A arte de caminhar: o uso do território pelos homens lentos

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A arte de caminhar o uso do território pelos homens lentos

Larissa Fonseca



LARISSA CRISTINA COSTA FONSECA

A arte de caminhar o uso do território pelos homens lentos

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Minas Gerais - IFMG campus Santa Luzia, como exigência para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: ProfªDra. Simone Parrela Tostes

SANTA LUZIA Abril de 2021



Agradecimentos Aos homens lentos, protagonistas dessa narrativa: Remington, Oliver, Olívio e Lafayete, por toda força, suor e recepção; A minha orientadora, Simone, por todo conhecimento partilhado, inspiração e vibração; Aos meus pais, por todo apoio, incentivo e segurança; Aos meus familiares, que construíram parte da história aqui contada; Aos amigos queridos que acompanharam essa trajetória; Ao IFMG, que através do ensino público me permitiu ir além dos muros. Obrigada!



“A modernidade é tempo e espaço, mas divididos: entre territórios, entre tempos, vai-se fazendo o mundo bipartido. Nos subterrâneos da economia urbana, há lentidão e opacidade. Na economia moderna da cidade, vê-se a pressa e a luz. Entretanto, é a velocidade e a luminosidade que produzem cegueiras.” Milton Santos, 1959



Resumo Nesta pesquisa, parte-se da ideia de que “a cidade é o lugar do mundo que mais se move; e os homens também”. Os homens se movem dentro da “conflituosidade urbana” que está repleta de riscos. Ter o poder de escolha e as condições de enfrentar ou não esses riscos acaba dividindo os sujeitos. Aqueles que não tem opções e condições de resguardo foram chamamos por Santos de “homens lentos”. Os homens lentos estão fora da velocidade dos processos das cidades por terem que se arriscar todos os dias por algo maior: a sobrevivência. Em meio a conflitos e contradições presentes no território, os lentos acabam inventando soluções para suas necessidades e como consequência dispõem de visões diferentes do espaço-tempo urbano. Assim, busca-se desvendar e compreender, através da imersão no território usado, como usuária e futura planejadora, os usos, tempos, caminhos e percepções dos moradores do bairro Sagrada Família, região Leste de Belo Horizonte - MG. A pesquisa ainda traz um capítulo especial sobre os usos e percepções do território do homem lento que enfrenta a pandemia da COVID-19. Se antes os lentos demonstravam sua exclusão sendo aqueles que não tinham acesso as velocidades, no atual cenário, tornaram-se aqueles que fluem sob a cidade, mas no contexto, o que existe de mais cruel é movimentar-se. A partir de análise bibliográfica, conceituações, resgate histórico e do processo de imersão no território usado, buscam-se apreender e iluminar a existência singular de cada homens. Essa composição quer responder perguntas, mas também questionar o leitor a encontrar novas respostas através de sua própria unicidade.

Palavras Chave: Homens lentos; Território; Espaço; Cidade; Sagrada Família.


[01]: Bairro Sagrada Família, Belo Horizonte Foto: própria autora


Sumário Introdução 12 [01] Espaços, territórios, homens e suas contradições 18 [02] Um desvio no caminho: uma experiência de deriva 28 [03] Quem são os homens lentos? 40 [04] Sagrada Família: breve histórico 42 [05] Andanças: memórias compartilhadas, cotidianos narrados 62 Remington 68 Oliver 74 Olívio 82 Lafayete 90 [06] A força dos fracos é seu tempo lento 96 [07] 2020: a força dos fracos é seu tempo rápido? 102 Considerações finais 112 Referências bibliográficas 116 Listas 120


[02]: Cidade: organismo vivo Estação Carlos Prates, Belo Horizonte Foto: @thiagomobile


Introdução Segundo o professor Milton Santos1, a cidade é o lugar em que o mundo se move mais; e os homens também. Os homens são os principais agentes, que através de sua habitação, tecnologia, costumes e caminhos, transformam a cidade em um organismo vivo (KRAMER, 2015). Alguns desses homens tem opções e condições de resguardo frente a conflituosidade urbana; outros não. Os “sujeitos sem opções” foram chamados por Santos de “homens lentos” (1994, p.41). Estes homens estão fora da velocidade dos processos hegemônicos2, formando visões diferentes do espaço-tempo urbano, criando outras lógicas e assim, desvendando outras cidades através de suas práticas no território. É nesta temporalidade que se afirma o "homem lento", conquistador de oportunidades de sobrevivência e real sujeito das resistências que emergem nos espaços clean e nas grandes superfícies da última modernidade. É na agência cotidiana que o "homem lento", conduzido pela cultura ordinária, aparece como portador de futuros e também como inventor de soluções. (RIBEIRO, 2005, p.2)

Movidos pela força da necessidade, os lentos transitam por todo o território, enfrentando, portanto, os riscos nele existente. Intempéries, influência de terceiros, processos urbanos, além da presente exclusão social, são alguns conflitos driblados por cada um a seu modo. Entre tantos caminhos e velocidades existentes na cidade, é possível identificar ainda a existência de espaços luminosos e opacos3, conceitos também de Milton Santos, sendo respectivamente, espaços que acumulam densidades técnicas e informacionais e subespaços onde essas densidades estão ausentes. 1 SANTOS 1994, p.40; 2 MIRANDA, 2005, p.20. Tornar-se hegemônico significa conseguir uma posição de supremacia na sociedade, passando a dominá-la através da força, das instituições do Estado e do governo político (BRUNELLO, 2013, p.1); 3 SANTOS e SILVEIRA 2001, p.264. A arte de caminhar

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A singularidade que cada homem apresenta diante do enfrentamento no território traz algumas questões: “Quantas cidades existem dentro da cidade?”, “O que difere a condição temporal de cada homem no território da cidade contemporânea? “Esses homens carregam em si partes do território?” e “Todas essas visões teriam a ver com a afirmação de Santos de que o território é socialmente construído?” Com base nessas questões, propõe-se a análise do uso diverso do território pelos homens pobres, nomeados aqui de homens lentos. Por meio do método “de perto e de dentro”4 aplicado através de andanças e observações do território usado e praticado por esses homens, me coloco como parte do produto urbano, ora como usuária, mas também como futura planejadora. O espaço de análise deste trabalho é o bairro Sagrada Família, região Leste de Belo Horizonte – MG e os homens lentos, residentes deste espaço, são os sujeitos a serem analisados, uma vez que “o que constitui o território é a vida das pessoas” (TOSTES, 2020)5 . A conexão das memórias divididas por meio de conversas, somada ao histórico do território, ilustra os conceitos teóricos que embasam a pesquisa, responde as questões propostas, bem como geram novos questionamentos sobre as formas de ver e viver a cidade. Esta pesquisa poderia ater-se ao bairro e homens moradores deste, entretanto, no ano da escrita dessa monografia o mundo veloz deparou-se com a repressão da pandemia da COVID-19 sendo obrigado a diminuir a velocidade. Para os homens lentos, essa situação se tornou mais um desafio a ser driblado. Os entregadores de aplicativo, aqui, ilustram a situação de milhares de brasileiros que continuaram se arriscando na cidade em meio ao caos pandêmico, transformando-se em homens rápidos temporários. Por conta disso, um capítulo especial foi adicionado a pesquisa, expondo mais uma faceta cruel da sociedade hegemônica.

4 MAGNANI, 2002; 5 Orientação de TCC realizada com a prof.ª. Dra. Simone Parrela Tostes no dia 31 de agosto de 2020. 14


O capítulo 1, “Espaços, territórios, homens e suas contradições”, embasa o leitor sobre os conceitos usados no trabalho. O olhar do professor Milton Santos é o principal guia na jornada de conhecimento e compreensão do território, construído sob as fragmentações urbanas que acabaram influenciando diretamente a vida das pessoas. O capítulo 2, “Um desvio no caminho”, consiste em um relato próprio, acerca da experiência da caminhada estética em um território desconhecido, resultando no interesse pelo tema da seguinte pesquisa. O capítulo 3, “Quem são os homens lentos?”, expõe o perfil observado e usado para definir entre tantos homens moradores do bairro Sagrada Família, aqueles escolhidos como colaboradores. O capítulo 4, apresenta “Um breve histórico” de Belo Horizonte e do bairro Sagrada Família, expondo a construção fragmentada desse território, o crescimento e a mudança de seus usos e quais são os processos urbanos efetivos responsáveis. O capítulo 5, “Andanças”, narra as memórias e o cotidiano dos homens lentos e descreve a situação atual que os rodeia, comparando assim as temporalidades existentes e de quais formas esses homens as enfrentam. A visão de perto e de dentro da temporalidade desses homens também é narrada e comparada a diversos processos. O capítulo 6, cruza as memórias e cotidianos com os conceitos já apresentados, buscando responder as questões apresentadas e criar novos questionamentos ao leitor. O capítulo 7, volta-se totalmente a vida do homem lento que enfrenta a pandemia da COVID-19. A pesquisa responde as questões apresentadas, embasadas em conceitos de diversas disciplinas das ciências humanas, mas também ilumina a existência desses homens que tentam fluir junto ao ritmo da cidade. Esse composto de caminhos, histórias, enfrentamentos, tempos e conceitos busca provocar o leitor, seja ele quem for, a se questionar e encontrar novas respostas através de sua própria singularidade.

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A maneira como conformamos nosso entorno é

uma expressão de construção interna (...) para

compreender a plenitude dos feitos das pólis devemos

desviar os olhos das edificações e encarar mais

nitidamente o cidadão. LEITÃO, 2014

[03]: “Fluindo” na ritmo da cidade Foto: @crivelito A arte de caminhar

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Espaços, territórios, homens e suas contradições Para compreender a realidade da cidade contemporânea, é necessário esclarecer alguns processos que a formam. Nesta pesquisa, o caminho para essa compreensão será guiado principalmente pelas obras e conceitos do professor Milton Santos. O espaço é um objeto de estudo de diferentes disciplinas das ciências humanas (MIRANDA, 2005, p.16), portanto, é uma tarefa árdua encontrar uma única definição para tal. Cada uma das ciências possui diversas acepções, recebe diferentes elementos, de forma que, toda e qualquer definição não é uma definição imutável, fixa, eterna; ela é flexível e permite mudanças (SANTOS, 1978). Milton Santos elegeu como prioritário o “espaço do homem”, “espaço humano” aquele (...) que contém ou é contido por todos esses múltiplos de espaço. (1978, p.120). Arquitetos e urbanistas muitas vezes tendem a priorizar questões como forma e funções técnicas para um determinado espaço, mas, através do olhar da Geografia, afirmada por Henri Lefebvre (2000) como ciência do espaço humano, é possível reconhecer sua função social. A História também faz parte do estudo do espaço do homem, já que, é necessário resgatar o processo histórico que formou a atualidade para compreendê-la. Essas ciências mantém uma relação de reciprocidade, pois, apesar de terem seus campos de estudo, ambas se complementam, tornando-se hibrídas. Enquanto a Geografia estuda o espaço, a História estuda o tempo; tempo e espaço se produzem (ARCANJO, 2020)6. Portanto, primeiramente, propõe-se uma ótica interdisciplinar, que mescla as visões das já citadas ciências humanas e que possibilita a compreensão dos processos que formaram a realidade da cidade contemporânea através do tempo.

6 Podcast “Geografia em Pauta” narrado pelo professor Rogerdautry Praxedes Arcanjo. Episódio 7 “A globalização das desigualdades” disponível na plataforma Spotify desde 1 de abril de 2020. Acesso em: 23 de março de 2021.

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[04]: Correndo (no ritmo da cidade?) foto: @fredericobbs


Segundo a professora Maria Adélia de Souza (2018), para compreender a ideias de Milton Santos é essencial esclarecer os conceitos de espaço geográfico e território usado. O espaço geográfico deve ser compreendido como categoria de análise social (SOUZA, 2018 apud SANTOS). Trata-se do composto de um sistema de ações e objetos7, que se impõe a tudo e a todos e como já dito, se produz. Já o território usado é o espaço geográfico historicizado pelo uso de um povo, uma nação (SOUZA, 2018).

O território não é uma categoria de análise, a categoria de análise é o território usado. Ou seja, para que o território se torne uma categoria de análise dentro das ciências sociais e com vistas à produção de projetos, isto é, com vistas à política [...] deve-se tomá-lo como território usado. (RIBEIRO et al., 2001-2002, p. 4)

Souza afirma que tudo que existe usa o território (2018). Ao longo dos anos, sociedades participaram desse uso, logo, deixaram suas marcas. A fragmentação urbana é uma dessas marcas. Santos classificou o território em dois usos – ou fragmentações – principais: território como recurso e território como abrigo (2000a, p.16). O território como recurso, é algo a mais para que o sistema gire. É constituido por uma estrutura moderna e acelerada para que os processos aconteçam. Já o chamado território como abrigo, serve de base áqueles que vivem nele; é um espaço banal, que em tese deveria ser de todos, entretanto, existe uma concorrência entre os agentes que historizam esses territórios. De um lado, empresas que buscam lucro e do outro cidadãos vivem suas vidas. A concorrência é o que constituí o território fragmentado da cidade contemporânea (SOUZA, 2018). Assim, conclui-se que, o uso é o principal responsável pela fragmentação. Este mundo bipartido8 é a liga principal para a construção da cidade fragmentada, que acaba não dividindo somente espaços e territórios, mas homens. 7 SANTOS, 1994, pg.44. 8 SANTOS, 2008

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[05]: Território usado: edificado e fragmentado Foto: @crivelito


Para os agentes hegemônicos o ‘território usado’ é um recurso, garantia de realização de seus interesses particulares. Desse modo, o rebatimento de suas ações conduz a uma constante adaptação do seu uso, com adição de uma materialidade funcional ao exercício das atividades exógenas ao lugar, aprofundando a divisão social e territorial do trabalho, mediante a seletividade dos investimentos econômicos que gera um uso corporativo do território. (...) Os atores hegemonizados têm o território como um abrigo, buscando constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo tempo que recriam estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares. (SANTOS, 2000, p. 12)

João do Rio já afirmava em A alma encantadora das ruas (1951) que “a rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento” (p.16). Essa obra é um exemplo de descrição das transformações temporais que o progresso trouxe para o cenário urbano do Rio de Janeiro. A questão relevante, diz respeito “aos diversos sentidos atribuídos a cidade (...) um espaço de apreensão e, ao mesmo tempo, de revelação de como se constrói a história da sociedade e se realizam as relações sociais” (BARROSO, 2012, p.85). O dito progresso acabou dividindo a cidade e as pessoas. Por conta disso, João do Rio nos apresenta a figura do flâneur, conceito cunhado por Charles Baudelaire no século XIX, que descreve um vadio que perambula pelas ruas da cidade em busca de experiências. Em meio ao desenvolvimento da cidade e do glamour da elite carioca, a escrita do autor revela também as diversas fragmentações urbanas, encaradas pelo flâneur como uma experiência de atravessamento de territórios,9 justificada pela desigualdade social, preconceito e pelo próprio planejamento urbano. A questão das fragmentações urbanas e atravessamento de territórios abordadas por João do Rio, remetem aos conceitos de Milton Santos e María Laura Silveira de espaços luminosos e opacos no território.

