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Sinopse Rosa é uma das doze princesas forçadas a dançar noite após noite no reino de baixo. Elas foram vítimas de um feitiço que nenhum príncipe, até mesmo dos reinos mais distantes, consegue desvendar. A chave para quebrar o encanto, porém, está na força de um cavaleiro destemido e – claro – no amor verdadeiro. Mas será que ele conseguirá driblar todas as dificuldades que aparecerão em sua jornada para ajudar essa bela princesa e suas irmãs? Uma fantasia repleta de romance que encontrará lugar entre os fãs de contos de fadas, grandes heroínas e jovens heróis fortes, astutos e sensíveis.
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Contra-Capa: Rosa é uma das doze princesas forçadas a dançar noite após noite em um reino subterrâneo. Elas foram vítimas de um feitiço que nenhum príncipe, até mesmo dos reinos mais distantes, consegue desvendar. A chave para quebrar o encanto, porém, está na força de um cavaleiro destemido e - claro - no amor verdadeiro. Mas será que este cavaleiro conseguirá driblar todas as dificuldades que aparecerão em sua jornada para ajudar essa bela princesa e suas irmãs? Uma fantasia repleta de romance que certamente conquistará os fãs de contos de fadas, grandes heroínas e jovens heróis fortes, astutos e sensíveis.
Aba de trás: JESSICA DAY GEORGE trabalhou como atendente de videolocadora, bibliotecária, vendedora de livros e em uma escola, antes de sua grande virada: ter seu primeiro livro publicado. Jessica mora com seu marido, seu filho e um cão Maltês chamado Pippin, em uma casa que precisa frequentemente ser aspirada. www.jessicadaygeorge.com 4
Prologo Por já ter sido humano, o Rei Sob Pedra às vezes se via atormentado por emoções humanas. Enquanto observava a mulher mortal diante de si, experimentava uma delas; porém, levou certo tempo até reconhecê-la. Após uma pausa, rotulou-a como a sensação de triunfo. - Você compreende o nosso pacto? - A voz do rei soava como o choque de uma espada que se quebra. - Sim - a voz da rainha humana era confiante. - Por doze anos dançarei para você aqui embaixo e, em troca, Westfalin vencerá. - Não se esqueça dos anos que ainda me deve - disse o rei. - Nosso primeiro pacto ainda não foi cumprido. - Eu sei. - Ela curvou a cabeça, fatigada. Havia círculos escuros sob seus olhos, e seus cabelos começavam a ficar brancos, embora ainda fosse uma mulher jovem. O Rei Sob Pedra estendeu sua mão branca e comprida, e ergueu o queixo dela. - Uma pena que suas filhas não se juntem a você em nossos pequenos festejos - ele disse. - Garotas adoráveis, tenho certeza. Meus doze filhos estão ávidos por companhia. Novamente, o sentimento de triunfo: a ideia daquelas garotas mortais dançando com seus filhos. Havia sido ridiculamente simples para ele ter filhos com doze princesas do reino mortal. Mas um pequeno problema surgiu à medida que os garotos cresciam: onde encontrar noivas para eles. Belas noivas que pudessem caminhar ao Sol. A rainha mortal tinha ido até ele implorar por ajuda para ter filhos com seu marido tolo e gordo, mas ela jamais disse que queria meninos e, agora que parira uma dúzia de filhas, Sob Pedra encontraria uma maneira de trazê-las para baixo, para conhecerem seus futuros maridos. 5
Uma expressão de horror se espalhou pelo rosto da rainha: - Minhas filhas são garotas doces e honradas - ela gaguejou. - E jovens. Muito jovens! - Ah, mas meus filhos são jovens, e suas queridas mães também eram mulheres doces e honradas, assim como você e suas filhas! E meus príncipes anseiam por companhia de sua própria estirpe. - O Rei Sob pedra jogou para trás um cacho de cabelos dela, fazendo-a estremecer. - Adoráveis donzelas, que possam andar à luz do Sol. Ela recuou. - Terminamos? Eu preciso ir... As crianças... Meu marido... - Sim, sim - ele acenou com sua grande mão. - Nosso pacto está feito. Pode ir. A mulher deu meia-volta e se apressou para fora dali. Para fora do escuro palácio na margem sombria. Uma figura encapuzada e silenciosa, vestindo um manto, levou-a pelo lago sem Sol em um bote prateado, e a escoltou até o portão que levava ao mundo da luz solar. O Rei Sob Pedra sorriu enquanto observava a Rainha Maude se afastar velozmente. Ela voltaria. Ela tinha de voltar todas as semanas. Mas não foi isso que o fez sorrir. Ela tinha escondido sua condição por algum tempo, porém, assim que entrou no bote, ficou aparente que a rainha humana esperava sua oitava criança, precisamente dentro do cronograma. - Outra preciosa princesinha para ela e seu querido Gregor - disse o rei, a fria semelhança com sentimentos humanos apenas tingindo sua voz. - E outra bela noiva para um de meus filhos.
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Soldado
E
mbora exausto quase ao ponto de não conseguir mais pensar, Galen
continuava seguindo em frente, sozinho no meio da estrada empoeirada. Em sua cabeça, ele cantava a canção de marcha de seu velho regimento, mas seus pés tropeçavam mais do que marchavam. Esquerda, esquerda, esquerda, esquerda, pra esquerda minha esposa e filhos também! Eu fiz direito, direito, direito, direito, direito? Riu por dentro: não tinha esposa ou filhos. Acabara de completar dezenove anos e passara a maior parte da vida no campo de batalha. Não tinha família para deixar, apenas tendas imundas, comida ruim e morte. Diante dele jazia a estrada sem fim, poeira, sede e vida. Ou assim esperava. Ele bebeu o resto da água de seu cantil e, ao pendurá-lo novamente no cinto, tropeçou. O vento atravessou seu casaco gasto de soldado; o inverno estava chegando. Por toda parte havia campos alqueivados há anos. Em um deles, nabos que alguma família esperançosa plantara apodreceram na terra, sem que ninguém os tivesse colhido. Em outro, as ervas estavam da altura de Galen. Uma vaca e seu bezerro estavam se banqueteando nas ervas, e ele desviou-se de seu caminho, dando um passo em direção a eles. Pareciam abandonados, então ninguém se importaria se ele enchesse seu cantil com leite. Mas quando deu um segundo passo, a vaca curvou-se alarmada e fugiu em disparada, com o bezerro em seus calcanhares. Ela ficava em estado selvagem por tempo demais para permitir ser ordenhada. Com um suspiro, Galen seguiu em frente. De vez em quando, encontrava outros soldados voltando para casa. Ele partilhava de uma refeição frugal e acampava durante a noite com eles; na manhã seguinte, por um tempo, caminhava na familiar companhia dos outros exaustos guerreiros de túnicas azuis, assim como ele. Porém, nunca ficava com esses soldados por muito tempo, algo que eles 7
achavam incomum. No calor da batalha, estranhos se tornavam irmãos e o elo não era rompido pela morte ou distância. No entanto, Galen jamais se sentira daquela maneira. Ele havia visto sua primeira batalha com a idade de sete anos, ajudou sua mãe a cuidar dos feridos e a viu lavar o sangue inimigo do uniforme de seu pai quando tudo acabou. Para ele, a guerra era uma doença, algo a ser evitado, e não uma coisa sobre a qual queria falar a respeito com outros homens aflitos à luz de fogueiras. Às vezes, carroças dirigidas por mulheres ou homens velhos demais para se juntarem à luta lhe ofereciam carona. Eles lhe perguntavam se havia encontrado o irmão ou o pai ou o marido deles durante a guerra. Era raro que o tivesse: o exército era vasto, e o regimento de Galen ficava fora da cidade de Isen, longe daqueles campos e florestas. Ele dizia o que podia para as pessoas, esclarecendo sobre as condições em que os soldados viviam e celebrando com elas o fim da guerra. Enfim, Westfalin havia derrotado os analousianos, mas fora uma vitória amarga. Após doze anos de guerra, o país estava em profunda dívida com seus aliados, e muitos soldados não retomariam para casa. Ou, como Galen, não tinham mais uma casa para retornar. Filho de um soldado com uma lavadeira do exército, Galen tinha nascido em uma cabana cujos fundos davam para os campos de treinamento nos quais seu pai fazia exercícios de marcha o dia inteiro. Quando tinha seis anos, os analousianos atacaram, e o regimento de seu pai foi enviado para alinha de frente. Sua mãe, ela própria filha de um soldado, apanhou Galen e sua irmã bebê e se juntou ao comboio de abastecimento. Ela limpou túnicas azuis e cerziu meias cinzas até o dia em que a doença dos pulmões - um presente da umidade e do frio - tomou sua vida. A irmã mais nova de Galen, Ilsa, também sofreu com a doença. Ela se recuperou, mas seu fôlego lhe faltava com frequência e, por isso, ela subia nos comboios de abastecimento durante as marchas. Ilsa morreu quando o vagão em que estava deslizou na chuva, em uma estrada que ficava em uma íngreme montanha, e caiu rio abaixo. Na época, Galen tinha doze anos. Ele já vinha trabalhando com soldados desde seu oitavo aniversário: buscava pólvora e chumbo, recarregava mosquetes e pistolas, levava mensagens dos generais para líderes em campo. Podia atirar com um mosquete ou pistola, usar uma baioneta, descascar batatas, fazer uma tala em uma perna quebrada, engraxar botas, lavar camisas, e tricotar suas próprias meias. Também podia cuspir a uma distância de seis pés com alta precisão, praguejar como o melhor dos sargentos, e insultar os analousianos em sua própria língua. Seu pai teria se orgulhado. 8
O pai de Galen tornou-se sargento e então, certa manhã, perdeu a vida para uma bala analousiana, quando Galen tinha quinze anos. O menino o enterrou em uma vala comum, cavada após a batalha, tomou suas armas e marchou para a próxima luta. Galen não sabia, mas apenas uma semana depois, atiraria no assassino e seu genitor, metendo uma bala exatamente no mesmo lugar em que seu pai fora baleado - uma polegada à esquerda do coração. Aqueles dias ficaram no passado, Deus seja louvado, e Galen esperava nunca mais ter de matar outro homem. Ele ia para norte e leste, longe da Analousia e para o coração de Westfalin. Tinha esperança de encontrar a família de sua mãe na cidade capital de Bruch. Com tantos homens perdidos em batalha, rezava para que houvesse um lugar para si na casa da tia, bem como no negócio da família. Ele não conseguia se lembrar do que sua mãe havia dito, mas achava que seu tio trabalhava com árvores. Parecia estranho para ele encontrar serviço como lenhador no coração da cidade, mas Galen não era exigente. Só precisava de trabalho, comida, e um lugar para descansar seus ossos desgastados. - Oh, meus ossos tão desgastados! Galen de repente parou de marchar ao notar que alguém ecoara seus pensamentos. Na lateral da estrada, um monte de trapos se rearranjava na forma de uma velha mulher usando um vestido esfarrapado e xale. Ela tinha as costas curvadas e corcundas, e seus brilhantes olhos azuis encararam Galen. - Olá, jovem soldado! - Olá, avó! - ele respondeu. - Você teria algo para uma velha mulher comer? - Ela estalou os lábios, revelando poucos dentes. Com um gemido, Galen tirou sua mochila e colocou-a no chão. Gemeu ainda mais alto conforme se abaixava para sentar-se ao lado da velha. - Vamos ver. Ele não partilhava do sentimento que outros soldados tinham de que o resto do país lhes devia alguma coisa. Eles lutaram a guerra, verdade, mas era seu trabalho. Os civis seguiram com suas funções também. Costureiras costuraram, ferreiros ferraram cavalos e moldaram pregos, os fazendeiros que não prestaram serviço continuaram com suas fazendas. Seus pais haviam instilado nele um profundo respeito por mulheres e pelos mais velhos, e a criatura anciã diante dele era os dois. 9
Ele remexeu sua mochila. - Bebi toda a minha água, mas tenho um gole de vinho aqui no odre - disse, colocando-o diante dela. - Tenho três bolachas duras, uma fatia de queijo velho, e um pacote de carne seca. Também tenho algumas bagas que colhi esta manhã. Sentiu certa angústia ao oferecê-las: estava guardando-as para uma ocasião especial. Porém, iria se sentir ainda pior se negasse àquela velha algo que lhe desse prazer. - Não tenho dentes suficientes para carne seca ou bolachas - ela disse, seu sorriso revelando ainda mais lacunas do que Galen notara antes. - Mas não me importaria de comer um pouco de queijo e vinho, igual aos banquetes daquelas pessoas chiques do palácio. Galen comeu duas bolachas duras, mas logo se arrependeu. Ele não tinha água, e a velha engoliu todo o seu vinho de uma vez só. Então ela comeu o queijo com os lábios estalando e olhos em deleite, até que ele percebeu estar sorrindo diante do prazer dela. Arqueando uma sobrancelha, a idosa olhou para as bagas: - Se importa em partilhá-las, querido? - Claro que não. Galen as empurrou para perto da mulher. Ela apanhou um punhado e despejou-o dentro da boca de uma só vez, saboreando-as da mesma forma que fizera com o vinho e o queijo. Feliz por ela não ter pego o saco inteiro para si, Galen apanhou sua porção e comeu com igual prazer. - Você está retomando da guerra? Agora que sua fome estava satisfeita, a velha escrutinava Galen. - Sim, senhora - ele disse com brevidade. Não queria saber o nome do neto ou bisneto que ela havia perdido para uma bala analousiana. Ele embrulhou de novo a bolacha que havia sobrado, dobrou o queijo em um pano e o saquinho com as bagas, e arrumou tudo ordenadamente em sua mochila. Colocou o odre por cima, na esperança de conseguir um gole ou dois na próxima fazenda.
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- Eu estava na linha de frente - Galen não sabia ao certo por que havia mencionado o fato que outrora fora sua fonte de orgulho. Ele estivera lá e sobreviveu. - Ah - A velha balançou a cabeça com tristeza. - Mau negócio, esse. Pior do que precisava ter sido, sabe - ela colocou o dedo na lateral de seu nariz torto, piscando. Galen meneou a cabeça: - Não entendo. A velha apenas suspirou e acenou com a cabeça sabiamente. - Apenas lembre-se: quando você faz um acordo com aqueles que vivem abaixo, há sempre um preço escondido - ela assentiu com a cabeça novamente. - Entendi. Obrigado - disse Galen, confuso. Mas ele não entendia de fato; imaginou que a velha estivesse senil; entretanto, aquilo não era de sua conta. - É melhor eu seguir em frente enquanto há luz do dia - falou, levantando-se e pendurando a mochila nos ombros. - Sem dúvida, pois as noites são frias - disse a velha mulher, ficando de pé também. Ela estremeceu e envolveu seu xale fino em torno dos ombros. - Os dias também são frios. Galen não hesitou. Tirou um dos cachecóis que tinha em volta do pescoço e ofereceu para ela. Era feito de lã azul e bastante quente. - Aqui, avó, pegue isso. - Eu não poderia privá-lo dele, pobre soldado - ela observou, ao mesmo tempo em que o apanhava. - Eu tenho outro - ele respondeu gentilmente. - E também lã e agulhas. Se quiser, posso fazer mais. Segurando o cachecol no alto sob a fraca luz do Sol, a velha admirou a costura justa. - Você próprio o fez? - Sim. Há tempo suficiente entre batalhas para bordar uma dúzia de cachecóis e uma centena de meias, eu bem sei - ele deu uma pequena risada. - Pensei que os soldados passavam seu tempo ocioso jogando dados e com prostitutas - ela deu uma surpreendente risadinha feminina.
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- Jogo e prostitutas são bons, mas não quando há buracos em suas meias e neve caindo pelos rasgos de sua tenda - ele respondeu de forma sombria. Então dissipou a memória. - Use-o para trazer boa sorte. Galen gostaria de ter um xale para dar, pois o que ela vestia tinha grandes buracos. Mas o único xale que já havia feito havia sido dado à filha de um general, com seus suaves olhos amendoados. - Você foi muito gentil com uma velha - ela disse. - Muito gentil. Ela enrolou o cachecol em volta do pescoço e deixou as extremidades penduradas para proteger o peito magro. - É justo que eu retribua sua bondade. Ele recuou a cabeça, assombrado. Ela não tinha comida, e mal tinha roupas para se cobrir. O que ela poderia dar a ele? - Isso não é necessário, avó - Ele a assegurou, vendo os dedos retorcidos dela apalparem sob o xale. - Oh, é sim - ela disse. - Neste mundo cruel, a bondade sempre deve ser retribuída. Tantas pessoas passaram por mim hoje e ontem, sem me oferecer uma única palavra gentil ou um punhado de comida. E há algo em você que eu gosto. Ela puxou algo de trás das costas, e o queixo de Galen caiu. Ele a havia tomado por corcunda, quando ela tirou um pano comprido do dorso de seu vestido e o segurou. Era um manto curto, não muito diferente de algo que um oficial da Analousia usaria. Mas em vez do verde do uniforme analousiano, este era de uma cor purpúrea entorpecedora. Tinha uma gola alta e firme e uma corrente dourada para prendê-la. A velha o balançou, e Galen viu que ele era forrado por uma seda cinza pálida. - Você deveria usar isso para manter-se aquecida - ele disse. A velha gargalhou ante a sugestão: - O quê? E ser atropelada por uma carroça de fazendeiros? É loucura viajar trajada assim! Galen pressionou os lábios. A pobre velha realmente havia enlouquecido. Ele se perguntou se deveria ajudá-la a chegar até a próxima vila. Decerto alguém a reconheceria; ela não poderia ter vagado para muito longe de casa em sua idade.
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Ela se inclinou para frente e disse em meio a um suspiro: - É um manto de invisibilidade, garoto. Prove. Ele olhou à sua volta, perdido, mas não havia nenhum celeiro ou cabana à vista em qualquer direção. - Eu realmente não devo. Talvez devamos procurar sua família. - Prove! – ela gritou como um corvo zangado e agitou o manto para ele. Prove! - Tudo bem! - Ele ergueu as mãos em sinal de rendição. Apanhou o manto dela com cautela e jogou-o sobre os ombros. Este ficou preso em sua mochila, mas o jovem logo o soltou. - Pronto! Como estou? - Ele estendeu os braços. Decerto não estava invisível. Revirando os olhos, a velha balançou a cabeça. - Você precisa apertá-lo. Sem querer aborrecê-la novamente, Galen apanhou a extremidade pendente da corrente e apertou o fecho dourado na gola. Ele ia fazer um gesto floreado com as bordas da capa para dar um efeito dramático, mas em vez disso deu um grito. Não podia ver seus braços. Olhando para baixo, não conseguiu ver qualquer parte de seu corpo: apenas duas pegadas no pó. A velha bateu palmas de deleite. - Maravilhoso. Serve em você como um sonho. - Estou invisível - Galen falou, maravilhado. Ele andou em um círculo, olhando suas pegadas no chão. - Sim, está, mas ouça-me, garoto. É perigoso ficar invisível. - Pela primeira vez ela soou verdadeiramente lúcida, seguindo as pegadas dele com os olhos. – Você pode ser pisoteado por cavalos ou por incontáveis outras coisas. Esse manto não é para ser usado com displicência. Somente em casos de verdadeira necessidade. Galen desapertou o manto e observou seu corpo tornar-se visível. Com grande relutância, tentou entregar o manto de volta para a mulher. - Jamais poderia aceitar algo assim de você, avó - disse, respeitosamente. Este é um tesouro mágico único. A senhora deveria guardá-lo com cuidado, ou encontrar um mago ou alguém assim para vendê-lo. Com o dinheiro poderia comprar um novo vestido para si, ou quem sabe até uma cabana. 13
A velha o esbofeteou antes que ele pudesse se abaixar. - O manto não está à venda, não importa se eu passar fome até morrer. Deve ser dado àquele que mais precisa. E esse é você, soldado. Ele sacudiu a cabeça para livrar-se da agulhada que o tapa lhe rendera. - Mas não tenho necessidade dele - respondeu, tentando devolvê-lo para ela. - Sou apenas um soldado, ou ao menos era. Não tenho lar, esposa ou mesmo trabalho. Afastando as mãos dele, a velha virou a cabeça para o lado. - Você precisará dele e muito mais. - Novamente tateou sob seus farrapos e, dessa vez, tirou um grande novelo de lã branca e outro menor, preto. - O preto é grosseiro, mas forte. O branco é suave, mas quente, e forte à sua própria maneira. Um prende, o outro protege. Preto como uma corrente de ferro, branco como um cisne na água. Ela os pressionou em suas mãos, e ele quase derrubou a lã e o manto. - Preto como ferro, branco como o cisne - ela disse novamente, encarando-o com seriedade. Sem pensar, ele repetiu as palavras: "Uma prende, a outra protege. Preto como ferro, branco como o cisne". Ela virou-se e começou a andar na direção de onde Galen tinha vindo. - Você precisará delas, Galen - ela disse. - Quando estiver no palácio, precisará muito. Não deve permitir que ele venha para cima. - Quem não deve ser permitido? Eu não vou para o palácio - ele respondeu recuando, confuso. - Eu vou procurar trabalho com meus tios, eles... - Ele parou de falar e perguntou: - Como você sabia meu nome? - Lembre-se, Galen - ela disse por cima do ombro. - Quando estiver no palácio, terá grande necessidade.
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Bruch
G
alen chegou em Bruch uma semana depois. A cidade se parecia muito
com um acampamento do exército: pessoas agitadas, lama e cheiro de fumaça, cavalos, e mil outros odores, todos conflitando uns com os outros. Diferentemente da fileira de tendas, contudo, as ruas de Bruch não seguiam em linha reta, e logo Galen ficou confuso. Por fim, ele parou no meio de uma rua, virando de um lado para outro, tentando decidir para onde ir. - Perdido, soldado? - Uma mulher robusta vestindo avental saiu de uma pastelaria próxima. Ela lhe deu um sorriso caloroso. - Quer um pão doce? Seu estômago roncou alto, e uma garota que passava segurando uma cesta nos braços deu uma risadinha. Ele fitou-a, e ela retomou o olhar com audácia e piscou. - Vou entender isso como um sim - falou a pasteleira, chamando a atenção dele novamente. - Venha, vamos entrar. Corando, Galen a seguiu. Ele não queria alardear no meio da rua que não tinha dinheiro para pagar por um pão doce, mas a pasteleira o segurou pelo braço antes que tivesse dado sequer dois passos para a loja. - Eu não aceitaria seu dinheiro, mesmo que você tivesse algum - disse, com seus olhos gentis cintilando. - Meus genros retomaram a salvo para casa há duas semanas. No dia em que os vi chegando pela estrada, orei a Deus e fiz um voto de que qualquer soldado que cruzasse meu caminho seria bem-vindo para encher a barriga - seu sorriso diminuiu, e ela limpou um pouco do pó da manga de Galen. - Há muitos que não têm mãe ou esposa para recebê-los de braços abertos, como os maridos de minhas filhas. Galen devolveu o gracejo dela:
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- Isso é uma grande gentileza, boa senhora. Meu nome é Galen Werner. - Eu sou a Senhora Weiss, mas pode me chamar de Zelda. Ela o levou até uma mesinha e trouxe não apenas um prato com pães doces, mas também uma xícara de chá de rosa mosqueta, uma grande fatia de torta de queijo com cebolas e um copo de leite fresco. Ele a agradeceu copiosamente e se inclinou para comer, só parando quando foi apresentado às duas agitadas filhas. - Nossos maridos não demoraram a encontrar trabalho – disse - lhe Jutta, a mais velha, entre um cliente e outro. - Estão consertando o teto da catedral. Você encontrará algo tão rápido quanto, tenho certeza. Tem sido muito difícil, com todos os homens capazes indo para a guerra. A irmã mais jovem, Kathe, bufou: - Nós fizemos nossa parte. Eu mesma consertei o vazamento em nosso teto, se você se lembra. - E quase caiu para a própria morte quando voltou ao chão sólido, se bem me lembro - disse Zelda, trazendo uma bandeja cheia de bolinhos. Ela empurrou três para o prato de Galen e colocou o resto na vitrine da loja. - Você tem família aqui em Bruch, Galen? - Zelda retomou à mesa dele. - A julgar pela forma que está comendo meu assado, diria que ainda não chegou em casa. Sentindo-se envergonhado por seus modos, Galen engoliu o resto do bolinho rápido demais e engasgou. Jutta bateu nas costas dele e sua irmã mais nova buscoulhe água. - Temo que não - ele arquejou quando conseguiu respirar de novo. - Eu não tenho um lar. Nunca tive: meu pai era soldado, e minha mãe lavadeira do exército. Ambos estão mortos. Mas minha mãe tinha uma irmã em Bruch, e estou aqui para procurá-la. - Ah, é? - A pasteleira viúva balançou a cabeça. - Qual o nome dela? Vivi em Bruch minha vida inteira. - Se minha mãe não a conhecer, ela não existe - Kathe disse em um resfôlego. Galen saudou-a levemente: - Então sou muito afortunado por tê-la encontrado, senhora - falou. – A irmã de minha mãe casou-se com um Orm, Reiner Orm. O nome de minha tia é Liesel.
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Kathe abriu a boca de surpresa. Zelda grunhiu, olhando-o com renovado interesse. - Entendo. Galen sentiu uma onda de embaraço. E se a família de sua mãe tivesse má fama? Ela não falava muito sobre eles. Quem sabe fossem ladrões de cavalo, bêbados, ou algo do tipo, e aqui estava ele, dizendo o nome deles com orgulho naquela loja respeitável. Jutta deu um assobio grave. - Os Orm são seus parentes? Reiner Orm? Kathe deixou um suspiro escapar. - Bem, pelo menos podemos dizer que com certeza eles terão trabalho para você. E um lugar para dormir. - Segure a língua, garota - disse Zelda, olhando feio para a filha mais nova. Ela acenou com a cabeça para Galen. - Conheço a rua onde Reiner Orm vive. Jutta pode levá-lo lá, e a casa é bastante fácil de ser encontrada. - Eu poderia levá-lo - reclamou Kathe. - Você deveria ir lá para trás e começar a fazer o jantar para seu marido – alfinetou Zelda. - É menos provável que Jutta fofoque no caminho até lá e vadie na volta - a pasteleira voltou-se para Galen e tomou sua mão. - Você é bem-vindo a qualquer hora, meu rapaz. E se vir qualquer um de seus companheiros de guerra, conte a eles sobre a loja de Weiss, e que também serão bem tratados com bolinhos de uva-passa - ela deu-lhe um beijo na bochecha. - Obrigado, bela senhora... Zelda – ele ficou em pé, ainda segurando a mão dela, e curvou-se. - Você foi muito gentil, e eu não comia um assado tão bom desde... Bem, jamais comi. Era verdade: a mãe dele não fora conhecida pela culinária. Zelda corou e sorriu, e mais uma vez disse para ele voltar. Então, retomou à cozinha para checar algo no forno, arrastando consigo sua carrancuda filha caçula. Sozinhos, Jutta e Galen trocaram sorrisos embaraçados. Ele colocou sua pesada mochila nas costas sem se envergonhar pelo gemido que deu, e Jutta mostrou o caminho porta afora e rua abaixo. Caminharam em silêncio por um período, até que avistaram o palácio, alto e angular, com janelas cujos vidros pareciam diamantes. Ele era similar às casas comuns de Bruch, exceto que tinha o
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tamanho de quatro delas juntas e suas paredes eram rosa estuque, o que fazia com que ele parecesse um enfeite de bolo no centro da cidade. Finalmente, Galen criou coragem para perguntar sobre seus primos. - Há algo de errado com eles? - perguntou, abruptamente. - Errado com quem? - Jutta pareceu assustada com a explosão. - Com os parentes de minha mãe. Os Orm. Sua mãe, sua irmã... Os rostos delas quando mencionei o nome... - A voz dele desapareceu. Jutta riu alto, mas ao ver o desconforto dele, parou e colocou a mão sobre sua manga. - Não há nada de errado com sua família - falou, com firmeza. - É só que eles são conhecidos por toda Bruch. Foi bastante surpreendente ter um de seus parentes vagando por nossa humilde loja. Tenho certeza de que todas nós pensamos que você diria algo como seus parentes serem donos de uma alfaiataria, e nós descobriríamos onde eles vivem. Mas um sobrinho de Reiner Orm... - A voz dela minguou. - Mas por que eles são conhecidos? - Eles não eram muito notórios antes da guerra - explicou Jutta. Ela continuou a caminhar, de forma que Galen não podia olhar diretamente para seu rosto. - O trabalho deles era conhecido, claro, conhecido em toda Bruch, mas a família em si não era notável - ela aliviou a última frase com um breve sorriso. – Mas então... Bem, algo aconteceu e houve muita fofoca. Galen parou de andar. Ele tinha certeza! Havia algum escândalo relacionado aos parentes de sua mãe. E não estava certo se queria descobri-lo. - Não é nada que irá afetá-lo - Jutta falou, puxando-o pelo braço e levando-o adiante. Ela mordeu o lábio. - Detesto contar histórias, e Deus sabe que não estou a par da trama inteira, mas asseguro a você que sua família não foi difamada. - Então o que aconteceu? - Não cabe a mim dizer. E isso foi tudo o que ela disse. Seguiram em frente em um desconfortável silêncio. Passaram por um contador de histórias cercado por um grupo de crianças, e partilharam um sorriso enquanto o homem narrava a fábula das Quatro Filhas de Russaka.
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- O rei e a rainha de Russaka tinham quatro belas filhas - proclamou o contador. - O cabelo delas era reluzente como ouro, olhos como safiras e lábios como cerejas maduras. Dispostos a protegê-las de qualquer mal, seus pais as trancaram em uma alta torre, cuja chave ficava no poder da mãe. Nenhum homem jamais as vira, e elas passavam o dia cantando e bordando roupas para o altar da igreja. Ainda assim, em uma noite escura e terrível, choros foram ouvidos vindos da torre. O rei e a rainha destrancaram a porta, subiram correndo os mil degraus e entraram no quarto. Lá, viram suas quatro doces filhas, cada qual com um bebê de cabelos negros nos braços. "Que homem fez isso?",perguntou o pai. Mas as princesas não queriam falar. Então uma grande sombra cobriu a Lua, e quando ela foi embora, os bebês haviam desaparecido. Foram viver nas profundezas da terra, com a criatura que era seu senhor, um feiticeiro soturno cujo nome nunca é pronunciado. Os gritos de pavor das crianças ainda podiam ser ouvidos quando Galen e Jutta viraram a esquina e desembocaram em uma fileira de casas voltadas de frente para o muro oeste do palácio. Elas eram altas e grandes, com paredes de estuque branco, pintadas com flores e pássaros. Na metade da rua, uma das casas era mais alta que as demais, com estuque rosa da mesma cor do palácio e persianas verdes brilhantes. Vasos cheios de gerânios brancos e rosas descansavam sob cada janela, e havia uma grande maçaneta de cobre no meio da porta verde. Sobre ela, uma grinalda de hera seca retorcida com um laço preto: ocorrera uma morte na casa. Contudo, a julgar pelo estado da hera, tinha sido já há algum tempo. Graças à guerra, aquele não era um sinal incomum nos lares. - Esta é a casa de Orm - disse Jutta, parando em frente. Galen espiou a imponente casa, sua barriga formigando. - Tem certeza? - Estava convencido de que Jutta havia cometido um engano. A família de sua mãe não poderia viver em uma casa daquele tamanho. - A família Orm tem permissão especial para usar o mesmo estuque do palácio - respondeu Jutta. Ela deu uma leve palmada no braço dele. - Vou deixá-lo aqui, Galen. Mas você será sempre bem-vindo na loja. Ele engoliu em seco. - Obrigado. Mande meus melhores votos para seu marido - Galen se curvou. Jutta deu um sorriso que formou covinhas no rosto e se afastou. Galen permaneceu na calçada em frente à casa rosa, sentindo-se mais perdido do que antes de Zelda tirá-lo da rua.
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Ele estava prestes a dar meia-volta para ver se encontrava algum gentil albergueiro que pudesse acolher um soldado solitário, enquanto tomava coragem para encarar seus parentes, quando a porta verde se abriu. Uma mulher usando vestido marrom e avental branco saiu, carregando uma cesta no braço. Quando o viu em sua túnica azul militar e com a mochila nas costas, ela congelou e seu rosto empalideceu. Pensando que ela fosse desmaiar, Galen dirigiu-se até ela, apanhou a cesta e a acomodou no chão, incerto sobre o que mais fazer. - Oh, deusa! Oh, meu coração! - Ela apertou seu amplo seio. - Oh, bondosa deusa! A mulher engasgou e então olhou para ele novamente, escrutinando-o. Um lampejo de decepção e tristeza correu pelo seu rosto. - Sinto muito! Pensei que você fosse... Fosse... Outra pessoa - seus olhos rumaram para a grinalda sobre a porta, e então os pés vacilaram. Galen apressou-se em apoiá-la e ajudá-la a sentar no degrau superior. - Respire fundo, senhora - ele disse alarmado. - E respire mais uma vez. Sinto muito por tê-la assustado dessa forma. - Não foi culpa sua - ela garantiu. - Foi apenas minha própria tolice – ela deixou escapar um profundo suspiro. - Oh, querido - outro suspiro. Galen deu uns tapinhas fracos na mão dela, que deixou escapar um arremedo de sorriso. - Você poderia me ajudar a levantar? Ele ajudou a mulher a se colocar de pé e entregou-lhe a cesta que havia largado. Ela parecia estar se recuperando. Seu rosto não estava mais pálido, e o fôlego voltava ao normal. - Por favor, permita que me desculpe mais uma vez - Galen queria se arrastar para dentro de um buraco e morrer. Provavelmente, aquela era a caseira de sua tia, e ele quase a fez ter um derrame na porta. Não poderia esperar hospitalidade dos Orm agora. Mas agora que estava de pé, a mulher não o deixaria escapar. Ela olhou-o de cima a baixo com olhos francos, de forma bem parecida a como Zelda o fez. - Está voltando da guerra, não? - Sim, senhora.
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- Onde é sua casa, então? - ela olhou-o de soslaio e disse lentamente: - Você me parece familiar. É o filho de Bergen? - Ah, não. - Dos Engel? - Não - Galen mudou de posição rapidamente. - Quem são seus pais, então? Galen respirou fundo: - Meu nome é Galen Werner. Meu pai era Karl Werner. Minha mãe era Renata Haupt Werner - apressou-se em dizer: - Ambos estão mortos, vim aqui porque... Porque esta é a única família que me restou. Acho. Ele apontou para a casa rosa. - Oh! - A mulher deixou a cesta cair e envolveu Galen em seus braços. - Sabia que você tinha uma aparência familiar! O filho de Renata! O único filho de Renata! Sentindo-se esquisito, Galen tentou afastá-la. Seus braços estavam apertados contra a lateral do corpo, e ela puxava a mochila dele para baixo com o feroz abraço. - Sou a irmã de sua mãe - a mulher disse, afinal, afastando-se. Ela enxugou os olhos com um lenço grande. - Oh, que prazer é esse! Que surpresa! Sou sua tia, Liesel. Ondas de alívio passaram por Galen. Essa foi uma recepção ainda mais calorosa do que esperava. Ela o abraçou novamente e, dessa vez, ele retornou o ato de coração. A porta se abriu, e um homem alto de ombros largos estava parado diante dela. Ele franziu a testa diante da cena que viu. Tinha cabelos grisalhos e um bigode impressionante que o fazia parecer uma morsa zangada. - Liesel, você perdeu a cabeça? - Oh, Reiner! Veja: É o querido filho de Renata! Ele voltou para casa, vindo da guerra! - Ela deu um pequeno empurrão nas costas de Galen, na direção de Reiner Orm. - Como vai, senhor? - disse Galen, curvando-se. - Eu sou Galen Werner. Karl e Renata Werner eram meus pais. - Estão mortos? - grunhiu Reiner. - Mortos pela guerra?
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- Sim, senhor - Galen hesitou um pouco diante do embotamento das palavras de seu tio. - Minha mãe morreu da doença dos pulmões. Meu pai foi baleado. Minha irmã Ilsa morreu em um acidente. Anos atrás, eu receio. - Oh, pobres queridos! - Liesel fazia um rebuliço em torno dele, mas Galen não tirava os olhos de Reiner. Reiner, em troca, não tirava os olhos de Galen. - Então você alega ser Galen Werner, certo? - Eu sou Galen Werner, senhor - respondeu Galen, não de todo surpreendido por ser desafiado daquela maneira. - Prove - Reiner cruzou os braços sobre o peito. - Reiner, aqui não - disse Liesel, com uma súbita voz afiada. Ela parou de flutuar em torno de Galen e deu uma olhadela fria para o marido. - Os vizinhos já falam o suficiente de nós. Não vejo motivos para dar mais desdobramentos às fofocas. - Ela tomou o braço de Galen. - Venha para dentro e tome um chá, Galen, enquanto Reiner discute com você. - Obrigado - disse Galen, receoso. Reiner abriu caminho para que Galen e Liesel entrassem. Liesel levou o sobrinho até uma sala de estar bem mobiliada e indicou uma cadeira ao lado da lareira. Um pequeno fogo queimava na grelha, e a sala estava iluminada por lamparinas a óleo. No geral, era um ambiente claro e agradável. Galen colocou sua mochila no chão e sentou onde lhe fora indicado. Reiner sentou-se à sua frente, em uma cadeira que era quase um trono, ainda encarando-o da cabeça aos pés com seus gélidos olhos azuis. Liesel saiu e retornou alguns minutos depois com chá, sentando-se em uma pequena cadeira rosa e arredondada, que tinha uma cesta de costura ao lado. Balançando com a mão calejada a fina xícara chinesa e o pires que havia recebido, Galen olhou para o tio de forma furtiva. Aquela havia sido uma recepção melhor do que esperava, mas agora que já havia passado, ele estava desorientado. Como provar quem era? Ele jamais havia encontrado aquelas pessoas antes, ou, se o fizera, era jovem demais para se lembrar e tinha mudado muito para que o identificassem. Atingido pela inspiração, disse:
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- Tenho o mosquete de meu pai - colocou o chá sobre uma pequena mesa e foi até a mochila. Havia enrolado a arma cuidadosamente em uma lona e prendido com uma tira de couro na lateral da mochila. A baioneta estava embainhada e arrumada junto com pólvora e chumbo. Ele não tinha intenção de voltar a dispará-la nunca mais. A arma estava velha e desgastada, mas cuidadosamente polida. A base, feita de nó de carvalho havia sido lixada pelas mãos de seu pai, e então por suas próprias, até que brilhasse como um espelho. E esculpido na parte de trás, havia o nome de seu pai. Ele mostrou o mosquete e o nome para Reiner. O homem apanhou a arma com propriedade, mas manteve uma expressão de desdém. Grunhiu e devolveu-a para Galen, quando terminou o exame. - Você poderia simplesmente ter roubado o mosquete de Karl. - Reiner! - Liesel parecia chocada. - Também tenho isto - Galen procurou dentro de sua mochila, com o braço inteiro enfiado até o ombro, e sacou uma pequena algibeira. Dentro dela estavam as alianças de seus pais, simples anéis de ouro que poderiam ter pertencido a qualquer um, e o crucifixo e o medalhão de sua mãe. Ele mostrou o medalhão para Reiner e Liesel. Tinha as iniciais de sua mãe na parte de trás e duas fotos dentro. Uma de seu pai, e outra dele próprio quando tinha oito anos, segurando a irmã criança. O crucifixo era pequeno e prateado e tinha a data de batismo de sua mãe gravada em um lado. Pelo olhar no rosto de Reiner, contudo, ele ainda pensava que Galen nada mais era do que um esperto ladrão. Desesperado, Galen forçou o cérebro em busca de outra prova de sua identidade. - Minha mãe disse que recebi o nome de meu avô, Galen Haupt, que costumava assustar vocês duas ao retirar seus dentes de madeira e escondê-los sob seu travesseiro, tia Liesel - Galen pensou em outra história e corou, mas decidiu mencioná-la da mesma forma: - E senhor, quando você estava cortejando tia Liesel, costumava se esgueirar até a cozinha e comer doces enquanto ela se vestia, e você... Era muito... Gordo. Ele concluiu de forma apressada:
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- Minha mãe disse que ela costumava chamá-lo de Reiner Roliço – Galen guardou as coisas de seus pais e tomou um gole de chá, com cuidado para não encarar o austero bigode de Reiner Orm. - Então você é o filho de Karl e Renata - disse Reiner, como se somente agora Galen tivesse aparecido à sua porta. Ele colocou seu próprio chá de lado. – Pegue um pouco de vinho, Liesel. Temos que celebrar a chegada de nosso sobrinho – ele não parecia estar gostando muito da ideia. - De fato, devemos - Liesel disse, exasperada. Ela deu um beliscão na bochecha de Galen ao passar. Reiner grunhiu: - Acho que você deve conhecer sua prima. Temos uma filha, Ulrike. Nosso filho está morto - ele foi até a porta da sala de estar e berrou: - Ulrike, desça aqui! Ulrike chegou junto com sua mãe, piscando sonolenta. Era uma garota bonita, por volta de dezesseis anos de idade, de bela silhueta e longos cabelos loiros. Ela sorriu para Galen. - Desculpe-me, estava lendo um livro - e apanhou um cálice de vinho com sua mãe, sem perguntar qual era a ocasião. - Você está sempre lendo um livro - rosnou o pai. - Este é seu primo, Galen - tia Liesel explicou para Ulrike. - Ele veio para ficar conosco. Seus pais, minha irmã e seu marido, morreram na guerra. - Sinto muito - disse Ulrike, com a testa franzida. Ela reparou na túnica azul pela primeira vez. - Você lutou na guerra também? - Sim. Sim, lutei. - Teve sorte de não ter morrido. - Sim, tive - Galen olhou para seu vinho, embaraçado. - Você já encontrou... Reiner interrompeu a filha com um brinde: - À família! E aos negócios de família! - Ele ergueu seu cálice, e todos o acompanharam. Após terem bebido o vinho, Ulrike insistiu: - Você conheceu alguém chamado...
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- Ulrike - disse tio Reiner, interrompendo-a novamente. - Não incomode o garoto. Você sabe que não quero conversas sobre a guerra nesta casa. - Se minha presença o incomoda, eu posso ir - falou Galen, com dentes cerrados. Irritava-o profundamente que pessoas que jamais haviam visto a guerra tivessem tamanha aversão a ela. Na verdade, já tinha visto pessoas atravessarem para o outro lado da rua para evitar passar ao seu lado, e um homem havia cuspido ao ver um soldado aleijado pedindo dinheiro do lado de fora dos portões da cidade. - Claro que sua presença não nos incomoda - Reiner parecia genuinamente surpreso com a ideia. - Mas nesta casa não falamos sobre a guerra. Meu filho, Heinrich, está morto por causa dela - Reiner apontou para a lareira com seu copo de vinho. Sobre a lareira havia um pequeno quadro oval com um tufo de seda preta dobrado sobre ele. Galen ergueu a seda e olhou para o quadro. Era o retrato de um jovem, com a mesma idade que ele. Estava ao lado de uma cadeira, na tradicional pose feita para retratos. Vestia um terno escuro e seu cabelo estava meticulosamente penteado; ainda assim, o artista foi capaz de captar o que parecia ser um vislumbre de travessura em seu olhar. - Você pode ficar com o antigo quarto de Heinrich - disse tia Liesel, com a voz um pouco abafada. Quando Galen se virou, viu que ela estava com os olhos trêmulos, e Ulrike olhava para o vazio, virando sem parar o copo de vinho em suas mãos. - Obrigado - Galen limpou um pigarro da garganta. - Mas não quero ser um fardo. Gostaria de encontrar trabalho imediatamente - ele jamais havia sido inativo na vida, e tal pensamento o preencheu com um sentimento de pânico. Ainda que não tivesse sido reconhecido pelo tio, gostaria de encontrar trabalho o quanto antes. - Não sei se há necessidade de um par extra de mãos onde você trabalha, tio Reiner...? Sentiu-se tão ansioso com relação àquilo quanto se sentira para com tudo o mais até ali. Ele podia fazer qualquer coisa, contanto que recebesse a chance de aprender; mas, com tantos homens voltando para casa, haveria excesso de trabalhadores sem habilidades procurando emprego. Ele sabia ler, escrever e fazer somas, mas sua educação não ia além disso, e duvidava que houvesse necessidade por um homem que conseguia tricotar uma meia em quatro horas. Mas tio Reiner acenou com a cabeça. 25
- Preciso de alguém desde o momento em que Heinrich partiu. Você vai se sair bem. Contanto que tome cuidado com os pés e não pisoteie. Sua Majestade adora suas orquídeas. Galen franziu as sobrancelhas. De que seu tio estava falando? - Senhor, eu não entendi...? - Não sabe? - Ulrike deu uma risadinha. - Papai é o Rei da Tolice! - O quê? - Galen ainda não havia entendido. - Ulrike! - Tia Liesel pareceu chocada. - Você não deveria dizer coisas assim! Reiner agitou o dedo para a filha. - É a chamada "tolice" desse Rei que compra suas roupas e coloca comida na mesa, sem mencionar que paga pelos livros que você passa o tempo todo lendo - ele desviou o olhar da filha para encarar Galen. - Nossa família tem a grande honra de formar a equipe de jardinagem do próprio Rei Gregor - disse Reiner, com evidente orgulho.
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Princesa
R
osa mordeu o lábio ao ficar diante de seu pai. O Rei Gregor estava
irritado. Ele estava tão irritado que uma veia em sua têmpora esquerda pulsava, e sua face estava quase roxa. - Isso, isso, isso! - Ele balançava a sapatilha de dança desgastada na cara dela, incapaz de dizer qualquer outra coisa. - Isso! Ela escutou uma de suas irmãs dar uma risadinha e cutucou a próxima da fila, Lírio, com seu cotovelo. Lírio passou a cotovelada adiante até chegar à engraçadinha. Provavelmente, Crisântemo. A garota de treze anos achava tudo hilariante. Rosa gostaria que Crisântemo seguisse com mais frequência o exemplo de sua irmã gêmea. Margarida era uma criança modelo. - Você acha isso engraçado? - O Rei Gregor deu um giro se afastando de Rosa e voltou sua atenção para Crisântemo, que de fato era a engraçadinha, conforme Rosa suspeitara. - Acha isso divertido? - N-n-não, papai - ela gaguejou. Rosa fechou os olhos e rezou para ter forças. Crisântemo não estava gaguejando de medo, mas sim pelo esforço de não rir em voz alta. Maldita menina! Não havia de fato nada engraçado na situação delas, e, ainda assim, Crisântemo aproveitava qualquer oportunidade para fazer graça. - O reino está na corda bamba! Nenhum dinheiro! Nenhum herdeiro! Soldados feridos para todos os lados que eu olho! - O Rei Gregor arremessou as sapatilhas na parede de raiva. - E noite após noite, vocês, meninas, se esgueiram furtivamente e fazem sei lá o quê, e ainda esperam que eu pague por essas futilidades? 27
- Não, pai - disse Rosa. - O quê? - O rei voltou-se para sua filha mais velha. - Está dizendo que vocês não têm escapulido? Tenho a prova bem aqui! - Agora o outro par da sapatilha era esfregado no nariz dela. Esse pertencia a Orquídea, de cetim rosa com laços prateados. Havia um buraco no dedão, e um dos laços pendia por um fio. - Não, pai - disse Rosa, permanecendo o mais calma que podia. - Não estou negando a evidência. Só quis dizer que o senhor não deveria ter que pagar por nossas "futilidades". Nós pagaremos pelas novas sapatilhas com nossa própria mesada. As demais garotas grunhiram, mas a oferta de Rosa acalmou um pouco o rei. - Bem! - ele bufou. - Bem! Não é como se pudessem esperar uma grande mesada, de qualquer forma. Não com o país nas condições em que está. - O senhor não deve se preocupar, pai - disse Jacinto, solenemente. Ela saiu da fila (o Rei Gregor insistia que suas filhas se enfileirassem como soldados ao receber suas punições) e estendeu suas mãos para o pai. Jacinto tinha apenas quinze anos, mas já tinha a face pálida e séria e o corpo dolorosamente magro. Passava seus dias na capela, rezando pelos pecados de todos e sua absolvição. Ela era, surpreendentemente, uma exímia dançarina. O Rei Gregor não pegou as mãos de Jacinto. Em vez disso, encarou-a: - Você! Você é a que tem mais senso de todas, ou assim eu pensava! Como elas a convenceram a fazer isso?! - Ele remexia com a sapatilha no rosto dela agora. - E para começar, como foi que vocês saíram de seus quartos? Não sou eu mesmo quem as tranca todas as noites? Como? Como? Respondam-me! Coloco vocês em quartos diferentes e acordo para encontrar apenas as portas abertas e todas deitadas no tapete do quarto de Rosa, como uma ninhada de filhotes. O que foi que aconteceu? Mas Jacinto apenas fez uma reverência e voltou para a fita. Rosa escutou Jacinto suspirar. Ela não podia falar a verdade, e Jacinto jamais mentia. - Você pode muito bem suspirar, minha filha - disse Gregor. Então, suavizou um pouco, tendo a maior parte de sua ira já sido descarregada pela gritaria. - Agora, saiam daqui todas vocês. Pedirei que o sapateiro venha e faça um novo conjunto de sapatilhas de dança para vocês. Precisarão delas: o novo embaixador de Bretanha chegará esta tarde. Mas o custo irá sair de suas mesadas - ele avisou. - Terá que sair - murmurou, conforme se afastava. 28
- Pobre pai - disse Lírio, quando ele não podia mais escutá-la. - As coisas estão tão mal ultimamente... E ter que se preocupar com isso as torna ainda piores. - Eu não quero novas sapatilhas - falou Petúnia. Ela era a mais jovem, com seis anos. - Eu prefiro comprar doces e dançar descalça - e ela começou a rodopiar pela sala. - Lá, lá-lá, lá! Amor-perfeito, que tinha sete anos, sentou-se no chão com um baque: - Eu também não quero novas sapatilhas. Não quero mais dançar! - E desatou a chorar. - Calma, calma - Lírio correu para seu lado e apanhou a garotinha. O cabelo de ambas era do mesmo tom de castanho escuro, e as duas usavam vestidos azuis naquele dia. Amor-perfeito gostava de combinar as roupas com sua irmã favorita. - Sinto muito, querida - disse Rosa, esfregando as costas da irmã. - Mas você sabe que temos que dançar. - Agora não poderei ter o instrumento novo que queria comprar – grunhiu Violeta. Aos quatorze anos, ela era um prodígio ao piano e cantava como um anjo. Precisarei pagar por sapatilhas de dança em vez disso! - Sinto muito - disse Rosa, automaticamente. Ela tinha a sensação de estar sempre se desculpando naqueles dias: por desgastar suas sapatilhas, pela exaustão de suas irmãs, pela pobreza do país. E nada daquilo era sua culpa. - Sinto muito. Então, para não lidar com onze pares de olhos tristes a encarando, ela se afastou. Era a mais velha, e sua mãe a havia encarregado de tomar conta das irmãs; porém, às vezes, o fardo era muito grande. Rosa saiu da enorme galeria onde havia se reunido com suas irmãs, desceu uma escadaria, e passou pelas portas altas que levavam ao jardim de sua mãe. Uma vez lá, fez uma pausa para respirar fundo. O palácio cheirava a pedra e tinta, pessoas e comida, e chão polido com cera de abelha. O jardim cheirava somente a flores e terra.
