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Editorial Cada vez mais as áreas do design vão se ligando umas com as outras, graças à imensa gama de possibilidades de conexões que podem ser estabelecidas entre pessoas e meios de comunicação. Mesmo assim, usar o design acadêmico - ou formal - como modelo, acaba sendo um caminho mais fácil do que
cotidiano, cuja realização muitas vezes é movida por uma necessidade. A proposta desta edição é trazer à tona o design que se apresenta despretensiosamente na forma simples das coisas, na pintura de uma parede, num cartaz de um vendedor e em outros suportes, sendo responsáveis por construir a história do nosso país.
se embrenhar no estudo e conhecimento do design popular,
Boa Leitura!
Reflexao Projetar essa revista foi um verdadeiro desafio. A empreitada começou desde a escolha dos artigos, passou pela cuidadosa diagramação, definição da identidade visual, até o fechamento do arquivo para a impressão. O trabalho foi muito, mas com certeza o resultado foi gratificante. Fazer uma revista se mostrou uma atividade bastante agregadora de conhecimento, foi possível colocar em prática várias habilidades que foram desenvolvidas ao longo dos anos durante a faculdade. Escolher uma tipografia, pensar na disposição de textos, considerar a questão do equilíbrio visual, eleger as melho-
res cores e pensar na relação com as fotos; esses e muitos outros passos foram dados para chegar onde se queria. Além disso, foi possível perceber que um projeto editorial deve ser feito a muitas mãos, que fazem das ideias objetos concretos, tanto visíveis quanto palpáveis. Espera-se que a primeira edição da Suburbia seja apreciada com cuidado, como algo que foi feito com extrema dedicação, transpiração e, é claro, muita inspiração
Realizadores: Edição 01 Dez 2012 R$ 12
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Fernanda Maya Lais Battiato Sophia Sunairi Vitor Urbani 3
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i A revista Suburbia surge com objetivo de difundir, aos leitores já envolvidos e interessados em design, temas poucos abordados neste universo que ainda é muito regrado e direcionado pelo chamado “Bom Design” ou “Design Acadêmico”. Aqui, buscase divulgar o chamado “Design de Periferia”, tipo de design que surge a partir da necessidade de alguém ou de uma região, de se comunicar ou executar algo para se relacionar com os outros, para 8
ser visto e reconhecido como um indivíduo. Como exemplo, pode-se citar uma placa de um vendedor para anunciar seu produto - seja qual for a situação o “Design Vernacular” surge à margem do “Design Acadêmico”. Entretanto, é muito comum a apropriação do vernacular por parte de designers formados, explorando-o de forma acadêmica, o que prova que este tipo de design marginalizado também merece visibilidade e reconhecimento de seu valor. 9
O logo criado se resume apenas ao nome da revista. Foi inicialmente pensado para conter algum grafismo que remetesse ao círculo, contorno e margem, ligados à ideia do subúrbio. Entretanto, o conceito extrapola essa questão. O logo tem caráter mutável e varia de acordo com o tema principal de cada edição, de onde ele extrai sua essência e características principais. Para a edição número 01, buscava-se uma marca que fosse direta, simples, marcante, e que contivesse a expressividade e a personalidade de uma escrita à mão. Assim, o logo da primeira edição da revista ficou como mostra a imagem ao lado.
Formato fechado
As capas da Suburbia sempre apresentarão uma imagem ligada à matéria principal de cada edição. A revista mede 235x270mm, e este formato foi escolhido uma vez que buscava-se fugir do padrão retangular existente nessa categoria editorial, e, como uma maneira de diferenciação das demais, foi deixada quase quadrada. Além disso, permite a utilização de imagens tanto horizontais como verticais. Quando aberta, pode se mostrar um pouco grande para ser lida em qualquer lugar, aspecto que faz parte da característica que quer passar: uma revista que inspira cuidado, que deve ser lida em um local tranquilo, que não prejudique o desfrute da leitura.
Os grafismos geométricos estão presentes na matéria secundária. Estes foram aplicados na capa como uma forma de vínculo entre capa e a matéria, já que a imagem usada faz parte da matéria principal.
As manchas e “sujeiras” se encontram na matéria principal, e remetem a uma imperfeição de um trabalho manual, estritamente ligado ao design vernacular.