9 Charles Baudelaire foi um poeta e teórico francês que durante o século XIX usou o termo flâneur em seu poema Les Fleurs du mal (1857) para descrever um andarilho que passeia pelas ruas da cidade por capricho, deixando apenas a sorte guiar o caminho (HUBERMAN, 2015). O termo foi popularizado por Walter Benjamin, literário alemão, no século XX.

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Chamaremos de espaços luminosos aqueles que mais acumulam densidades técnicas e informacionais, ficando assim mais aptos a atrair atividades com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização. Por oposição, os subespaços onde tais características estão ausentes seriam os espaços opacos (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.264).

“Opaco” e “luminoso” estão adjetivando o vocábulo “espaço”. Ora, a conceituação desse espaço é produzida sobre lentes que o diferenciam por um conjunto de objetos e de ações que o tornam “luminoso” ou “opaco” (BEGA, 2008, p.29). A cidade contemporânea é o lugar onde estão presentes não somente esses espaços diferenciados por suas qualidades ou defeitos, mas, é também onde está a vida das pessoas. Seguindo esta lógica, Santos afirma que a cidade é o lugar do mundo que mais se move; e os homens também (1994, p.40), logo, é compreensível que o espaço seja conflituoso. A movimentação é o que faz o sistema girar. A dita conflituosidade (MIRANDA, 2005, p.11) é um dado de análise espacial que divide os homens, habitantes da cidade, em sujeitos com e sem opções e condições de enfrentar o conflito. Os aqui chamados de homens “com opção”, vivem sob a ideologia da produtividade, qualidade e velocidade10. Estes têm a opção e condição de se expor ou não a conflituosidade/riscos que a cidade apresenta, porque a modernidade e velocidade que os rodeia permite a escolha. Do outro lado, existem os homens “sem opção”. Ao contrário dos homens “com opção”, estes não vivem rodeados pela modernidade e velocidade, estão fora da linha do progresso e por conta disso precisam se expor por uma força maior, que é a força da sobrevivência. Estes homens, em meio a escassez, justificada pela desigualdade social, acabam inventando soluções para suas necessidades e como consequência dispõem de visões diferentes do espaço-tempo urbano. Milton Santos nomeou esses homens de homens lentos.

10 MIRANDA, 2005, pg.24, Notas de rodapé. “A construção intelectual do¬minante se articula em torno de ideias como produtividade, qualidade, velocidade. Nada disso é um dado do real, é apenas ideologia. Um sistema ideológico comanda a economia e, por conseguinte, comanda o resto [...] (SANTOS, M., 1998a, p. 96).

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[06]: Volta para casa Foto: @msamotta

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[07]: A espera Foto: @msamotta


A lentidão diz respeito ao ritmo que esses homens se movem dentro da cidade. Para eles, o progresso chega – quando chega – de forma lenta, por isso a alusão a falta de velocidade. O lento é também chamado de inventor de soluções e conquistador de oportunidades (RIBEIRO, 2005). A partir desses esclarecimentos em relação ao espaço, território e homens habitantes da cidade, a pesquisa adentra na lógica dos homens lentos, moradores e comerciantes do bairro Sagrada Família, zona leste de Belo Horizonte, Minas Gerais. Estes homens construíram suas vidas através de enfrentamentos e resistência aos processos que os excluem e como consequência de sua lentidão perceberam e descobriram novas cidades e maneiras de permanecer. Em meio aos espaços opacos e luminosos – classificados aqui por quem os vivência – a pesquisa busca comprovar que “a força dos fracos é seu tempo lento” (SANTOS, 1994, p.41). O território dos lentos é um território usado, praticado, prenhe das experiências daqueles que conquistam a sobrevivência em ambientes que excludente. O homem lento é aquele que desvenda os recursos indispensáveis à vida (RIBEIRO, 2005).

A velocidade está ao alcance de um número limitado de pessoas

de tal forma que segundo as possibilidades de cada um, as

distâncias têm significações e efeitos diversos e o uso do mesmo

relógio não permite igual economia de tempo. SANTOS, 2000

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Vem, vamos embora, que esperar não é saber,

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quem sabe faz a hora, não espera acontecer

[08]: Seguindo o caminho Foto: @rodriguesmateus_

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Um desvio no caminho...

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DIÁRIO DE BORDO: Laguna, SC

[09]: Praia do Boto Pescador, Laguna-SC, 2020 Foto: própria autora


Uma experiência de deriva Neste trecho da pesquisa, quero dividir um pouco da experiência que despertou meu interesse em relação as práticas no território. Tive a oportunidade de conhecer e experimentar, fora do meu contexto, um outro ritmo de cidade. Guiada por muitos conceitos, que na época não conhecia, passei a olhar mais criticamente para o território e as especificidades de cada local. Essa experiência teve um impacto significativo para este trabalho tor nando-se parte da justificativa para a escolha do tema. Por uma casualidade, tive a oportunidade participar de um encontro de estudantes de Arquitetura e Urbanismo em janeiro de 2020, na cidade de Laguna, em Santa Catarina. Laguna é uma cidade colonial, fundada como vila em 1676, a cerca de 129km da capital do estado, Florianopólis. Famosa por seu Centro Histórico, conta com mais de 600 edificações tombadas pelo IPHAN, em 2016. A economia gira principalmente em tor no da pesca e do turismo. Além de belezas naturais, Laguna é uma cidade mig ratória. A Universdade do Estado de Santa Catarina, a UDESC, inaugurou um campus em 2008, recebendo assim estudantes que se tor naram moradores.


Apesar das festas típicas e das g randes temporadas de férias contribuírem muito para a movimentação da economia, nas ditas baixas temporadas, a cidade ficava vazia. Os novos moradores proporciaram a vida contínua da cidade, passando então, a desenvolver uma relação de mutualismo, onde Laguna oferece o espaço e o saber e os estudantes aplicam o conhecimento adquirido em ações sociais, através da e xtensão universitária e eventos, entre eles, o ENEA (Encontro Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo). O encontro teve como temática a “Transurbância”, conceito do arquiteto italiano Francesco Careri. Sendo “trans” para além, através e “urbância” relativo a cidade ou ao cidadão, o encontro propunha que os estudantes caminhassem para além da cidade espetacularizada, ou seja, para além dos lugares que estavam nos guias e infor mativos turísticos. Fomos convidados a enxergar os espaços invisíveis, assim como Francesco Careri propôs a seus alunos em 1995, em Roma. Naquele momento, fomos colocados no lugar dos Stalkers, nome que Careri atribuiu ao g rupo que caminhou para além dos espaços tradicionais. Além da transurbância, fui apresentada a outros conceitos. Deriva, errante, luminoso, opaco, estriado, liso. Ter mos acadêmicos, aplicáveis e ao final da viagem percebi que também eram contemporâneos. Durante sete dias, me per miti fazer a caminhada transurbante, abrindo mão das minhas referências cotidianas, me tor nando uma errante a deriva, ou, uma caminhante aberta a todos os estímulos que Laguna pudesse me oferecer. A escritora Beatriz Sarlo (2014) fala em sua obra sobre como o turista é um caminhante “puro” que se per mite ir além da automatização do dia a dia, mas, em Laguna, fomos convidados a nos per mitir, sem preocupações ou obrigações, estavámos ali para caminhar, perceber e desfrutar dos caminhos.


[10]: Informativo turistíco de Laguna


[11]: Derivando pela Centro Histórico de Laguna. Foto: própria autora

Entre todas as derivas, uma em particular, me fe z compreender os demais conceitos apresentados no encontro e acredito que tenha sido o gatilho inicial para a escolha do tema dessa pesquisa. A deriva, nomeada “Desaprender a andar pela cidade”, buscava redescobrir o ato de caminhar. Como turistas, não tinhamos imagens esteriotipadas da cidade. Éramos corpos prontos para acumular novas e xperiências. Através de um mapa tínhamos acesso aos percursos mais utilizados pelos moradores de duas áreas da cidade e a partir de fotos, vídeos ou desenhos, registramos os relatos da e xperiência do caminhar por um local desconhecido. No fim nos encontraríamos para comparar os registros. Assim, fomos divididos: um g rupo seguiu para o centro histórico e outro para a Vila Vitória, que ficava nas margens da cidade e era conhecida pela pesca artesanal.


[12]: Entrada Vila Vitória Foto: própria autora

[13]:

Casas da Vila Vitória. Foto: própria autora

No ônibus que nos levou a Vila, fomos avisados que o bairro era um local tranquilo, mas visto pelos cidadãos lagunenses como hostil. O percuso tinha muito a dizer sobre o adjetivo: eram cerca de 10 minutos do centro até o bairro, mas a mudança de paisagem era vísivel. Em deter minada parte do caminho a estrada deixou de ser asfaltada. Havia resíduos de construção civil e carcaças de barcos nas calçadas. O ônibus nos deixou na entrada, para iniciar mos a deriva e logo ali na frente, a poucos passos, era possível ver o mar e equilibradas de um jeito torto, as casas de palafita. Ali moravam os pescadores que abasteciam o recém restaurado Mercado Público.


[14]: Margens Vila Vitória Foto: própria autora

[15]: Garagens de barco Foto: própria autora

[16]: Vila Vitória Foto: própria autora


O mapa entregue apontava mais de uma rota. Escolhi a que seguia pela margem da Vila. A paisagem não mudava muito, de um lado o mar, do outro casas bem simples. Nenhum comércio, mas, alguns moradores nas portas de suas casas acompanharam nossas andanças. Um carro ou outro, muitos barcos. Caminhei, percebi, tirei fotos, fiz vídeos e voltei para o ônibus. Seguimos para o centro e encontramos com o outro g rupo. Sentados em roda, debatemos sobre os percursos. O centro é o g rande orgulho turístico de Laguna, não havia dúvidas. Eram tantas atrações, comércios, restaurantes que ofereciam os mais variados pratos. Já a Vila Vitória fazia alusão ao esquecimento. Estava na margem, além da cidade turística, faz parte da periferia, entretanto, tem um papel importante para Laguna: abastece os restaurantes do centro que fazem questão de lembrar que os frutos do mar usados vem da pesca artesanal. Um dos responsáveis pela deriva pediu a palavra durante a roda e contou um pouco sobre conversas que teve com os moradores da Vila. O fato é que alguns não se sentiam parte de Laguna, não gostavam de frequentar pelo centro histórico e só andavam por ali para cortar caminho, ir trabalhar ou participar alguma festa da cidade. “O centro é lugar de turista”. Fazendo agora alusão aos conceitos apresentados no encontro: o centro é um espaço luminoso. A cidade faz questão de virar todas as atenções para aquele espaço belo, restaurado, prog ressista. Espaço estriado e sedentário, porque tudo está ali, ao alcance das mãos, com fácil acesso, mas, o acesso “não é para qualquer um”. Já a Vila Vitória é um espaço opaco, espaços dos homens nômades, lentos. Espaço liso, escondido nas dobras da própria cidade luminosa. Os pescadores moradores da Vila se arriscam nos mares todos os dias pela força da necessidade. É dali que sai, para muitas famílias, a principal fonte de renda.


A pescaria artesanal resiste a anos e assim irá continuar, já que é um trabalho passado de pai para filho. Após essa viagem, dei início a essa pesquisa e hoje tenho visões mais concretas sobre a e xperiência. Primeiramente, compreendi que a temática do encontro não foi uma apropriação de um ter mo europeu de um movimento pós moder no e sim o apontamento de uma questão que acontece em todas as cidades e precisa de leitura. Laguna é uma cidadedocumento, cheia de histórias para vender, caractéristica que passei a obser var em todas as cidades históricas. A questão é: documento para quem? Certamente, para o homem branco, classe média-alta e tradicional. O documento não descreve o invisível, o oprimido, o pobre pescador, mesmo que esse também participe ativamente da história. Cidadãos que buscam pertencimento, que lutam por seu espaço e são invisibilizados. Em Roma e no Brasil. Em 1995 e em 2020. Hoje vejo a importância da errância universitária, da curiosidade do aluno que quer ver na prática o que é ensinado na sala de aula. Entretanto, são de zenas de arquitetos urbanistas for mados, mas, milhares de pessoas sem moradia e/ou escondidas nas margens da cidade. Onde está o urbanismo que aprendemos em aula? Somos predadores ou mediadores no território? O que e xiste atrás do patrimônio espetacularizado? É decerto que precisamos obser var a arquitetura e urbanismo do lugar que atuamos antes de conceber projetos. Precisamos visibilizar a história do nosso lugar para que ele pertença a todos. Precisamos compreender que em meio aceleração das cidades-documento e xiste a lentidão dos homens comuns e eles são os verdadeiros homens velozes, mas na descoberta e na adaptação da cidade que os joga para as margens.


[17]: Intervenção no Centro de Laguna “A história das pessoas também contam a história da cidade, #SOMOSPARTEDAPAISAG EM Foto: própria autora

“Existem atos a serem reconhecidos e valorizados e ainda vozes a serem ouvidas e inscritas na formulação de futuros possíveis” Ana Clara Torres Ribeiro (2000)


Quem são os homens lentos?

