A Shadowlands Novel
Livro 3: Último livro da Trilogia
Infinito
KATE BRIAN
SINOPSE Rory Miller não apenas se apaixonou por Tristan Parrish. Ela se apaixonou pela ideia do para sempre. Ele foi o único que disse a ela a verdade sobre sua existência em Juniper Landing: que sua vida mortal acabou, e ela agora vai passar a eternidade na ilha, ajudando os outros no limbo a seguir em frente. Mas, como Juniper Landing, uma ilha brilhante com segredos obscuros, Tristan é bom demais para ser verdade. O garoto misterioso e dolorosamente lindo que Rory pensou que conhecia é responsável por um impensável mal — enviar as almas boas para a Terra das Sombras, a fim de obter uma segunda chance de vida na Terra. Ele já fez isso com o amigo de Rory, Aaron, e com seu próprio pai, mas quando Tristan envia sua irmã, Darcy, à Terra das Sombras também, Rory decide fazer justiça com as próprias mãos. Ela fará de tudo para salvar sua família, mesmo que isso signifique ir ao inferno e voltar.
Sรณ ela pode salvar a eternidade!
1 OS SINOS TOCAM Traduzido por I&E BookStore
—R
ory, pare! Eu tentei congelar, mas o caminho lamacento e rochoso debaixo do meu pé esquerdo começou a escorregar, desintegrando-se no rio profundo na margem da estrada abaixo. A chuva batia na minha capa de vinil inútil enquanto agarrava o ar com os dedos frios e úmidos. Eu finalmente fui capaz de agarrar o tecido escorregadio da manga de Joaquin Marquez, e ele me ergueu de volta para terra firme, meu coração batendo na garganta a um ritmo alucinante. O caminho lamacento que estávamos atravessando tinha sido, até recentemente, grande o suficiente para pelo menos um carro, se não dois, navegar com segurança. Mas agora estava com a metade da sua largura antiga e erodindo a cada momento. A chuva tinha caído sem parar desde sábado à noite. Agora era quarta-feira, e metade da ilha de Juniper Landing parecia ter se transformado em mingau. A areia das praias tinha assumido a consistência de farinha de aveia em alguns pontos, e as gramíneas, juncos e flores tinham sido achatados no chão, abatidos em sua submissão ao tempo implacável. — Você está bem? — perguntou Joaquin. Eu balancei a cabeça, segurando ambos os cotovelos para dar estabilidade. Seus olhos castanhos estavam protegidos pela aba do seu próprio capuz, e uma barba escura de alguns dias sem fazer cobria as maçãs afiadas do seu rosto e seu queixo. Este tornou-se um hábito de Joaquin recentemente — me salvar de lesões graves. Eu não tinha certeza de como eu me sentia sobre o fato de que o garoto que a minha irmã costumava ficar agora era o meu protetor, mas eu estava grata por ter alguém ao meu lado. E era evidente que não ia ser o garoto com quem eu costumava ficar. Ele não estava mais por perto.
Era por isso que estávamos aqui em primeiro lugar — procurando Tristan Parrish. O cara por quem eu tinha me apaixonado, até poucos dias atrás. O cara que tinha traído todos nós. De acordo com Joaquim, havia uma caverna debaixo da ponte onde Tristan costumava ir para ter suas “grandes reflexões” — nos dias que ele só queria um pouco de espaço longe dos outros Lifers. Infelizmente, ela era localizada em uma parte da ilha que Joaquin sempre tinha evitado, a menos que ele estivesse conduzindo um visitante para a ponte, por isso não tínhamos muita certeza para onde estávamos indo. Isso, e mais a chuva implacável, não tornava a nossa missão mais fácil. — Será que isso nunca vai parar? — eu perguntei. Como que em resposta, um relâmpago iluminou acima e todo o mundo tremeu com o trovão que o acompanhou. Sobre o ombro de Joaquin eu vi uma sombra iluminada pelo flash — alguém de pé sobre a base de uma rocha, a menos de cinquenta metros de distância, com sua capa esvoaçando ao vento. Minhas unhas cravaram no braço de Joaquin. — Aquele é...? Joaquin virou, mas de repente, não havia ninguém lá. Um piscar de olhos, e a sombra havia desaparecido. A tempestade estava brincando com minha mente. — O quê? — perguntou Joaquin. — Nada. Deixa pra lá. — Eu não queria admitir que eu estava vendo coisas. — Eu simplesmente não posso lidar com muito mais do que isso. — Relaxe. Respire fundo — disse Joaquin. — Deixe-me descobrir onde diabos nós estamos. Quando ele se afastou para perscrutar o cinzento que nos rodeava, tentei afastar a sensação de nervosismo que a sombra tinha deixado para trás e olhei para o norte em direção à ponte. Estava tão envolta pelo nevoeiro que eu não conseguia ver nada além das luzes de advertência inúteis pulsando no topo de suas quatro torres. A ponte tinha se tornado — para mim, pelo menos — o símbolo de tudo o que havia de errado nesta ilha. Juniper Landing era um limbo — um lugar onde as almas vinham para residir entre a morte e a vida após a morte, um lugar onde elas recebiam uma chance para resolver quaisquer problemas que as possam ter atormentado durante suas vidas antes de seguir em frente. Joaquin e eu éramos ambos Lifers, um grupo de almas encarregados de ajudar os outros a encontrar as suas resoluções e conduzi-los aos seus destinos finais. A ponte era o meio de transporte. Quando uma alma está pronta para ir, nós levamos a pessoa para a ponte e lhe entregamos uma moeda. Assim que ele ou ela toca a moeda, ela simplesmente sabe se a alma está destinada à Luz ou à
Terra das Sombras, com base no quão boa ou má a pessoa tenha sido em vida. Então conduzimos essa pessoa para o outro lado da ponte, onde um portal é aberto, levando-lhe para o lugar apropriado. Este era um sistema que estava em vigor desde o início dos tempos e sempre funcionou perfeitamente, mantendo o equilíbrio do universo. Até agora. Recentemente, a coisa toda tinha enlouquecido, com consequências devastadoras. Tínhamos quase certeza de que as moedas eram as culpadas, já que Tristan estava escondendo um saco cheio delas — mais do que qualquer Lifer tinha visto em um lugar ao mesmo tempo — e tinha fugido no momento que o resto de nós descobriu o seu esconderijo. Ainda não estava claro para nós o que havia exatamente de errado com as moedas, como tinham sido adulteradas, ou onde Tristan tinha conseguido elas. Tudo o que sabíamos era que, na semana passada, algumas almas que eram inegavelmente boas tinham ido para a Terra das Sombras. Almas como o meu amigo Aaron e a encarregada de Joaquin, Jennifer. Almas como meu pai. Eles eram boas pessoas, condenados ao inferno, e logo depois que eles foram embora, pegamos Tristan com as moedas. Algo se alojou na minha garganta com o simples pensamento de meu pai na Terra das Sombras — sozinho, apavorado, possivelmente torturado — e por um segundo, eu não consegui respirar. — Eu acho que é por ali — disse Joaquin, apontando para a ponte. — Vamos continuar andando. Deixei-o liderar o caminho, permitindo-me olhar por cima do ombro para o lugar onde a sombra tinha estado. O afloramento estava deserto. Eu respirei deliberadamente, tentando acalmar as batidas frenéticas do meu coração. À medida que nos aproximávamos da ponte, eu podia distinguir duas figuras vestidas de capa de chuva preta, suas formas nebulosas parecendo fantasmas escuros, entrando e saindo da minha visão cheia d’água. Desde que eu tinha descoberto as moedas adulteradas, os Lifers estavam se revezando para vigiar a ponte, para garantir que ninguém pudesse atravessar. Eu não tinha ideia de quem estava programado para estar lá agora, e desta distância através da chuva, eu não conseguia ver seus rostos. Por alguma razão, a sua presença parecia sinistra em vez de reconfortante. Vai ficar tudo bem, eu disse a mim mesma. Você vai corrigir isso. Você só tem que encontrar Tristan e Nadia e fazê-los dizer-lhe como corrigir. Tristan. A imagem dele e de seu rosto sorridente e enganador torceu o meu estômago em nós. Eu tinha acreditado nele. Eu tinha confiado nele mais do que em ninguém. Eu o amava. E ele me traiu. Eu tinha sido suspeita de
conduzir as boas almas para a Terra das Sombras e, em seguida, foi finalmente revelado que Tristan era o vilão. Tristan, que havia me dito que as regras deste lugar não poderiam ser quebradas. Que eu tinha que confiar no sistema. Que tudo ficaria bem. Ele disse essas coisas para mim. Ele me beijou. Ele me fez sentir segura. E então ele conduziu o meu pai direto para o inferno. Joaquin e eu viramos para um caminho ainda mais estreito, mais tortuoso, levando para o oceano, em direção à base da ponte. Enquanto um filete de água fria descia sob a minha gola para as minhas costas, eu não pude deixar de pensar, pela milionésima vez, Por quê? Por que Tristan fez isso com Aaron, com Jennifer, com o meu pai... com todos nós? O que ele tinha a ganhar? E, o mais egoisticamente, por que ele fez isso comigo? Por que me ferrar e fazer eu me importar? Por que me fazer acreditar nele e em tudo o que este lugar era, só para depois virar as costas, me trair e destruir a sua casa? Joaquin olhou para mim e estendeu a mão. Agarrei seus dedos, meio esperando que eles deslizassem para longe de mim, mas seu aperto era surpreendentemente sólido. Algumas semanas atrás eu nunca teria acreditado que eu estaria um dia segurando de bom grado a mão de Joaquin. Quando eu o conheci, eu o tinha odiado. Ele era aquele cara. Aquele cara que sabia como ele era gostoso e usava esse fato para brincar com o coração de qualquer garota que mostrava interesse nele. Neste caso, a garota tinha sido a minha irmã, Darcy. Mas quanto mais eu conhecia Joaquin, mais eu o respeitava. Ele realmente se importava com seus encarregados, com seus amigos e com este lugar. E quando as coisas começaram a ficar feias, ele basicamente se tornou meu guarda-costas pessoal. E ao longo dos últimos dias, desde que eu tinha descoberto que Tristan era o grande mau por aqui, nos unimos ainda mais. Ninguém queria encontrar Tristan mais do que nós. Joaquin tinha sido o seu melhor amigo. Eu tinha sido a namorada de Tristan. (Seria-exnamorada no segundo em que eu o visse novamente.) Precisávamos encontrá-lo. Nós precisávamos lhe perguntar uma questão urgente: Por quê? Isso era o que nos fazia continuar — a esperança de que um dia iríamos conseguir as respostas que estávamos procurando: por que ele tinha feito o que fez, como ele pôde trair todos que ele alegava se preocupar e, o mais importante, como libertar o meu pai, Aaron, Jennifer e as outras pobres almas. O que eu não sabia era o que iríamos fazer com Tristan e Nadia — outro Lifer que tinha desaparecido com Tristan — quando os encontrássemos. Meu cérebro não queria nem pensar nisso.
— Eu acho que é lá embaixo — disse Joaquin, olhando para baixo, pequenas gotículas se aderindo nas extremidades de seus cílios grossos. — Eu notei esse caminho no outro dia. É como uma série de degraus cortados na rocha. Eu não vi nada, mas eu dei de ombros. — Você lidera o caminho. Juntos começamos a ir devagar e com cuidado para baixo. Meu pé escorregou no primeiro degrau, e o aperto de Joaquin ficou mais forte. Nós dois congelamos. — Você está bem? — perguntou Joaquin. Eu balancei a cabeça em silêncio. — Ok. Fique atrás de mim e tenha cuidado. Ele não tinha que me pedir duas vezes. Descemos a escada íngreme em silêncio, e me concentrei no som da minha própria respiração, o chape das gotas de chuva no meu capuz, o bater das ondas lá embaixo, e o posicionamento cauteloso dos meus pés. Mas eu não podia deixar de pensar na expressão no rosto de Tristan no dia que tínhamos encontrado o saco de moedas adulteradas em seu quarto. A compreensão em seus lindos olhos azuis de que ele tinha sido pego. Eu não era estúpida. Eu sabia o que eu tinha visto. Tristan era culpado. Eu só queria que meu coração concordasse com o meu cérebro e começasse a acreditar nisso. Depois do que pareceu uma vida inteira, Joaquin saltou o último par de degraus para um trecho grande de conchas quebradas e areia que se estendia ao longo da base das rochas. Eu saltei atrás dele, levantei a cabeça e vi a boca escancarada de uma caverna. — Conseguimos — disse Joaquin. Cada centímetro da minha pele corou com o calor, fazendo eu ter cócegas debaixo da minha jaqueta de vinil. Tristan estava lá dentro. Talvez com Nadia, talvez não. De qualquer maneira, nós estávamos prestes a obter algumas respostas. E eu ia vê-lo novamente. Apertei meus olhos e cerrei meus dentes. Coração estúpido. Através do nevoeiro e da chuva, eu notei uma pilha de algo branco e cinza perto da boca da caverna. À medida que nos aproximávamos, eu vi o sangue. Os olhos vidrados, os pescoços torcidos, as penas arrancadas e desfiadas. Gaivotas mortas. Dezenas delas. Quebradas, deformadas e esbugalhadas. Moscas zumbiam ao redor de suas cabeças disformes, e enquanto eu observava, uma delas pousou avidamente sobre a órbita de uns
olhos grandes e vidrados. Em poucos segundos, várias delas haviam engolido o crânio da gaivota. Em seguida, o vento moveu-se e o cheiro me atingiu como um tijolo no rosto. Virei meu nariz e cobri minha boca com uma mão. — Apenas continue andando — disse Joaquin, acelerando seus passos. Passamos pelas carcaças e caminhamos para a cobertura da caverna. A areia perto da abertura era grossa e enlameada, e meus tênis soltavam um som de sucção cada vez que eu levantava um pé. Eu puxei meu capuz da minha cabeça, aliviada por estar fora da chuva, mesmo quando minha respiração acelerou. Eu já podia sentir o cheiro pungente de uma fogueira recente. Joaquin e eu fechamos os olhos. Ele puxou a lanterna do bolso da jaqueta, mas não a ligou, e ele levantou um dedo à boca. Eu balancei a cabeça. Movendo-se em sincronia, andamos na ponta dos pés para a frente. Joaquin fez uma pausa em um canto e olhou ao seu redor. Ele visivelmente relaxou e acendeu sua lanterna. — Eles não estão aqui. Decepcionada, caminhei para uma área aberta da caverna, o teto apenas dez centímetros do alto da minha cabeça. Era um espaço amplo, e quando Joaquin brilhou sua lanterna para lá e para cá, algo chamou minha atenção contra a parede oposta. — Aqui! Eu agarrei seu ombro e apontei. Joaquin balançou o feixe de novo ao redor, e ele capturou alguma coisa — um cobertor azul e branco. Corremos para ele. Eu cheguei lá primeiro e caí de joelhos. A areia nesta parte da caverna estava fria, mas seca. Eu afastei o cobertor de lado e parei de respirar. Debaixo dele havia um pé de cabra, um kit de primeiros socorros, e um martelo, com algumas bandagens embaraçadas e ensanguentadas atiradas de lado. Havia também duas pequenas pilhas de roupas dobradas — dele e dela — várias barras de granola ainda em suas embalagens, e três garrafas cheias de água. — Então, eles estavam aqui — eu sussurrei, irritada com o flash de ciúmes que eu senti ao ver as roupas de Tristan dobradas ao lado das de Nadia, como de um casal aconchegante. Lá fora, um trovão retumbou, mas foi silenciado pelos quilômetros de rocha sobre as nossas cabeças. — O que eles estavam fazendo com um pé de cabra? — perguntou Joaquim, agachado. Ele timidamente pegou uma das ataduras pelo final limpo. — E de quem é esse sangue? Eu tremi. — Eu não quero saber.
Joaquin jogou o pedaço de volta na areia e se levantou, tirando a poeira de suas mãos. Ele estava tenso. Eu agarrei a lanterna e brandi ao longo do chão, encontrando os restos de sua fogueira. Ela ainda estava em chamas. Joaquin xingou em voz baixa. — Nós quase esbarramos neles — ele disse. — Eles estavam aqui. — Bem, isso é bom, certo? Eles não podem ter ido longe. — Levanteime, a adrenalina me bombeando. — Nós podemos rastreá-los. — Como? — Joaquin exigiu, girando para mim. — Não é como se eles estivessem deixando pegadas lá fora! A chuva vai se certificar disso! — Você não precisa gritar comigo — eu respondi. — O que você quer fazer? Ficar aqui? Deixá-los ir embora? Virei-me para a boca da caverna, e Joaquin me seguiu, seu feixe de luz dançando à nossa frente. — Você está prestes a sair em uma perseguição inútil e demorada — Joaquin murmurou. — E vai começar a ficar escuro. — Essa coisa toda é uma perseguição inútil e demorada! — eu gritei, jogando meus braços para cima. — Mas esta é a melhor pista que tivemos em três dias. Não podemos simplesmente ir para casa. Joaquin agarrou meu braço, me virando para ele rudemente enquanto eu tentava levantar meu capuz. — Mas como é que você vai para... Sua pergunta foi cortada pelo barulho distante de um sino. Parecia um daqueles velhos sinos de igreja que usavam para tocar na capela perto da minha casa em Princeton sempre que alguém se casava. Exceto que isso não era uma música alegre de celebração. Era um apelo frenético e irregular. Joaquin ficou branco. — O que é isso? — perguntei. — O sino. — Ele virou-se para o sul em direção à cidade, o que não era visível a partir da base da falésia. — Sim, eu sei que é um sino — eu disse. — O que isso significa? — Isso significa que há uma emergência. — Ele subiu de volta para a escada rochosa, passando pela pilha de carcaças de gaivota, e ao longo das conchas quebradas. — Que tipo de emergência? — eu perguntei, deslizando e escorregando atrás dele. Ele parou com um pé no terceiro degrau, esticando suas longas pernas, tanto quanto elas iriam, e olhou por cima do ombro. Eu nunca o tinha visto tão apavorado.
— Eu não sei — disse ele. — Esse sino não tem sido tocado desde que Jessica fez aquelas pessoas inocentes serem condenadas à Terra das Sombras, Rory. Não foi tocado em cem anos.
2 DESTRUIÇÃO Traduzido por L. G.
A
chuva pinicou em meu rosto enquanto corríamos em direção à cidade, os meus pés escorregando sobre as folhas caídas, meus pulmões queimando com o esforço. Minhas narinas formigaram com o cheiro sinistro de fumaça úmida e esvoaçante. Por cima do tamborilar constante da chuva e do sibilar do vento, eu ouvi um grito errante, seguido por mais uma dúzia. Os olhos de Joaquin estavam arregalados quando encontraram os meus, e nós corremos ainda mais rápido. Quando finalmente chegamos ao ponto em que era possível ver a praça da cidade e as docas abaixo, eu estava tão chocada com o que vi que quase derrapei para a direita sobre a borda rochosa. De alguma forma, eu consegui me parar a tempo e me dobrar ao lado de Joaquin, arfando para respirar. A balsa que costumava trazer novas almas a Juniper Landing estava em chamas e afundando rapidamente. Toda a parte de trás da embarcação tinha pegado fogo. O ar estava cheio de berros e gritos, e eu pude ver várias figuras propensas alinhadas na margem escassa da baía. Outras dezenas agarravam-se a fragmentos irregulares de madeira nas ondas turvas e agitadas ou nadavam desesperadamente para a terra, enquanto Lifers mergulhavam nas docas para ajudar. — Puta merda — disse Joaquin entre arfadas. Nós corremos morro abaixo, derrapando perto da biblioteca e ao longo do lado oeste da cidade em direção às docas. O ar estava cheio de fumaça. Passamos por alguns Lifers atordoados na área comercial, cada um deles paralisados, confusão e medo atravessando seus olhos enquanto assistiam ao desastre se desdobrar diante deles. Era um tipo estranho de calmaria para atravessar antes de chegar ao caos das docas. A longa passarela tinha sido flanqueada de cada lado por afloramentos de rochas íngremes e escorregadias. Os corpos dos feridos foram colocados na costa, enquanto os sobreviventes que podiam se mover caminhavam para a encosta rochosa ou
subiam as escadas até o cais. Qualquer lugar que eu olhasse, meus amigos e colegas Lifers estavam ajudando tanto quanto podiam. O atual namorado de Darcy, Fisher Morton, jogou uma pessoa sobre seus ombros e a carregou até a areia antes de virar de volta e nadar de novo. Bea McHenry estava rebocando três pessoas em direção à costa, que se agarravam a um pedaço grande da proa do barco. Mais abaixo, na doca, Krista Parrish e Lauren Caldwell ajudavam a curar arranhões, contusões e queimaduras, enquanto alguns estranhos vagavam sem rumo, gritando nomes ou pedindo ajuda. Eu arranquei meu casaco e corri para a água. Joaquin estava logo atrás de mim. — Parem já aí. O som da voz autoritária da prefeita me fez congelar no caminho. Vireime para encontrá-la de pé nas rochas perto da borda d’água debaixo de um enorme guarda-chuva preto, seu cabelo loiro penteado para trás em um rabo de cavalo baixo, seu casaco de chuva preto apertando na cintura. Seu olhar azul-gelo afiou-se em minha direção. — Eles precisam de ajuda! — eu gritei. — Deixe-os cuidarem disso — disse ela, acenando para os nadadores, que incluía minha irmã. — Precisamos de mais mãos aqui, catalogando os acidentados. Catalogando os acidentados? Quem diabos falava assim? Mas quando olhei ao redor para os visitantes feridos amontoados ou deitados no trecho fino de areia, vi que ela estava certa. Essas pessoas não podiam morrer, é claro, mas tínhamos que encontrar aqueles em estado crítico e separá-los daqueles com colisões simples e hematomas. — Joaquin! Rory! Preciso de ajuda por aqui. Krista — a “irmã” de Tristan no mundo de Juniper Landing, e desde as últimas semanas, minha amiga — acenou para nós de baixo. Ela estava ao lado de um homem cujo braço pendia inerte, o osso se projetando em um ângulo não natural. Ela usava uma capa de chuva branca sobre seu jeans, mas seu cabelo loiro estava sem vida, e sua pele estava tão pálida como gelo. Joaquin correu para o seu lado, assim que Kevin Calandro e o Policial Dorn aceleraram em um caminhão carregado de caixas, parando no estacionamento no topo da colina. — Nós trouxemos os suprimentos! — Kevin gritou, descendo da cabine. Seu cabelo preto normalmente desgrenhado estava penteado para trás e ele usava uma blusa preta que deixava exposta a tatuagem colorida de chamas que dançavam sobre seu braço. Seu queixo pontudo subiu com determinação quando ele abriu a parte traseira do caminhão.
— Traga-nos uma tala! — Joaquin gritou para mim. — E uma tipoia! Corri para Kevin e o ajudei a descarregar, rasgando caixas aleatoriamente. Os recipientes estavam cheios de material de primeiros socorros, de pomadas e cremes para curativos, tesouras e kits de costura. Na terceira caixa eu encontrei uma dúzia de tipoias azuis-e-brancas e talas de plástico planas. Peguei um conjunto e me levantei. — Aqui. Você vai precisar disso. — Kevin me atirou um rolo de fita adesiva médica, que eu peguei com a minha mão livre. — Obrigada — eu disse, e então corri para Joaquin e Krista, verificando o caos e tentando achar Darcy ao longo do caminho. Onde ela estava? Ela estava bem? — Eu preciso de ajuda. Eu preciso de ajuda — uma voz zombeteira passou muito perto atrás de mim imitando as vítimas. Meus músculos dos ombros enrolaram e meu sangue esfriou quando Ray Wagner, um dos meus encarregados, apareceu de repente em seu casaco marrom sujo, o cabelo fino de um lado apontando para cima, mesmo com a chuva incessante. Eu o ignorei e pulei de volta para a praia, mas ele se inclinou no parapeito do cais em cima da minha cabeça e riu, expondo seus dentes amarelos e uma língua que tinha sido enegrecida pelo tabaco de mascar. Com a chuva escorrendo livremente pelo rosto, ele cuspiu na areia e sorriu, como se estivesse se ajeitando para assistir a um jogo de bola. — O que devo fazer? — eu perguntei a Joaquin, que estava segurando o braço do homem o mais suavemente possível. O rosto dele estava roxo com a dor, e as rugas em sua testa se aprofundavam sempre que ele se mexia. Krista tinha recuado, assistindo o processo com grandes olhos azuis. Ela parecia como se estivesse pendurada por um fio. — Coloque a tipoia sobre sua cabeça, gentilmente. E me dê a tala — Joaquin ordenou. — Você vai ficar bem — eu disse ao homem, colocando a faixa branca sobre sua cabeça. — Não se preocupe. Nós te ajudaremos. — Não se preocupe. Não se preocupe. Blá, blá, blá — Ray zombou de mim, inclinando a cabeça de um lado para o outro. Eu dei a ele um olhar mortal, mas ele simplesmente riu. Ray Wagner tinha matado quatro pessoas em uma onda de assassinatos em uma noite em Richmond, Virginia, antes de ser morto a tiros no estacionamento de uma loja de conveniência ao tentar levar a sua quinta vítima. Normalmente, eu teria conduzido ele o mais rapidamente possível, mas desde que as coisas estavam fora de controle e a política de não-ingressar estava regendo, ele ainda estava aqui. Como também estavam
algumas outras pessoas desagradáveis que meus amigos ainda tinham que conduzir. Lauren tinha sido encarregada de um criminoso de colarinho branco chamado Piper Molloy, que havia enganado dúzias de famílias, tirando suas poupanças e os tornado sem-teto. Bea tinha uma mulher que tinha vindo na balsa há dois dias que parecia como se ela tivesse vindo direto da Idade da Pedra com o cabelo desgrenhado, unhas sujas e dentes deformados. O nome dela era Tess Crowe e ela tinha assassinado seus próprios pais e irmãos antes de ser relegada para um asilo de loucos. Bea a tinha atualmente trancado no sótão da casa que dividia com dois Lifers mais velhos. Supostamente, Tess gritando e tentando arranhar até conseguir sair mantinha os hospedes acordados durante a noite. Havia tido uma conversa sobre trancar os visitantes que iriam para a Terra das Sombras na prisão na delegacia, mas ela era composta por apenas duas pequenas celas e não estava equipada para abrigar a todos, então por enquanto, nós estávamos encarregados de agir como suas babás da melhor maneira que conseguíamos, para ter certeza de que eles não causariam nenhum problema. Ray era o único, no entanto, cujo coração sádico havia sido atraído para a devastação de hoje. Sorte a minha. — Oh Deus! Isso dói! — O homem gritou quando Joaquin prendeu seu braço na tala. — Quase pronto — eu disse enquanto Joaquin usava os dentes para rasgar a fita. Assim que ele tinha prendido o braço com quatro pequenos círculos de fita, nós delicadamente o colocamos na tipoia. Depois eu cuidadosamente ajudei o homem a se sentar em um dos pilares da doca. — Obrigado — disse ele, caindo ligeiramente. — Só fique aqui enquanto nós descobrimos para onde levá-lo — disse Joaquin. — Obrigado, pessoal — disse Krista, pairando entre nós, com os joelhos balançando. — Eu não tinha ideia do que fazer. — Está tudo bem — disse Joaquin. — A questão é: e agora? Nós fizemos uma varredura da água e da praia. Uma mulher por perto chorava ao lado do marido sangrando. Um homem cambaleou por nós e caiu na areia, com o peito arfando para respirar. Joaquin estava certo. Onde iríamos começar? Então eu vi um flash com o canto do meu olho: o cabelo escuro da minha irmã correndo para a água. Ela não estava usando nada além de shorts e uma regata e estava encharcada até os ossos. Era evidente que esta não era a sua primeira vez mergulhando na baía.
— Darcy — gritei. Mas ela não me ouviu. Ela mergulhou sob as ondas agitadas, ressurgiu, e nadou em linha reta para uma menina cujos braços se agitavam enquanto ela afundava, engasgando. Minhas mãos voaram para cobrir minha boca quando Darcy mergulhou atrás dela. Eu olhava para a onda onde elas tinham desaparecido, procurando por qualquer sinal delas. Mas eu só podia ver o local onde a minha irmã e a garota tinham afundado. Onde elas estão? Eu pensei, apertando meu queixo. — Ali! — Joaquin gritou, assustando-me. Ele apontou uns bons dez metros para a esquerda de onde eu estava olhando, e lá estava Darcy, corajosamente nadando para a costa com um braço travado em torno do peito da menina. — Ela está bem. — Ele deu um aperto rápido no ombro. — As duas estão bem. — Quem é aquele? — perguntou Krista. Um cara musculoso, forte, da nossa idade estava nadando em direção à praia, segurando uma mulher de meia-idade apertada ao redor do peito, o queixo inclinado para cima em direção ao céu para que ela pudesse respirar. Ele a colocou sobre a terra, e depois correu de volta para a balsa para pegar um homem que ainda se agarrava ao parapeito da balsa condenada. Rapidamente, ele arrancou os dedos do homem em pânico do parapeito e o trouxe de volta para a segurança, em seguida, saiu novamente, cortando a água como se não fosse nada para ele. — De onde ele veio? — eu perguntei. — Eu não tenho ideia — disse Joaquin. Darcy tinha acabado de voltar para a margem e puxou a menina de volta à segurança. Corri para o lado dela, deslizando sobre as rochas até chegar na areia. — Darcy! Vocês estão bem? — eu perguntei, caindo de joelhos ao seu lado. Darcy lançou seu cabelo escuro molhado por cima do ombro. Ela estava sem fôlego, mas fora isso parecia bem. A menina, no entanto, chorava. — Ela pode ter quebrado a perna, e olhe para a sua pele. Ela está tão pálida. Acho que deveríamos levá-la ao hospital. Onde diabos estão os paramédicos? Ou a guarda costeira? Engoli em seco. Darcy não tinha ideia sobre a realidade de onde estávamos. Até onde ela sabia, eles ainda estavam vivos, inscritos no programa de proteção a testemunhas graças a Steven Nell, e prestes a receber uma chamada qualquer dia dizendo que ele tinha sido preso e que poderíamos voltar para Princeton, para a nossa casa e nossos amigos. Ela
não sabia que um lugar como Juniper Landing não precisava de pessoal dedicado a salvar vidas, porque ninguém aqui tinha uma vida para salvar. — Hum... talvez o tempo esteja complicando as coisas? — Bem, nós temos que levá-la a um hospital — Darcy insistiu. Joaquin, que agora estava cuidando de uma mulher por perto, olhou para mim. — Nós não temos exatamente um hospital — disse ele relutantemente. — Não tem hospital? — Nós olhamos para cima para encontrar o Super Garoto Nadador pairando sobre nós, arfando para respirar, seu cabelo negro escorrendo água pelas suas maçãs do rosto quadradas. — O que você quer dizer com não há nenhum hospital? Sua pele tinha um bronzeado saudável, e ele tinha um olho azul e um olho castanho. O pacote todo era tão bonito e surpreendente que eu me encontrei encarando. Darcy ficou em pé ao meu lado, tão sem palavras e paralisada quanto eu. — Sim, são cores diferentes. Não, eu não sei como nem porquê — ele afirmou, não divertido, mas também não com raiva. Em seguida, ele se concentrou em Joaquin. — O que se faz, então? Vai para um no continente? — Como poderíamos levar todos lá sem a balsa? — disse Darcy, gesticulando loucamente. Agora foi a vez de Joaquin ficar sem palavras. — Hum... nós... Os segundos se passaram lentamente. Estranhos começaram a se reunir, depois de ter escutado a nossa conversa, os feridos embalando os braços ou segurando pedaços rasgados de tecido contra as feridas. Todos pareciam esperar o que quer que fosse que Joaquin diria em seguida. — Levem eles para a clínica. Um arrepio desagradável correu pela minha espinha. Eu olhei para a passarela de tábua que levava para a cidade e vi a prefeita Parrish olhando para o resto de nós. — A clínica? — perguntei. — Claro — disse ela, revirando os olhos. — A clínica. Em seguida, ela fez um gesto muito-elegante para o escarpado, onde sua linda e enorme mansão colonial ficava com vista para a cidade. — Vamos, todos — ela disse em voz alta. — Vamos ajudar aqueles que não podem ajudar a si mesmos. Assim que estivermos estabelecidos dentro e fora desta chuva, poderemos avaliar a situação. Por um longo momento, ninguém se moveu. Não que qualquer um pudesse ter nos culpado. Este não era um procedimento normal para um
desastre, seguir a prefeita mal-humorada colina acima sem paramédicos ou enfermeiros, sem ambulâncias, sem nada. Mas isso era Juniper Landing, e eu tinha aprendido há muito tempo que nada por aqui era o procedimento normal. Não demoraria muito até que todo mundo percebesse isso também.
3 INESPERADO Traduzido por Matheus Martins
P
essoas gritam, choram e imploram ao meu redor, mas, no momento, eu ainda assisto. Eu assisto a proa do barco afundar lentamente abaixo da superfície da água, e então ele se vai. Completamente desaparecido. Por essa eu não estava esperando. Sem a balsa, não haverá novas almas. As opções vão começar a ficar insuficientes, e eu ainda nem alcancei meu objetivo. Eu não terminei a minha missão. Eu ainda preciso de mais cinco. Mas está tudo bem. Eu vou ter que me focar. Eu tenho que ter a certeza de que só os bons possam ser levados, e não os maus. Levar os maus é bom, mas, para mim, não passa de uma perda de tempo. Devo cumprir o meu destino antes de me encontrar, antes de me descobrir. Eu me viro quando uma mão se estende para mim, e vejo Rory Miller ajudar uma pobre mulher sangrando sobre os degraus para um caminhão à espera. Logo, caberá a ela. Ela só não sabe disso ainda.
4 A CLÍNICA Traduzido por Matheus Martins
—E
ntão, qual é o seu nome? O Super Garoto Nadador olhava para frente enquanto caminhava, a menina que Darcy tinha salvado agarrada a ele com seus pequenos braços em volta de seu pescoço. Darcy tinha ido em frente com Krista para pegar algumas roupas secas lá dentro. O cabelo louro da menina estava pendurado em uma trança molhada nas costas, e ela fungava continuamente, seu rosto descansando em seu ombro. A mulher idosa-mas-habilidosa que eu estava ajudando segurava firme na minha cintura a cada passo que dávamos sobre a grama achatada pelo vento lento, mas constante. Ela tinha um corte profundo na testa perto da linha de seu cabelo e estava segurando um chumaço de gaze com a mão livre, mas ela parecia de alguma forma ilesa. Na baía, a água engolia lentamente a proa do barco. Eu não podia acreditar que ele tinha ido. — Liam — disse ele. Seu tom era de alguma forma triste conforme ele olhava fixamente à frente. — Liam Murtry. — Eu sou Rory Thayer — eu anunciei. Ele olhou para mim tão rapidamente que eu não tive certeza se não tinha imaginado. — Prazer em conhecê-la. — E eu sou Myra Schwartz — minha paciente anunciou, tocando o peito. Gotas de chuva pontilhavam suas lentes dos óculos de armação vermelha. — Qual o seu nome, querida? — ela perguntou, inclinando a cabeça para ver melhor a menina, seu sorriso amável. — Eu não deveria falar com estranhos — disse a garota com uma voz mansa que partiu meu coração. Myra assentiu. — Boa menina. — Então ela piscou para mim como se dissesse: Estamos nisso juntas. Eu sorri agradecida em troca. — Atrás de você, Rory! — alguém gritou.
Liam estendeu a mão e puxou eu e Myra em direção a ele quando Kevin e Fisher passaram, carregando uma maca velha de lona e madeira entre eles. Nela, um homem corpulento com um terno gemia, com os braços abertos sobre a sua cabeça para afastar a chuva. Eles correram enquanto Liam e eu assistíamos, seus dedos fortes ainda segurando meu bíceps. Eu olhei para a mão dele e esperei. — Desculpe — disse ele, recuperando-se. Ele me soltou e fez uma careta. — É só que... isso é uma cena e tanto. Eu respirei, olhando realmente ao meu redor pela primeira vez desde que eu tinha saído da casa da prefeita. O Oficial Dorn tinha montado um posto de comando improvisado perto da parte inferior da colina, distribuindo as macas que ele e Kevin tinham pego da delegacia de polícia, juntamente com os suprimentos. Havia apenas algumas, então ele estava ocupado avaliando os feridos para decidir quem precisava de uma e quem não, seu cabelo loiro cortado coberto pelo capuz de um enorme poncho verde-exército. Pete Sweeney e Cori Morrison passaram, apoiando um homem manco entre eles. Pete estava inclinando-se para tentar equilibrar a diferença de altura entre ele e Cori. Bea e Ursula, a Lifer mais velha com quem Joaquin compartilhava uma casa como falsa avó e falso neto, carregava uma mulher em uma maca, cuja pele parecia de cera e verde. Haviam recém-chegados em todos os lugares, encolhendo-se, gemendo, chorando, fazendo o melhor que podiam para chegar até a colina íngreme enquanto Lifers corriam em volta tentando ajudar. A menina nos braços de Liam virou a cabeça para olhar para mim. — Onde está minha mãe? Os olhos de Liam encontraram os meus. — Nós vamos encontrá-la — ele garantiu a ela, passando a mão nas costas de sua cabeça. — Não se preocupe. Vamos encontrá-la. Minha garganta se contraiu enquanto nos mantínhamos em movimento, os dedos de Myra segurando meu casaco. Eu sabia no fundo do meu coração que provavelmente não iríamos encontrar sua mãe. A menos que a menina tivesse morrido junto com sua mãe em um acidente ou algo do tipo, ela estava aqui sozinha. A maioria das crianças se hospedava em Juniper Landing por aproximadamente cinco segundos antes de eles serem levados para a Luz, já que eram muitos jovens para terem problemas não resolvidos ou ter feito qualquer coisa em vida que os mandasse para a Terra das Sombras. Mas já que tínhamos parado de conduzir as pessoas, as poucas crianças que tinham aparecido aqui nestes últimos dias de agonia ainda estavam aqui. Um menino adorável chamado Oliver tinha chorado sem
parar por seus pais no momento da chegada, até que a prefeita o havia levado para um canto e usou sua mágica em sua mente, basicamente fazendo-o esquecer que ele algum dia tivera pais. Ele levantou-se e correu para as outras crianças que sofreram lavagem cerebral para iniciar um jogo de pegapega. Foi a primeira vez que eu entendi o real benefício de seus poderes. — Você foi muito impressionante lá fora — eu disse a Liam, tentando mudar de assunto. Ele levantou os ombros o melhor que pôde. — Eu sou um salva-vidas. É o que eu faço. Nós estávamos caminhando até a porta da frente da prefeita, o pavimento revestido com malmequeres castanhos mortos e pilhas de folhas molhadas e secas — coisas que não tínhamos visto em Juniper Landing quando chegamos pela primeira vez aqui, quando até mesmo as plantas nunca poderiam morrer. Uma espécie de congestionamento tinha ocorrido perto da frente da casa, e as pessoas estavam na ponta de seus dedos dos pés, dobrando-se para olhar para a frente da fila. A encarregada de Liam começou a choramingar. — Parece que isso vai levar um tempo — afirmou Myra, seus olhos castanhos cheios de preocupação enquanto olhava para a menina. — Venha comigo — eu sussurrei. Liam ergueu as sobrancelhas de corvo, intrigado, e nosso pequeno grupo se afastou da fila. Levei Liam e Myra em direção aos fundos da casa, onde havia um pátio com uma porta para a cozinha e a sala grande. Nós abrimos a porta de vidro e, finalmente, saímos da chuva. A cena que nos cumprimentou no interior da casa era surpreendente. Até no último ponto da enorme sala da casa de praia aconchegante os móveis tinham sido removidos, e em seu lugar havia filas de camas, cada uma coberta com um lençol branco liso. Krista e Lauren se moviam, arrumando eficientemente as camas e organizando gazes, ataduras e frascos de antisséptico nas mesas. Do outro lado da sala, os feridos entravam pela porta da frente, onde foram verificados e avaliados pelo delegado Grantz e a própria prefeita. Pete e Cori ajudavam seu paciente em uma cama próxima. — Onde eu devo levá-la? — Liam me perguntou. — Está vendo a mulher loira ao lado da porta? — eu disse, esfregando as costas da menina. — Ela vai querer dar uma olhada nela. — Entendi — disse ele, e levou a menina para a prefeita. — Vamos lá, Myra. Vamos te levar para uma cama — eu disse. — Eu não quero furar fila — disse ela um pouco insegura quando olhou ao redor.
Eu sorri. — Eu não conto se você não contar. Demos um passo, e Myra deslizou para o lado. Pânico tomou conta de mim quando seus olhos giraram para cima, e eu desesperadamente apertei o meu domínio sobre ela, mas era impossível manter sua forma de repente sem vida. Pete percebeu e correu para ajudar, passando por baixo do braço oposto de Myra. — O que vamos fazer? — perguntei. — Aqui. Leve-a para a cama. — Pete acenou para a cama mais próxima. Juntos, cambaleamos em direção a ela e a viramos, sentando com Myra entre nós. Myra gemeu e sua cabeça pendeu para frente. Em seguida, o braço dela vibrou em minhas costas e ela tocou a mão na cabeça. — O que aconteceu? — ela perguntou. — Você desmaiou. Eu acho. — Você devia se deitar, mas mantenha a cabeça apoiada — disse Pete. Eu atirei-lhe um olhar interrogativo. Seus olhos verdes estavam vermelhos e seu nariz também. O suor escorria pelo seu rosto. — Meu pai era médico — ele explicou-me em voz baixa. — Se você fica fraco ou tonto, você deve descansar, mas mantenha a cabeça sobre o coração. — Ainda bem que temos esse jovem bonito — Myra brincou. Sorri para Pete, que meio que atirou uma careta em troca. — Sim. Uma coisa muito boa — eu disse. Pete e eu não éramos os melhores amigos do mundo, considerando que não há muito tempo, ele e sua amiga Nadia tinham me acusado de conduzir inocentes para a Terra das Sombras. Esta era a primeira vez que eu tinha falado com ele desde que Tristan e Nadia tinham fugido, exonerando-me simplesmente e os fazendo parecerem culpados. Talvez fosse por isso que atualmente ele parecia incapaz de me olhar nos olhos. Uma vez que Myra estava encostada em alguns travesseiros, ela me deu um aceno de cabeça e um tapinha no meu braço. — Obrigada, Rory. Agora vá ver se alguém precisa da sua ajuda. — Eu vou voltar — eu prometi a ela. — Obrigada, Pete — acrescentei. Mas ele já tinha se virado para a próxima cama para ajudar Cori com outro paciente. Virei-me para fazer o mesmo e fui imediatamente esmagada pelo frenesi de atividade. Darcy e Fisher estavam levando as pessoas para uma cama, enquanto alguns dos Lifers mais velhos cuidavam de feridas e reclamações. O fluxo de “sobreviventes” que vinham pela porta nunca
terminava, e eu me perguntava se nós ainda tínhamos espaço suficiente para todos eles. Foi quando avistei um par de pessoas tão estranhas que eles momentaneamente me tiraram o fôlego. Amontoados em alguns leitos de onde eu estava havia um cara e uma garota, com cerca de vinte anos, com o cabelo loiro-branco no mesmo estilo exato em um corte-tigela, suas franjas molhadas e desgrenhadas sobre suas testas. Suas feições eram tão amplamente semelhantes — narizes retos, queixos-angulares — que eu não poderia ter adivinhado seus gêneros, exceto pelo fato de que a menina estava usando um vestido preto liso, enquanto o menino usava calças escuras e uma camisa branca. Ambos tinham olhos azuis e sua pele era de um tom verdeoliva. Suas têmporas estavam pressionadas juntas quando eles sussurraram um para o outro, mas seus olhares se lançavam ao redor da sala, absorvendo tudo. Aquilo era esquisito — sua postura estranha, a forma como eles estavam se comunicando de forma tão intensa, sem olhar um para o outro. Uma espécie de medo assustador e arrepiante se moveu lentamente através de mim, da mesma forma de quando a neblina havia engolido a praia na minha primeira noite aqui. Algo não estava certo sobre eles. Eu podia sentir isso. — Rory! Eu caminhei rapidamente até Krista, que estava acenando para mim. Ela puxou o cabelo loiro em um rabo de cavalo baixo e estava parecendo muito menos assustada do que ela tinha estado nas docas. De alguma forma, ela conseguiu se trocar para um vestido branco seco de algodão e chinelos e estava montando um tanque de oxigênio, movendo interruptores e rodando os botões como se ela fizesse isso todos os dias de sua vida. Olhei por cima do ombro para os gêmeos assustadores. Eles estavam me observando. Obriguei-me a virar as costas para eles. Fingi que eles não estavam lá. — Como você sabe como usar essa coisa? — eu perguntei a Krista. Ela se virou para mim e encolheu os ombros. — Eu não sei. Parecei que eu sei fazer? Legal. Eu bufei uma risada nervosa. — Aqui. Vamos desempacotar esta caixa de suprimentos — Krista sugeriu, levantando uma caixa de papelão em cima da cama mais próxima. — Isso eu sei como fazer. — Vamos lá. Nós rasgamos a caixa e tiramos alguns kits de primeiros socorros, alguns travesseiros infláveis, e um monte de blocos de gelo que precisavam ser refrigerados. Enquanto eu trabalhava, eu senti os olhares dos gêmeos
em mim, mas quando eu olhei de novo, eles tinham voltado a sua comunicação com os olhos dardejando assustadoramente. — Então, quem é o gostoso? Eu vi você entrar com ele. — Krista apontou para Liam e a prefeita, que estavam conversando sobre a cabeça da menina perto da porta. A prefeita fazia um gesto em direção a seu escritório e gentilmente pegou a menina dos braços de Liam. Liam observou-as até que a porta se fechou atrás delas, e eu dei um suspiro de alívio. Em cinco minutos a menina estaria livre da saudade de sua mãe. Isso já era alguma coisa, pelo menos. No momento, eu estava meio que com saudade da minha, algo que eu sentia sempre que algo terrível ou confuso acontecia. Mas a minha mãe morreu há quatro anos, bem antes do resto de nós nunca ter ouvido falar de Juniper Landing. Pelo menos eu sabia que ela estava em algum lugar seguro na Luz. Ela nunca faria parte dessa insanidade. — Só você perguntaria isso em um momento como este — eu disse, meio brincando. Seus olhos azuis se arregalaram. — Como se você não tivesse percebido? Por favor. — O nome dele é Liam Murtry — eu disse a ela. — Ele salvou, tipo, uma dúzia de pessoas — disse Krista, olhando-o com apreciação através da sala. — É como o Super-homem chegando em Juniper Landing. — Sim, ele parece muito perfeito. O que provavelmente significa que ele é um psicopata barra assassino. — Eu quis dizer isso para sair como uma brincadeira leve, mas meu tom errou totalmente o alvo. Quem poderia me culpar, no entanto? Eu estava me tornando uma séria má juíza de caráter. Krista fixou um tipo de olhar, provavelmente me sondando. — O quê? Primeiro meu professor de matemática favorito me mata — eu disse baixinho. — E então eu me apaixono por um cara que está tentando mudar todo o equilíbrio do universo? — Eu balancei a cabeça e peguei o último rolo de gaze da caixa, em seguida, rasguei a parte inferior da caixa aberta para aplaná-la. — De agora em diante, eu não vou confiar nos meus instintos sobre ninguém. Eu lancei um olhar cauteloso sobre os gêmeos novamente. Suas têmporas ainda estavam franzidas, seus lábios ainda se movendo. Eles me davam calafrios, o que significava que eles provavelmente eram as mais encantadoras pessoas que eu poderia conhecer na minha vida. Bem, na minha vida após a morte.
— Eu ainda não sei como todo mundo está tão convencido de que Tristan nos traiu — Krista sussurrou. — Quero dizer, ele é Tristan. Ele não pode ser o cara mau. — Então onde ele está, Krista? — eu rebati. — Por que ele não voltou e defendeu seu caso? Como ele pôde ter feito isso com a gente? O que poderia ter feito ele se virar contra pessoas inocentes? Contra o meu pai? Contra mim? Krista estava abrindo a boca para responder quando sua mãe e o Oficial Dorn se aproximaram por trás dela. Os lábios finos da prefeita estavam definidos em uma linha sombria. — Meninas — disse a prefeita. — Nós precisamos conversar.
5 POLÍTICOS Traduzido por Matheus Martins
E
u não confiava na prefeita. O que era justo, porque eu tinha certeza que ela não confiava em mim. Conforme Krista e eu seguíamos de volta ao seu escritório em forma de octógono, Joaquin e Dorn entraram atrás de nós. Ótimo. Eu me sentia mais segura com Joaquin nas minhas costas. Olhei por cima do meu ombro para Darcy para me certificar de que ela estava bem e a vi envolvendo o tornozelo de um homem idoso com um curativo, conversando com ele e sorrindo. Uma vez que estávamos todos dentro do escritório, Dorn fechou a porta atrás de nós, e o barulho caótico da clínica suavizou a um maçante contínuo. Dorn ficou na frente da porta, com os olhos afiados em mim, com as mãos cruzadas diante dele como um agente do Serviço Secreto. Krista e eu ficamos sem jeito no meio da sala, enquanto Joaquin caminhava até uma cadeira de couro e se sentava nela casualmente, como se fosse dono do lugar, o tornozelo apoiado no joelho. Do lado de fora das janelas, a tempestade rugia sobre o oceano, as nuvens ficando mais e mais escuras. Um galho de árvore quebrou, o seu interior dourado irregular exposto à chuva, arranhando em um ritmo a vidraça atrás do ombro direito da prefeita. — O que podemos fazer por você, Senhora Prefeita? — perguntou Joaquim, cruzando os braços atrás da cabeça. Ela lançou a ele um olhar cheio de veneno, para o qual ele simplesmente levantou uma sobrancelha, então ela suspirou. — Isso já foi totalmente longe demais. — Nada como um bom desastre para mobilizar os políticos locais — Joaquin brincou. — Isto não é uma piada, Sr. Marquez! — ela cuspiu. — Chegou o momento de encontrarmos Tristan e Nadia e descobrirmos o que diabos está acontecendo aqui.