Formato fechado: 235 x 270mm Formato aberto: 470 x 270mm Páginas editoriais: Impressão: Digital Aproveitamento de papel: Formato BB (660x960mm) Papel: Couche, 120g Capa: Couche, 180g com laminação fosca Acabamentos: Laminação fosca e verniz localizado 10
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A família tipográfica escolhida para texto é a Gotham, que se manterá durante todas as edições da revista. No logo, nos títulos e subtítulos das matérias e em box de destaques, as fontes variam de acordo com o assunto da matéria (em uma mesma matéria, opta-se por apenas uma fonte). Nesta primeira edição, usou-se Letragem para o logo e para este artigo, Brasilêro para a matéria principal e Durden para a matéria secundária.
Ed Para saber, aguarde a chegada dos próximos números
Gotham Brasilero ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890
Londrina
GRID
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890
Letragem
1234567890
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O grid foi pensado para ser modular e flexível, com 10 colunas e 10 linhas. Tal flexibilidade proporciona amplas formas de diagramar os elementos nas páginas e que, consequentemente, torna a revista mais dinâmica e divertida, ao mesmo tempo, não deixa o leitor cansado.
O grid foi pensado para ser modular e flexível, com 10 colunas e 10 linhas. Tal flexibilidade proporciona amplas formas de diagramar os elementos nas páginas e que, consequentemente, torna a revista mais dinâmica e divertida, ao mesmo tempo, não deixa o leitor cansado.
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Uma outra maneira prática e dinâmica de acessar a revista é pelo meio virtual.
A versão visual apresenta uma navegaçao simples e fácil. Inicia-se com a capa, clicando na barrinha em cinza mais escuro, abre-se uma pequena galera de imagens que o usuário pode decidir que artigo lhe interessa. Uma vez dentro do artigo escolhido, o usuário navega entre as páginas através de uma pequena barrinha cinza, que muda sua cor para o laranja. A mudança das páginas é feita na horizontal.
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Dentro de cada página, é possível visualizar o oho acionando uma fina barra que contém uma setinha. Já no artigo do Sertanejo Art Déco, a navegação será feita através de uma barrinha cinza que muda para o verde água. A continuação de leitura também se dá na horizontal.
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design
VERNAcular uma discussão sobre seu conceito.
POR FÁTIMA FINIZOLA / SOLANGE COUTINHO / VIRGÍNIA CAVALCANTI
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cartaz escrito à mão
aparato criado para regar a grama
bolsa feita com folhas de coqueiro
“Arte popular é o que mais perto está da necessidade de cada dia, NÃO-ALIENAÇÃO, possibilidade em todos os sentidos”. Lina bo Bardi (1994:25)
grama, criando assim um
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exemplo de placa com escrita vernacular
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placa escrita à mão
Este movimento de intensa circularidade cultural entre o design popular e o formal desencadeou novos debates. go de mercado entre a produção do Design Formal, cuja origem são os profissionais que, de forma
Depois das primeiras escolas de Desenho Industrial - ou Design - abriram, e a profissão foi formalizada, especialmente naqueles países onde a industrialização representou uma quebra com os antigos métodos artesanais de produção, e “não no resultado de um desenvolvimento natural”, muitos artesãos foram forçados para as margens do mercado profissional ou passaram a trabalhar de maneira informal. A partir disso, houve um constante diálo20
geral, passaram por treinamento especializado ou graduação acadêmica na área e a produção daquilo que chamamos de Design Vernacular, ou seja, design espontâneo produzido à margem do “design principal”. Nesta categoria também é possível incluir invenções de origem popular como objetos utilitários, embalagens, placas para casas e mercado itinerante, além dos artefatos de comunicação popular - banners, placas, murais, entre outros. Desde os anos 90, entretanto, estes artefatos passaram por contínuos processos de reavaliação e reinterpretação, estimulados pelo pós-modernismo e pelas novas tecnologias digitais. Uma vez dominadas as novas ferramentas de trabalho, o design “feito à mão”, artesanatos e aparatos populares também se tornaram objetos de interesse projetual e também foram incorporados, estimulados e transformados em elementos produzidos por meios digitais. Paralelamente à chegada do pós-modernismo e suas questões acerca dos preceitos modernistas nas artes e na sociedade como
um todo, o fenômeno da globalização de mercado, assim como a globalização da comunicação com a internet, também estimulou o contato entre diferentes culturas, hábitos e comportamento, promovendo um ambiente de constante troca de experiências. Assim, até certo ponto, o processo de globalização potencializou a hibridização de culturas, assim como a hibridização entre diferentes estilos, tanto da linguagem analógica como da digital, permitindo a fusão, num único artefato, de elementos distantes no tempo e espaço. Este movimento de intensa circularidade cultural entre o design popular e o formal, particularmente no campo do design, desencadeou novos debates e tem, aos poucos, começado a consolidar o design vernacular como uma nova área de estudo e pesquisa. Sendo um assunto relativamente novo a ser estudado, pode-se observar que a área ainda está passando por um processo de construção de conceitos e definições, bem como exatas definições do objeto de estudo.
