Cronologia do Tietê: sobre os territórios de interesse da cultura e paisagem na periferia da várzea

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CRONOLOGIA DO TIETÊ:

SOBRE OS TERRITÓRIOS DE INTERESSE DA CULTURA E DA PAISAGEM NA PERIFERIA DA VÁRZEA

Larissa Costa Lobo Prof. orientador Dr. Vladimir Bartalini


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LARISSA COSTA LOBO

CRONOLOGIA DO TIETÊ:

SOBRE OS TERRITÓRIOS DE INTERESSE DA CULTURA E DA PAISAGEM NA PERIFERIA DA VÁRZEA

Trabalho apresentado ao Programa de Residência em Arquitetura e Urbanismo do ano de 2015/2016 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

SÃO PAULO, NOVEMBRO 2016


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prólogo

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Quando foi proposto este trabalho, eu tinha em mente qual era o território com o qual gostaria de trabalhar e obviamente a proximidade com a Subprefeitura São Miguel colaborou para essa escolha. Sempre me intrigou este lugar, o Jardim Pantanal, um bairro que nunca aparecia nos registros oficiais de São Paulo, mas que estava presente no imaginário de todo morador e conhecedor do extremo leste paulistano. Aos poucos fui me relacionando com o local, no entanto não posso me considerar próxima, penso que seria desrespeitoso com quem conhece de verdade o lugar. Nesse caso me coloco em posição de observadora ao tentar construir essa narrativa sobre a várzea do Tietê e as questões que vem junto com esse tema. Já me antecipo a pedir perdão por qualquer descuido ou falha em relação a algum relato, são percepções minhas. Essa várzea, às margens não só do Rio mas também do Estado, apresenta um exemplo prático dos conflitos entre o Estado e

Município, onde existe uma sobreposição de situações. Tem uma APA (Área de Proteção Ambiental), tem uma intervenção estadual pelo Parque Várzeas do Tietê, o dique do Jardim Romano, a construção de uma ponte sobre o rio entre os dois municípios, uma intervenção municipal da Secretaria de Habitação pelo programa Renova São Paulo. Além disso, tem a Sabesp que gere a questão das águas na região. Essas diversas atuações, todas inacabadas, revelam a inconsistência em nosso modus operandi de fazer planejamento urbano, onde a desatenção com o local, com o cotidiano e os anseios do lugar, que desconhece sua história, suas lutas, demandas e propostas, acaba por ter resultados muito perversos, sobretudo em territórios de fronteira. É enfrentando essa questão que eu gostaria de construir este trabalho, partindo de uma percepção local para se começar a discutir estratégias de planejamento regional, fortalecendo a perspectiva democrática da cidade.


resumo

abstract

Este trabalho procura ser uma contribuição ao debate sobre os Territórios de Interesse da Cultura e da Paisagem, instrumento inovador trazido pelo Plano Diretor Estratégico de São Paulo e ainda não aproveitado em sua potência pelos Planos Regionais. É apresentada uma possível apropriação do instrumento, partindo das condições históricas e culturais da várzea do Tietê no contexto da Subprefeitura São Miguel. Palavras chave: TICP, São Miguel Paulista, paisagem, cultura

This work is a contribution to the debate about the Territories of Culture and Landscape Interest, an innovative instrument brought by the Strategic Master Plan of São Paulo and not yet used to its power by the Regional Plans. A possible appropriation of the instrument is presented, starting from the historical and cultural conditions of the Tietê floodplain in the context of São Miguel Paulista. key words: TICP, São Miguel Paulista, landscape, culture

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sumário 8 a paisagem 9 introdução

o instrumento território

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a aldeia do rio ururaí a industrialização o rio invisível o dique

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o imaterial

reflexões

referências bibliográficas anexos

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introdução

O Rio Tietê é um objeto presente e constante na vida de todos que habitam e conhecem o Jardim Helena, distrito da Subprefeitura São Miguel no extremo nordeste paulistano. Nesse local, entre o trecho sinuoso e também retificado do rio e toda sua área de várzea, são muitas famílias que existem e resistem à inundação, morando neste lugar também conhecido como Jardim Pantanal. Existem diversos bairros, que naturalmente compõem o distrito, mas este talvez seja o termo que melhor revela a natureza desse território. Falar sobre periferia, especialmente a da várzea, implica entender a relação do homem com a natureza por meio do seu processos histórico de formação, desde seu surgimento enquanto aldeia até a construção de um território heterogêneo que se deu às margens do Estado. No contexto da paisagem periférica, implica reconhecer a maneira com a qual a população se apropria e se relaciona com os espaços criados, assim como os processos de desenvolvimento que impactam as diversas realidades culturais. Das profundas desigualdades e contradições que a cidade como um todo apresenta, é que se demandam estratégias que valorizem a cultura criada e mantida por estes que residem em territórios de pobreza, para então se discutir novas formas de se pensar cidade, o que implica romper com os conceitos formais e reconhecer as transformações e dinâmicas próprias do espaço

da cidade informal. É preciso desmistificar o planejamento urbano, incluindo decisivamente a população em seus processos de execução, resultados e principalmente nas decisões das questões vitais que irão condicionar a vida dos cidadãos que a integram, para que os mesmos se apropriem do material construído e se envolvam nos rumos da cidade. Nesse caso é importante que se compreenda o papel da dimensão da cultura1 na configuração desses territórios para, a partir disso se discutir estratégias de planejamento urbano, abrindo caminho para a discussão de uma cidade como espaço educativo, criativo e de trocas de conhecimento. Nesse sentido o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo traz um novo instrumento, potencialmente inovador, que parte de uma perspectiva democrática da cidade para a introdução da cultura, educação e meio ambiente no planejamento urbano regional. Dessa maneira, este trabalho deseja ser uma contribuição ao debate sobre os Territórios de Interesse da Cultura e da Paisagem (TICP) em uma tentativa de apropriação deste termo à paisagem da periferia, assim como o processo de construção do território, sobretudo uma reflexão sobre a várzea do Rio Tietê. 1