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Ao imergir no território usado pelos homens lentos, através do método proposto pelo antrópolo José Guilherme Magnani, “de perto e de dentro”, foram observadas algumas caractéristicas semelhantes. Assim, foi possível definir uma espécie de perfil de caráter subjetivo que não mostra números concretos, mas narrativas, ideias e experiências individuais. Nas palavras de Magnani11, “os fragmentos podem se arranjar num todo que oferece a pista para um novo entendimento. A metodologia proposta foca no olhar para o outro, aliás, na relação do outro com o espaço urbano”. Este olhar foi apreendido através também de entrevistas e conversas informais com os moradores e comerciantes do bairro Sagrada Família. Assim foram observados e definidos os seguintes aspectos: 1. Pessoas de classes média/baixa que tiveram ou não a educação interrompida por força da necessidade e/ou similar; 2. Pessoas que exercem atividades profissionais manuais, aprendidas com outras pessoas, sem necessitar de profissionalização específica e/ou similar; 3. Moradores, ex-moradores e/ou comerciantes do bairro Sagrada Família por um tempo considerável (a partir de 15 anos); O aspecto 1 diz respeito a própria conceituação de homens lentos, ou seja, homens e mulheres pobres, que não se encaixam na normatividade da sociedade hegemônica. A pobreza está diretamente ligada a ideia de exclusão social. A questão da educação também entra como semelhança entre esses homens. O aspecto 2 trata-se da semelhaça em relação ao ofício desses homens, que coincidente em funções manuais, que foram aprendidas com membros de suas famílias ou conhecidos, alguns a partir da curiosidade, mas logo, tornouse uma questão de necessidade. O aspecto 3 foi definido por conta do conhecimento pessoal da história de construção do bairro, que abriga desde famílias de classe baixa a classe alta, situação explicada pelo crescimento urbano, valorização imobiliária e heranças. A questão do tempo de estadia no bairro foi a única realmente definida como fator, para que houvesse uma visão perceptível e considerável quanto as mudanças urbanas e afetivas, não só na região do Sagrada Família, mas, dos territórios enfrentados pelos homens que se descolam para dentro e fora desse território conhecido. 11

PEDROSA, 2016, pg.39; A arte de caminhar

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[18]: Planta geral Cidade de Minas, 1895 Fonte: APCBH


Bairro Sagrada Família

breve histórico

Em 1897, no arraial conhecido como Curral del Rei, foi construída a capital do estado de Minas Gerais, Belo Horizonte. Planejada por uma equipe de engenheiros e arquitetos da época, o plano utópico seguia uma lógica de ordem positivista e geométrica, para ser uma capital moderna e simbolizar uma empreitada rumo ao progresso (BAGGIO, 2006, p.45)12. A cidade inicialmente previa uma divisão em três setores: uma área central, denominada urbana; em torno desta, uma outra denominada suburbana e uma terceira área, chamada rural (APCBH, 2008, pg.9). A Avenida do Contorno, nomeada assim por contornar toda a área urbana, é o elemento urbano responsavél por estabelecer essa transição de áreas, limitando dentro de si infraestrutura e serviços essenciais. A área central urbana abrigava toda estrutura básica, ou seja, transporte, educação, saneamento, edifícios públicos e comércio; a área suburbana deveria ter sido ocupada posteriormente, devido a isso não recebeu a infraestrutura básica e a área rural abrigava as chácaras e Colônias Agrícolas, além de abastecer a cidade com os produtos vindos da terra (SOUZA, 2017)13.

A área fora da Avenida do Contorno cresceu mesmo sem infraestrutura14. A desigualdade social fez aparecer vilas e favelas (...) próximas aos bairros dentro da área central (APCBH, 2008, pg.9). A setorização inicial da cidade 12 O positivismo é uma corrente filosófica idealizada por Augusto Comte e era definida por sete acepções: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático. (RIBEIRO, 2017) 13 Notas de aula da disciplina de Urbanismo 1 (IFMG, campus Santa Luzia), ministradas pelo prof.º. Dr. Leandro de Aguiar e Souza no dia 01 de novembro de 2017. 14 A soma do desenvolvimento industrial e nova mão de obra disponível gerou o fenômeno de implosão/explosão das cidades. A implosão nada mais é do que o fato de tudo, industrias, comércios e moradias, girar nos limites das cidades, dessa forma transformando-a. A explosão acontece a partir do momento em que os limites da implosão não são mais suficientes e passam a ser ultrapassados. (SOUZA, 2017) A arte de caminhar

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[19]: A expansão fora da Av. do Contorno. Belo Horizonte e Região Metropolitana Fonte: Google Maps, 44


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fragmentava e territorializava desigualdades e foi legitimada por um discurso hegemônico que servia as ideias e valores dominantes (VIEIRA e ESTEVES, 2018). Hoje ainda é possível enxergar diferenças entre a parte da cidade que foi planejada e aquela que cresceu de forma mais espontânea e desorganizada. Um exemplo é a disposição das ruas. Dentro da Avenida do Contorno, se observarmos em um mapa, as ruas formam um desenho quadriculado e exato. As avenidas são mais largas e muitos cruzamentos formam praças, como a Praça Sete e a Praça Raul Soares. Fora da Contorno, elas formam um desenho bem menos organizado, com ruas mais estreitas e cheias de curvas, acompanhando o relevo natural. (APCBH, 2008, pg. 11)

A população de Belo Horizonte era formada pelos antigos habitantes do arraial, por funcionários públicos que vieram de Ouro Preto (antiga capital) e por trabalhadores e imigrantes estrangeiros que foram empregados na construção da cidade, no comércio ou nas Colônias Agrícolas que foram criadas em torno da área urbana (APCBH, 2008, p.11). Para além da área urbana, mais especificamente na atual região Leste da capital, ficavam algumas das Colônias Agrícolas, que posteriormente tornaram-se vilas operárias (FJP, 1996, pg.36). Estas abrigavam as famílias excluídas do planejamento e deram origem aos atuais bairros Sagrada Família, Horto, Instituto Agronômico, Esplanada entre outros. (APCBH, 2008, p.17). Em 1912, foram emacipadas as Colônias Américo Werneck15 (bairros Sagrada Família e parte dos bairros de Santa Tereza e Horto), Adalberto Ferraz (bairro Anchieta), Bias Fortes (bairros Santa Efigênia e São Lucas) (...) (BORSAGLI, 2010). Essas áreas foram ocupadas mais rapidamente que a própria área urbana devido a necessidade de moradia dos opérarios que trabalhavam na construção da cidade. A formação do bairro Sagrada Família, especificamente, se deu pela junção de três vilas: Maria Brasilina, Mauá e São João. A ocupação dos lotes da área foi muito influenciada pelas oficinas e estações de linha férrea na região. Muitos de seus moradores eram trabalhadores ferroviários que mantinham relações de estreita amizade entre si (APCBH, 2008, pg.20). 15 O decreto municipal de 05 de fevereiro de 1912 oficializou a emancipação da Colônia Agrícola Américo Werneck, tornando-a a sétima seção suburbana de Belo Horizonte. A partir de então foi aplicada uma nova ordem que implicou normas e regulamentos para controlar a ocupação (TICLE, 2016, p.47). 46

[20][21]: Região Leste e Praça Raul Soares, Foto: @da.frias



Mapa 1: Atual divisão de Belo Horizonte e do bairro Sagrada Família. Própria autora


A questão do estreitamento dos laços e da solidariedade se deu pela falta de espaço por conta da ocupação desorganizada, mas, que acabou sendo vencida com a construção de barracões e cômodos, sempre com ajuda dos demais moradores, situação que contribuiu para o nome do bairro. Tratava-se de uma grande e sagrada família (APCBH, 2008, p.22). A moradia é um dos problemas mais sérios da vida nas grandes cidades. Muitas famílias moram em habitações precárias, sem infraestrutura e até mesmo nas ruas. Em Belo Horizonte, esse problema nasceu junto com a cidade. A necessidade de encontrar novos espaços para abrigar a população de baixa renda era permanente e muitas vilas foram formadas com esta finalidade fora daqueles espaços planejados (APCBH, 2008, p.20).

Outro motivo da intensa ocupação da área da antiga Colônia Agrícola Américo Werneck, era o Córrego da Mata, proveniente na Bacia Hidrográfica do Ribeirão Arrudas, que foi canalizado e retificado no ano de 1936 para a construção da Avenida Silviano Brandão (APBH, 2008, p.65). Os ocupantes buscavam estar próximos a corpos hídricos para facilitar a captação e o uso da água. Entre tantas famílias imigrantes que buscavam uma oportunidade na nova capital, a família Capai Olivero se estabeleceu na região do atual bairro Sagrada Família. No ano de 1913, Giovanni Battista Olivero e Francisca Capai, ambos imigrantes italianos, casaram-se e foram morar na atual Rua Córrego da Mata, divisa dos bairros Sagrada Família e Horto. O casal teve sete filhos e atualmente dois ainda moram no local. Giovanni Olivero e seu cunhado João Capai, eram pedreiros, ofício que aprenderam ao chegarem ao Brasil. Ambos participaram da construção de duas grandes obras da nova capital: a Basílica de Nossa Senhora de Lourdes, localizada no atual bairro de Lourdes, zona Centro-Sul e do conjunto habitacional IAPI, localizado no bairro Lagoinha, zona Noroeste (informação fornecida pelos familiares, 14/10/2020). “O trajeto diário para o trabalho era feito a pé” (Fátima Gonçalves, neta de João Capai, entrevista realizada em outubro de 2020). Como transporte público, a cidade contava apenas com serviço de bonde, que foi implantado em 1902 e inicialmente traçava uma rota que cruzava a região Central. As estações só chegaram à região Leste em 1930, mais especificamente nos bairros Floresta, Santa Tereza e Horto. Em 1963, o bonde foi totalmente extinto, dando lugar a auto-ônibus e aos trólebus, como opções de transporte coletivo (FJP, 1996, pg.42). A arte de caminhar

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[22]: Rua São Lázaro, Sagrada Família, 1898. Foto: Jornal Nossa História

[23]: Canalização do Corrégo da Mata em 1936. Foto: APCBH

[24]: Imigrantes moradores do bairro Sagrada Família, 1924. Foto: acervo próprio 50


As caminhadas pela Belo Horizonte do início do século eram atravessamento de territórios. A área urbana da cidade aspirava progresso e foi ocupada pela população com alto poder aquisitivo, enquanto na Região Leste, área suburbana, os lotes eram ocupados de forma desordenada. “A casa da minha mãe não tem documentação. Até hoje ninguém regularizou direito. Pagamos IPTU, mas ninguém tem documento nenhum.” (Olívio Fonseca, neto de Giovanni Olivero, entrevista realizada em outubro de 2020). As moradias construídas nesses locais eram mais simples e muitas delas não possuíam os serviços essenciais como água encanada e esgoto regularizados (APCBH, 2008, p.22). Os serviços de urbanização e transporte também eram muito precários. Toda modernidade estava direcionada para a área urbana, mas, a mão de obra para esses desígnios habitava a área suburbana e rural. A população mais vulnerável, por condição, possui apenas sua força de trabalho como moeda de troca no centro (COSTA, 2020, pg.37)

“Minha mãe (Zilda Capai) morou até os 18 anos no início da (rua) Barão de Cocais, perto da (avenida) Silviano Brandão. Quando ela se casou, meu avô (João Capai) vendeu para o meu pai, o lote 11da Barão de Cocais. Nesse lote morava um monte de gente da mesma família e meu avô tinha um pedaço lá. O lote não era regularizado, todo mundo só morava lá. Acho que até hoje, muita casa por aqui não tem documento direito. As famílias que pegaram os terrenos (usucapião) foram passando de pai pra filho. Nesse pedaço todo mundo se conhece desde novo e daqui saiu muito casamento”. (Fátima Gonçalves, moradora do bairro Sagrada Família, entrevista realizada em outubro 2020).

[25]: Zilda Capai e irmã no terreno vazio da rua Barão de Cocais, 1937 Foto: acervo próprio A arte de caminhar

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[26]: Bairro Sagrada Familia, 1944. Foto: acervo próprio

[27]: Escola Estadual Helena Pena, primeira escola do bairro, 1945. Fonte: Jornal Nossa História

[28][29]: Construção do Estádio Indepedência, 1950 e vista aérea do bairro 1960. Fonte: Jornal Nossa História 52


[30]: Documento de regularização das primeiras casas do bairro, ainda identificado como Colônia Américo Werneck, 1943. Fonte: acervo próprio A arte de caminhar

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“Quando me entendi por gente, a (Avenida) Silviano Brandrão ainda tinha umas partes de terra. Da (rua) Conselheiro Lafaiete pra lá existia calçamento de pedra. O comércio todo ficava lá (depois da rua Conselheiro Lafaiete), aqui só tinha casa e depósito de material de construção, isso em 1968”. (Oliver Fonseca, morador da Rua Córrego da Mata, entrevista realizada em janeiro de 2021)

Caminhando para os dias atuais, a região Leste de Belo Horizonte cresceu e conta com um comércio estabelecido, tendo por exemplo, a Avenida Silviano Brandão como pólo de móveis da capital, além de hospitais, grandes redes de supermercados e três das 19 estações de metrô. O progresso urbano foi alçando em pequenos passos ao longo dos anos . Muitos eventos marcaram esse desenvolvimento, entre eles a construção do Estádio Raimundo Sampaio, a atual Arena Indepedência, em 1950, para sediar jogos da Copa do Mundo no Brasil; a abertura da Fábrica de Móveis Ianni, em 1951, na Avenida Silviano Brandão, que iniciou a comercialização de móveis na região, além da construção das linhas de metrô em 1981. Além dessas obras, os próprios moradores deram ínicio aos mais variados tipos de comércios, como mercearias, padarias, bares, armarinhos, ateliês de costura e lojas de utilidades. A força da necessidade passou a guiar os moradores, assim, cada qual a sua maneira passou a enfrentar os desafios do dia a dia. O combo de qualidade transformou a região Leste em um local desejável. Com o passar dos anos, lotes vagos já não eram encontrados com facilidade. As famílias que chegaram de mãos vazias a capital, passaram a deixar de herança para os familiares, os lotes adquiridos nos primórdios da urbanização. Com o adensamento da região, o bairro iniciou a expansão “para cima” (APCBH, 2008, pg.12). Pequenos prédios começaram a surgir e pela qualidade do projeto civil, os preços também passaram a aumentar. Como moradora do bairro e ouvinte das diversas histórias de família e vizinhos, pude concluir que este constante “progresso” passou de alguma forma a “selecionar” os moradores. Aqueles que já estavam aqui, permaneceram, alguns com dificuldades, mas, novas famílias só puderam conquistar seu espaço mediante a boas condições financeiras.

