory? — Ela cutucou meu braço com o dela. Olhei para Ainsley, sem saber como colocar tudo aquilo em palavras. Seria necessário esforço, e agora o som da minha própria voz era tão estridente quanto os patos selvagens grasnando na água. Um momento se passou. — Você não quer conhecê-lo de novo? Conhecê-lo de novo. Que frase estranha! Estreitei os olhos.
— Quero. Ela pegou uma mecha de cabelo e afastou do rosto. — Mas? — Mas é... estranho. — Deslizei as mãos sobre as coxas. — Quero dizer, as coisas são... iguais entre nós, mas diferentes. Como se ele... tivesse seguido em frente e eu... — Você também seguiu em frente — disse Ainsley baixinho. Segui? Alguns dias eu sentia como se tivesse percorrido um longo caminho desde aquela vida de medo e desesperança, mas havia outros dias em que parecia que eu ainda estava encolhida no fundo do armário, ouvindo o som dos punhos batendo em carne. Pensei brevemente no menino pintado na parede do armazém com spray e nas coisas que Rider havia falado. Talvez eu não fosse a única que ainda enfrentava aquela batalha. Balancei a cabeça, afastando aqueles pensamentos. — Ele tem… namorada. Suas sobrancelhas se arquearam acima dos óculos escuros. — Ok. — Houve uma pausa. — Por favor, não me leve a mal, mas o que isso tem a ver? Quero dizer, você dois acabaram de se reencontrar e tal. — Eu sei e não estou dizendo que ele ter... namorada seja a questão — expliquei, e não era. Bem, era óbvio, eu estava notando Rider de uma forma que ia além de algo apenas amigável, porque quem não notaria? Mas eu sabia que ele não me via assim. Nunca tinha visto, nunca veria, com ou sem namorada. Eu não podia sequer acalentar a ideia de ele retribuir uma fração que fosse desse sentimento mais que amigável. — É que acho que ela não está muito feliz com o fato de Rider e eu... termos nos reencontrado. — Como assim? Contei a Ainsley sobre como Paige tinha falado comigo perto do armário, e o que ela me dissera na aula, quando Rider não apareceu pela segunda vez. — Eca. — Suas sobrancelhas se juntaram. — Parte de mim entende por que ela não é muito sua fã. Você aparece do nada, e ele fica todo animado. Deve ser difícil lidar com isso. — Eu sei. — Mas vocês são velhos amigos, então ela tem que lidar com isso. E parece que Rider quer você na vida dele. A primeira coisa que ele fez assim que teve uma chance foi abraçá-la? — Assenti, e ela continuou: — E então
ele apareceu na sua casa um dia. E depois saiu da sala atrás de você quando você surtou. Ainsley não media palavras. — E finalmente te levou naquele lugar incrível e te mostrou a arte dele... uma arte superlegal, aliás. Então ele realmente quer envolver você na vida dele. Ela vai ter que aceitar. Assenti devagar. Um momento se passou, e, então, ela perguntou gentilmente: — Como você está lidando com as coisas com ele por perto? Sei que ele foi uma parte importante do seu passado. Ela falava como Rosa. — Estou bem. — Tem certeza? Assenti de novo. Ela me olhou por um instante e, então, deixou para lá. Nós éramos amigas havia tempo suficiente para ela saber que eu não ia falar nada. Ainsley respeitava isso. Olhei para a feira, observando os Rivas parar em um estande de livros usados. Carl segurava a mão de Rosa em uma das suas e, na outra, segurava um livro. Sorri e olhei de volta para Ainsley. — Como... como você e Todd estão? A coisa entre eles estava bem séria. Bem, pelo menos era o que eu pensava, já que tinham feito sexo. Eu achava que sexo oficialmente tornava as coisas sérias. Ela me disse que fora muito estranho, mas não ruim. Não que isso fosse apropriado, mas agora, que eu estava pensando em sexo, pensei em Rider. E, uau, isso veio do nada. Mas, mesmo que eu não tivesse um pingo de experiência, Ainsley tinha me contado tudo, e eu tinha uma imaginação fértil. E também internet, então... Eu agora estava imaginando aqueles ombros largos, mas sem camisa, e, pelos seus abraços, eu podia dizer que ele estava em forma. Minhas veias foram tomadas por eletricidade, e, de repente, desejei estar usando camiseta regata e short. Eu estava com calor e me perguntava se ele... Oh, meu Deus, eu realmente precisava parar. Minhas bochechas estavam queimando, e, graças a Deus, Ainsley estava olhando um cara que passou correndo. Um cara sem camisa. Que também estava em forma.
— Estamos bem. Eu não o tenho visto muito, agora que as aulas voltaram. — Ela deu de ombros, não parecendo muito decepcionada. — Ele está obcecado com faculdades no momento. Só fala disso. Ainsley planejava ir para a Universidade de Maryland, a mesma que eu. Eu já tinha sido previamente aceita, e os pais dela tinham estudado lá, mas eu não tinha certeza sobre Todd. — Qual... faculdade? — Ah, mais ou menos um milhão delas. — Mesmo sem poder ver seus olhos, eu sabia que ela os revirara. — Acho que ele quer ir para algum lugar ao norte. Ele acha que vai entrar em uma da Ivy League. Sei que isso parece cruel, mas ele não é tão inteligente assim. Encontrei Todd uma vez e, embora não tivesse certeza sobre o seu intelecto, eu achava que ele era um cara bastante ok. Eu também achava que ele provavelmente me via como alguém na extremidade inferior da escala de maneirice. — Saco! — murmurou ela, esticando suas pernas. — Ele quer que eu vá ao cinema amanhã com os amigos dele. Eca. Eu tinha ouvido reclamações suficientes de Ainsley para saber que isso não era bom. — E não consegui arrumar uma boa desculpa para me esquivar, porque ele sabe que aproveito qualquer chance de sair da casa. — Ela fez uma pausa, olhando para mim. — Podemos fingir que você está com catapora e preciso cuidar de você? Eu ri. Ainsley suspirou. — Eu só... Odeio os amigos dele. Todos acham que são melhores e mais inteligentes que eu, porque estudo em casa. Estão constantemente fazendo comentários, sugerindo como deve ser difícil, para mim, socializar com pessoas “normais”. Quer saber? Levantei as sobrancelhas. — É difícil socializar com eles, porque tenho certeza de que a maioria deles pensa que a Primeira Emenda na verdade significa que eles podem dizer o que quiserem, sem consequências. E tipo, não. Ela não protege sua bunda quando você diz algo ignorante no Facebook e acaba sendo expulso do time de futebol ou algo assim! Meus lábios se contraíram.
Ela jogou as mãos para o alto, e eu escondi um sorriso. — Não é assim que funciona, sabe? Não é um passe livre. Sabia que um daquele idiotas discutiu comigo sobre isso na semana passada? Ele estava todo arrogante, mansplaining, enquanto falava incorretamente a Primeira Emenda. Ele estava tentando me dizer que significava que ele podia dizer o que bem entendesse, porque era sua opinião e seria protegida. Liberdade de expressão, ele gritava. Hum, talvez do governo, mas não de qualquer outra coisa. Eu fiquei, tipo, ele está falando sério? Pelo menos eu não estava mais pensando em sexo. — Além do fato de que nem todos os discursos são protegidos, para começo de conversa, tenho certeza de que nossos fundadores deixaram isso bem claro. — Ela respirou fundo. — Ai, meu Deus, estou parecendo aqueles militantes. Quero gritar, “Não é assim que funciona! Não é assim que nada disso funciona!”. Olha, grite suas opiniões de cima do telhado, mas, por favor, por Deus, pare de pensar que a Primeira Emenda vai protegê-lo de perder o emprego ou de ser expulso de uma fraternidade. E deixe que outras pessoas tenham uma opinião diferente. Ainsley estava considerando uma carreira em direito. — E, sim, eu sei falar três línguas fluentemente — continuou. — Mas eles querem me tratar como se eu fosse simplória, só porque estudo em casa. — Seus ombros caíram. — Odeio dizer isso, mas... não gosto deles. — Sinto muito — falei. Ela balançou a cabeça, e longos fios de cabelo liso voaram ao vento. — Tanto faz. Tenho que encarar isso. Ainsley ia. Ela sempre encarava. Depois de alguns instantes, ela disse: — Ah, cara, estou com tanta dor de cabeça. — Levantando a mão, esfregou a testa, acima do olho esquerdo. — Não sei se é estresse sobre amanhã, sinusite, a vista ou o quê. Franzi as sobrancelhas. — Seus... olhos têm... incomodado muito você ultimamente. — Têm? — Ela franziu os lábios. — Acho que sim. Eu só tenho uma vista ruim. Você sabe disso. Eu sabia. Ainsley provavelmente devia usar os óculos com mais frequência, já que eu não tinha a menor ideia de como ela enxergava alguma coisa sem eles. Eu os experimentei uma vez, e foi como ver o mundo através
de espelhos de uma casa de diversões. Certa vez, eu lhe perguntei por que ela não os usava, mas ela jurou que conseguia enxergar tudo deque precisava. Passando um braço em volta dos meus ombros, Ainsley se aconchegou, descansando a cabeça no meu ombro. — Não me odeie, porque eu estou prestes a levar a conversa de volta para Rider, mas é por razões puramente egoístas. Espero que vocês acabem saindo muito, e nós possamos ter um encontro duplo. Não que fosse ser um encontro de verdade, mas quase. Você sabe por que quero ter um encontro duplo com você? Os cantos dos meus lábios se ergueram. — Porque você é incrível — disse ela, rindo. — E seria bom ter um pouco disso quando se trata de Todd. Algo me ocorreu. — Você... gosta mesmo de Todd? Ainsley suspirou. — Boa pergunta. Eu não sei. Acho que eu gosto dele por enquanto, mas não para sempre. Eu poderia ter dito a Ainsley que por enquanto era bom o bastante. Que ninguém sabe o que o futuro reserva. Que para sempre talvez esteja fora de alcance. Em vez disso, sorri e tentei não imaginar todos os encontros que ela estava planejando para mim e Rider, encontros que nunca iriam acontecer. Eu mesma daria uma chance ao por enquanto.
CAPÍTULO 12
Dirigi até a escola com os nós dos dedos brancos na segunda de manhã, meu estômago se revirando e queimando o tempo todo. Boa parte de mim não queria nem aparecer, afinal, para quê? O acordo que Carl tinha feito com o Sr. Santos significava que eu não precisava me esforçar de verdade. Mas eu tinha que ir à aula. Mesmo que fosse só para fazer discursos para uma pessoa, eu tinha que dar as caras. Caso contrário, eu seria aquela mesma garota que mal conseguia se olhar no espelho, muito menos manter uma conversa com alguém. Pensei em Ainsley, em como ainda era difícil falar pessoalmente até mesmo com minha melhor amiga. Eu odiava a ideia de que tinha levado a timidez a um nível totalmente novo, incapacitante. Timidez não era nem a palavra certa, segundo o Dr. Taft. Mas ainda era assim que as pessoas me rotulavam. Mallory só é tímida. Mallory precisa sair da concha. Se eu realmente estivesse em uma concha, ela seria de titânio e à prova de bolas de demolição. Quando virei no corredor que levava ao meu armário, estanquei ao ver Paige encostada nele. Ah, não. Eu tinha a sensação de que ela me esperar não era a mesma coisa que Jayden me esperar. O instinto ganhou vida, exigindo que eu desse meia-volta e fosse para a aula. Eu não estava com os livros da manhã, mas talvez pudesse passar depois para buscá-los. Ou talvez isso não fosse terminar mal. Eu queria que não. Eu queria que as coisas ficassem bem entre mim e Paige. Ela era
importante para Rider. Paige virou a cabeça ao me avistar. Tarde demais para correr. Ou não. Eu ainda poderia fugir. Seus lábios vermelhos se curvaram em um sorriso. — Ei, Ratinha. — Na sua boca, o apelido dado por Rider pingava escárnio; então ela deu um impulso para longe do armário, parando um pouco à frente deste. — Estou meio que surpresa que você esteja aqui depois do pequeno incidente na aula de sexta. Meus passos desaceleraram, como se eu caminhasse sobre cimento molhado. Minha suspeita inicial estava certa. Isso não acabaria bem. Ela cruzou os braços e olhou para mim, alheia aos outros alunos que paravam à nossa volta, olhando. Talvez ela não estivesse alheia. Talvez soubesse que estava chamando a atenção dos outros. Minha boca ficou seca. — Não vou nem perguntar por que você surtou — disse ela, levantando uma sobrancelha cor de mel. — Eu sei por quê. A pobre ratinha não gosta de falar. Alguém, uma menina, riu. Um garoto também. Meu estômago continuava queimando. Senti minha garganta se fechar. Corra, gritou a vozinha no fundo da minha cabeça. Fuja. Meu queixo se fechou com tanta força que uma dor aguda percorreu minha bochecha. Com o coração batendo como um tambor de aço, comecei a contorná-la. Talvez ela me deixasse chegar ao armário. Se ela só quisesse me ofender, tudo bem. Já tinha ouvido coisas piores. Passei por ela e me dirigi ao armário às suas costas. Ela não podia dizer nada que eu não tivesse escutado antes. — Sei o que você está fazendo — disse ela, virando-se para me seguir. — Você está atrás do Rider. E isso é patético. Realmente patético. Hesitei ao chegar ao armário. Eu não estava atrás do Rider. Não do jeito que ela me acusava. Se ela ao menos me deixasse em paz, acabaria percebendo isso. Ela não podia simplesmente ir embora? Era pedir muito? Paige não iria a lugar algum. Seus dedos frios se fecharam em meu antebraço, o aperto firme, mas não doloroso. Meu queixo se ergueu, e nossos olhos se encontraram. Ela baixou a cabeça. — A última coisa de que Rider precisa agora é dessa sua bobagem. Você acha que não sei sobre vocês dois? Acha que não sei que, para Rider, você
ainda é a pobre ratinha que ele precisa proteger? Meus dedos se fecharam em torno do ar vazio, enquanto os músculos das minhas costas ficaram tensos. O esgar cruel dos seus lábios sumiu, e, em seguida, ela já não estava mais olhando para mim, como se eu mal valesse o ar que ela respirava. Seu olhar era firme e sério. — Ele falou sobre você... sobre a menina que nunca falava e sobre como ele se sentia mal por ela. Ele falou muito de você. — Ela exalou bruscamente. — Ele falava mais de você do que de si mesmo no início... quando foi morar com Hector. Ele me contou o que aconteceu… Parecia haver um buraco no meu estômago enquanto eu a encarava. Seu tom escorria desprezo. Meu peito se apertou. Eu tinha contado a Ainsley sobre o meu passado, mas ela nunca usaria isso contra mim. Com essa garota, era diferente. Ela poderia contar para todo mundo. Como Rider fora capaz de revelar a ela essas coisas sobre mim? Um sentimento de traição surgiu, obstruindo pensamentos já dispersos. Eu não conhecia Paige, e ela sabia coisas a meu respeito que eu tinha levado meses para dividir com Ainsley. — Não estou tentando ser escrota — disse ela, e achei que, para alguém que não estava tentando, ela estava fazendo uma ótima imitação. — Mas Rider convive com um sentimento de culpa desde que o conheço, e só no ano passado ele pareceu ter seguido em frente. E agora você está de volta. Essa merda é a última coisa de que ele precisa agora. Sentimento de culpa? Pisquei lentamente enquanto a sensação de vazio se espalhava pelo meu peito. Em seguida, veio a dormência, quando o que Paige dizia realmente começou a penetrar em minha mente. Rider havia dividido coisas pesadas com ela. Coisas indizíveis sobre nós dois. E ele se sentia culpado — se sentia mal pelo que tinha acontecido comigo. Sua piedade me envolveu em uma viscosidade que não podia ser lavada. Seus olhos se estreitaram, e ela balançou a cabeça, soltando meu braço. Nesse momento, percebi que tínhamos plateia. Acho que eles não conseguiam nos ouvir, mas definitivamente estavam assistindo. Em um raro momento, eu estava assustada demais para me sentir humilhada. — Deus, você é tão idiota — disparou Paige. — Você está me olhando como se não tivesse a menor ideia do que estou falando. Por que outro motivo você... As palavras irromperam de mim, rompendo o selo com que eu havia
lacrado minha garganta. — Eu não sou idiota. O queixo de Paige caiu. Um momento se passou, e o som dos alunos ao nosso redor desapareceu. — Você acabou de falar comigo? Uma voz se intrometeu: — Não seja uma cabrona. Sei que é difícil, e é só o que você tem, mas, por Deus, pare com isso. Meu olhar se voltou para onde Jayden estava. Respirei fundo, agradecendo pelo cheiro de terra que parecia emanar do garoto. As bochechas de Paige ficaram cor-de-rosa quando ela se virou para Jayden. — Do que você acabou de me chamar? Ele inclinou a cabeça, olhando para ela. — Você sabe o que eu disse. E sabe que é verdade, a menos que seja você a idiota. Seus olhos se estreitaram, mas Jayden a tirou do caminho, dando-me livre acesso ao meu armário. Sem olhar para a pequena multidão que se reunira ali, puxei a porta e rapidamente troquei meus livros, quase sem saber o que fazia. Minha cabeça estava a milhares de horas no passado, e, quando me virei, Paige tinha ido embora e Jayden estava parado com o sorriso sonolento, que era sua marca registrada, no rosto. — Levo você para a aula, muñeca? Eu tinha ouvido muñeca antes. Carl chamava Rosa assim de vez em quando, e ela sorria quando ouvia isso. Com as mãos tremendo, eu concordei e peguei a alça da mochila. — Meu armário fica no final do corredor — acrescentou. — Tenho motivo para estar aqui. Paige, não. O embrulho no meu estômago se acentuou, porque isso significava que Paige tinha ido atrás de mim. Jayden começou a caminhar ao meu lado, e eu mantive o queixo baixo, os olhos no chão, enquanto seguíamos pelo corredor congestionado. Eu me perguntei se isso significaria que ele chegaria atrasado à sua sala, mas duvidava de que ele se importasse. — Posso lhe perguntar uma coisa? Assenti.
Ele esfregou a mão sobre os cachos curtos. — Por que você não fala? Quero dizer, você pode. Já a ouvi. Então por que não fala, tipo, você sabe, o tempo todo? Não faça barulho. Essas três palavras ecoaram em meus pensamentos enquanto eu lutava para acordar minha língua. Será que “condicionamento” faria sentido se eu desse essa explicação a Jayden, ou ele me acharia estranha? Provavelmente me acharia estranha. O Dr. Taft tinha explicado a Rosa e Carl que a minha dificuldade de... falar vinha da síndrome pós-traumática, e que eu fora condicionada a ser o mais silenciosa possível. Eu tinha pesquisado essa coisa de condicionamento e aprendi tudo sobre o cão de Pavlov. Pelo menos eu não babava quando tocava um sino. Eu só tinha sido treinada, por meio de reforço negativo, a não fazer barulho, para não ser vista nem ouvida. — Sabe, está tudo bem. Não se preocupe. Como eu disse no outro dia, eu fico com essa parte de falar. Essa meio que é a minha praia. Sabe o que dizem sobre mim, muñeca? Que posso vender gelo para um esquimó. Sou legal e encantador assim. — Com seu sorriso, eu não sabia dizer se ele estava falando sério ou não. — Acho que isso é o que vou fazer quando sair deste lugar maldito. Trabalhar com vendas. Eu seria incrível. — Ele fez uma pausa. — Ao contrário de Paige. Se ela tentasse vender alguma coisa, acabaria espantando os clientes. Respirei fundo, instável. — Como... Rider pode gostar dela? Ele parou e olhou para mim. — De Paige? — Sinto muito — falei imediatamente, pensando em como Rider explicara que Paige conhecia Hector e Jayden desde que eram pequenos. — Ela é sua amiga e... — Sim, ela é minha amiga, mas não está agindo certo com você, então não precisa se desculpar. Ela não é assim com Rider. E duvido que aja assim quando ele está por perto. Ela não ia queimar o filme com ele. Jayden pegou um telefone do bolso — um celular novo, brilhante e grande. Tocou na tela, lendo rapidamente uma mensagem. Suas sobrancelhas se uniram. — Enfim, apenas ignore Paige. Você provavelmente já... Ele parou, e, quando ergui os olhos, estávamos perto da minha sala, mas
não era para isso que ele estava olhando. Mais à frente, um cara grande de verdade vinha pelo corredor. Tinha que ser um veterano — um veterano que deve ter repetido o último ano uma vez, ou três. Ele estava olhando para Jayden do mesmo modo como outro cara o fuzilava com o olhar na primeira vez que o vi. — Mierda — murmurou Jayden e começou a recuar. Ele olhou para mim. — Vejo você mais tarde, muñeca. Não tive a chance de responder. Ele se virou e começou a andar depressa pelo corredor, pegando a parte de trás das calças com uma das mãos. — Ei! Jayden — gritou o cara mais velho, acelerando o ritmo. — Aonde você vai, cara? Olhando para trás, vi Jayden fazer uma curva e, quando olhei para cima, seu irmão mais velho apareceu do nada, atrás do cara. A mandíbula de Hector estava contraída quando ele pôs a mão no ombro do rapaz. — O que está acontecendo, Braden? — perguntou Hector. Braden se virou, tirando a mão de Hector do ombro. Quando falou, seu tom estava cheio de raiva: — Você sabe exatamente o que está acontecendo. Jerome está irritado, por causa do idiota do seu irmão, e essa merda vai explodir. E não vai ser em cima de mim. Ele precisa ir direto... Entrei na sala assim que meu professor titular saiu para o corredor, chamando os dois pelo nome. Mordi o lábio inferior enquanto corria para o assento vazio no fundo. Quase toda vez que eu via Jayden, havia problemas. Isso não podia ser bom. E então uma força bem grande me atingiu no peito, como se eu tivesse sido atropelada por um caminhão, quando me sentei e o sinal tocou com um pouco de atraso, varrendo Jayden dos meus pensamentos. Então, eu me dei conta de que eu tinha acabado de fazer algo pela primeiríssima vez. Enfrentara Paige. Tinham sido apenas quatro palavras. Mas eu tinha feito aquilo. Eu me defendi.
CAPÍTULO 13
Minha proeza fulgurava, um ponto brilhante que cintilou durante todo o almoço e nas minhas aulas da tarde. Eu me sentei com Keira outra vez. Não falei, mas ninguém parecia incomodado com a falta de comunicação da minha parte. Enfrentar Paige foi algo grandioso. No nível “escalar o monte Everest e não morrer”. Jayden tinha aparecido pela segunda vez, mas dessa vez eu me defendi. Podia não ter sido muito, mas o fiz sozinha. Só quando eu estava indo para a penúltima aula, meu estômago voltou a dar cambalhotas. Oratória. Aquela manhã e minha pequena vitória pareciam ter acontecido há uma eternidade. Eu não só teria que dar as caras de novo, como também teria que ver Paige mais uma vez. Enfiei meu livro na mochila e parei. Se pela manhã eu tinha achado que parecia estar andando em cimento molhado, agora era como andar em areia movediça misturada com cimento. Mas, quando olhei do outro lado do corredor, meu coração pulou no peito. Reação errada, muito errada, mas não havia como evitar. Rider esperava do lado de fora da sala, encostado nos armários na frente dela, com as mãos enfiadas nos bolsos dos jeans surrados com bainhas gastas. Houve um engasgo estranho na minha garganta, e meu estômago se revirou por um motivo totalmente diferente de antes. O calor correu pelas minhas veias quando ele levantou os cílios e os suaves olhos de castanhodourados encontraram os meus. Rider estava... Meu Deus, ele estava bonito. Bonito de um jeito que eu não sabia que um adolescente poderia ser. Como eram na TV, quando interpretados por caras de 25 anos. Seu cabelo castanho-escuro estava bagunçado, como se ele tivesse
acordado, lavado os fios e os deixado secar de qualquer maneira. Uma luz amarela parecia emanar de seus malares salientes. Os lábios grossos estavam ligeiramente inclinados num canto, a covinha na bochecha direita ausente. Esticado por seus ombros largos, o emblema na camiseta azul estava tão desbotado que não se conseguia entender o que era. Quando se endireitou, ele levantou a mão e tirou o cabelo da testa. O novo corte acima da sobrancelha tinha clareado e estava quase imperceptível. Isso me deixou feliz. Fui até ele, tentando manter um sorriso bobo longe dos lábios. — Ei, Ratinha — cumprimentou ele, e o modo como ele falava Ratinha era muito diferente de como Paige havia pronunciado o apelido. Era suave, profundo e infinito. — Quais são seus planos? Foi então que me ocorreu, enquanto eu me esquivava do mar de alunos, que ele estava do lado de fora da sala porque sabia o que me esperava. Ele queria saber quais eram meus planos. Eu iria enfrentar ou correr e, no fundo, eu sabia que ele estaria ao meu lado, não importava o que eu escolhesse. Fiquei toda derretida por dentro e disse a mim mesma que qualquer um se sentiria assim, mas um pouco de culpa se misturou àquele calor. Eu não estava autorizada a me derreter por Rider. Ele estava em uma zona de derretimento proibido. Uma segunda coisa que me ocorreu. Paige disse que Rider sempre me protegera e que, de alguma forma, eu o estava influenciando a fazer isso outra vez. Ela acreditava que eu estava atrás de Rider. Eu não tinha feito nada intencionalmente, mas, de certo modo, ela estava certa. Rider tinha corrido para mim quando saí da aula, me seguido, e estava aqui agora, disposto a fazer tudo o que eu precisasse. Ele ainda me protegia. E isso me tornava patética. — Você vai ou não? — perguntou ele, olhando para cima quando alguém esbarrou de leve no meu ombro. Seus olhos se estreitaram. Pigarreei. O impulso de fugir estava ali, porque seria a coisa mais fácil a fazer, mas era uma solução de curto prazo. Eu sabia disso e, se eu não voltasse para a aula, nunca me perdoaria. Endireitando os ombros, assenti: — Eu vou. Sua expressão era impassível, à exceção do canto dos lábios, que se curcurvou ainda mais. A covinha apareceu, abençoando o corredor.
— Vamos fazer isso, então. — Espere. — Segurei o braço dele. O espanto cobriu seu rosto. Ele não estava acostumado a que eu o segurasse. Abri a boca, pronta para perguntar o que ele tinha dito a Paige. Eu queria saber o que conversaram. Queria saber se era pena que o movia. Comecei a falar, mas as pessoas nos cercaram. Não estávamos sozinhos, e essa parecia ser uma conversa particular. Uma conversa que realmente não podia acontecer no intervalo entre as aulas. — Ratinha? Forcei um sorriso quando soltei seu braço. Ele levantou a mão, passando-a pelo queixo. Havia manchas azuis em seus dedos dessa vez. — Você... Você pintou mais? — perguntei, pisando em terreno seguro. Ele passou o caderno velho para a outra mão. — Mais ou menos. Esperei uma resposta mais detalhada enquanto descíamos as escadas. Rider caminhava ao meu lado, ocupando a maior parte do espaço. Os alunos tinham que se espremer para passar por ele, virando-se de lado, mas ele não parecia notar. Ou se importar. Ele não deu mais detalhes, então, enquanto eu deslizava a mão pelo corrimão de metal frio, fiz minha língua funcionar. — O que... mais ou menos quer dizer? Chegamos ao pavimento. — Eu trabalho à noite. Às vezes. A surpresa percorreu meu corpo. — Você trabalha? — Depois da escola, algumas vezes por semana. — Ele olhou para mim e depois soltou uma risada baixa. — Parece que eu acabei de lhe dizer que estou pensando em me juntar a um barco de pesca de caranguejo. Pisquei enquanto descíamos os últimos degraus. — Eu só não... sabia. Onde você trabalha? — Não muito longe de onde fico — explicou. — Fica? — perguntei, pensando que essa era uma forma estranha de se referir ao local onde ele morava com a avó de Hector e Jayden. Ele assentiu.
— Numa oficina na mesma rua da casa da Sra. Luna. Faço alguns detalhes para o dono. Trabalhos de pintura personalizada, esse tipo de coisa. — Uau! — exclamei, lembrando de ouvi-lo mencionar uma oficina para Paige na sexta-feira. Ele abriu a porta e a segurou enquanto eu passava por baixo de seu braço. — Isso é surpreendente. Quero dizer, eles devem realmente... confiar em você para permitir isso. Rider encolheu um ombro, como se não fosse nada de mais, mas um leve rubor tomou suas bochechas. Eu não sabia muito sobre pintura personalizada em carros, mas sabia que devia ser um trabalho difícil, com pouca margem de erro. O fato de alguém confiar em um adolescente para isso era surpreendente, e eu queria perguntar como ele tinha conseguido o trabalho, mas, antes que me desse conta, estávamos na sala de aula. Ele ficou ao meu lado, e, quando eu me dirigia para o fundo da sala, Keira levantou a mão e agitou os dedos. Retribuí o gesto. Durante o almoço, Keira e Jo passaram a maior parte do tempo falando de uma nova coreografia que estavam aprendendo, para o desgosto de Anna. Ocupei meu lugar e imediatamente abri meu livro. As palavras se transformaram num borrão quando Hector caiu no assento na frente de Rider e perguntou: — Como está se sentindo, bebita? No início, eu não entendi por que ele estava perguntando e pensei nele perseguindo o tal de Braden, mas depois me lembrei da corrida louca para fora da sala na sexta e da desculpa de Rider. Assenti e, em seguida, olhei para Rider. Ele estava recostado na cadeira, com os braços cruzados sobre o peito e as pernas esticadas debaixo da mesa, seu olhar de pálpebras pesadas focado na minha direção. A secura na garganta aumentou, a reação dobrada. Eu queria fazer uma pergunta, mas o modo como Rider olhava para mim me deixou ultraconstrangida. Concentrando-me nele, pus a boca em movimento. — O que... significa bebita? Rider piscou, e seus lábios se entreabriram lentamente. A surpresa se estampou em seu rosto. Sim, eu tinha falado na frente de Hector. Senti uma espécie de vertigem. Podiam ter sido apenas algumas palavras, mas era a primeira vez que eu falava com ele. Era a primeira vez que eu falava com qualquer pessoa na frente de Rider, desde que nossos caminhos se haviam cruzado outra vez. Ele nunca estava por perto ao mesmo tempo que Jayden.
Mordendo o lábio para parar de sorrir, eu me atrevi a olhar para Hector. Seus olhos verde-claros estavam arregalados, então ele abriu um sorriso largo. — Significa, hum, bebê. — Ah — sussurrei, sentindo meu rosto esquentar. Ele dissera aquilo de uma forma gentil. — Também significa algo de que ele não precisa chamar você — acrescentou Rider, e meu olhar correu de volta para ele. Hector riu e, quando o encarei, ele continuava sorrindo. Um braço estava jogado sobre o encosto da cadeira. — Foi mal — murmurou, mas nada em sua aparência sugeria que ele se sentisse culpado. Meus lábios se contraíram em um pequeno sorriso. Rider inclinou a cabeça para o lado. — Hum-hum. Nesse momento, eu vi Paige entrar na sala, as longas pernas atravessando o recinto. Ela sorriu para Hector enquanto contornava sua carteira. Paige não se sentou logo. Pôs a mão no ombro de Rider e se inclinou para baixo, o rosto de frente para o dele. — Oi, amor — disse ela. Voltei meu foco para a frente da sala. Eu não precisava vê-los se beijando para saber que faziam isso. Continuei sem olhar quando ouvi uma cadeira se arrastar no chão, sinalizando que ela havia sentado. Uma estranha sensação de queimação surgiu dentro de mim. Deixava um gosto amargo no fundo da minha boca. Hector estava me observando. Eu sorri. O canto de seus lábios se ergueu. Alguns segundos depois, o Sr. Santos apareceu na sala batendo as palmas das mãos uma vez. Fiquei tensa, meu olhar correndo para a frente da sala. Parte de mim esperava que ele fizesse contato visual, assentisse ou algo que mostrasse que ele estava seguindo os planos de Carl. Mas ele não o fez. Santos abriu seu manual e parou na frente do quadro-negro, falando sobre nosso primeiro discurso, que tínhamos que apresentar em três semanas. Um discurso informativo. A duração seria de três minutos. Senti um vazio na
barriga. Três minutos? O primeiro discurso teria três minutos? Isso era uma eternidade. Mesmo que eu só precisasse fazer o meu na frente do Sr. Santos, meu coração começou a bater contra as costelas, mas tentei acalmar meus pensamentos. Eu tinha três semanas para surtar, então precisava relaxar e prestar atenção no momento. Consegui manter a mente sob controle para que pudesse tomar nota às pressas. Sempre que eu olhava para Rider, ele parecia meio adormecido. Definitivamente, ele não fazia anotações. Paige estava escrevendo. Hector estava, bem, ele estava olhando finalmente para o telefone celular pousado em sua coxa. Em determinado momento, pensei ter visto doces explodindo na tela. Quando o sinal tocou, indicando o fim da aula, tive vontade de pular e socar o ar, como em Clube dos cinco. Consegui não fazer isso, graças a Deus, e, em vez disso, guardei as coisas tranquilamente. Quando me levantei, Hector já saíra da sala. Keira estava lá na frente, conversando com o Sr. Santos. Rider segurava a beirada do caderno com os dedos compridos, esperando. Por mim. Quando joguei a alça da mochila sobre o ombro, o frio na barriga surgiu de novo e, então, percebi que Paige também estava esperando. Por Rider. — Ei. — Paige tomou a iniciativa, pegando a mão livre do garoto. Ela se inclinou para ele. Exatamente como eu tinha feito mais cedo, sorri e saí dali, antes que alguém pudesse dizer alguma coisa. Ou pelo menos tentei. — Mallory. — O Sr. Santos estava junto da porta. — Podemos conversar um momento? A tensão tomou meus ombros enquanto o segui até o pódio. Eu o vi fechar um caderno. — Não vou prendê-la por muito tempo. Tenho certeza de que você está pronta para sair daqui — disse ele. A pele se enrugou em volta de seus olhos quando ele sorriu. — Eu só queria que você soubesse que estou cem por cento de acordo com a apresentação de seus discursos somente para mim. Este era o momento de falar, dizer que queria fazer como todo mundo. Eu não disse nada. O Sr. Santos continuou falando:
— Também quero que saiba que eu entendo. Falar em público é difícil para qualquer um e, para alguns, é quase impossível. Não vou forçar nenhum dos meus alunos a se levantar e fazer algo que possa ser potencialmente prejudicial a eles. Isso era realmente... gentil da parte dele. Mas eu queria dizer ao Sr. Santos que eu podia fazer o discurso, que isso não me prejudicaria. Encontraria a coragem e a força dentro de mim para fazer isso. Continuei sem dizer nada. — Tudo bem? — perguntou ele. Assenti. O sorriso do Sr. Santos se espalhou, e, em seguida, ele assentiu. — Tenha uma boa noite, Mallory. Girando, saí da sala e, antes que eu pudesse processar minha conversa com o Sr. Santos, vi Rider sem a namorada. Olhei em volta. — Onde está... Paige? — Ela foi embora. Não pôde esperar — disse ele, como se Paige estivesse perfeitamente bem em deixá-lo esperar por mim. Minha boca se abriu e comecei a contar a ele o que tinha acontecido naquela manhã, mas logo fechei os lábios. — Você tem que ir até o armário? — perguntou. Pensando nos meus deveres de casa, balancei a cabeça. Ele apontou com o queixo para o fim do corredor. — Posso levá-la até o carro? Foi o que ele fez. Nós acompanhamos os grupos de alunos indo para fora, suas vozes animadas nos rodeando. Só quando podíamos ver o teto do meu carro brilhando ao sol da tarde, Rider falou: — Estou feliz por hoje ter sido sem complicações. Não havia como conter meu sorriso. Ele ia de orelha a orelha. — Eu... eu também. — Levantando o queixo, respirei suavemente. Rider olhou para mim, um sorriso torto nos lábios. Em uma fração de segundo, voltei uma década no tempo. Eu era menor, empoleirada na beira de um colchão estreito e irregular. Meu estômago estava vazio, revirando-se com as dores da fome. No meio do verão, sem ar-condicionado, meu cabelo estava grudado no rosto, e o suor
empoçava em áreas que não deviam suar quando você estava sentado, quieto. Rider havia passado o dia todo fora. A Srta. Becky, em um de seus raros momentos de sobriedade, tinha levado Rider ao shopping com ela — o shopping bom, com ar-condicionado. Rider era o favorito da Srta. Becky. Lembro-me de chorar, porque eu queria ir, mas ela me repreendeu, mandando que eu parasse de agir como um bebê. Eu tinha ficado no quarto sem ar o dia todo, porque o Sr. Henry também estava em casa e eu não queria chamar sua atenção. Foi quando Rider voltou para casa, naquela noite, que ele trouxe a boneca. — Eu me senti mal — disse ele, entregando-a para mim. Naquela época, ele tinha o mesmo sorriso de agora, uma mistura estranha e encantadora de incerteza e confiança. O que Paige tinha dito mais cedo ressurgiu como uma vingança. Eu me senti mal. Ela disse que Rider se sentira culpado pelos últimos quatro anos, e agora eu podia ver isso com muita clareza. Fazia sentido. Rider tinha sofrido naquela casa, mas, de certa forma, ele fora mais cuidadoso que eu. Sua culpa incentivava a necessidade louca, e às vezes fatalista, de se colocar entre mim e os punhos do Sr. Henry. Meu reaparecimento em sua vida o fizera voltar imediatamente ao papel de protetor. Eu senti... De repente, me senti suja. Como se tivesse passado o dia todo fora, num clima abafado. Eu queria ir para casa, tirar minhas roupas, queimá-las e tomar banho por dias. O peso da pena que ele devia ter sentido de mim e o nível de culpa que ele carregava eram sufocantes. Lágrimas estúpidas arderam no fundo da minha garganta. Deus, isso era humilhante. Dei um passo para trás, apertando ainda mais a alça da minha mochila. Agora era a hora de ter aquela conversa. — Você se sente culpado? Rider piscou. — O quê? — Você sentiu... culpa, por causa... por minha causa? — perguntei, forçando as palavras, mesmo que isso doesse. Sua boca se moveu por um momento, formando palavras que não foram ditas, e então ele ficou rígido, como se alguém tivesse derramado aço em sua espinha. — Por que está me perguntando isso?
— Por que você não me responde? — rebati. — Nem sei que tipo de pergunta é essa, Ratinha. Ou por que você sequer pensaria isso. Minhas sobrancelhas se ergueram. — Você... não sabe mesmo? Passou um momento, e sua mão apertou o caderno. Ele não respondeu, e eu respirei fundo. — Você... você contou a Paige sobre mim. — Meu Deus. — Olhando para o lado, ele baixou a cabeça. Um músculo pulsava em seu maxilar. — Ela disse essas coisas para você, Ratinha? Sério? Dei de ombros. Ele não viu, porque não estava olhando para mim. Ele estava observando um fusca amarelo brilhante sair de uma vaga ali perto. — Não — menti. — Na verdade, não, mas... me fez pensar em algumas coisas. — Quando? Não vi vocês duas conversando. — Encontrei com ela de manhã. — O que era meio verdade e soava melhor do que dizer que ela ficara esperando por mim. — Ratinha… Esperei. — Eu contei a ela algumas coisas sobre o que aconteceu. Olhando para trás, eu provavelmente não devia ter feito isso. Merda! Nunca esperei que você fosse voltar ou que haveria a mínima chance de ela falar com você. Eu não tinha certeza de como me sentir em relação a isso, já que também nunca tinha esperado vê-lo de novo, mas a sensação de traição ainda estava lá, revirando meu estômago. Mesmo naquele momento percebi que era irracional. Conversar com Paige não tornava Rider desleal a mim, porque não havia nada a que ser leal, mas isso não mudava em nada a minha dor. — Eu não contei tudo a ela. Respirei fundo. — Ela sabia... que eu não falava muito. — Isso, não fui eu. Eu nunca disse isso a ela. — Ele voltou os olhos para mim, mais duros. — Terça-feira passada, ela estava na casa de Hector e ele estava perguntando por você. Eu estava conversando com ele, dizendo a ele que você era quieta e não muito falante. Ela deve ter ouvido, porque nunca falei isso diretamente para ela. — Houve uma pausa. — Ela disse que eu falei?
Embora não fosse verdade, neguei com a cabeça. Os ombros dele se levantaram com uma respiração profunda, e, em seguida, ele usou os dedos para prender atrás da minha orelha uma mecha de cabelo que se soltara ao longo do dia. Um formigamento suave se espalhou pela minha bochecha e desceu pela minha espinha quando ele fechou sua mão ao redor da minha nuca. Eu não sabia o que dizer quando nos encaramos. Em conflito, eu tinha certeza de que, mesmo que não tivesse problemas para usar minha voz, eu ainda não teria ideia do que dizer nessa situação. Rider sustentou meu olhar por um instante e, em seguida, usando a mão que estava na minha nuca, me puxou em sua direção. Seu outro braço tomou minhas costas quando ele me puxou para um abraço apertado que era quente e sólido. Ele deu um passo para trás, a mão se demorando ali. — Nos falamos mais tarde? Eu sorri e acenei com a cabeça, mas mesmo que seu toque tivesse sido bom e o abraço ainda melhor, não pude deixar de notar que Rider não tinha respondido à minha pergunta.
CAPÍTULO 14
A segunda semana de aula foi muito parecida com a primeira. Bem, mais ou menos. Eu não fugi de nenhuma aula. Ponto pra mim. Rider tinha me mandado uma mensagem na noite de segunda. Apenas um texto pequeno desejando boa noite e me chamando de Ratinha. Ao contrário da última vez, consegui não ser uma completa idiota e respondi com um boa-noite. Depois de segunda-feira, Paige não fez mais nenhuma visita surpresa ao meu armário. Mais um ponto para mim. Responder a ela na segunda parecia ter funcionado. Terceiro ponto. Ela basicamente me ignorava na aula de oratória enquanto se ocupava de flertar com Rider. De segunda a quinta, eu tinha almoçado na mesa de Keira, e na véspera até consegui responder a uma pergunta feita a mim. Não uma, duas! Explosão de pontos! A pergunta tinha vindo de Anna, que levantou o pulso quebrado e perguntou: — Você já quebrou algum osso, Mallory? O espaguete que eu revirava no prato tinha caído em meu estômago, como se cada macarrão fosse de chumbo. Consegui pronunciar um “sim” rouco. — Qual? — perguntou Keira, os olhos escuros aguçados. As próximas duas palavras foram um pouco mais fáceis. — O nariz. Por sorte, ninguém me perguntou como, provavelmente porque o namorado de Jo nos contou como seu irmão mais novo havia quebrado seu nariz com um bastão de plástico, e percebi que isso requeria algum talento. O que eu falei no almoço de quinta-feira não foi muito, um total de três palavras, mas foram três palavras ditas na frente de uma mesa cheia de pessoas. Por mais trivial que fosse, eu estava tão... bem, orgulhosa de mim
mesma que contei a Carl e Rosa no momento que os vi naquela noite, quando chegaram em casa do trabalho. Eles também ficaram orgulhosos. E aliviados. Não havia como confundir a interação rápida e silenciosa entre os dois. Tentei não deixar isso me incomodar. Não era como se eles não acreditassem que eu seria capaz de lidar com o ensino médio, mas eu sabia que eles se preocupavam. Sabia que eles tinham medo que fosse muito para mim, mas eu estava conseguindo e já tinha durado mais tempo que no ensino fundamental. Na sexta-feira, Rider estava parado perto da porta do refeitório, as mãos nos bolsos. Aparentemente, ele decidira matar aula de novo, e, embora eu não devesse estimular esse comportamento, fiquei feliz de vê-lo ali. Nós não conseguíamos conversar muito antes ou depois da aula de oratória, e ele não tinha feito visitas inesperadas. Fomos para a fila, e ele pegou a mesma coisa que na primeira vez: pizza e leite. — Você quer se sentar aqui ou lá fora? — perguntei. Os lábios de Rider se curvaram no canto quando ele olhou para a mesa de Keira. — Onde você quiser. Sorri. Senti que, se fôssemos para a mesa, não teríamos chance de conversar de verdade. Além disso, estava mais fresco, como se o verão tivesse decidido se retirar mais cedo e às pressas, muito antes de acabar. — Lá fora? Ninguém nos parou quando fomos para as velhas mesas de piquenique. Várias delas estavam ocupadas, mas encontramos uma vazia. Rider se sentou ao meu lado. Não de frente para mim, como alguns dos outros alunos. Ele estava perto, sua coxa quase tocando a minha. Eu... eu gostava disso. Eu me sentia superconsciente quando ele pôs a bandeja na minha frente. Notei cada respiração enquanto Rider pegava o leite, abria a caixa e o colocava na minha bandeja, e senti cada tremor no banco quando ele apoiou o cotovelo esquerdo na mesa. Tomei um gole de leite. — Você pode ter problemas por matar essa aula? Ele deu de ombros, fazendo seu braço roçar o meu. Gostei disso também, mas não gostei de ele ter se esquivado da pergunta. — Rider?
Pegando sua fatia de pizza, ele olhou para mim. — Não importa. Franzi a testa. — Por que não? Ele deu uma mordida e, depois de mastigar, falou: — Vou passar na matéria no fim. Então, não importa. Rider era inteligente. Até Keira tinha reconhecido isso. Quando criança, ele entendia as coisas mais rápido que ninguém, mas assistir às aulas tinha importância. Eu sabia que parecia uma idiota pensando assim, mas como ele não tinha problemas? Então perguntei, enquanto arrancava um pedaço de pepperoni. Ele não respondeu de imediato. — Honestamente? Eles não se importam. — Quem? — Eu ia deixar a rodela de pepperoni no prato, mas ele a pegou e enfiou na boca. — Os professores? — Sim. Acho que esperam o mínimo de mim. — Tomando um gole de sua água, ele sorriu para mim. — Tipo, vir para a escola é o suficiente. Balancei a cabeça lentamente. — Não acho que isso seja verdade. — Eles nem telefonam mais para a Sra. Luna. Pararam quando... droga, quando perceberam que eu era adotivo. Ele bufou, e eu não pude acreditar. — Fizeram a mesma coisa com Paige e ela nem está no sistema. É só por causa de onde ela mora. Merda, é a mesma coisa com vários outros. Eles olham para um endereço e dão o fora. Confusa, balancei a cabeça. — Endereço? Ele assentiu. — O seu endereço é do tipo que os impressiona. Mas metade dessa maldita escola? De jeito nenhum. — Parando, ele olhou para o meu prato. — Está comendo? Revirei os olhos. — Eu não sou criança. Eu posso... comer sozinha. Rider arqueou uma sobrancelha, e não havia como confundir o deslizar lento que começou no topo da minha cabeça. Minhas bochechas arderam. — Acredite em mim — disse ele, a voz mais grossa. Profunda. — Eu sei
disso. Estou tentando aceitar, mas sei disso. Fiquei boquiaberta. Agora eu não tinha ideia do que dizer. Ele olhou para a minha pizza. Ok, então. Eu a peguei e dei uma mordida. Era melhor do que ficar sentada ali olhando para ele feito uma boba. — De qualquer forma, não estou encrencado — disse ele, pegando um guardanapo e limpando os dedos. Pensei nisso enquanto dava outra mordida e, depois pousei a pizza no prato mais uma vez. — Você não se encrenca, porque eles... — Tirei outro pepperoni e entreguei a ele. Seus dedos tocaram os meus dessa vez, aquecendo a minha pele. — Eles não esperam nada de você? É isso que está dizendo? Rider levantou um ombro de novo, sem responder. Caramba, era isso que ele estava dizendo. Inquieta, olhei para minha pizza pela metade. — Isso é verdade? Ele olhou para mim, os cílios abaixados cobrindo os olhos. — Eu acho que é meio... Que é bom que você tenha que perguntar isso. Cruzei as mãos no colo. — O que você quer dizer? Terminando sua pizza, ele se virou para me encarar. Eu me endireitei, mas havia pouco espaço entre nós. Perto como estávamos, eu podia ver as manchas douradas em seus olhos quando seus cílios se levantaram. Havia um pequeno sorriso em seus lábios, mas parecia vazio. — Você está em um bom lugar — disse ele. — Esteve nos últimos quatro anos. Foi adotada por pessoas boas. Médicos. Você não está mais vivendo esse outro tipo de vida. — Mas... mas você não disse que a Sra. Luna era boa? — Minha preocupação aumentou. Ele tinha mentido? Ele pôs a mão no pequeno espaço entre nós e bateu com o indicador na minha mão. Não havia manchas de tinta hoje. — Ela é. Ela é ótima, mas... Olhe, isso não importa. — Seu dedo contornou a linha do osso, patinando pela minha palma, em direção ao pulso. — Não estou encrencado. Não vou ter problemas. Mas importava, sim, porque aquilo me fazia pensar que a escola achava que Rider não valia a pena. Ou, pior ainda, que ele achava que não valia. E
ele valia. Comecei a lhe dizer isso, mas ele virou minha mão e entrelaçou os dedos nos meus. Meus pensamentos se dispersaram por um instante. Rider estava segurando minha mão. Ele tinha feito muito isso quando éramos pequenos, mas parecia muito diferente agora. Tanto que eu não podia deixar de olhar para sua mão, como era muito maior que a minha, mais áspera e dura. Você não está mais vivendo esse outro tipo de vida. Mas ele estava, mesmo que não parecesse tanto. Sabendo que devia puxar minha mão, mentalmente me dei um sermão por não fazer isso. Aquilo parecia inocente, mas eu duvidava de que Paige fosse ver dessa forma. E eu não a culparia. Rider apertou minha mão. — O que você acha do discurso que temos que fazer? — perguntou ele, mudando de assunto. — O seu tema são os três ramos do governo, certo? Assenti. Contei a ele sobre o acordo que Carl havia feito com Santos, e ele achou uma ótima ideia. Todo mundo provavelmente achava uma ótima ideia, porque ninguém acreditava que eu fosse conseguir. Santos não nos deixou escolher nossos temas para o primeiro discurso, o que não era nenhuma surpresa. Rider pegou diferentes estilos de arte em pintura. Olhei para nossas mãos unidas. — O tema... deveria ser fácil. — Vai ser. — Ele soltou minha mão, seus dedos deslizando de volta pela palma, deixando um rastro de arrepios. — Você consegue. Sabendo que eu tinha duas semanas para me preparar para o discurso, mais alguns dias até a minha vez, já que eu não tinha que fazer na frente da turma, também achei que tivesse isso sob controle. — Você quer treinar? — perguntou ele, pegando sua água. — Sério? — indaguei. Eu estava planejando pedir a Ainsley para me ajudar, porque, até mesmo fazer meu discurso só para Santos seria algo muito difícil para mim. Só de pensar nisso agora fazia meu estômago se revirar. Não havia a menor chance de eu pedir a Keira. Eu ficaria muito envergonhada. Rider assentiu. — Sim. Podemos fazer isso sempre que você quiser . Meu coração pulou.
— E o trabalho? — É flexível. — Ele olhou para o prato, e eu sabia o que ele ia dizer antes mesmo que perguntasse. — Sim — falei. — Vou terminar de comer. Um sorriso apareceu e a covinha piscou. — Essa é a minha garota. Prendi a respiração, e me senti boba por isso. Terminei minha fatia de pizza e em seguida tomei o leite. — Paige vai treinar com a gente? — perguntei, pensando que era uma pergunta inteligente, já que ela precisava treinar também. Ele cutucou meu braço, e quase deixei o leite cair. — É, acho que não. Olhei para ele bruscamente. — Por quê? Rider deu de ombros. — Eu não falei... com ela — expliquei lentamente, sem saber o que dizer, já que não tinha contado a Rider tudo o que Paige dissera. — Eu sei — respondeu. — Você... — Foi então que me ocorreu. Meus olhos se estreitaram. A descrença e a irritação me inundaram. — Você... disse algo a ela. Rider ergueu as sobrancelhas. — Eu... Você não pode fazer isso — falei, inclinando o corpo enquanto uma brisa suave soprava uma mecha de cabelo no meu rosto. Os olhos de Rider encontraram os meus. Eu a enfrentei quando ela me chamou de idiota e achei que era por isso que ela não me incomodava desde então. Eu estava errada. — O que você disse a ela? Seus olhos buscaram os meus. — Eu só disse a ela que você é importante para mim, e, como nunca pensei que a teria de volta na minha vida, eu não queria que nada nem ninguém mexessem com isso. Ela entende. — Entende o quê? — sussurrei. O olhar de Rider sustentou o meu outra vez. — Ela entende que, se eu tiver que escolher entre vocês duas, não vai ser ela. Uma vibração começou no fundo do meu estômago e se espalhou pelo meu peito, porque, bem, isso meio que era muito doce e gentil e um pouco louco,
mas, ainda assim, eu não queria que ele fizesse isso: — lutar as minhas batalhas. E eu não queria que ele tivesse que escolher entre nós duas. — Isso... Eu nem sei o que dizer. Você não deveria ter que escolher e eu... não preciso mais que você me defenda. — Sério? — murmurou ele. — Sim! — praticamente gritei, ganhando um olhar da mesa ao lado. Fiquei surpresa por ter levantado a voz, mas eu estava com raiva. Com muita raiva. Ali estava eu pensando que havia, sozinha, me livrado de Paige, mas não tinha sido eu. — Eu não preciso... da proteção de outra pessoa — concluí, em voz muito mais baixa. Ele deu um sorriso largo e brilhante, mas não me importei. Dei um soco no seu braço. — Não é para sorrir. Puxei o braço para trás e ia socá-lo de novo quando ele pegou minha mão. — Ratinha! — Rider deu uma risada profunda. — Você acabou de me bater? Ignorei a pergunta. — Não preciso que você... me defenda. Eu preciso... — parei, porque ele tinha levado minha mão fechada ao peito. Eu podia sentir seu coração batendo forte. Seus olhos ficaram sombrios. — Você precisa de que, Mallory? Foi difícil falar por um motivo totalmente diferente. — Eu preciso... resolver as coisas sozinha. As sobrancelhas de Rider se uniram enquanto me encarava como se estivesse falando uma língua desconhecida. — Por quê? — Por quê? — explodi. — Porque preciso fazer isso por mim mesma. Você não pode... intervir sempre que achar que tem alguma coisa acontecendo. Você não pode sempre... me proteger. — Mas eu quero — disse ele, a voz baixa outra vez. Suave. Meu coração estava pulando no peito. — Você não pode. Um canto de seus lábios se curvou. Ele manteve minha mão em seu peito. — É um hábito muito antigo para abandonar. Aqueles cílios se ergueram novamente, e seu olhar me penetrou.
— Você... você precisa tentar. — Ok. — Ele levou nossas mãos para seu joelho. Com a outra, afastou uma mecha do meu cabelo, prendendo-a atrás da minha orelha. — Eu posso tentar. Eu não sabia o que dizer enquanto nos encarávamos, não tinha ideia do que qualquer outra pessoa que estivesse nos olhando podia pensar. Eu ainda estava irritada com ele. Não que eu não fosse grata por sua preocupação, mas não era uma donzela que ele precisava salvar. Ou estava tentando não ser. Porque a Mallory que eu queria ser não era fraca nem patética. Ela não era o tipo de garota que o namorado de Paige precisava defender. Respirei suavemente. — Se eu precisar de sua ajuda... vou pedir. Ok? Ele inclinou a cabeça para o lado, e, Deus, isso alinhou nossas... bocas quase perfeitamente. — Ok. — Bom — sussurrei. Rider abaixou a mão lentamente, mas ele ainda segurou a minha na outra por alguns segundos. Seus olhos não deixaram os meus mesmo quando ele a soltou. — Você está diferente agora, Mallory. Eu me endireitei. — Estou. — Que bom — sussurrou ele.
CAPÍTULO 15
Paige rondava pelo corredor, como se estivesse em casa. A garota esbanjava confiança em cada passo. A inveja veio à tona. Nunca tive esse tipo de segurança, nem sabia como era a sensação. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo apertado, e ela vinha acompanhada de uma garota negra que eu nunca vira antes. Segurando a alça da minha mochila, segui em frente, mas de olho nela. Parte de mim queria desviar para a esquerda e andar perto dos armários, mas muitas das portas estavam se fechando. Estaria muito cheio. E isso faria de mim uma covarde. Eu não podia fazer isso, especialmente depois de ter dito a Rider na sexta-feira que não precisava que ele me defendesse. Agora era segunda, e era hora de provar que eu falava sério. Meu coração passou de um sapateado para saltos acrobáticos quando cruzei com ela. Paige não disse nada, mas levantou um braço pálido e magro e estendeu o dedo médio. Bem na minha direção. A garota que estava com ela riu. E então, de algum lugar do meu outro lado, ouvi uma palavra que eu odiava com cada fibra do meu ser. — Que retardada! O calor tomou conta do meu rosto. Eu sabia que a garota não estava falando de Paige, mas nem pisquei. Não olhei na direção dela e não dei o gostinho de atrair a minha atenção para ninguém. Continuei andando, de queixo empinado, e fui para o meu armário. Às cegas, peguei meus livros e torci para que fossem os certos. A última coisa que eu queria era ficar entre Paige e Rider, mas, a julgar pelo dedo
médio, eu já estava. E, não importa o que ele tivesse lhe dito, ela não ficou feliz. Mas nem foi isso que me incomodou. Aquela palavra horrível tinha aberto um buraco do tamanho de um punho em mim quando me juntei a Keira à mesa do almoço. No grupo de estudos em casa e no ensino fundamental, ouvi aquela palavra muitas vezes. Tanto que parecia que um rótulo tinha sido grampeado na minha testa, e talvez parte de mim tenha começado a acreditar nele. Talvez fosse por isso que eu não falava. Mesmo naquela época, eu sabia que não era a palavra certa ou mais gentil a se usar. Essa foi a primeira coisa que eu falei ao Dr. Taft. Perguntei a ele se eu era mesmo aquilo enquanto Carl estava na sessão comigo. Mais tarde naquela noite, Carl e Rosa haviam se sentado comigo e dito que aquilo não era verdade, mas que mesmo que eu tivesse problemas de desenvolvimento, não teria importância. Eu ainda era eu. E eles ainda me amavam. Fazia anos que ninguém me chamava assim. Obviamente, alguém andou falando por aí. Por que outro motivo essa garota que eu mal reconhecia do corredor diria isso? Eu não queria pensar que tinha sido Paige, porque ela estava tão intrincadamente ligada a Rider, mas quem mais poderia ser? Engolindo um suspiro, espetei o bife Salisbury enquanto observava Anna e Keira olharem as pulseiras uma da outra. Pulseiras de ouro e prata com pingentes. Talvez fosse o que ouvi naquela manhã. Eu não tinha ideia, mas forcei minha língua a sair do céu da boca. — Elas são muito... bonitas. Anna olhou rapidamente para Jo e, em seguida, sorriu para mim, disfarçando sua surpresa. — São braceletes Alex and Ani. Eu tenho alguns em casa — disse ela. — São os melhores. Jo estendeu o braço e balançou o pulso. Ela usava três. — Vilma nos viciou neles. Eu me concentrei, cortando um pedaço de bife. — Vilma? — Ela se formou no ano passado — explicou Keira. — Era nossa capitã. Agora está na equipe da WVU.
Anna assentiu enquanto pegava uma batata frita ondulada do meu prato. — Eu juro, ela sabia vender essas pulseiras. Empurrei meu prato para mais perto dela, e ela pegou mais algumas batatas. A conversa mudou rapidamente, e comecei a pensar na aula de oratória. Eu não conseguia lembrar sobre o que seria o discurso informativo de Keira, mas me perguntava se ela planejava treinar. Meus lábios se abriram, e minha língua começou a se enrolar em torno de algumas vogais e sílabas, mas eu conseguiria treinar meu discurso na frente dela? Eu levaria uma eternidade para reunir coragem. Ela ia me achar esquisita? Provavelmente. Eu acabaria tendo que almoçar na biblioteca ou algo assim. Eu me acovardei antes mesmo de dizer uma palavra. Suspiro. Estava quase terminando o que torcia para que não fosse carne de canguru, quando senti alguém cair na cadeira vazia ao meu lado. Reconheci o cheiro de terra enquanto erguia os olhos. Keira sorriu. — Ei, Jayden. — Oi — cumprimentou ele, sentado de lado na cadeira com o braço apoiado na mesa. — As belas damas pareciam solitárias. Pensei em vir e agraciá-las com a minha presença. Jo bufou. — Parece que você acabou de acordar e veio para a escola. — Talvez sim. — Jayden esticou a mão para as minhas batatas fritas, ignorando o olhar apertado de Anna. — Obrigado, querida. — Vocês dois se conhecem? — Jo gesticulou com o garfo, apontando de mim para Jayden. Antes que eu pudesse assentir, ele passou um braço sobre os meus ombros. — Ela é minha bae. Dei um sorriso forçado. — Bae? — suspirou Keira. — Odeio essa palavra. Sabe o que realmente significa? — Cocô — respondi sem pensar. — Em dinamarquês. Meus olhos se arregalaram. Caramba. Eu tinha falado sem hesitar na hora do almoço! Caramba! Ninguém percebeu minha agitação interna por causa disso, mas eu não podia acreditar. Eu olhei para eles e falei sem nenhum problema.
Eu merecia um biscoito. Anna riu. — Ah, cara. Eu sei. Eu sei. Ainda acho que é uma palavra fofa. Em frente a ela, Keira revirou os olhos. — Literalmente, significa merda. — Mas Mallory é apenas minha bae, meu amor — disse Jayden deixando cair o braço. Levantei uma sobrancelha. — Onde está seu irmão? — perguntou Jo. — Vou ser a bae dele. Jayden bufou. — Por quê? Ele é um fracassado. Eu? Eu tenho carinha de bebê. Ele é velho, rabugento. Rindo, puxei o cabelo por cima do meu ombro enquanto Jo franzia o nariz. — Rabugento? — disse ela. — Não é uma palavra que normalmente associo a Hector. — Deveria. Jayden continuou batendo papo com as meninas pelo resto do intervalo do almoço, e ele estava... Diferente. Hilário. Estranhamente encantador. Em poucos anos, aposto que ele seria tão difícil de controlar quanto eu imaginava que Hector fosse. Ri tanto enquanto o ouvia que me perguntei se teria rugas precoces por isso. O sorriso não sumiu quando encontrei Rider na escada enquanto seguia meu caminho para a aula de oratória. Era a primeira vez que eu o via naquele dia. Vestindo outra camiseta desbotada e jeans gastos, com o cabelo um pouco despenteado, parecia que ele tinha dormido na última aula. Um sorriso preguiçoso puxou seus lábios. — Eu estava procurando você. Meu sorriso, incrivelmente, se alargou quando me juntei a ele no patamar. Ele se virou e caminhou ao meu lado. — Eu estava pensando no treino do discurso — disse ele. — Você ainda quer que eu a ajude com isso, certo? Uma vibração nervosa se formou no fundo da minha barriga. Eu queria treinar com Rider, mas, depois do que tinha acontecido pela manhã, não seria algo inteligente. Respirei fundo. — Você não precisa fazer isso. Quero dizer, tenho certeza... de que você tem coisas melhores para fazer.
— Mas eu quero te ajudar. — Ele segurou a porta vaivém aberta enquanto franzia a testa. — Se eu não quisesse, não teria oferecido. — Eu sei, mas… — Quero ajudá-la a treinar — repetiu ele, sem hesitação, e a vibração na minha barriga se espalhou pelo meu peito quando começamos a descer as escadas. — Por que você não gostaria de treinar? — Ele fez uma pausa. — Comigo? Olhando para ele enquanto virávamos no patamar, vi a confusão em seus olhos cor de avelã. Mordi o interior do meu lábio. Que droga! — Eu só queria ter certeza de... que você não se sente obrigado a nada. Ele sorriu. — Estou livre na quinta. Quinta-feira? Esta semana? Meus olhos se arregalaram. Eu tinha feito um rascunho do discurso no fim de semana, então podia fazer isso, mas quintafeira não estava muito longe. — Pelo menos você vai ter um treino antes de precisar fazer o discurso para o Sr. Santos na próxima semana. — Ele cutucou meu braço com o dele. — Posso ir depois da aula. Quinta-feira era perfeito, porque Carl e Rosa estavam no hospital e as chances de qualquer um deles passar em casa eram muito pequenas. Ou eu poderia simplesmente perguntar a eles se estava tudo bem Rider ir me ajudar. Finalmente me peguei assentindo. A aula começou com a gente se dividindo em pequenos grupos de quatro pessoas para treinar os discursos, e eu achei que ia vomitar. Felizmente, fiquei com Hector e Rider. Infelizmente, também estava com Paige. Não era um grande alívio... Nem houve muito treino. Nenhum dos dois garotos estava com o discurso pronto. Eu escrevera um esboço que realmente não queria ler em voz alta. Paige trouxe um discurso, acho, mas também tinha o celular em uma das mãos, escondido em seu colo, e a outra mão na perna de Rider. Sempre que olhava na minha direção, ela sorria, o que era muito diferente de como me tratara pela manhã. Enquanto Hector escrevia algo para treinar, eu observava Rider e Paige, mas principalmente Rider, porque... eu meio que não podia evitar. Ele tinha sugado o lábio inferior entre os dentes enquanto... desenhava.
Nada de escrever um discurso. Eu me inclinei. Suas sobrancelhas estavam quase unidas de tanta concentração. Seu pulso se torcia em vários ângulos diferentes, fazendo movimentos curtos com a caneta. Em segundos, ele tinha toda uma trança de flores desenhada, o esboço do que parecia ser chuva de prata. — Você deveria estar trabalhando no seu discurso em vez de ficar olhando — disse Rider, sem tirar os olhos do caderno. Os olhos escuros de Paige voaram para mim e se estreitaram. O calor explodiu em meu rosto. — E você não deveria realmente estar trabalhando, hum, não sei, no seu discurso? — Hector sorriu ao fazer um gesto para o seu papel, que parecia conter palavras. — E, por favor, não olhe para ele, Mallory. Por causa de Paige, seu ego já é grande o suficiente. Ele não precisa de ajuda. — Pendejo — murmurou Rider baixinho. Hector esticou um braço e estendeu o dedo médio. — Vai sonhando. Eu não fazia ideia do que eles diziam. Paige tirou a mão da perna de Rider e plantou o cotovelo na mesa. Seu queixo se acomodou na palma da mão. — Então, Mallory, está animada para fazer seu discurso na próxima semana? Enrijeci. Supondo que a turma não tivesse ideia de que eu não precisaria fazer o discurso como eles, eu temia que descobrissem. — Quem pode estar animado para isso? — perguntou Hector. Paige levantou um ombro esbelto enquanto me observava. — Então, você está? Ao lado dela, Rider ergueu a cabeça. Ele abriu a boca, e eu soube que ou ele ia dizer alguma coisa para distrair Paige, ou ia responder à pergunta por mim. Eu não podia permitir isso. Não depois da conversa que tivemos. Obriguei minha língua a se mover. — Eu não vou... fazer o discurso... na aula. — O calor tomou meu rosto enquanto eu continuava forçando as palavras. — Tenho que... fazer o meu na hora do almoço. — O quê? — Ela riu. Rider olhou para mim, a surpresa brilhando em seu olhar. A tensão empertigou meus ombros.
— Eu não... tenho que fazer isso... como todo mundo. — Sério? — Os olhos dela se arregalaram quando olhou para os rapazes. — Isso não parece justo. Meu coração parou. — Quem se importa? — respondeu Hector, dando de ombros. — Não me afeta. Paige se recostou em sua cadeira. — Mas não é legal. O restante de nós tem que fazer isso, e ela não? Por quê? — O porquê não importa — disse Rider, seu olhar ainda em mim. — E Hector está certo quando diz que isso não afeta a ele nem a nenhum de nós. Comecei a responder. Lentamente, Paige virou a cabeça para ele. — E se fosse, digamos, Laura ou Leon que não precisassem fazer o discurso, você acharia que estava tudo bem? Rider quebrou o contato visual comigo. — Sim. Porque não me afetaria e eu não me importo com ela. — Mas com ela você se importa — rebateu Paige, e eu quis me esconder debaixo da mesa, porque não havia nenhuma chance de qualquer pessoa não ter ouvido. — Paige — suspirou Rider, balançando a cabeça. — Não vamos fazer isso. Ela se inclinou para o lado e esticou o pescoço. — Não vamos fazer o que, Rider? — Ah, cara — murmurou Hector. De repente, o Sr. Santos estava lá, nos silenciando enquanto olhava o trabalho de Rider. Fiquei tensa, temendo que ele se chateasse porque Rider não estava trabalhando em seu discurso. Seu sorriso distraído não sumiu quando ele se inclinou, estreitando os olhos por trás dos óculos de aro de metal. — Os detalhes e as sombras são surpreendentes. É como se as flores fossem saltar da página. Meu queixo podia ter batido no chão. O rosto de Rider ficou todo rosado quando ele abaixou a caneta que ainda segurava. — Mas não estou surpreso. — O Sr. Santos pôs a mão no ombro de Rider. — Seu trabalho sempre foi ótimo.