— Ah, então agora você acredita? — eu perguntei. A prefeita se recusou a ouvir uma palavra contra Tristan. Ela não queria que ele fosse culpado, então ela não tinha escutado. Eu não queria que ele fosse culpado também, mas eu sabia o que eu tinha visto. Eu tinha visto a culpa em seus olhos quando encontramos seu estoque de moedas corrompidas, e eu assisti ele fugir. Os olhos da prefeita estreitaram para mim. — Eu não estou dizendo que eu acho que Tristan é culpado, mas ele esteve aqui mais tempo do que qualquer um do resto de nós. Ele sabe coisas sobre esta ilha que nenhum de nós poderia saber. Se alguém tem as respostas, é ele. Ainda não há nenhum sinal dele ou de Nadia? Joaquin e eu compartilhamos um olhar hesitante. Ele sentou-se para frente, esfregando as mãos contra as coxas. — Conseguimos encontrar uma coisa — ele disse lentamente. — Em uma caverna perto da ponte. Eles estiveram lá. Muito recentemente. — O quê? — perguntou Krista, empalidecendo. A mão dela se agitou, brincando com a pulseira de couro em torno de seu pulso — o mesmo que cada Lifer usava. De repente, minha pele começou a coçar sob a minha. — E você não foi atrás deles? — Dorn exigiu. — Houve essa coisa toda, onde a balsa estava afundando — Joaquin respondeu sarcasticamente, levantando-se. Ele era tão alto quanto Dorn e quase tão largo. — Isso meio que parecia mais importante no momento. — Bem, junte novamente outra equipe de busca. Dobre seus números — a prefeita ordenou. — Assim que tivermos essa bagunça resolvida, você tem que estar pronto para ir lá e encontrá-lo. Esta ilha não é tão grande. Não é como se eles pudessem ficar escondidos para sempre. — Falando nessa confusão... — disse Krista calmamente. Esperamos que ela terminasse. Do lado de fora, algo caiu, e houve um baque e um grito. A prefeita fechou os olhos e vi seus lábios se moverem enquanto ela contava, lentamente, até dez. Por trás de sua cabeça, um relâmpago dividiu o céu escuro e um barulho de trovão sacudiu a casa. Segurei a parte de trás da cadeira mais próxima, conforme os burburinhos residuais permaneciam. — O que tem isso, Krista? — disse a prefeita finalmente, impacientemente. — Bem, o que isso significa? — perguntou Krista, virando as palmas das mãos para cima. — Se não há balsa... as pessoas vão parar de vir aqui? Joaquin, a prefeita e Dorn olharam uns para os outros, como se estivessem esperando que alguém tivesse a resposta. Mas todos sabiam que
nenhuma resposta ia chegar. Nada como isso já tinha acontecido antes. A prefeita e Joaquin tinham estado aqui mais tempo do que Dorn, mas mesmo com a experiência de um século em Juniper Landing, não havia precedentes para a bagunça que estavam no momento. Finalmente, a prefeita caminhou ao redor de sua mesa e se sentou, descansando a cabeça contra a ponta dos dedos, seus cotovelos empoleirados no topo de uma pasta de couro perfeitamente limpa. Ela respirou fundo e, em seguida, ergueu o queixo. — Eu não sei, mas se for assim, eu acredito que seja uma bênção — disse ela. — Uma bênção? — perguntou Joaquim, seu rosto contraído em consternação. — Uma bênção que não conseguiremos servir com o nosso propósito? — Nós não conseguiríamos de qualquer forma — Dorn interviu. — Nós não conduzimos ninguém há dias, e a cidade está em plena capacidade. Estamos ficando sem camas e explicações para o tempo, o nevoeiro, as condições de superlotação... Além disso, há criminosos perigosos andando por aí entre os inocentes, então sim, eu concordo que a perda da balsa nesse momento foi uma bênção. — Mas isso não significa que podemos ser complacentes — disse a prefeita, com firmeza. — Com as tempestades e a superlotação, está ficando cada vez mais difícil manter o controle de todos. Você ao menos sabe quantos encarregados você tem atualmente na ilha? — ela perguntou, olhando diretamente para mim. Eu pressionei meus lábios juntos, pensando nas moedas que foram surgindo na minha cabeceira em uma base diária, que agora estavam pousadas em uma pilha no fundo da gaveta. No começo eu tinha sido capaz de manter um registro mental das almas que foram atribuídas aos meus cuidados, mas depois de alguns dias de caos, os rostos tinham ficado obscuros na minha mente. — Não — eu admiti, olhando para os meus pés. — Algum de vocês? — Não — Joaquin e Krista disseram em coro. A prefeita deu um suspiro. — Temos que encontrar Tristan. Quero todos os Lifers disponíveis para nisso. Precisamos corrigir essa situação, e nós precisamos corrigir agora. Houve uma batida repentina na porta. Dorn moveu-se para atendê-la, mas ela foi aberta antes que ele pudesse chegar lá, e Darcy entrou. Sua postura curvou-se em alívio quando ela me viu.
— Aí está você! Está tudo tão louco lá fora, e você desapareceu. Ela caminhou até a sala, como se ela não tivesse interrompido nada, e me abraçou. Olhei nervosamente para a prefeita, esperando a reprimenda, mas nenhuma veio. Nem mesmo quando Liam atravessou a porta logo após Darcy. — Hum... você pode querer vir aqui — disse ele a prefeita, apontando por cima do ombro. — As pessoas estão começando a ficar inquietas. Ela assentiu com a cabeça e levantou-se, alisando o cabelo loiro platinado sobre os ouvidos e ajeitando o terninho ajustado. Colando um enorme sorriso no rosto, ela caminhou ao redor da mesa para mim e minha irmã. — Há uma boa notícia, no entanto. — Há? — eu perguntei, incapaz de parar de ficar protetoramente na frente de Darcy. — Sim. Há. — A prefeita olhou debaixo do nariz para mim imperiosamente, suas palavras cortadas. — Darcy, Liam, parabéns! A partir de hoje, vocês dois são Lifers. Bem-vindos à família. — O quê? — Krista desabafou. Eu olhei para Darcy, meus olhos arregalados. Ela, é claro, não tinha ideia do que estava acontecendo. Que ela iria ficar aqui em Juniper Landing para sempre — que nós nunca ficaríamos separadas. Senti uma súbita onda de emoção egoísta mesmo quando uma espécie de peso surpreendente escorregou dentro do meu peito. Isso também significava que ela nunca teria a chance de seguir em frente — e realmente estar em paz. Ela nunca iria para a Luz e veria a minha mãe. Como é que eu iria explicar a sua nova realidade? — Lamento que a notícia teve que ser entregue desta maneira precipitada. Há geralmente mais sutileza envolvida — disse a prefeita. — Mas, dadas às circunstâncias, este parece ser o único jeito. Eu pensei no jeito que eu descobri — Tristan me dizendo na praia que eu estava morta, e então Fisher me acertando friamente quando eu quis dizer a minha família, e acordei em um porão, enquanto todo o grupo dos meus novos amigos explicavam o que eu era. Não inteiramente sutil, mas eu não tinha vontade de discutir a questão. A prefeita apertou a mão débil de Darcy, em seguida a forte de Liam, e deu um passo para a porta. — Vocês vão esclarecê-los, não é? — ela disse a mim, a Krista e a Joaquin.
O Oficial Dorn parecia tão surpreso quanto o resto de nós quando ele se virou lentamente e seguiu para fora da sala. A porta se fechou com um estrondo atrás deles. — Uh, do que ela estava falando? — perguntou Liam, seus olhos desiguais alargados. — O que diabos é um Lifer? — perguntou Darcy. — Hum... eu... — Como é que eu ia responder essa pergunta, exatamente? — Olá? Rory? — Ela acenou com uma mão na frente do meu rosto. — Importa-se de explicar? Olhei em seus olhos verdes, assim como os meus e da minha mãe, e respirei fundo. — Darcy — eu disse, — eu tenho boas notícias e tenho más notícias. Não havia realmente nenhuma outra maneira de começar.
6 IRMÃS PARA SEMPRE Traduzido por Yasmin Mota
—V
amos conseguir ver a mamãe? — Darcy me perguntou, em lágrimas. Senti um caroço na minha garganta, e balancei a cabeça. Darcy e eu estávamos sentadas no banco da janela do quarto dela, nossas mãos entrelaçadas entre nós, enquanto Krista e Liam estavam empoleirados em cima da cama e Fisher perto do canto inferior. Ele insistiu em estar aqui por Darcy, assim Joaquin ficou para trás na clínica para substituí-lo, no trabalho de reestabelecimento. Nós tínhamos caminhado de volta para nossa casa para dar a notícia longe da loucura, e Darcy tinha corrido lá para cima, chorando, depois de ouvir o básico. Tanto ela como Liam finalmente acalmaram-se — a reação dele foi tentar dar um soco na cara de Fisher, o que não tinha dado certo. Agora Darcy tinha feito a pergunta que eu temia mais do que qualquer uma, com exceção de outra. — Mamãe seguiu em frente. Há muito tempo atrás — eu respirei fundo, a dor me atingindo de novo, e sentei espantada porque parecia doer cada vez mais em vez de melhorar. — Então, você acredita em mim? Ela fungou e olhou para baixo. — Ele nos matou, não foi? — perguntou ela, lentamente. — Foi assim que nós morremos — como chegamos até aqui. Steven Nell nos matou. Eu balancei a cabeça, lágrimas correndo pelo meu rosto. — Oh meu Deus, Rory. Darcy lançou os braços ao meu redor e entrou em colapso. Ela soluçou, todo o seu corpo magro em convulsão enquanto as lágrimas molhavam meu ombro. Eu chorei também, sentindo a devastação do que tinha acontecido conosco como uma nova facada no peito. Eu não sei por quanto tempo ficamos assim, com Liam, Krista, e Fisher em silêncio, respeitosamente desviando os olhos, mas eu sei que no momento em que acabamos, eu estava exausta. Ela me soltou, e eu me inclinei para o lado, contra a janela, exaurida.
— Então... esperem... — disse Liam, falando pela primeira vez em alguns minutos. — Vocês foram assassinadas? Eu balancei a cabeça. — É uma longa história. — Isso é intenso. — As sobrancelhas de Liam se uniram. — Como foi que eu morri? — Você se afogou, cara. Uma contracorrente pegou você. — Fisher deu um tapinha desajeitado no ombro de Liam. — Ah, por favor. Não tem como — disse Liam. — Eu nunca iria me afogar. — É a verdade — disse Fisher. — Se você não tivesse se tornado um Lifer, eu teria sido o seu guia, então eu vi a coisa toda quando te dei um tapa nas suas costas antes. — Você viu a minha morte? — perguntou Liam, ficando branco. — Apenas um dos muitos poderes especiais que os Lifers têm — disse Krista, amargamente. — Então, como você morreu? — Liam perguntou. Krista se moveu em cima da colcha floral, puxando a bainha de seu vestido branco ainda mais para baixo sobre suas coxas. — Eu fiz uma coisa estúpida — disse ela, franzindo os lábios. Liam olhou para o resto de nós. — Como se afogar? — disse ele levemente, claramente tentando deixá-la à vontade. — Não. — Ela olhou para ele. — Eu queria chamar a atenção do meu ex-namorado, por isso tomei um monte de comprimidos, mas eu não queria morrer. — Seus olhos desviaram para o lado como se ela não conseguisse olhar nos olhos de ninguém. — Só que eu... tomei muitos. — Uau — disse Darcy. — E você? — Liam perguntou a Fisher. Darcy e eu nos viramos para olhar para ele, curiosas. — Foi um acidente no campo de futebol — disse ele. — Eu atingi um cara, e bam! — Ele bateu o punho em uma mão espalmada. — Meu pescoço estalou. Feito. Liam assobiou, e eu olhei Darcy nos olhos. Ele apenas repassou a notícia como se fosse sobre estatísticas aleatórias de um jogo. Darcy soltou um suspiro. — Então, o que aconteceu com ele? Com Nell? — Darcy me perguntou. — Você não se lembra? — Lembro-me agora que ele estava aqui... mas como ele chegou aqui? Limpei a garganta. — Bem... eu meio que o matei.
— O quê? — ela soltou. — Você matou um cara? — perguntou Liam, deslizando para a beirada da cama para que suas longas pernas balançassem para baixo. — Como? Seus olhos estavam brilhantes — perturbadoramente brilhantes, considerando o assunto. Mas ele tinha que ser uma boa pessoa para ser um Lifer, certo? Virei meu ombro para ele e me concentrei em Darcy enquanto contava a história. — Eu estava... bem, basicamente, eu estava morrendo. — Fiz uma pausa e respirei fundo, odiando o ato de lembrar isso. — Mas eu tirei a faca dele e eu... Eu parei, incapaz de encontrar uma maneira de completar a frase para que não soasse como algo de um filme de terror ruim. Enfiei a faca em seu estômago? Não. Eu o estripei? Não. Em vez disso, olhei para fora da janela de Darcy para a casa do outro lado da rua. A casa cinza com a qual eu estava obcecada quando nos mudamos para cá, certa de que alguém estava nos observando de suas janelas. E, é claro, eu tinha razão. Tristan estava me observando. Mantendo o controle sobre a nova Lifer em potencial. Uma horrível queimação azeda se expandiu através do meu estômago quando eu me lembrei do dia em que ele me levou lá — me mostrou o local de onde ele estava observando. O dia que eu tinha tentado beijá-lo pela primeira vez e ele me rejeitou. A casa estava quieta agora. Escura. Como tudo nesta ilha maldita. — Uau. Rory, podemos apenas falar por um segundo sobre como você foi destemida? — Darcy exclamou, com o rosto ainda brilhando das lágrimas. Eu me encolhi, minha pele pinicando. Tinha havido um tempo, não muito tempo atrás, quando eu realmente me senti destemida. Quando me senti orgulhosa de mim mesma por livrar a Terra do homem que matou quatorze meninas e pegou a minha família como seu último ato. Mas agora, eu já não me sentia assim. — Eu não sei — eu disse. — Você está brincando comigo? Basta pensar sobre o favor gigante que você fez para o mundo — disse Darcy. — Neste momento, há uma garota qualquer jogando futebol por aí, ou namorando ou fazendo compras com sua mãe, e ela só está fazendo isso porque você impediu o idiota que estava atrás dela. — Ela está certa, sabe — disse Krista. — Você é uma heroína, Rory.
Eu tentei sorrir, mas percebi, quando Darcy me olhou com orgulho, o porquê de me sentir tão conflituosa. Porque quando tirei a vida de Steven Nell, eu não tinha pensado sobre as garotas aleatórias que eu estava salvando ou mesmo nas meninas que ele já tinha assassinado. Eu estava pensando em mim. Eu estava pensando na minha família e o que ele tinha feito conosco. E eu estava irritada. Eu matei o homem por uma pura e simples vingança. E não havia nada puro ou heroico nisso. Eu merecia mesmo ser uma Lifer? — E o papai? — perguntou Darcy, enxugando os olhos e sugando uma respiração forte. — Onde ele está? E lá estava a pergunta que eu mais temia. Ela se lembrou dele, agora que era uma Lifer. Há alguns dias atrás, quando ele seguiu em frente, eu tinha mencionado o nome dele e ela olhou para mim como se eu fosse louca. Agora seus olhos estavam cheios de esperança guardada. Eu não queria dizer a ela — ainda não precisava dizer a ela — sobre como as coisas estavam erradas. Decidi manter minhas respostas curtas. — Ele seguiu em frente. — Então, mamãe e papai estão na Luz. Ela não perguntou, apenas afirmou. E eu não a contradisse. Meus olhos encontraram os de Fisher. Ele levantou uma sobrancelha. Eu lhe lancei um olhar silencioso e esperei que Krista também tivesse entendido. — Nós nunca os veremos novamente? — perguntou ela, com a voz embargada. Limpei a garganta. — Não. Ela enxugou os olhos. — Ok. Isso é muita coisa. — Eu sei — eu disse. — Mas a boa notícia é que nós vamos ficar juntas. Lifers nunca seguem em frente. Nós nunca vamos ter que dizer adeus. Os olhos de Darcy se iluminaram, e ela pegou minha mão. — Sério? Eu sorri. — Sério. Ficamos ali, apertando os dedos uma da outra e olhando para a chuva. Em casa, antes de morrer, Darcy e eu estávamos afastadas por meses — um impasse sobre um cara que eu mal conseguia me lembrar. Ela adorava andar pela casa lembrando a mim e ao meu pai sobre como muito em breve ela se formaria e como iria “dar o fora daqui” sem olhar para trás. Naquela época, eu não poderia imaginar que estaria aqui sentada com ela assim, em um silêncio pacífico e agradável. Era incrível a rapidez com que tudo tinha mudado. — Eu não sei — disse ela, finalmente. — Será que eu realmente quero viver com você para sempre?
Fisher riu. Eu gargalhei e empurrei seu ombro. Era uma frase clássica de Darcy, e eu estava contente de ver que ela ainda tinha isso. Eu sabia que deveria dizer a ela o que estava acontecendo na ilha — que meu pai e os outros estavam sofrendo desnecessariamente na Terra das Sombras e precisávamos descobrir como levá-los para a Luz — mas eu não queria estragar esse momento. A verdade de sua nova existência e a notícia de que ela nunca iria ver nossos pais novamente eram o suficiente por um dia. Eu não tinha motivo para assustá-la mais ainda. Por agora, eu ia deixá-la processar o que aprendeu e me segurar de forma egoísta a esse sentimento que estava brotando dentro de mim. Uma esperança branca, esvoaçante e frágil, de que tudo ia ficar bem de alguma forma. Houve um súbito clarão no canto da minha visão — algo estava se movendo na casa do outro lado da rua. Eu me encolhi. Então um trovão ressoou ao longe, e eu relaxei. Tinha sido nada mais do que um remoto flash de um raio. A tempestade estava mexendo com a minha cabeça novamente. — O que eu não entendo é, por que você não me contou isso antes? — perguntou Darcy. — Você sabe disso por... quanto tempo? — Uma semana — eu admiti. — Mas ela não podia te falar — disse Fisher. — E você não pode dizer a nenhum dos visitantes. Se você fizer isso, você os condena à Terra das Sombras — e você é enviada para Oblivion. — Sério? Isso é um pouco duro — disse Darcy, olhando por cima do ombro dele. Ele deu de ombros. — Eu não faço as regras. — Então, basicamente, se eu quiser mandar um idiota para o inferno, eu só tenho que dizer a ele que ele está morto? — perguntou Liam. Fisher bateu na parte de trás de sua cabeça com tanta força que seu cabelo levantou. — Ai! Foi só uma brincadeira! — Liam exclamou, seu rosto ficando vermelho brilhante. — Nós não brincamos com coisas assim — disse Krista, séria. — Especialmente com Oblivion. Liam se levantou e caminhou em direção ao armário. — Eu acabei de descobrir que estou morto, tá bom? Me desculpe por tentar aliviar o clima. — Olha, é só que há um pouco de história por aqui com essas coisas. Histórias que ninguém quer ver se repetir — eu disse. — Houve uma Lifer chamada Jessica que um tempo atrás decidiu que todos os visitantes mereciam saber o que estava acontecendo, então ela contou a eles.
Simplesmente andando pela cidade, batendo nas portas e contando a verdade. — Então o que aconteceu? — perguntou Darcy. — Ela deu para cada um deles um bilhete só de ida para a Terra das Sombras — disse Fisher, severamente. — Todas aquelas pessoas inocentes foram condenadas para sempre. — Por não fazerem nada errado — eu acrescentei. Relâmpagos ressoaram novamente, e Darcy e Liam pareceram pálidos. Krista estava prestes a dizer algo quando ouvimos passos pesados subindo as escadas, cortando-a. O assoalho no corredor gemeu, e houve uma batida na porta. — Entre — disse Darcy, fracamente. Joaquin abriu a porta, mantendo uma mão na maçaneta e uma no batente da porta. — Você está bem? — ele perguntou a ela. — Eu vou viver — disse ela, e em seguida deu uma baixa risada irônica. — Ótimo. — Os olhos de Joaquin se viraram para mim. — A prefeita convocou uma reunião de Lifers na delegacia. Temos que ir. Eu olhei para Darcy, e ela se esforçou para sorrir. — O dever chama? — Sim — eu disse, meu estômago se curvando em nós. — Mas há mais algumas coisas que eu vou ter que te dizer no caminho. Tanto esforço para lhe dar um tempo.
7 O MAL ESPREITA Traduzido por Lua Moreira
—A
té nova ordem — a prefeita anunciou, — a ilha está em alerta máximo. Um murmúrio inquieto passou pela centena de Lifers que reuniram-se na área aberta na frente do balcão de recepção da delegacia. Assim como os edifícios municipais, ele era relativamente pequeno, e nós estávamos lotados ombro a ombro, alguns sentados em cadeiras de plástico ao longo das paredes, outros empoleirados em cima do balcão de mármore, e outros ainda — o excesso — ao redor das mesas dos oficiais. Olhei para os meus amigos — Bea, Lauren, Krista, Joaquin, Fisher e Kevin. Ninguém disse isso, mas todos nós sentíamos a ausência de Tristan. Do outro lado da sala, Pete e Cori estavam amontoados perto de um vaso de palmeira. Os cachos escuros de Cori cobriam metade do rosto, e seu olhar se lançava furtivamente aqui e ali, como se pensasse que estávamos aqui para acusá-la de alguma coisa. Pete olhou para nós e fez um duplo aceno rápido, então puxou o boné de beisebol em sua cabeça e focou seus olhos no chão. Todo mundo estava concentrado na prefeita, que estava no centro da sala, com um raio de um metro de espaço aberto ao redor dela. — O que isso significa exatamente? — o homem que dirigia o carrinho de supermercado perguntou. Darcy se mexeu ao meu lado, seu braço roçando o meu. Ela tinha colocado uma camiseta preta seca e calça jeans e estava reta e alta, absorvendo tudo com uma expressão exigente, um pouco apreensiva. Ela pegou o colar de borboleta que minha mãe tinha dado a ela em seu aniversário de doze anos e apertou-o em torno de seu pescoço. Agora, ela brincava com o pingente, deslizando-o para cima e para baixo no colar. Para uma garota que tinha acabado de ter toda a sua vida virada de cabeça para baixo, ela estava lidando com isso surpreendentemente bem.
— Como vocês sabem, nós tivemos uma vigília postada na ponte durante os últimos quatro dias. — A prefeita acenou para o Oficial Dorn e Chefe Grantz, que começou a passar pilhas de papel ao redor. — A partir de agora, vamos colocar vigias em vários pontos ao redor da ilha. Todo mundo vai ter um turno ou dois a cada dia. Eu quero que você mantenha o controle dos visitantes. Aonde eles vão, com quem estão e o que eles estão fazendo. Precisamos de sua ajuda para manter o controle de quem está aqui e se eles estão prontos para seguir em frente. Dorn entregou a cada um de nós um horário. Darcy e Liam folhearam os deles, fechando os olhos, em seguida, mutuamente sobrecarregados. Eu estava feliz por Darcy não ser a única novata a lidar com esta situação. Era bom ter alguém no mesmo barco com ela. — Você vai ver que nós também colocamos alguns de vocês a cargo das crianças — continuou a prefeita. — A partir da última contagem, temos oito crianças com menos de doze anos de idade na ilha. Eles estão ficando em minha casa no alto da colina, o melhor para mantê-los fora de perigo. Krista conseguiu pegar alguns brinquedos e vídeo games da sala de relíquia, e estamos planejando a criação de uma sala de jogos em uma de nossas salas de estar. Precisamos manter essas jovens almas tão inocentes quanto eram no dia em que chegaram aqui, então se você estiver na presença delas, por favor, não mencione o dissabor que estamos enfrentando. O chefe voltou para o lado dela e se inclinou para sussurrar em seu ouvido. Sua mandíbula ficou imóvel, sua expressão obscura, e ela balançou a cabeça. — Chefe Grantz também gostaria de lembrá-los de nossos outros visitantes especiais — continuou a prefeita. — Faz cinco dias desde que nós não conduzimos ninguém para fora desta ilha. Nós estivemos preocupados com os que estão destinados para a Luz que podem acabar na Terra das Sombras, mas há também aquelas almas que pertencem à Terra das Sombras — almas que cometeram crimes hediondos em suas vidas, que deveriam ter sido transferidos imediatamente para os seus destinos finais. Essas almas estão agora livres entre nós. Não podemos conduzi-los apressadamente como normalmente faríamos, porque não podemos arriscar que eles equivocadamente terminem na Luz. Ela examinou o lugar lentamente, e o murmúrio se levantou novamente, mais alto e mais urgente neste momento. Pensei em Ray Wagner zombando dos sobreviventes esta manhã e estremeci. — Temos de evitar que estas almas prejudiquem nossos inocentes e nós mesmos — disse a prefeita sombriamente. — Para isso, gostaria que
todos ficassem após esta reunião e registrassem os nomes de qualquer alma que vocês estejam certos que foi destinado para a Terra das Sombras, de modo que o resto de nós pode manter uma estreita vigilância sobre eles. Quando finalmente corrigir os problemas que tenham tido, eles vão ser os primeiros a atravessarem. — Por que não os trancamos na cadeia? — alguém gritou. — Não temos espaço — Chefe Grantz respondeu. — Além disso, nós não queremos levantar suspeitas ao arrancar as pessoas das ruas e prendêlas. Esta é uma ilha pequena. As notícias correm. — Nós podemos controlar a situação, se permanecermos vigilantes — acrescentou a prefeita. Darcy virou-se para mim, os olhos arregalados. — Nell? Ele se foi, não é? Agarrei-lhe o pulso. — Há muito tempo. Ela soltou um suspiro, mas não parecia confortada. Eu não podia culpála. Do nada, Joaquin adiantou-se para compartilhar o círculo com a prefeita. — Há algumas notícias positivas hoje! — ele anunciou em voz alta, com a voz ricocheteando ao redor da sala. — Duas novas almas provaramse dignas de ser Lifers. Todos nós gostaríamos que vocês conhecessem Darcy Thayer e Liam Murtry! Houve um punhado de aplausos, que, aos gestos animados de Joaquin, cresciam em uma agitada aclamação enquanto Darcy e Liam acenavam sem jeito. — Nós estaremos iniciando-os hoje à noite, à meia-noite, na minha casa — continuou Joaquin. — Eu percebo com o novo cronograma que será um grupo menor do que o normal, mas se você puder, seria bom tê-los lá. Ele deu um passo para trás ao meu lado novamente. — Não vai ser na enseada? — eu sussurrei. — Com este tempo? Pessoalmente, eu gostaria de ficar seco por mais de 15 minutos — ele respondeu em voz baixa. Eu balancei a cabeça. — Bom ponto. Onde exatamente é sua...? A prefeita pigarreou, olhando-nos por baixo. Parei de sussurrar. — Obrigada por essa interrupção, Sr. Marquez — disse ela amargamente. — Agora, nossa última, mas certamente mais premente ordem do dia é localizar Tristan e Nadia e trazê-los de volta aqui para interrogatório. Toda a atmosfera da sala mudou, e pelos olhares cheios de dor nos rostos das pessoas ao meu redor, todo mundo sentiu. Tristan era o Garoto
de Ouro desta ilha e foi por gerações, mas agora todo mundo sabia o que ele tinha feito. O sentimento de traição era tão espesso que era sufocante. — Por favor, verifique sua programação. Se você tiver sido atribuído a um dos grupos de busca de hoje à noite, fale com o Chefe Grantz, que gentilmente separou um mapa da ilha em quadrantes e irá atribuir um para cada uma das partes. — Ela fez uma pausa, enquanto os papéis vibravam e pessoas comparavam horários. — Se ficarmos juntos e fizermos isso de forma ordenada, eles serão encontrados e nós vamos chegar ao fundo dessa bagunça. — Ela respirou fundo. — Alguma pergunta? As portas duplas se abriram de repente, e um vento uivante entrou pela delegacia. Eram aqueles gêmeos assustadores da clínica. Cada um deles usava ponchos de plástico transparentes e tinha alisado o cabelo loirobranco para baixo e para o lado, com partes opostas, de modo que pareciam ser imagens de espelho enquanto eles andavam em direção à prefeita. Seus olhos deslizaram da esquerda para a direita, olhando seus arredores. Eles ficaram tão próximos um do outro que eu assumi que eles estavam de mãos dadas, mas uma vez que eles estavam distintos da multidão eu vi que esse não era o caso. As costas de seus dedos estavam apenas tocando entre eles. — Posso ajudá-los? — a prefeita exigiu. Seus olhos varreram e se direcionaram para frente ao mesmo tempo e focaram nela. — Sim — disseram em uníssono. Eles levantaram suas mãos para remover os capuzes com timing tão perfeito que parecia ensaiado. Os Lifers ao redor da sala trocaram olhares perturbados. Ótimo. Eu não era a única que estava completamente surpresa com estes dois. — Eu sou Selma Tse e este é meu irmão, Sebastian — disse a garota com uma voz esganiçada. — Não há Internet, e estamos sem serviço no celular, mesmo que nossos telefones estejam protegidos dentro de nossas mochilas. — Nós apenas caminhamos pela cidade, e o lugar estava praticamente deserto — acrescentou Sebastian. Eles viraram a cabeça em direções opostas, deslizando seus olhos desconfiados ao redor da sala. — Parece que todo mundo está... aqui — disse Selma. — Juntos. A cidade inteira. — Qual é o problema com este lugar? — acrescentou Sebastian. — Não é normal. Um trovão retumbou lá fora. As luzes penduradas piscaram em cima das nossas cabeças e metade da sala ofegou. Eu instintivamente agarrei o braço de Joaquin. Silêncio.
— Sinto muito, houve alguma pergunta em algum lugar? — a prefeita perguntou impaciente. — Sim — Sebastian começou, dando um passo à frente. — Quem são vocês? Como chegamos aqui quando nenhum de nós se lembra de sequer decidir sair de casa? E o que diabos é Juniper Landing? Meus dedos se aprofundavam no braço de Joaquin. Normalmente, os visitantes aqui eram programados para pensar que eles estavam de férias. Eles eram meio que embalados em um sentimento de complacência feliz. Mas não esses dois. — Eu sabia — eu sussurrei. — Eu sabia que algo estava errado com eles. — Alguém vai nos responder? — perguntou Selma, sua voz soando até o teto. E pelo olhar em seus olhos claros esquisitos, eles não estavam dispostos a aceitar um “não” como resposta.
8 O CATA-VENTO Traduzido por Lua Moreira/I&E BookStore
E
u caminhei rápido pela cidade naquela noite no caminho até o apartamento de Joaquin para a iniciação de Darcy e Liam, minha cabeça inclinada para o chão, tentando ficar o mais seca possível. As calçadas estavam atravessadas com rachaduras e fraturas profundas, uma teia de aranha de perigos na escuridão. Perto da esquina em frente à loja de departamentos, uma das calhas estava tão cheia de folhas que a água borbulhava e se derramava em torno dela, e eu vi um rato morto subindo e descendo sobre as saliências, com os olhos vazios. Estremeci e apressei-me, desejando que Darcy estivesse comigo. Ela tinha sido atribuída a uma mudança tardia no berçário e ia me encontrar no apartamento de Joaquin. Era quase meia-noite, e a cidade que estava tranquila ao meio-dia estava agora um cemitério silencioso, além da chuva e do vento. Eu vi uma luz difusa iluminando uma das janelas superiores da biblioteca. Quando eu estava prestes a mergulhar para baixo em direção ao cais, algo na janela da biblioteca moveu. Parei, meu coração na garganta, apertando meu capuz bem debaixo do meu queixo. Uma sombra passou pela luz — uma pessoa, embora fosse impossível dizer se era homem ou mulher. Talvez eu estivesse imaginando coisas. Talvez tenha sido um truque da luz. Mas ainda assim, eu estava ali, sozinha e tremendo, olhando através das gramíneas do parque achatadas pela chuva. Eu estava prestes a me chamar de louca e desistir, quando a figura apareceu novamente. Desta vez, em vez de seguir em frente, ele próprio se enquadrou na janela e ficou ali, olhando para fora. Olhando para mim. Então, do nada, um raio de luz me cegou, e uma explosão simultânea de trovão vibrou dentro dos meus ossos. Quando eu olhei para a janela novamente, a sombra se foi. Eu me virei e corri.
Cercada de galhos caídos pela colina, eu podia sentir alguém — algo — atrás de mim, me alcançando, correndo com uma rapidez sobrenatural através da noite. Folhas atiradas pelo vento rolaram na minha frente, e meu pé ficou preso em uma calçada um pouco levantada, mas eu me ajeitei e continuei correndo. De repente, ouvi um som através da chuva. A música distante do Thirsty Swan, a única empresa na cidade ainda crescendo. Se eu pudesse chegar lá. Se eu pudesse encontrar alguém, alguém de verdade, talvez eu ficasse bem. Eu derrapei na beira da praia, na parte inferior da colina e me virei. Não havia nada lá. Alguém me agarrou pelo braço. — Rory? Eu gritei com toda a força dos meus pulmões, mas era apenas Liam. Ele estava com uma garota bronzeada com grandes olhos escuros e longos e cabelos negros debaixo do capuz poncho. O garoto saindo pela porta do Thirsty Swan e se juntando a eles tinha de ser seu irmão. Ele era menor e mais bronzeado, mas tinha os mesmos olhos bonitos. — Você está bem? — a garota me perguntou, seu rosto marcado com preocupação real. Eu só conseguia imaginar como eu parecia para ela, minha respiração escalonada, meus olhos atravessados por medo. Devo ter parecido psicótica, assombrada. — Eu estou bem — eu disse. — Desculpe. Provavelmente não foi a melhor ideia caminhar pelo parque sozinha tarde assim. — Eu estendi uma mão tremula, fria e molhada. — Eu sou Rory. — Lalani — disse ela com um sorriso, segurando minha mão. — Este é o meu irmão, Nicholas. — E aí? — o garoto atrás dela disse com um aceno de cabeça e um sorriso. — Lalani e Nick estavam na balsa, mas eles nadaram até a terra por conta própria — disse Liam, olhando para Lalani com uma expressão orgulhosa. — Vocês não se machucaram? — eu perguntei. Nicholas balançou a cabeça. — Nós somos do Havaí, originalmente. Sabemos como lidar com águas agitadas. — Havaí — Liam disse vertiginosamente. — Isso não é muito legal? — Incrível — eu disse, percebendo de repente o que estava acontecendo aqui. Liam tinha uma queda por ela. Uma grande queda. Por uma visitante. — Você ainda vai para o apartamento de Joaquin, certo?
— Oh, sim. Eu estava a caminho. Esses caras estão descendo para o hotel — disse Liam. Ele se virou para Lalani. — Então, eu te vejo amanhã à tarde? — Chova ou faça sol — ela respondeu, corando. Chuva. Iria definitivamente ser chuva. Liam parecia incerto por um segundo, como se ele quisesse beijá-la, mas então ele olhou para mim e Nick e pensou melhor. Em vez disso, ele levantou uma mão inábil. — Ok. Tchau. Lalani riu. — Tchau. Nick revirou os olhos, e eles caminharam juntos. — Nós vamos surfar — disse Liam, olhando para Lalani até que a escuridão engoliu ela e o irmão. — Que legal — eu disse, quando viramos os nossos passos no beco entre o Thirsty Swan e o Crab Shack. Eu tive que saltar por cima de uma poça do tamanho de um pequeno lago e Liam me seguiu. — Então, uma queda por uma visitante, hein? — É tão óbvio? — ele perguntou. — Mais ou menos. — Contornamos uma lixeira e encontramos o conjunto de escadas que supostamente levavam ao apartamento de Joaquin. — Apenas tenha cuidado. — O que você quer dizer? — ele perguntou quando começamos a subir. A escada era estreita e pequena, feita com tábuas brancas que pareciam que tinham sido marteladas juntas há dois séculos. — Eu só... eu não quero que você se machuque — eu disse, percebendo no fundo da minha mente que — considerando os recentes acontecimentos — eu posso não ser a melhor pessoa para dar conselhos românticos. Ou instruções sobre como proteger o seu coração. — Ela vai embora logo. Seguir em frente. Esperemos que sim, de qualquer maneira, eu acrescentei silenciosamente. — Oh. Certo. — Fizemos uma pausa no pequeno patamar de madeira lisa no alto da escada, do lado de fora. Ele ficou em silêncio e pensativo por uma fração de segundo antes de acrescentar brilhantemente, — Ou talvez ela vá se tornar um Lifer! Bati na porta, sorrindo, a despeito de mim mesma. Era bom ter alguém por perto que estava otimista. Eu mal podia acreditar que hoje cedo eu suspeitava que ele era um assassino. Joaquin abriu a porta, e suas sobrancelhas estavam franzidas. Ele parecia confuso com a visão de mim e Liam juntos, mas se recuperou rapidamente. — Ei. Entrem.
— Como é que eu não sabia que você morava aqui? — eu perguntei quando Liam entrou. — Nos mudamos para cá quando saímos da casa no Sunset. Que você também nunca visitou — Joaquin respondeu com um sorriso provocante. Enquanto eu pisei na soleira da porta e fiquei agradavelmente surpresa. A sala de estar era longa e ampla, espelhando o espaço exato tomado pelo restaurante e bar abaixo. A moderna e clara cozinha e a sala de jantar foram separadas por meias paredes e a sala de estar por colunas, onde sofás e cadeiras estavam em um círculo de conversa em torno de uma mesa de café. Velas tremulavam dentro de lampiões, e duas portas mais distantes estavam abertas para revelar um banheiro cinza e branco e que parecia ser de um grande quarto. Um corredor levava para o lado direito do apartamento em direção à traseira. Liam se juntou a Bea, Lauren e Fisher nos sofás da sala, onde eles estavam conversando enquanto bebiam cerveja e refrigerante em copos de cristal de aparência pesada. O cabelo encaracolado e vermelho de Bea estava preso em um coque bagunçado, como tinha estado desde que a chuva começou, e ela usava uma blusa preta e jeans cinza. O cabelo curto, brilhante e negro de Lauren estava puxado para trás com uma faixa listrada, e sua blusa azul de Juniper Landing era tão longa que permitia mostrar apenas uma polegada de seus shorts cáqui por debaixo da barra inferior. Liam tinha tirado seu casaco de chuva revelando uma camiseta vermelho escura com algum tipo de logotipo apagado nela e jeans seriamente surrados. Um menino na moda, definitivamente. Fisher estava em seu estilo habitual de bermudas escuras e uma camiseta azul clara tão apertada que eu podia ver cada um de seus músculos. — Ei, pessoal — eu disse, entregando a Joaquin minha jaqueta encharcada enquanto ele fechava a porta atrás de mim. — Rory — Lauren e Bea aplaudiram. — Onde está Darcy? — perguntou Fisher, endireitando-se para ver melhor a porta, como se esperasse que ela aparecesse de repente. — Ela teve uma troca na creche com Krista. Ela está vindo direto de lá. — Eu olhei por cima do ombro para Joaquin. — Ursula está aqui? Ele estava chegando próximo de um armário alto, mas virou-se para acenar para o corredor. — Ela ainda não está se sentindo bem, então foi para a cama cedo. A grande tigela de metal que ele estava tirando bateu contra a parte superior do armário e fez um som estridente. As cestas debaixo dela começaram a cair.
Estendi a mão para pegar as cestas antes que pudessem espalhar por toda parte, e ele colocou a tigela em cima da mesa, que estava cheia de sacos de batatas fritas, recipientes de plástico com massas e alguns vegetais aleatórios. — Estamos tendo uma festa? — eu perguntei. — Eu pensei que isso era uma iniciação. — É estranho? — ele perguntou, mostrando um flash de incerteza atípico. — Eu só pensei que, como eu estou sediando... — Não — eu disse, e não pude deixar de rir. — Não é estranho. — Ótimo. — Seus braços flexionaram sob as mangas curtas de sua camiseta vermelha quando ele começou a cortar uma pimenta. Vi suas mãos enquanto ele trabalhava, tão hábeis e precisas. Era fascinante. — Onde você aprendeu a fazer isso? — eu perguntei. Ele ergueu a mão e chupou um pouco de suco de pimenta de seu polegar. — Quando você cozinha para si mesmo por cem anos, começa a desenvolver algumas habilidades. — Ele acenou com a cabeça em direção à sala de jantar. — Você poderia pegar a bandeja de madeira? Está no aparador ali. — Claro. Por alguma razão, eu senti o meu ritmo cardíaco vibrando em meus pulsos enquanto eu me movia pela sala, e eu me senti bem visível. Fisher disse algo que fez Bea e Lauren rir e Liam corar. Ninguém estava prestando atenção em mim. Quando eu me inclinei para pegar a bandeja de uma prateleira de baixo, notei um álbum velho aberto em cima do aparador, suas páginas douradas nas bordas. As fotos em preto e branco e tons de sépia foram colocadas nas páginas com adesivos de canto pretos. O livro estava iluminado por uma vela acesa em cada lado, mas ambos foram colocadas à uma distância cuidadosa longe do livro. Olhei para a primeira foto — uma foto granulada de um menino magro, sorridente e uma menina de rosto redondo mais nova em roupas do século passado — e deixei cair a bandeja pesada. Ela bateu no canto do aparador com um barulho alto, mas eu de alguma forma consegui agarrá-la antes que ela caísse no chão. — Deus, Rory! Dê-me um ataque cardíaco! — Lauren disse, com a mão no peito. — Você está bem? — perguntou Joaquim, vindo atrás de mim. — É você! — eu soltei. Joaquin assentiu. — Sim. Esse sou eu e minha irmã, Maria.
Sua irmã. A que tinha morrido num acidente de carro. Sua expressão ficou distante por um momento enquanto ele olhava a fotografia — não ficou triste, exatamente, apenas distante. — Como você conseguiu isso? — eu perguntei. — Você tinha isso quando você morreu? Parecia improvável, considerando que ele cometeu suicídio sozinho no seu sótão. Mas as únicas coisas que qualquer um de nós trouxe conosco para Juniper Landing foram aquelas coisas que nós tínhamos quando morremos. Ou no meu caso e no Darcy, em nossas malas, já que estávamos indo para a proteção a testemunhas quando Steven Nell nos atacou. — Não. Era da minha irmã. — Ele pegou a bandeja de mim, nossos dedos se tocando. — Eu encontrei isso na sala de relíquias cerca de 50 anos atrás. Ele virou-se e dirigiu-se de volta para a cozinha, enquanto meus joelhos quase cediam debaixo de mim. Eu coloquei uma mão na superfície da mesa e o outra no aparador para me equilibrar. — Você o encontrou? — Loucura, hein? — Foi uma declaração clara, mas ele não disse isso levianamente. Lentamente eu tentei remendar as implicações disso. Se isso era da irmã dele e ele tinha encontrado na sala de relíquias, então isso significava que sua irmã tinha vindo para Juniper Landing quando ela morreu. Quando ele acidentalmente a matou. — Então ela... ela estava com isso quando ela morreu? — eu perguntei, me juntando a ele na cozinha. — Ela deve ter levado à igreja com ela para mostrar a suas amigas — ele disse enquanto limpava a bandeja cheia de poeira com um pano molhado. Os olhos dele viraram para o meu rosto. — Eu sei. É estranho. Eu tive 50 anos para contemplar o quão estranho é. Eu a matei, ela veio parar aqui, alguém conduziu-a daqui e jogou suas coisas na sala de relíquias só para mim tropeçar nisso décadas mais tarde, quando eu estava à procura de uma agulha nova para a minha picape de DJ. Eu sei. Suas mãos começaram a tremer enquanto ele limpava a bandeja novamente. Eu estendi a mão e coloquei minha mão em seu pulso, firmandoo. Ele parou de se mover. — Alguém se lembra dela? Tristan...? Fiz uma pausa, seu próprio nome na minha língua fazendo com que minha boca secasse. Joaquin balançou a cabeça. — Ninguém se lembra dela realmente. Eu gosto de pensar que é porque ela foi conduzida diretamente
para a luz. — Seus olhos brilharam quando ele olhou para mim e sorriu. — Ela não tinha exatamente nenhum negócio inacabado para lidar. Isso era apenas comigo. Minha mão livre escorregou para o meu peito. — Joaquin, eu sinto... — Não faça isso. — Ele se virou e colocou a bandeja para baixo. — Sério, não faça. Está tudo bem. Quero dizer, não está tudo bem, mas é o que é. — Ele olhou através da sala para o álbum e ergueu um ombro. — Estou feliz por tê-lo. Ele está cheio de boas lembranças. E sem ele eu não teria nenhuma imagem de qualquer pessoa da minha família, então... — Uau. Por um momento, eu não poderia imaginar a coisa certa a dizer. Joaquin ficou parado, seus dedos pressionando na parte superior da ilha da cozinha, as pontas ficando brancas. — Vocês vão trazer a comida aqui? — Bea exigiu. — Estou morrendo de fome. Corri para pegar um saco de batatas fritas, em seguida, esvaziei-o em uma vasilha. Joaquin adicionou os legumes picados na bandeja e seguiu atrás de mim. — O que vocês estavam falando aí? — perguntou Fisher. — Parecia muito sério. — Eu estava apenas dizendo a Rory sobre alguns dos mais estranhos visitantes que vieram aqui — Joaquin respondeu rapidamente, atirando-me um olhar de vá em frente quando ele colocou a bandeja em cima da mesa. Bea se lançou para a frente e pegou um punhado de vegetais antes que alguém pudesse se mover. — Hum, sim — eu disse. — Como aqueles gêmeos da delegacia? Totalmente estranho. Lauren estremeceu, seu cabelo brilhando à luz das velas. — Não é? Aqueles dois me dão arrepios. Espero que o Chefe Grantz seja capaz de explicar tudo. — Se ele não conseguir, a prefeita não pode apenas apagar as suas memórias? — eu perguntei. — Espera. A prefeita pode apagar as memórias das pessoas? — disse Liam, inclinando para frente. — Até certo ponto — respondeu Joaquin, sentando-se em um assento de dois lugares vazio. — Ela só faz isso em situações extremas, quando o comportamento de alguém ameaça a paz ou a nossa causa. Não havia outro lugar para eu ir, além do chão, então eu sentei ao lado dele, apoiando-me no braço oposto.
— Então, por que ela simplesmente não apaga a mente de todos que vieram na barca hoje? — perguntou Liam. — Essa é uma situação extrema. — Porque ela fica doente se fizer muito isso — explicou Bea, puxando um dos seus cachos errantes e envolvendo-os firmemente em torno de seu dedo. — Isso exige muito dela. — Sério? Eu nunca soube disso. Como? — eu perguntei. — Se ela apagasse a memória de toda a balsa, ela provavelmente ficaria em estado de coma — disse Fisher, mastigando uma tira de cenoura. — Assim, você pode ver como é melhor tentar lidar com as pessoas sem mexer em suas mentes em primeiro lugar. Eu soltei um suspiro. — Uau. Eu acho que cada superpoder tem seus limites. Ficamos em silêncio por um momento, até que Lauren inclinou-se para a frente e pegou alguns legumes. — Lembra de Andy Warhol? — ela perguntou, mudando de assunto abruptamente. — Aquele cara era louco. — E Babe Ruth? — Joaquin rebateu. — Ele era um animal. O queixo de Liam caiu. — Você conheceu Babe Ruth? — E o conduzi — disse Joaquin com uma risada. — Mas só depois que ele me deixou muito bêbado. — E você? — perguntou Joaquim, colocando uma fatia de pepino em sua boca. — Quem foi a pessoa mais estranha que você já conheceu? Eu imediatamente pensei em Steven Nell, mas eu não iria falar sobre isso. — Havia um garoto na minha escola que podia relacionar qualquer situação da vida com Star Wars. — Sério? — perguntou Fisher. — Como? — Uma vez eu tive uma briga com meu pai e eu estava contando a um amigo sobre isso, e esse garoto se aproximou de mim e disse “Pelo menos ele não cortou sua mão com um sabre de luz”, em seguida, caminhou para longe. Todos riram. — Não acredito — disse Lauren. — É. — Eu sorri e peguei outra batata chips. — E então havia uma garota que jurou que ia ser uma supermodelo um dia, então ela entrou na escola por três anos com uma pilha de livros equilibrados na cabeça. — Ela era gostosa? — perguntou Joaquin. — Não. Nem um pouco — eu respondi, rindo. As sobrancelhas de Liam franziram. — Que tipo de escola maluca que você frequentava? Todos riram. Eu me inclinei para trás no sofá e me deixei sentir a alegria daquele breve momento. Dentro desse apartamento aconchegante
com essas pessoas, não havia nada de errado no mundo. Nós éramos apenas alguns amigos se divertindo. — É bom rir — eu comentei. — É. — Joaquin me olhou nos olhos. — Nós deveríamos fazer isso mais vezes. Minha pele arrepiou, e eu segurei seu olhar, me recusando a desviar o olhar. Então Fisher pigarreou. — Onde diabos está Darcy? O feitiço foi quebrado. Olhei para o meu relógio. Eram doze e dezessete. — Ela pode ter se perdido? — perguntou Liam. — Ela sabe onde o Thirsty Swan é — eu disse, imediatamente lamentando meu tom sarcástico. Liam tinha estado aqui há menos de um dia. Ele não precisava que eu o repreendesse por fazer suposições perfeitamente aceitáveis. — Sinto muito. Levantei-me e caminhei até a porta, olhando para fora da janela ao lado. O que, naturalmente, não me mostrou nada além do lado do prédio próximo à viela. — Talvez ela teve que ficar até mais tarde — Joaquin sugeriu, vindo atrás de mim. — Ou talvez ela foi atacada por um dos nossos criminosos residentes. — Peguei meu casaco. — Aonde você vai? — ele perguntou. — Eu vou até a casa da prefeita — eu disse, lançando o capuz ainda molhado por cima do meu cabelo. — Espero que eu tope com ela no caminho. — Eu vou com você. — Ele pegou sua jaqueta também e passou os braços nas mangas. Eu comecei a recusar, mas segurei minha língua. Não havia nenhuma razão para ir lá sozinha. — Você quer que a gente vá? — perguntou Fisher. — Está tudo bem. Fiquem aqui no caso de ela aparecer — disse Joaquin, fechando o zíper de sua jaqueta. — Você pode contar a Liam um pouco mais sobre o que ele vai ter que fazer. — Ótimo — Liam disse com entusiasmo. — Porque eu tenho uma tonelada de perguntas. Começando com Babe Ruth... — Espero que voltemos logo — eu disse. Então eu levei Joaquin de volta para a chuva. — Desculpe — eu disse enquanto ficávamos encharcados instantaneamente. — Você não conseguiu ficar 15 minutos seco. — Talvez mais tarde — ele respondeu.