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[31]: Avenida Silviano Brandrão, década de 40. Foto: acervo próprio

[25]: Notícia do Jornal “O Diário”, 1960. Foto: APCBH

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[33][34]: Mudança na paisagem, 1978 e 2020, Fotos: acervo e própria autora

[35]: Lista do número de moradores dos bairros de BH, 1972 foto: PHG


Quando criança eu brincava na rua com duas irmãs, Mônica e Dardânia. Elas moravam na casa da frente. O pai das meninas alugou uma casa aqui porque trabalhava no Centro, mas eles estavam construindo uma casa própria na região de Venda Nova. Lá as coisas estavam começando, era mais simples e mais barato. (Fátima Gonçalves, moradora do bairro Sagrada Família, entrevista realizada em outubro de 2020).

Os lotes postos as vendas, com certa frequência eram comprados por grandes construtoras, que já enxergavam potencial no futuro da região. Enquanto os bairros vizinhos, Santa Tereza e Floresta, foram tombados como patrimônios municipais, tendo seus conjuntos urbanos classificados como “estáveis” (REAPCBH, 2020, p.246), o que colaborou diretamente para que houvesse uma frenagem na verticalização, o Sagrada Família foi excluído do perímetro protegido, por já estar muito descaracterizado, ficando disponível para a atuação do mercado imobiliário (REAPCBH, 2020, p.246). Como isso, a verticalização ganhou força. “Lembro de somente dois prédios em toda extensão da minha rua (Barão de Cocais) durante a infância, nos anos 90: o Edifício Barão de Cocais, com três andares e um edifício cor de rosa, também com três andares. Hoje em dia, a paisagem mudou bastante, só vejo prédios.” (Ana Lívia Capai, moradora do bairro Sagrada Família, entrevista realizada em novembro de 2020).

Atualmente, nos quatro quarteirões de extensão da rua Barão de Cocais são 20 novos prédios. Um crescimento de 900%. A família da minha cunhada tinha um a casa na Rua Silvestre Ferraz (Sagrada Família). Eles venderam nos anos 80 e rendeu um dinheiro muito bom. Depois de um tempo tentaram comprar de novo porque alguns dos herdeiros ficaram arrependidos e queriam continuar morando no bairro, mas, o lote foi vendido para uma construtora que não quis vender de volta. A casa ficou abandonada por anos, depois virou prédio. O pessoal que vinha morar aqui conseguiu comprar três lotes no São Benedito em Santa Luzia (Município da região metropolitana de BH). (Fátima Gonçalves, moradora do bairro Sagrada Família, entrevista realizada em outubro 2020).

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Apartamentos construídos no bairro Sagrada Família16 Período Nº de apto Até 1949 1 1950/59 32 1960/69 156 1970/79 1.089 1980/89 2.370 1990/99 2.295 2000/09 1.949 2010/17 1.562 Isento de restrições geradas por políticas patrimoniais, o Sagrada Família, atualmente, é o quinto bairro com o maior número de apartamentos em Belo Horizonte: 9.454 unidades residenciais (REAPCBH, 2020, p.249). É decerto afirmar, que o bairro Sagrada Família sofre com o processo da especulação imobiliária, que consiste na compra de um terreno somente pelo interesse da valorização futura, ou seja, do uso do território como fonte de lucro, processo que tem como consequência a verticalização e o distanciamento de minorias do centro da cidade (SABOYA, 2008). O bairro ainda passa lentamente por um processo de gentrificação. A gentrificação é a expulsão de moradores pobres de determinada região por meio de um conjunto de medidas socioeconômicas e urbanísticas, marcado pela hiper valorização de imóveis e encarecimento de custos (DURAN, 2012). Os valores de troca e uso17 (MARX, 1867) do território do Sagrada Família cresceram e passaram a selecionar seus moradores. Aqueles que aqui já estavam, seja por herança, escolha ou pela falta dela, tiveram que se adaptar a velocidade e modernidade crescente do território. 16 Fonte: REAPCBH - Revista Eletrônica do Arquivo da Cidade de Belo Horizonte, v.7, nº7, dezembro de 2020 17 O valor de troca está relacionado ao valor da matéria prima quando transformada em produto, ou seja, todo valor agregado, desde os esforços, desenvolvimento e transformação. Já o valor de uso se trata da utilidade de um determinado objeto, vinculando-se como tal às propriedades físicas do objeto (SOUZA, 2017). No caso, a matéria prima é a terra agregada de investimentos urbanos, que geraram diversificados usos, tornando-a valiosa e desejável. 58


Mapa 2: Tipologias de ocupação residenciais, base de dados 2019 (PBH) Própria autora

[36][37][38]: O atual Sagrada Família, 2021. Fotos: própria autora A arte de caminhar

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[39][40][41]: Construções no bairro Sagrada Família, 2021 Fotos: própria autora

Contudo, a própria história do Sagrada Família e como tudo se transformou no que é hoje, prova que um bairro, região ou cidade, é constituído por bem mais que modernidade, progresso e quantidades. As ações de crescimento aplicadas no território desde os primórdios criaram um espaço urbano fragmentado; as pessoas, cada qual com sua singularidade, a partir de suas necessidades, reinventaram o uso dos espaços fragmentados e permanecem resistindo. O espaço condiciona, mas não determina a felicidade do indivíduo (TOSTES, 2018)18. 18 Notas de aula da disciplina de Urbanismo 2 (IFMG campus Santa Luzia), ministrada pela prof.ª. Dra. Simone Parrela Tostes no dia 06 de março de 2018. 60


A arquitetura e o urbanismo tornaram meu olhar sob cidade mais atento e foi andando por esse território usado por tantos antes de mim que observei a diferença de temporalidades presentes. Nas ruas do Sagrada Família, que levam nomes de santos e cidades de Minas Gerais, ainda existem e resistem histórias, caminhadas e visões diferentes do espaço tempo urbano. E a partir daqui essas histórias serão contadas.

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“Caminho se conhece andando

Então vez em quando é bom se perder

Perdido fica perguntando

Vai só procurando

E acha sem saber...”

Chico César, Deus me proteja, 2008

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[42]: Andanças pelo Sagrada Família, 2021 Foto: própria autora 64


Andanças memórias compartilhadas, cotidianos narrados Em meio aos grandes prédios e as novas gerações que chegam ao território usado do bairro Sagrada Família, ainda resistem, de maneira discreta e sensível, homens e mulheres que Milton Santos chamaria de lentos. Muito mais do que histórias e enfrentamentos, esses vivedores19 carregam em si fragmentos do território. Sejam por suas andanças pela cidade de Belo Horizonte ou por sua permanência no interior do bairro, o que os une, além da vizinhança, são suas trajetórias. Lanterneiro, marceneiro, pintor, sapateiro, entre muitos outros, sobrevivem diariamente ao espaço tempo urbano que não os enxerga. Ao acompanhar o dia a dia dessas pessoas no bairro onde cresci, passei a imergir de forma voluntária e involuntária, me propondo a perceber o espaço do outro através da lógica “de perto e de dentro” (MAGNANI, 2002), experiência essa que me levou a encontrar uma diversidade de temporalidades nos usos do território. A atenção dada aos detalhes da vida urbana alheia é essencial para compreensão da cidade singular que existe em cada indivíduo aqui apresentado. “Nós” não somos observadores fora do mundo. Nem estamos simplesmente alocados em determinados lugares no mundo; antes, somos parte do mundo em sua contínua intra-atividade. Este é um ponto a que Niels Bohr tentou chegar em sua insistência de que nossa epistemologia devesse levar em conta o fato de que somos parte desta natureza que tentamos entender.” (BARAD, 2017)

“Partir do indivíduo para entender o todo”20 causa frustrações. As perguntas que objetivam essa pesquisa buscam respostas, mas, imergir nas diversas cidades existentes em cada indivíduo traz à tona novas questões. Muito mais que teorizar, estar presente na lentidão dessas pessoas me permite reconhecer minha própria subjetividade como também produto do território fragmentado da cidade. Como já dito, existem temporalidades que unificam cada cidadão, mas essa diversidade se dá por ser reflexo de uma acumulação desigual de tempos (SANTOS, 1982). 19 BERENSTEIN; VAZ. 2013; 20 COSTA, 2020, pg. 56 A arte de caminhar

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Paradas luminosas Esse mapa mostra as quatro paradas que serão narradas. Os pontos indicam a casa e/ ou o comércio dos homens lentos, espaços que se tornaram iluminados pela percepção da presença lenta em meio ao movimento do bairro. As manchas brancas mostram minhas andanças no bairro.

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Esc: 1/10000 A arte de caminhar

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[43]: Rua Pouso Alegre, 2021 Foto: própria autora

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Remington A primeira parada das andanças se inicia na agitada e extensa Rua Pouso Alegre, responsável pela conexão de diversos bairros da região Leste, tendo constantemente um fluxo intenso de carros, ônibus e pedestres. Em um ponto próximo ao Hospital São Camilo mora e trabalha Remington, pintor de faixas. Aqui, faço uma observação: passo por esse ateliê a anos e nunca havia me atentando a ele. Por um acaso, necessitei de uma faixa quando essa pesquisa já estava encaminhada e conversando com o pintor, percebi que ali havia uma história. Minha desatenção a essa temporalidade reafirma o texto de Karen Barad, “de que somos parte da natureza que tentamos entender”. Na garagem de casa, Remington contou que montou um ateliê a 15 anos atrás. “Não aprendi a pintar com ninguém, isso é da natureza do ser humano, da minha natureza (...) eu não tenho filho, então isso é só meu.” Antes de se instalar no conforto da garagem de casa, Hamilton teve outras profissões, e ao contrário da atual, os trabalhos antigos sempre o levavam pra longe da região Leste. “Fui motorista de ônibus, caminhoneiro, desenhista industrial... fazia o que tinha pra fazer (...), mas, sempre gostei de desenhar. Gostava muito de ser desenhista, mas a idade foi chegando, eu não sei mexer no computador, aí resolvi pintar faixa.” A obsolescência é um ponto presente em diversas narrativas. Todos os cotidianos narrados são pertences a cidadãos que exercem “profissões esquecidas”, que em outros tempos poderiam ser consideradas essenciais ou ter um campo maior, mas atualmente tornaram-se raras. A própria questão da raridade nos ocasiona a pensar em um preço elevado dos serviços oferecidos, mas, a verdade foi respondida pelo próprio Remington: A arte de caminhar

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“Tenho coisa pra fazer todo dia, trabalho muito mesmo, mas não ganho muito não, tenho o necessário para viver, comer, pagar conta”. O fato de morar e trabalhar no mesmo local e do bairro conter comércios diversificados faz com que Remington não saia com frequência. Entretanto, esse conforto caseiro não o privilegia frente aos riscos da cidade que foram intensificados com o crescimento urbano: “Pra mim o maior problema (do crescimento da cidade e do bairro), é o crime. Parece que a gente virou alvo, todo dia é notícia de assalto. Meu maior medo de trabalhar de porta aberta é esse. Tem vez que cismo e fecho a porta, mas se eu fechar sempre ninguém vai me ver e aí não tem trabalho. Já é difícil com a porta aberta, imagina fechada?” A violência é um dos diversos riscos que o homem lento enfrenta ao se expor na cidade. O progresso do bairro, onde Remington permanece e pratica sua lentidão, trouxe consigo índices de criminalidade cada vez maiores. Em 2019, o Sagrada Família foi um dos bairros de Belo Horizonte com mais furtos em residenciais21. Essa situação desmistifica o progresso mais uma vez, trazendo à tona outra problemática ligada ao crescimento desordenado e não participativo da sociedade. Além dos processos urbanos já apontados, a criminalidade é uma questão diretamente ligada a desigualdade social, que por sua vez tem como uma de suas justificativas a construção fragmentada da cidade. A fala sobre a invisibilidade de certa forma arrematou a lentidão de Remington. Não só por seu ofício desvalorizado ou por seu contraste lento em relação ao meio que o rodeia, mas sua inventividade frente ao desafio da proteção, que acaba resultando no desaparecimento de sua presença. 21 Serra e Sagrada Família concentram maioria dos furtos a residência nas férias em BH (O TEMPO, 04 de janeiro de 2019) Disponível em: <https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/ serra-e-sagrada-fam%C3%ADlia-concentram-maioria-dos-furtos-aresid%C3%AAncia-nas-f%C3%A9rias-em-bh-1.683672> Acesso em março de 2021

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[44]: Ateliê/casa, arte e lentidão. Foto: própria autora A arte de caminhar

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[45]: Tintas e pincéis. Foto: própria autora

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[46]: Entre pincéis e tintas, um relógio e uma trena. Foto: própria autora A arte de caminhar

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[47]: Porta fechada: sinônimo de invisibilidade. Foto: própria autora


Mapa de sensações Remington: as regiões da cidade de Belo Horizonte e a impressão de cada homem sobre elas. Própria autora

Áreas consideradas hostis, não receptivas ou distantes; Áreas relacionadas a trabalho/obrigações; Áreas agradáveis , receptivas e próximas de casa.