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Sua mãe, a Rainha Maude, tinha vindo da Bretanha e não gostava dos invernos frios e rigorosos de Westfalin. Ela não gostava de árvores sempre escuras ou das pequenas flores edelvais e dos arbustos azevinhos que compunham o jardim do palácio antes de sua chegada. Para deixar sua nova noiva feliz, o Rei Gregor ordenou que o antigo jardim fosse refeito. Flores bretâs foram importadas, junto com árvores ornamentais, trepadeiras e até mesmo bancos de ferro e estátuas de mármore bretão, tudo para fazer com que Maude se sentisse em casa. Infelizmente, Westfalin e a Bretanha não partilhavam do mesmo clima. As garoas e neves suaves do inverno bretão, e seus verões quentes e úmidos, transformavam-se em chuvas congelantes, nevascas e verões tão quentes e secos em Westfalin, que as plantas menos resistentes morriam. Para manter o Jardim da Rainha florescendo, uma equipe de jardineiros tinha que trabalhar diariamente, regando, tirando ervas daninhas, fertilizando e tomando conta das rosas, lírios e heras. Pareceu natural quando a rainha deu o nome das flores de seu jardim às próprias filhas. Ela as chamava de seu próprio e adorado jardim. Contudo, quando a pequena Petúnia tinha apenas dois anos de idade, a Rainha Maude morreu. Em memória de sua adorada esposa, o Rei Gregor manteve o jardim exatamente como era. Isso causou um pouco de ressentimento no povo de Westfalin. O reino já estava em guerra há mais de seis anos, e havia protestos por causa do Jardim da Rainha. Era considerado desperdício de dinheiro e de recursos humanos o montante necessário para manter o local florido, e a morte da rainha era vista por alguns como uma desculpa para acabar com a Tolice de Gregor. Mas o Rei Gregor não tirou as rosas de sua mulher para plantar trigo. Não havia batatas entre as margaridas ou cenouras nas prímulas. Continuava a ser um jardim dos prazeres, mesmo quando havia tão pouco prazer do lado de fora dos muros do palácio. Mas Rosa era grata pelo jardim. Não somente pela lembrança de sua gentil mãe, como também pela privacidade que ele assegurava. Aqui havia caminhos sem fim que cortavam por entre a blindagem das árvores. Havia amontoados de rosas, artisticamente preparados para se arquear sobre bancos nos quais uma garota podia sentar e pensar, longe da vista de suas irmãs, governantas e criadas. Sempre havia jardineiros trabalhando, mas o jardineiro-chefe, Reiner Orm, não era um
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homem falante e não contratava fofoqueiros para trabalhar para si. Eles respeitavam a privacidade da família real e os deixavam em paz. Ao contornar uma esquina, Rosa topou com um dos jardineiros. Walter Vogel era um homem grisalho na casa dos cinquenta anos, com olhos azuis brilhantes e uma perna de pau. Ele aparecera nos portões do palácio no dia em que Rosa nasceu, procurando trabalho, e, àquela altura, era um personagem da vida palaciana tanto quanto o rei. Walter estava sentado em uma pedra arredondada, sua perna de madeira apoiada no joelho bom, e o queixo, sobre o punho. - Bom dia, Walter - disse Rosa. - Bom dia, Princesa Rosa - ele respondeu, com reverência. - Estava sentado por um momento, pensando na situação do mundo. - Entendo - ela sorriu. Era bem do feitio de Walter dizer coisas obscuras como aquela, mas ela realmente queria ficar sozinha. Ela contornou-o rapidamente. Ele se levantou da pedra: - Mas se não voltar ao trabalho e podar a cerejeira, terei que me preocupar com a situação de minha própria pele - ele deu uma piscadela e apanhou suas ferramentas de poda. Rosa levou um dedo aos lábios e prometeu: - Não direi uma palavra a Mestre Orm, caso o veja. - Obrigado, gentil Princesa Rosa - respondeu Walter. - Claro que o mestre jardineiro está ocupado treinando o novato. Parece que seu sobrinho retornou ontem do exército. Um ótimo jovem, mas que jamais viu uma orquídea em toda a vida. Rosa acenou com a cabeça em simpatia. - Eles estão ali embaixo, naquela direção - Walter disse, apontando para a esquerda com o dedão. - A senhorita talvez prefira seguir pela fonte do cisne, princesa, em vez de ir pela trilha de rosas amarelas - Ele balançou a cabeça sabiamente. Estava bem habituado com os lugares favoritos de Rosa. - Obrigada, Walter - ela agradeceu, e virou-se em direção à fonte.
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Ele acenou novamente e a saudou com as ferramentas conforme ela passava. Rosa seguiu pelo caminho oeste até chegar à fonte do cisne. Era uma das menores fontes, embora o bojo sob a estátua do cisne, que era bem maior do que um de verdade, fosse grande o suficiente para uma pessoa se banhar. O pescoço de bronze do pássaro se curvava sobre os lírios flutuantes, seu bico mal tocando as águas claras. Havia bancos em toda volta da fonte, e foi em um desses que Rosa sentou-se para pensar. Os pavões do palácio, com seus estranhos gritos chiados, podiam ser levemente escutados dali, tornando aquele um local de reflexão silenciosa. Rosa podia literalmente olhar pela água límpida e ver sua imagem no fundo polido do bojo da fonte. Ela gostaria que Mestre Orm e seus jardineiros não fossem tão cuidadosos com a limpeza. Havia algo perturbador em olhar através da água e ter a visão de si própria afogada encarando-a de volta. Rosa passou um fio de cabelo solto para trás da orelha. Ela não tinha percebido que parecia tão cansada. Mal tinha dezessete anos, mas pensou que aparentava bem mais. Ela mexeu a água com o dedo, desfazendo a imagem, e deu as costas para a fonte para olhar o resto do jardim. Por que ela não deveria parecer cansada? Tinha onze irmãs mais jovens, todas buscando sua orientação. Assumira o lugar de sua mãe como anfitriã designada para todas as funções sociais e, ultimamente, havia várias delas, na esteira da vitória contra a Analousia. Naquele mesmo instante, três embaixadores estrangeiros diferentes estavam no palácio recebendo vinho e comida e, esperava-se, assinando acordos comerciais lucrativos. E quase todas as noites havia a dança. Sempre havia dança após jantares de Estado, e como Princesa da Coroa, ela nunca se sentira "humilhada" por não poder participar de uma dança, por não ter um parceiro. No entanto, o Rei Gregor acreditava que um excesso de folia era prejudicial, de modo que a dança sempre terminava pontualmente às onze horas; o que dava tempo suficiente para que as doze irmãs se recompusessem até o Baile da Meia-noite. Rosa voltou-se para a água e se inclinou para ver seu reflexo mais uma vez. Ele mostrava em seu rosto que ela era amaldiçoada? Cansada, sim, ela decerto parecia cansada. Mas uma maldição - sua maldição, a maldição de sua mãe, a maldição de suas irmãs - deixava marcas também?
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Um arrastar de pés no cascalho da trilha chamou sua atenção, e ela se desequilibrou. Seu braço mergulhou na fonte até o ombro, e então a mão escorregou para dentro do bojo. Ela caiu de cabeça na água, mas antes que pudesse bater o crânio no fundo, um braço forte estava ao redor de sua cintura, puxando-a de volta. - Cuidado, muito cuidado! Atabalhoada, Rosa estava de volta ao banco, exceto que, agora, estava encharcada e envergonhada. Um homem alto, jovem e bonito jazia em pé ao seu lado, com ar de preocupação. Sua bata marrom de jardineiro estava aberta na gola, apesar do ar frio, e ela pôde ver uma fina cicatriz cortando a pele bronzeada. O curioso é que ela não conseguia parar de olhar para ele. - Hã, senhorita? Sua voz atraiu o olhar dela para cima. Era uma voz jovem, mas sua pele tinha a cor de quem estivera longas horas sob o Sol, e havia até mesmo algumas linhas nos cantos dos olhos e boca. Seu cabelo era bastante curto, mas dava a impressão de que poderia formar cachos, caso lhe dessem chance. - Senhorita? Você está bem? Eu a assustei? Rosa parou de encará-lo e recompôs sua dignidade. Claro que de a tinha assustado. Ela não tinha simplesmente decidido dar um repentino mergulho na fonte gelada! Porém, achou que seria rude mencionar isso. Em vez disso, acenou graciosamente. - Obrigada pela sua ajuda - disse, tentando ignorar a água gelada que pingava de seus cabelos e ensopava seu vestido, ou o fato de que a maior parte de seu xale ainda estava na fonte, somente com um pedacinho dele enganchado no cotovelo. - Eu sou Galen - de disse, apanhando o ancinho que tinha derrubado ao ajudála. Estendeu sua mão livre. Rosa olhou para de chocada. Ele não sabia quem da era? De fato, a corte de Westfalin era bastante informal, mas princesas não apertavam as mãos de jardineiros em todo país do qual da já ouvira falar. Então ocorreu a da que o rapaz deveria ser o novo jardineiro, sobrinho de Mestre Orm. - Oh! - ela se endireitou, mas não tocou sua mão. - Sou a Princesa Rosa explicou, sorrindo rigidamente.
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Ela sabia o que aconteceria a seguir: ele iria corar, começar a gaguejar e recuaria. E sempre que passasse por ele no futuro, a estranha situação se repetiria. Mas ele não enrubesceu, exceto por um pouquinho, escondido pela pele bronzeada. E, em vez de gaguejar e recuar, ele fez uma reverência e apenas falou: - É um prazer conhecê-la, Alteza. Por favor, perdoe-me por não tê-la reconhecido. Agora era a vez de Rosa gaguejar: - Tudo... Tudo bem. Ninguém se machucou... Galen. - Você precisa de ajuda para voltar ao palácio, Alteza? O tempo está bem frio, e a senhorita deu um belo mergulho. - Não, obrigada - da tirou seu xale da fonte e juntou a massa pesada e gotejante da melhor forma que conseguiu. - Vou ficar bem, obrigada. Ele fez um aceno cortês e disse: - É melhor eu terminar meu trabalho, então. - Sim. Ele continuou a olhá-la. - Sim? - agora ela estava ainda mais agitada e confusa. - Se eu tiver sua permissão para ir, Alteza...? - O quê? Oh! Claro. Ela gesticulou com a cabeça e, então, sentindo-se tola, preparou sua saída. - Até logo! - E caminhou rapidamente trilha abaixo em direção ao palácio. Quando ele ficou fora de sua vista, ela diminuiu a velocidade. Normalmente, a princesa não dava permissão às pessoas para saírem. Era mais um privilégio do rei. - Mas onde ele aprendeu maneiras tão educadas? - ela se perguntou em voz alta. - O que você falou, Rosa? - Lírio vinha circundando uma cerca viva e encaroua. - Por que está toda molhada? - Eu não estou toda molhada - Rosa respondeu irritada. - Estou parcialmente molhada. Caí dentro da fonte. A fonte do cisne. Um jardineiro teve que me tirar para fora e... O que você está fazendo?
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Lírio estava segurando uma cesta cheia de lenços. Rosa olhou à sua volta e percebeu que elas estavam na entrada do labirinto vivo. Uma brisa fria as tocou, sacudindo as folhas secas pelo outono, e as fez estremecer. - Oh, é o conjunto mais jovem - era como as três irmãs mais jovens, Orquídea, Amor-perfeito e Petúnia eram chamadas pelas outras. Rosa, Lírio e Junquilho eram o "conjunto mais velho", e as outras seis eram as "do meio". – Elas queriam brincar com Hansel e Gretel, então estou deixando uma trilha de lenços. Só que os lenços são levados pelo vento toda hora. - Nós queríamos usar pedras brancas - Orquídea opinou, saindo de um canto e observando Rosa. - Mas Lírio disse que Mestre Orm ficaria zangado se mexêssemos nas pedras. Você acha que ele ficaria? E elas não são pedras de nosso pai, de qualquer modo? - Elas queriam usar os seixos da trilha principal - explicou Lírio. - Eu fiquei preocupada que as rochas lascassem as lâminas dos cortadores de grama na próxima vez que a aparassem. - Boa ideia - Rosa falou, e então espirrou. - Oh, queridas, é melhor eu ir para dentro. - Por que está toda molhada? - Orquídea piscou para ela como uma coruja. - Não estou toda molhada - respondeu Rosa, mais uma vez. - Coloquei meu braço em uma fonte. - E sua cabeça, seu outro braço e seu xale também - pontuou Orquídea. - Qual fonte foi? A água estava muito fria? - A fonte do cisne, e sim, estava. Agora, por que não vamos todas para dentro? Está muito gelado para brincar aqui fora. - Sim, mãe - Orquídea revirou os olhos. Rosa não se deu ao trabalho de responder. Ser chamada de "mãe" estando com frio, molhada e aborrecida com, bem, com tudo, havia feito seu temperamento ferver. Ela foi para o palácio com o xale gotejante pendurado nos braços. Passou pelas gêmeas, Crisântemo e Margarida, a caminho do quarto que dividia com Lírio e Junquilho. Ambas abriram a boca para dizer algo, mas tornaram a fechá-la ao darem uma boa olhada no rosto da irmã. Rosa entrou em seu quarto e bateu a porta.
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Junquilho estava penteando os cabelos em frente ao enorme espelho sobre a penteadeira. - Você me empresta seu xale azul? Violeta e Íris disseram que o novo jardineiro é bonito, e eu quero ir ver por mim mesma. Rosa atirou seu xale ensopado em Junquilho e se esparramou na cama, de roupas molhadas e tudo.
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Doença
N
a hora em que o gongo anunciando o jantar soou, Rosa estava
espirrando e com febre. Ela deitou-se em sua cama, indisposta, e tossiu em seu lenço. Lírio viu por baixo das cobertas que ela ainda tinha o vestido e cabelos molhados, chamou uma criada e, forçosamente, conseguiu que a irmã se secasse e vestisse uma camisola. Rosa mal reparou. O sapateiro havia trazido novas sapatilhas de dança, uma vez que sabia de cor quanto cada uma das irmãs calçava, mas Rosa ainda não tinha experimentado a dela; nem sequer a tinha visto. O pobre homem estava ansioso para agradar; as princesas eram suas melhores clientes. Então, Lírio garantiu-lhe em nome de Rosa que seu trabalho, mais uma vez, havia sido inigualável. Junquilho, tendo prontamente perdoado sua irmã mais velha pelo incidente com o xale molhado, descreveu as sapatilhas para Rosa em detalhes e então apanhou um vestido amarelo para que ela usasse na ceia. - Isso irá combinar perfeitamente - disse, segurando o vestido de forma que Rosa conseguisse vê-lo. Rosa mal se deu ao trabalho de olhar. Então, espirrou três vezes em rápida sucessão e puxou as cobertas acima da cabeça. - Queria estar morta - ela murmurou. Petúnia entrou no quarto rodopiando. - Você está doente? - Ela dançou até a lateral da cama de Rosa e deu uma espiada. - Você parece doente. Eu não estou doente. Nunca fico doente. - E se afastou, ainda rodopiando. Lírio se aproximou, sentiu a testa de Rosa e falou em uma voz preocupada:
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- Vou mandar vir o Dr. Kelling. Você está ardendo. - Não posso estar doente. Não posso - disse Rosa, lutando para se libertar das cobertas. Mas ela não conseguia sequer mover o pesado acolchoado de cima de suas pernas e afundou nos travesseiros, falando novamente: - Queria estar morta. Lírio enviou uma mensagem para o médico real, e Junquilho deixou de lado as novas sapatilhas de dança de Rosa e o vestido amarelo. Sua testa estava estriada de ansiedade, assim como a de Lírio. Ambas ficaram cada qual de um lado da cama da irmã, trocando olhares e arrumando as cobertas incansavelmente. As outras meninas estavam reunidas na porta de entrada que conectava o quarto de Rosa, Junquilho e Lírio com o quarto partilhado por Jacinto, Violeta e as gêmeas. Petúnia ainda tentava se desvencilhar das mãos de Margarida, que a impedia de dançar e cantar ao redor da cama de Rosa. Jacinto estava rezando, e Crisântemo disse algo em voz baixa que fez Íris suspirar. - O que significa tudo isso? - O Dr. Kelling chegou e olhou para as irmãs reunidas, estupefato. - Acham que isso ajuda em algo? - Um aceno de sua mão incluiu Petúnia dançando, o conjunto mais velho volteando, e os barulhos vindos de Jacinto e Crisântemo. - Este é o quarto de uma pessoa doente ou um zoológico? Todas vocês, para fora! - Ele fez um gesto enxotando as irmãs. - E Crisântemo? Modos com sua linguagem! Margarida reuniu o conjunto mais jovem, enquanto Crisântemo pegou Jacinto pelo braço com surpreendente gentileza e levou-a para longe. Junquilho e Lírio se recusaram a sair, contudo, permanecendo irredutíveis ao lado da cama de Rosa. - Tudo bem - grunhiu o Dr. Kelling. Ele era o médico real há mais de vinte anos e fizera o parto das doze princesas. - O que aconteceu? - Ao dizer isso, tomou o pulso de Rosa, sentiu sua testa e olhou dentro da boca. - Ela caiu dentro de uma fonte no jardim - Lírio respondeu, uma vez que Rosa estava ocupada dizendo "ah" para o médico. - Não sabe que está frio demais para nadar? - Brincou o Dr. Kelling. - Parece que você pegou um belo resfriado, senhorita. Uma gripe, para ser mais exato. Vamos rezar para que não vire pneumonia.
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- Acredito que Jacinto já está fazendo isso - disse Junquilho, sorrindo de modo débil. Pela porta fechada, elas ainda podiam escutar as orações murmuradas da irmã, ocasionalmente pontuadas pelos gritos de Crisântemo, para que as outras ficassem quietas. - Você não pode sair da cama sem minha permissão - falou o Dr. Kelling, com um sorriso torto para o gracejo de Junquilho. - Vou pedir que lhe tragam uma tigela com laranjas frescas. Você deve comer três ao dia, por pelo menos uma semana. Também darei ordem para que a cozinha prepare caldos quentes e um chá para acalmar a tosse. - Mas a dança - disse Rosa, e foi devastada por um ataque de tosse que durou vários minutos. Quando acabou, ela não tinha forças sequer para manter os olhos abertos, e apenas ficou deitada no travesseiro, escutando o Dr. Kelling dizer que sob nenhuma circunstância deveria sair da cama, quanto mais dançar. - Lírio pode sentar-se ao lado de seu pai e bancar a anfitriã esta noite – falou o Dr. Kelling, dando um tapinha na mão pálida dela pousada sobre o acolchoado. - E também nas próximas. Mas não se preocupe, tenho certeza de que ela devolverá seu lugar assim que você se recuperar. - Claro que devolverei - Lírio falou, sem nem sequer fingir estar alegre. - Estou certo de que, em vista de sua doença, seu pai irá cancelar a dança desta noite - observou o Dr. Kelling. - Irá angustiá-la saber que suas irmãs se divertem enquanto você está enferma na cama. - Obrigada, Dr. Kelling - Rosa murmurou. - Vou dormir agora. - Boa garota - ele acariciou seus cabelos úmidos. - Contarei as novidades ao seu pai e enviarei ordens para a cozinha - então olhou para Junquilho e Lírio. – É melhor vocês dormirem em outro lugar para não pegarem a gripe de Rosa. Sei que nada do que eu diga irá impedi-Ias de ficar pairando em volta dela durante o dia, mas ao menos tentem impedir que as pequeninas venham ao quarto da doente. Se todas vocês ficarem enfermas, isso será considerado uma epidemia. Lírio e Junquilho sorriram de forma obediente diante da piada, e Lírio acompanhou-o até a saída do quarto.
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- Obrigada, Dr. Kelling - ela disse. Assim que ele fechou a porta atrás de si, ela correu de volta para a cama de Rosa e olhou para a irmã com ansiedade desenhada no rosto. - Rosa? Você ainda está acordada? - Sim - Rosa respondeu, e tossiu um pouco mais. - Jardineiro tolo, saltando do matagal e assustando as pessoas. - Rosa - disse Lírio, com um tom de urgência na voz. - O que vamos fazer? Quanto ao Baile? O Dr. Kelling havia interpretado mal quando ela perguntou sobre a dança. Rosa não estava preocupada com o jantar de Estado, ou a dança que normalmente o seguiria. Ela estava preocupada com o que viria depois: o Baile da Meia-noite. O Rei Gregor não tinha controle sobre ele. Não poderia ser cancelado por causa de doença. Somente a morte era capaz de libertar urna alma do Baile da Meia-noite, conforme as meninas sabiam muito bem. - Não há nada que possamos fazer - Rosa falou, e uma lágrima escorreu do canto de seu olho e correu para molhar o travesseiro. - Se não formos todas, ele ficará muito zangado. - Ela se virou de lado e novamente puxou as cobertas acima da cabeça. As outras onze meninas se vestiram para o jantar e sentaram-se à longa mesa com seu pai e três embaixadores visitantes. As garotas estiveram nervosas e sombrias durante a noite inteira, e o Rei Gregor de fato cancelou a dança. Elas deram um beijo de boa noite no pai às nove horas e subiram para ver Rosa. Lírio ajudou-a a se sentar e beber um pouco de chá de camomila feito com ervas que cresciam no próprio jardim. Junquilho descascou duas laranjas e as deu para Rosa chupar, um segmento por vez. Então, às onze horas, Lírio e Junquilho ajudaram Rosa a sair da cama. Elas lavaram seu rosto e maquiaram suas bochechas e lábios pálidos. Pentearam o longo cabelo castanho claro e fizeram um elegante nó no topo da cabeça, adornando-a com uma tiara de pérolas e cristais. Depois, elas a ajudaram a pôr o vestido amarelo e as novas sapatilhas de dança. A princesa mais velha mal conseguia andar. Estava delirante, com febre e sofrendo de crises de tosse que a deixavam sem ar e com os olhos marejados. Lírio e Junquilho tiveram que apoiá-la por todo o percurso até o Baile da Meia-noite. Quando Maria, sua criada-chefe, veio acordar as três princesas mais velhas naquela manhã, encontrou o vestido amarelo de Rosa no chão ao lado da cama e o conjunto de joias da Rainha Maude no criado-mudo lateral. Rosa estava inconsciente, com febre, delirando sobre árvores prateadas e botes dourados 40
cruzando um lago de sombras. A criada pensou que ela, em seu delírio, tentara vestir-se para o baile de Estado. Maria acordou as outras garotas e fez com que Rosa bebesse água fresca enquanto esperava o Dr. Kelling chegar. - Não entendo - disse Maria, gentilmente lavando o rosto de Rosa com água fresca. - Já é assombroso o bastante que ela tenha conseguido pegar aquele vestido de dentro do armário doente do jeito que está. E como desgastou um par de sapatilhas novas? - Não sei - disse Lírio inocentemente, chutando suas próprias sapatilhas gastas para debaixo da cama. Então Junquilho tossiu.
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Plano
C
onforme as princesas sucumbiam uma a uma à doença de Rosa, o Rei
Gregor foi ficando desesperado. Ele era um homem de bom coração, apesar de seu temperamento forte, e sentia profundamente o sofrimento de suas garotas. Pior ainda, era que o Dr. Kelling temia que a tosse de Rosa estivesse virando pneumonia, e isso trazia à tona memórias de tristeza da doença terminal de sua querida Maude. Para piorar, o mistério das sapatilhas de dança desgastadas continuava. A cada três manhãs, quando o rei visitava os quartos de suas filhas, ele as encontrava mais doentes que antes e com as sapatilhas de dança ao lado da cama, esfarrapadas. Gregor acusava as criadas de roubar os calçados de suas filhas à noite para se encontrarem com seus companheiros masculinos, e chegou até a despedir duas delas antes que a governanta interferisse e esclarecesse que nenhuma das servas poderia ter usado as sapatilhas das jovens garotas. O Rei Gregor implorou e suplicou para que suas filhas contassem o que estava acontecendo, mas elas se recusavam a responder, tossindo lamentavelmente diante dele com os olhos vazios. Ele tinha esperanças de casar uma ou duas delas com seus novos aliados na Espanha e Bélgica, talvez até mesmo acalmar as coisas com a Analousia por meio do matrimônio. Mas agora, todas as garotas estavam doentes (e também nada atraentes, com narizes vermelhos e fortes tosses), e os rumores das sapatilhas sendo constantemente desgastadas haviam chamado a atenção das fofocas da cidade. Foi Kelling quem levou a ele as péssimas notícias. O sapateiro ou um de seus servos devia ter falado, porque a cidade estava repleta de histórias sobre as atividades noturnas das princesas. Era dito que elas estavam doentes de tanto dançar com o povo das fadas. Alguns até diziam que elas tinham contraído alguma estranha doença de fadas, que só podia ser curada ao se dançar ainda mais firmemente do que antes, ou ao beber leite de cabra sob a Lua cheia, ou alguma outra tolice. Outros sussurravam com desprezo que era a punição divina caída sobre 42
o Rei Gregor por causa da guerra, ou por desperdiçar muito dinheiro e trabalho no tolo jardim. O rei colocou a cabeça nas mãos, em desespero. - O que farei, Wilhelm? - ele murmurou. O Dr. Kelling colocou sua maleta sobre a mesa do rei e sentou-se em uma grande cadeira de couro de frente para ele. Seu pai havia sido o primeiro-ministro durante o reinado do pai de Gregor, e os dois tinham crescido juntos. Serviram lado a lado no exército, casaram-se no mesmo ano e ficaram viúvos com um mês de diferença. Sentindo-se quase tão exausto quanto suas filhas, Gregor se reclinou em sua alta cadeira de couro. Era como ver sua Maude definhar mais uma vez. Ele prometeu a ela que tomaria conta das filhas, mas ela não pareceu ter acreditado nele. Os olhos da rainha se encheram de desespero quando o fim se aproximou. E na noite anterior, ao visitar Rosa, ele havia visto aquele mesmo olhar. Por quê? Se elas ao menos lhe mostrassem a raiz do problema, ele poderia persegui-lo e destruílo. Mas só o que havia era silêncio, lágrimas e falta de esperança. - Wilhelm, eu... - A voz do rei desaparecia. Ele não sabia o que dizer ou o que fazer. Quando a guerra contra a Analousia tornou-se inevitável, ele tomou as decisões que pareciam melhores e, no final, eles triunfaram. Mas como vencer quando você não sabe qual batalha está lutando? O Dr. Kelling inclinou-se para frente: - Temos que ir até o fundo disso, Gregor - ele disse. - Não adianta perguntar a elas. Elas não podem ou não querem falar. Eu não sou um dos que acreditam nessa conversa de fadas, você sabe disso. Mas parece-me que há algo de muito errado acontecendo. Algo além do grande amor jovial pela dança. – Ele bufou. - O que, a propósito, sequer parece estar presente. Pobre Amor-perfeito, quando ela estava delirando de febre, não parava de soluçar que queria parar de dançar. Só Deus sabe o que as mantém dançando. Por outro lado, Maude era uma boa mulher, mas eu e você sabemos que ela trouxe algumas ideias caprichosas da Bretanha, junto com seu amor por rosas. - O que você está dizendo? - Gregor balançou a cabeça, confuso. – Acha que Maude disse a elas para praticarem sua dança toda noite, mesmo que ficassem doentes ou algo do gênero? - N-não, mas... - O Dr. Kelling passou as mãos no rosto. - Não sei, Gregor. Talvez eu só esteja cansado - ele suspirou pesadamente. - Mas Rosa fica mais fraca a
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cada dia. Sei que você tentou separar as garotas durante a noite, mas já fez com que fossem vigiadas ou seguidas, para ver aonde vão? Gregor deixou os ombros caírem: - Quero confiar em minhas filhas. Sinto como se fosse o carcereiro delas, trancafiando-as durante a noite. Será que chegou a esse ponto? - Chegou, caso queiramos ver Rosa bem novamente... - respondeu gentilmente o Dr. Kelling. - Hoje é a terceira noite delas desde a última... Excursão, ou o que quer que seja. Quartos separados, e portas e janelas firmemente fechadas. E guardas no corredor. Eles terminaram uma garrafa de conhaque em silêncio e fumaram alguns bons charutos. No final, Gregor suspirou, apagou seu último charuto e afirmou: - Tudo bem. Os embaixadores foram para suas mansões na cidade. Isso libera todos os quartos do terceiro andar. Você passará a noite aqui, caso as garotas precisem? - Certamente.
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Jardineiro
G
alen sentou-se em uma grande pedra e costurou um par de meias. Bem,
apenas uma meia. Ele já havia feito a outra na noite anterior, e esperava terminar esta antes do dia seguinte. As meias que havia trazido da guerra estavam tão usadas que se desintegraram quando sua tia as lavou, e ele passara as últimas semanas tentando substituí-las. A bondosa tia Liesel tinha se oferecido para tricotar suas meias novas, mas Galen recusou educadamente. Na verdade, tricotar era a única habilidade aprendida durante a guerra que ele gostava. Havia algo calmante em observar um ponto após o outro passar pelas agulhas, algo meditativo em todo o processo. Também lhe conferia um senso de orgulho de criar algo, em oposição à destruição que era atirar em outro homem. Sua prima Ulrike ficou fascinada ao ver um homem tricotar. - Quem diria que um homem, ainda mais um soldado, faria algo assim. - Muitos soldados o fazem - ele afirmou. - Em um campo de batalha, não há alternativa para obter novas meias ou um cachecol quente quando o inverno chega. - Mas minhas amigas e eu tricotamos infinitas meias e cachecóis. Chapéus e luvas também - protestou tia Liesel. - Nós enviamos caixas para o exército! Ulrike fez nove gorros no inverno passado. Não foi, querida? Galen balançou a cabeça. - Sinto muito, tia. Eles extraviaram em algum lugar, ou então não havia suficiente para todos. Jamais tive uma meia que não tivesse sido tricotada por minha mãe ou por mim.
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- Bem - garantira-lhe sua tia -, Ulrike e eu iremos abastecê-lo com meias e boinas agora. Mas Galen não conseguia ficar ocioso. Ele passara muitos anos tricotando meias, polindo armas ou levantando acampamentos. Então, todos os dias, colocava agulha e linha na mochila, junto com o farto almoço que sua tia lhe fornecia. - O que você está fazendo, garoto? - Tio Reiner desceu a trilha com a testa franzida e parou diante da pedra em que Galen estava sentado tricotando. A resposta óbvia era "tricotando", mas Galen sabia que seu tio não acharia essa resposta divertida. - Estou esperando que Walter traga a compostagem para o canteiro – ele respondeu, apontando com uma afiada agulha para um grupo de flores próximo. Me ofereci para ajudá-lo, mas ele insistiu em fazê-lo sozinho. Walter Vogel tinha assumido a tutoria de Galen no primeiro dia, treinando-o no uso de várias ferramentas de jardinagem e ensinando-o os nomes e natureza das plantas que eram cuidadas ali.Havia em torno de doze outros jardineiros sob a tutela de Reiner Orm, os quais se dividiam em considerar seu trabalho na Tolice do Rei um embaraço ou um privilégio. De qualquer modo, eles não eram amigáveis com o novato. Muitos deles tinham buscado trabalho nos jardins para evitar a guerra, e ver alguém que consideravam um mero garoto ter lutado, enquanto eles podavam cercas vivas, deixava-os desconfortáveis. Então, Walter fez de Galen seu assistente, e este ignorava os demais assistentes da mesma forma que eles o ignoravam. Galen e Walter já tinham podado as flores mortas pelo inverno ao nível do solo, e estavam se preparando para cobri-Ias com composto para proteger suas raízes do frio. No passado, ele pensara que jardinagem, assim como lavoura, era uma questão de sorte. Você plantava algo, regava e esperava que crescesse. Aqui, contudo, era um novo e intrigante mundo. Um mundo de desbaste, compostagem, bandagem, enxerto e poda - era como construir fortificações contra um inimigo invasor. Troncos de árvores e arbustos inteiros tinham de ser forrados com tiras de pano seco para o inverno. As raízes de íris ou “rebentos”: que pareciam mais com cherivias murchas, eram cavadas, separadas e, então, replantadas. Os roedores eram a desgraça do Jardim da Rainha. Os jardineiros tinham a dupla função de exterminadores, mantendo um olho vivo a qualquer sinal de tocas ou plantas mordiscadas. Walter tinha um par de pequenos bassês que rondavam o jardim, seus olhos castanhos alertas para quaisquer animais invasores. Seus latidos 46
agudos, ao encontrarem uma presa, eram discernidos claramente sobre os gritos dos pavões. Ao que Walter surgiu da esquina, revolvendo a mata com um carrinho de mão cheio, Galen arrumou suas agulhas na mochila e desceu para ajudá-lo. Sob os olhos atentos de tio Reiner, usando pás, eles cobriram os tocos de malvas-rosas uma camada de folhas escuras. Galen enchia sua pá e um amontoado de compostagem caía sobre a grama amarronzada. - O jardim precisa ser preparado para o inverno - disse Reiner. - Mas, ainda assim, precisa ser agradável de se ver - ele advertiu com um dedo. - Sim, senhor - respondeu Galen, remexendo a compostagem e espalhando-a sobre o canteiro. - Haverá muitos convidados importantes neste inverno. Convidados reais. Galen e Walter ergueram a cabeça, mas foi o jovem quem perguntou: - Teremos mais problemas? Com a Analousia? - Não, nada do gênero - Assegurou-o Reiner rapidamente. Ninguém queria outra guerra. – Os embaixadores irão e virão, e eu fui informado de que as princesas receberão mais convidados. - O rei está considerando um casamento real? - Walter coçou o queixo, parecendo pensativo. - Provavelmente com Rosa, ela é a mais velha. - Sua expressão ficou séria. - Claro, ela é a que está mais doente agora, pobre garota. E há outras coisas... Ele viu que Galen e Reiner o encaravam e parou abruptamente: - Perdoem minha incoerência. - A Princesa Rosa está doente? Galen se perguntava por que não havia mais visto nenhuma das princesas no jardim desde o dia em que Rosa havia caído na fonte. Sentiu um rompante de culpa. Ela não teria caído se ele não a tivesse assustado, mas vê-Ia lá, com seu rosto branco voltado na direção do cisne de bronze, fizera-o pensar na velha e seus estranhos presentes. - Muito doente, assim como todas as outras. É só o que se fala em Bruch. E as pessoas dizem...
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- Walter, Galen - falou Reiner com rigidez -, nós não falamos da família real de uma forma familiar. Mas, assim que ele se afastou, eles puderam escutá-lo resmungando bem baixinho: - Jovens senhoritas descontroladas, dançando a noite inteira em seus quartos... Galen recuou e trocou olhares com Walter. Quando seu tio estava longe o suficiente para não ouvi-los, Galen trocou sua pá por um ancinho: - Dançar a noite inteira nos quartos? - Você deve ser a única pessoa em Bruch que não ouviu a fofoca - Walter lhe disse. Eles revolveram a terra em silêncio por um período, até que o velho falou: - A cada três noites as garotas saem exaustas de seus quartos, com suas sapatilhas de dança em pedaços. O médico real, Dr. Kelling, diz que essa atividade noturna tem sido a causa de elas continuarem doentes. - Mas eu não entendo - Galen falou -, se elas estão doentes, por que dançam a noite inteira? Elas estão se escondendo para se encontrarem com pretendentes? Um guarda não pode segui-las? - Parecia ridículo imaginar as filhas do rei escalando janelas à noite, usando vestidos de baile e sapatilhas de dança, mas ele supôs que coisas estranhas aconteciam. - Guardas do lado de fora dos quartos, garotas do lado de dentro, e ninguém parece ver ou escutar coisa alguma - disse Walter. - Embora eu saiba que, na noite passada, alguns passos a mais foram dados - Parecia preocupado. - Se eles mantiverem as princesas na cama, pode ser uma bênção mista. - Como assim? Mas Reiner enviara um dos outros jardineiros para ajudar, eWalter não disse mais nada na frente do homem. Durante todo o tempo em que eles se ocuparam espalhando a compostagem negra, Galen pensou na Princesa Rosa. Ela estava doente, possivelmente por causa do tombo que levou no dia em que se conheceram, e algo a estava obrigando a dançar uma noite após a outra. Como ela poderia descansar e se recuperar? Sua culpa aumentou quando, mais tarde, naquele dia, ele foi designado para limpar folhas caídas na fonte do cisne e remover o cascalho em torno da base. Contudo, ele o fez com vontade. Walter havia lhe dito que aquele era um dos locais favoritos da Princesa Rosa, e Galen imaginou que ao menos poderia mantê-lo 48
agradável para ela. Claro, com o frio chegando, e a noite caindo cada vez mais cedo, provavelmente levaria algum tempo até que a enferma princesa pudesse visitá-lo. Já era quase noite quando Galen acabou. Seguiu lentamente em direção ao o distante barracão para devolver seu ancinho. Ele acenou para os outros jardineiros e aceitou uma lanterna para iluminar o caminho de volta para casa. Tio Reiner faria uma breve parada no palácio. Ele e o Rei Gregor estavam cultivando novos tipos de rosas em uma estufa no lado leste dos jardins, e nos dias em que Gregor não tinha tempo de checar o progresso delas"o jardineiro-chefe se reportava pessoalmente ao rei. Walter estava parado bem ao lado de fora do barracão com um olhar de preocupação no rosto. Sua lanterna estava pendurada displicentemente em uma mão, e Galen pensou que o velho parecia prestes a derrubá-la. - Walter? Você está bem? - Galen tomou a lanterna dele. - O portão está aberto - Walter disse, com uma voz rouca. - Eu posso sentir. - Que portão? - Era uma caminhada de quinze minutos dos portões do palácio até o barracão. - Como assim você pode sentir? - Volte para o barracão - disse Walter. Outro jardineiro estava saindo naquele momento com sua própria lanterna. - Todos vocês! Retornem! - Em um súbito frenesi,o homem da perna de pau começou a varrer todos para dentro do barracão. Ele bateu a porta e barrou-a do lado de fora. - Que diabos? - Jakob, que havia ajudado Galen e Walter antes, olhou para Galen. - Ele enlouqueceu? Galen sentiu os pelos de sua nuca se eriçarem. O vento soprava, batendo a pequena janela do barracão, e ele escutava cães uivando ao longe. - Tem alguma coisa errada - disse. Colocou as duas lanternas no banquinho e foi até a janela, abrindo-a. - Walter! O que está acontecendo? - O vento veio e tentou tirar-lhe o fôlego, fazendo com que Galen cambaleasse para trás. Do seu canil no canto, os bassês de Walter, normalmente destemidos, amontoavam-se ganindo. A janela era somente um pouco mais larga que seus ombros, mas Galen agarrou peitoril e conseguiu atravessá-la. A fivela de seu cinto ficou presa na moldura por um instante, e ele acabou caindo de ombro sobre o macio canteiro de flores que circundava o barracão. Rapidamente se colocou em pé e sacudiu a poeira. - Walter? 49
- Galen! - O velho veio agachado do canto. - Fique lá dentro! - Não. Diga o que está acontecendo! Estava escuro, e Galen mal conseguia ver a cabeça de Walter se movendo. - Não temos tempo! Segure isso - e ele colocou um galho nas mãos de Galen. Sorveira. Foi o melhor que consegui em tão pouco tempo. - Para quê? A tempestade? O vento estava despedaçando os jardins, e Galen pensou com desespero na quantidade de folhas que teria que remover da fonte do cisne pela manhã. Era estranho, mas não parecia que ia chover ou nevar, o que era comum naquela época do ano. - Isso não é uma tempestade - Walter falou, com sensatez. - Você sabe onde as janelas dos quartos das princesas ficam? - Do lado sul? Com vista para o labirinto? - O fato de ele saber aquilo tão prontamente o fez corar. Ele não tinha tentado espionar as princesas, mas as tinha visto naquelas janelas com mais frequência que em todas as outras. - Exato. Venha, rápido! Walter se moveu a uma velocidade maior do que Galen pensava que um homem com uma perna só poderia. Logo ele estava trotando para acompanhá-lo, enquanto o vento os esbofeteava. Eles contornaram o labirinto e desembocaram na suave grama que havia do lado sul do palácio. Todas as janelas estavam cheias de olhares entusiasmados, e Galen podia ver rostos ansiosos espiando para fora: servos curiosos com o súbito vento. Os quartos das princesas ficavam no terceiro andar, e ele pensou ter visto movimento lá. Mas, então, sua atenção foi capturada por um som que cortava o vento. Um som como um uivo oco que não era similar ao de qualquer cão que Galen já tivesse escutado. Formas estranhas e assustadoras começaram a sair do labirinto de cerca viva, de trás de uma fonte que tinha o formato de uma sereia, no canto do palácio. Pareciam homens altos e curvados. - Ei, olá! - Chamou Galen, suas palavras carregadas pelo vento. - Ei! - Galen! Walter gritou bem a tempo. Uma das figuras estava investindo contra Galen. Ele ergueu seu galho na última hora, e chicoteou o atacante no meio do rosto. Um 50
surpreendente grito humano se seguiu, e a figura corcunda caiu de costas. Agora outros vieram contra eles, e Galen e Walter os enfrentaram usando os galhos da melhor forma que puderam. - Pare! Com uma onda de pânico, Galen viu que um deles os contornara e tentava escalar a hera que havia nas paredes do palácio. Ela crescia até as janelas das princesas e, embora não pudesse segurar o peso de um homem adulto, aqueles... Seres... Eram magros e pareciam quase sem substância. - Eu disse: pare! - Galen correu atrás da figura, chicoteando-a nas costas. Acima deles, uma janela se abriu. Uma das princesas se inclinou, com seus cabelos soprados pelo vento. - Eu o vejo, Rionin - ela gritou com uma voz áspera, curvando-se e tossindo. Eu o vejo! - Era Rosa. - Volte e diga a ele que estamos indo. Mais tosses, e outra garota apareceu na janela. Galen escutou um clique familiar e congelou. A segunda princesa havia acabado de engatilhar uma pistola. Sob a Lua que nascia, ele conseguia discerni-la nas mãos dela, apontada diretamente para a figura que Rosa chamara de Rionin. - Ele já se fez entender - disse a segunda princesa, com a voz trêmula. Rionin levantou uma mão. Galen abaixou seu chicote bem no instante em que a pistola disparou. A bala passou sobre as cabeças deles e se enterrou na grama, mas ele teve a impressão de que a princesa não queria atingir Rionin, somente avisá-lo. As figuras começaram a desaparecer, voltando por onde vieram. Rionin sibilou para Galen e então esgueirou-se, curvado sob a luz do luar e com fumaça saindo de suas costas, onde Galen o havia acertado. Walter se adiantou e chamou: - Altezas, as senhoritas estão bem? - Sim, obrigada, Walter - a segunda princesa abaixou, um tanto trêmula, a pistola. - Cuidado com isso - gritou Galen. - Ela foi bem instruída - assegurou-o Walter. - Voltem para a cama agora, jovens princesas.
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- Mas somente por poucas horas - disse Rosa, debruçada sobre o batente da janela. - Teremos que ir esta noite, e sequer é a terceira noite. - Eu sei - respondeu Walter. O vento havia morrido e, na quietude que se seguiu, as palavras do velho eram claras. A irmã de Rosa puxou-a de lado, e ambas fecharam a janela. Gritos e berros podiam ser escutados agora, de dentro e fora do palácio. - Walter, o que foi que aconteceu? - A voz de Galen vacilou, mas ele não se importava. Sua pele ainda formigava, e um suor frio escorria em suas costas. - Quanto menos souber, melhor para você - respondeu Walter. Ele jogou seu galho para o lado. - Livre-se daquilo amanhã apropriadamente - ele resmungou. Tem luz do luar o suficiente para você chegar até em casa? - A-acho que sim. - Boa noite, Galen - E o velho foi embora, deixando Galen com uma sensação ruim na barriga, apertando um galho de sorveira sob a luz do luar.
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Solução -
H
avia... Criaturas... No jardim de Mande, Wilhelm - com as mãos
trêmulas, o Rei Gregor alcançou um copo de conhaque, mas estava muito arrasado para bebê-lo. Ele recuou e deixou os braços caírem sobre sua cadeira de escritório de couro. - Você as viu. - Sim, de fato. - E as meninas! Sapatilhas gastas novamente esta manhã, e Rosa e Margarida estão fracas demais até para sair da cama; e ainda assim, elas me imploraram para serem postas em seus antigos quartos e para os guardas serem removidos... Eu o fiz, claro. Como poderia recusar, com Rosa tão pálida e fatigada, me implorando dessa forma? - Gregor fechou seus olhos. - O que devo fazer, Wilhelm? Há algo de errado aqui, com certeza há! - Concordo. A relutância das garotas de falar sobre isso, mesmo elas claramente não gostando de suas festas da "meia-noite", se é que é isso que elas são, é um forte indício para mim de que minhas filhas estão agindo contra a vontade. Gregor abriu os olhos e olhou para suas mãos. - Escreverei para o arcebispo. Isso é bruxaria, Wilhelm, e deve acabar antes que minhas meninas terminem como... - ele respirou fundo e finalmente disse: Como Maude. - Pense, Gregor - disse o Dr. Kelling, hesitante. - Isso tudo começou com Maude. Você realmente quer que o arcebispo envie alguém para bisbilhotar? E se eles acharem que tudo foi causado por algo que Maude... - O médico engoliu as palavras ao ver a expressão rígida de Gregor.