Minhas sobrancelhas se ergueram. Santos tinha visto o trabalho de Rider antes? E por que não o repreendia? Rider não disse nada quando Santos apertou seu ombro. — Mas tente trabalhar no seu discurso agora e no desenho mais tarde. Está bem? — Claro — murmurou Rider, deixando cair sua caneta sobre a mesa. O Sr. Santos voltou sua atenção para o meu papel e examinou a página. — Interessante — comentou, e eu me encolhi. Seu sorriso não vacilou quando se aproximou da minha mesa. Molhei o lábio inferior, nervosa, e forcei as palavras que flutuavam na minha cabeça a chegar à minha língua. — Eu... eu não sou... muito boa em escrever discursos — hesitei, respirando fundo. — Ou em... fazer um. Pronto! Falei com o Sr. Santos sozinha, sem ninguém falar por mim. Sentei-me um pouco mais reta. — Falar em público é muito parecido com arte. Ser bom nisso é muito subjetivo, Mallory. Apertando os lábios, levantei os olhos para ele, sem ter nenhuma ideia de aonde ele queria chegar com isso. — Mas o segredo é tentar. — Santos assentiu para o meu texto, e, de repente, eu me perguntei se ele estava falando sobre a minha saída às pressas da sala na primeira semana e a subsequente ligação para Carl e Rosa. Eu não tinha tentado nessa ocasião. — Não é uma questão de fazer certo da primeira vez e definitivamente não se trata de perfeição, mas, se você tentar, já tem algum sucesso. Assim como na arte. Ou na vida, aliás. — Em seguida, ele deu um tapinha no meu ombro. — E, pelo que parece, você está tentando. Pisquei lentamente. Santos se afastou, de volta para a frente da sala. — O que foi isso? — murmurou Paige. Olhei para Rider, e ele, lentamente, abriu um sorriso, a covinha na bochecha direita aparecendo. — Pensamentos profundos — murmurou ele. Assenti devagar. — Como... você consegue não se encrencar? — Eu tenho esse dom. Estreitei os olhos para ele.
— E como... ele sabe sobre os seus desenhos? Hector bufou quando ergueu os olhos do papel, respondendo antes de Rider. — Porque, quando Rider estava no segundo ano, ele decidiu fazer uma decoração externa nos muros da Lands High. Rider revirou os olhos. — Ele grafitou a entrada e foi preso no dia seguinte, porque o idiota estava usando a mesma camisa com que tinha feito a pintura — emendou Paige, os lábios curvados em um sorriso quando seu olhar encontrou o meu. Algo naquele olhar me disse que ela estava feliz em mostrar que sabia tudo sobre isso, e eu não. — O Sr. Santos provavelmente foi o único funcionário que gostou. Meu olhar voltou para Rider. Suas bochechas estavam mais coradas agora. — Eu não fiquei muito encrencado — disse ele, sem olhar para mim. — Foi uma contravenção. Tive que ajudar a limpar, o que foi um saco. — Uma contravenção? — Eu o encarei. — Como isso não é encrenca? Hector riu, voltando-se para o seu caderno. — Contravenção não é uma acusação com a qual você realmente tenha que se preocupar. Eu definitivamente não entendia isso. Um momento se passou, e o olhar de Rider deslizou na minha direção. Seu sorriso era tímido. — Ok. Fiquei encrencado, mas nada sério. Santos realmente saiu em minha defesa, então não precisei encontrar uma forma de pagar o prejuízo. Foi por isso que tive que limpar. — Aposto que você não sabe que Santos fez um dos desenhos de Rider ser exposto em uma galeria na cidade, não é? — perguntou Hector. — Essa foi a parte sobre Santos defendê-lo. Disse a Rider que ele precisava produzir algo que pudesse ser exibido. Sabe, não em uma parede. Meu queixo caiu pela segunda vez. — O quê? — Cala a boca, cara. — Rider se inclinou para a frente, olhando para Hector. — Sério. Hector jogou a cabeça para trás rindo. — Onde? — perguntei. Paige deixou escapar um suspiro.
— Não é nada incrível. Só um grafite em tela. — É incrível, sim — falei. Sem pausas. Ela revirou os olhos. Rider balançou a cabeça e se concentrou no desenho. — Não importa. Eu achava que importava. — Isso é maravilhoso. Algo em meu tom atraiu o olhar dele para mim, e outro longo momento se passou entes de ele responder: — Está no City Arts. Ou estava. Não tenho ideia se ainda está à mostra. Eu queria ver se estava, porque isso era... isso era extraordinário. Muita coisa em Rider era igual a antes. A bondade, o inabalável instinto protetor. Mas havia tanta coisa que eu não sabia sobre esse novo Rider, mais velho. Balançando a cabeça, olhei de volta para meu discurso sem ver as palavras. Pensei no que Santos tinha dito. Fazia sentido. A vida era como fazer esse discurso. Não era necessariamente sobre o resultado final, e mais sobre a tentativa. Eu podia... Eu podia ao menos tentar. Quando a aula terminou, Hector anunciou: — Estou com fome. — Ok — respondeu Rider, enquanto eu enfiava o caderno na mochila. — O que exatamente você quer que eu faça sobre isso? Hector sorriu ao olhar para mim e piscou. — Quero que me tire daqui e me alimente. Rider bufou. — Podemos ir ao Firehouse. Estou a fim de comer hambúrguer com batata frita. De pé, Rider levantou os braços e se esticou. Sua camisa subiu, mostrando um pedaço da barriga. Meu olhar abaixou e se concentrou ali. Seu abdome inferior era inacreditavelmente duro. Definido. Bom. Muito bom. Com as bochechas corando, desviei os olhos e vi que Hector me flagrara. Droga! Eu precisava ser melhor em observar os garotos. Sem ser percebida.
Nem olhei para Paige para ver se ela me vira. — Você devia vir com a gente — sugeriu Hector. Pisquei. Ele estava falando comigo? Estava. Porque Rider abaixou os braços e olhou para minha cadeira, onde eu ainda estava sentada. — Quer comer alguma coisa? — Claro que ela quer — respondeu Hector. — Ela não recusaria a nossa companhia. Quem faria isso? Meu Deus, ele e Jayden eram muito parecidos. O sorriso de Rider era preguiçoso. — Então, o que acha? Minha mente avaliou as possibilidades. Além de Ainsley e da minha família, eu nunca tinha saído para comer com ninguém. Definitivamente, eu nunca tinha saído para comer com um cara, muito menos com dois. Carl e Rosa provavelmente iam pirar. Ok. Eles definitivamente iam pirar. Mas eu queria ir. Com o coração pulando no peito, eu me peguei aceitando. O sorriso de Rider ficou mais largo, e a covinha na bochecha direita abençoou o mundo mais uma vez. — Perfeito. Você quer uma carona? — ofereceu. — Já que sabemos para onde vamos? — Acho ótimo — emendou Hector. — Posso deixá-la de volta na escola mais tarde. Isso fazia sentido, então aceitei de novo. — Bom. — Rider fez uma pausa, seu sorriso chegando aos olhos. — Mas tem só uma coisa que você vai ter que fazer primeiro. Minhas sobrancelhas se ergueram. — Vai ter que se levantar. Saltei da cadeira. Paige falou enquanto também se levantava: — Não posso ir com vocês. Você sabe que tenho que cuidar da Penny às segundas. — Droga! — Rider passou os dedos pelo cabelo enquanto eu me perguntava quem era Penny. — Quer que eu leve alguma coisa para você e sua irmã comerem? Posso passar lá depois?
Ela inclinou a cabeça para o lado. — Você está falando sério? Você vai mesmo assim? Ah, não. Dei um passo para trás, jogando a mochila sobre o ombro. Isso não ia acabar bem. Nem um pouco. Rider olhava para a namorada quando nos falou: — Encontro vocês lá fora, ok? — Claro — murmurou Hector e, como não me movi, ele gentilmente segurou meu cotovelo. — Vamos. Deixei Hector me guiar para fora da sala. Nós não falamos, não durante todo o caminho. Eu queria comentar o que tinha acabado de acontecer, mas, como de costume, não disse nada enquanto nos aproximávamos do estacionamento. Não era difícil. Eu podia falar. Já havia falado na frente dele antes. Podia fazer isso agora. Era fácil. Apertando minhas mãos, concentrei-me nas costas das pessoas à nossa frente e fingi que estava falando com Carl ou Rosa. Ou mesmo Rider. As palavras se descolaram lentamente. De um jeito meio doloroso. — Talvez... eu não devesse ir. Pronto. Falei. Obrigada, Senhor. Se o fato de eu ter falado o surpreendeu, ele não demonstrou. — Não há nenhuma razão para você não ir. Parando junto de seu Escort, olhei para ele. Minúsculas bolhas de nervosismo agitavam meu estômago. Ficar de pé aqui fora, falando com ele, parada ali não era fácil, não importava que mentiras eu contasse a mim mesma. — Eu... consigo pensar... em uma grande razão. Um pequeno sorriso apareceu quando ele caminhou até a parte de trás do carro e jogou a mochila na mala. — Paige? Assenti. Ele riu, e não achei graça. Voltando para onde eu estava, ele se apoiou na porta do motorista. Um momento se passou. — Acho que Rider não sabe o que está fazendo. Acho que ele nunca sabe o que está fazendo.
Franzi a testa. — O que... você quer dizer com isso? Hector me estudou por um momento e dessa vez riu baixinho. — Só estou pensando alto. — Ele fez uma pausa e coçou o queixo. — Sabe, a esta altura, em qualquer outro ano letivo, Rider teria sido suspenso pelo menos duas vezes. Mas este ano, até agora, nada. Não gostei daquilo, mas fiquei feliz por parecer ser uma coisa do passado. — Ele também costumava sair para pintar todas as noites, quando não tinha que trabalhar — continuou ele, olhando para o caminho por onde Rider viria. — Ele realmente não passava tanto tempo livre com Paige, entende? Eu definitivamente não entendia. — Ele é respeitoso com minha abuelita, não me interprete mal, mas Rider sempre foi... — Sempre foi... o quê? — perguntei, tirando do rosto uma mecha de cabelo soprada pelo vento. Seu olhar verde-musgo se voltou para onde eu estava. — Ele sempre esteve aqui, mas meio ausente. Eu sabia o que isso significava. Meu peito se apertou, e eu olhei para o asfalto manchado de óleo. Aqui, mas meio ausente. Existindo, mas não vivendo. Eu conhecia o sentimento. Eu o experimentara durante muitos anos. Alguns dias parecia que eu ainda estava usando esse sentimento como uma jaqueta pesada e apertada. Não sabia que Rider sentia o mesmo, ou que os outros haviam notado isso a seu respeito. E isso... Bem, isso me deixou triste. — Aí vem ele. — Hector desencostou do carro. Erguendo os olhos, vi Rider correndo pelo caminho. Ele diminuiu o ritmo ao se aproximar do carro. Paige não estava com ele. Procurei em seu rosto alguma pista do que havia acontecido enquanto Hector entrava no carro. Seu queixo era uma linha firme. Minha garganta ficou seca. — Está... está tudo bem? Rider franziu a testa. — Sim. — Talvez eu... — Não. — Ele deu um passo na minha direção, com o queixo abaixado. —
Sei o que você vai dizer. Não. O que aconteceu lá dentro não tem nada a ver com você. Fiquei parada. — Teve... teve tudo a ver comigo. Rider desviou o olhar, um músculo saltando em seu maxilar. — Você está certa. De certa forma, sim. Mas isso não muda o fato de Hector ter convidado você ou de eu querer que venha com a gente. A janela se abriu, e Hector colocou a cabeça para fora. — Vamos? Olhei para Rider, ainda sem ter certeza. Por favor. Ele não falou, apenas desenhou as palavras com a boca. Eu fui. *** Vinte minutos depois, eu estava em um pequeno restaurante a apenas um quilômetro da escola, mais ou menos. Pela aparência, o lugar já tinha sido um quartel de bombeiros, o que, obviamente, explicava o nome Firehouse. O restaurante era velho — das fotos vintage penduradas na parede até as cabines de vinil vermelho. Havia uma atmosfera caseira, como se a qualquer momento você fosse ouvir a senhora atrás do caixa gritar com o filho, que estava cozinhando. Eu não tinha ideia se era assim mesmo, se era um negócio de família ou se a mulher com ar infeliz sentada em um banquinho tinha algum filho, mas era a sensação que o ambiente passava. Gostei. Todos nós pedimos praticamente a mesma coisa: hambúrguer e batata frita. Rider e eu acrescentamos queijo. Hector acrescentou todos os temperos do mundo. A comida era deliciosa, muito melhor depois de eu ter me obrigado a comer aquela carne misteriosa do almoço. Eu estava feliz por ter decidido ir. Era quase como se não tivesse havido motivo para eu não ter ido. Eu estava me divertindo, ouvindo os garotos implicarem um com o outro. Às vezes, Hector começava a falar em espanhol e Rider respondia igual. Tenho a impressão de que eles estavam se xingando. Aprendi que cállate significava cala a boca, o que eles diziam muito um ao outro.
Deixei meu telefone na mochila. No caminho, eu tinha enviado uma mensagem para Rosa avisando que iria comer alguma coisa com amigos e depois voltaria para casa. A mensagem — uma mensagem que milhões de adolescentes normais provavelmente enviam todos os dias, mas que era novidade para mim — me deixou um pouco tonta e pus o aparelho no silencioso para que eu não ficasse agitada se Rosa tentasse entrar em contato comigo. Meu telefone tinha vibrado na bolsa cerca de quinze minutos depois. Eu não precisava olhar para saber que era ela ou Carl. Quando eu chegasse em casa, diria a eles que estava dirigindo e não podia atender. Eu me sentia mal — pela parte da mentira. Evidentemente, isso não impediu que eu me divertisse. Hector se recostou no banco e bateu na barriga chapada. — Ah, cara, estou satisfeito. Eu poderia viver comendo só os hambúrgueres daqui. Ao meu lado, Rider bufou. — Pelo tanto que você come aqui, já deve viver. — Nem tanto — respondeu ele, sorrindo enquanto chegava para a frente, deixando os braços caírem sobre a mesa. — Eu como coisas diferentes aqui. — Como o quê? Ele revirou os olhos. — Vejamos. Eu como o sanduíche de carne. Eu sorri. — Isso é praticamente a mesma coisa que um hambúrguer — disse Rider, recostando-se e apoiando o braço nas costas do banco. — Tente de novo. Seus olhos se estreitaram. — Eu como os anéis de cebola. — Isso não conta. — Rider cutucou meu ombro. — Conta? Balancei a cabeça. — Você não está ajudando — respondeu Hector, pegando uma batata frita do meu prato. Tão. Parecido. Com. Seu. Irmão. Rider riu, remexendo-se no banco ao meu lado. — Você tem trabalho esta noite? Hector balançou a cabeça. — Não. Mas amanhã, sim. — Onde... você trabalha? — perguntei.
— Em um lugar muito legal — respondeu ele, de pronto. Olhei para ele, que sorriu. — No McDonald’s. — É por isso que você talvez pensasse que ele gostaria de comer algo diferente de hambúrgueres — emendou Rider. — Os hambúrgueres do Firehouse não são iguais aos do McDonald’s. Nem acredito que estamos tendo esta conversa. — Hector olhou para mim. — Enfim, comecei lá há mais ou menos um ano. Era o lugar mais rápido e mais fácil de se conseguir emprego. O seguro social de minha abuelita não estava dando conta. Senti os dedos de Rider roçarem meu cabelo quando ele disse: — A Sra. Luna também trabalha. Em tempo integral. — Estou tentando fazer Jayden se candidatar a uma vaga. — Hector levantou a mão, passando os dedos pelo cabelo. — Ele pode trabalhar lá aos 15 anos, desde que tenha permissão. — Fazendo uma pausa, ele olhou para Rider. — Mas não estou tendo muito sucesso. Ele quer tudo fácil e rápido, só que tudo que vem fácil é uma merda. Rider ficou em silêncio, mas eu senti que havia um monte de palavras não ditas. Eles estavam planejando se encontrar com alguns caras para jogar basquete, por isso fomos embora pouco depois disso, e Hector me levou de volta até o meu carro. Ainda havia alguns no estacionamento. Os treinos de futebol e das líderes de torcida estavam rolando, e dava para ouvir seus gritos ao longe. Rider saltou do carro, dando a volta por trás para se juntar a mim. Ele esperou que eu abrisse minha porta. — Obrigado por ter ido. Foi... foi bom. Erguendo os olhos, fiquei surpresa ao ver que suas bochechas estavam... vermelhas. Ele estava corando outra vez, mas não entendi por quê. Eu tinha começado a entender que isso acontecia quando ele era elogiado ou quando davam atenção à sua arte. Ele não se sentia confortável com isso, mas não entendi o que o deixava desconfortável agora. Ele passou os dedos em torno da borda da porta do carro enquanto eu jogava minha mochila no banco da frente. — Então, é... obrigada. Sorri para ele, e Hector bateu na lateral de seu carro. — Obrigada... por me deixarem acompanhar. Ele abaixou o queixo.
— Você não estava só acompanhando. Você estava lá com a gente. Meu sorriso ficou mais largo. Eu gostei de como aquilo soou, então me lembrei do que Hector dissera mais cedo. — E você também. Rider piscou e, em seguida, disse baixinho: — Sim, eu estava. Olhei por cima do ombro. — Eu... sinto muito por Paige. — Eu... — Nossos olhares se encontraram e se sustentaram por um longo momento antes de ele desviar o olhar. — Eu também. Sem ter ideia de como responder, eu me sentei atrás do volante. — Ei! — gritou Hector e depois bateu na lateral de sua porta. — Eles vão começar sem a gente. Rider começou a fechar minha porta, mas então se abaixou. Nossos olhares se encontraram de novo. Uma eternidade se passou, e, em seguida, ele se inclinou. Meu coração disparou quando seus lábios roçaram minha testa, demorando-se por alguns segundos. — Eu provavelmente não devia ter feito isso — sussurrou ele tão baixinho que me perguntei se ele tinha dito mesmo ou se fora minha imaginação. Mas, então, acrescentou mais alto: — Vejo você amanhã, Ratinha.
CAPÍTULO 16
— Mallory, você pode descer aqui? Meu estômago se revirou ao som da voz de Carl. Ele tinha chegado do hospital antes de Rosa e não perdeu um segundo antes de chamar meu nome assim que entrou pela porta. Olhei para a mesinha de cabeceira e vi que eram quase nove horas. Parte de mim quis fingir que estava dormindo, e eu sabia que, se ele fosse ao meu quarto e achasse que eu estava mesmo, não me acordaria. Mas isso era coisa de covarde, especialmente quando eu tinha feito a escolha de sair com Rider e Hector. Pulando da cama, desci as escadas, os dedos torcendo meu cabelo. Meu coração batia disparado no peito. Eu não iria mentir, disse a mim mesma. Se Carl perguntasse com quem eu estava, eu diria a verdade. Porque, por mais piegas que isso soe, eles mereciam a verdade. Mas eu estava petrificada. Carl estava na cozinha, pegando uma garrafa de suco da geladeira. Estava usando uniforme. — Não vou fazer rodeios com você, Mallory. Fiquei surpreso quando Rosa mandou uma mensagem dizendo que você pretendia comer com amigos depois da escola. Cruzando os braços sobre o peito, eu o observei pegar um copo no armário. — É tão estranho... pensar que eu faria isso? Ele olhou para mim por cima do ombro, a sobrancelha levantada. — Com Ainsley, não. Mas, nesses quatro anos em que você está conosco, Ainsley foi a única pessoa com quem você se sentiu confortável o suficiente com quem passear. — Ele fez uma pausa enquanto servia suco vermelho no copo. — E você não atendeu seu telefone quando liguei.
— Eu... estava dirigindo. — Eu era uma mentirosa. — E depois me esqueci. Quando cheguei em casa, comecei o dever de casa. — Não era uma mentira grave, e, enquanto ele fechava o suco, não pareceu que a declaração tenha causado suspeita. — Com quem você estava? — perguntou. Eu queria mentir, mas também não queria. Estranho. Mordendo o interior da bochecha, me preparei. — Eu estava... com Rider. A cabeça de Carl virou na minha direção tão rápido que me lembrei de O Exorcista. — Rider? — repetiu ele. Eu enrijeci toda e mal consegui assentir enquanto lutava para fazer o ar passar pela minha garganta, que parecia lacrada. — Rider e o amigo dele... Hector. Fomos ao Firehouse… — O Firehouse Grill? — perguntou Carl, as sobrancelhas descendo. — Isso não fica numa parte muito boa da cidade, Mallory. Eu não achava que aquela parte da cidade fosse tão ruim. — Nós só comemos hambúrgueres e... então eu vim para casa. Foi... divertido. Carl tomou um gole de seu suco enquanto me olhava por cima da borda do copo. — Quem é Hector? Ao explicar quem era Hector, fiquei mais e mais consciente do desagrado de Carl. — Ele é muito legal. Trabalha no McDonald’s e tem um irmão mais novo chamado Jayden, que é muito engraçado. Sua avó, a Sra. Luna, acolhe Rider. — Eu divagava, balançando de um pé para o outro. — E todos nós estamos na aula de oratória. Rider vai me ajudar... — Ele está ajudando você com o discurso? — Ele parecia duvidar. Assenti e acrescentei: — Sim. Ele... ele sabe que tenho dificuldade com essas coisas e, mesmo que eu não tenha que fazer o discurso em sala, eu... ainda tenho que treinar. Vamos treinar na quinta, depois da aula. Ele pareceu parar de respirar. — Você fez planos com ele sem nos consultar? Oh-oh. Eu me balancei de novo.
— Eu... não achei que tivesse problema. Preciso de ajuda nisso. — E Ainsley não pode ajudá-la? Duplo oh-oh. — Rider é da minha turma, por isso... faz sentido treinar com ele. — E aquela menina, Keira? — rebateu ele depressa. — Ela não é da sua turma de oratória? Droga! Ele lembrava que eu tinha dito isso. Claro que lembrava, mas eu tinha um bom motivo para não ter pedido a Keira. — Seria... Seria muito constrangedor treinar na frente dela, e Rider sabe como... como eu sou. Carl abriu a boca, mas logo a fechou, colocando o copo no balcão. Ele entendia. — Não estou exatamente animado com isso. Você não via esse garoto há anos, mas sai para comer com ele e agora ele vai ajudá-la a estudar. Engoli em seco. — Mas... mas ele é meu amigo... e isso é normal. — Não para você. Eu vacilei e dei um passo para trás. Não para mim. Nunca para mim. A tontura que senti depois de enviar aquela mensagem tão normal para eles desapareceu. O sentimento não durou, porque o normal nunca era para mim. — Não era isso que eu queria dizer — acrescentou ele rapidamente, estendendo a mão e a colocando no meu ombro. — E sinto muito que tenha saído assim, mas você não o conhece, Mallory. Não mais. — Eu o conheço — insisti, olhando para cima e encontrando seu olhar, enquanto afastava aquela dor momentânea. — Ele é uma boa... pessoa. — Não estou dizendo que ele não seja. — Carl baixou a mão e suspirou, virando-se para o lado e soltando o pager da cintura. — Pelo menos, espero que ele seja. Nunca conhecemos as pessoas, às vezes nem mesmo da família. As pessoas mostram o que querem que você veja. Lembre-se disso. Não entendi o que ele quis dizer com isso. Quero dizer, eu entendia. Afinal, os assistentes sociais não sabiam como o Sr. Henry e a Srta. Becky realmente eram. Eles escondiam bem, mas o que Carl realmente sabia? Ele continuou: — Quero que tome cuidado, Mallory. Os cantos dos meus lábios começaram subir.
— Ok. Carl me estudou por um instante e então assentiu. — Onde vocês vão estudar na quinta-feira? Dei de ombros. — Acho que aqui? Suas sobrancelhas se ergueram de novo. — Não se me sinto confortável com você sozinha aqui com ele — disse Carl, e fiquei grata a mim mesma por não ter contado a ele que Rider já estivera ali quando eles não estavam em casa. — Mas, também, não fico exatamente confortável com você em qualquer lugar. — Com ele? Ele balançou a cabeça e sorriu de leve. — Com qualquer garoto, Mallory. Minhas bochechas ficaram quentes. — Nós só... vamos estudar, e ele tem namorada, lembra? — Meu peito ardeu quando pronunciei essas palavras, porque pensei no modo como Rider havia beijado minha testa mais cedo, dizendo depois que não devia ter feito aquilo. E realmente não devia. Mesmo que um beijo na testa fosse inocente, não estava certo. — Eu sei. — Ele apertou o nariz entre os olhos. Alguns momentos se passaram, e fiquei inquieta. — Tenho dever de casa — avisei. Carl baixou a mão. — Não fique acordada até muito tarde. — Quando comecei a me virar, ele me parou. — Obrigado por me dizer a verdade sobre com quem você estava. Meu cérebro se contraiu, porque eu tinha mentido sobre não ter atendido o telefone, mas forcei um sorriso. E, então, praticamente corri para o meu quarto. Carl tinha me agradecido, mas era óbvio que não estava feliz por eu sair com Rider. Ou talvez fosse só porque Rider era um garoto. Eu esperava que fosse só porque ele era um garoto, e não porque Carl tivesse algo contra Rider. Eu não podia sequer imaginar por que ele teria, mas a verdade é que eu realmente não conhecia esse Rider muito bem. Carl estava certo sobre isso, mas ele não podia ser tão diferente do Rider que eu tinha amado na infância. Eu tinha certeza disso.
*** Rider me acompanhou até o carro depois da aula de oratória, no dia seguinte. No entanto, ele estava quieto. Não falou muito enquanto abria a porta de trás e jogava a mochila no banco. Eu estava preocupada que tivesse algo a ver com o que aconteceu entre ele e Paige e o beijo na minha testa, do qual eu sabia que ele devia estar arrependido. Ou talvez tivesse a ver com o fato de Paige não ter ido à aula. Com as chaves na mão, fechei a porta e olhei para ele. Rider deu um passo para o lado e abriu a porta do motorista para mim. Murmurei um agradecimento e comecei a entrar. — Ei — disse ele, olhando para o asfalto manchado. — Eu estava pensando em quinta-feira. — Seus cílios se levantaram, e o ar deixou lentamente meus pulmões. — Ainda está de pé, Ratinha? Minha resposta foi imediata, mesmo que meu estômago tenha se revirado. Assenti. — Sim. Seus lábios se curvaram para cima. — Sério? — Ele pareceu surpreso, e não entendi por que nem me permiti pensar na conversa com Carl na véspera. — Legal. Estou ansioso. Eu também estava, mas essas três palavras ficaram congeladas no nó de expectativa e entusiasmo. Rider queria passar algum tempo comigo. Caramba, isso foi como um alerta vermelho. Eu precisava muito falar com Ainsley imediatamente. Rider sorriu e enfiou a mão no bolso da calça jeans. — Ok, então. — Ok. — Eu consegui sussurrar. Ele baixou o queixo e começou a se afastar, mas depois parou. Como na véspera, baixou a cabeça e encostou os lábios na minha testa, e, também como no dia anterior, eu senti um arrepio leve dos seus lábios até os dedos dos pés. Meu coração se juntou a meu estômago, e tudo em mim se revirava. Rider se endireitou e deu um passo para trás, batendo com o caderno na calça. — Vejo você amanhã. E, ao contrário da véspera, ele não disse que não devia ter feito aquilo.
Quando cheguei em casa, um aroma picante me atraiu para a cozinha. Meu estômago roncou, e eu poderia ter começado a babar no momento que vi as enchiladas de queijo esfriando em cima da bancada. Estavam banhadas em molho de queijo caseiro. Meu favorito. Largando a mochila no chão, saltei até Rosa, que botava os pratos na mesa. Eu a abracei por trás e apertei. Rosa se virou rindo. — É o queso, não é? Assentindo, soltei os braços e recuei. Minha barriga roncou de novo quando Carl levou a assadeira para o centro da mesa da cozinha. Eu queria enfiar o rosto ali e comer tudo. — Olá — cumprimentou Carl, erguendo os olhos e jogando a luva de forno em uma gaveta aberta. — Como foi a escola? — Legal. — Lavei as mãos e, em seguida, peguei um refrigerante na geladeira. Carl estreitou os olhos para minha escolha de bebida, mas não disse nada. Ainda bem, porque teria que arrancar a Coca-Cola dos meus dedos frios e sem vida. Rosa sorriu enquanto prendia uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Fizemos salada. Não deixe de comer também. Salada? Quem ia querer salada quando eu tinha enchiladas cobertas com queijo? Por favor! Meu olhar deve ter traído meus pensamentos, porque a tigela de salada magicamente foi parar mais perto do meu lugar. Quando me sentei à mesa, um pensamento horrível me ocorreu. Será que Rider tinha jantares quentinhos à sua espera quando chegava da escola ou da oficina? Hector dissera que sua avó ainda trabalhava. Será que os meninos tinham que se virar sozinhos? Rosa pegou duas enchiladas e as colocou no meu prato. Será que ele tinha refeições como esta? Alguém servindo a comida em seu prato? Não saboreei as enchiladas como faria normalmente, e o bate-papo entre Rosa e Carl, a facilidade e o calor pareceram maiores pelo reconhecimento de como eu era incrivelmente sortuda. Não que eu não tivesse percebido isso todos os dias desde que Carl entrou no meu quarto de hospital, mas esta noite eu sentia como... como se realmente precisasse reconhecer isso mais vezes. Eu tinha sorte. — Você deu uma olhada nos papéis que deixei no seu quarto esta manhã?
— perguntou Carl. Papéis? Meus pensamentos vagaram até que percebi que ele falava dos panfletos sobre os departamentos de bioengenharia e biologia da Universidade de Maryland. Eu não tinha olhado, então balancei a cabeça. Carl apertou os olhos enquanto levantava o copo. — Você tem aceitação prévia na UM, então temos tempo, mas escolher o curso principal é importante. Você realmente precisa levar isso a sério. Considerando que eu tinha vários anos antes de realmente precisar fazer isso, eu achava que estava levando a sério. — Preciso ter certeza de que você ainda está focada no seu objetivo final — continuou ele. — Escolher o curso vai decidir todo o seu futuro. Meus olhos se arregalaram. Aquilo soou intenso. — Os primeiros dois anos de faculdade são muito importantes para garantir acesso antecipado aos programas de medicina e pesquisa do George Washington. — Rosa sorriu, como sempre fazia quando falava do George Washington. Ela era ex-aluna, assim como Carl. E esse tinha sido o plano de Marquette. Ir para a UM e, em seguida, obter acesso antecipado para o George Washington. — Entrar em qualquer programa de pós-graduação relacionado a medicina ou ciência não será fácil. O planejamento começa muito antes de iniciar seu primeiro ano. Eu me remexi desconfortavelmente enquanto me concentrava no prato. Tentar me imaginar estudando bioengenharia ou química meio que me deixava estressada. Não que eu não fosse capaz disso. Eu gostava de pensar que era inteligente o bastante, mas... Isso não me empolgava. Houve uma pausa, e Rosa disse: — Posso lhe perguntar uma coisa, querida? Assenti mais uma vez. Ela pôs um braço na mesa e se inclinou para mim. — É isso que você quer fazer? Meu coração disparou. Essa foi a primeira vez que me fizeram essa pergunta. Eu me recostei na cadeira, sem ter certeza de como responder, porque eu não sabia. Se eu não seguisse esse plano, que plano teria? O que eu queria fazer? Eu sabia que queria fazer algo que ajudasse os outros. Um trabalho que tivesse significado no fim do dia. Eu sabia que queria isso porque tinha recebido uma segunda chance enorme. Queria que isso significasse alguma coisa. Mas passar a vida em um laboratório não era a
única coisa que ajudava as pessoas. Havia policiais, psicólogos, assistentes sociais, professores e... Serviço social. Senti uma cambalhota na boca do estômago que parecia empolgação. Serviço social? Pisquei uma vez e depois duas. Algo sobre isso parecia certo. Como se fizesse todo sentido para mim, que havia crescido no sistema, querer retribuir. Esse tipo de trabalho seria superdifícil, ver aquele tipo de coisas com que os assistentes sociais tinham que lidar, mas e se eu pudesse impedir que o que aconteceu com Rider e comigo acontecesse com outra criança, ajudá-los a saber que são notados, queridos e amados? Isso significaria algo no fim do dia. Isso significaria algo na vida. Respirando fundo, abri a boca. — É claro que é isso que ela quer fazer. — Carl riu. — Sempre falamos disso. Rosa arqueou a sobrancelha. — Se ela quisesse isso, acho que teria dado uma olhada nos panfletos. Carl estreitou os olhos. Eu me contorci um pouco mais. — Eu... tenho interesse nisso, mas há algumas... outras coisas que quero considerar. Ele apertou mais os olhos. — Como o que, Mallory? Meus dedos se apertaram em torno do garfo. — Serviço social, talvez? — Serviço social? — Carl riu outra vez. — Você nunca vai conseguir pagar os empréstimos estudantis necessários para se formar. Franzi os lábios, e Rosa lançou um olhar para ele. — O que foi? — Ele balançou a cabeça. — Ela nem estava falando sério. Enfim, tem mais uma coisa de que precisamos falar. Cortei um pedaço grande de enchilada enquanto a conversa ia de cursos universitários para outro tópico que eu também queria evitar. — Carl me contou sobre amanhã — anunciou Rosa, enquanto eu freava uma garfada no meio do caminho até minha boca. O segundo round estava prestes a começar. — E eu acho que é... uma boa ideia. Hã? Meu olhar correu para Carl. Ele estava cortando sua enchilada com o garfo
em movimentos curtos e irritados. — Mas eu quero pedir um favor — continuou ela, e continuei parada. — Tente marcar o estudo em dias que estejamos em casa. Caramba. Rosa sorriu para mim. Carl continuava devorando sua comida. E eu finalmente levei o garfo à boca. Ok. O segundo round não estava acontecendo. Depois do jantar, arrumei a cozinha e guardei as sobras na geladeira. Seriam perfeitas para o dia seguinte, quando eu — ai, meu Deus — estivesse com Rider. Em seguida, peguei minha mochila e subi as escadas. Carl e Rosa estavam na sala de estar, e eu podia ouvir a música do programa Jeopardy. No meu quarto, abri meu laptop e cliquei no aplicativo de mensagens. Ainsley estava on-line. Clicando no ícone dela, enviei uma mensagem. Tá aí?
Uma bolha apareceu abaixo e, em seguida, sua resposta: Sempre.
Levei o laptop até minha cama e me sentei, apoiando-o no colo. Eu preciso do seu conselho. Eu sou sua mestra ninja. Rider vai vir para cá amanhã depois da aula para me ajudar com meu discurso, e eu não tenho certeza
Fiz uma pausa. Essas coisas. A bolha apareceu imediatamente.
se eu deveria ter refrigerante e comida extra.
Peraí. Volta. Rider vai na sua casa amanhã?
Eu sorri, porque praticamente podia ver seu rosto. Sim. Carl e Rosa sabem?
Aquele sorriso desapareceu, e meu estômago se embrulhou. Sim.
Fiz uma pausa. Carl não ficou muito feliz com isso, mas Rosa parece ok. Mallory Dodge!!! Estou tão orgulhosa de você! Você não é mais uma rebelde. KKKK.
Meus dedos voaram sobre o teclado. Devo ter refrigerante ou comida? Você normalmente já tem isso em casa mesmo. Então, sim? Eu acho.
Ainsley estava certa. Eu já tinha essas coisas e estava sendo idiota, mas, enquanto eu olhava para a sua mensagem, me perguntava se era inteligente trazê-lo aqui. Talvez estudar na minha casa fosse muito... muito íntimo e não fosse a melhor ideia. Por mais que Paige tivesse sido uma completa imbecil comigo, tivera bons motivos para isso. Rider vir à minha casa seria apenas mais um motivo para ela não gostar de mim. Minha mente avaliou as possibilidades. Poderíamos simplesmente ir à biblioteca. Eles tinham salas de estudo privadas. Estudar lá resolveria o problema do que servir. Não haveria nenhum retoque de maquiagem. Isso provavelmente era outra coisa boa. Eu não era muito boa em passar maquiagem, e meu rosto não estava acostumado àquilo. Ainsley, por sua vez, poderia ensinar uma ou duas coisinhas às vloggers de beleza. Satisfeita com a minha decisão, relaxei. Acho que vou perguntar se podemos ir à biblioteca.
Um momento se passou antes que ela respondesse. Hum. Por quê? Só acho que é mais inteligente,
respondi depois de alguns segundos.
não ia ficar feliz de ele vir na minha casa.
A namorada dele
Quem se importa com a namorada dele? Ainsley!!! Estou brincando,
ela digitou de volta.
Mas, se isso fosse um problema, ele não teria
concordado em ir até a sua casa desde o início.
Bom argumento. Só é mais fácil ir à biblioteca.
A bolha reapareceu. Você é esquisita, mas eu ainda te amo e tenho uma pergunta para você. Uma pergunta séria. Muito séria.
Minhas sobrancelhas se ergueram. Ok. Você gosta do Rider? Tipo gosta mesmo dele?
Os embrulhos no estômago estavam voltando, mas por um motivo bem diferente. Eu gosto dele, gosto dele? Os embrulhos diziam muita coisa, mas falar tornaria aquilo real, algo que eu não poderia apagar. E eu não podia tornar aquilo real. Eu gostava do Rider, gostava dele de verdade, de uma forma muito diferente de quando éramos crianças. Era como ter 12 anos de novo, mas a quedinha dessa vez era muito mais forte. E eu sabia que não era certo ter esses sentimentos. Ele tinha namorada e não importava quanto eu gostasse dele, isso não mudaria. Eu estava bem com isso. Tinha que estar. O que eu estava começando a perceber era que o que eu sentia por ele pertencia somente a mim. Era algo só meu, e mais ninguém precisava saber disso. Expirei lentamente. Eu não respondi, mas Ainsley mandou: Foi o que pensei.
Esperei que ela dissesse mais e, como não o fez, digitei:
Você ainda está aí?
Um ou dois minutos se passaram, e, em seguida, sua bolha apareceu. Desculpe. Mamãe estava aqui para se certificar de que eu não estava marcando encontros com caras de 30 anos aleatórios no Facebook.
Sabendo que ela não estava brincando, eu ri. Outra mensagem de Ainsley apareceu. Me escreva para me contar como vai ser amanhã. Vou precisar de algum entretenimento enquanto espero no consultório médico.
Fiz uma careta e rapidamente digitei de volta. Que médico? Mamãe vai me levar ao oftalmologista para fazer óculos novos. Você não fez óculos novos no ano passado? Sim, mas acho que a receita não está certa. Meus olhos são uma droga. Além disso, acho que eu preciso de prescrição para óculos escuros. O sol é tããããão brilhante. De qualquer forma, estarei entediada esperando, por isso quero atualizações.
Estiquei as pernas. Não tenho certeza se vai ter alguma atualização emocionante. Oh, deve ter.
Ela acrescentou um rosto sorridente. É melhor que tenha.
Deixando o laptop de lado quando a conversa terminou, joguei as pernas para fora da cama e caminhei até a mesa, onde eu tinha deixado minha bolsa. Peguei meu telefone e abri as mensagens. Mordi o lábio enquanto mandava uma mensagem rápida para Rider sobre o treino na biblioteca. Feito isso, deixei o telefone na mesinha de cabeceira e, então, peguei o livro de história e me concentrei nos estudos. Só por volta de nove horas meu
telefone apitou. Peguei-o e vi que era uma mensagem de Rider. EstĂĄ bem, respondeu ele. Por alguma razĂŁo, eu me perguntava se estava mesmo.
CAPÍTULO 17
Quinta-feira tornou-se oficialmente o dia que não teria fim. As horas se passavam lentamente, e eu me transformei em uma aberraçãozinha nervosa quando saí da aula anterior à de oratória e Rider não estava me esperando. Imediatamente, meu cérebro entrou no modo de pior cenário possível. E se Rider não estivesse na escola? E se ele na verdade não quisesse me ajudar com meu discurso? E se ele desistisse? E se não quisesse comprometer seu relacionamento com Paige? Todas essas coisas pareciam possibilidades muito reais. Corri para a sala e me sentei lá no fundo, os olhos grudados na porta. Paige entrou, e eu quase não a reconheci. Ela estava com uma calça larga de moletom preta e uma camisa muito grande. Seu cabelo estava preso no alto da cabeça em um rabo de cavalo, não tão arrumado quanto antes. Enquanto ela se aproximava, pude ver que seus olhos estavam ligeiramente inchados. Ela ocupou seu lugar e, enquanto deixava a mochila cair no chão, virou a cabeça para mim. — Está olhando o quê? Corando, lancei meu olhar de volta para a frente da sala. — Vaca idiota — murmurou ela, e eu me encolhi. Uma resposta malcriada se formou na minha língua, mas desapareceu aos poucos. Apertei os lábios, inspirando pelo nariz. Quem apareceu em seguida foi Hector. Ele entrou, sorrindo para algo que Keira dizia. Meu peito ficou apertado diante da facilidade com que ela falava com ele e ria. Deus, eu queria ser assim. Minha garganta ficou mais apertada, e eu disse a mim mesma que, se Rider
não aparecesse, não seria algo pessoal, embora eu soubesse que ia levar para esse lado. Quando eu estava prestes a esconder o rosto na mesa, Rider entrou na sala, o caderno na mão e um sorriso sonolento nos lábios. Claro. Ele não tinha desistido. A tensão se estendeu pelos meus ombros, e eu decidi que precisava dar um jeito de aprender a lidar com isso. — Oi. — Hector acenou para Rider quando ele passou pela sua mesa. Rider murmurou uma resposta e depois se sentou. Ele se inclinou na direção de Paige, falando baixo demais para que eu ouvisse. Eu a vi balançando a cabeça. Ele pôs a mão em seu braço. A surpresa me atravessou quando ela se afastou. Ela bateu com o livro sobre a mesa, e pensei tê-lo ouvido suspirar. Ele olhou para mim. — Ei, Ratinha. — Oi — respondi baixinho. E isso foi tudo o que eu disse a ele durante toda a aula, o que provavelmente não era um bom presságio. De repente, eu estava tão incrivelmente nervosa enquanto guardávamos nosso material no fim da aula e Rider esperava por mim. — Nós vamos direto? — perguntou. Assenti, notando que Paige já tinha saído da sala. Ele arqueou uma sobrancelha e não disse nada enquanto saíamos, acenando para Hector e Keira. Foi bom que eu estivesse dirigindo, porque poderia me concentrar nisso, e não no surto interior que estava acontecendo. Nós íamos à biblioteca, que ficava a cerca de vinte minutos de carro da escola, e os nós dos meus dedos já estavam brancos no instante que saímos do estacionamento. Rider percebeu. Claro. — Você está bem? — perguntou. Assenti e pigarreei. Eu queria perguntar a ele sobre Paige, mas minha garganta estava fechada. Tão estúpida. Nunca tive esse problema com ele, mas eu estava muito presa na minha mente. Precisava fazer minha boca funcionar. — Está... está tudo bem entre... você e Paige? — Foi doloroso, mas consegui fazer as palavras saírem. Ele hesitou por um momento.
— Na verdade, não. — Você... quer falar sobre isso? — perguntei. — Não. — Ok — murmurei. — No momento, quero falar sobre qualquer coisa que não seja isso — acrescentou ele. — Ok? Apertei mais forte o volante quando ergui os olhos para o sinal vermelho. Eu podia fazer isso mesmo que estivesse mais que curiosa sobre a situação com Paige. Mas havia muita coisa que eu queria saber sobre ele. — Como... você...? — Olhei para o sinal vermelho outra vez, mentalmente desfiando um rosário de palavrões até minha língua destravar. Eu estava tão nervosa que parecia a mesma de dois anos antes. — Como você começou a trabalhar na... na oficina? Ele não respondeu de imediato, porque eu provavelmente o peguei desprevenido com a aleatoriedade da pergunta. Corei e apertei o volante. — Eu... eu só estava pensando nisso. Então pensei em perguntar. Desculpe. — Não. Não, está tudo bem. — Quando olhei, ele olhava pelo para-brisa. — A Razorback Garage fica a uma quadra de onde moro. Então eu via o proprietário, Drew, com frequência. Nós nos falávamos sempre que nos cruzávamos, sabe? Às vezes eu ia passar um tempo na oficina, porque eles tinham um detalhista que fazia um trabalho incrível. Enfim, há cerca de um ano, mais ou menos, fui preso por pichação... sem relação com o lance da escola. — Você... foi preso um bocado de vezes — comentei, virando à direita. — Ah. Sim. Parece que sim. Enfim. Drew ficou sabendo. Então, quando o vi outra vez, ele me pediu para lhe mostrar alguns dos meus desenhos. E eu mostrei. Ele gostou. Achou muito legal. O resto é história. Eu parei em outro sinal. — Isso é realmente... incrível. — Tive sorte — respondeu ele, sorrindo. — Drew me paga muito bem. — Porque você é realmente muito bom no que faz — argumentei. A covinha apareceu. — Eu poderia, hum, lhe mostrar alguns dos meus trabalhos na oficina se você quiser... Quero dizer, não é tão emocionante assim e você provavelmente gostaria de fazer outra coisa, mas...
— Eu adoraria. — Meu coração estava aos trancos. Sua covinha se demorou ali por causa da minha resposta. — Você... poupa o dinheiro do trabalho? — perguntei. — Não. Gasto tudo com bebida e garotas. Eu lancei um olhar para ele. Rider riu. — Sim, eu guardo o dinheiro. Tenho 18 anos, vou me formar em maio. Preciso pensar no futuro. Tenho que arrumar um lugar. Os cheques vão parar de chegar, e, embora eu saiba que a Sra. Luna não me botaria para fora, não é certo. Ela vai ter que acolher outra criança. Na biblioteca, entrei no estacionamento e procurei uma vaga. — E quanto à faculdade? — Ah, não vejo isso na minha lista de coisas a fazer. — Por quê? — Eu não entendia. — Você é... muito inteligente. A faculdade provavelmente vai ser moleza para você. Ele se remexeu no banco. — Eu não sei. É muito caro, Ratinha, e não estou guardando tanto dinheiro assim. — Mas existem bolsas e auxílios. — Encontrando uma vaga nos fundos, entrei nela e desliguei o carro. Olhei para ele. — O que você acha? Um músculo se retesou em seu queixo. — Sim, eu sei, mas... eu só não vejo isso no meu futuro. Quero dizer, droga, as pessoas provavelmente morreriam de choque se eu fosse parar na faculdade. Franzi a testa. — Eu não. Ele olhou para mim enquanto soltava o cinto de segurança, e seu sorriso ficou mais largo. — Você mudou. Muito. Mas ainda há coisas em você que são iguais. Eu não tinha certeza se isso era bom ou ruim. Rider estendeu a mão e soltou o meu cinto de segurança. — Você nunca viu o que todo mundo vê quando se trata de mim — explicou. Agora eu estava confusa. — O que isso quer dizer? — Você acha... Eu não sei. Que eu sou algo que não sou. — Esticando o
braço para trás, ele pegou minha bolsa no banco. — Você me vê como um príncipe encantado. Do que ele estava falando? Eu o vi abrir a porta do carro e saltar com minha mochila na mão. Congelada por um momento, tirei as chaves da ignição e corri atrás dele. — Eu não acho que você é um príncipe encantado. Rider me lançou um olhar de lado demorado. — Você é praticamente a única pessoa que acredita que meu nome e faculdade podem estar juntos na mesma frase. Eu tive que acelerar o ritmo para acompanhar suas pernas compridas. — Isso é ridículo. Ele me olhou com cautela quando abriu a porta. — Tanto faz. — Não, tanto faz, não. — Parei do lado de dentro das portas e olhei para ele. Ele parecia ter parado no meio de um movimento, a caminho da entrada principal. — Você poderia ir para a faculdade se quisesse. Seu nome e faculdade... fazem todo sentido juntos. Seu olhar se voltou para o teto enquanto os lábios se apertaram. Uma eternidade se passou antes de ele dizer: — Hum. Era isso? Rider entrou na biblioteca, e, depois de um instante, eu o segui. Ele foi até o balcão de circulação e tivemos sorte, pois só havia uma sala disponível. Enquanto caminhávamos entre as estantes altas e cheias, respirei profundamente, amando o cheiro dos livros. Uma lembrança veio à tona. Eu me enrolei de lado, com os joelhos dobrados junto ao peito. As lágrimas tinham secado nas minhas bochechas. A noite tinha sido ruim. Amigos do Sr. Henry vieram, e eu sabia que eles não iriam embora por um tempo. O quarto estava frio e escuro, e o cobertor em farrapos era muito fino. Eu me encolhi, enfiando as mãos entre as pernas, a fim de mantê-las aquecidas. A porta se abriu, e uma figura magra deslizou para dentro. Soltei a respiração que estava prendendo. Rider rastejou até a cama. Eu me encolhi para junto da parede. O colchão balançou quando ele se aninhou ao meu lado. Um segundo depois, uma luz amarela suave se acendeu. A pequena lanterna não chamaria a atenção.
Rider levantou os joelhos, pressionando-os contra os meus enquanto respirava fundo. — Era uma vez um Coelho de Veludo, e no começo ele era realmente esplêndido. Respirando fundo, olhei para Rider e, por um instante, eu o vi no passado. — Você se lembra de ler para mim? Ele assentiu, e seus lábios se curvaram para cima. — Claro. Eu não disse mais nada enquanto entrávamos na sala. Estava frio ali dentro e, pela primeira vez, agradeci pela camiseta de manga comprida. Rider acendeu a luz e deixou minha mochila sobre a mesa. — Então, por que você mudou para a biblioteca? — perguntou ele antes que eu pudesse bater de novo na tecla da faculdade. A pergunta de Ainsley na noite passada ressurgiu, e eu a afastei. Eu poderia dizer a ele que tinha sido por causa de Paige, mas percebi que ele não queria ouvir isso agora. — Eu pensei... que seria mais fácil. Ele balançou a cabeça em resposta. Observei-o por um momento e, em seguida, caminhei até minha mochila e abri o zíper. O som metálico ecoou na sala fria de paredes brancas. Não havia nada ali, exceto uma mesa redonda e quatro cadeiras. Uma caneta hidrográfica solitária estava pousada no centro da mesa. Rider se sentou e se recostou, jogando o braço nas costas da cadeira ao lado dele. Olhou para mim, um leve sorriso brincando em seus lábios. Nossos olhares se encontraram e se sustentaram. Uma vibração surgiu no meu peito. Seu sorriso se alargou, e a vibração cresceu. — Por que você está olhando... para mim desse jeito? — No momento que a pergunta saiu dos meus lábios, eu meio que queria trazê-la de volta. Era uma pergunta idiota. A covinha apareceu. — Eu gosto de olhar fixamente para você. Minhas sobrancelhas se ergueram. Ele riu. — Isso soou meio assustador, não é? O que eu quis dizer é... Bem, sim, eu gosto de olhar fixamente para você. Então é tão assustador quanto parece.
Sorrindo, balancei a cabeça. — Não é... assustador. Eu só… — O quê? — perguntou ele quando não continuei. O que eu poderia dizer a ele? Que eu não entendia por que ele gostava de olhar para mim? Que havia opções muito melhores lá fora? Isso soaria terrível. Não era como se eu me achasse a pessoa mais feia do mundo. Eu era... Acho que razoavelmente bonita. Mas eu era realista sobre minha aparência, e eu não era como Paige, Keira ou Ainsley. Balancei a cabeça, concentrando-me em outra coisa. — Você quer... começar? — ofereci, pegando meu caderno. Eu o abri e peguei o discurso que havia dobrado. — Eu adoraria. — Rider inclinou-se com um sorriso. — Mas ainda não escrevi o meu. Meu queixo caiu. — O quê? — Vou fazer isso. — Ele fez um gesto de desdém. — Vá em frente. — Mas você estava mesmo só desenhando na aula? Sem trabalhar... — Eu vou escrever, Ratinha. Prometo. — Ele levantou a mão, balançando o dedo mindinho para mim. — Juro juradinho. Suspirei. — Eu não... preciso que jure. Rider apenas sorriu enquanto se inclinava para trás e cruzava os braços. Respirando fundo, baixei os olhos para meu discurso. As palavras ficaram um pouco turvas, como se houvesse algo errado com minha visão. Minha frequência cardíaca subiu. Respirei fundo, mas a respiração ficou presa. — Você consegue — disse ele calmamente. Fechei os olhos por alguns instantes. Eu conseguiria. — Os Estados Unidos da América... têm três ramos de... Consegui. Bem, eu engasguei e com certeza na primeira tentativa demorei mais de três minutos. Estava mais para dez, já que eu engasgava em uma palavra e, então, começava a gaguejar, porque meus olhos continuavam querendo ler à frente, e isso não ajudava. Por sugestão de Rider, tentei me sentar. E depois ficar de pé de novo. Treinei tantas vezes que havia uma boa chance de eu já saber o discurso de cor. Rider foi paciente o tempo todo, o que praticamente o tornava um santo,
porque, sério, quem iria querer me ouvir travar e gaguejar em um discurso informativo cerca de uma dúzia de vezes? Alguém poderia gravar isso, e Satanás poderia repetir, em um looping infinito, para torturar as pessoas no inferno. — Eu... detesto ter que pensar em cada palavra. — Sentei e deixei cair o papel sobre a mesa, os braços no meu colo. — É constrangedor. As pessoas vão... rir de mim. — As pessoas são idiotas, Ratinha. Você já sabe disso. — Ele fez uma pausa, passando um pouco do meu cabelo para trás, gentilmente jogando os fios por cima do meu ombro. — E não há nada do que se envergonhar. Olhei para ele. Tudo em seu olhar firme e na expressão séria de seus lábios gritava sinceridade. Mas ele estava errado. — É... constrangedor. — Não se você não permitir que seja. — Sua perna roçou na minha quando ele se virou na cadeira, ficando de frente para mim. Nossos olhos se encontraram. — Você tem poder sobre isso. As pessoas podem dizer besteira. Elas podem pensar o que quiserem, mas você tem o controle sobre como se sente a esse respeito. Isso era profundo e maduro. Droga. — Você fala como o Dr. Taft — comentei. Suas sobrancelhas se ergueram. — Quem é esse? — Ele era... — Oh. Espera. Rider não sabia que eu tinha feito terapia. Ele inclinou a cabeça para o lado e esperou. — Ele era o quê? Ah não. Eu devia ter ficado de boca fechada. No fundo, eu sabia que ter feito terapia não era algo sobre o que me sentir mal. Com o meu passado — nosso passado —, isso era, honestamente, esperado. Mas, assim como as pessoas julgavam minha dificuldade de falar, havia um estigma feio e muitas vezes brutal ligado à terapia. E Rider? Ele parecia ter saído da nossa infância relativamente ileso. Não tinha? Ele não tinha feito terapia. Ele falava normalmente. Mas será que estava mesmo ileso? Pensei em todas as aulas que ele matava e em como dizia que ninguém se importava. Rider acreditava nisso, então não esperava nada para si mesmo?
— Ratinha? — Ele puxou uma mecha do meu cabelo. — Quem é o Dr. Taft? Desviei o olhar, focando no discurso impresso. O que importava, afinal? Eu sabia que Rider não iria me desmerecer como amiga. Respirei fundo. — Dr. Taft era meu... terapeuta. Eu me consultei com ele por cerca de três anos. Parei há pouco tempo, porque eu... achei que estivesse pronta. — Ah. Legal. Legal? Ok. Quantas vezes ele ouve garotas de 17 anos admitirem que se consultam com um terapeuta para que sua única resposta seja legal? Olhei para ele, e ele estava apenas olhando para mim, a expressão franca. — Sério? Rider levantou um ombro. — Faz sentido. Você viu algumas... é, algumas merdas difíceis. Teve que lidar com coisas loucas. Na verdade, eu meio que estou aliviado por ter se consultado com alguém. Estudei-o por um momento. — Você... realmente acredita nisso? Ele assentiu. — E você? — perguntei, e quando ele piscou, parecia confuso. — Você cresceu... comigo. Também viu muita merda. — Eu estou bem — respondeu ele, desviando o olhar para os livros. Olhei para seu perfil. — Eu estava lá, Rider. Eu me lembro de algumas... — E eu estou bem — interrompeu ele, levantando o olhar para o meu. — Eu juro. Apertando os lábios, balancei a cabeça lentamente. — Você disse que ainda pensa... naquela noite. Rider enrijeceu e depois exalou devagar. — Às vezes — repetiu baixinho e depois mais alto: — Quando penso, estou pensando no que aconteceu com você. Meu estômago se revirou, e eu fiquei grata por não ter comido nada desde o almoço. — Rider... — Eu deveria ter estado lá — afirmou, os olhos escurecendo. — Eu deveria ter encontrado um jeito de entrar naquela casa. Eu sabia que aquele
filho da puta ia acabar fazendo alguma coisa com aquela boneca. Abri a boca, mas, droga, eu amava Velvet. Além do fato de que Rider a escolhera para mim no dia que a Srta. Becky o tinha levado ao shopping, ela era a única coisa só minha em anos. A boneca não era de segunda mão. Ela não havia pertencido a ninguém antes de mim, e eu não tinha que compartilhá-la. A boneca era toda minha e era linda. Tinha sido. Aos 12 anos, eu já não carregava mais Velvet comigo para todo canto. Eu estava velha demais para isso, mas o Sr. Henry e a Srta. Becky sabiam o quanto ela era valiosa para mim. O Sr. Henry tinha conseguido pegá-la e... É, isso não terminou bem. Rider passou a mão pelo cabelo, apertando a parte de trás do pescoço. — Se eu não tivesse respondido a ele naquela noite, aquilo não teria acontecido. Você não teria sido deixada sozinha. Você não teria visto o que viu. — Soltando a mão, ele inclinou a cabeça para trás. — É uma das coisas de que mais me arrependo. — Aquilo? — perguntei, rouca. — Não foi... culpa sua. O que aconteceu não tinha sido culpa de Rider. — Ele jogou a boneca na maldita lareira — disse ele, rispidamente. E, em um último ato de desespero e estupidez, eu tentei salvá-la. Se eu não tivesse visto o que vi naquela noite, eu não teria feito o que fiz. O que ele fez com Velvet me quebrou. Entrei em pânico quando vi a única coisa que eu já tivera, um presente de Rider, prestes a ser destruída. Passei correndo pelo Sr. Henry e enfiei a mão no fogo. Eu me lembro vagamente de ouvir o Sr. Henry rindo, e então houve os gritos e o cheiro horríveis. Os gritos eram meus. Rider não disse nada quando estendeu a mão entre nós e pegou meu braço esquerdo. Seus dedos eram frios contra os meus enquanto levantava a manga da minha camisa até o cotovelo. Ele virou meu braço, como tinha feito no primeiro dia, no estacionamento. — Ainda não acredito que não há praticamente nenhuma cicatriz. — Ele deslizou o polegar pouco abaixo do meu pulso, fazendo-me inspirar suavemente. A carícia percorreu todo o caminho até minha espinha. — Só um pouco mais rosa que o resto do braço. Impressionante. Minha boca ficou seca. Seu polegar continuou se movendo, passeando pela minha pele, percorrendo seu caminho até meu cotovelo.
— Eu gostaria que isso nunca tivesse acontecido. — Ele engoliu em seco. — Eu não teria perdido... — ele parou, olhou para cima por trás dos cílios e sorriu. — Mas deu certo. Estranho como algo de bom pode surgir de uma situação tão ferrada. — Não foi culpa sua — insisti, falando sério. — Você não podia cuidar de mim 24 horas por dia. Eu não era responsabilidade sua. Seu olhar sustentou o meu, e, por um instante, ele pareceu considerar o que queria falar. — Tanto faz — conseguiu dizer. — Nada disso importa de verdade, certo? Você não tem nada de que se envergonhar. Seu jeito de falar não é nada de mais. E, se as pessoas são babacas, elas não são importantes. Só você pode torná-las importantes. — E se nada disso funcionar? — perguntei. Os lábios de Rider se torceram no canto. — Eu vou começar a bater nas pessoas. Minhas sobrancelhas se arquearam. — Sério. Jogando a cabeça para trás, eu ri — alto e muito — e, quando olhei para ele, Rider me olhava do seu jeito intenso. — O que foi? — perguntei, meu sorriso desaparecendo aos poucos. Ele balançou de leve a cabeça. — Nada. — Fez uma pausa. — É só que eu não ouço você rir assim há... é, um longo tempo. É legal. Eu estava sorrindo outra vez. — Muito legal — repetiu ele, e nossos olhares se encontraram de novo. Ele ainda estava segurando meu braço e seu polegar ainda se movia em círculos lentos e suaves. — Espero que você possa fazer isso com mais frequência.
CAPÍTULO 18
Eu sabia que isso não estava acontecendo. Nos recônditos mais distantes da minha mente, eu sabia que o que estava vendo, o que estava ouvindo, não acontecia naquele momento. Eu sabia disso, mas não conseguia me livrar daquilo. Não quando as vozes começaram. Altas. Agudas. Explosivas. Detonando uma bomba de terror. Pressionando as mãos sobre os ouvidos, cheguei para trás, encolhendo-me contra a parede. Eu queria fechar os olhos, mas não conseguia. Eles pareciam estar arregalados, presos por pinos minúsculos. A dor que irradiava do centro do meu rosto foi esquecida. Com as bochechas coradas de vermelho brilhante e os olhos injetados, o Sr. Henry arrastou Rider pelo braço no piso de linóleo rasgado e sujo. Rider era quase tão alto quanto o Sr. Henry, mas o homem tinha uns 45 quilos a mais que Rider. Ele estava gritando tão alto que eu não conseguia entender o que ele dizia, mas Rider não estava lutando. Ele cobriu o nariz com uma das mãos. O sangue escorria entre os dedos. Meu estômago se revirou. O Sr. Henry abriu a porta dos fundos. O ar frio entrou enquanto pequenos flocos de neve caíam sobre o chão branco-amarelado. A porta de vidro externa, quebrada, balançava instável ao vento. — Estou farto das suas merdas, moleque. Você acha que isso é muito ruim? Talvez perceba como é sortudo depois de algumas horas lá fora. Num piscar de olhos, o Sr. Henry empurrou Rider para o lado de fora, na varanda coberta de neve. Eu gritei, desgrudando da parede. Rider não poderia ficar lá fora. Ele estava só de jeans e camiseta. Estava muito frio. A porta se fechou. Era tarde demais.
O Sr. Henry se virou para mim, e o medo dominou meu coração. Punhos socavam a porta, do lado de fora, e eu comecei a recuar. Não havia nada entre mim e o olhar desfocado do Sr. Henry. — Saia da minha frente, garota — gritou ele, cuspindo no ar. — Ou vai se arrepender muito rápido! Virando-me, corri para fora da cozinha, para o esconderijo. Eu me apertei contra a parede e levantei o braço, passando os dedos pelo nariz. A dor era forte, mas não havia muito sangue na minha mão quando a abaixei. Por favor, acorde. Por favor, acorde. Por favor, acorde. Com o coração batendo rápido, ouvi o Sr. Henry irromper na sala de estar. Um segundo depois, escutei a TV. Ele ia mesmo deixar Rider lá fora. Oh, meu Deus, ele não ia sobreviver lá fora, no frio e na neve. Eu tinha que fazer alguma coisa. Depois de alguns minutos, eu me virei e deslizei pela parede. Subi as escadas com cuidado para não ser ouvida, e andei pelo corredor. Não entre no quarto. Não entre nesse quarto. Empurrei a porta. Uma fraca luz amarela piscou. A Srta. Becky estava na cama. Chamando seu nome, eu fui até lá e a toquei. Havia algo de errado com sua pele, e eu soube. Soube que, no fundo, algo estava muito errado. Um grito borbulhava na minha garganta. Não faça barulho. Gritos, havia gritos, e eu não podia ficar em silêncio, porque eles eram meus. Saí do quarto. O Sr. Henry gritou lá de baixo enquanto eu descia os degraus. Eu tinha que chegar a Rider, e nós tínhamos que sair dali. Meu coração batia tão rápido, e eu sabia o que estava por vir, e não queria ver isso, mas já tinha visto. Por favor, acorde. Por favor, acorde. Por favor, acorde. Cheguei à porta da cozinha, e, então, o Sr. Henry estava lá, gritando e cuspindo. Eu não conseguia pronunciar nenhuma palavra. Ele agarrou meu braço, arrastando-me para a sala de estar. O fogo estalava na lareira quando ele parou na frente de sua cadeira. Ainda segurando meu braço, ele se inclinou, pegando algo atrás dela. É só um sonho. Só um sonho. Acorde. Endireitando-se, ele segurava Velvet. Eu sabia que a boneca estava lá. Ele a tinha tirado do meu quarto três meses antes, porque eu não tinha apertado a tampa do leite como ele queria. Eu sabia exatamente onde a boneca estava,
mas também sabia que não devia tocar nela. Ele esfregou Velvet no meu rosto e soltou meu braço. Tropecei, a parte de trás das minhas pernas batendo na borda da mesinha de centro. Acorde. Acorde. O Sr. Henry praguejou. — De saco cheio dessa merda. Recebi um espertinho e uma maldita retardada para cuidar. — Apertando a boneca em seu punho, ele avançou em direção à lareira. Meus olhos se arregalaram e... — Mallory! Eu despertei, desdobrando-me enquanto engolia o ar. Eu não estava sozinha. Havia mãos em meus braços. Gritei de novo, com a voz rouca enquanto eu me libertava. — Está tudo bem! — A voz falou de novo, e levou algum tempo até eu reconhecer que era Carl. — Está tudo bem, Mallory. Você estava tendo um pesadelo... de novo. — Escuro — consegui falar, recostando-me na cabeceira. — Está... — A luz de cabeceira se acendeu, inundando o quarto em um brilho suave, e ali estava Carl, sentado na beira da cama. Seu cabelo estava desgrenhado, os olhos, sonolentos, e a camisa branca, amarrotada, quando ele pôs a mão na minha testa. Meu peito doía. — Está tudo bem, Mallory. — Carl deslizou a mão sobre meu cabelo úmido. — Foi só um pesadelo. Está tudo bem. Você está segura agora. Segura. Apertei bem os olhos. Eu estava segura agora, mas o passado... o passado não tinha sido seguro. Ele nunca seria... e me assombraria para sempre. Carl saiu da cama e voltou alguns instantes depois com uma garrafa de água gelada, entregando-a para mim. — Quero que beba isso devagar. Com os dedos trêmulos, abri a tampa e levei a garrafa aos lábios. Tomei um gole curto e depois outro, refrescando o fundo da minha garganta seca. Ele esperou até que eu baixasse a garrafa e disse: — Estamos preocupados, Mallory. Minha respiração ficou presa. Ele não mediu palavras. Carl nunca o fazia. — Você não tinha pesadelos havia quase dois anos, mas os está tendo com
bastante frequência desde que começou a frequentar a escola — disse ele, olhando-me com atenção. — Estamos preocupados. — Com o quê? Ele inclinou a cabeça para o lado. — Com você e a escola, com Rider estar de volta em sua vida, talvez seja muito peso, Mallory. Você... — Não é muito peso — interrompi. — Foi só... — Você está tendo pesadelos de novo — continuou ele, como se eu não soubesse disso. — Nós só estamos preocupados. Não queremos que você fique sobrecarregada. Sobrecarregada. Como se eu fosse uma criatura frágil, que ia se quebrar sob o estresse. A raiva cintilou no fundo do meu peito, e foi estranho sentir isso em relação a Carl. — Eu estou bem. — Forcei-me a dizer essas três palavras. — Não estou sobrecarregada. Foi só um... pesadelo. Nada de mais. E não tem nada a ver com a escola ou com Rider. — Vou ter que discordar dessa parte do Rider. — Ele ergueu a mão quando abri a boca. — Só porque faz sentido que ele esteja de volta e que isso cause... — ele respirou fundo... que isso cause o ressurgimento de sentimentos antigos, muitos deles assustadores. O que ele disse fazia sentido, mas balancei a cabeça. — Estou bem. Carl olhou para mim por um instante e, então, assentiu com um suspiro. — Ok. — Ele começou a se levantar. — Não se esqueça de que, sempre que precisar conversar, pode nos procurar. Conversar sobre o quê? Eu não tinha ideia, mas assenti. Ele me observou por mais alguns instantes e, em seguida, saiu do quarto, fechando silenciosamente a porta. Eu lhe dissera que não estava sobrecarregada e que estava bem, mas sabia que Carl não tinha acreditado. Eu não tinha certeza se estava dizendo a verdade. Rider não apareceu na sexta-feira. Paige também não apareceu para a aula, e, enquanto eu imaginava que os dois estavam juntos, pequenos nós de desconforto ainda se formavam em minha barriga. Com exceção do início do ano letivo, ele não tinha faltado a escola.