cartuchos de papel pintados (são joão del rey - mg) e doce de leite em palha de milho (belo horizonte - mg)
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Apropriação de materiais simples (palito de madeira) pelo mercado
“o design vernacular não deve ser identificado como algo “pequeno”, marginal ou não-profissinal, mas sim um vasto território cujos habitantes falam uma espécie de dialeto local” LUPTON, 1996
Lupton (1996), entretanto, chama atenção para a necessidade de se olhar, sem preconceitos, para essas expressões da cultura popular, observando que o design vernacular não deve ser identificado como algo “pequeno”, marginal ou não-profissional, mas sim um vasto território cujos habitantes falam uma espécie de dialeto local. Não há somente uma forma de vernacular, mas
uma infinidade de linguagens visuais que resultam em diferentes expressões (LUPTON, 1996:111). Dones (2004:1) adapta o termo vernacular para a área específica da comunicação e do design gráfico, afirmando que “O termo vernacular sugere a existência de linguagens visuais locais e expressões que se referem a diferentes culturas.
Definindo o Design Vernacular Apesar de ser uma área reconhecida academicamente, o conceito que a define ainda permanece inconstente. Se a história recente da América Latina for comparada às longas tradições dos países europeus, algumas disparidades tornam-se mais visíveis. Em primeiro lugar, é importante compreender que nossa visão acerca do termo “design” está de acordo com aquela adotada por BORGES (2011), no ICDHS, no qual o conceito é usado de maneira mais abrangente, sem especificar exclusivamente o modo de produção industrial, incluindo outras formas de produção, como artesenal ou artística.
“design é um fator central de humanização inovadora de tecnologia e um fator crucial de intercâmbio cultural e econômico.”
Assim, aqueles produtos que são desenvolvidos com técnicas artesanais e em pequenas quantidades também podem ser considerados objetos de design, como aqueles que vêm da produção informal de design vernacular. Inicialmente, é fudamental recuperar o significado do termo “vernacular”. Derivado da expressão do Latim “verna” ou “vernaculus”, segundo o Dicionário Aurélio, este termo pode ser definido com três diferentes significados: “1. Particular da região em que existe. 2. Linguagem pura, sem estrangeirismos [...]. 3. Expressões de um país.” Dessa forma, o termo “vernacular” é originalmente ligado à linguagem nativa de um país, região ou localidade particular. Segundo o historiador de design Darron Dean (apud Farias et al 2010: 303), o termo verna-
cular foi aplicado pela primeira vez no design por George Gilbert Scott em Arquitetura Doméstica e Secular, publicado em Londres em 1857. Farias (2011) observa que foi no campo da arquitetura onde foram desenvolvidos os primeiros estudos em design vernacular. Nesta área, a expressão “vernacular” pode ser definida como “sinônimo de popular, folclórico, ou um antônimo de design de alto estilo” (Rapoport, apud Farias, 2011: 167). Cardoso (2005:7-8) enfatiza o binômio popular-erudito e apresenta uma abordagem do vernacular estruturada no ponto de vista da dicotomia social dominante-dominado, na qual o “chamado design gráfico vernacular está ligado à produção de cultura popular e o outro, design gráfico erudito, está ligado à produção que vem da cultura erudita”.