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- Então o que devo fazer? - Os olhos abatidos do rei caíram sobre uma carta em sua escrivaninha. - Luís da Espanha está enviando seu filho mais velho em uma visita de Estado - ele murmurou. - Terei que escrever-lhe e pedir que não venha. Direi que é por causa da doença das meninas. O Dr. Kelling olhou furtivamente para a carta: - Um momento, Gregor. Talvez você devesse buscar ajuda externa para esse dilema. Mas não do arcebispo. O rei congelou no momento em que tentava alcançar uma folha de papel em branco: - De quem, então? O médico recostou na cadeira. - E se você não cancelasse a visita do príncipe da Espanha? - Aonde você quer chegar? - Deixe-o vir. É com Rosa que estou mais preocupado. As outras já terão superado sua doença quando ele chegar, com a graça de Deus. Permita que o príncipe venha, e veja se ele não consegue descobrir aonde as garotas vão à noite. Se conseguir, poderá se casar com uma delas. - Minhas filhas não são prêmios para serem obtidos em um concurso bizarro Gregor pigarreou. - Mas elas podem ser vendidas por uma oferta mais alta? - O Dr. Kelling levantou uma sobrancelha. - Vamos lá! Você sabe que o único motivo pelo qual a Espanha está enviando seu príncipe é pela esperança de que ele irá se afeiçoar a uma de suas meninas. Eles estão aguardando para ver o quanto de seu dote você irá oferecer, e você aguarda para ver que acordos comerciais eles irão assinar. Você pode muito bem dar ao garoto algo para fazer enquanto acerta as coisas com o pai dele. - Mas, mas, mas o escândalo! O que faremos se esses acontecimentos estranhos o afastarem daqui? Não quero que minhas meninas se machuquem, rejeitadas por algum tolo espanhol. - Ridículo! - o Dr. Kelling fez um gesto depreciativo. - Se um pouquinho de mistério não tornar as garotas ainda mais atraentes, eu comerei meu chapéu. E não sabemos se o garoto é um tolo: pelo que nos consta, ele é bem arrojado. Eu mesmo o mandarei embora se isso não der certo. Ele não irá querer ver seu nome ligado a algum escândalo; as chances são de que ele não dirá uma palavra do que está 54
acontecendo, só para evitar que ele mesmo seja envolvido. Vou me certificar de reforçar essa ideia quando... Se nós precisarmos dar adeus a ele. Pense nisso, Gregor. Suas filhas merecem maridos que possam suportar uma pequena intriga; que possam encarar esses "estranhos acontecimentos", como você colocou. Será uma boa indicação de caráter ver como o jovem reage a isso. O Rei Gregor sentou-se lado a lado com seu velho amigo por um longo período, repassando a conversa em sua mente. - O que diremos a ele? - Diga que as meninas saem furtivamente para dançar todas as noites, como se fosse uma brincadeira. Nada de menção a feitiçaria ou monstros no jardim. Se ele puder descobrir aonde elas vão, provará que é um candidato valioso para o trono. - O trono? - o rosto de Gregor ficou rubro. - Agora devo entregar meu trono a um príncipe estrangeiro? - Gregor - disse o Dr. Kelling, impacientemente - você não tem filhos, não tem sobrinhos. Sempre disse que seria um dos maridos das meninas que herdaria o trono. Faça disso uma condição dessa herança. Quem resolver essa provação será, sem dúvida, um rei digno. Gregor acenou a cabeça lentamente. - Seria uma boa forma de encontrar um sucessor. E colocar um fim nos problemas das meninas. - Então você deixará o príncipe da Espanha vir? - Sim.
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Espanha
G
alen ficou sabendo da chegada do príncipe espanhol pela Princesa
Crisântemo. A forte garota foi a primeira das princesas a recuperar sua plena saúde. Ela começou a fazer caminhadas nos jardins alguns dias após Rionin e seus sombrios companheiros terem invadido o palácio. Ela procurou Galen imediatamente. - Então, você é Galen, o novo jardineiro - disse, ao encontrá-lo enfaixando o tronco de uma cerejeira. Ele se endireitou e fez uma reverência. - De fato, eu sou, Alteza. Há algo que possa fazer pela senhorita? Ela o espiou por debaixo de seu capuz forrado. O inverno estava chegando, e a jovem havia sido embrulhada com roupas até o ponto de mal conseguir se mover. Conforme estudava Galen, desenrolou dois cachecóis e jogou-os sobre um banco próximo. - Eles coçam - explicou. - Você era mesmo um soldado? - Sim, Alteza - Galen não queria falar sobre a guerra com aquela jovem garota: portanto, deu uma olhadela para as "bandagens das árvores", tentando demonstrar que precisava voltar ao serviço, mas sem ser rude. - E você realmente enfrentou Ri... As... Pessoas... Que vieram ao jardim naquela noite com nada mais que um galho?
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- Sim, embora os galhos tenham sido ideia de Walter Vogel. Ele estava lá comigo. Ele achou interessante que Crisântemo estivesse mais curiosa do que temerosa com relação ao que ocorrera naquela noite. Mas Rosa e a outra princesa, que Walter lhe informara ser a segunda mais velha, Lírio, estavam bastante aterrorizadas. - Walter é uma graça, mas muito estranho - Crisântemo respondeu. – Estou bastante surpresa. O que você achou das criaturas? - E-eu realmente não sei dizer, Alteza. Elas eram, bem... Nunca tinha visto nada como elas antes. Pensei que fossem humanas, mas elas pareceram simplesmente desvanecer. Ela completou a descrição dele: - Como se não estivessem de fato aqui? Como se fossem só uma ilusão? – a expressão dela era ansiosa e quase... Esperançosa. - Eles não eram ilusão - disse Galen. - Os galhos as tocaram; eu arranquei sangue de um que acertei no rosto. E aquele que tentou escalar a hera para chegar à janela de vocês decerto sentiu a chibatada em suas costas. Eu rasguei o casaco dele e pensei... - Ele parou de falar. Pela expressão ávida dela, a garota ainda era jovem demais, e ele não queria assustá-la. - O que você acha? - Eu achei que as feridas fumegavam, Alteza - ele observou com cuidado. Crisântemo parecia desapontada. - Então eles realmente conseguem vir até aqui - falou, com voz grave. Galen encarou-a. Havia círculos negros sob seus olhos, e as bochechas estavam pálidas, apesar do frio, que fazia com que seu próprio nariz ficasse vermelho. Seu tio desencorajava qualquer contato entre jardineiros e a família real, mas Reiner estava do lado oposto do jardim, trabalhando nas estufas. - Princesa Crisântemo - ele disse, deixando de lado as tiras de junta e dando um passo em direção a ela -, o que eram eles? Por que vieram aqui? Ela fitou-o com seus profundos olhos azuis. Na verdade, eles eram quase violetas, sublinhados por uma emoção sombria que ele já suspeitara que ela era capaz de mostrar por conta da forma importuna que havia falado antes.
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- Eles vieram nos dar um aviso - respondeu. - Qual? - Que não estamos livres - ela deu uma gargalhada amarga, parecendo bem mais velha do que era de fato. - E o que eles são? São as coisas que você encontra rastejando sob uma rocha. Sob uma pedra, na verdade - mais uma vez, riu, e começou a se afastar. - É melhor eu voltar antes que alguém venha atrás de mim. Estamos esperando um convidado muito especial para o jantar - o tom importuno estava de volta, e ela tremulou seus cílios para Galen. - O Príncipe Fernando, da Espanha! Não somos honradas? - Estou certo de que ele é muito bonito - disse Galen, ensaiando um sorriso. Ele ainda se sentia perturbado pelo que ela havia dito, sobre não serem livres. E o que quis dizer com os invasores serem coisas que encontramos "sob uma pedra"? - Mas ele é inteligente? Essa é a verdadeira pergunta - Crisântemo completou. - Inteligente o bastante para descobrir todos os nossos segredos? Se for, ele poderá se casar com uma de nós. E ser o rei quando papai morrer. Galen ficou mais surpreso com aquilo do que com o que ela dissera antes. - O quê? - Papai acabou de nos dizer - contou Crisântemo. Sua voz ainda era lumiosa, mas Galen detectou um gume afiado subjacente. - Se Fernando conseguir descobrir por que nossas sapatilhas se desgastam durante a noite, e agora isso acontece toda noite, então poderá escolher uma de nós para casar, e será rei um dia. - E se ele não conseguir? - Então papai convidará outro príncipe, e mais um, até que algum deles o faça! A voz dela parecia ligeiramente histérica agora, e ela riu, mas Galen observou lágrimas em seus olhos azuis-violeta. - Alteza - ele começou, desamparado, mas a seguir balançou a cabeça. Quem era ele para dizer a ela que tudo ficaria bem? Ele sequer conseguia penetrar a profundidade de como era a vida dela. Galen apenas segurou o braço da moça e a conduziu pelo jardim. - Galen!
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tio Reiner saiu da estufa de rosas bem no momento em que eles estavam passando e parou ao ver quem estava ao lado de seu sobrinho. O homem fez uma reverência e olhou furiosamente por cima da cabeça da princesa para Galen, falando: - Alteza, por favor, perdoe a petulância de Galen. - Sr. Orrn, seu sobrinho está me ajudando a retomar ao palácio. Eu não estou sentindo-me tão bem quanto pensava - disse Crisântemo, acenando a cabeça para ele. Reiner Orm fez um barulho gutural por detrás de seu bigode, mas não disse coisa alguma. Fez mais uma reverência a Crisântemo, e Galen afastou-se, acompanhando a princesa. - Acho que ele ficou zangado comigo - o jovem falou. - Mas não há nada que ele possa fazer a esse respeito - Crisântemo pontuou. Afinal, eu sou uma princesa. - E eu tenho um enorme privilégio de poder ajudá-la, Alteza - ele falou com um sorriso. Crisântemo riu. - Rosa ficará com ciúmes se nos vir - comentou, olhando Galen de cima a baixo. - Ela o acha bonito. Galen parou abruptamente. Suas bochechas estavam muito coradas. - Mas nós nunca... Eu só... A fonte. - Ela senta-se à janela nas tardes para tomar um pouco de Sol. Fica observando-o trabalhar - Crisântemo contou. - E disse que você parecia muito forte e corajoso sob a luz do luar com o galho naquela noite - e riu da confusão de Galen. Ele lançou um olhar desconfiado. Ela o estava provocando, ele sabia, mas provocando-o com a verdade? Será que a Princesa Rosa o observava? Ele olhava de relance para as janelas do palácio, mas o ângulo do fraco Sol de inverno atrapalhava que uma pessoa visse de fora pelo vidro. - Claro que ela irá me matar por contar-lhe isso - a menina falou alegremente. - Eu certamente não irei dizer a ela - Galen afirmou com fervor. - Não achei que o faria - riu novamente. - Oh, veja, o Príncipe Fernando está aqui - ela expressou dissabor.
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Alguém estava abrindo uma janela do lado leste do palácio, não muito longe dos quartos das princesas. Galen e Crisântemo podiam escutar claramente ordens sendo gritadas em espanhol, e ver servos correndo em todas as direções. - Bem, ele parece agradável - disse Crisântemo, secamente. - Estou certo de que ele tem qualidade ocultas - Galen observou. Ele não estava certo sobre como se sentia a respeito daquele príncipe espanhol. A Espanha havia sido aliada de Westfalin durante a guerra, e Galen lutara lado a lado com alguns regimentos espanhóis. Ele não teve muito contato com eles: estavam muito preocupados em manter seus uniformes limpos. Os westfalianos tendiam a ser um povo mais desordenado. Galen questionou-se como um príncipe espanhol se sentiria governando uma nação daquelas. Levou Crisântemo até a porta de uma varanda ampla que dava de frente para o jardim. Uma criada apareceu imediatamente para repreendê-la e colocá-la para dentro. Galen sentiu-se envergonhado por um momento, esperando que ela, também, não pensasse mal dele por ter dado um passeio com a princesa. Mas, em vez disso, ela o agradeceu por tê-la trazido de volta. Galen voltou ao trabalho aliviado sobre aquilo, mas não sobre suas preocupações em relação ao príncipe. E a competição para ganhar a mão de uma das princesas. Mas Galen não precisava se preocupar. Uma semana depois, o príncipe espanhol foi embora furioso e de mãos vazias. Um dos outros jardineiros, que estava cortejando uma camareira, contou a Galen e Walter que o príncipe passara várias noites no corredor do lado de fora dos quartos das princesas, uma noite esperando no jardim embaixo das janelas, e recebeu até mesmo a permissão de passar uma noite na sala de estar que levava aos cômodos delas. Não havia visto ou ouvido nada. Entretanto, as sapatilhas continuavam desgastadas todas as manhãs, e as princesas estavam mais cansadas do que nunca. Galen estava ao lado de Walter quando viu Fernando ir embora. O príncipe era um grande almofadinha, e enquanto supervisionava o carregamento de suas várias malas em um vagão de bagagem, ele agitava os braços no ar expressivamente e vociferava sem parar com o embaixador espanhol, que viera acompanhar sua partida. O laço em suas tranças voou, e seu elegante cabelo estava tão firmemente preso com brilhantina que sequer se moveu, mesmo com a ira do homem. - Orgulhoso demais - Walter comentou.
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- O quê? - Galen deu um pulo. Eles tinham ficado ali em pé por tanto tempo, que ele quase se esquecera da presença do amigo. - Aquele jovem é orgulhoso demais. Ele esteve nos jardins uns dias atrás, e pensei em dar-lhe alguns conselhos e beneficiá-lo com meu conhecimento. Mas ele foi orgulhoso demais para escutar. - Entendo - Galen falou, olhando de soslaio para Walter. - E qual conselho tentou dar a ele? - O conselho que eu daria a ele é bem diferente do que daria a você, jovem Galen - Walter disse, de forma enigmática. - Ele não é tão... Abençoado... Quanto você - e sem mais dizer, o velho foi embora. Balançando a cabeça, Galen voltou sua atenção para o pátio. Ao ver Galen observando-o, o príncipe deu meia-volta e começou a desvairar furiosamente em sua direção. Galen pensou em responder, mas o pouco de espanhol que sabia não era nada lisonjeiro, então apenas fez uma reverência e voltou aos seus fazeres. Uma semana depois, o filho do rei belga chegou.
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Belgica
O
segundo filho do rei belga era bonito o suficiente, pensou Rosa enquanto
ele se curvava, isso se você gostar de cabelos escuros e olhos azuis. O que Junquilho gostava, a julgar pela expressão em seu rosto. Quanto à Rosa, ela permanecia indiferente, encostada em um sofá na sala de estar, escorada por travesseiros e envolta em xales. Acenou graciosamente. - Eu sou o Príncipe Bastien - ele disse, com um pesado sotaque westfaliano. - É um prazer conhecê-las. Todas vocês - Os olhos dele brilharam avaliando o resto das meninas. Amor-perfeito e Petúnia ainda estavam doentes e partilhavam um sofá à direita de Rosa. Margarida estava no sofá à esquerda, com sua irmã gêmea, Crisântemo, dobrada aos seus pés. Nenhuma delas parecia estar em seus melhores dias; narizes vermelhos e olhos lacrimejantes ainda eram abundantes. Metade delas ainda era acometida por tosses incessantes, e Rosa estava fraca demais para ficar em pé por muito tempo. Mas, uma vez que sua febre havia baixado e hoje ela estava lúcida, concordara em receber o príncipe belga formalmente. - É um prazer conhecê-lo, Príncipe Bastien - Rosa falou de forma suave. Se falasse mais alto, começaria a tossir. Junquilho, que havia se recuperado quase tão rápido quanto Crisântemo, ajudou-a e cuidou de apresentar suas irmãs. Rosa conteve um suspiro ao ver os olhos do príncipe se confundir, enquanto Junquilho dava os nomes das doze meninas. Por experiência, ela sabia que ele se lembraria do nome dela, por ser a mais velha, mas se preparava para as reclamações de Crisântemo por ser chamada de Margarida ou, pior, Amor-perfeito. Poucos visitantes podiam distinguir as gêmeas, e menos ainda se davam ao trabalho de se lembrar dos nomes de qualquer uma mais jovem que Jacinto, que tinha quinze anos.
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Provando ser verdade, o Príncipe Bastien mal gastou um instante com as meninas mais jovens após as apresentações. Puxou uma cadeira para próximo do sofá de Rosa e começou a lhe narrar a história de sua jornada da Bélgica a Bruch. Ele era bastante cômico em suas descrições sobre o capitão do bote que o conduzira pelo rio, e que cuspia após cada sentença. Rosa reparou que ele não se focava inteiramente nela, incluindo também Junquilho e Lírio na conversa. Mais tarde, enquanto se vestiam para o jantar, Lírio concordou com ironia: - Oh, sim, ele tem seu coração voltado para o trono de nosso pai. Ele flerta com nós três igualmente. - Por que age assim? - Junquilho agitava seu cabelo, procurando obter efeito através de um laço escarlate enroscado em seus cachos escuros. - Para o caso de uma de nós ser mais estúpida que as demais? - Para o caso de uma de nós lhe darmos uma ajuda e contar-lhe o segredo, acho - Rosa falou. Ela assuou o nariz em seu lenço, aliviada por estar sozinha com suas irmãs, onde podia fazê-lo sem perder a compostura de uma dama. - Por que fui sair da cama? Na hora em que o Príncipe Bastien terminou sua narrativa, a cabeça de Rosa estava girando, e o esforço de evitar a tosse fez com que sua respiração ficasse entrecortada. Uma de suas criadas, vendo o esforço da princesa mais velha, cuidou para que Bastien saísse, e então se apressou em tirar o vestido da garota e colocarlhe na cama. Ficar a tarde inteira sentada e jogando conversa fiada havia sido demais para Rosa, e agora ela estava deitada, pálida e trêmula, em uma montanha de travesseiros. O Dr. Kelling os havia posicionado de forma que ela conseguisse dormir sem engasgar, uma vez que seus pulmões estavam muito congestionados. Ela esperava ser capaz de comparecer ao jantar de Estado naquela noite, mas enviou uma camareira para informar seu pai que Lírio iria mais uma vez bancar a anfitriã. Ela decidiu que Petúnia, Amor-perfeito e Margarida também iriam ficar de cama. - O coque fica melhor na parte de trás - disse a Junquilho. - Agora pare de se enfeitar. - Vai me dar aulas de vaidade agora? - Junquilho levantou uma sobrancelha, olhando para Rosa através do espelho. - Não me importo se você for vaidosa, mas está me incomodando com toda essa sua cantoria.
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- Não estou cantarolando. - Está sim. Sempre cantarola quando arruma o cabelo. Incomoda! - Ela está certa - Lírio falou, enquanto colocava um par de brincos de ametista. - Você cantarola quando arruma o cabelo e um pouco antes de cair no sono. Pasma ao saber que tinha um mau hábito, Junquilho terminou de se arrumar em silêncio e saiu do quarto. Rosa acabara de fechar os olhos e começava a relaxar, quando escutou suas irmãs mais jovens batendo papo com vozes agudas na sala de estar. Íris entrou com um grande buquê nas mãos: - Elas não são lindas? Ela estendeu as flores, e Rosa percebeu que não era apenas um grande buquê, mas três pequenos. Um de lírios, outro de íris e o terceiro de rosas vermelhas. Apesar de ser estranho, cada buquê estava amarrado por um cordão tricotado com lã preta, mas Rosa até que achou que isso dava um efeito bonito, no momento em que Íris lhe entregou as rosas vermelhas. Ela levou as flores ao nariz congestionado e tentou sentir um pouco do cheiro. Sentiu somente o mais tênue fio do perfume e então gentilmente acariciou sua bochecha com as pétalas macias, experimentando a sensação delicada. Às vezes, ela se sentia culpada por sua família gastar tanto dinheiro com os jardins, especialmente com o aquecimento e irrigação das estufas, mas, naquele instante, tudo parecia valer a pena. - Aquele novo jardineiro que as trouxe - gaguejou Íris. - Greta me disse. Ele as entregou para ela em uma grande cesta e pediu que as trouxesse para nós como um presente especial. Eu vou colocar um laço para combinar com meu vestido e levá-las comigo ao jantar - Ela saiu, ainda admirando as flores púrpuras e douradas de seu buquê. - O novo jardineiro? - Lírio olhou para Rosa por sobre suas próprias flores brancas. - Não foi ele que a fez cair dentro da fonte? - Não foi culpa dele - Rosa falou, convicta. Ela havia culpado Galen o bastante durante sua primeira semana doente, contudo, recentemente, sentia-se mais caridosa para com ele, ao observá-lo trabalhar tão incansavelmente no jardim de sua mãe. Segurar as belas flores junto às suas bochechas ajudou-a a acalmar seu mau humor. Ela tinha se inclinado muito sobre a água, ele a assustara e ela caiu. O rapaz com certeza não podia ser culpado pela exaustão que estava atrasando sua recuperação. 64
Crisântemo, seu buquê de belos botões vermelhos em contraste com o pálido vestido rosa, adentrou o quarto em seguida. - Lírio, hora do jantar. Eu acabei de escutar o gongo soar em meio ao tagarelar delas lá fora - Ela acenou a cabeça em direção às vozes de suas outras irmãs, que estavam na sala de estar comparando buquês. - Deixe-me apenas colocar um laço bonito no meu - Lírio falou, indo até sua penteadeira para encontrar algo que combinasse com seu vestido. - Por que acha que ele as enviou? Acha que pediu permissão antes? - Tenho certeza que sim - Crisântemo respondeu, vagamente. - Ele me escoltou ao voltar do jardim outro dia, quando Fernando chegou. É bastante gentil. E bonito - ela levantou as sobrancelhas para Rosa, que decidiu ignorá-la. Depois falou para Lírio, enquanto ajustava o cordão torcido ao redor do caule fino de seu buquê homônimo. - Não pegue um laço novo. Elas ficam mais interessantes assim. Galen também fez os cordões. Ele se senta nas pedras sob nossas janelas para almoçar e tricotar de vez em quando. Acho que ele faz suas próprias meias. - Ele faz? - Lírio perguntou. - Sim, mas acho que Rosa saberia dizer melhor do que eu - ela falou, com malícia. A seguir, saiu, com o nariz entre suas flores. Lírio olhou para Rosa, que apenas deu de ombros, na esperança de não estar corada. - Ele é um jovem estranho - ela falou. - Mas bonito - Crisântemo gritou do outro lado da porta. Suas duas irmãs mais velhas reviraram os olhos. Após aquelas que estavam boas o bastante para se vestir terem saído para o jantar, Rosa fechou os olhos e tirou uma soneca. Dormiu melhor do que conseguira em semanas, talvez meses, com o buquê de rosas apoiado nos travesseiros, próximo de seu rosto. Como Crisântemo, ela gostou do pequeno cordão bordado que amarrava as flores, dedilhando-o enquanto adormecia. Ao acordar, o Príncipe Bastien inclinava-se para dentro de seu quarto, olhando de soslaio para ela. Assustada, ela apertou o buquê com força e espetou o dedo em um espinho. A maior parte deles havia sido removida, mas Galen havia deixado aquele escapar.
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- Ai - Rosa chupou seu dedo. Depois espirrou em um lenço. - Oh, pobre princesa. Você ainda está doente? - O Príncipe Bastien falou da porta da entrada. - Sim, ainda estou doente - Rosa retorquiu, irritada. Ela assuou o nariz com força, sem se importar se aquilo era pouco atrativo a uma senhorita. Estava trajando suas vestes noturnas; o que ele estava fazendo ao espiar para dentro do quarto dela daquela maneira? - Príncipe Bastien? - A sempre conscienciosa Lírio apareceu por detrás dele, com seus olhos pedindo desculpas para Rosa. - Por que não nos mostra aquele jogo de cartas sobre o qual nos contou no jantar? - Rosa não se juntará a nós? - Não, temo que Ro... Minha irmã mais velha esteja muito cansada – respondeu Lírio. Ela levou cuidadosamente o Príncipe Bastien dali, e Rosa passou o resto da noite escutando a folia pela porta aberta do quarto. Às dez horas, suas criadas as aprontaram para dormir e prepararam uma cama para o Príncipe Bastien na sala de estar. Às quinze para as onze, as criadas e o príncipe belga estavam adormecidos. Eles não acordariam até o amanhecer, independente dos barulhos que as meninas fizessem. Os cães do Inferno poderiam passar uivando pela sala de estar, mas o sono que caíra sobre Bastien e as criadas não seria perturbado. Apoiada nos braços de Lírio, Rosa olhou para o Príncipe Bastien ao passar por ele. Com a boca aberta e uma linha de baba escorrendo no travesseiro de cetim, ele não era tão bonito quanto ela pensara antes. Ela meneou e aspirou suas flores, enquanto Lírio abria a passagem secreta para ambas seguirem ao Baile da Meia-noite. Três dias depois, o Príncipe Bastien partiu, desgostoso.
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Estufa
-
N
ão sei quantos outros príncipes eles poderão encontrar - disse
Walter. Ele estava com Galen em uma estufa tropical, podando árvores de frutas exóticas, que eram delicadas demais para crescer em Westfalin, em qualquer época do ano. – Já passaram o quê? Seis? - Sete - respondeu Galen. Ele os vinha contando cuidadosamente. Crisântemo e algumas das princesas mais jovens, as quais se sentiam melhores, passavam ocasionalmente pelo jardim para sussurrar para Galen suas opiniões nada lisonjeiras sobre os príncipes. Rosa não tinha saído, embora Galen a visse com frequência pela janela. Ela parecia pálida, com seu cabelo castanho claro coroando a abatida face. Ele gostaria de ter enviado mais buquês, mas havia princesas demais para que algo assim passasse despercebido, e não seria adequado mandar flores somente para Rosa. Ele arrumara uma desculpa para seu primeiro presente ao dizer que aquelas eram flores da estufa que precisariam ser podadas de qualquer modo. - E cada um deles arrogante e egoísta - Walter completou. - Cujo préstimo pelas princesas não vai além do desejo de sentar-se no trono. E todos os sete haviam saído sem resolver o mistério das sapatilhas de dança desgastadas. O rei podia ser escutado gritando a qualquer hora do dia e da noite. As relações com as nações vizinhas estavam ainda mais tensas do que antes. Se o Rei Gregor pensou que um concurso para obter seu trono aproximaria os países de Ionia, ele estava errado. - Já faz três meses - Galen falou abruptamente.
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Walter apenas grunhiu. - A Princesa Rosa tem estado doente há três meses. - Ela está se recuperando - Walter garantiu-Ihe. - Quando Crisântemo e Margarida estiveram aqui noutro dia, perguntei sobre suas irmãs. Jacinto também teve uma recaída, mas está recuperando as forças. Pneumonia nunca é fácil, mesmo para as mais jovens - Walter bateu no braço de Galen. - Você é um bom rapaz por se importar com elas, Galen. Um bom rapaz. Naquele instante, a porta mais distante da estufa se abriu, e duas figuras entraram. Elas estavam vestidas pesadamente para se protegerem do frio, e tudo que Galen pôde dizer ao certo era que se tratava de duas mulheres. Ambas tiraram os mantos e capas ao sentirem o súbito calor, e Galen viu que era a própria Princesa Rosa, apoiada nos braços da princesa que tinha inclinações musicais, cujo nome ele acreditava ser Violeta. Violeta ajudou Rosa a sentar-se em um banco pequenino sob uma bananeira, e então perambulou um pouco para dar uma olhada em algumas vinhas florescentes. Galen largou suas tesouras de poda. Walter levantou uma sobrancelha, e Galen sorriu. Ele apanhou uma laranja de uma árvore próxima, piscou para Walter e seguiu pelo corredor até o banco. Agora que ele já tinha passado mais tempo trabalhando no palácio, encontrando princesas, ministros de Estado, embaixadores e, ocasionalmente, algum príncipe, suas maneiras estavam bem mais refinadas. - Bom dia, princesa Rosa - ele disse galantemente, e ofereceu-lhe a laranja com um floreio. Na verdade, ele estava um pouco chocado com a aparência dela. Da janela, ela parecia romanticamente pálida e magra, mas de perto estava macérrima, com a face cavada e olheiras. Seus grossos cabelos castanhos estavam presos em uma trança simples, que enfatizava o contraste da forte brancura de sua pele com o vestido colorido que usava. Ainda assim, Galen não deixou seu sorriso esmorecer. Ela estava ainda mais bonita agora, ele pensou, com uma qualidade que não era deste mundo e uma maturidade que antes não existia. Ele a presenteou com a laranja. - Permita-me oferecer esta laranja, Alteza, junto com meus desejos de uma recuperação rápida.
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- É muito generoso de sua parte, Mestre Galen - ela respondeu, havia uma luz tênue e gentil em seus olhos. - Especialmente por elas serem as laranjas de minha família - ela pegou a laranja dele e rolou-a entre as mãos. - E considerando que minha doença é muito provavelmente resultado de ter caído na fonte quando nos conhecemos. Galen estremeceu. Ele sabia que ela se lembraria disso, mas tinha esperança de que não jogasse em sua cara. Contudo, a julgar pelo suave sorriso em seus pálidos lábios, não foi isso que ela quis dizer. - Bem, Alteza, sei que sou de fato bonito, mas não posso ser culpado se minha boa aparência a baqueou tão fortemente que a senhorita desmaiou - ele disse, fazendo uma pose. Ele estava bastante nervoso, se perguntando se havia levado a provocação longe demais. Contudo, foi recompensado: Rosa riu, um som alto e claro, e atirou-lhe a laranja. Ele a apanhou com habilidade, mas quando a risada da moça tornou-se tosse, deixou a laranja cair no chão e dobrou-se sobre ela, incerto se ousava bater em suas costas ou tomar sua mão: - Alteza, perdoe-me. A senhorita está bem? Violeta escutou a tosse e veio correndo. Sentou-se no banco ao lado da irmã, abraçando-a e segurando um lenço próximo aos lábios de Rosa. - O que aconteceu? - ela perguntou a Galen, em um tom próximo de ser acusatório. - Sinto muito, Alteza - respondeu Galen, recuando. - Eu a fiz rir e... - Você a fez rir? - Os olhos de Violeta se arregalaram. - Ela não ri há semanas! Ela sorriu para Galen e deu uma apertadinha no ombro de Rosa. - Oh, meu Deus - Rosa suspirou, sua tosse havia acabado. - Sinto muito – ela disse a Galen. - Não, por favor, Alteza, a culpa foi toda minha - ele limpou a garganta. Você...Você gostou do buquê? Dos buquês, quero dizer? Que eu enviei há um mês... Ele parou de falar, sentindo-se tolo, mas Rosa sorriu calorosamente. - Oh, claro. Eles eram lindos. - Ainda tenho o meu - Violeta se intrometeu. - Eu o sequei e está em um pequeno vaso sobre meu piano.
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- Fico feliz - Galen lhe disse, mas seus olhos estavam em Rosa. - Eu tinha esperança de que gostasse delas. Rosa achava o buquê feito por ele lindo. - Oh, isso me lembra - Rosa enfiou a mão no bolso de seu manto e apanhou o cordão que Galen usara para amarrar seu buquê. - Você quer isso de volta? Tenho certeza de que será de bom uso no futuro. - Não, não! A senhorita deve guardá-lo, Princesa Rosa - Galen falou. – O velho soldado que me ensinou a bordar sempre disse que um cordão bordado feito com lã preta pode afastar todo mal. Pensei que talvez... - Ele fez uma pausa, embaraçado. Tinha dado os buquês para elas presos por cordões de lã preta para repelir a enfermidade delas, mas sabia que isso não cabia a ele. - Bem, obrigada - Rosa falou, aparentemente sem notar a hesitação dele. Ela enrolou o pequeno cordão e colocou de volta no bolso. Então, de repente não havia mais nada a ser dito, e Galen ficou diante das duas princesas, embaraçado. - Bem - ele girou sobre os calcanhares, pensando que era melhor voltar ao serviço, antes que Reiner aparecesse e o repreendesse por ficar ocioso -, uma vez que estou certo de que a senhorita está gostando dos diversos pretendentes reais que têm vindo apreciar sua beleza, suponho que seja melhor eu me retirar - ele se curvou. - Eu odiaria ser desafiado para um duelo. Galen sorriu e piscou ao falar isso, para que elas percebessem que ele estava caçoando, mas ficou chocado com a reação delas. Rosa fechou os olhos e pareceu pesarosa, e Violeta até cruzou as mãos e murmurou uma oração. Ao ouvir um barulho atrás de si, Galen voltou-se e viu duas das princesas do conjunto do meio com a menina mais jovem. Olhavam para ele com expressões estarrecidas. - Ele está falando dos príncipes que morreram? - Petúnia perguntou, franzindo o rosto para Galen. - Nós não devemos falar deles - completou com um sussurro. - Quem... Morreu? - A voz de Galen soava culpada. - Sssssh! - Petúnia foi arrastada por suas duas irmãs segurando suas mãos. Sssssh! - ela falou por sobre os ombros, ainda olhando para Galen.
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- Rosa, devemos retomar aos nossos quartos. Você precisa descansar – disse Violeta, de modo sério, fugindo dos olhos de Galen. Poucos momentos antes, ela estava radiante por ele ter feito sua irmã sorrir. - Não - Rosa respondeu, desvencilhando-se da mão da irmã. - Ele tem o direito de saber. Todo mundo tem. - Mas, Rosa - Violeta protestou -, ele é um jardineiro. Não tem nada a ver com isso. Galen sentiu-se raivoso, mas combateu o sentimento. Falou, dando meiavolta: - Ela está certa. Não passo de um jardineiro - ele não queria causar ainda mais embaraço a Rosa. - Dizem que você já foi um soldado que lutou na guerra. Ele virou-se lentamente para Rosa e endireitou os ombros. - Isso é verdade, Alteza. - Então conhece as estradas ao sul de Westfalin, que levam à Espanha e à Analousia? - Conheço, Alteza. Viajei por elas em meu retorno da guerra. Ele pensou na estranha velha que havia encontrado em seu caminho e no manto que ela lhe dera. Estava escondido em uma arca em seu quarto na casa do tio. Um manto de invisibilidade era de pouca utilidade para um jardineiro. - Há muitos bandidos nessas estradas? Você esteve em grande perigo? – O rosto de Rosa estava estranho, como se ela já soubesse a resposta. - Não, Alteza - Galen balançou a cabeça intrigado. - Há muitas fazendas ao longo dessas estradas, e as pessoas foram gentis com um soldado cansado. Talvez, desde os dias de meu retorno, as coisas tenham mudado. Mas passaram-se apenas alguns meses... Ela já estava balançando a cabeça. - Todos dizem a mesma coisa. Jamais existiram ladrões nessas estradas ou motivo para preocupação. Ainda assim, o príncipe espanhol que veio nos cortejar e tentou... Nos espionar durante a noite, foi morto por salteadores ao voltar para seu lar. Galen recuou. Nada ouvira sobre aquilo.
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- Sinto muito, Alteza - disse, lembrando-se do afetado príncipe que tinha visto guinchando com os porteiros no pátio. A espada do príncipe mais parecia ornamental, e era provável que jamais tivesse intimidado um salteador. - Mas ele também tinha guardas... - Ao ver a expressão de contrariedade em seus rostos, no entanto, parou de especular. - Sinto muito pela senhorita estar sofrendo com a morte de seu amigo, Alteza. Rosa debandou a frase com um gesto. - Ele não era meu amigo - falou, tirando distraidamente o pé de seu calçado e cavoucando o chão em torno do banco com o dedão. - E nem o eram os príncipes da Bélgica e Analousia. Do contrário, estaríamos prostradas pela dor, pois eles também estão mortos. - O quê? - Galen havia voltado até onde estava e agora parou encarando de frente as duas jovens. Percebendo que sua boca estava aberta, ele fechou-a imediatamente. - Eles duelaram - respondeu Violeta com brevidade. - Se encontraram na corte belga uma semana após o analousiano ter falhado. Ele acusou o príncipe belga de sabotagem (não consigo me lembrar dos nomes deles, Deus me perdoe), dizendo que este havia deixado armadilhas para garantir que o analousiano falhasse e fosse humilhado. Não era verdade, mas ambos lutaram e mataram um ao outro. Sem fala, Galen apenas a encarava. - Os outros também estão mortos - Rosa completou. - Todos os príncipes que vieram morreram. Um navio afundou. Um cavalo que costumava ser gentil assustouse e jogou seu cavaleiro longe, quebrando o pescoço do pobre príncipe - ela olhou para Galen. - Estamos amaldiçoadas. É por isso que você merece saber: nossa família está amaldiçoada. Você deve ir embora; encontrar trabalho em outro lugar antes que algo lhe aconteça também. Galen respondeu: - Mas Princesa Rosa, você não está amaldiçoada! Tem estado doente, mas certamente... Ela o cortou com um gesto afiado e levantou-se com algum esforço. - Estamos amaldiçoadas - disse por fim. Ao passar por ele, apoiada no braço de Violeta, tocou o ombro de Galen com sua mão magra e falou suavemente:
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- Deixe este lugar. Quando tio Reiner o encontrou alguns minutos depois, Galen ainda estava em pé no meio do corredor. Ele estava pensando intensamente, olhando para o banco onde Rosa e Violeta estavam sentadas. - Galen! Você não tem o que fazer? - Reiner arranjaria facilmente algo para o jovem, caso ele estivesse ocioso. - E por que tem uma laranja no chão? Galen encarou-o e disse: - Eu vou resolver essa charada. - O que você está balbuciando? - Reiner lhe entregou uma colher de pedreiro e um pacote de sementes, mas Galen não os apanhou. - Tenho que ver o rei - ele murmurou, empurrando Reiner de lado e saindo da estufa. - Pobre Rosa. Tenho que ajudá-la.
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Dançarina
O
s dias de Rosa passaram de forma obscura.
A pneumonia lhe havia dado um adiamento de suas funções como anfitriã, e Lírio e Junquilho assumiam seu lugar dependendo de qual delas se sentia melhor. Rosa sempre achou jantares de Estado e recepções oficiais entediantes, mas, agora que não comparecia mais, ela percebeu o tanto de divertimento que eles providenciavam. Rosa já havia concluído seus estudos e não tinha hobbies, como Violeta ou Jacinto, para se ocupar. Ela gostava de ler, mas a febre e a exaustão dificultavam que se concentrasse. Ela vinha lendo o mesmo romance analousiano desde uma semana antes de sua doença começar, e ainda não o tinha terminado. Agora que estava bem o suficiente para sair de seu quarto por mais ou menos uma hora, estava frio demais para ir a qualquer lugar. Ela não tinha amigos fora do palácio que pudesse visitar, e os jardins estavam fora de questão. Foi Violeta quem sugerira a estufa, onde frutas exóticas e orquídeas raras eram cultivadas, e deixou sua música de lado para ajudar Rosa a se agasalhar e ir até lá. A estufa tropical onde, em um banco sob uma bananeira, ela esteve cara a cara com Galen novamente. Ela ficou surpresa por ter ficado tão satisfeita ao vê-lo lá em seu uniforme marrom de jardineiro. Após o cortejo de príncipes arrogantes ter passado, cujos rostos ela já esquecera por causa de sua doença, achou os modos simples de Galen e seu sorriso sincero e caloroso refrescantes. Ele tinha cortado o cabelo de novo, tão curto, que era possível ver seu escalpo pelas laterais, duro e rijo, e ela teve o, desejo de esfregar as mãos na cabeça dele e sentir os cabelos.
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Ela não teve intenção de ser mórbida demais com Galen, ao dizer que elas estavam amaldiçoadas. No entanto, era assim que se sentia. E a indignação de descobrir que seu pai estava oferecendo um prêmio em um concurso, somado ao horror de escutar as notícias das mortes dos príncipes, havia aumentado seu desespero. Não foi reconfortante saber que Jacinto partilhava de seus medos. - Você tem razão - ela disse solenemente para Rosa. - No início, eu achei que fôssemos inocentes e somente mamãe seria punida. Mas agora, com as mortes dos príncipes em nossas cabeças, estou certa disso. Estamos amaldiçoadas – ela não parecia aborrecida com a constatação, apenas resignada. Crisântemo calou Jacinto ao colocar um travesseiro sobre sua cabeça, mas Margarida puxou a gêmea. Irritada, Crisântemo enterrou sua própria cabeça no travesseiro. - Vocês podem estar todas amaldiçoadas se quiserem - ela falou com uma voz abafada. - Mas eu prefiro pensar no futuro. - Que é? - Junquilho ergueu uma sobrancelha. As irmãs estavam na sala de estar. Algumas costuravam, e as mais jovens tinham um quebra-cabeça espalhado pelo chão. Rosa se encontrava encostada em um divã, próxima da janela, cansada de sua caminhada até a estufa. - Nosso tempo lá embaixo terminará - Crisântemo falou, resoluta. - O que têm minhas princesas para este belo dia? - Anne, a governanta roliça, invadiu a câmara. Anne era nascida na Bretanha e tinha vindo para Bruch como companheira e tradutora da Rainha Maude. Quando Rosa fez quatro anos, Anne fora convencida a assumir a posição de governanta real, uma vez que seus dotes incluíam falar analousiano, tocar piano e o conhecimento de História e Ciências, além de sua fluência em bretão e westfaliano. Ela era uma amiga e professora para as meninas, e Rosa sentia pesar por não poder contar a Anne sobre a maldição. Crisântemo abriu a boca para responder à governanta, mas fechou-a imediatamente, incapaz de falar. - Nada - ela murmurou, afinal.
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- Uma vez que você está bem o suficiente para falar sobre "nada', por que não falamos sobre a história de Westfalin? - Anne olhou de uma irmã para a outra com seus olhos negros. Rosa achava que ela se parecia com um grande pardal. As irmãs que ainda estavam na idade de estudar grunhiram ao seguirem Anne para a sala de aula, deixando as mais velhas para trás. - Rosa, não estamos amaldiçoadas - Lírio falou. Ela cruzou a sala para ir até a irmã mais velha e ajoelhou-se aos seus pés. - Não se deixe abater. Mais alguns anos... - Mais alguns anos e eu estarei morta - Rosa respondeu, afastando-se de Lírio. Ela olhou para o jardim lá fora. Pôde ver Walter seguindo ao longo da trilha com um carrinho cheio de compostagem e três jardineiros atrás. Ela teve um sobressalto, mas ao ver que nenhum deles era Galen, se recompôs. Suspirou. Lírio sentiu a testa dela. - Você está pior? Quer ir para a cama? - Não, estou bem - ela deu um sorriso. - De verdade, eu só quero ficar sentada aqui e descansar, obrigada. Rosa deve ter adormecido, porque a próxima coisa que viu foi Junquilho chacoalhando-a para acordá-la. Ela já estava trajada com um vestido rosa de cetim, cabelo preso com laços. - São onze e meia - Junquilho disse, com resignação na voz. - Você precisa se aprontar. Tal qual o fizeram desde o primeiro dia da doença, Lírio e Junquilho ajudaram Rosa a colocar o vestido de baile. Maquiaram suas bochechas, pentearam seus cabelos e colocaram rendas nas novas sapatilhas de dança que haviam sido entregues naquele dia. Àquela altura, ela já estava forte o suficiente para se vestir, mas segurar os braços acima da cabeça para arrumar seu cabelo ainda a deixava sem fôlego. Ela brincou com a ideia de ir ao Baile da Meia-noite usando camisola e chinelos de quarto, para sublinhar o fato de que não estava bem e não devia ser forçada a comparecer, mas cometeu o erro de partilhar a ideia com Lírio. A irmã ficou horrorizada, temendo que, se qualquer uma delas não estivesse dando o seu melhor, todas seriam punidas. As coisas ficaram ainda mais tensas desde que perderam uma noite, e foi assim que Rosa se deixou vestir em cetim e
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enfeitar-se com joias. Então, ela contemplou o resto de suas irmãs até a chorosa Amor-perfeito, todas vestidas de forma parecida. A gentil Íris colocou travesseiros sob as cabeças de suas criadas que roncavam e cobriu-as com cobertas. Logo após entrarem nos apartamentos das princesas, depois do jantar, elas foram acometidas pelo encanto do sono, e deitaram-se no chão em um sono profundo. Acordariam pela manhã, rígidas e grogues, para encontrar as meninas em segurança nas camas; as novas sapatilhas de dança esburacadas. - Estamos prontas? - Lírio olhou para suas onze irmãs. Era sempre Rosa quem fazia essa pergunta, quem checava os laços e arrumava cachos soltos, mas desde sua doença, ela não tinha forças nem inclinação, de modo que Lírio assumiu essas tarefas também. Todas acenaram positivamente, Rosa caída entre Crisântemo e Violeta, Amorperfeito apoiada em Orquídea e Margarida, e Junquilho escorando Íris. Petúnia, Jacinto e Lilás davam as mãos. Petúnia, na verdade, sorria, pois ainda amava dançar. Lírio ajoelhou-se no centro do tapete árabe que cobria o chão da sala de estar. Com o dedo indicador, ela traçou o padrão de labirinto que marcava o centro do tapete. O labirinto brilhou. O que antes era seda dourada tornou-se dourado de verdade, e espiralou chão adentro, as listras brilhantes se ampliando em degraus angulares que levavam para o interior das trevas. Lírio pegou uma lamparina de cima da mesa e pisou delicadamente no primeiro degrau, sua mão livre segurando as saias para tirá-las do caminho. No final das escadas, a escuridão as engoliu. Uma vez que Rosa passou do nível do chão, a espiral dourada ascendeu novamente, deixando-as sem meios de escapar até que a primeira luz da manhã tocasse as colinas ao leste de Westfalin. Como Rionin e seus irmãos haviam chegado ao jardim, como a mãe delas fez contato com tais criaturas, elas nunca ousaram perguntar. A lamparina de Lírio era pouco mais do que uma faísca, e elas a seguiam com olhos ávidos. Pelo portão, pela floresta, às margens do lago, por sobre a água, até o Baile da Meia-noite.
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Espião
Q
uando Galen correu para falar com o Rei Gregor, há mais de um mês, ele
entrou em conflito com o mordomo do palácio, o senhor Fischer. Ele não permitia que jardineiros vestindo roupas lamacentas falassem com o rei. Na verdade, o senhor Fischer não permitia jardineiros no palácio. Mas quando Galen estava dando meia-volta, deprimido, ele passou pelo Dr. Kelling, que chegava ao palácio para ver as princesas. O Dr. Kelling saudou Galen, curioso pela expressão de desamparo do jovem, quando este passava pelas portas principais. - Meu jovem, posso ajudá-lo? Galen já tinha visto as idas e vindas do médico antes, e sabia que ele era um amigo próximo da família real. O médico tinha uma cabeleira grisalha indisciplinada e sobrancelhas impressionantes sobre seus olhos azuis faiscantes. - Sim, caro doutor - Galen respondeu. - Eu esperava... Bem, esperava conseguir falar com o rei - Galen cerrou os dentes, percebendo o tanto que aquilo soava tolo. Que direito tinha ele de falar com o rei? - Qual o assunto? Há algum problema com o Jardim da Rainha? - Oh, não, senhor. Tem a ver... Tem a ver com as princesas. Eu pensei que poderia ser capaz de... Ajudar - Galen endireitou os ombros e olhou nos olhos do Dr. Kelling. Talvez não coubesse a si oferecer ajuda, mas ele não conseguia suportar ver Rosa tão exausta e amarga. - Eu quero ajudá-las, senhor - Ele afirmou. - Ajudar? - Sim, senhor. - O que o faz pensar que as princesas precisam de ajuda? - Uma das impressionantes sobrancelhas se levantou.
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Galen olhou para ele. Olhou para baixo, na verdade. Dr. Kelling tinha altura mediana, o que significava que Galen era uma cabeça mais alto que ele. - Senhor, todos sabem sobre as sapatilhas de dança gastas e a constante exaustão das princesas. Elas têm estado doentes, e não ajuda o fato delas irem para... Onde quer que elas estejam indo à noite - ele fez uma careta. - E eu vi o... Povo ou o que quer que eles sejam, que veio ao jardim na noite seguinte após elas não terem dançado. O Dr. Kelling avaliou o jovem. - E o que você acha que pode fazer por elas? Galen parou de andar. Já havia decidido que contar às pessoas que ele tinha um manto de invisibilidade era perigoso. Ele podia ser acusado de feitiçaria ou simplesmente de ser louco, se ninguém acreditasse nele. Ele criaria uma mentira plausível, e mais tarde pediria perdão a Deus. - Aprendi coisas no exército, senhor. Escoltar, espionar, esse tipo de coisa. Estou certo de poder observar as princesas sem que elas percebam. Kelling balançou a cabeça bem lentamente e começou a andar de volta para o palácio. - Você foi um soldado? - Sim, senhor. - Você mal parece ter idade suficiente para ter visto a última batalha. - Meu pai fez carreira no exército, senhor. Eu estava presente durante a primeira batalha com a Analousia, e assumi o rifle de meu pai quando mal tinha completado quinze anos. - Que os santos nos salvem - o Dr. Kelling falou e apertou o ombro dele. – O que fizemos aos nossos jovens? - Seus olhos brilhantes examinaram o rosto bronzeado de Galen. Ele balançou a cabeça. - Qual o seu nome, rapaz? - Galen Werner, senhor. - Bem, Galen Werner, talvez um espião talentoso seja o que precisamos, em vez desses príncipes que tropeçam no escuro. Primeiro preciso ver minhas pacientes, mas, depois, irei almoçar com vossa Majestade e falarei com ele sobre essa ideia. Enquanto isso, é melhor você continuar seu trabalho. Eu conheço Reiner Orm, e ele não ficará satisfeito se o pegar passeando na entrada frontal.