Herança social, formas de organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de geração para geração que, a partir de uma vivência e tradição comum, se apresentam como a identidade desse povo


a paisagem

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Neste capítulo nos aproximaremos de nosso objeto, a várzea do Rio Tietê em sua conformação atual, portanto paisagem. De acordo com Milton Santos, a paisagem é um conjunto de formas que, num dado momento, exprime as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são as formas mais a vida que as anima (SANTOS, 2008, p.103). A água integra um fator determinante no processo de conformação territorial e da paisagem, constituindo um conjunto de espaços onde se desdobram práticas produtivas, rituais, celebrações, mobilizações sociais, etc. e que nesse contexto, é o elemento que alinhava o processo de ocupação da região. Para chegar a descrever seu aspecto atual, vamos reconstruir esse percurso. Recontar a narrativa sobre a relação entre homem e natureza, desde seu surgimento enquanto aldeia, período contemporâneo aos primeiros anos de São Paulo, até sua expansão sobre as áreas ambientalmente frágeis, nos dias atuais. Os documentos oficiais apontam para a origem da aldeia aos primeiros anos de São Paulo, segundo o qual esta aldeia teve início por volta de 1560, período coincidente com o estabelecimento dos Guaianases nesse ponto de São Paulo. Os padres jesuítas, sob o comando do beato José de Anchieta, em sua missão de evangelização dos índios logo encontraram ali um lugar para ficar, a população foi crescendo e logo se conformou a região que ficou conhecida como a Vila de Ururaí, pela proximidade com o

então Rio Ururaí (atual Tietê). “Nessa grande área de Ururaí numerosos córregos engrossam as águas dos rios Itaquera e Jacuí, que por sua vez, vão despejar-se no Tietê, relevando mencionar também o Aricanduva, cujo curso se continha quase inteiramente na histórica sesmaria, cuja concessão foi o melhor penhor de sobrevivência da aldeia de Ururaí, agora sob plenitude do Padroado Real.” (BONTEMPI, 1970, pág. 31). A primeira referência nominal a São Miguel data de 1586, quando passa a figurar nos Catálogos da Companhia de Jesus e se torna uma das principais aldeias sob a assistência dos jesuítas, quando se inicia a construção da Capela de São Miguel Arcanjo2. A localização da vila era também importante para pouso, uma vez que estava entre o caminho de ligação de São Paulo ao Vale do Paraíba e ao Rio de Janeiro, importante eixo de penetração das expedições dos bandeirantes. São Miguel é um dos primeiros pontos de fixação mais dentro do território, nesse momento em que toda a colonização se dava ao longo da orla litorânea. Os índios postos sob o Padroado Real3 eram considerados livres, 2

A origem do nome veio do Beato José de Anchieta, que era devoto de São Miguel 3 Na concepção do Estado Português, é um título dado à uma aldeia de importância estratégica, porque está subordinada politicamente e diretamente ao Estado Português, não tendo autonomia.


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mas o caráter civilizador-cristão das aldeias, imposto pela Coroa e consequentemente pela Companhia de Jesus, converteu o processo em busca de mão de obra escrava. Foi nesse momento, de chegada dos primeiros colonos brancos à região, que se deu a reforma da capela, em 1622, dando-lhe a forma atual [figura 01]. Assim o aldeamento foi perdendo a função religiosa, onde os indígenas deviam obedecer as autoridades não indígenas, os brancos dominavam a vida da aldeia e os jesuítas haviam ido embora e então, por volta do século XVIII ocorre um processo de despovoamento da região. Em 1850 é promulgada a lei que incorpora as terras indígenas ao patrimônio nacional e São Miguel deixa de ser um aldeamento. Ao longo do século XIX a população indígena diminui drasticamente, enquanto a branca e mestiça aumenta e o antigo aldeamento, que havia sido habitado por poucos fazendeiros e suas pequenas lavouras, ficou reduzido à insignificância durante este século, o que se pode notar devido a falta de informações sobre esse período. Em 1891 a vila é promovida á distrito, que incluía os bairros de Ermelino Matarazzo, Itaim Paulista, Itaquera e Guaianases e o reavivamento da região se deu em consequência ao enriquecimento que acontecia em toda a cidade. Embora nessa época a cidade não passasse do Brás, durante as primeiras décadas do século XX São Miguel assistiu a chegada de imigrantes portu-

figura 01- foto da Capela anterior ao restauro de 1938 fonte: Capela São Miguel Arcanjo

gueses e japoneses nas paragens de seu distrito, em Itaquera e Lajeado, que ali cultivavam hortaliças, legumes, frutas e flores e assim abasteciam toda a cidade. As matas da várzea eram exploradas para obtenção de madeira para a construção civil e em pouco tempo prosperam também diversas olarias que se insta-


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laram nas margens do então Rio Tietê [figura 02]. Nesse momento o distrito enfrentava o problema de transporte para a distribuição de sua produção. A Estrada de Ferro Central do Brasil passava longe da várzea, portanto ali foi incentivada a navegação fluvial, por onde passou a ser feito o escoamento da

figura 02 - extração de areia do Tietê fonte: https://acervoitaimecuruca.wordpress.com/

carga. O transporte humano, contudo, era quase impraticável e esse problema se tornava cada vez mais grave, pois as olarias haviam provocado um incremento populacional na região e as charretes já não eram mais suficientes para transportar os moradores até a as estações de Itaquera, Lajeado ou até a Penha. Por mais que tivesse crescido, São Miguel continuava a ser uma espécie de arraial. No início do século XX o largo da Capela foi reavivado com a construção de casas de comércio em seu entorno e assim o distrito foi se desenvolvendo muito lentamente às margens da capital. Em 1928 era inaugurada a Rodovia que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro e passava pela região. Mesmo com estes melhoramentos, o desenvolvimento da cidade ainda não alcançava a região, que teria de esperar mais alguns anos para se expandir. Para resolver o enorme problema de deslocamento que os moradores dali tinham para chegar ao centro, em 1930 foi inaugurada a linha de ônibus que ligava São Miguel à Penha e dois anos depois a estação de trem de São Miguel, linha variante da Estrada de Ferro Central do Brasil. Estavam dadas as condições mínimas para o início da fase industrial da região. Em 1935 ocorre na região a instalação da Companhia Nitro Química do Brasil, o que configura um marco importante de transformação social da várzea. A chegada da indústria gerou um grande crescimento populacional, atraindo operários de di-


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versas regiões [figura 03], que por sua vez necessitavam de um local para moradia. Logo viabilizou-se os primeiros loteamentos da área, o Parque Paulistano e Vila Itaim, na planície fluvial do Rio Tietê. O local era vantajoso para implantação de uma indústria, por possuir a linha férrea para transporte do maquinário e dos produtos fabricados, pela proximidade com o rio, que além

figura 03 - foto do primeiro grupo de funcionário da Nitro Química fonte: Memória Votorantim

de fornecer água para fábrica também servia como escoamento de dejetos, e pelo preço da terra, que era baixo por ser uma região afastada. A partir da década de 40 o crescimento de São Miguel não pode ser mais dissociado daquele da cidade de São Paulo, a região receberia a grande leva de migrantes que chegavam a cidade não em função do trabalho na fábrica, mas sim a procura de moradia. Eles iriam formar a “Bahia Nova” e fariam com que o bairro ficasse conhecido como um reduto nordestino. (CALDEIRA, 1984 p.39) Mas o que caracteriza de fato a expansão de São Miguel, na época nomeada de “cidade satélite”, é o fenômeno dos loteamentos, que marcará de maneira definitiva a sua paisagem [figura 04]. Os loteamentos eram sempre muito grandes e descontínuos e isso provocou o surgimento de inúmeras vilas e jardins sem qualquer infra-estrutura, a não ser um arruamento precário que permitia colocar os lotes à venda. (CALDEIRA, 1984) Vale aqui ressaltar, que a partir deste momento, entre as décadas de 40 e 50, com o intenso processo de expansão urbana da cidade foi que se deu a conformação da região metropolitana de São Paulo, área correspondente quase que inteiramente à Bacia Hidrográfica do Alto do Tietê, abastecida pelos Sistemas Cantareira, Guarapiranga-Billings e Alto Tietê. Coincidentemente onde se instituiu o parque industrial do Estado de São Paulo, que historicamente atraiu numerosa mão de obra de diversas


