Blanc: a cor como elemento narrativo em uma animação

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Blanc A COR COMO ELEMENTO NARRATIVO EM UMA ANIMAÇÃO

LAÍS ANTUNES ZANOCCO Istituto Europeo di Design São Paulo - 2020



Blanc

A COR COMO ELEMENTO NARRATIVO EM UMA ANIMAÇÃO

Trabalho apresentado à banca examinadora do Istituto Europeo di Design São Paulo como requisito para a obtenção do título de bacharel em Design Gráfico e Digital Orientador: Daniel Grizante Coorientador: Rodrigo Villalba

SÃO PAULO 2020


Z33b

Zanocco, Laís Antunes “Blanc: a cor como elemento narrativo em uma animação.” / Laís Antunes Zanocco. – São Paulo, 2020. 136f. il.:color Orientador: Daniel Grizante Coorientador: Rodrigo Vilalba Caniza Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Istituto Europeu di Design, Design Gráfico e Digital – São Paulo, 2020. 1. Cor. 2. Narrativas visuais. 3. Animação. I. Grizante, Daniel. II. Caniza, Rodrigo Vilalba. III. Título. CDD 760


“Arte e ciência se alternam quando o assunto é a cor.” LILIAN RIED MILLER BARROS


AGRADECIMENTOS

Eu não poderia deixar passar a chance de agradecer genuinamente todas as pessoas que de alguma forma influenciaram esse projeto. Ainda mais, em um ano tão peculiar como foi 2020. Acredito que ninguém esperava por um ano tão turbulento, que veio para evidenciar tantos problemas e, ao mesmo tempo, para ensinar e nos relembrar de tantas coisas. A primeira delas, pela qual sou infinitamente grata, é minha condição privilegiada de poder ter acesso à formação oferecida pelo IED e por ter podido continuar com ela, evoluindo e completando essa fase de conclusão, mesmo durante a pandemia. Dentro do IED, ainda, sou e serei para sempre grata pelo carinho e pela dedicação de todos os professores e professoras que de alguma forma influenciaram minha forma-

ção como designer e como pessoa, principalmente eles: Daniel Grizante, Rodrigo Vilalba, Eliane Wiezman, Fábio Silveira, Fábio Ranzani, Índio San, Carla Link, Carol Toledo, Edu Yamamoto. Em especial, Eli, Carol e Carla, obrigada por serem tão inspiradoras para suas alunas como mulheres no design e na educação. E ao Daniel, por ter me dado tamanha força neste e em outros desafios. Levo todos vocês no coração. E por falar em desafios, o maior deles foi conseguir conciliar tudo isso com uma rotina de trabalho no estágio, que também tive o privilégio de poder continuar, mesmo em um ano de tantos cortes por aí. Não posso deixar de agradecer meus gestores que, nesse ano caótico passaram por tudo isso junto comigo, me oferecendo apoio e incentivo em todos os


momentos: o Everton Prudêncio e a Juliana Krauss. Ju é outra inspiração e referência enorme que tive o prazer de conhecer em agosto. E permeando essas duas áreas, agradeço aos meus pais, Selma e Roberto, e à minha irmã, Letícia, por terem me apoiado e ajudado nesse ano que pareceu não ter fim. E não só nesse ano, mas desde sempre. E por último, sou muito feliz por ter tido a oportunidade de compartilhar parte dessa jornada com pessoas que carregarei junto no meu coração, pois também influenciaram, direta ou indiretamente, no resultado final desse trabalho: Giu e Isinha (pelos finais de semana surtados e pelos momentos difíceis); Amanda, Carol, Natália, Luca, Mura, Gian, Biel (pelas chamadas de madrugada); Ma (que topou me ajudar de cabeça nesse desafio,

fazendo a parte de som); Bia Martins (que, mesmo de longe desde antes da pandemia, esteve sempre por perto). No fim, vejo que esse ano foi sobre esse grande clichê: estar perto, mesmo de longe. Mais do que sobre o TCC, foi sobre as relações entre as pessoas em momentos extremos. Todas essas pessoas estiveram, de maneiras diferentes e únicas, bem pertinho de mim. não sei se essas palavras são suficientes para agradecer de verdade, mas espero que sim e espero que dê para sentir o abraço que eu gostaria de dar em cada um nesse momento.

ho’oponopono “Sinto muito, por favor, me perdoe, eu te amo, sou grata.”


RESUMO


Este trabalho aborda um elemento básico de construção do design que é a cor, com a finalidade de questionar seu papel de configuração das formas e entender como ela pode se tornar protagonista em uma narrativa, com recorte no meio da animação. Através de pesquisas utilizando método hipotético-dedutivo, interpretativo e analítico, a pesquisa fundamenta, por meio da fala de especialistas e do confrontamento de ideias para criação de novas conclusões, o desenvolvimento de um projeto de Design Gráfico na área da animação e da construção de narrativas visuais. A partir de definições físicas e teóricas sobre a cor, de estudos sobre sua aplicação na direção de arte e no processo criativo da animação e de entrevistas realizadas com público geral que gosta de animação (com diferentes níveis de conhecimento técnico sobre cor), foram identificadas oportunidades de realização do projeto. O projeto final e a construção da narrativa do curta animado se dão após a percepção, com base nas pesquisas, de que a cor muitas vezes acaba limitada a uma condição da qual ela pode se libertar, tornando-se parte efetiva da narrativa. Com isso, são desenvolvidos uma história, um roteiro de animação inspirado na Jornada do Herói e uma reflexão sobre o papel da cor e sobre as associações da cor branca. Esse projeto busca colocar em pauta essa reflexão sobre o uso da cor em narrativas visuais por meio da animação e promover uma reflexão sobre os significados do branco. Palavras-chave: Cores. Narrativas visuais. Animação. Narrativa. Branco.


ABSTRACT


This work addresses a basic element of construction of design, which is color, with the purpose of questioning its role in configuring shapes and understanding how it can become a protagonist in a visual narrative, narrowed down to animation. Through research using a hypothetical-deductive, interpretive and analytical method, the research underpins, through the speech of specialists and the confrontation of ideas for the creation of new conclusions, the development of a Graphic Design project in the area of animation and the construction of visual narratives. From physical and theoretical definitions of color, studies on its application in art direction and in the creative process of animation and interviews with general audiences who like animation (with different levels of technical knowledge about color), there were identified opportunities to carry out the project. The final design and construction of the animated short narrative takes place after the perception, based on research, that color often ends up limited to a condition from which it can break free, becoming an effective part of the narrative. With this, a story, an animation script inspired by the Hero’s Journey and a reflection on the role of color and on the associations of white color are developed. This project seeks to bring to discussion the use of color in visual narratives through animation and to promote a reflection on the meanings of white. Keywords: Colour. Visual narratives. Animation. Narrative. White.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Diferença entre cor-luz e cor-pigmento de acordo com a origem da luz que chega aos nossos olhos. (Fonte: Elaborada pela autora).

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Figura 2: sobreposição das cores primárias em CMYK, à esquerda, em síntese que resulta em cor aproximada ao preto. À direita, sobreposição das cores primárias em RGB, resultando no branco. (Fonte: Elaborada pela autora.) 26 Figura 3: Comparação visual dos conceitos de tom, valor e saturação. (Fonte: Elaborada pela autora.)

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Figura 4: Pintura rupestre na Indonésia. (Fonte: AUBERT; LEBE; OKTAVIANA, et al., op. cit. Disponível em: <https://doi.org/10.1038/s41586-019-1806-y>. Acesso em 08 de maio de 2020.)

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Figura 5: Fotografia de experimento da luz com prisma triangular que mostra o fenômeno físico da refração. (Fonte: BARROS, 2011, p. 288.)

30

Figura 6: Círculo cromático de Goethe. (Fonte: Domínio público, WikiCommons, 1809)

33

Figura 7: Círculo cromático elaborado por Paul Klee e simulação do movimento infinito abordado por ele. (Fonte: BARROS, 2011, p. 124)

36

Figura 8: Simulação do movimento pendular no círculo cromático de Paul Klee, unindo cores complementares. (Fonte: BARROS, 2011, p. 126.)

36

Figura 9: Fotografia ampliada colorida com retículas. (Fonte: Clube do Design)

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Figura 10: Harmonias cromáticas sobrepostas ao círculo cromático. (Fonte: Elaborada pela autora.)

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Figura 11: A Jornada do Herói de Campbell, adaptada por Vogler em doze fases. (Fonte: VOGLER, 2015, p. 47.)

53

Figura 12: Cena retirada do filme “Matrix”, em que Morpheus apresenta uma escolha a Neo. (Fonte: Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ax2bQOZy6Sc>. Acesso em 09 de maio de 2020.)

58

Figura 13: Cena do curta “Memo”. (Fonte: Reprodução/Gobelins École de L’Image)

61

Figura 14 (esq.): Capa do livro “Flicts”, de Ziraldo. (Fonte: Acervo pessoal.)

63

Figura 15 (dir): Uma página dupla do livro “Flicts”, de Ziraldo. (Fonte: Acervo pessoal.)

63


Figura 16 (esq.): Capa do livro “A Rainha das Cores”, de Jutta Bauer. (Fonte: reprodução/Amazon).

65

Figura 17 (dir.): Capa do livro “O monstro das cores”, de Anna Llenas. (Fonte: Reprodução/Amazon).

65

Figura 18: Pôster de divulgação do filme Divertida Mente, nos Estados Unidos, em 2015. (Fonte: Divulgação/Instagram).

66

Figura 19: Capas dos livros da trilogia “As Cores do Terror”. (Fonte: Divulgação/Editora Draco)

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Figura 20: Cenas do começo (esq.) e do meio (dir.) do filme “O Mágico de Oz” (1939), para comparação entre os tratamentos visuais distintos entre elas. (Fonte: Reprodução)

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Figura 21 (esq.): Pintura rupestre de um javali encontrada na Espanha. (Fonte: BARBOSA JÚNIOR, op.cit, p. 29)

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Figura 22 (meio): Pintura “Carga dos lanceiros”, de Umberto Boccioni (1914-1915). (Fonte: Santhatela)

77

Figura 23 (dir.): Pintura “Nu descendo uma escada”, de Marcel Duchamp (1912-1916). (Fonte: WikiArt)

77

Figura 24 (esq.): Frame de “Um Poema Óptico”, de Oskar Fischinger (1938). (Fonte: Reprodução)

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Figura 25 (dir.): Frame de “As Aventuras do Príncipe Achmed”, de Lotte Reiniger (1926). (Fonte: Reprodução)

80

Figura 26: Cenas do filme “Branca de neve e os sete anões”, de Walt Disney Studios (1937). (Fonte: Reprodução)

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Figura 27: Trecho de colorscript do longa-metragem “Procurando Nemo” (Andrew Stanton, 2003). (Fonte: AMIDI, Amid. The Art of Pixar São Francisco, Califórnia: Chronicle Books, 2011.)

86

Figura 28: Trecho do colorscript do curta de animação 3D “Lifted” (Gary Rydstrom, 2007). (Fonte: AMIDI, Amid. The Art of Pixar São Francisco, Califórnia: Chronicle Books, 2011.)

88

Figura 29: Cenas do início (esq.) e do final (dir.) filme “Klaus” (Sergio Pablos, 2019). (Fonte: Reprodução Netflix)

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Figura 30: Cenas do curta “On Departure” (Eoin Duffy, 2013). (Fonte: Reprodução/Vimeo).

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LISTA DE FIGURAS

Figura 31: Cenas do curta “Avoidance” (Erica Rotberg, 2014). (Fonte: Reprodução/Vimeo).

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Figura 32: Cenas do jogo “Gris” (Nomada Studio, 2018.) (Fonte: Divulgação/Steam).

98

Figura 33: Cenas do clipe musical “Pra vida inteira” (Alive Produções de Filmes, 2020). (Fonte: Reprodução/Vevo).

100

Figura 34 (à esq. acima): Caminho visual 1 - Painel de referências visuais para estudo. (Fonte: Elaborado pela autora.)

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Figura 35 ( à esq. abaixo): Caminho visual 2 - Painel de referências visuais para estudo. (Fonte: Elaborado pela autora.)

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Figura 36 (abaixo): Rascunhos de desenho de personagem. (Fonte: Acervo pessoal)

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Figura 37: Rascunhos de desenho de personagem e de composições. (Fonte: Acervo pessoal)

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Figura 38: Rascunhos de desenho de cenários e outros objetos. (Fonte: Acervo pessoal)

106

Figura 39: Rascunhos de desenho de composições e cenários. (Fonte: Acervo pessoal)

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Figura 40: Storyboard do curta “Blanc” em versão digital. (Fonte: Elaborado pela autora.)

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Figura 41: Rascunho de Blanc em posições diferentes de um giro (turnaround). (Fonte: Acervo pessoal.)

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Figura 42: Turnaround de Blanc já no meio digital, com e sem o acessório mochila. (Fonte: Elaborado pela autora.)

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Figura 43 (esq.): Evolução do desenho do Mundo Nuvens. (Fonte: Elaborado pela autora.)

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Figura 44 (acima): Vista interna da casa de Blanc. (Fonte: Elaborado pela autora.)

117

Figura 45 (acima): Mundo Floresta. (Fonte: Elaborado pela autora.)

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Figura 46 (abaixo): Mundo Praia. (Fonte: Elaborado pela autora.)

118

Figura 47 (acima): Evolução do desenho do Mundo Jardim. (Fonte: Elaborado pela autora.)

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Figura 48 (acima, à esq.): Mundo Montanha Gelada. (Fonte: Elaborado pela autora.)

121

Figura 49 (acima, à dir.): Mundo Vulcão. (Fonte: Elaborado pela autora.)

121

Figura 50 (acima): Desenhos da luneta e borboleta. (Fonte: Elaborado pela autora.)

121

Figura 51: Evolução do desenho do Balão. (Fonte: Elaborado pela autora.)

122

Figura 52: Acima, teste de aplicação do azul em todo o cenário da Praia e, abaixo, do azul somente no mar em contraste com os cinzas. (Fonte: Elaborado pela autora.)

123

Figura 53 (acima): Versões do Mundo Jardim (acima) e Vulcão (abaixo) coloridos. (Fonte: Elaborado pela autora.)

124

Figura 54 (dir.): Teste de versões coloridas do Mundo Nuvens. (Fonte: Elaborado pela autora.)

124

Figura 55: Ilustração de referência que mostra a evolução das fases de uma expressão facial de personagem. (Fonte: WILLIAMS, op.cit., p. 320).

126

Figura 56: Frames do curta dos momentos chave em que Blanc vai trocando de expressão ao avistar algo no horizonte. (Fonte: Elaborado pela autora.)

127

Figura 57: Comparação entre Blanc sem diferenciação com o fundo (esq.), Blanc com uma leve sombra aplicada (meio) e Blanc com contorno aplicado (dir.). (Fonte: Elaborado pela autora.)

128


SUMÁRIO

CAPÍTULO 1

18

Introdução CAPÍTULO 2

22 24 32 40

Cor 2.1

A cor através da história

2.2

Teoria(s) das cores

2.3

Significados e associações da cor

CAPÍTULO 3

46 48 51 55 62 62 65

Narrativas, narrativas visuais e a cor 3.1

O ato de contar histórias

3.2

O poder das narrativas e a Jornada do Herói

3.3

Narrativas visuais e a cor

3.4

Estudos de caso 3.4.1 “Flicts”, livro ilustrado de Ziraldo (1969) 3.4.2 “Divertidamente”, longa de animação da Pixar (2015)

67

3.4.3 “Trilogia em quadrinhos “As cores do terror”, da Editora Draco (2016-2017)

69

3.4.4 “O Mágico de Oz”, filme da MGM (1939)

72

3.5 Reflexões


CAPÍTULO 4

74 76 83

A cor na animação 4.1

O movimento e a dimensão do tempo

4.2

A cor na animação

CAPÍTULO 5

92

Projeto

94 95 96 99 99

5.1

101 103 108 112 113 129

5.2

Roteiro e desenvolvimento da história

5.3

Direção de arte e moodboards

5.4

Storyboard e Animatic

5.5

Design de som

5.6

Arte e processo de animação

Casos análogos 5.1.1

“On Departure” (2013), de Eoin Duffy

5.1.2

“Avoidance” (2014) de Erica Rotberg

5.1.3 “Gris” (2018), por Nomada Studio 5.1.4 “OUTROEU - Pra vida inteira” (2020), de Alive Produção de Filmes

5.7 Viabilização

CAPÍTULO 6

130

Conclusão

134

Referências



1 CAPÍTULO 1

Introdução


capítulo 1 ▪ introdução

INTRODUÇÃO

sa, alinhada com os objetivos em relação a reação que querem provocar no público: o espectador, no caso da animação. Essas escolhas passam a não ser mais tão arbitrárias em relação a aplicação das cores, uma vez que alguns padrões identificados por esses estudos resultam em composições cuja interpretação já é mais “aceita” pelo espectador. Mas saber o quanto dessa curadoria visual e técnica, por parte dos criadores, reflete na interpretação do espectador leigo no quesito cores é um desafio. Além disso, no papel de criadores, é nossa função explorar um recurso com tamanha importância como a cor e entender que seu potencial pode não se limitar a ser, só e justamente, um recurso visual. Como a cor pode se transformar de característica da forma para se tornar, ela mesma, a própria forma, o próprio ator, em uma narrativa? Ela pode passar pelo processo de personificação, por exemplo, mas há inúmeras possibilidades de isso acontecer, e esse pode ainda não ser o único caminho para que a cor assuma o protagonismo num arco narrativo. Faz parte do papel de cria-

A cor é um recurso muito importante na comunicação visual, especialmente na animação, e pode ser usada de inúmeras maneiras com potencial infinito, mas muitas vezes acaba limitada ao papel de configuração da forma. Como artistas, designers e profissionais, podemos reconhecer momentos em que um recurso com tamanho potencial pode ser transformado e colocado em novas posições de destaque. Esse trabalho de pesquisa vai abordar questões que envolvem a cor, um recurso fundamental do design e da comunicação visual, e explorar como ela pode ganhar protagonismo numa narrativa visual no meio da animação, possibilitando o desenho de novas possibilidades para si mesma. Quando falamos da cor no meio da criação de narrativas visuais, é inerente pensarmos nela como ferramenta de composição e configuração da forma. Pesquisas e estudos como a Teoria das Cores e os princípios da Gestalt ajudam profissionais e estudantes da área criativa a tomar decisões de aplicação dessa ferramenta de forma mais fundamentada e coe-

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assim como exercitarei conhecimentos adquiridos ao longo do curso de design gráfico e digital, tanto em se tratando de linguagem visual, como de animação e motion design. Temas esses com que sempre tive afinidade e interesse pessoal, em certo nível, e profissional, por acreditar que a cor permeia, senão guia, todas as nossas experiências visuais. A coleta de dados e informações se dará a partir dos métodos hipotético-dedutivo, interpretativo e analítico, em que analisarei material e conteúdo produzido por especialistas e confrontarei com as minhas hipóteses e ideias. Além disso, também usarei o método indutivo para entrar em contato direto com profissionais da área de criação e animação, para entender os pontos de contato desses profissionais com a cor; e com espectadores, e entender como se dá sua percepção acerca das cores em animações, para, assim, desenhar uma solução para um desafio que vai além de nós, profissionais, e dialoga com interpretações diversas acerca da cor e de seu papel na comunicação visual e no ato de contar histórias.

dores e criativos propor essas novas possibilidades para que também os espectadores possam refletir sobre o status quase imediato ao qual limitam a cor: o de ferramenta. Mesmo assim, ainda é preciso entender minimamente fatores culturais que influenciam na interpretação por parte dos espectadores sobre uma cor em determinado contexto, um processo subjetivo e individual. Por isso, podemos dizer ainda que, apesar de tantos estudos e pesquisas feitas por especialistas acerca da cor, ela é um conceito impreciso, por ser vista de maneira diferente por pessoas diferentes, causando reações diferentes e não necessariamente previsíveis. O desenvolvimento dessa pesquisa e a busca por resoluções para os conflitos propostos vão embasar e fundamentar um projeto de design para conclusão do curso de bacharelado na área. Ainda, irei me aprofundar em temas como: a cor no processo criativo de animações e roteiros, a cor como elemento narrativo, o desenvolvimento de roteiros e planejamentos para a produção de um projeto de animação e design,

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2 CAPÍTULO 2

Cor


capítulo 2 ▪ cor

2.1 A COR ATRAVÉS DA HISTÓRIA Dentre os primeiros estímulos que recebemos ao nascer, está a luz. Em diversos sentidos, a palavra “nascer” está relacionada à luz: a expressão “dar à luz” referindo-se ao nascimento de um bebê; o evento “Big Bang”, referindo-se à origem científica do universo (uma grande explosão de matéria e luz) e até a frase “faça-se a luz”, pronunciada por Deus ao criar o mundo, de acordo com a Bíblia. É graças à luz que é refletida pelas coisas que existem ao nosso redor, que chega aos nossos olhos e que é processada pelo nosso cérebro que podemos enxergar e distinguir formas e volumes. Pela Física, a cor é considerada luz.1 Se tudo o que vemos é a luz que chega aos nossos olhos e a luz é cor, logo, tudo o que vemos é cor. É por esse fato que estudar e definir a cor se torna um trabalho com tantas variáveis e tantas abordagens diferentes. Na introdução de seu livro,2 a arquiteta e pesquisadora brasileira Lilian Barros afirma:

Encontra-se uma certa dificuldade em se estudar a cor. Se, por um lado, é fácil nos interessarmos por esse assunto, por outro, aprofundar os conhecimentos sobre o fenômeno das cores acaba por se tornar um trabalho muito abrangente, que envolve desde a composição química dos pigmentos, os estudos da física da luz e da fisiologia do nosso aparelho visual até as questões psicológicas da sua interpretação e assimilação. Isso sem mencionar outras formas de aproximação relativas a questões estéticas e associações simbólicas. (BARROS, 2011, p. 16)

Por isso, o objetivo deste capítulo é contextualizar brevemente diferentes pontos de vista sobre as características da cor e traçar um breve panorama sobre seus usos na história da arte, do design e da comunicação visual. Para começar, é preciso falar da natureza da cor: cor-luz ou cor-pigmento. Apesar de termos visto que toda cor é luz, para essa classificação, assumimos 1 PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. 10ª ed. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009. 2 BARROS, Lilian Ried Miller. A cor no processo criativo: um estudo sobre a Bauhaus e a teoria de Goethe. 4ª ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011.