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- Não, senhor - disse Galen, com um sorriso. Ele saltitou para longe, a esperança crescendo em seu peito. O Dr. Kelling falaria com o rei, e Galen obteria permissão para bisbilhotar durante a noite. Com seu manto, poderia seguir Rosa e suas irmãs, e descobrir em que loucura elas haviam se metido. Logo as princesas seriam capazes de descansar e se recuperar. Sorrindo, ele imaginou um rubor de saúde nas bochechas da Princesa Rosa. Ele nunca receberia a mão dela em casamento, claro. Mas quem sabe poderia pedir para dançar com ela no baile, ou sentar-se ao seu lado durante o jantar, pelo menos uma vez. Assobiando, seguiu seu caminho. Ainda estava de bom humor quando urna mensagem do médico foi trazida por um entregador. Galen não poderia entrar no palácio, mas foi permitido que ele vagasse pelos jardins à noite. Se tivesse algo a relatar, deveria deixar uma mensagem com alguém que trabalhasse dentro da casa, endereçada ao Rei Gregor ou ao Dr. Kelling. Havia uma carta com o selo real inclusa, dando-lhe liberdade de acesso aos arredores do palácio durante toda a noite. Cantarolando, Galen continuou a trabalhar até o pôr do Sol e voltou para casa com tio Reiner, como sempre. Eles tiveram um ótimo jantar, e Galen foi para seu quarto, como se nada de extraordinário tivesse ocorrido. Reiner Orm tinha um senso rígido de classe e conveniência, e Galen sabia que seria inútil contar aos seus parentes o que ele pretendia fazer. Depois das dez, quando estava certo de que todos dormiam, Galen colocou a capa púrpura em sua bolsa de couro e esgueirou-se para fora da casa. Era estranho andar pelas ruas de Bruch à noite. Durante o dia elas eram um alvoroço: carroças e cavalos, pessoas a pé, vizinhos chamando uns aos outros. Mas agora tudo era silêncio. Uma chuva gelada tinha caído e as ruas brilhavam escorregadias e molhadas à luz do luar. Foi ainda mais estranho abordar os guardas no portão do palácio e mostrar a carta do rei. Assim que ele estava bem longe da guarita, nas sombras de um grande carvalho, Galen tirou o manto da bolsa de couro e o vestiu. Quando a fivela de ouro foi apertada, ele desapareceu. Seguiu pelas trilhas de cascalho até o lado sul do palácio, e assumiu sua posição logo abaixo das janelas das princesas. Havia algumas grandes pedras ornamentais onde ele e Walter costumavam sentar para almoçar. Elas estavam geladas e molhadas agora, de modo que Galen não se sentou, mas marchou em volta delas para manter-se aquecido enquanto observava as janelas. 80
Uma forma magra apareceu, puxando para o lado uma das cortinas para olhar para fora, e o coração de Galen disparou. Então ela virou a cabeça, e ele percebeu que o perfil não era o de Rosa, mas Junquilho, e riu de si próprio. Ele deveria saber, ao ver a torre de laços e cachos na cabeça, que não era Rosa. Junquilho fechou as cortinas e se afastou, e Galen continuou a se mover, repreendendo a si mesmo em silêncio. Decerto ele não era tolo o bastante para se apaixonar por uma princesa... Ele balançou a cabeça e decidiu pensar, em vez disso, na aparência de Junquilho. Os cabelos dela haviam sido muito bem feitos, como para uma ocasião formal, e ela usava vestido de baile e joias. Elas estavam indo a algum lugar para dançar: era vaidade demais que ela se vestisse tão bem para meramente dançar em seu quarto com as irmãs. Ele esperou a noite inteira no lado sul do palácio. As luzes nunca diminuíam nos quartos das princesas, e embora Galen vigiasse as delgadas cortinas, desejando que elas se abrissem para que ele pudesse enxergar lá dentro, ninguém tornou a aparecer na janela. Somente com a chegada da alvorada as luzes internas foram apagadas, uma a uma. Galen não perdeu a esperança. De acordo com a carta do rei, ele poderia voltar ao palácio à noite tantas vezes quanto fosse necessário para desvendar o segredo, e ele o faria. Checaria cada porta e janela que as princesas pudessem usar, talvez até escalasse a hera que Rionin tentou subir e espiasse pelas janelas, embora a ideia o fizesse corar. Também decidiu se confidenciar com Walter. O velho jardineiro tinha um olhar apurado. Galen o colocaria para procurar qualquer sinal de pegadas na terra macia dos canteiros. Com certeza doze pares de pés não poderiam passar pelo jardim sem deixar uma marca.
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Alfred -
V
ocê gosta de rosas, Princesa Rosa? - O Príncipe Alfred da Bretanha sorriu
para Rosa no que ele provavelmente pensou ser um flerte. O sorriso revelou grandes dentes e o fez parecer mais ainda com um cavalo. Rosa fez uma oração silenciosa de agradecimento por não ter dentes como aqueles. Alfred era seu primo de segundo grau por parte de mãe e possuía uma série de traços que a fazia sentir-se sortuda por não ter herdado. - Sim, eu gosto - respondeu, mantendo a voz baixa. Ela não gostara do trocadilho com seu nome, e se recusava a demonstrar qualquer emoção que pudesse ser interpretada como divertimento pelo desinformado Alfred. Eles estavam na estufa de rosas, admirando as flores que brotavam lá o ano inteiro. Esse era o projeto particular do jardineiro-chefe Orm: ele estava criando novas cores e tipos de rosas, algo que também interessava bastante ao Rei Gregor. O arbusto o qual Rosa e o Príncipe Alfred tinham diante de si era rosado com o centro vermelho. Cada botão tinha o tamanho de um pires. - Então irei tirar uma rosa para seus cabelos - vociferou o Príncipe Alfred, inclinando-se para frente e apanhando um dos botões. - Assim como irei tirar o segredo que as assombra todas as noites! - Sua risada de cavalo foi abreviada por um grito de dor quando um espinho picou seu dedo. "Bem feito", Rosa pensou. A princesa sabia muito bem que aquelas rosas não haviam sido feitas para serem colhidas, e ela havia avisado o Príncipe Alfred disso quando entraram na estufa. Quando os botões estavam quase desabrochados, o jardineiro-chefe os cortava cuidadosamente e os levava ao palácio para serem expostos por um curto período, mas fora isso, eles eram puramente um "experimento floral", como o pai dela chamava. 82
Aquele príncipe bretão estava deixando Rosa extremamente irritada. Sua risada desagradável e os dentes alarmantes eram apenas metade da coisa. Ele temperava a converção com observações demasiadamente sugestivas, e era certo que pensava em si mesmo como um grande galã. As irmãs de Rosa tinham dado um jeito de fugir do motivo após alguns minutos na presença dele, deixando-a para entretê-lo sozinha. Ela apertou os dentes quando lhe ofereceu um lenço, planejando a vingança que teria sobre suas irmãs por abandoná-la com o Príncipe Cara de Cavalo. Disse a si própria que a semana passaria bastante rápido, e então ele seria mandado embora em desgraça, como todos os demais. Enquanto ele sangrava no lenço dela e agradecia pelo seu toque gentil, ela lembrou-se que, uma vez mandado embora, era provável que a vida dele fosse abreviada por algum misterioso acidente. Ela deveria querer que ele fosse bem-sucedido, mas ele não era nem remotamente a figura arrojada que ela imaginara para salvá-la do Baile da Meia-noite. - Sou uma pessoa ruim - ela murmurou para si. - O que você disse, querida Rosa? - Alfred enrugou seu nariz para ela, julgando, sem dúvida, estar sendo sedutor com isso. - Eu...Eu... - Ela não conseguia pensar em coisa alguma. Ficava olhando para os grandes olhos salientes dele, e não parecia capaz de desviar o olhar. - Desculpe-me, Alteza - Galen Werner entrou em cena, contornando alguns vasos de rosas, e fez uma breve saudação. - O Príncipe Alfred é solicitado de volta ao palácio. - Eu sou? Por quê? - O Príncipe Alfred parecia surpreso, e Rosa concordou em silêncio: quem iria querer falar com ele? - Não seria capaz de dizer, Alteza - respondeu Galen. - Sou apenas o jardineiro. Alfred fez uma pose dramática, de alguma forma arruinada pelo trapo de linho ensanguentado em uma mão. - Devo demorar apenas um momento, bela princesa - ele choramingou. - Tudo bem - foi só o que Rosa conseguiu dizer. Após ele ter saído, Rosa se sentou em um pequeno banco e suspiro. Ela fechou os olhos e inclinou a cabeça para trás. Galen ainda estava pairando por perto e olhava para ela com preocupação.
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- Precisa de algo, Alteza? Ela abriu os olhos e o encarou. - Por que o Príncipe Alfred era necessário no palácio? Galen ruborizou. - Ele, bem, eu não sei... Rosa explodiu em uma gargalhada. - Você só falou aquilo para se livrar dele? - Bom, sim. Ele parecia a estar incomodando, Alteza - Galen parecia acanhado. - Oh, ele estava - ela concordou com um sorriso de gratidão. - E minhas irmãs traidoras me abandonaram! - Muito cruel da parte delas. - Muito - Ela deu de ombros. - Você viu os dentes dele? - Ele tem... Dentes bem grandes - Galen falou. - Mas estou certo de que também tem outras boas características - adicionou, mas não de forma convincente. - Temo que os dentes dele provavelmente são sua melhor característica - Rosa respondeu, rindo. - Me sinto má dizendo coisas assim, especialmente por ermos parentes... Mas ele é tão vão! Galen parecia pensativo. - Ele me lembra um belo cavalo que tive certa vez. Ambos têm a mesma cor de cabelo. Rosa riu alto mais uma vez. Era bom poder rir sem tossir, mas, mais do que isso, era bom apenas encontrar algo do que rir. Naquela manhã, o pai dela a puxara de lado após o café da manhã, implorando que ela permitisse que Alfred descobrisse o segredo. Ele falou com lágrimas nos olhos: - Minha querida, estou implorando: deixe esse jovem ter sucesso. Não sei qual segredo você guarda, ou por que, mas isso precisa acabar. Por favor, Rosa - ele limpou a garganta. - Não é o homem que eu teria escolhido para você, para nenhuma de vocês, mas há rumores nas cortes ionianas. Estão dizendo que vocês, pobres meninas, têm participação em todas essas mortes infelizes. Eu não sei se oferecer meu reino é incentivo o bastante para atrair mais um pretendente.
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Ela sofreu pela maldição delas ter levado seu pai àquele estado, implorando com olhos vermelhos para que um príncipe tolo com cara de cavalo ganhasse sua mão, mas não havia nada que pudesse fazer. Ela não podia falar sobre a maldição mais do que não podia impedir que o sono encantado acometesse Alfred noite após noite. - Agora, o que foi que a entristeceu? - Galen a observava com ansiedade. Ela dissipou as memórias daquela manhã. - Nada - e deu de ombros. - Apenas o pensamento de que se o horrível Príncipe Alfred não... - Ela percebeu que iria confiar os problemas de sua família ao jardineiro e parou de falar. - Não é nada. - A senhorita está preocupada com que o Príncipe Alfred, horrível como ele é, se fira, e vocês sejam culpadas? - A voz de Galen era gentil. Lágrimas brotaram dos olhos de Rosa, as risadas desapareceram. Ela acenou com a cabeça. - Meu pai não aguenta mais. - Você não pode contar a ninguém o que está acontecendo, pode? Ela negou com a cabeça. - Nem mesmo a mim? Eu não sou um príncipe - ele adulou. - A ninguém - ela respondeu com um pequeno soluço. Galen apanhou um par de tesouras de jardinagem e foi até o arbusto de rosas vermelhas e rosadas. Ele cortou com precisão o caule da flor que Alfred tentara apanhar e tirou os espinhos antes de dá-Ia a Rosa. - Não devo - ela protestou. - Já está feito - ele falou. - Não desperdice - Os dedos de ambos se tocaram quando ela tomou a flor de sua mão, e os dois ficaram daquela forma por um momento, mãos unidas, a rosa embalada entre ambas. Rosa estava pensando em algo para dizer, algo que quebrasse o confortável silêncio que ela já estava apreciando em excesso, quando escutou a porta da estufa ser aberta. Ela e Galen se afastaram; ele fez uma pequena saudação e partiu sorrateiro. O Príncipe Alfred voltou xingando, com o rosto vermelho e irritado:
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- Ninguém neste palácio parece ter a menor ideia sobre o que aquele jardineiro com meio cérebro estava falando - ele reclamou. - Talvez ele tenha interpretado mal - ela falou. Ela ainda olhava para a flor perfeita acomodada em sua mão. - E na volta, um velho com uma perna de pau me abordou, tentando fazer com que eu usasse uma erva fedorenta em minha lapela! - Alfred bufou por seus lábios úmidos. - Na Bretanha... - Talvez eu estivesse sendo chamada de volta ao palácio - Rosa o interrompeu. - É melhor retomar. Prendendo a rosa na faixa que tinha à cintura de seu vestido, ela se levantou e passou pelo ainda tagarela Príncipe Alfred, apertando bem o manto ao seu redor. Isso era outra coisa em Príncipe Alfred que levava Rosa - e todos os demais - a se distrair. Ele nunca parava de falar. Ele falava sobre si mesmo. Sobre seus cães de caça e cavalos premiados. Falava sobre a Bretanha, e como tudo lá era superior à Westfalin, do clima aos porcos. No jantar, Rosa estava pronta para enfiar seu lenço na boca dele para calá-lo. Ela resolveu não escutá-lo. Na verdade, nem sequer fingia ouvir. Ninguém fingia. Mas ou ele não notava ou não dava a mínima. Após o jantar, Alfred seguiu as irmãs até seus quartos, onde falou sobre vários jogos de cartas. De fato, quando ele começou a falar sobre seus cães de caça, o encanto o apanhou bem no meio de uma sentença, e ele passou a roncar com a cara colada no ás de espadas. - Uau! - Crisântemo deixou cair suas cartas. - Que pesadelo! Não tinha certeza se até mesmo a mágica funcionaria com ele. - Achei que ele ia continuar falando até mesmo dormindo – observou Orquídea. - Vamos, vamos garotas - Jacinto as censurou. - Devíamos ser mais caridosas. - Concordo com Crisântemo - Rosa falou, para a surpresa de todas. – Estava prestes a nocauteá-lo com um vaso se o feitiço não o pegasse - Ela largou suas próprias cartas com desprazer. Os roncos do Príncipe Alfred eram particularmente altos no silêncio que se seguiu à explosão de Rosa. Eles quase se harmonizavam com os roncos das duas criadas que vinham da outra sala, e um som de tilintar, como sinos de vento ou campainhas, que vinham de fora.
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- O que é esse som? - Margarida torceu o nariz. - Eu o tenho escutado o dia inteiro. - Um dos jardineiros colocou sinos na hera do lado de fora de nossa janela Lilás respondeu. - Por quê? - Por que jardineiros fazem alguma coisa? - Lilás encolheu os ombros. - É melhor irmos agora - Rosa falou. Os sinos não conseguiam disfarçar toda a roncaria, então de que eles serviam? - Por que você está com tanta pressa? - A jovem Íris queria saber. - É sempre você que está choramingando e reclamando sobre o Baile da Meia-noite. - Porque quero que esta noite termine. Quero que todas essas noites terminem - ela ralhou. Seu desprazer por Príncipe Alfred havia lhe dado uma energia frenética. Ela ajoelhou-se no carpete e desenhou o padrão, abrindo a porta para o mundo abaixo. Apanhou uma lamparina e começou a descer, sem olhar para ver se suas irmãs a estavam seguindo.
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Xale
O
Príncipe Alfred veio e o Príncipe Alfred se foi, assim como todos os
demais. Uma semana após seu retorno a Bretanha, ele foi arremessado de um de seus cavalos premiados e morreu. O Rei Gregor enviou presentes para a família real e uma carta expressando seus mais profundos sentimentos. O rei da Bretanha respondeu enviando a carta e os presentes de volta sem serem abertos, junto com o embaixador de Westfalin, que não era mais bem-vindo na corte real em Castleraugh. - Senhor! Isso é um ultraje! Um tapa na cara! - Lorde Schilling, o primeiro ministro, estava vermelho de raiva. - É praticamente uma declaração de guerra... - Não! - Agora era o Rei Gregor que ficara vermelho e gritava. - Chega de guerra! Vamos assimilar isso e seguir em frente. É a dor do pobre homem falando. Ele perdeu seu primogênito e nos atacou; eu posso entender isso. O Rei Gregor estava na sala do conselho com seus ministros, falando sobre o bretão esnobe. Rosa sentou-se em um canto, bordando silenciosamente cachecóis. Uma das garotas sempre estava presente durante os conselhos reais, assim como a mãe delas o fizera, para oferecer seu suporte silencioso ao rei. - Mas, senhor - protestou o primeiro-ministro -, meus espiões na Analousia dizem que houve reuniões entre o primeiro-ministro deles e o embaixador belga. E nossas relações com os espanhóis estão, até o momento, no máximo frígidas - ele cerrou os punhos. - Estão dizendo que esses príncipes não estão morrendo por acidente, mas sim que essas mortes são assassinatos planejados muito espertamente. Majestade, eles apontam o senhor diretamente como culpado. Nossas relações exteriores estão pior agora do que durante a guerra! O que faremos?
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O silêncio que se seguiu às palavras de Schilling foi profundo. Rosa deixou sua agulha cair, e o pequeno tilintar ao atingir o chão polido soou demasiado alto. O primeiro-ministro a encarou com olhos duros. - Vamos ignorá-los - disse o Rei Gregor, com uma voz sombria. - Não me importa se parecermos tolos; vamos continuar a sorrir e buscar a paz enquanto eles ribombam e colidem espadas. É só o que podemos fazer. Este país não é capaz de sobreviver a outra guerra. Rosa se encolheu. Ela e suas irmãs sabiam muito bem o preço que havia sido pago para garantir que Westfalin vencesse a guerra contra Analousia. Se outro conflito viesse... Ela não conseguia imaginar o que seria de seu pobre país. Rosa não ousaria fazer barganhas como sua mãe. Westfalin teria que se levantar ou cair por seu próprio mérito e, no momento, sua força não era muito grande. - Então ao menos rescinda aquela proclamação ridícula - o primeiro-ministro estava suplicando agora. - Chega de príncipes. Não ostente o fato de que toda casa real de Ionia perdeu um príncipe por causa de suas filhas. Houve um suspiro coletivo por parte dos demais conselheiros. - Você está indo longe demais - falou o Rei Gregor, num tom baixo. - Minhas filhas são inocentes. Essas mortes... São terríveis... - Ele esfregou a boca com uma mão como se tirasse um gosto ruim. - Mas como qualquer um pode dizer que é culpa de Lírio quando um cavalo na Bretanha derruba seu cavaleiro? Ou que tenha sido ideia de Petúnia que dois jovens de cabeça quente duelassem? Com pesar, Rosa reparou que seu pai sequer olhou para sua direção ao dizer aquilo. Schilling mastigou seu bigode, claramente contendo uma réplica. Quando falou afinal, sua voz mal parecia estar sob controle: - Pagar os salários de dispensa para o exército quase nos levou à falência. Agora as relações com ambos, nossos antigos inimigos e aliados, estão forçadas até o limite. Se formos acusados, diretamente, de termos matado seus filhos... Se o arcebispo escutar esses rumores de sermos responsáveis por esses acidentes a centenas de milhas de distância... Outro silêncio se fez após isso, pois nem mesmo Schilling sabia mais o que dizer.
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Rosa segurava seu bordado com as mãos úmidas. Ela sentia como se o chão estivesse se abrindo sob sua cadeira, e tinha que lutar para respirar corretamente e não permitir que seu estresse chamasse a atenção. Antes que o silêncio se tornasse realmente insuportável, o pai de Rosa simplesmente repetiu suas ordens para que todos "aguentassem firme", e o conselho foi dispensado. Rosa colocou seu fio enredado na cesta de costura e se levantou. - Rosinha? - Seu pai deu uma olhadela que era tanto esperançosa quanto zangada. Ela sabia o que ele queria: que ela lhe contasse o segredo. Ou, ao menos, que tudo estivesse terminado, que as noites acordadas, da parte de todos, tivessem acabado. No café, ele sugeriu que pensava em enviar o conjunto mais novo para a antiga fortaleza nas montanhas, e Rosa foi obrigada a lhe dizer que as figuras sombrias que atacaram o jardim retomariam e que, dessa vez, elas poderiam invadir o próprio palácio. Não poderia dizer mais nada, mas a expressão em seu rosto e no de suas irmãs foi o suficiente para convencer seu pai a deixá-las como estavam. Ela deu um sorriso comprimido e saiu da sala. Parou em seu próprio quarto apenas o suficiente para deixar a cesta de costura em uma cadeira e vestir um manto longo feito de pele sobre seu vestido de lã, antes de sair para os jardins. Na estufa com as rosas experimentais, ela encontrou o jardineiro-chefe Orm. Ele fez um aceno furtivo com a cabeça, enquanto inspecionava com cuidado as folhas do arbusto de rosas vermelhas e rosadas. Ela tentou não parecer culpada demais, segura de que ele sabia que Galen havia cortado uma para ela, e se afastou. Vagou em desconsolo pelas outras estufas, mas não conseguiu encontrar Galen. Não tinha sequer certeza de por que queria vê-lo, mas estava cansada de suas irmãs e não havia mais ninguém no palácio com a mesma idade. Anne, a governanta, sempre foi a confidente das meninas, mas estava na hora das aulas. E mesmo que Anne estivesse livre, Rosa não sentia vontade de procurá-la; ao menos não tanto quanto queria falar com Galen. - Rosa! Rosa! Rosa! O conjunto mais jovem veio correndo ao seu encontro por entre a grama, amarronzada devido ao inverno. Elas estavam com as bochechas vermelhas pelo frio, e os cabelos e mantos esvoaçando. Rosa imaginou que haviam acabado de ser dispensadas das aulas do dia.
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- Rosinha-rosinha-rosa-rosa - veio cantarolando Orquídea. - Você recebeu um presente! - Eu também quero um presente - disse Amor-perfeito. - Onde está meu presente? - Não é seu aniversário - Petúnia falou com grande autoridade. - Só há presentes em aniversários e feriados, e eles só chegarão depois da época das neves. - Mas não é aniversário de Rosa também - retrucou Orquídea, dançando em volta de Rosa. - Isso é o que o torna um presente especial. Toda aquela dançaria e cantoria, após a longa caminhada de ida e volta pelo jardim, estava deixando Rosa cansada. Ela tomou as mãos de Amor-perfeito e Orquídea e seguiu caminhando de volta ao palácio. Petúnia as seguiu. Quando se acalmaram, Rosa falou: - Bem, e o que é essa história de presente? O conjunto mais jovem só conseguiu balbuciar que uma das criadas havia recebido um presente de um jovem alto, que disse ser para Rosa. Quando elas chegaram aos seus quartos, Crisântemo deu os detalhes. - Um dos jardineiros enviou-lhe um presente - ela disse com os olhos brilhando de travessura. - Acho que você consegue adivinhar qual, não? - E lançou para trás sua cabeleira escura. - Sem adivinhações? Bem, foi o bonitinho. Aquele bonito, com ombros largos. Aquele que a agrada. Qual o nome dele? Oh, sim, Galen! - A irmã-gêmea, Margarida, franziu a testa e disse com seriedade: - Ele não gosta de Rosa. É impossível: ele é um homem do povo. Rosa ignorou o comentário. - E quanto a Heinrich e Lírio? - Os olhos de Crisântemo brilharam em desafio. - Posso ver meu presente? - Rosa interrompeu, sem ter a intenção de remexer antigas dores de amor, mesmo Lírio não estando presente. Ela deu uma olhadela significativa para um pacote que Crisântemo segurava, cuidadosamente embrulhado em papel marrom. A jovem garota entregou-o, e Rosa o levou para seu divã favorito, ao lado da janela. Suas irmãs a seguiram. Ela deu outra olhadela para elas. O conjunto mais jovem não entendeu, mas Crisântemo, sim. Com um suspiro, a jovem as afastou, levando sua gêmea consigo. Elas sentaram-se do outro lado da sala de estar, observando Rosa.
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Ao perceber que aquilo era o máximo de privacidade que teria, Rosa voltou sua atenção para o pacote. Era leve e macio. Havia sido amarrado com um fio em vez de corda, uma bonita lã vermelha que dava ao pacote uma aparência festiva. Ela desamarrou o nó e removeu o papel. Com o canto dos olhos, Rosa viu Crisântemo levantar-se um pouquinho do sofá e esticar o pescoço para ver o que o pacote continha. Era um xale. Uma teia de aranha triangular de lã branca, quente, macia e brilhante. O formato de uma flor havia sido desenhado na parte de trás. Rosa ergueu-o no alto e escutou suas irmãs perderem o fôlego. Uma carta enrolada caiu sobre seu colo. Ela deitou o xale sobre os joelhos e abriu a carta. "Alteza, pensei que poderia precisar disso, pois os dias estão ficando mais frios. Branco ficará bem com seus cabelos e o vestido de baile vermelho que a vi usar em suas noites. Espero que não tenha sido muita presunção de minha parte. Sinceramente, Galen Werner”. - O que diz? - Crisântemo estava de pé agora, ansiosa. - O que diz? Ele a ama loucamente? - Crisântemo - Margarida fez uma careta -, eu disse a você que... Mas Crisântemo já havia cruzado a sala e admirava o xale contra a luz, a seguir deixando-o de lado para alcançar a carta. - O que diz? Rosa arrancou a carta das mãos da irmã. - Diz que está frio e que ele imaginou que eu gostaria de um xale. Fim – ela enrolou a carta de novo e meteu-a em seu cinto. As palavras da carta eram formais, quase empoladas. Mas ela sentiu que havia um calor escondido ali. Ele notara a cor de seus cabelos e lembrou-se do vestido vermelho. Havia se dado ao trabalho de bordar o xale, e tiveram os encontros nas estufas, os buquês para todas, e a rosa que ele apanhara exclusivamente para ela... - Por que você está rindo? - Junquilho entrou na sala de estar, parecendo aborrecida. - Galen, o jardineiro bonito, está apaixonado por Rosa - falou Crisântemo. - O quê? - Junquilho foi até ela com a cara amarrada, parecendo sequer ter escutado o que Crisântemo havia dito.
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Lírio entrou parecendo quase tão aborrecida quanto Junquilho. - Vocês já sabem? - Do quê? - Rosa ficou de pé. Ela tomou o xale das mãos de Crisântemo e, sem pensar a respeito, envolveu seus ombros com ele. Lírio e Junquilho estavam sérias. - Papai acabou de receber uma carta do arcebispo - Lírio falou, o rosto branco como giz. - Ele está nos acusando de bruxaria. O arcebispo ameaçou nos excomungar; nós todas e papai, caso isso se prove verdade - ela estendeu as mãos para Rosa. - O bispo que trouxe a carta já levou Anne para sua sala para ser interrogada. Suponho que ele pense que ela está nos ensinando feitiços junto com Geografia. O conjunto mais jovem cessou as risadas. Crisântemo parou de tentar arrancar a carta do cinto de Rosa, e Margarida ficou pálida e congelou no lugar. Rosa sentiu como se todo o sangue tivesse sido drenado de seu rosto e mãos e, pela segunda vez naquele dia, sentiu o chão se abrindo sob seus pés. - Por quê? - Ela mal conseguia formular as palavras. - Por quê? O Rei Gregor adentrou a sala naquele momento, um braço em volta de Jacinto, que soluçava. Na mão livre, trazia um longo rolo de pergaminho com selos e laços pendurados. Sua pele estava acinzentada e pálida como cera. - Por quê? - ele falou com uma voz áspera. - Porque de acordo com os reis da Analousia, Bélgica, Bretanha, Espanha e praticamente todas as outras nações em Ionia, eu não só coaduno com a prática da bruxaria, como também a utilizei para matar príncipes que se recusaram casar com minhas filhas. Jacinto desmaiou.
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Interdição
G
alen estava sentado na pastelaria de Zelda, conversando com Jutta e seu
marido, quando as novidades chegaram à cidade. Sua prima, Ulrike, cujo rosto costumava ser corado, entrou na loja pálida e derrapando até chegar à mesa deles. Ela apoiou-se no ombro de Galen e ofegou por um momento enquanto todos a encaravam. - Vocês, vocês escutaram, vocês escutaram as novidades? - Ela arfou as palavras, sua mão livre apertada contra a cintura. - Escutaram o quê? - Galen ficou de pé, preocupado, e puxou uma cadeira para a garota. Jutta alcançou outra xícara e serviu um pouco de chá para Ulrike da garrafa que estava sobre a mesa. - Aconteceu algum acidente? - ela perguntou. Galen sentiu-se alarmado. - tio Reiner? Tia Liesel? O que aconteceu? Balançando a cabeça, Ulrike apanhou a xícara de chá com mãos trêmulas. - Um bispo veio de Roma com uma carta do arcebispo - ela disse. - Sobre o quê? - Galen sentiu uma pontada de pavor nas entranhas. - Estão dizendo que a governanta real é uma bruxa; ela já foi presa! O arcebispo acusou as princesas também. Dizem que elas têm usado magia para matar os príncipes estrangeiros. Se não confessarem, serão excomungadas. E se o fizerem, provavelmente será ainda pior!
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Todos ficaram sentados em silêncio e chocados diante da revelação. As moças na mesa ao lado estavam ouvindo ao acaso, e uma delas derrubou sua xícara de chá com creme. Não demorou para o salão tornar-se apinhado de murmúrios, ao que as notícias se espalharam para as outras mesas. - Tem mais - Ulrike falou, inclinando-se na mesa e sussurrando para que os vizinhos histéricos não escutassem. - Westfalin foi posta sob Interdição. Jutta se encolheu e seu marido passou o braço em volta dela com uma expressão de horror. Galen estava tão ocupado pensando em Rosa que mal escutou a frase. - Interdição? - falou, afinal, dando uma sacudida em si próprio. - Você não quer dizer... - Quero, sim - Ulrike suspirou. - Nada de missa. Nem casamentos, funerais ou batismos para ninguém - Ulrike deu um gole vacilante de chá e derrubou um pouco em seu vestido no processo. Limpou a mancha com seu lenço, parecendo não se importar de fato. - A governanta real é uma bruxa? - Jutta franzia a testa. - Ela costuma vir aqui de tempos em tempos para tomar chá. Sempre me pareceu tão gentil. Galen balançou a cabeça. - É uma trama para fazer com que as princesas confessem algo que não fizeram, para apaziguar os reis estrangeiros. Pelo menos não é permitido executar a realeza por causa de bruxaria. Ou é? - Não. Mas um rei pode ser forçado a abdicar - respondeu Jutta, movendo a cabeça. O marido dela olhou para Galen: - Você acha que elas são culpadas? Viu algo suspeito no palácio? Galen visualizou a pequena Petúnia correndo, gritando pelo labirinto vivo. Era loucura pensar nela como sendo uma bruxa. Ou a delicada Amor-perfeito, e a quieta e graciosa Lírio. Crisântemo era a selvagem, ele pensou com um breve sorriso, mas também incapaz de aceitar algo assim. E era certeza que sua gêmea, Margarida, e a devota Princesa Jacinto não eram bruxas. E Rosa? - Impossível - ele afirmou, colocando sua xícara de lado. - É impossível que qualquer uma daquelas garotas, quer dizer, princesas, sejam bruxas.
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- Bem - falou o marido de Jutta, recostando em sua cadeira -, faz sentido que algo não natural esteja em andamento, não? - Ele era um homem grande e cheio de ideias, com cabelos grossos e amarelos e uma expressão plácida. – Algo acontece que desgasta as sapatilhas de dança. E então, esses príncipes vieram, tentaram descobrir a verdade e morreram transtornados. Galen cerrou os punhos. - Elas não são bruxas. Jutta surpreendeu-se com o tom veemente dele: - Você deve admitir, contudo, que todas essas mortes são suspeitas – ela abaixou a voz. - E é provável que você nunca tenha escutado os rumores sobre a Rainha Maude. - Que rumores? - Ulrike ficou curiosa com o que Jutta falou. - Tudo o que escutei foi sobre o tanto que amava seu jardim. Claro, quem falou tudo isso foi meu pai, que deve amar o jardim mais do que a rainha e o rei juntos. - Bem - Jutta olhou à sua volta para se certificar de que ninguém estava escutando -, o rei e a rainha ficaram muito tempo sem ter filhos. Após um período, eles ficaram bastante pesarosos: não davam festas, a rainha quase nunca saía do To... do jardim. Então, certo dia, eles deram um grande baile e começaram a dizer a todos que sabiam que iam ser abençoados com uma criança no ano seguinte. E foram: a Princesa Rosa. Depois, após anos tendo sido estéril, a Rainha Maude pariu doze filhas na sequência. Estranho, não acha? Isso fez com que Galen parasse. Walter havia dito algumas coisas sobre a antiga rainha também. Seria possível que ela apelara à magia para ter suas doze filhas? Mas por que não filhos? Era muito estranho. Ficaram todos sentados em silêncio por um período, bebendo o chá, que havia esfriado, e cutucando pães doces, que ninguém queria comer. - Elas têm alguma outra escolha? - Galen indagou, afinal. - O rei precisa confessar bruxaria ou ser excomungado? E, se ele confessar, será excomungado da mesma forma? E quanto à governanta? Enforcamento? - Ele olhou para sua prima. Ulrike balançou a cabeça. Seu pai não lhe contara os detalhes, se é que os conhecia. Então ela fez uma careta. Estava claro para todos que havia pouca esperança para o Rei Gregor e suas doze filhas. - Vou descobrir mais sobre o assunto - Galen falou.
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Ele jogou seu guardanapo e ficou de pé. Fez sinal de adeus à Jutta e ao seu marido, e tomou o braço da prima. Fez cara feia para as pessoas em pânico que se moviam pela loja em grupos incansáveis de fofocas. - É melhor você vir também para o caso da cidade ficar fora de controle – ele disse. Seus amigos também se levantaram. - Você nos dirá se descobrir algo...? - Jutta o olhou com ansiedade. Galen fez sinal afirmativo ao escoltar sua prima para fora da loja. Sinais de agitação apareciam por todos os lados. Grupos de pessoas estavam bem no meio das ruas, forçando carruagens a se desviarem. Ao passar por uma pequena igreja, Galen viu que ela estava tão cheia, que as porras não podiam ser fechadas. Dentro, um padre podia ser ouvido pregando, tentando desempenhar as últimas tarefas antes que a Interdição fosse aplicada. Um guarda da cidade estava pregando uma proclamação oficial em um quadro de avisos próximo dali. As pessoas se aglomeravam para lê-Ia, empurrando umas às outras e praguejando por causa de pés pisados e xales puxados. A altura de Galen lhe dava vantagem, ele e Ulrike ficaram na parre de trás da multidão, e ele leu em voz alta para ela as notícias oficiais da Interdição. Era como eles imaginavam: nada de missas, casamentos ou batismos. Todos os mortos teriam que ser enterrados em terreno não consagrado, e os últimos rituais não poderiam ser feitos. Um membro de confiança da equipe do arcebispo estava ao lado do palácio para se reunir com o Rei Gregor e suas filhas. - E tudo por causa de alguns sapatos - Galen murmurou conforme caminhavam. - O quê? - Ulrike tinha que trotar para conseguir acompanhá-lo. - Tudo isso começou por causa dos sapatos desgastados noite após noite – ele falou. Havia estabelecido um rápido passo de marcha. Passou o braço em volta da cintura da prima para ajudá-la. - Se ao menos alguém pudesse descobrir o que elas fazem à noite - ele balançou a cabeça de frustração. - Eu tentei, mas não vi nada. Ulríke olhou para ele chocada. - Tentou? Como?
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Galen a encarou. - Tenho a permissão do rei para vagar pelos jardins durante a noite. Tenho espreitado elas por dias, mas até onde posso dizer, as princesas não saem do palácio - ele limpou a garganta em desconforto. - Até tentei preparar armadilhas para elas. - Armadilhas? Que tipo de armadilhas? - Pendurar sinos na hera das paredes do palácio, no caso delas a estarem usando para escalar; espalhar farinha na frente de porras e janelas para que deixassem rastros. Elas teriam que voar pelo telhado como corujas para sair do palácio à noite sem que eu soubesse. - Mas pense nos outros que tentaram descobrir o segredo delas. Tentaram e morreram. Você deveria ser mais cuidadoso - Ulrike bufou. - Não se preocupe: eu tenho uma vantagem - Galen falou, quando chegavam à porta da casa dos Orm. - Qual? - Ulrike colocou a mão na cintura, arquejando. Galen sorriu e levou um dedo aos lábios: - É segredo.
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Pretendente
C
ertamente os parentes de Galen pensaram que ele estava louco, mas isso
não o deteve. Ele se lavou e vestiu suas melhores roupas. Elas eram, de fato, uma camisa e um terno de seu falecido primo Heinrich, que tia Liesel tinha apertado para servir no corpo mais esguio de Galen, mas as roupas estavam novas e ele gostava bastante delas. Seu cabelo curto não tinha comprimento suficiente para ser penteado, mas ele tentou de qualquer maneira, e também engraxou suas botas. Tia Liesel e Ulrike ficaram o tempo todo no corredor, do lado de fora de seu quarto, implorando para que ele reconsiderasse. Ulrike soluçou: - Você irá morrer! Ele abriu a porta bem quando tia Liesel, esfregando as mãos, estava para dizer algo similar. Entretanto, ela parou ao vê-lo. - Você está muito bonito - ela fungou e escovou sua lapela. - Fica bem nessa cor. Heinrich fica... Ficava bem em tons escuros também. O terno era azul escuro, quase preto. Galen deu um sorriso e um beijo na bochecha dela, então beijou Ulrike de forma igual. Em uma bolsa de couro, ele levava o manto púrpura que a velha tinha lhe dado. Nunca o havia mostrado a ninguém, ainda que naquela hora tivesse se sentido tentado a aliviar os temores de seus parentes. Mas conhecia o bastante sobre magia para saber que não se deve revelar seus segredos aos outros. tio Reiner esperava no final das escadas: - O que é isso tudo? - Seu rosto estava desfigurado, e o seu hálito cheirava a vinho. - Eu vou ao palácio falar com o Rei Gregor - Galen disse, calmamente. Ele não se sentia de fato tão corajoso ou confiante como dava a impressão de estar, mas a guerra havia lhe ensinado como fingir ambos muito bem.
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- Você está excedendo sua posição, garoto - grunhiu tio Reiner. – Todas essas conversas pelos cantos com as princesas... Eu devia ter dado um fim nisso. - Eu acho que posso ajudar - Galen respondeu. - Você não irá importuná-los nessa hora de tribulações - Reiner falou, pousando uma mão de proibição sobre o ombro de Galen. - Voltaremos lá amanhã de manhã como se nada tivesse acontecido, e se eu vir você sequer olhando para uma das princesas, farei com que escave estrume até o final dos tempos. Entendeu? - Ele apertou o ombro de Galen. O jovem pressionou a mandíbula. Ele detestava ser tratado com rudeza. Com um movimento hábil, libertou-se da pegada de tio Reiner e passou pelo homem, chegando até a porta. - Adeus! Conforme descia pela rua, escutou seu tio gritando sobre ele jamais voltar àquela casa novamente, mas o ignorou. Se não fosse capaz de resolver aquela charada, em breve ele próprio também morreria. E se fosse... Bem, quem sabe aquilo ajudasse a mudar a mente de seu tio. Galen não esperava receber a mesma oferta feita aos príncipes. O Rei Gregor não gostaria de ter um genro jardineiro e certamente jamais o nomearia seu herdeiro. Os portões estavam trancados, e foi somente após ele mostrar a carta do rei para os guardas que recebeu permissão para entrar. Eles zombaram de seu título insignificante no topo da carta: Jardineiro Galen Werner. Como resposta sagaz, Galen calmamente apontou para um deles que o odre com líquido que ele trazia estava vazando. Estalando a língua de prazer com a negligência do outro, ele rumou para a porta de entrada do palácio, ignorando os gritos dos guardas que diziam que ele deveria usar a entrada dos fundos. Antes que Galen pudesse bater, escutou alguém subir os degraus atrás de si e virou-se para ver quem era. Walter Vogel estava parado ali, uma sobrancelha arqueada ao olhar para as vestes de Galen. - Você encontrou algo na noite passada? - o velho perguntou. - Não - Galen respondeu. - Mas não perdi as esperanças ainda. Estou aqui para pedir ao Rei Gregor se posso adentrar o palácio para tentar resolver isso. - Como um pretendente em potencial? - Como um... Amigo preocupado - o jovem respondeu.
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- Venha comigo primeiro - Walter falou e saiu, sem esperar para ver se Galen o seguiria. Levou Galen até o jardim de ervas próximo à cozinha. Como todos os jardins do palácio, era lindamente distribuído em padrões circulares, com diversas ervas arrumadas em cunhas e passagens cuidadosamente feitas com ancinhos entre cada uma. A maioria das ervas haviam sido colhidas há bastante tempo, mas algumas secaram no talo e as poucas polegadas de neve que haviam caído foram removidas para o lado. Walter se moveu com confiança até o centro do círculo e escavou até a raiz alguns endros que farfalhavam quando ele os tocava. - Aqui está, Galen. Walter entregou a Galen um ramo com folhas surpreendentemente verdes. Algumas frutinhas verde-claro também estavam penduradas no galho. - O que é isso? - Galen se inclinou e cheirou a planta, mas foi incapaz de detectar odor. - É erva-moura - respondeu Walter. Galen se afastou: - Por que é cultivada aqui? - Na verdade é uma erva bem comum - disse Walter. Ele olhou para o pequeno ramo, como se não conseguisse compreender a reação de Galen. - Mas é venenoso. Walter deu de ombros: - Sim. Mas não estou sugerindo que coma. Prenda um ramo em sua lapela, e ele o protegerá de encantos. - É verdade? - Sim, ele o fará. Por isso que o deixo crescer - Walter tirou do bolso um alfinete prateado, com ar de esperteza. - Uma erva e um veneno, mas também uma ajuda poderosa para se ter por perto - ele ofereceu o ramo a Galen. Ainda relutante em tocá-lo, Galen estudou a pequena planta por um momento. Parecia inofensiva, mas assim o parece qualquer planta venenosa. Por outro lado, confiava em Walter. E certamente viria a calhar se ele se imunizasse contra qualquer feitiço que assombrasse as princesas. Isso sem contar o destino fatal dos pretendentes.
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Apanhou a erva-moura. Prendeu-a sob sua lapela e depois caminhou ao lado de Walter, retornando até a frente do palácio. Lá, Walter apertou solenemente a mão de Galen, dizendo: - Boa sorte, Galen. Você é um jovem digno - depois partiu para cuidar de seus próprios afazeres. Galen não queria ficar nos degraus do palácio e ponderar sobre a estranha observação de Walter, então endireitou os ombros e bateu forte na grande porta dianteira. O Sr. Fischer, o mordomo, mais uma vez tentou fazer com que Galen desse meia-volta, mas desta vez este sorriu, negou com a cabeça e falou: - Sinto muito, mas tenho uma tarefa muito importante e realmente preciso ver o rei - ele pôs de lado o pequeno e agitado homem e adentrou o hall. O hall era amplo, grandioso e escrupulosamente limpo. Sentiu a necessidade de checar as solas de suas botas e endireitar o casaco. - A cozinha fica para lá - Fischer disse, apontando para uma passagem estreita que levava para a direita. - Não vim ver as cozinhas, obrigado - Galen falou - E posso esperar o tanto que for preciso, mas verei o rei. - Muito bem - e o mordomo saiu. Galen sentou-se em uma cadeira de madeira trabalhada na lateral do hall. Colocou sua bolsa de couro no chão aos seus pés e tirou um par de agulhas e um pouco de fio. Estava fazendo um gorro para si com lã verde e marrom. Seu atual chapéu era azul, para combinar com o uniforme de soldado, mas ele já estava enjoado dele. Começou a tricotar. Algumas criadas passaram por ele. Seus olhos pareciam inchados, como se tivessem estado chorando, e uma delas apertava um pequeno crucifixo pendurado no pescoço. Galen acenou com a cabeça gentilmente, e elas o encararam. - Vocês se importariam em dizer ao rei que Galen Werner está aqui para vêlo? - Ele chamou as criadas, tendo plena certeza de que o Sr. Fischer havia convenientemente se "esquecido" de sua presença. As mulheres saíram apressadas. Após algo em torno de uma hora, um homem grande trajando roupas de bispo passou junto com um jovem padre que o seguia. Galen se levantou e se curvou, mas nenhum dos dois olhou para ele. Os olhos do bispo eram estreitos e
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frios, e um sorriso felino aparecia em seus lábios. Galen adivinhou que ele era o emissário do arcebispo e o jovem padre, seu assistente. Logo depois, Galen escutou vozes baixas e o padrão de passos leves na galeria acima de sua cabeça. Ele deu um pulo e se virou. A Princesa Violeta e a Princesa Íris passaram pela galeria. Seus rostos, assim como os das criadas, estavam marcados pelo choro. - Olá, Altezas - Galen chamou. Quando olharam para ele, ele as saudou com suas agulhas de tricô. - Você está aqui para ver Rosa? - A voz de Íris era trêmula, e ela assuou o nariz em um lenço. - Não, senhoritas. Estou aqui para falar com seu pai, o Rei Gregor, se puder. - Por quê? - A curiosidade debandou um pouco da tristeza do rosto de Íris. Galen decidiu que, se tinha arriscado seu 'lar e sustento simplesmente por ter ido até ali, ele podia muito bem colocar todas as cartas sobre a mesa: - Vim pedir ao rei se posso tentar resolver o mistério de suas sapatilhas desgastadas - falou. Sua voz ecoou fortemente no teto alto do hall. - Eu sabia! - Crisântemo entrou voando na galeria vinda de uma sala adjunta, seus cachos escuros balançando e um lenço acenando como uma bandeira em uma de suas mãos. - Eu sabia! Você gosta de Rosa! Envergonhado, Galen corou. - Bem, não, eu só quero ajudar - ele gaguejou. Sentiu o ardor de sua vergonha crepitar em seus ouvidos e descer pescoço abaixo. - O que está acontecendo aqui? - Lírio saiu da mesma sala da qual Crisântemo viera, com uma expressão carrancuda em sua adorável face. - Crisântemo, Íris, Violeta! Isso não é hora de... Posso ajudá-lo? - Ela olhou para baixo e encarou Galen com expressão de surpresa. Ele percebeu como deveria parecer aos olhos das princesas, parado no andar de baixo, vestindo aquele terno de segunda mão e com um emaranhado de fios ao lado das botas. - Preciso falar com seu pai, se puder, Alteza - Galen disse, ruborizando ainda mais. - Eu...
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Rosa apareceu na extremidade mais distante da galeria. - O que é toda essa barulheira? - ela perguntou, com uma voz de censura. Ao ver Galen, parou e corou. Trazia em torno dos ombros o xale branco que ele lhe fizera. Galen sentiu uma emoção de prazer ao vê-la usando-o. Ficava adorável nela, como ele suspeitara, mas era mais do que isso; a forma com que ela estava segurando as pontas o fazia sentir como se estivesse segurando sua mão. Ela ergueu o queixo. - Posso ajudá-lo, hmm, Galen? - Sua voz começou com dignidade, mas depois se tornou um grasnado, ao falar o nome dele. Percebendo que estava sorrindo como um tolo, Galen limpou a garganta e perguntou mais uma vez se poderia ver o pai dela. Os olhos de Rosa se arregalaram: - Por quê? Ele franziu a testa. Não sabia que pedir para ver o rei seria tamanho choque. Na verdade, ele já o havia encontrado duas vezes nas estufas. - Quero perguntar se posso ajudar a resolver o mistério de suas sapatilhas desgastadas. Rosa se encolheu, e Galen pensou ter visto um traço de temeridade cruzar seu rosto. - Vou perguntar - ela disse, e voltou pela porta atrás de si. Ele retomou sua costura e aguardou pacientemente, enquanto as demais princesas ficaram olhando-no de cima da galeria. Amor-perfeito saiu da porta que Galen suspeitava levar até o quarto das princesas e ficou lá, observando-o e chupando o dedão por um momento, antes que Lírio reparasse. - Amor-perfeito! Pare com isso! É horrível! - Lírio arrancou o dedão da menina da boca e o esfregou com um lenço. Amor-perfeito começou a chorar. - Aqui! - Galen acenou para ela. - Quer brincar? - Não! Eu detesto dançar! - Amor-perfeito soluçou. - Não, eu quis dizer brincar, Alteza. Com uma pequena bola – Galen emendou.
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Ficou surpreso com a reação dela, mas disfarçou remexendo em sua bolsa de couro. Encontrou lã vermelha e brilhante, bem mais alegre que a marrom e verde na qual vinha trabalhando, e a segurou. - Isso é só um novelo de lã - Crisântemo apontou. Galen piscou para ela. Ele feriu a lã que segurava com a mão esquerda uma centena de vezes, cortando e puxando. Amarrou-a ao centro e usou sua faca para recortar as extremidades, fazendo um pompom macio. - Pegue! - Ele o jogou para Amor-perfeito. Ela o apanhou e o observou com curiosidade antes de esfregar o pequeno montinho de lã em seu rosto, parando de chorar. Ela lançou um sorriso úmido para ele e falou: - Obrigada, Sr. Jardineiro. Naquele momento, Rosa voltou. - O rei irá vê-lo agora - disse formalmente, seu rosto, uma máscara. Colocando a bolsa de couro no ombro, Galen subiu as escadarias curvilíneas e juntou-se a elas na galeria. Curvou-se para as princesas lá reunidas e seguiu Rosa até a sala onde seu pai aguardava. Era uma câmara ampla, em sua maior parte preenchida por uma mesa longa e cadeiras com encostos altos. Havia diversos homens sentados em torno da mesa, e na ponta, estava o rei. Ele tinha a aparência vazia de um homem gordo que subitamente emagrecera, e seus olhos estavam cheios de olheiras. - Como está o jardim de minha esposa? Um dos conselheiros se remexeu com a frase, uma expressão de aversão em seu rosto. Outros dois se viraram e cochicharam entre si, um dos quais olhava com dureza para Galen, como se pensasse que aquilo tudo era desperdício de tempo. - Ele floreia, Majestade - Galen disse, saudando-o. - O inverno está ficando mais frio, mas a neve não é muita. Com a graça de Deus, teremos um belo carpete de crocos na primavera. O rei soltou uma gargalhada: - A graça de Deus parece ter nos abandonado, filho - ele olhou para Galen e cima a baixo. - Você é o jovem que tem... Patrulhado os jardins, não?