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figura 04 - mapa de 1943 mostra os primeiros loteamentos da várzea fonte: Infocidade

regiões do país, população essa que necessariamente acabou por ocupar as áreas periféricas da cidade. No início dos anos 70, momento de intensa demanda por habitação, a expansão urbana sobre a várzea de São Miguel ia se consolidando, processo que se deu empurrando a população de baixa renda para áreas mais distantes do centro, onde se estabeleceram, basicamente, em condições de ilegalidade fundiária. Nesse momento São Miguel perdia a designação de “cidade satélite”

para ser chamado de “periferia”. Desse quadro desencadearia a problemática dos recursos hídricos da região, que atualmente conta com parte da população vivendo em condições precárias às margens do Rio Tietê e sob a constante ameaça de inundações. Nesse contexto se estabelece o distrito de Jardim Helena, inserido no extremo leste paulistano e que faz divisa com os municípios de Guarulhos ao norte, Itaquaquecetuba a leste e a Subpre-


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feitura Itaim Paulista ao sul. São divisas formadas por barreiras reais: a natureza do extenso Rio Tietê acima e a histórica linha férrea abaixo, que isola essa ilha urbana da metrópole. A periferia é um conceito muito amplo, que implica conhecer o labor do tempo no espaço social, o mundo do trabalho, socialidades locais e circulações, configurações públicas de conflitos sociais e políticos emergentes, mas também diferentes sentimentos morais, demandas por respeito, reconhecimento, solidariedade (DURÃO, 2014) e, portanto polissêmica e heterogênea. Mas talvez a várzea, como característica física desse território, seja o ente que a difere das outras periferias de São Paulo. A relação com as águas é a história deste lugar, que desde seu surgimento enquanto aldeia se deu diante da presença do rio, por ele e com ele. Até os dias atuais onde padece o enfrentamento com a natureza, sobretudo em épocas de cheia desse rio.


o instrumento

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O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo Lei 16.050/14 cria condições para que se discutam estratégias de valorização da paisagem urbana articuladas aos Planos Regionais. Para tal traz alguns instrumentos que tem como objetivo a demarcação de áreas da cidade destinadas à preservação, valorização e proteção de espaços culturais, afetivos e simbólicos, de grande importância para a memória, identidade e vida cultural da cidade, através do reconhecimento de áreas especiais de proteção cultural, a ZEPEC; a valorização das paisagens da cidade, a partir do seu reconhecimento como bem ambiental e elemento essencial à identidade e sensação de conforto individual e social, por meio da definição de diretrizes para elaboração do Plano de Ordenamento e Proteção à Paisagem; e a promoção de iniciativas culturais em áreas que concentram grande número de espaços e atividades relevantes para a memória e a identidade cultural da cidade, através da identificação de Territórios de Interesse da Cultura e da Paisagem (TICP). Este capítulo dedica-se ao último, que se distingue pelo potencial de se atuar nas entrelinhas do planejamento e, portanto, apresento alguns conceitos sobre ele e depois a forma como é apresentado pelo PDE. Para tanto lanço mão de uma longa citação, para se ter uma ideia precisa sobre a essência do instrumento. Por Euler Sandeville e Eliane Manfré4:

“Tradicionalmente, os Planos Diretores obedecem a um formato que aposta no aspecto normativo, técnico e econômico, na regulamentação de potenciais construtivos e instrumentos a eles associados ou passíveis de serem associados, e procuram criar mediações que visam equilibrar, na medida do possível e nem sempre adequadamente, interesses privados e demandas sociais. Em que pese a importância inequívoca desses instrumentos para a gestão da cidade, eles não dão conta plenamente da dimensão pulsante da cidade, com novas formas sociais de participação e ação no espaço público e, sobretudo, não dão conta dos anseios de sua transformação. Os TICPs em tese criam, na filosofia que lhes deu origem, a concepção da cidade no âmbito do Plano Diretor como um espaço educativo, cultural e colaborativo, reconhecendo seu potencial afetivo, cultural e de produção de conhecimentos e experiências, articulando equipamentos, patrimônio cultural e natural e lugares de memória, estimulando formas de participação e diálogo e a produção cultural local. Daí o inte-

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Euler Sandeville Jr. é professor livre docente da FAU USP e do

PROCAM USP, coordenador do LabCidade – Núcleo de Estudos da Paisagem (http://espiral.fau.usp.br) e do programa Universidade Livre e Colaborativa. Eliane Manfré é turismóloga, assistente de produção em projetos culturais e ativista do Movimento Cine Belas Artes desde sua formação


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resse que esse instrumento traz, reconhecendo essa dimensão da cidade ao lado das questões econômicas e funcionais de que tradicionalmente se ocupam os instrumentos de planejamento. E o faz fundando-se em uma perspectiva de participação direta e colaborativa de moradores, artistas, educadores. A ênfase deste instrumento está pautada por uma preocupação constante em ampliar as possibilidades de iniciativas culturais e educacionais independentes e institucionais que favoreçam a compreensão dos processos naturais e urbanos de transformação e conservação das paisagens, sua significação e história, os processos participativos e de acesso pleno à informação, a valorização do patrimônio ambiental e cultural, introduzindo também o conceito de lugares de memória. Ele procura fortalecer indicativos para uma estratégia integrativa dos equipamentos sociais e da formação para o trabalho, educação e saúde em áreas de vulnerabilidade social que possam favorecer inclusive a geração de renda. Procura, ainda, favorecer formas dinâmicas, inovadoras e participativas para a articulação e diálogo das escalas regionais e locais, dos órgãos setoriais e descentralizados, sempre sal-

vaguardando associação a formas de participação direta e efetiva.” Vale aqui ressaltar a importante mobilização da sociedade civil e pressão popular para a inclusão deste instrumento no Plano Diretor, com destaque para parceria entre a Universidade Livre e Colaborativa e Movimento Belas Artes na construção do texto e pelos anos de luta do Movimento pela reapropriação da Fábrica de Cimento de Perus que participaram ativamente nos fóruns políticos e debates. Dessa trajetória se deu a publicação do instrumento no Plano Diretor Estratégico, como parte integrante do Título III - Da política e dos sistemas urbanos e ambientais, segunda seção do Capítulo IX – Da política e do sistema de proteção ao patrimônio arquitetônico e urbano. Os artigos foram inseridos nos anexos deste trabalho, conforme ANEXO A, para não comprometer a leitura do mesmo. Ainda que não possua o devido destaque no Plano, o TICP tem seu potencial justamente na construção dos Planos Regionais das Subprefeituras, onde a questão local se coloca com maior evidência, permitindo assim que se explorem as possibilidades de se partir da cultura do lugar como elemento central do planejamento.