Nós caminhamos para baixo dos degraus rangentes e balançando e através do beco. O calçadão que corria ao longo da baía e ficava de frente para vários restaurantes e comércios estava deserto, além do Swan, que estava cheio de vozes, música e copos tilintando. Nós viramos a esquina e começamos a subir a colina em direção à cidade, Joaquin andando atrás de mim na estreita faixa da calçada. A cada segundo, eu ficava esperando Darcy aparecer no topo da colina, e cada momento que ela não aparecia, meu pulso começava a correr um pouco mais rápido. Finalmente, sem fôlego e com medo, chegamos ao topo da colina. Estávamos de pé no canto sudoeste da cidade, perto da doca da balsa. O cheiro de madeira queimada ainda pairava no ar. O parque no centro da cidade estava vazio, e meus olhos correram para a janela da biblioteca. Estava escura. — Ela não está aqui — eu disse. Não houve nenhuma resposta além do tamborilar da chuva no meu capuz. Era um som que eu estava ficando gravemente cansada de ouvir. — Então, vamos caminhar até a clínica — disse Joaquin casualmente, embora seus olhos estivessem lançando-se sobre a praça da cidade com preocupação. — Tenho certeza que ela está lá. Antes que as palavras tivessem desvanecido completamente no ar, algo na atmosfera mudou. Meu coração bateu na minha garganta quando eu percebi que a neblina estava se movendo acima. Como não havíamos conduzido ninguém há dias, o nevoeiro tornou-se constante, mas em vez de nos rodear em uma névoa sem fim, ele pairou como uma nuvem sinistra e sólida alguns metros acima de nossas cabeças, dando à cidade a ilusão de que ela tinha sido coberta por uma espessa camada de algodão doce cinza. Mas agora a névoa rodopiou e retirou-se, afastando-se sobre a ilha como a tampa de uma enorme cesta de piquenique sendo aberta para revelar as maravilhas deliciosas dentro. A chuva ainda caía, mas as nuvens acima estavam irregulares, e as estrelas brilhavam através do céu negro. Eu olhei para toda a cidade e vi os telhados e torres que eu não tinha visto pelo que pareceu uma eternidade, luzes nos topos dos edifícios e a ponte longe ao noroeste. — Uau — eu arfei. Depois de dias de escuridão assustadora, nada jamais pareceu tão bonito. Em seguida, a mão de Joaquin apertou meu braço, os dedos contraindo em minha carne. — Rory. O entendimento bateu em mim como um caminhão. Se o nevoeiro estava rolando para fora, alguém tinha sido conduzido.
— AimeuDeus. Corremos para a beira da calçada e olhamos para a escarpa no extremo da ilha, onde estava a casa da prefeita com vista para a cidade. O cata-vento no topo do pico mais alto girou descontroladamente em seu eixo, como se lutando com os ventos com força de furacão. Então, de repente, ele parou, o cisne dourado tremendo contra as nuvens. O meu coração caiu em meus dedos. O cata-vento apontou para o sul. Uma mão se estendeu até cobrir meus lábios. De novo não. Por favor, de novo não. — Não acabou — disse Joaquin. O cata-vento tinha começado a girar mais uma vez, mas desta vez ele parou muito mais rápido. Mais uma vez, ele apontou para o sul, reto e preciso. Mais duas almas haviam sido enviadas para a Terra das Sombras. Tristan e Nadia estavam de volta à ativa.
9 PRIMITIVO Traduzido por AMR
L
ama espirrava ao longo da estrada enquanto a picape de Joaquin passava sobre as protuberâncias e crateras criadas pela tempestade. Agarrei-me na barra de proteção sobre a minha cabeça, meus dentes trincando enquanto eu segurava minha respiração. Como eles fizeram isso? Como haviam passado pelos grupos de busca e os guardas e conseguiram agarrar dois visitantes inocentes e conduzi-los? E por quê? Por que conduzir mais? Quando vai ser suficiente? Juncos trançados e molhados batiam contra a porta do lado do passageiro enquanto as gotas de chuva caíam sobre as janelas. Quando olhei para as luzes brilhantes no centro da cidade, tudo parecia tão calmo, como se tudo fosse exatamente como deveria ser. Só que não era. De modo nenhum. De repente, Joaquin pisou fortemente no freio. Eu voei para a frente, o cinto de segurança me bloqueando no lugar um segundo mais tarde e quase me sufocando. — Merda. Joaquin parou o carro e abriu a porta com um forte estalo. Com os limpadores agitando como loucos, eu olhei através do para-brisa e engasguei. Havia um corpo na estrada. Eu desci da picape e corri para o lado de Joaquin. Ele estava agachado sobre o corpo de bruços de um dos bibliotecários, um homem grande que eu tinha visto andando pela cidade com todos os tipos de livros debaixo do braço. Ele tinha um bigode espesso e pequenos óculos de armação prateada, que haviam caído ao lado na lama. — Willis? Willis, você está bem? — Joaquin balançou seu ombro. Eu ouvi um gemido atrás de mim e vi outro homem deitado na estrada. Ele era desconhecido, mas vestido com a mesma capa de chuva amarela que Willis. Eu corri até ele enquanto ele levantava a cabeça e ajudei-o a sentar-
se. Seus dedos se levantaram para tocar-lhe o crânio, onde um galo enorme projetava-se através de seu cabelo loiro desbastado. — O que aconteceu? — eu perguntei, segurando-o. — Eu não sei. Alguém nos atacou por trás. Eu não vi nada. — Ele piscou e olhou para as nuvens se movendo em um ritmo rápido pelo céu estrelado. — A neblina! Alguém foi conduzido? — Parece que sim — Joaquin murmurou. Olhei em volta, tentando encontrar pegadas, marcas de pneus, qualquer coisa que pudesse nos ajudar a descobrir onde Tristan e Nadia tinham ido depois de terem feito essa proeza. Foi quando eu vi um brilho na extremidade do feixe de luz do farol. Afastei uma mecha encharcada de cabelo do meu rosto e me arrastei até ele. Eu estava a centímetros de distância, quando eu percebi o que era, e minha visão começou a embaçar. Caí sentada, um ruído de asfixia escapando dos meus lábios. Não, não podia ser. Não, não, não. — Rory? O que é isso? — perguntou Joaquin. Estendi a mão para a delicada corrente de ouro. Uma asa da pequena borboleta foi danificada e a corrente foi quebrada. — É de Darcy — eu disse sem rodeios quando Joaquin brilhou uma lanterna sobre o colar. Me levantei, tremendo da cabeça aos pés, com minha mão fechada em torno da corrente. — É de Darcy, Joaquin! — Virei-me para Willis e seu parceiro, meus olhos quase saltando para fora das orbitas. — Você a viu? Você viu minha irmã? O bibliotecário balançou a cabeça, o queixo para baixo. Ele parecia em estado de choque, como se mal entendesse o que eu estava dizendo. — Joaquin, uma Lifer pode ser conduzida? — eu perguntei, com lágrimas ardendo em meus olhos enquanto soluços trancavam em minha garganta. — Eles não podem, podem? Diga-me que não podem. — Ela... não é tecnicamente uma Lifer. Ainda não. — O quê? — eu soltei. — Você não se torna uma Lifer enquanto não escolher o nosso caminho. Até ganhar a pulseira e ser iniciada. Darcy ainda é... — Uma visitante — eu arfei. — Rory. — A voz de Joaquin falhou e ele parou. — Não — eu disse, minha visão borrada. — Não. Isso não pode estar acontecendo. Não pode. — Eu dei um passo vacilante para trás em direção à ponte, onde a neblina ainda girava, como sempre, em torno de sua entrada. — Darcy! — eu gritei. — Darcy, você pode me ouvir? A única resposta foi o silvo da névoa.
— Darcy, por favor! Por favor, me responda! Por favor! Eu caí de joelhos, segurando o colar e chorando pela minha inutilidade. Lá no fundo, eu sabia que era inútil. Eu sabia que não havia nada que eu pudesse fazer. Ela já tinha ido embora. Meu coração rasgou com o pensamento de Darcy com dor. Darcy com medo. Darcy na Terra das Sombras. Tristan tinha pego meu pai e agora minha irmã. Por quê? Por que ele estava fazendo isso conosco? Ele provavelmente pensou que eu era fraca demais para lutar. Muito nova. Muito impotente, confusa e assustada. Mas ele estava errado. Ele tinha despertado algo dentro de mim. Algo primitivo, protetor e determinado. Eu podia sentir algo se acumulando nas minhas entranhas, enchendo meu coração de pura raiva, fazendo meus dedos coçarem por algo para arranhar, algo para estrangular, algo para mutilar. Agarrei a borboleta até que suas asas perfuraram minha carne e virei-me lentamente para enfrentar Joaquin. — Encontre-o — eu disse através dos meus dentes. — Nós encontraremos — ele me prometeu. — Eu juro para você, nós encontraremos. — Ótimo. E quando o encontrarmos, ele é meu. — Enfiei o colar no bolso e passei por eles em direção à caminhonete. — O que você vai fazer com ele? — Willis perguntou, trêmulo. — Eu vou dar a ele exatamente o que ele merece — eu disse, escancarando a porta. — Eu vou mandá-lo direto para Oblivion.
10 SUCESSO Traduzido por Lua Moreira
E
u me ajoelho na colina fora de vista e assisto. Eu assisto Rory cair de joelhos. Vejo-a cuspir, gritar e praguejar. Vejo-a correr para a caminhonete e bater a porta. A Pequena Rory Miller está chateada como o inferno, e eu estou amando cada minuto disso. Quero dizer, pegar Darcy foi um golpe de gênio. Justamente quando ela pensou que ela e sua irmã poderiam fazer a vida após a morte ser perfeita para elas mesmas aqui, eu a levei para longe. Se ela não investiu o suficiente antes, ela vai fazer isso agora. Ela está vindo perfeitamente para as minhas mãos.
11 UM BILHETE Traduzido por Lua Moreira
N
a manhã seguinte, eu estava tremendo dentro da boca da caverna sob a ponte, meu rosto cerrado e ressecado pela falta de sono, sentindo o vazio do lugar em cada centímetro dos meus ossos. Claramente Tristan e Nadia tinham abandonado este esconderijo particular. É claro que eles nunca iriam voltar. Joaquin e Fisher estavam ambos dos meus lados e acenderam as lanternas, juntando os flashes de luz com o da minha. Bea, Lauren, Cori e Pete estavam mais atrás. Cada um de nós usava uma capa de chuva da cabeça aos pés, e a lama que já havia atingido as nossas pernas e coberto os nossos sapatos nos fez parecer um grupo de trabalhadores na vala desorganizada à beira da estrada. Bea tinha um boné encharcado dos Dodgers sobre seu cabelo vermelho, enquanto Lauren usava um chapéu amarelo de chuva estilo Urso Paddington brilhante que escondia o rosto até o nariz. O cabelo de Pete estava tão molhado que os cachos normalmente vermelhos pareciam pretos. Cori se inclinou contra ele com manchas cinzentas sob seus olhos e seu cabelo sujo amarrado em duas tranças feitas de qualquer jeito. — Por que estamos aqui, mais uma vez? — perguntou Pete. Notei curativos em vários de seus dedos quando ele empurrou o capuz para trás, e o pomo de Adão proeminente no centro de seu longo pescoço balançou quando ele falou. — Eu sinceramente duvido que eles estejam aqui esperando por nós. — É o último lugar que temos certeza que Tristan e Nadia ficaram, e eles deixaram algumas coisas para trás — disse Joaquin. — Pode ser um tiro no escuro, mas nós temos que vasculhá-lo em busca de pistas. — Então vamos fazer isso — disse Fisher, com a voz como um simples coaxar. Mesmo que estivesse um breu aqui, ele usava óculos escuros que escondiam o que eu tenho certeza que eram olhos avermelhados. Meu coração se penalizou por ele. Eu imaginei que ele tinha passado a noite da
mesma forma que eu passei, agitado e rolando na cama, acordando de sonhos horríveis de Darcy sendo torturada, Darcy apavorada, Darcy sozinha, sozinha, sozinha. Eu tinha pegado a cama extra no quarto de Krista, não querendo voltar para a minha casa vazia sozinha, e hoje de manhã ela me disse que eu estava gritando enquanto dormia. Assim, mesmo quando eu pensava que eu estava descansando, eu claramente não estava. — Lá atrás — Joaquin apontou, e nós seguimos Fisher para dentro, formando uma fila única e longa. Fisher teve que abaixar consideravelmente até nós caminharmos até a câmara mais ampla, e mesmo assim o teto era tão baixo que ele teve de se agachar. Acendi minha lanterna em direção ao fundo da caverna e congelei. As ferramentas, comida e roupa que tinham estado lá ontem desapareceram. — Eles voltaram pelas suas coisas! — eu gritei. — O quê? — Joaquin moveu-se rapidamente para o local e olhou em volta. O lugar estava vazio. — Droga, T. Você tem colhões, eu tenho que confessar. — Como você pode encarar isso tão facilmente? — eu exigi. — Eles devem ter descoberto que tínhamos estado aqui, e eles ainda assim voltaram? — É como se eles estivessem nos provocando — Bea concordou. — Cuspindo na nossa cara — disse Pete, seu fôlego curto. — Gente! Eu encontrei alguma coisa. Cori estava agachada no local onde o meu feixe de luz estava apontando, e puxou algo para fora de uma rachadura na parede. Era um pequeno pedaço de papel enrolado em um tubo apertado. Quando ela desenrolou, Fisher foi para o seu lado, segurando sua luz sobre a página. Eles trocaram um olhar rápido, e Fisher empalideceu. Os olhos de Cori se lançaram incertos para mim, como se ela de repente me achasse muito intimidante. — O que é isso? — perguntou Lauren. Cori limpou a garganta. — É para Rory — ela disse humildemente, segurando o papel na minha direção, mas focando seus olhos nos meus sapatos. Meu pulso batia em meus dedos enquanto eu tomava a página frágil dela. Instantaneamente, eu reconheci a letra de Tristan. Meus olhos dispararam sobre as linhas rabiscadas, caindo nas palavras-chave, como confiança, pai e amor.
— O que é que diz? — perguntou Lauren, se posicionando ao meu lado para ler sobre o meu ombro. — “Querida Rory. Eu não fiz isso.” — Minha voz já estava embargada. Eu tossi e continuei a ler. — “Eu não fiz isso. Aquelas moedas foram plantadas no meu quarto. Eu continuo vendo o olhar no seu rosto naquele dia no meu quarto, e isso está me matando, sabendo que você não acredita em mim.” Minha voz falhou e eu percebi que não ia conseguir continuar. Empurrei a página para Lauren e cobri o rosto com as mãos. Ele estava mentindo. Ele tinha que estar. Primeiro, ele tinha levado meu pai, em seguida, minha irmã, e agora ele estava tentando me reconquistar. Mas porquê? Por que ele estava fazendo isso comigo? — “Eu vou fazer de tudo para recuperar a sua confiança” — Lauren leu devagar, baixinho. — “Eu vou encontrar um caminho para a Terra das Sombras. Eu vou trazer seu pai, Aaron e os outros de volta mesmo que isso me mate.” Ela fez uma pausa e eu baixei as minhas mãos trêmulas, olhando para ela quando ela terminou. — “Eu te amo” — ele leu. — “Tristan”. A página vibrou quando Lauren a devolveu para mim. Eu a coloquei no bolso rapidamente, me abraçando tão forte quanto eu podia para parar o tremor, e olhei para Joaquin. Ele parecia como se tivesse visto um fantasma. — Ele não correu risco de vir aqui para pegar suas coisas — disse Bea, sua voz quase um sussurro. — Ele arriscou vir aqui para que pudesse deixar isso para você. — Ele está dizendo a verdade — disse Lauren com firmeza. — Ele está tentando consertar as coisas. — Você não sabe disso. — Eu não quis soar agressiva, mas foi o que fiz. Um subproduto da tensão que estava implorando por qualquer tipo de escape. — Você só quer acreditar nisso. — Olhe para o bilhete de novo — disse Lauren, apontando para o meu bolso. — Ele não mencionou sua irmã. — E? — E, se ele estivesse fazendo isso, ele saberia que sua irmã tinha ido, também. Ele a teria incluído — afirmou Lauren. — Não se ele estivesse sendo inteligente — Fisher apontou. — Não se ele tivesse percebido que uma pessoa que tinha fugido há cinco dias não saberia sobre Darcy.
— Eu não aguento mais isso — eu chorei, segurando minha cabeça com as mãos, sentindo como se ela estivesse prestes a se dividir em duas. — Eu não aguento. — Nós temos que encontrá-los — disse Fisher. Bea suspirou. — Mas nós procuramos por toda parte. Temos procurado cada centímetro da ilha. Não é como se ele tivesse voltado para o continente — ele acrescentou sarcasticamente. — Então, a menos que ele esteja se escondendo debaixo d’água em algum lugar... Eu senti algo capturar o fundo da minha mente. Nós tínhamos procurado em cada centímetro da ilha, porque a ilha era o mundo inteiro neste limbo. Exceto, é claro, que não era. Havia a água. E coisas que viajavam sobre a água. Como a balsa, os jet skis, pranchas, caiaques e canoas. E havia também uma estrutura particularmente sinistra que estava em cima da água. Um lugar onde nenhum Lifer jamais pensaria em procurar, porque nenhum Lifer nunca tinha pisado nele por mais de dez segundos. Havia a ponte.
12 NA PONTE Traduzido por Yasmin Mota
—V
ocê está louca, sabia. — Joaquin me chamou enquanto eu caminhava através de buracos e poças em direção à ponte. Eu tinha subido o penhasco em tempo recorde, minha adrenalina me estimulando a proezas desumanas de força e ousadia, mas Joaquin tinha ficado logo atrás de mim. Se qualquer um dos outros tinha decidido nos seguir, ainda não tinham conseguido chegar ao topo. — O que, exatamente, você acha que isso vai ajudar? Eu o ignorei e continuei andando. Mais à frente, vi que o Oficial Dorn estava parado na ponte com Liam. Eles se espantaram quando me viram chegando e se moveram para me interceptar. — Ei — Liam disse, levantando a mão. Sua nova pulseira Lifer estava presa no final de sua manga, o couro duro e intocado. Ontem à noite, depois de Darcy desaparecer, Joaquin, Lauren e Bea tinham feito o que eu ouvi que foi a iniciação mais rápida de todos os tempos. — Onde diabos você pensa que vai? — perguntou Dorn, dando um passo na minha frente. Eu levantei meu rosto, deixando a chuva cair para baixo e ao longo do meu pescoço. — Eu vou encontrar a entrada para a Terra das Sombras. Dorn riu. Naquele momento, Joaquin me alcançou. — Você está brincando comigo? — ele perguntou, seus olhos escuros desesperados. — Você não pode fazer isso! — Por que não? — eu exigi. — Alguém já tentou? Joaquin cruzou os braços sobre o peito, os riachos de água formando novos padrões para baixo de suas mangas. — Não que eu saiba. Quer dizer, eu já dei alguns passos para dentro da névoa quando um visitante estava me dando problemas, mas isso é tudo. — Então? Como é que você sabe que eu não posso fazer isso? — Cerrei os dentes e respirei fundo, tentando manter a calma. Se eu ficar histérica
agora, eles nunca me deixarão passar. — Nós já procuramos Tristan e Nadia por toda a ilha, certo? — Sim. — respondeu Dorn. — Duas ou três vezes já. — Então, e se eles estão na ponte? — eu perguntei, meu coração pulando de forma irregular. — É o único lugar aonde nenhum Lifer nunca vai, e eu aposto que Tristan está contando com isso — contando com o nosso medo do desconhecido para mantê-lo seguro. Que melhor lugar para se esconder do que o lugar que ninguém em sã consciência jamais procuraria? Liam levantou a mão como se estivesse esperando ser chamado na classe. — Eu sei que sou novo nessas coisas, mas isso parece fazer sentido. Toda a expressão de Joaquin mudou. Ele olhou para mim como se estivesse aturdido e impressionado ao mesmo tempo. O que era muito bom. — Rory — disse ele lentamente. — Você é um gênio. — Espere um minuto, agora — Dorn começou. — Vamos fazer isso — disse Joaquin, com uma inconstância em seu tom que eu não tinha ouvido antes. Dorn levantou ambas as mãos carnudas. — Uh-uh. De jeito nenhum. — Você vem comigo? — eu perguntei a Joaquin, ignorando Dorn. Meu terror derreteu e virou um nervosismo latente. Eu sabia que tinha que fazer isso, mas ter companhia parecia uma boa ideia. — Como se eu fosse realmente deixá-la ter toda a glória — ele sorriu, trêmulo. — Eu odeio ser estraga-prazeres, mas vocês não vão a lugar algum — Dorn gritou. Houve um estrondo de trovão ao longe, e olhamos para o céu. Uma gota de chuva caiu como um dardo em meu olho direito. Doeu como ácido. Apertei minha mão nele e fiquei piscando. — Pense nisso, Dorn — disse Joaquin, ficando bem na frente do rosto dele. — Quão idiota você se sentiria se descobrisse que Tristan estava sentado a três metros de distância e você não sabia disso? — Eu sei que eu me sentiria um enorme idiota — Liam falou, para ajudar. Houve uma batida quando Dorn estreitou os olhos. Ele ia dizer não e nos escoltar de volta para a cidade ou algo assim. Eu não podia deixar isso acontecer. Não quando eu tinha tanta certeza de que estávamos tão perto. Perto de encontrar Tristan, de trazer meu pai de volta, de salvar Darcy. — Se nós o encontrarmos, vamos deixar você ganhar o crédito — eu ofereci.
Dorn virou a cabeça. Eu podia ver o brilho em seus olhos quando ele imaginou entregar a notícia à prefeita de que ele tinha apreendido Tristan. — Sério? — Claro. Por que não? — confirmou Joaquin. Ele franziu a testa, considerando, e a chuva voltou, pingando em seus ombros largos. — Ok, tudo bem. Vocês podem ir. — Pode apostar que nós podemos ir — disse Joaquin, passando por ele. — Obrigada! — eu complementei. Naquele exato momento, o resto do nosso grupo apareceu, ofegantes da subida e molhados da cabeça aos pés. Fisher tinha tirado os óculos escuros e parecia muito irritado. Pete deu uma olhada em nossas posturas beligerantes e desviou seus olhos para o chão, com o capuz cobrindo o rosto. Os outros recuaram um pouco quando Fisher e Bea aceleraram em nossa direção. — O que vocês estão fazendo? — perguntou Bea, com as mãos nos quadris. — Procurando Tristan e Nadia na ponte — disse Joaquin, erguendo as sobrancelhas. — Quer vir? Todos pareceram protestar de uma vez, mas Joaquin e eu os ignoramos e caminhamos propositadamente em direção à ponte, Cori, Pete e Lauren logo atrás de nós. Nós pisamos na mesma borda, onde a superfície de metal encontrava a sujeira da estrada, e eu parei de respirar. A entrada estava totalmente encoberta por uma névoa giratória. O silvo sinistro da névoa enviou um calafrio através de mim. Apertei os punhos na minha frente para tentar me impedir de tremer visivelmente. Você pode fazer isso, eu disse a mim mesma. Eu não podia sequer imaginar como a ponte pareceu para o meu pai e Darcy. Pelo menos eu tive escolha. Eles haviam sido arrastados contra a vontade, apavorados, provavelmente gritando por socorro. Joaquin e eu olhamos um para o outro. Ele ia me proteger. Eu podia ver isso em seus olhos. Meus dedos coçaram de repente com vontade de segurar sua mão. — Gente! Não façam isso! — disse Bea, correndo na nossa direção. Ela empurrou o capuz para baixo para nos olhar nos olhos. — Vocês não têm ideia do que pode acontecer com vocês. Boas pessoas estão sendo enviadas para a Terra das Sombras. Como vocês sabem que não vão serem sugados para lá, também?
— Nós não sabemos — disse Joaquin. Lauren choramingou e se abraçou do lado de Fisher. Ele cobriu a boca com uma mão, e até mesmo de alguns metros de distância eu podia ver que ele estava tremendo. Cori balançava para frente e para trás, mordendo o lábio inferior. — Eu não posso estar aqui para isso — disse Pete, puxando o capuz sobre ele enquanto andava para trás e para longe do grupo. — Eu não posso olhar. Com a cabeça baixa, ele andou para longe, com Liam vendo suas costas enquanto ele andava. Liam era a única pessoa que não parecia completamente perturbado com o que estávamos fazendo. O que fazia sentido, já que ele não poderia ter compreendido a real gravidade da situação. Ele nunca tinha visto alguém passar pela ponte, nunca conduziu alguém sozinho, nunca experimentou o horror que senti quando Aaron tinha ido para a Terra das Sombras depois de eu o ter enviado de uma maneira alegre. Para ele, esta era apenas uma ponte assustadora. Ele nunca tinha visto em primeira mão o que poderia acontecer. — Eu tenho que fazer isso, Bea — eu disse calmamente. — Se há uma chance de ele estar na ponte, eu tenho que encontrá-lo. Tenho que ajudar a minha família. Os olhos de Bea subitamente inundaram com lágrimas. — Não. Rory, você não... Estendi a mão e apertei a mão dela. — Vai ficar tudo bem — eu lhe disse, mal acreditando em mim mesma. Ela olhou desesperada para Joaquin, mas Fisher foi o único que falou. — Jay, você não vai realmente fazer isso. Você não pode estar falando sério quando diz que acha que isso é uma boa ideia. — Pode não ser uma boa ideia, mas é a única que temos — ele disse. Ele estendeu a mão para pegar a minha e me deu um aperto. Meu coração inundou e um leve rubor subiu nas minhas bochechas. — Você está pronta? — ele perguntou. Eu concordei, embora, é claro, eu não estava. — Vamos. — Não — Lauren gritou. — Gente! Não! Não façam isso! Não... Nós demos nosso primeiro passo na parede de nevoeiro, e seus apelos frenéticos foram cortados. Era como se alguém tivesse apertado um botão cósmico de mudo e o mundo ficou em silêncio, exceto a névoa. Eu respirei. O nevoeiro ondulava à medida que eu exalava. O braço de Joaquin era quente e firme. Ele me deu um olhar de reforço. — Tudo bem? — ele perguntou.
— Tudo bem. Demos outro lento e hesitante passo. Em seguida, um terceiro, um quarto, um quinto. O ar ficou acentuadamente mais frio a cada respiração. Joaquin ajustou seu aperto em minha mão, e eu podia sentir o suor liso que tinha juntado entre nossas palmas das mãos. — Tristan? — ele chamou em voz alta, claramente. Não havia nada. Nada, exceto o assobio da névoa. Andamos mais um pouco, e de repente eu percebi que não estava nem chovendo aqui no cinzento escuro. A ponte era imune ao tempo. Exceto pela neblina. — Tristan? — eu disse, então engoli em seco. — Nadia? Valeu a pena a tentativa, mas não houve resposta. Minha coluna encolheu, e eu me endureci, segurando apertado a mão de Joaquin. Mesmo se eles estivessem aqui, não seriam capazes de nos ver melhor do que nós poderíamos vê-los. Certo? Nós demos mais um passo hesitante. Outro. E então ouvimos o riso e os cochichos. Joaquin e eu congelamos. — ...olhe para eles... — ...ela pensa que ela é... — ...não posso nem... — ...morta... Um pavor frio se estabeleceu em meus ossos. Eu estava de pé, segurando a minha respiração e ouvindo. — Quem está aí? — disse Joaquin em voz alta. A resposta foi só uma risada sarcástica. Masculina, feminina — eu não sabia dizer. Tudo o que eu sabia era que estava rindo de mim. Em seguida, um único dedo gelado passou muito lentamente para baixo pela parte de trás do meu pescoço. Engoli em seco e então percebi que não estava mais segurando a mão de Joaquin. Era como se alguém o tivesse agarrado por trás e o arrastou para longe tão rápido que ele não teve tempo nem de gritar. — Joaquin! — gritei. — Joaquin! A névoa se reuniu em torno do local onde ele estava de pé, formando uma parede perfeita, como se ele nunca tivesse estado lá. Lágrimas quentes de terror corriam pelo meu rosto. — Joaquin! Onde você está? — Eu ainda podia sentir o calor de seus dedos contra os meus. — Onde você está? Silêncio, tão completo e total como a morte. Minhas unhas perfuraram minhas mãos. Eu estava sozinha. Alguém soprou no meu pescoço. Eu soltei um grito e me virei. Nada além da neblina.
— Pare com isso. Por favor — choraminguei. — Por favor. Por favor, não o machuque. Eu só quero encontrar a minha irmã. O meu pai. Por favor, nos deixe em paz. — Rory! — uma voz cantou, provocando. — Rooooreeee! E, em seguida, o assobio. “The Long and Winding Road.” Estava sendo assobiado diretamente em meu ouvido. Corri pela minha vida, esquecendo tudo o que não fosse a minha própria sobrevivência. Eu corri para frente — para longe da voz — passando pelo nevoeiro, certa a cada momento que eu iria direto para os braços do meu algoz, Steven Nell. Olhei por cima do ombro, para a esquerda, para a direita. Não havia nada além da neblina. A imperdoável e implacável neblina. Enquanto eu continuava correndo, um pensamento terrível começou a passar pela parte de trás da minha mente. E se eu corri direto para a Terra das Sombras? Mas não. Isso não era possível. Eu precisava de uma moeda para abrir o portal. Minha única esperança era ficar na ponte. Seguir em frente. Se eu continuasse em frente, talvez eu achasse Joaquin, Tristan ou Nadia — alguém. Alguém que poderia me dizer como encontrar meu caminho de volta. Eu estava ofegante. Prestes a desmaiar. Há quanto tempo eu estava correndo? O quão longe eu tenho que ir antes de... — Rory, querida, pare. — Mãe? Eu tropecei. Meus joelhos bateram na estrada de metal com um barulho estridente. Eu engasguei com alívio. Eu tinha ouvido a voz da minha mãe. Eu a tinha ouvido. Respirei algumas vezes, meus pulmões em chamas, e tentei me concentrar, pressionando as palmas das mãos no chão de metal entalhado. Me confortei com sua própria existência. Pelo menos era familiar. Era algo real. — Mãe? — eu me levantei novamente, virando em círculos. — Mãe? — ...para que lado ela... — ...não sei... — ...tão ingênua ela é, tão... — ...em frente, querida. Vá em frente. Algo se moveu na névoa, e eu corri em direção a ela. — Joaquin? — Fiz uma pausa e me endireitei, apertando os olhos. De repente, eu senti um cheiro familiar. O aroma picante do shampoo de Tristan. Senti sua presença tão claramente como se ele estivesse ao meu lado, segurando minha mão. Era como se eu pudesse ouvir seu batimento cardíaco.
— Tristan? — eu disse, minha voz embargada. — Tristan, é você? Havia uma clareira à frente. Eu quase podia ver. Seria o portal para a Luz? Para a Terra das Sombras? Era Joaquin? Tristan? Minha mãe realmente esteve aqui? Corri o mais rápido que pude, me segurando na esperança, tentando apagar o medo. Mas enquanto eu corria, algo puxou meu cabelo. Não era o nevoeiro nem a chuva, mas uma coisa viva. Dedos longos e famintos se estenderam para mim, agarrando meu cabelo, tentando me arrastar de volta. Quanto mais eu corria, mais longe eles chegavam, agora arranhando meus ouvidos, agora batendo contra as minhas bochechas. — ...não vá, não vá, não podemos deixá-la ir... não vá, não vá, não podemos deixar você ir... — Socorro! — eu gritei. — Alguém me ajude! Eu tropecei para frente, meus pulmões queimando. Tudo o que eu podia sentir eram meus pés batendo no chão e o medo correndo em minhas veias. Eu corri, corri e corri até que a chuva de repente golpeou meu rosto e eu colidi com Joaquin. — Rory? — ele disse, segurando meus cotovelos. — Meu Deus. Eu pensei que tinha perdido você. — Você está aqui! — Joguei meus braços ao redor dele e o abracei. — Você está bem! Joaquin segurou a parte de trás do meu pescoço com uma mão e inclinou a cabeça em meu cabelo. — Está tudo bem. Você está bem. Quando eu finalmente consegui ter controle de mim mesma, olhei para cima, sobre os ombros. Os outros ainda estavam ali, exatamente nas mesmas poses que tinham estado quando saímos. Olhei por cima do ombro para a ponte, desorientada. Eu tinha corrido em linha reta, não tinha? Como eu poderia ter voltado para o lugar exato que tinha saído? — Eu não entendo — eu disse, segurando a jaqueta de Joaquin enquanto eu tentava acalmar meus pensamentos de corrida. — Por quanto tempo ficamos sumidos? Por quanto tempo nós ficamos lá dentro? — Três segundos — Bea respondeu. — O que diabos você viu? Joaquin e eu nos olhamos. Eu balancei minha cabeça. Eu tinha corrido por pelo menos cinco minutos. Talvez dez. Após três anos de corridas de cross-country, eu sabia como julgar o tempo da minha corrida. — Ele não estava lá — eu disse, incapaz de imaginar eu tentando explicar o que havia acontecido dentro da névoa. — Ele não estava... ele não estava lá.
Joaquin me segurou nele, seus braços se fechando firmemente em torno de mim enquanto a chuva nos consumia. Então, através dos meus cílios molhados, eu vi um flash de rosa, e de repente Krista estava correndo através da lama em nossa direção. — Krista? O que há de errado? — Bea gritou. — A prefeita me enviou para buscar vocês. Ela está enlouquecendo, galera — disse Krista, ofegante, enquanto ela apoiava as mãos sobre os joelhos. — É melhor vocês voltarem. Tipo, agora.
13 A POLÍTICA Traduzido por Manoel Alves
D
e pé sob a mesma tenda branca que Krista tinha usado para a sua festa de aniversário quase uma semana atrás, que tinha sido erigida sobre o pátio de laje atrás da casa da prefeita, podíamos ouvir os pacientes dentro se preparando para sair. Entre os divisores de painel das portas francesas, vi a prefeita pairar sobre um mapa da cidade com alguns visitantes, explicando para onde ir enquanto um grupo ia para a porta da frente. A clínica estava sendo esvaziada. — Cara, o seu garoto está espreitando — disse Fisher, inclinando a cabeça para o lado da casa. Joaquin caminhou ao redor para ver melhor, e eu automaticamente fui com ele. Jack Lancet, uma dos encarregados mais malignos de Joaquin, estava passeando do lado de fora de uma das janelas virada para o leste, olhando através dos vidros com um sorriso assustador. O homem havia sido executado depois de matar três crianças indefesas. — Filhoda... Joaquin jogou-se direito sobre ele, o agarrando pela parte de trás do casaco, e atirando-o para longe. Lancet bateu os joelhos, sujando a frente de suas calças, e olhou para Joaquin enrubescido. Por uma fração de segundo, senti pena dele. Ele parecia triste, quase com nojo de si mesmo, enquanto encolhia-se na chuva. Parte de mim queria ir ajudá-lo, oferecer-lhe uma palavra amável. Mas, então, o meu lado lógico entrou em ação. O cara é doente, Rory. Doente. Ele machucou — matou — criancinhas. Essa era a palavra que tinha ficado cravada dentro do meu peito, no entanto, e presa, como algo irregular e cru. Doente. Quem podia dizer o que fazia as pessoas cometerem as coisas que eles fizeram? Era a natureza? A educação? Sua própria lógica? Suas necessidades e seus anseios? O que me
fez matar Steven Nell naquele dia? Por que o meu instinto era atacar e tirar sua vida, em vez de dar a outra face? Com essa dor horrível estabelecida dentro de mim, eu ansiei por minha mãe e pelo conforto de suas palavras de uma forma que eu não tinha ansiado há muito tempo. No mesmo momento, desejei que Tristan tivesse cumprido sua promessa de estar comigo, de ser confiável, de me ensinar tudo o que eu precisava saber. Ele vinha fazendo isso há tanto tempo que eu tinha certeza que ele possuía as respostas para minhas perguntas profundas e sombrias. E se ele tivesse dito a verdade naquele bilhete? E se ainda houvesse uma chance...? De repente, Jack Lancet me olhou nos olhos e riu. Senti meu rosto endurecer, meu queixo apertar. Era como se ele tivesse lido minha mente e estava rindo de minha esperança ingênua. Tristan era mau. Eu não iria dar-lhe a chance de me enganar novamente. — Dá o fora daqui — Joaquin rosnou para Lancet. — Nós não queremos nenhum problema com você Lancet puxou as lapelas em torno de seu queixo e saiu correndo em ziguezague, sua risada sendo levada de volta para nós com o vento. Olhei pela janela e vi dois meninos jogando, algumas meninas — incluindo a encarregada de Darcy — ocupando-se com um chá, e um punhado de outros livros de leitura empilhados em blocos. A brinquedoteca improvisada de Krista. De repente, eu fiquei tonta. — Eu acho que vou ficar doente — eu disse, tocando a mão na minha cabeça. Joaquin tomou delicadamente a minha mão. — Está tudo bem. Eles estão seguros. Por enquanto, pelo menos. Ainda assim, eu fiz questão de assistir Jack Lancet ir, até que ele finalmente estava descendo a colina e fora da vista. Quando nossos amigos voltaram do pátio, Krista estava levantando uma caixa de papelão em cima da mesa. — Antes de todos irem, peguem uma dessas. — Ela estava muito autoritária, de repente, muito no comando, e me lembrei de minha mãe uma vez dizendo que em tempos de crise, descobrimos do que realmente somos feitos. Minha mãe. Estremeci quando ouvi sua voz de novo, me avisando para parar na ponte. Eu realmente tinha imaginado isso? Ou será que ela de alguma forma esteve lá? — Rory? Aqui.
Eu pisquei. Krista estendeu o walkie-talkie preto compacto para mim. Tinha botões vermelhos na lateral, e uma antena pequena revestida de borracha. Bips e estática soaram enquanto os meus amigos brincavam com seus novos brinquedos. — Todos se certifiquem que está definido no canal um — Krista nos disse, levantando seu walkie e pressionando um dos botões laterais para nos mostrar como mudar. — Estes têm uma boa extensão, por isso, devem ser capazes de manter o contato, não importa onde estivermos na ilha. — E a tecnologia moderna finalmente consegue dominar Juniper Landing — disse Kevin com um sorriso. Eu nem ia tocar na ironia disso. De repente, a porta se abriu e alguns dos nossos novos visitantes fluíram para fora, incluindo Myra Schwartz, que me ofereceu um aceno e um sorriso, que eu felizmente respondi. Ela estava parecendo mais forte, o corte em sua testa coberto por uma atadura de gaze. — Alerta de furacão! — disse ela. — Vocês podem acreditar nisso? Eu não tinha ideia do que ela estava falando, então dei de ombros em resposta. Felizmente, ela continuou andando e atravessou a escarpa, descendo a colina com os outros. — Alerta de furacão? — disse Fisher em voz baixa. — Isso foi o que a prefeita disse para explicar a falta de serviço de celular. Grandes tempestades se movendo até a costa, cortando linhas de energia e torres de celular. — Krista revirou os olhos. — Nada mal — disse Bea com uma expressão pensativa. — Explica o tempo, também. — Vamos lá para dentro — disse Krista, olhando por cima do ombro quando a prefeita entrou em seu escritório. — Ela me mandou trazer vocês mais de meia hora atrás. Formamos uma única fila, indo pelo lado da sala em direção ao escritório. Pessoas vestiam jaquetas e recolhiam bolsas e sacolas, algumas verificando corajosamente seus telefones. Senti um arrepio quando meus olhos encontraram os de Selma Tse. Ela e seu irmão passaram por nós em seu caminho para fora da porta. — Tempo do ano estranho para um furacão, não é? — disse Selma para o irmão. — Sim. Muito estranho — ele respondeu. Eles estreitaram seus olhos para nós, mas moveram-se lenta e seguramente para a chuva.
— Eu realmente não gosto desses dois — Lauren resmungou atrás de mim. — Junte-se ao clube. Krista abriu a porta para o gabinete da prefeita e ficou para trás, nos deixando entrar. Joaquin e eu fomos os primeiros a entrar. A prefeita estava ocupada empurrando papéis em um saco de lona. Ela olhou para cima quando entramos, assustada, e deixou cair o saco no chão a seus pés. — Se incomodam de bater? — ela retrucou, ficando vermelha em volta da gola. — Desculpe — Joaquin disse sarcasticamente, levantando as mãos. — Krista disse que você estava enlouquecendo, por isso viemos. — Ela disse? — A prefeita olhou Krista astutamente. — Joaquin! — Krista sussurrou. Eu olhei para o saco de lona, enquanto os outros entravam na sala atrás de mim. A prefeita chutou mais sob sua mesa de carvalho pesada até que ele estivesse fora de vista. Com um puxão em seu terninho, ela se recompôs. Ela olhou para cada um de nós enquanto estávamos em uma longa fila em frente a ela. Finalmente, Krista fechou a porta e se juntou a nós, cruzando na frente de todo mundo para ficar na frente com Joaquin e eu. — Onde nós estamos com a busca de Tristan e Nadia? — perguntou a prefeita. O vento açoitava as ervas altas fora da janela no momento em que três corvos negros voaram em direção às rochas grasnando e cacarejando descontroladamente. Todos que estavam na ponte com a gente viraram a cara para mim e Joaquin. Meu coração pulsou dentro de minhas têmporas quando senti aquele dedo frio escorrer pelo meu pescoço mais uma vez. Joaquin pigarreou. — Acho que podemos dizer com segurança que nós procuramos por toda parte. Uma respiração coletiva pareceu dominar a sala. Aparentemente, ninguém quis admitir o que eles tinham feito. De repente, um dos corvos pousou no parapeito da varanda atrás da prefeita. Ele virou a cabeça de uma maneira horrível, robótica e pareceu concentrar seu olhar cintilante de olhos negros em mim. — E vocês não os encontraram? Como isso é possível? — a prefeita exigiu, batendo a mão na mesa dela. Todo mundo se encolheu. Outro corvo pousou ao lado do primeiro, suas asas batendo ruidosamente. — Eles devem estar em movimento, senhora — disse Fisher em sua voz profunda e autoritária. — Um passo à frente de nós.
— Se alguém pode fazer isso, é Tristan — Kevin completou, roendo suas unhas. — Eu só queria que ela tivesse dito algo para mim — disse Cori baixinho, olhando para o chão, as tranças caindo para frente sobre suas bochechas. O terceiro corvo grasnou e pousou ao lado de seus amigos. — Eu gostaria de saber o que ela estava tramando. — É uma boa pergunta — disse a prefeita, fechando um livro de couro pesado em cima de sua mesa. O som assustou os pássaros, e eles foram para longe, balindo com raiva enquanto desapareciam nas nuvens. — O que Tristan estava tramando? Qual é o fim do jogo? Olhei para o livro sob seus dedos magros. De repente, meu corpo inteiro estava em chamas com clareza. — Eu sei como podemos descobrir o que ele está tramando — eu disse. — Ou, pelo menos, o que ele estava tramando antes de fugir. O rosto da prefeita fechou em consternação. — Como? — Os diários dele.
14 NO MEIO SELVAGEM Traduzido por Manoel Alves
E
u assisto a fila interminável de visitantes enquanto eles caminham, com olhos turvos e sem noção, descendo a colina em direção à cidade. Os cativos tinham sido libertados, o que significava que cada um desses frescos e novos visitantes agora estavam livres para percorrer a ilha — vagar direto para minhas garras à espera. Como, oh, como eu vou decidir quem minhas próximas vítimas serão? É uma sensação boa, ter a liberdade de escolher. Não vai demorar muito antes da ação ser feita e de eu poder colher meus frutos. Não é como se os cães de guarda pudessem me parar. Sem chance. Eu sou imparável. Eu tenho a pura maldade ao meu lado.
15 CULPA Traduzido por Manoel Alves
A
gora que eu a toquei, eu sei tudo sobre ela, e ainda não consigo ficar longe. Os sentimentos que eu tenho quando estou com ela me aterrorizam. Prometi a mim mesmo que eu não iria deixar isso acontecer novamente. Não com um visitante ou um Lifer. Mas Rory é diferente de qualquer um que já cruzou o meu caminho em cem anos. Eu sei que é ruim para mim, ruim para ela, ruim para todos, mas eu não consigo ficar longe. Eu continuo indo para a casa na Magnolia para vigiar, para apenas sentar e olhar com a mera esperança de vislumbrá-la. A dor, quando não estou perto dela, a antecipação de vê-la novamente, de ouvir sua voz, de ver seu sorriso... é insuportável. Fechei o diário e tentei conter as lágrimas antes que transbordassem. A última coisa que eu queria fazer era chorar por ele, por nós, pelo que eu pensava que ia ser. Virei o rosto para a janela de seu quarto, apertando os olhos tão firmemente quanto pude e mordi com força meu lábio. Eu o odiava. Eu o odiava por fazer isso comigo, com minha família, a todos que ele conhecia, amava e se preocupava por séculos. Bateram na porta aberta. Eu rapidamente enxuguei a umidade debaixo dos meus olhos e me virei. Joaquin ficou enquadrado pela porta. Espalhados ao redor de mim havia dezenas de diários, alguns abertos, alguns empilhados. A colcha da cama de Tristan estava torcida das muitas vezes que eu tinha mudado de posição ao longo das últimas horas enquanto os outros Lifers tinham lentamente colocado seus diários de lado e saíram, cansados de ler, com fome para o jantar, ou simplesmente convencidos de que este meu plano iria dar em nada. Eu tinha estado sozinha e pensativa durante a maior parte da tarde. E agora Joaquin estava olhando para mim com piedade em seus olhos. — Eu acho que é hora de fazer uma pausa. Empurrei-me contra os travesseiros, fungando. — Eu não posso — eu disse com a voz trêmula, pegando outro diário. — Há algo aqui. Eu sei disso.
E eu não posso parar enquanto não encontrar uma maneira de salvar Darcy e meu pai. — Rory — ele disse. — Joaquin — eu respondi, olhando para ele. Ele respirou fundo e cruzou os braços sobre o peito. — Há algo que eu quero te mostrar. Algo que eu nunca mostrei a ninguém antes. Fechei o diário mais recente. — Você não vai desistir, não é? — Eu já desisti? — ele perguntou, erguendo uma sobrancelha. — Vamos lá, eu sei que você está pelo menos um pouco curiosa. Eu não disse nada. Apenas encarei. — Vamos lá. — Ele deixou suas mãos para baixo contra as pernas dele. — Seus olhos estão praticamente cruzados. Você não comeu desde esta manhã. Você não vai ajudar o seu pai e Darcy de qualquer jeito, se você não puder pensar direito. Dê uma pequena pausa. Dei um suspiro. Ele estava certo, é claro. Meu cérebro estava nebuloso, meus olhos estavam secos, e meu estômago estava como um grande nó vazio. Em casa, eu era sempre a que tomava cuidado com os carboidratos antes de uma grande corrida, descansava muito à noite antes de um exame. Eu sabia o que meu corpo podia e não podia aguentar, e se eu fosse honesta comigo mesma, ele não poderia lidar com muito mais do que isso sem se esgotar. E de uma forma estranha, era bom saber que ele se preocupava comigo. Joaquin nunca me decepcionou. Ele se preocupava comigo. E isso significava alguma coisa. Significava muito, na verdade. — Tudo bem — eu disse enquanto balançava minhas pernas para o lado da cama. — Mas, depois, nós vamos voltar para cá. Eu estou perto de algo. Eu posso sentir isso. — Não se preocupe — ele disse com um sorriso lento, a mão pastando na parte inferior das minhas costas enquanto eu passava por ele. — Isso não vai demorar muito.
16 FUGA Traduzido por Yasmin Mota
—S
e você está me trazendo até aqui para me matar, eu vou ficar muito chateada — eu disse, apertando a mão na parede frágil ao meu lado enquanto a torre acima da biblioteca balançava ao vento. Eu xinguei baixinho enquanto toda a coisa se inclinava para a esquerda. Acima, o enorme sino de duas toneladas rangeu ameaçadoramente sobre suas dobradiças. — Rory, você continua esquecendo — disse Joaquin das escadas em caracol, logo abaixo de mim. — Eu sei, eu sei. Não podemos morrer — eu disse, através dos meus dentes. — Mas você poderia pensar que esse fato negaria a séria necessidade que eu tenho de matá-lo agora. Joaquin riu, e mesmo com toda a vertigem, o som aqueceu meu coração. — Basta continuar indo. Você está quase lá. Prendi a respiração e subi os últimos cinco degraus até o topo da torre do sino. Altas janelas em arco estavam direcionadas para fora em todas as direções ao longo da ilha, e uma passarela com uma largura de um metro circulava a abertura sob o sino, que se estendia dos dez andares até o térreo do prédio lá embaixo. Meu coração batia forte da subida, pela altura e pelo vento assobiando que parecia ecoar de cada uma dessas janelas ao mesmo tempo. Agarrei a estrutura de tijolos na abertura mais próxima e me abracei, tentando liberar o medo. — O que estamos fazendo aqui? — eu perguntei por fim. Eu olhei para o sino de bronze enquanto ele balançava, pensando na última vez em que ele tocou. Uma flutuação rápida de culpa brilhou nos olhos de Joaquin, mas depois desapareceu. Ele caminhou até uma janela virada para o leste e se sentou. — Nós estamos fazendo uma pausa — ele afirmou com naturalidade.