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- Sim, senhor - Galen viu o olhar de surpresa no rosto de Rosa e no de vários outros conselheiros, e percebeu que o rei não havia contado a ninguém sobre suas atividades noturnas. - Tem algo a relatar? - Somente que as princesas não estão saindo do palácio, senhor – Galen corou intensamente ao dizer isso, vendo o olhar traído que Rosa ostentava. Um dos conselheiros balançou a cabeça. - Já sabemos disso. Os guardas confirmaram isso meses atrás - ele falou com descontentamento. O rei não respondeu. Seu olhar mirava Rosa e o xale que ela ainda usava sobre os ombros. - Minha filha Rosa diz que você é capaz de nos ajudar. - Sim, senhor - Galen ignorou as interjeições de ridículo dos conselheiros que cochichavam e, em vez disso, fitou Rosa. Ela trazia uma expressão de preocupação no rosto e, quando encontrou seu olhar, pareceu estar suplicando para ele. O jardineiro não ousou perguntar a ela o que estava pensando, mas prosseguiu: - Gostaria de tentar resolver o mistério das sapatilhas gastas de dentro do palácio. Tal qual o fizeram os falecidos príncipes. - Se as princesas simplesmente parassem com todo esse recato - disse um dos conselheiros, em um tom propositadamente alto. - Nós não precisaríamos lidar com a interrupção de jardineiros. Seu companheiro ao lado riu com escárnio. Zangado por aquele homem ousar falar de Rosa naquele tom, Galen se dirigiu diretamente a ele: - Realmente acredita que as princesas arriscariam suas vidas, suas reputações, simplesmente para fazer joguetes? Senhor? O homem abriu e fechou a boca como uma truta em terra, seus olhos raivosos. Galen deu as costas para ele e olhou novamente para o rei. - Majestade, se me der três noites, juro que resolverei essa charada ou morrerei tentando.
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- É certeza que morrerá tentando. Homens melhores que você já tentaram falou um dos conselheiros. Tanto o rei quanto Galen fingiram não escutar, enquanto Galen viu com o canto dos olhos Rosa se eriçar. O rei estudou Galen, que olhava calmamente de volta para ele. - O que o faz pensar que você leva vantagem sobre os homens que já tentaram? Não é um indício de inteligência ou astúcia, mas todos eles eram nobres de nascimento. Não tenho intenção de ofendê-lo, meu jovem, mas você recebeu permissão de vagar pelos jardins à noite porque alegava ter certa vantagem sobre a guarda. E, bem... - o rei fez um sinal abrindo as mãos. - Estou certo de que os príncipes eram todos homens corajosos – Galen falou, embora, tendo encontrado alguns deles, ele não achava que aquilo fosse propriamente verdade. - E eu não espero, claro, receber o mesmo tratamento que lhes foi oferecido. Mas eu servi muitos anos no exército de Vossa Majestade. Lutei várias batalhas e fui enviado como batedor em missões para espionar os analousianos. Já faz alguns meses que trabalho nos Jardins da Rainha, e estou bastante familiarizado com o exterior do palácio e o terreno. E... - Ele hesitou, então decidiu ser "recatado", como disse um dos conselheiros. - E tenho também mais alguns truques na manga. Tamborilou o indicador na têmpora e piscou. Os conselheiros pareciam perturbados ou irônicos, mas o rei parecia meditativo. - Tudo bem - ele falou, consentindo. - Gostaria de começar esta noite? - Se for de seu agrado, Majestade. - De fato, é - disse o rei. - Iremos estender a você toda nossa cortesia, claro. De outro modo, não seria justo. - Majestade! - Um dos conselheiros se levantou, pasmo. - O senhor não quer dizer... - Você se juntará a nós no jantar - o rei disse a Galen, ignorando os balbucios de seu conselheiro. - Receberá acesso aos quartos de minhas filhas esta noite, acompanhado de nossas criadas, naturalmente. Galen curvou a cabeça. - Naturalmente.
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- E se conseguir... - O rei pressionou os lábios. - Bem, veremos o que fazer se chegar a tanto. Curvando-se, Galen murmurou seus agradecimentos e disse: - Farei meu melhor para ajudá-lo, Majestade. E às suas nobres filhas. - É melhor mesmo - respondeu o rei, ríspido. - Rosa, leve-o até a governanta. Ele receberá um quarto para os próximos dias. É melhor descansar antes que a noite caia. Será uma longa noite - parecia que também o rei teria uma longa noite e desejava naquele mesmo instante poder tirar uma soneca. - Obrigado mais uma vez, senhor - Galen disse, e curvou-se até sair da sala. Rosa seguiu-o. - Você enlouqueceu? - ela perguntou, assim que as portas se fecharam atrás deles. - Você irá fracassar e então morrerá! Mas Galen tamborilou com o indicador na têmpora novamente e piscou, embora seu coração estivesse disparado. Emocionava-o que ela estivesse preocupada com sua segurança, mas ele fez um esforço para tirar aquilo da cabeça. Não estava tentando se aproveitar dela ou de seu pai enquanto ambos estivessem sob o escrutínio do arcebispo. - Você é louco - e seguiu pelo corredor. Ele a acompanhou: - Acho que é melhor se eu descansar um pouco antes do jantar, conforme seu pai sugeriu - disse num tom trivial. - Se irei dançar com você esta noite, precisarei de todas as minhas forças. A recompensa de Galen para o gracejo foi ver as bochechas de Rosa corarem. - Espero que guarde uma dança para mim, Alteza. Eu realmente adoro dançar. E você? - Não mais - ela respondeu brevemente. Eles chegaram até uma porta pequena no final de uma passagem comprida. Ela ergueu a mão para bater na porta, mas então se voltou mais uma vez para Galen. Disse baixinho: - Galen, por favor, reconsidere. Você está assinando seu atestado de óbito ao se voluntariar para isso. O jovem tomou a mão que ela suspendera no ar e pressionou-a:
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- Eu entendo o que diz. Mas não irei permitir que continue a sofrer, Rosa. Ela fechou os olhos, respirando profundamente. Depois libertou sua mão e bateu na porta. Uma mulher gorda em um avental branco respondeu prontamente; a governanta estava tomando uma xícara de chá em seus aposentos em vista dos últimos fatos. - Esta é a governanta, a senhora Kramer - disse a Princesa Rosa. Ela afastou-se, deixando Galen e a mulher a sós. - Sei - falou a governanta após um momento. Ela olhava para Galen com curiosidade. - Você não é o sobrinho do jardineiro-chefe? - Sim, senhora. - O que faz neste lugar amaldiçoado? - Ela parecia triste. - Não há mais nenhuma esperança. Ninguém tem. Eles arrastaram aquela linda governanta bretã se debatendo e gritando há menos de três horas. - Conheço alguns truques - Galen disse distraidamente. Ele ainda olhava pela passagem, na direção que Rosa seguira. Ela se importava com ele! De verdade! - Quais? - Eu fico invisível - ele disse, então soltou uma risada forçada para fazê-la pensar que era uma brincadeira. Ela não achou divertida.
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Primeira noite
R
osa tinha certeza de que suas irmãs se comportariam embaraçosamente
Durante o jantar, mas ela não precisava ter se preocupado. Enquanto várias delas achavam desesperadamente romântico que Galen estivesse arriscando sua vida por elas, a prisão de Anne e sua própria iminente investigação pesavam demasiadamente em seus corações para que elas fizessem qualquer provocação. E havia também a presença do Bispo Angier, emissário do arcebispo, que aumentava a seriedade da situação. Ainda que esse devesse supostamente ter sido um jantar de família privado, Angier havia se incluído e sentado ao pé da mesa como uma nuvem escura. Galen não tentou puxar conversa e comeu calmamente. Parecia alheio à presença de Angier, Rosa ficou aliviada ao ver que ele tinha ótimas maneiras à mesa: ela não queria que ele a envergonhasse na frente de Junquilho e Margarida, que eram bem críticas em relação a esse assunto. Por fim, o bispo quebrou o silêncio. - Você arrisca sua alma imortal, rapaz? - Angier tinha uma voz grossa e uma expressão perpétua de malevolência na face. Parecia encantado ante o pensamento de que Galen poderia enfrentar o fogo eterno. - Não, Eminência, acredito que não - Galen respondeu. - Você veio a uma casa onde feitiçaria é praticada. Isso não o assusta? – O bispo pressionou seus grossos lábios. Era um homem grande, careca, e Rosa achava que ele se parecia com massa de pão crua. - Isso deveria assustar qualquer homem temente a Deus. - Acredito que as princesas sejam inocentes - ele respondeu calmamente. - E só estou aqui para descobrir que má sorte recai sobre elas.
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Rosa se maravilhou com o autocontrole dele. Ela estava triturando um guardanapo em pequenos pedaços e se controlando ao máximo para não gritar algo rude ao Bispo Angier. Do lado oposto da mesa, Galen prosseguiu: - E com sua graciosa presença aqui, não acho que minha alma estaria em perigo. Galen percebeu o olhar de Rosa e sorriu. - Você sorri, senhor? - Angier estava indignado. - Sorri em face dos horrores que têm ocorrido aqui? Isso arrancou as expressões de diversão dos rostos de todas. Amor-perfeito começou a chorar, e Petúnia derramou seu copo e espirrou limonada por toda a toalha de mesa branca. - Eminência! - O Rei Gregor estava vermelho de raiva - Não há necessidade de falar assim na frente de minhas filhas! Elas são jovens demais para entender... - Elas não são jovens demais para perpetrar essas atrocidades - o bispo o interrompeu. Então, corrigiu-se rapidamente: - Quero dizer, elas não são jovens demais para terem sido terrivelmente influenciadas por essa governanta. Rosa ficou rija. Ela sabia que a pobre Anne estava sendo usada como bode expiatório, mas Angier deixou claro que sua intenção era difamar a família inteira. Ela queria que ele deixasse Anne em paz e confrontasse o pai dela como homem. - Com todo respeito, Sua Graça - Galen falou, com voz branda. - A única coisa que o senhor pode provar é que as princesas usam sapatilhas com muita frequência. Nenhum dos príncipes que morreram recentemente encontraram seu destino no solo de Westfalin, e pereceram em acidentes trágicos, mas corriqueiros. Sem contar os que morreram uns pelas mãos dos outros. Crisântemo bateu em seu copo com uma faca para aplaudir o discurso de Galen. Violeta emitiu um som de apreciação ao ruído da prata no cristal e começou a bater em seu próprio copo com um garfo, a cabeça empertigada para um lado. Ela cantou um pouco com os lábios fechados, zumbindo, tentando buscar a nota produzida. Íris, Lilás e Orquídea, com expressões de alívio, começaram a bater nos copos também, tentando achar a melodia. - Meninas! Meninas! - O Rei Gregor parecia chocado.
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Rosa e Lírio trocaram olhares. Tal comportamento era terrivelmente rude, mas Rosa podia ver que aquilo era mais uma reação ao estresse do dia do que falta de modos. Ela apenas deu de ombros para Lírio, que sorriu levemente. Mas foi demais para Jacinto. Ela tinha passado o dia inteiro tropeçando como uma sonâmbula desde a chegada de Angier. E agora a discussão com o bispo e o carrilhão de prataria no cristal levaram-na à ruptura. Ela começou a soluçar alto em seu guardanapo: - Parem! Parem! - Jacinto! - Rosa ficou de pé. - Queria que nós jamais tivéssemos nascido! - ela gemeu. - Queria que tivéssemos perdido a guerra também! - Ela jogou seu guardanapo no chão e saiu da sala. - Interessante - disse o bispo com sua voz perspicaz, coçando o queixo com os dedos. - Pergunto-me o que ela quis dizer com isso - seus olhos pequenos e afiados buscaram Rosa, e ela estremeceu. Recobrando-se com rapidez, ela fez uma cortesia educada ao seu pai e então ao bispo: - Estou dispensada? Não acho que Jacinto deva ficar só. - Também gostaria de ir com ela - falou Lírio, levantando-se. O resto das meninas também ficou de pé, assim como Galen. - E eu deveria ficar de olho nelas - ele disse e se curvou para o rei e o bispo. O rei os dispensou, e todos saíram. Galen enganchou seu braço no de Rosa conforme subiam as escadarias para os quartos. Seu braço era quente e tinha uma musculatura rígida por sob a manga do terno. Rosa esforçou para não apertá-lo, como se estivesse se afogando. Dentro da sala de estar, Galen sentou-se em uma poltrona ao lado da lareira e apanhou o que quer que fosse que ele estava bordando. Jacinto estava aninhada próxima à janela, chorando copiosamente. Rosa foi até ela e sentou-se, puxando-a para seus braços, enquanto as demais meninas se agruparam em torno delas, fazendo barulhos gentis. O conjunto mais jovem, contudo, não conseguiu esperar Jacinto se acalmar, e foi falar com Galen. Rosa notou que a paciência dele para com elas era infinita, sem se importar quando Petúnia desenrolou um de seus novelos para brincar. Ele sentou Amor-perfeito no braço da poltrona e mostrou-lhe como bordar. 112
Rosa contornou-os e sentou-se na cadeira de frente para Galen. Ele olhou para ela, sorriu e tornou a instruir Amor-perfeito, que finalmente deixou a bolinha de lado para fazer melhor uso das agulhas. Miando como um gato, Petúnia aproximou-se e começou a enrolar o fio em volta das saias de Rosa. - Então - Rosa falou, mas foi incapaz de pensar em algo mais a dizer. – Como era a guerra? - perguntou afinal, sentindo-se tola. Uma sombra passou pelo rosto de Galen, fazendo com que ela se arrependesse de ter perguntado. - Foi... - Ele olhou para Amor-perfeito e disse brevemente: - Não foi agradável. - Sinto muito. Não tive intenção de abrir antigas feridas – ela disse, arrependida. - Feridas? Você foi ferido? - Orquídea se intrometeu, seus olhos esbugalhados pela curiosidade. - Algumas vezes. Nada sério - ele respondeu. - Oh - ela soou quase desapontada -, Walter Vogel perdeu uma perna. Mas ele disse que não foi na guerra com Analousia. - Eu sei. Orquídea apertou os lábios. - Você acha que doeu? - Tenho certeza que sim. - Você estava com seu primo, Heinrich? - Orquídea insistiu. - Viu-o morrer? Galen pareceu realmente surpreso: - A senhorita conheceu Heinrich, Alteza? Eu nunca o encontrei. - Claro - falou Orquídea. - Todas conhecíamos Heinrich. Especialmente Lírio. Rosa interrompeu antes que a irmã dissesse qualquer outra coisa: - Orquídea, seu cabelo está escapando dos laços. Por que não vai procurar Maria para arrumá-lo? - Ela sorriu rigidamente para Galen. - Maria é nossa criadachefe. Grunhindo, Orquídea foi para um dos quartos e voltou logo depois.
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- Ela está dormindo na cama de Íris. E roncando - ela relatou. - Oh - Rosa deu uma olhada para o relógio. - Não me admira. Já são quase onze horas. - Suas criadas não deveriam esperar por vocês acordadas? - Galen levantou uma sobrancelha. - Bem, sim, mas elas não podem porque... - A voz de Rosa morreu em sua garganta, cortesia do encanto. Ela fechou a boca com um estalo e fitou Galen. Ele devolveu o olhar sem mostrar o menor sinal de sono. Os olhos dela se arregalaram e sua mente se acelerou. Por que ele ainda não havia adormecido? O que elas fariam se ele ainda estivesse acordado à meia-noite? A esperança cresceu no peito dela. Se Galen podia resistir ao feitiço do sono que afetara todos os demais pretendentes, então poderia ser capaz de descobrir o segredo delas e... O quê? Morrer horrivelmente? Ela fez uma careta, sua esperança esvanecendo. - Algum problema? - Galen deu-lhe uma olhadela meiga. - Oh, veja a hora! - Junquilho ficou de pé, quase derrubando Jacinto do assento próximo à janela. - Eu tenho que trocar meus calçados e... Por que ele está acordado? - Ela apontou horrorizada para Galen. Então se censurou, abaixou o braço e olhou desamparada para Rosa. - Se nos der licença, acredito que preciso conversar com minhas irmãs - Rosa sorriu ingenuamente para Galen, enquanto desembaraçava a lã de seus pés. Segurou Petúnia com uma das mãos e Amor-perfeito com a outra, e todas correram para dentro do quarto. - Ele está acordado. São onze horas. - Junquilho, fale baixo - Rosa sussurrou. - Sim, ele está acordado. Não sei como ou porquê, mas ele está - ela olhou ao seu redor. - Crisântemo, certifique-se de que ele não nos ouça. Sorrindo, Crisântemo foi até a porta e abriu-a um pouquinho para espiar. - Ele ainda está sentado na cadeira - sussurrou. - Ele colocou a lã de lado e acabou de bocejar! Rosa teve algumas suspeitas, mas não disse nada às irmãs.
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- Viram? - Lírio parecia aliviada. - É só que Petúnia e Amor-perfeito ficavam pulando em volta dele. Isso o manteve desperto. Agora ele irá dormir, e nós não precisamos nos preocupar. - Mas - Rosa hesitou -, e se ele descobrisse nosso segredo? - Até mesmo falar aquilo em voz alta fazia seu coração disparar. - Isso seria assim tão mal? Todas a encararam. - Rosa - Lírio falou com precaução. Ela tomou o braço de Rosa e a levou para longe das demais. - Rosa, do que está falando? Não há nada que ele possa fazer para nos ajudar, nenhum mortal pode. Ele já está em perigo mortal. Se descobrisse nosso segredo... - Lírio balançou a cabeça com pesar. - Odeio pensar o que ele faria com Galen, se ele tentasse nos ajudar. - Mas precisamos de ajuda - Rosa bradou com uma voz grave e intensa. – Não podemos continuar assim por mais sete anos! As pessoas morrem de pneumonia mesmo com cuidados constantes e descanso, e todas as noites em que estivemos doentes nós nos vestimos e dançamos até o amanhecer; temos sorte de termos sobrevivido! Amor-perfeito tem oito anos; ela tem dançado todas as noites desde que tinha dois. Mais um ano e enlouquecerá, tenho certeza. E você? Você pode continuar dessa forma? - Não temos escolha - Lírio falou. Amor-perfeito começou a chorar ante as palavras fortes de Rosa, e Lírio a tomou nos braços e a segurou, ainda que ela já fosse grande demais para tal tratamento. - Temos que perseverar. Não há por que discutir sobre isso, e duvido muito que Galen ou qualquer outra pessoa possa nos ajudar. É tolice inclusive deixá-lo tentar - Lírio fez uma pausa e, a seguir, perguntou com delicadeza: - Você percebe que nós assinamos a sentença de morte dele, não? - Não - Rosa negou com a cabeça. - Não Galen. Ele não é como aqueles príncipes inúteis. Ele sabe como lutar e trabalhar. Você acima de todas as pessoas deveria apreciar isso, Lírio. Mesmo que ele não consiga nos ajudar, irá sobreviver. - Espero que esteja certa - Lírio falou, duvidosa, mas suas bochechas estavam um pouco coradas e havia uma faísca de esperança em seu olhar. - Ele adormeceu - Crisântemo avisou. - Sua cabeça ficou oscilando para cima e para baixo por um tempo, mas agora ele está roncando.
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- Bom, vamos nos aprontar - Junquilho afirmou, agitada, e foi até a penteadeira para arrumar o cabelo. Uma hora depois, quando todas as irmãs já estavam prontas e calçadas com suas sapatilhas, Galen parecia adormecido. Rosa foi até ele e tocou seu ombro, mas ele apenas roncou, e ela deu-lhe as costas. A poltrona de Galen estava virada para a lareira, de forma que o tapete no centro da sala ficava atrás dela. Ainda assim, Rosa o observava atentamente enquanto Lírio abria a entrada secreta. Sua cabeça tinha pendido para uma das laterais de tal forma que, se ele acordasse de repente, conseguiria vê-Ias pelo canto dos olhos. Lírio desceu pelas escadarias espiraladas, seguida pelas demais irmãs. Ainda tensa, Rosa desceu por último, penetrando as trevas em direção ao Baile da Meia-noite.
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Ramos
A
ssim que a cabeça de Rosa passou do nível do chão e ficou fora de
vista, Galen se colocou em pé, apanhou o manto púrpura de dentro da bolsa de couro e jogou-o sobre os ombros. Apertando a fivela, ele apressou-se em segui-Ias. O portal no chão varreu seu cabelo cortado rente ao fechar, e ele praguejou. Ele tinha fingido o sono, embora estivesse tão eletrizado que sequer conseguia se imaginar fechando os olhos. Preocupou-se se o ronco havia sido exagero, mas sabia que não podia parar uma vez tendo iniciado e parecia ter convencido as princesas. Exceto por Rosa. Rosa era bastante esperta. Quando se aproximou para tocar seu ombro, ele ficou temeroso de que ela pudesse vê-lo espiando por debaixo de seus cílios. Para seu alívio, ela nada viu e, quando lhe deu as costas, ele quase se esqueceu de continuar a roncar. E então, incrivelmente, o tapete se tornou uma escadaria levando para dentro do próprio chão. Rosa parou repentinamente, e Galen quase trombou com ela. - O que foi isso? - Sua voz estava fraca de medo. Ela examinou em volta de si e Galen ficou tenso, mas ela olhou exatamente através dele. - Qual o problema? - Lírio perguntou do começo da fila. - Pensei ter escutado passos. Passos pesados - Rosa respondeu. - Senti como se estivesse sendo observada. Lírio levantou sua lamparina. - Não há ninguém aqui Rosa. Como poderia? - Ela continuou a descer os degraus, seguida pelas outras princesas.
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- Acho que foi só uma corrente de ar - Rosa suspirou. Galen fez o melhor possível para descer as escadarias em silêncio depois disso, respirando dentro da lapela de seu manto para que não soprasse ar no pescoço da princesa. Enfim, a escadaria dourada acabou, e Galen se embasbacou diante do que viu. Havia trevas por todos os lados; trevas que a lamparina só timidamente iluminava. Mas bem na frente deles existia um portão alto de prata enfeitado com pérolas do tamanho de olhos de pombos. Não havia cerca, somente um portão e,além dele, uma floresta com estranhas árvores pálidas. Lírio abriu o portão, e as princesas passaram, com Galen nos calcanhares de Rosa. Ele desviou-se para o lado quando ela virou e fechou o portão atrás de si, fechando a trava incrustada de pérolas, e as meninas seguiram em frente pela floresta. Encontrar uma floresta naquele bizarro mundo subterrâneo já era singular suficiente, mas não se tratava de uma floresta comum. As árvores tinham uma cor prateada reluzente, envergando-se nas alturas para dentro das trevas e brilhando com luz própria. As folhas balançavam e se harmonizavam juntas, movidas por uma brisa que, de algum modo, não tocava os humanos: a capa de Galen não era soprada por vento algum, assim como os cabelos das princesas. Galen olhou maravilhado para a floresta que o cercava, mas as princesas passaram por ela sem comentários. Ele percebeu que elas deviam ver aquilo todas as noites, de forma que não mais se encantavam com a visão, se é que algum dia o fizeram. A floresta, então, não era o motivo da vinda delas. As árvores prateadas minguaram até cessarem por completo, e o grupo chegou às margens de um grande lago. Sob seus pés, areia preta como. carvão cintilava, e a água que lambia as margens era negra, violeta e azul marinho. Doze botes dourados com uma única lanterna pendurada em cada um estavam descansando sobre a areia, amarrados a doze estátuas altas. Uma das estátuas se moveu e, novamente, Galen teve que suprimir uma praga em voz alta. Elas não eram feitas de pedra, mas seres vivos: jovens altos, com rostos austeros e cabelos negros, vestidos com trajes de gala com várias tonalidades de preto. No entanto, Galen hesitou em chamá-los de humanos. Havia algo. Errado na aparência deles, em sua palidez e na frieza de suas expressões. Com um arrepio, Galen reconheceu uma das figuras como sendo. Rionin, que tentara escalar o quarto das princesas semanas atrás.
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Decerto nada humano poderia viver naquele mundo sem Sol, pensou Galen. O que quer que Rionin e seus companheiros fossem, não era mortal. Uma a uma, as princesas tomaram as mãos que lhes foram oferecidas como ajuda para subirem a bordo. Galen esperou até que o ajudante de cabelos negros de Rosa a tivesse sentado na proa e estivesse prestes a empurrar a embarcação para dentro do estranho lago colorido. Então, Galen pulou para dentro do barco e sentou-se em um lugar vazio. Cada um dos acompanhantes sentou-se no meio dos barcos e apanhou os remos dourados. Em perfeita sincronia, os doze botes cruzaram o lago, todas as figuras remando em silêncio como se fossem uma. A precisão delas, entretanto, foi arruinada de alguma maneira pelo acompanhante de Rosa. Na metade do caminho, ele diminuiu a marcha, e Galen escutou ele resfolegar um pouco. - Algo errado? - Rosa estava olhando para frente, mas virou-se para seu condutor. - O bote parece mais pesado - o remador falou. Sua voz era profunda e suave. Rosa corou e murmurou: - Sinto muito. Galen segurou uma gargalhada. À frente deles, Galen agora via luzes cintilando nas trevas. Elas pouco conseguiam iluminar o lago, mas as cintilações púrpuras mostravam que estavam se aproximando... De algo. Os botes dourados arranharam mais areia grossa e negra, e Galen conseguiu ver, finalmente, a fonte da estranha luminosidade. Era um grande palácio de pedra escura e lisa. A luz das velas que brilhava nas janelas era púrpura, porque os painéis em volta delas também eram pretos. Uma a uma, as princesas desceram dos botes com a ajuda dos condutores e passaram por uma grande porta arqueada para dentro do palácio negro. Nos calcanhares de Rosa, Galen as seguiu. Suas palmas estavam molhadas de suor, mas ele se focava nas costas magras da princesa e lembrava a si mesmo de que, aos olhos do acompanhante dela, estava invisível. Dentro do palácio, as cores eram as mesmas das águas do lago. Púrpura e azul, e cortinas cinzas cobriam as paredes. O chão e o teto eram de um preto
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reluzente, e a mobília era feita de prata, bordada com seda nas mesmas cores solenes que as cortinas. Eles passaram por um longo hall e depois entrarem em um salão de baile com lustres de ametista pendurados sobre o chão incrustado com prata e lápis-lazúli. Músicos tocavam em uma galeria que ficava no alto, muito acima de suas cabeças, Galen mal conseguia definir as formas deles, e servos trajando uniformes negros passavam entre os convidados com bandejas trazendo taças de prata com vinho. Quando as princesas chegaram, os convidados pararam de dançar e conversar e as aplaudiram. Os sombrios acompanhantes se curvaram, as princesas fizeram uma reverência e os músicos recomeçaram a tocar em um tom alto e vivo. Rosa e suas irmãs se afastaram girando, deixando Galen sozinho e oculto, vigiando-as. Contente por ninguém poder vê-lo pasmado como um imbecil, ele vagou pelo salão. Não admira que as irmãs jamais quiseram dizer aonde iam à noite, pois é certo que o pai delas teria colocado um fim a tamanha excentricidade. E que jovem garota não adoraria passar suas noites dançando naquele esplêndido castelo, nos braços de um belo pretendente? Mas ao chegar à beirada da pista de dança, Galen começou a pensar que talvez o local não fosse tão belo quanto pensara. As outras pessoas no baile sorriam, bebiam vinho e dançavam, mas seus sorrisos não eram... Bem... Corretos. Os lábios se alongavam demais, e elas pareciam ter dentes em exagero. Os olhos brilhavam como as joias que usavam, e suas peles eram pálidas e lisas. E então, havia as princesas. Elas dançavam. Comiam delicados pastéis e frutas estranhas. Porém, não sorriam. Jacinto chorava, suas lágrimas correndo silenciosamente pelas bochechas conforme rodopiava pelo chão nos braços de seu alto parceiro. Amor-perfeito soluçava alto e, ocasionalmente, parava de dançar para pisar nos pés de seu parceiro. Sua aparência era de um sofrimento duradouro e, após algumas danças, ele simplesmente a apanhou e a carregou pelo salão, bailando no tempo da música. - Elas têm que dançar? - Galen perguntou em voz alta, sem pensar. A mulher de rosto branco que estava próxima a ele estreitou os olhos e olhou diretamente para o ponto onde Galen estava parado. Segurando o fôlego, ele se afastou.
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Agora ele se lembrava de que Amor-perfeito havia se acabado em lágrimas e dito que não gostava de dançar. Ele pensou na doença de Rosa e como ela persistiu por meses, enquanto as sapatilhas se desgastavam noite após noite. É certo que ela não teria descido até ali para dançar no auge de sua enfermidade, a não ser que não tivesse escolha. Então, na noite em que elas não compareceram, Rionin e seu bando invadiram o jardim. Mas por quê? Quem as forçava a ir até lá? Uma hora depois, a resposta chegou. A música parou, e os dançarinos se viraram e olharam com expectativa para uma porta alta na extremidade da sala. Os instrumentistas tocaram uma longa fanfarra, e a porta se abriu para revelar um homem alto, vestindo um manto negro e comprido e uma coroa de prata embaçada. - Todos salvem o Rei Sob Pedra - um dos homens gritou. Ele bateu um cajado de prata no chão três vezes. - Todos saúdam o rei! Todos saúdam o rei! - os convidados repetiram. Conforme o homem adentrava a sala, Galen engoliu em seco. Se os sorrisos e olhos dos acompanhantes tinham-no deixado nervoso, a aparência do rei o fez suar frio. Pele branca como papel, mais alto e magro que qualquer um que Galen já tivesse visto, o rei do palácio subterrâneo inspecionou sua corte com olhos que pareciam lascas de obsidiana, Seus lábios finos desmascararam dentes brancos e afiados, em uma paródia hedionda de um sorriso. - Fico feliz de ver que as noivas de meus filhos afinal recuperaram suas forças o rei disse com uma voz glacial. - Sempre é revigorante ver nossas flores reais florescerem - seus olhos descansaram sobre Rosa. - Em especial nossa querida Rosa. Sem pensar, a mão de Galen foi até seu quadril, onde outrora ele portava uma pistola. Ele mordeu a língua, contudo, e se forçou a relaxar de forma a não entregar sua presença. O Rei Sob Pedra! Rosa e suas irmãs eram prisioneiras do Rei Sob Pedra. Os joelhos de Galen quase se curvaram. Não havia uma mãe em Ionia que nunca tivesse assustado seus filhos com aquele nome, exigindo obediência. "Comam suas ervilhas, ou o Rei Sob Pedra virá pegá-los", "Vão dormir, ou deixarei que o Rei Sob Pedra os pegue". Ele era a essência dos pesadelos, dos contos narrados em acampamentos. Um feiticeiro tão versado no mal que deixara de ser humano, transformando a si e seus mais devotos seguidores em algo mais: imortais e monstruosos. De acordo com a 121
lenda, quase dois mil anos atrás, todos os países do continente de Ionia se insurgiram contra ele e o baniram para uma prisão subterrânea. Ele era poderoso demais para ser destruído por completo, e a solução encontrada foi aprisioná-lo em um reino sem Sol, junto a seus seguidores, para que governasse. Um exército de feiticeiros brancos foi reunido para executar a ação, e o esforço custou a vida de muitos. Agora, Galen descobria que a lenda era verdadeira. O Rei Sob Pedra deslizou sobre o chão até o dossel e sentou-se em seu trono. - Por favor, continuem dançando. A corte riu mansamente, e ele bateu suas mãos grandes e magras. Ao som dos músicos, o rei sentou-se, imóvel, com seu longo cabelo prateado pendurado de ambos os lados de sua face esquelética, e ficou observando as princesas. O parceiro de Amor-perfeito havia, afinal, desistido e permitido que ela se sentasse em uma cadeira em um canto do salão, tirando uma das mulheres de rosto rígido para dançar em seu lugar. Galen se esgueirou pela sala e sentou-se em uma cadeira vazia ao lado da jovem princesa. - Amoooor-perfeeeeeeito - ele sussurrou com uma voz oca. - Não se mooooova. Eu sou um bom espííííírito. A garota sentou-se tesa e choramingou, seus olhos piscando para todos os lados, como se procurasse a fonte da voz. - Quem está aí? - Eu sou um bom espírito - Galen repetiu. - Quero ajudáááá-la. Ela mordeu os lábios, lágrimas escorrendo dos cantos dos olhos vermelhos. O coração de Galen se compadeceu. Aquela pobre criança estava claramente em seu limite, mas ele não ousou abraçá-la. Primeiro, bons espíritos não usam ternos de lã, e segundo, ele não queria que ninguém visse os ombros dela ficando invisíveis. - Por que você vem aqui? - ele perguntou. Amor-perfeito coçou o nariz. - Nós temos que vir - ela respondeu com uma voz sólida. Ela piscou à sua volta novamente, procurando pelo bom espírito. - Mas qual o motivo? - Por causa de minha mãe, acho.
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- O que sua mãe feeeez? - ele a pressionou. - Amor-perfeito, levante-se! - Crisântemo havia surgido diante dela. Seu rosto trazia uma expressão ansiosa. Ela segurou sua irmãzinha pelas mãos e a tirou da cadeira. Crisântemo olhou nervosa por sobre o ombro para seu parceiro, enquanto conversava com Amor-perfeito. - Você tem que dançar de novo! - Estou cansada - Amor-perfeito choramingou. - Todas estamos. Mas ainda assim temos que dançar. - Mas Telinros disse... - Não importa o que Telinros disse. Olhe para o rei! - Ela apontou para o rei, que mirava na direção de ambas com a testa franzida. - Você conseguiu se sentar por uma dança e isso é mais do que todas nós conseguimos. Venha. E ela conduziu a irmã vacilante de volta para seu parceiro. Observando de sua cadeira, Galen viu as duas tornarem a dançar. Rosa bailava com seu acompanhante, e Galen brevemente considerou esticar o pé e derrubar o príncipe sombrio. Enfim, optou por não fazê-lo, uma vez que a própria Rosa poderia cair e se machucar. Galen recostou-se e observou. Enquanto o cortejo brilhante continuava na pista de dança, seus olhos foram atraídos para o rei. Sob Pedra sentou-se ainda mais ereto no trono, olhos brilhando e tez prateada. Ele parecia mais forte, sua pele quase brilhando, conforme os pretendentes e as princesas quase caíam de exaustão. - Ele está se alimentando da energia deles - Galen murmurou, enojado. Como a Rainha Maude havia se envolvido com aquilo? Teria sido ela uma das cortesãs? E por que escravizou suas filhas ao jugo do Rei Sob Pedra? Ele percebeu que não podia observar o rei com tanta proximidade, ou mesmo os dançarinos. Todo aquele espetáculo fazia com que se sentisse mal. Deixou suas pálpebras deslizarem para baixo e observou os pés das dançarinas rodopiarem. O soar de um forte gongo o despertou um tempo depois, e ele percebeu que tinha cochilado. Olhando à sua volta freneticamente, distinguiu Rosa, e então rapidamente contou as princesas para ter certeza se elas estavam bem. O rei havia levantado de seu trono, rejuvenescido, e todos estavam reunidos diante dele. As princesas e seus parceiros ficaram em um espaço destinado a eles, em frente ao dossel. 123
- Outra noite se passou - o rei pálido entoou. - Acima de nós, no mundo mortal, o amanhecer chega ao reino de Westfalin. Dois favores eu garanti à Rainha Maude em troca de vinte anos dançando em minha corte. Ela me deu catorze anos antes de sua morte; restam cinco anos e cinquenta e três dias de pagamento. Então, meus filhos, vocês se casarão com suas princesas e as manterão aqui, para seu deleite, para sempre. A corte aplaudiu com suas mãos pálidas e riu com gargalhadas assustadoras. Os filhos sombrios do rei sorriram para as princesas com um ar de proprietários, mas as meninas apenas ficaram paradas, exaustas e silenciosas. Galen circundou a multidão e ficou atrás de Rosa. Sua cabeça virou-se levemente, como se ela o tivesse escutado se aproximar, mas nada disse. Os pretendentes levaram as princesas pelo longo corredor e através das altas portas, até as areias negras e botes dourados. Novamente, Galen subiu no barco depois de Rosa, e mais uma vez seu acompanhante ficou para trás com uma expressão irritada no rosto. Na margem oposta do lago, os pretendentes ajudaram as princesas a sair dos botes, mas não deram um passo além em direção à floresta. As princesas seguiram sozinhas para as árvores prateadas, sem olhar para trás. Seguindo Rosa, Galen pensava no que diria ao Rei Gregor. Como explicar aonde as princesas iam à noite? Como dizer ao rei que sua falecida esposa havia feito algum tipo de barganha com o estranho rei glacial daquele reino subterrâneo? As princesas não poderiam apoiar sua história, e era bem provável que o rei não acreditasse nele. Ao passarem pelas estranhas árvores brilhantes, Galen alcançou um par de ramos e arrancou-os. O barulho agudo fez com que Rosa parasse e se virasse, procurando loucamente pela fonte do som. - O que foi isso? - Rosa? - À frente, com a lamparina mais uma vez nas mãos, Lírio se virou e olhou para as meninas. - Está tudo bem? Galen ficou imóvel, segurando os ramos sob sua capa. Eles eram gelados, lisos e duros. Na verdade, ele quase podia dizer que eram feitos de prata de verdade, e não o produto de alguma árvore.
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- Vocês não escutaram isso? - Rosa examinava as árvores. - Escutei um som alto de algo quebrando! - Eu ouvi também - falou Orquídea. Ela estava bem à frente de Rosa. - Talvez um dos galhos tenha se quebrado. As irmãs olharam para o chão negro em volta das árvores, mas nenhum brilho prateado de um galho caído ou sequer uma folha caída podiam ser vistos. Petúnia ficou de quatro e se arrastou até a base da árvore mais próxima. - Petúnia, pare com isso - Íris puxou a irmã mais jovem, colocando-a de pé. Ficou imunda! A lama negra que brilhava fraquinha à luz da lamparina de Lírio cobria a saia de Petúnia e as pontas de suas sapatilhas de dança. Margarida falou: - Temos que ir agora. Nunca chegamos tão tarde, e se as escadarias não se abrirem após o amanhecer... Colocando os ramos dentro da bolsinha em seu cinto, Galen seguiu as princesas pela floresta e sob o arco perolado. Rosa fechou os portões atrás de si, quase prendendo a capa de Galen quando ele passava. Com um sobressalto, o jovem se deu conta de que elas esperariam vê-lo adormecido na cadeira diante da lareira quando passassem pela abertura no chão. Ele tomou a dianteira das princesas, fazendo com que a lamparina de Lírio tremulasse ao passar, e subiu os degraus dourados dois por vez, tentando fazer o mínimo de barulho possível. - O que foi isso? - escutou uma delas indagar, mas não soube dizer qual. Galen arrancou a capa e meteu-a na bolsa de couro, sentando-se na cadeira. Lutou para transformar sua falta de fôlego em roncos ainda mesmo quando, por debaixo dos cílios, viu a cabeça de Lírio emergir da negritude do buraco quadrado no chão. Ela foi direto até ele e espiou, checando para ver se ele estava adormecido ainda. Quando a luz da lâmpada caiu sobre seu rosto, ele roncou e se mexeu em sua cadeira, mas não abriu os olhos. - Ele está dormindo ainda? - Rosa cochichou. - Sim - a irmã respondeu. Galen escutou-as sussurrando enquanto se ajudavam mutuamente a trocarem as roupas e irem para seus respectivos quartos para tirarem algumas horas de sono. Depois que elas saíram da sala de estar, ele apanhou seu manto e o dobrou novamente de forma que coubesse melhor na bolsa de couro. Então ele se 125
espreguiçou e procurou uma posição mais confortável na cadeira para dormir um pouco também. Tinha muito no que pensar, mas estava cansado demais para raciocinar naquela hora. - Não sei como elas conseguem fazer isso toda noite - murmurou, enquanto começava a cair no sono. - Pobre Rosa...
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Manjericão
U
ma criada acordou Galen, seus olhos cintilavam uma indagação. Após
uma pausa, ele abanou a cabeça e fez uma expressão pesarosa. Ela suspirou e bateu em seu braço. Ele seguiu pelo hall até o quarto reservado para si para refrescar-se antes do café. O café da manhã foi outra ocasião solene, com o Bispo Angier em uma extremidade da mesa, uma expressão sisuda no rosto, e o Rei Gregor na outra, parecendo estar de luto. Os dois homens observavam Galen cuidadosamente, procurando por algum sinal de seu sucesso, mas ele comia e conversava com as princesas da forma mais casual que conseguia. Enquanto esteve em seu pequeno quarto se vestindo, chegou a uma conclusão: não diria uma palavra até que a terceira noite estivesse completa. Os ramos prateados lhe forneciam provas de onde estivera, mas ele não sabia como proceder a partir daí. Galen suspeitava de que somente contar ao rei aonde suas filhas iam não as ajudaria. O feitiço que caía sobre elas era deveras forte, e as controlava não só dentro do mundo subterrâneo, como fora também. Se não fosse assim, àquela altura elas já teriam contado ao seu pai a verdade. A esperança de Galen era que, após três noites seguindo-as, ele descobrisse o suficiente para bolar um plano que pudesse libertá-las. - Galen, por favor, venha ao meu estúdio - o Rei Gregor falou, quando o café da manhã terminou. - Eu os acompanharei - Angier disse. Ele endireitou o corpanzil e precedeu o rei e Galen pelo hall e para dentro do estúdio privado do rei.
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O rei sentou-se na cadeira atrás de sua mesa, e o bispo em uma confortável cadeira diante dele. Galen ficou calmamente entre ambos. Seu treinamento militar mostrou-se valioso tal qual já o tivera sido muitas vezes antes: ele estava nervoso, incerto sobre o que fazer a seguir, mas não demonstrava. Com uma expressão impassível e as costas retas como uma vareta, ele relatou ao rei e ao bispo que, após entrar no quarto das princesas, ele se sentara e conversara com elas um pouco. Então, em algum momento antes da meia-noite, adormecera, sem acordar até que tivesse amanhecido. As princesas haviam ficado na cama, dormindo em paz, mas suas sapatilhas mais uma vez estavam desgastadas. O rei deixou as mãos cair em desespero. Se eles estivessem sozinhos, Galen teria se sentido tentado a dar ao homem alguma esperança, mas recusou-se a fazêlo na frente de Angier. O bispo falava a língua de Westfalin com leve sotaque, e só durante o café da manhã que Galen percebeu que ele era analousiano. Como homem do clero, supostamente deveria estar acima de politicagens, mas ainda assim deixava Galen nervoso. O jardineiro fez uma reverência, saiu do estúdio e foi procurar Walter. O homem da perna de pau estava limpando folhas de uma fonte com o formato de uma sereia deprimida. A água havia sido drenada para não rachar e congelar os tubos, e agora o mármore vazio era um grande receptor para folhas e outros detritos caídos. Walter cumprimentou Galen com um aceno e perguntou: - E nossas princesas? - Não vão bem - Galen falou abruptamente. Ele arregaçou as mangas e se agachou para ajudar a colocar as folhas em uma cesta. Walter parou e sentou-se na beirada da fonte. - A erva-moura funcionou - afirmou. - Diga-me - Galen disse -, o que você pode dizer sobre um palácio subterrâneo, guardado por um portão de prata incrustado de pérolas, cercado por uma floresta de árvores prateadas e construído em uma ilha no meio de um lago negro? O rosto suado de Walter ficou lívido. - Mulher tola - ele arfou. - Então ela realmente fez um pacto com ele.
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- Rosa e as outras... - então Galen parou de falar. - Você sabe sobre isso? Por que não as ajudou? - Ele olhava para Walter zangado. Walter balançou a cabeça. - Eu não sabia que Maude tinha ido tão longe. Sabia que ela tinha pedido ajuda de alguma fonte indeterminada. Mas não sabia que tinha sido para ele chutando a base da fonte com sua perna de pau, Walter olhou ao longe. - Não ele! Galen passou a mão sobre seus curtos cabelos: - Então a Rainha Maude realmente...? - Queria tanto ter filhos que fez um pacto com o Rei Sob Pedra para tê-los? Walter suspirou. - Assim parece. E não tenho dúvidas de que ela o procurou de novo para se certificar que ganhássemos a guerra. Galen rejeitou a ideia, negando com a cabeça. - Mas lutamos duro na guerra. Levou doze anos... - Ninguém jamais falou que ele joga limpo - Walter o interrompeu. - Criaturas sem honra, sem alma, jamais o fazem. Por que deveriam? Isso é algo que Maude nunca compreendeu. Peça para um ser como esses gerar crianças fortes, ele lhe prometerá uma dúzia, e você faz o pacto. E ganha doze meninas. Peça que ele termine a guerra, e ele concorda prontamente... E leva doze anos para fazê-lo. Galen franziu a testa: - Mas quando a rainha morreu, o pacto não deveria ter expirado? - Parece que não para ele. Se ela não está lá para pagar, suas filhas irão Walter hesitou. - Então elas estão dançando para ele? Dando-lhe poder? Galen assentiu. - Elas dançam da meia-noite ao amanhecer com doze homens altos. Acredito que são os filhos dele. O velho deu um assobio: - Então esse é o jogo dele? - falou, pensativo. - Quem sabe ele tivesse intenção de tê-las para sempre. Sentindo-se hesitante, Galen perguntou: - Walter, como você sabe disso tudo?
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O velho o encarou. As notícias de que o Rei Sob Pedra tinha poder sobre as princesas o abalaram, e ele parecia ter envelhecido muito de um momento para outro. Respondeu de forma breve: - Nem sempre fui jardineiro, Galen Werner. - Então me diga como interromper isso! - Sozinho? E com os doze filhos dele para ajudá-lo? - Walter balançou a cabeça. - Vai levar tempo. - Nós não temos tempo - Galen argumentou. - Rosa... A pequena Amorperfeito... Elas não têm tempo, Walter. - Pensei que teríamos mais tempo - Walter estava murmurando mais para si do que para Galen. - Elas não dançavam todas as noites no começo. Ele precisa mais delas agora ou, então, está preparando algo. Está ficando pior, e não estamos em número bastante para selar sua prisão de maneira mais segura... - Walter! - Galen balançou o ombro do velho com gentileza. Ele levantou sua lapela e mostrou aWalter a erva-moura murcha. - Vou precisar de mais disso para começar. Há um feitiço do sono que recai sobre qualquer um que entra no quarto das princesas à noite. Mas não me afetou como fez com os príncipes Galen explicou. - Ah - Walter acenou de forma sagaz, seus olhos entrando em foco novamente. - Então é assim que as princesas escapam de seus pretendentes. Mas as meninas não desconfiaram de você? Como foi que conseguiu segui-Ias? - No começo, elas desconfiaram - Galen admitiu. - Mas então eu fingi dormir, e isso as satisfez. Mas como fui capaz de segui-las... Isso é segredo. Walter balançou a cabeça novamente. - É bom ter segredos. Juntos, ele e Galen reuniram a cesta de folhas e foram para o barracão dos jardineiros. Galen virou-a sobre a pilha de folhas para compostagem e deixou a cesta de lado. Então, Walter fez um sinal, e Galen o seguiu até o jardim de ervas. O velho apanhou outra muda de erva-moura para substituir aquela murcha. Então quebrou um manjericão seco com odor acentuado e também lhe entregou.
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- Erva-rnoura irá livrar seus olhos dos encantos e permitir que veja a verdade. O manjericão o guardará de todo mal - ele explicou. - Obrigado - Galen jogou fora sua erva-moura murcha e cuidadosamente prendeu o novo galho no lugar dela. Então colocou o manjericão no bolso dianteiro de seu casaco. Conforme mexia na roupa, o bolsinho do cinto de Galen virou para frente e um dos galhos prateados ficou preso em sua camiseta. Praguejando, Galen liberou o galho e tentou fazer com que ele coubesse melhor na pequena bolsa protetora. - O que é isso? - Perguntou Walter. - Algo que peguei da floresta prateada - Galen respondeu. Olhando ao redor para ter certeza de que estavam a sós, ele tirou os dois ramos do compartimento e mostrou-os a Walter. Girando-os entre seus dedos, Walter pressionou os lábios. - Interessante - ele disse. - Isto não fazia parte do reino dele. Não no início. Interessante. - Ele os entregou de volta a Galen. - Como você conhece o reino dele? Walter meramente ecoou as palavras de Galen: - É bom ter segredos - então fez uma pausa. - Mas direi o seguinte: prata tem poder, assim como nomes. - Nomes e prata... - Galen estudou os ramos. Eram longos e retos, e no ponto em que tinham sido quebrados do galho maior havia pequenas fibras prateadas que eram de um estranho híbrido de metal e madeira, que nunca antes vira a luz do Sol. - Devia ter pego um pedaço maior para fazer uma flecha. Ou uma lança. Algo mais útil do que apenas um souvenir para o Rei Gregor - ele sussurrou. - Contudo, eles darão belas agulhas de costura. - Mantenha-os à mão - Walter falou. - Você nunca sabe do que pode precisar quando se está no palácio. Algo nas palavras de Walter alertou Galen. A frase o lembrava de alguma coisa, e ele parou por um instante para determinar o que era, mas então tio Reiner apareceu descendo a trilha pedregosa naquele instante. Seu rosto ficou soturno ao ver Galen ao lado de Walter.