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[48]: Lazer de domingo: reforma em casa Foto: própria autora 76


Oliver Agora nos distanciamos do ateliê de faixas e seguimos o caminho pelo bairro Sagrada Família, nos dirigimos para a segunda parada, a Rua Córrego da Mata, já citada algumas vezes no decorrer da pesquisa. Ali, numa casa com vista para a Avenida Silviano Brandão, vive o marceneiro Oliver, mais conhecido como Tuca. Morador do bairro a 60 anos, Oliver teve diversas profissões que o permitiram esquadrinhar a cidade e o bairro, acompanhando de perto suas diversas transformações. “Meu primeiro emprego foi aos 9 anos em uma loja de auto peças na esquina de casa. Minha primeira assinatura na carteira foi aos 13 anos, na mesma loja. Com meu primeiro salário paguei uma conta de luz, não esqueço. Aprendi a ser responsável desde cedo (...) nesse meio tempo fui aprendendo sobre marcenaria com meu pai, que aprendeu com o pai dele, sempre fazia algum serviço com ele e meus irmãos mais velhos. Foi por ser mais novo inclusive que consegui terminar a escola, anos depois do tempo ‘normal’, mas terminei o segundo grau. Fiquei dois na aeronáutica, trabalhei anos como vendedor, motoboy, depois voltei a trabalhar com marcenaria (...) e vou trabalhar até quando Deus permitir” A marcenaria é um trabalho que exige paciência, técnica e prática. Começando pela escolha da madeira e seguindo para a atenção dada a cada corte em peças únicas, além do tratamento no pré e na pós construção, etapas significativas que tornam esse serviço manual um investimento. “Eu trabalho pra gente milionária, gente muito diferente de mim. Hoje eu saio na minha casa (no bairro Sagrada Família) e sigo diretamente para bairros como Luxemburgo, Belvedere, Lourdes, Funcionários, além dos condomínios.” Os bairros citados pelo entrevistado estão na “área nobre” A arte de caminhar

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[49]: Quartinho de ferramentas usadas no trabalho. Foto: própria autora 78


da cidade e fazem parte dos metros quadrados mais caros de Belo Horizonte, como mostra a tabela abaixo22: Bairro

Valor médio do metro quadrado

Preço de um imóvel de 70 m²

Preço de um imóvel de 100 m²

Funcionários Lourdes Savassi Belvedere Carmo

R$ 9.275,00 R$ 9.019,00 R$ 8.903,00 R$ 8.700,00 R$ 7.839,00

R$ 649.250,00 R$ 631.330,00 R$ 623.210,00 R$ 609.000,00 R$ 548.730,00

R$ 927.500,00 R$ 901.900,00 R$ 890.300,00 R$ 870.000,00 R$ 783.900,00

“Eu não me sinto mal em trabalhar em bairros muito diferentes do meu, não acho que o bairro rico ou pobre seja o problema, o problema são as pessoas. Tem pessoa que te olha diferente, com olhar superior... talvez pela minha condição social, pelo meu trabalho, mas é engraçado, porque eles dependem da gente, de gente como eu, pra fazer o que eles não sabem ou não querem fazer.” A arquiteta urbanista Raquel Rolnik (1995), afirma que a cidade contemporânea se caracteriza pela velocidade da circulação. São fluxos de mercadorias, pessoas e capital em ritmo cada vez mais acelerado. A jornalista Amélia Gonzalez (2016)23 , frequentemente escreve sobre a cidade não ser feita de pedras, mas de pessoas e de ideias. Santos por sua vez, afirma que a cidade é o mais expressivo dos lugares (...) onde os lugares e os sujeitos são divididos24. Todos esses teóricos confirmam o que o Oliver observa e vive em seu dia a dia. A cidade é um lugar construído e usado por pessoas. Se o uso é o principal responsável pela fragmentação, quem aciona o uso é o idealizador dessa ação.

22 REVISTA EXAME. Os cinco bairros com imóveis mais caros de RJ, SP e BH. 2016. Disponível em: < https://exame.com/mercadoimobiliario/os-cinco-bairros-com-imoveis-mais-caros-de-rj-sp-ebh/> Acesso em fevereiro de 2021. 23 GONZALEZ, Amélia. Uma cidade não é feita de pedras, mas de pessoas e ideias. G1: Nova ética social. 2016. Disponível em: < http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/ uma-cidade-nao-e-feita-de-pedras-mas-de-pessoas-e- ideias. %20 mostrado.> Acesso em março de 2021. 24 HISSA, 2012, pg. 77 apud SANTOS, 1979; A arte de caminhar

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Durante nossas conversas, Oliver me mostrou seu armário de ferramentas, onde guarda tudo o que precisa para trabalhar. Tudo comprado aos poucos durante todos os anos de profissão, por ele e pelos irmãos que também seguiram a caminho da marcenaria. Entre plainas, lixadeiras e um serrote guardado de lembrança do pai, ele falou sobre os tempos como motoboy: “O trabalho que mais me fez rodar na cidade foi o de motoboy. Eu fazia muitas entregas nas favelas, entrava em beco, pegava atalho. Nunca tive medo de andar porque sempre fui bem recebido, todo mundo me tratava bem, me conhecia. Nunca mexeram comigo, nem me assaltaram. O povo dali sabia que eu era trabalhador, não era polícia a serviço, disfarçado... Minha mãe sempre me mandava ter cuidado, falava que tinha medo por mim, mas pessoas tem medo de entrar no morro, porque a gente é ensinado que tem que ter medo, mas lá mora gente igual a gente.” Entre os processos de produção do espaço urbano, existe a “elitização de regiões centrais” (SOUZA, 2017)25, que consiste no efeito de elevação dos preços no mercado imobiliário, dificultando o interesse das pessoas devido ao altíssimo valor dos terrenos. Com isso, esses cidadãos, sem grandes opções de escolhas, se dirigem a áreas mais afastadas do centro, iniciando assim, a urbanização de favelas e vilas (MENDONÇA E COSTA, 2011). Por estarem distantes do centro, onde a urbanização e o planejamento estão concentrados, as favelas cresceram em um espaço com demandas técnicas, tornando-se, na lógica hegemônica, espaços opacos. Os espaços opacos, identificados como territórios de pobreza, são usualmente vinculados a situações de violência, de exclusão e de falta (VIEIRA, 2012). A ênfase nesses aspectos negativos, decorrentes de um sistema ancorado na desigualdade, gera um afastamento em relação às áreas opacas da cidade, aprofundando as fronteiras que a divide e nublando o que nela se produz de diverso ao que se espera ali encontrar (...) A miséria e escassez fazem parte do cotidiano dos espaços opacos, mas a solidariedade, a lida e a resistência também são marcas desses territórios da criatividade. (VIEIRA e ESTEVES, 2018). Assim, em meio as demandas técnicas, nas favelas e ocupações, ainda 25 Notas de aula da disciplina de Urbanismo 1 (IFMG, campus Santa Luzia), ministradas pelo prof.º. Dr. Leandro de Aguiar e Souza no dia 10 de janeiro de 2018. 80


[50] Ferramentas: parceiros de ofício. Foto: própria autora, 2021 A arte de caminhar

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[51][52] Ferramentas: parceiros de ofício. Foto: própria autora, 2021

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[53]: Uma ferramenta curiosa. Foto: própria autora, 2021

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Mapa de sensações Oliver: as regiões da cidade de Belo Horizonte e a impressão de cada homem sobre elas. Própria autora

Áreas consideradas hostis, não receptivas ou distantes; Áreas relacionadas a trabalho/obrigações; Áreas agradáveis , receptivas e próximas de casa.

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existem a territorialização da vida comunitária (TORRES, informação verbal, 11 de março de 2021)26. Essa observação, feita pelo entrevistado foi possibilitada por sua presença constante, guiada pela força da necessidade, em espaços considerados opacos pela sociedade hegemônica. No ano de 2020, o mundo enfrentou a pandemia da Covid-19, situação que estremeceu o mercado de trabalho. Em novembro do mesmo ano, eram 14,3 milhões de desempregados no país27. Não só profissionais da saúde e de serviços essenciais estavam sujeitos a contaminação devido a exposição, mas diversos tipos de trabalhadores não tinham opção de ficar em casa. Estar em casa é sinônimo de proteção ao vírus, mas para muitos significava a falta de itens básicos em casa. “Nunca tive medo da pandemia, eu não paro de trabalhar desde o início dela. No meu modo de ver essa situação, o que aconteceu foi o seguinte: o pessoal não podia viajar, não podia ir pra shopping, pra restaurante, não podia gastar o dinheiro do jeito que gastava antes, mas ninguém parou de ganhar. Então eles investiram na casa, no deck da piscina, no painel da TV, resolveram mudar o piso... eu não posso reclamar, antes da pandemia os serviços estavam em baixa, eu comecei a rodar de motorista de aplicativo por isso. Desde o ano passado estou tendo muito trabalho.” É necessária uma reflexão em frente a essa situação. A pandemia da Covid-19 é um acontecimento que irá marcar a história da humanidade e possivelmente irá causar diversas mudanças no cenário mundial, nos quesitos sociais, econômicos e políticos28. Entretanto, essas mudanças irão acontecer, como tudo no mundo, privilegiando somente parte da população, já que, algumas ações simplesmente não podem ser feitas por home office ou a distância, assim como existem serviços que precisam ser cumpridos, mas que não serão feitos por qualquer cidadão. Muitos “não se prestam” a determinadas atividades. 26 Curso online “Milton Santos, cidadão do mundo: uma visão da obra e do pensamento do maior geógrafo brasileiro” ministrado pelo professor João Marcelo Torres no dia 11 de março de 2021; 27 Informação fornecia pelo Portal G1 em 27 de novembro de 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/ noticia/2020/11/27/desemprego-no-brasil-atinge-146percent-notrimestre-encerrado-em-setembro.ghtml> Acesso dia 15 de março de 2021. 28 A reversão dos conceitos de Santos e as diversas mudanças causadas no território pela pandemia foram exclusivamente tratadas no Capítulo 7 dessa pesquisa. A arte de caminhar

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Olívio Caminhamos agora para a terceira parada do trajeto, situada na Rua Barão de Cocais, rua também já mencionada algumas vezes durante a pesquisa. Até um tempo atrás, a rua carregava uma característica charmosa: o calçamento de pedras. Por serem muito antigas, boa parte estava desgastada, mas, a atenção dos motoristas ao passar por elas tinha de ser maior. Esse fato fazia com os carros atravessassem a rua sempre devagar. Era um momento de desaceleração do ritmo caótico da Avenida Silviano Brandão. A lentidão proporcionada pelas pedras fazia com que os motoristas e passageiros olhassem pelas janelas e admirassem as resistentes casas que ali sobraram, em meio aos inúmeros e crescentes prédios. Do meio das pedras ainda surgiam tímidas vegetações que de tempos em tempos era podadas pela equipe da limpeza urbana, mas, sempre voltavam, porque também impunham sua resistência. Infelizmente, (para alguns) o asfalto chegou e trouxe consigo a rapidez dos carros que agora deslizam sob a camada preta, camada esta que também cobriu as vegetações. Algumas casas também não resistiram, mas em uma delas está presente e resistente á 66 anos o lanterneiro Olívio. “Só mudei de casa uma vez, quando casei, mas nunca mudei de bairro. Nasci, cresci, conheci minha esposa e tive minhas filhas aqui. Vou provavelmente morrer aqui também (...) toda minha família mora nessa região, então quando faltava as coisas em casa era só correr pra casa das tias, dos vizinhos que são muito amigos até hoje, todo mundo se ajudava demais. Vi essa região toda mudar, vi as casas, os prédios, as pessoas chegando e indo embora. Sou do tempo que passava vaquinha na rua vendendo leite. Hoje conheço as mesmas pessoas, os sobrinhos, filhos dos amigos que vão e que ficam, mas hoje em dia tem muito mais gente, então fica difícil conhecer todo mundo. Ninguém quer papo também.”

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[54] Contraste asfalto e vegetações. Foto: própria autora

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[55] A caminho de mais um dia de trabalho. Foto: própria autora, 2021. 88


Como já mencionado no capítulo Sagrada Família: um breve histórico, o bairro carrega em sua história muitas narrativas de solidariedade entre moradores mais antigos, situação que, infelizmente, tem decaído muito com o passar dos anos. As próprias novas construções demonstram um caráter protetivo muito maior, que de certa forma, afasta contatos externos. Já estão previstas nas novas construções, grades, cercas elétricas, câmeras e a presença de porteiros e seguranças. Esses profissionais de segurança, inclusive, decerto têm sua própria visão sobre as movimentações que acompanham no dia a dia, já que parte do seu trabalho é observar. “Comecei a trabalhar de pedreiro com 13 anos para ajudar em casa, por isso parei de estudar. Na obra eu fazia o que tinha pra fazer, aprendi tudo lá com meus tios. Hoje eu faço as reformas da minha casa, sei umas coisas. A lanternagem aprendi com um espanhol que chamava Eoli. Achei mais interessante que ser pedreiro, eu gostava de carros e era trabalho do mesmo jeito, por conta disso hoje tenho mais de 40 anos de profissão.” A lanternagem é uma técnica que usa diversos materiais para recuperar a lataria de veículos. Hoje muitas escolas técnicas oferecem cursos de práticas similares, mas o próprio Olívio deixou claro que a “mão na massa” é a melhor escola. “Tive minha própria oficina por um tempo no bairro Santo André, mas não deu certo, então a maior parte da vida fui empregado de alguém. Já trabalhei na oficina de uma concessionária, na região do Caiçara, consertava carros que custavam 100, 150 mil reais... conheci até gente famosa. Foi o melhor emprego de tive em questão de benefícios. Me aposentei ano passado, mas continuo trabalhando, se não, não dá pra pagar as contas direito. Eu faço uns ‘bicos’ quando aparece também. Tem que pagar as contas, comida... Sempre foi assim, mas eu gosto de ter algo para fazer, não sei se conseguiria ficar parado. O lanterneiro ‘rala’ muito, tem que ter pique, as ferramentas são pesadas, mas eu gosto do que eu faço, se não fizesse isso eu seria pedreiro, vendedor de picolé... quase fui uma vez que fiquei desempregado. Quem tem filho, família não pode ficar sem trabalhar, não existe essa opção.”