território

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A partir de um primeiro contato com a paisagem e história desse território, houve um esforço de se entender como poderia se dar a apropriação deste instrumento para a várzea. Partindo da realidade atual de uma periferia isolada, porém ativa, surge a possibilidade de se potencializar as experiências culturais dessa região através da indicação de um território em que a cultura e paisagem sejam evidenciadas pelo patrimônio da várzea, onde o rio é o elemento que integra os recursos naturais e culturais dessa região, propondo uma reflexão sobre a paisagem local. “No começo da história do homem, a configuração territorial é simplesmente o conjunto dos complexos naturais. A medida que a história vai se fazendo, a configuração territorial é dada pelas obras dos homens [...] cria-se uma configuração territorial que é cada vez mais o resultado de uma produção histórica e tende a uma negação da natureza natural, substituindo-a por uma natureza humanizada.” (SANTOS, 2008, p.62) A proposta se baseia na identificação de um território na várzea, apropriando-se de uma das diretrizes pensadas para se alcançar os objetivos previstos do instrumento, que é a criação de um roteiro. “II – criar e sinalizar rotas, polos e circuitos culturais, identificando os bens, imóveis e paisagens significati-

vas e áreas protegidas; Dos objetivos: III – valorizar a memória e a identidade da cidade, nos âmbitos local e regional; IV – promover o entendimento dos processos urbanos e ambientais de transformação e conservação das paisagens e a fruição de seu patrimônio material e imaterial;” Esse roteiro seria um experimento, concebido para, em um primeiro momento, estimular noções de pertencimento e a recuperação da memória ligada a cada um destes espaços, para que se faça sentido a visita e uso destes. Como tema seria abordada a relação do homem com o espaço, sendo este espaço a natureza e as sucessivas intervenções ao longo da história. “Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação.” (SANTOS, 2008, p.328). A velocidade com que se deram as transformações da cidade fez se com que se perdesse a memória dos lugares, e se tornasse senso comum uma ideia de cidade que pode ser destruída e reconstruída levianamente, de forma descontextualizada, sem refletir sobre os processos históricos que deram origem a formação do território. Na periferia isso se reflete em contradições, ocupações desordenadas e marcadas pela disputa do espaço e


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o completo distanciamento dos referenciais históricos que por algum motivo, mantiveram-se no espaço. Essa narrativa explora a cronologia do Rio Tietê em cinco momentos, em espaços onde é possível estar em contato com elementos que reconstroem a história do processo de ocupação da região e, a aproximação do homem com o rio. Nesses elementos históricos reside uma experiência de paisagem atual, os quais chamarei de espaços de história. Vamos a eles.

figura 05 - Ruínas do Sítio Mirim fonte: Arquicultura

A Aldeia do Rio Ururaí São três elementos que nos remetem a configuração desse território enquanto aldeia, durante o período de colonização, no século XVII: a Capela de São Miguel5, a Fazenda Biacica6 e o Sítio Mirim7. Estes elementos, praticamente contemporâneos na história e talvez os remanescentes mais antigos da cidade de São Paulo, nos revelam os primeiros interesses de se ocupar essa região. Um espaço privilegiado pela proximidade com a água, onde se tinha boa visão das planícies de várzea e o rio não era somente um meio de subsistência, mas também o caminho de penetração pelo interior do estado, em um momento quando a busca pelo ouro e a exploração dos índios era feita também pelos rios.

figura 06 - Casarão da Fazenda Biacica fonte: PreservaSP

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Informações e características sobre o bem tombado, verificar ANEXO B Informações e características sobre o bem tombado, verificar ANEXO C Informações e características sobre o bem tombado verificar ANEXO D


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No mapa está sinalizado o primeiro momento desse rotei-

ro, onde são evidenciados os três remanescentes históricos comentados anteriormente, assim como uma projeção do que poderia ser o então Rio Ururaí nesse período. A inserção destes elementos na várzea, apresenta o início do processo de ocupação dessa área.

figura 07 - base google maps, 2016. Elaborado pela autora


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figura 08 - Estação São Miguel fonte: Estações Ferroviarias

figura 09 - Anúncio sobre a venda de terras em Itaim fonte: Estações Ferroviarias

A industrialização Nesse momento o rio vai se incorporando às ações humanas e é possível observar já por toda cidade a distribuição das estradas de ferro sempre ligadas às áreas de várzea. Estabelece-se na região a Variante de Poá da linha Central do Brasil, com a construção da Estação São Miguel8, que deve então atender a população local, em 1933 . Alguns anos mais tarde chegaria à região a indústria Nitro-Quimica do Brasil9, que se instala na várzea do rio e este passa a ser objeto10 de despejo. O impacto da indústria é imenso e faz do bairro uma pequena cidade indústrial dentro de São Paulo. A partir de então se inicia a fase dos loteamentos, que se espalham por toda a várzea, mudando significativamente a paisagem da região, que permanece até os dias atuais como característica de seu tecido urbano.

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Informações históricas sobre a linha e a estação, verificar ANEXO E Informações e características sobre o bem tombado, verificar ANEXO F “Os objetos tomam o lugar das coisas [...] já que as próprias coisas, dádivas da natureza, quando utilizadas pelos homens, a partir de um conjunto de intenções sociais, passam, também, a ser objetos” (SANTOS, 2008, p. 65)


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No mapa, além do Rio Tietê em seu curso ainda natural,

conforme o período mencionado, estão sinalizados a linha

férrea Variante de Poá, bem como as estações de São Mi-

guel e Itaim, também a indústria Nitro Quimica do Brasil e o traçado dos primeiros loteamentos da região, compondo o segundo momento desse roteiro.

figura 10 - base google maps, 2016. Elaborado pela autora


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figura 11 - Pantanal 1958 fonte: GeoPortal

figura 12 - Pantanal 2000 fonte: Google Earth

figura 13 - Pantanal 2016 fonte: Google Earth

O rio invisível Em 1982 é concretizada a ultima fase de retificação do Rio Tietê em seu trecho leste, obra realizada até a Estação de Tratamento de Esgotos de São Miguel. Muitas das áreas ao longo do rio ficam vazias diante de tamanha intervenção, deste modo as áreas de várzea vão sumindo, dando lugar a intensa ocupação de uma população que não tem acesso à moradia formal. Assim nasce o Pantanal de União de Vila Nova, fundado sobre as terras onde um dia foi rio. Hoje em dia ainda é possível encontrar alguns vestígios do caminho desse rio, no traçado das ruas do bairro e também ali próximo, no Parque Jacuí, que mantém um pequeno trecho do curso d’água, preservando sua memória. A expansão urbana que se deu sob o cinturão meandrico do Tietê é popularmente conhecida como Jardim Pantanal, um conjunto de diversos bairros dessa várzea esquecida.