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que cores-luz são aquelas que enxergamos projetadas diretamente a partir de uma fonte luminosa (como a luz do sol, telas de aparelhos eletrônicos, lâmpadas e holofotes); enquanto isso, cores-pigmento seriam todas aquelas que enxergamos após a luz, originária de uma fonte luminosa, refletir em uma superfície e chegar aos nossos olhos (como a cor de tintas, roupas e alimentos, mas não limitando-se a isso). É importante diferenciar as cores de acordo com sua natureza por conta do fato de as cores primárias de um tipo serem diferentes do outro. As cores primárias são cores que não podem ser formadas a partir da mistura de outras cores. Por exemplo, nas cores-pigmento, o amarelo é uma cor primária; ao ser misturado com o azul, dá origem ao verde, ou ao laranja, quando misturado com o vermelho; neste caso, verde e laranja são cores secundárias, pois podem ser formadas a partir da mistura de outras, podendo ser decompostas. Já no espectro das

Figura 1: Diferença entre cor-luz e cor-pigmento de acordo com a origem da luz que chega aos nossos olhos. (Fonte: Elaborada pela autora).

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capítulo 2 ▪ cor

Figura 2: sobreposição das cores primárias em CMYK, à esquerda, em síntese que resulta em cor aproximada ao preto. À direita, sobreposição das cores primárias em RGB, resultando no branco. (Fonte: Elaborada pela autora.)

cores-luz, o amarelo é cor secundária, pois é formado a partir da soma dos feixes vermelho e verde, que, nesse caso, são duas cores primárias. As cores primárias de natureza cor-pigmento são o azul, o vermelho e o amarelo. São os pigmentos de tintas que dão origem às outras cores a partir de sua mistura, como o laranja, o roxo e o verde.3 No meio da impressão gráfica, as primárias compõem a sigla CMYK, em que C corresponde a ciano , M ao magenta, Y a yellow - do inglês “amarelo” - e K, que se refere a black - do inglês “preto”. Sua mistura em pares forma as cores secundárias índigo, vermelho e verde. A mistura das 3 cores-pigmento primárias acaba produzindo um tom escuro, próximo do preto. Já as cores primárias de natureza cor-luz são o vermelho, o verde e o azul, que formam a sigla RGB no meio digital, em que as letras correspondem às iniciais de seus nomes em inglês: red (vermelho), green (verde), blue (azul). As cores secundárias que o trio produz são o amarelo, ciano e magenta. Em especial, quando somadas as três cores-luzes primárias, forma-se o branco. Por se tratar de um aspecto físico da luz, a “cor” branca é um feixe composto por todos os outros, 3 ARAÚJO, Andréa. Cores primárias. Educa Mais Brasil, 2019. Disponível em: <https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/artes/cores-primarias>. Acesso em 20 de novembro de 2020.

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então, não é considerada um tom propriamente. É simplesmente luz, enquanto preto, a ausência dela. Uma cor ainda tem características relativas à sua aparência visual. São elas o tom, a luminosidade (ou valor) e a saturação. O tom é aquilo que define o nome que damos a uma cor, por exemplo: “azul”, “amarelo” e “rosa” são três tons diferentes. Como é dito por Michel Pastoureau, citado no livro de Farina (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2011, p. 71), “O nome da cor é também a cor”. Nesse sentido, outros artistas, como Paul Klee, também já chegaram a abordar “a limitação da nossa linguagem para a discriminação das cores” (BARROS, 2011, p. 122). Já a luminosidade se refere à presença de branco ou preto na composição daquela cor, é o que nos faz diferenciar um verde-claro de um verde-escuro, na linguagem coloquial. Pode-se dizer que o verde-escuro possui maior presença do preto em sua composição. Por último, a saturação é o que se refere à cor em sua maior intensidade pura, sem presença de branco nem de preto. Na prática, uma cor mais saturada parece ser mais vibrante ao olhar, enquanto uma cor menos saturada parece ser acinzentada.4 É a mistura e variação de todas essas características que compõem o espectro de luz visível (toda a luz que podemos enxergar através dos nossos olhos) e é a partir de experimentos com esse espectro que cientistas, pesquisadoFigura 3: Comparação visual dos conceitos de tom, valor e saturação. (Fonte: Elaborada pela autora.)

4 FARINA, Modesto; PEREZ, Clotilde; BASTOS, Dorinho. Psicodinâmica das cores em comunicação. 6ª ed. São Paulo: Blucher, 2011. p. 71

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capítulo 2 ▪ cor

res e artistas tentam entender a cor. Questionamentos sobre o comportamento da cor, sobre sua utilização, sobre seus efeitos na nossa psique e suas influências culturais evoluíram ao longo da história, da arte e da ciência. Esse tema é abordado mais especificamente nos próximos subitens, especialmente no subitem 2.3. As cores-pigmento, por muito tempo, influenciaram diretamente as manifestações culturais e artísticas do ser humano. Ao longo da história, as tentativas humanas de representação imagética da realidade se transformaram completamente, conforme mudava seu papel na nossa vida e cresciam nossas habilidades e conhecimentos técnicos, especialmente sobre a pintura e sobre a fotografia (e suas finalidades), oscilando junto a diferentes momentos históricos. Pinturas rupestres na Indonésia, que datam de quase 44 mil anos atrás, segundo o artigo “Earliest hunting scene in prehistoric art”5, publicado pela revista Nature em 2019, podem ser ditas como os registros mais antigos encontrados até hoje de nossos antepassados buscando representar a natureza (Figura 4). Em tempos mais primitivos, as cores vermelha e preta, comumente vistas nessas pinturas, eram pigmentos obtidos a partir de minerais dos mais abundantes na Terra, como o ferro.6 Pode ser esse um dos fatores que caracteriza a arte rupestre quase como iconográfica: uso restrito de cor, formas “simplificadas”, uso de ícones para representar o real. Além disso, até onde a arqueologia deduz, as pinturas nas cavernas não tinham como objetivo a representação exata da realidade, mas poderiam estar mais ligadas a crenças espirituais de que atraíam sucesso nas caças e em outros desafios enfrentados na época.7

5 AUBERT, M.; LEBE, R.; OKTAVIANA, A.A. et al. Earliest hunting scene in prehistoric art. Nature 576, 442–445 (2019). Disponível em: <https://doi.org/10.1038/s41586-019-1806-y>. Acesso em 08 de maio de 2020. 6 GOMES, Hugo; ROSINA, Pierluigi; OOSTERBEEK, Luiz. Natureza e processamento de pigmentos de pinturas rupestres. Vila Real, Portugal, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/2xQUgDK>. Acesso em 23 de abr. de 2020 7 MEGGS, Philip B. História do Design Gráfico. 1ª ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2009.

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Figura 4: Pintura rupestre na Indonésia. (Fonte: AUBERT; LEBE; OKTAVIANA, et al., op. cit. Disponível em: <https://doi.org/10.1038/ s41586-019-1806-y>. Acesso em 08 de maio de 2020.)


Os primeiros traçados humanos encontrados na África têm mais de 200 mil anos de idade. (...) Um tom negro era feito com carvão, e uma série de tons quentes, de amarelos-claros a marrons rubros, era produzida a partir de óxidos de ferro vermelhos e amarelos. (...) Imagens de animais eram desenhadas e pintadas nas paredes de antigos canais de água subterrânea ocupados como refúgio por homens e mulheres pré-históricos. (...) Foi (...) a alvorada das comunicações visuais, porque essas primeiras figuras foram feitas para sobrevivência e com fins utilitários e ritualísticos. A presença do que parecem ser marcas de lanças nos flancos de alguns desses animais indica que eram usadas em ritos mágicos destinados a obter poder sobre animais e sucesso na caçada. Sinais geométricos abstratos, como pontos, quadrados e outras configurações, se entremesclam com os animais em muitas pinturas de cavernas. (MEGGS, 2009, p. 19)

Em se tratando da ciência, dentre os nomes mais importantes a estudar a cor estão o artista, projetista e cientista italiano Leonardo da Vinci (1452-1519), o também cientista e físico inglês Isaac Newton (1643-1727) e o escritor e pesquisador alemão Johann Goethe (17491832). Todos fizeram experimentos com a luz para entender seu comportamento. Da Vinci definiu quatro cores primárias em sua teoria, que seriam as mais próximas das que usamos hoje (o amarelo, vermelho, verde e azul). Ele também já falava da teoria de que o branco seria a soma de todas as cores.8 Porém, Newton foi o primeiro a provar, por meio da física, que a luz branca era composta por feixes de outras cores, através de seu experimento com um prisma. Ele foi capaz de mostrar uma propriedade da luz de ter seus feixes “desviados” ao passar por materiais diferentes (nesse caso, do ar, para o vidro do prisma), a chamada “refração”9 (Figura 5). Ele as identificou como: “vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul, índigo e violeta”10, as sete 8 PEDROSA, op. cit., p. 50. 9 SANTOS, Marco Aurélio da Silva. Newton e as cores. Mundo Educação, c2020. Disponível em: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/fisica/newton-as-cores. htm>. Acesso em 01 de maio 2020. 10 FEITOSA-SANTANA, C. et al. Espaço de cores. São Paulo: Psicol. USP vol.17 no.4, 2006. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642006000400003>. Acesso em: 01 de maio de 2020.

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capítulo 2 ▪ cor Figura 5: Fotografia de experimento da luz com prisma triangular que mostra o fenômeno físico da refração. (Fonte: BARROS, 2011, p. 288.)

cores principais do espectro de luz visível, denominação dada às frequências de onda de luz que nossos olhos são capazes de enxergar. Ao colocar as sete cores distribuídas em “fatias” de um círculo que girasse em relação a seu centro, seríamos capazes de enxergá-lo branco quando atingisse determinada velocidade. Até os séculos XVIII e XIX, quando a pintura era primordialmente responsável pela função que antecedeu a da fotografia (retratar o mais fielmente possível a realidade), era essencial o uso de pigmentos e de sua manipulação com precisão realista. Com a popularização dos registros fotográficos, a pintura passou por um processo de ressignificação, se libertando de amarras que prendiam os artistas à obrigatoriedade de representar a realidade formal.11 Com esse amplo e plural movimento artístico, que ficou marcado pelo nome de “Vanguardas” e incluía tendências como o Expressionismo, o Cubismo e o Futurismo, também a cor passou a ser trabalhada com um novo olhar, com mais liberdade formal, por diversos artistas, como Paul Klee e Wassily Kandinsky.

11 MEGGS, op. cit..

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Já na fotografia, os primeiros equipamentos que eram capazes de “capturar a realidade” apenas o faziam em escalas de cinza, ou seja, luminosidades. Um avanço notável de materiais e de tecnologia se deu com a mecanização desse processo e com o lançamento das câmeras Kodak, em 1888.12 Outro grande avanço marcante foi quando os filmes fotográficos (responsáveis por gravar a imagem capturada) puderam deixar de ser coloridos artificialmente, para poder capturar, além da luminosidade, os tons da própria realidade. Não tardou para que a tecnologia recém-descoberta provocasse tamanho interesse das mídias, ao ponto que sua evolução aconteceu rapidamente: as câmeras fotográficas conseguiam capturar, também, movimento. A câmera, então, se aproximava cada vez mais dos nossos instrumentos biológicos, os olhos.

[A visão] É talvez o sentido que mais faz vibrar o ser humano e o faz gozar e desfrutar as coisas do mundo que o rodeia sem deixar de pensar nelas. Os olhos (...) constituem, portanto, os órgãos privilegiados de ligação entre o mundo interior do homem e o mundo exterior que o rodeia. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2011, p. 27)

O movimento era capturado, na verdade, através de diversas fotografias sequenciais em um filme analógico. Para que conseguíssemos visualizar o movimento capturado, o filme passava por um projetor, instrumento que usava a luz para exibir as imagens em uma superfície, que serviria de anteparo (uma parede branca, por exemplo); mas o principal é que, por meio de uma manivela, o projetor conseguia passar as imagens a uma velocidade em que nossos olhos não percebem a mudança de uma pra outra, mas sim o movimento contínuo. E com o surgimento das televisões, passamos a pensar não somente em cores-pigmento, mas também em cores-luz. Em semelhança os primeiros filmes fotográficos, os primeiros televisores só emitem luz

12 MEGGS, op. cit., p. 189.

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capítulo 2 ▪ cor

em escala de cinzas (luminosidades). A popularização da TV em cores somente se deu a partir da década de 1950 nos Estados Unidos e Europa e a partir dos anos 1970, aqui no Brasil. Outro marco importante, foi o lançamento do primeiro computador pessoal, o Macintosh, com uma interface gráfica e preço mais acessível, em 1984. Apesar da interface “rudimentar” se comparada com as atuais, as possibilidades abertas pela computação e pela programação permitiram uma vasta gama de experimentações gráficas e visuais com cores e formas. Conforme a tecnologia das telas e dos projetores avançava, entrou em destaque na cena um elemento básico da comunicação visual que não era percebido com tamanha presença anteriormente na área: a cor. Isso abriu um leque de novas possibilidades para a comunicação audiovisual e gráfica, especialmente para os criadores de conteúdo visual do meio digital (artistas, designers, fotógrafos, diretores, animadores e tantos outros profissionais), que agora dispunham de mais uma ferramenta para manipular em favor de encantar visualmente os espectadores.

2.2 TEORIA(S) DAS CORES Se em meados do século XVII Isaac Newton estudava a cor a partir da perspectiva da física óptica, considerada a única verdadeira por muitos anos, os estudos de Goethe para a Doutrina das Cores trouxeram um novo ponto de vista na passagem do século XVIII para o século XIX. Apesar disso, a teoria das cores de Goethe só seria mais aceita anos mais tarde:

A sua [da teoria das cores de Goethe] influência é mais evidente a partir da metade do século XIX, quando a cor começa a adquirir autonomia na pintura, desvinculando-se progressivamente do seu compromisso com o objeto. (BARROS, 2011, p. 20)

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Figura 6: Círculo cromático de Goethe. (Fonte: Domínio público, WikiCommons, 1809)

Nascido em 1749, Johann Wolfgang von Goethe foi um importante escritor alemão e pesquisador de diversas áreas do conhecimento, como a dramaturgia, a literatura e, não menos importante, as cores. Em oposição à abordagem extremamente mecânica da física newtoniana, Goethe foi um dos primeiros a estender as cores sob um olhar mais multidisciplinar e humano, a partir da filosofia, da psicologia e da fisiologia, além da já aceita física. O pesquisador olhou para as cores como um fenômeno que permeia a relação do ser humano com a natureza e pensou, além disso, como ele seria interpretado pelas pessoas. Como explicado no documentário “Light, Darkness and Colour” (BOËTIUS; LAURIDSEN; LEFÈVRE, 1998), “Newton concentrou-se em uma definição teórica para as cores. Goethe as explorou como processos dinâmicos.” A primeira versão de Goethe do que conhecemos hoje genericamente como “círculo cromático” foi elaborada em meados de 1793. Após anos de pesquisas, organizou esquematicamente as cores primárias num triângulo que formaria o círculo, a partir de suas misturas. Cada vértice do triângulo representaria uma cor primária, enquanto cada aresta do triângulo receberia a cor secundária resultante da mistura das duas cores primárias correspondentes. Por considerar (equivocadamente) que o azul e o amarelo eram as duas únicas cores primárias, ele as coloca na base do triângulo. No topo, coloca o magenta (que ele chama de vermelho), a “cor mais completa”13, segundo ele. Apesar de algumas conclusões provadas incorretas pela Física hoje, o trabalho de Goethe contribuiu para essa ruptura de pensamento que associava as cores somente à própria Física e propôs esse novo olhar, indispensável para sucessores de suas pesquisas e para

13 BARROS, op. cit., p. 294.

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capítulo 2 ▪ cor

o desenvolvimento de novas análises no futuro. Além disso, o trabalho de Goethe teve contribuição imensurável para a compreensão da cor “como um fenômeno fisiológico e psíquico (...), fenômeno esse percebido e sentido pelo homem.”14 Ou seja, para a compreensão de que a percepção da cor é um fenômeno que é influenciado diretamente pela relação do ser humano com o ambiente em que se encontra, tornando esse processo mais “impreciso”, pois variava com a relação desses aspectos fisiológicos e psíquicos do ser, mencionados anteriormente. O psicólogo alemão Wilhelm Wundt (1832-1920), por exemplo, foi um dos primeiros15 a usar a nomenclatura “cores quentes” e “cores frias” para se referir ao que Goethe chamou de “lado ativo” e “lado passivo”, sobre as cores em que predominam a presença de amarelo e azul, respectivamente. Suas maiores contribuições serviram, especialmente, para a área da publicidade. É em outro momento da história que a teoria das cores de Goethe se torna um grande legado: com a fundação da escola alemã que marcaria o ensino da arquitetura, do design e da arte, a Bauhaus, em 1914. A escola, fundada por um grupo de artistas e designers que estavam insatisfeitos com o modo como essas áreas do conhecimento eram ensinados, tinha como princípios e ideais promover uma prática profissional que unisse as características humanizadas e a qualidade de materiais da produção artesanal e artística a moldes que servissem para a indústria e para a produção em massa.

A Werkbund [grupo alemão com maior interesse na fundação da escola] procurava unir artistas e artesãos com a indústria para elevar as qualidades funcionais e estéticas da produção em massa, particularmente nos produtos de consumo de baixo custo. (MEGGS, 2009, p. 403).

14 BARROS, op. cit., p. 271. 15 CORES QUENTES. Educa Mais Brasil, c2020.Disponível em: <https://www.educamaisbrasil.com. br/enem/artes/cores-quentes>. Acesso em: 01 de maio de 2020.

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As influências da escola no design são inúmeras e muitas evoluíram até os dias atuais, principalmente no ensino da fundamentação da comunicação visual por meio do estudo dos elementos essenciais da construção de imagens: pontos, linhas, polígonos (planos) e cores, por exemplo.

Com o desenvolvimento de verdadeiras teorias da criação, [na Bauhaus] surge uma espécie de gramática das formas e das cores, associando a esses elementos básicos da composição símbolos universais de comunicação das imagens (BARROS, 2011, p. 35).