Quando a aula terminou, juntei minhas coisas enquanto olhava para as costas de Hector. Perguntar a ele sobre Rider seria a coisa mais inteligente e mais simples a fazer. Ele obviamente saberia. As pontas das alças da mochila pinicavam minha mão quando forcei as palavras: — Hector? Ele se virou na minha direção, os lábios se curvando. — Oi. Parei ao lado da minha mesa. — Rider está... ok? Quero dizer, ele não veio à aula — comentei, atestando o óbvio. — Eu acho que... ele está com Paige, mas eu só queria ter... certeza de que ele está bem. O sorriso diminuiu um pouco quando seu olhar correu para a cadeira vazia. — Ele não está com Paige. Hoje não. — Aqueles olhos verdes pousaram em mim. — Pelo menos, eu acho que não. — Oh. — Eu mordi a parte de dentro do lábio. Ele olhou por cima do ombro e suspirou. — Eles tiveram uma briga feia ontem à noite, por isso não estou surpreso que ela também não tenha vindo, mas... Por cima do ombro, vi o Sr. Santos se virar em nossa direção. — Mas o quê? — Mas ele ficou acabado na noite passada. — Hector jogou a mochila por cima do ombro. — Estava numa ressaca impossível de levantar esta manhã. — Ressaca? — repeti tolamente, e depois entendi. Ele estava de ressaca. Tinha bebido. — Eu tenho que ir. Vou para o trabalho — disse Hector. — Vejo você mais tarde, bebé? Tonta, eu assenti e não me mexi por um bom tempo enquanto Hector saía. Rider tinha brigado com Paige na véspera e, depois, se embebedou. Com o estômago embrulhado, comecei a me dirigir para a frente da sala. — Mallory, posso falar com você um segundo? — chamou o Sr. Santos. Parei quando ele me encontrou à porta. — O que você acha de fazer o seu discurso na quarta-feira? Com a cabeça a quilômetros dali, assenti. — Ótimo. — Ele bateu no meu braço. — Estou ansioso. Dispensada, saí da sala e parei no meu armário para pegar os livros de que precisaria no fim de semana. Eu não estava muito concentrada na caminhada
até o carro. Aquela queimação no estômago era muito parecida com culpa. Sexta à noite, passei uma quantidade indecente de tempo olhando para o celular, meus dedos hesitantes sobre a tela. Eu tinha conversado com Ainsley mais cedo, e ela me disse para simplesmente enviar uma mensagem para Rider antes de me fazer prometer que eu iria vê-la no dia seguinte. Simplesmente mandar uma mensagem para Rider. Como se fosse simples. Era simples. Quem eu estava enganando? Mas também parecia um grande passo, porque eu nunca tinha iniciado contato com ele ou com qualquer cara. E eu estava pensando demais, como sempre, porque Rider era meu amigo e perguntar como ele estava era normal. A frustração correu pela minha pele, deixando-o quente e desconfortável. Meus olhos se estreitaram no telefone, e toquei no nome de Rider, abrindo as mensagens. Você está bem?
Fiz uma pausa e, em seguida, apaguei. Então digitei: Está tudo bem?
Isso soava menos dramático, então cliquei em Enviar. Em seguida, joguei o telefone no pé da cama. Era perto de dez horas quando Rider respondeu. Sim. Vejo você na segunda.
O alívio me atingiu com tudo, mas minha cabeça estava a mil, e isso tornou difícil pegar no sono. Pelo menos não tive outro pesadelo, porque a última coisa de que eu precisava era Carl e Rosa entrando em pânico e me tirando da escola. Se eles achassem que era a coisa certa a fazer, iriam fazer. Cartazes de “Bem-vindos de volta” apareceram no fim de semana nos corredores da Lands High. Eles estavam por toda parte. Cartazes nas paredes. Cobrindo os armários. Enquanto eu caminhava para a segunda aula, olhava as datas. A festa dos ex-alunos seria realizada na última semana de outubro, dali
a duas semanas. Eu não podia acreditar que estava na escola havia quase dois meses. O tempo passou rápido, mesmo quando parecia ser uma eternidade. Rider voltou à escola na segunda-feira, assim como Paige. Ele me encontrou do lado de fora da sala e caminhou comigo até a aula de oratória. Eu não perguntei sobre o que acontecera entre ele e Paige, ou sobre o que Hector tinha me contado. Ele não tocou no assunto. Notei que Paige chegou à sala poucos segundos antes de tocar o último sinal. Ela olhou na direção de Rider, mas ele não olhou para ela. Eu não sabia o que estava acontecendo. Foi então que, na aula de oratória, meus pensamentos se voltaram para algo muito mais importante. Quando o primeiro discurso foi feito, ocorreume que aquilo realmente estava acontecendo. Todos na aula iam fazer o seu discurso, e, na próxima quarta-feira, eu faria o meu na hora do almoço. O pânico brotou em minhas veias, como uma erva daninha. Todo mundo iria saber que eu... eu não faria igual a eles. Ouvindo os outros alunos se levantarem e fazerem seus discursos, concentrei-me no que eu podia controlar e me lembrei do que Rider dissera na biblioteca. As pessoas agiriam como idiotas, e isso não era minha culpa. Tudo o que eu podia fazer era me certificar de que faria o discurso para o Sr. Santos, então me dediquei a treinar a cada chance que tinha, usando Carl e Rosa quando eu não treinava sozinha. Percebi que Rider ainda não tinha escrito seu discurso. Ele não parecia nem um pouco perturbado com sua falta de progresso e, sempre que eu tocava no assunto, ele desconversava e dizia: — Quando você fizer o discurso de primeira, vou levá-la à oficina. Eu olhava para ele com ironia, mas estava curiosa sobre a oficina. Queria ver alguns de seus trabalhos. Apesar de errado, eu queria vê-lo. Mas eu não era um hamster que precisava de recompensa. A menos que a recompensa fosse molho de queijo caseiro. Nesse caso, sim, me recompense. A festa dos ex-alunos foi o tema da conversa no almoço na terça-feira. Parecia que metade da escola estava interessada em participar. A outra metade não poderia se importar menos. A mesa à qual eu me sentava pertencia ao primeiro grupo. Para ser sincera, eu não tinha nem pensado nisso até ver os cartazes aquela manhã. Isso ainda não tinha nem entrado no meu radar. Não porque eu fosse indiferente ou que não gostasse dessas festas do ensino médio. Apenas nunca tivera a chance de pensar nisso, e agora, que o
fazia, uma parte de mim achava que seria divertido. Seria uma experiência. Mas eu não tinha um vestido. Ou um acompanhante. — Quando você tem que fazer seu discurso? — perguntou Keira no almoço. Ela faria o dela na quarta-feira, durante a aula, como uma pessoa normal. Era a primeira vez que me faziam essa pergunta. Eu não queria responder, mas isso seria estranho, e eu já era estranha o suficiente, sem qualquer esforço. — Amanhã — respondi, olhando para o meu prato. — Amanhã... na hora do almoço. Keira não respondeu de imediato, e me atrevi a lançar um olhar rápido para ela. Suas sobrancelhas escuras estavam unidas. — Então você só tem que fazer o discurso para o Sr. Santos? Assenti, esperando que ela não fosse pensar o mesmo que Paige. — Legal — disse ela, pegando o guardanapo enquanto Jo e Anna se sentavam em frente a nós. — Eu fico supernervosa quando tenho que falar em público. — Sério? — Minhas sobrancelhas se ergueram. — Sim. — Deus, espero que você não passe mal — disse Jo, pousando o queixo na mão. — Vocês viram A escolha perfeita? Assenti. — Ela fez a Aubrey há dois anos, quando teve que fazer sua primeira apresentação na aula de ciências — continuou Jo. Keira fez uma careta. — Eu consegui chegar ao banheiro. — Ainda assim, foi nojento — brincou Jo enquanto ela esfaqueava seu macarrão afogado em molho. Eu não entendia. — Mas você é... líder de torcida. Olhando ao redor da mesa, o olhar de Keira finalmente caiu sobre mim. — E daí? Minhas bochechas ficaram quentes. — Você... você fica de pé na frente das pessoas o tempo todo e... dança. — Sim, mas tem um grupo de pessoas fazendo isso comigo — disse ela
enquanto passava os cachinhos apertados por cima do ombro. — É mais fácil quando você não está sozinho; totalmente diferente de ficar na frente da turma e falar sobre algo que você mal entende. — É verdade — murmurou Anna, que estava olhando para seu gesso. Eu não podia acreditar enquanto olhava para Keira. Ela estava nervosa. Sua comida continuava intocada, como a minha, mas ela falava o tempo todo e não gaguejava. Ainda assim, estava nervosa. — Você realmente vo-vomitou? — perguntei. Jo explodiu numa gargalhada profunda e contagiante que chamou a atenção das pessoas à nossa volta. — Vomitar é pouco. — Não foi tão ruim assim — insistiu Keira, lançando a Jo um olhar sombrio. — Enfim — continuou ela, olhando para mim. — Também fico nervosa, então vamos fazer um pacto. — Um pacto? — sussurrei. Pela primeira vez, senti-me muito grata a Keira e suas amigas — minhas amigas. Eu estivera terrivelmente errada sobre elas. Não que eu não tivesse percebido isso nas últimas semanas, mas deveria me sentir envergonhada com a facilidade com que acreditei no estereótipo da líder de torcida. Ela assentiu. — Se começar a parecer que eu vou vomitar, você vai pegar a lixeira para mim e, se você passar mal enquanto faz seu discurso para o Sr. Santos, pode me contar e eu prometo não rir. Meus lábios se abriram. — Fechado? — perguntou ela. Eu ri sem querer, mas não pude evitar. Provavelmente foi o acordo mais bizarro que já fiz. — Fechado. Acordei na quarta-feira, o dia do meu discurso, com o estômago embrulhado, um nó ardendo na garganta e dor de cabeça. Rosa estava me esperando na cozinha, uma tigela de cereais na qual não pude nem tocar sobre a bancada. Ela não disse nada enquanto peguei um copo de leite da geladeira. Ela não insistiu quando não consegui tocar no cereal. Tudo o que fez, antes de eu sair para a escola, foi me abraçar e dizer: — Você vai se sair muito bem, Mallory.
Guardei aquelas palavras no meu coração o dia todo. Segurando meu caderno, segui pelo corredor em direção à sala de oratória, ignorando o modo como meu coração batia forte. Fiz uma curva e parei. Rider se afastou da parede quando me viu. Um meio sorriso se formou enquanto ele enfiava as mãos nos bolsos de sua calça jeans. — Oi, Ratinha. — O que... você está fazendo aqui? — perguntei. — Você tem aula. Aquele sorriso torto se espalhou, e a covinha apareceu. — E isso é importante porque...? Parei na frente dele, levantando uma sobrancelha. Ele inclinou a cabeça para o lado.
— Eu tinha que estar aqui. Tinha que lhe dizer que você consegue. Meu coração inflou no peito tão rápido que eu achei que iria flutuar direto para o teto. Ele tinha que estar ali por mim. Isso não era por um instinto protetor. Mas porque ele era meu amigo e se importava. Eu queria abraçá-lo. Meu olhar pousou naqueles lábios grossos. Como seria senti-los? Afastei esses pensamentos. Eu precisava me concentrar. Aquelas palavras arrepiaram minha espinha. Ele estava certo. Eu conseguiria. Sorri para ele e me virei, abrindo a porta. O Sr. Santos estava em sua mesa. Um saco de papel estava aberto. O cheiro de sopa de tomate era forte. Batendo as mãos uma na outra, ele se levantou quando fechei a porta atrás de mim. — Me desculpe, eu estava almoçando. — Ele sorriu enquanto empurrava a cadeira de volta. — Tenho certeza de que você também está com fome, então comece assim que estiver pronta. Colocando minha mochila em uma cadeira vazia, fui até o estrado com meu caderno. Meu estômago se agitou. Não haveria almoço para mim. O Sr. Santos se sentou em uma das cadeiras, dobrando as mãos sobre a mesa. — Leve o tempo que precisar. Poderia ser para sempre? Com as mãos trêmulas, abri o caderno no qual eu tinha enfiado o discurso
impresso. O papel estava novo em folha. Todas as palavras eram um borrão. Meus joelhos tremiam. Eu só estava de pé na frente de uma pessoa. Não de uma turma inteira. Devia ser uma turma inteira, mas não era. Você consegue. Meus ombros ficaram tensos quando inspirei, e senti a respiração ficar presa. Não era difícil. Eu podia fazer isso. Eu tinha que fazer isso. O papel estava estalando baixinho, como ossos secos. Eu consigo. Eu consigo. As palavras ficaram borradas de novo, como se eu estivesse experimentando outro estranho lapso na visão. Meu coração começou a bater tão rápido que meus joelhos ficaram fracos. Minhas mãos tremiam. Eu consigo. Eu consigo. — Os Estados Unidos da América... têm três ramos do governo. O primeiro é... o... — Eu parei, percebendo que tinha ido longe demais e pulado uma linha. Em pânico, ergui os olhos e vi o Sr. Santos esperando. Ele assentiu, sua expressão paciente. Comecei de novo: — Os E-Estados Unidos da América têm três ramos do governo: legislativo, executivo e judiciário — forcei, e depois me obriguei a continuar. — O ra-ramo legislativo supervisiona... Estava uma droga. Deus, o discurso era uma bela porcaria. Foi tão ruim que devia haver milhares de palestrantes profissionais se revirando no túmulo, mas eu consegui. Terminei meu discurso alguns segundos antes de o Sr. Santos sinalizar o fim do tempo. Terminei o discurso, o primeiro da minha vida. Eu consegui. E não vomitei. Keira ficaria feliz em ouvir isso. O Sr. Santos sorriu ao se levantar da cadeira. — Você foi bem, Mallory. Ficou um pouco travada no começo, mas começou de novo e foi em frente. O discurso parece muito bem pesquisado. Com as mãos ainda trêmulas, entreguei meu discurso a ele. — Obrigada. — Você vai receber sua nota junto com todo mundo — explicou ele, e eu assenti. — Parabéns. Você completou seu primeiro discurso.
Fui até a mochila, enfiando o caderno lá dentro. Meu primeiro discurso. Eu tinha conseguido. Claro, foi só na frente do Sr. Santos, mas, mesmo assim, eu tinha conseguido. Rider esperava do lado de fora da sala. Ele estava olhando para o celular, mas o pôs no bolso e inclinou o corpo em direção ao meu. — E aí? Meus lábios se curvaram nos cantos. — Eu consegui. Seu sorriso de resposta iluminou todo o corredor. — Eu sabia que você conseguiria. — Você sabia. Nossos olhares se conectaram, e a expressão em seu rosto era suave. A sensação de inflar voltou, e dessa vez deixei que me levasse até o teto. Eu tinha feito algo que nunca achei que fosse capaz de fazer.
CAPÍTULO 19
— Quer comer alguma coisa bem rápido? — sugeriu Rider enquanto caminhávamos pelo corredor, nos afastando da sala de oratória. — Você tem tempo. Meu estômago ainda estava embrulhado, mas, como o discurso tinha terminado, eu sabia que poderia comer uma fatia de pizza. Assenti. — Ótimo. Nós nos dirigimos ao refeitório, e, quanto mais perto chegávamos, mais eu percebia que o zumbido de conversas e risadas não era tão cruel aos meus ouvidos como tinha sido na primeira semana. Hoje havia algo bem-vindo no barulho e no cheiro dos alimentos não identificados. Meus passos pareciam mais leves. Eu estava... — Sr. Stark — disse uma voz profunda. — Por que não estou surpreso em vê-lo no corredor quando tenho noventa e nove por cento de certeza de que você deveria estar em aula agora? Parei e me virei. Rider fez o mesmo. O diretor Washington estava parado junto a uma porta aberta, com os braços cruzados no peito. A luz refletia em sua cabeça lisa, careca. Oh-oh. — Você não está cem por cento certo? — respondeu Rider, para minha surpresa. — Você não acha que deveria estar sempre cem por cento certo? O diretor Washington sorriu. — Inteligente, Sr. Stark. É uma pena que você não aplique esse raciocínio rápido aos seus estudos, mas isso seria esperar muito, não seria? Um músculo pulsava no maxilar de Rider. — Acho que sim. O sorriso forçado desapareceu.
— Vá para a aula, Sr. Stark. Por um momento, não achei que Rider fosse. Ele olhou para o diretor, um sorriso desafiador nos lábios. Então, depois de uma pulsação descompassada, deu um passo para trás e para o lado. — Vejo você mais tarde, Ratinha. — Espero que não seja no corredor, quando você deveria estar em aula — interveio o diretor Washington. Rider riu baixinho enquanto se virava. — Não sei, cara. Isso pode ser esperar muito. O peito largo do diretor subiu quando ele respirou fundo, em busca de paciência, e, em seguida, ele olhou para mim. O homem apertou os olhos. — Esse não é o tipo de garoto com quem você vai querer gastar seu tempo — aconselhou, e eu estremeci diante dessa dura suposição. Acho que ele nem sabia quem eu era, apesar de Carl e Rosa terem falado com ele. — O caminho que esse garoto está traçando não é o mesmo pelo qual você vai querer trilhar. É melhor você seguir seu próprio caminho, seja ele qual for. Antes que eu pudesse responder, o diretor Washington tinha saído, seguindo pelo corredor em direção aos escritórios. A agitação alegre por ter feito o discurso desapareceu quando repassei em minha mente as palavras e o tom do diretor, a maneira como ele havia tratado Rider. Nenhuma expectativa. Nenhum respeito. Keira fez seu discurso na aula, sem liberar nenhum fluido corporal, de modo que a sensação boa voltou e o encontro na hora do almoço ficou parecendo há uma eternidade atrás. Fiquei feliz até por Paige, quando ela se empertigou na frente da sala e fez seu discurso sobre os cinco primeiros presidentes dos Estados Unidos. Paige tinha voltado a ser ela mesma. Mais ou menos. Os moletons largos e o rabo de cavalo bagunçado haviam sumido. Ela estava de volta aos jeans skinny e suéteres, e seu cabelo estava liso e reto. Ela vinha me ignorando nos últimos dias, então não fiquei surpresa quando ela não olhou na minha direção ao se sentar. Ultimamente não tinha havido muito espaço mental para pensar em como Paige e Rider estavam, mas notei que não havia nenhum toque ou beijo. Eles se falavam. Sorriam um para o outro. Bem, Paige sorria para ele, e eu não
podia ver sua reação, mas a coisa ia apenas até aí. Quando o sinal tocou, ouvi Paige pedir a Rider que ligasse para ela e, em seguida, saiu da sala enquanto Keira veio até minha mesa. — Como você se saiu na hora do almoço? Nada de vômito? — Bem... eu acho. Nada de vômito. — Fiz uma pausa enquanto minha mão direita apertava minha coxa. — Você foi incrível. — Eu sei! — exclamou ela. — Deus, estou tão feliz que tenha acabado. Rider se levantou e estendeu a mão para a minha mesa, pegando meu caderno e meu papel, e arqueou uma sobrancelha. — Um discurso a menos. Falta só um bilhão. Bem, reconhecer isso era uma droga. Keira riu. — Sim, mas nenhuma de nós vomitou! — Ela bateu palmas. — Um viva para nós! Um sorriso apareceu em meu rosto. — Houve um par de segundos difíceis em que achei que ia acontecer — disse ela, observando Rider enquanto ele se abaixava e pegava minha mochila. — Mas consegui controlar. — Todos nós agradecemos — brincou Rider. Ele pôs meu caderno na mochila. — Aposto que sim — respondeu ela. — Então, e o seu discurso? Tenho certeza de que você vai ser incrível. — Algo assim — disse ele. De pé, estendi a mão para minha mochila. Nossos dedos se encostaram, o toque breve me atingiu como um golpe estranho, e puxei minha mão de volta. Meu olhar voou para o dele, e nossos olhos se encontraram. Suas bochechas ficaram rosadas, e ele desviou o olhar, focando-se no que parecia ser a tarefa monumental de encontrar o local perfeito na minha mochila para guardar meu caderno. O descompasso no meu coração fez meu peito pular. — Então, é... — murmurou Keira enquanto olhava para Rider. Sorrindo, ela começou a se afastar. — Vejo vocês amanhã. Rider inclinou de leve a cabeça para ela, enquanto fechava o zíper da minha mochila. Acenei com os dedos. — Está pronta? — perguntou ele. Balançando a cabeça de novo, eu o segui até a frente da sala, mas, antes que saíssemos, o Sr. Santos apareceu.
— Rider — disse ele, tirando os óculos. — Você tem um momento? Ele olhou para mim e de volta para o professor. — Tenho. O Sr. Santos sorriu na minha direção enquanto pôs a mão no ombro de Rider e o levou até o meio do quadro-negro. Mesmo estando ao lado da porta e com muita coisa acontecendo no corredor, eu ainda pude ouvi-los. — Você está pronto para o seu discurso? — perguntou o Sr. Santos. — Claro — respondeu ele. Um olhar de dúvida cruzou o rosto do professor. — Tem certeza disso? Um dos cantos da boca de Rider se curvou, mas ele não disse nada. — Eu lhe dei um monte de privilégios na aula. Sei que você fica entediado e que prefere usar as mãos, criar alguma coisa, mas preciso que leve essa disciplina a sério. Rider não respondeu, e eu me remexi onde estava, desconfortável. — Você sabe que estou aqui se precisar conversar — disse Santos, e o sorriso sumiu do rosto de Rider. Ele enrijeceu. — Não jogue seu talento fora. Ok? Rider não respondeu e depois foi dispensado. Meu olhar estava colado a ele. Um músculo em sua mandíbula se retesou enquanto se aproximava de mim. Por que Rider precisaria conversar com Santos? O que o Sr. Santos sabia sobre Rider que eu não sabia? Eu tinha a resposta para essa pergunta. Tudo. Saímos para o corredor lotado. — Está... está tudo bem? — Sim. Sim. — Ele olhou para mim, as feições um pouco relaxadas. — Olhe só para você. — Para mim? Rider estendeu a mão e a fechou ao redor da minha, fazendo um choque percorrer meu braço. Ele começou a andar, ainda segurando minha mão. — Você estava com um sorriso enorme no rosto a aula toda. Quero ver esse sorriso de novo. — Eu só... estou feliz de ter feito o discurso, mesmo me saindo mal. — Tenho certeza de que você não se saiu mal. Eu discordava disso. O Sr. Santos provavelmente também, mas ele era
gentil e paciente demais para dizer. Meu olhar caiu para nossas mãos unidas. Isso... isso era novo, e, no fundo do meu coração, eu gostava da sensação e do peso da mão dele, mas era errado. Alguns amigos podem andar de mãos dadas, mas eu era esperta o bastante para saber que não era como as pessoas veriam aquilo. Evitando seu olhar, libertei minha mão e cruzei os braços sobre o peito. — Você precisa passar no seu armário? — perguntou Rider depois de um momento. Pensativa, neguei com a cabeça. Nós saímos para o céu nublado da tarde. Só quando paramos perto do meu carro, eu me permiti olhar para ele. Sua expressão era ilegível quando se recostou na porta traseira. — Tem algo que eu queria lhe perguntar mais cedo. Eu quero lhe mostrar a oficina... Razorback. — Levantando uma das mãos, ele tirou o cabelo da testa. — Pensei que talvez você pudesse querer ver no que estou trabalhando. O que você vai fazer no sábado? Meu coração começou a bater como se eu estivesse sendo perseguida por um serial killer. — Hum... — Eu parei um segundo antes de gritar nada a plenos pulmões, porque não era verdade. Ainsley queria sair comigo no sábado e, mesmo que ela não quisesse, havia o lance com Paige. Rider arqueou uma sobrancelha. Eu podia sentir minhas bochechas quentes. Quem poderia saber o que ele estava pensando enquanto eu ficava ali, olhando para ele? — Vou encontrar Ainsley para o almoço, e, depois... vamos passar a tarde juntas. Ele ficou em silêncio por um instante e, em seguida, enfiou as mãos nos bolsos. — Legal. — Seu olhar se ergueu para mim. Eu me virei um pouco, espiando o carro de Hector vindo pelo corredor central. — Eu gostaria de conhecê-la. Espere. O quê? Ele queria conhecer Ainsley? Rider mordeu seu lábio inferior. — Então, você sabe, eu meio que estou me convidando para ir junto. Ele realmente queria conhecer a minha melhor amiga?
Ele inclinou a cabeça para o lado. — E, se você não acha isso legal, as coisas estão prestes a ficar muito constrangedoras. Pisquei, percebendo que tinha que dizer alguma coisa. Qualquer coisa. O carro de Hector parou um pouco atrás do meu. Será que devíamos fazer isso? Procurei em minha cabeça regras com as quais eu não estava muito familiarizada. Essa não seria a primeira vez que estaríamos juntos fora da escola. Tínhamos comido juntos e ido à biblioteca. Ele tinha ido à minha casa, mas será que aquilo contava? Amigos saem juntos. Mas eu não via Rider, não pensava nele, apenas como amigo. Embora ele não soubesse disso. Eu sabia. Eu estava muito confusa. — Será que vai ser... legal nós sairmos juntos? — perguntei. Suas sobrancelhas baixaram. — Sim, será legal. Sem ter certeza de que ele entendia o que eu estava perguntando, respirei fundo. Eu queria que ele conhecesse Ainsley. Ela era superimportante para mim. Tomei minha decisão. — Eu... ia gostar disso. A reação de Rider foi imediata. Ele sorriu, e a covinha apareceu. Perdi o fôlego. Eu realmente havia convidado Rider para ir comigo encontrar Ainsley. Eu queria isso. Queria mesmo, mas não tinha ideia do que fazer com isso. Mesmo assim, a empolgação zumbia pelo meu corpo. Sair com Rider e Ainsley era normal. Algo que um milhão de pessoas provavelmente faziam todos os dias, porque eles estavam realmente vivendo a vida, mas era algo inédito para mim — uma grande primeira vez. Eram minha melhor amiga e o cara... o cara que tinha sido meu melhor amigo e que agora, apesar de tudo, eu sentia que era algo mais profundo, mais rico e mais complexo. Todos nós saindo juntos. Parecia importante. — Perfeito — disse ele, afastando-se da lateral do meu carro. — Ainda bem que as coisas não vão ficar constrangedoras agora. — Ei! — gritou Hector, estendendo o braço para fora da janela. — Você está pronto, cara? Tenho que ir. — Sim. Já vou. — Rider me entregou a mochila enquanto abaixava a
cabeça em direção à minha. Congelei enquanto o ar deixava meus pulmões. Seus lábios roçaram a curva da minha bochecha, enviando uma série de arrepios pela minha espinha. — Te mando mensagem mais tarde para combinarmos sábado. Acho que eu disse que tudo bem. Não tinha certeza. Eu poderia apenas ter ficado parada ali, olhando para ele. Mas Rider abriu aquele sorriso que chegava ao fundo do meu peito e envolvia meu coração. Observei-o entrar no carro de Hector, acenei para Hector enquanto ele saía do estacionamento, e então entrei no Honda e me sentei ao volante. Não liguei o carro. O que eu estava pensando? Sentindo? Não importava. Olhando para o estacionamento que esvaziava depressa, percebi uma coisa extremamente importante. Quase capaz de sacudir a terra em sua simplicidade. Focada na empolgação sobre sábado, eu tinha esquecido tudo sobre o Sr. Henry e a Srta. Becky, sobre Carl e Rosa terem ligado para a escola, sobre o discurso e sobre não conseguir falar. Eu esqueci tudo. Porque nada disso era tão importante. Outra coisa era. Viver a vida. Era noite de sorvete, ou foi o que Rosa me disse quando entrou em meu quarto mais tarde naquela noite, carregando dois potes. Chocolate. Com quilos de calda, também de chocolate. A comemoração pelo meu discurso começou. Carl tinha que trabalhar até tarde, então seríamos só nós duas. Vê-la de calça de moletom e camisa de algodão era muito estranho, porque eu quase sempre a via de uniforme cirúrgico verde. Rosa se sentou ao meu lado e me entregou a taça. — Espero que ainda tenha espaço no estômago para a sobremesa. Sorri. — Sempre... tem espaço para a sobremesa. Ela também sorriu. — Tem certeza de que não temos laços de sangue? Ri enquanto pegava um pouco da maravilha gelada, macia, coberta de
calda. Rosa olhou ao redor do quarto, seu olhar pousando sobre a cômoda. — É sua escultura mais recente? Assenti. — É uma... coruja. Ela se levantou, equilibrando a taça em uma das mãos enquanto caminhava até lá. Pegando a escultura, olhou para mim por cima do ombro, os olhos escuros brilhando. — Mallory, está muito boa. — Obrigada. — Todas as esculturas são boas, mas os detalhes desta? — Ela a colocou cuidadosamente de volta no armário. — É incrível. — Rosa voltou para a cama e sentou-se. — Eu realmente gostaria que você reconsiderasse tentar em madeira. Carl ainda tem as ferramentas na garagem. Eu não era muito fã de ferramentas elétricas. Ela engoliu uma colherada. — Carl quer nos levar para jantar no sábado à noite, para uma comemoração mais oficial. De repente, o sorvete azedou no meu estômago. — Eu fiz planos com... Ainsley para sábado. Empolgada não chegava nem perto de como Ainsley ficou a respeito de finalmente conhecer Rider. Meu programa de mensagens começou a explodir quando lhe contei a boa-nova depois da escola, e ela provavelmente ainda estava me mandando Ai meu Deus, mesmo enquanto eu estava sentada lá, enchendo a cara de sorvete. — Ah! Tudo bem. — Ela tomou outra colherada. — Que tal domingo, então? Eu balancei a cabeça, mas meu estômago ainda estava embrulhado. — Hum, Rider... — Minha boca ficou seca quando Rosa levantou o queixo. — Rider quer conhecer Ainsley no sábado. A colher dela caiu na taça. — Ele quer? Assenti. — Eu... Eu gostaria que eles se conhecessem. — A pele ao redor da sua boca se repuxou. Como ela não respondeu, fiquei preocupada. — Tem algum problema? Ela deu de ombros.
— Não. Acho que não. Acha? — Então, o que vocês vão fazer no sábado? — perguntou ela. — Ainsley e eu vamos almoçar, e é aí que Rider vai... conhecê-la. Em seguida, Ainsley e eu estávamos planejando ver um... filme à noite. — Parece que vai ser um dia longo e ocupado. — Ela correu a colher pela parte de dentro da taça. — Você não acha que vai ter dever de casa no fim de semana? Balancei minha cabeça enquanto eu colocava a taça na mesinha de cabeceira. Meu estômago revirava como um pretzel agora. — Carl não vai ficar exatamente confortável com você passando seu tempo livre com Rider — disse ela, e eu poderia ter parado de respirar. — Ele também era assim com Marquette — acrescentou Rosa com um sorriso triste. — Mas eu acho que é uma boa ideia seus dois amigos se conhecerem, porque ambos são importantes para você, mas também é importante nós o conhecermos. Ah, não. — Então, acho que devemos conhecê-lo antes de sábado. Isso provavelmente vai ajudar muito a aliviar as preocupações de Carl e, bem, as minhas também. — Seu olhar encontrou o meu. — Então, esse é o trato que vamos fazer. Você quer ver Ainsley e Rider neste fim de semana, então ele deve vir jantar aqui na sexta-feira. Nós dois vamos garantir que estaremos em casa. Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! — Está bem? — insistiu ela. Assenti e disse: — Está bem. — O que mais eu podia dizer? Eu não tinha a menor ideia se Rider iria concordar com isso, e agora eu estava pensando que não devia ter contado a ela sobre meus planos para sábado. Um apito soou no bolso de sua calça. Inclinando-se para o lado, ela pegou seu pager. Eu só via Carl e Rosa usando aquilo. Era estranho ver médicos usarem o que parecia ser um aparelho obsoleto. Ela pegou o celular no bolso de trás e ligou. — Dios — murmurou, levantando-se imediatamente depois de terminar a chamada rápida. — Podemos fazer uma pausa na nossa conversa? —
perguntou, franzindo a testa. — Odeio ter que pedir isso, mas preciso. Tenho uma vítima de bala dando entrada. Parece que é um garoto jovem. Assenti. — Tudo... bem. Rosa se inclinou e beijou minha testa. Ela saiu do quarto e da casa em menos de dois minutos. Eu esperava que a cirurgia fosse bem-sucedida. Perder pacientes não era fácil para ela e, naquela cidade, isso acontecia com muita frequência. Peguei meu telefone quando ouvi a porta da frente se fechar. Digitei a mensagem que fez com que eu me sentisse exatamente como antes de discursar mais cedo. Carl e Rosa gostariam de conhecê-lo sexta-feira, no jantar.
Pronto. Não havia outra maneira de dizer isso, então cliquei em Enviar. Quando levei minha taça para a cozinha, encontrei a dela na bancada. Passei uma água nas duas e, em seguida, coloquei-as na máquina de lavar louça. Quando voltei lá para cima, havia uma mensagem de Rider. Parece bom. Me avise do horário.
Caramba. Parece bom? Um sorriso se abriu em meu rosto quando mandei um ok em resposta. Ele desapareceu da conversa enquanto eu lavava o rosto, e, quando voltei, a mensagem que tinha me enviado gerou uma vibração no fundo do meu peito. Estou ansioso por isso.
Eu não estava muito certa a esse respeito. No meio da noite, ouvi Rosa chegar em casa. Rastejei para o topo da escada e ouvi Rosa e Carl falarem sobre o paciente dela. O garoto tinha 13 anos. Baleado duas vezes. Uma vez no peito e a outra nas costas. Rosa tinha conseguido salvar o coração, mas a coluna fora permanentemente prejudicada. Ela desapareceu na biblioteca, e eu sabia que ficaria lá até de manhã com uma garrafa de vinho. Ela não encarava bem isso de perder pacientes, e, embora aquele não tivesse morrido, o resultado ainda a afetava. Treze anos. E esse garoto nunca mais voltaria a andar.
CAPÍTULO 20
Ver Rider fazer seu discurso na sexta-feira foi como ligar a TV no meu programa favorito. Eu não tinha ideia do que esperar, mas sabia que ia gostar do que veria. Ele apareceu para a aula de oratória no último minuto e, em seguida, fez seu discurso informativo sobre os diferentes tipos de arte como se fosse algo muito banal. Ele foi tranquilo e quase um pouco descuidado, o sorriso indo e vindo o tempo todo, mas parecia feliz enquanto falava. Rider conhecia sua arte e era bom nisso — ficar de pé na frente da turma e, sem esforço, prender a atenção de todos. Bem, de quase todos. Durante todo o tempo em que ele falou, os dedos de Paige correram pela tela do celular escondido em seu colo. Eles não se falaram em sala nesse dia, e eu me perguntava se Paige sabia que ele ia lá em casa à noite. Eu só iria descobrir no dia seguinte. Tínhamos apenas que passar por aquela noite. Rider também não estava incomodado de jantar com Carl e Rosa. Eu, entretanto, quase não suportei o dia e tomei um banho logo depois de voltar da escola, apenas para queimar o excesso de energia. Eu não tinha ideia de como seria a noite. Mas a casa tinha um cheiro maravilhoso. Rosa estava preparando um assado em fogo baixo, e, mesmo incrivelmente nervosa, eu queria enfiar aquela coisa toda na boca. Isso provavelmente seria uma ideia ruim. Com os cabelos secos, não vesti a mesma roupa que usara para a escola. Eu não tinha certeza se isso era estranho ou não, mas achava que aquela noite... Aquela noite era especial. Três das quatro pessoas mais importantes
da minha vida finalmente iriam se encontrar. Peguei uma calça jeans e o suéter creme de manga casquillo que Ainsley me dera de aniversário no ano passado. Ele era justo no busto e na cintura, caindo um pouco solto em torno dos quadris. Torci o corpo enquanto me olhava no espelho. Pressionando os lábios, deslizei minhas mãos pelas laterais do corpo e sobre os quadris. Um pensamento inesperado me ocorreu, fazendo minhas bochechas corarem. Não foi necessariamente um pensamento. Estava mais para uma... uma imagem, um sentimento: Rider fazendo a mesma coisa. As mãos dele. Um tremor se formou no fundo da minha barriga. Tão errado; muito, muito errado. Rider era apenas um amigo. Esse era o seu lugar em minha vida. Virei de costas para o espelho e baixei as mãos. Respirei fundo algumas vezes, saí do quarto e desci as escadas. Olhei o relógio de parede no hall de entrada, e meu coração parou. Rider chegaria em breve. Rosa estava na cozinha, arrumando a mesa para quatro. Para Rider. Ai, meu Deus. Ela ergueu os olhos, sorrindo. Seu cabelo escuro estava puxado para trás em um rabo de cavalo baixo. Um cronômetro de cozinha apitou. — Pode tirar o assado do fogão? Tome cuidado. Está quente. Feliz por ter alguma coisa para fazer, peguei uma luva térmica na gaveta e fui até o fogão pegar a panela de legumes fumegantes. — Você está nervosa? — perguntou ela, indo até o armário. Sorrindo, assenti. — Não fique. — Ela começou a pegar copos. — É um momento muito emocionante para todos nós. Era mesmo. Quando os copos estavam sobre a mesa, me ocorreu que Rider e eu... nunca tínhamos compartilhado um jantar como aquele. Nem uma única vez. Nós tínhamos comido juntos. Mas geralmente no chão... — Quero lhe perguntar uma coisa antes de Carl descer. — Rosa pôs as mãos nos meus ombros. Ela sorriu, mas os olhos escuros estavam sérios. — Como você se sente em relação a Rider? Meus olhos se arregalaram. Havia muitas maneiras de responder a isso. Tantas coisas que eu podia dizer ou pensar, mas a primeira coisa que veio à minha mente foi o que senti quando eu estava na frente do espelho. — Ah, era o que eu pensava. Eu olhei para ela.
— Eu… — Você não precisa dizer nada. — Ela pôs a mão no meu rosto quente. — Está tudo certo. — Ele tem namorada — falei. — Querida, isso não significa que a gente não possa sentir algo por alguém que não devia. Oh. — Você está crescendo. — Seu olhar se levantou para o teto. — E eu definitivamente não estou pronta para isso de novo. Hum. — Mas vou ter que estar, não é? Uh. Os olhos de Rosa procuraram os meus. — Vou… — O que vocês duas estão fazendo? — Carl atravessou a sala em nossa direção. — Tendo uma reunião especial sem mim? — Apenas uma conversa de garotas. — Ela baixou a mão e passou o braço em volta dos meus ombros. Eu tinha acabado de me esquivar de uma bala em que estava escrito constrangedor. — Não se atreva a abrir essa tam... Carl tinha parado à bancada, onde o assado esfriava em uma bandeja. Ele fingiu inocência. — Eu não ousaria. — Aham. Nós duas sabemos disso, não é, Mallory? Assenti. Nós realmente sabíamos. A campainha tocou de repente, e eu dei um salto. Meu olhar procurou o relógio. Faltavam cinco minutos para a hora que Rider deveria chegar. Carl se virou em direção à entrada. — Eu atendo. — Saí, passando por ele. Deslizando até parar à porta, eu a abri sem nem olhar quem era. Mas era ele. Rider estava na nossa varanda, e... ele também tinha trocado de roupa. O alívio tomou conta de mim, imediatamente seguido por um grande senso de consciência, porque ele estava — ele estava gato. Eu não deveria notar isso, mas notei. Ele usava uma camisa cinza de botão e calça jeans escura. Meu olhar fixou-se em suas mãos. Seus lábios grossos se curvaram em um meio sorriso.
— Posso entrar? Pisquei. O sorriso se espalhou no rosto. — Ratinha? — Ah. Sim. — Dei um passo para o lado. — Claro. Rider entrou, seu olhar correndo por mim. Inspirei, sentindo o cheiro de colônia. Nossos olhares se sustentaram por um momento, e, então, ele olhou para a sala de estar. Suas bochechas estavam coradas em um tom mais escuro. — O jantar está com um cheiro incrível. — É... é assado. — Eu não estava mais com fome. Olhei para sua boca e rapidamente desviei o olhar. — Hum, Rosa... ela cozinha muito bem. Hiperconsciente de sua presença, comecei a levá-lo para a cozinha. Passamos pela sala de estar, e Rider parou de repente na frente do armário de porcelana. — O que é isso? — perguntou. Eu me virei, seguindo seu olhar. Meus olhos se arregalaram. Ele estava olhando para as esculturas de sabão que não devia ter notado no dia em que veio depois da escola. — Hum... Ele se inclinou, virando a cabeça de lado e observando um gato adormecido. — São barras de sabão? — Sim — sussurrei. — Uau! — exclamou, seu olhar passou pelo coração e pelo sol que eu tinha feito alguns anos antes. — Quem fez: Carl ou Rosa? Balancei a cabeça. — Não. Hum. Fui... Fui eu. — O quê? — Ele se endireitou e olhou para mim, com a expressão surpresa. — Você fez isso? Por que você não me disse nada? Minhas bochechas estavam queimando. — Não... ninguém além de Carl e Rosa sabe disso. Ele olhou para mim e depois de volta para o armário. — Mallory, isso é surpreendente. Ergui um ombro. — É só... sabão.
— É sabão que você esculpiu em coisas muito notáveis — disse ele. — Eu não consigo fazer isso. — Mas você sabe desenhar, pintar com spray... — E não sei fazer isso — repetiu Rider. — Essas esculturas exigem a mesma habilidade que pintar com tinta spray. Eu teria que discordar disso. Desconfortável com a atenção, gesticulei para a cozinha. — Você está pronto? Ele me olhou por mais um momento e, em seguida, assentiu. Carl e Rosa esperavam à mesa da cozinha. — Este... este é Rider — apresentei, retorcendo as mãos. — E estes... estes são Carl e Rosa. As sobrancelhas de Rosa se ergueram, e seus olhos se arregalaram um pouco. Carl olhou Rider das pontas das botas gastas até o topo do seu cabelo bagunçado, e suas sobrancelhas abaixaram. E foi nesse momento que eu soube que o jantar seria constrangedor de todas as maneiras possíveis. Começou com a comida. E então as perguntas. As duas coisas estavam relacionadas. No momento que nos sentamos, Carl começou a interrogar Rider. Pega de surpresa por essa tática, eu só consegui cortar um pedaço de carne assada e comer um pedaço de batata. Rider também mal tinha tocado na comida, provavelmente porque Carl o estava entrevistando. Quando houve uma pausa na Inquisição Espanhola, Rider se virou para mim. — Você não vai comer? Assenti e espetei uma batata. Rider me observou até que eu realmente a comesse, e resisti à vontade de revirar os olhos só porque sabia o que ele estava fazendo. Como às vezes no almoço, quando ele sempre se certificava de que eu iria comer. Era difícil quebrar um hábito depois de anos compartilhando pedaços e sobras. Comi outra batata, e Rider, uma garfada de grão-de-bico. Cortando a carne, ergui os olhos para o outro lado da mesa. Carl e Rosa estavam olhando para nós. Sabendo que eles provavelmente não entendiam
aquilo, corei. — Então você trabalha em um tipo de oficina? — Carl pigarreou. Um pedaço de carne perfeitamente assada pendia de seu garfo. — Meio período? Fechei os olhos. — Sim, senhor. Na oficina Razorback. O proprietário me chama para fazer trabalhos de pintura personalizada, — respondeu Rider pacientemente. Ele tinha sido paciente o tempo todo, durante todo o calvário. Ele respondeu a cada pergunta que Carl fez. Quanto tempo ele ficou no orfanato? Em que bairro morava? De que matéria ele mais gostava na escola? Não surpreendentemente, artes. As perguntas não paravam de vir, tanto que Rosa não conseguiu dizer uma palavra. Eu estava muito envergonhada. E incrivelmente desapontada. — Com o que seus pais adotivos trabalham? — perguntou Carl. Meus dedos se apertaram ao redor do garfo enquanto eu respirava pelo nariz. Isso... Isso estava saindo do controle. Rider continuava imperturbável. — Eu só moro com uma senhora. O marido da Sra. Luna faleceu antes de eu chegar. Ela trabalha na empresa de telefonia. — E o que você pretende fazer quando terminar o ensino médio? — Carl continuou a disparar. — Você vai completar a idade para sair do sistema e suponho que não planeje ficar com a Sra. Luna. Você vai para a faculdade? — Atualmente não tenho planos de ir para a faculdade — respondeu Rider, empurrando grãos-de-bico em seu prato. — É muito caro, e a Sra. Luna já fez muito por mim. Eu não poderia esperar que ela pagasse minha faculdade. — Há financiamentos e bolsas — ponderou Carl, enquanto cortava um pedaço de carne assada. — Tenho a impressão de que você é muito inteligente. — Ele é — concordei. — E também é muito talentoso. Ele... ele tem uma obra em exibição em um lugar na cidade. Rider sorriu para mim. — Tem? — disse Rosa baixinho. — Em uma galeria? Enquanto Rider respondia à pergunta dela, rezei para que Carl parasse com esse assunto. Rider olhou para mim e perguntou pela segunda vez:
— Você não vai comer? Metade da minha deliciosa carne assada continuava intocada. Eu me sentia frustrada demais para mastigar a comida sem cuspi-la sobre a mesa. Ele cutucou meu braço e disse em voz baixa: — Coma. Suspirando, peguei meu garfo e espetei a carne. — Contente? A covinha apareceu em seu rosto. — Muito. A careta perpétua de Carl relaxou um pouco, e ele pegou mais leve a partir daí. Mais ou menos. Quando perguntou quais eram nossos planos para o dia seguinte, fui eu que respondi, mas ele continuou dirigindo as perguntas a Rider. Trinta minutos depois de termos terminado de comer, eu meio que estava quase perdendo a cabeça. Havia muito, muito tempo que eu não me sentia assim. — Mallory disse que você tem uma namorada — comentou Carl, e eu quase engasguei enquanto meus olhos se arregalavam. — Como ela se sente com o fato de você vir jantar aqui hoje? Rosa olhou para o marido com as sobrancelhas arqueadas. Abri a boca para dizer que a namorada de Rider realmente não era da conta dele quando Rider me chocou: — Eu não tenho namorada, senhor. Pulei para trás em minha cadeira e virei a cabeça para ele. — O quê? — Quero dizer, eu tinha. — As bochechas de Rider coraram enquanto seu olhar encontrou o meu. — Paige e eu... Bem, nós terminamos. Senti um frio na barriga enquanto olhava para ele. Mil pensamentos giravam. Eu não poderia estar mais em choque. Ele não tinha falado nada. Mas também, eu não perguntava sobre ele e Paige desde a semana passada... Mas como ele poderia não ter mencionado isso? — Bem, isso parece ser surpresa para todos nós. — O tom de Carl era monótono. Ele continuou a falar, e Rider continuou a responder às suas perguntas, mas eu não estava mais prestando atenção enquanto olhava o perfil de Rider. Houvera sinais recentes de que as coisas não estavam normais entre eles. Os dois de fato não estavam se falando. Paige não tinha mais me perseguido.
Hector dissera que eles tinham brigado e por isso Rider não foi à aula na sexta-feira. Ele ficara acabado. Talvez ele não tivesse bebido. Talvez ele tivesse tido uma ressaca emocional porque eles terminaram? Talvez Paige estivesse farta da amizade dele comigo. Rider dissera que, se tivesse que escolher entre nós... Oh, Deus, eu realmente esperava que isso não tivesse nada a ver com a nossa amizade. Eu não queria ser essa pessoa que aparece e... arruína a vida dos outros. Eu ainda estava em choque quando a mesa foi tirada e Rider estava de saída. — Obrigado pelo jantar — disse ele aos Rivas, educado como sempre. — Estava uma delícia. Saindo de meus devaneios, eu me levantei com ele. — Você... precisa de uma carona? Ele balançou a cabeça enquanto empurrava a cadeira para o lugar. — Foi um prazer conhecê-lo. — Rosa se levantou, pousando o guardanapo na mesa. — Não suma — disse ela, inclinando-se para dar um abraço em Rider. Carl assentiu na direção dele enquanto contornávamos a mesa. Rider parou e estendeu a mão, enquanto Carl se levantava. — Obrigado mais uma vez, senhor. Ele deu um sorriso tenso quando apertou a mão de Rider. Nenhuma palavra foi trocada, e eu levei Rider lá fora. Os postes estavam acesos, jogando uma luz fraca no cimento liso das calçadas. — Você tem certeza de que... que não quer uma carona? — perguntei. Balançando a cabeça, ele parou nos degraus e me encarou. Nossos olhares se conectaram, e aquele calor inebriante voltou. — Foi divertido. Levantei uma sobrancelha. — Sério? Ele riu, enfiando as mãos nos bolsos da calça jeans. — Sim. Eles são muito legais. — Carl não foi... Ele não foi muito simpático. Fez tantas perguntas, e... isso não foi muito gentil. — A raiva veio à tona, arranhando minha pele. — Me desculpe por isso. — Não precisa se desculpar, Ratinha. Eu cruzei os braços sobre a cintura, percebendo que os papéis tinham se
invertido um pouco esta noite. Em vez de ele me defender, era o contrário, e isso era uma sensação estranha. — Eu sinto... sinto que preciso. Ele levantou um ombro. — Ele só é protetor com você, e eu estou feliz que você tenha pessoas querendo cuidar de você. — Ele fez uma pausa. — Não se preocupe comigo. Está tudo bem. Nada no modo como Carl agiu me dizia que estava tudo bem. — Eu não sou fácil de espantar — disse ele depois de um momento. Afastando a raiva que eu sentia de Carl, perguntei o que eu estava louca para saber. — Você e Paige terminaram mesmo? Rider assentiu. — Sim. Semana passada. Quinta-feira à noite. Balancei a cabeça devagar. — Você... não disse nada. — Não era algo sobre o que eu realmente queria falar — explicou ele, o olhar firme. — Paige e eu ficamos amigos desde que fui morar com Hector e Jayden. Não tenho certeza se... Ainda posso dizer que somos. — Sinto muito. — E eu estava sendo sincera. Apesar dos sentimentos que eu nutria por ele, do jeito que eu reagia sempre que ele estava perto, ainda lamentava que ele estivesse sofrendo. Ele deu um sorrisinho. — Eu também. Mas estar com ela... Bem, não era certo. Não mais. Bem, isso explicava quem havia terminado. Olhei por cima do ombro, perguntando por que isso não era mais certo. Eu queria perguntar por que eles tinham terminado, mas não consegui encontrar coragem para pronunciar as palavras. — Você perdeu aula na semana passada... por causa disso? As sobrancelhas dele se uniram. — Terminar um relacionamento é uma droga, Ratinha. Eu não queria magoá-la, e sei que fiz isso. Magoar Paige era a última coisa que eu queria. — Seus ombros se levantaram com uma respiração profunda. — Falamos mais sobre isso amanhã, ok? Amanhã. — Ok — sussurrei.
Ele ficou imóvel me observando. Em seguida, seu olhar deslizou pelo meu ombro e ele pareceu ter decidido alguma coisa, porque, no segundo seguinte, ele estava subindo os degraus outra vez. Parou logo abaixo de mim. — As esculturas de sabão são muito legais, e espero ver mais delas — disse, e então se inclinou e deu um beijo na minha bochecha. Prendi a respiração. Rider se afastou, o olhar sério. — Vejo você amanhã, Mallory. Meu rosto formigava enquanto eu o via girar no degrau e descer para a calçada. Ele olhou por cima do ombro, me viu e sorriu antes de continuar a andar. Fiquei ali até ele sumir de vista, permitindo-me por um momento, repetir suas palavras de despedida, e então me preparei. O choque do rompimento de Paige e Rider, somado ao pedido de Rider para ver mais esculturas de sabão, diminuiu um pouco, e eu permiti que a raiva e a frustração ressurgissem. Carl estava encostado na bancada enquanto Rosa colocava o último prato na máquina de lavar louça quando entrei. Pela primeira vez na minha vida, eu não estava pensando em milhares de palavras diferentes que poderia falar. Eu sabia exatamente o que queria dizer. Parei na frente da ilha. — Você não foi muito gentil com Rider. Carl me encarou, inexpressivo. — Eu sinto muito. — Você não foi muito legal com Rider — repeti. — Você o tratou como se ele fosse... um suspeito na cena de um crime. Os lábios de Rosa se entreabriram. Ele se endireitou, e seus olhos se arregalaram. — Mallory... — Rider não tem a mesma vida que nós — interrompi, com os olhos e a garganta ardendo. — A mãe adotiva não é médica, e ele não acha que pode pagar a faculdade. Nada disso faz dele... uma pessoa ruim. — Nós não dissemos que ele era uma pessoa ruim. — Rosa deu um passo para junto de Carl, com a expressão séria. — E se demos essa impressão... — Você deu. — Falei diretamente para Carl, a voz tremendo. — Você ficou o interrogando e não importava... como ele respondesse, não era o suficiente.
Rugas se formaram em torno de seus olhos. — Se você quer falar sobre Rider, vamos falar sobre o fato de que ele não tem namorada. — Ele tinha. Eles terminaram. — Conveniente — murmurou Carl. — Está vendo?! — Eu joguei as mãos para o alto. — Você acha... que é conveniente. Como se eu tivesse mentido sobre isso, ou se Rider tivesse. Eu quero que ele faça parte da minha vida... da nossa vida. E eu estava tão animada sobre esta noite, sobre vocês finalmente o conhecerem. — Meu lábio inferior tremeu. — Ele... Ele salvou minha vida tantas vezes, e eu achei... achei que vocês o respeitariam por isso. — Mallory — disse Carl. Virando-me, eu fiz algo que nunca tinha feito antes. Ignorei Carl enquanto subia os degraus. A conversa havia terminado.
CAPÍTULO 21
A luminária de mesa da biblioteca havia ficado acesa, inundando o espaço com uma suave luz amarela. Havia um leve cheiro de pêssegos na sala. Mergulhei entre as estantes, passando os dedos pelas lombadas dos livros. Parei na estante central e deixei a mão cair ao lado do corpo. De alguma forma, eu me peguei na biblioteca de nossa casa naquela manhã, após a noite ruim de sono que se seguira ao jantar ainda pior. Eu tinha acordado cedo e, enquanto Carl e Rosa dormiam, vaguei pela casa, inquieta e incapaz de voltar para a cama. Parte disso tinha a ver com encontrar Rider e Ainsley mais tarde. Parte tinha a ver com saber que Rider e Paige não estavam mais juntos. Ainsley me presenteara com sua usual sabedoria quando eu lhe contara sobre a catástrofe do jantar. Ela disse que a reação de Carl era normal, que, quando ela levou Todd em casa pela primeira vez, tinha certeza de que seu pai iria atirá-lo porta afora. Eu não tinha tanta certeza de que esse fosse o caso. Em seguida, ela se concentrou no drama Paige e Rider, convencida de que o término significava algo para mim. Eu não podia sequer permitir que minha cabeça navegasse por essa área, porque ela não sabia o que fazer com tudo isso. Pensei no livro que Rider costumava ler para mim quando éramos pequenos; uma história que sempre me fazia chorar, mas que também me enchia de esperança de que um dia também seríamos reais, seríamos amados. Porque era assim que as coisas pareciam na infância. Como se Rider e eu não fôssemos reais. Ninguém pensava em nós ou se preocupava conosco. Fomos esquecidos, deixados para trás, para que nos cuidássemos praticamente sozinhos.
Agora eu tinha duas pessoas que pensavam em mim, que cuidavam de mim e que se preocupavam comigo. Eu devia ser grata por isso, como Rider me lembrou ontem à noite, mas agora eu só sentia raiva. Carl e Rosa sabiam tudo sobre Rider, tudo o que ele tinha feito por mim enquanto crescíamos. Eu achava que isso colocaria Rider em uma boa posição com Carl, mas ele tinha sido cético e desconfiado. Crítico. E eu ainda não acreditava que tinha falado aquilo para Carl. Mesmo agora, meu coração meio que disparava e eu me sentia mal. Eu sabia que Carl estava chateado comigo, talvez até furioso por eu ter dito o que disse. Eu queria... Eu queria ser perfeita para ele — para eles, e não fui perfeita na noite passada. Eu tinha evitado os dois na noite passada, e esse também era o plano para hoje. Suspirando, caminhei pelas estantes. As duas prateleiras do centro estavam cheias de porta-retratos, começando com a foto de um bebê feliz e progredindo até se tornar uma adolescente bonita e radiante, com cabelo escuro comprido e brilhantes olhos castanhos. Olhei as fotos de Marquette e não pude deixar de pensar como era injusto que ela não estivesse mais ali. E não era justo que o garoto que Rosa operou nunca mais voltasse a andar. Todas as coisas horríveis que Rider testemunhara, vivera, não tinham sido justas. Não era justo que eu… Fechando os olhos, silenciei os pensamentos. Se eu fosse lá agora, na minha cabeça, eu ficaria destruída. Haveria coisas nas quais eu não queria pensar. Quando reabri os olhos, Marquette olhou para mim de uma foto tirada alguns meses antes de sua morte. Ela estava na praia, usando um biquíni preto bonito que eu duvidava ter confiança para vestir algum dia. Óculos de sol cor-de-rosa protegiam seus olhos, e o sorriso era largo. A areia branca brilhava sob seus pés, e o oceano cintilava atrás dela. Marquette tinha um namorado, com quem tinha começado a sair no primeiro ano. Eu não sabia seu nome, só sabia que ele existia pelos fragmentos de conversas que pesquei ao longo dos anos. Ela também tinha muitos amigos. Popular. Inteligente. Em todas as fotos, parecia uma boa menina. Alguém como Keira. Pensei no menino que nunca mais voltaria a andar. Como era sua vida? Logo percebi que não importava se ele não era gentil, se não era querido ou
se não era o garoto mais popular da escola. Não era justo. Afastando-me das fotos, pensei em algo que já me ocorrera um milhão de vezes. E era uma coisa errada, tão horrível de considerar, mas eu não podia evitar. Se Marquette ainda fosse viva, eu teria aquela vida? Carl e Rosa ainda teriam lutado para me trazer para casa? Teriam me dado todas as oportunidades que tantos outros não deram? Eu não sabia as respostas para essas perguntas, e elas me incomodavam, mas eu sabia duas coisas. A vida de Marquette foi interrompida. E eu recebi uma segunda chance. Continuei olhando para sua foto. Eu tive uma segunda chance quando tantas pessoas só tinham uma, e não poderia desperdiçá-la. O que Santos dissera na aula de oratória sobre tentar e viver? Era tudo uma questão de tentar, e era isso que eu faria. Eu tentaria. — Ai, meu Deus — gritou Ainsley quando me aproximei do banco no qual ela estava sentada. Ela deu um pulo, ajeitando seus óculos de sol que começaram a deslizar pelo nariz. — Você está linda! Diminuindo o passo, baixei os olhos para meu corpo, aliviada. Escolher minha roupa para aquele momento tinha sido um esforço muito estressante. Acabei me decidindo por uma legging preta, uma regata de renda branca e um casaco de lã azul-claro. Deixei o cabelo solto e o alisei com a chapinha de Rosa. Fiquei surpresa por não ter fritado meu cabelo no processo, e limpei a maquiagem três vezes antes de acertar o que parecia ser um olhar “fresco” que aprendi no YouTube e levou cerca de trinta minutos para ficar pronto. Ainsley pegou minha mão e começou a me puxar em direção ao café que ela havia escolhido. — Ok. Você chegou uns cinco minutos mais cedo, ele vai estar aqui a qualquer momento, e eu quero surtar. Eu ri. Ela queria surtar? Eu sentia que estava prestes a hiperventilar. Ela nos conduziu pelo restaurante. O lugar não estava muito cheio, e nos sentamos imediatamente a uma mesa grande o suficiente para quatro pessoas. Ela ficou de frente para mim, deixando a cadeira ao meu lado vazia, e meu coração pulou. Empurrando os óculos de sol para a cabeça, ela fez uma careta quando
olhou para a nossa esquerda, para a fachada de vidro. A luz forte do dia inundava o restaurante. Ela virou a cadeira de modo que não ficasse sentada diretamente para a luz. — São os seus... olhos ainda... a incomodando? — perguntei. Revirando os olhos, ela suspirou. — Sim. Eu não sei o que há com eles. O oftalmologista com quem me consultei para fazer óculos novos disse a minha mãe que eu precisava ver algum tipo de especialista. A preocupação me invadiu. — Para quê? Ela levantou um ombro. — Ele viu algo estranho quando estava examinando meus olhos, e acha que é melhor um especialista em retina dar uma olhada. Ele acha que não é nada sério. Um especialista me soava como algo sério. — Será que ele acha que tem algo errado? Ela balançou a cabeça. — Não tenho certeza. Ele não disse muito mais que isso. — Quando é... a sua consulta? — perguntei, parando quando a garçonete apareceu e encheu nossos copos com água. — Daqui a duas semanas. De qualquer forma, chega de falar de mim. Você está nervosa? — perguntou ela, passando os dedos ao redor do menu. Assenti, embora eu não tivesse certeza se Ainsley estava me contando toda a verdade sobre seus olhos. — Estou. — Você sabe o que é isso, né? — Ela puxou o menu para junto do peito. — Isto é tipo um encontro. Senti um frio na barriga. Balancei a cabeça. — Sim. Sim — reiterou ela. — É como um encontro. Um encontro de ensaio. Encontro de ensaio? Essas coisas existiam? Eu ia perguntar, mas ela continuou: — Ok. Vamos olhar as evidências. A partir do momento que vocês se viram, ele fez todos os esforços para chegar até você, certo? Ele matou aula para almoçar com você. Quando você surtou, ele saiu para ver se estava tudo bem, e depois lhe mostrou o grafite. Ele ajudou você com seu discurso e
realmente foi conhecer Carl e Rosa. Isso significa que ele está interessado. Também significava que ele podia apenas querer ser parte da minha vida, mas, antes que eu pudesse fazer essa observação, eu o vi. Rider estava ali. Ele se virou para o lado e procurou pelo restaurante. Enrijeci. Seu olhar se encontrou com o meu, e um lento sorriso apareceu em seu rosto. Ele não estava como na noite passada. Estava mais para como era todos os dias na escola. Jeans gastos. Uma blusa de manga comprida sem gola em vez da camiseta e tênis surrado, mas, por Deus, eu não conseguia pensar. Ok. Isso não é verdade. Eu conseguia pensar, mas estava pensando em coisas que eu realmente não tinha a menor noção de como eram. Eu pensava naqueles lábios cheios e ligeiramente curvados e em como devia ser a sensação deles em... outros lugares além da minha testa ou da bochecha. Eu estava pensando em suas mãos e em como eram fortes e nos calos estranhamente agradáveis das palmas de suas mãos. Eu estava pensando... em um monte de coisas; coisas que agora não pareciam tão erradas, já que ele estava solteiro. Percebendo minha posição quase caindo, Ainsley olhou por cima do ombro. — Oh, Deus todo-poderoso! — exclamou. — É ele? — Sim — sussurrei. Definitivamente era ele. Ela se virou de volta para mim, os olhos azuis arregalados. — Mallory. Uau! Eu não poderia responder, porque estava focada em Rider. Ele atravessou o centro do restaurante com uma confiança que escorria de seus poros. Uma mulher mais velha sentada com o marido olhou para cima quando ele passou pela sua mesa. Ela sorriu, seu olhar o seguindo. E então ele estava na mesa. Eu poderia ter parado de respirar quando ele deu a volta, puxou a cadeira ao meu lado e se sentou. — Desculpe — pediu ele, olhando para mim. — Estou alguns minutos atrasado. Ele estava? — Hector me deu uma carona — continuou. — Ele está em algum lugar por aqui. Mas não queria atrapalhar nosso almoço. Rider o tinha convidado? Nesse caso, isso mudava o fato de que Ainsley achava que se tratava de um encontro de ensaio? Será que isso realmente
existia? Alguma dessas coisas de fato importava? Ainsley se inclinou para a frente, sorrindo para Rider. — Eu sou a Ainsley. Oi. Rider inclinou a cabeça para o lado, sorrindo para ela. — Eu sou o Rider. — Eu sei — disse ela. — Você definitivamente é o Rider. Estreitei os olhos para ela. Ela me ignorou. — Estou muito feliz por finalmente conhecê-lo. Já ouvi falar muito de você. — É mesmo? — Ele levantou as sobrancelhas, olhando para mim. — O que você andou dizendo a ela, Ratinha? Abri a boca, mas não havia palavras. O lado direito de seus lábios se curvou. A covinha apareceu. Ó Deus! — Mallory disse que você é um cara incrível — respondeu ela, e eu não tinha certeza de que já tivesse dito isso com essas palavras. — E vocês dois cresceram juntos. Melhores amigos? — Sim — murmurou ele, ainda olhando para mim com aquele... aquele bendito sorriso. — Fomos melhores amigos. — Fazendo uma pausa, ele finalmente olhou para Ainsley. — Mas eu acho que fui substituído. — Foi mesmo — brincou ela. — É uma boa coisa que eu gostaria de compartilhar. Ele riu. — Acho que sim. Meu coração batia acelerado, e eu sabia que precisava dizer alguma coisa. Qualquer coisa. — Você... já comeu aqui antes? Isso soou meio idiota. Rider balançou a cabeça, sem se incomodar com minha idiotice. — Não. — Ele olhou o menu. — Mas os hambúrgueres têm uma cara ótima. De repente, pensei no Firehouse. Tinha mais o estilo de Rider, descontraído e gasto. Este lugar, com todo o vidro e os tampos das mesas brancos e brilhantes... Era o tipo de lugar no qual Ainsley e eu comíamos o tempo todo agora, mas eu nunca teria posto os pés aqui antes de Carl e Rosa. Será que Rider se sentia deslocado? Será que ele se importava? Ou eu
estava apenas sendo boba? Provavelmente boba. — Os hambúrgueres são incríveis — recomendou Ainsley. — O homus também. — Homus? — Rider inclinou a cabeça para trás e riu. — Não é o meu estilo. Me dê carne. — Você já experimentou homus? — perguntou ela. — Na carne? Franzi o nariz. — Não. — Ele riu outra vez. — Nunca experimentei. — Deveria — respondeu ela. — Não deveria, não — avisei. Quando a garçonete chegou, Rider pediu um hambúrguer sem homus. Eu pedi a mesma coisa e acrescentei uma Coca-Cola. Ainsley escolheu o aperitivo de homus que ia comer sozinha. Rider e Ainsley engataram uma conversa amena. Ela perguntou a ele sobre a escola. Ele perguntou a ela sobre estudar em casa, e, quando terminamos o almoço, eles estavam conversando como se se conhecessem há anos. Eu os acompanhava, mas fiquei em silêncio, o que não era surpresa. Relaxei, mas estava muito consciente de cada movimento que Rider fazia e de cada vez que ele olhava na minha direção. — Vocês vão fazer alguma coisa depois do almoço? — perguntou ele, pousando o braço nas costas da minha cadeira. — Um cinema ou algo assim? — Na verdade, eu não posso ir ao cinema. Tenho... Meus pais querem que eu faça uma coisa à noite, por isso Mallory está totalmente livre — disse Ainsley, apressada. Eu congelei. O quê? Ela não mencionou que tinha mudado os planos. O olhar de Rider correu entre nós duas. — Achei que vocês iam passar o dia inteiro juntas. — Não — respondeu Ainsley depressa. — Só algumas horas. Ela é toda sua pelo resto do dia, e, pelo que sei, o toque de recolher dela é, tipo, onze horas. Meus olhos se arregalaram. Ai, meu Deus! O que estava acontecendo? Olhei para ela, que abriu um sorriso inocente para mim. Um aviso prévio teria sido bom. Um lado dos lábios de Rider se curvou quando ele pegou sua bebida. — Parece bom para mim. — Ele bateu os dedos na parte de trás do meu
ombro. — Quer ir até a oficina? Sua voz baixa e rouca fez meu coração disparar. Ainsley encarava seu prato vazio. Antes que eu pudesse formular uma resposta, um celular tocou na nossa mesa. Rider se remexeu, pegando o telefone no bolso. Ele olhou para a tela e se levantou. — Já volto. Assim que Rider estava longe o bastante para não nos ouvir, Ainsley se virou para mim. — Mal, ele é um gato. Corei, pegando minha bebida. Rider era muito gato. Disso, não havia dúvida, mas ia além de sua beleza física. Por baixo de todas essas coisas boas, havia um cara... muito, muito legal. Um coração brilhante. — Você não estava brincando quando o descreveu. — Ainsley sorriu quando se recostou na cadeira. — Você vai com ele? Quero dizer, você meio que tem que ir, porque eu acabei de jogá-la nisso, mas só fiz isso porque você queria ser jogada. Você precisava ser jogada. Piscando, quase deixei meu copo cair quando olhei para ela. — Mas eu vou... passar o dia todo com você. — Nós tivemos nosso encontro. Mesmo que eu não tenha conseguido convencer você a provar o homus. Agora é sua chance de sair com alguém. Alguém muito gato. Meu estômago se embrulhou, uma sensação muito familiar, que não era nada desagradável. — Mas... — Rosa e Carl acham que você está comigo. Então, contanto que chegue em casa na hora, eles nunca vão saber. Eles não vão falar com os meus pais. — Seu sorriso era malicioso. — Ainda mais porque eles têm compromissos esta noite. Noite do encontro ou algo assim. — Ela franziu o nariz. — Então, não tem problema. Ergui os olhos para onde Rider estava, e a sensação de embrulho aumentou. Minha mente girava. Eu não podia acreditar que estava realmente considerando isso. Sim, eu tinha saído da escola sem que Rosa e Carl soubessem, e Rider tinha ido até minha casa sem que eles soubessem, mas isso... isso seria diferente. Era como uma espécie de linha invisível que eu cruzava. Os Rivas achavam que eu estava com Ainsley, mas eu não estaria.