O ponto que chama atenção nessa fala que também apareceu em outras entrevistas é em relação “a fazer nada”. Para esses homens que trabalham A arte de caminhar

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desde cedo, “fazer algo” sempre está relacionado a trabalho. Nenhum deles fez menção a estudos, esportes ou lazer. O dia a dia desses homens é voltado totalmente ao desígnio de trabalho, complementação de renda, pagamento de contas. As próprias perguntas feitas, sobre como se sentem na cidade e no bairro, o que os incomoda nos lugares, foram respondidas com dificuldade e acredito que tenha a ver com a ocupação da mente com a necessidade, condição que não os permite reparar em seus caminhos e arredores e se dar conta dos processos que a cidade impõe. “Rezo todos os dias quando saio de casa. A gente tem medo sim do que vai encontrar na rua, se eu saio todo dia é porque eu preciso sair, ninguém fica na rua à toa. Sustento uma casa, duas filhas, as coisas estão cada dia mais caras e aposentadoria não é segurança de nada se você nunca teve nada ou se não importa de viver com pouco. De todos os lugares que eu já trabalhei só tive medo da Avenida Carlos Luz a noite. (...) acho que tem um monte de lugar na cidade que te deprime, shopping, onde tem muito morador de rua, igual lá na Lagoinha, a Praça da Rodoviária. A Praça da Estação era feia antigamente, todo mundo via como lugar perigoso, ter que passar por lá era ruim. Tem bairro de rico que é triste também porque a gente sabe que não vai alcançar aquilo, né? (risos). Você fica admirado, tira umas ideias pra tentar fazer em casa (...) é um misto de sentimento.” Em meio as conversas a esposa de Olívio, Fátima, moradora do bairro a 65 anos, hoje, aposentada e do lar, falou sobre se sentir “fora do lugar”, em algumas regiões da cidade. “Posso falar? (...) O meu primeiro emprego foi na Rolla Tecidos, na Rua Rio de Janeiro com (rua) Tupinambás (Centro de Belo Horizonte). Em 1976, abriram uma unidade da loja na região da Savassi (região Centro-Sul) e meu chefe me chamou para ir trabalhar com ele. Não durei um mês lá. Me sentia mal todos os dias, complemente fora do meu lugar. Via gente gastando em um dia meses de trabalho meu e por mais que eu me arrumasse sempre me sentia mal vestida. Pedi para voltar para a unidade do Centro com a desculpa que de chegava atrasada para a aula noturna todos os dias, mas era mentira.”

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[56]Uniforme de todo dia. Foto: própria autora, 2021. A arte de caminhar

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[57]Calçado. Foto: própria autora, 2021.

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[58][59] A bolsa da marmita e o molho de chaves. Foto: própria autora, 2021. A arte de caminhar

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Mapa de sensações Olívio: as regiões da cidade de Belo Horizonte e a impressão de cada homem sobre elas. Própria autora.

Áreas consideradas hostis, não receptivas ou distantes; Áreas relacionadas a trabalho/obrigações; Áreas agradáveis , receptivas e próximas de casa.

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Apesar de temer a cidade, Olívio deixou bem claro durante a conversa que a necessidade de complementação de renda é o principal motivo do enfrentamento, priorizando, inclusive, a vida dos familiares antes da sua, já que ele é o único que trabalha fora e não pensa em parar. Sobre os locais citados, a Avenida Presidente Carlos Luz, no bairro Caiçara, o bairro Lagoinha e a Praça Barão do Rio Branco, mais conhecida como Praça da Rodoviária, são pontos da cidade com altos índices de criminalidade, ocupação de pessoas em situação de rua e prostituição. Literalmente falando são locais rápidos, pois, vivem em constante movimento, devido ao trânsito e ao fluxo de pessoas, mas essa rapidez apaga outros homens que também carregam lentidão em suas trajetórias. Já os “bairros de rico”, entre eles, o bairro Savassi, citado por Fátima, são locais de admiração, de sonhos inalcançáveis, mas também de deslocamentos e de confusão de sensações. São pontos da cidade que concentram densidades urbanísticas e abrigam cidadãos com alto poder aquisitivo. Podem ser chamados de espaços luminosos, onde existe investimento, já que são terrenos valorizados, mas também são abrigo, pois carregam o conceito de lar para as famílias residentes. Sobre a Praça da Estação o termo “era” usado no tempo passado é explicado pela revitalização da praça e restauro do prédio do Museu de Artes e Ofícios. O resultado foi a expulsão de muitas pessoas em situação de rua dos arredores – situação que durou pouco, já que atualmente muito pessoas voltaram a morar na praça. “Eu gosto do Sagrada Família, mudou demais, não dá para negar. Tinha muita casa boa aqui que derrubaram para fazer uns prédios feios e com acabamento ruim, mas ainda tem coisa boa. Acho que nesse ritmo vai continuar chegando gente, mudando as árvores, derrubando as casas que estão aí a anos, mas é o progresso chegando, tem hora que vem coisa boa também.”

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[60] Rua Conselheiro Lafaiete, Sagrada Família. Foto: própria autora 96


Lafayete Ao sair da Rua Barão de Cocais, a encontro da quarta parada, é possível encontrar um canteiro de obras pelas ruas. A poucos metros uns dos outros, prédios e condomínios surgem nos lugares das antigas casas e com eles se despedem os antigos moradores. Uns por conta da perda de antes queridos, outros pelo bairro “estar se tornando triste” e “cada vez mais difícil de viver”29 . “Aumentou muito o volume de carros e por isso o barulho é recorrente. Já estou até pensando em vender minha casa e deixar o bairro, depois de 55 anos”30 . Essa reformulação das residências do bairro, é sinônimo de revitalização, logo revalorização, onde as consequências desse processo cunham na criação de novas racionalidades para aqueles que ficam (MIRANDA, 2005, pg.74). A situação da reformulação é cenário real e vivenciado diariamente pelo Seu Lafayete, sapateiro morador da Rua Conselheiro Lafaiete a mais de 40 anos. “Reformo sapato e bolsa a uns 40 anos. Aprendi com um conhecido em Nova Era (Minas Gerais), quando tinha uns 16 anos. Lá trabalhei anos com isso, ensinei pra um monte de gente, era um comércio forte. Depois que vim pra cá (Belo Horizonte) não ensinei para mais ninguém, porque ninguém teve interesse. Já sei que vai ser assim, meus filhos seguiram outras coisas, netos vão seguir também, depois de mim (a profissão) vai sumir.”

29 Fátima Gonçalves moradora do bairro, entrevista realizada em fevereiro de 2021. 30 José Cirino Vieira, morador do bairro, entrevista para o Jornal Estado de Minas, em 28/08/2011. Disponível em < https://www.em.com.br/app/ noticia/gerais/2011/08/28/interna_gerais,247472/ moradores-antigos-do-sagrada-familia-tentam-sehabituar-ao-crescimento-do-bairro.shtml> Acesso em 17 março de 2021 A arte de caminhar

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Um ponto sempre lembrado com pesar por todos os entrevistados é a sequência de seu ofício. Sabe-se que a racionalidade mundial exige cada vez mais resultados acadêmicos dos integrantes do mercado de trabalho. Além do conhecimento acadêmico, o domínio da tecnologia é requisito. O mercado de trabalho atual é mais um campo de competição movido por preceitos da sociedade hegemônica. “Essa esquina é movimentada demais. Já me fizeram umas duas ofertas, pra comprar a minha casa e a minha loja, derrubar e fazer prédio, igual fizeram com umas casas por aqui. Nunca quis sair daqui, moro aqui a muitos anos, pra que vou mexer com sair daqui agora, no final da vida? Vou trabalhar até o dia que eu morrer, quando eu morrer se minha esposa quiser vender, ela vende, eu não vendo.” A oferta de compra feita ao entrevistado, que prevê a retirada dos moradores do local para a criação de novas unidades comerciais ou habitacionais, é uma mais umas das características da cidade fragmentada. O território como recurso é uma expressão utilizada quando o uso do território é exclusivamente uma fonte de lucro. Mesmo que esse território esteja sendo usado para a criação de novas unidades habitacionais e a dimensão da situação seja muito menor do que dos territórios explorados por empresas, a ação frente ao objeto está impregnada de intenção (SANTOS, 1996, pg.89). Pelo cenário do bairro, que vive em meio a especulação imobiliária e gentrificação, a leitura da intenção é feita visando o lucro. “Esse bairro mudou demais. A gente fica triste de ver o pessoal, vizinhos indo embora, morrendo... de ver a casa que você via todo dia ser derrubada. Eu não gostava de uma árvore que tinha na minha porta, sujava muito o passeio, mas depois que cortaram, fiquei chateado. Agora em vez de árvore eu vejo carro e escuto buzina o dia inteiro na minha cabeça.” Ao falar da simplicidade da árvore e do sentimento de perda mediante as modificações da paisagem, Lafayete remeteu a lógica da psicologia ambiental, área de estudo da relação do homem com o ambiente que o cerca, que tem como desafio captar a essência do lugar e/ou da pessoa que solicita o projeto. Cada cidadão tem determinadas associações com partes da cidade, e a imagem que ele faz delas está impregnada de memórias e significados (LYNCH, 1960).

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[61] Por conta da pandemia a loja permanece fechada. Foto: própria autora

[62]: Coleção de botões. Foto: própria autora

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[63]: Carrinho de solda. Foto: própria autora

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[64]: Lugar da antiga árvore. Foto: própria autora

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Mapa de sensações Lafayete: as regiões da cidade de Belo Horizonte e a impressão de cada homem sobre elas. Própria autora.

Áreas consideradas hostis, não receptivas ou distantes; Áreas relacionadas a trabalho/obrigações; Áreas agradáveis , receptivas e próximas de casa.

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Como então estudante de arquitetura e urbanismo, opino diretamente sobre essa questão: ao projetar, como já dito, arquitetos tendem a se ater a técnica, a função e a estética e muitas vezes acabam por se esquecer do social e do psíquico. Cada modificação do ambiente urbano pode causar uma sensação diferente a cada morador de um bairro ou cidade. A pequenos passos, o Sagrada Família vem perdendo algumas de suas tradicionais paisagens, com o tempo qual será a consequência psíquica para seus moradores? Respondo usando a lógica de Lynch, de que, toda percepção é feita aos poucos, sendo assim, o tempo é essencial no estudo de percepção da cidade, portanto as consequências não só sociais, mas psicológicas também só poderão ser respondidas com o tempo.

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A força dos fracos é seu tempo lento Durante séculos, acreditáramos que os homens mais velozes detinham a inteligência do Mundo (...) agora, estamos descobrindo que, nas cidades o tempo que comanda, ou vai comandar, é o tempo dos homens lentos (SANTOS, 1996, p. 220).

A cidade é o produto das relações humanas que se estabelecem no espaço, é uma obra aberta em continua transformação. Suas dinâmicas diárias são formadas por uma multidão anônima que desvenda esse organismo vivo, constituindo assim a diversidade de visões, que pode gerar conflitos, mas também provoca inventividades. Quando se busca impor uma única visão, está se declarando guerra à diversidade de formas de ver, viver e experimentar essas cidades (LEAL, 2017)31. A proximidade com a realidade abordada permitiu uma ação investigativa que foi responsável pela construção de um ponto de vista32. Como primeira impressão, após o início da imersão, classifico-me como estrangeira em meu próprio bairro, frente as “diferentes matrizes da racionalidade” que encontrei quando passei a explorá-lo sob olhar crítico. Como visto, a cidade de Belo Horizonte, assim como tantas outras, foi construída a partir de interesses da classe dominante, ou seja, estruturada por aqueles que detém o poder econômico, político, territorial e social (CARVALHO, 2017). Contudo, para que este sistema consensual funcione, homens e mulheres que se afastam dessa racionalidade imposta e consequentemente são condenados a sinônimos de atraso, circulam e resistem da maneira que é possível.

31 Gabriela Leal, antropóloga, em entrevista para a Revista Galileu em 27 de maio de 2017. Políticas higienistas nas cidades podem apenas esconder problemas. Disponível em: <https://revistagalileu. globo.com/Revista/noticia/2017/05/o-que-voce-faz-para-mudarsua-cidade.html> Acesso em março de 2021; 32 COSTA, Pedro Vitor, 2020, pg.56;

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O cotidiano como paisagem – Ingrid Sá Lee Linhas que nos conectam. Linhas que conectam. Linhas. Contemporâneo. Somos contemporâneos. Somos contemporâneos a tudo. O tudo é agora. Qual é o seu cotidiano? Como é o cotidiano do outro? Eu. O outro. Nós. Cada cotidiano é único. Estrangeiro Estranho. Somos estrangeiros em nossas próprias cidades. Assim como os outros nos são estranhos.

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Ao adentrar o território usado desses sujeitos, foi possível reconhecer através da comparação com seu entorno e com suas percepções compartilhadas, que a cidade os condiciona, mas não os define. Reconhecer a existência de outras temporalidades na cidade é um alívio, significa que ainda existe riqueza, reconhecimento de posse e pertencimento por outros, além dos que detém poder. São formas singulares de ver a cidade, criando assim várias outras cidades. E como a surpresa se dá como rotina, a riqueza dos “não possuidores” é a “riqueza dos sentidos” (...) Ao lado da busca por bens materiais finitos cultivam a procura de bens infinitos como solidariedade e liberdade. (SANTOS, 2000b)

Caminhar dentro do território de Remington, o pintor de faixas, me permitiu perceber a lentidão quase literal, da pessoa e do território habitado por ele. Foi ali em meio a pincéis e cores que este homem determinou sua felicidade, seu lugar. Apesar de destoar do espaço que o cerca, seu modo de reinventar a cidade, se fazer visível e assim sobreviver, felizmente, está atrelado em fazer o que gosta e assim permanecerá. Completamente oposto a calmaria que ilustra a lentidão de Remignton, Oliver, atravessa os diversos territórios existentes na cidade, por conta de sua necessidade. Segundo Santos “cada lugar, é, a sua maneira, o mundo” (1996, pg.213). Entre tantos trabalhos, momentos e desafios, Oliver acompanhou a mudança de seu bairro, de sua cidade e descobriu em suas rugosidades33, outros mundos. Inclusive, seus levantamentos e percepções sobre os territórios considerados opacos e luminosos, trazem questionamentos sobre o que realmente define esses lugares. Seriam espaços opacos e luminosos apenas compostos de densidades físicas? A construção e permanência nesses lugares, os gestos, afetos, sensações não seriam ruídos de luminosidade nesses espaços considerado opacos pela sociedade hegemônica?