A Bauhaus recebeu diversos mestres em seu corpo docente, assim como deu asas a outros em seu corpo discente. Dentre esses nomes, estão Paul Klee e Wassily Kandinsky (citados anteriormente), e também Johannes Itten e Josef Albers, por exemplo, cada qual tendo contribuído à sua maneira para o estudo da cor e suas particularidades.16 Para Paul Klee (1879-1940), músico, artista plástico e professor da Bauhaus, o círculo cromático surge a partir de uma análise do arco-íris, estabelecendo relações fundamentais entre as cores com movimentos. O círculo, para ele, representa o movimento infinito. A corrida por sua circunferência estabelece as relações de cores análogas (que têm tons “próximos” uns dos outros, visual e literalmente), enquanto um movimento pendular que passa pelo centro do círculo tem, em seus extremos, os pares de cores opostas (com maior relação de contraste visual).17 Já uma característica que marcaria o trabalho de Kandinsky (18661944), também professor da Bauhaus e importante artista vanguardista, é a busca pela compreensão da “existência do conteúdo semântico das formas, revelando que tanto as formas quanto as cores possuem ‘conteúdo intrínseco próprio, [...] uma capacidade de agir como estí16 BARROS, OP. CIT., P. 38. 17 Ibid., p. 124-125.

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Figura 7: Círculo cromático elaborado por Paul Klee e simulação do movimento infinito abordado por ele. (Fonte: BARROS, 2011, p. 124)

Figura 8: Simulação do movimento pendular no círculo cromático de Paul Klee, unindo cores complementares. (Fonte: BARROS, 2011, p. 126.)

mulo psicológico’.” (BARROS, 2011, p. 159). Esse pensamento fazia muita relação com o contexto dos estudos da psicologia da Gestalt, uma corrente de pesquisa que analisava a relação das formas com a percepção visual do ser humano e seus padrões. Com isso, Kandinsky também tentou buscar associação padrão entre cores, movimentos, temperaturas e som, tornando-se grande nome na área da pintura abstrata ao explorar esses padrões em sua arte. A associação específica entre cores e sons é chamada de sinestesia e é objeto de estudo da psicologia e de diversos filósofos, artistas e cientistas que, desde a antiguidade, já se aproximavam do assunto18:

Ao longo dos séculos, muitos foram os que tentaram provar a relação entre as cores e os sons e que argumentavam existir características bastante comuns entre ambos, seja de uma maneira científica, sensível ou através da sinestesia real, dentre eles estão músicos, compositores, matemáticos, teólogos, pesquisadores, cientistas, artistas plásticos, poetas e sinestetas, como: Pitágoras (571 a.C. ou 570 a.C - 497 a.C. ou 496 a.C.), Leonardo da Vinci (14521519), Arcimboldo (1527 - 1593), Mersenne (1588 - 1648), Athanasius Kircher (1601-1680), Isaac Newton (1642 - 1727), Louis Bertrand Castel (1688 - 1757),

18 OROZCO, T. A Melodia das cores: o sensível, o audível e o visível. 2015. 86 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Artes Visuais) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.

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RimskyKarsakov (1844-1908), Alexander Rimington (1854 - 1918), Kandinsky (1866 - 1944), Scriabin (1871 - 1915), Shoenberg (ou Shönberg - 1874 - 1959) Messiaen (1908 - 1992), e muitos outros. (OROZCO, 2015, p. 46)

Albers (1888-1976), aluno e, posteriormente, professor da Bauhaus, teve contribuições importantes para a análise da influência que cores exercem umas sobre as outras ao serem colocadas próximas em diferentes contextos (como em diferentes fundos ou em diferentes proporções). Esses conceitos, também estudados por Leonardo da Vinci, por exemplo, navegavam entre o estudo do “contraste simultâneo” e da “mistura óptica” das cores. São fenômenos que acontecem durante nossa observação e percepção das cores: como uma cor pode parecer mais vibrante quando colocada sobre fundo acinzentado e como nossos olhos podem “enxergar” cores que não “existem”, por exemplo.19 Uma situação em que o segundo caso acontece é na impressão com retículas (Figura 9): basicamente, ao se colocar vários pequenos pontos de cores próximos, temos a impressão de que eles se somam e formam uma nova cor, como no pontilhismo. Como mencionado no começo do capítulo, as cores-pigmento são aquelas que estão em tintas (mas não somente) e são referenciadas

19 FEITOSA-SANTANA, op. cit.. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642006000400003>. Acesso em: 01 de maio de 2020.

Figura 9: Fotografia ampliada colorida com retículas. (Fonte: Clube do Design)

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como CMYK. Na impressão de um material em que se quer ter a cor verde, o uso de retículas no sistema CMYK permite a justaposição ou sobreposição de vários pontinhos amarelos com vários pontinhos azuis, que são percebidos pelos nossos olhos como uma única mancha verde. A variação entre um verde mais azulado ou um verde-limão ocorre com a variação correspondente na presença de mais pontinhos azuis ou mais pontinhos amarelos. O brasileiro Pedrosa, além de abordar as associações entre as cores e sons, também fala com maior profundidade sobre esses fenômenos no livro “Da cor à cor inexistente”, publicado pela primeira vez em 1977. Não somente as harmonias entre cores e sons, como das cores entre si no círculo cromático, também geram inúmeros estudos. As “harmonias cromáticas” são diversas e podem ser estabelecidas a partir da sobreposição de elementos geométricos no círculo, como a linha (cores complementares), o triângulo (tríade cromática), o retângulo (tetraédrica) e outras inúmeras. O estudo dessas combinações tenta, muitas vezes, identificar relações que provoquem determinadas reações ou sensações nas pessoas (como nas áreas da psicologia, da publicidade, do cinema ou do design de interiores, por exemplo). Cores análogas: uma combinação de cerca de três cores adjacentes (“seguidas”) no círculo cromático, como amarelo, laranja e vermelho. • Cores complementares (ou opostas): um par de cores diametralmente opostas no círculo. Ao se sobrepor uma linha que passa pelo centro do círculo, temos o par complementar, como azul e laranja, ou verde e magenta. É uma combinação importante por envolver sempre as duas cores que estabelecem maior relação de contraste visual entre si. • Cores complementares divididas: partindo do par de cores opostas, tendo um dos extremos “divididos” em dois e abrangendo as duas cores adjacentes à oposta original, sendo uma combinação de três cores. • Tríade: combinação de três cores que se localizam nos vértices de um triângulo de lados iguais imaginário, quando colocado sobre o círculo, como acontece com as primárias amarelo,

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Figura 10: Harmonias cromáticas sobrepostas ao círculo cromático. (Fonte: Elaborada pela autora.)

magenta e azul ou com as secundárias laranja, roxo e verde. • Tetraédricas (ou dupla complementar): combinação de quatro cores formada a partir da sobreposição de um retângulo ao círculo. Em essência, são dois pares de cores opostas.

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Na realidade, apesar de existirem essas combinações “padrão”, há liberdade total na escolha e construção delas. Ao somarem-se as variáveis de saturação e de luminosidade às variações tonais, as possibilidades se tornam senão infinitas. Cada meio da comunicação visual se utiliza dessas variações de combinações com os mais diferentes fins. Mas os resultados identificados na psicologia não dependem somente de qual combinação de cores um artista ou publicitário escolhe para sua peça, mas essencialmente de quais tons fazem parte daquela combinação. É nesse momento que entramos na próxima parte do capítulo, em que falarei de algumas das associações e significados mais comuns às sete cores principais, originadas do experimento de Newton e presentes no arco-íris. A nomenclatura que adoto a partir daqui é: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, índigo e violeta. Também falarei do branco e do preto, que, apesar de não serem considerados cor-luz, carregam cada qual significados muitos fortes em diferentes culturas.

2.3 SIGNIFICADOS E ASSOCIAÇÕES DA COR Se nos perguntarem: “Que significam as palavras vermelho, azul, preto, branco?”, podemos, bem mostrar imediatamente coisas que têm essas cores. Mas a nossa capacidade de explicar o significado dessas palavras não vai além disso.” - Ludwig Wittgenstein (Bemerkungen über die Farben, citado por FARINA; PEREZ; BASTOS, 2011, p. 1)

É importante tomarmos consciência da limitação da nossa linguagem verbal para tentar explicar o significado de uma cor. Ao buscar significados para cada cor especificamente, muitos pesquisadores e artistas somente o conseguiam fazer ao associá-las com outros estímulos que provocam sensações parecidas, como o som e a temperatura, percebidos por meio da audição e do tato. Se formos reparar, toda

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essa busca está sempre relacionada aos sentidos e ao modo como percebemos esses estímulos enquanto seres humanos.

A atitude de um indivíduo frente à cor se modifica por influência do meio em que vive, sua educação, seu temperamento, sua idade, etc.(...) Há sempre algo de relativo na preferência desta ou daquela cor. (...) Cada pessoa capta os detalhes do mundo exterior conforme a estrutura de seus sentidos, que, apesar de serem os mesmos em todos os seres humanos, possuem sempre um diferenciação biológica entre todos, além da cultural, que leva a certos graus de sensibilidade bastante desiguais e, consequentemente, a efeitos de sentido distintos. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2011, p. 25)

Por ser um conceito que depende da nossa interpretação sensorial (da nossa visão), cada indivíduo pode ter uma percepção diferente da de outro indivíduo, por conta de inúmeras variáveis biológicas e fisiológicas. Além disso, outros fatores que contribuem para diferentes associações são também a própria linguagem, a memória e a cultura do meio em que cada indivíduo está inserido, por exemplo. Para falar um pouco dos significados, usos e associações mais comuns das cores, vou usar a seguinte nomenclatura: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, índigo, violeta, preto e branco. Isso porque alguns autores ou pesquisadores chamam vermelho de magenta (ou vice-versa) e há alguma deliberação sobre as cores violeta, roxo e púrpura, por exemplo. Mas muito pode variar, principalmente com o idioma. Em línguas diferentes, não necessariamente há palavras correspondentes para a mesma coisa. “[Vermelho] É a cor que mais se destaca visualmente e a mais rapidamente distinguida pelos olhos.” (PEDROSA, 2009, p. 119). Isso se dá por conta do fato de ser a cor mais “baixa” no espectro de luz visível, ou seja, é a maior onda de luz que podemos enxergar. A palavra “infravermelho” se refere às ondas de luz abaixo de vermelho (infra, do latim infra, “inferior a” ou “abaixo de”). É associada ao fogo, ao sangue, à raiva, à violência, à guerra, à força, ao mesmo tempo que também está

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associada ao amor, à sensualidade, ao calor e à paixão. Na sinalização de trânsito, por exemplo, é usada para sinais de perigo e para parar o veículo. Em premiações e ambientes sofisticados, num tom mais escuro, é associada ao luxo, ao sucesso do “tapete vermelho”. Na área da publicidade, está comumente associada ao universo da alimentação, por ser uma cor estimulante. O laranja, formado a partir do vermelho com o amarelo, herda as características de ambas as cores: o movimento chamativo do vermelho com a vibração do amarelo. É associada ao calor e ao fogo, à transformação do nascer e do pôr do sol, do outono, da fênix, à intermediação. É uma cor de destaque na natureza em flores, frutos e até mesmo alguns animais, como a borboleta e a raposa, coincidentemente também associadas à transformação e ao fogo, respectivamente. Enquanto isso, amarelo é a que define uma cor como “quente” ao estar presente em sua composição. Segundo Kandinsky20, é uma cor que se movimenta em direção ao espectador, se expande. Está associada à terra, ao ouro e ao dinheiro, ao sol, ao calor, à energia e à própria luz. Na nossa cultura, também está associada linguisticamente à covardia, quando transformado em verbo “amarelar” (querendo dizer, “não ter coragem”). É uma das cores mais vibrantes aos olhos e, por isso é usada em sinais de atenção, que também chamam pelos nossos olhos. Já a cor verde, em oposição à vibração do amarelo, é uma das cores mais equilibradas. Goethe não estava errado em colocá-lo na base do triângulo, como equilíbrio entre o amarelo e o azul. Por esse motivo, também é ambígua: pode ser tanto quente como fria, conforme sua composição. É uma das ondas de luz menos cansativas aos olhos, talvez até seja por isso que é tão abundante na natureza. “Verde vem do latim viridis. Simboliza a faixa harmoniosa que se interpõe entre o céu e o Sol.” (FARINA; PEREZ, BASTOS, 2001, p. 102). Não coincidentemente, está associada à natureza, à vegetação, à sustentabilidade, à

20 BARROS, op. cit., p. 185-186.

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medicina e à esperança. Pode estar associada ao sentimento de inveja e ao mal em alguns contextos. Enquanto isso, foi Da Vinci o primeiro a atribuir azul como a cor do 21 ar , afirmação correta segundo a ciência, que comprova que a composição do ar da atmosfera terrestre é o que produz a cor azul ao ser iluminada. É a cor que caracteriza outra como “fria” conforme presença em sua composição. Por esse motivo está associada ao frio, ao inverno, ao gelo, mas também à calmaria, à tranquilidade e à distância e é muito associada com o elemento água, com o mar e o céu. A cor índigo deriva do azul e compartilha muitos de seus significados simbólicos, ainda associada ao elemento água e ao frio. Somadas às características herdadas do preto, por ser mais escuro, traz sensações de profundidade, de eterno, é associada à fantasia, à magia. Na expressão “sangue azul”, também dá um sentido de nobreza e associa-se à realeza. Resultado da mistura do azul com o vermelho, o violeta também é chamado de roxo. Também compartilha características de suas duas cores geratrizes e associações com a paixão, o espírito, à magia, ao mistério, à calma. Na linguagem, temos a expressão “roxo de frio”, que também a associa com a baixa temperatura. Pode estar associada ao pôr do sol e tem muitas associações históricas com a religião cristã. É a cor mais “alta” que podemos enxergar do espectro de luz visível. Daí vem a nomenclatura “ultravioleta” na saúde, ao se referir às frequências de ondas de luz “acima” do violeta (ultra, do latim ultra, “além de”), que não podemos enxergar. Associada à pureza, à luz, à vida e à morte, a cor branca provoca muita discussão sobre se é, de fato, cor, por ser própria definição de luz na dicotomia luz e sombra. “A palavra branco vem do germânico blank (brilhante).”22 Na religião católica, o vestido branco do matrimônio representa a castidade, virgindade e retoma a pureza. Está associado também à limpeza, ao vazio, à ausência, à paz. No oriente, representa 21 PEDROSA, op. cit., p. 49. 22 FARINA; PEREZ; BASTOS, op. cit., p. 97.

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o luto. A expressão idiomática “deu branco” reforça esse conceito de ausência da memória, da informação, da sujeira, da poluição, do ruído. Ao mesmo tempo, também abre caminho para interpretações que o associam com a criação e com a liberdade. Se adicionada, por exemplo, ao vermelho e ao violeta produz tons de rosa e de lilás, como cor-pigmento, somando uma característica mais delicada e suave a eles. Preto, por definição, a “ausência da luz”23, está convenientemente associado à escuridão, ao perigo, ao desconhecido, ao mistério, mas também ao luxo, à sofisticação e ao luto. Enquanto cor-pigmento, se adicionado a outras cores, produz sombras coloridas, marrons (com laranja, vermelho e amarelo) e cinzas neutros (com o branco). Nas artes, por ser a cor de maior contraste com o branco, tem um papel de definição essencial. Além de todas essas associações na busca por um significado para cada cor, ainda há infinitas outras que não chegam ao conhecimento de cada indivíduo por conta de limitações diversas referentes ao contexto de cada um. Não só as informações e códigos visuais que recebemos na nossa cultura desde o nascer contribuem para essa experiência de associações individuais, mas também a memória afetiva. É possível afirmar que o preto está associado à escuridão e ao perigo, mas também é possível que isso mude na experiência de um indivíduo que associe o preto com as roupas que sua mãe costuma usar, por exemplo. Se sua mãe lhe representa conforto e proteção, é possível que essa associação em sua mente seja muito mais forte do que a primeira. A manipulação subversiva das cores na produção de imagens, de peças publicitárias, na decoração de ambientes, na escolha de roupas ou mesmo na produção de cenas de filmes é uma tática que pode ajudar a provocar reações específicas e similares num público diverso. Também pode servir para gerar identificação ou até criar pontes com a memória das pessoas. Lembrando que essas associações estão longe de serem regras, são apenas observações que podem ou não ser con-

23 PEDROSA, op. cit., p. 132.

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sideradas para o trabalho de um comunicador visual. É por tudo isso e mais que, para áreas da comunicação visual (e audiovisual também) se torna útil, senão essencial, identificar os padrões despertados pelos mesmos estímulos em diferentes pessoas. São elas o design, a arquitetura, a moda, a publicidade, o cinema, a animação, a ilustração, a pintura, o branding, a direção de arte e tantas outras. Explicarei um pouco mais detalhadamente sobre isso no próximo capítulo. A cor é uma ferramenta básica da comunicação visual, cujo uso se afasta o máximo possível da palavra “básico” ao se entender, ou pelo menos ao se ter um panorama, da influência que as cores exercem no indivíduo. Com isso, quando a cor deixou de ser considerada apenas uma característica física da luz e a ser analisada como estímulo psicodinâmico foi um marco imensurável para os profissionais da comunicação visual. A exploração dos usos desse recurso se torna então parte da nossa profissão como comunicadores.

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3 CAPÍTULO 3

Narrativas, narrativas visuais e a cor


capítulo 3 ▪ narrativas, narrativas visuais e a cor

3.1 O ATO DE CONTAR HISTÓRIAS Seja para relatar acontecimentos reais, ensinar conhecimentos ou entreter através da ficção, o ato de contar histórias está presente na humanidade desde os modos mais primitivos de comunicação, no período pré-histórico. As próprias pinturas rupestres já eram um jeito de comunicar os desafios enfrentados pelos seres humanos daquela época, como vimos no capítulo anterior, por meio dos desenhos. Como pensado por Will Eisner em seu livro sobre narrativas gráficas24, “Os primeiros contadores de histórias, provavelmente, usaram imagens grosseiras apoiadas por gestos e sons vocais que, mais tarde, evoluíram até se transformar em linguagem”. Ou seja, também podemos relacionar a evolução do modo como contamos histórias à evolução das linguagens, da tecnologia e das técnicas de representação visual. O próprio termo “pré-histórico” é definido em relação à história documentada por meio da primeira forma de linguagem escrita: tudo que aconteceu anteriormente ao surgimento da escrita faz parte do período pré-histórico.25 Porém, escrever é somente uma das formas de se contar uma história. Para o ser humano da pré-história, talvez fosse importante narrar os acontecimentos por meio da pintura, por conta de suas limitações linguísticas. Com o desenvolvimento de idiomas (mesmo que primitivos), tornou-se importante passar o conhecimento adiante para novas gerações por meio da comunicação oral, preservando aprendizados através do tempo e assim contribuindo para a cultura de um povo a que diziam respeito. A prática da “manipulação” dos fatos a fim de provocar determinadas sensações em uma audiência, de transportá-la desse mundo para outros, guia a arte da narrativa. Com a evolução da tecnologia, não só através da fala, dos gestos 24 EISNER, Will. Narrativas Gráficas de Will Eisner. São Paulo: Devir, 2005, p. 12. 25 SILVA, Daniel Neves. Pré-História: características, períodos e curiosidades. História do Mundo, c2020. Disponível em: <https://www.historiadomundo.com.br/pre-historia>. Acesso em 30 de maio de 2020.