(icsid, 2012) 22
Cesto trancado de fibra
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Placa que contém tipografia vernacular
lar”, mas muito frequentemente falta especificidade: informal, espontâneo, ingênuo, autêntico, genuíno, popular, rústico, artesanal, não-acadêmico, não-anônimo, local, entre outras. Portanto, condiserando as principais características que definem o vernacular hoje em dia, entre os
Na comunicação gráfica corresponde a soluções gráficas, publicações e sinalização que faz referência à vestimenta local produzida fora do padrão oficial”. Farias (2011:167) expande o conceito tradicional de vernacular para além da expressão formal de design. Ao classificá-lo como aqueles que vieram antes da instituição dos cursos do design, ela afirma que “No Design Gráfico e Tipografia, nós podemos definir os artefatos vernaculares como produtos da prática do design desenvolvidos antes - ou independente - da instituição dos cursos de design modernista, principalmente por artistas anônimos e no contexto do comércio”. 24
É importante ressaltar que a definição de Farias (2011) refere-se a um significado específico particularmente comum na Europa Ocidental. Na Inglaterra, por exemplo, o termo “tipografia vernacular” é frequentemente utilizado para denominar fontes digitais que se referem aos tipos de madeira que foram usados durante o boom de tipografia comercial em meados do século XX. Em alguns países latinos o termo “vernacular” é largamente usado como sinônimo de “popular”, enquanto em alguns países europeus está mais associado com a produção pré-industrial. Esta abordagem que associa o vernaular com uma produção
estudo de design no Brasil e em outros países, pode-se construir uma “nuvem” de palavras-chave relacionadas ao termo.
há, de fato, diferentes nuances do design vernacular, que podem variar de cultura para cultura, ou país para país?
com características nostálgicas não é muito comum na América Latina, o que nos faz pensar se, de fato, não há diferentes nuances do design vernacular, que podem variar de cultura para cultura, ou país para país. Outra observação importante engloba o uso inapropriado do termo vernacular para identificar artefatos que pertencem ao design formal, que se apropriam e são inspirados nos elementos do design informal. Nestes casos é mais adequado descrever estes artefatos como produtos do design formal que fazem referência ao design vernacular. Hoje, há muitos adjetivos que caracterizam a palavra “vernacuNuvem de palavras
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Cesto trancado de fibra de buriti
critérios de análise do design vernacular
O artefato Vernacular A fim de consolidar as formas de contribuir para a construção de uma definição mais precisa para o design vernacular, o ponto de partida foi observar este conhecido artefato, analisando algumas de suas características. Assim, foram propostos seis critérios analíticos para artefatos, considerando o processo de concepção, produção e comercialização do produto, adaptado da proposta inicial de Finizola (1996): 1) origem; 2) autoria; 3) processo de planejamento; 4) processo produtivo; 5) usuário final; e 6) linguagem estética. A “origem” consiste na fonte de referência que ajudou a construir o repertório de cada autor - tanto acadêmico como não acadêmico, vindos de tradições culturais
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passadas de geração em geração. O critério “autoria” identifica e caracteriza a autoria do produto sendo especialisa ou não especialista, designer ou artesão, etc. O critério ‘processo de planejamento” analisa o design do artefato - se é espontâneo, improvisado ou guiado por metodologias específicas de design. O “processo produtivo” observa se os artefatos foram desenvolvidos seguindo um processo de produção artesanal, manufaturada, ou industrial, bem como observa as matérias primas usadas no processo. O “usuário final” refere-se ao público ao qual o projeto é destinado, segundo sexo, idade, classe social, entre outros, e analisa a proximidade entre o autor e o usuário, que em alguns casos podem ser o mesmo
indivíduo. Finalmente, a “linguagem estética” comporta a linguagem usada como uma referência formal para a concepção do artefato - por exemplo, se refere-se a um alto estilo de design ou estilo regional ou local, etc. Finalmente, aplicando estes critérios nas análises específicas do design vernacular, considerando a atual aceitação do termo aqui no Brasil, é possível montar o esquema acima.
Procurar com atenção as bases culturais de um país significa avaliar as possibilidades criativas originais. 27
exemplo de uso da tipografia vernacular para uma atividade cotidiana
Esta rica troca de experiências que permite que o erudito se torne popular e onde o popular é assimilado pela linguagem oficial, também se torna erudito.