Estaria com Rider. Em uma tarde de sábado e talvez à noite. O encontro de ensaio parecia um encontro de verdade. Parecia ser um passo importante. Se eu fosse pega, eles iriam dizer que tinha sido Rider e que ele era uma má influência, mas na verdade ele não sabia que eu não tinha autorização. Droga, eu nem sabia se não teria autorização, mas tinha certeza de que não ia perguntar. Eu nem tinha certeza se estava fazendo algo errado, e eu não ia perguntar, porque parecia uma pergunta estúpida demais para se fazer. Rider baixou o telefone, enfiando-o no bolso. Eu poderia fazer isso? Sair com ele? Peguei depressa minha bebida e tomei um grande gole. Por que eu estava surtando por isso? Rider e eu crescemos juntos. Claro, havia anos que não nos víamos, mas éramos amigos e ele tinha acabado de sair de um relacionamento. Não era um encontro de ensaio. E eu poderia fazer isso. — Você... você acha que eu devo ir? Os olhos azuis de Ainsley estavam arregalados de empolgação. — Sim! Ai, meu Deus, sim! — Ela bateu no meu braço. — É o momento perfeito para um tempo a sós. Franzi a testa. — Mas nós... nós temos muito tempo a sós. Ela olhou para mim por um instante e revirou os olhos. — É um tipo diferente de tempo a sós, Mallory. É um tempo a sós no sábado. Arqueei as sobrancelhas. Balançando a cabeça, ela pegou sua bebida. — Confie em mim. É diferente. Eu ia ter que confiar nela a esse respeito. — Você está interessada nele, então, só um aviso... acho que ele está interessado em você também. Quero dizer, vamos lá, por que ele não estaria? Mas os garotos são meio idiotas às vezes, então ele provavelmente vai pegar leve e agir como se não estivesse a fim. Abri a boca. — Foi o que Todd fez. Ele agiu como se não estivesse a fim de mim até que ficamos sozinhos, e então entrou em ação.
Rider entraria em ação? Meu coração começou a inflar diante dessas possibilidades, e meu estômago revirou de novo. Ainsley estava praticamente quicando em sua cadeira. — Eu sei que tudo isso é novo para você, mas apenas respire fundo e se divirta. Talvez ele vá fazer mais do que segurar sua mão. Ai, meu Deus, isso era muito para mim. Eu nunca deveria ter contado a ela sobre Rider segurar minha mão. Eu precisava tanto de um adulto. — Olha — disse ela, baixando a voz enquanto estendia a mão, colocando-a sobre a minha. — Só vá se você se sentir à vontade. Se for algo que você queira fazer. Se não quiser, não tem problema algum. Só que eu sei que você gosta dele mais do que apenas como amigo. Eu sei pela maneira como você olha para... — ela hesitou, olhando por cima do ombro — hum. Meu Deus, quem é esse? Com as sobrancelhas unidas, segui seu olhar e vi que Rider não estava mais sozinho. Hector estava com ele na entrada do café. A preocupação cresceu. Suas cabeças estavam abaixadas, e a tensão na mandíbula de Rider dizia que eles não estavam falando sobre algo divertido. Olhei para fora das janelas da frente, esperando ver Jayden, mas ele não estava lá. Agora que eu pensava nisso, não tinha visto Jayden na escola nos últimos dias. — Sabe quem é aquele? — perguntou Ainsley. Engolindo enquanto pousava o copo, assenti. — O nome dele é... Hector. Ele é amigo de Rider. Um sorriso discreto curvou os lábios dela. — Ele é gostoso. Nesse exato momento, Hector riu de alguma coisa que Rider devia ter dito. O som era profundo e fez várias cabeças no café se virarem. Hector era gostoso. Não havia dúvida disso, mas meu olhar se desviou para Rider. Ele sorriu ligeiramente, a covinha na bochecha direita brincando de escondeesconde. Seus lábios se moviam, e Hector olhou para nossa mesa. A surpresa brilhou em seu rosto, e, em seguida, seus lábios cheios se curvaram para cima quando seu olhar caiu sobre Ainsley e ficou ali. — Gostei — sussurrou ela. — Será que ele tem namorada? Dei de ombros, perguntando-me se ela ainda tinha namorado. Eu não tinha certeza se Hector tinha alguém sério. Eu o vira com algumas meninas na escola, mas não acho que ele estivesse namorando nenhuma delas.
Rider e Hector vieram até a nossa mesa. Rider tomou seu assento ao meu lado, enquanto Hector se sentou ao lado de Ainsley. — Esa chica esta bien caliente. — Hector riu quando Rider balançou a cabeça. Ainsley se enrijeceu na minha frente. Ela era boa em espanhol, e, embora Hector fosse porto-riquenho, eu tinha a sensação de que ela captava a essência do que ele estava dizendo, e não estava contente. — Me gustaria a llevarla a mi casa y comerla. Ainsley inclinou a cabeça para o lado enquanto jogava o cabelo longo e louro por cima do ombro. — Gracias! Pero no hay ni una parte de mi que tu te vas a comer. Os olhos de Hector se arregalaram. Rider jogou a cabeça para trás e deu uma gargalhada. — Ah, merda. Isso não tem preço. — O quê? — Ainsley piscou os olhos grandes para Hector, que estava atordoado. — Você acha que uma garota branca não pode entender outro idioma, por isso vai se sentar bem na minha frente e falar sobre mim como se eu não estivesse aqui? — Seu sorriso era frágil e falso. — Faça-me o favor. — Cara... — Hector se sentou, balançando lentamente a cabeça enquanto olhava para ela. — Você é... cruel. — Sou direta — respondeu ela, os olhos como lascas de gelo azul. Qualquer atrativo que ela tivesse visto em Hector agora estava destruído. — E você é um grosso. Os olhos de Hector se estreitaram. — Eu realmente gosto da sua amiga, Ratinha. — Ainda rindo, Rider piscou para mim. — Ela praticamente o chamou de estúpido sem classe, e eu concordo. Oh, céus! Ainsley arqueou uma sobrancelha enquanto olhava a camisa gasta de Hector. — Se a carapuça serviu... — Que carajo... — murmurou Hector. — Nena, você não me conhece. Ela levantou um ombro. — E nem quero. Oh. Oh, uau! Isso estava desandando rápido, embora Rider parecesse querer uma tigela de pipoca. Ainsley se remexeu na cadeira e me encarou, o rosto ligeiramente corado.
— Você vai com Rider? — perguntou, a voz baixa, mas ainda audível. — Aonde vocês vão? — perguntou Hector, o olhar ainda fixo nela. Ela o ignorou, e meu estômago estava dando piruetas novamente. — Eu ia levá-la à oficina — disse Rider. O lábio de Hector se curvou. — Nossa, que empolgante! Só que não. — Ele sorriu quando Rider levantou a mão e estendeu o dedo médio. — Você não vai ao Ramon esta noite? Festão. O olhar de Rider encontrou o meu, e havia um nó na minha garganta. — Não se Mallory for à oficina comigo. — Você pode levá-la — disse Hector, e então olhou para Ainsley com um sorriso. — Eu a convidaria, mami, mas provavelmente não tem classe o bastante para você. — Se você está envolvido, provavelmente não — respondeu ela, seca. — Mas não estou interessada mesmo, então não importa. Eu mal percebi que Hector e Ainsley começaram a discutir nesse momento, a maior parte em espanhol. Uma festa? Por mais bobo que isso parecesse, eu nunca tinha ido a uma festa antes. A nenhum lugar que ao menos parecesse uma festa. A pulsação latejava em meu pescoço, como um colibri fora de controle. Deixando as mãos caírem nas pernas, eu as deslizei sobre as coxas. O que eu ia fazer lá? Eu me agarraria a Rider como um polvo. As pessoas esperariam que eu falasse... que me misturasse. Que eu bebesse. A única vez que experimentei álcool foi quando tinha 9 anos e acabei cuspindo. Eu mal podia falar na frente de várias pessoas agora, imagina numa festa. O olhar de Rider encontrou o meu, e eu sabia que devia estar parecendo em pânico. Praticamente podia sentir o sangue se esvaindo do meu rosto. — Não, eu realmente não estou a fim de ir a uma festa hoje à noite — disse ele, quando houve uma pausa na discussão entre Hector e Ainsley. — Tudo bem por você, Mallory? Parte de mim sabia que ele só estava dizendo isso por minha causa. Afinal, eu tinha certeza de que uma festa era mais divertida do que ele tentando me ensinar a pintar com tinta spray. Mas não havia como negar o doce zumbido de alívio em minhas veias. Eu estava dando alguns passos — engatinhando como um bebê —, mas ir a uma festa parecia um enorme salto de um penhasco, sem corda. Engolindo
em seco, assenti. — Tudo bem. — Bom — murmurou ele, recostando-se. — Então vamos à oficina. Tentando manter a calma, abaixei meu olhar, mas não consegui evitar que o sorriso se formasse nos cantos dos meus lábios. Definitivamente, era um sorriso pateta, muito grande e fora de controle, mas eu estava animada. Nervosa. Mas muito mais animada. Não importava o que acontecesse aquela noite — seria uma primeira vez.
CAPÍTULO 22
Rider estava ao volante do meu carro, dirigindo até a Razorback. Fazia sentido, já que ele sabia aonde ir e eu estava uma pilha de nervos. Nos primeiros momentos, enquanto saíamos do estacionamento, não falamos. Levei esse tempo tentando encontrar algo a dizer. — Você... você gostou do café? — perguntei. — Eu sei que foi... diferente. — Assim que as palavras saíram da minha boca, estremeci. Eu poderia ter dito alguma coisa mais idiota? Tipo, como está o tempo? Droga! Ele mordeu o lábio inferior e olhou para mim. — Foi legal. Como assim, diferente? — Eu só estava... pensando que antes, eu... nunca teria posto os pés em um lugar como aquele. — Fiz uma pausa, perguntando aonde eu estava indo com isso. — Nós não teríamos. Ele deslizou a mão sobre o volante, fazendo as curvas com facilidade. — Então, o que você realmente está perguntando é se me senti confortável em um lugar como aquele? Abri a boca, mas as palavras ficaram presas outra vez. Como sempre. O calor tomou minhas bochechas. Era isso que eu estava perguntando, não era? — Ratinha? Balançando a cabeça, mexi na alça do meu cinto de segurança. — Não foi isso que eu quis dizer. Ele ficou em silêncio enquanto parava por causa do trânsito. — Não? Eu não sabia o que falar. — No entanto, parece ser uma pergunta bastante óbvia. Quero dizer, não
temos mais vidas iguais, não é? — disse ele. Olhei para Rider. Ele estava olhando para a frente. Uma das mãos no volante, e a outra descansando em sua coxa. Minha reação natural era apenas ficar calada. Se eu fizesse isso, sabia que Rider mudaria de assunto, mas eu tinha trazido isso à tona. Cabia a mim resolver. Eu não podia ficar calada para sempre. Respirando superficialmente, concentrei-me no caminhão vermelho à nossa frente. — Não temos, mas eu... eu realmente não penso nisso. Foi por isso que não pensei duas vezes sobre... o café. — Eu me sinto tão confortável em um lugar como aquele quanto em qualquer outro — respondeu ele depois de um momento, a voz inalterada, sem qualquer emoção. Olhando para ele, eu me senti como uma completa idiota. — Eu provavelmente... ofendi você. Sinto muito. — Você não me ofendeu — disse ele, apertando os olhos. — De verdade. Assenti e apertei os lábios. Havia tanta coisa que Rider e eu partilhamos no passado, mas às vezes parecia que um abismo se abria entre nós. Eu poderia me sentar aqui e pensar nisso ou poderia tentar criar uma ponte sobre esse abismo. Forçando meus dedos a relaxarem ao redor do cinto de segurança, deixei minhas mãos caírem no meu colo. — Na... aula ontem, pareceu que... você e o Sr. Santos se conhecem. — Ele me ajudou quando fui preso por pichar a escola — respondeu ele. — Acho que te contei isso. — Parecia... mais do que isso. — Olhei para ele. — Ele colocou... sua arte em uma galeria. Rider não respondeu de imediato. — Ele meio que fica de olho em mim desde o incidente da pichação. Ele é assim, você sabe. Presta atenção. — Ele levantou um ombro. — Sempre de olho. Não vê o que os outros veem. — O que… você quer dizer? Seus dedos tamborilaram no volante. — Ele não vê apenas bairros, endereços ou qualquer uma dessas bobagens. — Rider faz uma pausa e olha para mim quando paramos em um sinal. — Ele tem ficado no meu pé para buscar um futuro nas artes. Falou para eu dar
uma olhada na MICA. — Ele riu, balançando a cabeça. — Ele estabelece metas elevadas. A Maryland Institute College of Art era uma reconhecida escola de arte na cidade. Tipo, uma das melhores. — Se Santos acha que você tem... o que é necessário para entrar lá, por que você não concorda com ele? Suas sobrancelhas se levantaram. — Tenho certeza de que um semestre lá custa mais que um carro novo. — E quanto aos financiamentos estudantis? Ele não respondeu. E eu não desisti. Não pelas mesmas razões que Carl o interrogou na noite anterior, mas porque Rider tinha talento de verdade. — Se não a MICA, existem outras faculdades mais... baratas. Mais fáceis de entrar. — Eu sei — respondeu ele, e foi tudo que disse. Franzi a testa enquanto o observava. — Quando éramos mais jovens, você falava de ir para a faculdade. Falava disso, e eu... não. Sua mão apertou o volante. — Eu era criança naquela época, Ratinha. — E daí? — As coisas são diferentes agora. — As coisas estão melhores agora — respondi. — Não estão? Ele diminuiu a velocidade, pegando uma rua estreita. — Você já reparou que, quando tem convicção de alguma coisa, não gagueja nem hesita? Eu tinha notado, e parte de mim estava emocionada por ele prestar tanta atenção em mim a ponto de perceber isso. Mas, falando sério, não era disso que estávamos falando. — As coisas estão melhores, não estão? — Sim, Ratinha — disse ele com um suspiro. Meus olhos se estreitaram. — Quando você fala assim, não tenho certeza se acredito. — Eu o observei, decidindo que poderia fazer mais perguntas. — O que aconteceu... entre você e Paige? — Por que o ensino superior? — rebateu ele, enquanto parava numa vaga
em frente à oficina. — Porque eu me importo — disparei. Ele estava certo sobre o ensino superior. Eu meio que estava fazendo a mesma coisa que Carl fizera na noite anterior, mas pelo menos minha intenção era boa. Rider virou a cabeça para mim, e nossos olhos se encontraram. Eu não me arrependia de ter despejado essas palavras, porque eram verdadeiras. Eu me importava com ele. Eu sempre me importei com ele. Sem desviar o olhar, ele desligou o motor e tirou a chave. Suas mãos pousaram em seu colo enquanto ele me olhava. — Não era justo com Paige — disse ele. — O namoro. — Como assim? — perguntei. Ele olhou para mim por um momento, e, em seguida, um lado de seus lábios se curvou. — Acho que a gente nem devia ter ficado junto. Estávamos melhor como amigos, e isso... — Seu olhar se desviou para o prédio cinzento e baixo. — Quero dizer, eu realmente me importava com ela. Eu me importo com ela. E talvez houvesse uma parte de mim que no início achava que... que era algo mais profundo, sabe? A questão é que não era profundo. — Seus ombros se levantaram quando ele respirou fundo. — Acho que eu já sabia disso há um tempo. E me convenci de que Paige pensava como eu. Não me arrependo de nossa relação, mas me arrependo de ter esperado tanto para terminá-la. Eu a magoei por isso, e, cara, isso é horrível. Ela é importante para mim... Ele balançou a cabeça. — Depois que você e eu terminamos de treinar na biblioteca, fui vê-la. Terminei tudo como eu devia ter feito antes. Então bebi na última quintafeira... bebi um pouco além da conta. Fazendo uma pausa, Rider estendeu a mão, e os dedos roçaram a lateral do meu corpo enquanto ele desafivelava o cinto de segurança. — Estar com ela não era a coisa certa a fazer, sabe? — Ele deslizou o cinto sobre meu ombro. — Eu sentia como se a estivesse prendendo. Especialmente agora. — Agora? — Sim. — Seu olhar procurou o meu. — Especialmente agora. Meus lábios se separaram, inspirando suavemente. Um longo momento se passou, e ele perguntou: — Você está pronta para entrar?
Apertando os lábios, assenti. Abri a porta e esperei Rider dar a volta até o meu lado. Um caminhão passou por nós, a música, uma batida pesada, ecoando enquanto ele descia a quadra. Olhei em volta quando atravessei a rua. A vizinhança não era ruim. Muitos imóveis comerciais e, mais abaixo, uma fileira de casas de tijolos. — Você mora aqui perto? — perguntei. Rider assentiu e parou na frente de uma porta cinza, num prédio sem janelas. — Sim. Cerca de três quadras à frente. — Ele pegou uma chave e abriu a porta. — A oficina é meio bagunçada. Desculpa. — Tudo bem. — Era uma oficina. Eu esperava que fosse bagunçada. Ele abriu a porta e entrou, segurando-a para mim. Eu o segui. Um cheiro forte me atingiu imediatamente, uma combinação de tinta e óleo misturados com gasolina. Tinha cheiro de trabalho pesado. Quando ele acendeu um interruptor na parede, um zumbido baixo reverberou por todo o prédio. Luzes penduradas no teto se acenderam, espaçadas a cada 60 centímetros. A luz era fraca no início, mas depois ficou mais forte. Rider seguiu em frente, enfiando as mãos nos bolsos. — Vem comigo? Cruzando os braços na cintura, eu o segui; ele contornou um carro suspenso no ar. Estava sem pneus, as rodas metálicas expostas. Havia bancadas de trabalho e caixas de ferramentas por toda parte. Manchas de óleo e graxa cobriam o chão de cimento. Quanto mais entrávamos no edifício longo e largo, mais carros víamos, cobertos por lona grossa, e mais forte ficava o cheiro de tinta. Estava mais escuro lá atrás. Uma fraca luz amarela iluminou o rosto de Rider quando ele olhou por cima do ombro. Parou junto de um carro coberto. — Eu não tenho horário fixo aqui. Drew me chama quando aparece trabalho para mim. Tive sorte nos últimos meses. Os serviços têm sido constantes. Esticando-se, ele pegou uma corrente. Quando a puxou, os músculos de suas costas ficaram tensos e sua camisa se ajustou sobre os ombros e bíceps. Aquela sensação pesada de calor se infiltrou em minhas veias. A luz inundou o espaço. A primeira coisa que notei foi uma grande tela drapeada em toda a parede. Ela estava coberta com tinta. Como se uma
centena de cores diferentes tivesse sido jogada ali sem nenhum padrão específico. Rider seguiu o meu olhar. — É onde eu testo as cores. Às vezes tenho que misturá-las antes de colocá-las no pulverizador. — Pulverizador? Assentindo, ele se virou para uma bancada sobre o qual estavam várias vasilhas prateadas com bicos. Foi até lá e pegou uma. — A tinta entra aqui. — Ele passou o dedo em um tubo na ponta do pulverizador. — E a parte inferior se conecta a uma mangueira que vai até o compressor de ar. — Ele riu, soando um pouco louco quando pôs o pulverizador de volta na bancada. — Não que você tenha pedido uma aula sobre um pulverizador. — Está tudo bem. — Eu me aproximei. — É interessante. Rider riu de novo enquanto se afastava do balcão. Passou por mim, parando na frente de um carro coberto. — Venho trabalhando neste carro na última semana. — Ele pegou a lona no capô do carro e a puxou. — Está quase pronto. Meu queixo caiu. Eu não sabia que tipo de carro era aquele. Era branco e tinha dois lugares. Provavelmente um cupê. Não importava. O que me chamou a atenção foi o que estava pintado sobre o capô e o para-choque dianteiro. Era a bandeira americana. Isso pode não soar muito especial, mas o detalhamento da bandeira a levava para um nível totalmente novo. Nem uma única linha vermelha borrava as linhas brancas. As estrelas eram perfeitas explosões de branco no meio do azul-marinho. A bandeira não era um quadrado estagnado. Ela ondulava como se fosse um pano de verdade jogado sobre o capô, drapeada sobre o para-choque, e como se o vento a soprasse. Dava a impressão de que o carro estava mesmo se movendo. Como ele podia fazer isso com tinta pulverizada na superfície? — O cara queria algo americano. — Ele deu um passo à frente, deslizando a mão no para-choque, limpando uma sujeirinha imaginária. — Acabamos decidindo pela bandeira. Espantada, balancei a cabeça e levei a mão ao peito. Eu não conseguia acreditar. Eu tinha visto o que ele havia pintado no armazém, e aquilo era inspirador, mas isso era muito diferente.
— Isso é incrível. — Sério? — Sim. — Virei para ele, os olhos arregalados. — Como você pode não ver quão incrível é isso? Rider deu de ombros enquanto voltava sua atenção de novo para o carro. — É só uma bandeira. — Parece real! — Minha voz soou aguda, mas não me importei. Rider saiu do nada. Nada. Foi criado na escuridão e na violência, mas tinha essa capacidade o tempo todo. O que ele vivera não apagou seu talento. — Como se eu pudesse caminhar até lá e... levantá-la. — Hum. — Ele hesitou. — Obrigado. — Você... mantém registros do seu trabalho? Ele balançou sua cabeça. — Na verdade, não. — Você devia tirar fotos — insisti. — De tudo o que você faz. Ele baixou o queixo. — Eu tenho algumas lá em casa. Não estão reunidas nem nada. Drew normalmente tira uma foto. Põe no site. — Um portfólio! — Animada, eu me balançava para a frente. — É disso que você precisa. O canto dos lábios dele se curvou, e, em seguida, Rider se abaixou, pegando a lona. Observei enquanto ele a amarrava outra vez ao redor do carro, endireitando-a enquanto dava a volta nos lados. Inspirei suavemente. — Eu... gostaria de ver mais trabalhos seus. — Posso te mostrar alguns depois. Vou juntar as fotos — disse ele, puxando a lona sobre a carroceria do cupê. Sorrindo, descruzei os braços. Uma ideia se formou enquanto eu o via prender o outro lado da lona e voltar para junto de mim. Rider não faria um portfólio. Por alguma razão, ele não conseguia reconhecer o próprio talento, mas isso não significava que eu não podia ajudá-lo. — Quer tentar? — perguntou. Meus olhos se arregalaram. — Tentar pintar um carro? Os olhos castanhos de Rider brilharam quando ele riu. — Não. Não pintar um carro, Ratinha. — Caminhando na minha direção,
ele apontou para a tela presa na parede. — Pintar aquilo ali. Virando-me, meu olhar se arrastou por toda a tela. Havia áreas intocadas pela tinta. Principalmente na metade inferior. Rider caminhou até o banco e abriu a gaveta, tirando duas máscaras brancas. — Pode haver muito gás. — Ele caminhou de volta para mim. — Então, o que você acha? Sorrindo, assenti. A curva de seus lábios ficou ainda mais acentuada, e ele passou a máscara sobre a minha cabeça, deixando-a pendurada debaixo do meu queixo. Seus olhos encontraram os meus enquanto ele puxava meu cabelo por cima do elástico. Ele hesitou, olhando para mim. Abriu a boca, como se quisesse dizer algo, mas mudou de ideia. Pôs a própria máscara e a deixou pendurada enquanto se virava, aproximando-se de um alto armário de plástico perto do balcão. Ele o abriu e pegou latas de spray. — Acho melhor começarmos com isto antes de passarmos para aquela coisa — explicou, o tom leve enquanto me entregava uma lata com tampa vermelha. — A cor combina com você. Senti meu rosto ficar quente enquanto fechava as mãos em torno da lata. Rider me levou até a tela, sacudindo a lata enquanto andava. Fiz o mesmo, provavelmente parecendo um pouco sem jeito. — Que tal começar com apenas uma letra... um M. — Ele puxou a máscara para cobrir a boca e, quando falou, sua voz soou abafada. — Aqui. Enfiando a lata debaixo do braço, virou-se para mim e puxou minha máscara para cima, cobrindo minha boca. Suas mãos permaneceram ao longo do elástico, fazendo um arrepio percorrer minha espinha. — Prontinho. Ele tirou a tampa da lata, que caiu no chão com um ruído baixo. Com os olhos brilhantes, Rider se ajoelhou e, com uma série de giradas de pulso, fez uma letra R com tinta preta. — Sua vez. De início, só fiquei ali, congelada de indecisão. Eu não sabia o que estava fazendo. Quero dizer, pintar uma letra com spray não era difícil, mas a simples ideia de tentar fazer isso era assustadora, porque... por quê? Medo de falhar? Como eu poderia falhar em pintar uma letra com tinta spray? Quero dizer... qual é? E se, de alguma forma, eu conseguisse ser ridícula a esse
ponto, Rider não se importaria. Eu não devia me preocupar. Mas eu estava com medo de tentar. Um tremor tomou meu braço, e eu parei de pensar, de me estressar. Tirei a tampa e caminhei para a frente. Ajoelhei-me e pintei um M gigante, cheio de bolhas, em vermelho. Pronto. Nada de mais. Ninguém foi ferido ou morto pelo meu M torto. Olhei para Rider e, mesmo sem poder ver sua boca, achei que ele sorria. — Então... — Ele acrescentou um I ao lado de seu R. — Você quer ir para a faculdade, certo? Comecei a assentir enquanto desenhava um A, mas me forcei a falar: — Sim. Eu quero... ir para College Park, mas eu... — O quê? Minhas sobrancelhas se uniram enquanto eu me concentrava no que fazia. — Carl e Rosa querem que eu entre para... a área de ciências da saúde, com foco em pesquisa. Marquette, a filha deles, ia se tornar médica como os dois. Rider ficou em silêncio, trabalhando um pouco mais alto que eu, à minha esquerda. — É isso que você quer fazer? — Eu... — Parei, baixando a lata enquanto olhava para as três primeiras letras do meu nome. Eu já sabia a resposta, mas pensei em como Carl tinha rido e descartado imediatamente minha ideia de estudar Serviço Social. Eu não queria que Rider fizesse o mesmo. — Eu não... sei. — Olhei para ele. — Você acha que não é o que eu quero? Ele fez uma pausa, o olhar encontrando o meu. — Eu não sei a resposta para isso, Ratinha. Você não é a mesma garota que eu conheci anos atrás. Às vezes eu sentia que era exatamente a mesma garota. Ele começou a pintar outra vez, e o cheiro forte de tinta impregnou o ar. — Se essa for sua paixão, corra atrás dela. Eu não era tão apaixonada por pesquisa, mas tinha a sensação de que seria quando se tratasse de serviço social. Eu só não queria decepcionar Carl e Rosa, e sabia que, se decidisse fazer algo assim, os decepcionaria. Mas pelo que mais eu era apaixonada?
Rider falou sobre os diferentes trabalhos que fizera, algumas das formas que teve que pintar. Eu ri quando ele disse que certa vez precisara fazer um palhaço em uma van. Isso era absolutamente assustador. Nós preenchemos nossas letras. Rider fez isso com desenhos lindos, em ziguezague. Eu tentei, e ficou semelhante a respingos de sangue. E pensei mais sobre pelo que eu era apaixonada. O que gritava meu nome, e percebi, quando terminava o Y, que eu não tinha a resposta. Tudo em mim era superficial, mal arranhava a superfície. Eu gostava de ler. Eu gostava de esculpir em sabão. Eu gostava de ver Project Runway. Eu não amava nenhuma dessas coisas. Eu não queria escrever, como Ainsley. Entalhar sabão era mais um hobby estranho — minha própria versão de meditação. E eu não poderia desenhar uma camiseta de algodão branca nem se minha vida dependesse disso. Cara, eu estava... meio que em branco. Como os pontos na tela que tinham apenas minúsculas gotas de tinta. Havia coisas de que eu gostava, coisas que tinham chamado minha atenção ao longo dos anos, mas, na maior parte do tempo, eu estava vazia. Ao longo dos últimos dois anos, eu vinha lentamente descarregando toda a bagagem emocional do passado, todo o trauma e medo, mas essa confusão tinha feito mais do que apenas me manter em silêncio, existindo numa espécie de pano de fundo. Ela havia me impedido de... de viver. Não era isso que ser apaixonado realmente significava? Viver? Só que o medo ainda estava lá, e, por causa disso, eu era essa coisa vazia. Estranhamente, um peso foi tirado dos meus ombros. Eu não me senti mal por isso quando me dei conta. Eu era basicamente uma tela em branco, e isso não era uma coisa ruim, decidi naquele momento, porque isso significava que eu... eu poderia ser qualquer coisa. Eu poderia me tornar qualquer pessoa. Só tinha que começar a fazer isso. Mas meu nome parecia um marshmallow sangrento. Sorri por trás da máscara. — Gostei. — Rider tirou a máscara enquanto andava até a bancada, deixando cair a lata e a máscara ali. — O que você acha? Puxando a máscara sobre a cabeça, sorri para ele. — Eu gosto. — Voltei a olhar para os nossos nomes. — Obrigada por me trazer aqui. Tenho certeza de que a festa... provavelmente é mais
interessante... — Não é verdade. Não consigo pensar em outro lugar em que preferiria estar — disse ele, virando seu corpo alto e magro para mim. — Sinceramente. Minhas sobrancelhas se levantaram. Eu não tinha certeza se devia acreditar nele ou não. Ele pegou um pano. — Mostre-me suas mãos. Mostrei. Dois dos meus dedos tinham manchas vermelhas, como as que sempre havia nos dedos de Rider. Tomando minha mão entre as suas, ele gentilmente esfregou a tinta. — Estou falando sério, Mallory. Estou feliz que você esteja aqui. Eu não me importo com uma festa. Fitando-o enquanto ele diligentemente limpava minha mão, decidi me deixar acreditar no que ele dizia. Tirando o pano, ele inspecionou entre meus dedos. — Você não vê o que eu vejo. — O quê? Suas sobrancelhas se franziram, unindo-se, quando ele bateu o pano sobre meu indicador mais uma vez. Em seguida, deixou o pano cair atrás de si e pegou a lata de spray vermelho. — Eu quero guardar para sempre toda essa coisa de você se importar comigo — disse ele, surpreendendo-me enquanto voltava para a tela. — Eu sei que você se importa comigo, Mallory. Meu coração começou a bater mais rápido enquanto ele sacudia a lata. — Eu me importo com você. — Ele se ajoelhou. Um segundo se passou e ele moveu o braço, pintando a tela. — E acho que estava faltando alguma coisa nisso aqui. Sem ter ideia do que ele estava fazendo ou aonde queria chegar com aquilo, esperei até que ele se levantasse e desse um passo para trás e para o lado. Meus lábios se abriram com um arquejo baixo. Rider tinha pichado um coração entre nossos nomes. Eu vi com meus próprios olhos: Inclinando-se para mim, seu sorriso era tímido. Infantil. — Isso provavelmente foi muito brega, não foi? Meu coração estava fazendo trabalho extra, batendo tão rápido que achei
que poderia ter um ataque cardíaco. — Ou passei dos limites? — Ele jogou a lata em uma lixeira próxima e lentamente se aproximou de mim. Suas bochechas eram de um rosa vibrante. — Definitivamente, passei. Eu não sabia o que dizer ou como me comportar. Rider não estava fazendo nenhuma daquelas coisas que Ainsley disse que ele tentaria. Ele não estava pegando leve nem se fazendo de difícil. Estava sendo direto, e eu... eu estava... — Gosto de você, Mallory. E Deus sabe que você merece alguém muito melhor que eu. — Ele baixou o queixo, rindo enquanto enfiava a mão nos cabelos. — Deus. Eu sou ridículo. Podemos apenas esquecer... — Você gosta de mim? — disparei. Seu olhar voou para o meu. — Sim, gosto. E sei que eu estava com Paige, e não vou fingir que isso não significou nada, mas não é igual ao que sinto por você. Nem remotamente parecido com o que sinto por você. E não é por causa do nosso passado... porque você e eu nos conhecemos há tanto tempo — disse ele, e as palavras continuaram a sair apressadas: — No início, achei que esse fosse o motivo... dessa atração que sinto por você. Pensei que fosse por causa de tudo o que compartilhamos. E então, na noite em que fui à sua casa e você me fez um curativo, achei que fosse apenas uma coisa física. — Suas bochechas coraram. — E, definitivamente, é uma coisa física, mas não só isso. Acho que parte de mim soube disso desde a primeira vez que você disse meu nome. Agora meu coração estava disparado. Ele gostava-gostava de mim. Ai, meu Deus, isso era inesperado. Totalmente não planejado. Era um vasto e infinito mar de desconhecido. — Eu sei que você merece coisa melhor, mas eu quero ser melhor. Quero ser isso para você. — Sua voz baixou quando ele parou na minha frente. — É por isso que vou lhe perguntar uma coisa.
A vibração era profunda em meu peito e barriga. Fiquei sem fôlego quando o olhei nos olhos. — O quê? Sua mandíbula se contraiu, e seu peito estufou. — Posso beijar você?
CAPÍTULO 23
Não houve uma série de momentos de hesitação em que minha mente correu para analisar cada pequeno detalhe do que estava acontecendo antes de eu tomar uma decisão. Não pensei. Eu agi. — Sim — sussurrei. Rider emitiu um ruído do fundo da garganta. Era profundo e viril, parte gemido e parte grunhido, e isso me fez tremer. Pôs a mão em concha em um dos lados do meu rosto e abaixou a cabeça para junto da minha, mas não me beijou. Não. Seu hálito quente deslizava sobre minha testa enquanto a mão escorregava na minha bochecha, seus dedos se estendendo para meu cabelo ao chegar ao pescoço. Sua outra mão pousou na base das minhas costas, e o peso provocou loucuras dentro de mim. Ele a subiu pelas minhas costas, deixando um rastro de fogo. Meus olhos se fecharam quando seus lábios roçaram a curva da minha bochecha. Foi a mais louca tortura. Meu corpo todo ficou tenso, preparado para o momento em que seus lábios encontrariam os meus. E foi a pressão mais doce, o roçar leve de uma pluma, seus lábios sobre os meus. Uma vez. Duas vezes. Senti o toque em todos os lugares, um choque que correu em minhas veias e, em seguida, fez a pressão aumentar. Então Rider me beijou. Um beijo de verdade, macio e bonito, e quando o beijo se aprofundou, não era tímido. Ele sabia o que estava fazendo, e, mesmo que eu não soubesse, um conhecimento natural me disse que não importava. Seus lábios mapearam os meus, e minhas entranhas estavam reviradas.
Beijar era incrível. Maravilhoso. Surpreendente. Eu provavelmente poderia pensar em mais algumas palavras para descrever essa sensação. Beijar me surpreendeu, e, quando ele levantou a boca, nós dois estávamos respirando com dificuldade. Ele descansou a testa contra a minha. Nenhum de nós falou por vários momentos. Eu ainda não estava pensando. Eu não tinha ideia de como minhas mãos haviam chegado ao peito de Rider, mas notei que seu coração batia tão rápido quanto o meu. Minha mente estava alegremente vazia enquanto eu sentia seu cheiro, uma mistura de seu perfume cítrico e um leve toque de tinta. — Você gostou? — perguntou ele, tirando os dedos do meu cabelo e os deslizando pelo meu maxilar. Gritar sim, ah, Deus, sim, provavelmente teria sido um pouco excessivo, então consegui dizer um “Sim” apenas um pouco mais fraco. Quando Rider sorriu, os lábios roçaram os meus. — Que bom! Porque eu gostei muito. Virei o rosto em sua mão. Nada disso parecia real, como se eu estivesse sonhando e fosse acordar a qualquer momento e ser empurrada de volta à realidade, um mundo no qual havia apenas o passado e um presente que eu mal estava vivendo. Não aquela realidade em que eu tinha sido beijada pela primeira vez. Não uma realidade em que eu realmente estava experimentando cada segundo enquanto as coisas aconteciam, em vez de correr para a frente e, em seguida, ter que olhar para trás. — Nós realmente devíamos conversar sobre o que estamos fazendo, mas eu quero... — Rider respirou fundo, e sua voz abaixou de novo, tornando-se mais áspera. — Eu quero fazer isso outra vez. Meu peito se encheu de novo, e eu jurava que ia voar até o teto. Falar seria inteligente, mas eu estava cansada de ser inteligente. — Eu... eu quero... isso também. Rider não hesitou. Ele inclinou um pouco a cabeça, e seus lábios fizeram a mais suave pressão contra os meus. Meu segundo beijo foi tão incrível quanto o primeiro, mas diferente após alguns segundos. Durou mais tempo, como se seguisse o caminho dos meus lábios, aprendendo-o e guardando-o na memória. Eu queria fazer a mesma coisa. Eu me inclinei, deslizando uma das mãos para cima de seu ombro. A mão na base das minhas costas se moveu, e depois seu braço estava em volta da
minha cintura. Ele me puxou para mais perto, até que nossos torsos estivessem colados. Uma onda de sensações me atingiu, e, apesar de nossos corpos estarem se tocando, eu queria estar mais perto. Precisava estar mais perto. Eu senti a ponta da sua língua. O instinto me guiou. Meus lábios se abriram e... Nós nos separamos de repente quando um ruído alto, de algo se quebrando, veio da frente da oficina. Rider ergueu os olhos rapidamente, com as sobrancelhas franzidas. — Que diabos é isso? Meus lábios ainda estavam formigando quando ele passou o braço em volta de mim. — Será que vamos... nos encrencar? — Nada! Mas não devia haver mais ninguém aqui. — Ele olhou para mim, o queixo trincado. — Eu quero que você fique aqui, ok? — Mas... — Tenho certeza de que não é nada, mas quero dar uma olhada. — Ele soltou minha mão. — Apenas fique aqui atrás por enquanto, ok? Cruzei os braços e assenti. Ele me olhou por um momento, como se não tivesse certeza de que acreditava em mim, e em seguida se virou. Caminhou até o balcão e pegou um pedaço de metal longo e fino. Um ferro de pneu não significava nada. Rider começou a caminhar entre os carros cobertos, e não havia nenhuma chance de eu ficar ali. Nada sobre essa situação parecia bom. Comecei a avançar assim que uma voz soou da frente da oficina. — Ei! Rider. Você está aqui? — Meu Deus! — exclamou Rider, e depois mais alto: — Jayden, é você? Houve uma pausa. — Sim. Onde você está? Rider olhou para mim, e eu corri na sua direção. — A voz dele... parece estranha — falei, e era verdade, como se as palavras estivessem emendadas. Rider concordou e, em seguida, estendeu sua mão livre e pegou a minha. Ele não deixou cair o ferro de pneu no caminho até a frente da oficina. — Onde você esteve, Jayden? — gritou Rider quando me conduziu ao redor de um carro que parecia estar em pedaços. — Hector e sua avó estão loucos procurando por você. Por que…?
Engasgando, cobri a boca com a mão. Na frente da oficina, Jayden estava parado, de costas para nós. Ele estava sem camisa. Um hematoma cobria a lateral de suas costas, uma mancha horrível de vermelho e roxo. Jayden se virou. Rider enrijeceu, soltando minha mão. — Droga! Jayden ergueu o queixo, e ali estava pior. Um olho estava terrivelmente roxo, inchado e fechado. Um corte vermelho dividia seu lábio inferior quando ele deu um passo adiante. — Estou com muitos problemas, cara.
CAPÍTULO 24
Rider levou Jayden a uma sala de descanso nos fundos da oficina. Era uma sala pequena, grosseiramente iluminada, com uma mesa riscada e uma geladeira que zumbia e estalava, como se estivesse no fim da vida. Ele pegou gelo no congelador e o envolveu com um pano limpo que conseguiu encontrar. — Cara, eu sinto muito — murmurou Jayden quando Rider pressionou o gelo em seu olho. — Eu não sabia que você estava aqui com ela. Eu só pensei em vir aqui me limpar. — Fazendo uma pausa, ele lentamente virou a cabeça para mim, e me forcei a não ter nenhuma reação a como ele estava mal. Recorri aos muitos anos de experiência com Rider depois que o Sr. Henry avançava sobre ele. — Sério, bebé. Eu não traria essa merda para você de propósito. — Eu sei — sussurrei. — Mas trouxe — disparou Rider de volta, me surpreendendo. — Você trouxe essa merda para mim, para ela. Isso não é legal, cara. Meu olhar arregalado se voltou para Rider. O músculo no queixo de Rider tremia quando ele abaixou seu telefone. — Hector está a caminho. Cuidado. Ele está irritado. Sentei-me ao lado de Jayden, sem saber como ajudar além de me colocar ali e ficar fora do caminho. — Você não precisava ligar para ele. — Jayden baixou o gelo. — Isto não tem nada a ver com ele. No te preocupes. — Não me preocupar? Você está louco, porra? Você já se olhou no espelho? E ponha essa merda desse gelo de volta no olho. — Rider balançou a cabeça. — Foi Braden, não foi? Reconheci que era o nome do cara que eu tinha visto na escola. Jayden não disse nada.
— Eu avisei para ficar longe dele. E Hector também. Você desapareceu nos últimos dias, fazendo Deus sabe o que para aquele merda, e olhe para você agora. O garoto mais novo abaixou o queixo quando levou o pano de volta ao olho. — Achei que conseguiria recuperar o que perdi. Eu levantei meu olhar para Rider, e ele leu a pergunta em meu olhar. Eu esperava que ele não fosse responder, mas ele o fez. — O Jayden aqui, sendo extraordinariamente brilhante... — Cara — murmurou Jayden. — Achou que poderia vender merda para o Braden. Na linha de frente — continuou Rider, e não precisava de um grande exercício de lógica para adivinhar o que merda significava. — Só que ele vendeu o lixo e não devolveu exatamente o dinheiro como deveria. — As pessoas fazem isso o tempo todo — argumentou Jayden. — Você já fez isso! Você já fez isso. Eu congelei e poderia ter parado de respirar. Meu olhar se voltou para Rider. Eu sabia o que era a linha de frente. Vender o material que lhe era dado sob a promessa de que o dinheiro de tudo o que fosse vendido seria devolvido. Eu também sabia que eles não estavam falando de óculos de sol. Eles estavam falando de drogas. Senti náusea. Os olhos de Rider continuavam em Jayden. — Eu fazia isso. Fazia, Jayden. Então decidi juntar dois neurônios e percebi que não queria acabar morto em um maldito beco só para ganhar uma centena de dólares. Rider vendia drogas. Vendia. Eu não tinha certeza se devia ou não sentir alívio enquanto olhava para eles. Tudo o que eu podia sentir era um terror crescente. — Não vou acabar morto. Rider parecia que queria acrescentar mais hematomas a Jayden. — Sério? O que aconteceu com seu primo? Da última vez que soube, ele teve o pulso rasgado. — Cara — disse Jayden novamente, deixando cair o queixo. Rider cruzou os braços.
— Por que você está fazendo isso? Hector disse que conseguiria um trabalho para você... — No McDonald’s? Ganhando um salário mínimo para cheirar a gordura do dia anterior? — Jayden estremeceu enquanto balançava a cabeça. — Você sabe que eu ajudo nossa abuelita com esse dinheiro, para que ela não tenha que trabalhar tantas horas. — Ele levantou o saco de gelo. — Ela não consegue nos manter. Você sabe disso, e o Estado vai parar de depositar o dinheiro por você. — Eu sei disso, Jayden. — Não quero que ela tenha que continuar abrigando crianças só para pagar a droga da conta de luz. Nem todos têm sido como você — disse ele. Rider fechou os olhos. — Eu também sei disso, mas, droga, você vai... acabar sendo morto. A tontura aumentava à medida que eu perdia o fôlego. Uma rajada de ar frio percorreu minha espinha enquanto os ouvia. Aquilo... aquilo era sério. Muito mais grave que qualquer coisa que acontecia na minha vida. — Ah, cara. Você está se estressando — respondeu Jayden, começando a abaixar o gelo novamente, mas um olhar de Rider o deteve. — Já cuidei de tudo. Rider bufou. — Parece que sim. Jayden desviou o olhar, focando na geladeira. Após um instante, Rider voltou a falar, a voz baixa. — Você é como um irmão para mim, Jayden. Você e Hector têm me apoiado. Abriram sua casa para mim. Não quero ver isso acontecer com você. — Nada vai acontecer — murmurou ele. Rider continuou: — Você acha que sua avó precisa vê-lo assim? O que você acha que isso fará com ela? Você acha que ela quer um dinheiro que custou seu sangue? As coisas começaram a se encaixar enquanto eu os ouvia, e não estava gostando das peças que minha mente estava juntando. Lembrei o dia que Rider e Hector tinham seguido os caras mais velhos para fora do estacionamento da escola. A noite que ele apareceu com a testa cortada. As conversas sussurradas entre ele e Hector. Rider estava envolvido no que estava acontecendo com Jayden. — Estou bem — garantiu Jayden, a voz dura. — Nada vai acontecer
comigo. Estou bem. Quando Hector apareceu, por um momento me preocupei que Braden não seria o problema mais imediato de Jayden. Hector parecia querer matá-lo. Ele gritou com o irmão, alternando entre espanhol e inglês, num ritmo acelerado. Hector nem olhou na minha direção, nem uma vez sequer, o que estava bem para mim, já que ele arrastou seu irmão mais novo da oficina, deixando a mim e Rider sozinhos outra vez. Rider fechou a porta atrás deles e, por um momento, não se virou. Seus ombros se levantaram com uma respiração profunda e, em seguida, ele me encarou lentamente. — Sinto muito por isso. — Não... não é sua culpa — falei. Com o maxilar trincado, ele baixou o queixo. — Sim, mas isso... — Isso o quê? — perguntei quando ele não terminou. Ele levantou a mão e a esfregou no queixo. — Este tipo de coisa não precisa incomodar você. Você não devia estar em contato com nada disso. — Não é como... se você soubesse que isso fosse acontecer — argumentei. Parte de mim queria se aproximar dele, tocá-lo, mas me contive. — Espero... que Jayden fique bem. Ele não respondeu de imediato. — Ele vai ficar se tirar essa merda da cabeça. — É... muito sério? Houve outra pausa. — É sério. Sempre é sério, Ratinha. Ele está envolvido com algumas pessoas muito más, e, uma vez que você cai nesse buraco de coelho, não é fácil sair. Eu cruzei os braços. — E você... fazia o que ele está fazendo? Ele enrijeceu quando levantou a cabeça. — Eu não queria que você soubesse disso. Senti um aperto no peito. — Agora eu sei — respondi com calma. — Eu fui idiota. Muito idiota. Parecia fácil, sabe? Fazer algumas entregas. Ganhar alguns dólares. — Rider encostou-se na porta e fechou os olhos. De
repente, uma vulnerabilidade tomou sua expressão, e ele aparentou ter a própria idade, em vez do triplo dela. — Eu não me envolvi muito, não como Jayden. Eu saí. Senti que precisava me sentar. — Como... você saiu? — O primo deles acabou morto — confessou ele, sem rodeios, e eu estremeci. — Quando isso aconteceu, eu parei. E tive sorte. Tenho sorte. Não me envolvi com ninguém que se importasse com o que eu estava fazendo ou deixando de fazer. Só isso. — E... Hector? — Ele realmente é mais esperto. Nunca se envolveu em nada disso. É por isso que trabalha. Também economiza cada centavo. Ele quer frequentar a escola técnica. Conseguir um emprego que não seja preparar hambúrgueres. Jayden é só uma criança — acrescentou, como se fosse muito mais velho que ele. — Parece que ele quer ajudar a Sra. Luna. — Ele quer, e isso é que torna tudo pior. Não me interprete mal. Ele gasta parte do dinheiro consigo mesmo. Foi assim que se encrencou dessa vez, mas ele compra mantimentos e esconde dinheiro na bolsa da Sra. Luna. — Rider suspirou novamente. — Todos nós escondemos. Naquele momento, eu soube que não poderia usar o que Rider tinha feito contra ele. Rider... Jayden... tantas outras pessoas eram produto do seu meio. Algumas saíam. Outras não. Rider estava certo. Muito disso era sorte. Às vezes era determinação. Mas a maior parte era sorte, e eu era a mais sortuda de todas as pessoas. Forçando-me a me aproximar, descruzei os braços. — Mas você está... envolvido nisso. — Quando ele abriu a boca, continuei: — O dia em que você e Hector saíram da escola depois de Jayden. Você... apareceu com a cabeça ferida. Por quê? Rider se afastou da porta e levantou a mão. Tirou o cabelo do meu rosto, prendendo os fios atrás da minha orelha. — Jayden teve um problema. Eu esperei. Seus dedos correram pela lateral do meu rosto, sobre meu maxilar. Ele fechou as mãos na minha nuca. — Ele ia se encontrar com Braden. Nós o impedimos.
Quando o polegar acariciou o ponto no qual minha veia pulsava, experimentei todas as sensações. Mas eu não me deixaria distrair. — Você o impediu com o rosto? Seus lábios tremeram. — Os garotos de Braden não gostaram de termos resgatado Jayden. Meu coração ficou pesado. — Quem é Braden? — Ninguém com quem você tenha que se preocupar — respondeu ele de imediato, e eu o fuzilei com o olhar. — Sério. Não há nenhuma razão para que você cruze com ele. — Mas você vai? Ele arqueou uma sobrancelha. — Não se eu puder evitar. Esperemos que Jayden aprenda com o que aconteceu esta noite. — E se ele não aprender? — Meu estômago continuava se revirando. — Quero saber quem ele é. Por um instante achei que ele não fosse responder e, então, Rider suspirou. — Braden é da nossa escola. Ele revende para Jerome, que é muito mais velho. Quando Jayden não tem o dinheiro, Braden e sua gangue têm que responder a Jerome, pois foi Braden quem levou Jayden para o esquema. Claro, eles estavam irritados com Jayden e, quando eles ficam irritados, não são muito de conversa. Eles eram de briga. — E você e Hector ficaram no lugar de Jayden ou algo assim? Foi assim que você se machucou? — Não. Nós os convencemos a dar mais tempo a Jayden — explicou. — Levou um tempo para convencê-los, e parte disso não foi na conversa. Oh, Deus! Eu não poderia sequer imaginar o que seria estar nessa situação. — Você vai se envolver... de novo? Essas pessoas parecem assustadoras. Eu não... — Respirei fundo e disse possivelmente a coisa mais egoísta de todos os tempos: — Não quero que você se envolva em nada disso. — Não quer porque se importa comigo? — Claro. — Estreitei os olhos. — Eu não quero me preocupar com a ideia de que você vai se machucar. Ele deu um passo à frente, e sua outra mão pousou logo acima do meu quadril.
— Porque você quer ficar comigo? — Sim. — Essa era uma palavra fácil de falar. Rider sorriu, e a covinha direita apareceu. — Você quer ser minha namorada. Abri a boca e, então, ri. Isso parecia estranho após a seriedade da nossa conversa, mas a declaração era doce e boba. Suas bochechas coraram. — Não sei o que concluir depois dessa risada — brincou ele. — Mas amo o som dela. Perdi o fôlego ao ouvir aquela palavra. Amo. Oh, Deus, o que estava acontecendo ali? — Você quer? Que ser minha namorada? — perguntou ele ali, e depois riu. — Eu provavelmente deveria ter dito isso antes de beijá-la, mas eu quero... quero ver aonde isto vai, Mallory. Sinto que tenho uma segunda chance, sabe? Venho pensando nisso desde que me sentei na aula de oratória e a vi lá. Nós temos uma segunda chance. E quem nesse mundo recebe uma segunda chance? Busquei seu olhar com uma sensação de justiça no fundo do peito. Eu tinha pensado a mesma coisa antes, sobre segundas chances. — Eu não quero deixar essa passar. — Nem eu. — Lentamente, pousei a mão em seu peito outra vez. Carl e Rosa não ficariam felizes com isso. Nem Paige. E talvez isso tudo fosse um pouco louco, mas eu queria isso... eu o queria. — Sim. O sorriso surgiu em seu rosto, e ele abriu a boca para falar, mas pareceu mudar de ideia. Sem dizer uma palavra, abaixou a cabeça e me beijou — meu terceiro beijo — e foi tão certo, perfeito e completo quanto o primeiro e o segundo. E, quando ele afastou sua boca da minha, me puxou para junto de seu peito, passando os braços em volta de mim, e eu o abracei com tanta força quanto ele me abraçava. Pressionei meu rosto em seu coração e deixei toda aquela história com Jayden de lado por um momento. Eu me concentrei em Rider e em mim, e no que estava acontecendo ali e no que significava. Porque aquilo... aquilo era um começo.
CAPÍTULO 25
Ainsley abraçou a tigela de pipoca junto ao peito enquanto olhava para mim do pé da minha cama. Só haviam sobrado o milho, mas Ainsley gostava de catar as pipocas meio estouradas. Eu não fazia ideia de como ela não quebrava os dentes roendo aquilo. Era noite de domingo, menos de 24 horas depois de Rider e eu termos nos beijado, Jayden ter aparecido e nós termos passado de amigos reunidos para definitivamente não mais apenas amigos. Namorado. Namorada. Embora eu tivesse estado presente o tempo todo, não tinha ideia de como tudo acontecera. Um guincho parecido com o de uma hiena se formou em minha garganta, e resisti à vontade de enterrar meu rosto no travesseiro em meu colo. — Volte um pouco — disse Ainsley, os olhos azuis brilhando. — Você me contou um monte de coisas. Tudo. Mas tenho que voltar a um ponto. Ele desenhou um coração entre seus nomes? Assenti. — Sério? Ai, meu Deus, Mal. Isso é tão brega, e, ao mesmo tempo, tão fofo que me faz esquecer a breguice e me derreter toda. Aquilo me fazia derreter também. — Eu disse que parecia que ele gostava mesmo de você. E ele nem fez o que os outros caras fazem, como fingir que não estava a fim de você. Ele deixou tudo claro — continuou ela, enquanto pegava uma pipoca meio estourada e a mordia. — É como um conto de fadas. Minhas sobrancelhas se ergueram. — É sim! — insistiu Ainsley, fazendo uma pausa para acabar com a pipoca. — Vocês cresceram juntos, e ele era como seu príncipe encantado.
Então vocês foram separados e depois se reencontraram. Nem parece real. — Não parece. — Abracei meu travesseiro. — Eu quase não sei... o que pensar. — Pense apenas que é incrível. Porque é. — Ela prendeu o cabelo atrás da orelha. — É só isso que você tem que pensar. Um pouco de realidade me invadiu. — Mas Paige... — Eles estavam separados havia cerca de uma semana, então não é como se você os tivesse separado. — Ela fez uma pausa, franzindo o nariz. — Na verdade, você meio que os separou, mas não de propósito. Duvido que Paige vá ver as coisas dessa maneira, mas e daí? Não é problema seu. Eu morria de medo do momento que Paige percebesse que Rider e eu éramos, bem, algo mais. — Esta manhã eu contei a Rosa que Rider e eu... estamos saindo juntos. Todo esse lance de namorados. — Corei. — Acho que ela não ficou nem chateada nem realmente feliz. Carl não disse nada, mas... — Mas provavelmente vai dizer e provavelmente vai ser superestranho. Você tem que dar um tempo a eles — respondeu ela sabiamente. — É seu primeiro relacionamento de verdade. — Eu apenas... Não sei. É só que parece que tem... algo mais — falei. Ainsley me estudou por um momento. — Não se estresse com Carl e Rosa. — Eu não estou... — E não diga que não está se estressando com isso. Você se estressa com tudo. — Ela sorriu quando fechei a boca. — Às vezes você fica tão presa na própria cabeça que não... Bem, você não vive de verdade. Minhas sobrancelhas se ergueram outra vez. Ela olhou para a tigela de pipoca. — Por favor, não me entenda mal. É só que às vezes acho que você perde o que está acontecendo ao seu redor, porque está preocupada demais com o que os outros estão pensando sobre você e suas escolhas. Eu queria argumentar contra isso, mas não podia. — Você está certa. Ela estava totalmente certa, porque eu sempre me preocupava com o que Carl e Rosa pensavam, até com o que Ainsley pensava, e depois Rider e Keira, Jo, o Sr. Santos... A lista era enorme.
— Eu sei — cantarolou ela e então ficou séria. — É realmente triste esse lance do Jayden. Era típico de Ainsley mudar de um assunto para o outro. Eu brincava com a barra da minha calça. — Ele estava tão... machucado. — Não parece que Rider esteja fortemente envolvido no que quer que esteja acontecendo. — Ela pôs a tigela de lado, perto de sua mochila. Ela veio passar a tarde de domingo, sob o pretexto de estudar comigo. Nós ainda não tínhamos aberto um livro sequer. — Ainda assim, foi triste e assustador. Eu não tinha certeza se concordava com isso de Rider não estar envolvido. Sim, não tinha nada a ver comigo, mas Rider se envolvera e eu duvidava de que ele fosse ficar de fora se as coisas continuassem a dar errado para Jayden. Não era da natureza de Rider. Ele tinha um complexo de herói quase suicida. Meu estômago revirou. E eu também gostava muito de Jayden. Ele sempre foi legal comigo, mesmo quando não tinha ideia de quem eu era. Eu não tinha certeza de como poderia ajudá-lo ou mesmo se estava ao meu alcance ajudar. — Então me fale de Hector. Quero saber tudo sobre ele. Inclinei a cabeça para o lado. — Pensei que você não gostasse dele. — Eu não preciso gostar dele para acompanhar de longe tudo que ele faz. — Ainsley sorriu. Eu sorri. — Não sei muito sobre ele. Ele... trabalha meio período no McDonald’s, e é... legal. — Legal? — Ela riu, jogando o cabelo para trás. — Você devia ter ouvido o que ele estava falando de mim, na minha frente. Ele é um idiota... um mente suja, um pervertido idiota. Olhei para ela. — Mas ele é gato — acrescentou ela com um sorriso malicioso. — Pronto, falei. Concordei com a cabeça. — Como está Todd? Ela revirou os olhos. — Chato. Esnobe. Não quero falar dele, porque há algo de que precisamos falar. — Ainsley olhou de relance para a porta fechada do meu quarto. Carl e
Rosa estavam em algum lugar lá embaixo. — Você está namorando Rider agora, certo? Você é a namorada dele e a Festa de Boas-vindas não é em breve? Sua primeira dança! Estremeci. — Nós... nem falamos disso. — Você pode falar agora. — Eu não sei — respondi. Ela arqueou uma sobrancelha. — Você devia pelo menos perguntar se ele quer ir. É a coisa normal a fazer — disse ela, baixando a voz. Assenti, gostando de como aquilo soava. — Eu quero ser normal. Ela abriu a boca e depois franziu o nariz. — Ok. Pausa. Normal é subjetivo, e você é normal, Mal. Agora eu franzi o meu nariz. — O quê? Você não fala muito e às vezes surta do nada. Como isso faz de você anormal? Há toneladas de pessoas assim lá fora. — Ela jogou as mãos para o alto. — E daí? E você veio de um lar provisório... um lar provisório horrível, mas, infelizmente, isso também não é tão incomum. Isso não a torna esquisita. Comecei a explicar que eu era esquisita, mas me contive. Ainsley tinha um argumento. Eu não tive uma infância comum e não falava, mas isso não me tornava uma criatura esquisita, desconhecida. Ainsley sabia muito sobre a minha infância. Sabia que tinha sido difícil para mim e Rider, e que eu tinha sido queimada, mas havia coisas que eu não tinha contado a ela. Coisas sobre as quais eu só tinha falado com o Dr. Taft. Coisas que Carl e Rosa sabiam, porque tinham visto os relatórios policiais e os arquivos do meu caso. Meu olhar percorreu o quarto, parando na escultura de coruja em sabão antes de se desviar para minha mesa arrumada e a grossa almofada do banco sob a janela. Este quarto era muito diferente do que havia naquela casa. Limpo, iluminado e arejado. Acolhedor. Minha garganta ficou seca quando olhei para Ainsley. Nunca no passado eu quis contar a ela as coisas sobre as quais nunca falei, mas agora a necessidade surgia, queimando meu estômago e meu peito. Forcei minha língua a se descolar do céu da boca.
— Eu tenho... um problema com barulho e fala. — Meu rosto ficou quente, e baixei os olhos para o travesseiro que segurava. Era difícil explicar por que uma dança podia ser mais do que eu poderia aguentar. — Eu tinha que ficar em silêncio, porque o Sr. Henry não gostava de... barulho. Ele não gostava de um monte de coisas, mas ficar em silêncio me manteve longe de... problemas a maior parte do tempo. Ainsley enrijeceu, em silêncio. Respirando fundo, continuei: — Rider sempre... me dizia para “não fazer barulho”, de modo que... eu não fosse encontrada quando o Sr. Henry estava bêbado ou quando eu... fazia algo errado. Às vezes, ele ficava bravo se eu comia biscoitos ou... subia as escadas fazendo muito barulho. Ele jamais gostava quando eu falava. E eu... acho... eu sei que é por isso que não gosto de falar e não gosto de barulho. O terapeuta dizia que era síndrome de estresse pós-traumático... e condicionamento. — O calor diminuiu, e eu continuei: — Enfim, na noite... em que me queimei, aconteceu mais uma coisa. Ela não sabia como eu tinha me queimado, então contei a ela. Foi difícil e doloroso. O quarto estava tão silencioso que, mesmo com a TV ligada baixo ao fundo, eu podia ouvir o canto de um grilo. Contei a ela sobre Velvet e quanto eu adorava a boneca que Rider havia roubado para mim, não importava quanto eu crescesse. Expliquei como, algumas semanas antes, o Sr. Henry tinha ficado irritado por algo insignificante e me tirado a boneca, guardando-a bem à vista, na verdade, apenas para me provocar. Contei como o Sr. Henry tinha jogado Rider para fora de casa depois que ele perguntou se teríamos jantar naquela noite. — Ele... jogou a boneca na lareira — expliquei, alisando o travesseiro. — Eu não pensei. Estiquei o braço... e tentei pegá-la. Foi assim que queimei... meus braços. — Ai, meu Deus — sussurrou ela. — Eu sei que parece estúpido, mas Velvet era a... única coisa minha. Nunca pertencera a ninguém, além... de mim. Eu entrei em pânico. — Balancei a cabeça. — Mas, antes disso, eu... tentei fazer a Srta. Becky acordar. Ela sempre... gostou de Rider. Achei que ela poderia... intervir. — E ela não interveio? — A voz dela era baixa. Engoli a súbita ardência na minha garganta. — E... entrei em seu quarto, embora não devesse fazer isso. A Srta. Becky
bebia muito. Quando eu era mais nova, achei que fosse porque ela estava doente. Eu... entrei no quarto, e ela estava deitada na cama... Perdi o fôlego quando a imagem do quarto se formou. Garrafas vazias. O chão sujo. A Srta. Becky na cama, seu imóvel peito magro e a pele com uma estranha cor de cera. — Eu achei... que ela estivesse dormindo. Ela dormia muito. Chamei seu nome e, como ela não acordou, fui até a cama. Tentei sacudi-la. — Encolhendo-me diante daquela lembrança, eu mal ouvi a inspiração suave de Ainsley. — Ela não estava dormindo. Ela havia... morrido em algum momento daquele dia. Mais tarde, ouvi dizer que foi uma overdose. Comprimidos e álcool. O Sr. Henry nem sabia. Acho que os desmaios dela... eram tão comuns que ele... nem sequer ia ver como ela estava. — Ai, meu Deus — repetiu Ainsley. — Tenho sonhado com aquela noite, com tocar nela. Não sei por quê. Por um tempo não pensei nela, mas isso... mexeu comigo. — Isso mexeria com qualquer um, Mal. Meu Deus, eu ficaria traumatizada se visse uma pessoa morta de longe, imagina de perto e de modo tão pessoal. — Ela enfiou fios de cabelo louros e compridos atrás das orelhas. — O que aconteceu depois que você se queimou? — Eu... Eu estava gritando. Eu acho. Não... lembro exatamente. Só juntei as peças pelo que ouvi mais tarde, mas Rider ouviu meus gritos e... chamou os vizinhos. Precisou bater em algumas casas... antes de alguém abrir a porta. Eles chamaram a polícia. — Eu me forcei a continuar: — Quando a polícia apareceu, o Sr. Henry abriu a porta como... se não houvesse nada de errado. Muito louco. O Sr. Henry foi preso pelo que ele fez com Rider e comigo. Eu... duvido que ainda esteja na cadeia. Não penso nisso — falei, e isso era verdade. — Não sei por que, mas... não penso. Ergui o olhar bem a tempo de ver Ainsley chegar para a frente. Ela passou os braços em volta de mim, quase me esmagando. Eu congelei, não estava acostumada com isso. Eu não era muito de abraços. Na maior parte do tempo, eu não gostava de ser tocada, mas superei isso depressa, porque seu abraço era quente e bom. Diferente do de Carl e Rosa. Diferente do de Rider, mas tão bom quanto. Passando meus braços em volta dela, retribuí o gesto. Eu nem sabia por que tinha contado ela, mas estava feliz por ter feito isso. Uma estranha onda de lágrimas ardeu bem no fundo dos meus olhos. Não lágrimas de tristeza.
Estavam mais para alívio. Contar para Ainsley foi como se eu tivesse acabado de tirar uma camada de roupas volumosas. Ainsley se afastou, com os olhos brilhando. — Obrigada por compartilhar isso comigo. Eu não sabia o que dizer, mas pela primeira vez isso não me importava. Nesse momento, não havia nada a ser dito e estava tudo bem por mim. *** Na segunda-feira de manhã, meu coração batia tão rápido que me perguntei se ele ia saltar do meu peito e correr em círculos em volta de mim. Essa parecia com todas as segundas-feiras que vieram antes, mas seria diferente. Era o primeiro dia de aula desde que Rider e eu estávamos juntos, e eu não sabia o que esperar. Eu duvidava de que as coisas fossem mudar significativamente. Não era como se eu estivesse usando um crachá que dizia “namorada de Rider Stark”, mas ir até meu armário de manhã foi diferente, e não porque Jayden não estava lá. Fiquei preocupada com ele no almoço. Ele estivera muito ferido e sangrando, mas eu sabia, de experiências anteriores, que às vezes ossos podem ser difíceis de quebrar, como se fossem de titânio. Outras vezes, eram como galhos secos, fáceis de estalar. Será que Jayden tivera algum osso quebrado? Aquele nariz não parecia muito bem. Remexi minha salada até o almoço terminar. Eu nem gosto de salada, mas a outra opção era impossível de distinguir, então fiquei com aquilo mesmo. No fim do almoço, Keira ficou ao meu lado, enquanto Jo e Anna caminhavam à frente. — Então. — disse ela. — Vai ter uma festa na casa de Peter esta semana. Vai ser muito divertido. É uma coisa que ele faz todos os anos antes do jogo de boas-vindas. Eu só queria ter certeza de que você soubesse que está convidada, e espero que você vá. Meu passo hesitou enquanto arrastava o pé direito. Anna olhou por cima do ombro. — É claro que ela vai. Não é, Mallory? Assenti, quase com medo de que, se eu falasse, fosse estragar aquele momento, e era um grande momento, porque eu fora convidada para uma festa. Um festa de verdade.