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e de imagens “grosseiras” se contava uma história, mas também por meio da palavra, escrita na argila, na pedra, em papiros, em papel e futuramente organizadas em textos e livros; por meio das imagens em gravuras, pinturas, fotografias; por meio da junção de diversas linguagens no teatro, no cinema, nas histórias em quadrinhos e inúmeras outras maneiras. De certa forma, a arte da narrativa se conecta com todas outras “formas” de arte, somando a elas suas particularidades tão poderosas. Algumas dessas narrativas perduram ao longo do tempo e marcam nossa história enquanto humanidade e nossa existência até hoje, como as mitologias grega e romana, por exemplo. Nomes como Hércules, Ulisses, Aquiles e Atlas soam familiar para muitas pessoas, já que são personagens de histórias grandiosas da literatura greco-romana e foram incorporados a diversas expressões idiomáticas que refletem aspectos de suas trajetórias na mitologia. Por exemplo, quando usamos o adjetivo “hercúleo” fazemos referência à força, valentia e astúcia de Hércules ao completar doze trabalhos que lhe foram dados como penitência.26 Ulisses (ou Odisseu) é protagonista das grandes obras de Homero, “Ilíada” e “Odisseia”, que contam as jornadas de Ulisses durante a Guerra de Tróia e, depois, de sua volta para casa.27 Aquiles também foi grande protagonista da Guerra de Tróia em “Ilíada” e ainda dá nome a um de nossos tendões na parte de trás das pernas, próximo aos pés, por conta de ser conhecido como o único ponto vulnerável em seu corpo após se banhar no rio Estige, ato que protegeria todo o restante de seu corpo, com exceção de um ponto fraco.28 Assim como Aquiles, Atlas também é homenageado uma parte de nosso corpo: a primeira vértebra de nossa coluna, fazendo referência à sua história na mitologia, em que segurava o peso do mundo em suas costas. Além disso,

26 GALAHAD, L. C. Os 12 trabalhos de Hércules. Mitologia Grega, 2017. Disponível em: <https://mitologiagrega.net.br/os-12-trabalhos-de-hercules/>. Acesso em 30 de maio de 2020. 27 CABRAL, João Francisco Pereira. Odisseia de Homero. Brasil Escola, c2020. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/odisseia-homero.htm>. Acesso em 30 de maio de 2020. 28 FRAZÃO, Dilva. Biografia de Aquiles. e-Biografia, 2020. Disponível em: <https://www.ebiografia. com/aqules/>. Acesso em 30 de maio de 2020.

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é ele que dá origem ao nome “atlas” para se referir ao mapa múndi.29 Esses são apenas alguns exemplos de histórias que moldam nossa cultura enquanto humanidade. Na literatura, essas histórias são classificadas como épicas (ou epopeias), poemas narrativos longos. “Ilíada” e “Odisseia” são consideradas “as obras épicas mais importantes para a literatura ocidental, (...) que surgiram (...) por volta do século VII a.C.” (ABAURRE, 2005, p. 34). Serviram de base e inspiração para outros poemas épicos como, como “Os Lusíadas”, de Luís de Camões.30 Cada país e região ainda é enriquecido de suas próprias narrativas regionais, como é o caso com as antigas manifestações populares brasileiras. Mitos e lendas como a do menino travesso Saci-Pererê, do defensor das florestas Curupira e da sereia Iara, deram origem a contos, músicas e até celebrações que contribuem para toda a formação da identidade cultural do nosso povo. Como na formação histórica do Brasil, essas manifestações também carregam influências indígenas, africanas e europeias em suas ricas características.31 É justamente por lidar com identidade (humana e cultural) que narrativas são tão poderosas e tão presentes na vida humana. Por meio das narrativas, é possível gerar identificação por parte dos ouvintes (ou leitores, ou espectadores, ou sejam quem forem), seja pela semelhança com a realidade, seja pela projeção de uma que não existe. Ao contar uma história, um narrador conquista sua audiência e a convence de que aquelas palavras são reais, fazendo com que o público possa se conectar momentaneamente com os personagens, com suas ações, com seus obstáculos e desafios. Toda narrativa se espelha no mundo real, na natureza, nos animais e no ser humano, pois é das nossas experiências de vida ao longo do tempo que surgem histórias.

29 GALAHAD, L. C. Atlas, o titã que sustenta o mundo nos ombros. Mitologia Grega, 2016. Disponível em: <https://mitologiagrega.net.br/os-12-trabalhos-de-hercules/>. Acesso em 30 de maio de 2020. 30 ABAURRE, MARIA LUIZA M. LITERATURA BRASILEIRA: TEMPOS, LEITORES E LEITURAS, VOLUME ÚNICO. SÃO PAULO: MODERNA, 2005. 31 NEVES, DANIEL. FOLCLORE BRASILEIRO. BRASIL ESCOLA, C2020. DISPONÍVEL EM: <HTTPS://BRASILESCOLA.UOL.COM.BR/HISTORIAB/FOLCLORE-BRASILEIRO.HTM>. ACESSO EM 01 DE JUNHO DE 2020.

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No momento da criação, (...) o artista também preserva valores e costumes da época em que vive para as gerações futuras, expressando algo de natureza coletiva, social. Ele estabelece por meio de suas obras um diálogo com os seus contemporâneos e lhes propõe uma reflexão sobre o contexto em que estão inseridos. (ABAURRE, 2005, p. 7)

Uma característica comum a incontáveis dessas narrativas, é o fato de tratarem da trajetória de heróis, figuras centrais que enfrentavam diversos desafios, eram ajudados por seres divinos ou mais experientes e lutavam pela sua recompensa ao fim da jornada. Principalmente por meio desse tipo de personagem, as narrativas antigas permitiam que todo um povo se identificasse com essas trajetórias e contribuíam para a criação de identidades culturais e pátrias. E o fato de serem antigas não exclui de forma alguma a influência que elas têm até hoje para a humanidade.32 A dimensão do tempo é refletida nas narrativas, mas também é transponível para quaisquer situações que estabeleçam com elas alguma relação de identificação e conexão com o público que a “consome”.

3.2 O PODER DAS NARRATIVAS E A JORNADA DO HERÓI Para compreender melhor seu poder de conexão com o ser humano, a narrativa foi objeto de estudo de várias pessoas ao longo dos séculos. Na Grécia Antiga, o filósofo Aristóteles estudou e analisou diversas produções do teatro e da literatura grega.33 Em sua obra “Poética”, identificou semelhanças estruturais clássicas das narrativas que se identificam e são usadas até hoje, como a divisão em três atos: Pró-

32 ABAURRE, op. cit. 33 PORFÍRIO, Francisco. Aristóteles. Brasil Escola, c2020. Disponível em: <https://brasilescola. uol.com.br/filosofia/aristoteles.htm>. Acesso em 31 de maio de 2020.

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logo, Episódio e Êxodo34. Essa base define genericamente inúmeras histórias contadas pelo mundo ao longo do tempo, em que uma situação inicial é apresentada e seguida de um problema que a diz respeito, para ser encerrada ao tê-lo resolvido. Em profundidade, o escritor e professor Joseph Campbell (1904 1987) estudou ainda mais a estrutura na obra “O Herói de Mil Faces”. Campbell estudou e analisou inúmeras histórias de mitos de diferentes épocas e culturas, concluindo que a maioria elas, na verdade, tinham uma mesma estrutura básica que era percorrida por diferentes personagens do mundo. Ele chamou essa estrutura de Jornada do Herói, identificando dezessete fases comuns pelas quais os heróis passam em sua trajetória.35 A palavra “herói” não se refere ao gênero masculino especificamente, mas sim ao arquétipo do Herói. Nesse sentido, a Jornada do Herói também traz diversas contribuições da psicologia de Carl G. Jung (1875 - 1961), importante psicólogo suíço que estudou a mente humana e o inconsciente coletivo em paralelo com os arquétipos da personalidade dos mitos e do comportamento humano. Como explica Christopher Vogler ao falar dos estudos de Jung, os arquétipos são “personagens ou energias que se repetem constantemente e surgem nos sonhos de todas as pessoas e em mitos de todas as culturas”.36 Com isso, identifica-se uma explicação psicológica para o poder de influência das narrativas na psique humana.

Os personagens repetidos do mito mundial, como o jovem herói, o velho sábio ou a velha sábia, o camaleão e o antagonista sombrio, são as mesmas figuras que aparecem repetidamente em nossos sonhos e fantasias. Por isso os mitos e a maioria das histórias

34 Os 3 ATOS e o plot twist! | HISTÓRIA DO CINEMA #5. Carol Moreira. Roteiro: Micheli Nunes. São Paulo: Carol Moreira, 2017. 1 vídeo (12 min.). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Vs_lURikubk>. Acesso em 02 de junho de 2020. 35 VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estrutura mítica para escritores. 3ª ed. São Paulo: Aleph, 2015. 36 Ibid., p. 42.

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construídas segundo o modelo mítico são psicologicamente verossímeis. Essas histórias(...) são modelos precisos das engrenagens da mente humana, psicologicamente válidos e emocionalmente realistas, mesmo quando retratam eventos fantásticos, impossíveis ou irreais. Por essa razão, essas histórias têm força universal. Narrativas construídas segundo o modelo da Jornada do Herói contam com um apelo que pode ser sentido por todos, pois jorram de uma fonte universal do inconsciente compartilhado e refletem as preocupações universais. (VOGLER, 2015, p. 42-43)

Figura 11: A Jornada do Herói de Campbell, adaptada por Vogler em doze fases. (Fonte: VOGLER, 2015, p. 47.)

É por isso que nos identificamos com as dores e as alegrias de personagens fictícios: porque nas grandes jornadas dos nossos heróis e personagens favoritos, encontramos semelhanças com as nossas próprias dores e alegrias individuais. Na Jornada do Herói, os arquétipos funcionam como máscaras vestidas ocasionalmente pelos personagens para cumprir funções que ajudam uma narrativa a avançar e manter-se interessante para o entretenimento. Christopher Vogler, roteirista e consultor de histórias ainda escreve em seu livro (“A jornada do escritor”, 2015) sobre como a Jornada do Herói de Campbell o ajudou (e ajuda) em seu trabalho para estúdios de Hollywood, conhecidos por sua produção cinematográfica surpreendente. Ele sintetiza em doze as fases da Jornada, a partir das dezessete originais, como mostra a Figura 11. De forma mais condensada, a Jornada identifica uma fase inicial em que o Herói é apresentado em seu “mundo comum” e recebe um “chamado” (que pode ser desde um acidente a conhecer uma pessoa nova) para sua aventura ou viagem ou desafio a ser cumprido.

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Uma característica arquetípica é o momento em que ele “recusa o chamado”, por não acreditar que realmente merece ou que deve seguir sua aventura. Então, outra figura arquetípica entra em cena na história, o Mentor, algo ou alguém que normalmente o incentiva e o faz aceitar de vez o chamado, cruzando o “primeiro limiar” e entrando na nova fase, que é a do “mundo especial”. No desenvolvimento da Jornada, faz amizades, descobre inimigos e é testado enquanto herói, até o momento da “aproximação” do conflito principal, onde passa por uma última “provação” de seus atos. Na fase final, o Herói consegue a “recompensa” e percorre o “caminho de volta” ao seu mundo, passando por uma situação de quase morte (ou desafio similar) até que finalmente “retorna” e pode fazer uso de seus aprendizados ou recompensas.37 Coincidentemente, ou não, é também possível associar as três fases da Jornada do Herói de Campbell à estrutura clássica de três atos identificada por Aristóteles na Antiguidade. O Prólogo é a apresentação do Mundo Comum, o Episódio é a soma desde o Chamado até a Aproximação do conflito principal, enquanto a fase final do Retorno seguro após a situação de perigo corresponderia ao Êxodo. Nessa estrutura ainda entra uma importante definição que é a do “clímax”, o momento de maior tensão e comoção do público durante a narrativa. Pode-se dizer que o clímax acontece logo antes da resolução (ou desfecho). Cada história em específico recheia as lacunas da Jornada do Herói com suas próprias particularidades, personagens, contextos e relações intrincadas. Revisitar a Jornada a partir da história de diversos mitos é uma atividade muito interessante, e me fez olhar para diversas histórias de maneira diferente de como sempre olhei, como a própria trajetória clássica de Ulisses ou mesmo trajetórias mais contemporâneas como a de Harry Potter ou Frodo. A Jornada do Herói, porém, não é a única maneira de se contar uma história. Outros pesquisadores também chegaram em suas próprias pesquisas e conclusões, como o russo Vladimir Propp, ao analisar con-

37 VOGLER, op. cit.

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tos de fada de seu país. Mas, acima de tudo, essas estruturas são apenas uma base. A exploração e a subversão dessa estrutura podem gerar também outras diversas narrativas. O principal aprendizado que tiro do estudo de narrativas não é só sobre as estruturas clássicas, mas como as narrativas permeiam o mundo e têm um imenso poder na mente humana. Não só no entretenimento audiovisual, como no design, na publicidade, na educação, no empreendedorismo, saber contar uma história cativante pode ser o limite entre uma bilheteria de sucesso e uma fracasso de vendas; entre fechar um contrato com um investidor para viabilizar uma ideia ou mantê-la no papel; saber contar uma boa história é conseguir fazer com que as pessoas que entrarem em contato com ela saiam diferentes de como estavam antes da experiência. Seja para entreter, comover, ensinar, convencer, enganar ou outro objetivo, as narrativas são uma arte de incrível poder. A seguinte frase, apesar de se referir aos textos literários e ao entretenimento, sintetiza bem esse poder:

Os textos têm o poder de transportar o leitor, provocar alegria ou tristeza, divertir ou emocionar. Em outras palavras, a literatura nos permite “viver” outras vidas, sentir outras emoções e sensações. Nesse sentido, a literatura nos oferece um descanso dos problemas cotidianos, quando nos descortina o espaço do sonho e da fantasia. (ABAURRE, 2005, p. 9)

3.3 NARRATIVAS VISUAIS E A COR Como abordado no começo no capítulo, há diversas formas de se apresentar uma história: textos, livros, poemas, fotografias, desenhos, filmes, histórias em quadrinhos, animações, músicas, jornais, pinturas e tantas outras. É possível dividi-las majoritariamente em dois tipos, de acordo com o principal recurso usado para contar a história: palavras

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ou imagens.38 Podemos chamar aqui de narrativas verbais e de narrativas visuais. As narrativas “verbais” seriam todas aquelas que se apoiam no uso da palavra como principal meio de comunicação, seja ela falada ou escrita. Como é o caso dos contos, poemas, romances, notícias impressas, apresentadas nos jornais e livros, ou contadas “boca a boca” através das gerações e do espaço-tempo. Enquanto isso, as narrativas visuais se apoiam em recursos visuais, na imagem. É o caso da fotografia, da pintura, do cinema, da animação e da ilustração, por exemplo. Pensando nessa divisão, porém, encontrei casos que eu não soube bem como classificar. Percebi, na verdade, que essa divisão binária é muito limitada, pois os conceitos se misturam e se unem na arte da narrativa o tempo todo, como no teatro (uma arte que mistura a escrita de roteiros, a atuação e representação e o som). Não seria a própria leitura uma atividade extremamente visual? Escrever não é, senão outra coisa, o ato de desenhar com palavras na mente do leitor? A própria hierarquia gráfica dos elementos de um livro ou similares, estudada pela área do design editorial, pode influenciar no modo como a história é lida ou comunicada. E quando contamos uma história, o uso de gestos e encenações não são recursos também visuais? O mesmo pode ainda acontecer ao contrário, por exemplo, nas histórias em quadrinhos, que podem fazer uso do texto nos quadros, mas se apoiam principalmente no desenho. E toda essa divisão ainda não leva em consideração de forma clara a dimensão do som, presente tanto no ato de se contar uma história através da fala ou de ler um poema, como nas trilhas sonoras de peças, filmes, séries e animações. Refletindo sobre isso, fica cada vez mais claro que uma classificação mais adequada para meu trabalho seria considerar as narrativas verbais aquelas apenas baseadas em textos puros e considerar as narrativas visuais aquelas que de alguma forma se relacionam com a imagem (real ou desenhada). Mas também percebi que é justamente no

38 EISNER, op. cit., p.17.

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uso somado desses recursos que essas histórias se potencializam. Por isso, o recorte do meu trabalho se encontrou na animação, um meio plural que se forma justamente a partir do uso conjunto de diversos recursos e que será abordado com um pouco mais de foco no Capítulo 4. No mundo atual, a internet e a globalização permitiram que qualquer um que tenha algo a dizer consiga contar sua história, seja uma pessoa e seus amigos ou mesmo uma instituição ou uma marca, sem quaisquer limites geográficos e quebrando a barreira do tempo. Hoje, principalmente com as redes sociais, vivemos num mar de conteúdo digital e lutamos para conseguir destaque no meio de tantas atualizações. Estudamos com o design como recursos visuais podem ser cruciais nessa luta, e o fator comum em todos os recursos visuais é a cor. Tudo é cor, e sua manipulação tangencia as mais diversas áreas que se apropriam de narrativas visuais para chamar a atenção. É nesse momento dos meus estudos que começo a relacionar como as cores ajudam a contar diferentes trajetórias e logo, também, como elas poderiam ganhar o protagonismo da própria história. Aqui, também começo a crer que boa parte do poder de uma boa história está no ato de mostrar uma boa história, ato que supera quaisquer barreiras idiomáticas. A cor é uma ferramenta visual de imenso poder para narrativas visuais. Não só porque, ao serem usadas para criar imagens (como a própria pintura, a fotografia ou a ilustração), elas ajudam a “chamar a atenção” de possíveis espectadores, mas também por todo seu poder de associações simbólicas explorado no Capítulo 2. Na identidade visual, por exemplo, a cor ajuda a caracterizar e personalizar uma marca ou um produto, por exemplo. Por associação, se eu perguntar qual marca vem à sua mente com a cor vermelha, é bem possível que a resposta seja “Coca-Cola”. Ao se aplicar as mesmas cores na comunicação de uma marca (em seus produtos, nas redes sociais, em suas peças publicitárias), o consumidor passa a associá-la com a marca com muita rapidez. A marca “Coca-Cola” associa cores quentes à sua história, que mostra em suas redes imagens que celebram a juventude e diversão com amigos e família.

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Um ilustrador, ao compor uma cena para uma história em quadrinhos pode usufruir das cores em seu favor para transmitir as sensações que deseja despertar no leitor, através da tela ou do papel. Uma história mais triste, por exemplo, pode trazer cenas em que predominam cores mais frias. Na própria animação “Divertida Mente” (Pete Docter, 2015), produzida pela Pixar e lançada em 2015, a personagem Tristeza é azul (a cor que caracteriza as cores frias), enquanto a personagem Alegria tem a pele amarela (a cor que, opostamente, caracteriza as cores quentes). No filme, outros sentimentos também são personificados nas personagens Nojo, Raiva e Medo e associados ao verde, ao vermelho e ao roxo, respectivamente. Vale ressaltar sempre, que nada é regra e que essas escolhas levam em consideração diversos fatores por parte do comunicador visual ou diretor de arte, por exemplo. Especialmente na direção de arte cinematográfica e de animação, a cor pode ganhar funções e significados cada vez mais profundos, sem que o espectador “leigo” perceba. Por exemplo, o filme “Matrix” (WACHOWSKI, 1999), em que as pílulas azul e vermelha são apresentadas a Neo, que tem que escolher entre se manter “ignorante” sobre uma situação maior ou se envolver, sem volta, no conflito apresentado pelo filme de acordo com a pílula correspondente.

Figura 12: Cena retirada do filme “Matrix”, em que Morpheus apresenta uma escolha a Neo. (Fonte: Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=ax2bQOZy6Sc>. Acesso em 09 de maio de 2020.)

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Nessa fase das pesquisas, entrevistei dois profissionais específicos da área de criação visual que merecem um destaque, pois me trouxeram insights mais experientes sobre a percepção de um público em relação a narrativas visuais. São eles Gisele Federizzi, ilustradora de livros infantis e graduada em Artes Plásticas há 20 anos, e Rafael Gallardo, diretor de arte e character designer para animação há 15 anos e também formado em Artes Plásticas. Em conversa conduzida pelo WhatsApp com Gisele, eu ainda não tinha em mente o recorte final de meu projeto como sendo na área da animação, mas foi falando com ela que um conceito que estava batendo em minha porta não pôde mais ser ignorado: o fato indiscutível de que a cor é um conceito subjetivo. Essa aceitação em relação ao limite da previsibilidade das reações de um público “leitor” de narrativas visuais foi chave no meu processo criativo. Isso se deu quando ela simples e diretamente falou em relação a um público “leigo” no tema cores e o fato de que não necessariamente ele saberia apontar numa narrativa visual a influência técnica e psicodinâmica da cor. Todavia, isso não exclui o fato de que eles sentem a diferença de uma produção que levou em consideração a profundidade que o uso de cores pode ganhar, mesmo sem necessariamente saber apontar o que parece mais agradável. Em seguida, ao conversar com Rafael, que me explicou bastante sobre o processo de criação num estúdio de animação a partir de sua experiência de 12 anos na produtora Birdo, em São Paulo, finalmente optei por direcionar minha pesquisa para a área de animação. As particularidades de como a cor é conduzida tecnicamente na área são encantadoras, dentre elas está especialmente o fato de que a cor é uma ferramenta que ajuda a dar protagonismo para outros elementos da animação. Como ele me introduziu brevemente, a animação lida em essência com o convencimento do público principalmente através do movimento verossímil; as cores podem ser consideradas um “refinamento”39 da

39 com o uso da palavra “refinamento”, não quero dar a entender que a cor é uma “graça” na animação, algo descartável. Muito pelo contrário, a cor promove uma dimensão de sentimento ainda maior para essa arte, mas, em essência, ela lida com o movimento, antes de lidar com a cor.