33 Refere-se à concepção do espaço como acúmulo de tempos, ou seja, enfrenta os enigmas teóricos relacionados à indissociabilidade entre espaço e tempo. Da mesma forma, este conceito valoriza a historicidade que conforma a espacialidade, que é por ela expressa e contida. A rugosidade é vinco, conjunto de rugas, marcas, memórias (RIBEIRO, 2012, pg.68-69) 106


Já Olívio e Fátima, em poucas palavras, trouxeram à tona o temor e o desconforto que certos territórios impõem, situação que levou Olívio, particularmente, a criar seu próprio lugar no mundo, a reconhecer e valorizar as lembranças de um bairro que ainda carrega vestígios de um passado memorável. Em suas caminhadas por conta da necessidade, pôde acompanhar a expansão do modelo de dominação do espaço urbano. Locais como shoppings e bairros onde uma grande taxa de densidades técnicas – e de homens que detém o poder dessas densidades – estão presentes, definem de maneira sutil quem pode frequenta-lo. A configuração mínima de dissenso resulta na impossibilidade de inclusão dos lentos por outros agentes. É importante lembrar que os territórios racionalizados são dominados por homens. Nos pequenos detalhes, quem, afinal, essa multiplicidade de espaços convida? Lafayete é uma mescla de todos os outros e coincidentemente fecha o trajeto. Exerce seu ofício e encontra seu lugar em meio ao caos constante da Rua Conselheiro Lafaiete, resistindo aos efeitos dos processos urbanos impostos a seu redor. A conformação de sua profissão, a lembrança dos elementos que foram retirados de seu território e a obsolescência de sua tradição geram o esquecimento de sua presença, cenário lido como forma de proteção as consequências da fluidez da cidade. Ali, em sua loja, ele encontra o conforto de seu inventivo e insistente estar. No período em que estive próxima a esses homens, observando suas territorialidades, temporalidades, comportamentos, objetos e alguns de seus passos, em conjunto as conversas e aos diversos conceitos aprendidos, foram formadas visões particulares de cada sujeito, mas também foram encontradas algumas semelhanças. Suas trajetórias sempre priorizam a sobrevivência, a dignidade e a continuação de sua existência na cidade repleta de fragmentações. O medo da falta é combustível para seus enfrentamentos, mas é também a opção mais óbvia, pensando em suas vidas, sempre condicionadas ao trabalho. Santos afirma, como já citado, que na cidade, quem vive sob signo da velocidade e da racionalidade, ou seja, homens com alto poder aquisitivo, que vivem em espaços organizados, acabam por ver pouco da cidade e do Mundo (1994, pg.41). Quando se tem tanto nas mãos, não há porque se mover, por isso esses homens escolhem viver em teias de proteção, além de terem condições de ser manter assim. A arte de caminhar

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Já homens como Remington, Oliver, Olívio e Lafayete, nas buscas por condições melhores de vida e dignidade, caminham, descobrem e atravessam espaços distintos de suas realidades. Esses homens encontraram seu “espaço banal” no bairro Sagrada Família, em tempos diferentes do atual e ali construíram seu território como abrigo. A história de formação do bairro Sagrada Família tem a muito dizer sobre o uso do território pelos homens lentos moradores deste. O vínculo criado entre homens e seu território advém de uma relação orgânica e afetuosa, pois, é o espaço escolhido para a construção de suas famílias, local de permanência, de volta após o dia de trabalho. Hoje, o bairro é provido de densidades técnicas, mas quando os antepassados ou mesmo esses homens chegaram a seus espaços, ainda era possível encontrar resquícios de vida comunitária; o Sagrada Família ainda fazia jus a seu nome, tão significativo. Esse território historicizado pelo uso desses homens, carrega memórias, cotidianos e histórias e esta é a maior riqueza. Atualmente, de maneiras diretas e indiretas, a sociedade hegemônica vem conquistando esse “espaço banal”, espaço fora da sua malha urbana racionalizada, implementando o processo de refuncionalização popular (MIRANDA, 2005, pg.53). Os valores atribuídos ao espaço no início da urbanização da cidade de Belo Horizonte vêm se perdendo pelo valor de uso do território que adquiriu uma nova conformação (EVASO, 1999). Lidar com as consequências da refuncionalização popular somadas aos enfrentamentos diários frente ao espaço-tempo urbano, já faz parte do cotidiano desses homens. A força e resistência dos lentos frente a todas as experiências e enfrentamentos narrados aqui, é o que possibilita condições de pensar em futuro diferentes. Apenas por meio da arte da arquitetura é possível forjar wos sentidos existenciais de habitar o espaço. A arquitetura continua sendo detentora de uma grande tarefa humana: fazer a mediação entre o mundo e nós mesmos e proporcionar um horizonte de entendimento de nossa condição existêncial. (PALLASMAA, 2016)

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[65] Ajuda entre vizinhos, Oliver e Olívio. Reformas durante o final de semana Foto: própria autora. A arte de caminhar

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[66] A visão diária de Lafayete ao olhar para o horizonte do bairro Foto: própria autora. A arte de caminhar

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[67] O movimento observado por Remington. Foto: própria autora. A arte de caminhar

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“Ao trabalhador que corre atrás do pão É humilhação demais que não cabe nesse refrão E se não resistir e desocupar Entregar tudo pra ele então, o que será?” (CRIOLO, Convoque seu Buda, 2014)


2020: a força dos fracos é seu tempo rápido?


[68]: Monumento da Praça Tiradentes em BH, 2020. Foto: @ricardomorgan

No dia 26 de fevereiro de 2020, o primeiro caso de coronavírus foi confirmado no Brasil. O paciente é um homem de 61 anos que havia voltado de uma viagem da Itália. Em 8 de março, o primeiro caso foi confirmado em Minas Gerais. No dia 17 de março, o Ministério da Saúde foi notificado da primeira morte por coronavírus no Brasil. Aos poucos, os estados começaram a definir medidas temporárias. Fechamento de comércios não essenciais. Suspensão de aulas na rede pública e privada. Escritórios paralisados. Home office. Universidades aderiram ao EAD. Novos casos e mortes a cada dia. Lockdown. Hospitais lotados. No governo, o presidente chamava o vírus de “gripezinha”. Quarentena. Dias arrastados. Incerteza. Medo. Diante desse cenário, vamos nos afastar dos homens lentos 118


do bairro Sagrada Família e nos dirigir para o hipercentro de Belo Horizonte, que se tornou uma cidade-fantasma. “Fique em casa” é a recomendação da OMS. Limitar o deslocamento, diminuir o ritmo são contradições no mundo globalizado que vive sob signo da velocidade. “Estar parado” é a medida mais eficaz contra o vírus da COVID-19. Alguns dos mantras do globalismo planetário até aqui dominantes foram: movam-se, viajem, acelerem, cresçam, expandam-se, extraiam (os recursos), consumam, privatizem, flexibilizem (as relações de trabalho), “deslocalizem” (as empresas)... Tudo isso, frente à pandemia do coronavírus, repentinamente se inverteu: parem, não viajem, desacelerem, retraiamse, não consumam, invistam em políticas públicas, estatizem (empresas em crise)... (HAESBAERT, 2020).

Ficar isolado em casa é privilégio daqueles com capital acumulado ou que possam exercer suas funções através do home office. Ou seja, os “homens rápidos”, que antes da pandemia estavam no ritmo da cidade ou ao menos próximo a ele, hoje fazem parte da parcela que pode se manter protegida. Os homens lentos, tão afirmados nessa pesquisa como aqueles que são excluídos do ritmo acelerado das cidades, hoje são excluídos porque fluem pelo território ainda pela força da necessidade. Os lentos tornaram-se os mais rápidos na pandemia expondo novamente a contradição do capitalismo global (BACCHIEGGA, 2020). Apesar da diminuição do descolamento continuamos produzindo, consumindo, descartando. Por conta disso, de hora em hora, uma moto cruza a Praça Sete no centro de Belo Horizonte. Um pouco mais tarde, uma bicicleta sobe a Avenida Afonso Pena em direção a Savassi, zona Centro-sul da cidade. O delivery de sábado à noite continua chegando nas portas. As compras feitas online, vindas de diversos lugares do mundo, também. Nosso lixo posto na calçada continua sendo recolhido. Paradoxalmente, quem diria, a grande desigualdade que move o sistema econômico revela-se agora com toda a sua crueza entre aqueles que podem ficar isolados, hipoteticamente ‘imunizados’ nos territóriosabrigo de suas casas, com condições econômicas para se manter aí, e aqueles que, sem a garantia de seus territórios-recurso, são obrigados a atravessar a cidade para assegurar a alimentação, a saúde, a limpeza ou a segurança para toda a população (HAESBAERT, 2020).

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De certa forma, os homens lentos ganharam mobilidade no território, mas a qual custo? Quão mais cruel o território se tornou para os pobres diante da pandemia? No mês de abril de 2020, o Governo Federal destinou a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, o auxílio emergencial, que tinha por objetivo fornecer proteção financeira emergencial durante a crise causada pela pandemia da COVID-19 (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2020). O trabalho informal, em fevereiro de 2020, época precedente ao boom da pandemia no Brasil, já havia superado 50% em 11 estados do país, desde 201634. Em novembro, ainda com altos números de infectados e mortos, sem previsão para a volta total dos comércios, o Brasil havia perdido 11,3 milhões de postos de trabalho35 e o auxílio emergencial já havia deixado de ser pago para diversas famílias. Toda essa situação fez com que a informalidade se tornasse uma solução provisória de sobrevivência. “Sou estagiário em um museu, mas, por conta da pandemia ele está fechado desde março de 2020. Recebi algumas parcelas do auxílio emergencial, mas acabou repentinamente. A necessidade me fez partir para a área de entregas no final de 2020. Tem demanda o tempo todo. Quem pode se resguardar em casa não sai, não tem porque sair, ainda mais tendo alguém pra se arriscar por ele.” (Gustavo Leonardi, estudante de Geografia e atualmente entregador de aplicativo, entrevista via whatsapp em fevereiro de 2021)

Além da exposição, ainda existe a questão de qual transporte é usado para a realização das entregas. Em sua maioria, o transporte utilizado é a motocicleta, mas os tempos da pandemia fizeram com que muitos jovens e adultos tirassem de casa suas bicicletas, elétricas 34 FOLHA DE SÃO PAULO. Informalidade atinge recorde em 19 estados e no DF, diz IBGE. 14 de fevereiro de 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol. com.br/mercado/2020/02/informalidade-atinge-recorde-em-19-estados-e-no-df-diz-ibge.shtml> Acesso em fevereiro de 2021; 35 G1. Desemprego no Brasil salta a taxa recorde de 14,6% no 3º trimestre e atinge 14,1 milhões. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/11/27/desemprego-no-brasil-atinge-146percent-no-trimestre-encerrado-em-setembro.ghtml> Acesso em dezembro de 2020. 120


[69]: Entregador no Centro de BH, 2020. foto: @feelthestreetphoto

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ou não, para realização dessas entregas. O uso da bicicleta tornou-se mais comum por ser um transporte que pode ser conduzido independe de idade ou habilitação. “Já fiz 52km de bicicleta em uma noite e ainda sofro com a preferência pelos entregadores que tem motocicleta. O aplicativo quer que o pedido chegue rápido e seja bem avaliado, a questão aqui não é quem precisa mais.” (Gustavo Leonardi, estudante de Geografia e atualmente entregador de aplicativo, entrevista via whatsapp em fevereiro de 2021)

A percepção sob a cidade também mudou. Se antes restavam dúvidas, o cenário da pandemia desnudou a crueldade existente no espaço tempo urbano. Haesbaert (2020) reflete sobre como o modelo societário hegemônico baseado no crescimento – progresso, modernidade, rapidez e fluidez – colocou em jogo até mesmo nossa sobrevivência enquanto espécie humana sobre a Terra. “Eu gosto de estar em movimento na cidade, é uma particularidade minha, me sinto vivo, mas esse não é o melhor momento para aproveitar. As pessoas estão angustiadas, com medo, mas são medos diferentes. Eu não vejo os outros entregadores com medo, eu vejo uma força muito grande em todos eles. Eles não têm tempo pra sentir medo, nem ficar angustiados. Claro que existe o sentimento, mas eles não tem tempo pra demonstrar isso pra ninguém, porque a prioridade é comer, é pagar conta, pagar a prestação da moto, pedir seu próprio delivery em um dia de folga e pra isso a gente precisa ‘trampar’.” (Gustavo Leonardi, estudante de Geografia e atualmente entregador de aplicativo, entrevista via whatsapp em fevereiro de 2021)

A fluidez dos lentos causada pela pandemia da COVID-19 retrata um cenário nunca imaginado por Milton Santos. No entanto, em uma sociedade que tem como base homens marginalizados pelo processo da globalização, - processo este veemente estudado por Santos – era de se esperar que em um contexto cruel, o mais fraco fosse o mais prejudicado. A pandemia se instaurou no mundo devido ao movimento fluído dos homens rápidos pelos territórios, já que o vírus foi trazido de fora para dentro do país. Essa situação ilustra a então chamada globalização perversa (SANTOS, 2000b, pg.19), na qual, os então responsáveis pela disseminação do vírus agora vivem isolados e teoricamente imunizados, tendo acesso garantido a serviços gerais graças aos homens expostos. 122


[70]: Entre uma entrega e outra, um registro. foto: Gustavo Leonardi, 2020

É assustadora a faceta de incertezas que o contexto atual revela. Para muitos, zelar pela saúde significa não ter o básico para sobreviver. O geógrafo Rogério Haesbaert (2020) chama a atenção para conscientização do quanto a segurança dos homens que podem ficar em casa depende da massa de vulneráveis que está fluindo nas ruas. Os entregadores de aplicativo, assim como lixeiros, carteiros, porteiros, responsáveis pela limpeza de hospitais entre tantos outros que continuaram em trânsito durante a pandemia, antes já eram vistos como corpos intrusos presentes na normatividade da cidade hegemônica e atualmente são corpos castigados pela persistente preservação da cruel organização espacial das cidades.