O processo de apropriação do Vernacular O novo paradigma de globalização e da era digital tem estimulado a hibridização de diversas culturas e tendências estéticas em arte e design, incluindo a apropriação do vernacular por formas de alto estilo. Neste sentido, é feita uma investigação nas formas que este processo de contato e apropriação conseguiram atingir, junto com a possibilidade de efeitos positivos e negativos que podem 28
afetar ambos os lados. Entretanto, se por um lado a globalização tende a levar à homogeneização, que vem do contínuo processo de aculturação entre países distintos - seja imposto ou não - por outro, provoca um sentimento de preservação de hábitos e costumes particulares de cada lugar, trazendo à tona um movimento de resistência cultural. Em uma terceira instân-
cia, aparece o que é chamado de “culturas híbridas”, construídas por meio da miscigenação de elementos culturais distintos. Em meio a este paradigma cultural, novos desafios e questões aparecem para a prática de design, no qual designers assumem o papel de mediadores em vários grupos culturais, bastante parecido com o de tradutores de elementos culturais nos quais
eles estão inseridos, capazes de refletir nos vários ritmos visuais em sua região de produção. Neste sentido, em um ambiente de circularidade cultural, potencializado pelo fenômeno da globalização, designers são capazes de articular elementos que pertencem a outros contextos culturais, atribuindo novos significados e valores a eles. As linguagens espontâneas encontradas nas ruas são usadas e reusadas, reconstruídas por meios criativos digitais, passando por um processo de resignificação e assim são incorporadas no design formal. Esta rica troca de experiências permite que o erudito se torne popular e onde o popular é assimilado pela linguagem oficial, também se torna erudito. O Guaraná Jesus em sua edicão especial de são joão, é um exemplo de apropriação do vernacular. 29
o foco estético (também chamado etnodesign), eleva o trabalho dos artesãos populares à condição de arte e usa sua linguagem estética formal como uma referência para a produção de design. O processo de hibridização e apropriação dos elementos culturais de diferentes grupos pode, às vezes, desencadear questões étnicas a respeito da forma na qual é conduzido o processo de intervenção de uma cultura na outra. Gui Bonsieppe (2011:63-64) destaca as diferentes abordagens que podem ser adotadas durante o processo de integração entre cultura, artesanato popular e design formal, que também pode ser aplicado no campo do design vernacular: “o foco conservador, o estético, o produtivo, o culturalista ou essencialista, e o foco promotor de inovação”. A intenção do foco conservador é a de proteger os artefatos de quaisquer influências externas, tratando os artefatos artesanais como objetos de estudo, que devem possuir sua legitimidade preservada; o foco estético (também chamado de etnodesign), eleva o trabalho de artesãos populares à condição de arte usa sua linguagem estética formal como uma referência para a produção de design; o foco produtivo procura,
no universo de artefatos populares, trabalho barato e qualificado para a produção de objetos desenvolvidos e assinados por artistas e designers; o foco culturalista considera projetos locais desenvolvidos por artesãos como ponto de partida para construir a identidade do design da América Latina; o paternalista incentiva programas de assistência à produção artesanal como um mediador do processo, em tempos com altas margens de lucro; finalmente, o foco promotor de inovação busca encorajar artesãos a se tornarem autônomos a fim de melhorar suas condições de vida. É importante frisar que estas postura podem aparecer de maneira híbrida, com uma combinação de mais de uma destas atitudes citadas por Bonsiepe (2011). Rapoport (1982) também enumera quatro atitudes que podemos ter em relação ao vernacular: 1) O design vernacular pode ser ignorado; 2) Design vernacular pode ser reconhecido mas seu valor pode ser minimizado; 3) Design vernacular pode ser romantizado e assim apreendido através de sua cópia ou imitação das formas superficiais; 4) Podese aprender com o design vernacular ao analisá-lo por meio da aplicação de conceitos, modelos e teorias e aplicando estas lições no design (RAPOPORT, 1982). Ao olhar especificamente para a produção do Design Gráfico que toma o universo vernacular
como uma referência, podemos notar algumas indicações do que traz esse processo de apropriação e tradução dos elementos formais do imagético popular para o design formal. Finizola (2009) inicialmente distingue três grandes grupos: primeiro, aqueles que releram ou transpuseram elementos visuais presentes na linguagem vernacular ou popular de uma determinada região e propõem novas aplicações e usos; segundo, aqueles que registram, por meio de imagens, cores, textures, formas e fragmentos do ambiente que faz parte do entorno; e finalmente, os projetos que não trazem nenhuma conexão visual direta ao que é popular, regional ou vernacular, mas que se aproximam conceitualmente ao tema, com linguagem gráfica que é estranha ao ambiente (FINIZOLA, 2099) Cada uma destas abordagens de projeto ou metodologias tem seus próprios méritos, o que nos impede de indicar algum dele como melhor ou mais rápido. O que une estes designers é a opção de valorizar, de um jeito ou de outro, elementos culturais da região da qual são nativos, propondo importante reflexão e identificação entre aqueles que consumirão seus produtos.