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arte da animação, ao serem usadas levando-se em consideração princípios da composição visual como o contraste e também estudos da psicodinâmica para a construção de sensações visuais. Meu próprio orientador, Daniel Grizante, dentre outras coisas, animador, falou algo em uma conversa que me fez associar imediatamente com o que eu estava ouvindo do Rafael: na animação, o profissional não quer que a cor chame mais atenção que o personagem ou que a ação que está acontecendo, ele quer que a cor seja “invisível” para o espectador, mesmo estando presente no quadro. Esse fator contraditório foi chave para a escolha do objeto produzido com esse projeto: colocaria a discussão sobre o protagonismo das cores justamente onde ela é usada, na maior parte do tempo, para conduzir a atenção dos olhos do espectador a outros elementos da composição. Essa regra, contudo, tem exceções e jamais exime do profissional da área a responsabilidade de propor um ambiente visualmente interessante, cativante e que contribui para a criação de um vocabulário visual de qualidade. Isso será abordado com um pouco mais de destaque no Capítulo 4. Além disso, em uma reflexão sobre a imprecisão e subjetividade das cores, inicialmente proposta pela Gisele, Rafael me contou um fato curioso sobre a visão de um membro de sua família: seu organismo somente enxerga tons de cinza. Em ligação pelo telefone, ele me disse que uma possível discussão sobre essa característica da visão não é que a pessoa não vê cores, mas, sim, que ela nunca viu outras cores, além de brancos, pretos e cinzas. E, possivelmente, isso faz com que sua percepção de variações de valor tonal seja até maior do que a de uma pessoa que enxerga as outras cores. Nesse sentido, haveria toda uma área de estudo maior sobre uma subjetividade que está além de uma interpretação psicodinâmica das cores, mas que é simplesmente biológica e inerente ao indivíduo. Simultaneamente a essas entrevistas, também conduzi uma dinâmica por meio de formulário online para tentar entender melhor a percepção de diferentes pessoas em relação às cores na animação e o quanto da formação acadêmica ou atuação profissional delas influen-

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Figura 13: Cena do curta “Memo”. (Fonte: Reprodução/Gobelins École de L’Image)

cia nisso. Para isso, fiz algumas perguntas em relação ao curta de animação “Memo” (2017), produzido por alunos da escola especializada Gobelins, na França. No curta, um senhor de idade é mostrado em uma ida ao mercado, apesar da forte insistência da filha para que ele não vá sozinho. Lá, ele sofre um apagão de memória e é encontrado por sua filha perdido, na rua, sozinho. No fim, ela o leva para casa e o há uma cena que leva a entender que o senhor está passando por um processo de aceitação de que sua memória está debilitada. Escolhi “Memo” para mostrar para os possíveis entrevistados, no início da pesquisa, por considerar que ele fazia um uso interessante do branco em seu arco narrativo. Quando o senhor começa a dar indícios do apagão, o branco começa a surgir como manchas nos objetos e ambientes, enquanto no clímax, o branco já pintou tudo que o cerca. Aqui, refleti inicialmente sobre a importância que o uso do branco tinha para essa narrativa, que traz uma proposta mais leve do tema, e considerei que havia um protagonismo dele no curta.

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Apesar de as entrevistas acerca do curta “Memo” não terem me levado a conclusões realmente expressivas, sua temática me direcionou para dois novos caminhos. Um deles, que abordarei com maior profundidade no Capítulo 5 é uma reflexão sobre a cor branca que dá origem ao roteiro do meu objeto de design. O outro dá origem ao próximo subcapítulo e me levou a trazer exemplos de histórias que tiveram uma condução interessante das cores em seu arco. Com um pouco mais de profundidade individual, vou falar de alguns desses casos de narrativas visuais que julguei interessantes para o meu trabalho, em que a presença da cor na história foi de alguma forma relevante para trazer reflexões para o projeto.

3.4 ESTUDOS DE CASO Os exemplos de narrativas visuais que trago nesse momento foram surgindo organicamente ao longo do meu processo de pesquisa, por isso não necessariamente são casos de histórias apresentadas por meio da animação, mas são casos de narrativas apoiadas em suportes visuais e que me fizeram refletir sobre a cor enquanto elemento narrativo. Isso é, narrativas visuais que exploraram as condições da cor para além de ferramenta que “colore” cenários, personagens, objetos, para torná-la efetivamente parte da narrativa. 3.4.1 “Flicts”, de Ziraldo (livro ilustrado) “Flicts” foi o primeiro livro ilustrado publicado inteiro em cores no Brasil, em 196940, e foi escrito e ilustrado pelo escritor e cartunista brasileiro Ziraldo Alves Pinto. No livro, Ziraldo conta a história de Flicts, uma 40 CRUZ, Felipe Branco. Os 50 anos de Flicts. Uol Entretenimento, 2019. Disponível em: <https://entretenimento.uol.com.br/reportagens-especiais/ 50-anos-de-flicts-do-ziraldo/#os-50-anos-de-flicts>. Acesso em 9 de junho de 2020.

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cor que não acha lugar no mundo em que ela possa se encaixar entre as outras sete cores do arco-íris. Depois de tanto lutar e, ainda assim, não conseguir fazer parte do mundo, Flicts vai embora para o alto. No fim, o autor nos compartilha um segredo, que somente os astronautas sabem, que a Lua, na verdade, é Flicts. A história que Ziraldo conta no livro ganhou lugar especial na literatura infantil brasileira, assim como em outros diversos países. A experiência de ler a edição original do livro, publicada em edições comemorativas, é única, e recomendo a todos que entrarem em contato com o meu trabalho que o façam por si mesmos. A edição do livro explora formas geométricas básicas como representação das personagens (todas cores), assim como também explora o branco das páginas tanto como personagem quanto como vazio em diversos momentos da história. De maneira literal, direta e quase poética, a composição visual do livro nos apresenta as cores como personagens e as retrata em formas puras. Ainda enquanto personagens, as cores têm suas características visuais e significados traduzidos em personalidades de cada uma. Por exemplo, ao conversar com Flicts, Azul “fala”, Vermelho “grita” e Bran-

Figura 14 (esq.): Capa do livro “Flicts”, de Ziraldo. (Fonte: Acervo pessoal.) Figura 15 (dir): Uma página dupla do livro “Flicts”, de Ziraldo. (Fonte: Acervo pessoal.)


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co “sussurra”.41 Essa transposição de comportamentos e adjetivos humanos a seres ou objetos inanimados ou irracionais é uma figura de linguagem da língua portuguesa chamada de personificação.42 No caso de “Flicts”, as cores ganham características comportamentais que se relacionam com alguns de seus significados simbólicos ou de seus estímulos visuais. O vermelho, por ser uma cor muito vibrante e enérgica, tem a atitude mais “gritante” ao se relacionar com a cor Flicts, enquanto personagem. Por meio da personificação talvez seja uma das formas mais diretas como a cor pode se tornar um elemento narrativo. Atribuir a elas personalidades, falas, ações e comportamentos “humanos” as aproxima de personagens como os heróis, por exemplo, com quem estabelecemos tão poderosa identificação. Classifiquei este tipo de presença da cor na narrativa como cor-personagem. De outros casos similares que encontrei, “Flicts” foi diferencial acima de tudo por ser uma obra que enriquece a literatura brasileira e por ter sido escrito e ilustrado de maneira extremamente diferente para o contexto. Por conta de ser um livro de público alvo infantil, Ziraldo poderia ter escolhido também “humanizar” os personagens (colocando-os em seres com cabeça, braços e pernas, por exemplo), mas não o fez. Explorou a cor tanto como personagem quanto como forma geométrica. Além de uma experimentação narrativa, é também uma experimentação visual muito interessante. Alguns outros casos de narrativas visuais com que me deparei e que fazem uso da cor-personagem: • “A Rainha das Cores”, livro ilustrado pela alemã Jutta Bauer (1998); • “O Monstro das Cores”, livro ilustrado pela espanhola Anna Llenas (2012);

41 ZIRALDO. Flicts (20 anos, edição comemorativa). 23ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1989, p. 39. 42 PERSONIFICAÇÃO. Educa Mais Brasil, c2020. Disponível em: <https://www.educamaisbrasil.com. br/enem/lingua-portuguesa/personificacao>. Acesso em: 9 de junho de 2020.

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Figura 16 (esq.): Capa do livro “A Rainha das Cores”, de Jutta Bauer. (Fonte: reprodução/ Amazon). Figura 17 (dir.): Capa do livro “O monstro das cores”, de Anna Llenas. (Fonte: Reprodução/ Amazon).

Nessas outras duas histórias, as cores também são personagens, mas, especialmente em “O Monstro das Cores”, elas são associadas a sentimentos. Na história, uma menina ajuda o Monstro a compreender uma confusão de emoções que está sentindo, traduzindo-as em cores e estabelecendo relação direta entre elas. Essa associação de cores e sentimentos dá gancho a outro caso específico que encontrei de uso da cor na narrativa.

3.4.2 “Divertidamente”, longa de animação da Pixar (2015) A associação frequente entre cores e sentimentos é vista de forma clara no filme “Divertida Mente”, produzido pelos estúdios de animação da Pixar e lançado nos cinemas em 2015. O diferencial curioso do filme, ao mostrar a história de uma jovem que se muda de cidade por conta do novo emprego do pai, é usar o ponto de vista de suas emoções: Alegria, Tristeza, Raiva, Inveja e Medo são todos personagens que vivem dentro de nossas cabeças, e os de Riley passam pelos próprios desafios ao longo da narrativa. No filme, quem passa pela mencionada personificação são as pró-

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prias emoções, mas as características visuais de cada personagem (além de suas personalidades) são essenciais para trazer associações muito relevantes para essa discussão. Cada personagem tem uma cor predominante que reflete e muito o sentimento que eles representam: Alegria tem o corpo amarelo, está sempre sorrindo e cheia de energia para buscar o lado positivo das adversidades que enfrentam, traços associados à cor quente que predomina em seu corpo; Tristeza é praticamente inteira de tons de azul, é insegura, mais “calma” do que a Alegria e leva todos os desafios para o lado do drama e da tragédia, características que se intensificam com o uso da cor fria em sua aparência. É interessante olhar como sentimentos opostos (alegria e tristeza) são associadas a cores de extremos opostos na dualidade quente e frio (amarelo e azul) explorada por Goethe e mencionada no capítulo 2, com o uso das expressões “lado ativo” e “lado passivo”. O mesmo processo de associações entre cores, associações e características se repete nas outras personagens Medo (tons de roxo e lilás), Inveja (tons de verde) e Raiva (praticamente inteiro vermelho, bem saturado). O trabalho da direção de arte feito para o filme foi essencial para uma representação tão interessante desses personagens, que, se tivessem sido feitos de forma diferente, talvez não tivessem atingido seu potencial na história com tanta intensidade e clareza. Nesse caso, o uso aplicado dessas associações comuns entre cores e sentimentos trouxe mensagens muito importantes e, apesar de as cores não serem os próprios personagens que participam da história, elas ganharam um protagonismo visual de extrema relevância para a narrativa. No próprio site da produtora43 é possível ler mais detalhes sobre a construção de cada personagem e de sua aparência. 43 FEATURE FILMS: INSIDE OUT. Pixar, c.2020. Disponível em: <https://www.pixar.com/feature-films/ inside-out>. Acesso em 31 de agosto de 2020.

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Figura 18: Pôster de divulgação do filme Divertida Mente, nos Estados Unidos, em 2015. (Fonte: Divulgação/Instagram).


Inclusive, uma das mensagens do filme se traduz visualmente na personagem Alegria. Na jornada que atravessa no longa, Alegria acaba aprendendo que nem sempre o sentimento alegria deve predominar. Ela aprende a ceder espaço para que a Tristeza e a tristeza preencham algumas memórias, como parte natural de um processo de luto do ser humano. Visualmente, apesar de Alegria ser predominantemente amarela e brilhante, há traços que são azuis, como o seu cabelo, representando essa parte de seu aprendizado sobre compreender que tristeza e alegria são emoções que se equilibram e complementam. Uma das reflexões que essa breve análise me trouxe é: quão literal deve ser a participação das cores na narrativa para que exista esse protagonismo? Em “Divertida Mente”, não são as cores autoras das próprias ações na história, mas o fato de elas estarem fortemente associadas aos personagens que representam sentimentos humanos me trouxe a ideia de que a personificação não é a única maneira pela qual as cores podem ganhar protagonismo em narrativas visuais, especialmente no caso dessa animação. O fato de que a presença de uma cor na história pode estar além de um capricho visual, propondo uma associação significativa para a narrativa contada me intrigou muito. Chamei esse caso, em que a cor está associada a sentimentos, de cor-sentimento. Nesse caso, até mesmo o livro “O Monstro das Cores”, mencionado anteriormente, pode navegar entre essa e a última classificação. Esse conceito de que uma cor está presente na narrativa por algum motivo ou associação específica e proposital se conecta com os próximos casos.

3.4.3 Trilogia de histórias em quadrinhos “As cores do terror”, da Editora Draco (2016-2017) O contato com essa trilogia se deu logo no começo das minhas pesquisas e me intrigou bastante, a ponto de se trazer reflexões importantes para o trabalho. Nessa série, a Editora Draco publicou coletâneas de histórias em quadrinhos de diferentes autores, inspiradas por diferentes sensações: loucura, desespero e tentação; e as associa

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a uma dessas três cores: amarelo, verde e vermelho, respectivamente. Os três livros são “O Rei Amarelo em quadrinhos” (aborda a loucura), “O Despertar de Cthulhu em quadrinhos” (aborda o desespero) e “Demônios da Goetia em quadrinhos” (aborda a tentação). Também, os livros são inspirados em contos de autores renomados como Robert W. Chambers, H. P. Lovecraft, MacGregor Mathers e Aleister Crowley. Nos quadrinhos, é interessante o uso da cor nas narrativas: não é somente um uso arbitrário para adicionar mais cores às páginas em tradicional branco e preto. A presença e a intensidade da cor no papel do quadrinho estão literal e diretamente ligadas à presença e à intensidade da sensação de loucura, desespero ou tentação na história narrada. Durante minha experiência de leitura do livro “O Rei Amarelo em quadrinhos”, que traz uma coletânea de histórias que envolvem a loucura, pude perceber que o uso da cor amarela é variado de acordo com a proposta do autor de cada história. Por vezes, está presente em objetos que, ao se relacionarem com os personagens, são o canal por meio do qual a loucura os atinge, propondo até mesmo mensagens

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Figura 19: Capas dos livros da trilogia “As Cores do Terror”. (Fonte: Divulgação/Editora Draco)


subliminares mais profundas. Em outras, a colorização com amarelo ocorre na cena como um todo e transparece a sensação de loucura de maneira mais generalizada, mas ainda assim eficaz e bastante intensa conforme a jornada evolui para o clímax e para o desfecho. Esse uso da cor nas histórias pede um envolvimento mais profundo com elas, uma vez que a sensação em si à qual estão associadas não passa pela personificação, mas transparece presente com a criação dos contextos propostos por cada história ao conectar diferentes personagens, objetos e cenários em conflitos diversos, desde os mais verossímeis aos mais fantasiosos. Portanto, por não ser uma percepção tão direta ou superficial, mas mais aprofundada em relação ao envolvimento do espectador ou leitor com a narrativa mostrada, chamei essa aplicação de cor-sensação. Nesse sentido, esse uso se relaciona com o que foi feito no curta de animação “Memo”, mencionado anteriormente.

3.4.4 “O Mágico de Oz”, filme da MGM (1939) O clássico filme, inspirado no primeiro livro da série “Terra de Oz” (L. Frank Baum, 1900), é estruturado como um ótimo exemplo de Jornada do Herói. Conta a história da jovem Dorothy, que vive com sua família numa fazenda no Kansas e leva uma vida pacata. A fim de evitar que sua tia dê Totó (seu cachorrinho de estimação) embora após um desentendimento com uma das moradoras da cidade, Dorothy tenta fugir da cidade. Mas um tornado acaba alterando seus planos e a transportar para a terra mágica de Oz. Nesse momento, a trajetória de Dorothy para tentar voltar pra casa lhe apresenta diversos desafios e figuras clássicas da Jornada. Em Oz, ela lida com a figura mentora da Bruxa Boa do Norte, encontra amigos no Espantalho, no Homem de Lata e no Leão, que a ajudam a passar por diversas provações e obstáculos colocados pela Bruxa Má do Oeste. Tudo para alcançar o Mágico de Oz, na Cidade Esmeralda, para que ele lhe conceda o desejo de poder voltar para casa e para sua família em segurança, assim como também realize os desejos de seus amigos. O mais interessante dessa história para o contexto da minha pes-

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quisa, porém, é como a cor se relaciona fortemente com importantes elementos da terra mágica e da própria jornada. A fase inicial do filme, em que Dorothy é apresentada em seu “Mundo Comum”, é apresentada em filme sépia, mas por uma escolha criativa do longa. Na época, tecnologias já começavam a permitir a colorização dos filmes e diversas produções já estavam aderindo a essas possibilidades. Uma delas, usada na próxima em “O Mágico de Oz”, era o Technicolor, que se popularizou no âmbito do cinema e da produção audiovisual44. Quando Dorothy chega a terra mágica de Oz, a tecnologia é usada para transformar nossa percepção da história: a protagonista sai de seu mundo comum e se encontra frente a um mundo totalmente novo, com cores vibrantes e saturadas que preenchem todas as pessoas, cenários e seres mágicos da terra, até então, desconhecida, aumentando a sensação

44 CAPELHUCHNIK, Laura. Os filmes em Technicolor redescobertos. E o impacto do processo no cinema. Nexo Jornal, São Paulo, 20 de maio de 2018. Disponível em: <https://www.nexojornal.com. br/expresso/2018/05/20/Os-filmes-em-Technicolor-redescobertos.-E-o-impacto-do-processo-no-cinema>. Acesso em 8 de setembro de 2020.

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Figura 20: Cenas do começo (esq.) e do meio (dir.) do filme “O Mágico de Oz” (1939), para comparação entre os tratamentos visuais distintos entre elas. (Fonte: Reprodução)


de encanto e fantasia e, também, o contraste entre Oz e o Kansas. Além do uso da colorização do filme nessa fase da jornada, cores específicas marcam elementos chave da história. Os clássicos sapatinhos de rubi calçados por Dorothy, dados como um presente de Glinda com a promessa de que eles ajudariam a voltar para casa, são de um forte vermelho saturado. Quando começa a jornada para a Cidade Esmeralda, onde encontrará o Mágico de Oz, seu caminho é literalmente traçado pela icônica estrada de tijolos amarelos. E a chegada na Cidade Esmeralda é marcada pela silhueta inteiramente verde de sua arquitetura e de seus habitantes. Numa narrativa de jornada de herói tão clássica, é incrível como as cores potencializam a identificação de ícones marcantes da trajetória de Dorothy no mundo fantástico por onde ela passa. Por último, quando ela finalmente consegue voltar para o Kansas, somos lembramos do mundo mágico a partir do forte contraste visual, com a volta do filme preto e branco. Quando retorna, sua família tenta convencê-la de que tudo não passou de um sonho, mas tão viva e marcante é sua memória, que Dorothy não se convence, mas deixa essa dúvida para o público. Mesmo não sendo necessariamente associadas a alguma sensação ou personagem específicos, as cores vibrantes da terra mágica de Oz possuem uma forte função na narrativa. Principalmente, de marcar visualmente e de forma artística para o cinema, momentos diferentes da jornada da protagonista. É marcante o papel da direção de arte nessa decisão, ainda mais em uma época em que a colorização de filmes estava apenas se iniciando e poderia facilmente acabar sendo um uso entusiasmado e exagerado da tecnologia. Percebe-se, ao assistir a obra, que a aplicação de cores foi uma escolha consciente da produção e pensada para uma fase específica do roteiro, com intenções bem calculadas. Se os momentos de Dorothy no Kansas já tivessem sido coloridos, com certeza a chegada em Oz não seria um momento tão surpreendente, tanto para ela como para o espectador, e, a partir daí, a jornada poderia ter sido bem diferente.