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No mapa, o Rio Tietê encontra-se em seu estado atual, retificado. O tracejado amarelo revela onde é possível identi-

ficar o caminho por onde o rio passava, reconhecido pelo traçado das ruas que segue o mesmo percurso do antigo

rio. A linha amarela marca onde o corpo d’água resiste, sob

outros nomes, onde a memória do rio ainda é presente fisicamente.

figura 14 - base google maps, 2016. Elaborado pela autora


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figura 15 - Inundação no Jardim Romano 2010 fonte: R7

figura 16 - Dique de contenção de águas pluviais no Jardim Romano fonte: São Miguel Paulista

O dique O Tietê foi progressivamente sufocado pelo suposto “progresso”, com a ocupação desordenada de suas várzeas, desde a época da industrialzação de São Paulo. A partir daí, o rio caracterizou-se pelos problemas, os mais famosos: enchentes e poluição. As enchentes sempre foram constantes. O Tietê invadia suas várzeas e formava depósitos de moscas e pernilongos. Ocorreram enchentes históricas, como em 2010 no Jardim Romano, quando o bairro ficou por três meses submerso nas àguas do poluído Tietê. A recente intervenção revela o embate com as águas: a construção do dique de contenção de águas pluviais. A saga não termina por aqui, a questão da inundação ainda não está resolvida e portanto será construído mais um dique na região, vizinho a este, na Vila Itaim.


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No mapa, o Rio Tietê encontra-se em seu estado atual, retificado. Em azul a área de interferência do dique.

figura 17 - base google maps, 2016. Elaborado pela autora


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figura 18 - Espetáculo “Daqui a pouco o peixe pula” fonte: Coletivo Estopô Balaio

figura 19 - Espetáculo “A cidade dos Rios Invisíveis” fonte: Coletivo Estopô Balaio

O imaterial “A paisagem cultural de uma determinada região não é apenas formada por volumes, mas também por cores, sons, movimentos, cheiros, a história do lugar, a organização desses lugares e tudo o que possa dar identidade àqueles que nele sintam-se bem; pois a dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos sentidos (SANTOS, 1988, p. 21).” Depois desse episódio marcante na história do Jardim Romano, se estabelece no bairro a residência artística Casa do Balaio, formada pelos artistas migrantes do coletivo Estopô Balaio, que tem em sua proposta a fantasia como enfrentamento, construindo narrativas a partir das histórias de enchentes e alagamentos vividas pelos moradores do bairro. Para se ter uma ideia da contribuição deste coletivo, lanço mão de outra grande citação, que narra a relação desse grupo de artistas com esse lugar esquecido da várzea paulistana. Do Estopô Balaio11 : “A distância geográfica de nossas lembranças e paisagens nos levaram a uma tentativa inútil na busca por pertencimento à capital paulista. Era preciso reinventá-la para poder praticá-la. Na busca pelo lugar perdido de nossa memória seguimos para fora e à medida que nos distanciávamos de um tipo de cidade 11

Disponível em: http://coletivoestopobalaio.com.br/nossa-historia


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figura 20 - foto do espetáculo “A cidade dos rios invisíveis” fonte: Coletivo Estopô Balaio

localizada em seu centro geográfico, fomos nos aproximando de outras cidades, de outros modos de vida e de novos compartilhamentos. O cinturão periférico da cidade no seu vetor leste nos revelou um pedaço daquilo que tinha ficado para trás. Havia um Nordeste em São Paulo que estava escondido das grandes avenidas e dos prédios altos do centro paulistano. Jardim Romano é um pedaço do cinturão periférico que guarda lembranças alijadas da construção histórica da cidade-império. Os edifícios que arranham o céu ajudam a esconder e afastar um contingente populacional que não consegue se inserir nos apar-

tamentos construídos em novos condomínios. A memória partilhada nos quatro anos de residência artística no Jardim Romano são as nossas de estrangeiros de um lugar distante e a destes pequenos deuses alagados de uma cidade submersa pelo esquecimento. O encontro com o bairro se deu num processo de identificação, pois a maioria de seus moradores são também migrantes nordestinos que fincaram suas histórias de vida nos rincões da capital paulista. O alagamento do Jardim Romano era real, oriundo da expansão desordenada da cidade, o nosso era simbólico, originário da distância e saudade daquilo que deixamos para trás. Falar do outro e deixá-lo falar por nós tornou-se o percurso daquilo que começamos a fazer, criar arte a partir da necessidade de inventar a vida.”

Da identificação desse território junto à estes espaços de história, sugere-se a criação de uma rede articulada aos demais “espaços de referência” do local [figura 21], onde a própria população tenha a possibilidade de se apropriar desse roteiro, a fim de se fortalecer a identidade e memória local. Essa estrutura dependeria da mobilização e articulação entre atores locais e poder público para viabilizar ações que promovam a valorização e desenvolvimento deste território por meio da cultura local. No capítulo a seguir serão exploradas essas possibilidades.


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figura 21 - territรณrio da vรกrzea na perspectiva do TICP fonte: elaborado pela autora


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reflexões

Essa parte não foi concebida como uma conclusão, mas como trata de algumas possíveis interpretações, pode parecer uma. Aqui concentro algumas sugestões que podem ser favoráveis à regulamentação do TICP e um ensaio de como seria a apropriação deste instrumento para a várzea. Como ferramenta de planejamento é primordialmente necessário que se preveja, durante a conformação deste TICP, a articulação entre os diversos atores do setor público, bem como das diferentes esferas de governo envolvidas no território onde deverá atuar o instrumento, que reúna em sua estrutura técnicos da gestão descentralizada, representantes das secretarias das áreas sociais, urbanas e ambientais (a saber Conselho Gestor da APAVRT), de obras e concessionárias.12 Sobre a participação popular nesse processo, além de se prever a criação de fóruns de debate sobre o tema na região, é uma sugestão que seja pensada como uma espécie de comissão dentro da estrutura do Conselho Participativo da Subprefeitura, entendendo que este é um ambiente composto por diversos atores locais e portanto seria interessante para a interdisciplinaridade do debate, prevendo também a melhor apropriação por parte da Subprefeitura. Nesse sentido vale a pena resgatar a proposta de criação dos Núcleos Regionais de Planejamento, compondo a base de uma autonomia técnica e criativa, e portanto política, na 12