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- Você não deveria estar lá dentro? - ele perguntou. - Eles não o expulsaram, certo? - Não, de fato, não, tio Reiner - Galen disse com respeito. - Só vim falar com Walter sobre um assunto - Ele meteu os galhos em sua bolsinha e fechou o casaco por cima dela. - Não tem nada aqui que lhe diga respeito - tio Reiner falou. - Caia fora daqui. Galen acenou educadamente para seu tio e Walter e retirou-se. Dentro do palácio, descobriu que as princesas mais jovens estavam tendo aulas com um dos padres que acompanhavam Angier. As mais velhas estavam com o pai, sendo interrogadas pelo próprio bispo. Sem saber o que fazer, Galen sentou-se em seu quarto para terminar de bordar seu chapéu, mas não conseguia tirar os galhos de prata da cabeça. Estudando-os de todos os ângulos, concluiu que, embora pudessem ser utilizados para fazer dardos ou algo do gênero, fora isso, eram inúteis. Mas talhá-los alteraria sua forma a ponto de não serem reconhecíveis e, portanto, não serviriam como evidências. - Eles darão belas agulhas de bordar - Galen falou em voz alta. Ele pensou durante um longo tempo. Não poderia lutar sozinho contra doze pretendentes. Além de ser superado numericamente, quem poderia dizer que tipo de ajuda o pai deles enviaria. Ele não podia quebrar o feitiço que aprisionava as princesas... Não sabia ao certo o que ele era, e não tinha qualquer habilidade com magia. Se ao menos pudesse impedi-Ias de ir ao baile... Mas então, o Rei Sob Pedra provavelmente enviaria alguém novamente. E dessa vez, Galen duvidava que Rionin e os outros príncipes fossem detidos por um galho de sorva. Tinha que haver alguma maneira de enfrentá-los ou impedi-los que subissem à superfície... Enquanto a mente de Galen examinava repetidamente o problema, ele lembrou-se do que as palavras de Walter fizeram-no recordar: da velha. - Quando estiver no palácio, terá grande necessidade. Ele quebrou os galhos de prata ao meio, de forma que formassem quatro partes, cada qual com o comprimento de uma mão. Usou sua faca para tirar qualquer borda ou lasca que pudesse prender na lã. Então apanhou a lã negra que a velha lhe havia dado. - Preto é ferro. Galen começou a bordar. 132
Segunda noite
O
dia de Rosa não correu bem. Ela teve dor de cabeça e sua tosse retornou.
Para agravar seus problemas, foi forçada a passar o dia na sala do conselho, sendo alternadamente interrogada e repreendida pelo Bispo Angier. A voz dele fazia a cabeça dela latejar, e sua garganta estava inchada por tentar segurar a tosse. Ter seu país colocado sob Interdição era algo sério, e as repercussões já tinham começado. Relatórios chegaram o dia inteiro e não eram reconfortantes. Motins ocorreram em outras cidades onde o edital do arcebispo fora lido. Em Bruch, muitas pessoas estavam fazendo as malas para sair, na esperança de ir para qualquer terra vizinha que as recebesse. Várias mercearias e cavalariças foram saqueadas por aqueles que fugiam em busca de suprimentos, e pedras foram atiradas nos portões do palácio e até mesmo na distinta casa rosada dos Orm. Rosa esperava que suas irmãs mais jovens escapassem do escrutínio do bispo, uma vez que assistiram às suas aulas. E, até aquele momento, de fato o fizeram. Mas parecia que o bispo havia dado ao seu assistente recomendações bem precisas sobre o que as princesas tinham que aprender. - Pensei que fosse morrer - Crisântemo falou dramaticamente, jogando-se sobre a cama de Rosa. Elas deveriam estar se trocando para o jantar, mas, em vez disso, a maioria só reclamava de Angier: - Como se não fosse ruim o suficiente que tivéssemos um padre de rosto rosado nos ensinando no lugar de Anne... Você precisava escutá-lo falar! Nada de Matemática. Nada de Ciência. História? Somente História da Religião e sobre a vida dos santos. Literatura? Mais vida dos santos - Crisântemo colocou o travesseiro sobre o rosto e deu um uivo abafado por debaixo das penas.
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- Não há nada de errado com educação religiosa - Jacinto reprimiu a irmã, entrando no quarto. - Há quando é só o que você aprende - Violeta argumentou. Ela estava desfiando as bordas de seu lenço. - Não temos mais música. Nem um pouquinho. O Padre Michel diz... Ele diz que nós não somos sérias o bastante para aprender sequer música sacra - Ela mordeu os lábios, os olhos marejados de lágrimas. – Ele trancou meu piano e pegou a chave. - Oh, querida! - Rosa abraçou Violeta, e a menina soluçou sobre seus ombros. - Ele é um pesadelo - falou Crisântemo, tirando o travesseiro do rosto. – Um homem horrível e detestável! E ele também é analousiano, como o bispo – uma expressão calculada cruzou seu rosto. - Vocês não acham que Angier só está querendo nos humilhar porque eles perderam a guerra? Jacinto se empertigou, chocada: - O arcebispo não enviaria alguém capaz de tamanha perversidade, Crisântemo. Nós fomos acusadas de bruxaria; isso não tem nada a ver com política! - Não me importa se é política ou não - Violeta bradou. - Não posso ser privada da minha música! Rosa deu-lhe um apertão carinhoso extra. - Não se preocupe - disse Petúnia, esperançosa. - Galen irá consertar tudo. - Oh, ele irá? - Rosa deu uma risadinha perante a firme declaração da irmã. Ao mesmo tempo, contudo, ela tinha esperanças de que Petúnia estivesse certa. Ela e Lírio haviam procurado por anos uma forma de escapar das garras do Rei Sob Pedra, lendo os diários de sua mãe repetidamente em busca de pistas, e qualquer referência que pudessem encontrar sobre o Rei Sob Pedra e seu banimento. Mas o único livro que o mencionava era sobre lendas, distantes da verdade que elas conheciam. E vários diários de sua mãe estavam desaparecidos. Rosa suspeitava que fossem os que poderiam ter sido úteis e se perguntava se sua mãe os havia destruído, ou se Sob Pedra encontrara alguma maneira de confiscá-los. As irmãs haviam testado todas as fronteiras físicas do reino dele, implorando para que os príncipes as carregassem pela floresta quando estavam cansadas demais, para ver o quão perto do portão eles podiam chegar. Haviam feito tantas perguntas quanto possível e jamais encontraram um único ponto fraco sequer. Tentaram contar sobre a maldição ao pai, à governanta, a qualquer um que quisesse escutar, mas seus lábios eram sempre selados, ou então elas se percebiam falando coisas sem sentido cada vez que tentavam relatar a verdade. 134
Chegaram a desistir por um período, esperando que pudessem simplesmente ser capazes de cumprir com os termos e, depois, começar a ter o que poderia ser chamado de uma vida normal. Mas logo depois do fim da guerra, o Rei Sob Pedra começou a se referir a elas como as noivas de seus filhos, aterrorizando as meninas. Ele encontraria alguma maneira de mantê-las ali para sempre. Agora, Rosa e suas irmãs precisavam de ajuda mais do que nunca precisaram em toda a sua vida, e Galen era tão firme e seguro de si que parecia quase possível que ele, de fato, "arrumasse tudo". Rosa puxou seu xale branco um pouco mais alto sobre os ombros e deixou Violeta em cima da penteadeira: - Vamos lá, enxugue os olhos. Vamos nos aprontar para o jantar. Mas o Bispo Angier tinha planos que iam além de jantar. Quando as doze irmãs se apresentaram na sala de jantar, trajadas modestamente com vestidos de gola alta de tons escuros, elas encontraram seu pai e Galen já sentados à mesa coberta com uma toalha branca, uma Bíblia e nada além. - Sentem-se - o Bispo Angier solicitou. As princesas obedeceram. Por algo em torno de duas horas, o bispo discursou com grande animação sobre feitiçaria e seus males. Ele também enveredou pela natureza maléfica de todas as mulheres, bruxas ou não, e como seus pais e maridos precisavam mantê-las firmemente sob controle. A parte mais desconcertante é que ele detinha seus olhos fixos na face de cada irmã por vez, e focava em cada uma por minutos sem parar. Quando ele olhou para Rosa pela segunda vez, ela se percebeu incapaz de olhar para qualquer outro lugar, incapaz sequer de piscar, até que seus olhos começaram a lacrimejar, e ela ficou furiosa ao perceber que o bispo pensou que a havia levado às lágrimas. Quando ele voltou sua atenção para Lírio novamente, ela desviou-se sutilmente de seus olhos e fitou Galen. Parecendo completamente imperturbável pelo bispo, que por sua vez o ignorava, Galen tricotava. Rosa colocou seu cachecol sobre o colo e o observou fascinada. Ele não estava usando duas, mas quatro agulhas, todas bem pequenas e com pontas em ambas as extremidades. Ela o tinha visto tricotar uma meia certa vez no jardim com agulhas similares, de um prata suave e cintilante que a lembrava de algo que ela não podia tocar. Ainda mais fascinante era o que ele estava tricotando: ele fazia uma corrente de lã preta. Ela contara oito elos até então, todos perfeitamente interligados.
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Vendo que ela o observava, ele sorriu. Ela ergueu as sobrancelhas, tentando perguntar para que aquela corrente serviria. Ele somente sorriu ainda mais e posicionou as agulhas para fazer um novo elo. - Você está me escutando, garota? - Angier rugiu. Voltando-se para focar no bispo novamente, Rosa viu saliva voar da boca dele e pousar na mão de Íris. Sua irmã mais jovem rapidamente a limpou com seu lenço e uma expressão de nojo no rosto. - Obrigado, Bispo Angier, por esse estimulante sermão - Rei Gregor interferiu, ficando de pé. Rosa conseguia ver uma veia pulsando na têmpora do pai, como se ele estivesse prestes a gritar com o homem. - Tenho certeza de que todos nos sentimos revigorados por suas palavras - ele se esticou e alcançou o sino, dando uma firme sacudida. - Vamos ponderá-las enquanto comemos. Ele recostou-se novamente e deu um tapinha na mão de Rosa. Foi uma refeição silenciosa, mas Rosa não sabia se suas irmãs estavam ponderando as palavras do bispo mais do que ela própria. Violeta, ao menos, fervilhava de ressentimento de forma clara para todos verem. Petúnia e Amorperfeito, sentadas em ambos os lados de Galen, continuavam fungando os narizes e espirrando, então colocaram sua comida de lado, como se algo parecesse estranho para elas. Galen percebeu e piscou para Rosa. Mal sentindo o gosto do jantar, Rosa perguntou-se se deveria se confessar como sendo uma bruxa. Elas libertariam Anne ou ela ainda seria acusada de ensinar magia para as garotas? Isso ao menos acabaria com a Interdição e livraria o resto da família, conquanto ela conseguisse convencê-lo de que agira sozinha. Ela seria excomungada pela Igreja e provavelmente aprisionada para o resto da vida, mas seu pai e irmãs estariam livres. O único problema é que as sapatilhas das outras garotas continuariam a se desgastar mesmo após ela se ter ido. Isso, e o que ele e seu filho mais velho poderiam fazer caso ela perdesse o Baile da Meia-noite. Rosa estremeceu. Ela tinha esperanças de que sua mãe, apesar de seus tolos pactos, tivesse sido permitida a entrar no Céu. Também esperava que a Rainha Maude estivesse ocupada demais cantando no coral celestial, ou o que quer que as pessoas façam quando morrem, para ver a bagunça que havia feito. O Rei Sob Pedra tinha manipulado Maude desde o começo, usando-a para carregar as doze noivas de seus sisudos filhos, e então a fazendo dançar até a morte prematura de forma que suas filhas fossem obrigadas a assumir o contrato. 136
Maude não suspeitava de nada ou, ao menos, não havia indícios disso em seus diários. A única menção que puderam encontrar a Sob Pedra foi uma nota após o nascimento de Orquídea. Maude havia se perguntado se a poção que ele havia dado expirara, ou se ela não tinha bebido corretamente, pois ela paria uma filha após a outra, sem sinal do tão esperado herdeiro. Rosa desejava ajudar Galen de alguma maneira. Se ela ao menos pudesse deixar a porta do carpete aberta... Mas ele estaria adormecido e não poderia seguilas, mesmo se isso fosse possível. Ela pensou em trazer alguma prova do mundo inferior, mas como poderia fazê-lo entender do que se tratava? Rosa respirou fundo. Uma prova. O som de um galho partindo. As estranhas agulhas de prata que Galen estava usando para fazer, de todas as coisas possíveis, uma corrente... Ela olhou diretamente para ele, agitando seus olhos levemente para a corrente que estava na lateral da mesa ao lado do prato e de volta para ele. Ele apanhou o olhar dela e o sustentou, enigmático. Após o jantar, Lírio pediu que Galen jogasse xadrez com ela, mas ele começou a bocejar assim que ambos se sentaram. Alguns minutos depois, ele entregou a partida, pediu perdão a Lírio e estendeu-se no sofá para "descansar um pouco". Rosa o observava cuidadosamente, mas ele pareceu cair no sono rapidamente. - Você acha que ele está fingindo? - ela perguntou a Lírio, enquanto se preparavam para o Baile da Meia-noite. - Impossível - Lírio respondeu. - Como poderia? O encanto é forte demais para que qualquer um resista. Novamente Rosa permitiu que Lírio levasse a lamparina e descesse as escadarias douradas na frente, deixando que as demais meninas a seguissem para dentro das trevas, e esperou o máximo possível antes de ir atrás delas. O sofá em que Galen dormia estava virado para as janelas, de modo que ela não conseguia vêlo de onde estava, no meio da sala. Seus ouvidos captaram uma estranha sensação quando ela pensou ter escutado um barulho. Ela retroagiu um passo nas escadas, esticando-se para ver novamente o sofá. - O quê você está fazendo? - Íris saiu das trevas e agarrou o vestido da irmã bem no instante em que ela voltava para o sofá. - Venha ou vamos nos atrasar! Perturbada, Rosa desceu as escadarias, olhando por sobre o ombro o caminho inteiro. Ela tropeçou duas vezes e pisou na ponta do vestido conforme descia, mas
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não se importou. Poderia ter jurado que escutou o barulho de botas cruzarem o quarto. Porém, quando a porta se fechou atrás delas, não havia sinal de Galen.
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Cálice
G
alen riu silenciosamente consigo mesmo durante todo o caminho pelas
escadarias douradas. Rosa era esperta! Ela claramente suspeitava de algo. Ele viu a expressão no rosto dela durante o jantar, como se tivesse tido uma luz, e ficou desapontado quando ela não o puxou de lado para questioná-Io. Ainda assim, era melhor daquela maneira. Ele não queria atiçar as esperanças dela quando ainda sequer tinha ideia do quanto poderia ajudar. Galen parou para estudar o portão de prata após as princesas terem passado. Ele reparou que, embora não tivesse cerca conectada ao portão, havia ainda assim uma fronteira definida até onde a vista alcançava, que corria em ambas as direções. Na escadaria lateral do portão, o chão não parecia coberto de poeira ou pavimentado, ele simplesmente se parecia... Com nada. Não era nem rígido nem mole, nem áspero nem macio. Era apenas um nada, e então, tão abruptamente quanto como se alguém tivesse desenhado uma linha com uma faca, a floresta começava, com seu solo preto cintilante e as árvores prateadas. Fazendo um sinal de afirmativo para si próprio, Galen passou pelo portão e deixou que ele se fechasse atrás de si. Rosa virou-se e olhou furtivamente; porém, mais uma vez, Íris a puxou, e ela teve que seguir em frente. Seguiram pela floresta prateada e para as margens do lago negro. Como antes, Galen subiu a bordo do bote dourado de Rosa, e seu pretendente, mais uma vez, esforçou-se para acompanhar os demais. Ele ficava lançando olhares para a figura da moça, e Galen se perguntou se ele tentava perceber se ela tinha ganhado peso. Galen achava que Rosa estava mais adorável do que nunca. Claro, ele só a tinha visto uma vez antes de sua doença, e na ocasião ela estava ensopada. Porém, a moça havia se recuperado plenamente: suas bochechas brilhavam de saúde, em vez de febre, e não estavam mais magras como nos últimos meses; ela estava usando seu vestido de veludo vermelho e, sobre os cotovelos, havia enganchado o 139
xale branco que ele lhe dera. Galen achava que ele combinava admiravelmente com o vestido e o cabelo castanho dela. Assim que o casco do bote tocou a praia, Galen desceu, e o pretendente sombrio de Rosa quase caiu enquanto ele o rebocava para a areia. Ele esperava claramente que o barco estivesse mais pesado, e estava compensando a força que fazia. Galen ficou um pouco desapontado por seu rival não ter caído na areia molhada e suspirou. Rosa olhou à sua volta, e ele prendeu o fôlego. Então, o pretendente atraiu a atenção da moça e, segurando-a pelo braço, levou-a para dentro do palácio. Galen tinha que admitir que ele dava um belo par. Majestoso, atraente, muito bem vestido. Lírio e Junquilho foram atrás, e as demais por ordem de idade. As expressões arrogantes e as roupas finas dos pretendentes que vinham no final da fila pareciam ridículas para Galen, considerando que as meninas que eles escoltavam tinham, pelo menos, metade da idade deles. Ainda assim, até mesmo Petúnia usava um vestido de baile, embora de gola alta, e seu cabelo estava solto e cacheado em vez de preso como o das irmãs. Ao seguir Petúnia e seu acompanhante até o palácio, Galen estremeceu quando pensou nas intenções do rei de casar as princesas com seus filhos. Petúnia teria catorze ou quinze anos quando se casasse com seu príncipe, isso se o rei esperasse até que os anos de serviços delas terminassem. Galen se perguntou quantos anos ela teria quando começou a dançar nos braços do príncipe sombrio e taciturno. Os cortesãos de olhos gélidos bateram palmas, as princesas fizeram uma reverência e o baile começou. Galen assistiu a dança por um período, mas então ficou com sede. Quando um garçom passou, ele surrupiou um cálice prateado de vinho da bandeja do homem e rapidamente o escondeu em sua capa. Levou o vinho até um canto, onde ficava parcialmente oculto por uma cortina, e bebeu avidamente. A seguir, colocou o cálice, que tinha o estranho formato de uma mulher, na bolsinha de seu cinto. Outro souvenir para o Rei Gregor, pensou. Quando Amor-perfeito implorou mais uma vez para sentar e parar de dançar, Galen sentou-se ao lado dela de novo. Como se sentisse sua presença, ela começou a olhar à sua volta e até mesmo levantou sua saia rosada para olhar sob a cadeira. - Você está aí, espírito? - Aqui estou - Galen falou com uma voz oca. - Por quê?
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- Eu quero ajudá-las. - Oh. - Diga-me, princesa, como sua mãe encontrou o Rei Sob Pedra? - Como assim? - Ele foi até ela para fazer o pacto ou ela veio até aqui? - Tentar falar com uma voz fantasmagórica forçava a garganta de Galen, e ele gostaria de ter algo para beber além de vinho. - Ela veio até aqui - Amor-perfeito respondeu prontamente. - Foi assim que a floresta prateada foi feita. Da primeira vez que veio, Mamãe derrubou seu broche. Era uma cruz com folhas de louro em volta que seu pai havia lhe dado. Na noite seguinte, ele tornou-se uma floresta - Ela fez uma careta. - Certa vez tentei fazer com que uma árvore crescesse de meu anel vermelho-escuro, mas não funcionou Ela acrescentou. - Entendo - Galen fez uma pausa. Uma floresta de prata que cresceu a partir de uma cruz? Não admira que os gravetos que ele pegou passassem uma impressão tão poderosa. Suas mãos ainda formigavam levemente por ter bordado com eles. - Os príncipes podem passar pelo portão a qualquer instante que quiserem? E quanto aos outros cortesãos? Amor-perfeito franziu os sobrolhos: - Não, apenas os príncipes. E só de noite. Eles vieram ao jardim certa noite, quando papai nos trancou em nossos quartos. Mas, na noite seguinte, mal conseguiam dançar. Eles odeiam a floresta. No mês passado, quando Rosa estava doente, ela desmaiou, e o Príncipe Illiken a carregou até o portão. Quando chegamos até as escadas, ele parecia doente também. Petúnia vomitou naquela noite, e Lírio teve que carregá-la pelo caminho inteiro dos botes. O parceiro de Petúnia, o Príncipe Testilian, não queria fazê-lo porque ela estava cheirando mal Amor-perfeito deu uma risadinha. Galen riu junto com ela, censurando-se quando Rosa e Lírio se aproximaram das cadeiras com seus pretendentes. Todos sorriram vagamente para Amorperfeito. - Qual é a graça, Amor? - Rosa acariciou os cachos da irmã. - Com quem você estava falando?
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Galen se inclinou próximo dos ouvidos de Amor-perfeito e disse: "Ssshhhhh", da forma mais discreta que conseguiu. - Ninguém - a menina respondeu, pulando da cadeira. - Já sei. Tenho que continuar dançando - e ela saiu em busca de seu pretendente com o astral mais elevado do que antes. - O que deu nela? - Lírio inquiriu. - Não sei - Rosa falou, meditativa. Ela olhou diretamente para o ponto onde Galen estava sentado, e ele sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Ainda que ela estivesse olhando diretamente através dele, Galen tinha a sensação de que ela sabia que ele estava ali. Hesitante, ele estendeu o dedo e tocou as costas da mão dela. Seus dedos se contorceram, mas ela não se sobressaltou ou se alarmou; em vez disso, um sorriso curvou-se em seus lábios. - Temos que dançar - o Príncipe Illiken falou, levando-a embora. - Mais uma noite - Galen sussurrou quando elas se afastaram. - Mais uma noite e eu a tirarei deste lugar. E suas irmãs também. Galen assistiu ao resto do baile sem falar, embora em várias ocasiões Rosa e Amor-perfeito tentassem espiar as cadeiras onde ele estava sentado. Ele voltou no bote de Lírio quando cruzaram o lago; seu peso confundindo o condutor e dando um descanso não merecido ao pretendente de Rosa. Mais uma vez, Galen subiu as escadarias antes das princesas, sem fazer barulho. Quando Rosa checou se ele estava dormindo, ele roncava pacificamente, inalando o odor do perfume dela quando ela se inclinou sobre o sofá.
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Governanta
G
alen acordou sentindo-se confiante, mas o sentimento começou a
desaparecer logo após o café. Ele havia feito uma corrente com a lã negra da velha que era grande o suficiente para envolver as grades do portão, mas seria o bastante? Aquilo realmente poderia impedir que o Rei Sob Pedra conseguisse o que queria? Galen havia feito o xale de Rosa com a lã branca, pensando que ele a protegeria e confortaria, mas ele não teve efeito em Illiken quando ele dançou com Rosa, e Galen se preocupava que seus instintos não estivessem corretos. O manto realmente o mantivera invisível, mas quem sabe a lã não fosse nada além de lã, afinal. E ele tinha bordado a corrente com os galhos das árvores prateadas, suas mãos tremiam com o poder dormente. Mas era essa a resposta? Galen saiu para os jardins naquela tarde à procura de Walter, mas não o encontrou. Precisava de conselhos, mas não sabia mais aonde ir. Ficou na entrada do labirinto vivo, olhando para o palácio. O estuque rosa tinha cor de cereja, apesar das nuvens baixas e da ameaça de neve. Galen balançou a cabeça ao pensar em todas as noites que passou patrulhando o jardim, quando todo o tempo as princesas usavam uma passagem secreta dentro de sua própria sala de estar. Ele fez uma careta. Quem havia estabelecido tal passagem? O Rei Sob Pedra ou a Rainha Maude? Se as princesas sabiam, não podiam dizer. Porém, havia mais alguém no palácio que poderia saber. A governanta bretã estava sendo mantida em uma das salas de teto baixo no sótão onde as criadas mais humildes dormiam. Um padre e um guarda do palácio tomavam conta da porta, e ninguém tinha permissão de falar com ela sem a presença do Bispo Angier. Galen pensou em usar a carta do Rei Gregor para vê-la, mas ela somente lhe dava acesso aos jardins, não ao palácio, e certamente não lhe dava direito de falar com uma prisioneira sob os cuidados do Bispo Angier. 143
Então ele vestiu o manto e deu a volta até a parte de trás do palácio. O prédio era moderno e quadrado, e havia aquedutos de cobre em todos os cantos. Galen subiu por um deles no lado oeste, próximo ao quarto de Anne. Quando chegou à altura da janela, esticou-se até alcançar o batente com um pé e sua mão. Com o coração batendo forte e medo de olhar para baixo, ele soltou-se do cano e deu um pequeno pulo para o estreito rebordo da janela. Ele chegou até a janela, que estava fechada por dentro, e viu um rosto pálido espiando para fora, procurando pela fonte dos pequenos barulhos que fizera. Os olhos da governanta estavam inchados de tanto chorar, e seu cabelo grisalho estava todo emaranhado. Galen soltou o fecho do manto, e a governanta deixou um pequeno grito escapar quando ele apareceu diante dela. O jardineiro levou um dos dedos ao lábio e sorriu para transmitir confiança. - Eu quero ajudar - falou, marcando bem as palavras com os lábios. Ela não pareceu estar completamente convencida, mas destrancou a janela e a abriu: - Quem é você? - Sou Galen Werner, um jardineiro - ele disse. - Por favor, deixe-me entrar. Preciso falar com você sobre alguns assuntos. - Já me fizeram perguntas demais - ela respondeu, e fez sinal de fechar a janela. - Por favor - Galen implorou. - Só estou tentando ajudar. Ela hesitou; então abriu a janela um pouco mais. Galen segurou na beirada e escorregou pela fresta, adentrando o quarto. O pequeno cômodo tinha apenas uma cama, uma mesa e uma cadeira. Não havia livros ou instrumentos de costura para que a governanta pudesse ocupar as horas de inatividade; não havia sequer uma bacia para lavar o rosto. - Como você...? Você simplesmente apareceu! Quem o enviou? – Anne afastou-se de Galen, parecendo temerosa. Mas, ao mesmo tempo, manteve a voz baixa de forma que os guardas não a escutassem.
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- Meu nome é Galen e trabalho no jardim. Estou tentando ajudar as meninas... As princesas - Galen se corrigiu. - Eu as segui na noite passada usando isto - ele apertou o manto novamente e desapareceu. Anne engasgou e levou as mãos à boca. Galen tirou o manto rapidamente. - Foi presente de uma gentil senhora - falou. - Junto com a lã que utilizei para fazer isto - ele tirou a corrente negra do compartimento em seu cinto. - Quero selar a entrada para o reino subterrâneo onde elas dançam todas as noites. Há um portão pelo qual as princesas precisam passar... - Sua voz esmoreceu. A ideia parecia tolice agora - Você sabe de algo que possa ajudar? Segurando a corrente com um dedo, Anne balançou a cabeça, e o coração de Galen afundou. Era verdade: ela era completamente inocente das atividades que ocorriam à meia-noite. Mas suas palavras seguintes transformaram a pena que Galen tinha da prisão dela em raiva. - Isso parece tão fino: não sei se será o bastante para segurar o Rei Sob Pedra. - Você sabe sobre o Rei Sob Pedra? - Galen mal conseguiu manter sua voz sob controle. - Por que não contou a ninguém? Por que não as ajudou? - Eu somente descobri o que Maude havia feito - Anne contou apressadamente. Ela sentou-se em sua cama estreita e puxou o cobertor felpudo feito de lã por sobre seus ombros roliços. - Fui amiga e confidente dela por muitos anos - ela prosseguiu. - Contudo, ela não confiou isso a mim. Eu sabia que ela tinha feito algo. Mas pensei que tinha apenas encontrado alguma bruxa que lhe desse um encantamento de fertilidade. Maude visitou todas elas, sabe? Todas sábias, parteiras, magas brancas, cartomantes... Bebeu poções horríveis, comeu apenas ovos cozidos por uma semana, bagas em outra, fez com que as criadas lavassem suas roupas com água da chuva e secassem à luz da Lua cheia... - Anne balançou a cabeça. - Nada adiantou. Então, Maude parou de falar comigo, parou de partilhar seus segredos, e Rosa nasceu. Rosa e as outras meninas. Doze crianças em onze anos desgastariam qualquer pessoa, mas sempre senti em meu coração que alguma coisa mais estava pesando sobre a pobre Maude. E, quando ela morreu e todas as meninas começaram a aparecer constantemente exaustas, e suas sapatilhas se desgastavam a cada três noites, eu soube que, o que quer que Maude fizera, suas filhas agora pagavam em seu lugar. 145
- Procurei por todo o palácio, até mesmo nestes quartos - ela fez um gesto englobando a pequena cela. - Encontrei os livros apenas algumas horas antes de Angier chegar. Ele me pegou com eles. Não tive chance de dar mais que uma olhada. - Que livros? - Galen teve que limpar um pigarro antes que pudesse perguntar. Estava tão entretido, escutando cada palavra da mulher, que havia se esquecido de engolir. - Uma história que mofou com o passar do tempo, e que conta a saga de Sob Pedra e como ele foi exilado. E um diário de Maude, detalhando seus acordos com ele. Eles estavam escondidos atrás de uma estante, na biblioteca. - O que você conseguiu ler? - Somente que Maude fez dois pactos com ele: um em troca de suas filhas, e outro para ganhar a guerra contra a Analousia. E alguma coisa na história sobre os feiticeiros que sobreviveram ao feitiço de aprisionamento. Eles não estão mortos ela meneou. - Não tive tempo o suficiente para compreender de que se tratava concluiu, frustrada. - Onde estão os livros agora? - Pelo que sei, nos aposentos de Angier. Mas como irá pegá-los? - Fácil - Galen apertou seu manto de novo e ficou invisível. Sentiu um sorriso cruzar seu rosto. As respostas estavam esperando; tudo que precisava fazer era agarrá-las. - Fácil! Ele foi até a janela e dependurou-se de volta ao cano. Disse suavemente para Anne: - Boa sorte para você! - Para você também - ela respondeu, mas havia grande dúvida em sua voz.
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Terceira noite
P
assando rapidamente pelos corredores do palácio, ainda invisível, Galen
entendeu o motivo de a velha ficar balbuciando sobre o manto ser perigoso. Era difícil se desviar das criadas, e um dos membros da corte puxou um tapete bem sob seus pés, derrubando-o. Uma porta quase foi fechada em sua mão, e ele teve que fazer uma parada e se recompor do lado de fora do quarto de Angier. Galen não escutou som algum vindo de dentro, então abriu a trava com um canivete e entrou. Uma rápida busca mostrou que a sala de estar e o quarto adjunto estavam de fato vazios, e Galen voltou sua atenção para encontrar os livros descritos por Anne. Não demorou muito para localizá-los. Confiante de que ninguém ousaria mexer em suas coisas, o Bispo Angier os havia simplesmente deixado sobre a mesa. Havia outros livros: um caderno em analousiano que Galen julgou ser escrito pelo bispo, um volume sobre a história da bruxaria e uma Bíblia lindamente ilustrada. Mas Galen os colocou de lado, apanhando o livro de história esfarrapado e o pequeno diário azul que também estavam sobre a mesa. Ameaçou colocá-los em sua bolsa de couro, mas percebeu que, assim que sua falta fosse notada, uma enorme gritaria seria levantada. Galen colocou-os de volta à mesa e começou a folheá-los avidamente, para ver o que podia descobrir antes que Angier retomasse. Na metade do livro, encontrou um botão de amor-perfeito pressionado entre duas páginas. Maude havia usado a flor para marcar o capítulo que falava do Rei Sob Pedra. Galen debruçou-se na beirada da mesa e leu sobre o rei cujo nome, outrora, havia sido Hartmann von Aue, quando ele ainda era conselheiro do Rei Ranulf de Westfalin, no século cinco. Quando matou Ranulf e se autoproclamou rei, Sob Pedra decretou que seu nome jamais seria dito novamente, para evitar que fosse usado 147
contra si como parte de algum feitiço. Cada registro, cada pedaço de papel que o continha foram destruídos, e a própria lembrança dele acabou sendo apagada da memória de seus súditos. Os feiticeiros que o aprisionaram passaram anos tentando recuperar o nome, que era a chave para o feitiço de aprisionamento. Também envolvia prata abençoada pelo bispo e lã de uma ovelha que jamais tivesse sido tosquiada. Galen procurou em sua bolsa de couro e alcançou a corrente de lã. Sentiu-se certo de que aquela lã viera de fonte similar. Quem era aquela mulher? A resposta foi encontrada no final do capítulo. Doze feiticeiros aprisionaram o Rei Sob Pedra, alcunha pela qual se tornou conhecido. Oito morreram, mas quatro conseguiram sobreviver, e mais do que isso: Incertos se um ser tão poderoso e maléfico poderia ser derrotado de fato, os quatro feiticeiros remanescentes tomaram sobre si a imortalidade para caminhar sobre o mundo até o final dos tempos. Embora suas forças tenham diminuído, são guardiões eternos contra o rei e contra aqueles que são como ele, impedindo-os de retomar ao mundo e causar mais danos. Aqueles como ele? Galen estremeceu ante o pensamento de que poderia haver mais criaturas como Sob Pedra à solta. Tornou ao diário de Maude, sentindo-se ligeiramente constrangido de ler os pensamentos privados da rainha. Aqui, Angier o havia ajudado: um marcador de página feito de cetim roxo com o selo do bispo cravado fora colocado nas partes pertinentes do livro. Maude havia descoberto o Rei Sob Pedra não somente pelas antigas histórias, mas também por meio de uma das feiticeiras com quem se consultou em sua ânsia de ter um bebê. A "boa mulher", como Maude a chamava, dissera-lhe que Sob Pedra havia conseguido reunir princesas mortais que pudessem parir seus doze filhos. Foi a partir daí que Maude teve a ideia de que ele poderia ajudá-la também. A boa mulher, embora Galen não a tivesse chamado assim, ensinou a Maude como convocar o rei ao colocar uma gota de sangue em um lenço branco de seda, pressionando-o contra o chão na Lua cheia e chamando-o por seu verdadeiro nome. Maude o fez na extremidade mais distante do jardim, próximo a um velho carvalho, que era uma das árvores originais que restaram quando Gregor refizera o lugar para sua noiva. Ela pactuou com o Rei Sob Pedra em troca de apenas uma criança, mas o rei prometeu "graciosamente" que lhe daria doze. Seus encontros originais com ele foram exultantes e ela anotou que não vira maldade alguma. Maude tinha apenas 148
que ir até seu palácio e dançar para o rei quando a Lua estivesse cheia. Então, no dia em que Rosa nasceu era Lua cheia, e Maude não foi dançar. Na ocasião seguinte em que desceu as escadarias douradas, o Rei Sob Pedra, enfurecido, ordenou-lhe que viesse duas vezes por mês. Para cada baile que perdia, ele aumentava o número até que ela estava dançando a cada três noites até a semana em que morreu. No final, sua caligrafia estava incrustada de desespero, e lágrimas fizeram com que a tinta desbotasse. Ela não sabia dizer por que fizera um trato para acabar com a guerra, mas não conseguiu pensar em nenhuma outra forma de ajudar seu amado Gregor, e Sob Pedra vinha sendo gentil ultimamente... Galen leu tudo horrorizado, capaz de enxergar o que Maude não conseguira: que Sob Pedra a tinha usado e manipulado, enganando-a para que ela pensasse que ele estava disposto a ajudar. A rainha não era tola; Sob Pedra era simplesmente mais sutil e conivente do que ela pudera imaginar, jogando com os sonhos dela de ser mãe, prometendo-lhe tudo e pedindo tão pouco em troca. Só queria que ela dançasse para si, para dar-lhe poder. Só queria que ela carregasse doze filhas, que um dia se casariam com seus filhos. Isso jamais foi mencionado no pacto, claro. Galen fechou o diário, praguejando. Ele o colocou de volta com cuidado onde o encontrara: em cima do outro livro de história, angulado, e cruzou a sala de estar em direção à porta. Mas, ao colocar a mão na maçaneta, escutou vozes no corredor e recuou. A porta se abriu, e Angier entrou com um de seus padres assistentes. E Petúnia. Em vez de sair antes que o jovem padre pudesse fechar a porta, Galen permaneceu, encostado na parede. Petúnia parecia assustada, e o bispo a segurava firme pelo braço. Ele sentou-a em uma cadeira e ficou parado diante dela. Galen quase não conseguia respirar. O bispo, nada cordial, foi direto ao ponto: - Aonde você e suas irmãs vão à noite? Petúnia não respondeu, apenas balançou a cabeça. - Você não vai me dizer ou não sabe? Outra vez balançou a cabeça.
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- Você quer ir para o calabouço junto com suas irmãs? - A pergunta de Angier fez com que Galen cerrasse os dentes. - N-não - respondeu Petúnia, com voz sibilante. - Quero ficar aqui com papai e Anne. - Então diga aonde vocês vão à noite. - Não posso - a jovem gemeu. - Você pode e fará! Quem é o responsável pelas mortes dos príncipes? A mulher bretã? Seu pai? Suas irmãs mais velhas? Diga-me! Galen percebeu que estava procurando uma pistola no lugar onde ela deveria estar. Será que Gregor havia realmente dado permissão para que sua filha fosse interrogada como uma criminosa? Olhando freneticamente pelo quarto, ele tentou pensar em algo, qualquer coisa que pudesse colocar um fim naquilo, à medida que as perguntas do bispo se intensificavam, e Petúnia começava a soluçar. Ele não podia atacar o bispo, e se abrisse a porta e fosse ver Gregor, eles notariam. No instante em que Galen concluiu que o risco valia a pena e que eles pensariam apenas que o palácio estava assombrado quando a porta abrisse, alguém veio pisando firme pelo corredor e bateu à porta. O padre abriu-a para revelar o Rei Gregor, com o rosto vermelho de raiva, e Rosa, Lírio e o Dr. Kelling atrás de si. Ao ver seu pai, Petúnia pulou da cadeira e cruzou a sala correndo para afundar seu rosto na saia de Rosa. - Santidade - o rei falou com uma raiva que mal podia ser controlada. - Eu permiti que minhas filhas mais velhas fossem interrogadas, mas não as mais jovens. E nenhuma deveria estar sozinha, sem nem ao menos uma criada para dar apoio. - Preciso chegar ao fundo disso, Gregor - o bispo respondeu, sua voz gélida. A governanta e suas filhas mais velhas não falarão; pensei que talvez as mais jovens pudessem ser inocentes o suficiente para não mentir. - Minhas filhas não são mentirosas - Gregor bradou com a mandíbula truncada. - Se existe feitiçaria em andamento, então elas são as vítimas, e você deveria mostrar-lhes compaixão. Atrás de Rosa, a porta ainda estava aberta, e Galen sabia que Petúnia tinha agora mais proteção do que ele poderia oferecer, então saiu. Rosa olhou à sua volta, assustada, quando sem querer ele esbarrou nela. Galen segurou o fôlego por um momento enquanto ela olhava exatamente através dele. 150
- Você pode continuar interrogando-a, contudo - Gregor disse, enquanto fechava a porta. - Na verdade, pode interrogar todos nós. Juntos! Lá fora no corredor, Galen suspirou aliviado. Removeu seu manto e colocou-o dentro da bolsa de couro, cansado de se esgueirar e ser pisoteado. Ainda conseguia escutar a voz de Petúnia em sua cabeça, dizendo que ela queria ficar no palácio com "papai e Anne". As palavras dela evocaram em sua mente uma visão da governanta, sentada em sua cama, segurando a frágil corrente de lã, com o cobertor enrolado nos ombros. O cobertor era feito de lã verde-escuro fervida, algo com que Galen estava bastante familiarizado. Os cobertores do exército eram feitos daquele mesmo material, e podiam facilmente ser utilizados para fazer um abrigo ou consertar a parte de dentro de uma bota que estivesse desgastada. Lã cozida dava coceira e era dura, mas os soldados brincavam que ela era a prova de balas, de forma que ninguém poderia atirar em você enquanto dormisse. A prova de balas? Talvez não. Mas, certamente, mais forte que a lã comum. Ele foi até a cozinha e pediu para falar com a cozinheira-chefe. Era uma mulher grande, que dava a impressão de ser uma pessoa de bom temperamento, mas que estava tendo um dia ruim. Ela gritava com a equipe, mas sem entusiasmo, e todos eles se assustavam e se remexiam sempre que ela o fazia, como se estivessem pouco à vontade. - Minha querida senhora - Galen disse calorosamente. - Eu sou Galen Werner. Sou hóspede no palácio já há duas noites e gostaria de parabenizá-la por sua comida. - Você é o jovem jardineiro - ela grunhiu. Então tirou dois biscoitos de uma bandeja com uma espátula e acenou para Galen com eles. - Eu sou. E assumo que você saiba que, agora, sou convidado no palácio? – ele olhou à sua volta, pois não queria que a cozinha inteira soubesse o que planejava. - Sim - a cozinheira respondeu em voz baixa. - Acredito que você veio me pedir algo? - Se a senhora pudesse fazer uma gentileza...? - Não sei ao certo o que posso fazer - ela disse, dando de ombros.
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- Algo muito simples - ele apanhou a corrente de lã. - Gostaria de ferver isto. Com isto, e isto - Ele tirou o manjericão e a erva-rnoura de seu bolso e colocou os três itens sobre a mesa. A cozinheira gorducha ficou boquiaberta. - Você quer ferver os três? - Sim. Se a senhora puder fazer a gentileza. - Por quê? - Temo que não posso responder. Mas se puder colocar tudo em uma panela, cobrir e ferver, esta noite, eu a recompensarei - ele pensou em sua escassa coleção de moedas e percebeu que seria o bastante para uma tarefa tão simples. - E isso ajudará as princesas? - Assim espero. - Tudo bem - concordou a mulher, ainda hesitante. - Eu faço. Mas não será necessário me pagar. - Obrigado. Sentindo que afinal estava ganhando terreno, Galen apanhou mais manjericão e erva-rnoura para seus próprios bolsos e, durante o sermão noturno do Bispo Angier, estava quase de bom humor. Com o apoio de seu pai e irmãs, Petúnia havia saído dos aposentos do bispo com o rosto manchado de lágrimas, mas sua exuberante índole fora apenas levemente tocada. Após o jantar, Galen jogou cartas com Violeta, Íris e Orquídea. Ele forçou a si próprio a bocejar várias vezes, mas não fingiu adormecer até que Violeta tivesse derrotado a todos.
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Areia
E
ntão, de volta ao sofá onde tinha "adormecido" na noite anterior, ele
fingiu seu melhor ronco, enquanto as meninas se preparavam para o baile. A certa altura, percebeu que estava quase começando a adormecer de verdade. Buscando uma agulha de costura de sua bolsa de couro, com uma mão, ele se espetava na perna cada vez que começava a devanear. A seguir, ocultado pelas costas do sofá, apanhou seu manto e já estava nos calcanhares de Rosa assim que a porta no chão se abriu. Conforme desciam as escadarias douradas, o xale branco escorregou dos ombros de Rosa e, sem pensar, ele gentilmente o recolocou no lugar. - Obrigada - ela disse. Então parou de andar e olhou por cima dos ombros com uma expressão meio de temor, meio de surpresa. - Galen? - Rosa? O que foi? - Amor-perfeito aproximou-se e apanhou a mão de sua irmã mais velha, puxando-a para junto das outras que continuavam a descer os degraus. - Nada - Rosa balançou a cabeça como que para clareá-la. - Eu estava pensando... Não importa - levando Amor-perfeito pela mão, Rosa continuou a descer as escadarias. - Era o bom espírito? Isso fez com que Rosa fizesse uma nova parada. - O que você falou? - Eu tenho conversado com um bom espírito durante o Baile nas duas últimas noites - Amor-perfeito lhe confidenciou, seu pequeno rostinho adoravelmente voltado para o alto em direção à sua irmã. - Ele é muito gentil. Me anima quando estou cansada e triste. 153
- E-ele anima? - Rosa! Amor-perfeito! - Junquilho, em pé ao lado das demais princesas no final das escadas, olhava para cima com ar irritado. - Por que vocês estão demorando aí em cima? - Estamos indo - Rosa conduziu a irmã pelos degraus. - Com qual voz a voz do espírito se parece? - ela sussurrou conforme andavam. - Com um espírito! - Então fechou a boca com a mão. - Eu não deveria estar falando sobre isso. É segredo! - ela complementou, sussurrando entre os dedos. Para alívio de Galen, elas chegaram ao portão perolado de prata antes que Rosa conseguisse convencer Amor-perfeito a contar mais. Ele entrou no bote com Junquilho e seu príncipe, que não era tão estoico quanto os demais. - O que você jantou? - ele ofegou. - Como assim? - Junquilho franziu a testa para seu pretendente, enquanto ele remava. - Você está muito pesada; é como se estivesse vestindo ferro por debaixo das roupas - ele observou. - Oh! - Junquilho bateu no ombro do príncipe com seu leque. – Quanta rudeza! Quando o bote atracou na ilha do palácio sombrio, Junquilho pulou dele sem esperar pelo auxílio. Foi para o palácio na frente de todos, com seu príncipe seguindo atrás, pedindo desculpas ao longo de todo o caminho. Rindo consigo mesmo, Galen ficou para trás para colher um pouco da areia negra. Ele a juntou em seu lenço e então colocou o pacotinho dentro da algibeira, em seu cinto. Sedento, ele se serviu de uma taça de vinho quando chegaram ao salão de baile. Reparou que Rosa ainda estava alerta, olhando para os cantos da sala em busca de qualquer sinal de algo fora do comum. O Príncipe Illiken tentava recuperar a atenção dela ao segurá-la ainda mais firmemente por sua cintura fina, o que fez com que Galen tomasse outra taça, e depois mais uma. Por fim, Illiken ficou tão impaciente com sua distraída companheira, que saiu para ir buscar sua própria bebida, deixando-a perto das cadeiras onde Galen fingia ser o "bom espírito" para Amor-perfeito.
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Galen amontoou as taças atrás de uma cortina e se aproximou até puxar a extremidade do xale de Rosa. Ela assustou-se e girou a cabeça. - Olá - ele falou com uma voz grave. - Gostaria de dançar? - Ele percebeu que virar três cálices de vinho na sequência não havia sido boa ideia, mas agora já era tarde demais. - Então você é o bom espírito de Amor-perfeito? - Sou. - Sua voz me é familiar - os olhos dela brilharam. - Pode fingir um ronco, apenas para eu ter certeza? Galen não respondeu. Ele segurou Rosa pela cintura e começou a rodopiar com ela pela pista de dança. Ela manteve os braços abertos e riu, permitindo que Galen a conduzisse em círculos ao redor dos demais dançarinos. Todos olhavam para a moça enquanto ela dançava fervorosamente pela pista reluzente. Eles não conseguiam ver Galen, e quando os dois passaram por Lírio, Galen a escutou dizer que sua irmã devia estar bêbada. Rosa também escutou e deu uma gargalhada. Galen aproximou-se de sua orelha. - O rei pode vir até a superfície? Os príncipes podem subir à luz do dia? A questão moderou a moça, mas não foi capaz de tirar o brilho de seus olhos. - Não e não. O rei não pode sair deste lugar, e seus filhos só podem subir durante a noite. - Eu posso selar o portão pela manhã - Galen falou. - Você nunca mais terá que dançar! - As escadas não se abrem até a meia-noite - Rosa falou, balançando a cabeça enquanto bailava. Grampos voavam de seu penteado elaborado e tilintavam no chão. - Não se preocupe, eu a libertarei - Galen falou. Invisibilidade e vinho estavam deixando-o audaz. - Rosa, eu... - O que é isso? - Sem ser anunciado, o pálido Rei Sob Pedra adentrou o salão de baile e ficou olhando para a vertiginosa Rosa. Atrasadas, as trombetas começaram a soar, mas o rei as cortou com um gesto brusco. - Você está bêbada, garota? Rosa se afastou de Galen e fez uma cortesia vacilante:
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- Por favor, Majestade, perdoe-me. Eu... Me deixei intoxicar com o vinho e a música. O Príncipe Illiken aproximou-se dela, seu rosto branco parecia corado de embaraço. Rosa fingiu se inclinar nele, como se estivesse exausta, e Galen lutou contra seu ciúme. - Entendo - mas agora o rei olhava em torno da sala, desconfiado. Quando seus olhos passaram pelo lugar onde Galen estava, eles hesitaram por um instante, e Galen sentiu suor escorrer pelo seu rosto e costas. - Venha aqui, querida Rosa - disse o rei com um gesto. - O resto prossiga com a dança. Os músicos retomaram seus instrumentos e, mais uma vez, os dançarinos moveram-se pela pista. O Príncipe Illiken, com Rosa ao seu cotovelo, parou ao pé do dossel e olhou para o rei. - Sei que você tem outro jovem aspirando suas saias - Sob Pedra falou. - Não entendo o que quer dizer, Majestade - Rosa respondeu com firmeza. - Não minta para mim, Rosa. Posso estar aprisionado aqui, mas não sou ignorante sobre o que ocorre lá em cima - ele apontou um dedo esquelético para o alto. - Há um jovem no palácio neste instante - Rosa relutava. - Mas ele é apenas um homem do povo - sua voz tornou-se evasiva. - Um dos jardineiros, se o senhor acreditar! Ela riu, e Galen sentiu-se lavado pela humilhação, mas, ao olhar para o rosto dela, viu a rigidez de sua expressão e os olhos úmidos. Ela suava por causa da tensão necessária para manter aquela atuação perante o rei. - E esse jardineiro espera obter a recompensa definitiva? - Um sorriso cruzou o rosto do rei. - Casar-se com uma bela princesa? - Uma gargalhada arrepiante. Mas, seja como for, todos os seus pretendentes diurnos eram gente do povo, se comparados aos meus filhos. Seu jardineiro deveria sentir-se honrado: ele não irá se casar com uma princesa, mas morrerá como um príncipe. Novamente o rei riu, e Galen sentiu-se nauseado. - E-ele m-morrerá? - Rosa engoliu em seco.
