Ensaio fotográfico "Entre chegadas e partidas: histórias de rodoviária"

Page 1

entre

chegadas e partidas histรณrias de rodoviรกria


Pessoas chegando a BrasĂ­lia, RodoviĂĄria Interestadual


Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação Introdução à Fotografia Equipe Larissa Martins Letícia Garcia Matheus Negre Natália Brasil Natália Fernandes Professor Ronald Jesus

entre

chegadas e partidas histórias de rodoviária


apresentação O século XX no Brasil foi marcado por intenso fluxo migratório interno, causado pela transição do país de uma vida agrária para uma vida urbana. Este processo, por sua vez, teve um importante marco: a construção da Nova Capital na região Centro Oeste, que, demandando altas quantidades de mão de obra, levou milhares de famílias a saírem de suas cidades para construírem história nas terras do cerrado. Foi assim, desde a sua origem, que Brasília se tornou um ponto de chegada e partida para milhares de pessoas. Homenageados por Bruno Giorgi em sua escultura Os Dois Guerreiros, os candangos, como foram denominados os operários que chegaram de outras partes do País ao planalto central para atuar nas obras de Brasília, foram registrados em fotografias, muitas de autoria anônima, que servem como um instrumento para resgatar não apenas a memória de Brasília, mas também um momento da história de cada um daqueles personagens anônimos ali registrados. Das fotografias de autor, temos como destaque os trabalhos de Marcel Gautherot e Peter Scheier, que retrataram


esses indivíduos em suas ações do cotidiano, no trabalho e em suas casas. Recuero (2006) diz que “o registro fotográfico proporciona comunicação, é fator de reflexão e de questionamento, revela mil possibilidades de interpretações, ainda que num momento congelado e guardado para sempre”. E é assim que, ao observar imagens fotográficas das pessoas que chegavam à Brasília nesse período, pode-se reparar da roupa que estão usando, ao lugar onde estão; passando pelo que estão fazendo e como interagem com aquele momento. Mas quem seria aquela pessoa? De onde veio, qual o seu nome? Como ela chegou até ali? Por que foi pra Brasília? Para além da imagem, mas por meio da fotografia, qual a bagagem, a história que aquela pessoa trazia consigo? Em meio a essas reflexões, adotou-se como temática desse ensaio, guardadas as suas respectivas dimensões e limitações, um retrato do atual fluxo migratório para e de Brasília, seja de moradores ou visitantes da Capital. O conceito que regeu o trabalho desenvolvido gira em torno da capacidade da fotografia em comunicar e possibilitar diversas interpretações: buscou-se, além de

retratar os viajantes, apresentar breves perfis dessas pessoas acompanhados da história atrelada ao motivo, ao contexto de suas viagens, com o intuito de esclarecer alguns pontos do breve momento capturado ao observador, deixando em aberto as muitas possibilidades de interpretação do observador, aproximando-o do modelo. Dessa maneira, o ensaio baseia-se nas histórias, percepções e interpretações por meio e de fotografias. O cenário escolhido, a Rodoviária Interestadual, é o principal ponto de chegada e partida das rotas terrestres que passam e param em Brasília. Este ensaio entende que fotografar é sobretudo a manifestação de um olhar estético, afetivo, que se envolve com a situação e dança com o mundo. As fotos trazem lembranças e saudades, por vezes saudades de pessoa que continua presente, saudades da vida que se levava, saudades das mais variadas. A vida é um constante fluxo de vivências e histórias, e cada momento pode ser encarado como único e especial. Muitos deles merecem ser guardados além da memória. A fotografia registra o Real. É modo de contar histórias, conhecer as pessoas, é o registro de um momento que não vai se repetir.


o processo Foi combinado, entre os membros do grupo, um encontro no dia 4 de novembro na Rodoviária Interestadual para observação do local, obtenção de autorização para fotos e para fotografar os participantes, que seriam escolhidos ao acaso. Como equipamento, utilizamos uma máquina Canon EOS 1200D; um fundo fotográfico com tecido preto, utilizado para dar unidade visual às fotos e contraste entre o modelo e fundo; e um banquinho retrátil, a ser utilizado de acordo com a vontade dos modelos. Cada possível candidato foi abordado de forma educada, com explicações claras sobre o trabalho desenvolvido, dando-lhes todas as informações para que pudessem aceitar ou recusar livremente. Ocasionalmente o grupo era abordado por pessoas curiosas, que acabaram por se oferecer como modelos. Aos modelos eram perguntadas questões pessoais, como local de origem e destino, a partir do que se desenrolaram histórias interessantes. Seus dados pessoais e histórias foram anotados em um formulário, posteriormente utilizado para montagem da apresentação.