— Legal. — Keira bateu seu quadril no meu. — Pode levar quem quiser. Na verdade, não tem nenhum limite. Assenti de novo. Normalmente esse convite me deixaria nervosa, mas meu estômago tinha começado a dar cambalhotas por um motivo completamente diferente, e a vertigem continuou na aula de matemática. Eu não tinha ideia do que estava sendo ensinado naquela aula e, quando o sinal tocou, mordi o lábio para me impedir de sorrir como uma idiota. Enfiando meu livro na mochila, saí da sala e não tive como conter o sorriso. Rider estava me esperando. Ele tomou impulso nos armários em frente à sala de aula, desenrolando seu corpo comprido. Abrindo caminho por um mar de estudantes, enfiou o caderno surrado debaixo do braço esquerdo e se aproximou. Parei, o sorriso se alargando quando levantei o queixo e olhei para ele. Seu cabelo estava ondulado, como se ele tivesse passado os dedos pelos fios uma dúzia de vezes, e caía sobre a testa de uma forma descuidada. — Oi — cumprimentei, falando primeiro. A covinha na bochecha direita apareceu, e ele deixou o braço cair sobre meus ombros enquanto abaixava a cabeça. Nós estávamos cercados de gente, mas nesse momento, quando ele baixou a boca para meu rosto e me beijou, era como se estivéssemos em nossa própria ilha. Havia algo doce e familiar nessa sensação. Ele apertou meus ombros. — Oi. Meu sorriso se abriu. — Pronta? — murmurou. Eu estava totalmente pronta. Tirando o braço dos meus ombros, ele o abaixou e fechou a mão ao redor da minha. Não era a primeira vez que ele segurava minha mão, mas havia uma intimidade ali que não existia antes. Um arrepio se apertou ao redor da minha espinha enquanto seu polegar se movia ao longo da minha palma conforme caminhávamos para a aula. Ele não tinha feito isso antes. Rider soltou a minha mão quando entramos na sala da aula de oratória, e eu segui na frente dele, caminhando até o meu lugar. Deixei minha bolsa no chão e começava a me sentar quando ele se abaixou, beijando meu rosto mais uma vez.
Corei ao olhar para ele. Ele sorriu enquanto se sentava. — Não pude evitar. Seu rosto parecia estar sentindo falta do meu beijo. Um sorriso largo surgiu em mim enquanto eu me acomodava. Eu queria dizer obrigada, mas isso parecia estranho. Eu queria dizer alguma coisa, mas não conseguia captar nenhuma das palavras que corriam de um lado para outro em minha mente. O sorriso de Rider cresceu até a covinha aparecer. E percebi que minha falta de palavras não... não era um problema. Nesse momento, estava tudo bem. Mais que bem. O sinal soou, arrastando meu olhar para a frente da sala quando Paige entrou. Meu sorriso desapareceu lentamente. Suas longas pernas a levaram para o fundo da classe. — Oi — disse ela a Rider. Rider balançou a cabeça em sua direção. — Olá. Ela não disse nada para mim, o que era meio que normal, e, quando a aula começou, eu me perguntei se ela sabia que Rider e eu estávamos juntos. Meu estômago embrulhou. Mesmo que eu não fosse fã de Paige, me senti mal por... por ela, porque eu acreditava que ela realmente gostava dele e isso devia doer. Pessoas terminavam o tempo todo, mas isso não tornava nada mais fácil. Eu não sabia o que fazer com esses sentimentos. O Sr. Santos anunciou que nosso próximo discurso seria persuasivo. Esperei alguém observar que eu ainda não tinha feito o meu discurso. Ou ninguém percebeu ou não se importavam. Eu esperava que continuasse assim. Quando a aula terminou, rapidamente juntei minhas coisas enquanto Hector se levantava e nos encarava. Ele ia começar a falar enquanto Keira caminhava na nossa direção, mas Paige foi mais rápida que ele. — Podemos conversar? Eu não precisei olhar para saber que a pergunta tinha sido dirigido a Rider. Apertando os lábios, eu me concentrei em fechar minha mochila enquanto meu coração disparava no peito. Rider ia conversar com ela? Isso era ok? Deveria ser ok? — Pode falar — respondeu Rider depois de um momento, e eu ergui os olhos. Ele estava de pé ao lado da minha mesa.
Paige deu um passo mais para perto, e Hector se virou, mas tive um vislumbre do olhar arregalado que ele lançou para Keira. Ela parou, parecendo saber que não devia se aproximar mais. — Eu estava pensando que poderíamos conversar em algum lugar um pouco mais privado. Que tal hoje à noite? — perguntou Paige. — Tenho que trabalhar — respondeu Rider. Eu me mantive parada ali, balançando a mochila em meu ombro. Paige deslizou a língua por baixo do lábio. — E depois? Rider desviou os olhos, esfregando a mão no centro de seu peito. — Paige... — O que foi? Você não pode mais conversar comigo? Pensei que ainda fôssemos... — Ela cruzou os braços. — Amigos conversam. Ele abriu a boca e depois a fechou. — Somos amigos, Paige. Você sabe disso. — Ei — chamou Hector, dando um passo em direção a ela. — Vem comigo? Ela bufou. — Hum. Não. — Eu acho que você deveria — insistiu Hector. — Porque você realmente não quer fazer isso agora. — Fazer o quê? — rebateu ela. — Eu só quero conversar com Rider. — Tudo bem. — As duas palavras saíram de mim, e todos olharam na minha direção. Engoli em seco. — Quero dizer... tudo bem, se vocês dois precisam conversar. Eu estou indo... para o carro. — Não. — Rider estendeu a mão, pegando a minha. Seus dedos se entrelaçaram aos meus. O olhar de Paige me fuzilou e depois caiu para nossas mãos entrelaçadas. Seus lábios rosados e brilhantes se separaram quando a compreensão cruzou seu rosto. Ela empinou o queixo e arqueou as sobrancelhas. — Sério? — A pergunta foi dirigida a Rider. — Você... você terminou comigo para ficar com ela? Oh, Deus! Keira franziu os lábios e começou a recuar. Hector fechou os olhos. — Eu nunca disse que não ficaria — disse Rider tão baixinho que quase não o ouvi. Ele apertou minha mão.
Paige descruzou os braços, e eu fiquei tensa, porque, por um segundo, achei que ela pularia aquela carteira e estrangularia um de nós ou os dois, mas, em seguida, seus lábios se curvaram em um sorriso e ela soltou uma risada áspera. — Certo. Tanto faz. Como se eu não tivesse previsto isso bem na hora que ela apareceu. Eu queria me esconder, mas isso faria de mim uma covarde, o pior tipo de covarde, então me obriguei a ficar lá. — Eu não sei o que dizer — confessou Rider, e sua mão apertou a minha mais uma vez. — Eu realmente não sei. — Tudo bem, porque eu sei. — Paige empinou o queixo mais uma vez. — Não venha rastejando de volta para mim quando ela o desapontar. Porque isso vai acontecer. Meus olhos se estreitaram, e as palavras saíram numa explosão: — Isso não vai acontecer. Paige olhou para mim e riu outra vez. — Tanto faz. Você e eu sabemos como isso vai acabar. — Ela mexeu os dedos e girou. — Fica tranquila. Parada ali, observei Paige sair da sala, enquanto Hector se virava para nós. — Merda — xingou ele. — Isso foi muito estranho de testemunhar. — Foi mesmo — murmurou Keira. — Tente estar no meu lugar — disse Rider, suspirando. Ele me puxou para o seu lado. — Você está bem? — Sim. — Eu pisquei. — Por que... eu não estaria? Rider levantou um ombro em resposta. Comecei a perguntar se ele estava bem, mas as palavras de Paige tinham me deixado com um frio no peito, porque ela as dissera com muita certeza. Como se ela soubesse que Rider e eu não iríamos durar. Que não seria para sempre.
CAPÍTULO 26
— Ei, bebé. As palavras vieram de trás de mim enquanto eu vasculhava meu armário na terça-feira de manhã. Reconhecendo a voz, olhei por cima do ombro. Jayden estava ali, um machucado debaixo do olho e o rosto inchado. Enfiei meu livro de história na mochila, espremendo-o junto do fichário. — Como você está... se sentindo? — Como o rei do pedaço. — Ele riu da minha cara de dúvida. — Ok. Está mais para rei do lixão, mesmo. Meus lábios se curvaram enquanto eu fechava a porta do armário. — Eu queria dizer mais uma vez que sinto muito por sábado. — O olhar injetado de Jayden se desviou de mim para o corredor. — Eu não sabia que você estaria com Rider. — Tudo... bem. — Eu me afastei do armário. — Você está bem? — Sim. Sim. — Ele enfiou as mãos nos bolsos do jeans. — Então, você e Rider têm alguma coisa agora, hein? Mordendo o lábio inferior, assenti. Rider tinha trabalhado na oficina na noite anterior, terminando o carro que havia me mostrado. — Nós vamos... sair juntos hoje depois da aula. — Isso é muito bom. — Ele sorriu, levantando o rosto inchado, e o gesto pareceu doloroso. — Rider é um cara legal. Descemos o corredor lado a lado. — Ele se preocupa com você. — Sempre se preocupou. — Ele fez uma pausa. — Eu... hum, me espelho neles, sabe? Hector e Rider. Eles não acham que me importo, mas eu os escuto. Tenho novos planos agora. — Quando chegamos à porta, ele olhou
para cima. Seu olhar parecia distante. Perdido. — Tenho que ir para o fim do corredor. Só queria dar uma volta. Até mais, cariño. Jayden se foi, desviando-se dos garotos mais altos antes que eu tivesse a oportunidade de dizer mais uma palavra. Fiquei olhando para ele por um instante e depois passei pela porta aberta, esperando que Jayden estivesse realmente escutando Hector e Rider. — Chaves? — disse Rider quando caminhamos para o meu carro depois da aula. Curiosa, eu as peguei na mochila e entreguei a ele. Joguei minha mochila no banco de trás, e Rider deixou seu caderno cair ao lado dela. — Aonde vamos? — É surpresa. — Ele abriu a porta do motorista. Um sorriso mudo, provavelmente bobo, surgiu enquanto eu caminhava para o outro lado. Toda essa coisa de relacionamento era nova, e eu realmente não tinha ideia do que esperar, mas sabia o bastante para entender que as surpresas fossem boas. Uma vez lá dentro, Rider virou a chave na ignição e olhou para mim. Seu cabelo roçou nas sobrancelhas quando ele sorriu. — A que horas você tem que estar em casa esta noite? — Oito — respondi, uma vez que meus pais estavam no hospital à tarde. — Perfeito — disse ele, dando marcha a ré. Ele deslizou os dedos pelo volante enquanto saíamos do estacionamento. — Venho juntando dinheiro para comprar um carro. Gosto deste. Mas provavelmente está fora da faixa de preço que posso pagar. Esticando as pernas, olhei para ele e, por um instante, fiquei boba com o fato de que estávamos ali e aquilo estava acontecendo. Então me recompus. Mais ou menos. — O que... você está pensando em comprar? Ele deu de ombros, saindo do estacionamento. — Não tenho certeza. Estou pensando em uma caminhonete. Não uma grande, mas Drew está de olho para mim, e as mais antigas definitivamente cabem no meu orçamento. Pensei nisso por um momento. — Gosto disso. — O quê? Caminhonetes?
— Sim, mas gosto que você esteja planejando o futuro — expliquei, olhando para ele. Uma sobrancelha se levantou, e, em seguida, ele riu. — Não sei bem o que pensar disso. Dei um sorriso suave. Era difícil de explicar, mas Rider não via muita coisa em si mesmo. Realmente tinha pouca ou nenhuma expectativa, mas ele estava fazendo planos. Comprar uma caminhonete pode não ser grande coisa, mas era algo. Não desviei o olhar dele muitas vezes enquanto dirigia, e nós conversávamos. Bem, na maior parte do tempo, Rider falou e eu ouvi. Foi estranho. As coisas eram como na semana passada, mas, ainda assim, diferentes. Sempre que ele olhava na minha direção, a intensidade de seu olhar, não importa quão breve fosse, parecia infinitamente maior. Era pesada e quente. — Keira me convidou... para uma festa neste sábado — contei a ele, lembrando-me da conversa da véspera. Com tudo o que aconteceu na aula de oratória com Paige, acabei esquecendo. — Na casa de Peter? — Sim. Você já foi? Ele balançou a cabeça. — Você está pensando em ir? — Não sei — respondi honestamente. Eu tinha tocado no assunto com Ainsley na noite anterior via mensagem, e ela achou que era uma ideia maravilhosa. Em seguida, ela se convidou para ir junto. — Você iria? — Se você quiser que eu vá, sim. — Ele me deu um sorriso rápido. — As festas dele são muito grandes. Um monte de gente vai. Meu estômago se revirou. — Eu acho... que pode ser divertido. — Provavelmente vai ser. — Houve uma pausa. — Como Carl e Rosa vão lidar com isso? Eu quase ri diante dessa ideia. — Eu... não sei. Não acho que vão ser totalmente contra. Quero dizer, eles querem que eu... seja mais sociável. — Uhum. — Foi tudo que ele disse, e eu não sabia o que isso significava. Mas então ele começou a conversar novamente: — Falando de vida social, você já pensou no baile de boas-vindas?
— Eu... — Minha língua se retorceu como um pretzel. Vários segundos se passaram antes que eu pudesse fazê-la acompanhar meu cérebro. — Não até ver o cartaz na semana passada. Eu não... sei. Parte de mim quer ir, mas... Mas era algo grande... E muita coisa havia mudado. Para alguns, era apenas um baile, mas era um baile com uma multidão de pessoas e música alta. Fiz uma careta. Uma festa provavelmente também seria assim, mas com um pouco menos de gente. Minhas mãos de repente ficaram úmidas, e eu as esfreguei nas minhas coxas. Uma parte de mim estava animada com a perspectiva de encontrar um vestido bonito e ver Rider todo arrumado, porque só isso já seria uau, mas a escola era novidade, o relacionamento era novidade e ir a uma festa era uma coisa. Mas ir a um baile? — Eu só... não sei. Nunca fui a um baile. Alguns programas... de educação em casa têm bailes, mas eu nunca fui. Ele foi paciente enquanto eu obrigava as palavras a saírem. — Então que tal isto? Por que não pulamos o baile e planejamos a formatura? Formatura? Caramba, isso era daqui a tipo uma eternidade, e isso significava que Rider estava planejando a eternidade comigo a partir de agora, independentemente das dúvidas que Paige havia plantado em minha cabeça. Não havia como conter o sorriso. — Eu... posso fazer isso — respondi. Ele estendeu o braço, encontrou minha mão e a apertou. — Que bom! Sorrindo como uma louca, olhei pela janela e pisquei. Eu reconhecia o local do fim de semana, a rua estreita com a oficina, mas, quando passamos por ela, meu coração disparou. — Você está... me levando para a sua casa? Seu olhar de soslaio foi malicioso. — Bem, agora não é mais surpresa. As batidas do meu coração se fizeram sentir na minha garganta. — Se bem que provavelmente não é uma surpresa tão boa. Quero dizer, é só a minha... É só uma casa. Nada emocionante — acrescentou ele, olhando para a frente ao chegar a um sinal. O carro parou. — Não tem ninguém em casa. Hector está trabalhando, e a Sra. Luna não vai chegar até umas sete
horas. Não tenho a menor ideia de onde Jayden está, mas provavelmente saiu, fazendo algo que mais tarde vai me fazer ter vontade de socá-lo. A expectativa cresceu. Eu ia ver a sua casa, talvez até seu quarto e, apesar de isso ser incrivelmente íntimo para mim, eu enfim poderia confirmar que ele tinha uma boa casa. No fundo, eu sabia que as coisas eram boas, com a avó de Hector e Jayden, mas saber não era o mesmo que ver que, quando ele saía da escola, quando não estava comigo, estava em um lugar seguro. Esse era o tipo de coisa com que muitas pessoas nunca tiveram que se preocupar, mas eu me preocupava — nós nos preocupávamos —, porque sabíamos que ter paredes e um teto sobre a cabeça não era sinônimo de segurança. Às vezes era o lugar mais perigoso de todos. As vagas na quadra onde ele morava eram reservadas aos moradores, então ele encontrou vaga muito depressa, nem precisou manobrar. Quando saltamos para o ar fresco da tarde, puxei as mangas do meu suéter leve para baixo. Em breve, eu teria que sair com um casaco. Rider pegou minha mochila no banco de trás, jogando-a sobre o ombro. — É mais lá embaixo. Ele estendeu a mão e envolveu a minha, e meu coração deu saltos. Descemos a rua enquanto o vento soprava meu cabelo, jogando fios no meu rosto. A rua era boa, ladeada de árvores nuas. Não tinha cheiro ruim, como era do lado de fora do orfanato e da casa do Sr. Henry. Era apenas normal. Não uma mistura de urina, esgoto e tubos de exaustão. Ele me conduziu pelos degraus de cimento de um antigo prédio de tijolos. O tijolo vermelho e as venezianas verdes eram típicos do estilo, assim como a janela arredondada. Na porta, havia uma guirlanda outonal, folhas cor de laranja e vermelhas queimadas com pequenas abóboras plásticas. A esperança aumentou quando ele pegou as chaves. Isso era bom, muito bom. As guirlandas não significavam segurança, mas todas as janelas estavam intactas e alguém, eu imaginava que a Sra. Luna, se importava o suficiente para decorar a casa para a temporada. Rider soltou minha mão e abriu a porta, segurando-a para que eu passasse. Respirando fundo, imediatamente senti o cheiro de maçãs e canela. Meu olhar se movia por toda parte quando ele fechou a porta atrás de nós. A casa era muito parecida com a de Carl e Rosa, só que mais antiga e menor. Do outro lado da porta da frente, havia escadas que levavam a um
segundo andar. Os dois degraus inferiores tinham uma série de tênis encostados na parede. Havia uma mesa velha junto à porta, coberta de correspondências fechadas. Rider deu a volta ao meu redor. — Quer beber alguma coisa? Assenti e o segui até a sala de estar, passando por um arco arredondado. Uma mesa de café estava coberta de revistas. Uma TV de tamanho considerável ficava sobre um suporte, em frente a um confortável sofá e uma poltrona reclinável. Fotos emolduradas de Jayden e Hector cobriam cada centímetro da parede atrás do sofá. Havia várias fotos de um homem mais velho que me lembrava muito Hector. Imaginei que fosse o Sr. Luna. A sala ao lado era uma pequena área de refeições, e, em seguida, entramos em uma cozinha surpreendentemente grande, que parecia ainda ter os mesmos eletrodomésticos de quando a casa fora originalmente construída. Os armários estavam manchados de uma cor intensa, e a bancada tinha uma superfície lisa e escura. — Acho que temos um pouco de Coca-Cola. Que tal? — perguntou Rider, olhando por cima do ombro. — Acho que o leite pode ter vencido. — Coca-Cola está ótimo. — Eu o vi abrir a geladeira e, graças a Deus, eu poderia ter chorado. Ela estava cheia de comida. Potes plásticos com sobras, ovos, caixas de refrigerante, pacotes de carne e até mesmo uns legumes e verduras. As aparências podem enganar. Eu era esperta o suficiente para perceber isso. Às vezes, chãos limpos e uma geladeira abastecida não passavam de fachada. Mas minha esperança crescia. Rider pegou dois refrigerantes da geladeira. — Vamos para meu quarto no andar de cima? — Suas bochechas coraram. — Se não, o sótão foi convertido em um lugar para curtir. Foi fofo ele ter perguntado e mais fofo ainda ele ter corado. Eu assenti, sentindo o calor nas minhas bochechas também. — Quarto... está bem. Seus lábios se contraíram quando ele me entregou a Coca-Cola. O andar superior era tão aconchegante e quente quanto o térreo. Nós passamos por duas portas fechadas e um banheiro. O quarto de Rider ficava logo ao lado. Ele abriu a porta e acendeu a luz.
Apenas uma pequena janela iluminava o quarto — surpreendentemente limpo. Tipo, obsessivamente limpo. Meus olhos estavam arregalados enquanto eu olhava ao redor. Uma estreita cama de solteiro tinha sido feita ou ninguém nunca dormira nela. Uma escrivaninha sem nenhuma desordem se conectava a uma cômoda. Passando por mim, Rider pôs seu refrigerante na mesa de cabeceira e minha mochila ao pé da cama enquanto eu girava lentamente, num círculo. Nada enfeitava as paredes. Nenhum cartaz ou imagem. No canto do quarto havia uma estante. Eu fui até lá, o dedo deslizando pela beira da lata de refrigerante. Ajoelhei-me e comecei a verificar as lombadas. Havia uma coleção completa de Harry Potter, todos de capa dura, e um monte de suspenses de autores que eu reconhecia. — São seus? Rider sentou-se na cama. — A maioria. Os Harry Potter já estavam aqui quando eu cheguei. — O meio sorriso apareceu. — Mas eu os li. Sorrindo, voltei-me para os livros. Havia alguns de Stephen King, alguns que eu não tinha lido. Na verdade, eu não lera nenhum livro dele. Eu não era fã de terror. Um dos títulos, um livro fino, chamou minha atenção. Era menor, quadrado. Minha mão se estendeu com o reconhecimento. Ai, meu Deus! Peguei-o e fiquei parada, pousando a Coca-Cola sobre a mesa enquanto encarava a cama. Ele viu o que eu segurava e começou a sorrir, mas pareceu travado. Seu rosto nublou um pouco, e eu pisquei rapidamente. — Ah, merda — disse ele bruscamente, começando a se levantar. — Você ainda chora quando vê esse livro. Eu ri, uma risada molhada e sufocada. — Não. Na verdade, não. — Olhei a capa. Era um exemplar antigo. Oh, Deus, parecia exatamente o mesmo de antes. A capa amarela estava gasta, e a ilustração de um menino que segurava um coelho de pelúcia estava desbotada. Tinha o mesmo cheiro de qualquer livro — aquele aroma velho e mofado que se agarrava a páginas desbotadas. — Este é…? Ele respirou fundo. — É.
Lentamente, levantei o rosto e nossos olhos se encontraram. — Era o seu livro favorito — disse ele depois de um momento. — Eu não tenho a menor ideia do motivo, já que sempre fazia você chorar. Meu lábio inferior começou a tremer. — Era triste. — O coelho se torna real no fim. — Ele riu, uma risada rouca e pesada. — Não sei quantas vezes lhe expliquei isso. — Mas ele estava velho e surrado e... — Engoli o nó na minha garganta enquanto caminhava até a cama e me sentava ao lado dele. Olhei para a velha capa. — Tudo que o coelho queria... era ser real e amado. — Eu disse a última palavra como um sussurro e, em seguida, ergui meu olhar se voltou para ele novamente. Eu tinha me identificado com aquele pobre coelho. Eu era muito jovem para perceber isso, mas queria ser amada e real, porque não me sentia nenhuma dessas duas coisas crescendo naquela casa. — Eu o levei comigo quando fui retirado daquela casa e... Sim, eu o guardei comigo. Minha respiração ficou presa. — Isso é... eu não sei o que dizer. — Nunca deixei de pensar em você — confessou ele em voz baixa. — Nem um dia sequer, Mallory. Esse livro... Não sei, era algo que me ligava a você. Oh, meu Deus! Meu peito se apertou, e um tremor percorreu meu braço novamente. O livro escorregou dos meus dedos, caindo no tapete. Rider estendeu a mão para ele ao mesmo tempo que eu, e nós dois congelamos, curvados na altura da cintura, nossos rostos a centímetros de distância. Ele chegou ao livro antes de mim. Nós nos endireitamos, os olhares presos um no outro. Ele havia guardado um livro que eu tinha certeza de que ele odiava porque o fazia se lembrar de mim. Meu coração praticamente explodiu no peito. Pintar o coração entre nossos nomes tinha sido fofo, mas isso? Isso significava o mundo para mim. — Depois que você foi embora — explicou ele, engolindo em seco ao colocar o livro de lado —, era tudo o que eu tinha de você. Meus lábios se abriram, e eu nem parei para pensar. Me joguei para Rider, virando a parte de cima do meu corpo em sua direção. Era estranho e
possivelmente a coisa menos atraente do mundo, mas eu não me importava. Seus braços passaram ao meu redor no mesmo instante que apertei os meus em volta do seu pescoço. Eu não disse nada. Não havia necessidade. Enterrei a cabeça em seus ombros, e nós nos abraçamos. Nós tínhamos sido separados. Mas nunca estivemos realmente separados. Não sei quanto tempo ficamos assim, mas, por fim, o abraço mudou. Acabamos deitados naquela cama arrumada. Rider estava de costas, e eu, de lado, minha cabeça descansando em seu ombro. Havia um espaço entre nossos corpos, mas deitar assim fez todo meu corpo pulsar. Rider estava bem ali. Eu poderia estender a mão e tocá-lo. Em qualquer lugar. E eu queria tocá-lo. Mas mantive as minhas mãos dobradas no espaço entre nós, e ele manteve uma das mãos na minha cintura e a outra em sua barriga. O velho exemplar de O coelho de veludo descansava entre nós. Nós conversamos e nos ouvimos. Falei para ele o que tinha contado a Ainsley no domingo à noite. — Isso deve ter sido difícil. — Ele correu o polegar pela minha cintura. — Estou orgulhoso de você. Sorrindo, eu me aninhei mais perto enquanto falava com ele sobre Jayden e como eu acreditava que ele finalmente estava ouvindo Rider e Hector. Centímetro a centímetro, eu me aproximei dele, o que deixou apenas o livro entre nós. Suas mãos ficaram onde estavam, mesmo que eu quisesse que ele me tocasse. E ao mesmo tempo eu não queria que ele me tocasse. Não fazia sentido, mas eu não tinha ideia do que fazer com... tudo isso. Eu queria aprender, queria mesmo, mas eu não tinha ideia do que estava fazendo. Levantando meu queixo, vi seus lábios se moverem enquanto ele falava calmamente sobre quando tinha ficado encrencado por pichar a escola. Ele havia feito isso por causa de um desafio. Eu estava ouvindo, mas também estava fascinada com a forma como seus lábios se curvavam em torno de cada palavra. Lembrei-me da sensação deles contra os meus. À noite, deitada na cama, era tudo em que eu pensava. Essas lembranças me davam calor. Eu queria sentir isso de novo. Era cedo demais para beijar de novo? Ele não me beijava assim desde
sábado. Certo, ele só tinha me visto na escola nos últimos dois dias e tinha beijado minha bochecha várias vezes, mas eu queria mais. Ele havia parado de falar, e seus olhos estavam fechados. Respirando fundo, eu me levantei, apoiando meu peso em meu cotovelo. Seus olhos se abriram quando meu cabelo deslizou sobre meus ombros, encobrindo meu rosto. Seu olhar procurou meu rosto enquanto ele tirava a mão da barriga. Seus dedos hesitaram em minha bochecha, e, então, ele prendeu meu cabelo atrás da orelha. — Ratinha? — sussurrou. Havia uma boa chance de eu começar a ofegar, e quão desagradável isso seria? — Eu quero... — Molhei os lábios e vi seus olhos descerem. — Eu quero… Um longo momento se estendeu entre nós. — Você quer me beijar? — perguntou ele, com os cílios espessos abaixados, cobrindo seus olhos. — É isso que você quer? Agora eu queria enterrar meu rosto em um poço de nada. Eu poderia morrer, mas afastei a onda de vergonha. Rider devia saber que eu não tinha experiência nisso, embora eu apostasse que ele tivesse muita. — Sim. — Consegui arquejar. — Você quer? Você pode. Sempre. — Sua voz era profunda e áspera. — Nem precisa pedir. Sempre. Bom saber. — Ok. Eu não me mexi. — Eu não sei o que... fazer. Seus olhos encontraram os meus, e, então, ele moveu a mão, curvando os dedos em minha nuca. — Eu vou lhe mostrar. Meu coração pulou, e eu assenti. Com uma levíssima pressão, ele me puxou para baixo. Nossos lábios se tocaram, e faíscas se acenderam em minhas veias. Ele lentamente moveu seus lábios contra os meus, e eu o imitei. Depois de alguns instantes, percebi que, se eu inclinasse a cabeça para o lado, a pressão aumentava, e gostei, realmente gostei. Rider parecia gostar
também, porque seus dedos apertavam minha pele. Movendo a parte superior do meu corpo mais para perto da dele, estendi a mão para me equilibrar, colocando-a em seu peito. Seus lábios se abriram sob os meus, e eu senti a ponta de sua língua. O sangue pulsava através de mim de maneira incisiva, e, quando nossas línguas se tocaram, eu estava encharcada daquela sensação. O beijo mudou, e ele tinha gosto de refrigerante e algo bom, algo que eu não sabia dizer o que era, mas eu queria mais. Não sei por quanto tempo nos beijamos assim. Segundos? Minutos? Quando finalmente paramos, minha pele estava corada e os músculos inferiores da minha barriga estavam contraídos. Meu Deus! Pisquei os olhos. O que eu sentia, o calor vertiginoso em meus músculos e o pulsar doce em certas áreas do meu corpo? Era emocionante e assustador. Era lindo e confuso. Rider exalou suavemente. Apoiei minha bochecha de volta em seu ombro. Seu peito subiu e desceu pesadamente, como se tivesse se esforçado. Meu peito se moveu do mesmo modo. Ficamos em silêncio de novo, nossas mãos unidas sobre sua barriga. — Sim. — Ele pigarreou. — A qualquer momento que quiser fazer isso, apenas vá em frente. Fechando os olhos, eu ri. Eu poderia fazer isso, pensei. Ficamos ali por um tempo, e, quando chegou perto da hora de eu voltar para casa, Rider bateu no meu quadril. Peguei minha bolsa e, antes de sair do quarto, dei uma última olhada no exemplar de O coelho de veludo. Fiquei toda sentimental. — Eu posso ir com você — disse ele quando estávamos lá embaixo. — Pego o... — Não precisa. — Era gentil ele se oferecer, mas era um grande desvio do seu caminho. Estendi a mão para as chaves. — Sei o caminho de volta. Um lado de seus lábios se curvou. — Eu sei. Olhei para ele quando deixou as chaves caírem na palma da minha mão. Então ele abaixou a cabeça, beijando-me suavemente e muito depressa. — Posso levá-la até o carro? — ofereceu. Assenti, e nos dirigimos para a sala de estar bem na hora que a porta da
frente da casa se abriu. Uma senhora idosa entrou, com uma marmita azul em um braço e uma bolsa balançando em seu pulso. Seus cabelos pretos já ficavam consideravelmente grisalhos e estavam puxados para trás em um rabo de cavalo baixo. Imaginei que fosse a Sra. Luna, mas ela não parecia ser tão velha. Congelei quando a porta se fechou e ela se virou para nós. Ela parou completamente, os olhos escuros arregalados. Uma sensação estranha me percorreu quando o olhar dela se moveu de mim para Rider. — Oi, Sra. Luna. — Rider deu um passo, ligeiramente na minha frente. — Esta é Mallory. Ela veio aqui depois da aula. A Sra. Luna piscou uma vez e depois outra. — Mallory? — repetiu. O olhar brilhante se concentrou em mim. — Esta é Mallory. Meu Deus! — Sim, é ela — respondeu ele. — Oh. — A mulher balançou a cabeça e então entrou na sala de estar. — É um prazer conhecê-la. Eu não sabia que você vinha. Teria chegado mais cedo. — A pele ao redor de seus olhos se enrugou quando ela os estreitou para Rider. — Esse rapazinho deveria ter me dito. Eu poderia ter feito meu arroz... — Você não precisa fazer nada — respondeu Rider. — Mallory tem que ir para casa. A Sra. Luna se aproximou para deixar a bolsa na poltrona reclinável. Ela olhou para Rider enquanto eu a fitava. As palavras corriam para todos os lados, e eu as agarrei. Escorregaram pelos meus dedos enquanto o silêncio se estendia entre nós. Ela tirou o casaco leve, colocando-o sobre o encosto da cadeira. — Bem, espero ver você de novo. Para o jantar na próxima vez. Sou famosa pelo meu arroz con gandules. — Seu sorriso era acolhedor. — Você vai amar. — É basicamente presunto, arroz amarelo e ervilhas — explicou Rider com um sorriso. — É bom mesmo. Eu assenti. — E você vai vê-la novamente. — Rider cutucou meu ombro. — Certo? Assenti mais uma vez. Rider pôs a mão na parte de baixo das minhas costas. — Bem, Mallory precisa ir...
Minhas bochechas queimaram, e a irritação subiu rapidamente, girando dentro de mim. Dessa vez o efeito foi diferente. Forçou as palavras para fora. — Foi um prazer... conhecê-la. — Meu rosto ficou ainda mais quente, porque eu tropecei em todas as palavras, mas falei. A Sra. Luna assentiu enquanto se afastava para o lado. A porta da frente se abriu, e, um segundo depois, Jayden entrou. Um sorriso pálido inclinou os cantos de seus lábios quando nos viu na sala de estar. A ferida em torno de seu olho tinha desbotado apenas um ou dois tons, e eu me perguntava o que a Sra. Luna havia pensado quando viu aquilo pela primeira vez. — Ei, você não se cansa de mim? Me seguindo até em casa, agora? — Jayden tirou os sapatos, colocando-os perto da porta enquanto sorria para mim. — Vai ficar para jantar? — Não, Mallory tem que ir para casa — respondeu Rider. — Que pena! — Jayden caminhou em direção à avó. — Deixe-me pegar isso — disse, tomando a bolsa da marmita dela. — Vou fazer o jantar para você hoje. Rider ergueu as sobrancelhas. — Sério? — A Sra. Luna sorriu para Jayden. — Você é tão bom para mim — comentou ela, deixando o neto levá-la para a cozinha. — O que eu faria sem você, mi nene hermoso? — Você estaria perdida sem mim — brincou ele, passando um braço ao redor de sua cintura. — Assim como Mallory. Sorri enquanto Rider me guiava para fora. O crepúsculo estava se transformando rapidamente em noite. As lâmpadas da rua brilhavam suavemente na calçada. Rider pegou minha mão. — Posso fazer uma pergunta meio pessoal? — indaguei. — Claro — disse ele. — O que aconteceu com... os pais de Hector e Jayden? — O pai deles era filho da Sra. Luna. Morreu de câncer quando eles eram pequenos. — Ele apertou minha mão enquanto passávamos por uma árvore. — E a mãe deles meio que se perdeu, acho. Ou talvez nunca tenha se encontrado. Ela estava terrivelmente envolvida com drogas. Aparece uma vez por ano. Da última vez que soube, estava morando em D.C. — Isso é... triste — falei, desejando poder dizer algo mais. — É... — murmurou Rider. Paramos junto do meu carro. — Tem certeza de que não precisa que a acompanhe?
Assenti e ergui os olhos para ele. — Posso... perguntar mais uma coisa? Rider sorriu. — Pode me perguntar qualquer coisa. — Você é feliz lá? — Lá? Você quer dizer na casa da Sra. Luna? — Quando assenti, ele pôs as duas mãos em meus ombros e então baixou a cabeça para que nossos olhos ficassem no mesmo nível. — Estou tão feliz quanto posso ser. Tenho um teto sobre minha cabeça e quatro paredes com comida na mesa. Depois da escola, meu objetivo é manter essas coisas. — Mas... mas um lar deveria ser mais que isso — argumentei. — A vida ... deveria ser mais que isso. Ele roçou os lábios em minha bochecha. — Deveria, mas não é para todos. Você sabe disso.
CAPÍTULO 27
Rosa e Carl estavam sentados em silêncio à mesa de jantar, na noite de quarta-feira, me olhando atônitos. Os brócolis, que eu tinha forçado pela minha garganta, começaram a criar raízes e cavar meu estômago. Fiquei tensa quando Carl olhou para Rosa. Seus olhos se encontraram e, mais uma vez, fiquei maravilhada com a maneira como eles se comunicavam silenciosamente. Carl pigarreou e pousou o garfo na mesa. — Você foi convidada para uma festa? Assenti lentamente. — Eu... falei a vocês sobre Keira. Ela me convidou. — E esta festa vai ser na casa de um menino? — perguntou ele. Talvez eu devesse ter guardado essa parte para mim. — Ele é um... amigo. — Isso não era necessariamente verdade e também não era mentira. Na realidade, éramos conhecidos. — Um amigo? — A voz de Rosa soava normal. — Que não é Rider? — Eu tenho... amigos — respondi secamente, pensando em Hector e Jayden, e ela piscou. — Ainsley vai com a gente. — O que era verdade. Ainsley ia. Eu até tinha dito a Keira no almoço que a havia convidado, e ela estava animada para conhecer minha amiga. — Eu realmente... gostaria de ir. Silêncio. Os dois retomaram sua telepatia. Comecei a me contorcer na cadeira enquanto olhava para minha costeleta de porco parcialmente comida. Se Rosa e Carl me deixassem ir no sábado, eu pegaria Ainsley primeiro e Rider depois. Nós três iríamos à festa juntos. Uma festa de verdade. Meu estômago se revirou ainda mais.
Carl tomou um gole de água e então disse: — Os pais desse garoto vão estar lá? Eu não fazia ideia. Provavelmente não, mas não era isso que eu ia dizer. — Eu acho que sim. Mais olhares foram trocados. Talvez eu devesse ter soado mais convicta. — Gostaríamos de conversar com os pais dele — disse Carl. Meus olhos se arregalaram. — O quê? Isso seria... uma vergonha. — Mallory... — Os pais de ninguém fazem isso — insisti, horrorizada diante da ideia de que eles criassem um pacto entre pais pelas minhas costas, exatamente como tinham feito com meus professores. — Se vocês precisam... falar com eles, então eu não deveria ir. Eu só queria... — Acho que vai ser bom — interveio Rosa, recebendo um olhar afiado de Carl. — Eu acho — insistiu ela, sustentando o olhar do marido. — E acho maravilhoso você ter sido convidada e querer ir. Também não acho que precisemos falar com ninguém. Quase caí da cadeira. Carl ergueu as sobrancelhas. Ela olhou para mim, longa e duramente. — Acho que você está pronta para isso. Pulei da cadeira e a abracei. — E acho que isso é bom — continuou ela, seu olhar sem hesitar nem uma vez, mas ela sorriu, e eu poderia dizer que estava sendo sincera. — Mas você tem um toque de recolher, Mallory. É às onze horas. Esperamos que esteja em casa a essa hora, nem cinco minutos mais tarde. Apertando os lábios, assenti. — Provavelmente haverá... coisas com as quais preciso que você lide com maturidade — disse ela, e Carl apertou os olhos com força. — Seja responsável com Rider. Eu corei enquanto pensava em todos os modos como poderia ser irresponsável com ele. — Não beba. Não use drogas — acrescentou ela. — Claro — respondi imediatamente, e isso também era verdade. Eu não tinha nenhum plano de me envolver com substâncias ilícitas em minha primeira festa. Deus, eu já era uma idiota na maioria das vezes. Não precisava
ser uma idiota bêbada ou chapada. Carl abriu os olhos, mas ainda parecia prestes a ter um troço. — Nós vamos confiar em você, Mallory. — Rosa sorriu, e eu quis sorrir também. — E a confiança é muito importante. Não nos decepcione. — Não vou — prometi, e então sorri, olhando para Carl. Ele parecia ter envelhecido cerca de vinte anos. — Obrigada. — Não me agradeça — respondeu ele. — Isso é coisa da Rosa. — Shh — respondeu ela com um sorriso e, em seguida, piscou para mim. Meu sorriso se alargou, e eu mal podia esperar para contar a Ainsley e Rider que poderia ir à festa, mas... mas um pequeno nó de preocupação pesou em meu estômago. Parte de mim não esperava que eles concordassem, e agora que tinham deixado, ainda havia uma pequena parte de mim que desejava que eles mudassem de ideia. Eu estava sorrindo enquanto fechava minha mochila antes do almoço na sexta-feira. Rider havia pegado um caminho diferente entre as aulas só para poder me encontrar no meu armário e me dar um beijo. Meus lábios ainda formigavam minutos depois de ele ter se afastado para a aula. Eu podia ainda ficar um pouco constrangida com demonstrações públicas de afeto, mas, enquanto trocava os livros das aulas da manhã, percebi que as coisas que me estressavam no início do ano letivo — coisas como a ideia de me atrasar para a aula, não ter onde sentar no almoço ou com quem conversar — não me preocupavam mais. Agora eu me preocupava com a prova de cálculo na semana que vem e o que eu iria usar na noite de sábado. Pus minha mochila, agora muito mais leve, sobre o ombro e me virei. Hesitei no meio de um passo quando vi Paige descendo o corredor com outra garota. O sorriso de Paige sumiu quando ela me viu. Droga! Comecei a andar, fingindo que ela não estava ali. Seus passos diminuíram quando se aproximou de mim. Então ela parou bem na minha frente. A tensão se derramou sobre meus ombros. — Encontro você mais tarde — disse ela para a amiga enquanto me olhava. — Você e eu precisamos conversar. Apertando meus lábios, inspirei fundo. Que esse dia ia chegar, eu já sabia. Mas quanto mais tempo se passava sem que Paige me dissesse alguma coisa,
mais eu torcia para que nunca acontecesse. Ela cruzou os braços enquanto me olhava. Não estava com a mochila. Eu me perguntei se ela deveria estar em aula. — Aposto que você está feliz agora, não está? Você volta para a vida dele e se torna o centro de seu universo como antes. A pobre Ratinha precisava dele, e Rider num segundo me dá um pé na bunda. Eu não era o centro do universo dele. Eu não era mais a pobre Ratinha. E “dar um pé” nela fora difícil para ele. Rider não tinha me dito como detestava magoá-la? No entanto, eu não disse nenhuma dessas coisas, porque havia um selo na minha garganta, travando todas as palavras. Paige riu baixinho e balançou a cabeça. — Sabe, isso é inacreditável. Ele me deixou por isso. — Ela riu de novo. — Tanto faz. Parte de mim quer arrebentar você bem aqui. Meu estômago se embrulhou. — E eu poderia. O que iria acontecer? Eu seria suspensa. Grande coisa. Não seria a primeira vez. Mas não vou fazer isso. Sabe por quê? Eu não sabia por que, mas estava aliviada de ouvir aquilo. — Rider nunca mais falaria comigo se eu fizesse uma coisa dessas. Ele nunca... — A voz dela falhou. Seus olhos brilharam. — Ele nunca me perdoaria. Ele pode ter me dado um pé na bunda, mas ainda me importo com ele. E não faria isso com ele. Aquilo... eram lágrimas em seus olhos. Ai, meu Deus! — Mas quer saber de uma coisa? — perguntou ela. — Você é boa demais para ele agora. O selo se desfez, e eu nem pensei nas lágrimas dela. — Não sou boa demais para ele. A surpresa cruzou o rosto de Paige. — Porque não sou melhor que ele — continuei. — Ele não está... abaixo de mim nem de ninguém. — Não. Você me entendeu mal — disse ela, baixando a voz. — Você conhecia Rider. Conhecia. E isso foi há um século... para vocês dois. Mais cedo ou mais tarde, você vai perceber isso, provavelmente quando estiver sentada em sua bela casa, em seu bairro perfeito. Ou talvez quando estiver na
faculdade e ele estiver procurando um lugar para morar. Em algum momento você vai perceber que tudo o que vocês têm em comum é o passado e, quando isso acontecer, você vai partir o coração dele. Dei um passo à frente. Tinha sido isso que ela quis dizer na aula de oratória, quando falou que um dia eu o decepcionaria. — Você está... enganada. Ela piscou. — Eu nunca faria isso... com ele — jurei. — Eu jamais magoaria Rider. — Sério? — As sobrancelhas dela se ergueram. — Você está fazendo um ótimo trabalho em não magoá-lo até agora. Eu não tinha a menor ideia do que ela queria dizer com isso. Ouvi o som distante do último sinal, indicando que o próximo tempo havia começado, mas nenhuma de nós fez menção de sair dali. — Ele viveu anos sentindo-se culpado por sua causa — disparou ela, a raiva corando suas bochechas. — Ele não tinha ideia do que havia acontecido com você, e se culpava por tudo aquilo. — Aquilo... — E agora você está de volta e ainda o convencendo de que ele precisa protegê-la de tudo. Você acha que é a única que teve uma vida difícil? Eu não pensava em nada daquilo. — Pense de novo, Ratinha. Eu venho cuidando da minha irmãzinha desde que ela nasceu porque meu pai é um bêbado inútil e minha mãe trabalha em dois empregos apenas para pôr comida na mesa. E o que você acha que acontece quando meu pai fica chateado? — continuou ela, as bochechas coradas de raiva. — Eu me transformo em um saco de pancadas humano para que ele não vá atrás de Penny. Mas você me vê por aí reclamando disso? Esperando que alguém cuide de mim? Meu Deus! — Mas você nunca poderia cuidar de si mesma, e isso com certeza não mudou. Deus, você não consegue nem ficar de pé na frente de uma turma e fazer um maldito discurso! — Sua voz se tornou perigosamente calma quando ela deu aquele golpe bem-direcionado. — Por que você acha que ninguém na turma falou nada sobre isso? Eles comeriam viva qualquer outra pessoa, mas não enquanto Rider estiver presente. Ah não, eles o veem com você e sabem que não devem mexer com você. Mas ele não pode estar lá para sempre. Então, chegará a hora em que você não vai conseguir lidar com nada,
não vai poder se defender, e ele não estará por perto. Você vai cair, e ele vai ficar juntando os pedaços, se culpando. É assim que funciona. É assim que sempre funcionará entre vocês dois. Minha boca se abriu enquanto eu cambaleava para trás. — Mesmo agora. — Sua voz diminuiu para um sussurro. — Você não pode se defender sozinha. Quer saber? Você está certa. Você não é boa demais para ele. Ele merece coisa melhor. Paige se afastou, deixando-me parada no meio do corredor vazio, sozinha com a verdade de suas palavras. Acordei cedo na manhã de sábado e juntei meu material de escultura. Fiz várias barras em algumas horas. Meu quarto tinha cheiro de sabonete. Depois do almoço, e no meu terceiro pacote de sabonete, as asas tomaram forma do lado direito e, em seguida, do lado esquerdo, unidas por um centro não mais largo que meu polegar. Eu não tinha dormido bem. Os pesadelos me acordaram muitas vezes durante a noite, e não tinha nada a ver com a festa de mais tarde. Meu nervosismo havia perdido a importância. As palavras de Paige me assombravam. Elas eram mesquinhas e rancorosas, mas também eram verdadeiras. Eu tinha chegado longe, mas... ainda era a Ratinha. Eu nem conseguia ficar de pé na sala e fazer um discurso. Fiquei ali e deixei Paige me arrastar pela lama. Eu não me defendi. Não ontem. Nem quando Carl desprezou a questão do serviço social. Nem quando Rosa e Carl fizeram o acordo com o Sr. Santos. Paige e eu tínhamos mais em comum do que jamais pensei que tivéssemos. Ela vinha de um lar ruim, ainda vivia em um, mas não era como eu. Ela lidava com isso. Eu tinha me escondido. Eu tinha chegado muito longe, mas ainda... me sentia fraca. Como vidro. Se eu caísse, iria me estilhaçar, e Rider iria... Ele iria juntar os pedaços e se culpar. Eu sabia disso. Paige estava certa. Era a mais pura verdade. Mas eu não poderia deixar que fôssemos só isso. Quando precisei parar e me arrumar para a festa de Peter, uma borboleta tinha se formado. Eu nunca havia feito uma dessas. Ainda precisava de
alguns detalhes, pensei enquanto a colocava cuidadosamente em minha mesa, e então me virei para o meu armário. Ir a essa festa era algo enorme, mas minha empolgação estava abalada quando pus o vestido que eu escolhera na noite em que Rosa e Carl disseram que eu poderia ir. Era azul-royal, de mangas curtas. Eu havia combinado com meia-calça preta e sapato baixo. Não era superelegante, mas eu achava bonito. Me olhei no espelho por vários segundos. Isso bastou para ouvir as palavras de Paige outra vez. Pensei na aula de oratória e por que nenhum dos outros alunos tinha dito nada sobre eu não fazer o discurso como todos. Assim que esse pensamento terminou, uma lembrança surgiu. — Você pode sair agora — disse Rider, agachado na frente da porta do armário. O quarto estava fracamente iluminado atrás dele, mas o menino não passava de uma sombra. Segurando Velvet junto ao peito, balancei a cabeça. As lágrimas haviam secado em minhas bochechas. Eu nunca ia sair. — Está tudo bem, Ratinha. Eu juro. — Rider ergueu os braços. — Ele se foi. Somos só nós e a Srta. Becky. Você pode sair. Baixei a boneca. Se o Sr. Henry tinha ido embora, então estava tudo bem. Me desenrolando, fiquei de joelhos e rastejei para a frente. No momento que cheguei à porta, Rider pegou minha mão livre. Ele me puxou para me levantar. Ergui os olhos e vi seu rosto. Seu lábio estava cortado e ficando vermelho forte. Corte novo. Os punhos do Sr. Henry. Eu tinha me escondido enquanto Rider o distraía. — Você está segura agora — disse Rider. — Estou aqui. Você está segura, Ratinha. E sei que você pode não acreditar nisso, mas vou mantê-la segura para sempre. — Ele engoliu em seco e mordeu o lábio. — Isso é uma promessa. Para sempre. Ele havia prometido que estaria ao meu lado para sempre. Mas eu acreditava que havia dois tipos de para sempre. O tipo bom. E o tipo ruim. Eu havia aprendido cedo que o tipo bom de para sempre era, bem, uma mentira. Esse tipo de para sempre, literal e metaforicamente, acabava em chamas, porque não importava com quanta força você tentasse segurar, esse
tipo de para sempre escorria entre os dedos. O tipo ruim de para sempre permanecia, como uma sombra ou um fantasma. Independentemente de qualquer coisa. Ele ficava, sempre ao fundo. Fechando os olhos, concentrei-me em respirar e afastar a lembrança da queimadura. Eu não podia pensar nisso agora. Lágrimas formaram um nó na minha garganta, mas eu sabia que não ia chorar. Eu não tinha chorado desde que saíra daquela casa. Caramba, eu realmente não tinha chorado desde aquela noite. Perceber isso agora me fez sentir como se houvesse um ninho de cobras na minha barriga. Não era como se meus canais lacrimais tivessem algum defeito. Minha cabeça estava travada. Tudo estava travado. E eu tinha que… destravar. A começar por aquela noite. Tirei um tempo para fazer isso a caminho da casa de Ainsley. Ela morava em Otterbein, em uma das casas históricas enfileiradas bem perto de Inner Harbor. Eu não tinha ideia de por que havia casas nessa área, mas sabia que custavam muito caro. — Você pode sentar... na frente — falei, quando ela se encaminhou para a parte de trás. Ela parecia incrível, como sempre, usando jeans pretos apertados e uma blusa solta que deslizava em um ombro. — Esse lugar está reservado para o Sr. Gostosura Incorporada — respondeu ela, abaixando-se para entrar e, em seguida, inclinando-se para a frente a fim de segurar a parte de trás do meu banco. — Além disso, eu meio que gosto de ser conduzida por aí, sentada no banco de trás. Você é minha motorista. Bufei. — Em um Civic velho. — Não importa. — Ela bateu no banco. — Eu tenho que admitir. Ainda estou surpreso que Carl e Rosa tenham deixado você ir. — Eu também — admiti. — Antes de eu sair, eles repassaram as regras básicas mais uma vez. Carl ainda não parecia estar cem por cento convencido. O trânsito estava horrível, então demorou um pouco para buscar Rider, mas, quando ele sentou no banco do carona, lançou um sorriso para Ainsley e se inclinou, beijando minha bochecha. — Ratinha. — Ele se afastou, seu olhar deslizando sobre mim e, mesmo sentada, tive a sensação de que ele estava vendo tudo. — Você está bonita.
Corei. — Você conhece alguém como você que eu possa roubar? — perguntou Ainsley, e eu lutei contra um sorriso. Acho que as coisas não estavam boas para Todd. Rider se virou no banco enquanto eu me afastava do meio-fio. — Sim, conheço. O nome dele é Hector. Meus lábios se curvaram. — Hector? O quê? Ele é um idiota — respondeu ela, encostando-se no banco de trás. Houve uma pausa. — Ele vai à festa? Dessa vez não lutei contra o sorriso. — Não, ele tem que trabalhar esta noite. — Rider se virou para a frente e estendeu o braço para mim, passando o dedo pela curva do meu braço. — Você está realmente linda. Meu sorriso se alargou. — Você também está ótimo. — Em outras palavras, ela quer dizer que você está muito gostoso — acrescentou Aisnley do banco de trás. E era verdade. Era sempre verdade, mas aquela noite Rider estava especialmente gostoso com o jeans escuro e uma surrada camisa de botões branca. Não sei o que havia na camisa que eu gostava tanto. Talvez fosse porque o material era tão fino que eu imaginava que, se ele me abraçasse, eu poderia sentir o calor de seu corpo. Ou talvez fosse o modo como ele havia arregaçado as mangas até os cotovelos, mostrando antebraços fortes e de pele morena. Ou talvez fosse apenas ele. Provavelmente era apenas ele. A festa de Peter era na casa de seus avós, que tinham viajado para a Flórida em setembro. A casa ficava na direção oposta da dos Rivas, nos arredores da cidade, onde havia casas maiores com quintais. Keira tinha explicado que o irmão mais velho de Peter estaria lá como um responsável não oficial, mas ele tinha 21 anos, então não era um adulto-adulto. — Uau! — murmurou Ainsley quando a estrada estreita e arborizada se abria, mostrando a casa. Era na verdade uma fazenda — uma grande e velha casa de fazenda, e havia carros por toda parte, estacionados em linhas aleatórias. Meu estômago se embrulhou quando vi aquele mar de veículos e as pessoas andando ao
redor da enorme casa branca e vermelha. Aquilo... era um monte de gente. — Provavelmente é inteligente estacionar aqui atrás — aconselhou Rider. — Ao lado da estrada e um pouco afastada desse outro carro. Você sabe, no caso de alguém estar... Ai, meu Deus, havia realmente um monte de gente ali O suor pontilhou minha testa. O sangue latejava em meus ouvidos. Com calor, bati às cegas na porta até que apertei o botão. A janela rolou para baixo, e o ar fresco entrou no carro. Não foi só isso. Minha boca ficou seca. O ácido gástrico fervilhava em meu estômago. O cheiro de lenha estava me sufocando. Música martelava, e o zumbido de conversa e risos ecoava em meus ouvidos. Pulei quando a mão de alguém pousou em meu braço. Virei a cabeça para Rider. Sua boca se moveu, e, por um segundo, eu não consegui entender o que ele dizia. Tudo o que eu ouvia era o barulho e as risadas estridentes. Eu lutava para me concentrar no que estava acontecendo no carro. — Mallory? — chamou ele. Engoli em seco. — O quê? Suas sobrancelhas abaixaram enquanto ele estudava meu rosto. — Você ficou aérea. — Você está bem? — perguntou Ainsley, segurando as costas do meu assento. — Está muito pálida. — Está mesmo. — Rider segurou meu rosto. — Caramba, sua pele está úmida. Nossos olhos se encontraram. — Isso é... massacrante. A preocupação apertou os cantos de seus lábios quando ele se inclinou para mim. — Não temos que fazer isso. — Não temos — concordou Ainsley do banco de trás. Ela estendeu o braço e apertou o meu. — Na verdade, eu prefiro fazer outra coisa. É só uma festa idiota na fazenda, e aposto que eles nem têm cavalos ou vacas. Isso seria legal. O olhar de Rider sustentava o meu quando ele assentiu. — Ainsley tem razão. É só uma festa idiota.
Mas isso era... importante. Significava que eu estava tentando. E ir embora não era tentar. — Eu não quero... ser assim — sussurrei, enquanto desviava o olhar, e, uma vez que disse isso, não quis retirar as palavras. Uma sensação estranha me tomou, quase como... alívio. Isso não fazia sentido. Ou fazia? — Não gosto de quem eu sou. Meu olhar voltou ao dele, e a preocupação ainda estava ali, enchendo seus olhos cor de amêndoas e apertando sua boca. As lágrimas se acumularam na minha garganta. Era humilhante, na verdade, admitir algo tão íntimo assim, mas agora eu não era a única pessoa que sabia sobre isso. Não era meu segredo. — Tudo bem. Você não vai se sentir assim para sempre. — Rider deslizou o polegar pelo meu queixo. Fechei os olhos, querendo acreditar nele. Precisando acreditar. Ele manteve a voz baixa quando falou: — Nada é para sempre, Ratinha. Nós não fomos à festa. Acabamos indo ver um filme. Eu nem dirigi até o cinema. Rider dirigiu. E depois ele deixou Ainsley em casa e, depois que o convenci de que estava bem, levei-o até em casa. Aquela noite tinha sido uma primeira vez — a primeira vez que fui ao cinema com um garoto, e eu nem estava de fato presente. Minha cabeça estava presa no fato de que aquela noite tinha sido um fracasso retumbante. Eu tinha certeza de que Carl e Rosa estavam me esperando, mas tiveram consideração suficiente para não pular em cima de mim quando entrei em casa e subi a escada silenciosamente. Meu celular tocou cerca de cinco minutos depois de eu ter fechado a porta do quarto. Era a primeira vez que Rider me ligava por, bem, motivos óbvios. — Está aí, Ratinha? — perguntou ele. — Sim. — Eu segurei o telefone junto ao ouvido. Houve uma pausa. — Preciso lhe dizer uma coisa e quero que você ouça, ok? Meu estômago se revirou. Eu me sentei na beira da cama, as pernas cruzadas sob o corpo. Eu ainda não tinha trocado de roupa, apenas tirado o casaco, que cheirava levemente a pipoca. Eu me preparei — pelo menos tentei — para ouvir Rider dizer que toda essa coisa de relacionamento era
uma má ideia. Muitas coisas passaram pela minha cabeça antes de ele voltar a falar. — Você disse algo esta noite que realmente me incomodou — começou ele, e ouvi uma porta se fechar do outro lado da linha. — Você disse que não gosta de você. Eu me concentrei na borboleta inacabada na minha mesa e abri a boca. Sem palavras. — Detestei ouvir isso, Ratinha. Não gosto de saber que você pensa assim — continuou ele, e fechei os olhos. A queimação estava de volta, crescendo em minha garganta. — Há tantas coisas em você das quais deveria gostar. Você é inteligente. Sempre foi. Está planejando ir para a faculdade e talvez até fazer algo relacionado a área de medicina. Apertei os olhos então, porque eu... eu não achava que realmente queria fazer isso, e pensar nisso me fez sentir que estava à deriva. — Você é gentil — prosseguiu ele, e eu cobri o rosto com a mão. — É uma pessoa doce que tem toda a vida pela frente. Isso para não falar que beija muito bem. Mas é péssima com aquela coisa de grafite. Isso é verdade. Deixei escapar uma risada engasgada. — Mas podemos trabalhar nisso — acrescentou Rider. — E aquelas esculturas em sabão que eu vi? Eram incríveis, Mallory. Você tem talento. Só não fala muito, Ratinha. Só isso. Você é tímida. Isso não é motivo para não gostar de quem você é, porque você é maravilhosa. É perfeita do seu próprio jeito. — Não é isso — explodi. — O quê? Respirei fundo e... apenas saiu: — Não é apenas o fato de que eu não falo. Sou travada. — Você não é travada, Mallory. — Sou, sim. — Saí da cama e comecei a andar. — Estou travada e não consigo superar isso. — Minha voz falhou e então comecei a falar mais rápido, vomitando mais palavras em um minuto do que eu costumava fazer em cinco horas. — Esta noite era uma primeira vez para mim. Devia ter sido divertida e importante, e eu nem gostei. Eu nem a experimentei. Eu não tentei. Não de verdade. Sou idiota a esse ponto. — Mallory... — E você e eu sempre fomos assim. Preciso de ajuda. Você… você está
bem ali. Eu desmorono. Você junta meus cacos. Nem tento mudar isso. — O quê? De onde isso está vindo? — perguntou ele. — É bobagem. Balancei a cabeça. — E você está tentando. Está na escola. Está fazendo amigos. Está falando com as pessoas — insistiu ele. — Apenas teve uma recaída. Só isso. Fora mais que apenas uma recaída. — Eu tenho medo de tudo — admiti, minha voz um sussurro. — De tudo. Meu maior medo é o para sempre. Que eu seja assim para sempre! Ele xingou. — Aquele maldito fez isso com você. O modo como a tratou... — Ele tratou você do mesmo modo, e você não ficou assim. — Não sou perfeito, Ratinha. Nenhum de nós é, mas, droga, detesto ouvir você dizendo essas coisas, porque eu... — Seu suspiro soou ao telefone, parecendo exausto. — Eu não sei como fazer isso melhorar. Nem eu. E talvez... talvez isso não fosse melhorar. Rider tinha dito que nada é para sempre, mas algumas coisas, algumas cicatrizes, são profundas demais para desaparecer.
CAPÍTULO 28
Na quarta-feira à noite, Ainsley me mandou mensagens pelo computador. Está aí?
Enviei um rápido sim. Eu mal havia falado com ela desde o meu fracasso na festa, mergulhada demais em minha própria cabeça para agradecer a enxurrada de mensagens cada vez mais incríveis que ela me enviara nos dias que se seguiram. Desde aquela noite, eu sentia coceira e desconforto na pele. Eu queria tirar as camadas, mas não sabia como nem por onde começar. A sensação tinha permanecido no início da semana. Eu não conseguia me lembrar do que tinha sido ensinado na aula. Keira tinha me perguntado sobre a festa na segunda, e eu mentira, dizendo que eu tivera um imprevisto. Sabia que Rider estava preocupado. Passamos algumas horas juntos depois da aula na quarta-feira, e senti como se tivesse recuado vários passos. Eu estava hiperconsciente de tudo o que eu fazia e dizia, o que significava que eu disse e fiz muito pouco enquanto caminhamos até o porto. Rider me observava como se tivesse medo de que eu fosse quebrar a qualquer momento, o que provavelmente era o que ele esperava. Ele só segurou minha mão e me beijou na bochecha quando foi embora para trabalhar na oficina. Fiquei no meu quarto desde que cheguei em casa, esculpindo uma nova barra de sabão. Eu não podia tocar na borboleta. Ela estava sobre a mesa, meio transformada. Nada que eu criava com as novas barras parecia dar certo. Eu não conseguia acertar as pétalas da rosa. Tinha quebrado acidentalmente a orelha do coelho em que estava trabalhando, e o gato parecia saído de um
filme de Tim Burton, mas não de um jeito interessante. Eu não estava focada. Não conseguia me concentrar. Talvez Ainsley pudesse me distrair. Uma nova mensagem surgiu. Posso te ligar? Sei que você odeia falar ao telefone, mas quero ligar.
Eu me endireitei, franzindo a testa. Ainsley querer me ligar significava que estava acontecendo alguma coisa. Algo mais do que eu simplesmente não estar no clima para trocar mensagens a semana inteira. Claro, digitei, e meu telefone tocou poucos segundos depois. — Sei que você não é fã de telefones, mas eu só... Eu preciso conversar com alguém — confessou ela, a voz quase um sussurro. — E você é minha melhor amiga e eu... — Sua voz falhou, e senti um aperto no peito. — Eu realmente estou enlouquecendo. — É... Todd? — perguntei, tirando meu laptop do colo e o apoiando no travesseiro. A risada dela foi cortante. — Não. Eu queria que fosse sobre ele. Cruzei os braços. — O que... o que está acontecendo? A respiração profunda de Ainsley se fez ouvir pelo telefone. — Você se lembra de que tive que ir a um oftalmologista especialista... em retina? Por causa do que o médico viu quando fui à consulta para fazer óculos novos? — Sim, eu... me lembro. — Bem, fui ao especialista esta tarde, e eu... eu não entendo. Eu realmente achei que ele fosse dizer algo como você tem a visão ruim ou você tem uma mancha no olho. Sabia que é possível ter manchas nos olhos? É possível. — Eu não sabia disso. — Mordi o lábio inferior. — O que o... especialista disse? — Eles dilataram minhas pupilas e, então, verificaram a pressão nos meus olhos. Estava um pouco mais alta que o normal, mas nada de mais. Em seguida, fizeram exames de imagens... sabe, quando você tem que olhar para o X na tela? E então fizeram outra série de testes, que eram os raios X, eu acho. Puseram contraste de iodo em mim e, então, piscaram todas aquelas luzes nos meus olhos enquanto tiravam fotos. Foi muito estranho e mudou a
minha visão para o vermelho e depois para azul por alguns segundos. — Ela respirou fundo. — E então o especialista finalmente entrou e examinou meus olhos. Ainsley pigarreou antes de continuar. — Ele se sentou em seu banquinho, tirou da cabeça aquela geringonça que me fez lembrar de algo que os mineiros usariam, e... disse que tinha certeza de que eu tinha uma coisa chamada retinite pigmen... sei lá o quê, mas ele precisava marcar um exame de campo visual para ter certeza. Ele também disse que havia um inchaço nos meus olhos. E eu fiquei, tipo, ok, então o que temos que fazer? — Ok. — Apertei o telefone. — E ele disse que, para o inchaço, ia prescrever colírio. Algum tipo de esteroide. Ele fez parecer que o inchaço era bastante grave. Uma coisa chamada edema macular, ou algo assim, e que, se as veias ou alguma coisa se rompessem, seria muito ruim. Oh, meu Deus! — Mas o... colírio vai ajudar com isso? — Sim. — A voz de Ainsley parecia tensa. — Eu perguntei como ele ia tratar a coisa da retina, e ele disse que não havia nada que pudesse fazer quanto a isso. Não tem cura. E eu fiquei tipo ok, não é nada sério, porque minha visão nunca foi perfeita, mas ele estava me olhando como se sentisse pena de mim, e eu não entendia. Tive um pressentimento muito ruim sobre isso. — Foi quando ele me disse que eu ficaria... que eu provavelmente ficaria cega ou quase completamente cega. — Ainsley. — Engoli em seco, chocada. — E eles nem sabem quando isso vai acontecer, mas vai acontecer. Eles têm que fazer mais exames, mas ele começou a me dizer que eu poderia ou perder a visão lateral ou a visão periférica e... — Ela se interrompeu e respirou fundo. — Ok. Eu não vou surtar. — Não... não há problema em surtar por causa de algo assim. — Eu a tranquilizei. Aquela era oficialmente uma situação para surtar. — Eles têm certeza de que é isso mesmo? — Acho que sim, Mal, eu realmente acho que sim. Até a assistente olhava para mim como se quisesse me abraçar, e eu apenas fiquei sentada ali sem nenhuma reação. Então vim para casa e ainda... a ficha ainda não caiu. Tipo,
eu vou acordar amanhã e estarei cega? Ou tenho algumas semanas, alguns anos? Eu nem sei o que pensar. Algumas horas atrás, tudo estava normal. Eu pressionei a mão no peito. — Ainsley, eu... Eu sinto muito. Não sei o que dizer. — E pela primeira vez não era porque eu estivesse travada, mas porque sinceramente não sabia o que dizer. Isso era algo importante. Era uma mudança de vida. — Eu espero... espero que eles estejam errados. — Eu também — murmurou ela. — Há uma chance, sabe? Eles têm que fazer um teste de campo e falaram de algum tipo de exame genético para confirmar, mas ninguém na minha família é cego. Eu não sei. — Tem... alguma coisa que eu possa fazer? — Encontrar novos globos oculares para mim? — Ela riu e, por um momento, pareceu normal. Quando nos despedimos, meia hora depois, eu ainda estava sofrendo com a notícia. Deixei meu telefone cair na cama ao meu lado e olhei para o computador. Fechando o laptop, eu o empurrei para fora do travesseiro e para longe de mim. Ele deslizou para o meio da cama, parando quando encostou em minha mochila. — Ai, meu Deus! — sussurrei, fechando os olhos com força por um momento. Jogando as pernas para fora da cama, fiquei de pé e me dirigi à porta, mas parei. Eu nem sabia aonde estava indo. Ainsley ficaria cega? Como isso era possível? Como você acorda uma manhã pensando que está tudo bem, que será um dia como outro qualquer, e depois lhe dizem algo desse tipo? Eu não sabia o que pensar. Sentando-me na beira da cama, lentamente balancei a cabeça. Eu não tinha ideia do que Ainsley devia estar passando, o que ela devia estar pensando. Acredita-se que a visão, não importa quão ruim, seja algo garantido. Ninguém nunca considera a possibilidade de não tê-la. De não saber de fato o que é a cor vermelha ou como o céu muda ao anoitecer. Se eu fosse Ainsley, estaria em pânico. Eu estaria enrolada em posição fetal em algum lugar, me balançando... Eu provavelmente nunca saberia o que fazer. Porque eu não ia perder a visão. Pelo menos, não até onde sabia.