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3.5 REFLEXÕES Seria um trabalho incrível analisar mais inúmeras obras narrativas visuais, porém, a humilde gama trazida para o trabalho mostra algumas particularidades interessantes. A cor nas narrativas visuais tem um potencial narrativo latente e já é explorado de certas formas por diferentes profissionais, como os diretores, designers, ilustradores e escritores que produziram as obras acima abordadas. Seja colocando a cor com uma responsabilidade narrativa mais subjetiva, como nos casos dos quadrinhos da “Trilogia do Terror” ou mesmo do filme “O Mágico de Oz”, ou de forma mais direta, como em “Flicts”, é responsabilidade dos criadores de proporcionar experiências que extrapolam a narrativa por si só, potencializando essa arte. Essa reflexão sobre como o criador é o que eleva as características ferramentais de uma técnica ao nível de obra de arte é bastante explorada ao longo de quase todo o primeiro capítulo do livro “A arte da animação”, de Alberto Lucena Barbosa Júnior45. Apesar de o autor voltar a reflexão especialmente para a área da animação, é possível fazer um paralelo para outras áreas de criação visual. Não é porque um indivíduo é capaz de usar um pincel com maestria, por exemplo, que ele produzirá obras de arte magníficas. Mas é quando ele aplica seu potencial criativo no uso de sua técnica com o pincel ao aplicar a tinta numa tela que o resultado se torna arte. É o uso da técnica (cor) extrapolando as condições normais (ferramenta) e ganhando um significado maior para o meio (arte).

45 BARBOSA JÚNIOR, Alberto Lucena. Arte da animação: técnica e estética através da história. 1ª ed. São Paulo: Editora SENAC, 2002

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4 CAPÍTULO 4

A cor na animação


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4.1 O MOVIMENTO E A DIMENSÃO DO TEMPO Quando falamos de animação, estamos falando de movimento. No primeiro capítulo de seu livro, Alberto Lucena Júnior, artista plástico e animador, já afirma que “a palavra ‘animação’, e outras a ela relacionadas, deriva do verbo latino animare (‘dar vida a’)”.46 Ao longo da relativamente jovem história da animação enquanto arte, o uso de recursos visuais que passassem sensação de movimento foi responsável por colocar em prática a expressão da vida em desenhos estáticos. Ainda no primeiro capítulo de seu livro, Lucena explica como o movimento é o recurso visual que mais atrai o olhar do espectador, por conta de motivos inerentes à natureza e à evolução dos olhos como “instrumentos de sobrevivência”.47 Por muito tempo, desde os primórdios da humanidade, o ser humano tenta representar graficamente o movimento. Paralelamente ao momento da pré-história mencionado no Capítulo 2 desta monografia, também foram encontradas antigas pinturas rupestres que já tentavam atingir esse objetivo por meio da representação, por exemplo, de animais com múltiplos membros e do uso de borrões no desenho. No Egito, em meados de 1600 a.C., um templo dedicado a deusa Isis trazia em cada uma de suas muitas colunas uma representação sua ligeiramente diferente da presente nas colunas adjacentes, numa sequência progressiva que sugeria o movimento de uma mesma figura da deusa48. Já no século XX, as vanguardas artísticas na Europa, brevemente mencionadas também no Capítulo 2, traziam novos pontos de vista para a sociedade a partir das artes 46 Ibid., p. 29 47 Ibid., p. 29 48 WILLIAMS, Richard. Manual de animação: Métodos, princípios e fórmulas para animadores clássicos, de computador, de jogos, de stop motion e de internet. São Paulo, Editora Senac, 2016, p. 12

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Figura 21 (esq.): Pintura rupestre de um javali encontrada na Espanha. (Fonte: BARBOSA JÚNIOR, op.cit, p. 29) Figura 22 (meio): Pintura “Carga dos lanceiros”, de Umberto Boccioni (1914-1915). (Fonte: Santhatela) Figura 23 (dir.): Pintura “Nu descendo uma escada”, de Marcel Duchamp (1912-1916). (Fonte: WikiArt)

plásticas e da literatura. Em especial, o Cubismo foi uma das vanguardas que trouxe representações de uma nova dimensão: o tempo e, com isso, o movimento, conceitos amplamente relacionados. Obras como “Carga dos lanceiros”, de Umberto Boccioni (1914-1915), são exemplos dessa tentativa do Cubismo de trazer movimento à pintura por meio da “sobreposição de diferentes planos”49 e da proposta de um ponto de vista móvel em relação ao objeto representado. A pintura “Nu descendo uma escada” (Duchamp, 1912-1916), mencionada por Lucena, também vale como exemplo similar. Apesar de contarmos com resultados estéticos extremamente diversos dessa jornada, há em comum entre eles a exploração visual em busca da representação do movimento, a essência da animação. Se hoje dispomos de ferramentas digitais avançadas que nos ajudam a produzir animações com movimentos fluidos e com os mais diversos visuais, é porque nossos resultados técnicos e artísticos em relação a esse meio foram se transformando ao longo de inúmeros anos, também conforme se transformava nosso conhecimento técnico, e tecnológico, e crescia nosso tempo de experimentação na área da animação. As primeiras experimentações que ajudariam a embasar o desenvolvimento da animação enquanto arte e forma de entretenimento,

49 ABAURRE, op. cit., p. 497.

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começaram a se dar em meados do século XVII, com a invenção conhecida como “Lanterna mágica”, de Athanasius Kircher: um instrumento capaz de criar projeções de desenhos em paredes por meio da manipulação da luz e de lentes de vidro. Conforme esse instrumento se popularizou, passou a ser usado em diversos espetáculos para o entretenimento de público, até o marcante “Fantasmagorie” (lançado em Paris, em 1794, por Étienne Gaspard Robert)50. Em diversos momentos, a história da animação tange e se entrelaça com outras áreas como o cinema, principalmente, a fotografia e a história em quadrinhos, por exemplo. Também, em 1824, a publicação do artigo de Peter Mark Roget falando sobre o princípio da persistência da visão foi um marco para o desenvolvimento de diversos instrumentos e até brinquedos que foram protagonistas desse momento (aqui, vale uma importante menção ao fato de que essa exploração estava quase inteiramente embasada no desenho; até por isso, os primeiros animadores eram profissionais vindos de outras áreas das artes visuais, principalmente desenhistas e pintores51). Um desses instrumentos, que acredito que exemplifica de forma muito didática o funcionamento básico e fundamental da animação tradicional, foi o flipbook, surgido em 186852. Muito popularizado, o flipbook consiste num “livreto” que traz em cada página um desenho diferente, de forma similar aos desenhos da deusa Isis nas colunas de seu templo. Cada desenho mostra um momento da progressão de um movimento, que só consegue ser percebido quando se discorre um tempo para folhear o flipbook. Quando um determinado número de folhas é visto num determinado intervalo de tempo, nossos olhos deixam de ver cada desenho individual, para perceber o conjunto em movimento ininterrupto, por conta do tal princípio da persistência da visão, abordado por Mark Roget. Cada folha do flipbook corresponde a um frame na animação (e, a partir daí, o

50 BARBOSA JÚNIOR, op. cit., p. 30-31. 51 Ibid., p. 61. 52 WILLIAMS, op. cit., p. 13-15.

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mesmo pode ser aplicado aos filmes fotográficos, por exemplo). A animação tradicional parte dos desenhos frame a frame, e essa relação entre “folhas” (ou frames) e tempo é conhecida como framerate, uma frequência que serve de parâmetro para trabalhar a distribuição dos desenhos no tempo, assim como para ter noção de quão fluidamente será percebido o movimento naquele intervalo, dentre outras coisas. Ao longo dos séculos XVIII, XIX e, principalmente, XX, a exploração e a experimentação com a animação foram de suma importância para o desenvolvimento de uma linguagem própria da área, principalmente relacionada às qualidades do movimento. Antes de convencer o espectador por ter uma estética que pareça real, a animação o faz ao mostrar um movimento que pareça real. Como os primeiros animadores eram principalmente desenhistas e artistas plásticos, precisou-se de um tempo na história para se estudar, explorar e praticar essa distribuição dos desenhos na dimensão temporal até que se dominasse os princípios técnicos e a linguagem dessa arte, provendo cada vez mais movimentos mais convincentes. Nesse sentido, um movimento histórico de muita exploração técnica e gráfica aconteceu com o nascimento dessa nova forma de arte, e os animadores independentes e os estúdios de animação foram essenciais para a construção dessa linguagem própria. Sendo possível até mesmo associar essa primeira geração de animadores à geração de artistas plásticos vanguardistas, tentando explorar novos padrões estéticos e contar novas narrativas por meio da arte, ambos vivendo períodos próximos no século XX. Com esse movimento, alguns nomes contribuíram de forma significativa para a construção dessa linguagem e se relacionaram de maneira especial com alguns aspectos da animação, como a cor. No Capítulo 1 desta monografia, já foi mencionada uma antiga associação entre cores e sons há muito tempo explorada pelo ser humano. Nesse período de desenvolvimento, e talvez até hoje em certo nível, essa relação também foi explorada na animação. Em especial, o alemão e animador independente Oskar Fischinger produziu nos anos 1930 um extenso trabalho com animação abstrata a partir de diferentes técnicas

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experimentais. O traço mais marcante de seu trabalho, porém, é a sincronia entre o movimento das formas abstratas e coloridas e a música, como é o caso de “Um poema óptico” (1938). Em 2017, a empresa multinacional Google homenageou Fischinger dedicando-o um de seus doodles, intervenções no logo de sua principal página de busca na internet: foi criada uma ferramenta interativa para o aniversário do animador que permitia que as pessoas pudessem compor seus próprios poemas visuais e sonoros. Inspirado no trabalho de Fischinger, o escocês Norman McLaren é um importante nome que contribui com a animação abstrata, por exemplo em “Synchromy” (1971), também explorando as relações e a sincronia entre a animação, as cores e os sons.53 Essas obras abrem portas para a dimensão sonora sincronizada com a imagética na animação, potencializando o recurso do audiovisual. Já na área das produções mais voltadas para o entretenimento e para o cinema de animação, Lotte Reiniger, animadora e artista alemã, era mestre na animação de silhuetas feitas a partir de recortes de cartolinas e fotografadas em cima de pranchas de vidro. Com isso, passou a explorar um uso bastante chamativo de técnicas diferentes de ilumina-

53 BARBOSA JÚNIOR, op. cit., p.87.

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Figura 24 (esq.): Frame de “Um Poema Óptico”, de Oskar Fischinger (1938). (Fonte: Reprodução)

Figura 25 (dir.): Frame de “As Aventuras do Príncipe Achmed”, de Lotte Reiniger (1926). (Fonte: Reprodução)


ção colorida, potencializando os efeitos de ambientes de um desenho “simples”. Também foi a responsável por produzir o primeiro longa-metragem de animação, “As Aventuras do Príncipe Achmed” (1926), animado a partir da fotografia frame a frame das silhuetas, feitas com recortes de papel e luzes.54 Em se tratando dos estúdios de animação, um dos maiores nomes é o de Walt Disney. Não só por ter produzido filmes clássicos que se popularizaram e que são referência até hoje, como “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), mas também por ter criado um intensivo programa de desenvolvimento para os novos animadores da época, contribuindo para a formação de gerações. Essa vasta quantidade de estudos e intensa produção a partir dos anos 1930 foram parte importante para a identificação de princípios essenciais para a linguagem da animação, os 12 princípios fundamentais de animação. Lucena afirma: “A sintaxe desses princípios permitiu alcançar a tão almejada ‘ilusão da vida’, definida por Walt Disney como condição fundamental para o envolvimento da audiência.”55 É importante lembrar que esses princípios partem todos da contínua observação do mundo real, da natureza, a referência primária da arte. Eles se relacionam com as partes mais essenciais do movimento na animação e preveem como alguns comportamentos da forma, do desenho, da distribuição deles no tempo e da duração de um movimento podem tornar uma animação mais fluida, mais agradável e mais crível ao olhar do espectador, por mais leigo que o seja. São princípios que inclusive se relacionam com princípios de atuação no teatro, desde ao posicionamento de palco à movimentação dos atores ao falar e agir, entre outras variáveis que influenciam diretamente na experiência da plateia. A diferença é que no teatro, os atores são fantoches de si mesmos, enquanto na animação, os fantoches são os desenhos e quem os manipula para dar a vida são os animadores. Com o desenvolvimento cada vez mais forte de uma linguagem 54 Ibid., p. 88. 55 Ibid., p. 115.

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própria da animação, logo novas ferramentas de processo de criação foram sendo desenvolvidas e inseridas nos estúdios, a fim de viabilizar produções cada vez mais “industriais”, que pudessem competir com a indústria do cinema. Se havia um obstáculo a ser vencido, era o do tempo de se produzir cem mil desenhos versus o (bem menor) tempo de gravação em estúdio com atores de um live-action. Ao longo das décadas, o investimento em tecnologia e a experiência na área foram construindo o conhecimento necessário para chegarmos hoje na animação digital. Diversos programas de computador reduziram consideravelmente o tempo de trabalho que leva uma animação feita no meio digital (tudo depende, ainda, da complexidade de cada projeto, do orçamento, do prazo que se tem para fazê-lo e da quantidade de pessoas que irão participar da produção, por exemplo). Para este projeto de design, a escolha pelo uso da técnica de animação digital foi a mais coerente dentro desse contexto, uma vez que o prazo é limitado e a equipe reduzida. Mas o fato é que, independentemente da técnica, algumas ferramentas são universais da animação e até foram herdadas por outras áreas da comunicação, como é o caso o storyboard. Uma característica da área da animação, é tentar dispor do maior tempo possível no processo de criação para prever da melhor forma o que será produzido em qualidade final, a fim de evitar “desperdício” de um trabalho extenso e custoso. O storyboard é uma ferramenta de síntese e de estudo anterior à fase de produção da arte final e da animação, que vem justamente para ajudar nesse sentido. Apresenta visualização de baixa ou média fidelidade estética das cenas de uma animação ao longo do desenvolvimento da história contada e pode ser facilmente mudado ou ajustado, com pouco prejuízo. O storyboard está para a animação como o rascunho está para a ilustração. Além disso, o storyboard também pode dar origem ao animatic, que é também uma versão protótipo de qualquer produção de animação, essencial para explorar e entender o ritmo e a duração das cenas, o tempo de cada uma delas. Por isso, já é um passo à frente na produção. Ainda assim, mudar de ideia ainda nessa fase leva menos tempo

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do que levaria para ajustar um erro ou enquadramento numa fase mais final da produção de uma animação. Dentre diversas outras particularidades da área, as que se relacionam ao processo são as que mais me fascinam. Especialmente, as particularidades associadas ao tema principal desta pesquisa, que são as cores e como elas podem ganhar mais protagonismo em narrativas visuais.

4.2 A COR NA ANIMAÇÃO Assim como o mesmo aconteceu com o uso do som, a introdução do uso da cor na animação permitiu que toda uma nova dimensão pudesse ser explorada e manipulada, não só para fins estéticos, como também fins técnicos e psicodinâmicos. O fator cor passou a ser mais uma variável no complexo conjunto que se encontra sob a direção de arte. É por meio da direção de arte que se definem padrões visuais, sonoros, táteis e olfativos, por exemplo, para uma produção artística. Na animação, a direção de arte abrange, principalmente, estilos de desenho de cenários, personagens, sua colorização, movimentos e sons e é a régua que serve de guia para promover uma unidade visual ao longo de uma produção em que, tipicamente, participam diferentes pessoas. Por meio do estabelecimento de parâmetros de direção de arte, os estilos individuais de cada um na produção cedem lugar a um conjunto uniforme que permite que o espectador, ao assistir o resultado final, identifique que se trata de uma mesma produção. O diretor de arte Rafael Gallardo, mencionado no Capítulo 3, em entrevista, relata como o uso da cor serve de apoio tanto para aspectos mais pragmáticos do desenho como para provocar sensações mais profundas no espectador. Em sua experiência, intimamente ligada ao desenho de personagens, Rafael descreve a relação do seu trabalho com a cor, ao ter em sua frente, por exemplo, um personagem que precisa ser colorizado e como ele pode (e deve) pensar em como as cores vão ajudar a mostrar sua personalidade e, ainda, ter seu destaque

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dentro dos parâmetros estimados pela direção de arte na animação. Uma situação prática em que isso acontece: o personagem ou objeto em movimento principal de uma cena deve ter mais destaque do que o fundo, por exemplo, que não deve “brigar” visualmente pela atenção do olhar do espectador, a não ser que, com ressalvas, essa seja a intenção. A cor influencia diretamente nisso, lembrando das relações cromáticas abordadas no Capítulo 1, como as cores complementares, as análogas e até mesmo as tríades. Além disso, Rafael também fala sobre como a cor passa a estar conectada com um personagem e marca sua história, como é o caso, por exemplo, do Boto Cor-de-rosa, da Chapéuzinho Vermelho, do Grinch, dos Smurfs, entre diversos outros. Tod Polson, designer de animação, produtor de filmes e professor estadunidense, escreve sobre os processos do renomado diretor de arte para Animação, Maurice Noble e, especialmente nos capítulos 5, 6 e 7 de seu livro, discorre sobre aspectos práticos dessa relação da cor com a composição de uma cena na animação: como ela influencia nas relações de contrastes visuais, estabelecendo desde o foco ao equilíbrio de uma cena, guiando o olhar do espectador para onde se deseja. Questões práticas enfrentadas por um designer de animação vão desde manipular a relação entre claros e escuros até a relação no círculo cromático entre as cores presentes em cena, por exemplo.56 Aqui fica mais claro o contraponto mencionado no Capítulo 3, sobre a intenção de que a cor seja “invisível” num quadro de animação. De modo geral, o desenho e a colorização de uma cena querem guiar o olhar dos espectadores para o ponto focal justamente sem chamar atenção para si e, sim, conduzindo a atenção para outro ponto, quase que cedendo o protagonismo de forma imperceptível para o espectador, que deve conseguir se manter imerso na ação e na narrativa. Peguemos por exemplo algumas cenas do longa “Branca de Neve e os Sete Anões” (DISNEY, 1937) em que a icônica maçã envenenada aparece. Muito provavelmente não por coincidência, mas por uma sé56 POLSON, Tod. The Noble Approach: Maurice Noble and the Zen of animation design. São Francisco, Califórnia: Chronicle Books, 2013.

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Figura 26: Cenas do filme “Branca de neve e os sete anões”, de Walt Disney Studios (1937). (Fonte: Reprodução)


rie de escolhas da direção de arte, a fruta vermelha vibra contra os fundos a que se sobrepõe, chamando a atenção para o perigo que oferece e ajudando a criar tensão nos momentos em que a rainha má, disfarçada de velhinha, a oferece a Branca de Neve. O vermelho vibra sobre as vestes pretas da velha, vibra contra o verde do ambiente externo da natureza (lembrando que verde é a cor diametralmente oposta ao vermelho no círculo cromático, estabelecendo uma forte relação de contraste) e ainda vibra contra as paredes internas da cabana, que levam sombras que dançam entre tons menos saturados de azul e amarelo, cores adjacentes ao verde. Além de levar em consideração essa “função” da cor de ser guia do nosso olhar, ainda devemos somar as variações culturais e psicodinâmicas que interferem na percepção de cada uma. Mencionei algumas das associações culturais relacionadas às principais cores no Capítulo 1, e seria impossível listar todas, pois além de serem associações mutáveis com o tempo, também mudam de indivíduo para indivíduo.