— Este é o lugar onde eu venho quando quero ficar longe de tudo. Olha. Você pode ver todos os pedacinhos da ilha daqui de cima. Eu respirei fundo e olhei para fora da janela voltada para o norte ao meu lado. De fato, eu vi a ponte ao longe, os penhascos de onde meus amigos Lifers tinham saltado na noite em que queriam provar que não podíamos morrer, e vários feixes de luz ao redor balançando na costa nordeste. Uma equipe de busca. Eles ainda estavam procurando. Sempre procurando. — Legal, não é? — disse Joaquin. — É. Sentei-me ao lado dele e nossos joelhos se tocaram. Eu não me afastei, como teria feito uma semana atrás. Havia algo de reconfortante sobre estar tão perto de Joaquin. E, ao mesmo tempo, algo ousado. Eu olhei em seus olhos, e ele olhou de volta para os meus até que eu corei. Em seguida, ambos sorrimos e olhamos pela janela mais próxima. Meu joelho estava em chamas. Nunca na minha vida pensei que estaria tão focada no meu joelho. — É o ponto mais alto de Juniper Landing. — Joaquin se inclinou para mim, apoiando uma mão ao lado de meu quadril e apontando além de meu ombro. Senti seu braço raspar pelo meu pescoço, e sua respiração fez cócegas na minha pele. — Olha. Eu virei minha cabeça, meu coração batendo loucamente, e vi a casa da prefeita. De fato nós estávamos acima do seu ponto mais alto — o catavento, que ainda estava apontado para o Sul. — Eu sei que é difícil de acreditar, mas esse geralmente é um bom lugar para viver — disse Joaquin calmamente. — É sempre sol, surfe e natação durante o dia, e música, festa e diversão à noite. É pacífico, normalmente. Zen. Eu olhei para ele, querendo acreditar. Disposta, naquele momento, a acreditar em qualquer coisa que ele dissesse. — Só que... não é assim desde que você chegou aqui — ele disse. Eu bufei uma risada. — Obrigada. — Não me entenda mal. Não é como se eu quisesse voltar e não ter você aqui. — Ele se mexeu e colocou o braço sobre os meus ombros levemente. De repente, senti algumas coisas intensamente. A brisa balançando uma mecha de cabelo no meu rosto. O calor de sua pele contra a minha. As ranhuras das tábuas de madeira sob as pontas dos meus dedos. — Então você está feliz que eu estou morta? — eu brinquei, tentando aliviar o momento. Ele pegou minha mão. Ele não ia me deixar fazer um jogo disso. — Sim — ele disse. — Eu meio que estou.
Meu coração deu um baque quando ele se inclinou para mim. Sirenes de alarme dispararam na minha cabeça e em todo o meu corpo. Este era Joaquin. O melhor amigo de Tristan. A ex-paixão de Darcy. Ele não estava realmente fazendo... E então ele estava. Seus lábios tocaram os meus, e ele deslizou a mão pelas minhas costas, me puxando para mais perto dele. Eu não pude fazer nada além de corresponder ao seu beijo. De repente, eu não queria fazer nada além de corresponder ao seu beijo. E por um minuto de felicidade, um minuto interminável, foi exatamente o que eu fiz. Até que finalmente, infelizmente, ele se afastou. Joaquin olhou nos meus olhos. Eu procurei os seus, tentando encontrar um nome para o que eu estava sentindo. Tentando entender o que era aquilo, o que significava. O que diabos estávamos fazendo? Então, muito lentamente, ele sorriu, e eu percebi que não me importava. O que importava era que parecia certo. Era bom estar com Joaquin, seu braço agora nas minhas costas, seu aroma almiscarado reconfortante, me envolvendo. Debrucei-me contente na curva de seu ombro. — Olha — ele sussurrou, beijando o topo da minha cabeça. — Você pode até mesmo ver a sua casa daqui. Inclinei a cabeça um centímetro. No meio do oceano, três surfistas em lycra preta boiavam nas espumas agitadas. Eu me perguntava se eram Liam, Lalani e Nick fazendo um bom encontro com as ondas. — Não. Lá. Joaquin virou delicadamente meu queixo, e de fato lá estava ela. Após as pitorescas lojas manchadas de chuva da parte baixa da cidade e o conjunto colorido de casas vitorianas na Rua Freesia, estava a pequena e bonita casa amarela na rua Magnolia. Era tão brilhante e alegre contra as milhas de cinza, parecia que nada de ruim poderia acontecer sob seu teto. Lá estavam as telhas que ficavam em cima do meu quarto grande, a janela de Darcy, e lá estava a casa do outro lado da rua, onde Tristan costumava se sentar e ficar de olho na menina cujo coração ele estava planejando quebrar. A garota que ele simplesmente não podia ficar longe. Meu pulso parou de acelerar. Eu senti como se tivesse acabado de tropeçar e cair em uma das poças mais profundas que estragavam o parque. A menina que ele não podia ficar longe. De repente, eu estava de pé. O diário. Ele disse que era muito doloroso sair do meu lado por um minuto. E no outro dia, eu pensei que tinha visto
uma luz, mas desconsiderei rápido — como um relâmpago distante no céu. Poderia ser tão simples? — O que foi? — perguntou Joaquim, olhando para mim. — Quando foi a última vez que alguém procurou na rua Magnolia? — eu perguntei. Ele levantou os ombros, a luz morrendo nos seus olhos. Ele não queria deixar este lugar ainda. Ele queria ficar comigo. E ele poderia dizer que eu estava prestes a ir embora. — Eu não sei. Ontem à noite? Dois dias atrás? Por quê? — Eu tenho uma ideia — eu disse, tentando ignorar a pontada no meu coração. Tentando focar no positivo. — Eu acho que sei onde Tristan está.
17 A CASA CINZA Traduzido por Yasmin Mota
—E
stacione aqui — eu disse, enquanto Joaquin virava o Range Rover de Tristan na Rua Magnolia. Nós tínhamos pegado o carro emprestado da casa da prefeita, porque precisaríamos do banco de trás, caso encontrássemos Tristan e Nadia, e a picape de Joaquin tinha apenas a cabine. Eu não sabia se era poético ou simplesmente cruel que Tristan seria levado à justiça em seu próprio carro. Joaquin pisou no freio, e chiou. — Nós não queremos que eles nos vejam chegando. — Bem lembrado. — Joaquin empurrou a marcha no modo estacionar. Seus dedos estavam enrolados em punhos fechados em cima de suas coxas. Eu conhecia esse sentimento. A tensão no ar era tão forte que senti que se eu me movesse, o mundo inteiro iria desmoronar. Se eu estava certa, estávamos prestes a encontrar Tristan. Eu tinha que acreditar. Esperança era a única coisa que me restava. Bea parou seu jipe atrás de nós, e seus faróis encheram o SUV momentaneamente antes que ela os apagasse. Estava começando a escurecer, mas sem nenhum sinal do sol, a noite não parecia muito diferente do dia. Tudo era apenas uma sombra mais escura e mais sombria de cinza. Olhei pelo espelho lateral quando as portas do jipe abriram em silêncio. Cinco figuras encapuzadas desceram e ladearam nosso carro. Abaixei minha janela enquanto Joaquin fazia o mesmo. Gotas de chuva deslizaram ao longo do interior da porta do carro. Fisher, Kevin e Cori estavam do meu lado, Bea e Lauren do lado de Joaquin. — Você realmente acha que ele está lá? — perguntou Fisher, olhando na direção da casa em questão. — Eu me recuso a acreditar nisso — disse Lauren, os lábios apertados. — As procuras têm sido tão organizadas. Não há nenhuma maneira de ele estar escondido debaixo do nosso nariz esse tempo todo.
— Não esse tempo todo, mas talvez no último dia — eu disse. — Pelo menos, é isso que eu estou esperando. — Vamos acabar com isso — Kevin estalou cada um de seus dedos, um por um. — Exatamente o que pensei. Abri minha porta, forçando Fisher, Kevin e Cori a darem um passo para trás. Quando coloquei meus pés na calçada, vi uma figura alta se aproximando de nós a partir da parte inferior da colina. Por um segundo, eu pensei que poderia ser Liam, mas então ele olhou para cima e a pele pálida de Pete praticamente brilhou debaixo de seu capuz. — O que vocês estão fazendo? — ele perguntou. — Estamos verificando a casa cinza atrás de Tristan — disse Kevin, colocando o braço em volta dele. — Vamos. — Quanto mais, melhor — disse Joaquin categoricamente. Nós nos movemos juntos pela calçada. Eu mantive um olho na porta da frente enquanto nos aproximávamos, no caso de alguém tentar fugir por ali. Passamos pela casa de Bea — uma casa branca alta e colonial há cerca de cinco portas do nosso destino — e podíamos ouvir a encarregada insana de Bea, Tess, gritando da janela do quarto andar. O som envolveu meus ombros, e eu olhei para Bea. Seu rosto era uma máscara sardenta debaixo de seu chapéu de chuva preto, com a área sob os olhos inchada e escura. — Nem fala nada. — Ela suspirou e colocou as mãos em seus bolsos profundamente, se curvando para longe da janela de Tess. Nós realmente temos que tirar as almas sombrias da ilha. Mais um motivo para terminar esta coisa. De repente, a porta da casa ao lado da cinza abriu e dela saíram Sebastian e Selma. Todo mundo na calçada congelou. Enquanto caminhavam para o caminho da frente na nossa direção, seus olhos passaram sobre nós como scanners, o movimento tão em sintonia e antinatural que poderiam ter sido gêmeos robóticos. Era estranho. — O que vocês estavam fazendo lá dentro? — perguntou Joaquin. — Esta é a casa em que fomos colocados — disse Selma com sua voz fina e estridente. — Eles colocaram vocês aqui? — eu soltei. — Eu não sabia que havia algumas pensões nesta rua. — Há agora — disse Lauren, baixinho. Agora significava agora que estamos tão superlotados.
Os dois olharam para mim com seus olhos azuis claros. — Há pessoas aqui que não confiam em vocês, sabia — disse Selma. — Em nenhum de vocês. — Pessoas que vão querer saber o que está realmente acontecendo — acrescentou Sebastian. Em seguida, eles se viraram como um só e se afastaram, lado a lado, os passos perfeitamente sincronizados. — Eu aposto que eles estão indo encontrar essas pessoas agora — disse Kevin, acerbamente. — Fazendo com que comecem a questionar. A teoria enviou um calafrio através de mim. Lembrei-me muito vividamente o que Tristan tinha me dito sobre a última multidão enfurecida que havia se formado em Juniper Landing. Não era algo que eu queria experimentar de perto. — Por que a prefeita ainda não apagou as memórias deles? — perguntou Fisher. — Ela tentou — Joaquin nos informou. — Eles se recusaram a ficar sozinhos em uma sala com ela, e ela não poderia pedir para Dorn rendê-los, porque havia outros visitantes esperando para falar com ela. — Deus, eu não aguento mais as multidões pirando — disse Pete através de seus dentes. — Eu sei — eu disse, apertando o braço dele quando os gêmeos viraram a esquina no final do quarteirão. — Especialmente pessoas como eles. Bea balançou para trás e para frente de seus saltos para os dedos dos pés. — Eu só quero que uma coisa volte ao normal por aqui. Só uma coisa. O vento assobiou em resposta, pulverizando-nos de lado com uma corrente de chuva. Limpei meu rosto com as costas da minha manga molhada. — Olha, se pudermos apenas encontrar Tristan e Nadia, poderemos ter tudo de volta ao normal até o final da noite — eu disse, olhando esperançosamente as calhas pingando na casa cinza. — Uma vez que começarmos a conduzir as pessoas novamente e o sol sair, todo mundo vai relaxar. Até mesmo os gêmeos. Joaquin soltou um suspiro, abrindo as narinas. — Vamos acabar com isso. Ele se apressou para frente da casa cinza e tentou abrir a porta, o resto de nós seguindo de perto. Estava destrancada, como a maioria das casas em Juniper Landing. Lentamente, ele abriu a porta e espreitou para dentro. Não
havia luzes acesas na sala de estar ou na sala de jantar, mas eu podia ver um brilho suave bruxuleante de um dos quartos na parte superior da escada. Meu coração pulou. Joaquin levantou um dedo nos lábios, em seguida, muito cuidadosamente, entrou. Eu fui na ponta dos pés atrás dele, seguida por Fisher, e então Bea, Lauren, Kevin, Cori e Pete, que estavam na retaguarda. Notei que ele tinha deixado a porta aberta, o que era um pensamento rápido. O clique da trava podia alertar quem estava no andar de cima. Tristan. Por favor, por favor, que seja Tristan. Joaquin colocou sua bota no primeiro degrau. Rangeu tão alto que eu quase gritei de frustração. — Vai para o lado! — Lauren assobiou. — Degraus são mais resistentes dos lados. Joaquin assentiu, parecendo verde, e apertou-se contra o papel de parede descascado ao longo da escada. Eu segurei minha respiração enquanto rastejava logo atrás dele, cada passo uma eternidade torturante. Meus olhos estavam grudados na porta do quarto da frente. A porta do quarto onde Tristan tinha me espionado durante aqueles dias depois que tínhamos chegado — o quarto onde ele tinha me levado na minha primeira turnê de Lifer, quando eu tinha tentado beijá-lo e ele tinha partido meu coração. Temporariamente. Porque ele achava que tinha que fazer. Agora eu gostaria que ele tivesse deixado partido naquela época. Já estaria começando a curar agora. Nós tínhamos chegado ao topo das escadas. Joaquin e eu nos olhamos e vi a determinação em seus olhos. De repente, me senti fraca, infantil e estúpida. Isso não era sobre como Tristan tinha me traído. Tratava-se de Darcy, papai, Aaron, Jennifer e as outras almas inocentes que estão sofrendo desnecessariamente na Terra das Sombras. Era hora de trazê-los de volta. — Dane-se isso — eu disse baixinho. Então eu me virei e abri a porta, com os outros logo atrás de mim. As cortinas estavam fechadas. A sala estava iluminada por duas lanternas de querosene e uma pequena vela. A primeira coisa que vi através da luz incerta foi Tristan, desmaiado na diagonal de dois sacos de dormir no chão. Eu perdi o fôlego ao vê-lo. Ele estava de costas com uma camiseta preta, um braço estendido a seu lado, o outro torto sem jeito sobre seu peito com um curativo enrolado na mão. Suas pernas estavam espalhadas em jeans molhados e sujos. Uma mecha de seu cabelo loiro caía sobre a testa como uma lua crescente.
Ele estava aqui. Ele estava realmente aqui. E eu não sabia o que fazer. Rir? Chorar? Gritar? Fisher passou por mim no quarto. — Tristan! — ele trovejou, chutando sua bota. Tristan gemeu e rolou para o lado dele. Foi quando vimos o sangue. Estava em toda parte. Uma poça de sangue grosso, escuro como óleo, espalhando-se por trás de sua cabeça. Minhas mãos voaram para cobrir minha boca. Cori, por sua vez, se arrastou ao longo da frente do quarto, como se estivesse procurando algo, mantendo as costas na parede. — Tristan? — Bea suspirou, caindo de joelhos. Ela timidamente tocou sua cabeça, e a cor desapareceu de seu rosto. — É ruim, pessoal. Todo o seu crânio... Ela se virou, engolindo em seco, então se levantou e cambaleou até a janela, abrindo as cortinas louca para respirar. — Quem faria isso? Quem poderia vir aqui e atacá-lo? — eu perguntei. Então, de repente, Cori gritou. — O que... — Nadia! É Nadia! — Cori estava apontando para o chão, perto do fundo do quarto, tremendo. — Ela não está respirando, gente! Eu acho que ela não está respirando. Peguei uma lanterna e corri para o lado de Cori. A primeira coisa que vi foram os tênis Converses pretos de Nadia torcidos um sobre o outro. Meus olhos viajaram de suas pernas magras, seu tronco liso, seu pescoço para o rosto dela. Engoli em seco e dei um passo atrás. Seus olhos estavam abertos e fixos. Sem piscar. Não havia vida neles. — Não, não, não — disse Joaquin, se juntando a nós. — Isso não é possível. Ela deve estar brincando com a gente. Ele se agachou ao lado do corpo de Nadia e colocou os dedos em seu pescoço. Suas sobrancelhas franziram e ele moveu os dedos. Em seguida, moveu-os novamente. Sua mão tremia. Quando seu olhar encontrou o meu, eu poderia dizer que ele não queria falar. — O quê? — Bea resmungou do canto, abraçando-se. — O que foi, Joaquin? — Não há pulsação. — Joaquin disse surpreso. — Cori está certa. Nadia está morta. Cori chorou e escondeu o rosto no ombro de Fisher. Lauren se dobrou para trás, cambaleando até que colidiu com a parede, onde ela caiu no chão, fios desalinhados de seu cabelo molhado presos em lágrimas no antigo papel de parede.
— Eu não entendo — eu disse. Nós deveríamos ser imortais. Esse era o acordo. — Se um Lifer morre, para onde a sua alma vai? Ninguém respondeu, porque não havia resposta. Isso nunca tinha acontecido antes. Não na memória de ninguém. Um medo gelado permeou o quarto, tremendo o ar que nos rodeava, fazendo os olhos se arregalarem e as mandíbulas afrouxarem. Para onde Nadia tinha ido? Para onde qualquer um de nós iria? — Por favor... Tristan. Seus olhos ainda estavam fechados, mas as pontas dos seus dedos estavam como garras no chão empoeirado, curvando em direção à palma da mão. Ele gemeu e meus joelhos se dobraram. Atirei-me sobre o tapete usado ao lado dele, meu coração dentro da minha garganta. — Tristan? Eu coloquei minha mão em seu ombro. Ele estava frio, incrivelmente frio e eu podia sentir os músculos tremendo debaixo de sua pele. — Ajude... — ele murmurou, as palavras meio chiadas. — Nos ajude. E, em seguida, seu corpo ficou frouxo. — Nós temos que tirá-lo daqui! — exclamei, olhando para os rostos assustados ao meu redor. — Nós temos que levá-lo para a prefeita ou... ou um médico. Alguma coisa. — E quanto a Nadia? — gritou Cori. — Nós não podemos deixá-la aqui. — Eu posso levar Nadia por cima do meu ombro — disse Fisher, seus olhos verdes rasos. — Você pode? — perguntou Cori. — Pegada de bombeiro. Ela pesa, tipo, nada. — Então, para provar seu ponto, Fisher se aproximou e levantou o corpo inerte de Nadia, dobrando-a sobre seu ombro. Cori engasgou e começou a soluçar. A pulseira de Lifer de Nadia pendia de seu braço magro como se quisesse cair. — Eu vou ajudá-lo com Tristan — Bea ofereceu, afastando-se da janela e se aproximando de Joaquin. Tristan soltou um fraco gemido. — Temos que andar logo — disse Joaquin. — Nós não podemos deixar ele... — Morrer — Lauren falou pela primeira vez em cinco minutos. Ela estava tão quieta que eu tinha esquecido que ela estava lá, mas agora ela virou seus olhos escuros para mim e encarou, com os braços moles iguais a de uma boneca de pano ao seu lado. — Morrer é a palavra que você está procurando.
Ninguém falou. Ninguém respirou. Isso não era algo que deveríamos enfrentar. Agachei-me ao lado de Lauren e peguei sua mão. — Vai dar tudo certo. — Como? — sua voz ficou infantil enquanto o lábio inferior tremeu. — Como vai? Engoli em seco e olhei para os outros à procura de ajuda. Seus rostos estavam em branco. Um branco apavorado. — Eu não sei, mas quanto mais cedo nós os levarmos de volta para a prefeita, mais cedo poderemos descobrir. Vamos. Segurei o braço de Lauren e a ajudei a levantar do chão. Então Joaquin deslizou as mãos sob os braços de Tristan e o levantou, deixando a cabeça de Tristan estendida contra seu peito, onde ele deixou uma mancha de sangue. Bea pegou embaixo de suas panturrilhas, e Lauren, Cori e eu abrimos o caminho para fora da porta, descendo as escadas, de volta para a noite. A chuva estava forte e direcionada, como pequenas alfinetadas contra a minha pele. Isso não era o que eu tinha imaginado quando entramos nesta missão. Eu tinha me visto indignada, cuspindo perguntas em Tristan, ele com a cabeça baixa de vergonha. Eu tinha nos visto reunidos na ponte para libertar os inocentes da Terra das Sombras. Quando estávamos dirigindo até aqui, eu pensei que sabia exatamente o que estava fazendo. Mas agora eu estava mais confusa do que nunca. Quando chegamos ao carro de Tristan, eu abri as portas de trás. Bea e Joaquin cuidadosamente colocaram Tristan sobre o assento, posicionando sua cabeça para baixo com cuidado. — Vamos levar Nadia no jipe — Fisher sugeriu. — Não há espaço suficiente — disse Bea. — Eu vou com vocês. — Kevin subiu na frente do SUV. Olhei em volta, para Kevin, Joaquin e Tristan. Não havia mais nada a fazer senão subir na parte de trás com ele. O cara que tinha me traído. O cara que tinha enviado a minha família para o inferno. Pensei em colocar a cabeça dele no meu colo, mas parecia muito íntimo. Então, ao invés, eu bati a porta, caminhei para o outro lado e coloquei seus pés para cima sem jeito no meu colo, cada centímetro do meu corpo tenso o suficiente para estalar. — Você está bem? — Joaquin perguntou enquanto todos os outros lotavam o jipe. Eu cerrei os dentes. — Vamos embora. Joaquin entrou e o motor rugiu à vida. Ele virou numa rápida meiavolta e começou a subir a colina em direção à cidade, os limpadores de para-
brisa batendo freneticamente de lado a lado. Eu não podia suportar olhar para o rosto de Tristan, então, ao invés, olhei a chuva pela janela. — Isso não faz nenhum sentido. Quem faria isso? — eu disse enquanto nós dirigíamos para a praça da cidade, os pneus jogando paredes de água para cima de cada lado do carro. — Quem iria atacá-los e deixá-los para morrer? Todos nós já estávamos à procura dele. Todos nós queríamos respostas. — Eu não sei — disse Joaquin, olhando por cima do ombro para Tristan. — Eu só espero que ele viva tempo suficiente para explicar o que diabos está acontecendo. O pneu dianteiro bateu sobre um enorme buraco, e Tristan gemeu. — Pete — ele murmurou. — O quê? — eu disse. Kevin virou em seu assento, seus olhos escuros alarmados. — O que ele acabou de dizer? — Pete... matou Nadia — Tristan sussurrou com a voz rouca. Joaquin quase passou por cima do meio-fio no extremo norte da cidade, mas ele virou o volante no último segundo, me fazendo bater na porta. Tristan começou a rolar para fora do banco, mas eu agarrei a camisa dele e firmei-o antes que ele pudesse cair. — Onde diabos está Pete? — Kevin exigiu. — Ele está no outro carro! — eu disse. — Ligue para eles — Joaquin exigiu, pisando com força em seus freios na frente da delegacia. — Faça isso agora! Kevin se atrapalhou com seu walkie-talkie. — Lauren! Fale! Pete está com vocês? Câmbio. Joaquin estava fora do carro e correndo em direção ao jipe quando a resposta veio. — Não. Por quê? Nós pensamos que ele estava com vocês. Câmbio. Pelo espelho, eu vi Joaquin colocando as mãos no topo do jipe de Bea e abaixando a cabeça. Olhei para Kevin, meu coração afundando em meus dedos. — Você se lembra de vê-lo no quarto da casa? Ele balançou a cabeça. — Não. E você? Fechei os olhos e respirei fundo, amaldiçoando minha própria estupidez. Mas como eu poderia saber? Não havia nenhuma maneira de eu saber o que iríamos encontrar, e muito menos que um dos nossos amigos era o autor do crime. — Ele deixou a porta aberta atrás de si. Pensei que ele tinha feito isso para não fazer barulho. — Eu não entendo — disse Kevin. — O que diabos está acontecendo?
Tristan gemeu novamente e virou de lado. A parte de trás de sua cabeça era uma cratera de sangue, cabelo e pedaços de ossos. Eu engoli uma respiração ofegante. — Pete sabia o que iríamos encontrar naquele quarto — eu disse severamente. — Ele deixou a porta aberta para que pudesse fugir.
18 MORTE Traduzido por I&E BookStore
—E
u não entendi. Se Pete já os tinha encontrado, por que ele não nos disse quando cruzamos com ele na rua Magnolia? — Lauren se perguntou quando nós marchamos pela grama encharcada em direção à casa da prefeita. Ela tinha acabado de contatar pelo rádio todos os Lifers, dizendo-lhes para procurar Pete. — Por que ele nos deixou entrar lá sem ter noção de nada? — Porque é evidente que ele tinha algo a esconder — disse Kevin. — Ele tinha o seu walkie-talkie. Se ele quisesse, ele poderia ter relatado imediatamente. Mas em vez disso, ele os atacou e os deixou para morrer. Morrer. Meu cérebro ainda não podia envolver-se em torno do fato de que estávamos usando essa palavra. Nadia estava morta. E Tristan... Olhei para frente para Joaquin e Bea. O corpo de Tristan estava pendurado frouxamente entre eles enquanto caminhavam pela porta dos fundos da casa. Cori, Kevin, Lauren e eu ficamos para trás, enquanto Fisher passava com Nadia pendurada no ombro. A cabeça de Cori estava abaixada e seus ombros balançavam. Eu mal a conhecia, mas eu coloquei meu braço ao redor dela enquanto nós seguíamos os outros para dentro. Ela havia perdido sua melhor amiga. Eu conhecia aquele vazio horrível que se abria dentro de você — eu estava experimentando agora com Darcy ter ido embora — e eu gostaria que houvesse algo mais que eu pudesse fazer. Cada luz estava acesa na cozinha e toda a grande sala aberta além dela, fazendo um contraste deslumbrante com a noite escura da qual viemos. A clínica tinha oficialmente encerrado agora que o último paciente tinha ido embora, e as camas foram substituídas pelos sofás e cadeiras originais. A prefeita estava sentada na sala de estar em conferência com Dorn e Grantz, enquanto Krista estava na cozinha usando um vestido amarelo, fazendo uma espécie de batida com um liquidificador muito barulhento. Ela empalideceu quando Joaquin e Bea passaram por ela, e o barulho morreu.
— Tristan? Seus olhos se fecharam e ela se inclinou para frente, seus quadris pressionando contra a ilha da cozinha enquanto suas mãos se achatavam contra a sua superfície, como se estivesse se agarrando a este lugar, forçando-se para não desmaiar. Fisher se arrastou pelo chão de madeira, suas enormes botas deixando pegadas de lama, e gentilmente depositou Nadia sobre o sofá vazio. Joaquin e Bea se arrastaram em direção a um oposto, que estava ocupado pela prefeita e Dorn, que se levantaram para fora do caminho, em um rápido movimento. Nenhum conseguiu tirar os olhos de Tristan quando Joaquin e Bea o deitaram. Sua pele estava visivelmente mais pálida do que tinha estado na casa cinza. Quando sua cabeça caiu para o lado, expondo a ferida, a boca da prefeita ficou definida em uma linha sombria. — O que aconteceu? — perguntou Dorn. — Nadia está morta — disse Fisher abruptamente. Ele deu um passo para o lado do sofá e tomou uma posição ereta, como um soldado se apresentando. Eu estava começando a perceber que quando as coisas ficavam cabeludas, ele usava esta postura firme e eficiente, o seu próprio mecanismo de defesa pessoal. — O quê? — Grantz estalou. — E Tristan está quase morto — acrescentou Joaquin. Ele enfiou as mãos pelo seu cabelo molhado e jogou sua jaqueta manchada de sangue no chão. Ele deslizou nas tábuas de madeira e se reuniu em um amontoado perto da parede. Joaquin apoiou as mãos em cima da lareira e se inclinou para ele, soprando um suspiro alto. Então, de repente, ele se virou contra a prefeita, com os olhos tão ferozes como um cão raivoso. — Você quer nos dizer o que diabos está acontecendo? As palavras pairaram no ar, enquanto cada um de nós lutava para respirar. Ao longe, um trovão retumbou. O único outro som na sala era o incessante tique-taque do relógio de pêndulo elegante. A prefeita se afastou de nós e ficou imóvel como granito. O Chefe Grantz foi o primeiro a falar, levantando lentamente de seu assento pela primeira vez. — Ela está morta? Ela não pode estar morta. — Eu temia por isso — a prefeita falou. Joaquin e eu olhamos um para o outro. — O que você está falando? — perguntou Lauren trêmula. Ela e Kevin ainda pairavam perto da porta da frente, as gotas de chuva de suas jaquetas formando uma poça ao redor de seus pés. — Você sabia que isso ia acontecer?
A prefeita se virou. — Eu não tinha certeza. Eu estava esperando que seria capaz de descobrir o que estava acontecendo, de quem era a culpa, e corrigi-lo antes que isso fosse tão longe. — Ok, chega de enrolação — Joaquin estalou. — É melhor você começar a explicar agora. A prefeita deu um suspiro profundo e sonoro e ficou na frente da lareira ao lado de Joaquin. — Aqui está o que eu sei. Uma vez que inocentes começaram a ser relegados para a Terra das Sombras, o equilíbrio do universo começou a mudar, e é por isso que vimos a ilha tornar-se infestada de insetos, morte e tempestades. Quando não conseguimos encontrar o culpado, a nossa única resposta era parar de conduzir por completo. Era a única maneira de garantir que não inclinaríamos a balança ainda mais fora de seu eixo. — É claro. Nós sabemos disso — disse Fisher, com as mãos atrás das costas. — O que isso tem a ver com Nadia? Os olhos da prefeita endureceram. — Bem, o que vocês não sabem é que sua imortalidade, por assim dizer, é subordinada a vocês continuarem a cumprir o seu propósito. Ou seja, continuar a ajudar as almas a encontrarem sua redenção e seguir em frente. Então, quando nós paramos de conduzir as almas... — Nós nos tornamos vulneráveis — eu disse, minha boca seca. Eu me inclinei para a parte de trás de uma das cadeiras mais altas, agarrando seu tecido brocado desesperadamente. — Sim, senhorita Thayer — disse a prefeita. — Quanto mais tempo vocês deixarem de cumprir o seu dever, mais... descartáveis vocês são para o universo. — Então agora podemos morrer? — Krista perguntou estridentemente, sua voz enchendo a sala ampla e comprida. — Qualquer um de nós? A prefeita virou um olhar irônico para sua pseudo-filha. — Vamos apenas dizer que eu não pularia de um penhasco tão cedo. Krista sentou-se pesadamente em um banquinho da cozinha. Bea inclinou-se para a ilha, com a cabeça entre as mãos. Ninguém mais se moveu. — Por que você não nos contou? — Bea perguntou em voz baixa, com os olhos arregalados e grudados sobre a ferida de Tristan. — Por que você não nos avisou? A prefeita ergueu o queixo e limpou a garganta. — Foi uma decisão — ela disse. — Eu já tinha uma centena de visitantes extras em pânico em minhas mãos. Eu não precisava que vocês entrassem em pânico também.
— Isso não era uma decisão sua — Joaquin gritou. — Como é? — perguntou a prefeita, indignada. Joaquin deu um passo e foi direto para a cara dela. A prefeita ficou tão assustada que ela cambaleou para trás, os ombros colidindo com a lareira. As fotos emolduradas e colocadas em ângulos cuidadosos ao longo da extensão da prateleira se agitaram. — Você nos colocou em risco! Isso? Isso é culpa sua — disse Joaquin, estendendo a mão para os sofás onde Nadia e Tristan estavam. — Se eles soubessem, eles poderiam ter sido mais cuidadosos. Ou eles poderiam ter voltado para nós mais cedo. Nadia ainda poderia estar viva! — Se afaste dela, Marquez — disse Dorn. — Vamos parar de nos concentrar no que não podemos mudar e focar nos problemas em mãos — a prefeita rebateu. — Nós sabemos quem fez isso? — Tristan disse que foi Pete — Bea respondeu. — Ele disse que Pete matou Nadia. — Pete? — Krista exigiu. — Você está falando sério? — O que Pete tem a ganhar com isso? — perguntou o Chefe Grantz. — Isso não faz nenhum sentido. — A menos que seja ele quem tem estado conduzindo pessoas e eles descobriram sobre isso — disse Lauren. Eu senti como se algo dentro de mim tivesse estalado, como uma corda de violão sendo arrancada duramente, as reverberações vibrando por todo meu corpo. — Então você acha... você acha que Tristan é inocente? Joaquin me olhou nos olhos e minha garganta se fechou. Se Tristan era inocente, tudo mudou. Se Tristan era inocente... — Não — eu disse em voz alta. — Não pode ser. Ele tinha as moedas. A foto da minha família. Ele... ele fugiu. No dia que Tristan havia fugido, os caras tinham revirado seu quarto e encontraram a única foto que eu tinha da minha família no fundo do seu baú. Ela tinha sido levada da minha casa na noite em que meu pai tinha sido levado para a Terra das Sombras. — Pense nisso. Em seu bilhete, ele disse que estava tentando descobrir como entrar na Terra das Sombras para resgatar essas pessoas. Para isso ele teria que passar um tempo próximo ou sobre a ponte, como você disse — Lauren teorizou, aproximando-nos do lugar onde ela tinha tomado contra a parede a leste. — Talvez Tristan e Nadia viram Pete levar Darcy e Asha para a ponte na noite passada. Talvez eles estavam indo nos dizer, então ele os rastreou e...
— Encontrou uma maneira de detê-los — concluiu Joaquin, olhando para Tristan. Eu deflacionei, afundando em uma das poltronas. Nos últimos dias eu estava focando muito minha energia em odiar Tristan, sobre o que eu faria e diria a ele se eu o visse, em me obrigar a não amá-lo mais. A ideia de que ele era inocente... eu não conseguia processá-la. Eu me inclinei para a frente, com os cotovelos nos joelhos, e engasguei por ar, tentando me firmar. — Temos que trazer Pete — disse a prefeita. — Precisamos saber por que ele fez isso. Precisamos saber como corrigir as coisas. — Você acha que ele vai morrer? — Lauren perguntou trêmula, segurando a parte de trás da minha cadeira. Minha cabeça se levantou. A prefeita foi até Tristan — o menino que atuava como seu filho — e se ajoelhou ao lado dele. Ela verificou o ferimento e agarrou seu pulso entre o polegar e os dedos. Com um toque suave, ela alisou seu cabelo loiro para longe de sua testa, onde a chuva e o suor o tinham emplastado para baixo. Foi um gesto perfeitamente maternal, e até aquele momento, eu não teria acreditado que ela isso tinha dentro dela. Por favor, deixe ele ficar bem, eu pensei. Por favor, por favor, por favor. Mesmo enquanto eu pensava isso, eu pude sentir Joaquin me observando, e usei cada grama de autocontrole para não olhá-lo nos olhos. Eu não sabia o que ele veria lá, mas eu tinha certeza que ele não iria gostar. — O pulso está forte. Precisamos movê-lo para a cama, esterilizar a ferida. Dar a ele algum líquido. — A prefeita levantou-se e apertou os lábios. Tudo o que ela estava sentindo, ela estava mantendo engarrafado tão firmemente quanto possível. — Com alguma sorte, ele vai ficar bem. De repente, os nossos walkie-talkies crepitaram. — Bea? Bea? — a voz de Ursula estalou através dos alto-falantes. — Pete foi flagrado na praça da cidade agora. Nós tentamos pará-lo, mas ele fugiu. Ele estava indo para as docas. Câmbio. Eu levantei do meu assento e me dirigi para a porta antes que o último sinal de estática houvesse desaparecido. — Rory, espera... — Joaquin começou, mas eu o interrompi. — Não vou mais esperar — eu disse, já me movendo em direção à porta. — Eu estou indo encontrar Pete, e eu vou acabar com isso antes que alguém se machuque. Joaquin e Fisher trocaram um olhar. — Vamos com você — disse Joaquin. — Não — eu disse, abrindo a porta. Fui atingida por uma rajada de ar frio no rosto. — Eu quero fazer isso por conta própria.
— De jeito nenhum. — Bea veio atrás de Fisher e Kevin, tirando o chapéu de cima de seu cabelo. — A partir de agora, ninguém vai a lugar algum sozinho. Engoli em seco. A menina tinha um ponto. Afinal de contas, nós podíamos morrer agora. — Tudo bem. Mas quando o encontrarmos, eu começo a interrogá-lo — eu disse através dos meus dentes. Joaquin colocou o capuz. — Então, onde é que vamos começar? Na casa dele? No Swan? — Gente? — Cori pigarreou humildemente. Seu rosto ainda estava manchado de lágrimas, mas seu queixo estava imóvel em firme determinação. Eu só podia imaginar o que ela estava passando, perdendo um de seus melhores amigos e descobrindo que o outro era o responsável. O próprio fato de que ela era capaz de se pôr de pé agora a tornou digna de admiração. — Eu acho que sei onde ele está indo. Olhei em volta para os outros e vi que eles estavam tão impressionados quanto eu. Peguei a mão de Cori. — Mostre-nos o caminho.
19 TARDE DEMAIS Traduzido por I&E BookStore
—A
Bait & Tackle? — Bea perguntou quando nós cinco nos reunimos sob um toldo surrado e rasgado no extremo norte das docas. Estávamos de pé em frente ao calçadão da loja em questão. — Você acha que ele está lá? — Eu não posso imaginar alguém se atrevendo a ir para lá — eu disse com um arrepio. A Bait & Tackle era um prédio quadrado e com telhas cinza embutido no centro de uma doca de tábuas largas que se estendia ao longo da baía. O telhado era côncavo de um lado, e a coisa toda estava tão inclinada à esquerda que eu fiquei surpresa que ele ainda não tinha tombado. A placa BAIT & TACKLE pintada à mão estava rachada no meio, bem em cima do &, e pendurada em forma de V sobre a porta da frente. — Ele começou a passar um tempo aí à noite há um tempo atrás — disse Cori com uma fungada, um fluxo incessante de água escorrendo da calha para o ombro de seu casaco de chuva preto. — Tommy disse que ele não poderia mais fazer barulho pela casa, então ele trouxe um monte de equipamento para cá para continuar praticando. Nadia e eu somos as únicas pessoas para quem ele contou. — Ele escondeu um toca-discos de DJ dentro da loja bait-&-tackle porque seu pai falso não o deixa mantê-lo em casa? — eu perguntei em dúvida. Fisher suspirou. — Tommy gerencia este lugar. Ele não mantém realmente o controle de nada. Aposto que ele nem sequer percebeu isso. — Pete mantém seu material coberto com uma lona na parte de trás da sala de estoque — disse Cori, seus dentes batendo. — Então, vamos pegálo ou não? Joaquin assentiu e saiu de debaixo do toldo. — Fish, você, Bea e Cori vão pela porta da frente. Rory e eu iremos dar a volta para os fundos. Se ele
está lá, vamos pegá-lo. Ele pode tentar fugir, então mantenham os olhos abertos. — Soa como um plano. Nós nos movemos para longe da parede com telhas, os pés passando através das poças rasas que se reuniram em tábuas desgastadas do calçadão. Havia uma lâmpada chiando pendurada de um poste de metal curvado em frente à porta da frente da Bait & Tackle. Ela balançou como um metrônomo no vento, iluminando as palavras na placa sobre a porta, uma por uma. BAIT. TACKLE. BAIT. TACKLE. BAIT. TACKLE. Chegamos à porta da frente. Fisher e Cori foram para um lado, Bea para outro. Joaquin me deu um aceno de cabeça, e se arrastou em torno da parede virada a sul do prédio, esquivando-se debaixo de uma janela que tinha uma cortina e parando nos fundos. A doca se estendia tanto sobre a água que eu mal conseguia distinguir o fim de tudo na tempestade. Suportes de varas foram pregados em cada pilar para que os pescadores pudessem deixar suas varas de pesca enquanto eles passavam o dia fora e esperando para a pesca. À distância, eu vi um quebra-mar rochoso na baía paralelo à doca, as águas agitadas da superfície normalmente plácida quebrando-se contra as pedras. Joaquin adiantou-se e bateu na porta dos fundos. — Pete — ele gritou. — Nós sabemos que você está aí. Saia e nós prometemos que você não vai... De repente, a porta se abriu, balançando para fora e batendo bem na cara de Joaquin. Pete saiu correndo passando direto por mim, saltando sobre a mureta da doca e caindo na areia abaixo. Joaquin caiu para trás, batendo a cabeça contra as tábuas de madeira. Ele estava frio. Eu hesitei uma fração de segundo, dividida entre perseguir Pete e me certificar que Joaquin estava bem. — Filho da puta! — eu gritei em frustração. Então eu corri o mais rápido que pude ao longo da lateral do prédio, passando direito por Fisher, Bea e Cori. — O que diabos aconteceu? — Bea gritou. — Chequem Joaquin! — eu gritei de volta. Eu corri ao virar da esquina até o calçadão. As escadas para a praia estavam há metros de distância, e Pete tinha uma vantagem sobre mim enquanto corria pela areia, mas em questão de segundos, ele atingiria o quebra-mar. Com alguma sorte, ele iria tentar passar sobre ele, o que seria quase impossível com as rochas lisas pela chuva e algas. Ela esperava que isso a ajudasse a ganhar tempo. Com o coração bombeando, eu corri o mais rápido que pude, tentando não pensar em Joaquin e se ele estava bem. Tentando não pensar em
Tristan, Nadia, Darcy ou meu pai. Eu tinha que correr a corrida da minha vida. A existência de todos dependia disso. Mais abaixo na areia, Pete foi para o lado do quebra-mar rochoso. Ele olhou para mim, seus olhos selvagens e começou a subir. Finalmente desci as escadas até a praia. Dei a volta em uma rápida corrida, e os meus pés quase saíram de debaixo de mim, então eu pulei para a areia, saltando oito ou dez passos. Eu pousei em um agachamento, mas graças ao chão macio e úmido o impacto foi pouco chocante. Com o canto do meu olho, eu vi Fisher correndo em nossa direção. Pete estava subindo a encosta rochosa. Seu pé escorregou e seu joelho bateu duro. Subi atrás dele, rangendo os dentes, enquanto meu tênis chiava contra as rochas pontiagudas. Suor arrepiou as minhas costas, misturando com a chuva incessante. — Fisher! Veja se você pode ir pelo outro lado! — eu gritei. — Encurrale ele! — Ok! Fisher correu à frente, em seguida, desapareceu de vista. Em segundos eu estava tão perto de Pete que eu podia ver a forma da pegada na parte inferior de seus sapatos. Então ele se levantou e começou cuidadosamente a atravessar a extensão do quebra-mar. De repente, ele parou em seu caminho. — Não há para onde ir, cara! — Ouvi Fisher gritar. — Desista. — Sim — eu disse baixinho. Tínhamos encurralado Pete. Eu levantei. Ele se virou, olhou para mim e começou a correr em direção ao oceano. — O que... Corri atrás dele. O terreno era irregular, molhado e cheio de poças. Águas-vivas mortas se agarravam a uma pedra angular, seus corpos bulbosos despedaçados e moles. Eu escorreguei uma vez e minhas mãos desceram em cima de uma pilha de cascos quebrados de caranguejo, tenazes e pernas. Eu cerrei os dentes e me empurrei para cima de novo. De alguma forma, eu ainda estava ganhando de Pete, mas já não importava. Ele tinha chegado ao fim do quebra-mar. Estava de costas para mim, e seus ombros subiam e desciam enquanto ele puxava respiração após respiração. — Não há nenhum lugar para ir! — eu gritei. — Você não pode se esconder de nós para sempre. Ele se virou, seus joelhos como geleia, e me olhou nos olhos. — Eu consegui me esconder de você por tempo suficiente. Eu pisquei. — Tempo suficiente para quê? — Para mim conseguir o que eu quero — ele disse, virando as palmas das mãos para fora. Os olhos dele passaram através de mim, e eu virei a
cabeça apenas o suficiente para ver Fisher escalando as rochas nas proximidades. — Escute, Rory. Em caso de algo acontecer, eu quero que você saiba que não foi ideia minha. — O quê? — eu perguntei, meu coração batendo forte de novo. — O que não foi ideia sua? — Levar a sua família — disse ele calmamente. — Ou colocar a culpa em você. Eu era apenas o músculo. Meu cérebro parecia tão firme como as ondas agitadas atrás dele. — Eu não entendi. Você está dizendo que você estava envolvido? Com Tristan e Nadia? Com as conduções? Ele balançou a cabeça. — Não foram eles. Nunca foram eles. Minha cabeça ficou leve, tudo o que eu tinha acreditado, foi obliterado em um só fôlego. Se não foi Tristan e Nadia, então quem diabos foi? Como eles fizeram isso? De onde tinham vindo as moedas adulteradas, e por que eles fizeram Tristan levar a culpa? — Quem? — eu exigi enquanto Fisher se aproximava de mim por trás. — Com quem você está trabalhando? — Não faça nada estúpido, Pete — ele disse, sua voz retumbante como um trovão. — Você sabe melhor do que ninguém que não somos imortais. Não mais. Pete riu. — Essa é uma chance que eu vou ter que tomar. Em seguida, ele deu um passo para trás e se virou. — Não! — eu gritei. Mas já era tarde demais. Pete lançou-se do quebra-mar e desapareceu sob as ondas pretas como carvão.
20 AQUI E AGORA Traduzido por I&E BookStore
O
peito de Tristan levantou e abaixou sob os lençóis azul-claro sobre seu corpo. Depois que nós tínhamos saído na noite anterior, a prefeita chamou Teresa Malone, uma Lifer que tinha sido uma enfermeira no outro mundo, e parecia como se ela tivesse cuidado dele. Sua cabeça estava agora envolta em uma gaze branca e posicionada plana contra um travesseiro fino, com os braços para baixo contra os seus lados. Eu estava ao lado de sua cama enquanto o vento soprava lá fora, golpeando as vidraças com pingos de chuva gordos e implacáveis. Era sexta-feira de manhã. Trinta e seis horas desde que a minha irmã tinha sido levada e quase oito horas desde que Fisher mergulhou na água atrás de Pete e voltou de mãos vazias. Pete tinha desaparecido. Ou ele tinha se afogado ou de alguma forma conseguiu fugir. Eu esperava que ele ainda estivesse lá fora em algum lugar, porque se ele estivesse morto, nós nunca teríamos nossas respostas. Se ele estivesse morto, tudo estava perdido. Dorn deveria contatar todos pelo rádio se e quando Pete fosse encontrado, e eu estive esperando inquieta durante toda a noite. Até que eu finalmente desmaiei de exaustão total na cama ao lado de Krista. Quando eu tinha acordado esta manhã, encontramos duas moedas de ouro brilhantes e novíssimas em sua mesa de cabeceira. Com Pete fugindo, isso significava que elas estavam limpas? Era seguro começar a conduzir pessoas novamente? A única coisa que eu sabia com certeza era que precisávamos encontrar Pete. Ele era o único que poderia saber como salvar minha família. Eu chequei meu walkie-talkie para me certificar de que estava ligado, e é claro que estava. O silêncio do rádio tornou-se meu inimigo. Virei o volume, apenas por precaução, e sentei para a frente, olhando para o couro bem-gasto da pulseira Lifer agarrada ao pulso grosso de Tristan. Olhei para o seu perfil, suas bochechas normalmente bronzeadas
parecendo afundadas e cerosas. Ele gemia baixinho, e eu me perguntei se ele estava sonhando quando Pete o tinha atacado. Ele teria visto quem estava trabalhando com ele? Puxei uma cadeira e sentei ao lado da cama de Tristan. Minha mão se estendeu para tomar a sua, mas eu hesitei, de repente confusa. Tristan era inocente, não era? Ele era apenas uma vítima. Como Darcy, como o papai, como Aaron. E se isso pudesse de alguma forma ajudar... trazê-lo para o aqui e agora... Eu tinha que tentar. Colocando a mão sobre a dele, eu olhei para o rosto dele. Sua pele estava quente. Isso tinha que ser um bom sinal. Especialmente depois do quão frio ele estava ontem. Ele estava melhorando. Lágrimas brotaram nos meus olhos. — Tristan? — eu disse calmamente. — Sou eu, Rory. Eu não sei se você pode me ouvir, mas se você puder... estamos aqui. Estamos aqui por você, e nós queremos que você fique melhor. Minha voz falhou e eu respirei. — Eu sinto muito por eu ter pensado que você fosse culpado. Eu deveria saber. Eu deveria ter acreditado... Eu estava tão chateada com o meu pai e agora com Darcy... — eu parei, me ouvindo, e limpei minha garganta. Eu estava realmente sentada aqui tentando dar desculpas para um cara em coma? — Sinto muito — eu disse. — Eu estou tão arrependida. — Desculpa pelo quê? Minha cabeça se ergueu. Joaquin estava de pé perfeitamente enquadrado pela porta do quarto, vestindo uma camiseta de beisebol azul e cinza e jeans. Mesmo com a mancha roxa no centro da sua testa de quando ele foi golpeado mais cedo, ele parecia, em uma palavra, lindo. E também preocupado. — Nada. Soltei minha mão da de Tristan, através do lençol, e coloquei no meu colo. Ergui os olhos para encontrar os de Joaquin. — Só por eu ter pensado que ele era culpado. — Todo mundo pensou, em algum ponto ou outro — disse Joaquin. Ele entrou no quarto e ficou do outro lado da cama. — Como ele está? — Na mesma. Teresa da loja de moto ficou com ele durante a noite, e ele não acordou. Dei de ombros debilmente quando mais pingos de chuva atiraram-se para a janela atrás de mim. O vento assobiava através das calhas e beirais. Enquanto o silêncio entre nós continuava, eu comecei a suar. Ontem eu
tinha beijado esse cara. Eu queria nada mais do que estar com ele. Deixá-lo me ajudar a esquecer que o resto do universo estúpido existia. — Rory... — disse Joaquin. Olhei-o nos olhos. — O que vamos fazer, Joaquin? — eu disse simplesmente, sem pensar. Seus ombros caíram um centímetro. Poderia ter sido imperceptível se não fosse totalmente em sintonia com todos os seus movimentos. — Eu não faço ideia. De repente, os nossos walkie-talkies crepitaram. — Rory? Atenda, Rory. É Dorn. Câmbio. Minha respiração ficou presa, e eu me atrapalhei com o rádio da minha cintura, pressionando com firmeza o botão para falar. — O que foi? Você o achou? Houve um momento de silêncio. Um momento muito longo. — Eu... bem, nós ainda não temos certeza. Câmbio. Eu olhei para Joaquin, e eu podia sentir o nosso pânico crescendo juntos. Ele ergueu o walkie-talkie para seus lábios, seus olhos nunca deixando os meus. — O que diabos isso significa? Dorn suspirou. — Um corpo acabou de aparecer na praia.