Além dos modelos também foi fotografada a própria rodoviária, com o intuito de se contextualizar o ensaio e ilustrar os fluxos de chegada e partida. Após as fotografias prontas, iniciou-se o processo de pós-produção com retoques das fotografias escolhidas no software Phtotoshop e organizou-se a apresentação do ensaio, diagramando-o em formato de livreto, tamanho A5. Com intuito de preservar a essência dos personagens, optou-se por fotografias em preto e branco. O objetivo do ensaio é, desde sua concepção, capturar a expressão e personalidade de cada modelo, ao mesmo tempo mostrando parte de sua história. Enquanto a fotografia colorida se expressa por valores complementares (matizes diferentes), a fotografia em preto e branco se expressa por valores antagônicos: luz e escuridão. A ênfase ao contraste entre claro e escuro presente em uma fotografia em preto e branco muitas vezes pode trazer um efeito mais dramático que em uma fotografia colorida. Como forma de respiro e para nortear os leitores ao longo do livreto, foram utilizadas fotografias coloridas. No entanto, sendo estas fotografias

coloridas apenas páginas de transição, tiveram sua saturação diminuída de forma a não entrarem em conflito com as imagens principais. Os retratos dos modelos são apresentados com sua história, nome e idade, acompanhados sempre por fotografias do ambiente. Ao longo do processo de montagem do ensaio, a letra da canção "Encontros e Despedidas" de Milton Nascimento e Fernando Brant nos veio em mente; certos trechos dessa música foram associados às histórias dos personagens e assim decidiu-se ilustrar a música por meio de imagens e contextualizar a imagem por meio de música.


Fotografia panorâmica do Lago Paranoá Rodoviária Intrestadual


o ensaio



Ponte terrestre entre Brasília e Feira de Santana. Tempos atrás a Capital do país acolheu o casal que veio tentar a vida e que por aqui ficou. Em Brasília montaram família, porém sem abandonar suas raízes baianas: sempre que podem, retornam para visitar familiares em sua terra natal. Muito doces, deram endereço para receberem as fotos tiradas. Nunca tinham sido fotografados por uma máquina profissional. “E assim, chegar e partir, São só dois lados Da mesma viagem”

Erivaldo e Luíza Silveira, aposentados, 72 e 65 anos


Ponte terrestre entre Brasília e Belém do Pará. Chega de despedida, os sorrisos já entregam: sustentaram o relacionamento à distância durante 9 anos e desta vez ele veio para ficar. Toda vaidosa, ela pediu emprestado os óculos escuros para sair mais bonita na foto. “Me dê um abraço, venha me apertar, Tô chegando”


Iago Reis e Aliny Gomes, noivos, 37 e 31 anos



Ponte terrestre entre Brasília e Pirinópolis. Ele todo falante. Ela já saudosa. Muita correria e algumas lágrimas. Como companhia, ele levava seus instrumentos musicais. Com olhares de ternura, tentavam prolongar aquele momento: não sabiam quando se veriam novamente. “A hora do encontro É também de despedida”

Luana Baldo e Filipe Dahren

estudante, 24 anos, e músico, 29 anos



Ponte terrestre entre Brasília e algum lugar pelo Brasil. Os amigos foram para a rodoviária interestadual em busca de passagem barata para uma amiga. Estavam em horário de almoço e nossa movimentação lhes chamou a atenção. Em uma conversa fácil, perguntamos se não queriam ser nossos modelos. Ambos concordaram com entusiasmo. “Tem gente que veio só olhar”

Otávio dos Santos e Ricardo Almeida, amigos, 52 e 61 anos



Ponte terrestre entre Brasília e Alexânia. Carregava consigo cor: o sorriso largo, as roupas verdes e o cabelo vermelho nos chamaram a atenção. Mesmo em preto e branco ela é colorida. Voltava pra sua casa em Alexânia depois de uma temporada em sua casa brasiliense. A conversa só não se prolongou porque ela já estava de partida. “Melhor ainda é poder voltar Quando quero”

Gabriela Ricon,

empresária, 49 anos



Ponte terrestre entre Brasília e Manaus. O repórter se aproximou e se apresentou como “irmão do procurador”. Muito comunicativo, não negava a profissão. Contou histórias de reportagens, de seu programa na rádio, e compartilhou algumas de suas experiências do outro lado da câmera. Pouco tempo depois, um motorista veio buscá-lo. “Mande notícias do mundo de lá, Diz quem fica”

Ricardo Cruz,

jornalista, 67 anos


FICHA TÉCNICA:

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Fotografia Natalia Fernandes, Larissa Barros

OLIVEIRA, Rita Barreto de Sales. A fotografia como memória na vida dos candangos. 2008. 211 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação). Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/3723?mode=full>.

Assistente de Fotografia Letícia Garcia, Natália Brasil, Larissa Barros Abordagem e entrevistas Larissa Barros Edição de imagem Natália Brasil, Natalia Fernandes Diagramação Larissa Barros, Natália Brasil Textos e suporte teórico Larissa Barros, Natália Brasil, Letícia Garcia, Matheus Negre Música Encontros e Despedidas Composição de Milton Nascimento, Fernando Brant Local Rodoviária Interestadual de Brasília Equipamento Câmera Canon EOS 1200D, lentes 18~55mm e 75-300mm

RECUERO, Carlos Leonardo. Fotografia: Contraponto entre a narração da realidade e a sua compreensão. Revista F@ro Nº 3 – Estudios. Universidad Católica de Pelotas, Chile, 2006. Disponível em: < http://web.upla.cl/revistafaro/03_estudios/03_recuero.htm>. Acesso em: 19/09/16. PULS, Maurício. Cor ou preto e branco? Razões de uma escolha. Revista online Zum São Paulo, Março de 2016. Disponível em <http://revistazum.com.br/radar/cor-ou-pb/>. Acesso em dezembro de 2016.


Pessoas partindo de BrasĂ­lia RodoviĂĄria Interesestadual


Universidade de BrasĂ­lia


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.