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Porém, Maurice Noble nos leva a entender que, para o designer de animação, não é sobre saber o significado de todas as cores em cada cultura diferente ao desenhar uma produção, mas sobre como tirar vantagem disso para o público que irá assistir o que está sendo produzido.57 Nesse sentido, Polson cita uma fala de Noble que se relaciona muito com essa dimensão proporcionada pela cor: “ ‘When I design I’m not so interested in showing what a forest “looks” like; I’m more interested in showing what a forest “feels” like’.”58 Em tradução livre, “Quando desenho, não estou tão interessado em mostrar o que parece uma floresta; estou mais interessado em mostrar a sensação de uma floresta.” E as cores, assim como o som, na animação (e no audiovisual, em geral) são essenciais para que uma cena passe a sensação desejada. Por isso é tão importante que o processo de desenhar uma animação planeje e trabalhe tão bem esse uso, para realmente tirar vantagem do que as cores contam através do olhar numa narrativa visual. Uma ferramenta de processo de criação da animação com a qual me deparei durante esse projeto e que está diretamente ligada à cor é o colorscript. Os colorscripts são como uma história em quadrinhos reduzida ou uma versão condensada de um storyboard, condensando também a narrativa aos principais quadros que representam os principais momentos do arco narrativo. Mas o foco é analisar e trabalhar como a cor e a iluminação desses momentos vão se comportar em relação ao todo, como vão sofrer transformações e como ajudarão os espectadores a sentir aquilo que cada cena quer passar.59 Por serem uma síntese visual, são muito úteis na visualização de produções mais longas, como filmes de animação, mas são importantes para praticamente qualquer produção. É possível fazer análises bastante profundas sobre os colorscripts 57 Ibid., p. 102. 58 Ibid., p. 70. 59 Pixar in a Box: The art of lighting: Colorscripts. Khan Academy, c.2020. Disponível em: <https:// www.khanacademy.org/computing/pixar/art-of-lighting/introduction-to-virtual-lighting/v/ colorscripts>. Acesso em 22 de setembro de 2020.

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Figura 27: Trecho de colorscript do longa-metragem “Procurando Nemo” (Andrew Stanton, 2003). (Fonte: AMIDI, Amid. The Art of Pixar São Francisco, Califórnia: Chronicle Books, 2011.)


de uma narrativa na animação. Exemplos bastante interessantes e até densos são os produzidos pelos estúdios da Pixar, uma grande produtora estadunidense de longas de animação 3D e que é associada com os estúdios Walt Disney. Na prática, os colorscripts são usados durante a produção de uma animação, mas também é muito esclarecedor olhar para um deles logo após assistir a produção finalizada e fazer um comparativo. Associar os picos e quedas dos níveis de emoção de uma narrativa com a paleta de cores e a iluminação de cada quadro do colorscript é uma atividade que permite ver com bastante profundidade o papel da direção de arte nesse processo e a influência disso na percepção do espectador. Um exemplo interessante desse caso é mostrado na Figura 27, em que trechos do longa “Procurando Nemo” (Andrew Stanton, 2003) se evidenciam bastante distintos ao construir ora uma atmosfera mais densa e carregada, ora uma mais leve e clara, para transmitir diferentes sensações. Mas é interessante ver, como o colorscript ajuda a ver como as cores vão contar e se associar a diferentes momentos de uma história, como na Jornada do Herói. No exemplo do curta “Lifted” (Gary


Rydstrom, 2007), a iluminação promovida pelo uso de cores bastante contrastantes distingue dois pontos de vista da narrativa (Figura 28). O primeiro é do ser humano que começa a ser abduzido no início do curta, marcado por um ambiente escuro e rural. O segundo, do extraterreste que, descobrimos, está em missão de trazer o corpo para a nave manuseando um painel de controle num ambiente bem mais claro, em contraste com o anterior. Conforme o extraterrestre chega mais perto de cumprir sua missão, mais as cenas se iluminam e se

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Figura 28: Trecho do colorscript do curta de animação 3D “Lifted” (Gary Rydstrom, 2007). (Fonte: AMIDI, Amid. The Art of Pixar São Francisco, Califórnia: Chronicle Books, 2011.)


enchem da luz vinda da nave com a abdução. No longa de animação “Klaus” (Sergio Pablos, 2019), também é possível fazer uma breve análise de como a paleta de cores evolui conforme também o personagem principal, Jesper, se transforma em sua jornada. No começo, quando o carteiro é exilado por seu pai para trabalhar em uma ilha distante e gélida, a paleta geral do filme é bem sóbria e fria, combinando com a personalidade de Jesper e dos moradores locais. Mas, conforme ele se envolve de forma mais pessoal com

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capítulo 4 ▪ a cor na animação

esse novo contexto e vai transformando seus relacionamentos (e os relacionamentos dos moradores) positivamente, a paleta geral se torna mais quente e convidativa (mesmo em um ambiente que continua “gelado”), como na Figura 29. Por isso, estando diante de ferramentas e possibilidades tão vastas, é possível perceber uma parte do tamanho do poder que os criadores e designers têm em suas mãos ao desenhar uma narrativa visual, evidenciado ainda mais nesse caso da animação. Como farão

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Figura 29: Cenas do início (esq.) e do final (dir.) filme “Klaus” (Sergio Pablos, 2019). (Fonte: Reprodução Netflix)


uso desse poder é uma variável bastante subjetiva, por depender da experiência de vida e profissional de cada um, mas é bastante nítida a diferença entre produções que contaram com usos bastante inteligentes e profundos dessas ferramentas em relação a outras que não tiveram. E mesmo que não seja diretamente percebido por espectadores com diferentes níveis de conhecimento técnico em relação ao tema, isso faz diferença psicológica no engajamento emocional dos espectadores com a narrativa.

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5 CAPÍTULO 5

Projeto


capítulo 5 ▪ projeto

5 PROJETO A partir da pesquisa realizada nesse trabalho, busquei colocar em pauta a reflexão sobre como as cores podem ganhar protagonismo em narrativas visuais, com recorte final na animação. Com a escolha do meu objeto de design sendo um curta de animação, o processo de produção navegou entre ferramentas tanto do design gráfico quanto da animação, como por exemplo nas escolhas de direção de arte e no uso do storyboard e do animatic, ferramentas mais voltadas para a construção de narrativas audiovisuais. O processo todo, no geral, segue uma linearidade que começou a partir da pesquisa de casos análogos, junto com a escrita do roteiro do curta e então passando para a fase de transformar toda essa busca em um conceito visual. Mas muitas vezes acontecia uma inversão e uma ideia para a história surgia a partir de um rabisco. Foi esse processo mais orgânico que deixou bastante margem para a evolução do roteiro simultaneamente ao longo do processo de desenhar o curta.

5.1 CASOS ANÁLOGOS Como parte do processo inicial, a busca por casos análogos ao meu projeto foi essencial para me trazer mais referências práticas sobre o universo e a estética da animação e da narrativa visual que eu pretendia explorar na realização do curta. Fatores primordiais levados em consideração para as escolhas de projeto que foram tomadas vão desde o volume de trabalho a ser realizado em relação ao prazo para a entrega, até recursos (pessoais, tecnológicos, práticos, financeiros) disponíveis. Por isso, nesse subitem, falarei de algumas referências que se tornaram pilares no desenvolvimento do projeto.

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QR Code Link para o curta On Departure


Figura 30: Cenas do curta “On Departure” (Eoin Duffy, 2013). (Fonte: Reprodução/Vimeo).

5.1.1 “On Departure” (2013) O curta de animação “On Departure” é de produção irlandesa e foi dirigido por Eoin Duffy entre 2011 e 2013. É uma metáfora visual para o suicídio do irmão de Eoin, Emmet, que, no curta, é mostrado como se estivesse chegando ao aeroporto e pegando um avião para viajar.

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capítulo 5 ▪ projeto

A narrativa é muito tocante, especialmente por conta da dimensão da música, que traz emoção e certo ar de contemplação dos espaços e sensações, além de se inspirar em sons típicos de aeroporto (como bipes e esteiras). Foi uma ótima referência para pensar no que eu gostaria de transmitir por meio dos sons no meu projeto60. Já visualmente, as composições das cenas são quase uma exploração visual e se baseiam em formas geométricas simples, com bastante sobreposição de texturas e de uma paleta reduzida de cores. A estética é bem “simples”, mas ganha profundidade com a música e com a narrativa por trás. A animação também conta com movimentos lentos e extensos, reforçando a aura de contemplação. Também foram pontos que busquei considerar no projeto. 5.1.2 “Avoidance” (2014) de Erica Rotberg “Avoidance” é um curta de animação sobre como os indivíduos têm se afastado das relações pessoais e dos laços para escapar em realidade alternativas por meio da tecnologia. Foi produzido em 2014 por Erica Rotberg, como um projeto de conclusão de curso.61 Um dos aspectos do curta que adotei como referência bastante importante durante o processo de criação do projeto é o modo como as cenas foram pensadas e apresentadas. Os cenários e enquadramentos utilizam repetição de movimentos relativamente simples, com animação de partes menores do desenho para adicionar dinâmica suficiente a cenas quase estáticas, sem adicionar complexidade demais na realização do trabalho. Essa lógica de pensar cenas mais simples com movimentos de aspectos mais básicos foi algo que mantive em mente durante o processo de desenhar o storyboard do projeto. Desse modo, pude elaborar soluções visuais e de animação que, possivelmente, seriam resolvidas num tempo mais curto dentro do prazo que tive para finalizar o projeto. 60 ON DEPARTURE. Short of the week, c2020. Disponível em <https://www.shortoftheweek. com/2013/06/18/on-departure/>. Acesso em 28 de outubro de 2020. 61 AVOIDANCE. Vimeo, c2020. Disponível em <https://vimeo.com/99992788>. Acesso em 28 de outubro de 2020.

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QR Code Link para o curta Avoidance


Figura 31: Cenas do curta “Avoidance” (Erica Rotberg, 2014). (Fonte: Reprodução/Vimeo).

Também a arte do curta foi interessante de ver, por ser uma arte em estilo 2D e que baseava os desenhos em formas geométricas e texturas. De certo modo, também foi um estilo de desenho que serviu de referência para a fase de desenho dos cenários e objetos que fariam parte da minha história.

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Figura 32: Cenas do jogo “Gris” (Nomada Studio, 2018.) (Fonte: Divulgação/Steam).

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5.1.3 “Gris” (2018), por Nomada Studio “Gris” é um jogo digital que tem tanto na arte como na narrativa características análogas ao projeto. No jogo, a personagem principal passa por uma trajetória em que luta contra a depressão, passando por fases que são representações visuais de momentos distintos dessa jornada psicológica para superá-la.62 Um fator muito interessante que acontece na narrativa, é que cada fase é muito marcada por meio do uso intencional de cores específicas. No início, há apenas branco, preto e cinza e, conforme a personagem (e o jogador) vão desbravando e enfrentando diferentes momentos da depressão (como a negação, a raiva e a aceitação), novas cores vão se somando na tela, e também a iluminação se transforma, para transmitir esses sentimentos enfrentados de forma bastante intensa. Além disso, uma dimensão essencial para a construção da intensidade que o jogo provoca é a da música. Tanto efeitos de controles do jogo como a própria trilha sonora são muito tocantes e são pilares dessa intensidade, juntamente com uso das cores. Em relação à arte, um aspecto que considerei interessante, mas depois foi descartado, foi o fato de que a imagens brincam com texturas e gradientes típicos da mistura de tintas num papel (como aquarela, por exemplo). Apesar de a arte possuir uma complexidade maior, com várias camadas de sobreposição e animação frame a frame da personagem principal, por exemplo, foi uma análise bastante reveladora, assim como a experiência de jogar o jogo. QR Code Link para o trailer de Gris

5.1.4 “OUTROEU - Pra vida inteira” (2020), de Alive Produção de Filmes No clipe da música “Pra vida inteira”, produzido para a banda brasileira OUTROEU, a construção da arte foi uma referência inicial com

62 GRIS. Steam Store, c2020. Disponível em <https://store.steampowered.com/app/683320/ GRIS/?l=brazilian>. Acesso em 29 de outubro de 2020.

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Figura 33: Cenas do clipe musical “Pra vida inteira” (Alive Produções de Filmes, 2020). (Fonte: Reprodução/Vevo).

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bastante peso, assim como a animação.63 O clipe é pensado em cenas que concentram mundos diferentes em “ilhas” independentes, um conceito que eu levei para a criação dos cenários do meu projeto. Além disso, os movimentos que aconteciam nas cenas também consistiam em articulações “simples” em vez de trajetórias ou efeitos muito complexos, assim como, em certo nível, o curta “Avoidance”. Essa referência reforçou minha busca por um estilo de desenho e de animação que pudesse ser realizado num curto prazo (cerca de quatro meses).

5.2 ROTEIRO E DESENVOLVIMENTO DA HISTÓRIA

QR Code Link para o clipe “Pra vida inteira”

Como abordado inicialmente no Capítulo 3, a ideia principal do roteiro do curta surgiu conforme alguns aspectos em relação à percepção humana sobre o branco foram chegando à minha atenção. Especialmente, a contradição entre o fato de que o branco é bastante associado ao vazio de informações, à vastidão e ao nada, mas, tecnicamente, é a síntese (ou soma) de todas as outras cores do espectro de luz visível, como vimos no Capítulo 2. Então, cheguei na premissa de contar uma história sobre a própria cor branca e escolhi transformá-la na minha personagem principal por meio da personificação, por ser um caminho mais “literal” para colocá-la como protagonista, mas ainda assim, com diversas possibilidades de exploração de roteiro. À essa receita, ainda somei aprendizados que tive durante a pesquisa sobre a Jornada do Herói. Apesar de não seguir à risca as fases destacadas por Campbell, adotei os princípios de algumas delas para momentos importantes, como a origem em um Mundo Comum, o Chamado à Aventura, alguns obstáculos enfrentados no caminho, e o Retorno ao lar. Além disso, a presença de uma borboleta que o acompanha

63 OUTRO EU – Pra vida inteira. Diretor: Fernando Hideki. Roteiro: Marina Meira. Produzido por: Alive Produção de Filmes, 2020. 1 vídeo (3min). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=bYcOM-ZTXs8>. Acesso em 29 de outubro de 2020.

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em sua viagem ajuda a incentivá-lo a viajar, mas só foi incluída mais tarde no processo. Uma segunda inspiração pessoal para a criação do roteiro foi um sonho que tive alguns anos atrás, sobre um mundo colorido acima das nuvens onde morava um artista que pintava os sonhos humanos. Esse mundo fictício no céu é palco da casa da personagem principal, de onde parte para iniciar sua jornada, que, apesar de não ser artista, vai descobrir sua própria capacidade nesse sentido. Após bastante lapidação antes da fase de transformação do roteiro em imagens, e mesmo durante ela, decidi que a história do curta ia contar como a cor branca sentia dentro de si esse conceito de vazio associado a ela, traduzido em tédio e mesmice em seu mundo acima das nuvens. A partir do momento em que vê uma borboleta voando em liberdade, decide voar em uma viagem por diferentes lugares, em busca de encontrar algo que a ajude a preencher esse vazio. Enfrentando emoções novas e diferentes, provocadas pelos desafios da viagem, vai descobrir dentro de si mesma a capacidade de transformar o modo como vê seu mundo por meio de suas próprias cores. Aqui, a narrativa do jogo “Gris” foi uma grande referência. Uma escolha de roteiro que surgiu de forma orgânica foi pela opção de não utilizar recursos textuais ou narração. Planejei trabalhar as cenas com o objetivo de que elas passassem a mensagem por si só, com seu visual e dinâmica. Durante esse processo, cheguei no nome “Blanc”. Busquei como “branco” era escrita em outras línguas para tentar afastar uma conotação de gênero da personagem, trazida pelos artigos “o” ou “a” na língua portuguesa. Acabei chegando em “blanc”, que é francês. Além disso, também se assemelha tanto à palavra blank do germânico64, que significa também “claro” ou “brilhante” (um sentido mais “positivo”), quanto blank do inglês, que também significa “vazio” ou “em branco” (um sentido mais “negativo”). 64 BRANCO. Michaelis Uol, c2020. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/branco>. Acesso em 29 de outubro de 2020.

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5.3 DIREÇÃO DE ARTE E MOODBOARDS “Your job as a designer is to make the best picture possible within your limitations.” (POLSON, 2013, p. 49) (Em tradução livre, “Seu trabalho como designer é fazer o melhor visual possível dentro das suas limitações”.)

Tendo em vista o escopo geral da história que eu contaria e o prazo que eu teria para produzi-la, comecei a sintetizar minha pesquisa visual em possíveis caminhos para a estética do curta. No geral, independente da estética, busquei um caminho que pudesse ser executado por meio da animação digital 2D e usando o programa After Effects, melhor recurso disponível no momento, tanto por conta do acesso pela faculdade quanto pela minha breve experiência utilizando o programa anteriormente. O primeiro caminho visual que explorei (Figura 34) me levaria por uma estética que brinca bastante com formas geométricas básicas e com de sobreposição de formas e cores com diferentes modos de transparência, algo que o meio digital facilita muito. Além disso, também deixaria margem para o uso de algumas texturas variadas, trazendo um nível de interesse visual um pouco maior para formas básicas. Já o segundo caminho (Figura 35) brincaria com uma estética de cut-out associada ao papel, usando texturas e formas que parecessem recortadas de papel de verdade (mas feitas no computador). Além disso, exploraria a sobreposição de cores como se fossem tintas se misturando. Acabei optando pelo primeiro caminho, por se relacionar melhor com uma parte mais técnica do conceito principal por trás do roteiro do curta Blanc, que é o fato de que o branco é a síntese de todas as cores-luz. Usando uma estética de papel e tinta, conclui que poderia causar alguma confusão de conceitos, então descartei o segundo caminho. Um segundo motivo foi a maior agilidade para alterações que primeiro caminho oferecia em relação ao segundo. Com isso, comecei rascunhos à mão para estudar formas e composições da minha personagem principal, dos cenários por onde viajaria, dos objetos que acompanhariam essa jornada (meio de transporte,

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Figura 34 (à esq. acima): Caminho visual 1 - Painel de referências visuais para estudo. (Fonte: Elaborado pela autora.) Figura 35 ( à esq. abaixo): Caminho visual 2 - Painel de referências visuais para estudo. (Fonte: Elaborado pela autora.)

Figura 36 (abaixo): Rascunhos de desenho de personagem. (Fonte: Acervo pessoal)

acessórios, borboleta), de tudo que daria ganharia vida e seria palco da minha história. No início, não sabia exatamente como representaria Blanc, então rabisquei diversas formas geométricas, até chegar na que mais gostei, que foi o círculo imperfeito. O mesmo processo começou a se dar com os cenários e objetos, cujos rascunhos navegaram entre formas mais curvilíneas e formas mais pontudas, por exemplo. Uma particularidade da animação digital que deve ser levada em consideração nesse momento é o fato de que, ao desenhar, cada parte ou elemento que será animado no

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Figura 37: Rascunhos de desenho de personagem e de composições. (Fonte: Acervo pessoal)

Figura 38: Rascunhos de desenho de cenários e outros objetos. (Fonte: Acervo pessoal)

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Figura 39: Rascunhos de desenho de composições e cenários. (Fonte: Acervo pessoal)

After Effects na fase futura, deve estar em uma “camada” separada do desenho. Assim, é possível mudar as propriedades dessa parte individualmente, como a posição dela na tela, o tamanho, a opacidade, dentre infinitas outras. Então, antes de começar os desenhos no meio digital, uma fase essencial para processo criativo e de produção da animação é o storyboard, assim é possível visualizar tudo que vai precisar ser desenhado e animado.