21 O CORPO Traduzido por Yasmin Mota
—N
ão é Pete — disse Krista, lágrimas rolando pelo seu rosto enquanto ela interceptava Joaquin e eu no calçadão fora do Thirsty Swan. Dezenas de visitantes se reuniram na grade de proteção, enquanto Dorn, Grantz e a prefeita ficaram em torno do corpo perto da costa, impedindo-o de ser visto. Os gêmeos Tse estavam bem no centro da multidão, seus misteriosos olhos azuis voltados para a praia, seus lábios finos apertados em carrancas. Liam e Lalani estavam do lado mais afastado, segurando copos de café de papel que pareciam ter esquecido na tragédia. Ray Wagner inclinou-se para a grade, os dedos de suas botas rangendo contra as tábuas enquanto ele esticava o pescoço para ver melhor. — É... é Cori, pessoal — Krista fungou. — Ela está morta. — O quê? — eu gritei. — Não — disse Joaquin, a cor drenando do seu rosto. — Não. Não pode ser. Fisher e Kevin correram por nós, descendo as escadas com uma maca, com os pés afundando na areia molhada da praia da baía a cada passo. Dorn se afastou para deixá-los passar, e pela primeira vez eu realmente a vi. Cori estava de bruços na areia, seu cabelo encaracolado emaranhado por causa da chuva, seu moletom e jeans amontoados em torno dela em dobras molhadas. Alguém na multidão suspirou quando Fisher e Dorn a rolaram de costas. Seu rosto estava completamente destruído de um lado, a pele arrancada para expor o osso. Estava faltando um de seus olhos. Virei-me no ombro de Joaquin, apertando os olhos fechados, e ele me segurou com força. Cori sempre foi legal comigo. Ou tentou ser, com Nadia respirando no seu pescoço, me odiando tão ferozmente como podia e tentando fazer com que sua melhor amiga fizesse o mesmo. Ela era tão doce, tão meiga, tão inocente. Por que isso aconteceu com ela? Por que tudo isso está acontecendo? Eu tinha acabado de estar com ela na noite passada. Eu tinha
acabado de começar a respeitá-la e a conhecê-la um pouquinho. E agora ela se foi. — Eu acho que vou vomitar — disse Krista. — Por que Pete fez isso com ela? Eles eram melhores amigos. Eles e Nadia... Não faz sentido. — Eles pensam que foi definitivamente Pete? — eu perguntei. — Eu não sei. Eu só ouvi algumas coisas — disse Krista, limpando o nariz com as costas da mão. — Eu não quero ir para lá. — Eu vou — disse Joaquin. Sua voz falhou, e ele limpou a garganta. — Devemos descobrir o que eles sabem. — Eu vou com ele. — Eu dei um passo trêmulo para fora do alcance dele, enfiando as mãos nos bolsos do meu casaco. — Você vai ficar bem? — eu perguntei a Krista. Ela olhou fixamente para além de mim. — Você acha que ele a matou? Você acha que ele fez isso porque ela disse a vocês onde ele estava? Joaquin e eu trocamos um olhar. — Eu espero que não. Mas se ele fez isso, significa que ele ainda está lá fora — disse Joaquin. — Isso significa que podemos capturá-lo. — Certo. E isso é uma coisa boa — disse Krista, incerta. — É uma coisa muito boa — eu disse, apertando-lhe o braço. Significava que ainda podíamos obter as respostas que precisávamos. Isso significava que poderíamos fazê-lo pagar pelo que tinha feito. À minha família, à Aaron, Jennifer, Nadia, e agora, possivelmente, à Cori. — Eu acho que eu vou voltar a trabalhar — disse Krista calmamente. — Me avisem caso vocês descubram qualquer coisa. — Pode deixar — disse Joaquin. Alguém tinha colocado um lençol branco sobre o corpo de Cori, e ela tinha sido levantada na maca. Joaquin e eu descemos os degraus para a praia, e Liam se separou de Lalani para nos seguir. Fisher nos deu um aceno com o rosto impassível enquanto ele e Kevin erguiam a maca até as escadas. Nós nos juntamos à prefeita, ao chefe Grantz e à Dorn na areia. A impressão deixada pelo corpo de Cori já tinha enchido com água e desaparecido. Era como se nunca tivesse estado lá. — O que diabos aconteceu? — perguntou Joaquin baixinho. Eu lancei um olhar cauteloso para os espectadores. Alguns deles estavam começando a se dispersar agora que o corpo não estava lá, serpenteando em direção ao Swan ou para a cidade. Os gêmeos mantiveram suas posições, no entanto, cada um segurando a grade com a mão direita. Ray Wagner, para meu desgosto, estava ansiosamente seguindo Fisher e Kevin enquanto carregavam Cori até a colina.
— Nós não sabemos — disse Dorn, colocando as mãos nos quadris. — Ela não foi atacada como Tristan. — Mas seu rosto... — eu disse. — Pode ter sido de uma queda na água ou as ondas podem tê-la levado contra as rochas. — Dorn balançou a cabeça. — Ela nunca foi uma nadadora muito boa. Pode ser um simples afogamento. — Exceto pelo fato de que ela é a segunda Lifer a morrer — disse a prefeita, fervendo. — Vocês podem checar os pulmões dela? — perguntou Liam. — O quê? — a prefeita rebateu. Imperturbável, Liam levantou um ombro. — Se houver uma grande quantidade de água em seus pulmões, significa que ela inalou e se afogou. Se não houver, significa que ela já estava morta antes de ir para a água. O que quer dizer... vocês sabem... Assassinato, eu terminei em silêncio. Dorn e Grantz trocaram um olhar impressionado. — Vamos ver o que podemos fazer. — Isso é um pesadelo. Por que isso ainda está acontecendo? — a prefeita discursou. Ela não estava usando um pingo de maquiagem, e pela primeira vez desde que nos conhecemos, seu cabelo não estava perfeitamente arrumado. Algumas mechas molhadas se agarraram a sua bochecha. — Controle-se, prefeita. Nós vamos descobrir isso — disse Dorn. Havia uma incerteza em sua voz que me gelou. A prefeita era a constante sólida que tínhamos nesta cidade. Se ela se descontrolasse, então qualquer confiança ou esperança que o resto de nós tivesse, seria anulada. — Será que vamos? — ela estalou com os olhos arregalados. — Porque não conseguimos até agora. Nadia e Cori estão mortas. Tristan está em coma, e agora temos outro fugitivo em nossas mãos. E caso você não tenha notado, a ilha está prestes a afundar no maldito oceano. — Ela bateu o pé, o que só respingou ainda mais a lama espessa sob nossos pés. Joaquin se voltou para a prefeita. — Nós vamos encontrar Pete. Ele não conhece a ilha do jeito que Tristan conhece. A mandíbula da prefeita estava tensa. Ela parecia ter parado de respirar. — É melhor que encontrem mesmo — ela disse. — Porque eu não tenho certeza de quanto tempo podemos continuar assim. — O que você quer dizer? — perguntou Grantz, seu rosto afrouxando.
Ela virou-se lentamente para olhar para ele. — Eu estou dizendo que se não encontrarmos uma maneira de reverter tudo o que está acontecendo por aqui, podemos esperar o fim da Juniper Landing que conhecemos. Ninguém falou. A chuva começou a cair com mais força, as gotículas afiadas ricocheteando em nossos ombros e picando meu rosto. Minha mão automaticamente encontrou a de Joaquin, e ele a segurou firmemente entre nós. — Peguem seus grupos de busca lá fora e encontrem Pete — a prefeita rosnou. Enquanto ela acelerava em direção à praia, Joaquin chamou por ela. — E quanto ao funeral? Para Nadia? Está previsto para ser hoje. A prefeita suspirou e xingou baixinho. — O funeral continua como planejado — ela disse. — Mas você e seus amigos vão precisar cavar outra cova. Ela lançou um último olhar para o local onde o corpo de Cori tinha ficado, em seguida, fez o seu caminho com determinação pela praia. Os gêmeos a observaram ir, seguindo o seu progresso com os olhos misteriosos. — O fim do mundo, hã? — disse Liam. — Isso é algo que eu nunca pensei que veria. — Então ele saiu para se juntar a Lalani, pegando sua mão enquanto caminhavam lentamente até o calçadão. Grantz já estava em seu walkie-talkie, ordenando os grupos de busca para irem à delegacia. Uma vez que a prefeita havia desaparecido ao virar a esquina, os gêmeos se viraram novamente, me olharam bem nos olhos e sorriram. Meu aperto na mão de Joaquin apertou. — O que foi isso? — ele perguntou. — Por que parece que eles estão gostando disso? — eu disse, apontando meu queixo para os gêmeos. Joaquin se virou para olhar para eles. Nenhum deles se encolheu. Na verdade, os seus sorrisos se abriram. — Alguém sabe de quem eles são encarregados? — ele perguntou, em voz baixa. — Ninguém mencionou isso — eu disse. — Mas ficou difícil manter o controle recentemente. — Veja o que você pode descobrir. — Juntos, viramo-nos para as escadas. — Há algo estranho com esses dois. A última coisa que precisamos aqui é outro inimigo. — Ok. Eu vou perguntar por aí — eu prometi.
Quando chegamos à beira da praia, os gêmeos ainda estavam assistindo. Eles eram os únicos visitantes restantes de pé na grade e na chuva. — Eu te vejo na casa da prefeita às dez — disse Joaquin, liberando minha mão. Por um segundo, eu pensei que ele ia se inclinar e me dar um beijo de adeus. Parte de mim esperava que ele fizesse isso, e outra parte não tinha certeza de como eu reagiria se ele fizesse mesmo. Mas Joaquin simplesmente deu um passo para trás e seguiu pelo beco em direção ao seu apartamento. Minhas mãos tremiam. Eu tinha que descobrir como eu ia lidar com a volta de Tristan. Se ele acordar — quando ele acordar — eu terei que tomar uma decisão. Será que eu o perdoei por fugir sem explicação? Será que podemos superar isso? Ou devo ficar com Joaquin, a única pessoa que, até agora, nunca me deixou na mão? Eu não tinha dado dois passos quando os gêmeos apareceram em ambos os meus lados. Meu sangue borbulhou e eu abracei meus braços com força. Estar rodeada pelos gêmeos Tse não era o que eu precisava agora. — Perdeu mais um dos seus, hein? — perguntou Sebastian. — O que você quer dizer com isso? — eu retruquei. — Um habitante local — Selma respondeu. — Um dos seus. — Oh. — Eu pisquei, me perguntando como eles sabiam sobre Nadia. Mas eu supus que aqui era uma cidade pequena. Notícias se espalham. — Sim. Nós perdemos. Mas ela não era apenas uma habitante local. Ela era uma... uma amiga. — Ou, pelo menos, uma amiga em potencial. — Ela merece um pouco de respeito. Apressei meus passos, mas eles combinaram o ritmo com o meu. O olhar entediado de Selma fixou no meu rosto e eu abaixei minha cabeça, desejando que eu pudesse me enfiar no casaco e desaparecer. — Você provavelmente deve estar acostumada com isso — disse Sebastian, com uma pequena provocação na voz. Eu parei no meu caminho e me voltei para ele. — O quê? Por quê? O que você sabe? Ele ergueu as mãos em um gesto de rendição. — Nada. Só que com esta tempestade que se aproxima e estar em uma ilha... há geralmente uma grande quantidade de vítimas. Apertei os olhos para ele enquanto sua irmã escapulia atrás de mim até que ela estava de pé ao seu lado. — Você obviamente fica na defensiva — ela disse. — Há alguma coisa que você quer nos dizer?
— Sim — eu disse através dos meus dentes. — Fiquem longe de mim. Eu virei para ir para longe, mas meu pé ficou preso no encontro entre o calçadão e o asfalto e eu tropecei. A mão de Sebastian se estendeu para me pegar, e no segundo que seus dedos tocaram meu braço, minha cabeça se encheu com visões de sua vida. Sua morte. Sebastian em um berço deitado ao lado da irmã. Sebastian como um menino em um uniforme escolar preto e branco, atormentando uma criança menor. Sebastian marcando o gol da vitória em um jogo de futebol, em seguida, cuspindo nos pés de seu oponente. Sebastian enrolado no chão na parte de trás de um armário escuro, enquanto seus pais gritavam um com o outro. Sebastian e sua irmã gritando em uma passeata, levantando cartazes sobre suas cabeças. Sebastian e Selma sendo assaltados em uma rua escura. Sebastian lutando contra eles. Um tiro sendo disparado. Sebastian observando sua irmã morrer antes de ele mesmo ser baleado. Eu tirei meu braço de seu aperto e me afastei deles, meus olhos se enchendo de lágrimas. Ele teve uma morte horrível, observando sua irmã ter seus últimos suspiros. Mas igualmente esmagadoras foram as imagens de sua vida. A dor que ele sentiu, a dor que ele causou. Tinha sido uma curta existência, mas cheia de dor e confusão, raiva e medo. — Uau. Que jeito de dizer obrigado — ele cuspiu. Eu me virei para olhar para ele, a água escorrendo por nossos rostos. Minha mandíbula se apertou. — Obrigada. Então eu me virei e comecei a subir a colina tão rápido quanto podia. Pelo menos agora eu tinha metade da resposta à pergunta de Joaquin. Sebastian era o meu encarregado, e uma coisa era certa — assim que acertarmos as coisas por aqui, ele será a primeira pessoa que eu conduzirei para fora desta ilha.
22 O FUNERAL Traduzido por Sophia Martins
E
u mantive minha cabeça baixa enquanto caminhávamos de dois em dois, seguindo os caixões iguais colina a baixo. A cerimônia fúnebre havia sido breve e fria, como se cada um aqui tivesse esquecido o que o velório e a missa realmente significavam — compartilhar boas lembranças dos falecidos e honrar suas vidas. A prefeita disse algumas palavras em sua sala de estar, onde toscamente os caixões estavam reunidos fechados no chão, cercado por flores falsas, já que cada flor de verdade na ilha há algum tempo havia murchado, mofado e morrido. Ninguém se ofereceu para dizer uma palavra. Mas conforme os caixões foram erguidos e a multidão dividiu-se para formar um corredor improvisado para o centro da sala, eu repentinamente comecei a chorar e eu não fui capaz de parar nenhuma vez. Chorei por Cori. Chorei por Nadia. Eu chorei com o fato de que ambas haviam caminhado pela ilha com a mesma confiança que cada uma tinha — que nada realmente ruim poderia acontecer a elas novamente — até que aconteceu. Chorei por meu pai, Darcy e Aaron. E eu chorei pela minha mãe, cujo funeral foi o último que eu havia participado na Terra. No momento que eu me deixei abrir essa porta, as memórias caíram sobre mim como as ondas na maré alta. A dor era tão fresca como se ela tivesse tomado seu último suspiro ontem. Pensei na maneira como Darcy havia lidado com isso tão perfeitamente, sua postura como a de uma primeira bailarina, seu sorriso tão gracioso e educado enquanto ela recebia os convidados, até que ela se aproximou do caixão aberto da minha mãe e soltou um gemido horrível. Pensei em como meu pai havia se levantado da cadeira dele para dizer seu discurso fúnebre, mas ele tombou de joelhos, onde ele permaneceu por pelo menos cinco minutos até que meu tio Morris finalmente o ajudou a se levantar. Pensei em como eu estendi a mão para segurar a dela dentro do
seu caixão e olhei para seu rosto excessivamente maquiado, apenas desejando que ela acordasse e sorrisse. Acorde e me diga que isso era apenas um sonho. Acorde, acorde, acorde, eu tinha repetido em silêncio, desesperadamente. Por favor, mamãe. Por favor, acorde. Essa era a memória que realmente me tomou agora, fechou minha garganta e me fez prender o ar. Por favor, mamãe. Por favor, acorde. Desejei pela milésima vez que eu pudesse falar com ela, mesmo que apenas por um segundo. Agora eu precisava dela mais do que nunca. Eu precisava que ela me dissesse o que fazer. Eu precisava que ela me dissesse que tudo ia ficar bem. E eu precisava de Darcy, também. E do meu pai. Não era justo que eu estivesse sozinha aqui. Simplesmente não era justo. — Rory? Eu olhei nos olhos de Joaquin. Eu nem tinha notado que havíamos parado. — Você está bem? — ele me perguntou. Eu balancei a cabeça, olhando além das outras capas e guarda-chuvas para os caixões, que agora estavam na grama ao lado das sepulturas abertas. Os caixões eram feitos de bétula crua, o grão amarelo vivo era o único ponto quente no mundo que nos rodeada. Não havia cemitério em Juniper Landing, é claro, e tínhamos decidido enterrá-los perto das árvores na parte inferior dos dois penhascos no extremo sul da ilha. Este era um dos pedaços mais planos do terreno, e um belo local com vista para a cidade a leste, para o oceano ao sul. Pelo que eu tinha ouvido, Fisher, Dorn e Kevin levaram mais de uma hora para escavar cada buraco, porque a terra estava tão saturada que desabou sobre si mesma. Agora todo mundo esperava que os caixões fossem baixados. Afim de que todo este triste episódio tivesse acabado. — Eu estou bem — eu disse, empurrando minha mão abaixo do meu nariz. — Você não deveria estar... lá? Como um dos dezesseis carregadores dos caixões, Joaquin deveria estar ajudando a colocá-los no solo. — É. — Uma expressão de dor passou por seu rosto, e ele segurou firme o meu cotovelo. — Eu só queria dar uma olhada em você. — Obrigada — eu disse, e era verdade. Olhei em volta, enquanto eu tentava recuperar o fôlego. Ao redor dos caixões e sepulturas havia dezenas de Lifers vestidos de preto, passando lenços, de cabeça baixa. Mas além deles, uma pequena multidão começou a
se reunir. Visitantes curiosos. E eu senti uma pontada de ressentimento com a presença deles. Este era um momento privado, não uma atração turística. Até Ray Wagner e Jack Lancet estavam lá. Eles sussurraram um para o outro, as cabeças inclinadas perto. Quando Wagner me flagrou olhando, ele levantou a mão e acenou alegremente. Ele estava gostando disso. — Acho que devemos acabar com isso — falei resumidamente. Joaquin balançou a cabeça e voltou ao trabalho em mãos. Ele e os outros carregadores — Liam, Kevin e Fisher dentre eles — levantaram o caixão de Nadia por suas alças de prata pura e cuidadosamente o abaixaram no chão, caindo de joelhos enquanto rangiam seus dentes sob a tensão. Quando a madeira, finalmente, caiu no chão de terra da vala, Lauren deixou escapar um soluço sufocado e enterrou o rosto no casaco de Bea. Em seguida, eles baixaram o caixão de Cori no solo, e a prefeita caminhou ao topo das sepulturas. — Hoje nós colocamos para descansar duas boas amigas. Nunca nos esqueçamos o que a vida significa para nós. O que a morte significa para nós. Ela se agachou, pegou uma bola de terra lamacenta, e jogou-a em cima do caixão de Nadia, em seguida, fez o mesmo para Cori. O resto dos Lifers formaram uma fila sinuosa e irregular, e cada um deles seguiu o exemplo, enchendo a madeira com lama. Enquanto eu dava um passinho à frente, olhei para todos os visitantes e me assustei com alguns olhares hostis, alguns olhares desconfiados, alguns murmúrios furtivos. Eles estavam falando sobre nós. Falando como se suspeitassem de alguma coisa. Mas o quê? Estávamos simplesmente colocando duas pessoas para descansar. Quando finalmente chegou a minha vez, eu reservei a minha inquietação e peguei um pequeno pedaço de barro. Olhei para um nó marrom escuro na tampa do caixão de Nadia e deixei cair a sujeira estatelando dos meus dedos para cobri-lo. — Adeus, Nadia. Eu dei um passo para o próximo caixão. — Eu sinto muito, Cori. Eu queria que eu o tivesse parado. Eu sinto muito mesmo. Larguei a lama em seu caixão, as lágrimas correndo silenciosamente pelo meu rosto. Então não havia mais nada a fazer senão seguir em frente. Joaquin estava esperando por mim a alguns metros de distância, com um guarda-chuva preto em cima. — Você quer comer alguma coisa?
— Não — eu respondi, chutando uma pedra branca. — Eu só quero ir para casa. — Embora o que eu achava que estava me esperando lá, que não fosse a solidão e o silêncio, eu não fazia ideia. Ele colocou a mão suavemente na parte inferior das minhas costas, e nos afastamos da multidão. Mal tínhamos dado cinco passos quando os olhos frios dos gêmeos pararam em mim. Enquanto a maioria dos visitantes foram mantendo uma distância respeitosa do processo, ficando perto do ponto onde a colina declinava em direção à cidade, os gêmeos Tse estavam muito mais perto. Eles escolheram um lugar no meio do campo, poucos metros atrás dos enlutados, de pé sob a cobertura de um grande guardachuva preto. Seus olhos claros olharam diretamente para mim, diretamente através de mim, fazendo meu interior congelar. Sebastian estava rolando uma moeda em toda a volta da mão de dedo em dedo, um truque que eu nunca tinha sido capaz de tirar os olhos. — Eu ainda não consigo acreditar que ele é seu encarregado — disse Joaquin baixinho. — Como você não sabia? — Eu estou tão confusa quanto você — eu disse. Normalmente nós sabíamos quais nossos encarregados eram no momento em que chegavam à ilha — sabíamos tudo sobre eles assim que os vimos. Então, quando eles eram os próximos na fila para serem conduzidos, nós descobríamos sobre suas mortes, o melhor jeito para ajudá-los a resolver seus problemas. — Talvez tenha sido porque eles chegaram na balsa? Tudo estava uma bagunça naquele dia. — Talvez — Joaquin pensou, estreitando os olhos para eles. — Sou só eu ou parece que quando se trata dos Tse, nada é bem o que deve ser? — Não é só você — eu respondi. Justo então, Sebastian virou um pouco, e eu vi que a moeda com a qual ele estava brincando não era de prata, mas de ouro — uma das moedas de condução dos Lifers. — Joaquin! — exclamei, agarrando seu braço. Seu rosto empalideceu quando viu a moeda. Antes que ele pudesse me parar, eu voei para cima dos gêmeos, agarrando o braço de Sebastian. — Fique longe de mim! — Sebastian retrucou, se afastando da minha mão. Meus dentes cerraram. — Onde você conseguiu isso? — Isso não é da sua conta, não é? — ele respondeu, rapidamente embolsando a moeda. — A menos que você queira tentar explicar o que é. Ele e sua irmã olharam para mim e Joaquin astutamente, seus olhos claros brilhando de malícia. Eu apertei os lábios com força.
— Nós achamos que não — disse Selma. Em seguida, eles se viraram como um e se afastaram, seus passos perfeitamente compatíveis. — O que diabos está acontecendo? — Joaquin perguntou quando um vento forte do oceano soprou meu cabelo em meus olhos. — Pete disse que estava trabalhando com alguém. Nós só assumimos que era um Lifer, mas e se não for? — Eu me virei para encará-lo. — E se um dos visitantes tem algo a ver com isso? — Mas, Rory, não pode ser eles — disse Joaquin. — Eles só chegaram aqui quando a balsa afundou. Aaron, Jennifer, seu pai... eles já tinham sido conduzidos. — A não ser que eles não tenham chegado aqui aquele dia — eu respondi, o meu pulso acelerado. — E se eles estiveram aqui o tempo todo? Joaquin balançou a cabeça. — O quê? — Pense nisso — eu disse, tudo vindo em um embalo. — Steven Nell conseguiu esgueirar-se por baixo do radar de todos. E se os gêmeos chegaram aqui mais cedo e estavam se escondendo até que a balsa afundou? Talvez eles usaram a confusão daquele dia para sair da toca e começar a agitar as coisas com os moradores. Causar uma distração para que Pete pudesse continuar conduzindo as almas. Joaquin olhou para a fila de visitantes ao longo do cume. Alguns deles se separaram para permitir que Sebastian e Selma atravessassem, em seguida, seguiram os gêmeos em direção à cidade, lançando olhares suspeitos sobre seus ombros para nós. Era como se os Tses estivessem reunindo forças. Como se alguns dos visitantes tivessem se tornado servos dispostos. — Por que mais eles teriam uma moeda, Joaquin? — eu perguntei. — Por que mais eles poderiam estar nos fazendo estas perguntas loucas, como se eles já soubessem as respostas? Pouco antes de descer colina a baixo, Sebastian fez uma pausa e olhou para o cata-vento no topo da casa da prefeita. Muito lentamente, seus olhos semicerrados deslizaram em nossa direção, enviando um arrepio pela minha espinha. Ele sorriu e foi embora. A mandíbula de Joaquin apertou. — Devemos contar isso para a prefeita — ele disse. — Eu acho que é hora dela ter uma conversinha com os Tses.
23 MORTO E ENTERRADO Traduzido por Yasmin Mota
E
u fico e continuo olhando para os túmulos muito tempo depois que todo mundo foi embora. Ninguém os cobriu ainda e os montes de lama nas superfícies uma vez limpas parece errado. Tudo sobre isso parece errado. Elas não precisavam ter morrido, mas não foi culpa minha. Foi delas. Se Nadia tivesse ficado escondida como um bom bode expiatório, se Cori não tivesse interferido, esses túmulos nunca teriam sido cavados. Eu poderia ter terminado isso sem matar ninguém, mas o que está feito está feito. Não há como voltar atrás. Em breve, terei tudo o que eu quero. E essa é a única coisa que importa.
24 PERTURBANDO A PAZ Traduzido por Yasmin Mota
E
u esperei no saguão da pensão dos gêmeos na Rua Magnolia naquela tarde com Krista, Liam e Bea, enquanto Joaquin, Fisher, Kevin e Dorn seguiram e passaram pela escada que dava para a porta da sala do primeiro andar, onde os gêmeos estavam ficando. Eu ainda não podia acreditar que eles tinham sido colocados tão perto da minha casa. A própria ideia da proximidade deles me deu arrepios. Mas, pelo menos, eu tenho ficado com Krista nos últimos dias de qualquer maneira, e esperava que, quando e se eu me sentir confortável na minha casa de novo, os dois estejam muito longe. Olhei nervosamente para a porta da frente e o tempo furioso lá fora, e esperava que pudéssemos passar por isso sem uma cena. Depois do funeral mais cedo, havia uma espécie de mal-estar entre os Lifers e os visitantes. Fisher bateu na porta. Pareceu um trovão. Liam se assustou e até eu mesma me encolhi. Aparentemente, ele não estava tão preocupado quanto eu em ser discreto. Não que isso me surpreendesse. Todos os meus amigos estavam no limite com outro membro do nosso grupo ter morrido — alguém com quem tínhamos dado risadas, ficávamos juntos na enseada e compartilhávamos segredos. Eles queriam respostas, eles queriam justiça e eles queriam que as mortes parassem. — Selma? Sebastian? Precisamos falar com vocês — disse Joaquin. — Por favor, abram a porta. Não houve resposta. Uma porta no andar de cima se abriu, e eu podia sentir quem quer que fosse ouvindo atrás. Joaquin olhou para Dorn, que estava usando seu uniforme da polícia de Juniper Landing para a ocasião. Seu carro de polícia — o único da cidade — estava parado na rua. — Selma e Sebastian Tse? — disse Dorn, com um suspiro. — Aqui é a polícia de Juniper Landing. Abram.
Várias portas se abriram mais em cima. Um homem saiu e foi para o topo da escada, com um roupão amarrotado completamente aberto sobre sua camiseta e shorts. — O que está acontecendo aí embaixo? — ele perguntou à Bea, que estava mais próximo a ele. — Nada. — Ela deu de ombros casualmente. — A polícia só tem algumas perguntas para alguém. Não é grande coisa. — Selma e Sebastian Tse, nós sabemos que vocês estão aí — disse Dorn, baixando a voz. — Abram a porta ou serei obrigado a arrombá-la. — Isso não soa como nada — disse o homem, descendo alguns degraus, mas mantendo uma distância segura. Eu cerrei os dentes e olhei para Krista, que parecia pálida contra o pano de fundo de papel de parede florido amarelado. Isso não era bom. Finalmente, a porta no final do corredor abriu uma fresta, e Sebastian ou Selma — era impossível dizer qual — espreitou para fora. — O que você quer? — Sr. Tse? — Dorn começou. — Na verdade seria Senhorita Tse — Selma corrigiu-o com um sorriso de escárnio. — Minhas desculpas — disse Dorn, não soando nem um pouco arrependido. — Você poderia sair para o corredor? Ela não se mexeu. A porta não se mexeu. — Por quê? — O seu irmão está aí dentro, senhorita? — ele perguntou, puxando seu cinto de utilidades. Os olhos de Selma focaram em sua arma no coldre. — Por quê? — disse ela novamente. — Porque nós vamos precisar que vocês dois venham com a gente. A porta se abriu tão rápido que os meninos pularam para trás, e Krista agarrou meu braço. Sebastian estava ali, com os punhos cerrados ao lado do corpo. Ele estava fervendo. — Irmos com vocês aonde? — perguntou ele. Seu olhar correu para o rosto de Joaquin, então para Fisher, depois para Kevin, como se ele estivesse cuidadosamente memorizando cada detalhe. — Estamos sendo presos? Nós não fizemos nada de errado. — Nós apenas queremos lhes fazer algumas perguntas — disse Dorn com firmeza. — Então, pergunte — disse Selma. Dorn olhou para nós, e para o homem de roupão, em seguida, em direção à escada que levava para cima, onde sei lá quantas pessoas estariam ouvindo.
— Preferimos fazer isso na delegacia. — Dorn alcançou Sebastian, e em um piscar de olhos, Sebastian investiu contra ele, batendo em Dorn que era muito maior contra a parede da escada atrás dele. Eu vacilei e Selma gritou. Quase instantaneamente, Dorn prendeu Sebastian com uma chave de pescoço e lutou com ele de cara para o chão. Liam esticou o pescoço para obter uma melhor visão da ação. — Isso foi uma má ideia — disse Dorn no ouvido de Sebastian. — Agora você está preso por agredir um policial. — Eu ouvi o clique das algemas em torno de seus pulsos sem nem ver Dorn tirá-las de seu cinto. O cara era bom. — Sebastian! — gritou Selma. — Você está bem? — Pegue a garota — Dorn rosnou para Joaquin enquanto arrastava Sebastian a seus pés. Seu rosto estava vermelho e as bochechas tremiam. Ele estava com raiva, talvez até mesmo envergonhado, que Sebastian tinha conseguido a melhor sobre ele, até mesmo por um segundo. Mais portas se abriram e uma multidão começou a se formar. Joaquin fez um movimento em direção a Selma, mas ela se encolheu. Eu agarrei o braço dele. — Deixe-me tentar — eu disse. Ele ergueu as mãos. — Toda sua. Eu respirei fundo e me aproximei de Selma. Sem seu irmão ao seu lado, ela parecia assustada. Irritada, mas também com medo. Ela me olhou com cautela, e eu virei minhas palmas para fora de forma apologética. — Olha, se você vir com a gente de boa vontade, tudo vai ficar bem — eu disse. Contanto que você não seja quem arrastou a minha família para o inferno, eu adicionei silenciosamente. — Sim, certo. Seu policial primata simplesmente atacou o meu irmão — ela retrucou. — Seu irmão atacou um policial — eu respondi, a frustração esmiuçando em meus nervos. — Mas se você concordar em responder as nossas perguntas, tenho certeza que eles vão liberá-lo só com um aviso. Selma inclinou-se para fora do apartamento quando ouviu a porta do carro da polícia bater. Sua mão cobriu a boca. Eu podia ver o quanto ela queria estar com ele, e me lembrei dos flashes que vi da vida de Sebastian e a profundidade da emoção que sentiam em relação ao outro. — Você quer ir com o seu irmão, ou você quer ficar aqui? — perguntei. — Sozinha. — Eu vou — ela retrucou, pegando sua bolsa de dentro do apartamento. — Vocês têm algum advogado nesta cidade?
Eu atirei um olhar para Bea, Liam e Krista enquanto Selma saía pela porta. Os gêmeos não estavam dispostos a tornar nada fácil. — Vocês estão bem? — Joaquin perguntou quando Dorn colocou Selma no banco de trás de seu carro ao lado de seu irmão. Bea, Krista, Liam e eu deveríamos ficar para trás para procurar mais moedas no quarto dos gêmeos Tse, ou qualquer outra coisa suspeita. Olhei de volta para o apartamento. — Vamos fazê-lo o mais rápido possí... De repente, um estalo de estática me cortou. A voz de Grantz surgiu através dos alto-falantes em nossos walkie-talkies. — Estejam avisados que Pete Sweeney foi localizado. Estamos transportando-o para a delegacia agora. Câmbio. Meus olhos se arregalaram quando eu olhei para Joaquin. — Ele está vivo. — Isso é uma coisa boa, certo? — disse Liam. Eu fechei a minha jaqueta. — Eu estou indo para lá. — Eu vou com você — Joaquin ofereceu. — Não. De jeito nenhum. — Dorn parou na porta agora, praticamente preenchendo o espaço. — Eu preciso de você e Fisher aqui comigo. — Está tudo bem. Eu posso ir sozinha — eu disse. — Não. Você não pode. Ninguém vai a lugar nenhum sozinho, lembra? — Joaquin disse, colocando brevemente o meu rosto nas mãos. Eu senti todo mundo olhando para nós, naquele breve momento de intimidade, e minha pele queimou. — Eu vou! — Krista e Liam ofereceram de uma vez. — Você — disse Joaquin, apontando para Liam. — Você vai com Rory. Bea e Krista, procurem no quarto. Os olhos de Krista se encheram de preocupação. Era bom ter alguém por perto que se preocupava comigo tanto assim. Meus amigos de casa eram muito mais conhecidos casuais — pessoas com quem estudei ou corri. Mas Krista tinha se tornado mais do que isso. Ela tinha se tornado como uma segunda irmã. Infelizmente, agora tudo que eu conseguia pensar era em conseguir minha irmã de verdade de volta. Krista olhou para Joaquin. — Mas Rory pode precisar... — Apenas faça isso, Krista — Joaquin ordenou. Seus ombros caíram. — Tudo bem. — Vamos — eu disse a Liam. — Estamos perdendo tempo. No meu caminho para fora da porta, Joaquin agarrou meu pulso e me virou para ele. Eu podia sentir a emoção e a ansiedade vindo dele em ondas.
— Você me chama no rádio no segundo que você descobrir o que está acontecendo. — disse ele, olhando para os gêmeos, que estavam sussurrando na parte de trás do carro. — Até o final da noite, uma dessas pessoas vai falar. Vamos trazê-los de volta, Rory. Sua energia era contagiante, e pela primeira vez em dias, a esperança encheu meu coração. Eu balancei a cabeça. — Nós vamos trazê-los de volta.
25 TEMPO DEMAIS Traduzido por L. G.
—E
le está inconsciente? — eu disse, de pé no sufocante corredor quente e úmido fora da área de prisão no porão da delegacia de polícia. O Chefe Grantz estava encharcado de chuva e cheirava a suor. Olheiras se estabeleciam sob seus olhos como balões de água. Seu casaco vinil azul-escuro do DPJL tinha um longo rasgo em um braço e lama cobria suas botas pretas, encharcando também a bainha da calça do uniforme da polícia. — Sim — disse ele, enxugando o rosto com um pano. — Nós o encontramos no pé do muro da enseada. Parece que ele escorregou e se jogou para fora. — Talvez você devesse ter dito isso pelo walkie-talkie — disse Liam. Grantz lhe lançou um olhar afiado. O homem parecia estar à uma observação sarcástica de colapsar. — Teresa está lá com ele agora, analisando-o. Você pode ir se quiser. Eu concordei e ele abriu a porta para nós. Havia duas celas muito pequenas com barras englobando suas paredes frontais e as paredes entre elas. Arrepios apareceram em meus braços e eu tremi quando movi de lado para deixar Liam passar. Pete estava estirado na cama na primeira cela, cobertores empilhados em cima dele. Seu rosto estava virado para o lado, longe de nós, mas eu podia ver a maior parte de seu rosto, queixo e uma orelha. Ele parecia bem, apenas um pouco pálido. Pelo menos seu crânio estava intacto. Por que não poderíamos apenas encontrar alguém que estava consciente para variar? Teresa, uma mulher de cerca de quarenta anos, com cabelo curto grisalho, ajoelhou-se ao lado da cama, segurando o pulso de Pete entre os dedos. Ela olhou para cima quando chegamos e abaixou suavemente o braço
dele na cama. Meus dentes cerraram enquanto eu tentava lutar contra o meu lado vingativo que sentia que Pete não merecia esse cuidado quando tinha sido ele que tinha tirado a vida de Nadia e Cori, que tinha deixado Tristan inconsciente. — Como ele está? — eu perguntei. Teresa levantou-se e suspirou. — Os sinais vitais estão bons, mas ele está frio. Só o tempo dirá. — Você tem alguma ideia de quando ele vai acordar? — perguntou Liam, levando as mãos para os bolsos. Teresa abriu a porta da cela com um tinido e saiu. — Infelizmente, não. Mas não foi tão ruim quanto o que Tristan passou. Eu diria que algumas horas, talvez? Mais um dia ou dois. Um ou dois dias. Pensei no meu pai e Darcy e fechei os olhos apertados enquanto uma onda de desespero caía sobre mim. Cada hora, cada minuto que eles estavam na Terra das Sombras era tempo demais. — Você é Liam, certo? — disse Teresa, levantando o queixo. — A prefeita me disse que foi sua ideia verificar os pulmões de Cori. Boa ideia. Eu fiz uma autópsia rudimentar e eles estavam cheios de água salgada. Descobri que ela se afogou. Liam olhou para mim. — Eu acho que é uma... boa notícia? — Aumentam as chances de ter sido um acidente — respondeu Teresa. — Talvez, mas isso não prova nada — eu disse. — Dorn deu a entender que todos sabiam que Cori não era uma grande nadadora. Se ele a empurrou para dentro do mar, pela forma como tem estado violento ultimamente... Liam ficou verde e eu parei. Eu também não queria pensar sobre isso muito detalhadamente — a insensibilidade que seria necessário para fazer algo assim, o terror que Cori teria sentido quando ela fugiu. — Você pode entrar e tentar acordá-lo, se quiser — Teresa sugeriu, inclinando a cabeça na direção da cama de Pete. Eu me ericei com o pensamento. Nada do que eu tinha a dizer para Pete iria fazê-lo querer acordar. Eu estava prestes a dizer-lhe isso quando Pete de repente suspirou e virou a cabeça. Seus olhos ainda estavam fechados, mas eu congelei, agarrando o braço de Liam. Sob o meu controle, todo o seu corpo ficou tenso. — Ai meu... — Liam disse, mordendo o lábio. — Pete? — eu perguntei. — Pete? Você está acordado? Teresa tirou uma pequena lanterna do bolso e moveu-se para a cama. Ela forçou um dos olhos de Pete a abrir e direcionou a luz brilhante nele. Ele não vacilou.
— Ele ainda está inconsciente — ela concluiu, dando de ombros para nós. A pele de Liam tinha ficado pálida como cera. — Eu acho que devemos ir. — Ele correu para a porta, como se a sala estivesse em chamas. — Nós não devemos ficar no caso de ele acordar? — eu disse. Liam parou com uma mão na maçaneta. — Por quê? Ela disse que poderia levar dias. Eu acho que devemos ir até a prefeita e descobrir se os irmãos Tse estão falando. Era tentador. Pelo menos eu sabia que os gêmeos estavam conscientes. Voltei a olhar para Pete, cujos olhos permaneceram teimosamente fechados, seu peito subindo e descendo a um ritmo calmo e normal. — Eu posso avisar por rádio quando ele acordar — disse Teresa, colocando uma mão reconfortante no meu braço. — Vão em frente. Nenhum de vocês deve ir a qualquer lugar sozinho. — Ok — eu disse, relutante. — Obrigada. Liam empurrou a porta. Escutei quando seus passos soaram pelo longo corredor, mas eu não o segui. Em vez disso, eu esperei até que Teresa deixasse a cela e fechasse a porta atrás dela. Pete tinha levado o meu pai e minha irmã, Aaron e Jennifer e todas as outras pessoas inocentes para a Terra das Sombras. Eu não iria a lugar nenhum até que eu soubesse com certeza que ele estava bem trancado. Teresa tirou uma chave grande e antiga e a colocou dentro da fechadura. Quando ela a virou e o trinco foi parar no seu lugar, ele soltou um baque alto, satisfeito. — Para onde isso vai agora? — eu perguntei, olhando para a chave. — De volta para o Chefe Grantz — ela disse. — A única chave é dele. — Ela sorriu de uma forma amigável, compreensível. — Você pode vir comigo se quiser. — Não é que eu não confie em você. Eu só... — Querida, se eu fosse você agora, não confiaria que lado é para cima — ela disse, dando um aperto de mão rápido. — Por aqui. — Obrigada — eu disse, e era verdade. Foi a primeira vez que alguém me fez sentir como se minhas emoções insanas fossem compreensíveis em termos tão simples. Eu a segui pelo longo corredor, que levava para a parte de trás da delegacia. Juntas, caminhamos até o escritório de Grantz, e a vi entregar a chave, que ele amarrou a uma corrente que estava presa ao cinto. Liam estava me esperando perto da porta da frente.
— Tudo bem? — perguntou Teresa, virando-se para mim com um sorriso. — Tudo — eu disse. — Você vai me chamar quando ele estiver acordado? — Assim que ele começar a falar — ela me assegurou. — Não se preocupe, querida. De uma forma ou de outra, isso vai acabar logo. Eu balancei a cabeça e me juntei a Liam na porta, sentindo-me pesada e vazia ao mesmo tempo. De uma forma ou de outra. Não inspirava muita confiança.
26 AGITADORES Traduzido por Sophia Martins
—A
lgo muito estranho aconteceu comigo hoje — disse Liam. Estávamos subindo a colina para a casa da prefeita através do vento e da chuva. Nós dois estávamos inclinados contra ela, como dois navios tempestuosos que tentam cortar através das ondas. — Mais estranho do que o normal? — eu perguntei. Ele acenou com a cabeça quando chegamos ao topo do penhasco. — Eu estava ajudando Nick depois que ele foi batido por uma onda, e eu tive esse flash... eu vi como ele e Lalani morreram. Houve um estalo de relâmpago diretamente acima. Corremos para a cobertura do telhado da varanda na casa da prefeita. Arfando para respirar, eu retirei o meu capuz dos meus cabelos e olhei para Liam. Seu rosto estava meio iluminado pelas luzes aéreas, e ele parecia, compreensivelmente, assustado. — Isso significa que é seu primeiro encarregado — eu disse a ele. — Ele é a primeira pessoa que você vai conduzir. Assim que resolvermos essa bagunça. Liam olhou para os seus pés. Seus Converse estavam encharcados. — Foi isso que eu imaginei. — Você está bem? — Estendi a mão para tocar seu braço, e ele se encolheu, se distanciando violentamente. Eu puxei minha mão de volta, meu coração martelando. — Liam? Ele olhou para o chão. — Desculpe. Eu só... foi um dia estranho. Então ele se virou e abriu a porta, tirando sua jaqueta enquanto ele entrava. Eu respirei fundo, sacudindo o constrangimento, e o seguindo. Joaquin afastou-se da parede onde estava encostado, e Krista correu em minha direção de seu posto junto à porta do escritório, onde ela claramente tinha tentado espionar.
— Bem? Como foi? — perguntou Joaquin. — O que ele disse? — acrescentou Krista. — Ele está inconsciente — eu disse sem rodeios, tirando minha capa de chuva e pendurando-a no gancho mais próximo. — O quê? — Fisher gritou. Ele estava sentado na escada com Bea, que apoiava o lado da cabeça dela contra a parede, parecendo exausta. — Teresa acha que vai ser apenas algumas horas — eu disse, tentando manter o pensamento positivo. — Como vão as coisas aqui? Liam tinha deitado em um dos sofás da sala de estar e estava esfregando o rosto com as duas mãos. Kevin estava no outro sofá, do lado oposto da mesa de café, com o braço atirado sobre os olhos. Eu podia ouvi-lo roncando levemente. Era um momento estranho para tirar um cochilo — com o nosso número de suspeitos um após o outro sendo interrogados na sala ao lado, mas eu não poderia culpá-los. Cada um de nós poderia ter dormido durante semanas neste momento. — Ela ainda está lá com eles — disse Joaquin, acenando para o escritório. Eu podia ouvir vozes falando em tons suaves lá dentro. — Você deveria ter visto o modo como eles se apavoraram quando nós os trouxemos aqui, em vez de ir à delegacia. Esses dois não são nada introvertidos. — Achou alguma coisa no quarto deles? — eu perguntei a Bea. Bea suspirou e empurrou o cabelo encaracolado do rosto com as duas mãos. — Nada. Nem mesmo a moeda que vocês viram. Ele deve tê-la com ele. — Como diabos ele pode ter posse de uma moeda? — perguntou Krista, passando as mãos para cima e para baixo dos braços nus. — Talvez ele acordou com uma ao lado de sua cama — Fisher ponderou. — Há um monte de porcaria aleatória acontecendo por aqui ultimamente. Nunca se sabe. Ficamos em silêncio. Eu não gostava da ideia de que a moeda era simplesmente um erro ou uma coincidência. Eu queria que os gêmeos fossem parte disso. Eu precisava de alguém — qualquer um — para culpar. Alguém para me dizer o que diabos estava acontecendo e como consertá-lo. Eu queria que a minha irmã e meu pai voltassem tão desesperadamente que estava causando uma dor constante no meu peito. — Eu vou lá em cima verificar Lauren e Tristan. — Bea ergueu-se lentamente. Lauren ficou com o turno do dia olhando Tristan ao lado da cama, caso ele acordasse. Ela aceitou as mortes de Nadia e Cori — o fato de que agora podíamos morrer — mais duramente do que qualquer um, e estava
claramente com medo de perder Tristan também. De alguma forma, estar com ele a consolou, como se simplesmente observar seu peito subir e descer lhe desse esperança. Bea tinha subido dois ou três degraus, quando a porta do escritório se abriu de repente. Fisher se levantou. Joaquin deu impulso para longe da parede novamente. Até mesmo Kevin capotou no sofá, piscando para nós com olhos turvos. — Muito obrigada por terem vindo. Espero que vocês aproveitem sua estadia — disse a prefeita agradavelmente, segurando a porta para os gêmeos percorrerem. Meu coração parou e eu olhei para Joaquin enquanto os dois passavam por nós, sorrindo como turistas satisfeitos. — Você está deixando-os ir? — perguntou Joaquin. — Shh! — a prefeita respondeu secamente. Ela abriu a porta para eles, também, e esperou com um sorriso duro enquanto eles levantavam suas mãos e desapareciam na noite. A porta se fechou com um estrondo e a prefeita pressionou as palmas das mãos. — Os gêmeos Tse são tão inocentes como torta — disse ela, franzindo os lábios com amargura em torno das palavras. — Eles são pessoas incrivelmente suspeitas e tinham carreira de ativistas no outro mundo. A atual situação de Juniper Landing compreensivelmente despertou seus agitadores internos, mas eles não têm nada a ver com o que está acontecendo aqui. — Oh, fala sério! — Joaquin desabafou. — Então de onde eles tiraram a moeda? — Ele alegou que achou do lado de fora da loja de departamentos — disse a prefeita, lançando um olhar acusador ao redor da sala. Ela moveu-se para a janela ao lado da porta da frente para olhar para o mar tempestuoso. — Felizmente eu fui capaz de apagar o acidente da balsa de suas memórias e alterar suas percepções sobre as atividades de hoje à noite, para quando eles voltarem para a pensão, eles terem a história de um erro bobo para contar, mas é isso. — Ela respirou forte e soprou. — Eles devem estar perfeitamente felizes aqui para a duração da sua estadia. O que precisamos fazer é descobrir quanto tempo que vai ser. Trovão retumbou à distância. — Você quer que a gente comece a conduzir mais uma vez, não é? — Bea perguntou em voz baixa. — Se Pete era, de fato, responsável por essa confusão, eu não vejo nenhuma razão para não continuar com o nosso negócio, agora que ele está
preso. — Os olhos da prefeita dispararam de rosto em rosto, à espera de alguém para contradizê-la. — Algum de vocês recebeu novas moedas hoje? — Eu recebi — eu disse. — Eu também — Kevin disse da sala de estar. — Todos nós recebemos — disse Joaquin, empurrando as mãos nos bolsos da calça jeans e olhando para os seus pés. — Então essas moedas serão usadas pela primeira vez, pois não há nenhuma maneira de Pete ter mexido com elas — disse a prefeita. — Precisamos começar conduzindo as almas sombrias e os criminosos para fora desta ilha. Neste momento, estamos trabalhando contra o tempo. Vamos começar hoje à noite. — Hoje à noite? — Krista desabafou, olhando para o céu. — Quanto mais cedo melhor — a prefeita respondeu. — Mas e quanto às outras almas? — eu interrompi. — As que sabemos que devem ir para a Luz? E as crianças? Como é que vamos nos sentir confortáveis conduzindo-os? — Nós só vamos ter que confiar que tudo vai endireitar-se — disse a prefeita. — E então veremos. Veremos. Desesperança estabeleceu-se em meus ombros, espessa e lodosa como a terra lamacenta que tínhamos deixado cair nas sepulturas de Cori e Nadia. — Eu gostaria que Tristan acordasse — Bea disse. — Talvez quem estava trabalhando com Pete estava com ele naquela noite na casa cinza. Nós olhamos para as escadas onde, além do ritmo habitual da chuva contra as janelas, tudo estava parado. Não havia nada além de sombras, a lasca de luz debaixo da porta de Tristan, o cristal opaco no lustre de vidro. Mas eu ainda podia vê-lo ali, sua pele bronzeada iluminada por um brilho interno, enquanto ele sorria para mim. Enquanto ele me fazia sentir como se eu fosse a única garota que ele poderia amar. — Eu vou lá em cima — eu decidi, contornando Fisher. — Por quê? — perguntou Krista. — Eu vou falar com ele — eu disse, levantando minhas mãos. — Eles dizem que ele pode ouvir, certo? Talvez se ele ouvir a minha voz... Eu não sei. Eu só vou falar com ele. — Eu vou com você — Joaquin ofereceu, o pé batendo no degrau de baixo. — Não. Ele congelou, e o resto do mundo pareceu congelar junto com ele. — Não?