Cestos de arumã trançada 30
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Sertanejo
Art Déco Uma inspiração para o design brasileiro? POR JOSÉ MARCONI SOUZA / LIA MONICA ROSSI
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A descoberta Essa pesquisa começou, em 1972, quando os autores se depararam e se fascinaram com moradias regionais em vilas ao longo das estradas brasileiras da região nordeste. Com designers da região sul do Brasil, como princípios funcionalistas enraizados, eles foram pegos de surpresa enquanto obeservavam essas “encantadoras”
Fora isso, o Estilo Art Déco tem sido rejeitado e desvalorizado, até nos dias correntes, por acadêmicos e arquitetos brasileiros. Por exemplo, de acordo com Weimer (2011; 7), “Por isso a conclusão que se chega é que seria absurdo falar de uma arquitetura ‘Art Déco’ ou um ‘estilo’ Art Déco”.
O ESTILO PODE SER CHAMADO DE ESTILO ART DÉC0 NORDESTINO OU SERTANEJO ART DÉCO Simbologia da geometria plana em Delmiro Gouveia, Alagoas, 2000 (foto de Lia Rossi)
fachadas, nas quais suas composições geométricas estavam em conflito com as regras acadêmicas do chamado “bom design”1. Surpreendentemente, aquela criatividade anônima que era unicamente expressada através de regras rústicas e de um estilo particular do Art Déco, nunca havia sido mencionada em toda literatura ou enunciada por trabalhos ou pelas mentes de arquitetos e designers brasileiros. A “invisibilidade” destas fachadas/constuções regionais, poderia ser explicada ao se citar a fraca ou inexistente comunicação entre as pessoas, responsáveis por ditar tendências, do nordeste e do sudeste brasileiros. Como citado por Lemos (1981; 42), em termos gerais, museus e organizações arquitetônicas parecem concordar em continuar preservando ricos “trabalhos de excessão”, deixando de lado os “bens populares e comuns”(Lemos 1987; 22).
Chã dos Pereira, Paraíba. Telhados antigos e novas fachadas 2012 (foto de Lia Rossi e José Marconi)
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Por quê Sertanejo? O termo “sertanejo” (interior, região distante) refere-se a uma região geográfica do nordeste brasileiro. Originário da palavra “desertão” do português colonial, significa um local distante do centro urbano, um lugar remoto do interior. Poeticamente falado, é um pedaço de terra que é carinhosamente guardado na memória, “meu sertão”(ROSSI, 2011; 42). Portanto, na ausência de um nome distinto para se referir ao novo estilo popular encontrado, o adjetivo “Sertanejo” foi cunhado para batizar este tipo de expressão popular do modernismo, não reconhecido pelos acadêmicos. Como de costume nas culturas periféricas – com algumas poucas excessões – as tendências internacionais têm liderado as estéticas da arquitetura e do design de produto. Este design dirigido
busca geralmente estudar tópicos do modernismo avant-garde estrangeiro mais do que suas próprias e “exóticas” expressões. Felizmente, uma nova geração de pesquisadores tem um ponto de vista diferente no assunto. Por exemplo, Campina Grande (PB), a cidade onde esta pesquisa começou nos 1980, é aludida por Queiroz (2010; 37) como tendo “uma herança Art Déco, notável e significativa”.
O ADJETIVO SERTANEJO FOI CUNHADO PARA BATIZAR ESTE TIPO DE EXPRESSÃO POPULAR DO MODERNISMO, NÃO RECONHECIDO PELOS ACADÊMICOS.