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- Certamente. Antes que o mês acabe, ele será punido por sua audácia, assim como os outros. Como será? Um duelo? Um acidente a cavalo? - O rei se divertia. Me dará prazer despachá-lo da mesma forma que fiz com aqueles nobres tolos. Terei que pensar no assunto. Ser atropelado pela carroça de um fazendeiro seria uma morte indigna para aquele que aspira tão alto. - Então... Foi você? Os príncipes... - Rosa desesperou-se. Estremecendo, puxou o xale branco mais próximo dos ombros, em parte para a satisfação de Galen. Ela reverenciou o rei e se afastou no braço de Príncipe Illiken. Galen os seguiu, tentando não pensar na forma que morreria. - Você não deve ficar zangada com meu pai - Illiken falou com voz seca. - Eu... - Rosa começou a dizer algo, então somente balançou a cabeça e olhou ao longe. O Príncipe Illiken parou, e Galen saltou para trás, bem a tempo de evitar pisar no cano do sapato do príncipe. - Quem é esse homem do povo que a corteja? - A leve curiosidade foi o máximo de emoção que Galen escutou de Illiken. Curiosidade e... Poderia ser ciúme? - Ele não me corteja - Rosa falou, mas o tom de sua voz era apreensivo, e algo mais que Galen não conseguia identificar. - Mas ele quer saber seu segredo? - Bem, sim. - E se conseguir, casará com uma de vocês? - Os olhos sombrios de Illiken se estreitaram. - Ele se ofereceu a fazê-lo sem... Bem, sem a recompensa - Rosa disse defensivamente. - Somente pela bondade em seu coração. Claro, meu pai provavelmente lhe daria qualquer coisa que quisesse se descobrisse o segredo - ela levantou o queixo. - Ele não descobrirá - Illiken afirmou. - E ainda que o faça, não tem como ajudá-las - Então, sem aviso, ele agarrou Rosa e a tirou para a próxima dança. Ela tropeçou, mas ele a segurava tão firme que a impediu de cair, embora a moça tenha demorado diversos passos vacilantes até se acertar na dança apropriadamente.
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- Imbecil - Galen falou em voz alta e pensou em diversas outras coisas que gostaria de chamar Illiken também. - O que você disse? - A mulher que estava atrás dele voltou-se para seu parceiro, confusa. - Não falei nada - o outro respondeu. Ao que ambos se moveram, indo juntar-se aos demais dançarinos, Galen assoprou o pescoço da mulher e a fez estremecer. O vinho que ele bebera estava se agitando amargamente em seu estômago, e ele sentia uma dor de cabeça latente. Sentou-se em sua cadeira de "bom espírito" e tentou não fazer movimentos bruscos por um período. Perguntou-se se Walter seria capaz de protegê-lo de Sob Pedra, caso o rei realmente tentasse causar sua morte. Galen tinha suas suspeitas quanto ao velho jardineiro e quanto a quem ele era de fato. Se Walter fizera algo em prol das princesas amaldiçoadas, não havia funcionado. Mas, mesmo assim, Walter se importava com cada uma delas. Galen foi forçado a sair da cadeira um instante depois, quando alguém quase sentou em seu colo. A extremidade de seu manto tocou na mão do cortesão de rosto pálido na hora em que ele se esgueirava, e o homem levantou-se de repente e saiu do salão, em vez de sentar-se. Praguejando para si mesmo, Galen arrumou seu manto e ficou em um canto até que o baile terminasse. Na hora em que as garotas receberam permissão para sair, Amor-perfeito e Petúnia estavam tão cansadas que seus príncipes tiveram que carregá-las. Galen se preparou para entrar no barco de Junquilho para ver se seu príncipe iria, novamente, comentar sobre o peso da garota. Contudo, antes que qualquer um deles pudesse zarpar, o Rei Sob Pedra saiu apressado de dentro do palácio, o rosto pálido enraivecido. Atrás dele, estava o homem que quase sentara-se sobre Galen. - Alto - berrou o rei. - Alto! Intruso! - Em uma mão ele segurava uma taça e, na outra, um galhinho murcho de erva-rnoura. Erguendo os itens incriminadores, o rei falou: - Os lábios de um humano tocaram este cálice! Erva-rnoura foi trazida ao meu lar! Onde está ele? Galen procurou freneticamente em seus bolsos e sob a lapela. O manjericão ainda estava lá, mas a erva-rnoura havia caído. Somente o alfinete restara.
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Terríveis olhos negros investigativos passaram sobre Galen e então retomaram. Apesar do manto, o Rei Sob Pedra podia vê-lo. Um dedo longo apontou, os lábios pálidos do rei se retorceram em palavras que arderam e dilaceraram os ouvidos de Galen, como balbucios de um louco. O jovem ouviu as princesas gritarem vagamente, e sentiu um vento frio cair sobre si. O mundo escureceu e, nas trevas, Galen escutou claramente a voz do Rei Sob Pedra: - Você morrerá quando a Lua estiver cheia novamente!
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Motim
G
alen acordou com o som de batidas pesadas na porta da sala de estar das
p-r-incesas. Grogue, ele se levantou e titubeou até a porta, sem compreender quando o guarda do palácio, que estava batendo, olhou através dele intrigado e chamou a Princesa Rosa. - O que é isso? - Maria, a camareira-chefe, saiu de dentro de um dos quartos, o cabelo despenteado e o vestido amassado. - O que está acontecendo, capitão? Ela passou por Galen como se ele não estivesse lá. Só então Galen percebeu que ainda estava usando seu manto de invisibilidade. Ele teria que se esgueirar até o hall e se trocar em um quarto. Não queria simplesmente reaparecer na frente dos servos ou das princesas... Os eventos da noite anterior sacudiam a sua mente. O Rei Sob Pedra o tinha visto. Galen estaria morto antes da próxima Lua cheia, o que seria dali a três dias. E Rosa... Galen havia adormecido no meio do carpete com desenhos dourados. Se as princesas tivessem retomado, elas teriam tropeçado nele. Se elas tivessem retomado. Ignorando os sussurros do guarda e da camareira, Galen foi até a porta do quarto de Rosa e espiou. As camas encontravam-se perfeitamente arrumadas, e uma das camareiras ainda estava atolada em um sofá no canto. Não havia sinal de princesa alguma. Galen entrou no quarto, tirou seu manto, e voltou correndo, gritando: - As princesas sumiram! Maria e o guarda olharam para ele pasmos.
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Galen foi até os outros quartos e abriu a porta. Lá, viu outra criada que tinha acabado de acordar, e mais uma fileira de camas vazias: - As princesas sumiram! - O quê? - Compreendendo o que ele havia dito, Maria e o guarda se juntaram a Galen na busca pelos quartos. Havia quatro criadas e nenhuma princesa. - Elas foram feitas reféns - o guarda falou, cruzando os braços. - A multidão deve ter invadido. - Que multidão? - Galen olhou para ele. - O povo da cidade está se rebelando - o guarda respondeu. De repente, Galen percebeu que aquilo era o que o guarda viera relatar no quarto das princesas. - Eles exigem que a senhora Anne seja enforcada e a Interdição retirada – o guarda olhou à sua volta desconfortável. - Toda essa conversa sobre bruxaria e as princesas matando aqueles príncipes estrangeiros... E ainda serem impedidos de enterrar seus mortos ou receberem os ritos sagrados... Mas Galen balançou a cabeça, colocando essa informação de lado. Nada daquilo importava agora. O Rei Sob Pedra tinha Rosa, e ele jamais permitiria que ela ou suas irmãs deixassem seu reino novamente. - Tenho que falar com o rei - Galen disse urgentemente, saindo da sala de estar com os outros dois em seus calcanhares. O Bispo Angier estava com o Rei Gregor, claro. Assim como o primeiro ministro e o resto dos conselheiros do rei. O rosto do rei ficou intrigado ao ver Galen adentrar a sala com Maria e o capitão da guarda. Ele olhou para o corredor, além deles: - Mestre Werner, onde estão minhas filhas? - Elas não estão aqui, Majestade - Galen respondeu, curvando-se. Ele não queria explicar nada na frente daquelas pessoas. - Alguém as tomou como reféns, senhor - o capitão falou abruptamente. - Esta pessoa diz saber quem foi. A sala entrou em erupção com as notícias. Os ministros começaram a balbuciar, acenando os braços e apontando para as janelas. Galen esticou o pescoço e conseguiu ver um regimento de guardas parados em formação no pátio logo abaixo. 161
- Silêncio! - o rei gritou. - Silêncio, todos vocês! - Ele se adiantou e segurou firme no ombro de Galen. - Quem levou minhas filhas? Galen respirou fundo. - A mesma criatura que as força a dançar noite após noite, Majestade. O Rei Sob Pedra. O primeiro ministro deixou escapar uma gargalhada de contrariedade. - Tire-o daqui, capitão - ele falou. - O rapaz enlouqueceu. Ou é um tolo. Ou ambos. - Ou ele está de intrigas com os outros insurgentes - disse outro ministro. Leve-o ao interrogatório. Os olhos de Galen jamais se desvencilharam dos do rei. No rosto do Rei Gregor, Galen pôde ver que ele compreendia que aquilo era verdade. Terror cintilava em seus olhos. - Você tem provas disso - o Rei Gregor disse, em um suspiro seco. Não era uma pergunta. Galen buscou a algibeira em seu cinto, colocando de lado o esquisito manto púrpura que trazia amarrado à cintura. Mãos rígidas seguraram os braços de Galen por detrás. - Não se mova - o capitão disse com uma voz grave. - Majestade, afaste-se. - Leve-o aos meus aposentos - Angier falou, acenando para o capitão. – Irei interrogá-lo mais tarde. - Bispo Angier, tenho que falar com este garoto - o Rei Gregor protestou, afastando-se de Galen ao mesmo tempo em que o capitão começou a puxá-lo para trás. - Eu disse para levá-lo daqui! - Angier gritou. O capitão enganchou-se nos braços de Galen e começou a conduzi-lo para fora da sala. O jovem debateu-se, mas não conseguia escapar da pegada. - Todas as noites as princesas descem uma escadaria dourada em sua sala de estar - Galen gritou. - Elas atravessam uma floresta prateada, são conduzidas por um lago negro até um palácio onde dançam com doze príncipes, filhos do Rei Sob Pedra! A Rainha Maude foi enganada! - A esta altura eles já estavam no corredor, e a porta havia sido fechada atrás de ambos. 162
- Cale-se - o capitão falou e bateu na parte de trás da cabeça do prisioneiro. Galen se retorceu para escapar da pegada do capitão e depois, finalmente, conseguiu se desvenciliar, Com um movimento rápido, jogou o manto de invisibilidade sobre si e apertou a gola. O capitão engasgou quando Galen desapareceu diante de seus olhos, e o jovem afastou-se lentamente do homem, mantendo-se no centro do corredor, sobre o carpete, de forma que suas botas não fizessem barulho. Escondendo-se na primeira sala que encontrou, ele fugiu dos gritos do capitão ao que esse alarmava todo o resto da guarda. Percebendo que estava na sala de música que dava vista para os portões, Galen circundou o piano e se inclinou sobre um pequeno sofá próximo à janela. O regimento de soldados que estava no pátio não havia se movido, e agora ele conseguia ver os portões além dele. Parecia que a cidade inteira de Bruch estava ali, balançando os punhos e bradando em uníssono: "Enforquem a bruxa!". Galen deu meia-volta e voltou para o corredor. O guarda estava mais à frente no hall, abrindo e fechando portas, procurando por ele. Em silêncio, Galen passou pelo guarda e desceu as escadarias até a cozinha. Nas sombras, bem em frente à porta da cozinha, ele tirou seu manto e guardou-o na bolsa de couro. Contando com o fato de que a cozinha seria o último lugar a receber a notícia de que ele estava sendo procurado, Galen entrou como se não tivesse mais nada a perder. A cozinheira-chefe acenou para ele por cima do fogão, no canto mais distante, onde uma grande panela borbulhava. - A corrente encolheu - ela sussurrou. - Era para acontecer isso mesmo - ele lhe assegurou. Com uma colher de madeira, ela pescou a lã preta, enrolou em uma toalha para escorrer o excesso de água e entregou-a ainda úmida para Galen. Ele testou os elos com o dedo cuidadosamente. Estavam mais duros, porém menores. Não era mais possível passar um dedo pelos pontos. Na verdade, a lã parecia sólida: não havia mais pontos. Estava exatamente da forma como ele queria, tinha até mesmo o cheiro penetrante das ervas com que ela havia sido fervida. - Minha querida senhora. Você é uma joia - Galen falou.
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Ele beijou-lhe a bochecha, colocou a corrente na bolsa de couro e saiu da cozinha para o jardim. Apanhou novas ervas de manjericão e erva-rnoura pela última vez, ou ao menos assim esperava, e então usou as heras para escalar os muros do jardim. Chegou a considerar vestir o manto de novo, mas as ruas na parte de trás do palácio estavam desertas. Dirigindo-se até a casa de seu tio, viu que havia lama espalhada no estuque rosado e os batentes das janelas do andar térreo haviam sido arrancados e jogados no meio das ruas. Parecia que, incapazes de alcançar o palácio em si, alguns dos insurgentes descontaram sua ira na casa dos Orm. A porta estava trancada, e Galen não tinha chave, então bateu. Levou alguns momentos até que alguém respondesse, mas, afinal, tio Reiner abriu uma fresta com uma expressão desconfiada no rosto. Ao ver que Galen estava só, ele grunhiu e ficou de lado para deixá-lo entrar. - O senhor está bem? - Galen perguntou. - E tia Liesel e Ulrike? Reiner fez sinal que sim. - E quanto aos outros jardineiros? Walter? - Enviei uma mensagem para que Walter e os demais ficassem em casa por ora - Reiner resmungou. - Eu mal havia descido dois degraus esta manhã quando uma plebe furiosa me atropelou. Eles invadiram o palácio? - Ainda estão do lado de fora dos portões. Mas não sei quanto tempo irão se contentar em simplesmente protestar. Reiner meneou, seu rosto estava sombrio. - E pensar que precisou chegar a isso - ele murmurou. - Jogar lama e pedras em minha casa, gritar obscenidades na frente do palácio... Uma desgraça! Ulrike desceu as escadas e seu rosto brilhou ao ver Galen: - Oh, graças aos céus! - Ela correu até ele e o abraçou. - Por favor, diga que voltou para ficar. - Temo estar aqui só para pegar algumas coisas. Depois, tenho que retomar ao palácio - ele disse gentilmente. - Não fará nada do gênero - tio Reiner esbravejou. - Você já me humilhou ao se envolver com essa excentricidade das princesas e não permitirei que isso siga além. Você tem que manter a cabeça baixa e trabalhar nas tarefas que lhe são 164
atribuídas: revolver o solo e cuidar das coisas do jardim do rei. Esqueça essas princesas com seus estranhos comportamentos. - Não se trata do jardim do rei, e as princesas não têm comportamentos estranhos - Galen disse. - A rainha é que tinha. O jardim era para ela e toda essa bagunça - Galen fez um gesto amplo com os braços. - É por causa dela também. - Não falamos mal dos mortos nesta casa, garoto! - tio Reiner alertou-o. - Ela amaldiçoou as próprias filhas - Galen respondeu, sua voz tornando-se calorosa. - Amaldiçoou-as desde o dia em que nasceram. Até mesmo me pergunto se o Rei Sob Pedra não começou a guerra para que pudesse fazer um pacto mais sólido com ela. - Do que você está falando? - O rosto de Reiner foi da raiva para a confusão, e Ulrike estava com a boca aberta. Porém, Galen não podia parar. Ele não tinha dormido mais do que poucas horas nos últimos dias, e todas as coisas que testemunhara se acumulavam em sua cabeça. Além disso, os gritos e berros da multidão o tinham levado de volta aos dias de guerra. - A guerra, a dança, os rumores de bruxaria, tudo se resume nisso: o Rei Sob Pedra quer Rosa e suas irmãs para seus filhos, e ele não se importa com quantos mortais tenham que morrer para isso acontecer - Galen encarava tio Reiner com as mandíbulas trincadas. - Pare de delirar, garoto - Reiner falou. - Vá para seu quarto deitar-se. Quando tudo isso terminar, verei se deixarei você voltar ao trabalho. Vá! Galen foi, mas não se deitou. Mudou de roupa e vestiu novamente seu uniforme de guerra. Em um desgastado cinturão pesado usado sobre seu casaco azul, ele prendeu um par de pistolas e uma faca longa. Outra faca foi escondida na bota direita. Esvaziou sua bolsa de couro e colocou dentro as agulhas de prata, o cálice e a algibeira com a areia negra. Por cima, colocou pólvora reserva e munição para as pistolas e seu rifle. Vestiu a bolsa de couro, certificando-se de que ela não interferiria nas pistolas. Colocou o rifle no ombro e jogou o manto por cima. Novamente invisível, desceu as escadas e passou pelo hall de entrada. Conforme atravessava a sala de estar, pôde ouvir os murmúrios da voz de Reiner e escutou seu nome ser mencionado:
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- Ele se meteu em problemas, Liesel - Reiner dizia. - Se não fosse parte da família... - Mas ele é - Veio a voz flutuante de tia Liesel. - E temos que ajudá-lo. - Quem disse que ele se meteu em problemas? Estava apenas tentando ajudar suas amigas - Essa era Ulrike falando. - Você não entende - Disse Reiner. - É a mesma coisa que aconteceu com Heinrich. Galen e aquela princesa mais velha... Mas Galen não esperou para escutar mais. Não havia nada a ser dito que pudesse convencer Reiner de que Rosa era inocente, e de que Galen só estava tentando ajudá-la. A única coisa a ser feita era dar um fim naquilo e libertar as princesas de sua maldição. Galen saiu pela porta da frente e ganhou as ruas.
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Angier
D
os jardins, o palácio inteiro parecia estar em ordem. Não havia sinal da
multidão ou qualquer outra pessoa que importasse. Galen ficava esperando ver Walter aparecer mancando pelas trilhas com um carrinho de mão, assobiando uma melodia alegre. Mas o velho parecia ter seguido o conselho de Reiner e ficado em casa. Galen passou pela porta da cozinha com um aceno e um sorriso para a cozinheira e subiu as escadas para o quarto das princesas. Se o tapete realmente não abrisse a passagem durante o dia, ele procuraria Walter em sua casa. Havia um guarda bloqueando a porta de entrada. Galen meteu as mãos nos bolsos e escondeu as pistolas nos quadris. - Se importaria se eu entrasse e desse uma olhada? - Ninguém pode entrar - o guarda respondeu, olhando para o uniforme de Galen e seu mosquete. - As princesas não retornaram, certo? - Galen achava aquilo improvável, mas queria saber por que alguém estava tomando conta de um quarto vazio. - Ainda não - e um toque de preocupação coloriu sua voz. - Olhe, jovem jardineiro... Ou o que quer que você seja: apenas siga seu caminho. Não há nada que você possa fazer aqui. - Tudo bem - Galen respondeu, mostrando-se relutante. Ele voltou pela cozinha e seguiu para o lado sul do palácio. Vestindo o manto novamente, escalou com cuidado as treliças cobertas por heras e adentrou a sala de estar das princesas pela janela destravada.
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Lá dentro, ele encontrou o Bispo Angier espalhando as joias das princesas sobre a mesa de cartas. O barulho que as botas de Galen fizeram ao raspar o peitoril da janela e ao aterrissar no chão fez com que o bispo olhasse para cima. Diretamente para Galen. -Ah, o soldado que se tornou jardineiro. Eu deveria saber - o bispo falou. Galen congelou, chocado. Ainda mais bizarro, o bispo sacou uma pistola de sua túnica e mirou o coração de Galen. - Por favor, retire-a. Vendo a consternação de Galen, o Bispo Angier ergueu sua mão esquerda para mostrar um anel grosso com uma grande pedra roxa. Ele sorriu: - As ferramentas de um caçador de bruxas são diversas e variadas. Por exemplo, a ametista me permite ver através de encantos. Eu não havia me importado com isso até agora, contudo. As princesas pareciam mais teimosas do que espertas. Mas você, com seu sorriso tolo e suas agulhas de bordar... Sabia que não podia ser tão tolo quanto parecia. - Oh! - Galen falou. Foi tudo o que conseguiu dizer. - Seu manto - Angier lembrou-lhe. - Gostaria de olhar dentro de seus olhos mais confortavelmente. Galen removeu-o e dobrou-o sobre um braço. - Venha comigo - Angier falou. Galen foi até onde ele ordenou: seguiram pelo corredor, passaram pelo guarda surpreso, que Galen percebia agora estar lá para impedir que o bispo fosse interrompido, até chegarem aos aposentos do homem. Angier fez sinal para que ele se sentasse em uma cadeira e então se sentou, ele próprio, de frente para Galen, ainda com a pistola em mãos. A sala de estar dava para os jardins frontais, onde a multidão estava quando Galen entrou, um pouco mais cedo. Contudo, não havia gritos agora, e Galen se esticou para espiar lá fora, sem se levantar da cadeira. - Não precisa ter medo da multidão - Angier falou, seguindo o olhar de Galen. - Eu cuidei dela.
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Galen teve um arroubo de desconfiança. - Como? - Assegurei-lhes que a bruxa será enforcada amanhã pela manhã e que a Interdição será revogada assim que eu estiver seguro de que não há mais mácula na casa real - o bispo respondeu calmamente. - Prometi que rezaria a missa no próximo domingo - ele sorriu. - Uma semana dará tempo suficiente para o rei abdicar, não acha? - Abdicar? - Galen estremeceu. - Mas o rei é inocente! Assim como a senhora Anne! - Claro que ela é - Angier falou, encolhendo os ombros. - Mas nós não podemos enforcar a rainha morta, podemos? E a abdicação do rei será um golpe, estou certo, mas com o tempo as pessoas enxergarão a sabedoria nisso tudo. Toda a família real está maculada pela feitiçaria, o que a torna incapaz de governar uma nação temente a Deus como Westfalin. Os pensamentos de Galen se turvaram. Angier não estava mentindo: o bispo ia mesmo executar Anne e pressionar o Rei Gregor para abrir mão da coroa. Galen engoliu amargamente e se concentrou na pistola apontada para si. Ele tinha que sair dali, e rápido. Já passava do meio-dia, e ele não tinha ideia do que estava acontecendo com Rosa no reino de Sob Pedra. - Sua Graça - Galen falou o mais calmo que conseguiu -, por favor, eu só quero ajudar as princesas. - Ajudar? Com seu manto mágico imundo? É provável que você as esteja escondendo de mim! Galen decidiu jogar as cartas sobre a mesa. Ele precisava que o bispo estivesse do seu lado: - Não, Sua Graça! Juro que não sei nada sobre mágica. Só o que quero é salvar as princesas do Rei Sob Pedra. Recebi este manto de uma feiticeira que ajudou a aprisioná-lo. - O Rei Sob Pedra - Angier regurgitou. - Um conto de fadas usado por bruxas nojentas para encobrir suas terríveis maquinações. Jamais existiu um Rei Sob Pedra, garoto. Não passa de um monte de mentiras. Então com quem Maude barganhou? - Galen apontou para o diário sobre a mesa com seu queixo.
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Um erro. O bispo inflou como um sapo-boi. - Vejo que você tem me espionado com seu manto - ele sibilou. - Diga-me agora onde estão as princesas. - Já disse: elas estão no reino onde Sob Pedra está aprisionado! - Mentiroso - Angier uivou. - Você tem a prova bem aqui, no diário da Rainha Maude - Galen falou acaloradamente. - Precisa me ajudar a libertá-las! - Abominações e mentiras! - Angier meneou, as mandíbulas tremendo. - Você será enforcado por bruxaria, garoto, mesmo que eu não possa provar que você abduziu aquelas pobres jovens enganadas. - Eu jamais as machucaria. Tenho tentado juntar informação para ajudá-las. Por isso vim aqui ontem... - Galen parou quando o bispo olhou além dele. - Obrigado, capitão, nós terminamos - Angier falou, abaixando a pistola. Galen girou a cabeça, uma mão na pistola em sua cintura, para ver... Nada. Não havia ninguém atrás de si. - Garoto imbecil- Angier gargalhou. Então a cabeça de Galen explodiu de dor quando o bispo o acertou em cheio na parte detrás do crânio com a coronha de sua arma. Galen caiu de cara no chão sobre o exuberante carpete vermelho. Pelo tecido que parecia ter sido enrolado em volta de sua cabeça, ele escutou Angier gritar por socorro, dizendo que o jardineiro louco o havia atacado. As trevas o enganaram, e Galen perdeu a consciência.
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Prisioneira
R
osa e suas irmãs jamais haviam ficado no Palácio de Sob Pedra após o
baile. Até mesmo o lavatório preparado para elas com urinóis e bacias para se lavarem ficava imediatamente após o hall principal, tornando desnecessário que elas se aventurassem para longe do baile. Agora, contudo, estavam nas entranhas do palácio, e Rosa tinha decidido que seus aposentos eram dificilmente mais aconchegantes e acolhedores do que o salão de baile. Tudo era negro. Ou roxo escuro. Ou azul-marinho. Havia alguns lampejos ocasionais prateados: as lamparinas e os detalhes de prata dourada em algumas cadeiras. Mas fora isso, tudo era escuro, ostentava as cores das sombras, das aranhas e do crepúsculo. Elas próprias haviam sido despidas de suas cores e recebido guarda-roupas com vestidos de baile, matutinos e vespertinos, pretos, roxos e azul-escuro. - Eu quero um vestido rosa - Amor-perfeito soluçou. Ela ficara tão exausta na noite anterior que não tinha protestado quando Lírio, dispensando as estranhas e silenciosas criadas, pusera-lhe um vestido noturno transparente e inapropriado, e deitara-lhe na cama de madeira. Mas agora era manhã, embora não houvesse luz do Sol para iluminar, e Amor-perfeito se recusava a colocar qualquer um dos vestidos fornecidos. - Não quero usar esse também - Petúnia disse, desvencilhando-se de Junquilho, que estava tentando vesti-la com um vestido roxo. - Ele é feio e cheira mal. Onde está meu vestido amarelo? Rosa não podia culpá-las. As vestes de fato tinham um cheiro esquisito - como rochas e areia e algo mais que não era agradável. E os tecidos eram frios, escorregadios e estranhos. Ela teve que reprimir um calafrio de repugnância ante a sensação de seu próprio vestido índigo quando este deslizou por sua cabeça e desceu pelos seus ombros.
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Seu único conforto era o xale feito por Galen. As servas silenciosas também tentaram levá-lo, mas Rosa silvou para elas que se o xale fosse tomado de si, ela faria com que todas fossem decapitadas. Alguma coisa no rosto da moça convencera as servas, ou talvez aquela não fosse uma punição incomum para criados do Rei Sob Pedra, pois elas deixaram o xale em paz. Suas irmãs não foram tão ferozes ou sortudas. - Esses calçados não me servem - Lilás reclamou, segurando um par de sapatilhas de couro negro. - Tente os de Íris - Rosa falou. Ela apanhou Petúnia quando esta tentou arrastar-se para debaixo da cama e segurou seus braços enquanto Junquilho tentava passar o vestido pela cabeça da menina. - As sapatilhas do senhor Schmidt são bem melhores - Orquídea anunciou. - Claro que são. Ele já fez centenas para nós - Lilás falou. - Fique parada! - Rosa gritou para Petúnia. - Seu vestido amarelo se foi; você tem que usar este! Suas irmãs congelaram e olharam para ela. Rosa nunca gritava. - Escutem - ela falou, fazendo o melhor possível para moderar seu tom, mas ainda soando zangada. - Não interessa se as roupas têm cheiro estranho ou não servem. Vamos ter que nos acostumar com isso! Vocês não entendem? Jamais vamos deixar este lugar! Nunca mais veremos o Sol, o jardim de mamãe, ou nosso pai. Nunca mais! Ela colocou Petúnia meio-vestida no chão e se afastou. Não sabia para onde estava indo até sair e seguir pelo longo corredor. Ele estava vazio e horrivelmente silencioso. Rosa continuou a andar. Eventualmente chegou até uma porta que não estava fechada. Além dela, pôde ver um cômodo que espelhava aquele que ela havia saído: longo, estreito e com doze camas altas. Illiken e seus irmãos estavam sentados nos diversos sofás, tocando estranhos e estridentes instrumentos, lendo livros ou simplesmente parados observando. Rosa entrou. Os príncipes a encararam, então ficaram de pé como se fossem apenas um. Illiken se adiantou, após alguns cutucões de seus irmãos.
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- Rosa, o que você está fazendo aqui? Não deveria estar em seu quarto? - Isso importa? - Bem, sim. Meu pai não gosta que as pessoas vaguem sem sua permissão. - Nenhum de vocês é muito inteligente, não? Uma faísca iluminou os olhos de Illiken diante das palavras duras de Rosa. - Papai não gosta que sejamos muito espertos - ele disse com cuidado, como se a testasse para ver se ela havia entendido. - Ele não aprecia rivais. - Nem você apreciará! - disse o Rei Sob Pedra ao entrar na sala. - Se algum dia chegar ao trono. A pele pálida de Illiken tornou-se um verde esmaecido, e ele e seus irmãos se curvaram. Rosa, entretanto, permaneceu rigidamente ereta. Ela estava cansada de prestar suas homenagens àquela criatura maléfica. - Onde está Galen? - Ela tinha muitas perguntas para fazer ao rei, e surpreendeu-a um pouco que aquela fosse a primeira coisa a sair de sua boca. Ainda assim, era algo tão urgente quanto todo o resto. - O que você fez com ele? - Nada - o rei estendeu suas mãos estranhamente alongadas em um gesto inocente. - O jovem jardineiro goza de perfeita saúde. Por ora. - Então cairá de um cavalo ou escorregará no chão molhado? De forma que você não precise sujar suas mãos? - Rosa escarneceu. Ele sorriu de forma gélida. - Manter as mãos limpas; manter a inocência. Não é essa a forma de ser dos humanos? - E o que você sabe disso? - Muito. Afinal, já fui humano - o rei fez um sinal para seus filhos que estavam em silêncio à sua volta. - E as mães deles eram todas humanas, assim como a sua mãe e você. E seus filhos e os filhos de suas irmãs serão um terço humanos - o rei riu. - Que alegria me trará saber que meus netos serão livres para andar à luz do Sol. Rosa pensou que estava além do medo, mas estava errada. Diante daquelas palavras, um surto gelado de terror atravessou-a, e ela ficou paralisada, prestes a desmaiar, imaginando seus filhos andando pelas ruas de Westfalin para cumprir as vontades do Rei Sob Pedra. Illiken segurou-a, apoiando-a com suas mãos duras e frias. Ela se soltou dele e apoiou-se no sofá. 173
- Não ficarei aqui - ela disse, odiando o tremor em sua voz. - Não me casarei com Illiken. Não serei a mãe de seu filho... Você não pode me obrigar! - Oh, mas eu posso - o Rei Sob Pedra falou num tom razoável. - Em uma semana você se casará com Illiken e jamais verá a luz do Sol novamente, querida Rosa. Não entende isso? A esperança ainda tremulava em Rosa: - Mas você tem que nos deixar partir, é esse o trato. Nós dançamos, então vamos para casa e, quando os anos terminarem, seremos livres. Você está tão preso ao contrato quanto nós. - Contratos podem ser quebrados se a pessoa estiver disposta a pagar o preço - o rei ronronou. - O que é uma vida em troca de doze? - Ele estendeu o braço e golpeou a bochecha de um de seus filhos, cujos olhos se abriram de terror. - Então - agora Rosa sentia-se nauseada, além de enfraquecida. - Um de seus filhos morrerá por causa disso? - A pena por quebrar o contrato é uma vida - o rei encolheu os ombros. – E não pretendo que seja a minha própria - ele empurrou o príncipe para longe. - Agora vá para seu quarto e fique lá! - ele ordenou a Rosa, toda a gentileza havia desaparecido de sua voz, restando apenas a dureza da pedra. Rosa partiu. - Você está bem? - Lírio olhou para o rosto de Rosa e ajudou a irmã mais velha a sentar-se no sofá. - O que aconteceu? Ela contou tudo às suas irmãs, sem omitir detalhe algum. Elas tinham que saber. Era direito delas e também seu fardo. Ao terminar, todas estavam chorando. - O que faremos agora? - Violeta se lamentou, sentada próxima a Rosa. Estamos presas aqui para sempre! - E Galen morrerá - Rosa falou suavemente. - E teremos que nos casar com os príncipes. - Exceto com aquele que morrerá como forma de punição – Crisântemo pontuou. - Tomara que seja Blathen - Blathen era o parceiro dela no Baile da MeiaNoite.
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- Ele terá outro filho - Rosa respondeu, tendo visto claramente as intenções do rei. - Com outra infeliz mulher. E então, você se casará com um bebê. - Por que são sempre doze? - Orquídea queria saber. - Doze o quê? - Lírio devolveu a questão da irmã. - Doze de nós. Doze deles. São tantos... Rosa juntava todas as peças em sua cabeça. - Havia doze feiticeiros que aprisionaram o rei aqui - ela disse. - E se cada uma de nós tiver um filho, haverá doze crianças metade humanas e metade feiticeiras para uso do rei. Ele as utilizará para escapar de sua prisão. Tenho certeza! Todas estremeceram. Elas jamais tornariam a ver seu pai. A pobre Anne será enforcada como bruxa, e Galen, morto. E elas aprisionadas ali, ano após ano, com ele e seus filhos carrancudos e silenciosos. Lágrimas caíram dos olhos de Rosa, embora ela tivesse decidido que não iria chorar. Pela primeira vez, entendeu o que Lírio havia passado quando seu Heinrich morreu e sentiu uma pontada de empatia. - Temos que sair juntas daqui - Rosa anunciou. - Como? - Junquilho devolveu, balançando a cabeça. - Não podemos simplesmente sair pela porta. Alguém nos verá. Eles irão nos impedir e provavelmente nos trancar no quarto. - Vamos esperar até o baile... - Rosa começou, mas Crisântemo a interrompeu: - Não tem como cruzar o lago. Os botes não estarão à nossa espera. Por que estariam? Nós já estamos aqui - ela balançou a cabeça, fazendo dobras em seu vestido negro com dedos nervosos. - Vamos ter que casar com eles, mais cedo ou mais tarde. Havia embaraço em sua voz. - Temos que fazer com que o rei nos deixe voltar, mesmo que seja só por alguns minutos - Rosa falou, pensando fervorosamente. - Se ao menos pudéssemos voltar, acharíamos uma forma de ficar. - E como convencemos o rei a nos deixar voltar? - A voz de Violeta era despida de esperança. - Ele nos tem exatamente onde sempre quis.
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- Mas não onde ele quer estar - Rosa respondeu. - O quê? - Lírio franziu a testa, e Violeta balançou a cabeça. - O que quer dizer, Rosa? Você sabe que o rei não pode sair no mundo da luz do Sol. - Que Deus seja louvado - Jacinto disse e murmurou uma oração. - A não ser que eu o convide - Rosa falou. A oração nos lábios de Jacinto foi estrangulada. As mais jovens não entenderam, porém, as mais velhas, sim. E todas ficaram encarando Rosa com terror nos olhos. Por fim, Lírio falou com voz insípida: - Você não pode... - Posso. E vou. O Rei Sob Pedra só pode subir ao mundo mortal com um convite e somente uma hora por vez, certo? Então o convidarei a conhecer nosso pai. E acharemos uma forma de ficar para trás quando ele partir. - E se ele descobrir uma forma de ficar? - Junquilho apontou um dedo trêmulo para Rosa. - Pensou nisso? - Bem, acho que seria um risco - a irmã admitiu. - Mas é um risco que precisaremos correr se quisermos ver nosso pai novamente. Se quisermos tornar a ver o Sol! Lírio levantou-se e foi até Rosa. Tomou sua mão e olhou intensamente para o rosto da irmã. - Você está se sentindo bem, Rosa? Sente uma febre chegando? - Não! - Rosa respondeu, puxando a mão. Olhou desesperadamente para Lírio e as outras. - Não conseguem ver? Temos que sair daqui! Não me importa se tivermos que convidá-lo para nossa casa. Morrerei antes de me casar com Illiken. - Eu estou com Rosa - Violeta falou convicta, pondo-se de pé e indo para o lado da irmã. - Eu também - Crisântemo concordou. - E Margarida também - Ela puxou sua irmã-gêmea com força. - Crisântemo, eu não sei se... - Oh, me desculpe. Você quer se casar com Tirolian? A boca de Margarida fechou-se com um dique inaudível.
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- Nós estamos com Rosa - Crisântemo reafirmou. O conjunto mais jovem também se levantou. - Nós não queremos nos casar com ninguém, jamais - Orquídea anunciou pelas três. - Mas Rosa - Lírio protestou -, com certeza há alguma maneira melhor do que essa. - Então vou nos dar uma semana para descobrir - disse Rosa. - Mas daqui a seis dias, contando a partir de hoje, a não ser que alguém tenha alguma ideia, eu convidarei o Rei Sob Pedra para uma xícara de chá com nosso pai.
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Guerreiro
G
alen acordou com o rosro sobre uma superfície lisa de madeira e a
cabeça latejando terrivelmente. Teve a impressão de ter sido despertado por um barulho, mas agora não conseguia se lembrar que barulho teria sido esse. Com os olhos turvos piscou e tentou olhar à sua volta, mas tudo estava escuro. Entrou em pânico por um momento, perguntando-se se o golpe o havia deixado cego, mas logo percebeu que estava apenas... Escuro. Grunhindo, tentou sentar-se, mas seus braços e pernas estavam amarrados. Contorcendo-se até que ficasse ao menos mais confortável, ele bateu a cabeça na parede, depois os pés, e percebeu que estava em um armário ou algo similar. Agora que havia mudado de posição, podia ver um pequeno brilho de luz pela porta. Ele forçou-a, mas ela não se moveu. Suas mãos estavam atadas na frente, o que facilitou bastante alcançar sua bota direita e puxar a faca que havia escondido lá. Todas suas outras armas haviam sido tiradas de si, mas, aparentemente, esqueceram de olhar suas botas. Conforme usava a lâmina para cerrar as cordas ao redor dos pulsos, ele abanou a cabeça, reprovando a frouxidão com que tinha sido amarrado. Suas amarras se partiram, e ele foi para a corda que prendia seus tornozelos, segurando a faca de forma esquisita entre seus dedos tesos. Ele se cortou enquanto cerrava as cordas dos pulsos e deixou a faca cair, tendo que procurá-la no escuro para conseguir libertar os pés. Afinal, o fez. Embainhou a lâmina cuidadosamente, levantou-se e examinou sua prisão. Era com certeza um guarda-roupa, trancado pelo lado de fora. Ele gritou e chutou a porta, e então ficou escutando atentamente. Não houve resposta do lado de fora, ou mesmo qualquer rebuliço que pudesse ouvir, portanto, concluiu que estava só. - Bom - grunhiu.
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Galen sentou-se bruscamente com as costas apoiadas e colocou os pés na porta. Recolhendo os joelhos, desferiu um potente chute e sentiu que ela cedera um pouco, com um som de satisfação. Chutou novamente, e uma terceira vez, até que a porta se estilhaçou e se abriu violentamente para o lado de fora, ficando pendurada por uma dobradiça. Galen ficou de pé e saiu. Estava nos aposentos de Angier, os quais havia espiado antes, da sala de estar. Um badalar chamou a atenção de Galen para um relógio de madeira ornado na parede. Estava marcando meia-noite e meia. Galen percebeu que havia sido acordado pelas badaladas e praguejou. Meia-noite e meia! Rosa e suas irmãs estiveram o dia inteiro aprisionadas lá embaixo. E Angier não estava na cama, dormindo o sono dos justos. Aonde teria ido? Galen saiu do quarto para a sala de estar. Suas armas e os conteúdos da sacola estavam sobre a mesa, ao lado dos livros e do diário. Ele rapidamente colocou o cálice, os galhos, a algibeira com a areia e a corrente de lã na sacola, seguidos pela pólvora e a munição. Embainhou as facas, checou suas pistolas e colocou-as no coldre, e prendeu a baioneta no mosquete. Então, apanhou a sacola e a arma longa, pendurou o manto sobre um ombro e seguiu para a porta. A sala de Angier havia sido trancada pelo lado de fora, mas aquilo não impediria Galen por muito tempo. Sua cabeça ainda doía, mas seus pensamentos eram claros, e ele se sentia decidido. Tinha uma sensação lá no fundo de que, se aquilo não fosse resolvido naquela noite, Rosa morreria. Quebrou a fechadura da porta com um chute e ganhou o corredor. Na sala de estar das princesas, o tapete estava no lugar e as criadas roncavam em suas cadeiras. Galen ajoelhou-se ao lado do padrão do labirinto dourado e colocou sua mão sobre ele. Traçou o padrão do labirinto com um dedo da forma como havia visto Lírio fazer e rezou. Depois praguejou. Nada. Ele havia chegado tarde demais ou simplesmente não funcionava para ele? Buscou um dos galhos dourados na sacola, pensando que eles poderiam ajudá-lo. Ao fazê-lo, a algibeira virou e alguns grãos da brilhante areia negra se espalharam sobre o carpete. Elas cintilavam à luz das velas. O padrão dourado reluziu e as fibras se fundiram em barras douradas, mas não afundaram para dentro do chão. Galen derramou um pouco mais de areia, sem efeito. Deixou a algibeira de 179
lado e segurou um galho prateado com a mão direita. Proferindo outra oração, apunhalou o centro do padrão com o galho. A areia cintilou ainda mais, e as linhas douradas se ampliaram e afundaram para o chão. O galho em si se dissolveu, e Galen recuou bem a tempo de evitar cair de cabeça na escadaria espiralada. Ficou de pé e desceu as escadas correndo, chegando ao fundo poucos segundos após o tapete voltar ao seu lugar. O portão perolado de prata abriu ao seu toque, e ele passou pela floresta, parando apenas para apertar seu manto púrpura. Desceu a trilha correndo e sentiu o sangue subir à cabeça. Rosa, Rosa, Rosa, sua pulsação parecia dizer. Salve-a, salvea, salve-a. Mas o lago mostrou-se outro problema. Não havia bote dourado à sua disposição e nenhum príncipe alto para levá-lo à outra margem. Galen poderia nadar, mas isso arruinaria seu rifle e as pistolas, e não tinha certeza se aquele líquido negro que preenchia o lago era água natural. Ele se agachou e tocou-o com cuidado. Sua pele começou a arder. Secou o dedo na calça, e a água negra fez um pequeno buraquinho no pesado tecido. Galen teve que cuspir em seu dedo e na perna para que ambos parassem de queimar. - Nada de nadar, então - ele disse em voz alta. Tirou outro dos galhos prateados e jogou-o na água, rezando por um bote. Nenhum bote apareceu. O galho afundou nas ondulações negras, e Galen chutou a areia, furioso. Começou a caminhar ao longo da margem com o castelo negro sempre iminente no canto de seus olhos. À direita, algumas das árvores prateadas chegavam até a beira da água. Ele forçou uma delas, para ver se a areia negra havia enfraquecido suas raizes. Contudo, não havia tempo para construir uma jangada, e a árvore não se movia. Então, viu algo que estava mais além da árvore. Um bote feito de prata rendilhada tinha sido colocado entre as árvores e deixado lá. Parecia que poderia afundar em um instante, mas a esperança encheu o peito de Galen. Ele curvou-se e o inspecionou. Parecia um pedaço de prata, endurecido e curvado, e havia uma tira azul de cetim presa em uma das cavilhas para os remos. Azul era a cor favorita da Rainha Maude; a mulher vestia azul em todos os retratos que Galen havia visto dela. - Então era assim que ela cruzava - Galen disse para si próprio.
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Ele segurou a beirada do barco e o arrastou para a água, fez uma reza silenciosa enquanto este deslizava pelas ondas negras e observou-o sem sequer respirar. A água não entrou, e ele flutuou tão leve quanto uma folha. Sem querer desperdiçar mais tempo, Galen pulou a bordo e agarrou os remos de prata. A cada movimento, intensificado pela urgência, ele se apressava, sentindo o respingar da água contra o casco rendilhado. *** Era ainda mais desconcertante ver as princesas naquela noite do que nas anteriores. Elas usavam vestidos apertados de seda feita de teia fina do reino de Sob Pedra, roxos, ébanos e índigos, que se pareciam com contusões aos olhos de Galen. As faces delas, normalmente pálidas e resignadas, estavam preenchidas pelo desespero, e várias delas soluçavam abertamente. Ele procurou Rosa e a encontrou no lado mais distante do salão de baile, conversando com Illiken enquanto dançava. Com os olhos estreitados, preocupado com o que acontecia, Galen cortou pelas figuras que dançavam até estar próximo o suficiente para escutá-los. - Se eu fizesse um contrato com seu pai permitindo-o subir por uma noite, poderia ordená-lo a não ferir qualquer membro de minha casa? Galen explodiu em um "Não!". Rosa e seu pretendente congelaram. Os casais que estavam em volta deles também, e todos se viraram para ver quem havia gritado. A cor voltou às bochechas de Rosa: - Que som foi esse? - Ela olhou ao seu redor com um ar de inocência fingida. Você escutou isso, Illiken? - Claro que ouvi - ele disse, rígido. - Algo não está certo aqui - ele olhou para os lados, passando por Galen diversas vezes, mas seu poder não era grande o suficiente para permiti-lo ver através da influência do manto. Ele voltou-se para seu servo e ordenou: - Peça a presença de meu pai! - Seu pai já está aqui - disse uma voz invernal. As portas ao fundo do salão de baile tinham se aberto silenciosamente enquanto a atenção dos cortesãos permanecia em Rosa.
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- O que aconteceu? - O rei sentou-se em seu trono como se não se importasse, mas seus olhos se mantiveram fixos em Rosa todo o tempo. - Perdoe-me, meu Senhor - Junquilho falou, prestando uma reverência. Das princesas, ela é a que estava mais próxima a Rosa: - Eu tossi repentinamente, e isso interrompeu a dança. - Você... Tossiu? - O rei levantou as sobrancelhas, claramente sem acreditar em uma palavra que Junquilho dissera. - Entendo - o ceticismo do pálido rei era palpável. - Rionin? O pretendente de Junquilho respondeu: - Sim, pai? - Isso é verdade? Confusão enevoou a bela face do príncipe. - Eu não estava prestando atenção. O olhar do rei vagou pela câmara, e novamente seus olhos se demoraram no ponto onde Galen estava. De todos os presentes, foi Illiken que veio ajudar: - Meu Senhor, posso falar com você? O rei consentiu, então acenou para que os músicos tornassem a tocar. Recomeçaram a dança, com exceção de Rosa, que foi até uma cadeira próxima à parede e sentou-se. Illiken dobrou os joelhos e conversou baixo com seu pai. - O que você está planejando? - Galen sussurrou para Rosa. Ela nem sequer se sobressaltou ao som da voz desencarnada. - Eu tinha que tentar algo! - Convidar Sob Pedra para um chá? Que bem isso poderia trazer? - Queria uma chance de voltar para casa - ela murmurou. - Pensei que, uma vez lá, poderíamos iludir o rei. - Assim como sua mãe queria filhos e um fim para a guerra? - As palavras foram duras, mas Galen não se arrependeu delas. Era loucura sequer pensar em um novo pacto com o Rei Sob Pedra. - Não sabia o que mais fazer - Rosa respondeu com uma voz sufocada.