Minhas mãos caíram sobre os joelhos, e eu congelei. Provavelmente nunca levaria um tiro nas costas e perderia a capacidade de andar. Eu provavelmente — espero que não — nunca mais sentiria o que é ir para a cama com fome à noite, o estômago tão vazio a ponto de doer. Eu não precisava mais me preocupar que todos tivessem baixas expectativas em relação a mim. Eu tinha Carl e Rosa, que se importavam profundamente comigo. Eu tinha grandes amigos, um dos quais estava passando por algo sério, algo que mudaria toda a sua vida. Eu tinha Rider. Eu tinha todas essas coisas por causa da segunda chance que havia recebido. Pensei em todas as pessoas que nunca teriam o privilégio de uma segunda chance de nada. Eu tinha sorte. Minha vida havia sido difícil, mas o passado... Ele era parte de mim, mas não me definia. Eu tinha um futuro, possivelmente um futuro bonito, no qual não seria uma... vítima, e ainda assim, quando me perdia em minha mente ou deixava o que o Sr. Henry fizera moldar minhas decisões, eu não estava abraçando esse futuro. Eu não estava reconhecendo tudo o que tinha. Isso... isso tinha que mudar. E eu pensei que, ao perceber exatamente isso, ao me tornar consciente disso, eu estava mudando.
CAPÍTULO 29
Rider sorriu quando olhou para a porta aberta do quarto. Ele estava sentado no banco sob a janela. Eu estava no meio da cama, com o livro de oratória aberto na minha frente. Nós deveríamos estar trabalhando em nosso próximo discurso, sobre alguém importante para nós. Eu tinha feito meu discurso persuasivo durante o almoço na semana passada e não fora difícil escrevê-lo — embora ainda fosse doloroso apresentar —, mas aquele estava me dando nos nervos. Havia tantas pessoas sobre quem eu poderia escrever. Como eu poderia escolher apenas uma? Respirei fundo e recomecei a escrever. Há várias pessoas importantes em minha vida, pessoas que tiveram influência em me transformar naquilo que eu sou. Parei, suspirando. Parecia óbvio que eu escreveria sobre Carl ou Rosa, mas colocar no papel por que eles eram importantes para mim era mais difícil do que eu imaginava. Eu não queria ir muito fundo no motivo pelo qual eles eram tão importantes, mesmo que o Sr. Santos provavelmente já soubesse de parte da história. Rider arrancou uma folha do caderno, amassou-a e a jogou para mim. Eu não tinha ideia de sobre quem ele escreveria seu discurso. Quando perguntei, ele disse que ia escrever sobre Peter Griffin, de Uma família da pesada, e eu imaginava — eu torcia — que não estivesse falando sério, porque eu duvidava de que o Sr. Santos fosse gostar disso. Sorri quando a folha pousou entre os pedaços de papel que eu havia esticado meticulosamente. Eu sabia, mesmo sem abrir, que seria um desenho. Isso se tornara um hábito no último mês, quando estudávamos juntos. Eu estudava. Ele desenhava. Eu dizia para ele fazer o dever de casa.
Ele me distraía das melhores formas possíveis. As coisas estiveram diferentes... mas ao mesmo tempo iguais nas semanas seguintes à noite da festa de Peter. O teste de campo visual de Ainsley havia confirmado o diagnóstico do médico. Ela estava perdendo a visão periférica — já havia perdido cerca de trinta por cento sem perceber. O doutor lhe dissera que ela ainda teria vários anos de visão funcional e que, com todos os avanços nesse campo da medicina, a cura provavelmente seria descoberta. Provavelmente. Ainsley não falava sobre isso. Eu queria que ela falasse, porque sabia, melhor do que ninguém, que ficar em silêncio nem sempre era a resposta. Havia algumas coisas sobre as quais era preciso falar, e essa era uma delas. Carl não tinha melhorado com Rider, nem mesmo quando ele jantava em nossa casa ao menos uma vez por semana, mas pelo menos não voltara a interrogá-lo. Ele havia se especializado em comer silenciosamente durante as refeições enquanto Rosa mantinha a conversa. Então isso era um avanço. E as coisas com Rider estavam mais do que boas. Eram... novas e empolgantes. Divertidas. E, quando eu fiz algo meio louco, há duas semanas, ele não ficou chateado nem se sentiu desconfortável. Como veteranos, tivemos uma reunião com o orientador para discutir opções de faculdades e planos para o futuro, e, enquanto eu estava no escritório, peguei um formulário de inscrição para o exame de avaliação estudantil. Não para mim. Eu já tinha o meu. Era para Rider. Nesse mesmo dia, depois da aula, passei em uma loja de artigos de arte e comprei um portfólio genérico e barato. Dei as duas coisas a Rider naquela noite, depois do jantar, e ele as olhou por tanto tempo que, no começo, tive medo de ter cometido um erro. Mas então ele sorriu e me agradeceu. Eu só queria que ele visse que havia opções para ele e que devia se orgulhar de seu trabalho. Faculdade não deveria estar fora de jogo se ele quisesse ir. No dia seguinte, ele me levou à galeria de arte na cidade onde sua pintura ainda estava exposta. E, assim como no dia em que ele tinha me levado à fábrica abandonada, eu me vi transportada. Com um metro e meio de altura e quase a mesma largura, a pintura me fez lembrar da primeira vez que ele havia me mostrado. Era um menino, mas, ali, ele não estava olhando para o céu. Ele estava olhando para a frente, encarando todo mundo que passava, desafiando-os não apenas a olhar para ele, mas também a vê-lo. Mais uma
vez, fiquei maravilhada com o fato de ele ter feito isso com tinta spray. Como antes, tinha sido difícil desviar o olhar da pintura, e, mesmo depois de sairmos da galeria, eu não conseguia esquecer o olhar de... desesperança absoluta. O tipo de olhar que dizia que ninguém esperava que nada mudasse. Ele continuou comigo, mesmo quando peguei a bola de papel que Rider havia jogado. O primeiro desenho que Rider fizera enquanto estudávamos foi o horizonte de Baltimore. Eu o obrigara a colocar no portfólio, e seu rosto ficou vermelho o tempo todo. Era fofo. Havia pelo menos mais dois na minha cama agora que seriam perfeitos para a pasta — o esboço de um golden retriever dormindo e um mustang. Cuidadosamente, abri a bola de papel. Minha boca se abriu de espanto e olhei para ele. — Você desenhou isso em alguns minutos? Ele deu de ombros e girou a caneta. — Foi mais para dez. — Dez minutos? Ainda assim, é inacreditável. Espantada, levantei o pedaço de papel. No tempo que eu tinha levado para escrever uma única frase, ele me desenhara como eu estava naquele exato instante. Ele havia capturado o coque bagunçado no alto da minha cabeça e replicado meu perfil enquanto eu olhava para o discurso no qual trabalhava. As sobrancelhas franzidas em concentração. Eu devia estar mordendo o lábio inferior. Havia até as sardas debaixo do meu olho direito. Cada detalhe gravado em tinta azul. Era eu, mas não parecia comigo. Essa menina parecia mais velha e mais madura. A inclinação sofisticada dos ombros. Parecia estranho, mas, enquanto eu olhava o desenho, era como ver uma versão diferente de mim mesma. Uma versão melhorada de mim mesma. Ele realmente me via assim? Pousada sobre meu ombro, havia uma borboleta. Achei que era uma adição estranha até que meu olhar se levantou do desenho e correu para a mesa. A escultura de borboleta que eu havia começado bem mais de um mês antes permanecia ali, inacabada. Em seu desenho, a borboleta estava terminada. Pus o papel sobre meu livro e, cuidadosamente, alisei a maioria dos amassados. Aquele não iria para seu portfólio. Eu iria guardá-lo para sempre.
— Você gostou? — perguntou ele. — Amei. Rider riu, e, quando olhei para ele, a caneta estava se movendo sobre o caderno. — Você já escreveu alguma coisa do discurso? — Claro. — Você está mentindo. — Talvez. — Rider — suspirei. Ele olhou para cima através dos cílios. — Não vou levar muito tempo para escrever alguma coisa. Além disso, este é um uso melhor do meu tempo. — Como assim? — Os desenhos fazem você sorrir — respondeu ele com um sorriso. — Trabalhar no discurso não faz nada. Aquilo... aquilo foi tão doce que eu quis abraçá-lo apertado e beijá-lo. — Trabalhar em seu discurso também vai me fazer sorrir. Suas sobrancelhas se levantaram, e, em seguida, ele fechou o caderno. — Eu sei o que mais vai fazer você sorrir. — O quê? Você realmente faz algum dever de casa? — Não. — Ele olhou para a porta novamente e, então, se levantou. — Acho que eu me sentar mais perto vai fazer você sorrir. Ele me conhecia bem. Deu um passo para mais perto. — Acho que segurar a sua mão vai fazer você sorrir. Eu me endireitei enquanto olhava para ele. — E acho... — Ele se sentou na beira da cama e girou o corpo para o meu. — Acho que beijá-la vai fazer você sorrir também. Oh, céus! Eu tinha perdido totalmente o controle dessa conversa, mas gostei. Os cantos dos meus lábios se curvaram. — Acho que você está certo. — Eu sei, mas... — Ele pôs a mão sobre a minha e baixou a voz. — Se Rosa subir aqui e me pegar fazendo você sorrir desse jeito, isso vai acabar mal. — Você não está preocupado com Carl? A covinha direita apareceu quando ele balançou a cabeça.
— Rosa me assusta mais. Rindo, empurrei o braço dele. — O que foi? Ela é muito assustadora. Terrivelmente assustadora — respondeu ele. — Parece que ela sabe lutar como uma ninja. — Como uma ninja? — Eu ri outra vez. — Posso afirmar que... ela não sabe artes marciais. — Isso é um alívio. — Inclinando-se, ele beijou minha bochecha. — Está na hora. Senti um aperto na barriga. Festa segundo round. Seria uma festa muito diferente, não tão grande quanto a de Peter. Apenas íamos à casa de alguém, um cara da escola com quem Hector e Rider jogavam basquete. Ainsley não estaria conosco, eu ainda estava nervosa. E se eu surtasse de novo, se não conseguisse ir? E se eu não falasse com ninguém? E se eu ficasse tão preocupada com a possibilidade de fazer a coisa errada que nem tentasse? Ele inclinou a cabeça para o lado, os olhos à procura dos meus. — Nós não temos que ir. Podemos ficar aqui. Ou ir ao cinema. Ficar ali seria bom. Cinema seria fantástico, mas o que eu ganharia com isso? Balancei a cabeça. — Não. Eu quero ir. — Ratinha… — Estou falando sério. — Abaixei o queixo enquanto pegava o desenho de mim e fechava meu caderno. Lançando-me para a beira da cama, levantei e fui até a minha mesa. — Eu quero ir à festa. — Não é realmente uma festa — disse ele. — São só algumas pessoas passando tempo juntas em uma casa. Não tem problema se perdermos. Haverá outras. Abrindo uma gaveta da minha mesa, eu a revirei até encontrar o rolo de fita adesiva. — Nós vamos. Houve uma pausa. — Sim, senhora. Esbocei um sorriso quando prendi o desenho na parede acima da minha mesa. — Espera aqui? Seus olhos estavam no desenho. — Não vou a lugar algum.
Saindo do quarto, peguei minha bolsa de maquiagem e a levei para o banheiro no corredor antes que eu perdesse a coragem e acabasse mudando de ideia. Tirei o grampo e passei uma escova pelo cabelo. Retoquei rapidamente a maquiagem — batom, blush e rímel. Achei que o vestido de tricô e as meias finas estavam bons o bastante. Rider estava me esperando como dissera, e, quando entrei, seu olhar deslizou lentamente, o que provocou um rastro de arrepios. — Eu realmente adoro quando seu cabelo está solto. Meu coração deu um pequeno pulo com a palavra adoro, e eu disse ao meu coração que parasse de ser bobo. — Obrigada. Ele se levantou e, com três passos, estava bem ali na minha frente, levantando os fios pesados do meu cabelo. — Está com uma cor linda agora. Não me interprete mal, o laranja era bonito... Revirei os olhos. — Laranja não era bonito. Ele ignorou isso. — Eu não tenho ideia do que teria que misturar, que cores, para obter esse tom, mas vou descobrir. — Então, ele abaixou a cabeça e beijou a sarda embaixo do meu olho. Comecei a me inclinar para ele, mas a voz de Carl ecoou pela casa, e percebi que não seria a melhor ideia. — Vamos lá. De saída, agarrei meu telefone e uma pequena bolsa. Nós descemos as escadas até a cozinha, onde peguei minhas chaves na bancada. — Vocês vão sair? Nós nos viramos ao som da voz de Carl. — Sim. Carl cruzou os braços, o olhar fixo em Rider. — E aonde vão? Respondi antes de Rider. — Vamos para a casa de um amigo. — Achei que estivessem estudando. — Uma suspeita nublou o tom de voz dele. — Estávamos e terminamos. — O que não era uma mentira.
Ele não parecia acreditar em nós, mas, antes que pudesse dizer alguma coisa, Rosa entrou na sala de estar. — Nenhum de vocês tem um casaco? — Nós vamos ficar muito tempo fora. — Olhei para Rider. Ele estava vestindo apenas uma camisa térmica sob a blusa. Pelo menos o meu vestido de lã era grosso. Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans. — Obrigado mais uma vez pelo sanduíche, Sra. Rivas. Rider tinha agradecido a Rosa tantas vezes pelo sanduíche de queijo e presunto que ela havia feito para nós quando chegamos que eu estava começando a acreditar que ele realmente tinha medo dela. Carl olhou Rider friamente. — Seu toque de recolher é às oito. — O quê? — Meus olhos se arregalaram enquanto apertei mais as chaves. — Meu toque de recolher sempre foi às onze. Rosa deu um passo à frente, colocando a mão no ombro de Carl. — Certifique-se de que ela esteja em casa antes das onze. — Vou trazê-la de volta às oito — disse Rider, e fiquei boquiaberta. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele acrescentou: — Prometo. Os lábios de Carl estavam pressionados em uma linha fina, e eu esperei que ele agradecesse a Rider ou algo assim, mas tudo o que fez foi assentir bruscamente. A raiva pinicou minha pele. Rosa estava tentando, mais ou menos, mas Carl, não. Nem um pouco. Abaixei o braço, entrelaçando a mão na de Rider. Um músculo pulsava na têmpora de Carl, e eu apertei a mão de Rider. Eu não disse nada até que estivéssemos do lado de fora, sob a luz do sol brilhante. — Sinto muito sobre Carl — falei. — Ele só é... superprotetor. — Está tudo bem. — Rider soltou minha mão quando nos aproximávamos do meu carro, e eu sabia que não estava tudo bem. — Eu entendo. Eu fiz uma careta. — Entende o quê? Ele levantou um ombro enquanto pegava as chaves da minha mão. — Tudo. O grande e decadente prédio industrial em frente às fileiras de casas antigas me fez lembrar um pouco a fábrica abandonada de Rider. As janelas
estavam cobertas com tapumes, e os desbotados tijolos vermelhos cheios de grafites, do chão ao teto. Eu sabia que não eram de Rider porque não eram tão bonitos — em vez disso, criavam uma estranha combinação de tons maçantes e brilhosos. Rider parou em um estacionamento parcialmente fechado por uma corrente alta. Metade do muro havia caído, e alguém tinha empilhado as partes quebradas em um canto do terreno. O piso amarelado ameaçava rachar sob nossos pés enquanto caminhávamos para fora. — Não tem problema estacionar o carro aqui? — perguntei. Eu nunca estivera naquele bairro, mas sabia que não era muito longe de onde ele morava. Rider balançou a cabeça enquanto eu guardava as chaves na bolsa. — Ninguém vai mexer nele. Eu não estava necessariamente preocupada com a possibilidade de que alguém mexesse nele, mas sim que ele fosse rebocado por causa de todas as placas de “Propriedade privada” afixadas por toda parte. Rider pegou minha mão enquanto atravessávamos a rua estreita. — Esta é a casa de Rico. Não é a mais bonita, mas, se ficarmos aqui, não incomodaremos a Sra. Luna quando ela chega do trabalho. Minha garganta ficou seca quando subimos os largos degraus. Rider nem bateu. Apenas abriu a porta e nós entramos. Risos ecoavam pela entrada escura, e havia aquele cheiro forte e terroso. — Oi, cara — cumprimentou um rapaz mais velho. Ele estava sentado em uma poltrona, uma garrafa na mão. — E aí? — Tudo certo — respondeu Rider. Ele apertou minha mão. A sala estava cheia de gente. Meu olhar corria ansioso enquanto Rider me apresentava às pessoas. Reconheci Rico, mas não tinha visto mais ninguém antes. — Esta é... — Mallory — disse uma voz familiar atrás de nós. Paige. Eu enrijeci enquanto Rider dava meia-volta. — Oi — disse ele, quando ela lhe entregou um copo. Não para mim. Só para ele. — Obrigado. — De nada. — Seu olhar caiu sobre mim. — Bonito vestido. Eu tinha a sensação de que isso não era necessariamente um elogio. Ela estava incrível, como sempre, de jeans preto justo e um top de tiras prateado. Como não estava com frio? Talvez porque ela era o diabo.
O diabo que falava a verdade. — Obrigada — murmurei, mesmo assim. Aquelas haviam sido praticamente as únicas palavras que ela dirigira a mim desde aquele dia no corredor, quando me disse que eu partiria o coração de Rider. Eu sabia que eles ainda se falavam de vez em quando. Eu estava bem com isso, desde que não fosse arrastada para conversas com ela. Paige arqueou uma sobrancelha. Ela não passou simplesmente por nós e entrou na sala de estar. Ela deslizou, balançando os quadris e tudo. Sentou-se no sofá, entre dois caras mais velhos que acenaram para Rider. Eles estavam concentrados na TV, os dedos voando sobre os controles de jogos. — Tem bebida na cozinha. — Rico balançou a cabeça em minha direção. — Se ela quiser alguma coisa. — Valeu. — Rider me puxou, e nós descemos o corredor até uma cozinha quase deserta. Caixas de cerveja vazias estavam empilhadas ao lado de uma lata de lixo transbordando. Ele pôs o copo que Paige lhe entregara em cima do balcão, e, então, caminhou até a geladeira. Um cheiro forte impregnou o ar quando ele abriu a porta. — Tem um pouco de Mountain Dew aqui. Serve para você? Assenti. — Paige vem muito aqui? Ele deu de ombros enquanto me entregava uma lata. Em seguida, pegou uma para si. — Às vezes. Rico é amigo da família dela. — Você não vai beber... o que Paige lhe deu? — Não. Por alguma razão boba e provavelmente infantil, fiquei feliz em ouvir aquilo. Rider fechou a mão ao redor da minha nuca e baixou a cabeça. Quando falou, seu hálito quente dançou sobre meus lábios. — Como você está? — Bem — murmurei. — Acabamos de chegar. — Só estou verificando. — Sua cabeça se inclinou um pouco, e eu tremi. — Vou fazer isso várias vezes e, quando você quiser ir embora, basta me dizer. Ok? — Ok. Ele me beijou suavemente e, depois, se afastou. Senti meu rosto esquentar enquanto caminhávamos de volta para a sala de estar. Rider parou na porta.
— Onde está Hector? — Lá em cima. — Rico tomou um gole da garrafa. Rider olhou para mim. — Quer ver o que ele está fazendo? — Claro — respondi, tentando falar mais alto, mas saiu como um sussurro. Ele sorriu e, em seguida, abriu caminho. O andar de cima estava um pouco mais frio que o de baixo, e Rider parecia saber para onde estávamos indo, porque foi direto para a segunda porta e bateu. — Oi. — Veio a resposta. — Sou eu. Está ocupado? Mallory está comigo. — Sim, me dê um segundo. Houve um som de algo rangendo, e, em seguida, uma garota riu. Minhas sobrancelhas se ergueram, e Rider se encolheu. — Ei, voltamos depois — gritou, sorrindo para mim. — Não queremos... A porta se abriu. Hector estava endireitando a camisa com uma das mãos. Tínhamos interrompido alguma coisa. — Não. Sem problemas. Entrem. — Tem certeza? Hector assentiu enquanto terminava de abrir a porta. Uma menina negra estava sentada na beira do futon. Ela sorriu quando entramos e acenou de leve. Uma vela estava acesa em uma cômoda, e me fez lembrar de biscoitos açucarados. Eu me perguntava de quem era o quarto. Mas não parecia de fato um quarto. — Você conhece Rider? — perguntou Hector para a garota, e ela assentiu. — Legal. Hum, esta é Sheila, e esta é Mallory. Sheila sorriu. — Oi. — Oi — murmurei. Hector foi até um pufe vermelho-escuro e se sentou. — Então, quando vocês chegaram? — perguntou, enquanto nos sentávamos no futon ao lado de Sheila. — Agora há pouco — respondeu Rider. Hector olhou para mim antes de continuar: — Está todo mundo lá embaixo ainda? Ele assentiu.
— Rico e os rapazes estão jogando Assassin’s Creed. Parece muito sério. Rindo, Hector estendeu a mão e pegou um vidro transparente de uma mesinha lateral. — Parece normal. Vocês pretendem ficar um tempo? — Talvez. — Rider bateu o joelho dos meus. — Podemos pegar um filme ou algo assim. Não tenho certeza. — Parece bom. Você viu o jogo mais cedo? — perguntou Hector, e, enquanto os rapazes começaram a falar sobre um jogo de basquete, observei Sheila. Ela estava olhando para o telefone, checando o que parecia ser o Facebook. Havia tanta coisa que eu poderia dizer agora, tantas perguntas que eu poderia fazer. As opções eram ilimitadas, mas minha língua parecia pesada. Comecei a desviar o olhar, mas me contive. Isso não era o que eu precisava fazer. Eu precisava falar. Eu precisava não fazer o que normalmente fazia, ou seja, ficar calada Obriguei meus lábios e minha língua a se moverem. — Então... você estuda na Lands High? — Pronto. Eu tinha feito isso. E também consegui não sorrir como uma idiota. Sheila ergueu os olhos. — Não. — Ela sorriu. — Eu estudo na Howard University, na verdade. Estou só passando o fim de semana, visitando parentes. — Ah. — Surpresa, olhei para Hector, mas nenhum dos rapazes estava prestando atenção em nós. — Hum, o que... o que você estuda? Ela cruzou uma perna comprida sobre a outra. — Pedagogia. É meu primeiro ano. — Isso é... isso é legal. Você... sempre quis estudar pedagogia? — Praticamente — respondeu ela, e eu fiquei com inveja, porque não tinha certeza do que queria fazer. Ou talvez eu tivesse, mas Carl e Rosa não estavam exatamente entusiasmados com a ideia. — E você? Está planejando ir para a faculdade? Assenti enquanto colocava meu refrigerante no chão. — Universidade de Maryland. Eu não... tenho certeza do que vou estudar ainda. — Você vai descobrir. Há calouros na minha faculdade que ainda não sabem o que querem fazer. — Seu telefone tocou. — Então, vocês todos estudam na mesma escola?
Assenti. A conversa entre nós esfriou, e eu me concentrei no que os garotos falavam. Eles mudaram de basquete para futebol americano, e perdi a noção do tempo. Talvez uma hora tenha se passado até que Hector e Sheila se levantaram. — Nós vamos lá embaixo — anunciou Hector, caminhando até a porta. — Descemos em um minuto. O sorriso de Hector era malicioso quando fechou a porta atrás de si. — Certo. Certo. Não tenha pressa. Eu me virei para Rider. — Por que... Não tive a chance de terminar de falar. Sua boca estava na minha em um beijo doce e muito rápido. — Estou orgulhoso de você — murmurou contra meus lábios, e eu sorri, porque sabia do que ele estava falando. O breve diálogo que mantive com Sheila não era muito, mas era um grande passo. Eu estava fora do meu ambiente, mas não tinha apenas ficado ali, paralisada. Colocando as mãos em seu peito, sorri contra seus lábios. — Ela parece muito legal. — Sim. — Ele beijou o canto da minha boca. — Tenho certeza de que os interrompemos. Eu ri. — Sim. Também acho. — Somos péssimos amigos. — Ele segurou meu rosto. — Mas quer saber? — O quê? — Vou totalmente tirar proveito do fato de estarmos sozinhos. — Ele fez uma pausa, e meu estômago se revirou como se eu estivesse em uma montanha-russa. — O que você acha disso? Baixei a mão para seu joelho. — Eu acho... Eu acho que gostaria muito. — Que bom! — Ele inclinou a cabeça. — Porque acho que realmente, realmente, vou gostar disso. Então, Rider me beijou e foi lento e suave, e aqueceu meu sangue. Eu não sabia quanto tempo o beijo macio e suave tinha durado, mas, depois de momentos intermináveis, ele mudou, ficou mais profundo. A língua de Rider se movia contra a minha, e eu... Eu nunca tinha sido beijada assim. Nunca havia sentido nada assim.
Ele fez um ruído no fundo da garganta, e meu coração estava disparado no peito quando ele se inclinou para mim. De alguma forma, acabei de costas, com Rider ao meu lado no futon. Sua mão deslizou pelo meu braço, e éramos só ele e eu. Eu não estava pensando nesse quarto estranho ou nas pessoas no andar de baixo. Eu não estava pensando em nada que não fosse o que ele me fazia sentir, como ele me beijava, me tocava, como se eu fosse algo precioso e inestimável. Minhas mãos tinham vontade própria, e eu o estava tocando de uma forma que jamais fizera. Puxei sua camisa térmica, e Rider respondeu imediatamente. Ele se levantou e levou a mão à nuca. Cerrando o punho, puxou a camisa térmica e a tirou com um movimento suave. Prendi a respiração quando vislumbrei o peito nu de Rider. Era... Uau! Com exceção de TV e filmes, ele era o primeiro cara que eu via sem camisa na vida. Carl não contava, porque isso era… bem, estranho. — Você pode me tocar se quiser — ofereceu ele. Eu queria. Mordendo o lado de dentro da bochecha, pus a mão no centro de seu peito. Pelos grossos fizeram cócegas em minha palma. Eu podia sentir seu coração batendo. Lentamente, deslizei a mão para baixo, sobre os músculos bem definidos de seu abdômen. Ele tremeu quando minha mão chegou ao cós do jeans. Eu tirei a mão, meu olhar correndo para seu rosto. — Está tudo bem. — Sua voz soava áspera. — Mais que bem. Tocando-o outra vez, deslizei a mão sobre sua barriga, evitando seu jeans dessa vez. Eu adorava a sensação. Tanta força sob a pele macia. Rider voltou para o meu lado e pôs a mão na minha cintura. Beijando-me novamente, ele logo me distraiu de minhas explorações. Eu me perdi nos beijos e na maneira como meu corpo respondia a eles. Músculos na parte inferior da minha barriga se contraíam. Minha cabeça girava enquanto sua mão corria para meu pescoço, pela frente do meu corpo, deslizando preguiçosamente de um jeito que fazia minhas costas se arquearem e minha respiração acelerar. Então ele foi mais para baixo, deslizando a mão sob a bainha do vestido e pela meia fina. Sua mão deslizou sobre minha coxa e, depois, entre elas. Todo o meu corpo parecia em fogo. A tensão cresceu dentro de mim. Era quente e forte, e eu não entendia. Um desconforto se revirou na minha barriga, e eu segurei seu braço. Parte do calor desapareceu quando meus olhos se abriram.
— Rider — chamei, e ele me beijou novamente e, por um momento, eu me perdi naquele beijo, no que sua mão estava fazendo. Era bom, mas eu... Ah, Deus, eu não estava pronta para isso. — Podemos... ir mais devagar? — sussurrei, minha mão apertando seu pulso. Sua mão parou imediatamente quando ele levantou a cabeça. — Sim. Sim. — Ele pigarreou quando se deitou, tirando a mão de mim. Fechei bem os olhos contra as lágrimas que ardiam de repente. Deus. Eu nem sequer sei por que não estava pronta ou se deveria estar. Eu não tinha ideia, e agora eu temia... — Eu machuquei você? Meus olhos se abriram. — O quê? Ele estava me olhando atentamente. — Fiz algo de errado? Eu não podia responder. Nada do que ele tinha feito parecia errado. Muito pelo contrário. — Se eu fiz, realmente quero saber. Prometo que vou... — Você não me machucou — falei. — Eu só... Por que você acha isso? Ele baixou o olhar. — Eu... eu não fiz muito disso. — Suas bochechas coraram, e meus olhos se arregalaram. — Quero dizer, eu fiz algumas coisas, mas não muito. Eu não... fiz sexo. Por um longo momento, eu não consegui responder. Tudo que eu podia fazer era olhar para ele. — Você é virgem? Um lado de seus lábios se curvou. — Sim. Você parece surpresa. — Estou. Eu pensei... não sei. Você estava com... Paige. Eu apenas presumi que você tivesse feito sexo antes. — Negativo — respondeu ele, pegando minha mão. — Você está me olhando como se não entendesse como é possível. Ele realmente sabia ler mentes. — Cheguei perto, mas nunca... nunca quis ir tão longe. — Ele deu de ombros. — Eu não fiz, também — declarei. — Quero dizer, isso é superóbvio, já
que... você foi o primeiro garoto que beijei, mas sim, eu nem sei... o que estou dizendo, e vou só calar a boca. Rider riu. — Não faça isso. Adoro quando você divaga. — Só você gosta disso. — Entrelacei meus dedos nos dele. — Você quer... ir tão longe assim comigo? Seus cílios se ergueram, e os olhos, com as manchas esverdeadas, encontraram os meus. — Sim. Sim. Algum dia. O calor varreu meu rosto quando sussurrei: — Eu... eu quero isso também. Algum dia. A covinha na bochecha direita apareceu. — Então estamos de acordo. — Sim. — Levantei a cabeça e o beijei. — Sinto muito por ter parado. Estava bom, mas... — Mallory, por favor, não se desculpe. — Rider se sentou, puxando-me para junto dele. — Nós podemos fazer o que quisermos, podemos ir tão longe quanto você quiser, e vamos sempre parar quando você quiser, não importa o que aconteça. Você me entende? Não há nada por que se desculpar, e é assim que tem que ser sempre. Ai, meu Deus! Rider não era perfeito, mas estava bem perto disso. Na verdade, ele era perfeitamente imperfeito. Uma tontura me tomou, e eu sorri para ele. — Quer ir lá embaixo? — disse ele, e eu assenti. Rider pegou a camisa e a vestiu, fazendo uma pausa para sorrir para mim. — Desculpe. Vou ter que me cobrir. Sei que não é justo. Ri quando ele deu de ombros, vestindo a blusa sobre a camisa térmica. — Não é mesmo. Ele pegou o telefone enquanto sorria para mim. — Droga. Minha bateria está prestes a morrer. — Eu tenho o meu. — Legal. Podemos usar o seu mais tarde para ver se tem algum filme bom. — Ele me ofereceu a mão, e eu a peguei. A vertigem me acompanhou até lá embaixo. De volta à sala de estar, Rider sentou em uma das cadeiras de plástico perto do sofá e me puxou para o seu colo, passando os braços pela minha
cintura. Não vi Sheila ou Rico. Foi então que me dei conta de que tínhamos deixado nossas bebidas lá em cima. — Legal todos vocês se juntarem a nós — comentou Paige, enquanto olhava por cima do ombro. Os braços de Rider se apertaram em volta de mim, e Hector riu. — Metete en tus asuntos. Ela lhe lançou um olhar mortal, e ouvi a porta da frente se abrir. Alguns segundos depois, Jayden entrou. Ele nos viu e abriu um sorriso largo. — Oi! Eu não sabia que vocês estavam aqui. — Ele arrastou-se. — Impressionante. — Oi — cumprimentei, sorrindo para ele. Os hematomas tinham sumido havia muito tempo, e Jayden tinha a mesma aparência do primeiro dia em que o vi. — Nós provavelmente iremos embora daqui a pouco — avisou Rider. — Talvez vejamos um filme. Jayden se encostou na parede e olhou a sala ao redor. — Sei como é. Você sabe que não tem chance com Mallory agora que estou aqui para mostrar a ela o que é um homem de verdade. — Ele piscou enquanto Rider apenas balançou a cabeça. — Tudo bem, podem ir. Mas nenhum filme idiota será tão divertido quanto o Show do Jayden. E eu não cobro ingresso. Rider riu. — Que merda, cara! — Rico está aqui? — perguntou Jayden. — Ele estava. Não sei para onde foi agora. Ele balançou a cabeça lentamente enquanto enfiava as mãos nos bolsos. — Que filme vocês vão ver mesmo? — Eu não... sei — respondi, já que Rider ficou calado. Uma ideia surgiu. — Você quer ir? Jayden piscou, como se estivesse surpreso. — Ah, você é um doce, mas não sou bom em me sentar no cinema. Minhas sobrancelhas se franziram. — Por quê? — Porque ele falaria o tempo todo — respondeu Paige, do sofá. — Ele literalmente fala o filme todo. — Verdade — concordou um dos outros caras.
Eu sorri. — É verdade. Você sabe, eu gosto de fazer um comentário ou outro de vez em quando — explicou Jayden. — Mas, por alguma razão, as pessoas ficam chateadas com isso. — Eu posso imaginar — respondeu Rider secamente. — Gosto de pensar que meus acréscimos, de fato, enriquecem a experiência — argumentou Jayden. Paige bufou. — Não acho que enriquecer seja a palavra certa. — Toda a minha presença é enriquecedora — rebateu ele. Hector olhou por cima do ombro, as sobrancelhas arqueadas. — Posso citar algumas palavras que descrevem a sua presença. Enriquecedora não é uma delas. Jayden sorriu para o irmão. — Você sabe o que dizem. — O quê? — Hector esperou. Ele piscou. — Não mate o mensageiro. Hector balançou a cabeça e estreitou os olhos. — Isso nem faz sentido nesta conversa. — Porque a conversa é intelectual demais para você — rebateu Jayden. Seu irmão revirou os olhos. — Tanto faz. Você preencheu o formulário de inscrição? Jayden assentiu. — Sim, papai. Está sobre a mesinha de centro para você levar amanhã. — Inscrição? — repeti, esperançosa. — Hector não consegue ficar um minuto sem mim. Então vou trabalhar com ele no McDonald’s — disse Jayden. — Tenho que conseguir uma permissão e tudo mais. — Sim. — Hector riu. — É exatamente por isso que quero você trabalhando comigo. Feliz por saber que Jayden faria algo que seu irmão vinha lhe pedindo para fazer, sorri para ele. — Isso é incrível. — Seu olhar encontrou o meu. — De verdade — insisti. — Sim. — Jayden abaixou o queixo enquanto seu rosto escurecia. — Tenho que começar em algum lugar, sabe?
— É um bom lugar para começar... — falei para ele, com sinceridade. Acabamos ficando mais uma hora, e qualquer nervosismo inicial desapareceu com a presença de Jayden, zombando de si mesmo e fazendo piadas enquanto brincava com seu telefone. Suas mensagens de texto pareciam loucas, e, quando nos despedimos e saímos, juro que ele tinha enviado cerca de duas dúzias. Jayden nos seguiu para o lado de fora, os dedos voando sobre o teclado. Rider passou o braço sobre meus ombros quando começamos a atravessar a rua. — Alguma ideia de que filme... Ei! Ele me empurrou contra um caminhão estacionado quando um carro desceu a rua rugindo, parecendo surgir do nada. Houve um som de grito, e vi a janela do carona abaixando. Fogos de artifício explodiram, do tipo que estala quando você o joga no chão. Só que não eram fogos de artifício. Aquele som. Não era... O ar saiu dos meus pulmões quando caí no chão, um peso em cima de mim. O terror me invadiu quando meu cérebro percebeu o que era aquele som. Eram tiros.
CAPÍTULO 30
Pneus cantaram, levantando o cascalho solto. Seixos minúsculos foram jogados no ar, atingindo minhas bochechas. Minhas mãos ardiam de terem deslizado no piso irregular, porém eu mal sentia a dor. Comecei a levantar a cabeça. — Rider? — sussurrei. — Estou aqui. — O peso saiu de cima de mim, e ele disse mais alguma coisa, mas o sangue latejando em meus ouvidos fazia sua voz ir e vir. — Você está bem? — Sim. — A adrenalina corria em minhas veias, empurrando a descrença de lado. Meu olhar correu pela frente do estacionamento e depois parou na pessoa deitada de lado. — Ai, meu Deus… Rider se levantou depressa. — Não. Não. — Ele disparou pelo estacionamento. Eu congelei, sem acreditar no que via. Eu não podia suportar aquilo. Meu coração vacilou no peito. Meu estômago se revirou dolorosamente. Oh, Deus, aquilo não tinha acontecido! Aquilo não estava acontecendo. Esse tipo de coisa não acontecia em plena luz do dia. Não acontecia bem na minha frente. Não acontecia com alguém que eu conhecia. Não... Esses pensamentos eram bem estúpidos, porque isso aconteceu. Aquele era Jayden. Aquele era Jayden deitado de lado. Aquele era Jayden deitado de lado com uma poça de líquido escuro no chão sob ele. — Merda! Merda! — Rider caiu de joelhos ao lado de Jayden. — Puta merda. Jayden? Não. Merda. Não! — Sua voz falhou na última palavra, e ele gritou de novo, a palavra arrancada dele, mais alta que todo o barulho. —
Não! Com os braços trêmulos, fiquei de joelhos e depois me levantei. Trôpega, cambaleei para a frente, minha boca se movendo, mas sem palavras. Rider olhou para mim, os olhos arregalados. Ele ergueu as mãos. A mesma substância escura as cobria. Dei uma guinada para o lado, apertando o punho contra a boca. O horror me atingiu com a força de um trem de carga, me derrubando. Milhões de pensamentos passaram pela minha cabeça quando olhei ao redor. As pessoas estavam se reunindo, saindo das casas ali perto. Alguém estava chorando. Gritos ainda cortavam o ar frio. Tudo ao nosso redor corria e, ao mesmo tempo, estava parado. Eu precisava chamar ajuda. Nós precisávamos de ajuda. Eu sabia o que fazer. Peguei meu telefone quando ouvi as sirenes. A ajuda já estava a caminho. Eu me virei outra vez, e Jayden agora estava deitado de costas. Eu sabia que ele não tinha se mexido, porque vi seus olhos. Eu tinha visto olhos como aqueles uma vez. Eles estavam fixos no nada, sem brilho e cegos. Oh, Deus! Oh, Deus! Rider estava tocando a garganta de Jayden e balançando a cabeça. Os dois ficaram embaçados para mim. Contornei as pernas imóveis de Jayden, meus passos irregulares. Eu me ajoelhei — caí de joelhos ao lado de Rider. Pus a mão trêmula em seu braço. Ele tremeu quando o olhar se voltou para o meu. Alguém gritou, e o pequeno semicírculo de pessoas se abriu enquanto uma figura alta abria caminho. Rider ficou de pé quando Hector parou. Ele deu um passo para trás e, em seguida, se curvou, apoiando as mãos nos joelhos. — Não. Não. Não. Esse não é meu... Não. Então Hector saltou para a frente. Rider passou os braços ao redor da cintura dele. — Você não quer ver isso, cara. Você não... — É o meu irmão? — Ele lutou para dar a volta por trás de Rider, a voz estalando. — Cara, é o meu irmão? Rider resistiu, segurando Hector enquanto ele gritava: — É o meu irmão? — Repetidamente, ele perguntava, e a cada vez era como ouvir os tiros estourarem. — Ah, cara, não. Não. Não! Aquele não é Jayden. Não é ele. Não é ele no chão! Meu coração desmoronou. O som das sirenes se aproximava, abafando
tudo, exceto a voz partida de Hector, o som da tristeza absoluta. Vermelho. Azul. Vermelho. Azul. Horas mais tarde, eu ainda podia ver as luzes girando e piscando. Não importava se meus olhos estavam abertos ou fechados. Eu ainda podia vê-las e o mar de uniformes azuis que tinha invadido a rua e o estacionamento. Tudo havia sido um borrão de perguntas e rostos, e eu não sabia quanto tempo se passara. A polícia me fez perguntas às quais eu não podia responder. Em seguida, dois homens de terno estavam ali, fazendo as mesmas perguntas. Eu fui separada de Rider, empurrada para trás pelos paramédicos e depois pela polícia. A multidão havia aumentado, e levei uma eternidade para voltar ao meu carro e encontrar minha bolsa. Tentei ligar para Rider, mas minhas mãos tremiam demais. Porém ele havia me encontrado, espreitando por fora da multidão. Chorei quando o vi e ele fez menção de me tocar, suas mãos pairando dos lados do meu rosto, mas não o fez. — Tenho que ficar com Hector — disse ele. — Vá para casa e fique lá. — Mas... — Por favor, apenas vá embora daqui. Por favor — pediu ele de novo, com o rosto pálido. — Apenas saia daqui. Vá para casa e fique lá, ok? Ligo para você assim que puder. Meu coração estava trovejando no peito. — Eu não quero deixar você. Não agora... — Comecei a olhar à minha esquerda, onde a lona amarela tinha sido presa. — Eu... — Não olhe. Deus, é tarde demais, mas não olhe. — Ele se moveu, bloqueando minha visão. — Por favor, Mallory. Por favor, saia daqui. Essa era a última coisa que eu queria fazer, mas ele estava me implorando e eu nunca tinha ouvido Rider implorar, nem mesmo quando estava sob os punhos do Sr. Henry. Então, assenti e Rider me beijou, um beijo duro, quase brutal, que tinha gosto de raiva e medo. Quando ele se afastou, eu quis seguilo. Mas entrei no meu carro e fui para casa, como ele havia me implorado que fizesse. Atordoada, estacionei e peguei minha bolsa. Sentindo como se estivesse andando na areia, entrei e estremeci com os ruídos familiares, normais. Carl estava no estúdio, à minha esquerda, falando ao telefone. Rindo.
Vivo. Na cozinha, eu podia ouvir água corrente. — Mallory? — chamou Rosa. — Você não respondeu à minha mensagem. Rider vem para o jantar? Um som seco, quase inaudível, raspou minha garganta. Rosa estava tentando. De verdade, mas Rider não vinha para o jantar. Não respondi. Arrastei-me escada acima. Ouvi Rosa chamar meu nome de novo, mas continuei andando. Uma vez dentro do meu quarto, parei e girei em um círculo lento. Eu vi tudo, mas na verdade não vi nada. Sentei-me na beira da cama, forçando-me a respirar fundo, calmamente, enquanto esfregava as mãos nas coxas. Pressionando as mãos no rosto, cobri meus olhos e abri a boca. Eu gritei, mas não saiu som algum. Mesmo assim, doía, rasgando minha garganta. Tentei processar o que tinha acabado de acontecer, mas tudo que conseguia pensar era em Jayden andando até o meu armário no meu segundo dia de aula. Ele puxara a trança de Paige, chamando-a de Katniss do gueto e, em seguida, falara comigo, como se me conhecesse havia anos. Tudo que eu conseguia pensar era em Jayden no carro no primeiro dia de aula. Eu podia ouvir sua risada e, se eu respirasse fundo o suficiente, tinha certeza de que ainda poderia sentir o cheiro de terra impregnado nele. Eu não iria ver, ouvir ou cheirar nada disso outra vez. Ele se fora. Para sempre. Eu não entendia. Ele dissera que tinha outros objetivos agora, e finalmente estava ouvindo o irmão e Rider. — Ai, meu Deus! — sussurrei. — Mallory? — A voz de Rosa estava mais perto, no alto das escadas. — Você não respondeu... — Ela apareceu na porta, os olhos arregalados. — Mallory! — Ela entrou correndo no quarto. — Meu Deus, o que aconteceu? Olhei para ela por um instante e, em seguida, baixei os olhos. Tirei as mãos das pernas. As calças estavam manchadas, encharcadas de um vermelhoescuro. — Ai, meu Deus... — Eu devo ter me ajoelhado no... Fiquei atônita. — Mallory. — Ela apertou meu queixo com os dedos frios, inclinando minha cabeça para trás. — O que aconteceu com você? Seu rosto! Você está bem? Em uma parte distante do meu cérebro, percebi que nunca tinha ouvido
Rosa tão em pânico. Ela era sempre muito calma e contida. Sempre tão responsável, mas estava me tocando, afastando meu cabelo do rosto, e parecia estar como eu estava por dentro: fora de controle. — Fale comigo, querida. — Ela se ajoelhou, segurando minhas mãos e as virando. — A pele estava ralada e vermelha. — Me diga o que aconteceu. Balancei a cabeça. A dor física que eu sentia não era nada. — Eu... Jayden está morto. — O quê? — Ela piscou, e só então me dei conta de que ela não conhecia Jayden. Não pelo nome. — O que você está dizendo? Encontrei seu olhar escuro, e as palavras saíram: — Atiraram nele. Ele estava atravessando o estacionamento e avançaram com um carro e então... simplesmente atiraram nele... atiraram nele. Ele estava parado lá e, então, se foi. — Balancei a cabeça. — Eu não entendo. Eles apenas passaram de carro e começaram a atirar. Ele tem... ele tinha só 15 anos, Rosa. Ele era… — Oh, Deus. — Ela deslizou as mãos pelos meus braços. Alguns momentos se passaram antes que ela voltasse a falar. — Como isso aconteceu? — perguntou, levantando minhas mãos. — Rider. Ele... me protegeu. — Olhei para minhas mãos arranhadas. — Minhas mãos se arrastaram no asfalto. — Engoli em seco, olhando os arranhões vermelhos brilhantes. — Pedaços de pedra estavam voando por toda parte. — Você estava com Rider? Onde ele está agora? Balancei minha cabeça. — Ele está com Hector. Ele é... irmão de Jayden. Rosa gentilmente me fez levantar. — Conte do início e não esconda nada. Enquanto eu falava, seu queixo endureceu. Ela me levou para o banheiro e abriu a torneira. Obrigou-me a sentar, e ficou em silêncio enquanto limpava minhas mãos e meu rosto, do mesmo modo como eu tinha feito no dia em que Rider viera à minha casa. As mesmas pessoas que tinham ferido Rider provavelmente fizeram isso... mataram Jayden. A água oxigenada ardia, mas eu ainda estava sentada. Em algum momento, Carl enfiou a cabeça dentro do quarto, mas Rosa o mandou embora. Quando ela terminou, recolheu as bolas de algodão e as jogou no lixo. Ela se ajoelhou na minha frente outra vez.
— Por que você não se limpa? Deixe as calças no corredor. Vou jogá-las fora. Assenti. Seu olhar procurou o meu, e, então, ela me deu um abraço apertado. — Sinto muito por seu amigo e que você tenha passado por isso. — Ela se afastou, deixando as mãos nos meus ombros. — Sinto muito. E estou muito feliz que você esteja em segurança. Meu lábio inferior tremeu. Rosa sustentou meu olhar enquanto se levantava, e, pela primeira vez, ouvi sua voz tremer. — Era por isso... que Carl não queria você perto de Rider. Era por isso.
CAPÍTULO 31
As últimas palavras de Rosa ecoavam enquanto eu tomava banho e me trocava depressa. A meia-calça tinha irritado um pedaço de pele no meu joelho esquerdo, mas eu ignorei isso enquanto caminhava para o meu quarto. Pegando minha bolsa, abri o compartimento lateral e tentei ligar para Rider. Não atendeu. Abrindo a tela de texto, digitei: Você está bem?
A mensagem subiu, e, embaixo dela, o ícone mostrava que havia sido entregue. Esperei. Nenhuma resposta. Eu me virei de lado, tirando o cabelo úmido do rosto. Eu não devia ter deixado Rider. Eu devia ter ficado com ele, com Hector. Eu não podia ajudá-los, mas poderia estar lá com eles. Só que eu tinha ido embora. Fiz o que me mandaram, como sempre, e fui embora. Eu não tinha certeza se ir embora havia sido certo ou errado. Olhei para meu telefone e comecei a ligar para Ainsley, mas parei. Eu não sabia como dizer a ela o que acontecera, especialmente com tudo o que ela estava passando. Eu me sentei na cama e não me mexi. Os minutos viraram horas. O céu escureceu do lado de fora da janela. Eu me deitei, segurando o telefone. Minha cabeça parecia estranhamente vazia, exceto por um zumbido baixo, como quando eu tinha um resfriado. Devo ter adormecido, porque, quando pisquei, a luz do sol entrava pelas janelas. Minúsculas partículas de poeira dançavam nos raios. Com a boca seca, eu me sentei e desviei o olhar. Olhei para a porta fechada, sabendo que eu a deixara aberta ontem. Por alguns
minutos, não conseguia lembrar exatamente por que havia essa agitação horrível na boca do meu estômago. Jayden. Meu corpo estremeceu quando torci a cintura, procurando meu telefone na cama. Ali! No meio dos meus travesseiros. Eu o peguei e toquei na tela. Nenhuma ligação perdida ou mensagem não lida. Olhando para a tela, eu disse a mim mesma que o motivo para Rider não ter ligado ou mandado mensagem era porque estava com Hector. Tranquilizar-me não era sua prioridade. Eu entendia isso, mas o medo cresceu dentro de mim e a náusea surgiu. Rider estava bem. Não havia nenhum motivo para ele não estar. O medo deu lugar a um pavor profundo. Joguei minhas pernas para fora da cama e corri pelo corredor, para o banheiro. Fechando a porta atrás de mim, caí de joelhos e vomitei. Não saiu nada. Não mesmo. Fiz força até minhas costelas doerem, e então me sentei lá, respirando fundo. Lenta e dolorosamente, fiquei de pé e peguei minha escova de dentes. Abrindo a água, escovei os dentes e depois lavei o rosto, fazendo uma careta quando o sabonete e a água quente me atingiram. Quando olhei para cima, vi meu reflexo. Pequenas marcas salpicavam minhas bochechas. Havia sombras na pele sob meus olhos. Meu cabelo ainda estava um pouco úmido por ter dormido com ele molhado e, no momento, estava cor de vinho, totalmente bagunçado. Eu me afastei da pia e caminhei de volta para o quarto. Cada passo parecia muito lento. Nada parecia... Nada parecia real quando peguei meu telefone outra vez. — Mallory? — chamou Carl do andar de baixo. — Você pode vir até aqui? Apertei o telefone em minha mão e corri para baixo, encontrando os dois sentados à mesa da cozinha. Diminuí o passo ao me aproximar da ilha. Eles pareciam não ter dormido muito na noite anterior. A camisa cinza de Carl estava amassada. Fios de cabelos escapavam do rabo de cavalo curto de Rosa, abanando seu rosto como pequenos dedos. — Por que não vem se sentar? — convidou Carl gentilmente. Havia canecas na frente deles, e o cheiro era forte. Sentindo que aquela não seria uma conversa que eu queria ter, fiquei onde estava. Ele olhou para Rosa e depois continuou: — Como está se sentindo?
Eu achei... Achei que era uma pergunta incrivelmente idiota. — Sei que o que você acabou de testemunhar é muito com que lidar. Muito, e Rosa e eu gostaríamos que você nunca tivesse que passar por isso de novo. De novo? Então me dei conta. Como eu poderia ter esquecido? Ele estava falando da Srta. Becky. Fora os olhos baços, isso não tinha nada a ver com encontrar a Srta. Becky em sua cama, morta havia muito tempo e fria. Eu não sabia os detalhes, mas a morte dela havia sido pacífica em comparação com a de Jayden. A morte dela nada tinha a ver com a de Jayden. — E sabemos que agora é um momento difícil — prosseguiu Carl, e eu pisquei, me perguntando se eu tinha perdido metade do que ele dissera. — Mas esta conversa não pode esperar. — O quê...? — Olhei para eles e pousei meu telefone na ilha. — O que não pode esperar? — Rider. — Rosa pegou a caneca de café. — Precisamos falar sobre Rider. Minhas sobrancelhas se ergueram. — Por quê? — Acho que é bastante óbvio — afirmou Carl, o tom de voz suave, mas firme. — O que aconteceu ontem... — Não tem nada a ver com Rider — interrompi. A surpresa cintilou no rosto de Carl e depois se esvaiu tão depressa que não tive certeza se realmente a vi. — Vou ter que discordar disso. — Nós dois. — Rosa juntou-se a ele. — Você nunca teria passado nem perto daquele bairro se não fosse por Rider. — O que há de errado com aquele bairro? — Eu quis saber, e Carl ergueu a sobrancelha. — Sim, não é o melhor... não é o Pointe ou onde Ainsley mora, mas não é o pior da cidade. — Não é um bom lugar, Mallory. — Carl cruzou as mãos em torno de sua caneca. — Sei que você não viu muito da cidade, mas nós vimos. Nós... — Eu vi a pior merda que esta cidade tem a oferecer, e não tem nada a ver com o bairro. — A raiva brilhou em mim, forte como o sol, e eu tive a vaga percepção de que não havia parado em mim enquanto eu falava. Eu estava muito, muito irritada para me importar.
— Mallory — alertou Rosa. — Olha a boca. — A boca? Eu vi alguém atirar... — Minha voz falhou. — Vi um amigo morrer ontem, e vocês estão culpando Rider por isso? — Não estamos culpando Rider — rebateu Carl. — Só não achamos que sua amizade com ele seja a melhor coisa para você agora. — Eu não sou amiga dele. — Minhas mãos se fecharam em punhos. — Ele é meu namorado. Carl beliscou o alto do nariz e murmurou: — Mallory... — O quê? Você sabe que ele é meu namorado. — Sim, mas... — Ele olhou para Rosa, impotente. — Ouça, querida, de todas as pessoas, nós somos as que menos julgamos, mas Rider não é o tipo de pessoa com quem você precisa se envolver. — Rosa pôs sua caneca de lado. — É isso que estamos tentando dizer. Olhei para ela, pasma. — De que tipo de pessoa você está falando? — O tipo que não tem futuro. O tipo que nem se importa com o fato de não ter um futuro planejado. — O tom de Carl se tornou mais duro, e eu vacilei. Era isso que eles pensavam de Rider? — O tipo que leva você a um bairro no qual jovens de 15 anos são baleados na droga da rua. Meu queixo caiu. — Carl. — Rosa estendeu a mão, colocando-a em seu braço. — Não. Nós confiamos em você para tomar decisões inteligentes, mas não confiamos nele. Temos sido tolerantes o suficiente com toda essa história de Rider porque sabíamos o que significava para você, mas estamos pondo um ponto final nisso. — Suas bochechas ficaram vermelhas. — Você poderia ter se ferido ontem ou algo pior. É inaceitável, e não vou passar por isso outra vez. — A culpa não foi dele! — gritei. Rosa piscou, surpresa. Nunca, nos quatro anos em que vivi com eles, eu havia levantado a voz ou lhes respondido. — Nós sabemos que a culpa não é dele, Mallory, mas isso não muda o que aconteceu. — Ok, vamos falar sobre o Sr. Stark. — Os olhos de Carl brilharam. — O que ele pretender fazer depois de se formar... se ele se formar? Pintar carros para o resto da vida?
Minha pele ficou quente. — O que há de errado com isso, se fosse a escolha dele? Ele é bom no que faz. E é brilhante. — Eu me sentia tentada a pegar alguma coisa e jogar longe. Não só por causa do que eu ouvia, mas porque Rider dava essa impressão às pessoas. A todos. Que ele não se importava, mas ele se importava. Agora eu estava... Eu estava chateada com eles e com Rider. — Ele tem um futuro. — Ele anda com pessoas que... Rosa apertou o braço do marido, o impedindo-o de terminar a frase. Carl parecia prestes a desistir. — Eu não estou tentando chatear você, Mallory, mas ele não é bom... — Não diga isso. — Eu levantei a mão, e meu dedo tremia enquanto eu apontava para eles. — Ele garantiu que eu estivesse segura ontem e ficou ao meu lado antes de vocês sequer saberem que eu existia. Ele era a única pessoa que eu tinha, e só porque ele acha que não está apto a ir para a faculdade, vocês acham que ele não tem valor? — Mallory. — Os olhos de Carl se arregalaram. — Eu sei que Rider ficou ao seu lado. Eu sei o que ele fez por você, e não estou desmerecendo esse fato, mas isso não muda o que aconteceu ontem. Não é só sobre o seu passado em comum, ou sobre a faculdade. Eu sei o tipo de pessoa com quem ele passa o tempo. Eu sei como essas histórias terminam. Eu não ia parar agora. Uma tampa tinha sido arrancada de mim. A emoção reprimida havia sido liberada. Tudo o que tinha acontecido na véspera. Tudo o que tinha acontecido nos últimos dois meses, nos últimos quatro anos, a vida inteira. Lágrimas arderam nos meus olhos. — Rider é uma boa pessoa. E Hector também. E Jayden também é... era. Só porque eles não têm dinheiro ou não moram em uma casa como esta isso não os torna pessoas ruins. — Nós sabemos disso. — Rosa se levantou, balançando a cabeça. — Nem Carl nem eu viemos de famílias com dinheiro. Você sabe disso. Não tem nada a ver com dinheiro. — Então, tem a ver com o quê? — Ele não é bom para você — repetiu Carl. — Por quê? — Minha voz se tornou estridente aos meus próprios ouvidos. — Só porque não estou concordando com tudo o que vocês dizem? Ele é culpado por isso?
— Você viu alguém levar um tiro e morrer porque estava com ele! — A voz de Carl era tão afiada quanto uma lâmina. — Não foi culpa dele! — Você pode fazer escolhas melhores do que essa, Mallory. Escolhas mais inteligentes — argumentou ele. — Você tem a vida inteira pela frente, perfeitamente definida. Não jogue isso fora. Não jogue tudo fora, porque você está cometendo um erro. Eu endureci. De jeito algum eu considerava Rider um erro, mas, Deus, eu tinha o direito de cometer erros. Eles iriam acontecer. Eu não era perfeita. Eu não era perfeita. Algo dentro de mim se encaixou. Rosa e Carl sabiam que eu estava longe de ser perfeita. Eles tinham de saber que eu cometeria erros. Que eu precisava cometê-los. Querer ser perfeita para eles já não tinha o mesmo poder, porque eu não podia ser isso. Meus ombros se endireitaram. — Se ele for um erro, então... então estou bem com isso. Olhando para longe, ele esfregou a mão no rosto. — Nós nunca teríamos essa conversa com Marquette. Meu queixo caiu quando dei um passo para trás. A mágoa me atravessou, incitando minha raiva como o vento faz com um incêndio. Nos quatro anos desde que eles me haviam levado para sua casa e sua vida, eu nunca os ouvira dizer algo como aquilo, pelo menos na minha frente. — Carl — suspirou Rosa. — Eu não pedi... — Respirei rapidamente. — Eu não sou ela. Nunca serei ela. Ele baixou a mão e, em seguida, virou a cabeça para onde eu estava. A cor desapareceu de seu rosto. O arrependimento encheu seu olhar imediatamente. — Mallory… — Eu não vou tomar as decisões dela — falei, as mãos trêmulas, e tudo saiu novamente. — Eu não quero passar o resto da minha vida em um laboratório. Não quero fazer nada no campo da medicina. Não sou perfeita como ela. Não quero ser. Rosa levou a mão ao peito. — Querida, nós... Chega. Eu estava tão cheia dessa conversa que nem precisei de palavras para lhes dizer isso. Eu não precisava de um sermão naquele momento. Eu não
precisava ouvir nada do que eles estavam dizendo. Eu precisava estar com Rider — estar lá para ele, como ele estivera para mim tantas vezes no passado. Isso era tão certo que me atingiu com força. Era a minha vez de cuidar dele e ser a forte. Aquela que se manteria de pé para que ele pudesse desmoronar um pouco. Eu não ia me despedaçar e contar com ninguém para juntar meus cacos. Eu estava cheia. Virando-me, saí da cozinha e corri para cima. Dentro do meu quarto, bati a porta e, em seguida, tirei minha camisa larga. Abri uma gaveta e a vasculhei até encontrar um sutiã e uma camiseta regata. Peguei um gorro e o enfiei na cabeça. Amarrei meu cabelo para trás com um nó frouxo enquanto caminhava até a cama. Enfiando o telefone na bolsa, eu a joguei sobre o ombro e, em seguida, me virei. Saí do quarto enquanto pegava minhas chaves. Desci dois degraus de cada vez, e, quando cheguei ao hall, Rosa apareceu. — Ele não quis dizer aquilo. — Não importa. — Andei direto para a porta. Ela me seguiu. — Aonde você vai? — Sair — respondi, o coração acelerado. — Mallory... Abrindo a porta, parei e olhei para ela. — Preciso ficar ao lado dele. Hector e Jayden são como irmãos para ele. — O ar frio passou por mim e entrou na casa. — Preciso ir. — Você não pode... — Eu preciso ir. — Minha mão apertou a maçaneta quando Carl apareceu ao fundo. — Estou indo. Então saí. Saí de casa sabendo que Carl e Rosa não aprovavam, sabendo que estaria encrencada. Sabendo que os estava decepcionando. Que já os havia decepcionado. Tentei falar com Rider outra vez, mas a chamada foi direto para a caixa postal e a mensagem que enviei não apareceu como entregue. Eu sabia que isso provavelmente significava que seu celular estava desligado. Tentei não me deixar assustar muito, porque eu estava surtando sobre Carl e Rosa.
Nós nunca teríamos essa conversa com Marquette. Deus. Deus, isso doía muito. Feria. Mas também doía saber como eles viam Rider e até mesmo Hector e Jayden. Nunca imaginei que eles seriam assim. Eu estava com tanta raiva, tão desapontada que meus dedos doíam de apertar com força o volante. Eu não podia pensar em Carl e Rosa agora. Teria que lidar com as consequências quando voltasse para casa, e seriam consequências enormes, porque eu sabia que o que fazia era certo. E também errado. O primeiro lugar que verifiquei foi a casa dos Luna. Encontrei uma vaga cerca de dois quarteirões à frente e subi correndo contra o vento forte que açoitava a rua. Vi o Escort de Hector. Pessoas vestindo casacos volumosos e gorros estavam sentadas nos degraus das casas enquanto eu corria por elas e me dirigia à porta da frente. A guirlanda de outono tinha sido substituída por sempre-viva e visco. Uma nova onda de raiva me atingiu quando eu me lembrei do que Rider dissera sobre a administração da escola. Que viam determinados endereços e, então, nem tentavam. Nunca pensei que Carl e Rosa fossem assim. Sirenes soaram ao longe quando bati à porta, lembrando-me da véspera. Um arrepio me subiu pela espinha. Passos pesados foram ouvidos lá dentro, e eu fiquei tensa. A porta se abriu e um homem alto, mais velho, estava ali. Ele deu uma olhada em mim e franziu a testa. — Quem é você? — Estou procurando... Outro cara apareceu atrás dele. Eu o reconheci da véspera. Ele estivera naquela casa, mas eu não sabia seu nome. — Você é a namorada de Rider. — Ele empurrou o outro homem para o lado. — Está procurando por ele? Assenti. — Ele está aqui? — Sim. No andar de cima. Estava no sótão, na última vez que o vi. — Ele deu um passo para o lado e me deixou entrar. Engoli em seco quando olhei ao redor. A sala estava lotada. Olhei para o cara. — Sinto muito sobre Jayden. Eu…
Seus olhos brilharam quando ele fechou a porta. — Eles não vão se safar dessa. Ah, não. De jeito nenhum vão se safar de terem derramado meu sangue — prometeu ele, e eu tremi novamente. O outro homem balançou a cabeça enquanto esse cara, que eu estava supondo que fosse da família, apontou para as escadas. — Está um pouco lotado lá em cima. Achei isso um pouco estranho, porque, mesmo que eu não tivesse ido ao sótão, tinha a impressão de que era muito grande, mas me virei e subi as escadas, passando por uma mulher alta, de cabelos escuros, que esfregava um lenço nas bochechas. Não vi a Sra. Luna, mas tudo em que eu conseguia pensar era no que Jayden lhe dissera antes. Que ela não saberia o que fazer sem ele. Senti um aperto no peito. No segundo andar, caminhei pelo corredor, passando pelas portas abertas. Não me permiti olhar para dentro, porque eu não queria ver se algum deles era o quarto de Jayden. Eu não podia ver... as coisas dele. Passei direto pelo quarto de Rider. No final do corredor, abri a porta. A estreita escadaria era pouco iluminada, e havia um cheiro envelhecido de terra que me fez lembrar de Jayden. Segurando o corrimão, segui meu caminho para cima e cheguei ao topo da escada. A luz do sol lutava para entrar pelas janelas empoeiradas do sótão, lançando luz suficiente para que, mesmo sem as lâmpadas acesas, eu pudesse ver. E eu vi. Vi os colchões e travesseiros empilhados. Eu vi a mesa de carteado coberta de garrafas e latas de refrigerante. E lá estava o telefone de Rider, nessa mesa. Eu vi a TV que não estava ligada. Vi o sofá. E meu coração parou e depois afundou. Como estrelas caindo do céu. Meus lábios se abriram em um arquejo suave. Eu tinha encontrado Rider. Ele estava dormindo, a cabeça apoiada no encosto do sofá. Não estava sozinho. Minha bolsa deslizou pelo ombro e caiu no chão com um baque. Paige estava lá, enrolada no sofá ao lado dele.
CAPÍTULO 32
O som da minha bolsa batendo no chão não os acordou. Mas Paige se remexeu. Ela se enrolou mais, apertando-se ao lado de Rider. Aquilo era como um soco no estômago. Eu não podia acreditar no que via. Pelo que parecia ser a centésima vez em 24 horas, eu estava absolutamente muda, e meu cérebro parecia em dificuldade de entender o que se passava. Abri a boca, mas a sensação de estar afundando me interrompeu enquanto eu observava os dois. Então, meu olhar correu para a mesa, onde estava o telefone de Rider. Ele não tinha respondido a nenhuma das minhas mensagens ou atendido minhas ligações. Eu acreditava que fora porque ele estava com Hector, e ele estava bem ali, em casa, mas não com Hector. A sensação de soco no estômago aumentou. Lembrei as palavras do cara no andar de baixo. Está um pouco lotado lá em cima. Agora eu sabia o que ele queria dizer. Meu Deus. A dor incendiou meu peito e parecia muito real. Como se meu peito tivesse sido estraçalhado. Por mais horrível que isso fosse, eu não estava pensando em Jayden naquele momento. Eu estava pensando no tempo que Rider e eu tínhamos passado juntos antes de sairmos. Como ele me abraçou. Como me beijou. Me tocou. O que ele me confessara. E agora ele estava com ela. Estavam dormindo juntos? Eu tinha que sair daquele lugar. Pegando a bolsa, eu me virei. Desci as escadas, estremecendo a cada vez que o assoalho rangia. Eu tinha que sair dali antes que Rider acordasse, porque eu... eu não poderia lidar com isso agora. Fechando a porta do sótão sem fazer barulho, tudo em que eu conseguia
me concentrar era sair dali, e depois? Eu não sabia. Eu não podia ir para casa. Ainda não. Eu não sabia o que fazer. Eu tinha chegado à metade do corredor quando uma porta se abriu. Hector saiu, esfregando a mão pelo cabelo. Seu corpo estremeceu quando ele me viu. — Ei — disse, com a voz grossa e deixando cair a mão. — Eu não sabia que você estava aqui. Olhei para trás e, em seguida, me concentrei de novo em Hector enquanto silenciava o turbilhão de emoção crua dentro de mim. — Eu... hum, vim dar uma olhada em Rider... e em você. Sinto muito por... Jayden. — Eu também. — Seus olhos vermelhos se fecharam por um momento. — Sabe o que é pior? Não estou... não estou surpreso, sabe? Depois do que aconteceu com nosso primo, não estou surpreso. Ele estava mudando. Ia trabalhar comigo, mas... já era muito tarde. Ele se envolveu profundamente com pessoas com quem você simplesmente não mexe. Eu só achava que... Eu nem sei o que eu achava. Eu não sabia o que dizer e não acho que houvesse qualquer coisa que pudesse dizer. — Ele... — Os ombros de Hector caíram. — Ele não merecia isso. Não importa quanto dinheiro ele devia. — Não — sussurrei, e pensei no dia na garagem e o que Rider tinha dito a Jayden. Você vai acabar morto. Oh, Deus, Rider estava certo. — Ele não merecia. Ele levantou a mão e passou os dedos pelo cabelo bagunçado. — Eu não... Eu nem acredito que a polícia vá pegá-los... os assassinos de Jayden. — Eles têm que pegá-los. — Meu peito se apertou. Eu me recusava a acreditar em qualquer outra coisa. — Eles vão. Hector balançou a cabeça e esse gesto parecia demandar um grande esforço. — Minha abuelita está dormindo. Ela está... Eles tiveram que sedá-la. Eu ainda não tinha as palavras certas, mas, no fundo, sabia que esse era um dos momentos em que não havia palavras certas. Só uma ação importava em tempos como aquele, percebi. Foi por isso que vim confortar Rider. Apenas para estar lá com ele.