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Exemplo de fachada de casa sertaneja
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Uniformidade Art Déco do centro de Campina Grande, anos 1940 (foto de Lia Rossi e José Marconi, 2005)
Fachada no Ceará
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Uniformidade Art Déco do centro de Campina Grande, anos 1940 (foto de Lia Rossi e José Marconi, 2005)
Art Déco oficial e popular Deixando de lado qualquer debarte conceitual sobre Art Déco, este estilo pode ser caracterizado como uma mistura geométrica de “Historicismo e Modernismo” (Franpton 1994: 220). Além disso, o Art Déco também está ligado com brilhos deslumbrantes refletido em superfícies luxuosas, com extravagantes casais dançando Charleston em frenesi durante as 38
décadas entre as guerras. Segawa (1995; 73) adiciona que o Art Déco representa “um afluente da sociedade Americana que emprestou e multiplicou os artifatos decorativos da rica cultura européia. No entanto, em forte contraste com os Art Déco Americano e europeu, não há nenhum brilho nas fachadas do Sertanejo Art Déco.
O SERTANEJO ART DÉCO É UM TIPO DE DIALETO ARQUTETURAL QUE REORGANIZA A GEOMETRIA DO MODERNISMO.
Sua luxuosidade encontra-se apenas em suas engenhosas e criativas construções de alvenaria. O cerne de nosso interesse reside nas “modernas” fachadas que escondem velhos telhados (fig. 2), mas o que estas modestas casas “uma-porta-uma-janela” têm em comum com a era do Jazz de Scott Fitzgerald? A resposta pode estar escondida na suposição que esta variedade regional brasileira e suas geométricas fachadas se relacione com as formas básicas do estilo Art Déco internacional, como por exemplo, degraus zigurates, relevos egípicios, templos mesoamericanos, classicismo greco-romano,
curvas aerodinâmicas e outros elementos tirados do abstracionismo. A respeito disto, podemos argumentar que o Sertanejo Art Déco é um tipo de “dialeto arquitetural” que reorganiza a geometria do modernismo de um modo particular. Uma extensão do conceito de “interação entre opostos” de Brito (1983), acredita-se que há uma fusão de todos os “ismos” dentro do emprego de símbolos do Sertanejo Art Déco. Em consideração a isto, os formatos geométricos também podem simbolizar o modernismo, mas também pode ter interação com o Historicismo. Neste caso, as fachadas seriam combinações de
elementos do classicismo, cubismo, ecletismo e futurismo, apenas para mencionar alguns. Então, o passado artístico e arquitetônico é traduzido em sinais retos e curvos, que estão no limite (ou dentro dele) do abstracionismo que são expressos em ícones de cal e cimento, cor e luz no Nordeste. Isto é de acordo com Queiroz (2008: 234) quando declara que os ocupantes das casas sertanejas tinham “o desejo de transmitir novos tempos e ritmos, mesmo que fosse apenas através das fachadas”.
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Detalhes circulares em fachada no Ceará
Detalhes circulares em fachada no Ceará
Essa classificação é aqui apresentada em primeira mão, portanto ainda não foi usada por autores nos projetos que serão abaixo listados. Todavia, pode ser percebida uma grande similaridade geométrica entre o trabalho de autores anônimos das fachadas do Sertanejo Art Déco e outros artesãos, artistas e designers da mesma região brasileira.
grafismos geométricos em azulejo
O geometrismo do Sertanejo Art Déco Conceitos para classificação Pela falta de literatura em análise sistêmica de construções correntes do Art Déco, e em particular do Sertanejo Art Déco, uma análise conceitual é proposta pelos autores. Composições e decorações de aproximadamente 2000 fachadas de cerca de 60 cidades nordestinas foram analisadas e comparadas com exemplos de construções, internacionais e brasilieiras, oficialmente reconhecidas como Art Déco. A classificação comporta 14 categorias distribuídas em linhas, polígonos e poliedros, como mostrado a seguir.