Eu não conseguia olhar nos olhos dele. Não naquele momento. — Eu quero fazer isso sozinha. Eu tenho que fazer. — Mas eu... — Jay — disse Bea. — Deixe ela ir. Quem sabe? Talvez dê certo. Eu atirei-lhe um sorriso agradecido e não esperei que ele respondesse. Em vez disso, eu corri até a escada de dois em dois e, encontrando-me na frente da porta fechada de Tristan, respirei fundo. Você pode fazer isso, eu disse a mim mesma. Ele ama você. Ele mesmo disse isso em seu bilhete. Ele nunca deixou de te amar. Se há alguém para quem ele vai voltar, é você. Com estes votos tocando dentro da minha mente, eu abri a porta. Lauren olhou para cima. Ela estava lendo um livro em voz alta para ele, sentada na cadeira ao lado da cama, mas calou-se quando me viu. Seu cabelo curto e escuro estava puxado para trás com uma faixa, e ela usava uma camisa polo rosa, um canto do colarinho começando a se desgastar. — Tiveram alguma sorte? — ela perguntou. Eu balancei minha cabeça. — Os Tses não sabem de nada, e Pete está inconsciente. Ela caiu para trás na cadeira, o livro caindo no colo. — Isto é muito ruim. — Se importa se eu falar com Tristan sozinha? — eu perguntei. Ela olhou para o rosto dele, que ainda parecia uma pintura, depois suspirou. — Claro. — Quando ela se levantou, ela estendeu a mão para apertar a mão dele, depois saiu, fechando a porta atrás dela. Peguei o assento que ela tinha acabado de desocupar. Ainda estava quente. — Oi, Tristan — eu comecei, e minha voz falhou. Eu respirei vacilante, piscando para uma nova onda de lágrimas. Vê-lo nesse estado, imóvel e vulnerável, era muito errado. O Tristan que eu conhecia era mais forte do que qualquer um de nós, de corpo e alma. Lembrei-me, de repente, da firmeza de seus braços quando ele me beijou pela primeira vez. O calor de sua mão enquanto ele segurava com força os meus dedos, balançando os braços entre nós enquanto caminhávamos pela ponte para a cidade. Houve um tempo, não muito tempo atrás, quando havia uma luz tão surpreendente, esperançosa e amorosa em seus olhos, e eu trouxe isso para fora dele. Nós éramos felizes. De nenhuma maneira eu iria deixar isso de lado. Estendi a mão para pegar a mão dele e segurei-a com as minhas. — Tristan — eu disse com firmeza, — eu quero que você saiba que eu sinto muito por não ter acreditado em você. Eu sei que eu já disse isso
ontem, mas eu sinto. Sinto muito, muito mesmo. Espero que você me perdoe. Não, eu sei que você vai me perdoar quando você acordar. Eu sei que você vai entender. Lágrimas caíram dos meus olhos, e me inclinei para frente, descansando minha testa em cima da parte de trás da minha própria mão. O topo da minha cabeça bateu a seu lado, e eu me inclinei para ele, saboreando qualquer contato, desejando que eu pudesse estar do lado dele e abraçá-lo. O pensamento de que eu nunca mais poderia ver seus olhos novamente. Que eu nunca mais poderia sentir ele me abraçar novamente. Que eu nunca mais poderia tocar seus lábios novamente... Eu tive que me esforçar para respirar. — Tristan, por favor — eu sussurrei, levantando a cabeça e olhando para seu rosto plácido. — Por favor, não morra. Por favor, não faça isso comigo. Eu sei que o que eu estou dizendo é egoísta. Eu sei disso. Eu sei. Mas eu não aguento mais isso. Eu não posso lidar com perder você acima de todos os outros. Há tantas pessoas neste mundo que eu amo, Tristan, e todos elas se foram. Cada uma delas. Exceto você. Eu me inclinei para trás, desejando que ele piscasse, respirasse, fizesse qualquer coisa. Qualquer coisa para me mostrar que ele ainda estava lá dentro, que ele podia me ouvir, que ele entendeu. Mas não houve nada além da constante subida e descida de sua respiração, e o tique-taque do relógio de pêndulo lá embaixo.
27 O RETORNO Traduzido por Yasmin Mota
—E
ntão, vamos recapitular — disse Kevin, sentando em um cobertor na areia ao lado de uma fogueira crepitante, confortavelmente quente e seca. A chuva tinha parado às três horas. Parou de repente depois de dias e dias de água implacável. Ainda estava monótono, cinza e frio, com uma sólida camada de névoa em cima, mas estava seco, por isso decidimos nos reunir na enseada para um jantar de sanduíches e batatas fritas — o que era ótimo, já que eu não lembrava mais a última vez que tinha comido — e decidir o nosso próximo passo. Kevin abriu uma lata de cerveja e tomou um gole, lambendo a espuma dos lábios. A pele de seus dedos estava seca e rachada, flocos brancos minúsculos agarrados aos seus dedos magros. — Pete é o cara mau. Ele matou Nadia, e ele pode ter matado Cori. — Sim — eu disse, jogando um pedaço de madeira na fogueira flamejante e crepitante. — E ele tem um cúmplice, mas não temos ideia de quem seja, e ele não pode nos dizer quem é, porque está inconsciente — Kevin continuou. — Sim. — Bem, isso tudo é uma merda. Kevin bebeu o resto da cerveja, esmagou a lata e se esticou para pegar outra. Eu derramei café da garrafa térmica xadrez de Krista em um copo de isopor, em seguida, me arrastei pela areia fria e úmida e sentei em uma toalha entre Krista e Bea. — Eu ainda não posso acreditar que pensamos que tinha sido Tristan. — disse Lauren, tremendo debaixo do cobertor de lã cinza que ela tinha ajeitado sobre as pernas. — Nenhum de nós pode acreditar que pensamos que tinha sido Tristan. — Kevin puxou o boné de beisebol preto mais para baixo sobre os
olhos castanhos. — Mas não vamos pensar nisso agora. Eu quero falar sobre Pete. Aquele pequeno traidor filho da mãe, Pete. — Não faz nenhum sentido — disse Bea quando ela alcançou um saco de papel marrom amassado para pegar um sanduíche. — Nadia era uma de suas melhores amigas e ele simplesmente a matou? Por quê? — Ele disse que se ele esperasse tempo suficiente, ia conseguir o que queria — eu disse a eles, provavelmente pela décima segunda vez. — Então, o que ele quer? — Pete? Além de um suprimento vitalício de charque e um contrato de gravação, eu não tenho ideia. Ele é um cara muito simples — disse Fisher. — Deus, eu gostaria que ele acordasse — eu murmurei, checando meu walkie-talkie. A luz vermelha brilhava intensamente como se estivesse rindo de mim. Eu deixei cair a barra da minha jaqueta sobre ela, irritada. Bea dividiu seu sanduíche ao meio e entregou uma metade para mim. — Eu digo para quando ele acordar, quebrarmos cada um de seus dedos, um por um, até que ele fale — disse Kevin, encolhendo os ombros na direção das orelhas quando ele tomou outro gole de cerveja. — Isso vai fazêlo falar. — Você não faria isso realmente, não é? — perguntou Liam, alarme iluminando seu rosto bonito. — Não! — o resto de nós respondeu em uníssono. Para pontuar a mensagem, Fisher arremessou um pedaço de casca de árvore na cabeça de Kevin. Ele bateu de leve no boné. — Essa não é a forma como fazemos as coisas — Krista estalou, esfregando um pouco de cinzas para fora da manga do moletom branco. — Como você sabe? — perguntou Kevin, sentando-se em linha reta e empurrando o boné para cima para nos ver melhor. — Como qualquer um de nós sabe? Não é como se tudo estivesse normal por aqui. Quem vai dizer como nós fazemos ou não as coisas? Bea respirou fundo e suspirou. Pela primeira vez em muitos dias, seus cachos ruivos estavam soltos ao redor de seus ombros, e eles dançavam e balançavam com a brisa fria do oceano. — Ele tem um objetivo. É uma totalmente nova e não muito agradável Juniper Landing. — Mas nós não vamos torturar ninguém — disse Joaquin com firmeza. — Fim da discussão. De repente, os nossos walkie-talkies zumbiam em uníssono, e houve um enorme e perfurante som de feedback, tão alto que eu não teria ficado surpresa se nossos ouvidos começassem a sangrar. Eu agarrei o meu rádio enquanto Krista abaixava a cabeça em suas mãos de forma dramática.
— Desculpa — a voz do Chefe Grantz soou através dos rádios. — Minhas desculpas por isso. Que todos os condutores sejam alertados de que a prefeita decidiu que as conduções começarão hoje à noite, ao pôr do sol. Não houve nenhum movimento a não ser a dança selvagem sem fim das chamas e as ondas mansas da maré baixa, lambendo a costa atrás de mim. Olhei para Joaquin. Sua mandíbula se apertou quando ele lançou outro galho, depois outro, depois outro para o fogo. — As almas na lista de observação serão as primeiras a serem conduzidas, conforme previsto anteriormente. Por favor, traga a sua primeira alma para a ponte uma vez que esteja escuro. Câmbio. Lauren abraçou os joelhos até o queixo. — Bem. Então é isso. — Me desculpe, mas eu mal posso esperar para me livrar de Tess — disse Bea, mastigando seu sanduíche. — Eu conduziria sua bunda agora, se eles me deixassem. — Sim, eu também não me importo de me livrar de Lancet — disse Joaquin. — E se eu ouvir Piper pedir wi-fi mais uma vez... Todo mundo riu, mas foi uma risada curta. Eu olhei para as chamas, pensando nas provocações ridículas de Ray Wagner, a língua enegrecida, os dentes podres. Tivemos sorte que ele não tenha tentado nada ainda. Chutálo para fora da ilha seria um alívio. Mas uma vez que ele tenha sido conduzido, ele estará na Terra das Sombras. Com Darcy, meu pai e Aaron. Como era a experiência deles lá? Será que eles teriam que lidar com ele, ou sequer saberiam onde eles estavam, e quem mais estava lá com eles? Eles estavam em terror constante ou apenas em uma grande solidão? Eu tremi violentamente, e os meus dedos se fecharam em punhos ao meu lado. Eu tinha que salvá-los. Como eu iria salvá-los? — Vamos esperar que nenhum deles vá para a Luz — disse Krista com um estremecimento. — Isso não seria bom. Olhei para Joaquin. Seu pomo de Adão se movimentou enquanto ele arrancava os pequenos galhos de um ramo. As palavras de Krista ficaram no ar entre nós. — Isso é uma festa ou um funeral? — Tristan? Eu me levantei, jogando areia no fogo e por cima das pernas de Bea. Tristan caminhou em nossa direção lentamente, os ombros um pouco encurvados, com o queixo em uma altura menor do que o normal com um curativo quadrado branco colado na parte de trás de sua cabeça. Seu cabelo
loiro estava oleoso e dois tons mais escuros após ficar sujo por dias. Mas ele estava vivo. Ele estava acordado. E ele estava aqui. Depois de um segundo de choque catatônico, Krista correu para frente e se jogou em seus braços. — Você está bem! — ela gritou. Tristan abraçou de volta, primeiro com um braço, depois o outro. Eu o ouvi rir, o que trouxe lágrimas aos meus olhos. — Aparentemente eu vou viver — ele disse. Krista ainda tinha os braços ao redor dele, mas seus olhos encontraram os meus por cima do ombro dela. Um choque intenso de alegria atravessou o meu peito e me levantei em meus dedos. — Tudo vai ficar bem. Eram as palavras que todos estávamos esperando e precisando ouvir da pessoa que as disse, e o clima na praia explodiu. Fisher pegou um aparelho de som velho das profundezas de sua tenda e colocou algumas músicas com umas batidas dançantes. Krista pegou uma caixa de donuts de seu saco de lona, e Kevin passou os próximos dez minutos tentando nos convencer de que os Cremes Boston combinavam perfeitamente com uma cerveja Budweiser morna. Mas eu não tinha ideia do que fazer comigo mesma. Todo mundo tinha cercado Tristan, rindo, abraçando e aplaudindo, enquanto eu ficava sem jeito na areia, esperando. A única coisa que eu tinha certeza absoluta era que eu não iria abordar Tristan. Ele viria para mim. Ou não. De qualquer forma, eu não estava prestes a dar o primeiro passo. Em pouco tempo, a multidão ao redor de Tristan começou a se dissipar, e Joaquin estava apresentando Liam para Tristan. Em seguida, os dois estavam sozinhos. Tristan e Joaquin. Melhores amigos. Irmãos. A conversa mudou de intensa a risadas e a intensa de novo. A visão dos dois juntos me fez suar debaixo do meu moletom com capuz azul escuro. Será que Joaquin ia contar para ele sobre o beijo? E isso realmente importava quando tudo estava tão errado? — Você vai ficar bem, Matadora? — Bea me perguntou baixinho, entregando-me um donut de chocolate. — Eu estou bem — eu disse. — Por que eu não estaria bem? Ela inclinou a cabeça com ar de dúvida, como se ela não tivesse certeza de que eu sabia o significado da palavra. — Se você diz. — Então ela se aproximou de Krista e Lauren, que estavam dançando juntas perto da água, tentando arrastar Liam para o centro do seu círculo giratório. — Oi.
Quando ele falou, tão perto atrás de mim, foi como se eu não tivesse ouvido o som de sua voz há um ano. Virei-me lentamente, e eu estava olhando para os olhos azuis profundos de Tristan. — Eu soube de Darcy — ele disse, com o rosto cheio de rugas de preocupação. — Eu sinto muito, Rory. Você está bem? Eu foquei meus olhos na areia, sobre os dedos de seus tênis. Tinha um pouco de algas presas na parte superior, se contorcendo na brisa. — Não — eu disse, minha voz embargada. — Eu realmente não estou. Ele estendeu a mão para mim, e eu dei um passo instintivo para trás. Não me atrevi a olhar ao redor. Eu não queria saber quem podia estar olhando. — Eu sinto muito, Tristan. — Pelo quê? — ele perguntou. — Por Nadia e Cori — eu disse. — E eu sinto muito por não ter acreditado em você. Eu sinto muito mesmo. — Ei. — Eu senti ele se mover para me tocar de novo, e vacilei. As mãos de Tristan caíram para os lados. — Mas eu não posso... Eu não posso sentar aqui e fingir que tudo vai ficar bem — eu disse, tentando encontrar as palavras para expressar o que estava sentindo. — Como se apenas começarmos a conduzir as pessoas, tudo vai voltar ao normal. Porque não vai. Não pode. Não para mim e não para as pessoas presas na Terra das Sombras. Não podemos esquecê-los, Tristan. Não podemos fingir que isso nunca aconteceu. — Não vamos — ele disse. — Eu prometo. Nós não vamos esquecêlos. Vamos pegar o seu pai e Darcy de volta. Olhei em volta para Fisher e Kevin rindo perto do aparelho de som. Para Bea, Krista, Lauren e Liam dançando perto das ondas. Uma gaivota grasnou e mergulhou em direção à água. Foi a primeira ave viva que eu vi em dias. Minha mandíbula se apertou. — Parece que já esquecemos — eu disse. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto e eu rapidamente, com raiva, a limpei. — Rory... — Sinto muito — eu disse. — Estou feliz que você está melhor, eu só... Agora eu preciso ficar sozinha. Eu preciso de algum tempo para pensar. E então fiz algo que eu nunca teria pensado ser possível tão recentemente como uma hora atrás. Eu virei de costas para Tristan e me afastei.
28 É IMPORTANTE Traduzido por Sophia Martins
E
u estava olhando para as ondas quando eu vi um flash de cor com o canto do meu olho. Joaquin estava caminhando rapidamente em direção à parede de pedra, tirando o paletó enquanto ia. Eu não podia deixá-lo sair sem dizer algo para ele. O que seria, eu não tinha ideia, mas eu não podia deixá-lo ir. Ele já estava ao pé da colina, as pedras escorregadias pela chuva, quando eu o alcancei. — Joaquin! Espere! Ele fez uma pausa com uma mão sobre uma saliência de pedra cinzenta e soltou um suspiro. Eu praticamente podia vê-lo preparando-se para falar comigo — a tensão em seu rosto e suas costas. — Nós temos que conversar — eu disse, plantando meus pés na areia em frente a ele. — Eu não vejo por que — ele disse, levantando um ombro. — Eu vi o jeito que você olhou para Tristan, quando ele apareceu. Eu entendo. Estou feliz por você. Essas palavras nunca haviam sido ditas em um tom menos entusiasmado. Parecia que ele estava pedindo algo por telefone. — Joaquin... Ele riu com sarcasmo. — Rory, olha. Eu não quero que você tenha a ideia errada — disse Joaquin. — Não é como se eu fosse ficar aqui e dizer que não importa para mim. Porque importa. É claro que importa. Se fosse qualquer outra pessoa... Ele olhou para o outro lado da praia, para Tristan, que estava balançando a cabeça, pensativo sobre o que Kevin falava. — Mas é Tristan — eu disse, minha voz cheia. Quando ele olhou para mim de novo, seus olhos castanhos estavam cheios de tristeza e saudade. — É Tristan.
Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu podia senti-lo se esforçando para não se aproximar. Nunca senti meu coração tão confuso, doente e em guerra consigo mesmo. Eu tinha passado dias odiando Tristan, e agora, mesmo sabendo que Tristan não merecia esse ódio, mesmo sabendo que eu o amava, eu não podia me imaginar deixando Joaquin partir. Eu não queria perdê-lo. Finalmente Joaquin voltou-se para a parede de pedra, e o encanto foi quebrado. Uma lágrima escorreu dos meus olhos, e eu tomei uma distância. Joaquin estendeu a mão para segurar a minha. — Escute, Tristan disse que Pete era o único na casa cinza naquela noite. Ninguém mais estava com ele. Se isso for verdade, então espero que a prefeita esteja certa. Com Pete na prisão, nós estaremos bem. — Tudo bem... — eu disse lentamente, confusa com sua súbita mudança para acalmar, esfriar e controlar. Todo profissional. — Mas então sobre o que ele estava falando, quando ele disse que não era ideia dele? Quando ele disse que iria obter o que ele queria? — Eu não sei. Talvez ele só estava tentando se livrar de você — Joaquin teorizou. — De qualquer forma, eu vou trazer Lancet até a ponte por volta das nove. Se você e qualquer um dos outros quiserem me encontrar lá... pode ser bom fazermos isso juntos. Apoio moral e esse tipo de porcaria Eu consegui dar um sorriso, mesmo que meu peito estivesse machucado. Eu não podia acreditar que Joaquin estava apenas caminhando para longe de nós depois de tudo que havia acontecido. — Ok. Vou dizer a eles. Ele balançou a cabeça e começou a subir. Ele estava de costas para mim e tinha apenas um pé firmemente plantado no chão quando eu falei de novo. — Joaquin? Ele virou o rosto ligeiramente, para que eu pudesse ver sua orelha e o canto do seu olho. — Sim? — Eu só quero que você saiba que... é importante para mim também — eu disse. — Você, eu quero dizer. Você é importante. Ele ficou lá por um segundo, apenas absorvendo aquilo, e então ele subiu para longe. Eu dei um passo para trás e prendi a respiração por um bom tempo, desejando que não doesse tanto vê-lo partir.
29 A LISTA DE BANDIDOS Traduzido por AMR
—O
que estamos fazendo aqui, loirinha? — Apenas continue andando — eu respondi. Olhei de Ray Wagner para Bea, que estava ocupada arrastando o assassino Tess Crowe para fora de seu Jeep sob a luz dos faróis de meia dúzia de carros. Todos os nossos amigos, exceto Kevin, que estava vigiando o cata-vento na cidade, e Tristan, que estava descansando, estavam presentes. Nós decidimos que Bea deveria ir primeiro, já que ela alegou que ela ia ficar louca se tivesse que gastar mais um minuto na presença de Tess. Paramos e observamos que a mulher rangia os dentes e girava a cabeça enquanto Bea puxava-a pela corda com que amarrou seus pulsos. Jack Lancet se escorava na grade da caminhonete de Joaquin, seus olhos arregalados, enquanto Piper Malloy andava de um lado para outro na frente de Lauren e Fisher, seus saltos de verniz reluzindo. Ao pé da ponte, Bea bateu uma moeda na mão de Tess. — Boa viagem! — ela disse em voz alta. Então ela empurrou Tess na parede de névoa que cercava a ponte. Eu senti um arrepio quando ela foi engolida, lembrando vividamente os horrores que estavam guardados dentro daquela parede de nevoeiro. Eu meio que esperava que ela viesse correndo de volta para fora de lá, mas como era normal no caso de encarregados que estão sendo conduzidos, ela foi na direção correta. Depois de alguns segundos, ouvimos o sinal, mais alto do que um megafone, indicando que quem estava na ponte havia sido conduzido ao seu destino final. O silêncio que se seguiu parecia antinatural, como se uma mão invisível tivesse atingido um botão gigante, parando-nos onde estávamos. — Aqui vamos nós — disse Joaquin, erguendo o walkie-talkie. — Kevin, o primeiro já foi. Qual é a situação? Câmbio. — Nada ainda. Câmbio.
Os segundos se arrastavam enquanto o vento soprava e o nevoeiro ao alto ondulava e rodava. A teoria atual é que o frio estava agora mantendo o nevoeiro no alto, mas, mesmo se fosse possível, eu não gostava disso. Eu nunca tinha pensado que eu desejaria que o nevoeiro misterioso me envolvesse em seu abraço gelado, mas tê-lo pendurado acima de nós era quase pior. Ameaçador. Como se nos últimos dias estivesse aguardando lá em cima, planejando seu ataque final. — O cata-vento está apontando para o sul. Câmbio — Kevin anunciou. Deixei escapar um suspiro de alívio. Pelo menos as moedas estavam certas. — Rory, quer ser a próxima? — Joaquin perguntou. — Com prazer. Eu só queria acabar logo com isso para que eu pudesse voltar para a cadeia e verificar o status de Pete. Cada segundo que Darcy e meu pai ainda estavam na Terra das Sombras era um segundo longo demais. Agarrei Ray Wagner firmemente pelo braço. — Ah, então agora você está sendo doce comigo? É disso que se trata? Você tem uma quedinha por mim? Eu senti o gosto de bile no fundo da minha garganta enquanto encaminhava-o para a ponte. Então eu peguei sua mão, virei a palma para cima, e pressionei sua moeda nela. — Este é o lugar onde nós dizemos adeus — eu disse a ele. — Adeus? O que você quer dizer com adeus? Virei-o pelos ombros, dei-lhe um pequeno empurrão, e enviei-o em seu caminho. O vazio o engoliu todo, e esperamos pelo veredito. — Apontando para o sul novamente. Câmbio — Kevin anunciou. Outro suspiro de alívio. Joaquin rapidamente tratou de Jack, e depois Piper foi o último a ir embora. Suas palavras finais a Fisher, com um grande sorriso, foram, — Me liga! Quando acabamos, e os únicos sons no mundo eram o vento assobiando e o ruído em marcha lenta de nossos motores de carros, ficamos parados, esperando. Eu pairava em algum lugar entre aliviada e desesperadamente com medo, porque a parte mais difícil ainda estava por vir. E pelos olhares tensos nos rostos dos meus amigos, todos concordaram com isso. — Então, quando é que vamos conduzir uma alma boa? — eu disse finalmente, expressando o que todos estavam pensando. — Estejam avisados — a voz do Chefe Grantz zumbiu através dos walkie-talkies. — A prefeita está enviando um dos encarregados de Krista com o Policial Dorn. O tempo de chegada estimado é dois minutos.
Krista empalideceu. — Ela o quê? — Que encarregado? — eu perguntei. — Eu não sei — disse Krista, com a voz trêmula. — Eu não tenho ninguém na lista de bandidos. O que é que ela... Faróis brilharam no alto da colina e nos viramos para assistir, instintivamente nos colocando em uma linha reta enquanto o carro patrulha surgia pela estrada esburacada. Os freios guincharam quando Dorn virou o carro para ficar paralelo aos nossos, e então ele desligou o motor. Ele saiu, caminhou ao redor da frente do carro, e abriu a porta de trás. Myra Schwartz saiu do carro, o corte na cabeça curando bem. Ela agarrou sua bolsa contra o peito e olhou em volta, não exatamente com medo, mas intrigada. — Onde estamos? Krista se adiantou. — Sra. Schwartz! O que você está fazendo aqui? — Eu não faço ideia, querida. Eu estava esperando que você pudesse me dizer — disse Myra, levantando a alça da bolsa no ombro. Então ela me viu. — Oh, olá, Rory! — Oi, Myra — eu respondi, com um leve sorriso tenso. — Se você puder esperar um segundo, eu espero ter uma resposta para você — disse Krista. — Rory? Será que você viria comigo para falar com o Policial Dorn, por favor? — Sua voz aguda subiu até três oitavas com o pedido. — Claro. Nós contornamos Myra e puxamos Dorn em direção ao seu carro. — O que está acontecendo? — Krista sibilou. — Ela não está na lista de bandidos. — A prefeita quer tentar conduzir um dos bons — disse Dorn com uma fungada, mastigando um pedaço de goma como uma vaca. — O quê? Já? — eu exigi. — Ela realmente acha... — O que ela acha é que precisamos fazer as coisas voltarem ao normal. Tirar essa névoa daqui. Limpar as praias e descobrir o que diabos fazer sobre a balsa — disse Dorn laconicamente, olhando Krista nos olhos com um olhar prático. — Se isso funcionar, significa que Pete estava trabalhando sozinho e podemos voltar aos negócios como de costume. — Sim, exceto que minha irmã, meu pai e pelo menos dez outras pessoas ainda vão estar presas na Terra das Sombras — eu sibilei. — Bem, se as coisas voltarem ao normal, podemos concentrar nossa energia em outras coisas — ele disse incisivamente. — Como tirá-los de lá. Krista se abraçou, processando isso. Ela olhou por cima do ombro para a nova encarregada, um vento forte soprando seu cabelo do rosto.
— Então, o quê? A senhora Schwartz é a nossa cobaia? — Krista exigiu. Ao lado da caminhonete de Joaquin, Myra tinha tirado sua carteira e estava mostrando a Bea e Lauren fotos de seus netos. — Ela ganhou na loteria, sim — disse Dorn, puxando suas calças até sua cintura. — Mas e se não funcionar? E se ela acabar na Terra das Sombras? — eu perguntei, meu coração batendo forte. — Nós vamos atravessar essa ponte quando chegarmos nela. Sem trocadilhos. — Dorn sorriu. Krista e eu trocamos um olhar horrorizado. — Pense nisso desta maneira: Nós vamos ter que fazer isso mais cedo ou mais tarde — Dorn nos disse. — E pelo menos se ela for para a Terra das Sombras, saberemos que ainda tem alguém trabalhando contra nós por aí. Eu gemi e balancei a cabeça. — Eu acho que você decide, Krista. Ela é sua encarregada. Krista respirou fundo. — Se a prefeita acha que é uma boa ideia, eu não vou contradizê-la. — Ela sacudiu os cabelos para trás dos ombros. — Eu só espero que isso dê certo. — Boa sorte. Krista sorriu fracamente e se aproximou de Myra. Eu a vi segurar a mão da mulher e deslizar uma moeda nela. Quando me aproximei, ouvi Myra agradecer Krista. Eu estava ao lado de Joaquin, buscando o sentimento de confiança que sua presença geralmente me trazia, mas ele deu um leve passo para longe, colocando uma distância respeitosa entre nós. Meu coração doeu e eu olhei para os meus dedos. — Nós apenas estamos indo dar um passeio, certo? — disse Krista educadamente. — Por aqui. Myra sorriu enquanto Krista a levava lentamente em direção à ponte, mas parou a poucos centímetros da parede de névoa. — Para onde vou? — ela perguntou a Krista. Meu coração quase quebrou. Algumas semanas atrás, a resposta a essa pergunta teria sido clara, mas agora... Os joelhos de Krista realmente vacilaram, e por um segundo eu pensei que ela iria cair, mas ela se segurou de alguma forma. — Um lugar lindo — Krista disse a ela com um sorriso. — Eu prometo. O sorriso de Myra aumentou. Então ela se virou em direção à névoa e desapareceu. Eu instintivamente fui em direção à mão de Joaquin, mas peguei o ar. Ele olhava para a frente, sem perceber, ou tentando parecer que ele não tinha percebido. Eu prendi meus pulsos juntos nas minhas costas, tentando ignorar a terrível tristeza jorrando dentro da minha garganta. Em
questão de segundos, ouvimos o som de sucção. A névoa ondulou e rodou, e então tudo ficou quieto. Joaquin ergueu o walkie. — Kevin? O que aconteceu? Câmbio. Ele me olhou nos olhos. — Nada ainda — disse Kevin. — Câmbio. — Eu não aguento isso — Krista sussurrou, suas mãos sobre sua boca. — Eu não aguento. Meu coração parecia bater mais forte a cada segundo. — Kevin? — disse Joaquin. Fechei os olhos e abaixei a cabeça. Meus joelhos tremiam embaixo de mim. Finalmente, os nossos walkies fizeram um som estridente. — Está apontando para o norte — disse Kevin alegremente. — O catavento está apontando para o norte!
30 SEMPRE HÁ ESPERANÇA Traduzido por Vivian N.
—I
sso é estranho. Sinto muito, mas é muito estranho — Liam disse, andando para lá e para cá na minha frente, perto do fim da ponte na manhã de sábado. Esfreguei meus olhos e tentei o meu melhor para me concentrar. Eu não tinha sido capaz de dormir na minha casa estranhamente quieta, então eu passei metade da noite congelando a bunda na cabeceira de Pete, esperando ele acordar. Eu reprimi um bocejo. Foi a primeira condução de Liam, e ele precisava de alguém para guiá-lo. Ele olhou por cima do ombro para Nick, que estava tagarelando com Fisher sobre a sua mais recente obsessão de videogame enquanto Fisher tentava acompanhá-lo. Ao longo da ponte, Kevin esperou enquanto o seu mais recente encarregado caminhava através da névoa. O amanhecer tinha vindo hoje ainda sem nenhum sinal do sol, mas o ar estava visivelmente mais quente. Em vez de usar jeans e moletons, todo mundo estava usando shorts e camisetas de mangas compridas enquanto nos reunimos novamente na ponte, empenhados em conseguir o maior número de pessoas a chegar aos seus destinos finais quanto conseguirmos. De manhã cedo, Krista tinha conduzido as crianças, e cada uma delas tinha ido para a Luz. Desde então, a área na base da ponte havia assumido uma sensação quase festiva, com uma dúzia de carros estacionados em um círculo irregular, e grupos de pessoas conversando em torno dos refrigeradores e sacos de lanches. O rádio de alguém tocava cinquenta músicas através de uma janela de carro, e uma biruta tinha sido amarrada a uma antena do Jeep de Bea, suas listras coloridas sendo chicotadas pela brisa. — Eu sei. A primeira vez é difícil — eu disse, tocando o braço de Liam. Ele estava vestindo uma camiseta vermelha brilhante com uma cruz branca na frente e a palavra Salva-Vidas estampada acima dela. — Mas você está enviando-o para um bom lugar. Ele levou uma vida boa. Ele deve estar lá.
Liam assentiu, mas eu não tinha certeza que ele estava me ouvindo. Seus olhos estavam desfocados enquanto ele olhava para o chão úmido sob os nossos pés. Eu só podia imaginar o que ele estava pensando. Ele tinha estado aqui apenas alguns dias, e tantas coisas tinham sido jogadas nele, a maior parte negativa, aterrorizante, incerta. Lá no fundo, ele provavelmente ainda estava se perguntando se nós éramos loucos. Se isso era algum tipo de piada maciça. Meu coração se apertou por ele. Há pouco tempo eu me sentia da mesma maneira. — Mas e Lalani? Ela não vai perceber que ele se foi? Ela não vai se preocupar com ele? — ele perguntou. Eu balancei minha cabeça. — Ela não vai se lembrar dele. É parte da magia de Juniper Landing. Até que ela vá para a Luz também, ela não vai nem se lembrar de ter tido um irmão. Liam bufou uma risada. — Isso é loucura. É simplesmente insano. — Liam, ouça — eu disse, pegando sua mão. Ele olhou para os meus dedos, como se ele nunca tinha visto dedos antes. — O que fazemos aqui, é importante. É um chamado. Uma missão. Quando enviamos essas almas para os seus destinos finais, estamos ajudando a manter o equilíbrio do universo. Eu podia ouvir a voz de Tristan na minha cabeça, me dizendo a mesma coisa apenas um par de semanas atrás, tentando me convencer. — Eu sei que as coisas estão fora de sintonia desde que você chegou aqui — eu disse, então me inclinei mais perto. — Elas realmente estão fora de sintonia desde que eu cheguei aqui, então eu entendo que você não pode exatamente confiar neste lugar. Mas eu já vi o sistema quando ele está dando certo, e eu sei que tem dado certo por um longo tempo. Cabe a nós colocálo de volta no caminho certo. Liam respirou fundo no mesmo momento em que um ruído alto dividia o ar, e a névoa em torno da ponte rodou. Ele riu com a coincidência. Nossos walkies apitaram. Dessa vez era a voz de Joaquin do outro lado. — Está apontando para o norte. Câmbio. Sorri um pouco. Toda vez que eu ouvia essas palavras, era como se um pequeno pedaço do meu coração despedaçado estivesse procurando o seu caminho de volta no lugar. Frustrantemente, Pete ainda estava inconsciente, mas parecia mais e mais que ele estava trabalhando sozinho. Com ele preso com segurança na cadeia, o problema estaria resolvido. Pelo menos este problema em particular, de qualquer maneira. Mas esperançosamente Dorn estava certo. Agora que sabíamos que o processo
estava de volta ao normal, todo mundo podia se concentrar em tirar o meu pai, Darcy e os outros da Terra das Sombras. — Novato! Sua vez! — Fisher gritou, batendo as mãos enormes juntas. — Você pode fazer isso — eu disse para Liam. — Você é uma boa pessoa. Eu sei que você consegue. Liam assentiu. — Obrigado, Rory. Eu vou... Eu vou tentar. Ele empurrou as mãos no bolso de sua bermuda xadrez enquanto caminhava para se juntar a Nick. Seu encarregado se virou para ele com um sorriso confiante, os dentes brancos e perfeitos praticamente radiantes contra o céu cinza em torno de nós e do nevoeiro como um teto. Ele inclinou a cabeça para Liam enquanto o seguia até a ponte. O que quer que Liam estava dizendo a ele, ele não estava lhe causando qualquer tipo de alarme. E depois de Liam entregar-lhe a moeda, Nick estendeu a mão para apertar sua mão. Eu senti um nó na parte traseira da minha garganta quando Nick cruzou o limiar da ponte e Liam acenou um adeus, pensando na noite em que eu disse adeus a Aaron, o quão feliz eu tinha estado, como Tristan e eu tínhamos compartilhado o nosso primeiro beijo de verdade. E então tudo tinha virado uma porcaria. Cascalho triturou na estrada, e eu me virei para ver o SUV de Tristan saltar no caminho até a colina. Meu coração começou a bater forte com a visão dele, e eu comecei automaticamente a alisar meu cabelo atrás das orelhas. O barulho encheu o ar novamente e a voz de Joaquin soou. — Está apontando para o norte! Uhul! — Houve uma pausa e depois um estalo. — Desculpe. Câmbio. Todos riram. Liam veio até mim assim que Tristan parou o carro e bateu a porta atrás de si. Ele tinha tomado banho, finalmente, e seu cabelo loiro pairava como uma cortina brilhante e saudável sobre seus olhos azuis. Ele sorriu timidamente para mim quando ele parou para conversar com Fisher. Eu desviei meus olhos dos dele tempo suficiente para abraçar Liam. — Bom trabalho. Viu? Eu sabia que você ia ficar bem. — Obrigado — disse Liam, corando. — Contanto que ele tenha ido para o caminho certo, eu estou bem. — Ei, pessoal. Tristan correu até nós, esfregando as mãos. As mangas de sua camisa azul clara estavam soltas em seus braços, e eu percebi que ele tinha perdido um pouco de peso durante o seu exílio. Seus jeans estavam mais caídos do que o habitual, e havia um recuo acentuado em suas bochechas. — Oi — eu respondi, estranhamente tímida.
— Pessoal, nós temos um problema — Lauren anunciou, caminhando rápido para se juntar a nós. — Por que eu não estou surpresa? — eu disse baixinho. — Sinto muito. — Lauren mordeu o lábio. — A coisa é, estamos ficando sem moedas imaculadas. Se não pudermos usar nenhuma das que recebemos enquanto Pete ainda estava à solta, nós estamos ferrados. — Quanto nos resta? — perguntou Tristan. — Eu tenho duas. Fisher tem uma. Kevin tem uma, e, tanto quanto eu sei, é isso — disse Lauren. — Krista usou a maioria delas para enviar as crianças esta manhã. Eu suspirei. — Bem, então nós vamos ter que ir devagar. E vai ter que ficar lotado por aqui mais um tempo. — Que merda — disse Lauren, prendendo seu cabelo preto brilhante por trás das orelhas enquanto ela olhava para a ponte. — Bem quando as coisas estavam voltando ao normal. Eu cerrei os dentes. Eu estava ficando cansada das pessoas dizendo isso enquanto minha irmã, meu pai, Aaron e os outros ainda estavam presos na Terra das Sombras, mas eu não disse nada. Eu sabia que ela só queria se sentir segura novamente. — Nós vamos dar um jeito. Nós sempre damos — Tristan assegurou. Ele olhou para Liam. — Era o seu primeiro? — É. Estranho — disse Liam. — Mas Rory foi uma boa treinadora. O rosto de Tristan iluminou e todo o meu corpo respondeu. Não havia nada como um sorriso orgulhoso de Tristan. — É? Por que eu não estou surpreso? Eu sorri em resposta. — Eu te disse — disse Tristan. — Tudo vai ficar bem. — O que diabos vocês estão fazendo aqui? Um arrepio correu pela minha espinha e meus olhos se encontraram com os de Tristan. Virei-me lentamente para encontrar Sebastian Tse caminhando até nós, sua irmã vindo em seus calcanhares. — Eu pensei que a prefeita tinha dado um jeito nesses caras — disse Lauren através de seus dentes. — Aparentemente não bem o suficiente — Tristan respondeu, dando um passo à frente de nós. — Para onde aquele garoto foi? — Sebastian perguntou, apontando em direção à ponte enquanto confrontava Liam. — Por que você o mandou sozinho para a ponte? Liam estava da cor de lagosta cozida. — Eu... hum... nós...
— Não — disse Tristan secamente. Meu coração estava na minha garganta. — Não adianta tentar mentir para nós — disse Selma, ao lado de seu irmão, seus olhos azuis claros encarando nossos rostos. — Nós conversamos com as pessoas em nossa pensão. Eles continuam nos dizendo sobre as coisas que aconteceram — coisas que devíamos nos lembrar — como uma balsa afundando? Eles dizem que estávamos lá, mas nenhum de nós se lembra. — Como isso é possível? — disse Sebastian, fervendo, suas narinas alargando enquanto ele avançava em Tristan, claramente indicando-o como o líder. — O que vocês fizeram conosco? — Por que você não vem conosco em uma carona de volta à cidade? — Tristan sugeriu enquanto Fisher e Kevin foram ficar atrás dele. — Por que você não começar a explicar? — Sebastian rebateu. Tristan estendeu a mão e agarrou o ombro de Sebastian, olhando-o nos olhos. — Está tudo bem — ele disse em um tom suave que eu conhecia tão bem. — Não há nada sinistro acontecendo aqui. Eu prometo. Eu assisti os ombros de Sebastian começarem a relaxar enquanto ele olhava profundamente nos olhos de Tristan. Lentamente, Tristan trabalhou sua magia sobre Sebastian até que cada grama de sua tensão e dúvida tinham sido sanadas. Lembrei-me vividamente o que eu tinha sentido a primeira vez que Tristan tinha usado seu poder calmante sobre mim, como o mundo inteiro tornou-se pacífico, e eu quase senti inveja de Sebastian. Supostamente cada Lifer tinha esse poder, mas Tristan era a única pessoa que eu já vi usá-lo. — Vocês tiveram alguns dias ruins — disse Tristan. — Por que vocês não deixam Fisher levá-los de volta? É uma longa caminhada, especialmente com a lama e as árvores derrubadas. — De jeito nenhum — disse Selma, cruzando os braços sobre o peito magro. — Nós não vamos sair daqui até... — É apenas um passeio, Selma — disse Sebastian, levantando um ombro. — Qual é o problema? O queixo dela caiu, mas quando Sebastian sorriu para ela, sua indignação desvaneceu-se rapidamente. — Tudo bem — ela disse, finalmente. — Se você está dizendo. Tristan deu um tapinha em Sebastian na parte de trás, enquanto ele e Fisher se dirigiam para a van, Selma se arrastando atrás.
— Rádio Joaquin — Tristan disse a Kevin, deslizando as mãos nos bolsos. — Diga a ele que estamos enviando os Tses para baixo para ver a prefeita de novo. — Já estou avisando — disse Kevin, afastando-se. Eu respirei fundo e suspirei. Crise evitada. Por enquanto, pelo menos. — Hum, gente? Ele não deveria ter se esquecido de Nick? — Lauren apontou. — Assim que ele passou pela ponte, ele deveria ter sido esquecido pelos visitantes. Um lampejo de incerteza atravessou o rosto de Tristan. — Talvez tenha sido porque ele o viu passar pela ponte? Isso não aconteceu antes. — Ou talvez seja apenas mais uma brecha no sistema, graças ao desequilíbrio do universo — disse Lauren. — Nós vamos descobrir isso — disse Tristan, esfregando as costas dela. — Esperamos que seja apenas um bug. — Uh, isso acontece muito? — Liam perguntou com a voz trêmula. — Pessoas surtando assim? — Não muito, mas quando isso acontece, nós cuidamos delas. — Tristan deu um sorriso irônico, então virou-se para mim. — Escute, Rory, podemos... ir dar uma volta ou algo assim? Quero dizer, se você não se importar de eu roubá-la — ele disse a Liam. — Não, tudo bem. — Liam empurrou as mãos nos bolsos de trás de sua bermuda. — Eu acho que eu vou a pé para a cidade e esquecer isso. Talvez encontrar Lalani. — Você devia ir com Fisher — disse Tristan. — Eu ainda não gosto da ideia de ninguém indo a algum lugar sozinho. — Me avise se houver algo sobre o qual você queira conversar — eu disse a Liam. — Você sabe onde eu moro, e sempre há os walkies. — Obrigado, Rory — disse Liam. Ele ergueu a mão para os outros e correu para encontrar com Fisher. Segundos depois, a van de Fisher rugiu fora da nossa área de estacionamento improvisada. — Então. Você está pronta? — perguntou Tristan, estendendo sua mão para mim. Olhei incerto para Lauren. — Não se preocupe comigo. Eu tenho mais algumas pessoas para conduzir — ela disse, dispensando-os. Era bom apenas ouvir alguém dizer isso. Sem estar carregado com terror. O nevoeiro ainda estava entupindo o céu, mas a cada hora o ar ficava mais quente, e eu praticamente podia sentir o sol tentar aparecer de novo.
As coisas estavam realmente voltando ao normal. E talvez, com a ajuda de Tristan, eu encontraria uma maneira de trazer a minha famĂlia de volta. Peguei a mĂŁo de Tristan e o deixei me levar embora.
31 AMIGO OU INIMIGO? Traduzido por Yasmin Mota
E
ntão, os gêmeos assustadores estão indo ver a prefeita novamente. Eu gostaria de ser uma mosca na parede para ouvir esta conversa em particular. Eu não consigo decidir se os dois são meus amigos ou inimigos. Eles fazem muitas perguntas — isso é certo — e perguntas são geralmente uma coisa ruim para uma pessoa na minha posição. Mas, no entanto, se eles fizerem muitas perguntas para a pessoa errada, talvez essa pessoa ceda e lhes diga a verdade. Isso os condenaria para a Terra das Sombras, e se eu pudesse trazê-los para o meu lado, eu estaria muito mais perto do meu objetivo. Fico imaginando se algum dos meus supostos amigos será estúpido o suficiente para falar. Existem alguns que podem ser desse tipo. Talvez eu devesse embebedá-los para ver se soltam a língua um pouco. Então eu poderia terminar essa missão até o final do dia. Contanto que não seja Rory. Ela tem outro propósito nessa missão. Um propósito muito maior.
32 O UNIVERSO SABE Traduzido por Yasmin Mota
T
ristan colocou a marcha no “estacionar” e desligou o motor. As janelas estavam abaixadas, e agora que tínhamos parado de nos mover, o ar quente e abafado encheu o espaço entre nós. Ele parou com a frente de seu SUV perto do penhasco onde eu tinha visto Joaquin, Fisher e meia dúzia de outros Lifers saltando sobre a borda, para me provar que não podiam morrer. Foi na mesma noite em que eu tinha enfrentado Nadia pela primeira vez. Naquela época, eu pensava que ela me odiava porque Tristan gostava de mim. Eu pensava que ela estava com raiva, ciúmes e maldade. Agora eu percebi que ela estava apavorada, pulsando com medo do mundo que ela conhecia e amava desmoronando ao seu redor. Ela tinha razão para ter medo, e agora ela se foi. — Eu não consigo me acostumar com isso — disse Tristan, inclinandose para olhar para o céu através do para-brisa. — Esse manto de nevoeiro? Pela primeira vez desde que cheguei aqui, realmente parece outro mundo. — Isso nunca aconteceu antes? — eu perguntei, brincando com o zíper do meu moletom azul. — Não. Isso é novo. Suas mãos deslizaram para baixo dos lados do volante e foi parar desajeitadamente em seu colo. Ele me pegou observando-as e riu baixinho. — Você não tem ideia do quanto eu quero tocar você — ele disse. Meu coração deu cambalhotas. — Por que não toca? Ele se virou para mim, seu olhar azul-claro em busca de algo dentro dos meus olhos. — Porque eu não sei se você quer. Engoli em seco. — Tristan... — Espere um segundo — ele disse. — Apenas me deixe falar. Eu balancei a cabeça, abrindo meu moletom e tirando-o, deixando meus braços livres. O mundo de repente pareceu sufocante.
— Quando eu estava fugindo... escondido por aí... sabendo que todos que eu gostava estavam me caçando... Eu nunca pensei sobre mim mesmo — disse Tristan. — Eu nunca pensei sobre o que poderia acontecer comigo. O que eles fariam comigo se me encontrassem. Tudo o que eu pensava era em você. Uma bolha brotou de dentro da minha garganta, e eu a engoli de volta, determinada a não interrompê-lo. — Tudo o que mais importa para mim é o que você pensa de mim — disse Tristan. — E que você esteja feliz. Que você esteja bem. Em todas as noites que passei naquela ponte, fiquei pensando em tentar descobrir como chegar na maldita porta ou portal, ou o que quer que leve à Terra das Sombras e abrir. Toda noite. Eu queria trazer o seu pai de volta para você. Trazer Aaron de volta. Eu nem me importaria se você descobrisse que eu era a pessoa que os havia salvado. Eu só queria fazer isso. Por você. Eu respirei. Uma única lágrima escorreu pelo meu rosto. Ele estendeu a mão e a tocou com a palma da mão. — Eu sinto muito por ter falhado com você — ele disse. Deixei escapar um barulho estranho. Foi alguma coisa entre uma risada — porque como ele poderia estar se desculpando para mim? — e um soluço — porque havia tanta emoção dentro de mim que eu não poderia deixar de soltá-lo. Eu estendi a mão e segurei o braço dele como se eu estivesse agarrando a vida. — Você achou alguma coisa? — eu perguntei a ele desesperadamente. — Qualquer coisa que possa nos ajudar? Sua mão caiu do meu rosto e ele segurou meus dedos levemente entre nós, olhando para baixo, tocando cada um dos meus dedos com a ponta do polegar. Ele balançou a cabeça. — É assustador naquela ponte. Há algumas vozes... — Você ouviu, também? — eu perguntei. Ele piscou e parou sua inquietação com os dedos. — Espere. Você foi à ponte? Eu balancei a cabeça, concordando. — Em outro dia. Eu estava tentando te encontrar. Ou encontrar uma entrada. Eu não sei. Mas eu pensei ter ouvido... — eu parei, com vergonha de continuar. — O quê? Quem? — ele perguntou, sem fôlego. — Quem você ouviu? Engoli em seco. — Minha mãe. E Steven Nell. — Eu tremi agora, lembrando, e me ajeitei no banco, olhando para fora para o oceano grande e azul. — Eu pensei que estava ficando louca.
— Você não estava. Quero dizer, você não está. Eu ouvi, também. Pessoas que eu conheci na vida, almas que passaram por aqui há cem anos que eu quase tinha esquecido. Era como se eles estivessem tentando falar comigo, ou sobre mim. Quase como se estivessem rindo de mim. — Exatamente. — Eu apertei os lábios e estremeci. — Se é tão ruim assim na ponte, Tristan... então como será na Terra das Sombras? Sua expressão escureceu, e eu sabia que ele estava sentindo a mesma dor que eu. Esta ilha e o propósito que ele tinha significavam mais para ele do que qualquer coisa. Deve estar matando ele saber que tudo tinha dado errado, que pessoas inocentes estavam sofrendo. — Nós vamos trazê-los de volta, Rory. Eu juro. Nem que seja a última coisa que eu faça, eu vou trazê-los de volta para você. — Mas como? — eu perguntei. — Eu não sei. Não ainda. Mas eu sei que há uma resposta. Ele se mexeu no banco, olhando para fora no manto de nevoeiro. Havia algo mais brilhante na cor do céu. Era mais roxo do que cinza, contrastando fortemente com a névoa rodopiante sobre nossas cabeças. Eu respirei profundamente. — Você sempre disse que não há nenhuma maneira de entrar na Terra das Sombras. Não para nós — eu arrisquei. — E? — ele disse. — Mas e se tivesse? — eu perguntei. — Se eu tivesse uma moeda adulterada... — O quê? Não. De maneira nenhuma. — Você não sabe se eu não posso — eu respondi. — Eu não posso saber se não tentar. — Sim, talvez. Mas como diabos você vai sair de lá? — Tristan exigiu. — Eu encontraria um caminho — eu disse, virando-me em meu banco de frente para ele, minha pulsação vibrando em meus punhos. — Tem que haver uma maneira. — De jeito nenhum. Não há nenhuma chance — disse Tristan. — Eu não vou deixar você arriscar sua alma eterna. — Mas e se talvez... — Não. Rory. Não, eu não posso te perder — disse Tristan, agarrando o meu braço. — Eu acho que não posso existir aqui sem você. Não mais. Você é tudo para mim — você entende isso? Tudo. Eu me inclinei para frente, pressionando minha testa na dele. — Tristan...