SANDEVILLE JR, Euler, disponível em: http://espiral.net.br/arquivos-AU-PDE-2014/2014-porpostaUniversidadeLivre-NUCLEOSREGIONAIS.pdf

escala regional, devolvendo a capacidade operativa e propositiva das Subprefeituras. Assim também defendo que seja identificado um Território por subprefeitura e que possam atuar em rede, de acordo com seus objetivos específicos, por proximidade ou identidade. O território deve ser evidenciado através da não demarcação de perímetros. Portanto, dentro desse campo de atuação do instrumento, seria priorizada a criação de redes, tanto pela sua capacidade transmissora e multiplicadora de ações, quanto pela possibilidade de se construir um mapa afetivo com espaços de referência [figura 21] nesse território, e a partir de então, incentivar a apropriação destes espaços como vetores de cultura, educação e meio ambiente. Dentro dessa proposta seria interessante avançar com o conceito de Cidades Educadoras, entendendo este território como espaço educador, onde as escolas teriam papel fundamental em atividades de vivência e apreensão da cidade. Nesse sentido há de se reconhecer o movimento cultural da várzea, através de seus diversos coletivos, equipamentos culturais, escolas, cooperativas, ações educativas, locais afetivos, elementos urbanos materiais e imateriais [figura 21]. A inclusão destes no processo de criação das redes do TICP é essencial, portanto declaro aqui alguns atores que compõem este cenário: Jornal da Várzea, Quebrada Quilombo, Espaço Alana, Instituto


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Nova União da Arte, Ocupação Cultural Casarão, Coletivo Marginaliaria, Coletivo Estopô Balaio, Arte e Cultura na Kebrada, Coletivo Movimento Aliança da Praça, entre outros. O TICP por si só não traz contribuições muito claras a respeito da preservação de ambientes naturais, embora seja uma de suas premissas o trato com áreas de interesse ambiental. Mesmo que haja outros instrumentos para tal finalidade, como é caso da APA, da esfera Estadual, na realidade pouco atua na real proteção da paisagem do Rio Tietê. Nesse caso, uma possível aplicação do instrumento seria reforçar o desejo de se implantar um parque linear na área, onde o poder público teria como prioridade ações para viabilizar a obra. A implantação de um parque linear pode atuar como uma ferramenta de conexão entre essas duas esferas, apresenta grande potencialidade para região, que se beneficiaria pelo desenvolvimento econômico, preservação de recursos naturais e da memória do rio, atividades e equipamentos de lazer e cultura e, principalmente, pela intenção de despertar na população local a consciência sobre o valor original do seu território. Também sobre a preservação e valorização do patrimônio arquitetônico para fins de uso cultural, é necessário que se regulamente a ZEPEC APC, entendendo este como potencial instrumento para a regularização de ocupações e galpões culturais na periferia assim como possíveis incentivos às residências artís-

ticas da região. É de interesse que se crie uma ZEPEC APC na área do Sítio Mirim, onde a Secretaria da Cultura já demonstrou interesse em promover atividades culturais no local. Uma das premissas do TICP é promover ações que tenham como objetivo o desenvolvimento sustentável e geração de renda, portanto que se considere vincular este instrumento as iniciativas de Economia Criativa. Nesse território algumas possibilidades devem ser exploradas, como o movimento de cooperativas de reciclagem que precisa ser reconhecido e estudado enquanto possibilidades de geração de renda, assim como instituições que atuam na promoção de atividades sustentáveis (sustentabilidade entendida como crescimento econômico com inclusão social e proteção ambiental) a exemplo do NUA (Instituto Nova União da Arte), que possui um viveiro instalado no Jardim Pantanal e promove ações de permacultura e agroecologia, além do cultivo de horta orgânica e produtos naturais, gerando renda local. Suas ações se baseiam numa diretriz político–pedagógica pautada pelo fortalecimento de uma coletividade participativa, protagonista e gestora de seus processos de inclusão social, portanto a utilização deste instrumento beneficiaria essas atividades através dos incentivos previstos, uma vez que estão diretamente relacionadas às premissas de preservação de recursos naturais e educação ambiental. No âmbito da economia criativa, há de se destacar o centro de São Miguel, que compreende o centro


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comercial mais antigo e significativo da zona leste e que recebeu, no ano de 2016, melhoramentos em seus espaços públicos através do projeto Área 40. Existe a construção de um território CEU, o futuro SESC São Miguel, além do patrimônio arquitetônico da Capela e a Praça do Forró. Dadas essas condições e o intenso movimento literário que a região apresenta (entre poetas e artistas locais e os diversos saraus que acontecem a todo o momento) começa a se configurar um possível interesse de Economia Criativa nessa região, que pudesse ser aproveitado também sob a perspectiva de território. Ainda sobre o desenvolvimento local, há de se prever a regularização fundiária, especialmente em TICPs na periferia, articulado a proposta de mudança de zoneamento, uma vez que o processo deste foi desvinculado do Plano Regional, e assim permitir usos para geração de renda, caso seja identificado o interesse de algum imóvel ou terreno, e que esteja de acordo com os objetivos do instrumento. Por fim, tratando-se de um instrumento a ser utilizado no âmbito do planejamento de espaços públicos, que seja priorizado como ação o tratamento adequado aos “espaços de referência” do território, prevendo primordialmente o atendimento a acessibilidade universal, assim como a melhoria das escolas como espaços comunitários e prever a conexão entre os equipamentos, com o objetivo de fazer com que mais pessoas circulem na periferia também.


referências bibliográficas

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CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. A política dos outros. O cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo: Brasiliense, 1984. BOMTEMPI, Sylvio. O bairro de São Miguel Paulista. São Paulo: Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura de São Paulo, 1970. SANTOS, Milton. A natureza do Espaço. Técnicas e tempo. Razão e emoção. 4º ed, 4º reimp. São Paulo: Edusp, 2008. Paisagem em textos. Organizado por Vladimir Bartalini. São Paulo: FAUUSP, 2013. LOPES, Rodrigo Herrero. Face leste: revisitando a cidade. São Paulo: Mitra Diocesana São Miguel Paulista, 2011. PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014. São Paulo, PMSP, 2014. SANDEVILLE JR, Euler; MANFRÉ, Eliane. Cultura e Paisagem, uma nova perspectiva no tecido urbano. Disponível em: <https:// observasp.wordpress.com/2014/11/25/cultura-e-paisagem-uma-nova-perspectiva-no-tecido-urbano/> Acesso em: 11 de outubro de 2016 ARGOLLO FERRÃO, André M; MARTINS BRAGA, Luci M. Gestão Integrada de Bacias Hidrográficas: paisagem cultural e parques fluviais como instrumentos de desenvolvimento regional. Disponível em: <https://confins.revues.org/10124?lang=pt> Acesso

em: 25 de outubro de 2016 SANDEVILLE JR, Euler. Demandas e propostas visando a revisão do projeto de lei do PDE encaminhado pela PMSP à câmara (16/12/13). Disponível em: <http://espiral.net.br/arquivos-AU-PDE-2014/2013-pde-revisaofinal-FASE2.pdf> Acesso em: 14 de novembro de 2016