Só que ele obviamente já tinha alguém o confortando. Dando um passo à frente, fiz a única coisa que realmente podia fazer. Passei os braços em volta de Hector e apertei. Ele ficou rígido no início, e depois soltou um suspiro. Passou os braços em volta de mim. — Obrigado — sussurrou com a voz rouca. Assenti e recuei. Hector piscou rapidamente várias vezes. — Então, hum... — Ele pigarreou. — Você viu Rider? Um movimento sinuoso no meu peito ameaçou tirar meu fôlego. — Ele está dormindo. Eu... eu não quis acordá-lo. — O quê? Podemos acordá-lo. Você veio até... — Não. Tudo bem. — Eu comecei a passar por ele. — Vou ligar para ele mais tarde. — Mas... — Não tem problema. — Forcei um sorriso quando parei de frente para ele. — Estou... pensando em você. Um esboço de sorriso apareceu em seus lábios, e, em seguida, ele assentiu mais uma vez antes de se virar em direção à porta do sótão. Então eu saí daquela casa o mais rápido que pude, sem correr. Quando cheguei ao carro, dei a partida e simplesmente comecei a dirigir. Meu telefone começou a tocar quando eu estava a cerca de três quarteirões de distância, mas não olhei para ele. Apertei o volante. Meu telefone tocou de novo. Quando parou, apitou alguns segundos depois, sinalizando uma mensagem recebida, mas não olhei. Apenas continuei dirigindo. Trinta minutos mais tarde, eu me vi caminhando até a casa de Ainsley depois de sair da de Hector. Felizmente, ela abriu a porta... vestindo shorts de algodão, meias até o joelho e um gorro grande demais. De alguma forma, ela ainda conseguia estar bonita. — Ei, o que você...? — Ainsley parou quando me olhou. Ela pulou para a frente e pegou minha mão, puxando-me para dentro. O calor mal aliviou minha pele gelada. Puxando-me para as escadas, ela gritou: — Mãe! Mallory está aqui. Nós vamos lá para cima. — Tudo bem. — Houve uma pausa, e a TV foi silenciada na sala de estar. — Vocês querem um pouco de chocolate quente?
Chocolate quente, ela articulou, sem emitir som, revirando os olhos. — Não, mãe. Não temos 10 anos! Chocolate quente parecia uma ideia muito boa agora. — Têm certeza? — A voz de sua mãe estava mais próxima, e nós estávamos no meio da escada. — Tem aqueles pequenos marshmallows que vocês adoram. — Ai, meu Deus! — E então mais alto: — Sim, mãe. Temos certeza. — Só estou verificando — respondeu sua mãe. — É melhor um pouco de tequila — murmurou Ainsley no topo da escada. Sua mãe apareceu na parte de baixo. — O que você disse? — Nada! — Ainsley deu um sorriso rápido e, em seguida, arrastou-me para o quarto, fechando a porta atrás de si. — Jesus Cristo, a mulher tem uma audição de morcego. E não sei se os morcegos têm boa audição, mas acho que sim. — Ela se afastou da porta. — O que está acontecendo? Parece que você está gripada ou algo assim. — Não estou gripada. — Deixei minha bolsa no chão e caminhei até sua cama, jogando-me de cara nela. Ainsley se arrastou até a cama. — Tem certeza? Espero que sim, porque realmente não quero ter que passar Lysol no meu edredom. Eu abri um sorriso e rolei de lado. — Sim. Tenho certeza. Em seguida, ela também pulou na cama, jogando-me para cima. — O que está acontecendo? Sei que está acontecendo alguma coisa, porque, desde que a conheço, você nunca apareceu assim do nada. — Seus olhos se arregalaram. — Oh! Espere. Você e Rider brigaram? Será que vou ter que bater nele? Meu peito apertou. — Não. Não exatamente. — Não exatamente? — Ela cutucou minha perna quando não respondi. — Isso não me diz nada. Sentando-me, peguei um travesseiro e o abracei. — Eu... eu ia ligar para você ontem, mas você já está passando por muita coisa. Ainsley arqueou uma sobrancelha.
— Posso ficar cega ou não, Mallory. Isso não significa que estou passando por muita coisa. Olhei para ela com ar de dúvida. Ela podia agir como se não estivesse preocupada com seu diagnóstico, mas a contração de sua boca e a forma como desviou o olhar diziam algo totalmente diferente. — Fale comigo — exigiu ela. Respirando fundo, eu lhe contei tudo, começando com o que acontecera com Jayden na véspera, a briga com Carl e Rosa pela manhã e, por fim, o flagra de Paige e Rider dormindo juntos no sofá. As emoções de Ainsley ficaram à flor da pele, muito parecidas com as minhas. Ela não tinha conhecido Jayden, mas seus olhos se encheram de lágrimas. — Oh meu Deus, ele só... Eu nem sei o que dizer. — Ela levou a mão ao peito. — Como está Hector? Ok. É uma pergunta idiota. Como você está? Você viu... Ok, essa também é uma pergunta idiota. — Saltando para a frente, ela bateu no meu braço. Tremi, pulando para trás. — O que foi isso? — Você devia ter me ligado ontem! — Ela sussurrou de um jeito áspero. — Você passou por um evento extremamente traumático. Você viu alguém... Deus, não consigo nem dizer. Depois de tudo o que você passou, ver isso acontecer? — Nada... nada por que já passei se compara ao que aconteceu com Jayden. — Minha garganta ardeu. — É tão... É tão sem sentido, sabe? Não me importa o que ele fez ou deixou de fazer, isso não valia a sua vida. — Não — concordou ela enquanto limpava os olhos com as costas da mão. — Você sabe se a polícia prendeu o cara que fez isso? Balancei a cabeça. — Não sei. Hector... acha que não vão, mas eles têm que prender. Todo mundo sabia que... esses caras, Braden e Jerome, estavam atrás... dele. Ainsley estremeceu. — É tão horrível. A queimação em minha garganta não diminuiu, mas as lágrimas que brotaram no fundo de meus olhos não caíram. Elas jamais caíam. Não importa. Meus canais lacrimais estavam com defeito. Eu estava com defeito.
— Pobre Jayden. — Ela cruzou os braços. — Pobre Hector. Deus, não posso nem imaginar como é isso. Nem quero. Você sabe quando é o enterro? Ou ainda é muito cedo? — Cedo, eu acho — respondi, tirando uma mecha de cabelo do rosto. — Não perguntei a Hector quando o vi. Tenho certeza de que vou descobrir. Aviso a você. Nenhuma de nós falou por um longo momento, e depois Ainsley suspirou. — Ok. Agora essa coisa toda de Rider. A pressão em meu peito cresceu como o aperto de um torno. — Eu nem sei o que dizer sobre isso. — Ela balançou a cabeça. — Quero dizer, poderia ser completamente inofensivo. Arqueei as sobrancelhas. Ainsley estremeceu. — Ei, vamos olhar para isso racionalmente por um momento. Eles estavam vestidos, certo? Oh, Deus! Imediatamente, uma imagem de Paige e Rider nus se formou e eu tive vontade de vomitar. — Sim, eles estavam vestidos. — Mas isso não quer dizer nada. Quando Todd e eu fazíamos sexo, não ficávamos completamente nus, e também poderia significar que eles se vestiram depois. Pensei no que Rider e eu tínhamos feito na véspera, com nossas roupas no lugar. Na maior parte do tempo. Espere. Voltei a me concentrar no que Ainsley dizia. — Você acha que eles fizeram sexo? — O quê? Não. Quero dizer, esse é o pior cenário. Que, em sua tristeza e tudo mais, ele tenha ficado com ela. — Ainsley olhou para mim. — Não era o que você estava pensando? — Eu... — A verdade era que eu não sabia o que estava pensando. Mas eu não acreditava que eles tinham feito sexo depois do que Rider me dissera na véspera. Meus ombros cederam. — Eu os vi e me apavorei. Eu não sei. — Apertei o travesseiro. — Eu só... eu o defendi para Rosa e Carl. Saí de casa para ir até ele... para estar lá com ele, e ele nem precisava de mim. Ele tinha... — Minha respiração ficou suspensa. — Ele tinha Paige, e ele não atendeu o telefone quando liguei ou mandei mensagens. Ele estava com Paige, Ainsley, e ontem nós... fomos muito longe, e eu... — Apertando os lábios, eu me
interrompi. — O quê? — perguntou ela em voz baixa. Eu não queria dizer, porque isso aumentava a dor em meu peito e me assustava muito. Me aterrorizava, porque eu sabia que o que estava sentindo era importante e reconhecer isso o tornava verdade. — Você o ama, não é? — disse ela. Apertando bem os olhos, forcei uma respiração superficial. Ontem, a simples ideia de me apaixonar, estar apaixonada, era tão aterrorizante quanto emocionante. Agora era apenas uma dessas coisas. — Sim. Acho que amo. — Abri os olhos e encontrei os de Ainsley. — Não. Eu não acho. Eu sei que amo. Estou apaixonada por ele. Acho que fui apaixonada por ele a vida inteira. E amo o Rider crescido ainda mais do que amei o menino quando éramos crianças. — Meu coração disparou. — E isso é assustador. — Claro que é — concordou ela, um canto de seus lábios se curvando. — É por isso que estou totalmente tranquila com tudo o que acontece com Todd. Eu não o amo. Eu nem sei como é isso, mas sei que deve ser assustador. Eu a estudei por um instante, e o nó se expandiu. — Eu achava que Rider sentia a mesma coisa. — Não vamos surtar, ok? Nós não sabemos o que estava acontecendo lá. Eles estavam dormindo no sofá, não agarrados. — Ela estava pressionada contra ele. — Dizer isso me fez sentir náusea, mas eu tinha que tirar aquilo de mim. — Ele não a estava abraçando nem nada, mas não havia espaço entre eles. Nenhum. — Isso ainda não significa nada. Minhas sobrancelhas se ergueram. — Está certo, ele vai precisar de uma excelente desculpa para isso, mas nós realmente não sabemos o que estava acontecendo lá. Paige é amiga dele e de Hector, certo? Ela conhecia o irmão de Hector? Assenti. — Poderia ser inofensivo. Eu queria que fosse inofensivo. E parte de mim não queria. Que loucura era essa? Mas, se não fosse inofensivo, então machucaria e seria péssimo, mas minha vida voltaria ao normal. Eu não teria que me preocupar com coisas assim. Ou com o que Carl e Rosa achavam de Rider. Eu não teria que lutar por ele.
Ou lutar de modo geral. Eu me contorci, desconfortável com o rumo que meus pensamentos tomavam. Ainsley pôs a mão no meu braço. — Ele tentou ligar para você desde que você saiu? Olhei para minha bolsa. — O telefone tocou algumas vezes, mas eu... não olhei. Ela me encarou, como se eu só tivesse metade do cérebro funcional. — Você tem que olhar. Sério. — Provavelmente era Rosa ou Carl. — Mas deslizei para fora da cama mesmo assim e peguei minha bolsa, trazendo-a de volta comigo. Sentei-me e abri o compartimento. Toquei na tela, e a decepção me tomou. — Não era Rider. Era um número desconhecido. — Oh! — Ela suspirou profundamente. — Quem quer que tenha sido deixou uma mensagem. Deixe-me ver quem é. — Talvez Carl e Rosa tenham contratado um detetive particular para encontrá-la. Apesar de tudo, ri enquanto apertava o botão da mensagem. — Isso seria um exagero... Oh! — Parei de falar quando reconheci a voz. — O quê? — Os olhos de Ainsley se arregalaram quando ela se inclinou para a frente. — O quê? Balançando a cabeça, estendi a mão e apertei o viva-voz. Nós duas nos olhamos enquanto a voz profunda de Rider encheu o quarto. — Mallory, é o Rider. Estou usando o telefone de Hector. Esqueci que a bateria estava acabando, e o meu morreu. Nem me dei conta. Estou carregando agora. Droga. Nada disso importa. Ele disse que você esteve aqui. Que esteve no sótão. Por que não me acordou? Houve uma pausa, e Ainsley murmurou: — Boa pergunta. Lancei-lhe um olhar enquanto Rider continuava: — Droga. Eu sei por quê. Mallory, me ligue. Tente este número ou o meu. Me ligue. — Houve o som de uma porta se fechando e, em seguida, ele disse: — Por favor, Mallory. Me ligue. A chamada foi encerrada, e nós duas ficamos sentadas lá, ainda olhando o telefone.
Ainsley foi a primeira a falar. — Você vai ligar? — Eu... — A esperança aumentou, doce e açucarada, em comparação com a amargura da decepção e da frustração. — Ele disse que o telefone tinha morrido. Isso explica por que não atendeu quando você ligou — argumentou ela. — E ele nunca mentiu para você antes, certo? Balancei a cabeça. A bateria dele estava fraca. Eu me lembrava disso agora. — E ele ligou, obviamente, logo depois que você saiu — continuou ela. — Isso tem que significar alguma coisa. Eu achava que sim, mas sinceramente não sabia mais o que pensar. — Ligue para ele — incitou Ainsley. — Dê a ele uma chance de se explicar. — Quando a olhei, ela sorriu levemente. — Não sou especialista em toda essa coisa de amor, mas, se você o ama, vai lhe dar uma chance de se explicar. E você o ama, certo? Meu coração gritou sim. — Ligue para ele.
CAPÍTULO 33
Eu não sabia o que fazer. Bem, eu sabia que tinha que ir para casa e encarar a situação, mas, com relação a Rider, eu não tinha ideia do que fazer. Eu queria falar com ele e, ao mesmo tempo, não queria. Naquele momento eu não queria que ele tivesse que se preocupar... com o drama do relacionamento. O garoto que ele considerava um irmão acabara de ser morto. Ele não precisava lidar comigo ou com o que estava ou não acontecendo conosco. Mas eu também estava com medo do que ele tinha a dizer. Medo de como isso faria com que eu me sentisse. Ele, aparentemente, não precisava de mim. Estremeci. Eu odiava esse pensamento, porque era rancoroso e doía. Ele apertava meu peito, porque, quando chegou a hora de os papéis se inverterem, de eu estar ao lado de Rider, alguém chegara antes de mim. O sentimento parecia ridículo, mas era o que eu sentia. Era real. E sentia que, de algum modo, havia falhado. Quando cheguei em casa, pouco antes do jantar, esperava encontrar Rosa e Carl onde os deixara, esperando para me atacar no minuto que eu entrasse pela porta. Isso não aconteceu. A porta da biblioteca estava fechada, e eu podia ouvir alguém se movendo pela cozinha, provavelmente Rosa. Parei na escada, sabendo que deveria simplesmente acabar com isso logo, ir até a cozinha e encarar a situação. Em vez disso, subi as escadas correndo e fechei a porta do quarto atrás de mim. Pegando meu telefone, deixei minha bolsa cair no banco sob a janela. Meu telefone tocou enquanto eu dirigia. Era Rider, dessa vez do próprio
telefone. Ele tinha deixado outra mensagem. Fiquei tensa quando levei o telefone ao ouvido e ouvi a mensagem. Houve um silêncio e, em seguida, “Droga”. Ele não disse mais nada. A mensagem terminou. Eu me sentei no banco da janela e olhei para o telefone. Ainda tensa, mordi o lábio. Eu amava Rider. Oh, Deus! Eu estava apaixonada por ele. Eu sabia que isso era verdade. O amor era a sensação de inchaço e esperança no meu peito a cada vez que eu o via. O amor era a maneira como eu podia esquecer tudo quando estava com ele. O amor era a falta de ar quando ele me olhava de seu jeito intenso. O amor era o arquejo que ele podia arrancar de mim com o mais simples dos toques. O amor era a maneira como eu podia... eu podia ser eu mesma perto dele, saber que não precisava ser perfeita ou me preocupar com o que ele estava pensando, porque ele me aceitava. E tudo isso. O amor me assustava. Eu não queria o coração partido. Eu sabia que Rider se importava comigo, até me amava do jeito que se ama um amigo de infância, mas eu não sabia se era a mesma coisa que eu sentia por ele. Porque havia uma diferença entre amar alguém e estar apaixonado. E ele não tinha dito que estava apaixonado por mim. Ele tinha dito e feito muita coisa... por mim, mas aquelas palavras ele nunca dissera. Vê-lo com Paige doeu de uma forma que eu mal conseguia colocar em palavras, um sentimento que eu não conhecia. Eu me sentia mal e ansiosa, como se eu estivesse me esquecendo de fazer alguma coisa, mas não havia nada a fazer. O coração partido seria ainda pior. Eu não queria perdê-lo nunca, e, Deus, havia tantas maneiras de se perder alguém. Eu não queria desapontá-lo. Eu não queria que ele me decepcionasse. Inquieta, eu me levantei do banco sob a janela e caminhei até a porta. Parei antes de abrir. Aonde eu estava indo? Se descesse, teria que enfrentar Carl e Rosa, então voltei para minha cama e... Eu não os encarei. Eu não liguei para Rider.
Como a Mallory de 12 anos, fiz o que eu fazia melhor. Eu me escondi. *** Aquele dia seria uma droga. Era tudo o que eu conseguia pensar enquanto me arrastava para a entrada dos fundos da Lands High. Jayden não me surpreenderia no meu armário. Ele não apareceria do nada no almoço nem flertaria com as meninas enquanto roubava suas batatas fritas, e eu imaginei que todos estariam falando sobre o que acontecera no sábado. Cada parte de mim doía enquanto eu subia as escadas para ir até o meu armário. O suéter pesado que eu usava não aliviava em nada o frio que se impregnava em meus ossos. Eu quase não tinha dormido na noite passada, e Rosa deve ter percebido isso, porque tudo o que disse no café da manhã era para eu me agasalhar, pois a previsão era de neve. De alguma forma, ela ficar evitando os acontecimentos da véspera era mais assustador do que me confrontar. Sentindo que eu precisava de um cochilo, comecei a abrir o armário. — Ratinha. Meu corpo estremeceu, e, então, me virei. Meus pensamentos se dispersaram quando vi Rider. Ele parecia... ele parecia exausto parado ali. Havia sombras escuras sob seus olhos. Seu cabelo estava bagunçado, como se ele tivesse passado as mãos nele várias vezes. Havia uma sombra de barba em seu queixo, e eu quis correr para ele e envolvê-lo em meus braços. Eu queria abraçá-lo, porque, quando aqueles olhos castanhos encontraram os meus, havia muita tristeza em suas profundezas. Fiquei parada. Rider deu um passo à frente, ignorando a pessoa que esbarrou nele. — Podemos conversar? Meu coração batia forte no peito. — Eu tenho... — Você tem que ir para a aula. Eu sei — disse ele, aproximando-se e ficou tão perto que nossos sapatos se tocaram. — Eu não podia esperar até o almoço. Quero dizer, eu vou, mas, por favor, me dê uma chance de falar com
você. Eu abri a boca; nem sabia o que pretendia dizer, só que o que saiu me surpreendeu. — Podemos conversar agora. — Agora? — O alívio cintilou em seu rosto. — Você vai matar aula? Assentindo, fechei o armário e, então, olhei para ele. Eu não tinha ideia do que fazia. Na noite passada, eu não estava pronta para conversar. Eu não tinha certeza se estava pronta agora, e matar aula era uma péssima ideia. Mas eu fiz isso. Rider me estudou por um instante, como se não acreditasse em mim. Nem eu acreditava em mim mesma, mas começamos a andar. E continuamos andando, direto para o ar frio e para o meu carro, contra o mar de estudantes. Ninguém nos parou. Ninguém olhou duas vezes. Entramos no carro, e eu o liguei, acionando o aquecedor. Eu não me permiti pensar no que estava fazendo ou quão encrencada eu ficaria se a escola ligasse para minha casa. Olhei para ele e percebi que vestia apenas uma camisa térmica preta e jeans. Sem casaco. — Você não está congelando? Seu olhar vagou pelo meu rosto. — Nem estou com frio agora. Desviando o olhar, engatei a ré e saí da vaga. — Para onde? — Podemos ir à casa de Hector — sugeriu ele. — Não tem ninguém lá agora. Estão todos na casa da tia dele. Pensei na escolha de palavras dele. — Por que você... nunca chama de sua casa? Ele não respondeu, e, quando me virei para fitá-lo, Rider estava olhando para fora da janela, o queixo trincado. — Rider — insisti. — Você... quer conversar. Vamos conversar. — Eu queria falar sobre o que você viu ontem — disse ele. Meu nervosismo aumentou: — Eu quero falar sobre isso primeiro. Rider jogou a cabeça contra o encosto do banco e vários momentos se passaram antes que ele dissesse: — Não... não me parece um lar, Mallory. Não é a minha casa. Eu me concentrei na estrada.
— O que isso significa? Sua casa parece um lar. — A sua tem um ar de casa. Você está lá. Na sala de estar e na cozinha. Em seu quarto — explicou ele. — Mas eu estou apenas dormindo no meu. A sensação de mal-estar revirou minhas entranhas. — A Sra. Luna... faz você se sentir assim? — Não — suspirou ele. — Claro que não, mas eu não sou... não sou uma criança adotiva, apenas um dos muitos que a Sra. Luna abrigou. Não sou seu neto. Deus sabe que eu não sou um substituto para Jayden, e não importa quanto eles façam com que eu me sinta bem-vindo, vou passar da idade assim que me formar. Não sou da família. Sou apenas uma boca para alimentar. Tenho que me lembrar disso. Sempre tenho que me lembrar disso. Pensei no que Carl tinha dito na véspera e entendi esse sentimento, mas eu não tinha certeza se Rider estava sendo justo com a Sra. Luna. Ou consigo. — Não é nada importante — acrescentou. — Eu acho que é. — Diminuí a velocidade por causa do trânsito e olhei para ele. Ele ainda estava olhando pela janela, deslizando os dedos pelo vidro. Respirei e, em seguida, dei voz aos pensamentos que tinha guardado para mim. — Eu acho que... você não percebe quanto Hector e a Sra. Luna gostam de você... quanto Jayden gostava de você. Acho que você não acredita que tem valor. É o mesmo com a sua arte e a... faculdade. — Minhas mãos se apertaram no volante, e eu me enchi de certeza. — Você já desistiu de si antes mesmo que qualquer outra pessoa tivesse uma chance. Silêncio. Eu podia sentir o olhar de Rider em mim. Vários minutos se passaram. — Isso é besteira, e é demais vindo de você. Você desistiu de mim ontem. Comecei a me defender, mas eu não podia. Engoli em seco. — Eu sei. Você está certo sobre isso, mas eu também estou certa. — E como é isso? — O desafio endureceu seu tom. — Porque eu desisto de mim diariamente — admiti. Minhas bochechas ficaram quentes, mas continuei: — Eu sei. Pude ouvir sua respiração. — Mallory... Balancei a cabeça enquanto eu pensava em todas as emoções e necessidades conflitantes e desejos. — É verdade. É o que eu faço. Não é minha intenção. Ou talvez seja. É... É mais fácil ter medo de tudo.
— Como... como pode ser? — Sua voz se suavizou. — Como isso pode ser mais fácil? Meu sorriso era fraco. De repente, realmente desejei estar em casa, com a cabeça sob os cobertores. — Você não pode falhar quando não tenta de verdade, certo? Você sabe disso. Rider praguejou em voz baixa e não disse nada depois disso. Quando parei na vaga algumas casas abaixo, achei que conversar tinha sido uma má ideia, então não desliguei o carro. O clique de Rider desafivelando o cinto de segurança ecoou. Olhei para ele. — Talvez devêssemos... conversar mais tarde. — O quê? — Ele parou com a mão na porta. — Não. Não depois do que você acabou de dizer. Você não vai desistir sem ao menos conversar. Especialmente depois de me acusar de fazer a mesma coisa. Bem, ele tinha um bom argumento, mas eu hesitei. — Estamos aqui. Ok? Vamos conversar. O impulso de correr de volta para a escola ou para casa me invadiu com força. Eu realmente não conseguia acreditar que tinha saído da escola e estava sentada do lado de fora da casa de Rider; uma casa que não parecia um lar para ele. — Ok — sussurrei. Rider esperou que eu pegasse a bolsa e saísse do carro antes de saltar, quase como se achasse que eu fosse arrancar assim que ele saísse. Eu o segui pelo quarteirão, tremendo enquanto o vento tirava o cabelo dos meus ombros. A casa estava em silêncio quando entramos, e, dessa vez, eu sentia mais cheiro de abóbora do que de maçãs. Antes que eu pudesse me deter, olhei para a parede atrás do sofá. Entre todas aquelas fotos emolduradas, vi Jayden imediatamente. Era uma foto de Natal, possivelmente do ano passado. Ele estava na frente de uma árvore festivamente iluminada, com um sorriso largo para a câmera, segurando uma bandeira porto-riquenha na frente do peito. Senti um aperto tão forte no coração que achei que ele fosse parar. Eu não podia acreditar que Jayden havia partido. Meu olhar se arrastou pela parede de fotos, e eu as vi — imagens de Rider misturadas com as Hector e Jayden, como se ele fosse da família. Porque ele era da família.
Eu não tinha notado antes, mas Rider morava aqui. Como ele podia não ver isso? Rider não foi para a cozinha. Ele subiu, e eu o segui para o quarto no qual ele mal ficava. Ele acendeu a luz. A primeira coisa que vi foi o exemplar de O Coelho de veludo. Ele estava em sua mesa de cabeceira. Deixei minha bolsa no chão. Rider sentou na cadeira em frente à sua mesa vazia, provavelmente nunca utilizada. — Meu telefone morreu em algum momento da noite de sábado — começou ele, e eu lentamente o olhei. — Você lembra que te falei isso mais cedo? Estava em dez por cento antes... antes de tudo acontecer. Eu me sentei na beira da cama. — Eu não estava ignorando suas chamadas e queria pegar o telefone de outra pessoa para te ligar, mas as coisas estavam loucas. Alguns dos rapazes tentavam fazer todos irem atrás de Braden e Jerome, e eu estava tentando... eu estava mantendo Hector em casa, porque eu não podia... — Ele pigarreou. — Não posso perdê-lo também. — Eu sabia que você estava ocupado. Eu não me importei por você não ter atendido minhas ligações. Eu... Eu vim porque eu queria estar do seu lado. Eu precisava... estar do seu lado. Foi por isso que eu vim. — Eu não sabia que Paige estaria aqui. — Seus olhos encontraram os meus, e ele não desviou o olhar. — Eu não fazia ideia. Juro, eu não fazia ideia de que ela estaria aqui. — Ele fez uma pausa, os ombros subindo. — Ela estava realmente triste. Paige conhece Jayden e Hector há anos. Ela e Jayden implicavam um com o outro, mas eles se gostavam muito. Fechei os olhos. Eu entendia. Eu realmente entendia. Imaginava que irmãos e irmãs discutiam assim. Jayden e Paige eram muito mais próximos que Jayden e eu tínhamos sido, e, apesar de tudo, eu me sentia mal por ela. Mas nada disso mudava a forma como eu me sentira ao vê-la com Rider. — Ela deve ter pegado no sono depois de mim — explicou ele. — Não começamos daquele jeito. — Eu... Ela estava aninhada em você. Como se tivessem feito isso antes — falei, a voz baixa. — Isso me assustou, e eu fui embora. Não pude ficar lá. — Isso a magoou — afirmou ele. Baixando o olhar, assenti. — Eu não estava esperando por isso. Eu só queria estar do seu lado.
— Eu queria você lá. Queria mesmo — disse ele e, em seguida, se levantou. Meu olhar o seguiu. Ele enterrou a mão no cabelo. — Eu queria você lá, mas também não queria você perto do que estava acontecendo... do que podia acontecer. Você já tinha visto o que acontecera com Jayden. — Você também viu o que aconteceu com Jayden. — Sim, mas eu... — Não tem “mas”. Aquilo não foi... Não era algo fácil para ninguém ver. Especialmente não uma pessoa que era como um irmão para ele. — Tirei meu cabelo do rosto enquanto Rider parava a alguns centímetros de mim. Ter essa conversa agora parecia errado. — Não quero que você se concentre em nós agora. Jayden… — Entenderia que precisamos consertar isso — interrompeu ele. — Você é tudo para mim e quando Hector me acordou e me disse que você tinha estado aqui? Porra. Meu coração parou. Sinto muito. Droga, Mallory, eu sinto muito. Nós estávamos falando sobre Jayden quando adormeci. Eu não tinha dormido o dia todo, e, quando cochilei, não tinha se passado muito tempo antes de você aparecer. Não foi planejado. E eu juro que não aconteceu nada entre nós. Eu não faria isso com você, e Paige sabe disso. — Ele se aproximou e se sentou na cama, com o corpo inclinado para mim. — Ela sabe o que sinto por você. Ela pode não nos enviar cartões de felicitações tão cedo. — O meio sorriso apareceu e depois desapareceu. — Mas ela sabe. Meu coração disparou. — O que... o que você sente por mim? — Eu acho que é bastante óbvio. — Digamos apenas que eu precise de detalhes. Seus cílios se levantaram, e seus olhos encontraram os meus. — Eu posso fazer isso por você. — Ok. — Eu me inclinei na direção dele. — Nem uma vez sequer deixei de pensar em você quando você foi levada embora. Quatro anos. Tudo o que eu podia esperar era que você estivesse em um bom lugar. Nunca esperei que você aparecesse na escola. Nem me permiti sonhar com isso. E então você apareceu, e vê-la me surpreendeu. Você estava exatamente como eu lembrava, mas diferente. Os traços da menina que eu via em você quando éramos mais novos estavam bem ali na minha frente. No momento que você disse meu nome... no momento que você me abraçou, eu soube. — Rider estendeu o braço entre nós, fechando a mão ao redor da
minha. — Eu sabia que me apaixonaria por você e me apaixonei. Eu amo você, Mallory. Meus lábios se separaram em uma inspiração. — O quê? — Eu amo você, e não é o tipo de amor que sentíamos um pelo outro quando éramos mais novos, sabe? Paige sabe disso. Hector também. Jayden também sabia. Eu amo você. Ai, meu Deus! Fiquei imóvel enquanto digeria suas palavras, absorvendo-as enquanto elas viajavam para longe, através dos meus pensamentos confusos, sob minha pele e meus músculos, até o meu âmago. Rider Stark me amava. Reagi sem pensar. Saltando para ele, passei os braços em volta do seu corpo. De alguma forma, e eu nem sabia como, acabei em seu colo, meus joelhos dos lados de suas coxas. No início, eu apenas o abracei, e ele me segurou. Eu queria chorar. Eu queria rir. Queria fazer um milhão de coisas diferentes. Eu queria beijá-lo. E foi isso que fiz. Quando levantei a cabeça e me inclinei, ele sabia o que eu queria e não negou. Seus lábios tocaram os meus, e, mais uma vez, eu estava perdida nele, em nós. Nossas respirações se misturaram. Nossas mãos se moviam. E eu queria isso. Eu queria mais disso. A certeza me inundou. Sábado eu não estava pronta, mas agora eu estava. Eu não sabia o que me dava tanta certeza, o que me tornava tão destemida, quando estava tão hesitante dois dias antes, mas esses dias pareceram uma eternidade. Talvez tenham sido os acontecimentos do fim de semana, ver o que aconteceu com Jayden. Ver a vida ser extinta. Algo sobre isso me fez querer viver, experimentar tudo. Poderia ter sido o que aconteceu depois. Discutir com Carl e Rosa e perceber que eu cometeria erros e que eu não era perfeita, que não podia ser. Havia algo de libertador nisso. Encontrar Rider com Paige me forçara a admitir como meus sentimentos por ele eram profundos, em vez de evitá-los. Conversar com ele agora e me abrir com relação a tudo. Ouvi-lo dizer que me amava. Qualquer que fosse a razão, eu sabia em cada parte de mim que então, ali, era isso que eu queria.
Eu retribuí o beijo, e eu não estava pensando se estava fazendo isso certo ou não. Provei seus lábios, toquei sua língua enquanto deslizava as mãos em seu peito. Senti seu coração batendo. Meu corpo se moveu sobre ele, e sensações enlouquecedoras giraram em minha pele. Enfiei a mão sob sua camisa, impressionada com a forma como todo o seu corpo estremeceu quando a palma da mão deslizou sobre sua barriga nua. Eu queria senti-lo mais. Inclinando-me para trás, estendi a mão e peguei a barra do meu suéter. Seu olhar sombreado seguiu minhas mãos, e seus lábios se abriram quando puxei o casaco por cima da cabeça e o deixei cair. — Caramba... — Sua voz estava grossa, áspera. — Mallory, você é... — O quê? — sussurrei, sentindo meu corpo queimar por duas razões muito diferentes. — Você é linda. — Seu olhar mergulhou, acompanhando as bordas rendadas do sutiã. — Nunca pensei que a veria assim. Estou muito feliz por isso. Você é tão linda, Mallory. Meu coração se inflou tão rápido que achei que ia flutuar até o teto. — Mas acho que nós... — Ele apertou mais meus quadris. — Nós... nós devemos parar. Parar era a última coisa que eu queria fazer. Coragem corria pelas minhas veias. Empurrei meus quadris para baixo, e seu gemido lançou um tremor de consciência aguda através de mim. — Eu não quero. — Mallory. — Meu nome soou como uma oração e uma maldição enquanto ele deslizou as mãos pelas laterais do meu corpo. — Nós dois passamos por muita coisa. Eu não quero que você se arrependa. — Não vou. — Eu descansei minha testa contra a dele. — Estou pronta para... fazer isso com você. — Meus dedos se enroscaram em sua camisa térmica. — Eu quero isso. Eu estou apaixonada por você. Eu amo você. Não sei o que eu disse provocou aquilo, mas suas mãos apertaram minha cintura e, então, eu estava de costas, debaixo dele, e sua boca estava em mim. Os beijos eram duros e entorpecentes, e eu sabia o que seu beijo dizia. Rider também estava pronto.
CAPÍTULO 34
Tudo se acelerou e depois se acalmou. Sua blusa térmica foi tirada, e, mesmo que já o tivesse visto sem camisa antes, eu não estava preparada para vê-lo assim de novo. Ele era todo pele lisa e rígida sob meus dedos. Seu corpo era muito diferente do meu. Eu era suave sob suas mãos, mas ele parecia estar tão impressionado quanto eu. Ele explorou. Eu explorei. Houve poucas palavras enquanto sua calça jeans saía primeiro, e depois a minha. O sutiã deslizou pelos meus braços. Eu estava nervosa. Minhas mãos tremiam. Ninguém nunca tinha visto tanto de mim, quase tudo. O desejo de me cobrir era difícil de ignorar, mas, quando seu peito tocou o meu, e não havia nada entre nós, eu não pensei em mais nada. Tudo era uma questão de sentimento, e, ao contrário de antes, não havia nenhum traço amargo de pânico sob o calor maravilhoso e a tensão curiosa. Eu estava nervosa. Eu não sabia o que esperar, mas isso não suplantava a paixão nem me fazia querer fugir. Afastei o nervosismo enquanto minhas mãos se moveram mais para baixo, e as dele me seguiram. Nossos corpos se moviam um contra o outro, incansáveis e ávidos. Sua mão deslizou pelo meu quadril, seus dedos seguindo a barra da minha calcinha. Tremi, e minhas costas se arquearam. Ele emitiu um som que me fez encolher os dedos do pé. Usando os cotovelos, ele posicionou seu corpo sobre o meu. Rider me beijou profunda e completamente, enquanto se abaixava. Minha perna se dobrou sobre a dele. Meus dedos se enfiaram em seu cabelo. Sua boca deixou a minha, e seus lábios percorreram meu queixo e, em seguida, meu pescoço. Meus sentidos rodopiavam enquanto ele descia, percorrendo um caminho. — Merda — gemeu ele, levantando a cabeça.
Meus olhos se abriram, os lábios parecendo maravilhosamente inchados. — O que foi? — Nós... nós temos que parar. — Ele subiu, aninhando meu rosto nas mãos. Parar? Eu não queria parar. Ele emitiu um som áspero, obviamente pensando a mesma coisa. — Eu não tenho proteção. — Não? — A surpresa me inundou. Ele descansou sua testa na minha. — Imagino que você também não. Eu quase ri. — Todos... os caras não têm preservativos em suas carteiras? — Meu rosto ardeu quando fiz essa pergunta. Rider riu. — Deus! Eu queria que fosse assim. Eu simplesmente não tenho... Bem, você sabe. Nunca fui tão longe. — Eu sei. — Deslizei a mão sobre seu peito enquanto tentava controlar minha respiração. — Você não comprou quando... quando estava com Paige? Seu olhar encontrou o meu. — Comprei. Uma vez. Não usei. — Ele virou a cabeça, beijando o centro da minha palma. — Realmente não planejava que isso acontecesse hoje. — Nem eu. — Mordi o lábio. Parte de mim queria esquecer que não tínhamos proteção, mas isso seria incrivelmente... bem, imprudente. Meio estúpido, também. Ser responsável era uma droga, mas, se nós não podíamos fazer isso... — Há... há coisas que podemos fazer. Seus lábios se curvaram. — Ah, sim, definitivamente há outras coisas que podemos fazer. E fizemos algumas dessas coisas. Coisas que tínhamos começado no sábado. E dessa vez, quando sua mão deslizou pelas minhas coxas, entre elas, eu não entrei em pânico. Quando os sentimentos desconhecidos e quase esmagadores cresceram dentro de mim, eu os aceitei, aceitei o desconhecido. Toquei-o sem medo de não saber o que fazer, e aprendi depressa, não havia muito como errar. A única coisa que se podia ouvir no quarto, por cima do meu coração batendo forte, eram os gemidos, profundos e ásperos. Quando terminou, eu estava cansada de um jeito feliz, incrível, que nunca poderia ter imaginado. Eu mal podia descrever como me sentia. Era como ser esmagada, mas de uma forma muito boa, e quando toda essa tensão estranha e inebriante se quebrou, ela me atingiu em ondas. Parecia ser igual para
Rider, porque, quando ele desabou ao meu lado, estava respirando muito rápido e pesado. Uma eternidade se passou antes que eu pudesse falar. — Isso foi... — Eu rolei de lado, encarando-o enquanto cruzava os braços sobre o peito. — Perfeito? — murmurou ele, curvando a mão ao redor da minha nuca. — Foi perfeito. — Sim. — Eu me aninhei mais perto, encaixando a cabeça sob seu queixo, e sua mão deslizou pelo meu pescoço enquanto ele passava o braço em volta de mim. Eu não podia nem imaginar como seria sexo de verdade se o que tínhamos acabado de fazer era tão bom. Então, eu me dei conta de que sexo, pelo menos da primeira vez, provavelmente doeria um pouco. E eu estava feliz que a primeira vez em que eu experimentava algo como isso não fosse marcada por um momento sequer de dor. — Obrigado — agradeceu ele depois de um momento. Levantei a cabeça. — Por quê? Ele sorriu um pouco. — Por confiar em mim para isso. Por tudo. Meu sorriso se espalhou em meu rosto. Eu me apertei contra ele, fechando os olhos. Cada parte do meu corpo estava relaxada, e eu sabia que poderia adormecer, até que ouvi Rider rir. Levantei o queixo e olhei para ele. — O que foi? — Eu só estava pensando. — Suas bochechas coraram. — Cara, isso vai soar brega, mas eu estava pensando que esta é a primeira vez que este quarto pareceu... meu. — Não — sussurrei. — Não é nada brega. Rider roçou os lábios na minha bochecha quando se apoiou no cotovelo. — O que vamos fazer? — Agora? — Sim. Você devia voltar para a escola. Deve estar quase na hora do almoço. — E você? — Acho que vou para a casa da tia deles. Quero estar lá hoje. Sei que vão começar o processo do funeral. O peso da dor voltou. Não era como se tivéssemos esquecido Jayden, mas a dor havia diminuído naqueles breves momentos. Sentindo como se eu
tivesse acordado de um sonho, assenti. — Se eu tiver sorte, a escola ainda não ligou para a minha casa. Carl e Rosa já andam bastante chateados comigo. Suas sobrancelhas se contraíram. — Por quê? Foi difícil manter meu olhar fixo em seu rosto quando ele estava meio que pelado. Eu tinha olhado um bocado, mas queria ver mais. — Mallory? — Ele riu. Eu estava olhando e precisava me concentrar. Minhas bochechas enrubesceram. — Eles ficaram muito chateados depois que lhes contei o que aconteceu no sábado. O sorriso lentamente sumiu de seu rosto. — É compreensível. — Na verdade, não — rebati. — Eles... querem que eu pare de ver você. Suas sobrancelhas se arquearam quando ele se sentou e jogou as pernas sobre a cama. Ele olhou para a porta, o queixo contraído. — Sério? — Sim, eu briguei com os dois — expliquei quando ele se levantou, vestindo a cueca, e por um momento me distraí com os músculos rijos de suas costas. — O que aconteceu com Jayden não foi culpa sua. — Mas você viu aquilo acontecer porque eu a levei àquela casa. — Ele pegou sua calça jeans no chão e, em seguida, a vestiu. — Isso é verdade. Eu discordei. — Você não sabia o que ia acontecer. Rider me encarou, e eu percebi que ele segurava meu sutiã. Corei quando ele me entregou a peça. — Isso não muda o que aconteceu. — Ele desviou o olhar enquanto eu o vestia. — A briga foi muito ruim? — Eu saí de casa. Foi quando fui à sua procura. — Arrastando-me para a beira da cama, encontrei meu suéter e o enfiei pela cabeça. Quando me levantei, o suéter caiu sobre as minhas coxas. — Eles estavam... exagerando. Seu olhar se voltou para mim e, então, deslizou lentamente, fazendo-me enrolar os dedos dos pés contra o tapete fino. Ele não disse nada enquanto pegava o seu jeans e o vestia. Sentei-me na beira da cama, mordendo o lábio inferior enquanto ele terminou de se vestir.
— Eles simplesmente não entendem. É como se esperassem que eu faça todas as escolhas... que eles fariam, escolhas que Marquette faria, e eu não sou eles. Eu não sou ela. — Eles sabem que você não é ela. — Rider caminhou em direção à cama, parando. Sorri quando vi seus pés descalços saindo da calça jeans. — Eles só querem o melhor para você. — Eu sei. — Olhei para ele. — Carl... Ele disse algo que realmente nunca imaginei que diria. Ele disse para Rosa que... essa coisa de brigar... era algo com que ele não tinha que se preocupar com Marquette. — Merda — murmurou Rider, passando as mãos pelo cabelo. — Ele não quis dizer isso, Ratinha. Dei de ombros. Talvez ele quisesse. Eu tinha sido bastante maleável nos últimos quatro anos. — Eu nunca... Eu nunca discordei deles sobre nada, sabe? Devo tanto a eles, então sempre concordei com o que queriam. O que eles achavam melhor. Como o modo como me empurraram toda essa coisa de faculdade de medicina, e eu não quero fazer isso. Mas concordei em olhar aqueles panfletos mesmo assim. Eu nem sei por quê. Acho que quero... — O que você quer? — Acho que quero cursar serviço social. — Esperei que ele risse. Ele não riu. Sentei-me um pouco mais reta. — É algo que faz sentido para mim. Eu poderia ajudar pessoas como você e eu, mas Carl riu e perguntou se eu estava falando sério. Ele disse que eu não ia ganhar dinheiro. — Nem tudo é sobre dinheiro. — Exatamente. — No entanto, o dinheiro ajuda. — Ele fez uma pausa. — Carl parece ser um bom homem. Ele estava com raiva. As pessoas dizem coisas estúpidas quando estão com raiva. — Um músculo se contraiu em sua mandíbula. — Mas eu… — O quê? — perguntei quando ele não terminou. Rider abriu a boca e, em seguida, balançou a cabeça. — Devemos voltar para a escola. Não quero que você tenha mais problemas. Deslizei para fora da cama e encontrei minhas meias. Quando terminei, Rider estava colocando um gorro. Tufos de cabelo ondulado saíam pelas bordas. Ele ficou em silêncio enquanto íamos para o andar de baixo e para o
meu carro. Eu ainda me sentia tensa. Virei a chave na ignição e olhei para ele. — Está tudo bem? — Sim. Tudo bem. — Ele olhou para mim. — Você pode me deixar na casa da tia deles? É no caminho para a escola. Estudei-o por um momento e depois assenti. Eu precisava parar de ser paranoica, falei para mim mesma enquanto seguia suas instruções para a casa da tia. Quando chegamos lá, saí do carro e Rider me encontrou em meu lado. Ele pôs as mãos no meu rosto e deslizou os polegares pelo meu queixo. Baixando a cabeça, beijou-me suavemente, com ternura, um beijo demorado, que me deixou sem fôlego. Eu não sabia o que era, mas algo naquele beijo parecia diferente dos anteriores. Algo nele parecia um pouco triste.
CAPÍTULO 35
Assim que entrei pela porta, Rosa atacou. — Sente-se. Ela só não me arrastou para a cozinha, como também apontou para uma cadeira. Duas canecas esperavam sobre a mesa, e eu senti o cheiro da canela que ela sempre gostava de pôr no chá. Respirando fundo, fiz exatamente o que ela mandou. Não achei que a escola fosse ligar, já que havia assistido à maioria das minhas aulas, e eu não ia perguntar. Enquanto eu esperava que ela falasse, não pude deixar de pensar que a manhã com Rider parecia uma eternidade atrás. Eu estava ansiosa para reviver cada detalhe da próxima vez em que falasse com Ainsley — eu tinha mandado uma mensagem para ela mais cedo, e foi um milagre que a enxurrada de aaaaaaaahs que ela mandou não tivesse quebrado meu telefone. — A primeira coisa que quero dizer é que Carl e eu amamos você — disse Rosa. — Nós te amamos tanto quanto amávamos Marquette, e eu espero que você saiba disso. O que Carl disse ontem não foi legal. Ele estava zangado e preocupado com você. Isso não justifica as palavras dele. Carl lhe deve um grande pedido de desculpas. Colocando o pé na cadeira, abracei meu joelho. Pelo menos parecia que a escola não tinha ligado. — Eu não... quero que ele peça desculpas. — Ele precisa. Balancei minha cabeça. — Eu só quero que ele... Quero que as coisas voltem... — Eu parei, percebendo o que estava prestes a dizer. Eu quero que as coisas voltem a ser como antes. E isso não era verdade. Eu não queria que nada voltasse a ser como antes.
— Você está certa — admiti, levantando o queixo. — Ele tem que se desculpar. — E ele vai. — Ela me observou. — Há algo que você precisa entender sobre Carl. Não é meu papel contar. Só espero que você lhe dê uma chance. Pensei em algumas das coisas que Carl dissera ontem, coisas que fizeram parecer que ele tinha experiência com o que acontecera nesse fim de semana. Apertei meu joelho. — Eu vou. — Que bom! — Ela tomou um gole de chá. — Carl e eu conversamos muito enquanto você esteve fora ontem, sobre você e Rider. Oh, eu não gostava do rumo que isso estava tomando. Estendendo a mão, peguei minha caneca e tomei um gole. O líquido quente atingiu minha garganta, mas não aliviou os bolos no meu estômago. — Nos quatro anos em que você está aqui, nunca levantou a voz para a gente. Você sempre concordou com tudo que queríamos, não importava o que fosse. — Ela fez uma pausa, e meus olhos dispararam para ela. Seus dedos estavam brancos quando ela pôs a caneca sobre a mesa. — Você não quer ir para a escola de medicina, não é? Isso me pegou de surpresa. Meu instinto imediato era aliviar suas preocupações, dizer que sim, porque eu sabia que era isso que ela queria ouvir, mas eu... eu não podia mais fazer isso. — Não — confessei com calma. — Eu não quero. Rosa fechou os olhos por breves instantes e, em seguida, assentiu. — Ok. — Está... tudo bem mesmo? — perguntei, levantando meu outro joelho e passando o braço em volta dos dois. — Sei que não é isso que você quer ouvir. — Eu sempre fui honesta com você, Mallory, e serei honesta agora. Não é o que eu quero ouvir. A carreira de pesquisa te daria estabilidade, mas é o seu futuro. — Ela exalou bruscamente. — E o mais importante é que você esteja feliz. Carl se sente do mesmo modo. Eu meio que duvidava disso. Ela pegou a caneca. — Você está mesmo pensando em serviço social? Sementes de empolgação criaram raízes profundas dentro de mim.
— Sim. — Isso significa alguma coisa para você? Assenti. — Faz sentido. — Ela levou a caneca aos lábios. — Com o seu passado, faz sentido que você sinta paixão, que queira fazer a diferença, e estou orgulhosa que você pense nisso. Não vai ser fácil. A empolgação cresceu depressa, embora Rosa estivesse certa. Seguir uma carreira no serviço social não seria fácil para mim. Eu sabia que trabalharia com casos dolorosamente semelhantes ao meu. Eu sabia que seria um trabalho que levaria comigo para casa no fim do dia, mas seria um trabalho que eu amaria. — Nós vamos apoiá-la, Mallory. Só quero que você saiba disso. Seja a escola de medicina, serviço social ou uma carreira como astronauta, vamos apoiá-la. Um pouco do peso foi tirado do meu peito. — Obrigada. Rosa ficou em silêncio por um momento. — Essa situação com Rider… — Eu o amo — disparei. Seu olhar tornou-se afiado, mas, depois que eu disse essas palavras em voz alta, eu não queria retirá-las. — Eu o amo. Não vou parar de vê-lo. — Querida, eu... — Ela se inclinou, colocando a mão no meu joelho dobrado. — Eu sei que você acha que está apaixonada, mas vocês dois têm esse passado em que eram apenas você e ele contra o mundo. Entendo por que você pode pensar que se sente assim, depois de tudo o que vocês dividiram. O que ela disse não parecia loucura. Parte de mim poderia até entendê-la. — Como você sabe que está realmente apaixonada por alguém? Rosa abriu a boca, mas não falou quando retirou a mão do meu joelho. — Como você sabia que estava verdadeiramente apaixonada por Carl? Como alguém sabe de verdade? — Balancei a cabeça. — Não acho que se possa... mas eu sei como me sinto agora. Talvez isso mude. Eu não sei, mas não... — Endireitei meus ombros. — Não me diga que não sei o que estou sentindo ou o que sentir. Ela se sentou reta. — Porque eu sei que o que sinto por ele é forte. Eu sei que é amor. Ele...
ele me aceita, sempre me aceitou, mas ele não espera que eu continue a mesma e, quando falho em alguma coisa na frente dele, ele não faz com que eu me sinta mal por isso — argumentei, tentando colocar em palavras o que estava em meu peito. — Ele me faz sentir bem comigo mesma, com ele. Os olhos de Rosa se arregalaram enquanto eu falava. — Ok — disse ela depois de um momento. — Eu não vou lhe dizer como se sente. Agora que eu começara a falar, não ia parar tão cedo. — Eu sei que ele faria qualquer coisa para garantir que eu esteja feliz e segura e, confie em mim, ele odeia que eu tenha visto o que aconteceu no sábado. Carl não pode culpá-lo por isso. Ele já se culpa, mas não foi culpa dele, e eu odeio... definitivamente, odeio que o que aconteceu com Jayden tenha, de alguma forma, se voltado contra mim e Rider. Isso não está certo. Isso está ofuscando o que aconteceu com Jayden e é errado. As sobrancelhas dela se ergueram. E eu ainda não tinha terminado. — Eu sei que vocês não confiam em Rider e acham que ele não tem futuro, mas o que vocês não sabem é que ele está tentando. Ele está de verdade e, mesmo que ele decida que não quer ir para a faculdade, isso não diminui a pessoa que ele é. Isso não significa que ele não mereça seu respeito. Ele é brilhante e incrivelmente talentoso. A última coisa de que ele precisa é outra pessoa que não acredita que ele vale a pena. Ela desviou o olhar quando apertou os lábios. — Não acho que ele não valha a pena, Mallory. Eu só... não sei o que pensar. Meu coração estava disparado, batendo em staccato. — Só quero que vocês tentem de verdade... tentem ver o que vejo nele. Rosa sorriu levemente. — Nós só queremos o melhor para você e, às vezes, por querermos isso, erramos. — Estendendo a mão mais uma vez, ela a pôs sobre a minha e apertou. — Nós podemos tentar, querida. Nós vamos. Fechei os olhos. — Obrigada. Havia um sorriso em sua voz quando voltou a falar. — Não sei se você percebe isso ou não, Mallory, mas você não é a mesma menina que trouxemos para casa. Isso é uma coisa boa. — Sua mão apertou a
minha de novo. — Isso é muito bom. Ela estava certa. Eu não saberia dizer o momento exato que me tornei uma Mallory diferente. Talvez porque não fosse apenas um momento, mas uma combinação de centenas, talvez milhares deles. Não foi só estar frequentando a escola pública ou sentando com Keira no almoço. Não foi a decisão consciente de me desafiar, fazendo aula de oratória. Não foi apenas finalmente me abrir sobre meu passado com Ainsley. Não foi apenas o dia no corredor, quando olhei além da maldade nas palavras de Paige e vi a dura verdade por baixo delas. Não foi só o que aconteceu com Jayden e ver a vida sendo arrebatada. E não foi apenas me reconectar com Rider, ou me apaixonar por ele. Foi tudo. Foi tomar a decisão de fazer coisas que me assustavam. Foi encontrar a coragem de, no terceiro dia de aula, caminhar até a mesa de Keira. Foi a coragem de fazer um discurso na hora do almoço, e depois outro, mesmo que eu só tivesse uma pessoa na plateia. Foi falhar na festa de Peter, mas perceber que estava tudo bem. Foi aceitar que meu passado seria sempre parte de mim e dos que estavam perto de mim. Foi descobrir algo pelo qual eu era apaixonada, algo que me fazia feliz. Foi perceber que eu não devia a vida a Carl e Rosa. Que meu amor por eles era suficiente. Que eu não tinha que me tornar uma cópia de sua filha. E conhecer Jayden tinha me mudado de uma forma que eu sabia que ainda passaria a vida tentando entender. Foi reencontrar Rider, e me permitir me apaixonar por ele. E saber que eu ainda podia ter... medo de tudo, mas não deixar que o medo me impedisse de viver. A percepção não aconteceu por conta de algum tipo de epifania de parar a Terra. Foi sutil e lenta, uma combinação de mil momentos em um só, mas, enquanto eu estava sentada na mesa da cozinha com Rosa, eu sabia que era verdade. Eu havia mudado. Keira olhava para seu prato intocado. — Eu ainda não consigo acreditar — dizia. A mesa estava em silêncio. — Ele simplesmente estava aqui, sabe? Na semana passada, ele entrou neste refeitório e me convidou para sair.
— Enquanto roubava as batatas fritas do meu prato — acrescentou Jo. — E então se ofereceu para me levar para sair. — Ele estava sempre fazendo coisas assim. — Keira deu uma risada abafada. — Isso é uma droga. Não há outra palavra para isso. Era verdade. — Ouvi dizer que a polícia pegou Braden ontem à tarde — disse Anna, mantendo a voz baixa. — Eu não conhecia Braden direito, mas ele tem o quê? Dezoito anos? Como é possível matar alguém quando se tem 18 anos? Isso é simplesmente insano. — Como é possível ser assassinado aos 15 anos? — murmurou Jo. Keira e as meninas não sabiam que Rider e eu estávamos lá quando Jayden foi morto. Surpreendentemente, isso não era algo que tinha sido revelado, e não era algo que eu realmente estivesse disposta a compartilhar com ninguém além de Ainsley. Era estranho ver as vidas que Jayden afetara, saber que ele provavelmente nem tinha percebido quanto impactara os colegas. E havia o outro lado; as pessoas que só sabiam que um garoto tinha morrido, mas não se lembravam de seu rosto. Não era como se eles não reconhecessem a perda. Isso só não afetava suas vidas. Aquele dia era apenas uma terça-feira qualquer para eles. Quarta-feira não seria diferente. No sábado, eles não iriam ao enterro de um garoto de 15 anos. Em suas mentes, o para sempre ainda existia Mas nós sabíamos que não. Nós todos acreditamos ter a garantia de que as coisas que amamos vão durar para sempre. Mas o problema do para sempre é que ele realmente não existe. Jayden não tinha acreditado que seus dias estavam contados. Ele tinha feito planos, tinha outros objetivos, e provavelmente acreditava que ele teria o para sempre. Ainsley tinha presumido que teria sua visão para sempre. Ela não teria isso, algo que todos nós achamos que é garantido, para sempre. Em seguida, havia eu. Eu achava que seria para sempre travada daquele jeito, sempre com medo, sempre precisando de alguém para falar por mim. Aprendi a lidar com meus medos, encontrei minha voz, e percebi que Carl e Rosa me amariam mesmo que eu não fosse perfeita. O para sempre não era real. E eu imaginei, que para mim, isso era uma sorte. Mas, para os outros, eu desejava que fosse real, que eles tivessem o para sempre.
Tomando meu lugar nos fundos da aula de oratória naquela tarde, pegueime olhando a cadeira vazia de Hector. Quando ele voltaria? Eu não podia sequer imaginar o que ele devia estar passando. Quando Rider e eu fomos separados, parecia que ele havia morrido. Os meses subsequentes tinham sido solitários e sem fim, mas eu sabia que Rider ainda estava vivo. Minha própria dor e perda não tinham sido nada perto disso. A surpresa me atravessou quando vi Rider entrar na sala. Eu e ele tínhamos trocado mensagens na noite anterior, e ele dissera que iria à aula, mas eu realmente não achava que ele fosse aparecer, pois sabia que ele queria ficar ao lado de Hector. Rider ainda não tinha feito a barba e usava a mesma roupa da véspera. O medo que eu sentira, quando o deixei na casa da tia de Hector, ressurgiu. Rider parecia destruído. — Oi — cumprimentei, quando ele se sentou ao meu lado. O velho caderno caiu na mesa. — Você... Meu Deus, é uma pergunta idiota, mas você está bem? Ele assentiu lentamente enquanto olhava para mim. — Sim, só cansado. Mas era mais que isso. — Podemos ficar juntos depois da aula? — perguntou quando o sinal tocou. — Só um pouco? — Sim. Claro — respondi, sorrindo, mesmo que não fosse um sorriso real. O temor que senti cresceu durante a aula, e eu mal ouvi o cronograma do próximo discurso que o Sr. Santos dissera. Eu teria que fazer o meu durante o almoço na próxima terça-feira. Rider faria o seu na quarta. Eu ainda não tinha terminado o meu discurso. Mas eu realmente não estava focada nos exemplos que Sr. Santos dava. Estava ocupada demais observando que Rider não me olhou nos olhos. Não quando se sentou. Nem quando ele olhou para mim e nenhuma vez durante a aula. Quando o sinal enfim tocou, pulei na minha cadeira, assustada. Ordenei a mim mesma que relaxasse enquanto arrumava a mochila. Rider esperou à minha mesa, o olhar fixo na frente da sala. — Você está pronta? — perguntou ele, a voz estranhamente monocórdia. Meu estômago revirou quando assenti, e eu só consegui acenar
desanimadamente para Keira saindo da sala. Nós não falamos nada até estarmos do lado de fora, caminhando lado a lado sob o céu nublado. — Rosa e Carl não estarão em casa por um tempo — comecei, torcendo os dedos em volta das chaves. — Quer ir até lá? Suas sobrancelhas se franziram, e, por um momento, pensei que ele fosse dizer não. — Sim, está bem. Não falamos nada no caminho, e meus nervos estavam em frangalhos quando entramos. Larguei minha mochila nos degraus. — Hum, você quer alguma coisa para beber? — ofereci, caminhando em direção à sala de estar. — Não. — Ele me seguiu lentamente, parando junto do armário de louça para olhar as esculturas de sabão. — Estou bem. Deixei minhas chaves na ilha, fui até a geladeira e peguei uma Coca-cola para mim. Um tremor percorreu meus braços enquanto eu voltava para a sala de estar. Sentei-me no sofá e fiz menção de pegar o controle remoto. — Podemos assistir a um filme ou... — Na verdade, quero falar com você. — Oh. — Eu brinquei com o anel da lata de refrigerante. — Ok. Ele deu a volta da mesa de centro e se sentou-se no sofá... na terceira almofada, deixando uma almofada inteira entre nós. Meus dedos se detiveram na lata. — Eu não sei como dizer isso — começou ele, apoiando os cotovelos nos joelhos. Ele balançou a cabeça devagar. — Eu realmente gosto de você, Mallory. De verdade. Oh, Deus! Pus o refrigerante na mesa de canto antes que o derrubasse. — Eu realmente me importo com você. Eu... Eu te amo, Rider. Ele trincou o queixo. — Ontem foi um erro. Meus lábios se abriram em uma inalação afiada. Eu não o ouvi direito. Eu não podia ter ouvido direito. — Não é que eu não tenha gostado do que... do que fizemos. Eu gosto... gostei, mas isso não pode continuar. Não podemos ficar juntos. Não desse jeito — disse ele no mesmo tom. — Sinto muito. Por vários momentos, tudo o que eu pude fazer foi olhar para ele. Tentei
processar o que ele dizia, mas o sangue latejando em minha cabeça dificultava as cosias. — Eu... eu não entendo. — Nós não podemos ficar juntos — repetiu ele, ainda sem olhar para mim. Uma rachadura se abriu em meu peito, e eu precisei tomar ar, porque parecia tão real, uma linha de dor aguda. — Nós podemos ser amigos, mas é só... é só isso. — Eu não quero ser só sua amiga — explodi, inclinando-me para a frente. — Você disse que me amava. Ontem mesmo. — Minha voz ficou presa enquanto o nó crescia na minha garganta. — Há pouco mais de 24 horas. Eu não entendo. Ele pôs a mão na testa. — Eu te amo. — Então por que está dizendo que não quer ficar comigo? — Pus a mão no sofá, me segurando, porque parecia que tudo estava girando. Como se o mundo inteiro estivesse tremendo. — Isso não... faz sentido. — Eu simplesmente não posso ficar com você. Acabou. Então, aconteceu a coisa mais estranha. Um sensação de alívio estranha, quase sufocante, me atingiu. Tinha acabado. Eu poderia simplesmente voltar... Eu parei. Tudo parou. Aquela não era mais eu. Eu não desistia e cedia só porque era fácil. Eu não era mais ela. — É melhor assim, Ratinha. — Não me chame de Ratinha — disparei quando a raiva inundou meu corpo, suplantando a dor e varrendo o sofrimento para longe. — Eu não sou Ratinha. Aquela menina não existe mais. Rider recuou como se tivesse lhe dado um tapa. — Mallory... — Não. Não olhe para mim como se tivesse magoado você. — Eu me levantei do sofá, as mãos cerradas em punhos. — Você precisa me dar uma explicação melhor do que apenas “porque sim”. Você me deve isso. Ele levantou o queixo, os olhos brilhando quando enfim olhou para mim. As sombras debaixo deles estavam mais profundas, mais escuras. — Você não entende?
— Não. É claro que não. Rider olhou para mim por um momento. — Você merece alguém melhor que eu. Meu queixo caiu. — E você não devia brigar com Rosa e Carl por minha causa. Eles acolheram você, lhe deram o mundo, e eu não vou ficar entre vocês — argumentou ele, e acho que ele continuou falando, mas eu realmente não estava ouvindo. Você merece alguém melhor que eu? Não tinha sido a mesma coisa que Paige dissera, antes de falar que era o contrário? Tinha, sim. — Você está falando sério? — Eu o interrompi. — Você está falando sério agora? Ele engoliu em seco. — Sim, Ra... Mallory, estou falando sério. Eu ri, mas não havia nenhum humor no som. — Então deixe-me ver se entendi. Você está terminando comigo porque é o melhor para mim. Porque você não quer ficar entre mim e minha família? — Não havia pausas em minhas palavras agora. — Por causa do que aconteceu nesse fim de semana. Endireitando-se, ele levantou as mãos. — É mais que isso, Mallory. Você e eu... não somos iguais. Nós éramos, mas não mais. Você vai seguir um caminho novo, e eu vou continuar o mesmo. É assim que vai ser. Minhas mãos se abriram. Engraçado. Durante muito tempo parecia que todos ao meu redor estavam avançando, enquanto eu ficava sentada, imóvel e travada, mas esse tempo todo eu realmente estava me movendo, e Rider não. — Você está muito enganado — sussurrei. Suas sobrancelhas se ergueram. — Sério? — Sim. Sério. Suas bochechas coraram. — Você sabe o que nós éramos? Lixo — continuou ele, os olhos piscando. — Era como éramos tratados. Não há como florear essa merda. Nossos pais não nos quiseram. Ou talvez simplesmente tenham morrido em um trágico acidente de carro ou não podiam nos sustentar. Quem vai saber? Eu
perguntei. Você sabe disso? Nenhuma resposta. Ninguém se importava o bastante para descobrir. E a Srta. Becky e o Sr. Henry? Nem vale a pena falar disso. E o orfanato para onde fui depois? Eles tentaram... a equipe. Eles realmente tentaram, mas não podiam ficar de olho em tudo. Quando a Sra. Luna apareceu já não havia mais sentido em nada! Fiquei pálida. Uau! Eu não estava esperando tudo isso. Ele não tinha terminado: — Você saiu de tudo isso. Eu não. O que você tem é real. Eu não tenho isso. Eu só estou fingindo. Estremeci. — Eu não entendo. A família de Hector é boa. Como você pode dizer que eu saí e você não? — Não é a mesma coisa. Sou apenas temporário. Não é nada parecido com o que você tem com Carl e Rosa. Olhando para ele, balancei a cabeça. — Isso é a mais completa... merda. Ele piscou. — Você acabou de falar palavrão? — Sim. Sim, eu falei, porque isso é merda — repeti. — A família de Hector se importa com você. Eu não conheço a Sra. Luna muito bem, mas bastaram dois minutos perto dela para eu ver que o considera como um de seus netos. Todos eles se importam com você. Eles não o tratam de forma diferente, ou como se você fosse um fardo. Rider não disse nada. — Ou tratam? — perguntei. — Será que eles o tratam como um fardo? O músculo de sua mandíbula latejava. — Não, mas... — Mas nada! — gritei, e ele pulou novamente. Foi provavelmente o mais alto que eu já tinha falado em toda a minha vida, mas, caramba, descrença e frustração me atingiram. — Eles amam você, Rider. E eles precisam de você agora, mais que nunca. Hector acabou de perder seu irmão. A Sra. Luna está enterrando seu neto mais novo, um garoto que uma vez me disse que você era como um segundo irmão para ele. Ontem você disse que queria estar lá para eles, mas como pode fazer isso se você se recusa a reconhecer que eles são sua família e você é a deles? — Respirei fundo, mas não adiantou nada. — Você sabe o que eu lhe disse ontem? É verdade. É a mais pura verdade. Você
desistiu de si mesmo antes que eles tivessem uma chance! — Mallory... — E está fazendo isso com a gente! Você está desistindo da gente antes mesmo de começar. E, pior ainda, você está me usando como desculpa. Vai fazer o que sempre fez: me proteger quando não deveria. — Isto não é como antes — afirmou ele, calmamente. — Sim. É, sim. Você não tem o menor senso de autopreservação. — Dei um passo em direção a ele, mas parei. Se eu chegasse mais perto, poderia jogar uma almofada nele. — Sempre achei que você tinha assumido o papel do cavaleiro de armadura brilhante, mas eu estava errada. Você é apenas um mártir. Ele me olhava como se eu tivesse pegado uma almofada e batido nele. — O que há com você, Rider? É tão assustadoramente inteligente e extremamente talentoso, mas você... você... — levantei a mão e apontei para ele — você não tenta e, no momento em que algo fica difícil, corre. Você desiste. Esse não era o Rider que conheci quando era criança. Você era um lutador naquela época, mas, no momento em que mais importa, quando se trata da sua vida, você simplesmente desiste. — Eu não… — Desiste, sim. — Lágrimas abriram seu caminho até o fundo da minha garganta enquanto eu olhava para ele. Deus, isso não era justo. Era extremamente injusto. — Eu me sentei naquela cozinha ontem e disse a Rosa que amo você. Eu disse a ela para não me dizer como eu me sentia e pedi que lhe desse uma chance. Ela prometeu que o faria. E agora você está aqui me dizendo que o que você tem não é real. Você não pode simplesmente dizer isso sobre seu lar adotivo. E sobre mim... sobre nós. Você está dizendo que nosso amor nunca foi real. Rider fez uma careta e fechou os olhos. Minha respiração estava trêmula. — Você chegou a preencher os formulários de aptidão que peguei para você? Ele não respondeu. — Você preencheu? — Não — sussurrou. Meu coração se partiu. — O menino que você fica pintando... o do armazém e da galeria? Esse
menino é você, não é? Rider não disse nada. — Não é você do passado — sussurrei. Seu belo rosto borrado. — É quem você é. Ele fechou os olhos. — E sabe de uma coisa? Esse tempo todo eu achava que era eu a confusa. Que tinha sido eu que saíra daquela casa maldita danificada e destruída. Achei que fosse eu. — Minha voz falhou quando me afastei. — E não fui eu. Foi você. Sempre foi você. Seu olhar se ergueu para o meu, e a dor em seus olhos foi como um soco no estômago, porque ele estava fazendo isso com ele mesmo. E, Deus, isso doía mais que qualquer outra coisa. Era sobre ele. Não sobre mim. Sempre fora sobre ele. Ele pusera aquele peso em seus ombros; encontrava culpa e responsabilidade sempre que podia, e abraçava essa bagunça. Não era eu desistindo dele. Era sempre ele desistindo de si mesmo. Foi então que me ocorreu, e fiz um grande esforço para engolir o soluço. — Você está travado — sussurrei. Rider enrijeceu. — É verdade. — Deslizei as mãos nos quadris. — Você teve anos... dezoito anos para se sentir assim. Nenhuma conversa vai desfazer anos dessa sensação de que você não é nada, de ignorar todos ao redor que diziam que você tinha importância. Os Luna não puderam corrigir isso. Oh, meu Deus, eu não posso consertar isso. Não posso mudar isso. Eu teria tentado... — Minha respiração ficou presa novamente. — Eu teria tentado, porque eu te amo, eu te amo infinitamente, mas só você pode mudar isso. Não eu. — Mallory. — Ele se levantou e deu um passo em minha direção. — Não. — Estendi a mão e tentei não reparar como ela tremia. — Você... você tem que ir embora. Ele empalideceu. — Eu... — Por favor. Apenas vá embora. Vá. — Eu podia sentir meu rosto começar a enrugar. — Não há mais nada que eu possa dizer. Vá. Rider hesitou, e, por um segundo, doce e esperançoso, achei que ele fosse me ignorar. Achei que talvez algo que eu disse o tivesse alcançado, desencadeado alguma coisa, e que fosse lutar por nós, por ele.