— Não me deixe, Rory — ele sussurrou, seu hálito quente e doce no meu rosto. Seus dedos estenderam e seguraram meu queixo, se enredando no meu cabelo. — Promete que você nunca vai me deixar. Eu não conseguia falar. Mas eu olhei em seus olhos, tão perto dos meus, e eu assenti. Eu assenti a promessa até que seus lábios encontraram os meus. Eu não sabia exatamente como reagiria ao beijo de Tristan até este momento, mas agora, de repente, eu sabia que tinha que beijá-lo de volta com tudo o que eu tinha. Seus lábios estavam secos e tinham gosto de sal, algo rico e quente. Me senti começar a se inclinar para ele, todo o meu corpo suspirando de alívio. Eu estava em casa. Eu estava em casa. Eu estava em casa. Este era o lugar onde eu pertencia. Eu sabia disso. Ele sabia disso. Eu tinha certeza que o universo inteiro sabia disso. Então, desta vez, não me afastei. Eu não pensava em mais ninguém além dele. Eu apenas deixei ele me beijar, me beijar e me beijar, até que ele finalmente parou para respirar. — Meu Deus, eu te amo — ele disse. — Eu também te amo. Ele estava segurando meu pescoço com ambas as mãos, e eu tinha de alguma forma segurado o tecido de sua camiseta em meus punhos até que a maioria do seu perfeito abdômen tanquinho estava exposto. Olhando nos meus olhos, Tristan sorriu satisfeito. — Olha só. — O quê? — eu perguntei. Ele virou meu rosto para olhar para fora do para-brisas e eu vi. Cinco vigas perfeitas de luz rebentando através do nevoeiro, lançando um incrível brilho etéreo sobre as ondas do mar abaixo. Era lindo. — O sol! — eu arfei. Tristan riu. — O sol.
33 FAREMOS UMA FESTA Traduzido por Yasmin Mota
T
ristan ligou o rádio em alguma música antiga sobre o verão na cidade, e voltamos para a cidade com as janelas abertas. Com uma mão no volante e a outra entrelaçada na minha, Tristan estava parecido com ele mesmo de novo — como o belo menino de praia por quem eu me apaixonei — apenas um pouco menos bronzeado. De repente, os quebra-molas e buracos na estrada não pareciam muito ameaçadores e sim um entretenimento saltitante. Com a mão de Tristan na minha, eu sabia que tudo realmente ia ficar bem. Ele nunca iria desistir até que meu pai e Darcy fossem libertados. Nós descobriremos juntos, chegaremos a um plano e os salvaremos. Não havia mais nenhuma dúvida em minha mente. Quando Tristan diz que vai fazer alguma coisa, ele realmente faz. Ele estacionou o SUV perto da praça da cidade e já podíamos ver que todos os outros em Juniper Landing tiveram a mesma ideia. As pessoas caminhavam pelas calçadas, parando para conversar com outras sobre a mudança abrupta no clima, ou simplesmente inclinando o rosto para o sol. Dois rapazes já tinham pegado um frisbee e estavam ocupados correndo e pulando pela grama molhada, rindo quando um deles derrapou em seu ombro como se o mundo fosse o seu próprio escorrega pessoal. Liam e Lalani estavam na beira do toldo listrado da loja de departamentos, apoiando-se em lados opostos de uma coluna, sem se tocar, mas sorrindo secretamente. Havia ciclistas e skatistas, corredores e fofoqueiros. Um cara que eu nunca vi antes saltou em um pula-pula, dando-nos um tchau estiloso. A melhor parte era que não havia visitantes parados ao redor nos olhando com reprovação. Sem olhares desconfiados ou sussurros por trás das mãos. O sol estava jogando sua magia sobre a psique de todos. — Ok, isso é como um circo — Tristan disse, ainda segurando minha mão.
— Mas de um jeito legal — eu respondi. — Pelo menos não há palhaços de verdade. Um grupo de Lifers saiu da loja de departamentos, incluindo Fisher e Kevin, e eu sorri enquanto eles olhavam dramaticamente contra o sol. Fisher nos viu e caminhamos para nos encontrar no centro do parque. Não foi até que estávamos no meio do caminho que Joaquin abriu a porta e colocou seus óculos escuros. No espaço de três segundos, eu o vi me ver, notar minha mão entrelaçada com a de Tristan, e seu rosto ficar frio. Eu pensei em tirar a mão do aperto de Tristan, mas decidi que não faria isso. Era o que eu e meu coração tínhamos escolhido, e Joaquin já havia dado sua bênção, tanto quanto ele podia dar. Ele olhou para os dois lados antes de atravessar a rua, em seguida, correu para nos alcançar. — Como vai, cara? — perguntou Joaquim, batendo no ombro de Tristan. Tristan se encolheu com a força dele, mas se recuperou bem. Tentei olhar nos olhos de Joaquin, mas era impossível com ele usando óculos escuros espelhados. Só o meu próprio reflexo distorcido que olhava para mim. — Tudo bem — disse Tristan. — Melhor agora que o sol saiu. — Sem dúvida — disse Fisher, esfregando as mãos. — Você está de volta, o sol está de volta... Eu acho que isso merece uma comemoração. — Festa na praia da baía? — Joaquin sugeriu, levantando as sobrancelhas. — Jogar um pouco de vôlei de praia, talvez usar algum dos caiaques? Pegar umas comidas no Swan e convidar os visitantes? — Não é como se pudéssemos conduzir alguém, de qualquer maneira — disse Kevin, levantando as mãos. — Estamos sem boas moedas. — Eu vejo aonde você quer chegar com isso, mas temos certeza de que estamos prontos para comemorar? — perguntou Tristan. — A família de Rory ainda está presa na Terra das Sombras. Sem mencionar um monte de outras pessoas inocentes. Fisher pareceu desinflar. O sorriso caiu dos lábios de Joaquin. — O quê, você acha que eu não me importo com a família dela? — Joaquin exigiu, inclinando-se na frente de Tristan. Meu coração caiu. Essa era a posição de um lutador, mesmo que eu nunca tenha visto um. Tristan, sem surpresa, parecia confuso. — Eu não disse isso. — Bom, porque eu me importo — Joaquin respondeu. — Então, o que devemos fazer? Você é o único com as respostas, certo? Todos estavam
morrendo de vontade de ter o grande Tristan de volta para nos dar as respostas. Então, o que vamos fazer? Tristan soltou minha mão. Sua mandíbula se apertou e ele cruzou os braços sobre o peito. — Se eu soubesse, você não acha que eu já teria feito? — Então por que você está tentando nos desanimar, cara? Nós não vemos o sol há duas semanas. Eu não acho que sair e deixar todos queimarem algumas calorias por algumas horas é necessariamente uma má ideia, considerando que todo mundo tem estado tenso. Mas se você não concordar, então, obviamente, nós vamos fazer o que você diz. Não é assim que funciona por aqui? — Vamos nos acalmar. — Eu me coloquei entre Tristan e Joaquin, minhas mãos levantadas ao meu lado. — Eu, por exemplo, acho que a festa é uma ideia fantástica. Vamos relaxar por algumas horas, e quem sabe? Talvez Pete finalmente acorde, e poderemos ter às nossas respostas. Joaquin simplesmente olhou para mim, então eu me virei para enfrentar Tristan. — Eu amo que você pense nos meus sentimentos, mas está tudo bem — eu lhe disse em voz baixa. — Eu acho que este lugar poderia ter um pouco de alegria. Tristan engoliu em seco. Eu podia sentir seu corpo se soltar, deixando de lado a adrenalina trazida pela raiva óbvia de Joaquin. — Ok, então — ele disse ao grupo. — Faremos uma festa.
*** Meia hora depois, a dita festa estava em pleno andamento. Eu estava perto da margem, enquanto Bea saltava para cravar uma bola de vôlei surrada na areia, seu torso exposto em seu biquíni vermelho esportivo, com o cabelo de fogo solto ao redor de seus ombros. O olhar em seu rosto era pura “matança”. Liam e Lauren, que estavam jogando contra ela e um dos meninos visitantes mais alto, realmente se abaixaram para se proteger. Jogada inteligente. A bola bateu no chão com a força de um foguete, ricocheteando com um salpico de areia e caindo no calçadão. Quase bateu em um idoso que estava correndo, e ele nos xingou enquanto jogava a bola de volta. Liam ajudou Lauren a se levantar do chão pelos braços e ela revirou os olhos para ele. — Eu pensei que você disse que era bom nisso — ela reclamou.
Liam jogou os braços musculosos para o lado. Com shorts vermelhos e uma camiseta branca, ele parecia com o salva-vidas que tinha sido na Terra. — Você poderia ter me avisado que tinha uma atleta olímpica do outro lado. Lauren inclinou-se para espanar a areia de suas pernas. — Ela era uma mergulhadora! Não uma jogadora de vôlei! Bea e seu parceiro gargalharam e bateram as mãos, comemorando, em seguida, começaram a sussurrar por trás das mãos, planejando sua próxima jogada. — Precisamos de mais nachos e molho! — Kevin gritou. — Alguém quer ir comigo? — Eu vou! — Liam se ofereceu de imediato, movimentando-se para fora da quadra. — Ei! — Lauren protestou. Mas Liam a ignorou. Ele disse algumas palavras para Fisher, que estava no lado oposto. Fisher tirou sua camisa, jogou-a na areia e foi tomar o seu lugar ao lado de Lauren. Liam e Kevin partiram para as escadas e desapareceram até o calçadão. — Ah, sim! Você está ferrado, Fish! — Bea gritou, movendo a cabeça de um lado para o outro, provocando. — Falando em queimar calorias, hein — disse Joaquin, abaixando e pegando uma cerveja long neck do isopor atrás de mim. Olhei automaticamente por cima do ombro para a água. Tristan estava lá, flutuando em um caiaque ao lado de Teresa, os remos descansando em seus colos enquanto conversavam com as cabeças inclinadas tão próximas quanto eles podiam em barcos separados. Eu tinha certeza que Tristan estava falando com ela sobre sua recuperação e as condições de Pete. Eu esperava que ela tivesse apenas boas notícias para ambos. — Bea é muita boa, não é? — disse Joaquin, apontando para ela com a garrafa antes de abri-la no abridor do isopor. Minha pele aqueceu com a sua proximidade, e bebi minha água. — Ela é boa — eu concordei. — Você deveria ver Krista jogar. Ela acaba com todo mundo. — Joaquin estava ao meu lado com uma casualidade forçada, os pés descalços plantados na areia ainda úmida, com uma mão no bolso de sua calça jeans. Eu senti uma pequena atração e foquei meu olhar na rede de vôlei. — Krista? Sério?
Ele acenou com a cabeça enquanto tomava um gole de cerveja. — Ela jogava na escola. Podia ter jogado na faculdade se ela tivesse chegado tão longe. Hum. Acho que você nunca pode dizer tudo sobre uma pessoa apenas olhando para ela. — Onde está Krista, de qualquer maneira? — perguntou Joaquim, olhando ao redor. — Ela vive para essa porcaria. — Ela está limpando a sala de jogos e depois vai descer — eu disse a ele. — Aparentemente, a prefeita está em cima dela para ter a sua casa de volta ao normal agora que as crianças se foram. Bea sacou a bola, e Fisher a cruzou para Lauren, que mal conseguiu colocá-la por cima da rede. O menino visitante do lado de Bea ajeitou para ela, e ela estava indo fazer outro ponto, quando Fisher se endireitou, seus olhos focados na água. — De novo não. A bola bateu na areia. Todo mundo se virou. À beira da água, Tristan e Teresa estavam puxando seus caiaques coloridos e brilhantes na areia quando a névoa se formou por trás deles, densa e rápida. Engoli em seco, e os olhos de Tristan encontraram os meus, focando-se em mim para ter certeza que ele seria capaz de me encontrar uma vez que a névoa cinzenta o engolisse. — Quem deveria ser conduzido? — Bea sussurrou assim que fomos surpreendidos pela nuvem esvoaçante. Eu me virei, desorientada. A neblina era tão espessa que eu não podia ver mais do que uns centímetros em qualquer direção. Sua voz tinha vindo do lado do meu ombro direito, quando eu tinha pensado que ela estava de pé do meu lado esquerdo. — Bea? — Sim? — respondeu ela. Eu pulei. Agora parecia que ela estava bem atrás de mim. — Ok, ninguém se mexe. Só por um segundo — eu arfei, meu pulso latejando. Eu tinha esquecido o quão aterrorizante a névoa podia ser. Alguém passou por perto, o turbilhão de névoa à minha esquerda. Mas não havia sombras, nem formas, nem tons de luz. Só o nevoeiro. Eu não tinha ideia de quanto tempo eu fiquei ali em silêncio. O nevoeiro tinha um jeito de apagar o tempo, torná-lo acelerado ou fazê-lo parar. Dentro dele, tudo estava suspenso. Tudo, menos o meu medo. De repente, alguém agarrou a minha mão. Deixei escapar um suspiro estrangulado.
— Tristan? — eu esperei, me virando. Joaquin apareceu fora da névoa, puxando meus quadris contra o dele e me segurando lá. — Não. Sou eu — ele disse com a voz rouca, estudando meu rosto. — Imaginei que podia ser a minha última chance de fazer isso. Ele se inclinou e me beijou, abrindo meus lábios com a língua, me segurando contra ele com seus braços fortes. Meu pulso saltou de forma irregular com alegria e felicidade, culpa e medo. Eu sabia no fundo da minha mente que eu deveria parar, mas o meu coração, meu estúpido e sádico coração, exigiu o contrário. Fechei os olhos e segurei a parte de trás de sua camisa com tudo o que tinha em mim. Sendo um adeus ou apenas um apelo desesperado para a compreensão, eu o beijei de volta. — Puta. Merda — disse Fisher. Eu abri meus olhos, meu estômago torcendo, sabendo já o que eu veria. O nevoeiro tinha passado e Fisher estava uns cinco centímetros à minha direita, ainda sem camisa, lentamente tirando os óculos espelhados. Joaquin me soltou e eu tropecei para trás um passo, olhando ao redor. Tristan tinha parado no meio do caminho, apenas três metros de distância, seu rosto com uma expressão devastadora. Eu abri minha boca para dizer alguma coisa, para me explicar, mas eu não tive a chance. Nossos walkie-talkies crepitaram, e a voz de Dorn cresceu através dos alto-falantes. — Estejam avisados: Pete acordou. Olhei para Joaquin. — Vá — ele disse, com uma clara mensagem subliminar. Ele iria lidar com Tristan. Seja lá o que isso quisesse dizer, eu descobriria mais tarde. Agora, eu tinha uma família para salvar. Eu estava no meio do caminho nos degraus da escada quando Krista correu até o corrimão, seus olhos azuis arregalados, metade de seu cabelo caído para fora de seu rabo de cavalo. Seu rosto estava tão cinzento quanto as cinzas. — Pessoal, está acontecendo de novo — ela engasgou bem na frente dos visitantes, dos Lifers, de todos. — Três almas acabaram de ser conduzidas para a Terra das Sombras.
34 OUTRO SUSPEITO Traduzido por L. G.
H
um... o que é a Terra das Sombras? — um dos visitantes perguntou finalmente. Todos o ignoraram, mas a questão pareceu acender algo dentro de Tristan, que começou a subir a praia em seus pés descalços, bermuda florida e camisa de surf. — Tristan? Onde você vai? O olhar em seu rosto enquanto ele subia os degraus ao meu lado não era como nada que eu já tivesse visto antes. Pelo menos não vindo dele. A raiva, a determinação parecia irradiar de algum lugar dentro dele, deixando cada passo rígido e inspirando todos em seu caminho a apressarem-se para liberar a passagem. — Não, sério. O que é a Terra das Sombras? — o mesmo garoto repetiu. Mordi o lábio quando o silêncio reinou. Explicar isso a ele significaria condená-lo à Terra das Sombras, e condenarmos a nós mesmos também. Nós apenas podíamos esperar que ele esquecesse ou então o levaríamos para a prefeita apagar sua memória. Enquanto ninguém o respondesse, estaríamos bem. Estendi a mão até tocar o braço de Tristan. Ele se virou para mim, seus olhos azuis brilhantes de raiva. — Você quer falar com Pete, então vamos falar com Pete — ele estalou, lançando um raio mortal sobre a minha cabeça na direção de Joaquin. — Vamos colocar um fim nisso de uma vez por todas. Ele subiu as escadas e passou pela ainda-aflita Krista sem sequer olhála. O resto de nós ficou ao redor incertamente, uma brisa feroz rasgando nossas roupas e chicoteando meu cabelo em meus olhos. Nós deveríamos segui-lo? Será que ele ao menos queria que fizéssemos isso? Olhei para Joaquin, o meu coração uma bagunça destruída e esmagada. Seus olhos endureceram, e eu senti algo dentro de mim se esvair.
—
— Então vamos lá — disse ele. Joaquin subiu as escadas e o resto de nós o seguiu. Talvez Tristan estivesse certo antes, no parque. Talvez essa festa tinha sido uma má ideia. Nós baixamos nossa guarda. Tínhamos esquecido de sermos vigilantes. E agora nós fomos responsáveis por mais devastação. — Tem mais uma coisa — disse Krista para Joaquin quando ela o alcançou. Eu fiquei bem atrás deles em nosso caminho até a colina, deslizando pelas antigas casas vitorianas e esquivando-me sob os ramos curvados de árvores nuas e esguias. — Os gêmeos fugiram da prefeita antes que ela pudesse apagar suas memórias novamente. — O quê? — eu exigi. — Então eles estão lá fora agora, dizendo às pessoas que um grupo de moradores locais estão fazendo as pessoas desaparecem na ponte? — disse Joaquin ferozmente. — Ótimo. Essa é a melhor notícia que ouvi hoje. Krista estava verde. — Ela colocou o Chefe Grantz à procura deles, por isso espero que eles sejam presos em breve, também. Joaquin aumentou seu ritmo, e eu fixei meus olhos nas costas de Tristan até finalmente chegarmos à praça da cidade. Tristan caminhou através do parque e foi em direção à delegacia. Quando ele abriu a porta da frente, parei para olhar para trás para a casa da prefeita. O que antes parecia um hotel exclusivo para mim agora parecia o castelo escuro e ameaçador da bruxa, outro símbolo de tudo o que havia de errado com este mundo. O catavento, como previsto, apontava para o sul, obstinadamente ignorando o vento que girava em torno dele. — O que Tristan vai fazer? — eu perguntei a Bea quando ela me alcançou. Abracei meus braços contra o frio. — Eu não sei, mas vai ser interessante. Nós corremos pelo parque para alcançá-lo, deslizando por Joaquin enquanto ele subia os degraus de mármore. Através do lobby e descendo as escadas, podíamos ouvir Tristan gritando. Durante todo o tempo que eu o conheci eu só o ouvi levantar a voz uma vez, durante uma discussão com Joaquin. Os olhos de Bea se arregalaram com os meus enquanto nós corríamos para a porta na extremidade. Pete estava sentado de frente para o canto da cela, os joelhos encolhidos sob o queixo. Tristan gritava para as costas de Pete, agachado no chão o mais perto que ele podia chegar das barras. Dorn estava no canto mais distante, com os braços cruzados sobre o peito, enquanto olhava todos os outros descerem como se ele fosse o guardacostas pessoal de Tristan.
— Você a matou, Pete! — Tristan deixou escapar, agarrando as grades de aço. — Você matou Nadia! Você ao menos percebe o que isso significa? Sabe o que vai acontecer com você quando finalmente decidirmos te conduzir? Você já pensou sobre como vai ser em Oblivion? — Tristan — Bea disse suavemente. O espaço de um metro entre as barras exteriores das duas celas e a parede exterior da sala agora estava cheia de Lifers. Bea e eu estávamos mais perto de Tristan do que todos, tendo chegado em primeiro lugar, mas estávamos dando-lhe um amplo espaço. Seus músculos estavam tão tensos, seus dentes tão cerrados, que eu estava quase com medo de tocá-lo. Parecia um animal feroz. Pete, muito lentamente, começou a balançar para a frente e para trás, para frente e para trás. Sua testa mergulhou em direção a seus joelhos. — Sua única esperança é nos ajudar, Pete — Tristan continuou, inclinando-se para as barras. — Essa é a sua única esperança. Porque eu juro por Deus, se você não abrir a boca e começar a falar agora, eu vou te arrancar dessa cela e te enviar pela ponte diretamente para Oblivion. Vou fazer isso alegremente. Pete deixou escapar um soluço estrangulado. Eu não sabia o que eu tinha planejado dizer para Pete convencê-lo a nos ajudar, mas não era isso. Engoli meus medos e coloquei minha mão sobre o ombro de Tristan. Ele vacilou, mas depois relaxou quando viu que era eu. — Tristan, por favor. Ouça a si mesmo — eu sussurrei. Ele não se moveu. Agachei-me ao lado dele, movendo minha mão suavemente pelas costas. A curva de sua coluna, as linhas dos músculos em seus ombros eram visíveis através de sua camisa. — Esse não é você. Seus olhos fitaram os meus. Por um segundo eu pensei que ele fosse me contradizer, mas em vez disso, ele suspirou. Lentamente, ele se levantou, puxando minha mão para me levar com ele. Só então, Liam deslizou lateralmente na sala. Seus olhos encontraram os meus enquanto ele se esgueirava ao longo da parede de trás, tentando desaparecer atrás da multidão de Lifers na frente dele. Mas ele não foi rápido o suficiente para esconder o fato de que ele estava sem ar, que sua blusa branca estava manchada de suor em volta da gola. — Liam. — A palavra estava fora da minha boca antes que eu sequer tivesse formado um pensamento totalmente coerente. Ele parou, seu boné de beisebol vermelho curvando-se entre o ombro de Fisher e Kevin, mas ele não disse nada.
Ele esteve na praia até poucos minutos antes do nevoeiro rolar, e então ele tinha saído com Kevin. Kevin, que era o único dos nossos amigos que não estava presente. — Onde você estava? — eu perguntei. — Onde está Kevin? — Eu não sei — disse ele. — Eu o perdi no meio do nevoeiro. Pete parou de balançar ao som de sua voz. Olhei para trás e para frente entre os dois, a minha pele formigando com suspeita súbita. Alguma coisa estava acontecendo entre eles. Lembrei-me de alguma coisa, mas tudo pairava à beira de ser conhecido. — Aonde você foi quando deixou a praia? — eu perguntei. Liam riu, um som agudo, balindo. — Fomos para o Thirsty Swan procurar por batatas fritas e salsa, o que encontramos, mas quando saímos eu o perdi no meio do nevoeiro. Algum problema? Os olhos de Dorn deslizaram de um lado para o outro, de mim para Liam. Ele chupou os dentes e estreitou os olhos. — Então, onde está Kevin agora? — eu perguntei, meus joelhos tremendo. — Por que ele não está aqui? — Eu não sei. — Liam bufou. — Caramba, Rory. O que é esse interrogatório? O tempo todo que ele estava falando, ele estava se movendo em direção à porta. As pessoas se separaram para deixá-lo passar, claramente não compreendendo o que eu achava que era óbvio. Liam estava com medo. Eu podia ver isso em seus olhos. Ele estava tentando agir casualmente indignado, mas ele estava vibrando com medo. Dorn finalmente entrou na frente dele, bloqueando sua fuga. — Rory, onde você quer chegar? — perguntou Tristan. — O que ele fez? — Há algo de estranho acontecendo com ele e Pete — eu disse, e então eu compreendi. Olhei por cima do ombro para Joaquin. — Ontem, quando Liam e eu viemos aqui, ele se apavorou quando pensou que Pete estava prestes a acordar. E no outro dia, na ponte, Pete virou e saiu assim que ele viu Liam. Eles estão escondendo alguma coisa. — É um pouco fraco, Rory — disse Bea. — Mas ele correu quando teve a chance de deixar a praia quando Kevin ofereceu, e onde diabos está Kevin agora? — Joaquin colocou. O rosto de Tristan ficou duro. — Onde está Kevin, Liam? — Eu te disse, eu não sei! Por que vocês não ligam para ele e descobrem? — disse ele, apontando para o rádio de Tristan.
— Eu acho que vou ligar. — Joaquin levantou o walkie-talkie para os lábios e apertou para falar. — Kevin? Você está aí, amigo? Câmbio. Ele soltou o botão. Nada além de um zumbido baixo e distante da estática. Todo mundo olhou para Liam, que estava rapidamente ficando pálido. — Alguém viu Kevin? Câmbio — perguntou Joaquin. Silêncio. — Dorn — disse Tristan. — Prenda-o. Liam fez um movimento como se fosse fugir, mas não havia como se desprender de Dorn, cujas mãos enormes caíram sobre seus ombros e o arrastaram para trás. — Não. Você não pode fazer isso! — Liam gritou. — Eu tenho direitos. — Ele olhou em volta desesperadamente. — Não tenho? Eu não tenho direitos? Com um movimento rápido, Fisher abriu a porta da segunda cela. Ele segurou-a enquanto Dorn jogava Liam dentro e depois a fechava com um estrondo. Liam praticamente se jogou nas barras. Bea olhou em volta para a multidão. Todo mundo estava parecendo perturbado, inseguro, homicida ou uma combinação dos três. — Talvez eu devesse esvaziar a sala? — ela sugeriu. — Boa ideia — disse Tristan. Bea conseguiu reunir todos de volta através da porta e para o corredor, pastoreando-os como um gado. Quando a porta se fechou atrás dela, só Tristan, Dorn, Krista, Joaquin e eu fomos deixados. Os apelos de Liam silenciaram. Ele se sentou na cama. A cama rangeu sob seu peso, e ele inclinou a cabeça contra as grades, franzindo o cenho em frente a Pete. — Eu não posso acreditar que isso está acontecendo — disse ele. Pete estava tão imóvel como uma pedra. — Basta dizer-nos onde você foi depois que saiu do Thirsty Swan — eu disse, levantando os ombros. — Quão difícil é isso? — Eu saí para encontrar Lalani — ele retrucou, os olhos faiscando. — Satisfeita agora? Posso ir? — Como? — perguntou Joaquin. — Como? — Liam repetiu. — Sim, como? — perguntou Krista, colocando o cabelo atrás das orelhas. — Ninguém consegue ver nem um palmo em meio à neblina. Como você iria encontrá-la? — Cuidadosamente? — Liam atirou de volta em um tom estranhamente sarcástico.
— Você a achou? — eu perguntei. — Sim — ele respondeu. — E você estava errada, por sinal. Ela se lembra de seu irmão, e ela está se perguntando onde diabos ele está. Tristan e eu fechamos os olhos. Então os Tses não eram apenas um ligeiro desvio. Liam me lançou um olhar de nojo e se virou. — Eu não vou dizer mais nada para você. — Liam... — eu comecei. — Não! — ele retrucou, empurrando-se de pé. — Eu confiei em você. Você me fez confiar em você! E você mentiu para mim! E agora você me joga aqui? Quem diabos você pensa que é? Sua mão disparou através das grades e eu pulei para trás. Joaquin agarrou seu pulso e torceu até os joelhos de Liam bater no chão, com o rosto contorcido de dor. Apertei-me contra a parede, ofegando por ar quando Joaquin inclinou-se em direção ao topo da cabeça curvada de Liam. — Tente tocá-la novamente e você vai se arrepender. Krista e eu olhamos uma para a outra, atordoadas. — Cara — disse Tristan. — Solta ele. Joaquin rangeu os dentes, mas soltou o braço de Liam. Quando ele se levantou, Liam passou a mão em seu peito e manteve lá, enrolando em si mesmo como um caracol assustado puxado para trás em sua concha. — Talvez... talvez devêssemos ir tomar um ar — Tristan sugeriu, olhando para o resto de nós. — Vamos lá fora conversar sobre isso? — Estratégias — Dorn disse, seus olhos como fendas. — Eu gosto disso. — Não podemos simplesmente deixar os dois aqui juntos — Joaquin apontou. — Eu vou ficar — Krista ofereceu, erguendo o queixo com bravura. Mesmo pálida e suada, ela ainda conseguia parecer como uma supermodelo. Dorn bateu no lado de seu braço, e ela cambaleou para o lado nas barras da cela de Pete. — Se você precisar de nós, você tem o seu walkie. Krista assentiu, puxando-o para fora do bolso do vestido e inclinandoo para ele como uma arma. — Deixa comigo. Enquanto eu seguia os caras para fora da sala, olhei para trás por cima do meu ombro para Liam uma última vez quando ele agarrou as barras e olhou para Pete, com fúria em seu rosto.
35 MÃOS EM... Traduzido por AMR
L
á fora o vento estava chicoteando furiosamente. Duas mulheres saindo da loja de produtos de beleza gritaram quando um pedaço de telhado de madeira veio voando em direção a elas. Elas se abraçaram e se abaixaram, por pouco conseguindo evitar algumas lesões graves na cabeça e a sucata bateu na janela em frente. Alguns visitantes se posicionaram junto a janela do armazém, olhando para o horizonte, as pontas brancas dos dedos de um dos homens pressionando contra o vidro. Quando me virei para olhar, vi nuvens cinzentas de tempestade se juntando sobre a baía. Nós não tínhamos tido um dia inteiro de sol. Nem mesmo um dia. — Isso não é bom — disse Tristan, parando ao lado da fonte de cisne no centro do parque. Até mesmo as suas águas ondulavam ao vento. Bea, Fisher, Lauren e uma multidão de outros Lifers estavam amontoados sob o toldo da loja de bicicletas, nos observando, à espera de direção. — Está começando a parecer como na época que Jessica estava aqui. — Cara, por favor. Isso não é nada como aquilo — Joaquin rebateu. — Você está brincando comigo? — Tristan perguntou, sua longa franja loira voando para fora de seu rosto. — Você acabou de quase quebrar o braço de um garoto quando temos zero provas de que ele fez alguma coisa errada. — Ah, então você preferia ter deixado ele colocar as mãos em Rory? — Joaquin respondeu. — Bem, se você quer que eu chute o traseiro de todo cara que coloca suas mãos em Rory... — disse Tristan, ficando cara a cara com Joaquin. — Se afaste, Tristan — disse Joaquin, empurrando Tristan para trás. — Não. Eu não vou me afastar — Tristan empurrou Joaquin com as duas mãos. — Rapazes. Não!
Mas já era tarde demais. Joaquin deu um soco no rosto de Tristan. Eu gritei quando escutei o ruído de uma rachadura na mandíbula de Tristan, fazendo-o cambalear e cair sobre o peito de Dorn. Dorn pegou-o, e eu esperava que ele segurasse Tristan ou pelo menos ficasse entre os dois, mas ele simplesmente virou Tristan e deu-lhe um pequeno empurrão, mandando-o de volta para mais luta. — Dorn! — eu gritei. Ele deu de ombros enquanto Tristan se jogava contra o tronco de Joaquin. Joaquin perdeu o equilíbrio e caiu de costas na calçada. Por um segundo ele ficou imóvel, com os olhos bem abertos, com falta de ar. Tristan quase o tinha nocauteado. — Tristan! Pare! — eu gritei quando Tristan montou Joaquin e levantou seu punho direito. Ele congelou, e eu passei meus braços ao redor de seus ombros, puxando-o para longe de Joaquin. — Saia de cima dele! Ele não consegue respirar! O vento jogou meu cabelo em meus olhos e em minha boca enquanto eu arrastava Tristan para longe. Dorn ajoelhou-se e ajudou Joaquin a sentar-se, e ele finalmente cuspiu e tossiu, puxou uma longa e áspera respiração, com a mão no peito. As nuvens haviam chegado rapidamente, bloqueando o sol e deixando tudo sob uma sombra cinza fosco. Um círculo de corvos gralhou alegremente como se dando boas-vindas a tempestade a caminho. Joaquin tomou algumas respirações profundas, olhando para mim enquanto ele lutava para obter o controle. Ele agarrou o braço de Dorn e cambaleou. — Eu vou ver se consigo rastrear Kevin — ele disse, em seguida virou-se para Dorn. — Você, não deixe o novo garoto sair de sua cela. Dorn assentiu. — Entendi. — Por que vocês não vão descansar um pouco? — Joaquin acrescentou, olhando para Tristan e eu. — Podemos nos encontrar na casa da prefeita na parte da manhã e discutir nossas opções. — Opções? — disse Tristan, seu peito ainda arfante. Joaquin riu, balançando a cabeça. — Você sabe do que eu estou falando, Tristan. Você viu o jeito como Pete estava agindo. Ele não vai dizer nada, e este lugar logo vai se transformar num inferno. Temos de discutir nossas opções. Tristan cerrou a mandíbula, os olhos sombrios. — Nós não podemos... — Cara, o cara lhe bateu na cabeça com um taco de beisebol. Ele quase te matou. Ele matou Nadia e, possivelmente, Cori, também. Ele nos traiu. Tudo o que você acredita. E a única maneira de repará-lo é fazê-lo falar. —
Joaquin fez uma pausa. Ele deu um passo para Tristan, cujas mãos automaticamente se enrolaram em punhos. Joaquin levantou as palmas das mãos. — Basta pensar nisso — ele disse. — Isso é tudo que estou pedindo. Tire a noite para pensar sobre isso. — Então, ele olhou para o céu escurecendo. — Se nós tivermos mesmo todo esse tempo. Ele se virou e saiu correndo em direção aos outros na calçada para dar ordens. Tristan tomou algumas respirações e em seguida olhou para Dorn. — Se ele encontrar Kevin, me avise — ele disse. — Aviso — Dorn respondeu. — Mas eu tenho certeza que ele vai entrar em contato pelo rádio. Tristan olhou para onde estava Joaquin. — Eu não estou tão certo sobre isso. Ele deu um passo na direção da sua casa, mas eu o parei, agarrando seu pulso com as duas mãos. Ele olhou para os meus dedos, em seguida, muito lentamente, arrastou seu olhar pelo meu braço, até os meus ombros, e, finalmente, encontrou meus olhos. — Você não vai para casa — eu disse, tensa com o medo da rejeição, não importa o quão determinadas minhas palavras eram. — Não? — ele perguntou. — Para onde eu vou? Soltei-lhe o pulso e arrastei uma mão para entrelaçar meus dedos com os dele. — Você vem comigo.
36 DOIS CORAÇÕES Traduzido por AMR
E
nquanto voltávamos para a minha casa, o vento estava tão intenso que tivemos que agarrar-nos uns aos outros ao virarmos na Magnolia e cambalearmos em direção ao portão. Folhas e pétalas de flores mortas raspavam em nossos rostos, e um pedaço de papel bateu em minha perna, envolvendo-se em torno de minha panturrilha, grudando lá quando alcancei a tranca do portão. Assim que larguei-a, o portão se abriu e bateu forte contra o muro e rachando suas dobradiças. Tristan tentou segurá-lo, mas não havia mais nada que se pudesse fazer. Ele caiu e foi batendo e girando pela rua até que colidiu com a lateral de uma casa vizinha. — Vamos entrar — ele disse. Eu concordei balançando a cabeça e, juntos, nos curvamos para a frente, correndo até a porta da frente. Minhas mãos tremiam enquanto eu abria a porta, e Tristan agarrou-se a ela para que não tivéssemos o mesmo destino que o portão. Ele fechou-a atrás de nós e trancou-a. Lá dentro, eu acendi as três primeiras luzes que encontrei. Tristan me seguiu e nos encontramos no centro da sala, um de frente para o outro por sobre a mesa de centro de madeira de meio metro de largura. Senti-me enjoada e nervosa. Uma hora atrás, Tristan tinha pego eu beijando outro cara — o seu melhor amigo. E agora aqui estamos nós, a sós. Não importava o que eu dissesse, nunca seria suficiente. Mas eu tinha que tentar. — Tristan — eu comecei. — Sobre Joaquin. Ele fechou os olhos, como se o próprio som do nome lhe causasse dor, e levantou uma mão. — Não. — Não, eu quero explicar — eu insisti. Uma rajada de vento atingiu a casa com tanta força que soltou uma série de estalos altos e crepitações como se antigas vigas e tábuas estivessem
se reassentando. Dei um passo em torno da mesa e me senti estimulada quando Tristan não se mexeu. — Eu não vou ficar aqui e dizer que eu não me importo com ele, porque eu me importo. — Engoli em seco, segurando meus dedos na minha frente. — Eu não teria sobrevivido a essa última semana sem ele. Tristan olhou para mim, seu rosto completamente em branco. — Mas no segundo que eu vi você de novo, no segundo em que eu te toquei, eu soube... é você. Sempre foi você. Com Joaquin, é... — Pare — disse Tristan. Eu congelei no meu caminho. Eu estava avançando em direção a ele o tempo todo enquanto falava, e agora me encontrava a apenas alguns centímetros de distância, tão perto que eu podia ver o brilho da barba loira despontando em sua mandíbula. Meu olhar foi para suas mãos. Venha para mim, eu desejei. Por favor, apenas... — Então, você não quer ele. Você não quer ficar com ele? — Não — eu disse, fechando a distância entre nós. — Eu quero você. Sua mandíbula trincou e os dedos cerraram. Eu podia ver, podia sentir o quão difícil era para ele se segurar. — Você tem certeza? É melhor você ter certeza sobre isso, Rory, porque nós vamos estar aqui para sempre, nós três. Se você mudar de ideia... isso iria torturá-la — torturar a todos nós — para sempre. Olhei em seus olhos azuis, meu coração vibrando dentro do meu peito. Devagar, com cuidado e delicadamente, eu estendi a mão para tocar meus dedos em seu peito. — Eu quero isso. Eu quero você. Para sempre. Tristan soltou um trêmulo suspiro aliviado. Ele correu as duas mãos pela minha cabeça e para baixo sobre a longa e confusa trança do meu cabelo. — Eu estou apaixonado por você, Rory Miller — ele disse, usando meu nome real, o que me emocionou. — Tudo que eu quero é estar com você. Eu sorri e percebi que eu estava chorando. — Tudo que eu quero é estar com você — eu respondi. — Então tente se livrar de mim — disse Tristan com um sorriso. Em seguida, ele se inclinou para tocar seus lábios nos meus, e eu senti a urgência por seu beijo passando através de mim, enchendo cada centímetro de mim, aquecendo meu corpo da cabeça aos pés, com um calor latejante e insistente. Eu me pressionei contra ele, despejando cada gota de medo e frustração, da incompreensão e saudade que senti ao longo das últimas duas semanas em meu beijo. Eu tinha sentido tanta falta dele. Eu queria tanto acreditar nele. E agora ele estava aqui, e ele era genuíno, e ele era meu.
Por um segundo infinitesimal eu não me importei com Pete, Liam, o universo, a Terra das Sombras ou qualquer coisa que não fosse nós dois. Então nossos walkie-talkies de repente soltaram um grunhido bizarro, e a voz em pânico de Krista encheu o nosso pequeno casulo. — Socorro! Socorro! Emergência! Ou o que quer que seja! Câmbio! Nós dois nos viramos quando uma batida errática soou na porta da frente. Tristan correu para ela. Eu me atrapalhei para pegar meu rádio, preso na minha cintura e pressionei o botão vermelho. — O que é, Krista? Câmbio. — São os visitantes! Câmbio! A porta da frente se abriu, e Krista tropeçou para dentro, molhada até os ossos. — Os visitantes o quê? — eu disse, deixando cair o walkie-talkie no chão. — O que tem eles? Krista engoliu em seco, apoiando uma mão sobre a mesa de entrada. — Temos um problema — ela disse. — Os visitantes tomaram o comando da praça da cidade.
37 MALEÁVEL Traduzido por Vivian N.
M
esmo sabendo quão superlotada a ilha tornou-se, nada poderia ter me preparado para a multidão que nos cumprimentou quando chegamos à praça da cidade. Os visitantes cobriam cada centímetro do parque, alguns de pé em bancos, outros agregados em torno dos postes de luz. Pessoas fluíam para fora da loja de departamentos para se juntar à multidão, de pé em seus dedos e esticando o pescoço, mesmo na chuva, tentando ver o que estava acontecendo. Na frente, é claro, estavam os Tses, em pé perto da borda de pedra ao redor da fonte de cisne, segurando um grupo voluntário de visitantes. A partir desta distância, eu não podia ouvi-los, mas Sebastian fez um gesto furioso com as mãos, e alguns membros da plateia balançaram a cabeça, concordando com o que quer que seja que ele estava dizendo. — Droga. Isso não parece bom. — Tristan parou na esquina da Freesia Lane e da praça, com o rosto pálido. Joaquin, Fisher e Kevin contornaram a borda da multidão, pegando olhares furiosos de um grupo de jovens em ponchos enquanto corriam para se juntar a nós. Ursula e o Chefe Grantz saíram da mercearia para se colocarem atrás de nós também. — Kevin — exclamou Krista. — Você está vivo! — Sim, eu estou bem. Quando o nevoeiro chegou e eu perdi Liam, eu percebi que deveria ir para casa e esperar — ele disse. — Eu devo ter adormecido. Desculpe. Joaquin me disse que vocês estavam preocupados comigo. — Estamos felizes que você está bem — disse Tristan, batendo-lhe no ombro. Alguns outros Lifers contornaram o parque, permanecendo nas calçadas externas e se juntando a nós, todos atraídos a Tristan como mariposas para uma chama. Lauren e Bea corriam na direção das docas.
— Falando em Liam — disse Fisher, — nós temos um problema. — Ele respirou e segurou a respiração por um segundo antes de entregar a notícia. — Ele sumiu. — Sumiu? — eu exclamei. — Como? — O Policial Dorn estava com a minha chave. Ele deixou seu posto por cinco segundos quando alguns visitantes entraram na delegacia, exigindo fazer chamadas de longa distância — disse Grantz. — Quando ele voltou para lá, Liam tinha ido embora, e foi só então que notou que a chave sumiu, também. Alguém o deixou sair. Mas é claro que Pete não está falando, então... Tristan tomou alguma distância de nós, com os punhos balançando em seus lados. Seu cabelo estava penteado para baixo na testa, e a camiseta que ele estava desde que tinha deixado a praia se agarrava ao seu peito na chuva. — Quem está fazendo isso? — ele perguntou. — Eu diria que, neste momento, é apenas um dos nossos problemas — disse Fisher, olhando para a multidão. — Por que não podemos apenas começar a conduzi-los? — Ursula sugeriu, levantando um lenço para o nariz para cobrir um espirro. — Alguns deles estão prontos para cruzar, e se pudéssemos diminuir a multidão... — Nós não podemos — Joaquin disse a ela. — Ficamos sem moedas. Ninguém vai sair daqui tão cedo. — Tudo bem — disse Tristan, reunindo-se. — Primeiro as prioridades. Temos que encontrar Liam. Bea, Rory e você juntem mais ou menos vinte pessoas e se separem para fazer uma busca pela ilha. Ele não a conhece tanto quanto nós, por isso não devemos demorar muito para encontrá-lo. Fisher e Kevin consigam uma dúzia dos nossos maiores homens e vão até a ponte. Aconteça o que acontecer, ele não levará mais nenhuma alma inocente para a Terra das Sombras. — Você não me quer aqui para controlar a multidão? — perguntou Fisher, empurrando o punho na palma da mão aberta. — Dorn, Grantz, Joaquin e eu vamos lidar com isso — disse Tristan. Ele olhou para a multidão crescente, que soltou um elogio para algo que Sebastian tinha acabado de dizer. — Eu vou falar com eles. — O que você vai dizer? — perguntou Joaquin. — Eu vou descobrir. E se não der certo, podemos sempre tentar usar o poder calmante sobre eles. Nós quatro devemos ser capazes de subjugar o pior deles. Nós vamos nos infiltrar no parque e começar a trabalhar na multidão. — Tristan olhou para Fisher e Bea. — Estamos perdendo tempo. Vão!
— Estamos indo, T — disse Fisher. Ele levantou a capa escura sobre a cabeça e levou os outros ao longo de uma fila de caminhões e carros estacionados em uma das ruas laterais, os faróis brilhando através da chuva enquanto os limpadores de para-brisas se agitavam freneticamente. — Isso é minha culpa — disse Krista, mudando de um pé para o outro debaixo do toldo alagado. — Eu deveria ter ficado na delegacia para aliviar Dorn se ele precisasse de mim. Eu estava tão cansada, e ele me disse para ir para casa... — Krista, está tudo bem. — Tristan agarrou seu ombro, e ela parou de vacilar. — Não se preocupe. Nós vamos encontrá-lo. Ele olhou para mim, um pingo de chuva descendo para baixo de sua bochecha como uma lágrima. — Você não quer ir com Bea? — Eu preferia ficar perto de você — eu disse, olhando em volta com cautela enquanto um par de visitantes caminhava lentamente, nos encarando. Tristan estendeu a mão e apertou a minha. — Deseje-me sorte. — Boa sorte — Krista e eu dissemos. Ele deu um aceno para os homens, e Grantz e Joaquin apertaram o passo atrás dele quando ele atravessou a rua em direção ao parque. Joaquin ergueu o rádio e disse a Dorn para se juntar a eles. Krista agarrou a minha mão para me puxar em direção à delegacia. Suas colunas de mármore ficavam na parte posterior da fonte de cisne, e enquanto subíamos os degraus eu percebi como seu plano era brilhante. A partir daqui, estaríamos secas sob a pedra da delegacia e ainda veríamos tudo, incluindo Tristan enquanto ele andava ao lado de Sebastian. — Rory? — disse Krista, tremendo ao meu lado enquanto Tristan colocava a mão nas costas de Sebastian. — Estou com medo. Eu balancei a cabeça, meus dentes batendo. — Eu também. Ela apertou minha mão enquanto Tristan pulava para cima da borda da fonte de modo que ele ficou uma cabeça acima da multidão. Ele levantou ambas as mãos, tentando acalmá-los. De repente, as portas atrás de nós se abriram, e Dorn saiu, apressando-se a descer as escadas para se juntar a Grantz e Joaquin na fonte. — Por favor, pessoal! — Tristan chamou. — Por favor, acalmem-se. — Quem diabos é você? — O grande homem barbudo da pensão dos gêmeos gritou. — Meu nome é Tristan Parrish — ele respondeu. — Eu sou o filho da prefeita. E eu ficaria feliz em responder suas perguntas e ouvir as suas preocupações.
A multidão gritou, todos tentando falar ao mesmo tempo. Sebastian e Selma trocaram um olhar por trás das costas de Tristan. — Vocês sabem que eu não consigo entender nenhum de vocês se todo mundo falar ao mesmo tempo — disse Tristan com um casual sorriso indulgente. — Se vocês não se importarem de levantar as mãos, eu posso repetir a pergunta para todo mundo ouvir e fazer o meu melhor para respondê-la. Três dúzias de mãos dispararam para o ar. — Ele é bom — eu disse baixinho. — Sim, mas quão bom? — perguntou Krista, os joelhos batendo juntos debaixo de sua capa de chuva branca. Ela olhou por cima do ombro para as portas duplas da delegacia. — Hum... Rory? Tem alguém com Pete agora? O meu coração caiu em meus dedos. Alguém tinha a chave de Grantz. Quem quer que fosse poderia estar lá usando ela agora para deixar Pete sair, também. — Vamos. Krista agarrou a minha mão enquanto corríamos para dentro da delegacia, nossos tênis guinchando e respingando todo o caminho através do átrio no mármore. Juntas, corremos pelo corredor, e eu abri a porta. Meus pulmões soltaram um suspiro aliviado quando vi que Pete ainda estava lá, ainda sentado no chão, com os braços ao redor de suas pernas. Uma faixa de sujeira atravessava seu rosto, e seus olhos pareciam vermelhos. Ele olhou para nós assim que entramos, seguindo Krista com os olhos enquanto ela passava por mim para pousar em um banquinho no canto mais distante. — Que bom. Você ainda está aqui — eu disse. — Para onde eu iria? Eu gelei ao ouvir o som de sua voz, baixa e seca. Esta era a primeira vez que alguém tinha ouvido ele falar desde quinta-feira. Meu pulso latejava dentro de cada centímetro da minha pele. Esta era a minha chance. A chance que eu estava esperando. Eu caí de joelhos e agarrei as barras na minha frente. Elas eram tão frias que meus dedos doíam. — Pete, como é que Liam saiu? — eu exigi. — Alguém o ajudou? Ele te disse para onde ia? Pete muito lentamente tirou os olhos de Krista e deslizou seu olhar para os meus pés. — Não.