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anexos

ANEXO A Dos Territórios de Interesse da Cultura e da Paisagem – TICP Art. 314. Fica instituído o Território de Interesse da Cultura e da Paisagem, designação atribuída a áreas que concentram grande número de espaços, atividades ou instituições culturais, assim como elementos urbanos materiais, imateriais e de paisagem significativos para a memória e a identidade da cidade, formando polos singulares de atratividade social, cultural e turística de interesse para a cidadania cultural e o desenvolvimento sustentável, cuja longevidade e vitalidade dependem de ações articuladas do Poder Público. § 1º Os TICP devem ser constituídos por sua importância para a cidade como um território simbólico que abriga áreas ou um conjunto de áreas naturais ou culturais protegidas, lugares significativos para a memória da cidade e dos cidadãos e instituições de relevância cultural e científica. § 2º Fica criado o TICP Paulista/Luz, que inclui o centro histórico da cidade e o centro cultural metropolitano,delimitado pelo mapa do Anexo 12 § 3º Fica o Complexo Eco/Turístico/Ambiental, criado na Lei nº 13.549, de 2003, e recepcionado no Plano Regional Estratégico de Perus, transformado no Território de Interesse da Cultura e da Paisagem Jaraguá/Perus, cujo perímetro e objetivos específicos deverão ser revistos no Plano Regional ou em lei específica.

§ 4º Outros TICP poderão ser criados, delimitados e modificados através de leis específicas ou dos Planos Regionais, a partir de processos participativos que considerem os objetivos definidos no “caput”. § 5º Os perímetros dos TICP, em corredores, polos, esquinas e quarteirões culturais, associados a aspectos históricos, artísticos, arquitetônicos, paisagísticos, ambientais e comerciais, desde que devidamente justificada, respeitadas as especificidades de cada localidade, a ser considerada nos Planos Regionais. Art. 315. São objetivos do Território de Interesse da Cultura e da Paisagem: I – estimular iniciativas locais no âmbito da cultura, educação e meio ambiente, através de processos solidários e colaborativos; II – ampliar a abrangência do princípio do direito à cidade, garantindo a cidadania cultural, a tolerância e o respeito à diversidade cultural, social, étnica e sexual por meio do acesso à cultura, à educação e à arte; III – valorizar a memória e a identidade da cidade, nos âmbitos local e regional; IV – promover o entendimento dos processos urbanos e ambientais de transformação e conservação das paisagens e a fruição de seu patrimônio material e imaterial; V – proporcionar, em especial nos TICP localizados em regiões de maior vulnerabilidade social, o desenvolvimento de coletivos


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culturais autônomos, estimulando sua articulação com instituições de ensino, pesquisa, cultura e outras, que permitam a compreensão dos processos históricos, ambientais e culturais locais e regionais; VI – definir instrumentos de incentivos e apoio às atividades ligadas à cultura, educação, arte e meio ambiente, visando a geração de renda e o desenvolvimento local e regional sustentável; VII – criar meios de articulação entre os diferentes TICP, visando proporcionar o intercâmbio de saberes e experiências entre seus agentes culturais e estimular programas educativos e criativos que favoreçam a compreensão mútua da estruturação e história urbana de cada Território e de seus valores simbólicos e afetivos. Art. 316. As ações prioritárias para alcançar os objetivos previstos para o Território de Interesse da Cultura e da Paisagem são: I – incentivar e fomentar espaços e atividades relevantes localizados nos TICP, inclusive economia criativa, negócios sustentáveis e iniciativas econômicas de caráter solidário e cooperativo, envolvendo as áreas de cultura, educação, meio ambiente, turismo, desenvolvimento e inclusão social; II – criar e sinalizar rotas, polos e circuitos culturais, identificando os bens, imóveis e paisagens significativas e áreas protegidas; III – promover o intercâmbio de informações e formação de agentes locais, com vistas à obtenção de linhas de crédito, inser-

ção nos mecanismos de incentivo e desenvolvimento de projetos culturais; IV – recuperar bens e áreas de valor histórico, cultural ou paisagístico; V – fortalecer programas de formação de agentes comunitários locais, educadores e agentes da saúde, preferencialmente integrados com instituições de ensino público superior; VI – desenvolver atividades escolares relacionadas com o estudo do meio em âmbito local, incluindo leituras do espaço urbano, do ambiente, da cultura e das artes; VII – estimular grupos culturais independentes, coletivos, cooperativas e pequenos produtores culturais, visando à geração de renda local e regional e o dinamismo econômico com sustentabilidade socioambiental; VIII – qualificar os espaços públicos e revitalizar as áreas abandonadas, garantindo o uso integrado dos equipamentos culturais e sociais. Art. 317. O Território de Interesse da Cultura e da Paisagem deverá ser regulamentado por lei específica, que deverá prever: I – a garantia de uma gestão democrática e participativa dos TICP, com controle social, livre acesso à informação e transparência na tomada de decisões; II – a criação de um Conselho Gestor paritário, com representantes do Poder Público e da sociedade civil, para acompanhar,


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avaliar, recomendar e aprovar políticas, planos e ações relativas aos objetivos do TICP; III – os incentivos de natureza fiscal e urbanísticos para possibilitar os objetivos previstos para os TICP; IV – a delimitação de novos TICP, ressalvados os criados por esta lei e pelos Planos Regionais; V – o detalhamento das ações estratégicas previstas, a serem elaboradas por meio de processos participativos. § 1º O Conselho Gestor, previsto no inciso II deste artigo, poderá ser constituído a partir de fóruns públicos que reúnam os agentes sociais atuantes no âmbito do TICP e ter dentre suas atribuições, as seguintes: I – propor ações integradas dos setores público, privado e não governamental para recuperar, proteger, fomentar e induzir atividades, espaços e negócios culturais; II – fiscalizar o cumprimento de contrapartidas relacionadas à concessão de incentivos vinculados aos TICP e recomendar penalidades aos órgãos competentes, caso haja descumprimento de condicionantes; III – apresentar aos órgãos da administração pública municipal parcerias com organizações públicas, privadas e não governamentais e instituições de fomento; IV – estimular o intercâmbio com outros TICP e polos criativos; V – elaborar, de forma participativa, um plano de gestão, inte-

grando políticas, programas e ações relativos aos objetivos dos TICP; VI – assegurar que todas as suas pautas, decisões e projetos sejam de irrestrito acesso público, com todas as suas reuniões previamente divulgadas no Território e abertas ao acompanhamento de todos os interessados. § 2º No que se refere ao inciso III do “caput”, o Poder Público poderá estabelecer incentivos, formas de apoio e alocar recursos financeiros, materiais e humanos para apoiar as ações previstas nos Territórios de Interesse da Cultura e da Paisagem, entre as quais: I – concessão de benefícios fiscais; II – isenção de taxas municipais para instalação e funcionamento de atividades culturais; III – simplificação dos procedimentos para instalação e funcionamento e obtenção das autorizações e alvarás necessários; IV – orientação técnica e jurídica para elaboração de projetos para acesso a linhas de financiamento, patrocínio, incentivos à inovação, à pesquisa e qualificação artística e técnica; V – enquadramento, a critério do Ministério da Cultura, no conceito de Território Certificado, entendido como perímetro prioritário para investimentos com recursos federais de incentivo à cultura; VI – disponibilização de plataforma de comunicação digital para


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integração virtual entre os TICP; VII – convênios e instrumentos de cooperação entre os entes federados, bem como de apoio técnico, material e humano para desenvolvimento das atividades.