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ALGUNS NÚMEROS DA PANDEMIA: “Informalidade supera 50% em 11 estados do país, diz IBGE.Taxa tem maior nível desde 2016 e atinge 41,1%.” - Folha de São Paulo em fevereiro de 2020

“Coronavírus:

entregadores de aplicativo trabalham mais e ganham menos na pandemia, diz pesquisa” - BBC NEWS Brasil, maio de 2020

“Dos mais de 90 milhões de trabalhadores ativos no país, apenas 7,9 milhões trabalharam em suas casas durante o ano de 2020 - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Covid).” - Brasil de Fato em dezembro de 2020

“Segundo o Ministério da Cidadania 1 em cada 3 brasileiros recebeu pelo menos uma parcela do auxílio emergencial até dezembro do ano passado. O benefício permite que uma parte da população pudesse de resguardar em casa e se protegesse da Covid-19.” “Número do CAD único (Cadastro único) 2,8 milhões de mineiros chegaram ao fim de 2020 em situação de extrema pobreza, isso significa que sobreviveram com uma renda abaixo de R$89,00 por mês.” - Fonte: MGTV 2ª edição, março de 2021 124


[71]: A espera na Praça Sete, BH, 2020. foto: @rafaelmartinsflmk A arte de caminhar

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Considerações finais Ao iniciar os estudos para o desenvolvimento deste trabalho final, tive a opção de me ater a arte do projeto, do desenho como solução. Contudo, acredito que esse trabalho finalize um ciclo e dê início a outros, que seja parte do processo dessa fase de descobertas, do amadurecimento do pensamento crítico de atuação do arquiteto, que além de profissional é também usuário e cidadão. Entre as multiplas formas de fazer cidade, escolhi a arte do caminhar, que segundo Francesco Careri36, é a única arquitetura simbólica capaz de modificar o ambiente; perceber, criar, ler e escrever o território. Perante pandemia, o território escolhido para essa investigação foi o meu bairro, o Sagrada Família, que por viver a muito tempo me passava a sensação de dominação e ao tentar encontrar arte diante dos passos dos moradores desse território conhecido, encontrei uma infinitude de novas cidades. Os territórios são historicizados por processos e pessoas, pessoas essas que construem seus mundos e temporalidades de acordo com a imposição da sociedade. Essa é a fórmula da cidade. Um espaço repleto de remendos costurados através dos tempos, mas espaço também de linhas soltas que foram tecidas, por homens e mulheres em busca da sobrevivência, resultando em diversidade e sabedoria. Mais importante que o resultado final, o processo percorrido até aqui, é um pequeno manifesto que busca exaltar a diversidade de formas de ver e viver a cidade. A narrativa das experiências e percepções desses homens é a busca por essa ampliação de possibilidades. A ótica parece otimista em meio a crueldade do capitalismo,principalmente em tempos de pandemia, mas estudar, principalmente a obra do professor Milton Santos, é perceber em meio ao caos urbano, a resistência de pessoas e lugares; é compreender que diante de todo apagamento existe a memória como principal material de construção da existência. 36 CARERI, 2002; 126


“É preciso toda uma arte para fazer ver aquilo que vimos. Nesse sentido, fazer ver é convocar uma testemunha”. Uso as palavras de David Lapoujade37 para me classificar como testemunha das andanças e permanências desses homens nos mais variados tipos de território. Como planejadora inicio aqui a mediação entre essas vozes constantemente silenciadas por nossos desenhos, nossas cidades. E levo comigo parte da missão, iniciada por Milton Santos em sua extensão obra, de pensar sempre em futuros possíveis centrados unicamente no homem.

37 LAPOUJADE, 2017, pg.93 A arte de caminhar

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Porque se chamavam homens

Também se chamavam sonhos E sonhos não envelhecem...”

Milton Nascimento, Clube da Esquina nº2, 1972

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Referências bibliográficas ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Histórias de bairros [de] Belo Horizonte: Regional Leste. Belo Horizonte. APCBH; ACAP-BH, 2008; BACCHIEGA, Fábio. A mobilidade dos “homens lentos”: desigualdade e fluidez em tempos de pandemia. AntropoLÓGICAS, 2020. Disponível em <https://www. antropologicas-epidemicas.com.br/post/v7a14-a-mobilidade-dos-homens-lentosdesigualdade-e-fluidez-em-tempos-de-pandemia> Acesso em dezembro de 2020; BAGGIO, Ulysses da C. A Luminosidade do lugar - circunscrições intersticiais do uso de espaço em Belo Horizonte: apropriação e territorialidade no bairro de Santa Tereza. 2005. (Tese de doutorado em geografia humana). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2005. BARROSO, Eloísa Pereira. A alma encantadora das ruas do Rio de Janeiro. São Paulo. Revista Cordis: Revista eletrônica de História Social da Cidade, PUC-SP, n. 9, 2012; Disponível em: < https://revistas.pucsp.br/index.php/cordis/article/view/14405> Acesso em setembro de 2020; BARAD, Karen. “Posthumanist performativity: toward an understanding of how matter comes to matter”. In: Signs: journal of woman in culture and society, vol.28, no.31, 2003; BEGA, Eliton Flávio Gutirez. Territorialização das luzes e ordenação do espaço brasileiro: luminosidade, opacidade e centralidade na perspectiva das imagens noturnas do satélite DMSP/OLS. Londrina. Universidade Estadual de Londrina, Centro de Ciências Exatas Departamento de Geociências, Paraná, 2008; BORSAGLI, Alessandro. Os anos 1910: o início do adensamento da Zona Suburbana. Curral del Rei: Desconstruindo BH, uma cidade em eterna construção. Belo Horizonte, 2010. Disponível em: <http://curraldelrei.blogspot.com/2010/06/os-anos-1910-e-oinicio-do-grande.html> Acesso em 23 de novembro de 2020; BRUNELLO, Yuri. Mais definições em trânsito: Hegemonia. CULT: Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003; CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: Editora G. Gili, 2002; COSTA, Pedro Vitor. A doméstica de Magé: uma arquitetura em 8 atos. Monografia em Arquitetura e Urbanismo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, novembro de 2020;

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Lista de figuras Figura 01: Bairro Sagrada Família, Belo Horizonte, 2021 (Foto: própria autora); Figura 02: Cidade: organismo vivo. Estação Carlos Prates, Belo Horizonte, 2019. (Fonte: @thiagomobile, via Instagram); Figura 03: “Fluindo” no ritmo da cidade. Belo Horizonte, 2020. (Fonte: @crivelito, via Instagram); Figura 04: Correndo (no ritmo da cidade?), Belo Horizonte, 2020. (Fonte:@fredericobbs, via Instagram); Figura 05: Território usado: edificado e fragmentado, Belo Horizonte, 2020 (Fonte: @crivelito, via Instagram); Figura 06: Volta para casa. Belo Horizonte. (Fonte: @msamotta, via Instagram); Figura 07: A espera. Praça Sete, Belo Horizonte. (Fonte: @msamotta, via Instagram); Figura 08: Seguindo o caminho. Belo Horizonte. (Fonte: @rodriguesmateus_); Figura 09: Praia do Boto Pescador, Laguna – SC, janeiro de 2020. (Foto: própria autora); Figura 10: Informativo turístico de Laguna. Prefeitura de Laguna. (Foto: acervo da autora); Figura 11: Derivando pelo Centro Histórico de Laguna. Laguna – SC, janeiro de 2020. (Foto: própria autora); Figura 12: Entrada Vila Vitória. Laguna – SC, janeiro de 2020. (Foto: própria autora); Figura 13: Casas da Vila Vitória. Laguna – SC, janeiro de 2020. (Foto: própria autora); Figura 14: Margens Vila Vitória. Laguna – SC, janeiro de 2020. (Foto: própria autora); Figura 15: Garagens de barco. Laguna – SC, janeiro de 2020. (Foto: própria autora); Figura 16: Vila Vitória. Laguna – SC, janeiro de 2020. (Foto: própria autora); Figura 17: Intervenção no Centro de Laguna, “A história das pessoas também conta a história da cidade, #SOMOSPARTEDAPAISAGEM. Laguna – SC, janeiro de 2020. (Foto: própria autora); Figura 18: Planta geral Cidade de Minas, 1895. (Fonte: APCBH); Figura 19: A expansão fora da Av. do Contorno. Belo Horizonte e Região Metropolitana, 2021. (Fonte: Google Maps);

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Figura 20: Região Leste. Belo Horizonte, 2019. (Fonte: @da.frias, via Instagram); Figura 21: Praça Raul Soares, Belo Horizonte, 2019. (Fonte: @da.frias, via Instagram); Figura 22: Rua São Lázaro, Sagrada Família, 1898. Belo Horizonte. (Fonte: Jornal Nossa História); Figura 23: Canalização do Córrego da Mata em 1936. Belo Horizonte. (Fonte: APCBH); Figura 24: Imigrantes moradores do bairro Sagrada Família, 1924. Belo Horizonte. (Foto: acervo próprio); Figura 25: Zilda Capai e irmã no terreno vazio da rua Barão de Cocais, 1937. Belo Horizonte. (Foto: acervo próprio); Figura 26: Bairro Sagrada Família, 1944. Belo Horizonte. (Foto: acervo próprio); Figura 27: Escola Estadual Helena Pena: primeira escola do bairro, 1945. Belo Horizonte. (Fonte: Jornal Nossa História); Figura 28: Construção do Estádio Independência, 1950. Belo Horizonte. (Fonte: Jornal Nossa História); Figura 29: Vista aérea do bairro, 1960. Belo Horizonte. (Fonte: Jornal Nossa História); Figura 30: Documento de regularização das primeiras casas do bairro, ainda identificado como Colônia Américo Werneck, 1943. (Fonte: acervo próprio) Figura 31: Avenida Silviano Brandão, década de 40. (Foto: acervo próprio); Figura 32: Notícia do Jornal “O Diário”, 1960. Belo Horizonte. (Foto: APCBH); Figura 33 e 34: Mudança na paisagem do bairro Sagrada Família para o Floresta, 1978 e 2020. (Foto: acervo e própria autora); Figura 35: Lista do número de moradores dos bairros de BH em 1972. Belo Horizonte. (Foto: Plataforma Hélio Gravatá); Figura 36, 37, 38: O atual Sagrada Família, 2021. Belo Horizonte. (Fotos: própria autora); Figura 39, 40, 41: Construções no bairro Sagrada Família, 2021. Belo Horizonte. (Foto da própria autora) Figura 42: Andanças pelo Sagrada Família, 2021. Belo Horizonte (Foto da própria autora) Rua Pouso Alegre, 2021. Belo Horizonte. (Foto da própria autora); Figura 43: Rua Pouso Alegre. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 44: Ateliê/ casa, arte e lentidão. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 45: Tintas e pincéis. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) A arte de caminhar

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Figura 46: Entre pincéis e tintas, um relógio e uma trena. Belo Horizonte, 2021. (Foto: própria autora) Figura 47: Porta fechada: sinônimo de invisibilidade. Belo Horizonte, 2021. (Foto: própria autora) Figura 48: Lazer de domingo: reforma em casa. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 49: Quartinho de ferramentas usadas no trabalho. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 50, 51, 52: Ferramentas: parceiros de ofício. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 53: Uma ferramenta curiosa. Foto: própria autora, 2021. (Foto da própria autora); Figura 54: Contraste asfalto e vegetações. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 55: A caminho de mais um dia de trabalho. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 56: Uniforme de todo os dias. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 57: Calçado. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora); Figura 58: A bolsa. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora); Figura 59: O molho de chaves. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora); Figura 60: Rua Conselheiro Lafaiete, Sagrada Família. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora); Figura 61: Por conta da pandemia, a loja permanece fechada. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora); Figura 62: A coleção de botões. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 63: Por conta da pandemia a loja permanece fechada. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 63 Carrinho de solda. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 64: Lugar da antiga árvore. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 65: Ajuda entre vizinhos, Oliver e Olívio. Reformas durante o final de semana. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 66: A visão diária de Lafayete ao olhar para o horizonte do bairro. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 67: O movimento observado por Remington. Belo Horizonte, 2021. (Foto da própria autora) Figura 68: Monumento da Praça Tiradentes em BH, 2020. Belo Horizonte. (Foto: @ricardomorgan, via Instagram); 136


Figura 69: Entregador no Centro de BH, 2020. Belo Horizonte. (Foto: @feelthestreetphoto, via Instagram); Figura 70: Entre uma entrega e outra, um registro. Belo Horizonte. (Foto: Gustavo Leonardi, 2020, via WhatsApp) Figura 71: A espera na Praça Sete, BH, 2020. Belo Horizonte. (Foto: @rafaelmartinsflmk via Instagram) Coleção People. Daniel Natoli Rojo. Disponível em <https://thenounproject. com/natolirojo/collection/people/> acesso em abril de 2021.

Lista de mapas Mapa 1: Atual divisão de Belo Horizonte e do bairro Sagrada Família. Própria autora Mapa 2: Tipologias de ocupação residenciais, base de dados 2019 (PBH). Própria autora Mapa de sensações Remington: as regiões da cidade Belo Horizonte e a percepção de cada homem sobre elas. Própria autora, 2021 Mapa de sensações Oliver: as regiões da cidade Belo Horizonte e a percepção de cada homem sobre elas. Própria autora, 2021 Mapa de sensações Olívio: as regiões da cidade de Belo Horizonte e a impressão de cada homem sobre elas. Própria autora, 2021 Mapa de sensações Lafayete: as regiões da cidade de Belo Horizonte e a impressão de cada homem sobre elas. Própria autora, 2021

Lista de siglas APCBH - Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte APM - Arquivo Público Mineiro FJP - Fundação João Pinheiro PBH - Prefeitura de Belo Horizonte PHG - Plataforma Hélio Gravatá REAPCBH - Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte

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