— Pete, vamos lá. Já é o suficiente — eu disse. — Você não quer conversar? Não quer dizer a alguém o que está acontecendo? Você não quer dar o fora daqui? Ele mordeu o lábio e encarou. Havia algo tão vulnerável nele, tão maleável, e eu percebi de repente, que era exatamente o que Pete era. Ele tinha sido o último jovem Lifer a chegar aqui antes de Krista, que foi a última a chegar antes de mim, Darcy e Liam. Ele ainda era apenas um garoto como eu. Alguém que tinha sido prometido algo que ele queria dolorosamente. De repente, meu coração se penalizou por ele. Mesmo com tudo o que ele tinha feito, ele ainda era um de nós. Ele ainda era humano. — Darcy era sempre boa para você, não era Pete? — eu disse calmamente. — Ela ria das suas piadas, ela achava você divertido, e ela amava sua música. Os olhos de Pete se encontraram com os meus, e eu pude ver algo mudando dentro deles. Ele estava começando a ceder. Agarrei as barras e prendi a respiração. — Ela não merece o que está sofrendo agora, Pete. Você sabe disso. Eu sei isso. Mas só você sabe como recuperá-la. Por favor, diga-me como salvar minha irmã. Pete apertou os lábios. Seu aperto em seus braços se apertaram. Lá fora, silenciado pelas paredes grossas, uma vaia comum subiu da multidão. Eu lancei um olhar para Krista, que parecia tão preocupada quanto eu. O tempo estava escapando para longe de nós, cada vez mais e mais rápido. Se não corrigirmos isso em breve, as pessoas lá fora iam fazer o que aconteceu com Jessica parecer uma moleza. — Você só está muito envolvido com isso — eu disse a Pete, tentando controlar o desespero da minha voz. — Você acreditou em uma promessa que alguém fez a você, e isso te forçou a fazer coisas ruins. Mas se você me ajudar, você vai se redimir aos olhos de todos. — Eu tomei uma respiração instável. — Se você me ajudar, eu vou te ajudar. Eu vou falar por você com os outros. Pete engoliu seco. Ele apoiou o queixo em cima de seu braço e olhou para frente. Não para mim, não para Krista. Para o nada. — Dezoito passos — ele disse calmamente. Krista se levantou, o banquinho caindo contra o chão e batendo contra a parede. — O quê? Pete ainda estava como pedra. — Você tem que andar exatamente dezoito passos para a ponte — ele disse. — Em seguida, vire à esquerda e
sussurre o pior pecado que você cometeu na vida. É assim que você abre a porta para a Terra das Sombras. Levantei-me, cada célula do meu corpo em chamas. — É isso? — Contanto que você diga a verdade, a porta será aberta — disse Pete, arriscando um olhar para mim. Ele fungou e esfregou o nariz. A surpresa dentro de mim se manifestou em uma grande e sufocada risada. — E depois? Como podemos tirar os inocentes de lá? — eu perguntei. — Se um Lifer abre a porta de propósito, por intenções puras ou algo assim, quem não pertence à Terra das Sombras vai ser libertado. — Você tem certeza que é tudo o que tenho que fazer? — eu perguntei, minha pele em chamas com antecipação. — Não há nenhum preço? — Não. Eu acho que as forças superiores ou sei lá o que não pensaram que um Lifer seria louco o suficiente para experimentar isso. — Bem, eu sou. — Eu caí de joelhos novamente para ficar ao nível dos olhos dele. — Obrigada, Pete. Honestamente. Você não tem ideia do que isso significa para mim. — Eu estendi a mão e apertei seu antebraço. — Obrigada. Então eu pulei e agarrei a maçaneta da porta. — Vamos! — O quê? De jeito nenhum — respondeu Krista. — Você está totalmente maluca. Quem disse que ele está dizendo a verdade? Quem disse que você não vai apenas ser sugada para a Terra das Sombras, também? — Krista... — Não. De nenhuma maneira eu vou deixar você fazer isso sem apoio — ela disse, balançando a cabeça enquanto ela puxava para fora seu walkietalkie. Ela apertou o botão para falar, mas eu fechei a distância entre nós com um longo passo e agarrei seu braço. — Não. — Rory. — Krista, eles vão tentar me parar, e eu não vou deixar. — Peguei o walkie-talkie da mão dela e desliguei. — Eu vou para a ponte, e eu vou trazer a minha família de volta. Olhei-a diretamente nos olhos. — Agora, você vem comigo ou não?
38 ESCURA COMO BREU Traduzido por Yasmin Mota
—P
or favor, não faça isso, Rory. Por favor. Você é minha melhor amiga nessa ilha estúpida. Eu não quero que você fique presa na Terra das Sombras. — Eu não vou, Krista — eu disse a ela, apesar de, tecnicamente, não ter ideia do que estava para acontecer. Seus dedos frios se fecharam ao redor do meu punho quando saímos pela porta dos fundos da delegacia. O carro da prefeita estava estacionado a poucos metros de distância. — Como você sabe disso? Meu estômago se apertou e eu me abracei, tentando não parecer tão apavorada como me sentia. — Eu apenas sei — eu menti. Outro estrondo de raiva subiu da multidão na frente. Krista e eu congelamos, e meus joelhos ficaram fracos. Tristan os tinha perdido, no final das contas. Meus olhos dispararam na direção da frente do prédio, e eu hesitei. — Tristan? — Krista arfou. Eu apertei minha mandíbula. Este não era o momento para ir correndo para o lado do meu namorado. Eu finalmente tinha a informação que precisava para salvar meu pai e Darcy. Cada um de nós tinha um papel a desempenhar, e o meu não era aqui na cidade. Era na ponte. Se eu pudesse só chegar lá, se eu pudesse só libertar a minha família e as outras almas inocentes, tudo voltaria ao normal. Poderíamos conduzir os visitantes e acertar as coisas. — Nós não podemos ajudá-lo — eu disse. Alguém gritou com raiva e uma aclamação se elevou. — Se alguma coisa der errado, eles vão levá-lo para algum lugar seguro. Não se preocupe. Agora, me dê as chaves. Os olhos de Krista estavam arregalados e marejados. — Por favor, Rory. Não insista. Se algo acontecer com você... — Me dê as chaves! — eu gritei, frustrada.
Krista se encolheu, e uma única grande lágrima rolou pelo seu rosto. Ela fungou e tirou as chaves do bolso. A culpa me consumia, mas eu ainda peguei-as para longe dela. — Me desculpe, mas eu tenho que ir — eu disse, me dirigindo para o carro. — Quanto mais cedo eu chegar lá em cima, mais cedo isso acaba. Krista hesitou, olhando para trás e para frente entre mim e a frente do prédio, como se ela pudesse ver o que estava acontecendo com Tristan. Eu tinha a sensação de que, no fundo de sua mente, ela queria saber se poderia passar pela praça da cidade e chegar até a casa dela viva para que pudesse se esconder debaixo das cobertas, até que alguém viesse lhe dizer que estava tudo bem. Em seguida, outro rugido de ira levantou-se, e ela saiu correndo em direção ao carro. Quando ela subiu ao meu lado, estava toda molhada e chorando. Mordi minha língua, liguei o motor e fui em direção às colinas.
*** — De jeito nenhum, Rory. Sem chance. Fisher revelou-se ser uma tarefa difícil na ideia de abrir a porta para a Terra das Sombras. Ele ficou entre mim e a ponte como a minha própria Grande Muralha da China, com as pernas abertas firmemente plantadas, seus enormes braços cruzados sobre o peito, enquanto a chuva caía livremente sobre a sua cabeça bem raspada, pelo seu rosto e por dentro da gola da camiseta. O cara tinha perdido o casaco em algum momento, e agora estava ali com nada além da camiseta cinzenta grudada em todos os seus músculos, e calças cargo encharcadas formando um tom escuro de verde. Em outra vida, esse cara poderia ter sido um ótimo lutador profissional. Só precisava ter algumas tatuagens bem colocadas e um apelido estúpido, e ele era ouro. — Fisher, você não quer que eu traga Darcy de volta? — eu perguntei, tentando reprimir a frustração latente dentro de mim. — Ela está sendo torturada nesse momento. Enquanto você está apenas aí, em pé. Kevin e os outros caras estavam alinhados ao lado de Fisher como uma barricada, mas nenhum deles era tão intimidante. Sem Tristan ou Joaquin aqui, Fisher era o líder de fato, e eu sabia que se pudesse convencê-lo, os outros não iam me contrariar. Olhei de soslaio para Krista. Sua capa de chuva branca estava até o queixo, o capuz formando um O perfeito ao redor
do rosto com os cadarços esticados. Parecia que ela preferia estar em qualquer lugar do que aqui. — Olha, as minhas ordens foram para não deixar ninguém atravessar a ponte, então eu não vou deixar ninguém atravessar a ponte — Fisher me disse. — Bem, então é isso! — disse Krista, pegando minha mão. — Vamos voltar para a minha casa. Afastei meus dedos do alcance dela. Um impressionante relâmpago iluminou o céu atrás de Fisher, e um trovão se seguiu rapidamente, fazendo com que Krista gritasse. — Mas eu não sou qualquer um — eu respondi, cerrando os punhos, a pele em minhas mãos tão crua pelo aperto que quase se rachou. — Eu sou a pessoa com quem Pete finalmente falou. Fisher estreitou os olhos e redefiniu sua posição, olhando pelo nariz para mim como se ele fosse o comandante e eu alguma menina irritante desafiando sua autoridade. — Certo. E como vou saber isso ao certo, exatamente? — ele perguntou. — Como eu sei que você não está apenas inventando isso? Agora eu olhei para Krista. Já passou da hora de ela falar. Mas ela só olhou para mim, os olhos azuis arregalados como um coelho assustado. — Diga a ele, Krista! — eu exigi. — Diga a ele o que você ouviu. Krista olhou para o chão. — Ele disse que se abrisse a porta, os inocentes seriam liberados — ela murmurou. — Mas eu não entendo por que tem que ser você, Rory! — ela gemeu, de repente cheia de vida. — Não podemos enviar um dos Lifers mais antigos? Alguém que não tenha amigos, uma família ou... — Não temos tempo para começar a procurar uma cobaia disposta! — eu interrompi. — Você não entende? É a minha família lá. Minha melhor amiga. Temos que fazer isso agora. Alguns dos outros caras ouviram isso e começaram a sussurrar, olhando para nós com um novo tipo de respeito. Possivelmente admiração. De repente, o rosto de Krista endureceu em uma espécie de máscara resoluta de medo. — Bem. Então eu vou com você. — O quê? — Fisher, Kevin e eu dissemos como um só. Krista limpou a garganta e falou. — De nenhuma maneira eu vou ficar aqui e explicar para Tristan como eu a deixei ir sozinha — ela disse. — Lidar com as consequências disso seria muito pior do que qualquer coisa que a Terra das Sombras tem para oferecer.
— Uau, Krista. Estou impressionado — disse Fisher, a olhando de cima a baixo. Krista levantou os ombros. — Ela é minha melhor amiga. Como se fosse minha irmã. Se ela for, eu acho que tenho que ir também. Kevin virou as costas para nós e murmurou algo no ouvido de Fisher. Então Fisher virou as costas para nós, e os dois começaram a sussurrar ferozmente até Fisher finalmente gritar, — Tudo bem! Eu senti Krista tensa. — Tudo bem o quê? — eu perguntei. — Tudo bem, vocês podem ir. Mas eu vou com vocês. Quanto mais gente mais seguro, certo? Ele deu um passo para o lado, formando um buraco na linha entre ele e Kevin. A ponte apareceu diante de nós, com as vigas de aço parecendo enormes no pé da ponte antes que afilassem e desaparecessem dentro da roda de névoa cinzenta. Minha garganta ficou seca, e a mistura de medo e adrenalina correndo através de mim fez a minha cabeça rodar. Mas me forcei a caminhar em direção à linha onde a estrada enlameada encontrava a rampa de aço, e eu não olhei para trás, mas eu podia ouvir Krista e Fisher atrás de mim. Parei em frente à parede de névoa. Dezoito passos e eu veria Darcy novamente. Dezoito passos e eu teria meu pai de volta. E Aaron, Jennifer e todo mundo que estava sofrendo desnecessariamente. Fisher apareceu à minha esquerda, Krista à minha direita. — Devo avisar a vocês, não é agradável lá — eu disse. — Há vozes. Sussurros. E algo continuava tentando me agarrar. Eu não sei quem ou o que, mas... não foi divertido. — Eu acho que vou vomitar — disse Krista. — Não se preocupe — Fisher disse a ela, apertando-lhe o ombro. — Eu te protejo. Eu tomei uma respiração profunda. — Prontos? Fisher olhou por cima do ombro e deu um aceno a Kevin. Kevin levantou o walkie-talkie aos lábios e falou. — Joaquin. Ouça, Joaquin. Rory, Krista e Fisher estão atravessando a ponte. Eles dizem que sabem como abrir o portal para a Terra das Sombras. Você pode querer vir para cá. — Fisher! — Krista e eu repreendemos. Fisher deu de ombros. — Vocês não vão para a batalha sem reforços. Agora, vamos resgatar a minha namorada. E então ele deu o primeiro passo na neblina. Eu cerrei os dentes e o segui, sabendo que Joaquin e, possivelmente Tristan — se conseguisse escapar — estavam a caminho daqui, mas isso não importava mais. Isso não
ia demorar muito. No momento em que ele chegasse aqui, tudo estaria acabado. No segundo em que a neblina me envolveu, eu estava sozinha. Fisher deveria estar bem à frente, Krista à minha direita, mas eu não podia ver nenhum deles. Então, de repente, uma mão se fechou em torno da minha e Krista reapareceu. Ela sorriu fracamente e eu sorri de volta. — Aqui vai. Juntas, começamos a contar os nossos passos. — Um... dois... três... Os sussurros começaram. — ...ela trouxe uma amiga... — ...bonita, bonita... — ...morder os dedos, um por um... O aperto de Krista na minha mão ficou mais forte. O medo corria através de mim, pulsando em minhas veias, minhas têmporas, meus pulsos, meu coração, mas eu sabia que não podia parar. Darcy dependia de mim. Meu pai e Aaron precisavam de mim. Imaginei seus rostos, seus sorrisos, seus olhos e continuei andando. Eu tinha sobrevivido a isso antes. Eu poderia sobreviver novamente. Por eles. — Quatro... cinco... Um dedo frio arrastou-se pela minha bochecha. Krista gritou e deu um tapa na parte de trás de seu pescoço. — O que foi isso? — ela lamentou. — Não é nada. Está apenas brincando com a gente — eu disse a ela, desejando que o terror da minha voz sumisse. — O que está brincando com a gente? — seu aperto na minha mão era como um vício. — A ponte — eu disse através dos meus dentes. — Basta continuarmos indo. Estamos quase lá. — Seis... sete... oito... — eu contei sozinha neste momento. — ...ainda tão ignorante... — ...não sabe o que ela... — ...escura como breu, aquela ali... — Rory? — Krista choramingou, olhando por cima do ombro para o nada. — Isso foi uma má ideia. Eu quero ir embora. Vamos lá, ok? Por favor? Em seguida, ela gritou novamente, e eu vi seu cabelo levantar por trás dela, uma coisa invisível na névoa puxando seus fios emaranhados. — Oh meu Deus — ela gemeu, sua respiração entrecortada. — Oh meu Deus, oh meu Deus, oh meu...
— Não há nada aí — eu prometi a ela. — Continue se movendo. — Nove... dez... A névoa à minha esquerda rodou, em seguida, começou a pulsar. Dentro e fora. Dentro e fora. Como se alguém estivesse a apenas alguns centímetros de distância, respirando. Assistindo. Krista segurou minha mão com as dela agora, me puxando desajeitadamente contra seu lado. — Fisher? — eu sussurrei. A resposta foi uma risada tão escura e má que não poderia ser de um ser humano. Pelo menos não um vivo. Meu cérebro ficou momentaneamente confuso, e eu tinha certeza que estava prestes a desmaiar de medo. Mas Krista agarrou-se ao meu lado, me firmando com seu terror e obrigando-me a ser a única corajosa. Eu sabia que não poderia desistir. Se eu desistisse, tudo estava perdido. — Você não precisa deles. Sua família. Você não precisa — Krista sussurrou furtivamente, olhando fixamente para a névoa pulsante. — Você tem a mim agora. Tristan e Joaquin. Darcy e seu pai iam seguir em frente de qualquer maneira, certo? Por que não os deixamos ir? Basta deixá-los ir, para que possamos dar o fora daqui? Eu cerrei os dentes e ignorei. Eu precisei. Se eu escutasse o que ela estava dizendo, ia dar um soco na cara dela. Eu me virei e continuei andando, agora arrastando Krista comigo. — Treze... quatorze... quinze... dezesseis. — Nãonãonãonãonãonãonão — Krista balbuciava, sacudindo a cabeça. — Não, por favor. Não. — ...sai, sai, onde quer que esteja! — ...nunca pensei que iria acabar assim... — ...mais perto, querida, um pouco mais perto... Um dedo ossudo roçou minha orelha de cima a baixo, prendendo os cabelos dispersos por trás dela. Eu senti um arrepio nas minhas costas e quase gritei. Krista plantou seus pés e inclinou-se para trás, fazendo o seu melhor para me fixar no local. Felizmente, eu era mais forte. Fechei os olhos e passei pelos dois últimos degraus, puxando seu braço. — Dezessete — eu disse. — Dezoito. Paramos. Krista tremia da cabeça aos pés. Eu podia ouvir seus dentes batendo. Juntei cada pedaço de coragem que eu tinha deixado dentro de mim, o meu coração batendo tão forte que eu podia sentir como se tivesse outro, e me virei para a esquerda. Não havia nenhum sinal de Fisher. O que quer que ele achasse que iria fazer para nos salvar, não ia acontecer. Nós
estávamos sozinhas. Tomara que ele continuasse andando e acabasse no mesmo lugar onde começou, como eu fiz há dois dias. — Roreeeee... — Krista chamou. Suor tinha juntado entre as palmas das mãos e se transformou em gelo. — Não se preocupe. Tudo vai ficar bem. Isso foi para a minha família. Isso foi para o meu pai, Darcy e Aaron. Por mais que eu odiasse pensar nele, naquele momento, eu fechei os olhos e conjurei uma imagem de Steven Nell, ofegante e cuspindo enquanto tomava suas últimas respirações. Eu segurei minha respiração e sussurrei: — Eu tirei a vida de outra pessoa. Houve um grande estrondo, como o som de um caminhão de lixo baixando a sua caçamba de metal no chão negligentemente. A ponte abaixo de nós tremeu. Krista de alguma forma aumentou seu aperto em mim, apertando meus dedos como se minha mão fosse quebrar. A névoa na nossa frente começou a se mover a esmo num primeiro momento, como a fumaça sendo dispersa de um incêndio, mas rapidamente se organizou em um vórtice, girando diante de nós como um furacão de lado abrindo a boca. Ficamos ali, mas não sentimos nenhum vento. Eu estava olhando para uma profundidade infinita de escuridão, mais escura do que qualquer coisa que eu tinha visto na Terra, e tive certeza de que tinha sido enganada. Eu tinha certeza de que a qualquer momento, algo frio, cinzento e viscoso ia nos alcançar, nos agarrar e nos arrastar para o inferno. Ela ia passar a eternidade sofrendo na Terra das Sombras, e era minha culpa. — Krista — eu disse através dos meus dentes. — Corre. — O quê? — ela lamentou. Eu estava prestes a virar e empurrá-la tão forte quanto eu poderia de volta para a névoa, mas em seguida — logo em seguida — eu a ouvi. Sua voz estava tão perto que ela não poderia estar a mais de meio metro de distância. — Rory! Você veio! — Darcy! Fui em direção à escuridão — em direção à voz — e meus dedos alcançaram um tecido. Uma manga. Eu cravei minhas unhas nela tão forte quanto eu podia e puxei. Eu a peguei. Eu peguei Darcy. Em seguida, a pessoa que eu estava agarrando apareceu, e não era Darcy. Era Steven Nell.
Ele parecia exatamente o mesmo desde a última vez que o vi. O cabelo escuro e pegajoso caindo sobre a testa. Os óculos de lentes grossas empoleirados em seu nariz. O sorriso cruel em seus lábios finos e pálidos. De repente, o tempo parou. Senti a lâmina da faca no meu estômago, como se tivesse acabado de acontecer. Vi o sangue no cabelo da minha irmã. O corpo do meu pai desmoronando no chão. Era como se todos os pesadelos que eu tinha tido no mês passado estivessem de repente voltando à vida em detalhes vivos, horripilantes e excruciantes. — Rory Miller — ele disse alegremente. — Você voltou para casa. De repente, eu sabia. Ele queria fazê-lo novamente. Ele ia fazê-lo novamente. Ele ia nos matar, nos abater, várias e várias vezes enquanto existisse o universo. Até o fim dos tempos. Ele estava desejando isso. Eu me livrei dele e corri. Direto para Krista. Ela olhou para mim, seus olhos azuis escuros de raiva. — Krista? — eu sussurrei. — Bem-vinda à Terra das Sombras, Rory. Então ela me empurrou com uma força que eu nunca teria imaginado que tinha dentro dela, direto para os braços de Steven Nell.
39 DE BOM GRADO Traduzido por Vivian N.
O
lhei para Krista, sentindo a respiração terrível de Steven Nell aquecendo a parte de trás do meu pescoço. Ela era a cúmplice? Não é possível. Ela era minha amiga. Minha melhor amiga. Eu a tratava como uma irmã, e ela fazia o mesmo por mim. Como ela poderia ter feito isso? Como ela poderia ter tentado colocar a culpa em mim, arrastar a minha família para a Terra das Sombras, tramar pelas nossas costas e mentir nas nossas caras? Krista alisou o cabelo molhado do rosto e ergueu o queixo enquanto me olhava. Mas ela ainda era Krista. Ainda uma menina doce, bonita que queria nada mais do que ser amiga de todos. Não era? — Eu não posso simplesmente levá-la. Você sabe disso — disse Steven Nell, com os olhos lacrimejantes sacudindo sobre Krista como se ele estivesse sob aviso prévio. — Rory Miller deve vir de bom grado. Ele segurou seu braço direito em volta de mim como um torno, minhas costas contra seu torso, e chegou até a correr os dedos secos e gélidos no meu rosto. Eu podia sentir o seu queixo comprimindo meu crânio pelo meu cabelo enquanto minha cabeça se esfregava contra a dele. Bile se levantou no fundo da minha garganta. Eu me contorci, tentando ir para longe dele, mas ele era forte. Muito mais forte do que ele tinha sido em vida. — Krista? — eu disse, meu pulso batendo furiosamente nas minhas veias. Cada centímetro do meu corpo tremia, o que me deixou brava. Eu odiava demonstrar medo na frente de Nell. — O que diabos está acontecendo? Com o canto do meu olho, eu vi algo mover na escuridão. Um sussurro de uma figura. Meu pai? Darcy? Eu ainda poderia salvá-los? — Eu só quero ir para casa — disse Krista simplesmente. — Eu não pertenço a este lugar.
— É disso que se trata? — eu exigi. — Você ter a chance de ir para o seu baile maldito? — Você não entende, Rory? Eu não deveria morrer — Krista estalou, curvando sua cintura. — Você sabe disso. Eu sei disso. E naquela noite que eu trouxe Steven Nell até aqui, ele me disse que o universo também sabia disso. Que perturbava o equilíbrio quando alguém tomava a sua vida por engano. Então ele me fez uma oferta. Ele queria você como seu animal de estimação eterno, mas a Terra das Sombras não aceita tomar uma Lifer boazinha como você, a menos que você venha de boa vontade. E ele sabia como fazer isso acontecer. — E quanto a Darcy? Ela não veio de bom grado — eu disse. Krista sorriu. — Você se esqueceu: Ela não era uma Lifer ainda. Não oficialmente. — Você é louca — eu disse, balançando a cabeça, tentando me afastar quando Nell acariciou meus cabelos. — Não há nada que me faça me voluntariar para uma eternidade com ele. — Ah, eu acho que você vai — disse Nell levemente. Ele levantou uma mecha do meu cabelo e lentamente colocou-a sob o nariz, cheirando-a. Um tremor nojento de puro prazer abalou todo o seu corpo antes que ele reverentemente o tocasse nos lábios. Meu lábio inferior tremeu e eu fechei os olhos, tentando não dar a Nell a satisfação de ouvirme soluçar. — Ele me deu as moedas adulteradas. Ele me disse que se eu entregasse dezoito almas para a Terra das Sombras, incluindo sua pequena família — Krista cuspiu a palavra como se tivesse chamuscado sua língua. — Eu poderia ter o que eu queria. Eu poderia ter minha vida de volta. Eu pedi a Pete para me ajudar, porque eu sabia que não podia dominar essas pessoas sozinha. Eu disse a ele que a Terra das Sombras iria recompensá-lo por seu trabalho duro, também. — O que você prometeu a ele? — eu cuspi. — Ele queria ver seu irmão novamente. O garoto morreu quando Pete tinha apenas oito anos de idade. Então eu disse que ele poderia ir para a Luz e vê-lo. — Krista deu de ombros. — E eu suponho que você nunca teve a intenção de cumprir essa promessa. Krista sorriu. — Como eu poderia? Estou sou inferior a isso. Foi uma pena que Cori me seguiu quando eu fui me encontrar com Pete naquela noite depois que ele “desapareceu” e nos ouviu. Foi realmente horrível eu ter que empurrá-la daquele penhasco.
Minha garganta ardia, e lágrimas brotaram dos meus olhos. Eu não podia acreditar no que estava ouvindo. Não podia acreditar que isso estava vindo da boca de Krista Parrish. — Por que dezoito almas? — eu perguntei. — Por que levar a minha família? — Porque ele sabia que se eu fizesse isso, ele seria capaz de criar outro acordo. Com você. Engoli em seco. Meu couro cabeludo formigava cada vez que as unhas de Nell passavam pelo meu cabelo. — O quê? — eu perguntei. — Que acordo? Krista deu um passo adiante. Seus olhos pareciam mortos quando ela ergueu o queixo e ficou bem em frente ao meu rosto. — Sua alma eterna pelas deles. Meu coração caiu no meu estômago. Nell começou a rir. Senti a respiração dele contra a minha orelha. Seu corpo magro sacudiu com a força, rangendo contra o meu aos trancos e barrancos. Virei a cabeça para olhar para a escuridão sem fim. Minha família estava lá em algum lugar, e eu era a única que poderia salvá-los. Contanto que eu me sacrificasse. Não que fosse mesmo uma escolha. Haveria realmente alguma maneira que de eu escolher a mim em vez deles? Eles nem sequer estariam mortos se não fosse por mim. Se eu não tivesse me afastado de Nell naquele dia na floresta, Darcy e meu pai ainda estariam vivos. Eles ficariam triste sem mim, claro, mas eles estariam vivos e eles seguiriam em frente. Em vez disso, suas vidas tinham acabado e eles tinham ganhado alguns dias no inferno, graças à velha eu. A escolha era clara. Se fosse para eu sofrer para sempre na Terra das Sombras, ou eles, eu me escolho. Eu olhei para os meus pés, uma determinação de aço frio vindo sobre mim. Eu sabia que eles não mereciam estar aqui, mas no final das contas, na verdade, eu merecia? Nell podia ter sido um diabólico portador da morte, mas ele ainda era um ser humano vivo, e eu o tinha matado. Eu tinha feito isso de propósito. Eu tinha feito isso com malícia em meu coração. Eu tinha saboreado o ato. Nesse momento, assassiná-lo parecia uma coisa boa. Parecia certo. Meu pai e Darcy não pertenciam à Terra das Sombras. Mas talvez eu pertencia.
Fechei os olhos e imaginei o meu pai, Darcy e minha mãe. Na minha mente, eu olhei para cada um deles, solidificando suas imagens em minha mente, e disse adeus. — Não, Rory! — ouvi Darcy gritar, embora não soubesse se era real ou minha imaginação, eu não tinha ideia. — Não! Não faça isso! Por favor! Eu bloqueei seus apelos, o que tornou o que eu estava prestes a fazer muito mais fácil. Eu abri minha boca para dizer isso. Para dizer sim, eu estaria disposta a ir para a Terra das Sombras se os inocentes fossem libertados. Eu olhei para Nell. Seu terrível sorriso se alargou, aprofundando as rugas no seu rosto. — Eu... — Rory, não! — a voz de Tristan gritou. — Não faça isso! É uma armadilha!
40 UMA CHANCE Traduzido por Vivian Nantes
T
ristan e Joaquin saíram para fora da névoa. Krista cambaleou ao redor, gritando e bateu em Joaquin. Seus olhos se arregalaram de surpresa, mas ele reagiu rapidamente. Ele a agarrou pelo braço, a prendeu em seu lado, e chutou suas pernas, empurrando-a de cara no chão. — O que diabos está acontecendo? — Joaquin me perguntou. — É ela quem tem enviado as pessoas para a Terra das Sombras — eu disse. — Era Krista o tempo todo. Tristan e Joaquin trocaram um olhar, como se isso não os surpreendesse completamente. — Então Liam estava dizendo a verdade — disse Tristan. Joaquin ajoelhou ao lado de Krista, os lábios a um milímetro de sua orelha. — Se eu fosse você, eu ficaria bem quieta. Então ele se levantou e colocou o pé nas costas dela. — Rory. — Tristan estendeu a mão para mim, mas Nell me puxou de volta, um pouco mais perto do abismo. Olhei para Tristan desesperadamente, desejando que houvesse alguma maneira que ele pudesse me salvar dessa, como ele me salvou de tantos outros momentos terríveis. Mas nem mesmo Tristan poderia resolver isso. — Rory, me escute. Era uma armadilha — ele disse rapidamente. — Bea encontrou Liam. Acontece que ele e Pete se conheciam no outro mundo, e era por isso que eles sempre agiam de modo estranho um com o outro. Liam não nos disse porque ele pensou que sua conexão com Pete poderia nos fazer suspeitar dele, e Pete não queria envolver Liam. Mas na noite passada Krista o soltou, esperando nos distrair com outra caçada. Ele estava com Lalani em seu quarto nas docas, e ele está bem. — Ok. Ok, que bom — eu disse, tentando o máximo que pude agarrarme a algo positivo. Pelo menos Liam estaria bem. Eventualmente. Pelo menos os meus primeiros instintos sobre ele estavam corretos.
— A “confissão” de Pete era uma armadilha — continuou Tristan. — Eles queriam que você estivesse sozinha — ou quase sozinha — quando você ouvisse. Pete disse que Krista ajudou os gêmeos Tse a escapar da prefeita mais cedo e os deixou irritados novamente. A multidão era apenas uma distração para o resto de nós, com isso ela poderia levá-la para a prisão sozinha, então ele poderia deixar escapar para você e fazer você vir até aqui. Nada disso é real. — E a minha família? — eu disse, olhando por cima do meu ombro para o abismo. — Eles são reais. E eu posso salvá-los, Tristan. — Você não sabe disso. — Sua voz era um grasnido agudo, seus olhos estavam avermelhados. — Nós estamos falando sobre o mal puro aqui, Rory. Você realmente acha que pode confiar em algo do que ele diz? Algo do que eles dizem? — ele acrescentou, olhando de Nell para Krista. — Como você sabe que não ficará presa aqui para sempre? A realidade pesada dessa possibilidade se estabeleceu em cima dos meus ombros. — Você está me chamando de mentiroso? — perguntou Steven Nell, apertando a mão sobre mim. Raiva brilhou nos olhos de Tristan, e eu poderia dizer que ele estava se contendo para não atacá-lo, para manter o controle. Ele não olhou para Nell, mas olhou diretamente para mim. — Não faça isso, Rory. Por favor — ele implorou, avançando em direção à mim. — Você não merece passar a eternidade na Terra das Sombras. — Talvez sim. Talvez não — eu disse a ele. — E talvez isso vá funcionar ou talvez não. Mas, Tristan, eu tenho que tentar. Se há uma chance de que eu possa salvar a minha família, eu tenho que tentar. — Eu olhei para Nell, engolindo minha revolta com a visão de seu rosto, tão perto do meu. — Eu gostaria de dizer adeus. Os olhos azuis lacrimejantes de Nell suavizaram quando ele olhou para mim, e de alguma forma, aquela expressão de carinho era mais assustadora do que qualquer outra coisa que ele já tinha feito para mim. Era como se ele estivesse me chamando de “sua” com aquele olhar. — Você tem um minuto — ele disse, me soltando. Eu cambaleei para longe dele e me joguei em Tristan. Ele me segurou tão perto de seu peito que eu não poderia separar seu batimento cardíaco do meu. Eu enterrei meu rosto em sua camiseta molhada, com falta de ar. — Não — ele disse no meu ouvido, seus dentes cerrados. — Você não pode me deixar. Nós vamos ficar juntos para sempre. Por favor, Rory. Não faça isso. Não.
Inclinei a cabeça para cima, e as lágrimas correram livremente pelo meu rosto. — Eu sinto muito, Tristan. Eu sinto muito. Eu te amo. Eu nunca vou deixar de te amar, eu juro. Ele se inclinou e pressionou seus lábios nos meus firmemente, desesperadamente, com saudade, e eu o beijei de volta o mais forte que pude, tentando me estampar em sua memória, como se uma parte de mim realmente pudesse permanecer lá para sempre. — Eu também te amo — ele disse. — Eu sei. De alguma forma, eu o soltei. Eu me virei e olhei para Joaquin. Seu peito arfava, seus olhos cheios de lágrimas não derramadas. Fui até ele, fiquei na ponta dos pés, toquei sua bochecha e a beijei. — Adeus. Ele não disse nada. Ele não precisava. Eu sabia como ele se sentia. Eu sabia o que eu estava fazendo para ambos. Mas eu também sabia que eu estava fazendo a coisa certa. Eu passei por Krista, que estava sorrindo sob a bota de Joaquin, e fiquei na frente de Nell. — Não — Tristan implorou, com lágrimas escorrendo pelo seu rosto. — Não, não, não. Eu levantei meu queixo, não me deixando pensar no que deveria ser. — Sim — eu disse a Steven Nell, para o meu pior pesadelo que se tornou real. — Eu vou com você. — Não! — Tristan gritou. Steven Nell sorriu. Meus ouvidos, minha cabeça, meu coração, meus pulmões encheram com o som de sucção terrível que significava que tinha acabado. Significava que eu estava sendo engolida inteira. Devorada. Eu nunca mais veria a minha família, a minha casa, o meu amor novamente. — Rory, não! Por favor, não! Tristan estendeu a mão para mim, seu braço, mão e dedos se estenderam em desespero puro, e então ele se foi.
41 A ESCOLHA Traduzido por AMR
—R
ory. Rooreee! Hora de acordar, querida. É um novo dia. Eu respirei fundo, tentando continuar a dormir, sabendo que se eu abrisse meus olhos, a voz de minha mãe deixaria de existir, assim como ela tinha deixado de existir. Ela estava chamando meu nome, e eu não queria que isso acabasse. — E eu pensei que tinha o sono pesado — disse Darcy sarcasticamente. — Dê um tempo a ela. — Esse era meu pai falando. — Ela passou por muita coisa. — Vamos, querida. — Minha mãe balançou meu ombro suavemente. — Eu quero olhar em seus olhos. Pisquei meus olhos, acordando. Eu estava sobre um tapete de algodão macio no chão de um grande quarto branco, e eu estava olhando para o rosto de minha mãe. Ela não se parecia em nada com ela no dia em que ela morreu, com aquelas bochechas fundas e olhos esbranquiçados. Ela parecia saudável. Perfeita. Como se ela nunca tivesse tido câncer. — Olhem só. É o meu bebê — disse ela, com a voz forte. Sentei-me e ela me envolveu em um abraço com aroma de lilás. Seu cabelo loiro roçou meu rosto. Eu tinha esquecido seu cabelo, o quão longo e suave era. — Mãe? Onde nós estamos? — Olhei para cima e vi meu pai e Darcy em pé atrás dela, usando as mesmas roupas que usavam na noite em que eles desapareceram. Darcy em uma camiseta azul justa e jeans. Papai em sua camisa pólo e calça cáqui. — Eu estou sonhando, certo? Isso é um sonho. Minha mãe estendeu a mão e colocou meu cabelo atrás das orelhas. — Não é um sonho — disse ela, com um sorriso orgulhoso iluminando seu rosto. — Nós estamos aqui por sua causa. Estamos juntos por sua causa. — Minha?
— Você cometeu um ato puramente altruísta — minha mãe disse, com a mão descansando em cima de mim. Estava tão bronzeada e perfeita, seu anel de casamento brilhando em seu dedo anelar. — Você deu-se de bom grado para a Terra das Sombras para salvar as almas, e por causa disso, você foi enviada para a Luz. Meu coração deu um pulo, e eu olhei para o meu pai. — Esta é a Luz? E quanto aos outros? — Eles estão aqui — disse Darcy com um sorriso. — Aaron está fora de si. Eu ri e lágrimas transbordaram, banhando meu rosto. — E Nadia? Cori? — Elas estão aqui desde que atravessaram — minha mãe me disse. — Elas tiveram a opção de voltar a Juniper Landing, mas preferiram ficar. Um alívio me bateu no peito. — Então eu não tenho que ir para a Terra das Sombras? Eu não tenho que ir com... — Não diga o nome dele — minha mãe disse, tocando as pontas dos dedos em meus lábios. — Você nunca mais precisa dizer o nome dele. Eu desmoronei contra ela e chorei, liberando toneladas de terror, confusão e incerteza que eu tinha reprimido por tanto tempo. Minha mãe me abraçou forte, sua força radiando através de mim. Só estar com ela, poder ser abraçada por ela novamente, era o maior presente que eu já recebi. — Estou tão orgulhosa de você, querida — disse ela em meu cabelo, beijando o topo da minha cabeça. — Tudo o que você passou e tudo que você fez, e você ainda é a minha menina forte. — Você esteve me observando? — perguntei através das minhas lágrimas. — Claro. Você está brincando? Estive observando você desde o momento em que eu morri — disse ela. Ela inclinou a cabeça para trás e segurou meu rosto entre as mãos. — Eu nunca te deixei. Então ela olhou para o meu pai e Darcy. — Eu nunca deixei qualquer um de vocês. — Ela olhou nos meus olhos novamente. — E o que você decidir fazer, eu sempre estarei ao seu lado. Senti uma pontada de um mau pressentimento. — O que eu decidir fazer a seguir? Minha mãe assentiu. Ela se levantou, me puxando pelas mãos para ficar com ela. Nós saímos do tapete de algodão e pisamos no chão branco e quente. Com uma mão ainda segurando a minha, minha mãe levantou a outra e, com a palma para fora, limpou o ar na frente de nós, como se estivesse limpando uma janela. No mesmo instante, uma imagem apareceu.
Nós estávamos olhando para o pé da ponte, para Tristan, que estava de joelhos, e Joaquin, que estava de pé ao lado dele. Tristan estava chorando, seus ombros curvados, as mãos caídas inutilmente sobre os joelhos. — O que aconteceu? — eu perguntei. — Onde está Krista? — O acordo de Krista era que ela retornaria para a Terra. Uma vez que seu ato altruísta salvou aquelas almas inocentes, a Terra das Sombras a atraiu para si, em vez disso — minha mãe explicou, séria. — Tanto quanto Tristan e Joaquin sabem, vocês duas estão na Terra das Sombras, e ninguém foi solto. Minha boca estava seca como areia. — Então eles acham que eu falhei. — Eles acham que vocês foram enganadas — minha mãe corrigiu. Ela respirou fundo e me virei para encará-la. — Agora você precisa decidir se você quer ficar aqui, na Luz, com a gente, ou voltar para Juniper Landing e continuar a sua missão. Meu coração disparou. Olhei para o meu pai e Darcy. — E você? — eu perguntei a minha irmã. — Você teve a chance da mesma escolha? — Sim, mas eu já escolhi — disse ela. — Eu vou ficar aqui. — Oh. — Quando eu pensei sobre isso, percebi que eu não iria ficar com Fisher para sempre, e quando terminássemos, iria ser tanto drama — disse Darcy, revirando os olhos. — Eu meio que me cansei de tudo isso, sabe? — Mas e quanto a ser uma Lifer? E a nossa missão? — eu perguntei. Ela levantou os ombros. — Eu nunca fui tecnicamente uma Lifer. Eu nunca realmente soube o que isso significava. Sinceramente... Eu acho que eu prefiro ficar aqui e só... existir. — Rory, nós queremos que você saiba que o que você decidir, estamos aqui por você e estamos felizes por você — disse meu pai. — Se você quiser voltar, nós vamos entender. E nós estaremos sempre com você. Eu balancei a cabeça, olhando para a minha mãe. A única coisa que eu queria nos últimos quatro anos era vê-la novamente. Ouvir a voz dela. Ter seu abraço e ouvi-la dizer-me que tudo ia ficar bem. E lá estava ela. Bem ali. Eu realmente poderia imaginar deixá-la ir de novo? — Eu quero ficar com você — eu disse claramente. — É a única coisa que eu queria desde o segundo em que você me disse que estava doente. — Eu sei, querida. — Como é aqui? — eu perguntei. — Você está feliz? — Eu estou em paz — disse ela suavemente. — Há uma certeza sobre estar aqui. Saber que nada pode te machucar novamente. Não há nenhuma confusão, nenhum desejo, nenhuma culpa. Você só... existe.
Parecia a perfeição, nunca ter que se preocupar. Nunca sentir dor ou incerteza. Mas havia algo em seu tom de voz. Ela estava tentando me dizer algo. Olhei-a nos olhos e me encolhi em entendimento. — Mas também não há Tristan — eu disse. — Sem confusão, desejo, dor, incerteza, ou culpa significa que não há paixão, também. Não há... amor? — Oh, há amor — disse ela. — É tudo que nos rodeia. Mas não é a mesma coisa. Não é o que você tem com ele. Ela inclinou a cabeça e sorriu. — Vem cá — disse ela, estendendo uma mão. Eu a peguei e ela me puxou para o lado dela, envolvendo um braço em volta de mim e me segurando perto de uma forma que me agradou o suficiente para me fazer rir. — Você o ama, não é? — disse ela. — Com todo o seu coração? — Sim — eu resmunguei. — E a sua missão lá... está cumprida? — ela perguntou. — Isso fez você se sentir bem, útil, realizada? Eu me endireitei, afastando-me dela, e acenei com a cabeça, mas meus dedos ainda ficaram em sua mão, não querendo quebrar o contato por nenhum segundo. — Sim. — Eu esperei tanto por isso quando eu estava viva — disse ela, olhando de mim para Darcy. — Por aquele dia em que vocês meninas viriam até mim dizer que tinham encontrado a pessoa certa. E então, depois de tudo o que aconteceu... — Ela olhou para o lado, então de volta para mim, sorrindo. — O ponto é, eu nunca pensei que eu ia poder fazê-lo, mas aqui estamos nós. — Ela apertou a minha mão, com os olhos brilhando, e eu sabia que ela pensava que eu deveria voltar. Que eu deveria ser feliz. Que eu deveria ter uma vida, mesmo que estranha e não convencional, como mortos-vivos que éramos. — É incrível como o universo funciona, não é? Eu balancei a cabeça, meio soluçando, meio rindo. — Sim. É. — Está tudo bem — minha mãe me disse. Ela me puxou em seu peito e me segurou apertado, com o queixo no meu ombro. — Está tudo bem, bebê. Vá. Fique com ele. Você merece ser feliz. — Mãe — eu exclamei. — Mamãe. Eu gostaria que você pudesse vir comigo. — Eu sei — disse ela. — Eu sei. Mas nós já passamos por isto antes. Nós podemos fazê-lo novamente. — Ela se afastou e tocou meu rosto. — E quem sabe? A eternidade é muito tempo. Podemos talvez encontrar uma maneira de nos encontrarmos no futuro. Nós garotas Miller parecemos ter uma forma de contornar as regras.
Eu bufei e ri, lágrimas e secreção correndo espontaneamente pelo meu rosto, como se eu me importasse. Virei-me e abracei meu pai, me despedindo. Ele ficou forte por uns bons cinco segundos antes de finalmente soltar um gemido alto, e eu quase desmoronei. Então eu me virei para Darcy, e ela agarrou-me com força com seus braços em meus ombros enquanto eu agarrava a sua cintura magra. Ela passou a mão no meu cabelo e beijou minha testa. — Diga a Fisher que eu disse adeus — ela me disse. — E para aquele outro idiota também. Eu sorri. — Vou dizer. Então, finalmente, voltei para a minha mãe para um último abraço reforçado. Ela beijou uma bochecha, depois a outra, e então a minha testa, e colocou as mãos sobre meus ombros. — Nunca se esqueça quem você é — disse ela. — Quem eu sou mesmo? — eu perguntei entre lágrimas. — Você é Rory Miller — disse ela. — Você é forte, inteligente, feroz, desafiadora, compassiva, carinhosa e verdadeira. Você é minha filha, e eu estou olhando por você. Eu sorri do melhor jeito que pude e tentei não gaguejar quando eu disse, — Obrigada, mãe. Por tudo. — De nada, querida. Por um longo momento, ficamos ali, olhando uma para a outra, e mesmo eu sabendo que isso era um adeus, e mesmo que minhas pernas estivessem pesadas com a tristeza, isso era muito diferente do momento que eu disse adeus a ela na Terra. Havia tanta incerteza então, tanto finito, tanto nunca, nunca mais. Agora eu sabia onde ela iria estar, eu sabia que ela estaria segura, e eu sabia que ela estaria me observando. E a realidade disso fez meu coração se sentir leve. Minha mãe balançou a cabeça, em seguida, me virou lentamente. Aos poucos, silenciosamente, um vórtice abriu-se diante de nós, branco e longo e muito menos intimidador que o outro. Minha mãe se inclinou para frente e sussurrou em meu ouvido. — Eu te amo. — Eu também te amo — eu disse. Uma bolsa de veludo apareceu em suas mãos, e ela me entregou. Era pesada, e eu tinha a sensação de que eu sabia o que havia dentro. — Aqui — ela disse. — Você vai precisar disso. — Obrigada, mãe — eu disse levemente. — Você sempre soube me dar os melhores presentes.
Ela deu de ombros e beijou minha testa. — Sua mãe sabe melhor do que ninguém o que você precisa. Eu sorri, me virei e atravessei.
42 EM CASA NOVAMENTE Traduzido por Vivian Nantes
Q
uando voltei para a Juniper Landing, eu estava de pé na ponte, bem atrás de Joaquin, que estava logo atrás de Tristan. Era como se não tivesse passado o tempo entre a imagem que minha mãe havia me mostrado na Luz e este momento. Acima, as nuvens estavam começando a romper e dispersar, dando lugar a pequenos pedaços irregulares de céu azul. — Ei — eu disse. — Quem morreu? Joaquin girou, tão assustado que quase perdeu o equilíbrio. — Rory? Tristan se levantou. Ele se manteve de costas para mim pelo que pareceu uma eternidade, antes de finalmente se virar. Seu rosto parecia abatido, como se ele não tivesse dormido há dias. Havia sombras roxas sob seus olhos e uma lágrima se agarrava na parte inferior do seu queixo. — Cedo demais? — eu perguntei, mordendo meu lábio inferior. — Meu Deus. Em dois passos largos, ele fechou a distância entre nós e me puxou para um beijo profundo e apaixonado, com os braços em torno de mim me prendendo e me dobrando para trás. Enquanto eu o segurava, o saco de veludo pesado que minha mãe havia me dado descansou contra suas costas. Eu senti o sol quente de encontro ao lado do meu rosto e ri mesmo que eu estivesse beijando-o. Finalmente, Tristan se afastou e olhou nos meus olhos com admiração, afastando meu cabelo para trás do meu rosto. — Eu pensei que tinha perdido você — ele disse. — Eu pensei que você tinha ido embora para sempre. — Eu sei — eu disse enquanto as nuvens continuavam a se separar. — Eu também. — Eu olhei para a área deserta em torno da ponte, as dezenas de pegadas de lama salpicando o chão. — Onde estão todos? — Eu os enviei para lidar com a multidão — Tristan me disse, segurando a minha mão. — Esperamos que eles estejam mantendo as coisas sob controle.
— O que diabos aconteceu aqui? — perguntou Joaquim, pairando à minha esquerda. — Darcy e seu pai saíram? — Sim. Eles estão bem. Todo mundo está bem — eu disse a eles. — Eles foram liberados para a Luz. Eu, meu pai, Darcy, Aaron, Jennifer... todos. Acabamos indo para lá. — Eu limpei minha garganta. — Todos, exceto Krista. Houve um pulso rápido de tristeza, de temor. Até hoje, Krista tinha sido um dos nossos, alguém digno de proteger, de amar. Ia demorar um pouco para qualquer um de nós aceitar o que ela tinha tentado fazer. Um estalo quebrou o silêncio. A voz de Bea ecoou através de nossos walkie-talkies. — Tristan? Você está aí? Câmbio. Ele puxou o rádio de seu cinto e apertou o botão para falar. — Estou aqui. Tudo bem? Câmbio. — Não exatamente — respondeu ela. — Conseguimos dominar parte da multidão, mas os gêmeos estão a caminho de vocês com cerca de uma dúzia de outros, e eles não estão felizes. Câmbio. — Maldição — disse Joaquin. — O que vamos fazer? Eu senti o saco de veludo pendurado fortemente do meu pulso. — Nós vamos usar isso. Segurei o saco para cima, e os olhos de Tristan se arregalaram. Joaquin inclinou-se e abriu o nó apertando do topo. Dezenas de moedas de ouro brilhavam à luz do sol. Joaquin pegou o saco e segurou-o com as duas mãos. — Onde você conseguiu isso? — ele perguntou. Eu sorri, os olhos brilhando com lágrimas. — Com a minha mãe. — Você viu a sua mãe? — Tristan estava atordoado. Eu tomei uma respiração profunda. — Sim. Ela me deu uma escolha: Ficar na Luz, ou voltar aqui e ficar com vocês. Ao longe, um motor de caminhão rugiu. Os visitantes estavam chegando. Meu coração bateu com ansiedade, mas eu sabia que ia ficar tudo bem. Eles poderiam estar um pouco confusos, mas nós iríamos acalmá-los, iríamos conduzi-los, e eles iriam para a Luz. Tudo ia ficar bem. Pela primeira vez, eu realmente acreditava nisso. Tristan segurou nossas mãos e beijou as costas dos meus dedos enquanto olhava nos meus olhos. — Você poderia ter ficado com a sua família — ele disse enquanto processava lentamente a gravidade do que eu tinha feito. — Mas você escolheu ficar aqui. — Eu escolhi ficar aqui — eu respondi, — porque você é minha família agora. E é aqui que eu pertenço.
O sol apareceu em seu rosto bonito quando ele sorriu e me puxou para ele, me segurando contra seu peito para que eu pudesse sentir a solidez dele, deleitar-se com a perfeição do momento. Estávamos juntos agora — juntos no nosso mundo, juntos em nossa missão, juntos com nosso amor — e nada ia nos separar de novo. Rory e Tristan. Para sempre. O primeiro carro apareceu sobre o cume, e Joaquin se prontificou ao meu lado, como se preparando para uma luta. Eu estava entre ele e Tristan e arranquei uma moeda da bolsa de veludo com um pequeno sorriso determinado. — Rapazes. — Eu joguei a moeda para o alto e a peguei enquanto as duas portas do carro batiam e os gêmeos marchavam em nossa direção. — Nós temos trabalho a fazer.
FIM!
TRILOGIA SHADOWLANDS Shadowlands Hereafter Endless