ANEXO B Resolução 5/91 - Tombamento ex-officio Capela de São Miguel Arcanjo Localizada na velha aldeia de São Miguel, erguida em terras que foram de Ururaí irmão de Tibiriçá. Essas terras foram concedidas em sesmaria, em 1580, aos índios cristãos que abandonaram Piratininga. Ficou aos cuidados dos jesuítas e, a partir de 1698, dos capuchinhos. Conforme citações do padre Anchieta uma capela teria sido erguida ali entre 1580 e 1584, tendo sido substituída pela atual, datada de 16 de Julho de 1622, conforme inscrição na verga da porta principal. Deve-se sua construção ao bandeirante Fernando Munhoz e ao padre João Álvares. Trata-se de um exemplar de arquitetura jesuítica dos primeiros tempos, de linhas sóbrias e regulares. Construída em taipa de pilão, é uma capela alpendrada que possuia telhado de duas águas. O alpendre fronteiro de uma só queda era sustentado, por colunas de tijolos antigos. Foi reparada em 1691, por determinação do conselheiro Diogo Barbosa Rego. No século XVIII, sob a orientação dos franciscanos, foi acrescida de um complemento

de adobes, que elevou o pé direito de quatro para seis metros. O telhado da nave subiu, deixando em nível inferior a cobertura da típica varanda lateral. Criaram-se um espaço para um coro e abriram-se duas janelas acima do telhado do alpendre fronteiro. Em 1927, o telhado foi reformado com assistência de Afonso de E. Taunay. Depredada várias vezes, foi restaurada pelo IPHAN de 1939 a 1940. Esta igreja, tem sua banca de comunhão, de jacarandá torneado, e alguns retábulos paulístas contemporâneos, são considerados por Lúcio Costa “as mais antigas e autênticas expressões conhecidas de arte brasileira”. Seu valor documentário reside no fato de ser uma das poucas capelas alpendradas que subsistem, construídas nos primeiros séculos da colonização. A simplicidade de recursos e as soluções encontradas concedem-lhe valor arquitetônico. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/conpresp/legislacao/resolucoes/index. php?p=1137 ANEXO C Resolução 16/94 - Tombamento Chácara dos Fontoura ou Fazenda Biacica A fazenda tem um casarão com arquitetura luso-brasileira, onde a Ordem de Nossa Senhora do Carmo teria mantido uma cape-


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la construída no século XVII, segundo registros históricos. Na porta principal, de três metros de altura em madeira de lei, é possível ver a data de 1682 gravada no alto. Na parte de dentro, há lustres e armários da época. No século XX, quando pertencia à família Fontoura, o imóvel ganhou novos cômodos ao redor e uma varanda na frente, onde ficam dois painéis com desenhos em azulejos portugueses. Neles, estão representadas a chegada dos portugueses em São Paulo em 1532 e a catequização dos índios pelos jesuítas em 1554. A obra é datada do ano de 1952. Elementos tombados pelo Conpresp: Área verde de porte arbóreo e ajardinamentos, residência-sede e seus pertences (banco neocolonial, painéis de azulejos, relevos de bronze da varanda, móveis, talhas e quadros existentes na área da antiga Capela) e a escultura “Bartira”, de João Batista Ferri. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/conpresp/legislacao/resolucoes/index. php?p=1137 ANEXO D Resolução 5/91 - Tombamento ex-officio Sítio Mirim A informação mais antiga existente sobre este imóvel remonta a 1750, quando aí residiu o guarda-mor Francisco de Godoy Preto. Porém, não se sabe ao certo a data da construção da casa do sítio, acredita-se que seja de pelo menos 100 anos anterior a esta

data, que se constitui em exemplar único no conjunto das casas bandeiristas, por apresentar diferente disposição de planta e de soluções construtivas. Em relação à planta, não existe o grande salão central para o qual se voltavam cômodos localizados em suas laterais, mas uma área interna dividida em pequenos ambientes. Quanto à varanda, apresenta-se em forma de “L”, ao longo de duas fachadas, com uma parede de taipa envolvendo-a em determinados trechos. Construída em taipa de pilão, suas paredes são relativamente delgadas, com 50 cm de espessura e telhados com dupla inclinação. A planta é praticamente retangular, não fosse o cômodo situado fora dele em uma de suas laterais. Em 1945, apresentava-se alterada e em péssimo estado de conservação e, apesar dos trabalhos de consolidação, em 1967, encontra-se em ruínas. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/conpresp/legislacao/resolucoes/index. php?p=1137

ANEXO E Estação de São Miguel A variante de Poá, como era conhecida, foi inaugurada oficialmente em 1926, mas a estação em São Miguel começou a operar somente em 1933, com o início do tráfego no ramal. Em 1945, o nome da estação e do bairro foram alterados para Baquirivu.


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A mudança durou pouco tempo, sendo revertida para o velho nome de São Miguel, mais o nome “Paulista”. A estação sofreu diversas modificações ao longo dos anos, o que acabou por descaracterizar sua construção original e atualmente mantem apenas a antiga plataforma que está desativada, cujo acesso era feito pela Rua Salvador de Medeiros. A poucos metros dali, de frente para a Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra uma nova estação foi construída e inaugurada pela CPTM em 2013, a atual Estação São Miguel Paulista. Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/s/smiguel.htm

ANEXO F Resolução 10/12 - Tombamento Elementos integrantes do Complexo da Cia Nitro Química Considerações sobre o tombamento do complexo industrial da Companhia Nitro Química Brasileira, segundo o Conpresp: - importância histórica da presença da Companhia Nitro Química Brasileira no crescimento e urbanização do bairro de São Miguel Paulista, conforme manifestado no pedido de abertura de tombamento solicitado por segmentos da sociedade civil, e como marco relevante no processo de industrialização da cidade de São Paulo; - a importância dos conjuntos industriais e seus elementos ar-

quitetônicos como patrimônio industrial de especial relevância no panorama econômico, social e cultural de São Paulo; - o patrimônio industrial como registro das transformações geradas pela industrialização e, portanto, aglutinador de importantes valores históricos, sociais, tecnológicos e arquitetônicos, testemunhos das técnicas construtivas tradicionais e dos processos produtivos dos primórdios da industrialização paulista; - a importância de alguns prédios e elementos constitutivos da fábrica da Companhia Nitro Química Brasileira como referenciais importantes na paisagem histórica do bairro de São Miguel Paulista. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/conpresp/legislacao/resolucoes/index. php?p=1137


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