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GRANDE SIMILARIDADE GEOMÉTRICA ENTRE O TRABALHO DE AUTORES ANÔNIMOS DAS FACHADAS. 41
Geometrismos presentes no portão de casa marajoara
Projetos inspirados no Art Déco Exemplos de design e construções arquitetônicas que exploraram o tema Art Déco são curtamente descritos e classificados em dois grupos (1) Produtos com formatos geométricos do Sertanejo Art Déco; (2) Produtos que dizem ser inspirados pelo Sertanejo Art Déco. Mesmo que tenham outras iniciativas comprometidas em promover e preservar o Art Déco e outras formas de expressão arquitetônica regional (exs.: publicações, documentários, projetos de preservação, etc).
Pára-lama de Caminhão Pára-lama são usados nas rodas do caminhão e possuem uma geometria única, manufaturados em madeira ou superfícies de borracha, feitos por pintores da região.
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Projeto Fictício de Roupas
Produtos com formatos geométricos do Sertanejo Art Déco
Artefatos de Clay
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Essas miniaturas feitas por artesãos nordestinos anônimos foram vendidas na Feira Central de Campina Grande. São reproduções de fachadas de construções populares no Nordeste e medem entre 15 e 20 cm de altura.
Produtos que dizem ser inspirados pelo Sertanejo Art Déco Artefatos de Vidro Reciclado Essas miniaturas inspiradas no Art Déco foram vendidas no Centro para Cultura Popular Mestre Noza. Os artesãos reproduziram e/ou inventaram objetos usando pedaços de vidro e espelhos coletados em oficinas de vidro. Medem de 20 a 20 cm de altura.
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Nos anos 1980, o artista local Geová Amorim criou uma série de roupas fictícia baseadas em formatos geométricos, design de trajes de Erte (Barthes 1976) e composições do Sertanejo Art Déco.
Cultura nordestina e moda Trabalho final do Curso e Bacharelado em Design Industrial, Universidade Federal da Paraíba, 1990. José Marconi B. de Souza, supervisionado por João B. Guedes Contém uma coleção de vestuários masculinos inspirados pela estética popular nordestina. As composições populares foram sistematicamente analisadas, então seus princípios puderam ser aplicados às costuras das roupas, ornamentos e estrutura.
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Projeto de mobiliário de Campina
Design de pavimento Realizado pelo arquiteto Anselmo M. Dantas e Maria Verônica R. do Vale, desenho por Gilvan J. de Lima, PMCG/SEPLAM, Paraíba, 1998. Em conjunto com o Projeto Campina Déco, o remodelamento de calçadas foi também considerado. Mesmo que ainda não esteja implantado, os desenhos são claramente inspirados no geometrismo do Art Déco; deverá usar granito como material.
Pesquisa e design mobiliário por Gustavo Bomfim e José Marconi B. de Souza, realizada no Curso de Bacharelado em Design Industrial, Universidade Federal da Paraíba, 1990. A proposta foi investigar elementos do mobiliário popular que é produzido e vendido na Feira Central de Campina Grande em função de desenvolver uma linha de mobiliário que atraia novos consumidores. O projeto foi fundado pelo “Fórum de Design Internacional de Ulm – Conferência 1989”.
Projeto Campina Déco Projeto “blocos de construção Sertanejo Art Déco” Trabalho final do Curso e Bacharelado em Design Industrial, Universidade Federal da Paraíba, 1995, realizado por Rejane Catão, supervisionada por Gustavo Bomfim, José Marconi B. de Souza e Lia M. Rossi. O objetivo foi desenvolver produtos que pudessem ser feitos a partir de restos de materiais coletados `em marcenarias locais e focadas em mobiliário. Quando os blocos de construção são agregados, eles criam uma variação “modanatura” (arranjo de elementos arquitetônicos de acordo com algumas regras de composição) das fachadas do Sertanejo Art Déco.
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Consultoria por Lia Mônica Rossi, José Marconi B. de Souza, Dra. Cristina Mello e outros, PMCG/ SEPLAN, Prefeitura Municipal de Campina Grande, Paraíba, 1999-2002. O Projeto Campina Déco buscou preservar as características estilísticas das construções e incluiu trabalhos na infraestrutura das redes de comunicação, novas calçadas, remoção e padronização de propagandas nas fachadas, relocação dos vendedores de rua, acessórios de rua, etc.
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Exemplo de tecido inspirado nos conceitos do Art DĂŠco.
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