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5.4 STORYBOARD E ANIMATIC O storyboard é uma ferramenta que permite a visualização do desenvolvimento da história em quadros, tendo certa semelhança com histórias em quadrinhos. Mas a principal vantagem é que ele pode ser (e muitas vezes é) feito em baixa fidelidade estética, ou seja, não exige um acabamento da arte. É um rascunho estático da animação. Com ele, é possível estudar enquadramentos, transições, posicionamentos de todos os tipos de elementos nas cenas, com a vantagem de permitir modificações muito rápidas e menos trabalho “jogado fora”, uma vez que não demanda um desenho muito complexo, necessariamente. A partir do storyboard (Figura 40, na próxima página), pude montar outra ferramenta essencial para o processo, que foi o animatic. Animatic se assemelha ao storyboard em nível de finalização (rascunho) e em função (protótipo da animação), mas já é em formato de vídeo, pois estima a duração das cenas e movimentos previstos no storyboard. Mesmo que apenas montado com imagens estáticas sequenciais, já é possível ter maior noção sobre o tempo de cada ação e também permite modificações rápidas numa fase inicial da produção de uma animação. Vale enfatizar aqui que a ordem em que apresento as fases do processo no Capítulo representa uma trajetória “modelo”, mas que, na realidade, tem muito vai e vem, pois uma influencia a outra e provocam diversas mudanças ao longo da evolução do curta para cada fase. Ou seja, o roteiro não precisa estar finalizado para que se passe para o storyboard e assim por diante. Por exemplo: no meu processo, fazer o storyboard e o animatic me ajudou a visualizar e resolver alguns empasses e, inclusive, a tomar decisões de roteiro; montar o animatic provocou uma reestruturação de cenas previstas no storyboard por conta da duração que eu estimava que o curta teria inicialmente e que, na prática, se mostrou curta demais para o que eu tinha expectativa de poder contar por meio ele. Ao mesmo tempo, tive que encontrar um equilíbrio entre essa expectativa e o que eu seria capaz de realizar no prazo. Uma mudança que teve bastante peso no processo, feita após a primeira versão do animatic, foi a necessidade que identifiquei, junto a meu orientador, de acrescentar mais cenários em parte da jornada da

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personagem, para enfatizar melhor a sensação de passagem de tempo e de gasto de energia em sua busca. Mas foi também a idealização desses dois novos cenários (uma ilha vulcânica e uma montanha gelada) que abriu portas para um ajuste feito em outro momento do curta, quando Blanc sente o ápice de sua frustração. Essa cena aconteceria inicialmente em um cenário de jardim de flores, mas após o desenho dos novos cenários, percebi que poderia dar uma ênfase maior ao sentimento de Blanc se acontecesse na ilha vulcânica. Esses e outros ajustes que decorreram dessa primeira versão do animatic também evidenciaram uma necessidade de estender a duração de algumas cenas e de acrescentar outras que contribuiriam para o entendimento da narrativa do curta. A primeira versão do animatic contava com 1 minuto e 35 segundos de duração, enquanto a versão seguinte tinha 2 minutos e 16 segundos. Nessa fase, em meados de agosto, a alteração na duração e o consequente aumento do volume de cenas a serem animadas me fizeram tomar uma escolha de bastante peso relacionada à parte de som. Mesmo em fase tão inicial da parte visual, o uso dessa ferramenta da animação me permitiu fazer escolhas com bastante antecedência. O processo, apesar de estruturado, tem certa flexibilidade e permitiu a evolução e a transformação do meu projeto sempre em busca de escolhas mais inteligentes para o contexto, no sentido de considerarem valores para o roteiro, minha capacidade e qualidade técnica e tempo de execução, por exemplo. Por isso, frente a essas novas decisões sobre a parte visual do projeto, busquei uma parceria para o elemento som.

QR Code Confira no link a versão mais atualizada do animatic feito para o curta. youtu.be/gzeqOBKxr2Q

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Figura 40: Storyboard do curta “Blanc” em versão digital. (Fonte: Elaborado pela autora.)

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5.5 DESIGN DE SOM Maurice used to tell us, ‘In a film, the two first things that an audience responds to emotionally are music and color.’ (POLSON, 2013, p. 99)

Em tradução livre, a frase acima diz: “Maurice costumava nos dizer, ‘Em um filme, as duas primeiras coisas a que uma plateia reage emocionalmente são música e cor’.” Pensando numa dimensão tão importante da animação quanto o som, como vimos no Capítulo 4, comecei a buscar referências e possíveis caminhos que eu mesma pudesse executar. Até que cheguei num ponto em que o que eu planejei no roteiro de som havia tomado certa complexidade maior do eu me julgava capaz de fazer, dentro das minhas limitações e das recentes mudanças no animatic. Então, cheguei à conclusão, junto de meu orientador, de que seria melhor buscar alguma parceria externa para me ajudar com a parte de trilha e de efeitos sonoros no curta. Encontrei essa parceria no Matheus Silvestroni, um grande amigo meu da época de colégio e que hoje estuda cinema e música, além de ser movido pela paixão pessoal por músicas tema de musicais e teatro, qualidade que valorizei muito ao convidá-lo para participar do meu processo. Nesse momento, foi muito importante ter o animatic em mãos para entregar a ele. Mesmo que tenha sofrido alterações no meio do caminho, foi essencial para que o Matheus pudesse começar o trabalho com a trilha sonora já em agosto, quando não havia nada pronto da parte da arte final e nem da animação. Essa é uma vantagem enorme do animatic no processo de partes independentes, pois sabíamos que estávamos trabalhando com certa fidelidade em relação a mesma base, que já previa a duração de cada cena. E, também importante, o prazo foi mais extenso para que ele pudesse compor a trilha enquanto eu animava. Além do animatic, entreguei a ele o roteiro de som que elaborei com base nas sensações que gostaria de transmitir com essa dimen-

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são e as referências que reuni no subcapítulo de casos análogos. Montei uma tabela com a primeira versão que eu tinha das cenas previstas e organizei duas colunas em que escrevi as sensações que gostaria de transmitir em cada momento do curta e possíveis efeitos sonoros que imaginava que seriam interessantes de fundo. Mesmo o roteiro tendo sofrido algumas mudanças no processo, essa tabela já serviu de base para que ele pudesse entender melhor o briefing. Dando margem de liberdade criativa para que ele pudesse propor sugestões e alterações que julgasse adequadas, o processo nos ofereceu uma troca constante e bastante rica. Foram diversas chamadas em vídeo, mensagens e evoluções em busca de criar algo que combinasse com o curta e permitisse que a trilha e os efeitos sonoros dessem maior profundidade para o resultado final.

5.6 ARTE E PROCESSO DE ANIMAÇÃO Com o desenvolvimento da parte de som em mãos de confiança e com uma versão bastante evoluída do roteiro e do animatic, pude começar os desenhos no meio digital e que seriam animados posteriormente. Usei como ferramenta principal o programa Illustrator, que permite uma integração com o After Effects na hora de animar cada parte de forma independente. Comecei pelo desenho de Blanc, com e sem a mochila que seria seu acessório durante a viagem e em diferentes poses; na animação, esse desenho de “apresentação” do personagem em um giro de poses se chama turnaround (Figuras 41 e 42). Como mencionado anteriormente, escolhi representar Blanc em uma forma arredondada e trazendo aspectos mais humanoides por meio da personificação (adição de olhos, boca, braços e pernas, por exemplo). Blanc seria inteiro sem textura e na cor branca, com intenção de contrastar com os fundos e cenários. Para sua mochila, usei cinzas mais escuros e bastante textura, separando no desenho as partes dela que poderiam balançar de forma independente numa caminhada, por exemplo.

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Figura 41: Rascunho de Blanc em posições diferentes de um giro (turnaround). (Fonte: Acervo pessoal.)

Figura 42: Turnaround de Blanc já no meio digital, com e sem o acessório mochila. (Fonte: Elaborado pela autora.)

Depois, passei para os cenários, começando pelo mundo de partida e a única vista interna de sua casa, quando Blanc acorda. O ponto em comum entre todos os cenários foi uma lógica de pensá-los como “ilhas”, assim cada um ganhou características e texturas próprias que não dependiam de um cenário de mundo contínuo. Porém, cada cenário também teve suas particularidades. O Mundo Nuvens (Figura 43), onde Blanc vive, é literalmente repleto de nuvens e linhas curvilíneas e foi onde tentei, inicialmente, deixar os preenchimentos o mais brancos possível, em semelhança à personagem. Porém, as primeiras versões não tinham uma boa relação de contraste visual entre os elementos, característica importante para chamar a atenção do olhar do espectador. Então fui modificando até chegar numa proporção de nuvens brancas, pretas e cinzas mais interessante. O mesmo se deu com a casa de Blanc. Os mundos Floresta e Praia (Figuras 45 e 46) contaram com elementos já mais distintos. Na Floresta explorei formas com ângulos mais agudos e linhas retas tanto para as árvores como para o solo. Isso ajudou a dar maior contraste também entre esse mundo e o Mundo Nuvens, uma vez que era o primeiro lugar que Blanc (e o espectador) avistaria em sua viagem. A Floresta também era o local onde Blanc passaria a enxergar o verde, antes de uma alteração no roteiro feita já durante a fase de animação. Já no Mundo Praia, voltei a explorar formas mais curvilíneas para a representação da água do mar e das dunas. É o único cenário que não possui um “solo” justamente por contar com o elemento do mar,

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Figura 43 (esq.): Evolução do desenho do Mundo Nuvens. (Fonte: Elaborado pela autora.) Figura 44 (acima): Vista interna da casa de Blanc. (Fonte: Elaborado pela autora.)

que é bem diferente também de outros lugares vistos ao longo da história, e por ser o primeiro que receberá uma cor além do cinza, o azul. O Mundo Jardim (Figura 47), que inicialmente seria o cenário onde Blanc passaria a ver o vermelho, foi pensado para ter diversos elementos que pudessem “pular” com a troca de cores, como flores de diferentes tamanhos de formas triangulares e cogumelos, já mais semicirculares. Também no começo, esse mundo não tinha um “solo” plataforma, como na Floresta. Foi só após fazer o desenho dos mundos Vulcão e Montanha Gelada usando essa forma de representar o chão, que acabei modificando o chão do Jardim para que houvesse maior unidade artística entre esses cenários.

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Figura 45 (acima): Mundo Floresta. (Fonte: Elaborado pela autora.) Figura 46 (abaixo): Mundo Praia. (Fonte: Elaborado pela autora.)

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Figura 47 (acima): Evolução do desenho do Mundo Jardim. (Fonte: Elaborado pela autora.)

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Figura 48 (acima, à esq.): Mundo Montanha Gelada. (Fonte: Elaborado pela autora.) Figura 49 (acima, à dir.): Mundo Vulcão. (Fonte: Elaborado pela autora.) Figura 50 (acima): Desenhos da luneta e borboleta. (Fonte: Elaborado pela autora.)

Dois cenários que não estavam no planejamento inicial foram o Vulcão e a Montanha Gelada, que produzi com a intenção de que aparecessem de passagem em um momento do curta que buscava representar melhor a jornada longa de Blanc. O Mundo Montanha Gelada foi pensando para ser bem vazio e inóspito, assim como o Vulcão. Porém, desenhando o Vulcão, percebi que esse cenário poderia oferecer muito mais força para o momento em que o vermelho aparece, já imaginando uma erupção de lava. Foi nesse momento que planejei a troca com o Jardim para a entrada do vermelho. Então, pensei também em passar a inserir o verde na história no Jardim, ao invés de na Floresta, pois as flores mais coloridas poderiam trazer maior interesse visual para a composição. Por fim, os últimos elementos que desenhei foram objetos como o balão, a luneta e a borboleta, que fazem parte de sua jornada. Uma característica especial sobre o balão é que ele representa a mistura das cores que eu busquei apresentar também nos cenários. Apesar de tomar a liberdade artística de não usar as cores-luz exatas que somariam o branco, quis representar essa mistura e essa sobreposição nesse objeto que viaja com ele nessa jornada: um objeto que parte de um jeito e volta transformado pela aventura. A borboleta também foi diferente no momento de animar, pois utilizei o recurso de camadas 3D do After Effects, para facilitar fazer o bater de asas. Para as texturas que apliquei em algumas partes de cada cenário ou objeto, tratei imagens de uso livre de folhas de papel, água, muros e paredes, para que ficassem em preto e branco e com

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diferentes contrastes usando o programa Photoshop. Então apliquei as texturas às formas já desenhadas no Illustrator e testando diferentes combinações em cada cenário ou parte. Algumas imagens foram trocadas já mais no final do processo, pois perderam resolução ao terem suas formas ampliadas para algumas cenas no After Effects, fato que só realizei na fase de animação. E o que fiz para todos os elementos que começariam cinza, mas sofreriam alguma transformação de cor ao longo da história, foi fa-

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Figura 51: Evolução do desenho do Balão. (Fonte: Elaborado pela autora.)


Figura 52: Acima, teste de aplicação do azul em todo o cenário da Praia e, abaixo, do azul somente no mar em contraste com os cinzas. (Fonte: Elaborado pela autora.)

zer arquivos diferentes para cada versão com uma nova cor, pois facilitaria a troca na animação. Por exemplo: tenho um arquivo separado para a Praia sem azul e para a Praia Azul, assim como tenho para o Jardim cinza e para o Jardim com azul e vermelho. Também explorei diferentes formas de como uma nova cor que entraria no cenário se comportaria, com diferentes modos de sobreposição e transparência. Por exemplo, nesse teste com a Praia em apliquei o azul ao cenário todo e outra versão em que só apliquei o azul no mar (Figura 52).

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capítulo 5 ▪ projeto

Acabei optando para a Praia (e para o restante dos cenários) pela aplicação em lugares específicos, assim havia bastante contraste entre a nova cor e os cinzas já existentes. O tempo que dediquei majoritariamente aos desenhos foi cerca de um mês, entre o meio de agosto e o meio de setembro. Foi em torno da segunda quinzena de setembro que comecei a parte de animação, onde encontrei novos desafios. Como abordado no Capítulo 4, a maior parte do que convence um

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Figura 53 (acima): Versões do Mundo Jardim (acima) e Vulcão (abaixo) coloridos. (Fonte: Elaborado pela autora.) Figura 54 (dir.): Teste de versões coloridas do Mundo Nuvens. (Fonte: Elaborado pela autora.)


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capítulo 5 ▪ projeto

espectador na animação é o próprio movimento. Muitas particularidades da área da animação se evidenciaram cada vez mais importantes durante o processo, o que foi, acima de tudo, uma aprendizagem de muito valor para a minha experiência. Nesse momento, contei muito com o apoio de materiais relacionados aos 12 princípios de animação, que fui compreendendo melhor a cada animação “estranha” que fiz e refiz, evoluindo a cada dia. Momentos em que me senti mais desafiada foram os que envolveram a animação de Blanc, personagem principal. Por tê-lo desenhado como uma forma geométrica básica, um círculo, todo seu corpo era também seu rosto. Princípios da animação que ajudam a construir mudanças de expressão mais convincentes também se aplicaram a seu corpo. Um exemplo é no caso em que Blanc está no balão e de repente

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Figura 55: Ilustração de referência que mostra a evolução das fases de uma expressão facial de personagem. (Fonte: WILLIAMS, op.cit., p. 320).


Figura 56: Frames do curta dos momentos chave em que Blanc vai trocando de expressão ao avistar algo no horizonte. (Fonte: Elaborado pela autora.)

avista o primeiro lugar onde vai pousar. Tendo como meu escudeiro fiel o livro Manual da Animação, aprendi sobre como a expressão facial evidencia a mudança de pensamento de personagens, como mostrado na Figura 55. E, a partir disso, construí as mudanças de expressão em Blanc na cena mencionada (Figura 56). Outro aspecto relacionado a Blanc foi o fato de que percebi que em algumas cenas, sua forma e cor não estavam estabelecendo contraste suficiente com o fundo, principalmente no Mundo Nuvem. Testei diferentes formas de colocá-lo em destaque um pouco maior. Uma opção foi usar um contorno bem fino, mas escuro, em sua forma e a outra, uma sombra leve projetada atrás de sua forma, também chamada de drop shadow. (Figura 57) Como não utilizei o recurso do contorno em nenhum outro elemento do curta, considerei que ficou destoando do

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capítulo 5 ▪ projeto

restante da arte, então optei pela aplicação da sombra. Outro desafio interessante foi pensar transições entre as cenas que pudessem ter seu potencial mais explorado no meio da animação. Em vez de utilizar somente cortes secos entre uma cena e outra, brinquei com a passagem de objetos em frente a câmera que acabam revelando a nova cena conforme passaram, com o uso de fusão entre cenas (em que uma cena e outra se mesclam por meio da transparência) e até simples passagens de câmera para um ambiente diferente. Frente a todas essas escolhas, fui tomando maior consciência do desafio que é construir uma narrativa visual e ainda mais, uma animação. Foram cerca de dois meses animando, modificando, evoluindo e aprendendo sobre essa parte da animação.

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Figura 57: Comparação entre Blanc sem diferenciação com o fundo (esq.), Blanc com uma leve sombra aplicada (meio) e Blanc com contorno aplicado (dir.). (Fonte: Elaborado pela autora.)


5.7 VIABILIZAÇÃO Por último, só resta uma parte. Após a finalização do curta e da trilha sonora, uni os dois em um arquivo de vídeo, passível de ser publicado online, enviado ou compartilhado em diferentes canais. Esse processo de transformar o arquivo de projeto da animação (que contém todas as partes modificáveis) em um arquivo de vídeo se chama renderização. Assim, um arquivo renderizado não pode ter suas partes modificadas, a não ser que a alteração seja feita no arquivo de projeto e que, tal aconteça, ele passe por uma nova renderização. Nessa fase final, comecei a discutir com meu orientador como o curta Blanc chegaria às pessoas. Estudamos possibilidade de publicar em canais como Behance, Vimeo ou YouTube de forma livre e, também, a intenção de enviar para diferentes festivais de animação que pudessem oferecer maior alcance e visibilidade. Por conta dessa intenção, a princípio, escolhemos a plataforma Vimeo, pois permitia a possibilidade de acesso ao curta de forma restrita, por meio de senha. Isso porque alguns festivais que pesquisamos pedem como regra que a produção a ser enviada não tenha sido ainda publicada. Então, para esse momento final de 2020 e até meados de 2021, planejo manter restrito até ter um planejamento mais certo de para quais festivais poderei enviar o curta. Porém, era necessária uma inscrição paga, então partimos para o Youtube com link não-listado. Mapeei algumas possibilidades de festivais de animação que recebem curtas e também a possibilidade de categorias estudantis. São algumas dessas possibilidades o Anima Mundi e Festival Internacional de Cinema Infantil. A princípio, pesquisarei mais algumas no âmbito nacional, na América Latina e talvez em Portugal. Por enquanto, você pode conferir o resultado final a partir da leitura do QR code.

QR Code Link para o curta “Blanc”, privado no Youtube. youtu.be/hoF9rsgRAG0

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6 CAPÍTULO 6

Conclusão


capítulo 6 ▪ conclusão

CONCLUSÃO

nificados de sua presença. Por exemplo nos casos analisados em que a cor-personagem atua diretamente na narrativa e, também, nos casos em que atua mais indiretamente, como a cor-sensação e a cor-sentimento, mas ainda com forte influência na evolução da história. E, não limitando os cases apenas à animação, pudemos ampliar o escopo e evidenciar como a cor influencia diferentes apresentações de histórias: da tela ao papel, do estático ao dinâmico. Porém, fazer o curta, realmente foi um dos maiores desafios. E entender como tudo aquilo que pesquisei poderia se aplicar e se relacionar com o resultado do meu projeto foi completo, mas sem deixar de alimentar toda minha curiosidade sobre o tema e so-

Realizar esse projeto foi uma tarefa muito prazerosa, por mais que difícil e desafiadora. Com certeza, meu interesse no tema foi uma escolha acertada e uma forte motivação que, acredito, ainda existe de explorar ainda mais. Trazer cases para discutir o assunto foi um dos momentos mais prazerosos, pra mim, pois tenho em minha personalidade mais facilidade de estudar um assunto do que de fazer algo com ele. Como visto, a personificação não é o único caminho para tornar nosso tema principal um elemento narrativo (e não só estético). Por meio de sua associação com sentimentos, objetos e momentos marcantes de uma narrativa pode-se criar infinitos sig-

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dades seriam encontradas se expandida a pesquisa na área das narrativas visuais, trazendo novos e diferentes cases, algo que certamente complementará esse caminho. É certo que as cores têm um futuro (e presente) infinito como contribuintes para as narrativas visuais, sendo símbolo de identidade e caracterização de personagens, de cenários, de sentimentos, de tempo e por aí vai.Especialmente, está nas nossas mãos explorar essas possibilidades de como a cor realmente extrapola o papel de ferramenta e passa a assumir protagonismo na história que estamos querendo contar. Ou melhor, mostrar.

bre uma área na qual eu não possuía tanta experiência. Entender na prática a tomada de decisões de projeto, levando em consideração diversas condições, e compreender com maior profundidade o fluxo de trabalho de uma animação. Foi uma felicidade tremenda conhecer mais da animação e ver que a área de recorte escolhido para realização do projeto já se apresentou extremamente aberta aos diferentes usos da cor. E, além disso, conhecer ferramentas que potencializam essa exploração de tamanho poder, como o colorscript. Toda essa experiência só me fez ver que o poder das cores é tão maior do que eu já imaginava, tamanhas são as possibilidades. Imagino quantas novas possibili-

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