Mas não. Ele se virou e caminhou em direção à porta, e, em transe, eu o segui. Eu queria continuar a segui-lo. Queria gritar para ele. Queria que ele visse o que eu via nele, o que eu sabia que Rosa e Carl veriam se tivessem uma chance. Mas eu não fiz isso porque como eu poderia lutar por ele se ele próprio não lutava por si? Então fiz o que eu nunca pensei fazer. Fechei a porta para Rider.
CAPÍTULO 36
Meu peito era uma concha oca, vazia. Ok, talvez eu esteja exagerando um pouco, pensei, enquanto olhava o teto do meu quarto. Mas era como eu me sentia desde que havia fechado a porta para Rider, na véspera. Eu tinha me escondido no quarto. Não fui à escola quarta-feira. Uma vergonha, mas eu simplesmente não consegui. Os últimos dias tinham sido mais do que eu podia suportar. Eu havia experimentado rodos os altos e baixos possíveis. Amor. Perda. Amor. Perda outra vez. Eu precisava de uma pausa. Precisava de um tempo em silêncio. Então tirei esse tempo. Isso tinha sido algo que aprendi durante meu tempo com o Dr. Taft. Quando a pressão é esmagadora, quando você está estressada e a ponto de se sentir quebrado, é hora de tomar um fôlego. Ele era incisivo sobre os dias de saúde mental. Eu me lembrava dele resmungando sobre como, se alguém tossia, recebia uma folga do trabalho, mas se estava mentalmente cansado, esperava-se que a pessoa vivesse com isso. Eu disse a Rosa que não estava me sentindo bem e, considerando que ela não mediu minha temperatura nem me entupiu de remédios, percebi que ela sabia que o que me manteve na cama não era algo que ela pudesse tratar. Meu peito doía. Parecia vazio, mas o vazio doía. Eu odiava que Rider tivesse feito aquilo, logo agora que ele estava ferido pela perda de Jayden e eu não podia ficar ao seu lado. Agarrando o travesseiro junto ao peito, rolei para o lado e fechei bem os olhos. Finalmente, percebi que eu tinha mudado e, ao mesmo tempo, descobri que Rider não. Dobrei os joelhos contra o travesseiro enquanto me lembrava do primeiro
dia de aula, a primeira vez que vi Rider. Repassei todas as vezes que ficamos juntos e tudo o que dissemos um para o outro. Os sinais estavam todos lá. Eu os havia notado, mas eu não sabia quão profundas eram as cicatrizes em Rider. Estava muito envolvida em tudo o que eu estava fazendo e em como Rider fazia eu me sentir. Haveria algo que eu pudesse ter feito semanas ou meses antes? Eu não tinha certeza. Foram necessários quatro anos para eu começar o processo de mudança e, mesmo que eu não fosse a mesma garota de antes, ainda não tinha terminado minha jornada. Rider, por sua vez, ainda não dera nem o primeiro passo. Keira mandou uma mensagem de tarde, perguntando se eu estava bem. Eu disse que estava passando mal e, em seguida, larguei o celular ao meu lado na cama. Amanhã. Amanhã eu me levantaria e iria à escola. Eu não podia ficar na cama para sempre. Sábado eu iria ao funeral de Jayden, e estaria lá para Rider se ele precisasse de alguém com quem conversar. Eu não podia deixar de fazer isso, mas era só até onde eu iria. Estava disposta a lutar para que ficássemos juntos, mas não podia lutar sozinha. Rider teria que lutar também. E ele tinha escolhido não lutar. Meus olhos estavam úmidos, mas as lágrimas não caíram quando passei o dia na cama. O sol tinha começado a se pôr quando ouvi uma batida tranquila na minha porta antes de ela se abrir. Sentei-me quando Carl entrou, usando o uniforme azul-claro. — Como está se sentindo? — perguntou ele, parando a poucos passos da cama. Parte de mim queria mentir, porque eu não tinha certeza se eu tinha energia para falar com Carl caso essa fosse sua intenção. Eu não tinha. — Sim, estou me sentindo melhor. — Quer um pouco de companhia? Assenti e, então, me arrastei mais para cima, me apoiando na cabeceira. Levei o travesseiro comigo, agarrado ao peito. Carl sentou-se na beira da cama e inclinou o tronco para mim. — Tem sido uma longa semana, hein? Assenti mais uma vez. — E está só na metade — refletiu ele, com um sorriso breve. Ele virou a
cabeça, e notei que o grisalho em sua têmpora estava se espalhando, salpicando a lateral. — Você vai à escola amanhã? — Sim. — Eu pigarreei. — Esse é o plano. — Isso é bom. Com as férias chegando, você não vai querer ficar muito para trás — disse ele, cruzando uma perna sobre a outra. — Sei que você conversou com Rosa na segunda-feira, e eu teria falado com você antes, mas o hospital tem estado uma loucura. Com o tempo frio e os aquecedores de querosene usados indevidamente, tive cirurgias o tempo todo. — Ele olhou para mim por um momento. — Mas venho querendo conversar com você. Preciso pedir desculpas pelo que falei. A necessidade inerente de lhe dizer que estava tudo bem era difícil de ignorar, mas consegui. Esperei em silêncio. — Rosa e eu sabemos que você não é Marquette. Nós não a adotamos para substituí-la — começou ele. — No momento que decidimos adotá-la, você se tornou nossa filha, tão importante quanto Marquette e tão incrível quanto ela era. Meu peito apertou, então agarrei mais o travesseiro. — Nós somos seus pais, e os pais... eles fazem besteira. Sei que o meu fazia. É inevitável, e eu errei no domingo. Na hora da raiva e da frustração, disse algo que não deveria ter dito. E sinto muito. Sei que feri seus sentimentos e a chateei, e realmente sinto muito por isso. Apertando os lábios, assenti e desejei que o aperto no meu peito fosse embora. Em vez disso, ele parecia aumentar. — Eu te desculpo — falei. E realmente desculpei. — Fico feliz de ouvir isso. — Ele sorriu de novo quando seu olhar encontrou o meu. — Rosa me contou o que você disse a ela sobre Rider, e quero lhe dizer que você está certa. Eu realmente não estava dando uma chance a ele. Rider era a última coisa sobre a qual eu precisava falar. — Nós não... — Não. Precisamos. Apenas me ouça, está bem? — O pedido sincero em seu tom me obrigou a ficar de boca fechada. — Eu tenho sido muito crítico com Rider. Deixei meus próprios preconceitos e experiências ficarem no caminho, e isso não é certo. Pensei no que Rosa dissera na véspera sobre Carl ter a própria história para contar.
— Eu tinha um irmão — revelou ele, me surpreendendo. — Seu nome era Adrian. Ele era apenas dois anos mais velho que eu. A cidade não era como é hoje, mas havia problemas na época. A violência nas ruas não é novidade e, assim como agora, ela sempre atingiu muitas vidas. Algumas mais intimamente que outras. — Ele passou os dedos pelo cabelo. — Nem sempre foram armas. Às vezes, eles usavam facas e bastões de beisebol, qualquer coisa em que pudessem pôr as mãos, e às vezes eram apenas as mãos nuas. Qualquer coisa, até mesmo os punhos, podem ser armas mortais. Ah, droga, eu podia sentir aonde essa história ia chegar, e me senti mal. — Adrian estava sempre metido em problemas. Ele abandonou a escola quando eu era calouro. Para ser honesto, nem sei o que ele estava fazendo. Éramos opostos de muitas maneiras, mas ele sempre parecia ter dinheiro e eu era esperto o suficiente para saber que aquilo não vinha de um lugar bom. Na década de 1970, os empregos já estavam começando a ficar escassos e restavam poucas oportunidades — explicou. — Enfim, eu me lembro de Adrian estar em casa numa quarta-feira. Lembro-me de minha mãe chateada, chorando. E me lembro de nosso pai o mandando ir embora. Não tenho certeza do que exatamente aconteceu, e meus pais nunca conversaram de verdade comigo a esse respeito. Eu acho que eles se culpavam. Se não o tivessem mandado ir embora, ele ainda estaria vivo ou algo assim. Carl inclinou a cabeça para trás e suspirou. — Ele foi morto cerca de uma semana mais tarde. Taco de beisebol na cabeça. Não era o lugar nem a hora errados. Não sabemos por que ele foi morto. A polícia suspeitava de drogas, mas eles realmente não olharam para sua morte com muita atenção. Adrian era apenas mais um rapaz que eles recolhiam das ruas. — Isso é... isso é horrível. — Será que eles tinham pensado isso quando foram acionados por causa de Jayden? Eu já sabia a resposta. Só não queria pensar nela, e isso não dizia coisas muito boas sobre mim. Seus olhos escuros brilharam. — Adrian fez algumas escolhas ruins. Assim como imagino que esse seu jovem amigo tenha feito. Não torna mais fácil lidar com isso. E não impede ninguém de se perguntar o que poderia ter acontecido se uma vida não tivesse sido desperdiçada. — Oh, meu Deus! — exclamei, olhando para ele. — Eu não sabia. — Você não tinha como saber. É algo que não fico falando. — Ele fez uma
pausa, pensativo. — Talvez eu devesse ter encontrado algumas razões para falar a esse respeito. Mas ele dera pistas ao longo dos anos, coisas que dizia que, de repente, faziam sentido. — Sinto muito. — Foi há muito tempo, mas obrigado. — Ele estendeu a mão, acariciando minha perna sob o cobertor. — Quando Rider apareceu, eu não pude deixar de pensar em Adrian. Ele me fez lembrar do meu irmão. A falta de cuidado como levava a vida, como se simplesmente não desse a mínima. Baixei os olhos, odiando a verdade dessas palavras. Eu não tinha certeza se Rider dava a mínima para si mesmo ou não. Eu costumava pensar que sim. — E o que aconteceu com aquele garoto realmente me afetou. Deixei minha própria experiência ficar no caminho. Eu não conheço Rider. Talvez eu esteja errado. Espero que sim e, pelo que Rosa me disse, provavelmente estou. Meus olhos encontraram os dele, e eu soube o que ele estava dizendo, e não tive coragem de lhe dizer que não importava mais. Seu olhar sustentou o meu. — Vou tentar. Haverá momentos em que vai parecer que não estou tentando, mas estarei. Quero que você se sinta feliz e segura. Você é inteligente o suficiente para fazer boas escolhas. Eu me esqueci disso. Oh, meu Deus! Ah, cara. Lágrimas ardiam no fundo dos meus olhos. — E há mais uma coisa que queria lhe dizer. Sei que tenho sido duro com você sobre a escola de medicina. Eu estava errado sobre isso também. Rosa me disse que você realmente parece interessada em serviço social, e que eu devia ter escutado quando você falou disso pela primeira vez — admitiu ele, e eu finalmente larguei o travesseiro que agarrava como minha vida dependesse disso. — Acho que é um caminho admirável, e com isso, você provou que vai fazer escolhas inteligentes. Agora eu vejo isso. Vários segundos se passaram. Eu estava congelada, e não havia nada ali para mim além daquelas palavras se repetindo. Então, algo se partiu dentro de mim, e foi uma boa ruptura. Pulei para a frente e passei os braços em volta dos ombros de Carl, quase o derrubando da cama. Ele nos equilibrou e me abraçou de volta. Pela primeira vez em anos, o nó não ficou preso na minha garganta. A emoção não me sufocou. As lágrimas
nĂŁo desapareceram. Elas rolaram, livres.
CAPÍTULO 37
A borboleta estava me provocando. Olhei para o desenho que Rider fizera de mim no dia em que Jayden morrera — não, ele não morrera. Ele tinha sido assassinado. Havia algo nessa palavra que tornava mais difícil pensar nela e pronunciá-la, mas eu me forcei a rotular corretamente o que acontecera com Jayden. Ele não tinha morrido como Marquette, de uma causa trágica, natural. Ele não tinha morrido em um acidente de carro inesperado. Ele tinha sido assassinado em um ato de violência sem sentido, como o irmão de Carl. Meu olhar se desviou para a borboleta esculpida em sabão e depois voltou para o desenho. Uma estava completa; a outra, não. Fechei os olhos e me afastei enquanto minha mente flutuava de volta para o longo dia na escola. Rider parecia acabado na aula e mal havia murmurado um oi, e era como se houvesse um milhão de quilômetros entre nós. No fim da aula, por um instante pensei que ele estava prestes a me dizer alguma coisa, mas ele mudou de ideia. Tudo o que disse foi tchau e então saiu. Keira notou a diferença entre nós imediatamente e não demorou muito para descobrir que Rider e eu... que não estávamos mais juntos. — Pode ter sido apenas o que aconteceu com Jayden e tudo mais. Você não pediu meu conselho, é óbvio, mas... não desista, Mallory. Qualquer um pode ver que vocês foram feitos um para o outro. Eu sabia que o assassinato de Jayden cobrara um preço alto de Rider, mas essa não era a única coisa que ele enfrentava. O que havia de errado com Rider era algo não só profundo, mas também gravado em seus ossos e enraizado nas fibras de seus músculos. Eu não sabia o que poderia mudar o modo como ele se via, ou se alguma
coisa podia mudar isso. Tudo o que eu sabia era que eu tinha levado anos para chegar aonde estava hoje, e ainda havia muito trabalho a fazer. Por mais que eu quisesse acreditar que essa mudança era possível para Rider, eu sabia que ela não aconteceria até que ele estivesse pronto. E ele não estava. — Precisamos conversar. Minhas costas se retesaram quando eu estava de frente para meu armário na sexta-feira, antes do almoço. Nada de bom vinha depois que Paige dizia essas palavras. Eu não tinha ideia do que ela achava que tínhamos para conversar, mas fechei a porta do armário e a encarei enquanto começava a enfiar o texto do meu discurso na mochila. Parei quando a vi. Os olhos de Paige estavam inchados e vermelhos. Seu cabelo estava preso para trás em um rabo de cavalo baixo, e o moletom que ela vestia era um ou dois tamanhos maior que ela. Ela respirou fundo, e seus ombros se endireitaram enquanto ela olhava para mim. — Você e eu realmente não nos damos bem e só temos, bem, uma coisa em comum. — Ela afirmou o que acreditava ser óbvio, mas tínhamos mais em comum do que ela percebia, e talvez por isso que não houvesse uma pitada de animosidade em seu tom. — E é Rider. Fiquei tensa. — Eu não sei o que está acontecendo entre vocês dois, mas achei muito cruel você ter terminado tudo depois do que aconteceu com Jayden. Meu queixo caiu. — Eu terminei tudo? Um lampejo de surpresa cintilou em seu rosto. Provavelmente porque essas três palavras foram ditas a ela sem um momento de hesitação. Ela escondeu a surpresa rapidamente. — Não banque a idiota. Você terminou com Rider logo depois que ele viu seu amigo, um amigo que ele considerava um irmão, morrer. Eu estava vivendo em um universo alternativo? — Eu não terminei com Rider. — Mentira. — Ela baixou o queixo, estreitando os olhos. — Ele já estava sofrendo pelo que aconteceu com Jayden, e agora ele está terrivelmente deprimido com toda essa droga. Inacreditavelmente confusa, eu balancei a cabeça.
— Eu não sei o que Rider lhe disse, mas eu... eu não terminei com ele. Paige riu com escárnio. — Eu sei que você está mentindo, porque a última coisa que ele faria seria dispensar sua preciosa Ratinha. Minhas sobrancelhas se ergueram. — Deus, você sabe quantas vezes ele falou de você ao longo dos anos? Como você era perfeita, gentil, doce e inteligente? Para mim? Sabe, a garota com quem ele estava até que você reapareceu? Eu me perguntava quão rude seria se eu batesse na cabeça dela com o livro que segurava nas mãos. — Então eu sei que é mentira. Ele nunca faria isso. Você fez isso depois de ir à casa dele no domingo e nos pegar dormindo no sofá — acusou ela. — Não aconteceu nada entre nós. Não que eu não fosse ficar empolgada se tivesse acontecido. Meus olhos se estreitaram, e minhas mãos se apertaram em torno do livro. Era um livro muito grosso. — Eu sabia que você partiria seu coração. Ele ama você e... — Se Rider disse que terminei com ele, então é ele que está mentindo. — Irritada, enfiei meu livro na mochila e puxei o zíper. — Eu não terminei com ele por causa de domingo... ou por qualquer outro motivo, porque eu não terminei com ele. Olha, sinto muito se você acredita nisso. A última... a última coisa que eu ia querer fazer era machucar Rider, e não fiz isso. Ele terminou comigo. A descrença penetrou seu rosto quando ela me encarou de novo. — Ele não me disse que você terminou com ele. Eu apenas presumi que tivesse sido você porque eu sabia... ou eu achava... que ele não faria isso. — Bem, você presumiu errado. — Comecei a me afastar, porque admitir para a ex de Rider que ele me dispensara não tinha exatamente melhorado meu humor. Claro, ela deu um passo na minha frente. — Por que ele terminou? Com o queixo doendo, lancei meu olhar para o fim do corredor. Realmente não era da conta dela, mas no meio da frustração, falei a verdade: — Porque ele acha que é melhor assim... para mim. Que posso ter alguém melhor que ele. — Isso é... isso é ridículo.
— Concordo — murmurei. — Tipo, é incrivelmente ridículo. — Paige hesitou. — E você vai deixar que ele acredite nisso? — Deixar? Eu tentei, mas não posso mudar o que ele pensa de si mesmo. — Você precisa se esforçar mais — rebateu ela. — Não é tão simples assim — falei para ela. — Você... você sabe o que ele passou, certo? Ele te contou... algumas coisas. Essa porcaria que ele tem na cabeça está enterrada fundo. Posso dizer a ele um milhão de vezes que ele merece o mundo, mas é ele que tem que acreditar nisso. Não eu. Paige piscou. Uma professora saiu de uma sala, franzindo a testa quando nos viu perto do meu armário. — Vocês duas precisam ir para seus destinos, que não é este corredor. Paige revirou os olhos quando deu as costas para a professora. — Você precisa se esforçar mais — disse ela novamente, recuando. — Se você realmente se importasse com ele, se esforçaria. Eu não disse nada enquanto Paige virava e caminhava na direção oposta. Me esforçar mais? Como se fosse simples assim. Estava um dia absolutamente bonito, e eu não sabia se isso era justo ou não para um funeral. Parte de mim pensava que a manhã não devia estar tão linda assim. Eu não tinha certeza se Hector ou a Sra. Luna queriam ver o sol brilhando tanto. Ou talvez o dia lindo os ajudasse a se lembrar da beleza do mundo. Talvez houvesse algum tipo de significado no céu sem nuvens. Eu não sabia. Era o primeiro funeral da minha vida. Ainsley tinha me encontrado na igreja dos Luna, e ficamos no foyer por algum tempo antes que o serviço começasse. Meus pés, principalmente os dedos, estavam apertados nos sapatos pretos. Sapatos que eu nunca tinha usado. Eu os pegara emprestados com Ainsley quando percebi, em cima da hora, que eu não tinha um par decente para usar com as calças de lã e a blusa preta. Eu não tinha visto Hector nem Rider. Não até as portas se abrirem. A primeira coisa que notei foram as cadeiras, e, mesmo que eu não quisesse olhar, meu olhar viajou pelo grande corredor e pelo tapete marrom com vasos e buquês de flores até o caixão.
O caixão estava aberto. E eu podia ver apenas a ponta do nariz de Jayden e a curva suave de sua testa. Ainsley e eu fomos para o fundo da sala. Eu não poderia chegar mais perto. Não queria ver Jayden daquele jeito, porque eu sabia que lembraria dele assim para sempre. Conforme as pessoas começaram a se acomodar nos bancos, consegui avistar Hector e Rider. Eles foram para a frente. Ambos estavam pálidos. A avó de Hector já estava sentada, de costas para nós, a postura pesada. Rider estava vestido muito parecido com Hector. Camisa branca para dentro das calças. Eu não sei por quanto tempo olhei para eles, mas Rider se virou de repente, e, com uma enervante precisão, seu olhar encontrou o meu. Respirei fundo enquanto olhamos fixamente um para o outro através da sala. Nenhum de nós desviou o olhar por alguns instantes, e, em seguida, Hector falou com ele. Rider se virou, e eu fechei os olhos, exalando bruscamente. — Você vai falar com ele? — perguntou Ainsley em voz baixa. — Não. — Torci meus dedos em torno da alça da minha bolsa. — Quero dizer, se ele quiser falar comigo, eu vou, mas... não quero criar nenhum drama. Ninguém precisa disso agora. Ainsley se inclinou para mim. — Você acha que isso causaria um drama? Balancei a cabeça. — Eu não sei, mas eu... não estou disposta a arriscar. A sala estava se enchendo depressa, e eu vi Keira e Jo se sentarem em bancos opostos a nós. Elas não podiam nos ver, e não era como se eu fosse gritar para ninguém. O serviço começou com um pastor recitando versículos da Bíblia, e, quando ele começou a falar sobre a morte, minha atenção vagueou para o caixão. Levantando a mão, sequei o olho. Eu não entendia como isso pôde acontecer. Como alguém poderia matar outra pessoa a sangue-frio, e por que, exatamente? Algumas centenas de dólares? O fato de que eu não podia compreender tal ato mostrava como, apesar de tudo, eu era incrivelmente privilegiada. Eram coisas com as quais eu não tinha que me preocupar, não da maneira como os outros faziam. O meu olhar se voltou para onde a família estava sentada, nas três primeiras fileiras. Rider estava sentado ao lado de Hector, e eu não era a
única pessoa que olhava para o irmão de Jayden. Ainsley também o fazia. No momento que vi o rosto de Hector começar a se enrugar, quis me levantar e abraçá-lo. Eu não era boa de abraços, mas naquele momento eu quis, porque seus ombros tremeram e ele desabou. Quando o serviço terminou, esperei até que a maioria da sala tivesse prestado suas homenagens antes de me aproximar de Hector. Não parecia que ele me via quando se inclinou para meu abraço desajeitado. Era como se ele estivesse lá, mas não estivesse, e quando falei com ele, ele murmurou de volta palavras que eu não conseguia entender. Triste, eu me virei e fiquei cara a cara com Rider. Dei um passo para trás, assustada, e estava prestes a contorná-lo quando parei. Essa não seria a coisa certa ou mais gentil a fazer. Rider não falou quando o encarei de novo. Fiquei nas pontas dos pés e passei os braços em torno dele. Apertei, colocando tudo o que eu não poderia dizer nesse gesto. Ele não me abraçou de volta. Talvez eu tenha me afastado rápido demais. Talvez eu tenha chocado. Talvez ele simplesmente não quisesse. Voltei a pôr os calcanhares no chão e olhei para ele. Havia mil coisas que eu poderia ter dito naquele momento. Eu não sei por que, entre todas elas, o que eu disse foi: — Jayden uma vez me disse, após o dia na oficina, que ele ouvia você e Hector. Eu... Eu só achei que você devia saber que era real. A pele ao redor de seus olhos e de sua boca se contraiu. Eu fiz uma coisa em que realmente não pensei. Fiquei na ponta dos pés mais uma vez e beijei sua bochecha. Senti sua inspiração afiada e, com um último olhar para ele, me virei. Ainsley estava esperando no meio do corredor. Ela não tinha ido comigo, mas seu olhar estava focado em Hector e em sua avó. — Quero falar com Hector rapidinho. — Ainsley me abraçou rapidamente. — Eu te ligo mais tarde? Eu a abracei de volta. — Ok. Não vi Keira ou Jo no meio das pessoas quando saí da igreja, e eu não tinha certeza se o que dissera a Rider tinha ajudado ou não. A única coisa que eu sabia quando entrei no meu carro era que o brilho forte do sol ainda estava lá e o céu azul ainda estava impecável e infinito.
Ao entrar no meu quarto quando cheguei em casa, meu olhar caiu sobre a borboleta inacabada sobre a mesa. Enquanto eu olhava para a escultura meio transformada, pensei em tudo o que eu tinha dito a Rider, tudo que Paige tinha dito a mim, e eu sabia que precisava fazer mais uma coisa, que tinha algo a provar para mim mesma. Peguei meu caderno e caneta na mesa e fui para a cama. Era hora de escrever meu discurso, e dessa vez eu sabia o que queria dizer.
CAPÍTULO 38
Eu não iria vomitar. Se eu repetisse bastante o mantra, talvez ele se tornasse realidade. Eu tinha estado a ponto de vomitar durante toda a quarta-feira, mas pelo menos não era a única. O almoço de Keira permaneceu intocado ao lado do meu, o rosto pálido quando ela leu seu discurso cada vez mais e mais baixinho. O papel tremia em suas mãos. Tomei meu lugar na aula de oratória, sem me lembrar de como eu tinha chegado ali. Vi Paige entrar. Ela discursara na véspera, assim como Rider e, obviamente, Hector. Peguei meu papel e deslizei as mãos sobre ele enquanto me concentrava em respirar fundo e pausadamente, para não desmaiar. Havia uma boa chance de eu desmaiar. Quando o sinal tocou, Rider entrou na sala e meu coração deu uma guinada no peito. Eu não esperava que ele viesse. Ah, eu juro que não esperava que ele estivesse ali para isso. Minhas mãos tremiam quando as deixei cair no colo. Os olhos de Paige o seguiram enquanto ele se dirigia para a carteira entre nós. O sorriso dela era triste, e eu não sabia se ele retribuiria o gesto, mas então ele se sentou e olhou para mim. Ele tinha feito a barba, e sua roupa não estava amassada. O cabelo estava despenteado, como sempre. Eu não o via desde o funeral no sábado. Não tinha ouvido falar dele. E não podia pensar nisso agora. O olhar de Rider deslizou sobre meu rosto. — Oi. — Oi — sussurrei. Seus cílios baixaram quando seus ombros ficaram tensos.
— Você acha que… — Certo, turma. — O Sr. Santos bateu palmas, interrompendo-nos. — Temos um monte de discursos para ouvir hoje, por isso precisamos começar. Então, bem-vindos ao discurso número três, “A pessoa mais importante para mim”, um dos meus favoritos do ano. Espero que, ao escrever sobre alguém que influenciou vocês, tenham aprendido um pouco sobre quem são. E espero que, ao fazer seu discurso aqui hoje, vocês se lembrem de honrar a pessoa de quem escolheram falar. Porque, como fomos lembrados recentemente... — seu olhar cintilou brevemente para cadeira vazia de Hector — a vida pode ser muito curta. Seja o que fosse que Rider estava prestes a me dizer, desapareceu ao fundo quando o Sr. Santos chamou o primeiro aluno para a frente da classe. Então, o próximo estudante subiu. Em seguida, Keira, que fez seu discurso segurando o púlpito. Àquela altura, eu deslizei para a borda da cadeira, preparada para cair dela ou correr loucamente para a porta. No caminho até sua carteira, ela gesticulou para mim, com o polegar para cima. Tentei sorrir, feliz que ela tivesse conseguido, mas eu estava fazendo de tudo para me impedir de fugir da sala. Ao meu lado, Rider estava apoiado na borda de seu assento, a postura como um estranho reflexo da minha. — Leon Washington, a palavra é sua — disse o Sr. Santos. — Tenho certeza de que estamos todos morrendo de vontade de saber que influências o moldaram. Eu não ouvi uma única palavra que Leon disse. Mas as pessoas estavam rindo, e o Sr. Santos parecia que considerava antecipar sua aposentadoria, então eu gostaria de ter sido capaz de prestar atenção. — Mallory Dodge? — chamou o Sr. Santos, apoiado na beira de sua mesa. Seus olhos eram gentis quando encontraram os meus, tão gentis quanto haviam sido quando fui até ele na hora do almoço de ontem com um estranho pedido. — Sua vez. Ouvi a risada aguda de surpresa de Paige. Eu não me lembrava de levantar, mas vi o choque no rosto de Rider quando dei a volta na minha carteira. No meio do caminho, percebi que estava sem meu papel, e precisei voltar para pegá-lo. Meu rosto estava quente. Alguém, um cara, riu. Ele estava sentado na frente de Paige. Paige chutou a parte de trás da cadeira. Talvez eu tivesse desmaiado e batido a cabeça, porque eu não podia
acreditar que ela havia feito isso, mas ninguém mais riu — ou, se riram, eu não ouvi sobre o som do sangue latejando em meus ouvidos. Fui para a frente da sala e me virei, ficando de pé na frente do quadro e atrás do púlpito. Meu olhar vagou pela turma. Metade não estava nem mesmo olhando para mim. Eles estavam olhando para seus colos ou suas mesas. Ou estavam de olhos fechados. O que deixava para mim a outra metade. Que definitivamente olhava para mim. Olhei para Keira, e ela sorriu, apontando o polegar para cima novamente. — Quando quiser, pode começar — avisou o Sr. Santos. Balançando a cabeça, tentei engolir. Vi um mar de rostos olhando para mim. Minha garganta começou a se fechar. Alguém tossiu. Aquilo era... aterrorizante. O choro começou a fechar minha garganta. Olhei para o Sr. Santos para... não sei para que, e então me virei para a turma de novo. Entre todos os rostos, meu olhar caiu sobre o e Rider, e ele... ele assentiu. Eu praticamente podia ouvir sua voz na minha cabeça. Você consegue. E, então, tornou-se a minha voz. Ele estava certo. Eu estava certa. Eu conseguiria. Seria doloroso e provavelmente constrangedor, não, não constrangedor, porque eu decidia se ficaria ou não constrangida. E eu podia fazer isso. E não teria vergonha. Mesmo que tivesse, só um pouco, isso não importava no fim das contas. Aquele discurso não era para sempre. Ficar com vergonha não era para sempre. Nada disso era para sempre. Mas tentar era. Viver era. Meu olhar baixou para o meu papel, e o nó sumiu de minha garganta. Alguns de nós têm uma pessoa que é importante para eles. Que os influenciaram mais do que ninguém. Nossa tarefa era escrever sobre essa pessoa, mas, enquanto escrevia este discurso, percebi que eu não poderia escolher apenas uma. E, quando minha história terminar, espero que vocês entendam a razão, mas, para minha história fazer sentido, preciso começar do início. Com a boca seca, não olhei para a turma quando recomecei, com as três frases mais difíceis que eu já tinha escrito ou que tinha que falar.
Quando eu era pequena, costumava me esconder no armário. O espaço era escuro e coberto de poeira, e cheirava a naftalina. Mas era o meu santuário, longe dos monstros lá fora. Quando fiquei mais velha e precisava me esconder, eu costumava fantasiar que morava em uma casa onde os armários prendiam todos os monstros e onde eu estaria segura na minha cama. Que morava em uma casa com pais que eu podia olhar e admirar, e que um dia eles se tornariam o tema de um discurso sobre como mudaram a minha vida para melhor. Eu não morava nesse tipo de casa. Mas os monstros de quem eu me escondia moldaram a pessoa em que me transformei, me ensinando que a bondade e o amor são coisas que devem ser dadas livremente. Eles me mostraram quem eu nunca quero ser. É por isso que eles são importantes para mim hoje. Duas pessoas me adotaram quando eu tinha quase 13 anos. Eles não viram uma criança assustada que não falava. Eles viram uma filha, a filha deles. Dedicaram cada momento livre a apagar as más recordações e combater os pesadelos. Abriram portas que nunca estiveram disponíveis para mim, e acreditaram em mim. Eles provaram que o amor e a bondade podem ser dados livremente e sem expectativa. Eles me ensinaram a confiar, e que eu não precisava mais ter medo. Quando eu estudava em casa, conheci uma menina que nunca tivera problema para falar ou conhecer novas pessoas. No começo, senti inveja de sua abertura e simpatia. Conhecer pessoas e fazer amigos era algo em que eu não era boa. Éramos opostos, e eu nunca imaginei que um dia ela se tornaria minha melhor amiga. Ela provou que é possível encontrar seu melhor amigo quando você menos espera. E, recentemente, ela tem me influenciado a não negligenciar o que eu tenho. As partes realmente difíceis estavam chegando, por isso fiz uma breve pausa e respirei lentamente antes de continuar. Apenas alguns meses atrás, conheci um garoto que foi gentil comigo, mesmo sem me conhecer. Ele sempre tinha um sorriso e charme de sobra. Eu não conhecia bem esse rapaz, mas sua influência é possivelmente uma das maiores, porque ele me ensinou a não achar que nada é garantido, mas o mais importante, a sorrir para um estranho. Ele me ofereceu gentileza quando mais precisei, e espero fazer isso por
outras pessoas. A última pessoa importante em minha vida está comigo desde que me lembro. Ele morava na casa em que os monstros andavam pelo corredor. Ele me mantinha segura quando eles chegavam muito perto. Ele lia para mim quando eu estava com muito medo de dormir. Por causa dele e de tudo o que ele sacrificou para garantir que eu estivesse segura, sou capaz de levantar todas as manhãs em minha própria cama. Por causa dele, tenho uma segunda chance na vida. Parando, respirei fundo mais uma vez e olhei para cima, meio que esperando que a maior parte da turma estivesse dormindo. Alguns estavam. Só alguns. Os demais me olhavam, seus rostos eram um borrão. Eu vi Paige. O choque estava estampado em seu rosto bonito. Vi Rider, e ele... Seus lábios estavam abertos, e ele sentava rígido em sua cadeira, os braços moles ao lado do corpo. Obriguei-me a continuar. Mas a razão pela qual ele é importante para mim é que ele provou que ajudar aqueles que precisam, mesmo que pensem não precisar de ajuda, vale a pena. Ele moldou quem sou hoje, porque foi a primeira pessoa a reconhecer que eu tinha uma voz que merecia ser ouvida. Alguns de nós têm uma pessoa que os influenciou mais do que ninguém. Eu aprendi, ao escrever este discurso, como sou feliz por ter muitas. Que são várias pessoas e acontecimentos que moldam o que você se torna. Eu aprendi que até os monstros podem ter um impacto positivo. Aprendi que existem pessoas lá fora que vão abrir suas casas e corações sem esperar nada em troca. Aprendi que os estranhos podem ser tolerantes e gentis. Aprendi que aqueles que estão sempre ajudando os outros se ajudam por último. O mais importante, por causa de todos eles, aprendi que eu poderia fazer o que eu achava impossível, que é estar aqui hoje, na frente de vocês. A sala continuou em silêncio, e eu não tinha certeza se isso era uma coisa boa ou ruim. O Sr. Santos pigarreou. — Obrigado, Mallory. Olhares me seguiram enquanto eu caminhava de volta para o meu lugar.
Keira parecia que estava prestes a chorar quando me lançou um sorriso enorme. Até Paige olhou quando me sentei. Olhei para Rider. Seu rosto trazia a mesma expressão que tivera durante todo o meu discurso, sabendo o que mais ninguém, com exceção de Paige, talvez, percebeu — que era sobre ele. Ele parecia atordoado. E eu... eu poderia ter flutuado até o teto. Eu tinha conseguido. Pressionando os lábios para esconder um sorriso estúpido, olhei para a frente da classe. Eu tinha conseguido. Caramba, eu realmente tinha ficado de pé na frente da turma e feito um discurso. Eu tinha tropeçado em algumas palavras e feito um monte de pausas estranhas, mas consegui! Um choro — do tipo bom — ardeu no fundo da minha garganta. Eu queria dançar e gritar. Precisei de todo esforço para ficar sentada lá durante o discurso de Laura Kaye, sem pular da cadeira e gritar. O Sr. Santos me chamou quando o sinal tocou. Ousei dar uma espiada na direção de Rider enquanto juntava minhas coisas e caminhava até a frente da sala. O Sr. Santos sorriu quando apertou meu ombro. — Você se saiu muito bem, Mallory. Meu coração estava disparado. — Eu... consegui. Ele assentiu. — Eu só quero que você saiba que sei como foi difícil para você, especialmente com um assunto tão pessoal. Estou orgulhoso de você. Engoli em seco. — Obrigada. — Agora espero você aqui para todos os discursos — disse ele. — Você acha que pode fazer isso? Eu podia? Eu não sabia, mas eu sabia que eu ia tentar. Assenti. — Que bom! — Ele bateu no meu ombro. — Tenha uma boa noite. Murmurei algo do tipo “Você também” enquanto me virava. Rider já tinha ido embora e, apesar de tudo o que havia acontecido entre nós, isso me surpreendeu. Muito. Achei que ele fosse esperar para me dar os parabéns, porque ele, de todas as pessoas, sabia que grande passo era aquele. Mas ele não estava à vista.
Saindo da sala, eu disse a mim mesma que não deixaria seu sumiço estourar minha bolha de feliz realização. Era uma droga que ele não estivesse lá, mas... mas o que eu tinha feito aquele dia era mais importante, e eu sabia exatamente como queria comemorar. Assim que cheguei em casa, fui direto para o meu quarto e joguei minha bolsa no chão ao lado da cama. Abri a gaveta da minha mesa, pegando o material. Peguei a borboleta inacabada e a levei para o banco da janela. Sentando-me, finalmente terminei a escultura. Ela estava completamente transformada, com delicadas asas abertas de ambos os lados do corpo pequeno. Eu até adicionei um pequeno sorriso abaixo dos traços dos olhos. Coloquei-a de volta na mesa, logo abaixo do desenho que Rider tinha feito de mim, e então peguei meu livro de história. Eu tinha uma prova para a qual estudar. — Mallory? — chamou Carl. — Pode vir aqui embaixo? Empurrando a ficha para dentro do livro de história para marcar onde estava, fechei o livro e deslizei para fora da cama. Meus pés cobertos por meias pisaram no chão. Ainda era muito cedo para o jantar, então eu não tinha ideia de por que estava sendo convocada. Prendi uma mecha solta de cabelo atrás da orelha enquanto descia as escadas. Carl estava parado logo após a porta da sala de estar. Rosa estava de pé ao lado dele, mas meu olhar estava fixo no que ele tinha em mãos. Era um pacote pequeno e retangular embrulhado em papel-pardo. Meus passos desaceleraram. — O que é isso? — É para você. — Ele indicou o pacote. Olhei para ele por um momento antes de estender a mão para pegá-lo. — Hum, por quê? Rosa inclinou-se para Carl. — Não é da gente, querida. — Ah. — Eu virei o pacote. Não havia nada escrito, e o papel marrom me fez lembrar de um saco de compras. — De quem é? — Por que você simplesmente não abre a embalagem? — aconselhou Carl. Hum. Boa ideia. Enfiei o dedo sob as bordas e tirei a fita. O papel saiu logo, e, no momento que vi o que havia debaixo dele, meu coração quase saiu
pela boca. Era um exemplar de O coelho de veludo. Não o velho exemplar que Rider costumava ler para mim, mas um novinho em folha. A edição de capa dura azul, com o coelho em cima em um pequeno monte de grama. A embalagem marrom escorregou dos meus dedos e caiu silenciosamente no chão. Havia um pedaço de papel saindo das páginas. Com as mãos trêmulas, abri o livro cuidadosamente. O papel fino não era nada mais do que uma folha de caderno rasgada, mas havia uma grande parte da impressão destacada em azul.
— O que é REAL? — o Coelho de Veludo perguntou a Cavalo de Pele um dia. — Significa ter coisas que zunem dentro de você e uma alavanca para dar corda? — Real não é como vocês são feitos — disse o Cavalo de Pele. — É uma coisa que acontece com você. Quando uma criança o ama por muito, muito tempo, não apenas para brincar, mas REALMENTE o ama, então você se torna Real. — Dói? — perguntou o Coelho de Veludo. — Às vezes — respondeu o Cavalo de Pele, pois ele era sempre sincero. — Quando você é Real, não se importa de se machucar. — Isso não acontece de uma só vez — disse o Cavalo de Pele. — Você se torna. Leva muito tempo. É por isso que não acontece com frequência a quem se quebra facilmente, ou têm bordas afiadas, ou têm que ser guardado com cuidado. Geralmente, no
momento que você se torna Real, a maior parte de seu cabelo já caiu, e seus olhos também, e você fica solto nas articulações e muito gasto. Mas essas coisas não importam, porque, uma vez que você se torna Real, nunca será feio, exceto para pessoas que não entendem. Mas, uma vez que você se torna Real, não pode mais se tornar irreal. É para sempre. Rider tinha traçado uma linha da última frase até a margem, onde havia escrito, É para sempre. — Ai, meu Deus — sussurrei com a voz rouca. Apertando os olhos, segurei o livro junto do peito. Aquelas linhas destacadas eram tudo. Elas resumiam como eu me sentia, como eu tinha mudado. Nada disso aconteceu de uma vez, mas, depois que aconteceu, não poderia mais ser desfeito. E isso aconteceu porque fui amada. Por Carl e Rosa, por Ainsley e até mesmo por Rider, porém, o mais importante, por mim mesma. Carl pigarreou. — Acho que você devia abrir a porta. Meus olhos se abriram, e meu olhar saltou para eles. — O quê? Rosa acenou com a cabeça para a porta com uma pequena curvatura nos lábios. — Vá em frente, querida. Fiquei parada ali por um instante e, então, me virei. Correndo para a porta, girei a maçaneta e a abri. Minha respiração ficou presa. Rider estava na varanda e se virou lentamente. Ele vestia a mesma roupa que usara na aula de manhã. Suas mãos estavam enfiadas nos bolsos de sua calça jeans. Pela primeira vez, usava um suéter de verdade, de lã grossa azulmarinho. Seu olhar vagou sobre o meu rosto e depois para o livro que eu ainda tinha junto ao peito. — Sou real. Aquelas duas palavras. Sou real. Ninguém mais entenderia o significado
delas, mas eu sabia que significavam o mundo. Lágrimas nublaram meus olhos quando dei um passo para trás e para o lado, segurando a porta aberta para ele. Alívio transbordou em seu rosto, e ele entrou. Fechei a porta, incapaz de falar, e não pelos motivos de sempre. — Mantenha a porta aberta lá em cima — advertiu Carl e, então, se virou e entrou na cozinha. Rosa sorriu para nós. Olhando para mim, Rider esperou, e eu assenti. Ele me seguiu pelas escadas até o meu quarto. Deixei a porta aberta. Mais ou menos. Havia pelo menos uma abertura de uma polegada entre a porta e o batente. Rider foi até a janela e se sentou. Seu olhar cansado me seguiu. Andei para o lado da cama, de frente para ele, e me sentei na ponta. Um sorriso cansado curvou seus lábios. — Não sei por onde começar — disse ele. — Por qualquer parte — sussurrei, segurando o livro enquanto esperança e cautela lutavam dentro de mim. Ele baixou o queixo. — Acho que vou começar com o discurso. Aquilo foi... Foi lindo. As palavras, o que você disse, o que significou. Mas o fato de você ter chegado lá para falar foi a coisa mais linda de todas. Estou falando sério, Mallory. — Obrigada — sussurrei. — Eu... eu queria falar com você antes da aula, mas estou feliz por ter ouvido o discurso antes. Porque eu sabia que você estava certa antes, mas agora eu sei ainda mais. Respirei duas vezes. — Você estava certa sobre o que disse a respeito de mim, sobre como vejo a mim mesmo e os outros, você estava certa. Eu não dou às outras pessoas a oportunidade de desistir de mim. Realmente nunca tinha pensado nisso dessa forma, mas você estava certa. — Ele deixou os braços caírem sobre os joelhos. — É estranho. Você sabe, o que você me disse no enterro, sobre Jayden e sobre ser real? Eu... Deus, eu só poderia dizer isso a você, porque você entende, mas eu não me sentia real. De certa forma, eu ainda não sinto. — Eu entendo. — Segurei o livro mais apertado. — Totalmente. Seus cílios se levantaram, e seus olhos perfuraram os meus. — Eu sei. Nós dois éramos esse maldito coelho. — Ele deu uma risada
áspera. — Eu estava sentado no funeral no sábado e... estava pensando em tudo. Em como era terrivelmente injusto que Jayden estivesse naquele caixão, e, então, algo me ocorreu. Tenho vivido como se não tivesse nada. Família. Oportunidades. Ninguém que realmente se importasse se eu estava aqui ou não, e eu olhava para Jayden, sentado ao lado de seu irmão e sua avó e eu... — Sua voz falhou e eu senti um aperto no peito. — Jayden tinha uma família. Ele tinha oportunidade. Entende? Ele tinha muitas pessoas que se preocupavam com sua presença, mas, ainda assim acabou morto na rua. Rider passou a mão pelo cabelo. — E eu estou aqui. Sou tão sortudo, porque não tenho sido cuidadoso. Henry poderia ter me matado. Respirei fundo. Ele estava certo. Muitas vezes, pensei que Henry ia bater nele até matar. — Quando os amigos de Henry vinham... atrás de mim, eu costumava pensar que tinha feito alguma coisa, sabe? Que, de alguma forma, a culpa era minha... — O quê? Aquilo não era culpa sua, Rider. Nada daquilo foi. — Eu sei, mas às vezes a minha cabeça fica... Ela fica confusa. — Ele fez uma pausa. — E, quando eu estava naquele abrigo coletivo, eu não me importava. Bati em caras mais velhos e maiores. Fui espancado várias vezes, e não me importava. Quando a Sra. Luna apareceu, parecia tarde demais para mim. Ela tentou. Ela realmente tentou... ainda tenta, e eu fiz tantas coisas estúpidas que deveria ter acabado com a minha vida. Eu odiava ouvir isso. Isso me assustava muito. — Jayden cometeu um ou dois erros graves, e ele está morto. Eu, eu ainda estou aqui. — Ele jogou a cabeça para trás e suspirou. — Eu recebi oportunidades que outros não tiveram e as desperdicei, e agora realmente tenho que me perguntar se é tarde demais. — Não é — sussurrei, realmente acreditando nisso. Ele engoliu em seco. — Depois do funeral, fui para casa e peguei aquele livro. Eu... eu comecei a lê-lo. Nem sei por que, mas cheguei a essa parte, e eu... Deus, aquilo me tocou, sabe? A verdade das palavras do Cavalo de Pele. Ser real poderia machucar. Ser amado poderia machucar. Isso é... é viver, e o oposto é inimaginável. Baixando o livro para o meu colo, deslizei a mão sobre a superfície dura e
brilhante enquanto pensava nas palavras do Cavalo de Pele. Elas poderiam ser interpretadas de muitas maneiras. Para mim, eram sobre deixar de lado o medo de ser imperfeito. Aceitar que não tinha problema em ser desejado, necessário e amado, em ser visto e ouvido. Rider e eu éramos muito parecidos com o menino e o coelho que queria ser real. Nós dois passamos muito tempo confiando apenas um no outro. Tínhamos sido deixados de lado, indesejados. E não queríamos nada mais que sermos valorizados, estimados e amados. Nós queríamos nos sentir reais. Nós dois tínhamos medo do oposto. Para alguns o oposto era a morte, mas, para mim, para nós, era estar travado para sempre. Nunca mudar. Nunca ver a nós mesmos ou os outros ao nosso redor de forma diferente. — Eu... — continuou ele, com a voz rouca. — Eu me importo. Não quero ser assim para sempre. Meu olhar se ergueu para o dele. — Terminei com você porque achei que seria melhor assim. Que você acabaria encontrando alguém com a cabeça no lugar, que tem futuro e não é travado. As coisas ficaram... estão... confusas na minha cabeça. Eu estou tentando, de verdade, mudar isso. Fiquei paralisada. — Eu sei que você pode nunca me perdoar por magoá-la. Posso entender isso. Também posso entender se você não quiser ter que lidar comigo enquanto eu estiver tentando melhorar, ser melhor, mas eu... quero ser a pessoa que acho que você merece. Oh, meu… — Quero ser o cara com futuro, com a cabeça no lugar e que tem esperança — admitiu ele, deslizando para a beirada do banco sob a janela. Seu olhar encontrou o meu, e aqueles belos olhos tinham um brilho que partiu meu coração. — Quero ser o cara digno de seu amor, e eu juro, se você me quiser, vou fazer tudo ao meu alcance para ser esse cara. Nunca vou parar de tentar. Para sempre. Oh, meu Deus... — E quero que saiba que ouvi o que você disse no discurso — falou Rider, a voz áspera. — Posso ter salvado você tantos anos antes, mas agora você me salvou. Meu coração vacilou e depois disparou. Reagi sem pensar. Colocando o livro sobre a cama, eu me lancei para Rider bem na hora que ele saiu do
banco da janela. Nós colidimos. Passei os braços em volta dele, e fomos para o chão, eu parcialmente em seu colo, e seus braços apertados em volta da minha cintura, seu rosto enterrado no meu pescoço. Senti um tremor percorrer seu corpo e, então, tremeu nos meus braços. Eu o segurei mais apertado quando ele desmoronou, e tudo o que ele aguentou por anos se estilhaçou. Segurei-o durante tudo isso. Então era eu quem estava juntando os cacos de Rider.
EPÍLOGO
O controle remoto estava bem ali, provocando-me de onde estava, sobre a almofada da poltrona, ao lado da bandeja com dois copos e uma tigela de pretzels quase intocada. Tudo o que eu teria que fazer era me sentar e me esticar um pouco. Eu poderia pegá-lo e não teria que assistir mais a esse jogo de basquete. No entanto, sentar e me esticar não era exatamente factível naquele momento. Um braço pesado estava enrolado em volta da minha cintura, e, se me mexesse muito, eu acordaria Rider, o que era a última coisa que eu queria fazer, especialmente quando ele estivera tão exausto nos últimos dias. As sombras sob seus olhos, mais profundas a cada dia das duas últimas semanas, me preocupavam. Ele estava fazendo um monte de horas extras na garagem, personalizando um carro que terminaria na quinta-feira. Ontem, depois da aula eu tinha ido dar uma olhada, e, como todos os desenhos de Rider, era incrível.
Surpreendente. Eu ainda não tinha ideia de como ele conseguia pegar tinta e pulverizá-la em qualquer superfície, desenhando algo tão incrível e intricado. Esse trabalho tinha sido em um carro cujo proprietário corria em uma das faixas perto de Frederick. Sobre o capô, Rider tinha pintado um dragão, com escamas verdes e roxas detalhadas. Chamas vermelho-alaranjadas saíam de sua boca aberta e percorriam os painéis laterais dianteiros. Tirei uma foto dele com uma câmera boa, para adicionar ao portfólio cada vez maior de Rider. Como antes, ele agira de modo estranho a esse respeito, como se ainda não soubesse como processar o reconhecimento de seu próprio talento. Eu ainda não tinha ideia de como ele não enxergava isso, mas ele estava ficando cada vez melhor no que fazia. Como tantas outras coisas, como eu, era um trabalho em progresso. Algumas semanas antes, Rider me dissera que às vezes abria o portfólio e apenas folheava as fotos de seu trabalho. Suas bochechas tinham ficado muito vermelhas ao admitir isso. Eu achei a reação adorável. Às vezes nos sentávamos e olhávamos sua arte juntos, e ele também corava nessas ocasiões. Mas o trabalho personalizado não era o que havia desgastado Rider a ponto de ele ter dormido no minuto em que sua cabeça tocou o encosto do sofá. Esta manhã tinha sido importante para ele. Ele tinha usado cada momento livre das últimas semanas se preparando para os testes de aptidão que fizera pela manhã. Um sorriso surgiu em meu rosto. Estudar para o exame não era algo que ele alguma vez tivesse pensado em fazer. Ele ter prestado o exame provavelmente deixara toda a administração da escola em um silêncio atordoado. Bem, menos o Sr. Santos. Um gol foi marcado, e a multidão na TV aplaudiu. Ou era um ponto? Uma cesta? Eu não tinha ideia. Por que eu não podia ter poderes telecinéticos? Mover as coisas com o poder da mente seria fantástico. Baixando os olhos para onde a mão de Rider estava repousada sobre a parte inferior da minha barriga, apreciei a sensação de imersão. A vibração que eu sentia com tanta frequência com Rider não era algo que diminuía com o tempo. Eu acho que nunca diminuiria. Havia manchas de tinta azul na parte interna de seu dedo médio. Ele parecia nunca conseguir tirar toda a tinta dos dedos. Inclinei a cabeça para trás e olhei para a direita. A vibração se transformou
em milhares de borboletas voando entre minhas costelas enquanto o olhar corria sobre o rosto marcante de Rider. Sentindo-se um pouco invasiva, continuei a olhá-lo. Uma mecha de cabelo castanho-escuro, cor de café, caiu na testa. Cílios grossos, muito mais escuros que o cabelo, repousavam sobre a face. Seus lábios cheios estavam entreabertos. Parecia estranho agora que houvesse um momento em minha vida, um momento que durara vários anos, em que eu acreditara piamente eu nunca mais veria Rider. Deitada assim, em seus braços, era uma fantasia que eu não havia sequer me permitido sonhar. Mas era realidade. A vida era estranha. — Se você tirar uma foto, vai durar mais — murmurou ele. Meus olhos se arregalaram enquanto o calor tomou meu rosto. — O quê? Os cílios se levantaram lentamente, revelando olhos que pareciam não ser totalmente castanhos nem verdes. — A foto vai durar mais do que se você apenas ficar olhando. Então pode ter uma foto para abraçar à noite, quando eu não estiver com você. Pode segurá-la bem perto. Abraçá-la apertado. Revirei os olhos enquanto meus lábios se contraíram em um sorriso. — Tanto faz. — Aham. — Levantando o braço, ele o esticou por cima da cabeça, se espreguiçando e bocejando. — Quando Carl e Rosa vão chegar? Olhei o relógio de parede cinza-claro. — Provavelmente em uma hora. — É bom eu estar acordado em vez de babando em você quando eles entrarem. — Sim — falei, séria. — Boa ideia. Rider sorriu, mas, brincadeiras à parte, nem Rosa nem Carl ficaria encantados de voltar para casa e nos encontrar abraçadinhos no sofá. Não era como se eles esperassem que Rider e eu não ficássemos, bem, perto um do outro. Mas eles ainda estavam... se adaptando ao meu relacionamento. Era outro trabalho em andamento, e eles estavam avançando. Estavam tentando, o que era muito melhor que ficarem com medo do que originalmente achavam que Rider significava. Além disso, ajudava o fato de Rider estar levando seu futuro mais a sério, e estudar para os testes de aptidão ajudou a aumentar sua conta com Carl, que
era muito preocupado com o futuro. Ganhá-lo por completo era mais difícil, mas eu poderia dizer que Carl estava começando a respeitá-lo. Ele estava começando a vê-lo como mais que apenas um rapaz sem futuro que ia me levar para o mau caminho, mas entrar e nos ver agarrados provavelmente não ia ajudar. Comecei a me sentar. O braço de Rider se apertou em volta da minha cintura, e ele rolou ligeiramente, prendendo-me debaixo dele. Minhas mãos subiram para seus ombros, e, quando levantei os olhos, meu coração vacilou diante da visão de seu meio sorriso. — Aonde você vai? — perguntou. — Levantar. — Meus dedos se fecharam, prendendo o tecido de sua camisa. — Carl vai... expulsá-lo da casa... se ele nos encontrar assim, e você nem vai querer saber o que Rosa vai fazer. — Verdade. — Ele abaixou a cabeça, esfregando o nariz no meu. — Rosa ainda me assusta. Eu ri. — Você acha engraçado, mas ela realmente me assusta. — Inclinando a cabeça para o lado, ele beijou meu rosto. — Estou convencido de que ela consegue causar o maior dano possível com um único soco. Ela é médica. Sabe das coisas. Rindo outra vez, tentei imaginar Rosa socando qualquer coisa, mas não consegui. Dei um tapinha em seu ombro. — Você vai ficar bem. — Talvez eu precise que você me proteja. — Ele beijou meu rosto novamente. Os cantos dos meus lábios se curvaram. — Eu... eu posso fazer isso. Dessa vez, seus lábios roçaram minha têmpora. — Desculpe por ter dormido assim que cheguei. Não temos conseguido passar muito tempo juntos, e primeira vez que conseguimos e não estou estudando ou trabalhando em um carro, durmo em cima de você. Eu meio que gostei de ele ter dormido em mim. — Tudo bem. Você estava... trabalhando duro. Como acha que se saiu? Rider levantou a cabeça. — Acho que fui muito bem. Só algumas questões realmente me quebraram.
Feliz em ouvir isso, eu sorri. — Você está animado? — Acho que sim. Quero dizer... — Ele hesitou, as sobrancelhas unidas. — Ainda há muita coisa para pôr no lugar. Tenho até junho para preencher o formulário de financiamento estudantil, mas vai ser difícil conseguir com as minhas notas a esta altura do campeonato. Eu teria que ter gabaritado o teste de aptidão. — Mas você tem a primavera. Se não entrar no outono, não... não é o fim do mundo — ponderei. — Antes que você perceba, estará em College Park comigo, estudando artes plásticas. — Você está certa. — Um pequeno sorriso malicioso surgiu em seus lábios. — Acho que devemos comemorar. — Fazendo uma pausa, ele ergueu as sobrancelhas para mim. — Temos cinquenta minutos agora. Eu só preciso, tipo, de cinco. — Ai, meu Deus! — Ri, empurrando seus ombros. — Você é terrível. — Não sou terrível. — Seus olhos encontraram os meus, e a vibração estava de volta, mais profunda e vertiginosa. — E estou te amando. Oh, Deus! Meu coração se inflou como um balão, e tudo que eu pude fazer foi olhar para ele por vários segundos antes de conseguir sussurrar: — Eu também te amo. — Eu sei. — Rider baixou a boca para a minha, e o beijo dispersou meus pensamentos. Eu ainda ficava chocada que um beijo tivesse esse poder, que, quando sua língua tocava a minha, eu me esquecia de tudo no mundo. O beijo terminou rápido demais. Rider saiu de cima de mim e se sentou, levantando minhas pernas para colocá-las em seu colo, e eu meio que fiquei ali, os braços relaxados enquanto olhava para ele. Um sorriso pateta separou meus lábios, e não me importei. Eu estava pensando em como poderíamos usar os que restava dos cinquenta minutos. — Como estão as coisas com o Dr. Taft? — ele perguntou enquanto mexia as pernas, esticando-as um pouco. — Não tive a chance de lhe perguntar ontem. Hein? Comecei a franzir a testa. Eu estava aqui pensando em voltar a beijálo e outras coisas, coisas muito boas, e ele acabou de mencionar o nome de meu terapeuta? Rider bateu na minha perna levemente e riu. — Foco.
Estreitei os olhos para ele, mas era difícil focar quando meu corpo sentia como se eu tivesse deitada ao sol. — Foi bom. Nós conversamos sobre como eu estava me sentindo e como eu estava... lidando com o estresse. Eu tinha voltado a me consultar com o Dr. Taft uma vez a cada duas semanas. Principalmente porque senti que precisava de alguém que fizesse parte da minha vida cotidiana para só... falar as coisas, porque eu ainda tinha muito trabalho para fazer em mim mesma. Tinha sido muito deprimente no início, porque fazia dois anos desde que eu ia ao seu consultório. Como se, de alguma forma, eu tivesse voltado para o passado em vez de progredir, mas Taft espalhara em minha mente algo muito importante. Algo que eu já sabia, mas realmente precisava entender. O passado nunca ia embora e não foi projetado para isso. Estaria sempre lá e devia ser reconhecido. O Dr. Taft insistia que tentar apagar o passado só levaria a uma crise no futuro, e ele estava certo. Meu passado não poderia ser arrancado de mim cirurgicamente. Não pode ser removido de Rider. O que aconteceu com Jayden não pode ser esquecido. Meu passado era parte de mim e moldava quem eu era agora, mas não definia quem eu me tornaria. Não me controlava. Rider se inclinou e pegou minha mão. Ele entrelaçou os dedos nos meus e apertou. — Eu não quero te perder. Senti uma pressão no peito e eu apertei sua mão de volta. Pensei em Jayden morrendo, isso tinha preparado Rider para qualquer coisa. A morte lhe dar um tapa na cara provocava isso. — Você não vai. — Que bom! — Rider sorriu quando me puxou para cima, sentando-me em seu colo. Sua outra mão segurou meu rosto, e ele me beijou mais uma vez, doce e suavemente. Ele se afastou apenas o suficiente para que seu hálito quente dançasse sobre meus lábios. — Eu acho que quero beijá-la de novo. — Por mim, está tudo bem. Mais do que bem — disse a ele, e sorri. Sinceramente, eu estava bem com... comigo mesma. Eu não estava cem por cento, e estava tudo bem, porque eu era um trabalho em andamento. Havia momentos em que as coisas pareciam demais, como no outro dia, quando eu tive que me levantar e fazer outro discurso. Havia outras situações, especialmente quando eu pensava que estaria na faculdade em menos de um
ano. Ou quando pegava minha mente vagando para Jayden. A morte era assustadora e esmagadora. Às vezes, quando eu pensava no que Ainsley enfrentaria no futuro, eu me estressava por ela. Eu ainda tinha muito trabalho a fazer, e esse era o meu trabalho, e era minha voz que precisava ser ouvida quando eu precisava falar. A de mais ninguém. Era eu que tinha que me levar para a linha de chegada, e tudo de que precisava para lembrar quando não tinha vontade de tentar era que esse sentimento não duraria para sempre. Para sempre. Eu costumava acreditar que isso não existia. Palavras que tinham me aterrorizado e assombrado quando criança. Mas agora eu sabia que, de muitas pequenas maneiras, elas eram reais, mas isso não me assustava mais. Para sempre não era a menina encolhida no armário. Para sempre não era a sombra sentada no fundo da sala. Para sempre não era fazer o que eu achava que Carl e Rosa queriam, e não aquilo que eu precisava fazer com a minha vida. Para sempre não era acreditar que eu era algum tipo de filha substituta e que os estava decepcionando. Para sempre não era ser aquela que precisava de proteção. Para sempre não era dor e sofrimento. Para sempre não era um problema. Para sempre era meu coração batendo e a esperança no amanhã. Para sempre era o brilho prateado sob cada nuvem escura, não importa quão pesada fosse. Para sempre era saber que momentos de fraqueza não significavam uma eternidade vivendo neles. Para sempre era saber que eu era forte. Para sempre eram Carl e Rosa, Ainsley e Keira, Hector e Rider. Jayden seria sempre parte do meu para sempre. Sempre seria o dragão que cuspia fogo dentro de mim e havia arrancado o medo como uma pele de cobra. Para sempre era simplesmente uma promessa de mais. Para sempre era um trabalho em andamento. E eu não podia esperar para sempre.
AGRADECIMENTOS
Escrever um romance que trata de negligência e abuso na infância e de seus efeitos de longo prazo significava que eu estaria investigando um mundo que muitas pessoas podem achar que é difícil olhar de perto. Um mundo em que alguns querem acreditar que o que Mallory e Rider sofreram é apenas uma obra de ficção. Não foi fácil representar igualmente todo o bem nos serviços destinados a proteger nossas crianças, reconhecendo que alguns escaparam e ainda fazem isso por meio das rachaduras de um sistema subfinanciado, sobrecarregado e com falta de pessoal. Algumas pessoas perguntaram por que escolhi que O problema do para sempre se passasse em Baltimore. Cresci não muito longe dessa cidade e, com frequência, tento que meus livros se passem em áreas com as quais estou familiarizada, e eu tinha estado em Baltimore mais vezes do que posso contar. Mas eu acreditava que a cidade em si é mais do que apenas um pano de fundo para a história. De certa forma, a cidade também é um personagem, que, como Rider, Mallory, Jayden, Ainsley, Hector, Keira e os outros
personagens deste romance, é cheio de beleza e esperança, ainda que muitas vezes tenha escorregado por entre os dedos da nossa nação. O problema do para sempre não foi um livro fácil de escrever. Mallory era diferente de qualquer personagem que eu já tinha escrito, mas, como percebi no fim do livro, há um pouco de “Ratinha” em todos nós. Portanto, há várias pessoas a quem preciso agradecer, que acreditaram nesta história e ajudaram a fazer este livro acontecer. Obrigada à minha agente, Kevan Lyon, por apoiar O problema do para sempre e ser a agente mais incrível que sempre foi. Este livro jamais teria acontecido se não fosse por Margo Lipschultz e toda a equipe da Harlequin TEEN. Obrigada a Mallory Dodge e Rosa, que me deixaram usar seus nomes. Algumas pessoas foram de especial ajuda para O problema do para sempre. Muito obrigada a Ashlynn King, que leu uma pequena parte inicial e não quis arrancar seus olhos com um garfo enferrujado. Acho que, a esta altura, tenho de agradecer à mãe dela, Tiffany King, porque apelidou este livro de uma das minhas horcruxes, mesmo que, até a última vez que verifiquei, eu não tivesse cometido nenhum grande mal. Acho que não. Outro muito obrigada a Vilma Gonzalez, por também ler um rascunho inicial e não rir abertamente na minha cara, além de ter tantas ideias sobre como tornar este livro melhor. Não posso esquecer Damaris Cardinali, que me ajudou com toda a parte de Puerto Rico e não perdeu a paciência comigo quando eu estava perdendo a paciência com o fato de que se podia dizer uma coisa de três maneiras diferentes em espanhol. Obrigado a Jen Fisher que ajudou com um monte de informações sobre educação em casa, e que sempre leu o manuscrito e foi honesto sobre a sensação... ou a falta dela. Um grande obrigado a Danielle Ellison, que me ajudou a encontrar o título perfeito por DM no Twitter. Um agradecimento especial a você, leitor. Nada do que eu faço seria possível sem você e seu apoio. E obrigada a Margery Williams por escrever O Coelho de veludo, um livro que eu odiava e amava ao mesmo tempo quando criança. Eu acho que todos nós, ao fim do dia, só queremos ser reais e amados.
Este e-book foi desenvolvido em formato ePub pela Distribuidora Record de Serviรงos de Imprensa S. A.
O problema do para sempre
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