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- Eu sei - Galen apertou o cotovelo dela. - Siga pela parede aqui e saia. Há um bote dourado entre a ilha e a praia. Saia daqui. - Um bote? Que bote? E quanto às minhas irmãs? - Nós as salvaremos. Não caberão todas, eu terei que fazer duas viagens, então se apresse. Lírio o interrompeu: - Rosa! O que você fez? - Ela apontou para o trono, onde seu pretendente e também o de Junquilho haviam se juntado a Illiken e seu pai em intensa conversação. O rei, contudo, as estava observando, com os olhos sobre Rosa. - Fiz algumas perguntas a Illiken - Rosa falou. - Mas, no final das contas, não convidarei o rei para subir. - É bom que você tenha caído em si - Lírio, cuja natureza era normalmente doce, cutucou-a. Rosa respondeu gentilmente: - Lírio, saia da sala, vá até o lago, e espere lá por um bote prateado. - O quê? - Lírio esbugalhou os olhos para a irmã. - Leve Petúnia e Amor-perfeito com você. Diga que as está levando para se refrescar - seus olhos brilharam na direção de Galen, e ela falou: - Preciso ficar e ajudar as outras! - Eu farei isso! - ele insistiu. Lírio deu um pulo ao som da voz dele: - O que é isso? Galen? - ela teve o bom senso de sussurrar. Ele tocou o punho dela levemente, fazendo-a estremecer: - Estou aqui, Alteza. Encontrei um bote. Acho que era da sua mãe. Não posso levar todas de uma vez, então se apresse. - Mas iremos enfurecer o rei... - Vocês estarão fora do alcance dele para sempre - Galen a assegurou com uma confiança que não tinha de todo. Ele olhou para o trono e viu os príncipes tomando seus caminhos, junto com o pai: - Vão, agora! Rápido! Lírio endireitou os ombros e a cabeça. - Bem, Rosa - disse em uma voz decidida -, eu mesma o farei!
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Ela marchou até a pista de dança e deu um tapinha no ombro do príncipe de Amor-perfeito : - Com licença - usou um tom de conversação normal, e Galen mal conseguiu distinguir as palavras. - Acho que já é hora das mais jovens se retirarem. Elas tiveram excitação o bastante por uma noite - Tomando a mão da irmã, conduziu-a para longe do parceiro. O parceiro de Petúnia, aparentemente, havia escutado a solicitação, pois se afastou da menina com uma curta reverência quando Lírio foi em sua direção. Contudo, ela precisou interromper Orquídea e seu parceiro, que estava muito ocupado observando a ação do trono. Distraidamente, ele entregou Orquídea para a irmã mais velha e foi até seu pai para perguntar algo. - Rápido, rápido - Galen murmurou baixinho. Viu Íris perguntar algo para Lírio quando elas passaram por ela e se juntar à corrente de princesas com uma expressão de alívio no rosto. - Elas estão atraindo atenção demais agora. São muitas de uma só vez – ele observou, ao ver que o rei pálido desviou sua atenção de Rosa para as outras. - Elas estarão bem - Rosa falou com o canto da boca. - Só não entre em pânico. - Rosa! Por favor, junte-se a nós - a voz do Rei Sob Pedra cortou por sobre a música.
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Fuga -
N
ão faça isso - Galen falou, enquanto Rosa seguia em direção ao trono.
- É preciso - ela sussurrou. - Irá distraí-lo. Ela se desviou dos dançarinos remanescentes, a maioria mais preocupada em observar o rei e seus filhos conferenciarem do que em dançar. Galen seguiu-a, só vagamente ciente de que as outras princesas haviam parado de dançar e também caminhavam para longe do trono. Ele viu Crisântemo falar algo para Junquilho, que acenou com a cabeça. "Vá, Crisântemo. Vá, Junquilho. Corram enquanto podem", Galen pensou. Ele sabia que devia segui-Ias para conduzir o barco pelo lago e retomar para buscar Rosa, mas não conseguia sair do lado dela. - Querida Rosa - disse o Rei Sob Pedra. - O que você está perguntando ao meu primogênito? Algo sobre minha ida ao reino mortal? - Foi um pensamento que me ocorreu - Rosa respondeu vagamente, mas Galen estava próximo o bastante para vê-Ia tremer. - Gostaria que meu pai o conhecesse e também ao Príncipe Illiken antes do casamento. Mas parece que Illiken não pode acompanhá-lo, então talvez não seja importante, afinal. - Não é importante? Assegurar seu pai que sua preciosa filha está em boas mãos? - o rei esfregou as mãos, como se quisesse ilustrar, e o som seco que elas produziram fez com que Rosa se arrepiasse. - Mas, Senhor - ela protestou -, Illiken me disse que vocês não podem deixar o reino todos de uma vez, e uma vez que não poderá conhecer seus filhos, meu pai continuará preocupado. Galen viu Crisântemo, Margarida e Junquilho seguirem em direção às portas do salão. Rosa estava umedecida de suor e tremendo mais do que nunca. Preocupado em como iria retirá-la do salão, Galen procurou cuidadosamente em sua mochila com a mão esquerda até encontrar um galho de prata em particular.
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Um no qual ele havia entalhado um nome, mais cedo naquele dia. - Perdão, meu Senhor - disse Violeta, vindo ficar próxima a Rosa. Galen saiu da frente dela pouco antes de ser atropelado. Ela tinha um braço envolvendo Jacinto e Lilás atrelada logo atrás de si. - O que foi, querida Violeta? - Estávamos nos perguntando se Rosa se sente bem. Ela está ruborizada demais - ela ergueu o queixo e encarou destemida o feiticeiro negro. - Jacinto não está muito bem e gostaria de saber se podemos nos retirar para nossos aposentos. Jacinto nada disse. No entanto, inclinou-se para a irmã, descansando a cabeça em seu ombro. Lilás meneou e tomou a mão livre de Jacinto. Galen grunhiu em silêncio, desejando que elas tivessem simplesmente saído sem atrair a atenção do rei. - Minhas queridas, vocês certamente não me negarão o prazer de vê-Ias dançar... - Os olhos do rei se estreitaram, e ele olhou além das quatro princesas que tinha diante de si. - Onde estão as outras? Se Galen tinha julgado a aparência do Rei Sob Pedra perturbadora antes, agora ela estava duas vezes pior. O rosto branco ficou tão pálido de raiva, que parecia ter sido esculpido em osso. O rei pareceu ficar ainda mais alto, ombros e cabeça acima de seus filhos. - Agora, Rosa! - Galen gritou. Ele a agarrou e empurrou-a em direção à porta. - Você! Onde está você? - gritou o rei, buscando a origem da voz de Galen. Quase posso vê-lo. Galen se aferroou com o que tinha que fazer e, então, deixando todas as dúvidas de lado, agiu! Mudando o galho de prata para a mão direita, saltou para cima do trono e esfaqueou o Rei Sob Pedra no peito. O grito que escapou dos lábios do rei foi ensurdecedor, aterrador. Galen virou o rosto para o lado, a mão ainda fechada sobre o corpo do galho até conseguir forçar o monarca imortal a voltar ao trono negro. Um enorme rugido preencheu o ar, e ventos golpearam Galen. Ele segurou ainda mais firme o galho, sem saber o que aconteceria caso soltasse. Mãos fantasmagóricas apertaram seu coração, pulmões e crânio e, por um momento, ele pensou que morreria igual aos antigos magos. Mas Sob Pedra estava mais fraco
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agora e, em vez de explodir para vingar-se em uma devastação mundial, seus poderes passaram para o receptáculo que estava ao seu lado: Illiken. Illiken cambaleou e sua pele e cabelo descoloriram. Galen largou a arma prateada enfiada no coração de Sob Pedra e buscou uma pistola; suas mãos trêmulas enquanto o salão explodia em gritos. Os cortesãos viram o rei estremecer e atolar-se no trono, e a transformação de Illiken, e os sons de outro mundo que fizeram foram mais terríveis que o grito de morte do rei. Os outros príncipes correram para o trono, mas Galen pulou para o lado, e eles não puderam vê-lo. Ele olhou rapidamente à sua volta e viu, aliviado, que Rosa e as três últimas princesas haviam escapado durante a comoção. Infelizmente, Illiken também viu: - Rosa! - ele gritou. - Minha noiva. As noivas de meus irmãos! Elas estão fugindo! Peguem-nas! Os guardas surgiram vindos das portas do salão, com a corte hedionda de Sob Pedra seguindo-os. Galen desceu do estrado do trono e abriu caminho em meio à multidão, tentando chegar até a entrada, chegar até a margem... Ele diminuiu o ritmo por um momento, então lutou para sair da balbúrdia com ansiedade renovada. Como levar as doze princesas em apenas um bote? Lírio teria sido capaz de conduzir sozinha as mais jovens? Ele esperava que sim. Foi o primeiro a chegar à praia, mas somente por poucos segundos. E lá, para seu horror, viu as doze princesas paradas, parecendo perdidas. O bote, quando afinal ele conseguiu localizá-lo, estava no meio do lago, boiando sem destino. Na pressa de chegar até Rosa, ele não o havia trazido para dentro da margem o suficiente. Amaldiçoando sua própria estupidez, chamou Rosa. Ela olhou cegamente à sua volta, e ele percebeu que ainda vestia o manto. Tirou-o e dobrou sobre um braço enquanto corria. As demais princesas gritaram ao vê-lo surgir repentinamente. Seus perseguidores já chegavam à praia, liderados por Illiken. Rosa puxou seu xale sobre os ombros, procurando outra forma de cruzar. - Branco como um cisne, flutuando sobre a água - Galen falou, olhando para o xale dela e se questionando...
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A princesa encarou-o sem compreender. Ele segurou uma extremidade do xale e disse: - A lã, Rosa, uma feiticeira me deu... Antes que pudesse concluir o pensamento, Rosa acenou e tirou-o. Galen jogou-o sobre a água. A lã endureceu, alongou-se e se tornou uma jangada triangular, grande o bastante para que todos coubessem. Galen suspirou aliviado, colocou Amor-perfeito e Petúnia dentro e saltou para a jangada branca, seguido pelas demais. Assim que Jacinto, a última, subiu a bordo, a jangada encantada começou a deslizar pelo lago. - Eles estão vindo - Crisântemo apontou para os príncipes atrás deles, que retiraram seus botes de onde estavam escondidos e se lançaram em uma perseguição em velocidade inumana. - Você sabe carregar uma pistola? - Galen olhou para Rosa, mas foi Lírio quem respondeu. - Eu sei - ela tomou as pistolas das mãos dele. - Um amigo me ensinou. Ela carregou as pistolas habilmente, enquanto Galen carregava seu rifle. - Mantenha-nas prontas - ele falou. - Sabe atirar? Ela fez que sim, e Galen lembrou-se de que foi Lírio que ameaçara Rionin e os outros com uma pistola quando eles estiveram no jardim. Chegaram à margem oposta e correram pela areia negra. O xale branco afundou e desapareceu em meio às águas. - Leve as outras para casa - Galen disse a Rosa. Ele permaneceu na margem com o mosquete pronto. Lírio ficou bem ao seu lado, parecendo calma, embora pálida. Ele a instruiu: - Espere até ter um bom tiro. Não desperdice balas. - Entendi! - ela estabilizou a pistola com ambas as mãos. - Hora do mosquete - ele falou, assim que o bote da frente ficou ao seu alcance. Ele mirou Illiken, mas o novo rei desviou-se para o lado assim que Galen pressionou o gatilho. O som do tiro ecoou no mundo inferior, e outro príncipe que partilhava o barco de Illiken gritou e agarrou seu braço.
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Galen levou o mosquete ao ombro e apanhou a pistola. Ao seu lado, Lírio mirou com cuidado. Galen tentou acertar Illiken novamente, mas o príncipe estava bem abaixado em seu bote agora e o tiro não estava claro. Em vez disso, mirou no segundo bote e disparou. O príncipe que vinha à frente pulou para trás, seu bote balançando muito, e o guarda ao seu lado gritou quando eles viraram para dentro do lago ácido. - Rá! - Lírio bradou ao atirar, e o príncipe no qual mirava levou a mão ao ombro e caiu para trás nos braços de seu irmão. - Porco! - ela gritou, seu rosto corado. Galen olhou para ela e viu lágrimas em seu rosto. - Ele era meu - ela explicou. - Corra - ele respondeu, tomando a mão dela. O bote de Illiken estava arranhando a areia na orla. Eles passaram pela floresta, onde encontraram Rosa esperando. - Eu disse para você seguir em frente! - ele praguejou, enquanto passavam por entre as sombras das árvores prateadas. - Eu sei - ela replicou. - Mas não podia deixá-lo! E como iremos deter Illiken? Ele é o rei agora, e meio-humano. Pode cruzar para o mundo mortal sem precisar de convite. - Já não amanheceu? - O rubor de Lírio estava novamente esvanecendo. - Acho que não - Rosa respondeu ofegante. - Não por pelo menos mais duas horas - Galen lhes disse. Eles conseguiram ver as outras mais à frente, chegando ao portão perolado de prata. Atrás deles, vinha o som de pés calçados na trilha e gritos que eram como latidos de cães de caça. Escutaram um barulho nas árvores à esquerda: um corredor mais rápido desbravava as árvores prateadas para sair na frente deles. Galen tirou o mosquete do ombro e mirou na direção do som. Com um grito, forçou a baioneta para frente, cortando o grito de triunfo de um dos perseguidores assim que ele saiu por dentre as árvores. A baioneta ficou presa, e ele a abandonou para seguir em frente. Com os braços abertos, arrastou Rosa e Lírio pelo portão. As outras princesas esperavam aos pés da escadaria dourada.
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Illiken parou sua corrida para passar casualmente pelo portão e sorrir para eles. Ele estendeu uma mão, imperioso: - Venha, Rosa. Rosa saiu de trás de Galen, que pousou uma mão em seu ombro para detê-la. - O acordo de nossa mãe termina com a morte de seu pai - ela disse bravamente, ainda que seu rosto estivesse tenso pelo esforço em resistir a ele. - O pacto passa para mim da mesma forma que passou dela para vocês llliken zombou. - Agora venha! Não que importe de verdade. Seu humilde campeão interrompeu o baile desta noite, mas você ainda tem que vir amanhã. E na próxima noite, e na seguinte. Outros pretendentes serão encontrados para substituir meus irmãos que caíram. Não tema por isso. Algumas princesas haviam subido os degraus, mas outras protelavam, para a ansiedade de Galen. Agora, uma mão suave tocava seu punho e, por detrás de si, Lírio sussurrou: - Aqui. - Uma pistola foi pressionada contra sua mão. Galen apanhou-a e a segurou baixa, atrás de si. Saiu um pouquinho da linha de Rosa, de forma que pudesse erguer a arma com velocidade. - Venha agora, Rosa - llliken falou. - Quem sabe sua punição por tentar fugir seja que você e eu nos casemos esta noite? Galen ergueu a pistola com um movimento suave e disparou. A bala foi certeira, atingindo llliken em cheio no coração, jogando-o contra o portão. Ele caiu no chão, e Galen cutucou Rosa para que ela subisse a escadaria. Ele tinha que fazer mais uma coisa antes de sair. Illiken grunhiu e colocou-se de pé como uma marionete sendo colocada de pé: - Um bom esforço, jardineiro - ele disse, tirando a jaqueta. - Mas mero ferro não pode mais me matar, pois sou o Rei Sob Pedra agora! - ele ergueu os braços, sorrindo. Precisamos de outra agulha de prata - Rosa suspirou. Ela tinha colocado um pé sobre o degrau de baixo, mas agora retomava. - Lírio! Pegue as outras e vá! Galen e eu ficaremos para... E sem terminar a sentença, ela disparou correndo, passando por Galen e Illiken, e para dentro da floresta prateada.
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- Não! - llliken gritou quando Rosa agarrou o galho mais baixo da primeira árvore, curvando-o até quebrar um ramo. Ele a seguiu, segurou-a pela cintura e a arrastou trilha abaixo em direção ao lago. O fecho do manto de invisibilidade ainda estava apertado. Galen vestiu-o, quebrou um galho depois outro, e seguiu a dupla. Ao chegarem ao fim da floresta, os demais príncipes e membros da corte os encontraram e ajudaram Illiken a arrastar Rosa para os botes. Ela libertou-se, empurrando-os para o lado, e correu para as árvores. Galen encontrou-a na metade do caminho, puxando-a para seus braços e cobrindo-a com o manto. Os membros da corte perderam o fôlego ao vê-la desaparecer diante de seus olhos. - Eu posso vê-lo, jardineiro! - Illiken gritou. Ele veio pisando firme. Como seu pai, ele examinava um ponto próximo de Galen e Rosa, como se soubesse que eles estavam ali, mas não pudesse discerni-los adequadamente. - O que faremos? - Rosa sussurrou. - Espere - ele respondeu. Galen podia sentir o coração dela pulsando contra seu peito. Ele soltou a cintura da princesa, tirou a faca de seu cinturão e talhou às cegas uma lateral do galho prateado. - A-rá! - Illiken estendeu os braços amplos, como se fosse abraçar ambos, ainda olhando furtivamente. O braço direito de Galen atacou e perfurou o coração de Illiken com o galho, no qual ele havia acabado de escrever o nome do príncipe. Sem esperar para ver se havia funcionado, Galen deu meia-volta, mantendo Rosa protegida por seu braço esquerdo, e correu de volta para as árvores. Mantiveram-se sob as sombras prateadas, evitando a trilha onde guardas de rosto pálido os procuravam. - Eles não ousam passar tempo demais entre as árvores - Rosa sussurrou quando se aproximaram do portão. Eles se misturaram aos galhos abertos da árvore mais próxima do portão. Um dos príncipes estava entre eles e a liberdade. Com uma mão, Galen buscou a corrente dentro da mochila.
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- Quando ele olhar para o outro lado, corra para o portão - disse a Rosa, que fez sinal afirmativo. Galen arremessou uma bala do mosquete na trilha. O príncipe se sobressaltou e saiu para ver melhor o que era aquilo. Rosa saiu dos braços de Galen e passou correndo pelo portão, com o jardineiro logo atrás. O príncipe voltou-se, gritando, ao que Galen bateu o portão. - Eu sou o Rei Sob Pedra agora - A figura lúgubre sibilou, segurando o trinco de seu lado. - Você não pode me deter! Galen não respondeu. Mantendo-se firme, passou uma extremidade da corrente pelas barras e em volta dos mourões. O novo rei recuou com um berro: - O que é isso? Como você...? - Ele estremeceu e piscou, como se a corrente negra tivesse queimado seus olhos. Ainda em silêncio, Galen enrolou a corrente mais duas vezes, depois deslizou um elo por dentro do outro e prendeu apertado. De sua mochila, tirou a parte final de seu plano: o pequeno crucifixo de sua mãe. Ele atravessou o nó de lã com ele. A prata brilhou incandescente, e a lã transformou-se em aço. - Pronto - Galen falou, sentindo uma torrente de prazer feroz ao ver o novo rei afastar-se, gritando de raiva. - Isso irá segurá-lo. Tomando o braço de Rosa, Galen levou-a pelas escadarias douradas até a sala de estar das princesas. Suas irmãs formavam um círculo em volta do tapete, os rostos cinzas de pavor. Elas gritaram de alegria ao ver Galen e Rosa surgirem e correram para abraçar ambos e beijar suas bochechas. Amor-perfeito atirou-se nos braços de Galen e soluçou em seus ouvidos: - Sabia que você nos salvaria. - Está tudo terminado agora. Não se preocupe - ele respondeu, afagando o cabelo dela. Por cima de sua cabeça, viu Margarida olhar com desaprovação. Piscou para ela, e ela devolveu o gesto. Com os braços tremendo de exaustão, colocou Amorperfeito no chão, mas ela ficou segurando sua mão. - Nós teremos que voltar somente amanhã à noite agora - Jacinto disse, desanimada. - Não. Não teremos - Rosa afirmou. - Galen lacrou o portão. Jamais voltaremos, e ninguém pode vir atrás de nós.
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As princesas bradaram em alegria, exceto Jacinto. Ela alcançou uma lamparina e arremessou-a sobre o padrão no tapete, sem aviso. A lã queimou, fazendo com que as outras meninas gritassem e saíssem do caminho. Galen correu para um dos quartos e apanhou um cântaro de água da cabeceira para apagar o fogo, mas esperou até que o tapete estivesse completamente queimado, antes de derramar a água. - Muito inteligente, Alteza - ele disse para Jacinto. - Você pode me chamar de Jacinto - ela respondeu com um sorriso trêmulo. Deu um passo à frente e deitou uma mão tímida sobre seu braço. Galen retribuiu o sorriso e beijou sua bochecha. Então, em complemento, virou-se e beijou Rosa. Nos lábios.
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Verdade
R
osa olhou à sua volta, corando e desejando que seu primeiro beijo não
tivesse sido dado na frente das irmãs (por melhor que tivesse sido), quando viu algo que a surpreendeu. Maria, sua criada, estava sentada ereta na cadeira, fitando-a. Ainda não tinha amanhecido. - Altezas! Vocês retomaram! - Maria gritou. Ela levou as mãos ao peito e começou a chorar. - Maria, você está acordada! - Rosa deu um passo na direção da mulher, mas ainda agarrada à mão de Galen. Para Rosa aquilo parecia ainda mais milagroso do que a sua libertação do Rei Sob Pedra. Maria olhou ao redor da sala, franzindo as sobrancelhas, em meio às lágrimas: - Bem, esperei aqui com as outras para o caso de vocês retomarem. Não acredito que consegui dormir com toda a agitação desses últimos dias. - Por que elas caíram no sono se não estávamos aqui? - A voz de Lírio era suave. Maria deu uma olhada estranha aos restos chamuscados do tapete: - O que minhas senhoritas estiveram fazendo, se posso perguntar? Rosa respirou fundo. Aquele era o primeiro teste para ver se os poderes do mundo inferior sobre elas estavam realmente rompidos. Com clareza, ela respondeu: - Éramos prisioneiras do Rei Sob Pedra. Maria engasgou chocada. - Rosa, você falou! - Petúnia dançou por todos os lados.
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- Você pode falar! Nós podemos falar! - Junquilho levou as mãos às bochechas. - Deus seja louvado! - disse Jacinto, e caiu de joelhos, rezando. Maria ponderou. - Então Mestre Werner estava certo - ela acenou para Galen. - O rei se isolou desde que o senhor anunciou isso pela manhã, Mestre Galen, mas não sei se mais alguém, além de mim e duas ou três outras criadas, acreditou em você. Soltando a mão de Galen, Rosa foi até sua fiel criada e abraçou-a: - Oh, Maria, tudo tem sido horrível. Mas está acabado agora - ela voltou-se para as outras. - Temos que ver nosso pai imediatamente! No corredor do lado de fora dos quartos, Rosa encontrou Walter Vogel sentado em uma cadeira com um rifle carregado nas mãos. Ele levantou-se e fez uma reverência. Dois guardas estavam próximos dali, um com o nariz inchado e outro com um hematoma no queixo. - Walter! O que você está fazendo aqui? - Rosa levou a mão à garganta, surpresa. - Uma coisa engraçada - disse Walter, calmamente. - Eu estava sentado em casa, fumando meu cachimbo, quando bateram na porta. Uma velha senhora, antiga conhecida, tinha vindo me dizer para apanhar meu mosquete e trazê-lo ao palácio. "As princesas precisam de proteção", ela falou. "Mantenha as pessoas fora dos quartos para que Galen possa fazer seu trabalho" - Walter deu de ombros. - Foi o que fiz. - Uma ajuda teria vindo a calhar lá embaixo - Galen disse. - Sou um velho, Galen - Walter respondeu. - O que você bem sabe. Se tivesse descido com você, isso teria acabado comigo, e ainda há coisas que devo fazer. Wolfram não era o único de sua estirpe - a cara amarrada tornou-se um sorriso. - E me parece que você se saiu admiravelmente bem sozinho. - Sim, ele se saiu - Rosa concordou. - O bispo está na sala de reuniões com seu pai agora - Walter avisou. - Bom - Rosa falou - Walter, quero muitas testemunhas. Você, por favor, viria conosco? - Certamente, Alteza.
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Rosa liderou a procissão pelo corredor até a sala de reuniões e entrou sem bater. Lá dentro, o Rei Gregor estava sentado, não em sua costumeira cadeira entalhada, mas em outra menor, no meio da sala. O rei, normalmente malhumorado, parecia pálido e intimidado. A cadeira de costume do rei era ocupada pelo Bispo Angier, que presidia o conselho com evidente satisfação. O primeiro ministro e meia dúzia de conselheiros também estavam presentes, alguns parecendo humildes, outros amotinados, como se todos tivessem sido punidos pelo bispo. Mas até mesmo Angier ficou pasmo pela repentina entrada de Rosa, suas irmãs, Galen, Maria e Walter. Rosa achou aquela surpresa bastante agradável e ficou ali por um instante, permitindo que todos dessem uma boa olhada. Ela tinha que admitir que as princesas estavam com uma aparência horrível: vestidos estranhos e escuros, rasgados e enlameados com sujeira preta e reluzente, os rostos sujos e suados, cabelos desgrenhados. Galen tinha manchas de pólvora nas bochechas, e as mãos de Lírio estavam pretas também. - Pai - Rosa disse, enfim, após todos terem observado o suficiente e ela reparar que Angier começara a se empertigar, prestes a dizer algo. Ela fez uma cortesia, seguida por suas irmãs, a criada, Galen e Walter. - Nós voltamos. - Voltaram? Da dança com o demônio? - A voz de Angier havia perdido parte de sua força. Contudo, Rosa não tirou os olhos do pai: - Há tempos temos estado sob uma maldição, pai. Mas ela foi quebrada agora. O Rei Gregor olhava ansiosamente para Rosa e, além dela, para suas outras filhas. - Terminou? - Terminou - Rosa falou com segurança. Ela segurou o braço de Galen e trouxe-o adiante. - Graças a Mestre Werner. A face de Gregor foi lavada de alívio. Os conselheiros começaram a balbuciar todos ao mesmo tempo, e Angier levantou-se, batendo com o punho cerrado no braço da cadeira e exigindo silêncio. - Conduzirei este interrogatório - ele insistiu. - Qual interrogatório? - A voz do rei cortou pela sala barulhenta. - Minhas filhas retornaram com novidades extasiantes. Não há necessidade de interrogatório!
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Ele sentou-se ereto e alisou seu casaco, suas feições pálidas desaparecendo rapidamente: - Mestre Werner, suas palavras eram verdadeiras nesta manhã? Afinal, você descobriu aonde minhas filhas iam durante a noite? - Isso não faz sentido! Essas garotas aprenderam o caminho do demônio com aquela mulher bretã - Angier rugiu. - Você tem sorte, Gregor, que sua posição proteja a si e às suas filhas. - Não vamos ser ávidos a condenar, Angier - disse uma voz suave. No canto oposto da sala, como se colocado de lado por seu irmão da igreja mais extravagante, estava o Bispo Karlheim. Aquele bom homem, que havia batizado Rosa e suas irmãs, era conselheiro espiritual e amigo do Rei Gregor. Ele se adiantou. - Bispo Angier, confesso estar um pouco perturbado pelo modo como você declarou culpado o rei e às suas filhas - seus olhos brandos estavam fixos em Angier, que começou a ficar vermelho de raiva. - O arcebispo tem plena confiança em meu julgamento - Angier rosnou. - Tem? - Karlheim tirou de sua manga um pergaminho. - Trago aqui uma carta de Sua Santidade, Angier. Chegou esta manhã. Ele pergunta como está indo nossa investigação conjunta. Sua Santidade também faz menção às instruções que você tinha que entregar, mas que ele nunca recebera. Angier engoliu em seco e arregaçou as mangas. - Bem, Karlheim... O Bispo Karlheim o interrompeu: - Parece que o arcebispo já se preocupa há tempos com seus métodos superzelosos ao investigar assuntos concernentes a feitiçaria, e que você não era a primeira escolha dele para cuidar desse problema. Mas a primeira escolha dele, e também a segunda, estavam ambos repentinamente indispostos. Isso, naturalmente, fez com que Sua Santidade desconfiasse de algo. Para garantir que o Rei Gregor e suas filhas fossem tratados com todo o respeito, ele pediu que eu mantivesse o olho em você, e que desse fim à questão, caso pensasse que você tivesse ultrapassado seus limites. E acredito que o fez - Karlheim nunca levantava a voz. - Guardas, por favor, escoltem Sua Graça para seus aposentos, e certifiquem-se de que ele fique lá. O Padre Michel também.
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Angier ajustou seus trajes com grande dignidade e saiu antes que os guardas pudessem encostar as mãos nele. Ao passar por Rosa e suas irmãs, lançou-lhes um olhar perverso e sussurrou: - O mal nunca triunfa. - Eu sei - Rosa devolveu. Os guardas tiveram que arrastar para fora o Padre Michel, com os olhos frenéticos e em meio a balbucios, que não parava de insistir que nada sabia das loucuras do bispo e que era um homem inocente. Karlheim observou-os com olhar desapontado, depois se voltou para o Rei Gregor e acenou brevemente. Em resposta, o rei olhou para Galen: - Agora que a parte desagradável já foi, você, por favor, poderia nos iluminar a todos? - Suas maneiras bruscas estavam de volta. Galen deu um passo à frente e se curvou mais uma vez em meio ao burburinho que surgiu entre os conselheiros. Ele ergueu a mão pedindo silêncio, esperou até obtê-lo, e disse: - Majestade, todas as noites, um sono profundo caía sobre as assistentes de suas filhas. Então, as princesas desciam unia escadaria dourada que se abria no chão de sua sala de estar - ele tirou algo de seu cinto: um pedaço de lã carbonizado. - Este era o tapete que se transformava no portal, agora destruído pelo fogo causado pelas mãos da Princesa Jacinto - Ele o deixou sobre a mesa, em frente ao Rei Gregor. - Elas passavam por um portão perolado de prata e seguiam por uma floresta de árvores prateadas - Galen estendeu o braço e tirou algo do cabelo de Rosa. Ele deu um sorriso para ela e depositou uma folha prateada diante do pai da princesa. O Rei Gregor segurou a folha prateada e a estudou cuidadosamente. Em volta da mesa, os conselheiros observavam Galen com atenção arrebatadora. - Depois da floresta, elas eram recebidas nas margens de um grande lago negro por doze pretendentes, que as levavam em botes dourados até um palácio, em uma ilha no centro do lago - Galen tirou um lenço e estendeu-o diante do rei, mostrando a areia negra brilhante que o cobria. - Lá, elas dançavam até o amanhecer com seus pretendentes, os filhos do Rei Sob Pedra - e Galen mostrou um cálice prateado cravejado de pedras preciosas. - Era ele quem mantinha suas filhas escravas. Ele que, com um encanto, as impedia de falar. O primeiro ministro não se conteve:
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- E como foi que esse inimigo obteve controle sobre as princesas? Jovens religiosas não fazem tratos com demônios. - Não, elas não fazem - Galen respondeu calmamente. Rosa chegou a se adiantar, um protesto nos lábios, mas Galen apertou sua mão e a impediu. - Elas tiveram que cumprir a promessa de outra pessoa - Galen falou. – São inocentes de bruxaria, assim como seu pai. As mortes dos príncipes foram causadas por Sob Pedra, que é tão real quanto eu ou você, e tão cruel quanto o Bispo Karlheim é bom. O Rei Sob Pedra fez isso sem o conhecimento ou auxílio das princesas. Mas agora ele está morto, assim como vários de seus filhos, e os que sobreviveram estão presos no reino de trevas. - Como pode ter certeza? - O Rei Gregor colocou uma mão protetora no braço de Jacinto. - Galen fez uma corrente - Rosa disse. Após anos de silêncio forçado, ela não conseguia suportar que Galen fosse aquele a contar toda a história. - Feita de lã negra, tecida com agulhas de prata feitas a partir dos galhos desta árvore - ela segurou a folha no alto. - As árvores do mundo inferior foram germinadas a partir do broche de minha mãe, que ela ganhou do Bispo Neville. O portão foi trancado, e a tranca segura com um crucifixo prateado. As criaturas do reino de Sob Pedra não têm mais influência em nosso mundo - ela uniu as mãos. - Que os santos sejam louvados. - Você fez tudo isso? - O Rei Gregor estava de pé agora, olhando para Galen como um homem que concedesse uma moratória. - Salvou minhas filhas e trancou o mundo inferior? - Sim, senhor - Galen respondeu. - Walter Vogel me ajudou, assim como a Senhora Anne. Eu fervi a corrente com manjericão e erva-moura para fortalecê-la, e o crucifixo era de minha mãe. - Ele ficava invisível! - Petúnia não conseguiu mais se conter. - Ele corria por todos os lados, atirava nos príncipes maus e gritava, e colocou Amor-perfeito e eu na jangada para que fugíssemos. Oh! O xale que ele fez para Rosa era mágico, e ele virou uma jangada! E deu uma arma a Lírio, e ela atirou em alguém! Amor-perfeito puxou a manga de seu pai. - E ele fez isso para mim - ela sussurrou, e mostrou ao pai sua bolinha vermelha, agora toda lacerada.
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- Fez? - O Rei Gregor pegou a filha nos braços. - Que jovem mais corajoso! Ele lançou um olhar especulativo sobre Galen. - E como foi exatamente que conseguiu tornar-se invisível, Mestre Werner? - Com isto - Galen disse. Ele tirou o batido manto púrpura de sua mochila e jogou-o sobre os ombros. Ao apertar o fecho, desapareceu. Mesmo já tendo visto antes, várias das irmãs de Rosa gritaram, junto com os conselheiros. Petúnia aplaudiu, contudo, e deu um passo adiante para estapear o ar onde ele estava. - Galen, onde está você? - Bem aqui! Petúnia foi erguida no ar por mãos invisíveis. Então desapareceu também. Ambos ressurgiram um instante depois, e Galen colocou-a no chão, exausto, mas sorrindo. - Eu fiquei debaixo da capa e me tornei invisível - ela complementou. - Rosa! Você viu? - Eu vi - Rosa disse, tomando a mão da irmã. Seu olhar estava no Bispo Karlheim. Mas foi o primeiro ministro quem falou: - Feitiçaria! - Oh, besteira! - O ministro das finanças, um homem velho com mechas magras de cabelo branco, falou. - Tais artefatos mágicos eram comuns na época de minha avó. Lembro-me de ela me contar várias histórias de botas de sete léguas e coisas assim - ele ergueu uma mão trêmula. - Posso ver o manto? - Claro, senhor - Galen o entregou, mas com relutância. - Me foi dado por uma senhora que encontrei a caminho de Bruch - ele disse. - Uma bruxa - alguém murmurou. - Acredito que ela tenha sido uma das feiticeiras sancionadas pela Igreja que prendeu Sob Pedra em sua prisão - Galen falou, cessando qualquer novo comentário. Até mesmo o Bispo Karlheim meramente fez sinal afirmativo e pareceu pensativo.
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- Quem quer que fosse, se ela vier algum dia aos meus portões, a tornarei baronesa - falou o pai de Rosa. Ele endereçou-se aos seus conselheiros: - Estão satisfeitos com a inocência de minhas filhas relativa à morte dos infelizes príncipes? Os conselheiros discutiram, murmuraram e bateram na mesa. Walter manteve-se em silêncio, e quando Galen olhou para ele, o velho simplesmente ergueu os ombros. Não havia forma de Walter provar quem ele era, Galen pensou. O Bispo Karlheim pediu que as acusações de Angier fossem retiradas, uma vez que ele havia excedido sua autoridade. Quanto a si próprio, o silencioso bispo de Westfalin certamente acreditava que Galen e as princesas eram inocentes de qualquer coisa errada. O Rei Gregor finalmente deixou escapar um grito. - Isso não compete a vocês! Eu sou o rei, e se eu estou satisfeito, então todos também estão! - Os conselheiros fecharam a boca e baixaram a cabeça. O rei estudou Galen por um momento: - Meu jovem, sei que ofereceu sua ajuda sem esperar qualquer recompensa, e por isso, eu o saúdo - os conselheiros bateram os punhos na mesa em sinal de concordância. - Mas, em vista do grande serviço que prestou às minhas filhas e ao meu reino, acredito que alguma recompensa deva ser dada. Houveram mais batidas. Galen ficou vermelho dos lábios às orelhas: - Meu senhor, eu não pensava em nada, senão servir Ro... Ajudar as princesas. Rosa sentiu suas próprias bochechas corarem. Duvidava que alguém não tivesse percebido a escorregada de Galen, e pensou que seu coração fosse pular para fora do peito, tamanha a alegria que sentiu. Os lábios de seu pai se curvaram de satisfação: - Acho que seria injusto não recompensar o homem que salvou minhas filhas e o reino. E seria mais do que injusto oferecer uma recompensa menor, simplesmente por que sua nobreza de espírito não é igualada por um nome nobre. - Galen Werner, você pode escolher uma de minhas filhas para ser sua noiva e, quando eu morrer, poderá sentar ao lado dela como cogovernante de Westfalin. - Majestade, eu... - Aceite, garoto - gritou o ministro das finanças.
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- Você merece, Galen - Walter falou, convicto. - De fato, merece - confirmou o Bispo Karlheim. Ele lançou um olhar perspicaz para Walter. - Eu... Eu não sei... Rosa sentiu seus joelhos tremerem. Ele não a amava, afinal? - Ei, Galen? - Amor-perfeito puxou seu braço. Galen se inclinou para baixo. - Se Rosa não o quiser, você pode casar comigo - sussurrou a garotinha. Galen gargalhou. - Obrigado, Amor-perfeito. - Oh, Rosa. Não fique aí parada como um caroço - Crisântemo falou, empurrando-a por detrás. - Se ele está muito envergonhado, você tem que falar algo! - Crisântemo! - Margarida parecia escandalizada. - Não cabe a Rosa... Por sob as brigas das meninas, Rosa tomou a mão de Galen e aproximou-se dele. - Você quer se casar comigo? - ela sussurrou em um tom bem mais baixo que Amor-perfeito. - Sim - ele afirmou. - Se nenhum dos dois vai falar alto, eu mesmo vou decidir - bradou Rei Gregor. - Como Rosa é a mais velha, entrego-a a você, Galen Werner, para ser sua esposa e cogovernante após minha morte. Pronto. Feito. Ele aplaudiu. - Agora acredito que uma refeição deva ser pedida. Alguém peça que a cozinha mande bebida e comida. - Majestade - Galen começou. - Já falei o que tinha a dizer! - anunciou o rei. - Sim, senhor! - Galen e Rosa disseram em uníssono, ambos sorrindo amplamente.
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Primavera
G
alen casou-se com Rosa debaixo de um dossel de seda branca, erguido ao
lado da fonte do cisne, onde haviam se conhecido. Graças ao trabalho diligente de Reiner, Walter e o resto dos jardineiros, o Jardim da Rainha nunca esteve tão adorável. Galen se ofereceu para ajudar, mas o rei lhe deu o título de cavaleiro, e não teria sido apropriado. Walter confeccionou uma coroa para cada princesa, feitas das flores que lhes davam o nome de batismo. Rosa estava resplandecente em seu vestido branco com rosas vermelhas circundando a testa. O Bispo Karlheim presidiu a cerimônia. Ele havia pessoalmente cuidado para que a Interdição fosse retirada, e os rituais da Igreja restaurados em Westfalin. Angier e o Padre Michel foram escoltados de volta a Roma em desgraça. Os detalhes por trás do mistério das princesas não foram trazidos a público, mas o arcebispo emitiu um comunicado público declarando que as mortes dos príncipes haviam sido acidentais e perdoando a família real e Anne. Por insistência das princesas, não houve dança na recepção do casamento. Em vez disso, sofás foram postados por todo o jardim para que as pessoas pudessem sentar e comer. Galen ao ver Walter se espreguiçar em um sofá rosa colocado debaixo de um amplo olmo, ergueu seu copo. Em resposta, Walter ergueu o dele, assim como sua companheira. Galen piscou: ele não notara antes, mas uma mulher idosa trajando um vestido púrpura estava sentada ao lado do velho. Ao redor de sua cintura estava uma faixa azul volumosa que parecia ter sido anteriormente um cachecol de lã. Galen piscou novamente, e Walter e a mulher haviam desaparecido. - Rosa, você viu... Mas ele não terminou a pergunta. Um jovem vestindo um batido uniforme de soldado veio coxeando pela trilha que brotava da parte de trás dos jardins, apoiando-se pesadamente sobre uma bengala. Ao passar, cada grupo de foliões caiu em silêncio e o observou. Olhando para baixo, Galen pôde ver que Rosa estava encarando o jovem com o rosto pálido.
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- Lírio - ela chamou, com uma voz sufocada. - Lírio! Lírio, que estava limpando bolo do rosto de Petúnia, virou-se. Ela viu o jovem e deixou cair seu lenço úmido. Ele partiu na direção dela, correndo o máximo que sua condição permitia, e Lírio voou para seus braços. - Heinrich! - ela soluçou. - Heinrich! - Ulrike, a prima de Galen, gritou com alegria e também correu para o homem, girando impacientemente ao redor dele, enquanto ele terminava de beijar Lírio; em seguida, ele pôde abraçá-la também. Tia Liesel desmaiou, e a viúva Zelda correu para seu lado. Galen também ameaçou ir até ela, mas Rosa o segurou, os olhos arregalados enquanto fazia um sinal para Reiner Orm. O rosto de Reiner estava sombrio e raivoso enquanto fitava Heinrich com desprazer. - Ulrike - ele latiu. - Afaste-se desse homem! - Mas é Heinrich - ela respondeu em meio às lágrimas. Agora, ela e Lírio estavam de mãos dadas com ele, os três formando um círculo. - Meu filho - Liesel murmurou, ao ser reanimada por Zelda. - Mãe! - Mancando dolorosamente, Heinrich foi até ela, um braço ainda apoiado em Lírio. - Nós não temos filho - Reiner disse friamente. - Isso é uma vergonha - o Rei Gregor falou tão friamente quanto pôde. - Afinal, me parece que minha filha Lírio é apaixonada por este jovem. E com minha filha mais velha casada, busco por um pretendente que seja compatível com ela. Rosa interrompeu: - Soldados dão ótimos maridos, pai - ela abraçou Galen pela cintura. - Assim tenho percebido, minha querida - disse o rei. - Senhor - Heinrich falou, claramente ferido pelo repúdio de seu pai -, eu sou Heinrich Orm. - Sei quem você é, rapaz - Gregor disse gentilmente. O casamento lhe deixara de ótimo humor.
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- Amo muito sua filha Lírio, senhor - ele prosseguiu, com Lírio segurando firme sua mão. - Foi apenas este ferimento que me impediu de retornar antes para pedir a mão dela em casamento. - Oh, pai, por favor, diga sim - Lírio implorou, suas bochechas molhadas de lágrimas e os olhos brilhando como estrelas. Galen pôde ver pelas insígnias no ombro de Heinrich que ele havia sido sargento. Também pôde ver, pela cor delas, que ele estivera no regimento Águia. Galen fez um sinal afirmativo para seu primo e voltou-se para o sogro: - Senhor, se me for permitido dizer, como sargento do regimento Águia, Heinrich era o primeiro a liderar qualquer ataque e o último a se retirar. Eles eram lendários entre o exército por sua coragem e habilidade. - É verdade? - Gregor parecia impressionado. - Ele abandonou seus deveres como jardineiro, senhor - Reiner falou, ainda roxo de raiva. - Ele desafiou minhas vontades! Eu o reneguei! - Reiner, segure sua língua - de pé novamente, tia Liesel se adiantou e abraçou o filho, beijando suas bochechas e ensopando-o com suas lágrimas. - Eu deixei que colocasse a guirlanda de luto na porta. Deixei que falasse de nosso filho como se ele estivesse morto, porque, quando chegaram notícias por meio dos filhos de nossos vizinhos dos horrores da guerra, e não havia sinal de Heinrich, eu presumi que ele estivesse morto. Mas ele não está - ela prosseguiu, em meio a soluços. - Está vivo! E apaixonado por esta bela princesa! - Ela beijou a bochecha de Lírio. - Não consegue enxergar, Reiner? Fomos abençoados! Ela estendeu uma mão para Galen, que a segurou, ainda de mãos dadas com Rosa: - Nosso filho voltou para nós! O querido garoto de Renata retomou e salvou as princesas de sabe-se lá quais horrores! É um milagre! A festa inteira prendeu o fôlego, os olhares sobre Reiner Orm. Afinal, com uma umidade suspeita nos olhos, Reiner meneou, suspirou e falou em meio a um grunhido: - Bem - vindo de volta, filho. - Obrigado, senhor - Heinrich respondeu. Reiner estendeu a mão para cumprimentá-lo à maneira dos homens. Heinrich soltou Lírio e sua mãe e abraçou o pai.
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O Rei Gregor balançou a cabeça e murmurou algo sobre "velho teimoso". Galen e Rosa se entreolharam e partilharam um sorriso. Então, enquanto Lírio ajudava Heinrich a ir até o sofá e Orquídea trazia-lhe bolo e limonada, Rosa sentouse em outro sofá e suspirou. Galen sentou-se ao seu lado. - Então este é meu primo - falou, pensativo. - Sim. E esse é o grande escândalo de Bruch. O filho do jardineiro se apaixonou pela princesa, então seu pai declarou que ele estava morto quando ele foi para o exército - ela explicou. - Era só sobre o que as fofocas falavam até que nossas sapatilhas ganharam destaque. Galen tocou a bochecha dela: - Você nunca dançará comigo? Eu gostei bastante daquela vez, no Baile da Meia-noite. Mas não me importaria de estar visível para que você pisasse menos nos meus dedos. Rosa lançou-lhe uma olhadela: - Ah! Sou uma dançarina maravilhosa! Mas prometi ao meu pai que não usaria mais sapatilhas de dança. - Tudo bem - Galen respondeu. Ele se inclinou e tirou os sapatos, jogando-os por sobre os ombros nos galhos de uma lilás. – Você me concede esta dança? – Galen guiou Rosa pelo gramado macio e bailou com ela pelo chão plaino e verdejante até que o Sol se pôs e as estrelas brilharam no negro céu noturno.
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O xale de rosa Materiais: Agulha circular com 13 centímetros (você pode optar por começar com agulhas retas e trocar para as longas e circulares quando o xale começar a ficar longo demais para as retas). Aproximadamente 430 metros de fios grossos volumosos. Agulha de tapetes para as extremidades. Instruções: Prepare quatro pontos. Prenda um alfinete de segurança ou um marcador que indique o lado correto do trabalho. Todas as fileiras de número ímpar começarão com esse marcador à direita. Linha 1: passo 1, tricote em frente ao próximo ponto, não retire da agulha à esquerda, passe pela parte traseira do ponto, retire. Repita, tricote o último ponto. Agora você tem seis pontos. Linha 2: passo 2, costure à frente e atrás dos próximos dois pontos, tricote oito pontos. Linha 3: tricote transversalmente. Linha 4: passo 3, passe o fio por cima (passe o fio sobre a agulha direita para adicionar um ponto sem costurar), inverta 2, passe por cima, tricote 3. 208
Repita as linhas três e quatro até que a peça tenha doze pontos. Agora você pode adicionar o padrão flor, disponível em um PDF no endereço: www.jessicadaygeorge.com. Se não quiser o padrão, continue a trabalhar nas Linhas 3 e 4 até que o xale tenha as medidas de dedo a dedo do usuário. Arremate.
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A corrente de lã negra
Materiais: Conjunto de quatro agulhas com ponta dupla, de 10 cm. Um novelo de lã. Procedimentos: Prepare 24 pontos, dividindo-os igualmente entre três agulhas (oito por agulha). Coloque um marcado r e comece a trabalhar em um círculo, cuidado para não fazer uma curva. Costure quatro círculos, arremate e entrelace as extremidades. Prepare 24 pontos, deslize um elo antes dentro das agulhas de forma que ele fique pendurado em sua agulha central, certificando-se de que seu fio de trabalho não emaranhe no elo. Ligue e costure quatro círculos, arremate. Prepare vinte pontos, deslize seus elos pela agulha central, certificando-se de que seu fio não emaranhe e que somente um dos elos (não ambos!) esteja pendurado no elo que será produzido agora. Costure quatro círculos, arremate. Continue dessa maneira por quantos elos quiser fazer. Para feltrar: coloque a corrente em uma fronha com zíper ou uma fronha comum (amarre a abertura em um nó para que a corrente não caia) e lave-a com calor/frio junto com uma toalha ou duas para aumentar a agitação. Lave a corrente de duas a três vezes até que esteja feltrada ao seu gosto. Enrole em uma toalha para retirar o excesso de água, e coloque em outra toalha para secar, moldando os elos ao seu gosto. Além das funções mágicas, a corrente pode ser usada como cinto, cachecol ou correia para uma sacola.
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Fibras feitas pelo homem não feltrarão, nem lã "superlavada" que tenha sido tratada para se tornar lavável. Certifique-se de que seu fio é 100% lã ou uma mistura de lã e outras fibras naturais, como Mohair (pelo de cabra angolana), angorá ou soja. O rótulo normalmente indica se o fio irá feltrar ou não.
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Guia de pronúncia O continente de Ionia é baseado na Europa, e Westfalin é bem parecida com a Alemanha do século XIX. A maioria dos nomes utilizados são nomes alemães existentes e devem ser pronunciados como tal. Por exemplo, "j" é pronunciado como "i", e "w" é "v". Galen = ga-Ien Heinrich = rain-rick Jutta = iu-ta Kathe = ca-te Liesel = li-zel Reiner = rai-ner Tante* (tia) = tan-te *N.T.: No texto, o termo "tante" foi traduzido para "tia".
Ulrike = ul-ri-que
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Vogel = fô-gal Von Aue = fon aue Walter = val-ter Werner = vér-ner Westfalin = vést-falin Wolfram = vôlf-ram Os nomes dos príncipes Sob Pedra devem ser pronunciados da forma mais simples possível, com ênfase na primeira sílaba: RY-o-nin, ILL-i-ken.
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